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Joaçaba/SC
2018
JOCIANI FATIMA ALVES PINHEIRO HAMMES
Joaçaba SC
2018
H224e Hammes, Jociani Fatima Alves Pinheiro.
Educação popular : colonialidade e decolonialidade
tensões emergentes / Jociani Fatima Alves Pinheiro
Hammes. – 2018.
181 f. ; 30 cm.
CDD 370
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Márcia Dorini Dal Zotto CRB 14/742
Às minhas avós Alcina (sangue indígena) e Belinha (sangue
negro) pelas presenças femininas especialmente marcantes de
minha vida. E, pela representação das mulheres sofridas e
lutadoras de Abya Yala.
Aos povos desse território e aos que deram suas vidas em favor
da justiça e da libertação contra a colonialidade, o patriarcado e
o capital.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora, professora Dra. Luiza Helena Dalpiaz, pelas horas de
dedicação nas orientações, pelos momentos de prosa e partilhas de vida; pelas descobertas,
por me permitir ser sua orientanda e pelos ensinares preciosos.
Aos demais professores do programa de Mestrado, em especial, aos que foram meus
educadores e educadoras. Suas aulas e provocações foram fundamentais para minha formação
acadêmica e curiosidade em torno da pesquisa: Elton, Marilda, Maria de Lourdes, Paulino e
Roque.
Aos colegas de turma, com destaque para Elina, Raquel, Vanessa, Cristiane e Chaiane.
Mulheres de sonhos de libertação. Gratidão especial à minha amiga/irmã Chaiane.
Aos membros da banca, pelas contribuições que permitiram qualificar a minha
proposta de investigação.
Às minhas companheiras e companheiros de luta, vida e utopias do Coletivo Feminista
Classista e do Coletivo PJR e PJMP. Que partilharam dos momentos de escrita desta
dissertação, interagindo nos debates e “encontros” com os conceitos necessários nas nossas
construções militantes. Gratidão pela defesa da vida dos povos, pelo feminismo classista, pela
defesa dos direitos fundamentais dos seres humanos e pelo amor revolucionário dedicado às
gentes da Pátria Grande. Amor grandioso pela direção política destes coletivos: Claudinha,
Claudia, Maura, Wesley, Tayson, Pedro e Paulinho. Gratidão, também, à coordenação
ampliada da PJR e PJMP e às minhas interlocutoras da pesquisa, tão jovens e grandiosamente
comprometidas.
Aos padres Reneu e Lothario, pela presença militante na minha caminhada, pela luta
árdua e doída em favor dos povos sofridos, eles que são a resistência da Teologia da
Libertação na Diocese de Chapecó. E ao companheiro Laécio Vieira, ex-secretário nacional da
PJR, que compartilha da utopia de uma outra sociedade.
Aos meus avós Ricardo e Florisbela e José e Alcina, as primeiras lembranças de amor
familiar que tenho e guardo com cuidado.
À minha família, meu primeiro núcleo rebelde e revolucionário, pelos exemplos de
resistência e superação. Meu pai João e minha mãe Marina que, por vezes, seguraram em
minhas mãos para que eu seguisse, sem perder as raízes de gentes sofridas. Meus irmãos
Carlos e Pedro, meus companheiros de vida e de sonhos, pelos seres humanos incríveis que se
tornaram, também às suas respectivas companheiras, Gabrieli e Claudia. A meu sobrinho João
Vitor, ele é o amor e a esperança que nos une e nos impulsiona à vida, João me trouxe os
melhores sentimentos. Gratidão também à sua mamãe Rosa e irmãzinha Valentina
À família que encontrei e que formamos. Maycon, meu companheiro/marido, pelo
encorajamento, por divergir de ideias e construir tantas outras. Por estar comigo nos
momentos de angústia e de alegrias intensas, por ser o contraponto da realidade e por
acreditar junto de mim que outro mundo é possível. A meus sogros Dolores e Roque, à minha
cunhada Priscila, ao Felipe (seu esposo), e seu filhinho Ravi, nosso amado Sol.
Gratidão ao tão esperando Martim, nosso filhinho. Martim chegou há pouco tempo
para ser nosso amor. A espera por ele nos fez experenciar as dúvidas e certezas absolutas.
Martim (filho da rua), a imagem dos povos mestiços desse território. É o amor sem fim, a
certeza de que nossas utopias são possíveis. Gratidão filhinho, tu és a unidade dessas gentes
que te amam e de outras que aprenderão a te amar.
Por fim, agradeço ao Deus histórico dos povos! Dos sem-terra, dos camponeses, do
povo organizado, dos indígenas, dos negros e das mulheres. O Deus que nos provoca e chama
à luta e à libertação do seu povo!
Desperto um belo dia no mundo e me atribuo um único direito:
exigir do outro um comportamento humano. Um único dever: o
de nunca, através de minhas opções, renegar minha liberdade
(Frantz Fanon)
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo analisar questões que emergem da relação entre
educação popular e (de) colonialidade. A formação do continente latino-americano se
particularizou por um modo de produção capitalista dependente, que produziu conflitos de
classes e injustiças sociais, baseados no racismo, estabelecendo, assim, um padrão global de
poder. Esse padrão fundamenta a colonialidade do poder associada à colonialidade do saber e
do ser, constituindo o sistema mundo moderno/colonial hegemônico. A desconstrução desse
padrão supõe rupturas contra-hegemônicas, epistêmicas, teóricas e políticas, que levam à
constituição histórica de um giro decolonial, tendo em vista um pensamento novo/homem
novo. Na dissertação são apresentados elementos sócio-históricos, que evidenciam a
construção da colonialidade e o tensionamento produzido por lutas contra-hegemônicas na
América Latina e no Brasil. A pesquisa mostra que o termo educação popular apresenta
contradições e ambiguidades, pois a mesma expressão toma diferentes significados conforme
o contexto sócio-histórico do qual emerge. Nesse contexto, a educação popular libertadora se
fundamenta e se particulariza pela luta de classes e pelas resistências contra-hegemônicas,
face ao padrão eurocêntrico da colonialidade. Nesse início de século XXI, no campo da
educação popular libertadora está em curso uma refundamentação baseada em revisão crítica
de práticas e de concepções até então vigentes, tendo em vista a emergência de novos sujeitos
políticos (gênero, classe e etnia), assim como de epistemologias do sul. O trabalho de campo
ocorreu junto a um Coletivo Feminista Classista, do extremo-oeste de Santa Catarina, tendo
em vista evidenciar questões singulares sobre a colonialidade, que emergem de práticas
educativas populares de mulheres militantes. Em termos metodológicos, o trabalho observou
princípios e procedimentos da entrevista compreensiva, tanto para o levantamento quanto para
a sistematização e análise de dados. Foram realizadas cinco entrevistas com militantes de
idades e funções diversificadas, as quais foram gravadas e integralmente transcritas. Os
resultados do trabalho de campo mostram que a colonialidade e respectivas formas contra-
hegemônicas se evidenciam em três planos distintos e articulados entre si: poder, saber e ser.
A colonialidade do poder refere-se ao padrão hegemônico de dominação e de exploração,
fruto do modo de produção capitalista, que se generaliza para o conjunto de relações sociais.
A colonialidade do saber consiste na imposição da perspectiva eurocêntrica do conhecimento,
no estabelecimento de divisões e hierarquias simbólicas entre diferentes saberes e a exclusão
de outros saberes e epistemologias. A colonialidade do ser está relacionada tanto com a
violência originária da colonização quanto com o padrão de exploração e dominação que é
(re)produzido na linguagem e no jeito de viver nos planos individuais e coletivos. Os
resultados da pesquisa realizada levam a formular quatro hipóteses, que sinalizam rumos para
pesquisas subsequentes: a luta política é indissociável da prática educativa; a educação
popular libertadora se constitui em um caminho para a construção de forças contra-
hegemônicas, na luta contra a dominação e a exploração; as lutas contra-hegemônicas contêm
em perspectiva o projeto histórico da decolonialidade, no entanto, a reprodução de formas
arcaicas da colonialidade constitui o povo latino-americano; a desconstrução de práticas de
dominação e exploração supõe instaurar condições para posturas autorreflexivas e a formação
de militantes e de lideranças.
This dissertation has the objective of analyzing issues that emerge from the relationship
between popular education and decoloniality. The formation of the Latin American continent
has become particularized for having a mode of dependent capitalist production, which
produced class conflicts and social injustices, based on racism, establishing, therefore, a
global pattern of power. This pattern substantiates the coloniality of power associated to the
coloniality of knowledge and of being, constituting the hegemonic modern/colonial world
system. The deconstruction of this pattern presumes counter-hegemonic, epistemic,
theoretical, and political ruptures, which lead to the historical constitution of a decolonial
turn, considering a new thought/new human being. In the dissertation, social and historical
elements are presented, which evince the construction of the coloniality and the tensioning
produced by counter-hegemonic fights in Latin America and in Brazil. The research shows
that the term popular education presents contradictions and ambiguities, provided that the
same expression has different meanings according to the social and historical context from
which it emerges. In this context, the liberating popular education is based on and
particularized by the class struggle and by the counter-hegemonic resistances in face of the
Eurocentric pattern of the coloniality. In this beginning of the 21th century, in the field of the
liberating popular education, a new substantiation, based on critical review of practices and
conception, applicable up to now, is in progress. It aims at the emergence of new politic
subjects (gender, class, and ethnicity), as well as of epistemologies of the South. The
fieldwork took place in a class-conscious feminist school of the Far West of Santa Catarina,
seeking to evince singular issues about the coloniality, which emerge from the popular
educational practices of activist women. Methodologically, the work observed principles and
procedures of the comprehensive interview, both for the survey and for the systematization
and data analysis. Five interviews with activists of diverse functions and ages were
performed, recorded and fully transcribed. The results of the fieldwork show that the
coloniality and respective counter-hegemonic forms are evinced in three plans wich are
distinct and articulated with each other: power, knowledge, and being. The coloniality of
power refers to the hegemonic pattern of domination and exploration, fruit of the capitalist
mode of production, which generalizes itself for the set of social relations. The coloniality of
knowledge consists of the imposition of the eurocentric perspective of knowledge, in the
establishment of symbolic divisions and hierarchies among different knowledge and the
exclusion of other knowledge and epistemologies. The coloniality of being is related both to
the violence originated from the colonization and to the pattern of exploration and
domination, which is re(produced) in the language and way of living in the individual and
collective plans. The results of the research performed lead to formulating four hypotheses
that indicate paths for subsequent researches: the political strength is inseparable of the
educative practice; the liberating popular education is constituted as a path for the
development of counter-hegemonic forces, in the fight against domination and exploration;
the counter-hegemonic fights have in perspective the historical project of the decoloniality,
however, the reproduction of archaic ways of the coloniality constitutes the Latin American
people; the deconstruction of domination practices and exploration assumes to establish
conditions for self-reflexive postures and the formation of militants and leaderships.
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................11
2 DA INVASÃO COLONIALISTA À COLONIALIDADE: ALGUNS
INDÍCIOS ...............................................................................................................15
2.1 COLONIALIDADE E DECOLONIALIDADE: DISTINÇÕES
CONCEITUAIS .......................................................................................................15
2.2 COLONIALIDADE E LUTAS CONTRA-HEGEMÔNICAS................................ 30
2.2.1 Invasão das terras e dominação de povos indígenas ...........................................30
2.2.2 Colonização europeia e escravidão negra ............................................................ 37
2.2.3 Industrialização e imperialismo ...........................................................................46
2.2.4 Neoliberalismo e globalização ...............................................................................61
3 EDUCAÇÃO POPULAR E CONTRA-HEGEMONIA .....................................75
3.1 EDUCAÇÃO POPULAR: DOIS PRECURSORES LATINO-AMERICANOS ....78
3.1.1 Simón Rodríguez (1771-1854) ...............................................................................78
3.1.2 José Martí (1853-1895) .......................................................................................... 84
3.2 EDUCAÇÃO POPULAR: DIFERENTES PERSPECTIVAS .................................89
3.3 EDUCAÇÃO POPULAR LIBERTADORA ........................................................... 95
3.4 EDUCAÇÃO POPULAR: REFUNDAMENTAÇÃO.............................................105
4 COLONIALIDADE E PRÁTICAS EDUCATIVAS POPULARES:
TENSÕES EMERGENTES .................................................................................. 119
4.1 ESCUTA SINGULAR DE MULHERES MILITANTES .......................................119
4.2 COLONIALIDADE DO PODER: LUTAS ESTRUTURAIS,
ORGANIZACIONAIS E IDENTITÁRIAS ........................................................... 124
4.3 COLONIALIDADE DO SABER: SABERES POPULARES E TROCAS DE
SABERES ...............................................................................................................138
4.4 COLONIALIDADE DO SER: MUDANÇAS INDIVIDUAIS E COLETIVAS ....149
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 160
REFERÊNCIAS .....................................................................................................164
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista .....................................................................179
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.............................. 180
11
1 INTRODUÇÃO
entendia como estabelecer o problema de pesquisa. Então, inicialmente, trabalhei com três
descritores: educação popular – feminismo – mulheres, os quais me levaram ao tema da
prostituição e do campesinato.
Simultaneamente fui bolsista1, em uma pesquisa exploratória, a qual se tratava de
analisar características da abordagem da educação não escolar na produção científica, do
campo da educação. A metodologia utilizada foi um levantamento bibliográfico de artigos
publicados em periódicos listados na base Qualis 2014, da Capes, na área da Educação, no
período compreendido entre 2010 e 2015. A seleção dos artigos considerou um critério amplo
de inclusão: a abordagem da educação não escolar em diferentes formas e perspectivas,
observando uma distinção da educação escolar. A coleta de dados foi centrada nos resumos
dos artigos. Enquanto realizava essa pesquisa fui selecionando os artigos referentes à
educação popular que eu entendia serem pertinentes para minha dissertação. Apesar do
volume de informações trabalhadas nos dois levantamentos bibliográficos realizados, persistia
minha dificuldade em estabelecer uma delimitação do problema de pesquisa.
Nesse contexto, em situação de orientação formulamos uma pergunta: Será que a
educação popular começou com Paulo Freire e a ele se restringe? Essa interrogação me
instigou a buscar elementos bibliográficos que indicassem pistas sobre a gênese da educação
popular na América Latina.
Nesse caminho, encontrei a obra do venezuelano Simón Rodríguez (1771-1854) e
descobri que ele foi o primeiro educador popular latino-americano, assim como preceptor de
Simón Bolívar (1783-1830), uma das referências históricas das lutas contra-hegemônicas de
libertação do continente. Rodríguez defendia a educação de meninas de todas as classes e
raças, bem como meninos pobres, indígenas, negros, mestiços e órfãos. Nessa busca, descobri
também o cubano José Martí (1853-1895), que trabalhou com base na justiça social para as
massas populares e no pensamento da unidade dos povos latino-americanos – “Nuestra
América”.
Em tal rumo, cheguei ao grupo Modernidade e Colonialidade, formado por intelectuais
latino-americanos contrários à cultura eurocêntrica, logo, anticolonial, anticapitalista,
antirracista, antipatriarcal, anti-imperialista. O coletivo realizou um movimento
epistemológico fundamental para a renovação crítica e utópica das ciências sociais na
América Latina no século XXI. Em pesquisas desse coletivo, Frantz Fanon (1925-1961), que
nasceu na Martinica, é considerado um dos precursores do pensamento decolonial.
1
Fundo de Apoio à Pesquisa (FAPE), programa da Universidade do Oeste de Santa Catarina, 2015/2-2016/2.
13
[...] o mesmo paradigma indiciário usado para elaborar formas de controle social
sempre mais sutis e minuciosas pode se converter num instrumento para dissolver as
névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem uma estrutura social como a do
capitalismo maduro. Se as pretensões de conhecimento sistemático mostram-se cada
vez mais como veleidades, nem por isso a ideia de totalidade deve ser abandonada.
Pelo contrário: a existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos
superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que um conhecimento
direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas
privilegiadas — sinais, indícios — que permitem decifrá-la.
Quando Cristóvão Colombo se lançou à travessia dos grandes espaços vazios a oeste
da Ecúmene, havia aceitado o desafio das lendas. Tempestades terríveis balançariam
suas naus, como se fossem cascas de nozes, e as arremessariam nas bocas dos
monstros; a grande serpente dos mares tenebrosos, faminta de carne humana, estaria
à espreita. Só faltavam mil anos para que os fogos purificadores do Juízo Final
arrasassem o mundo, como acreditavam os homens do século XV; o mundo era o
mar Mediterrâneo com suas costas ambíguas: Europa, África, Ásia. Os navegantes
portugueses asseguravam que os ventos do oeste traziam cadáveres estranhos e às
vezes arrastavam troncos curiosamente talhados, mas ninguém suspeitava que o
mundo seria, logo, assombrosamente acrescido por uma vasta terra nova.
(GALEANO, 2009, p. 27).
16
Para além do mundo conhecido dos navegadores do século XV, para além das lendas,
havia uma terra nova, povoada por gentes e culturas que foram “derrotadas também pelo
assombro” do que seria a invasão imposta aos povos do novo mundo (GALEANO, 2009, p.
21).
Segundo Cajigas-Rotundo (2007), o processo histórico de colonização da América
Latina se caracterizou pela “longa duração” e tomou forma de “descoberta da América”. A
“descoberta” foi parte integrante de um sistema caracterizado pela “heterogeneidade
estrutural”, que levou a uma distribuição assimétrica do poder e se concretizou no saque e na
“sobreexploração” das colônias.
No território latino-americano, em termos conjunturais, a formação do continente se
particularizou por um modo de produção dependente. Florestan Fernandes chamou de
“capitalismo dependente” (FERNANDES, 1981, p. 90), que gerou antagonismos de classes e
injustiças sociais amparados e reforçados pelo Estado, como parte da própria estrutura do
capitalismo. Fernandes (2000, p. 107) observa que “a grande maioria dos países de origem
colonial sofreu um desenvolvimento capitalista deformado e perverso.”
A história dos povos da América Latina é analisada por um conjunto diversificado de
intelectuais e de pensadores críticos em relação à formação do continente. A “colonialidade do
poder” é um conceito elaborado originalmente pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano, que
produziu uma crítica radical ao capitalismo. Para Quijano (2002), a colonialidade do poder
refere-se a um padrão global de poder que surgiu com a colonização da América. Esse padrão
consiste na articulação entre:
Para Quijano (2005), tal padrão global baseia-se numa classificação hierárquica,
sustentada pela ideia de “raça”. Essa ideia é configurada pelas relações e práticas sociais do
poder estabelecido, em que as gentes da América Latina, chamadas não europeus, são
consideradas diferentes. Essa diferença se manifesta biologicamente e, especialmente,
pertence a um nível inferior de humanos, em relação ao restante das pessoas do mundo.
Quijano (1993) argumenta que tais ideias constroem as imagens, valores, atitudes e práticas
sociais inerentes às relações que moldam profundamente e de forma duradoura um complexo
cultural. Segundo o autor, esse complexo cultural conhecemos como racismo.
17
Nas palavras de Quijano (2005, p. 229): “na América, a ideia de raça foi uma maneira
de outorgar legitimamente as relações de dominação impostas pela conquista.” O debate em
torno da “ideia de raça” se relaciona com uma visão de superioridade eurocêntrica, o que foi
base de sustentação da colonização política, econômica e cultural dos povos da América
Latina. Segundo ele, durante o período que se consolidava a dominação colonial europeia,
também se construiu um complexo cultural conhecido como racionalidade-modernidade
europeia, estabelecido como paradigma universal de conhecimento e relação.
O colonialismo, para além de todas as dominações por que é conhecido, foi também
uma dominação epistemológica, uma relação extremamente desigual de saber-poder
que conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias dos povos e nações
colonizados, relegando muitos outros saberes para um espaço de subalternidade.
(SANTOS; MENESES, 2010, p. 7).
para conter as classes opositoras, a classe dirigente utiliza-se da força. Nesse sentido, a
relação entre a classe dominante e as classes dominadas ocorre mediante aparelhos
hegemônicos, os quais são compreendidos como estruturas de repressão e violência (aparatos
de força militar, polícia, ordenamento jurídico, burocracia administrativa) e como instituições
que disseminam as ideologias (escolas, igrejas, partidos políticos, sindicatos, família, mídias).
autor).
Gramsci detalhou características do funcionamento do sistema capitalista, escreveu de
forma contundente sobre a superestrutura formada pela sociedade política e sociedade civil,
que compreende todo o conjunto das relações materiais, relação ideológico-cultural, vida
espiritual e intelectual. Tanto para Marx quanto para Gramsci, a análise da sociedade civil
leva à compreensão do desenvolvimento capitalista. Para Marx, sociedade civil é a estrutura
(relação de produção), ao passo que Gramsci “elevou o conceito de superestrutura, quando
considerou as relações ideológicas e culturais mais importantes do que as relações de
produção.” (NASCIMENTO; SBARDELOTTO, 2007, p. 278).
A visão burguesa de mundo se reproduz, entre outros instrumentos hegemônicos, por
meio da educação. Para Gramsci (1978), a dimensão política da educação é uma ferramenta
intelectual imprescindível para a construção da hegemonia cultural e ideológica. Nos termos
desse autor, em consequência, a educação é fundamental também como instrumento contra-
hegemônico. Segundo Gramsci, é no campo da cultura que a hegemonia se compõe como um
longo processo histórico. Portanto, defende a construção da cultura popular, com outros
valores, outras relações sociais, outras normas. Esse processo superaria a sociedade classista e
possibilitaria um avanço da consciência, reconstruindo uma nova visão do ser humano e de
mundo. Essa tarefa estaria centrada nos processos e nas políticas educativas tanto nos partidos
de massa quanto na escola.
A construção da cultura do proletariado implica unidade das classes subalternas por
meio da educação. Esta propicia condições para o avanço da consciência de classe e,
coletivamente, da organização para a transformação social por meio da revolução socialista.
Nesse sentido, Gramsci se manifesta:
a estrutura de classes sociais na América Latina. Essa conjuntura histórica das relações de
violência e repressão provoca a organização popular a reagir, formando movimentos de
resistência camponesa, operária, mestiça, negra e indígena, contrariando a ordem burguesa e
destacando lideranças que marcam a história na construção da contra-hegemonia.
Para Dore Soares (2006), o processo conflitante de convencimento e consenso entre as
classes concerne ao que Gramsci chamou de “luta pela hegemonia”. Essa luta pode criar
capacidades de organização das classes subalternas na construção de uma contra-hegemonia
que, potencialmente, poderá se tornar hegemônica. A classe trabalhadora perdendo referências
hegemônicas se encontra em um contexto de “crise de Estado”, que representa “a crise da
capacidade burguesa para dominar indiretamente através do aparelho ideológico do Estado.”
Porém, como o Estado não representa isoladamente a hegemonia burguesa, controlar o Estado
seria insuficiente para garantir a construção do que Gramsci denominou “guerra de posição”
(CARNOY, 1988, p. 107).
Na América Latina há um conjunto de homens e mulheres, intelectuais orgânicos,
cujos trabalhos contribuem para a análise e a compreensão da desconstrução da cultura
colonialista subserviente aos centros de poder, por meio de um movimento crítico e radical
em torno do pós-colonialismo: rede denominada Grupo Modernidade/Colonialidade (M/C)2.
Segundo Gramsci:
Por intelectuais, deve-se entender [...] todo o estrato social que exerce funções
organizativas em sentido lato, seja no campo da produção, seja no da cultura e no
político-administrativo (Idem, C 1, p. 37). No caderno 11, argumenta: “uma massa
humana não se “distingue” e não se torna independente “para si” sem organizar-se
(em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem
organizadores e dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-
prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas “especializadas” na
elaboração conceitual e filosófica. Mas esse processo de criação dos intelectuais é
longo, difícil, cheio de contradições, de avanços e de recuos [...]. (C 11, p. 1386/v. 1,
p. 104).
2
O Grupo M/C é um esforço de intelectuais latino-americanos que, ao longo do tempo, construíram encontros,
debates e escritas de enfrentamentos anticolonial, anticapitalista, antirracista, antipatriarcal, contrários à cultura
eurocêntrica entranhada na vida dos povos da América Latina. Ballestrin (2013, p. 89) contextualiza “o coletivo
realizou um movimento epistemológico fundamental para a renovação crítica e utópica das ciências sociais na
América Latina no século XXI.” Assumindo uma miríade ampla de influências teóricas, o M/C atualiza a
tradição crítica de pensamento latino-americano, oferece releituras históricas e problematiza velhas e novas
questões para o continente.
3
O uso do termo “decolonial” ao invés de “descolonial” é uma indicação de Walter Mignolo para diferenciar os
propósitos do Grupo Modernidade/Colonialidade e da luta por descolonização do pós-Guerra Fria, bem como
dos estudos pós-coloniais asiáticos (ROSEVICS, 2017, p. 191).
25
De acordo com Ballestrin (2013), “as origens do grupo M/C podem ser remontadas à
década de 1990, nos Estados Unidos.” Conforme a autora, “um grupo de intelectuais latino-
americanos e americanistas que lá viviam fundou o Grupo Latino-Americano dos Estudos
Subalternos. Inspirado principalmente no Grupo Sul-Asiático dos Estudos Subalternos.”
(BALLESTRIN, 2013, p. 94). A autora esclarece que o termo “subalterno” tem origem na
teoria de Gramsci, “entendido como classe ou grupo desagregado e episódico que tem uma
tendência histórica a uma unificação sempre provisória pela obliteração das classes
dominantes.” (BALLESTRIN, 2013, p. 93).
Escobar (2003, p. 53) argumenta que o Grupo M/C construiu sua teorização tendo
como referências: teologia da libertação, debates na filosofia e ciência social latino-
americana, teoria da dependência, teorias críticas europeias e norte-americanas da
modernidade, debates na América Latina sobre modernidade e pós-modernidade, grupo
latino-americano de estudos subalternos, teoria feminista chicana, teoria pós-colonial e
filosofia africana. Complementa o autor que “sua principal força orientadora, no entanto, é
uma reflexão continuada sobre a realidade cultural e política latino-americana, incluindo o
conhecimento subalternizado dos grupos explorados e oprimidos.” (ESCOBAR, 2003, p. 53).
O pensamento decolonial tem como um dos precursores Frantz Fanon.4 De acordo
com Ballestrin (2013), “Fanon soma-se a um conjunto de autores precursores do argumento
pós-colonial, cujas primeiras elaborações podem ser observadas pelo menos desde o século
XIX na América Latina.” Os trabalhos de Fanon expõem elementos priomordiais que, ao
longo do tempo, tornaram-se alicerce do pensamento epistêmico decolonial. Suas denúncias
ao colonialismo europeu presentes na África e Ásia, coloca-o em posição antagônica à
estrutura de poder, preconizando a luta pela decolonização do ser e do saber.
Fanon destaca-se por suas obras, mas singularmente, por sua luta anticolonial.
Segundo Gordon (2008, p. 11-12), Fanon é conhecido como revolucionário, lutou junto às
forças de resistência no norte da África e na Europa durante a Segunda Guerra Mundial e foi
membro da Frente de Libertação Nacional da Argélia. Como membro desta frente entrou na
lista de cidadãos procurados pela polícia em todo o território francês.
Em suas obras, discorre sobre as complexas relações entre os colonizados e
colonizadores. Fanon considera que o processo de colonização usou da violência e de todas as
forças hegemônicas de dominação possíveis para comprometer a cultura, ciência, educação e
o idioma dos povos colonizados. Para ele, o colonialismo se entranhou de tal maneira no
pensamento das pessoas, que o colonizado sonha em ser colono: “o colonizado é um
perseguido que sonha permanentemente tornar-se um perseguidor.” (FANON, 1968, p. 70).
Jean-Paul Sartre descreve a violência exercida pelos colonizadores:
4
Frantz Fanon nasceu em Fort-de-France/Martinica no dia 20 de julho de 1925. Foi um psiquiatra, filósofo,
cientista social, revolucionário e ensaísta marxista de ascendência francesa e africana. Fortemente envolvido na
luta pela independência da Argélia, foi um influente pensador do século XX sobre os temas da descolonização e
da psicopatologia da colonização. Suas obras foram inspiradas em mais de quatro décadas de movimentos de
libertação anticoloniais. Analisou as consequências psicológicas da colonização, tanto para o colonizador quanto
para o colonizado, e o processo de descolonização, considerando seus aspectos sociológicos, filosóficos e
psiquiátricos. Faleceu em 1961, nos Estados Unidos, enquanto tratava-se de leucemia. Fanon foi o principal
pensador dos males do colonialismo (Síntese por mim elaborada a partir de dados capturados em diferentes sites
da internet).
28
Para Fanon (1968, p. 31), a violência cometida pelo mundo colonial destruiu formas
sociais indígenas, bem como sua economia e todas as relações de vida, impondo ao
colonizado o modo de vida do colono. Segundo o autor, a sociedade do colonizado é
considerada pelo colonizador como “uma sociedade sem valores”, e o indígena como o “mal
absoluto”.
Fanon (2008, p. 88) destaca o racismo como elemento central da ordem de dominação
europeia sobre “outros” povos e assevera que “a civilização europeia e seus representantes
mais qualificados são responsáveis pelo racismo colonial.” Segundo o autor, o racismo é
elemento fundante da colonialidade, o que o leva a desenvolver a categoria da inferiorização,
que, para ele, está correlacionada à superiorização europeia, e profere: “precisamos ter a
coragem de dizer: é o racista que cria o inferiorizado.” (FANON, 2008, p. 90).
Na obra Pele Negra, Mascaras Brancas, Frantz Fanon (2008, p. 59) aborda a questão
patriarcal e a subjugação da mulher negra ao homem branco, “[...] Mayotte ama um branco do
qual aceita tudo. Ele é o seu senhor. Dele ela não reclama nada, não exige nada, senão um
pouco de brancura na vida.” Para Fanon, o patriarcado e o racismo implícito em suas obras
são consequência do colonialismo, reforçado pela inferioridade. De acordo com Ballestrin
(2017, p. 1038), Fanon foi “fundamental para vincular definitivamente racismo e
colonialismo, introduzindo questões de gênero e raça.” Mesmo que em suas obras o sujeito
colonizado tenha sido o homem negro, Fanon deixou um importante legado para o feminismo
decolonial5 e subalternos, nascidos no século XX.
5
Segundo Ballestrin, o feminismo decolonial “reedita o feminismo terceiro-mundista, autodenominando-se
também como feminismo do sul e feminismo fronteiriço (uma alusão ao conceito de pensamento de fronteira
ou fronteiriço de Walter Mignolo). Essa atualização, contudo, restringe-se às universidades dos Estados Unidos
e países da América Latina em relação aos seus principais lugares de enunciação, procurando resgatar
diferentes feminismos da região (chicano, negro, latino-americano). O feminismo decolonial – em certos
29
Por uma “desordem absoluta” Fanon (1968, p. 275) apregoa: “Pela Europa, por nós
mesmos e pela humanidade, camaradas, temos de mudar de procedimento, desenvolver um
pensamento novo, tentar colocar de pé um homem novo.” Frants Fanon propõe a criação de
“um novo homem”, novo ser humano, com pensamentos novos. Refere-se à subversão
necessária aos dominados para levantarem-se na história, culpabiliza o próprio processo
colonial, que impele as massas a usarem a força para se libertarem. Segundo o autor, as
massas famintas e depauperadas têm a intuição de que sua liberdade só ocorrerá pela força,
porque é assim que as tratam o “ocupante” (FANON, 1968, p. 56).
Para Fanon (1968 p. 25-26) a descolonização trata-se da “substituição de uma
‘espécie’ de homens por outra ‘espécie’ de homens.” Para ele, haverá uma substituição
absoluta, inclusive, de uma nova nação, de um novo Estado, com outras relações
diplomáticas, seria nova a orientação política e econômica. Contudo, essa “extraordinária
importância de tal transformação” necessita ser querida, reclamada e exigida pelos
colonizados, para tanto, é fundamental certo grau de consciência. Esse processo mudaria
concomitantemente a vida, a consciência e o ser, de outras mulheres e homens: “os colonos”.
Para os que chegavam, o mundo em que entravam era a arena dos seus ganhos, em
ouros e glórias, ainda que estas fossem principalmente espirituais, ou parecessem
ser, como ocorria com os missionários. Para alcançá-las, tudo lhes era concedido,
uma vez que sua ação e além-mar, por mais abjeta e brutal que chegasse a ser, estava
previamente sacramentada pelas bulas e falas do papa e do rei. Eles eram, ou se
viam, como novos cruzados destinados a assaltar e saquear túmulos e templos de
hereges indianos. Mas aqui, o que viam, assombrados, era o que parecia ser uma
humanidade edênica, anterior à que havia sido expulsa do Paraíso. Abre-se com esse
encontro um tempo novo, em que nenhuma inocência abrandaria sequer a sanha com
que os invasores se lançavam sobre os gentis, prontos a subjugá-los pela honra de
Deus e pela prosperidade cristã.
Nota-se que o território ameríndio serviu de eixo para o capital internacional a partir
das relações de produção da economia colonial, ou seja, do antigo sistema colonial, que se
articulava com as seguintes características: a) as colônias tinham a tarefa de fortalecer as
riquezas da metrópole, por meio de metais preciosos e agricultura, ou seja, com a matéria-
prima e o trabalho escravo; b) com o chamado pacto-colonial (definido como um conjunto de
regras, leis e normas) mantinham a metrópole no controle da produção, detendo esta, o
monopólio do comércio (NOVAIS, 1977).
Consequentemente, as relações entre colônias e metrópoles garantiam a hegemonia do
capital comercial. A produção abastecia o capitalismo em construção na Europa, ao passo que
garantia a subserviência das colônias por meio do modo de produção colonial e da mão de
obra escrava. Esse processo fortaleceu o capital internacional, bem como uma elite colonial
formada por latifundiários e mineradores.
33
Segundo Novais (1977, p. 69), o sistema colonial foi essencial para o capitalismo
mundial. O autor o considera como a “principal alavanca na gestação do capitalismo
moderno”, para ele é peça de um sistema, como “instrumento da acumulação primitiva”, que
“completa-se, entrementes, a conotação do sentido profundo da colonização: comercial e
capitalista, isto é, elemento constitutivo no processo de formação do capitalismo moderno.”
(NOVAIS, 1977, p. 70).
Como parte da constituição do sistema colonial, a América é o primeiro espaço/tempo
de um novo padrão de poder, que articula a ideia de raça, controle de trabalho e de seus
recursos em torno do capital e do mercado mundial. Essa dinâmica forçou no território uma
construção mental de inferioridade que expressa a experiência básica da dominação colonial.
A isso, Quijano chamou de colonialidade do poder (QUIJANO, 2005, p. 228).
Os colonizadores/invasores usaram como estratégia de expansão a escravidão indígena
e negra em prol do enriquecimento do continente europeu. Os povos usados como escravos
foram chamados por Galeano (2009) de “proletariado externo da economia europeia.” O autor
sintetiza esse processo da seguinte forma:
A “Ilha Brasil” (termo usado por Jaime Cortesão, 1958) era ocupada por uma
infinidade de povos indígenas, divididos em vários grupos tribais, e, por isso, com
características distintas. No contexto se desenvolveu uma mistura de signos, símbolos,
figuras, valores, mística, ideais e processos estruturais de dominação e apropriação, que vão
desvendando o movimento da realidade social, cultural, econômica e de identidade.
34
Darcy Ribeiro (2006) descreve as nações indígenas como gentes com uma magnífica
relação com a natureza, a terra, no ideário indígena, era um bem comum, e, portanto, não
poderia ser propriedade de ninguém. Na cultura indígena, segundo Ribeiro (2006), todos têm
análoga capacidade, mesmo que as tarefas diárias sejam notoriamente distintas por gênero. O
conhecimento e as informações de maneira alguma podem ser apropriados por alguém para
serem usados como dominação sob outras pessoas.
Para o autor,possivelmente, os indígenas consideravam os europeus pessoas generosas,
pois entre eles não havia nenhuma relação de espoliação. Esclarece seu ponto de vista:
Essa visão mística que tinham os indígenas em relação aos invasores favoreceu a
proximidade entre povos nativos e europeus. O rompimento e destruição das “bases da vida
social indígena”, espoliação, cativeiro, mortes, genocídios, estupros, não fazia parte da vida
indígena, portanto, não podia ser previsto por eles. “O grupelho recém-chegado de além-mar
era superagressivo e capaz de atuar destrutivamente de múltiplas formas.” (RIBEIRO, 2006,
p. 26).
A educação serviu como instrumento substancial para a construção de uma nova
cultura, instrumento hegemônico eficiente para a construção da colonialidade. A colonização
fixou no continente americano não somente uma organização política e econômica, mas criou
condições de hegemonizar o saber do dominador/colonizador, forjando toda cultura
eurocentrada por intermédio da educação.
Nas proposições de Quijano (2005, p. 115):
A invasão não foi um “encontro de culturas”; os invasores chegaram com sede de ouro
e prata e foram recebidos com espanto. Para Galeano (2009, p. 34-35), “o inca Atahualpa caiu
de costas quando viu chegar os primeiros soldados espanhóis, montados em briosos cavalos
ornados de guizos e penachos que corriam desencadeando tropéis e polvadeira.” Os invasores
agregaram cúmplices das classes dominantes intermediárias, entre eles, chefias indígenas
mais altas. Mas a reação dos povos não foi de cordialidade, como faz alusão o autor: “o
cacique Tecum à frente dos herdeiros dos maias, decapitou o cavalo de Pedro de Alvarado,
convencido de que fazia parte do conquistador: Alvarado se ergueu e o matou.”
Das relações forçadas pelo poder hegemônico que se abateu sobre a América Latina,
nasce a resistência que construirá grupos sociais organizados. Partindo do conceito
Gramsciano de hegemonia, que o define como o consenso e aceitação entre as classes, e no
caso do período de colonização, entre colonizados e colonizadores, percebemos que de tais
relações surgiram “levantes” – homens e mulheres que tensionaram e confrontaram a
hegemonia eurocêntrica, constituindo-se em forças contra-hegemônicas organizadas.
As batalhas foram intensas, guerreiros indígenas se muniam de bordunas, escudos,
6
Para Galeano (2009, p. 84), “Da plantação colonial subordinada às necessidades estrangeiras e financiada, em
muitos casos, do exterior, provém em linha reta o latifúndio de nossos dias. Este é um dos gargalos da garrafa
que estrangulam o desenvolvimento econômico da América Latina e um dos fatores primordiais da
marginalização e da pobreza das massas latino-americanas.”
37
arco e flecha, contra os invasores e seus canhões de bronze, arcabuzes, mosquetes e pistolas.
Galeano (2009) fala de rios de sangue em terras ameríndias. O continente latino-americano
presenciou a morte de povos inteiros, ao passo que viu nascer a resistência.
Entre os líderes, Galeano (2009, p. 65) evidencia: Tupac Amaru “cacique mestiço,
descendente direto dos imperadores Incas”, comandou a insurreição do povo indígena no
Peru, ocorrida no século XVI. Entre as lutas contra-hegemônicas dos povos indígenas no
Brasil, Golin (2011) considera imprescindível referir-se à Guerra Guaranítica do Rio Grande
do Sul (1753-1756).7 Darcy Ribeiro (2006) destaca, ainda: a revolta dos tamoios (guerra entre
portugueses e índios que não aceitaram o jugo luso), a guerra entre colonos e jesuítas que
defendiam os índios.
Quijano (2005) contribui ao sistematizar o fim da escravidão indígena:
[…] a Coroa de Castela logo decidiu pelo fim da escravidão dos índios, para impedir
seu total extermínio. Assim, foram confinados na estrutura da servidão. Aos que
viviam em suas comunidades, foi-lhes permitida a prática de sua antiga
reciprocidade – isto é, o intercâmbio de força de trabalho e de trabalho sem mercado
– como uma forma de reproduzir sua força de trabalho como servos. Em alguns
casos, a nobreza indígena, uma reduzida minoria, foi eximida da servidão e recebeu
um tratamento especial, devido a seus papéis como intermediária com a raça
dominante, e lhe foi também permitido participar de alguns dos ofícios nos quais
eram empregados os espanhóis que não pertenciam à nobreza. Por outro lado, os
negros foram reduzidos à escravidão. Os espanhóis e os portugueses, como raça
dominante, podiam receber salários, ser 118 comerciantes independentes, artesãos
independentes ou agricultores independentes, em suma, produtores independentes de
mercadorias. Não obstante, apenas os nobres podiam ocupar os médios e altos
postos da administração colonial, civil ou militar. (QUIJANO, 2005, p. 118-119).
De acordo com Darcy Ribeiro (2006), somente no século XVII é que a escravidão
negra veio sobrepujar a escravidão indígena, porém a mão de obra indígena sempre foi
considerada indispensável, já que o índio era tido como trabalhador ideal para transportar
7
Segundo Golin (2011), foi “o evento bélico deflagrado pelo levante dos índios rebeldes contra os demarcadores
e exércitos da Espanha e Portugal.” O autor relata que índios e caciques insurgiram-se contra a mudança de
governo de suas terras, motivados pela rejeição de seis cabildos situados a oriente do rio Uruguai. Os indígenas
sob comando de Sepé Tiarajú contestaram cláusulas do Tratado de Madri, a causa principal foi a previsão de
permuta dos Sete Povos (espanhol) pela Colônia do Sacramento (português). Sepé Tiarajú foi morto na batalha
de Caiboaté, junto de aproximadamente 1500 Guaranis, segundo Golin (1998, p. 576), “num massacre de
proporções gigantescas com requintes de crueldade.”
38
cargas. O autor segue argumentando que “seu papel também foi preponderante nas guerras
aos outros índios e aos negros quilombolas.” (RIBEIRO, 2006, p. 88).
Para Quijano (2005, p. 247), a servidão imposta aos povos indígenas, bem como à
escravidão na América “foi deliberadamente estabelecida e organizada como mercadoria para
produzir mercadorias para o mercado mundial e, desse modo, para servir aos propósitos e
necessidades do capitalismo.”
Conforme Galeano (2009), na América Latina, desde as colonizações portuguesa e
espanhola, foi usada a escravidão como alicerce para a economia colonial, contribuindo na
concentração de riqueza dos colonizadores. O autor se reporta a essa concentração como a
maior da história mundial, edificada pelas mãos escravas: “o terrível destino dos negros
arrebatados às aldeias africanas para trabalhar no Brasil e nas Antilhas.”
Os negros foram incorporados ao sistema colonial em um processo político e
hegemônico de poder, no sistema vigente. Darcy Ribeiro (2006) analisa que é difícil
mencionar e quantificar o total de negros que foram trazidos ao Brasil. Relata o autor que a
Coroa, ao passo que permitia a compra de até 120 “peças” a cada senhor de engenho, não
limitava o direito de comprar negros trazidos aos mercados de escravos. Nesse sentido:
2000, p. 110).
A análise da categoria trabalho está intrínseca no padrão global de que fala Quijano
(2007). O controle do trabalho e as relações materiais de produção determinam qual o lugar
dos mestiços e indígenas, definindo uma classificação social. O autor prossegue:
40
En el capitalismo mundial la cuestión del trabajo, de la raza y del género, son las
tres instancias centrales respecto de las cuales se ordenan esas relaciones
conflictivas de explotación / dominación. Ergo, los procesos de clasificación social
consistirán, de todos modos, en procesos donde esas tres instancias se asocian o se
disocian respecto del complejo explotación / dominación / conflicto. De las tres
instancias es el trabajo, esto es, la explotación / dominación, la que se ubica como
el ámbito central y permanente. (QUIJANO, 2000, p. 371).
Frantz Fanon (1968), da mesma forma, evidencia a relação dinâmica entre racismo
colonial e capitalismo, contribuindo para análises das categorias raça e trabalho, bem como
para o debate sobre a subjugação da mulher negra e mestiça ao homem branco, fazendo um
paralelo entre racismo e patriarcado, colocando-os como pares num processo de categorias de
análises. Reafirma que as análises marxistas são imprescindíveis diante da realidade colonial e
sintetiza: “nas colônias a infraestrutura econômica é igualmente uma superestrutura. A causa é
consequência: o indivíduo é rico porque é branco, é branco porque é rico.” (FANON, 1968, p.
29).
Marini (2000) sugere que toda gama de relações de trabalho contribui para determinar
a dependência e subordinação do território, porém, para ele isto fica evidente a partir do
período que corresponde à independência dos países da região e a revolução industrial na
Europa. Sobre o assunto, ele escreve:
Com o tráfico dos povos da África, outros conflitos emergem. Ribeiro (2006, p. 202)
considera que “as lutas mais longas e mais cruentas que se travaram no Brasil” foram as
resistências indígenas, seguidas da luta dos negros contra a escravidão, que persistiram
durante os séculos do escravismo. Essas tiveram início quando começou o tráfico, encerrando
com a abolição.
Os escravos eram tratados como mercadoria, numa relação de posse e propriedade,
sem poder usufruir de qualquer direito, como dignidade humana por exemplo. Da escravidão
negra surgiram lutas contra-hegemônicas e antirraciais. A “mercadoria” rebelou-se diante da
crueldade dos senhores, levando os negros a um longo processo de lutas.
41
A formação dos quilombos resultou numa das principais resistências organizadas dos
escravos negros. Segundo Priore e Venâncio (2016, p. 59), “Palmares foi o maior quilombo
colonial, nascido no bojo das guerras do açúcar”, porém, antes dele, movimentos de
resistência já haviam se organizado ainda na África:
42
Entre 1568 e 1573, por exemplo, a conhecida como Longa Marcha dos Jaga, que
reuniu milhares de guerreiros, homens e mulheres, para lutar contra o invasor
português, teve como pontos de apoio acampamentos fortificados denominados
kilombos. Deles emanava uma forte organização política, religiosa e militar, capaz
de agir em vastas regiões. Ao longo de suas expedições, invadiram e devastaram o
Congo; seu objetivo era a destruição dos reinos aliados dos europeus. Na Guiné,
atuaram com o mesmo propósito, os bijagós. Na América do Norte, Central e do Sul,
os revoltosos intitulavam-se palenques, mambises, cumbes, saramakas, cimarrones,
mocambolas ou quilombolas.
O quilombo dos Palmares apresentava uma estrutura social e organizativa que garantia
desde a organização militar, a produção e autossustentação. Com tarefas específicas a cada
membro, garantia a segurança, a organicidade, a estabilidade e a cultura própria do quilombo.
Palmares tinha, como principais lideranças, Ganga Zumba, Zumbi dos Palmares e Dandara.
Segundo Vargas (2007, p. 184), o quilombo dos Palmares, sobreviveu por quase um
século, combatendo sempre, e reconstituindo-se depois de cada confronto. “Ao final,
concentrava cerca de 30 mil negros em diversas comunidades e dominava uma enorme área
encravada na região mais rica da colônia, entre Pernambuco e a Bahia. Sua destruição exigiu
armar um exército de 7 mil soldados, chefiado pelos mais experimentados homens de guerra
de toda a colônia, principalmente paulistas.”
Palmares (guerra entre negros fugidos e senhores de escravos); Canudos (guerra entre pobres
e fazendeiros). Nesse contexto, o autor analisa três “ordens de tensão”: inter-raciais, classista
e interétnico:
Assim, a luta dos Cabanos, contendo, embora, tensões inter-raciais (brancos versus
caboclos), ou classistas (senhores versus serviçais), era, em essência um conflito
interétnico, porque ali uma etnia disputava a hegemonia, querendo dar sua imagem
étnica à sociedade. O mesmo ocorre em Palmares, tida frequentemente como uma
luta classista (escravos versus senhores) que se fez, no entanto, no enfrentamento
racial, que por vezes se exibe como seu componente principal. Também os
quilombolas queriam criar uma nova forma de vida social, oposta àquela de que eles
fugiam. Não chegaram a amadurecer como uma alternativa viável ao poder e à
regência da sociedade, mas suas lutas chegaram a ameaçá-las. […] Um terceiro
exemplo é Canudos, que também mostra essas três ordens de tensão. A classista
prevalece porque os sertanejos, sublevados pelo Conselho, combatiam, de fato, a
ordem fazendeira, que, condenando o povo a viver num mundo todo dividido em
fazendas, os compelia a servir a um fazendeiro ou a outro, sem jamais ter seu pé-de-
chão. Em consequência, não tinham qualquer possibilidade de orientar seu próprio
trabalho para o atendimento de suas necessidades. Mas lá estavam pulsando os
conflitos raciais e outros, inclusive o religioso. (RIBEIRO, 2006, p. 152).
Segundo Quijano (2005, p. 266), a abolição dos escravos nos países da América
Latina, “não foi para assalariá-los, mas para substituí-los por trabalhadores imigrantes de
outros países, europeus e asiáticos.” O Brasil foi o último país da América Latina a abolir a
escravidão negra, foram 350 anos desde a chegada do primeiro navio negreiro. Pelos registros
oficiais, a Lei Aurea foi assinada no dia 13 de maio de 1888, pelas mãos da princesa Isabel. É
necessário destacar, que esse processo foi lento, cruel, de muita resistência e lutas, não veio
para compor uma sociedade igualitária, justa e liberta, foi parte de uma construção política e
econômica, que, ao final, não alterou as péssimas condições de vida dos negros, os quais não
tiveram qualquer tipo de reparação, indenização ou política social, foram jogados às margens,
nas periferias das grandes cidades e campo, sem alternativa mínima de sobrevivência. Esse
período foi de construção das bases da sociedade capitalista, racista e patriarcal, seguindo no
bojo da colonialidade e firmando a sociabilidade desigual.
[…] no Brasil da segunda metade do século passado [19], quando se iniciava o auge
do café, o fato de que o tráfico de escravos tenha sido suprimido em 1850 fez a mão
de obra escrava tão pouco atrativa para os proprietários de terras do Sul que estes
preferiram apelar para o regime assalariado, mediante a imigração europeia, além de
favorecer uma política no sentido de suprimir a escravidão. Recordemos que uma
parte importante da população escrava encontrava-se na decadente zona açucareira
do Nordeste e que o desenvolvimento do capitalismo agrário no Sul impunha sua
liberação, a fim de constituir um mercado livre de trabalho. A criação desse
mercado, com a lei da abolição da escravatura em 1888, que culminava uma série de
medidas graduais nessa direção (como a condição de homem livre assegurada aos
filhos de escravos etc.), constitui um fenômeno dos mais interessantes; por um lado,
definia-se como uma medida extremamente radical, que liquidava com as bases da
sociedade imperial (a monarquia sobreviverá pouco mais de um ano à lei de 1888) e
44
No século XVIII e início do XIX surgiram líderes durante o período das lutas pela
independência na América Latina, entre os quais se destacam três revolucionários. Simón
Bolívar (1783-1830). Esse foi conhecido como “o libertador”, comandou a luta pelo fim da
colônia venezuelana, defendendo e organizando o povo mestiço da “Pátria Grande”, termo
usado para unificar o território dentro do bojo de lutas contra-hegemônicas. José Artigas
(1764-1850), uruguaio, “encarnou” a revolução agrária; Galeano refere-se a ele como
“caudilho”, pois encabeçou massas populares de territórios que hoje correspondem ao
Uruguai e às províncias argentinas de Santa Fé. José de San Martín (1778-1850), argentino,
considerado libertador do Chile e do Peru, liderou lutas contra as tropas espanholas, da qual
saiu vitorioso em 1816 (GALEANO, 2009, p. 151).
A Pátria Grande de Bolívar refere-se a um contexto de libertação para além-fronteiras,
o processo histórico e a dinâmica do desenvolvimento da América Latina é pertencente a toda
45
Húmedos los ojos, palpitante el pecho, enrojecido el rosto, con una animación case
febril me dijo: “Juro delante de usted, juro por el Dios de mis padres; juro por ellos;
juro por mi honor; y juro por la patria, que no daré descanso a mi brazo, ni reposo
a mi alma, hasta que haya roto las cadenas que nos oprimen por voluntad del poder
español”. (RODRÍGUEZ, 2004, p. 232).
Se não era inédita a desigualdade entre as várias camadas sociais, se vinha de muito
longe a polarização entre ricos e pobres, se era antiguíssima a diferente apropriação
e fruição dos bens sociais, era radicalmente nova a dinâmica da pobreza que então se
generalizava. Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão
direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. Tanto mais a
sociedade se revelava capaz de progressivamente produzir mais bens e serviços,
tanto mais aumentava o contingente de seus membros que, além de não ter acesso
efetivo a tais bens e serviços, viam-se despossuídos das condições materiais de vida
de que dispunham anteriormente. […] A análise marxiana fundada no caráter
explorador do regime do capital permite, muito especialmente, situar com
radicalidade histórica a “questão social”, isto é, distingui-la das expressões sociais
derivadas da escassez nas sociedades que precederam a ordem burguesa. A
exploração não é um traço distintivo do regime do capital (sabe-se, de fato, que
formas sociais assentadas na exploração precederam largamente a ordem burguesa);
o que é distintivo desse regime é que a exploração se efetiva num marco de
contradições e antagonismos que a tornam, pela primeira vez na história registrada,
suprimível sem a supressão das condições nas quais se cria exponencialmente a
riqueza social. Ou seja: a supressão da exploração do trabalho pelo capital,
constituída a ordem burguesa e altamente desenvolvidas as forças produtivas, não
47
Segundo Ianni (1975), na década de 1930 a América Latina é marcada por processos
de transformações nas relações econômicas, é a decadência da economia agrário-mercantil. A
política governamental precisa responder a outras demandas, assim nasce o populismo, que
trouxe avanços para os trabalhadores, enquanto o capitalismo avança lentamente.
Industrializavam-se as nações que antes tinham sua economia somente a partir do latifúndio.
A América Latina vive mudanças na política, tendo como destaque a eleição de
governos que seriam chamados de populistas, dentre os quais se destacaram: o argentino Juan
Domingo Perón (1946-1955 e 1973-1974); o chileno Carlos Ibáñez del Campo (1927-1931 e
1952-1958); o brasileiro Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954); o mexicano Lazaro
Cárdenas (1934-1940); o peruano Fernando Bealunde Terry (1963-1968 e 1980-1985); e o
equatoriano José María Velasco Ibarra (1934-1935, 1944-1947, 1952-1956, 1960-1961 e
1968-1972) (GOULART, 2017, p. 68).
O conceito de populismo está relacionado a governos com características
personalistas, segundo Botelho (2013), tendo correlação com o período de transição na
economia agrário-exportadora, sob dominação oligárquica, para uma industrialização
incipiente apoiada no mercado interno e na urbanização crescente. Segundo o autor, no curso
dessa transição aparecem os movimentos populistas, que se caracterizariam por uma relação
direta entre o líder e as massas. Expressa ele ainda que:
Sobre o processo de industrialização, Ianni (1975) afirma que o Brasil competia com
países de tecnologia avançada e, portanto, teve de abrir as portas para o investimento de
capital internacional. Os norte-americanos dominaram os investimentos, chegando a ter 70%
do capital internacional investido no país. O antagonismo presente na indústria nacional com
o capital externo esteve presente durante o governo de Vargas. Exemplo disso foi a criação da
Petrobras, que, inclusive, tinha monopólio estatal para sua exploração, ou seja, somente o
Estado poderia explorar o petróleo nacional, sem nenhuma influência do capital americano.
Em termos contra-hegemônicos no período, emergem conflitos tanto urbanos quanto
rurais. Em nível de América Latina, Galeano (2009) destaca a revolução mexicana (1910),
que foi liderada por Emiliano Zapata, que “pôs em prática, em sua comarca revolucionária do
sul do México, uma profunda reforma agrária.” Segundo o autor, depois de alguns anos do
governo do ditador de Porfirio Díaz, que nas últimas décadas do século XIX provocou tempos
de espoliação feroz às comunidades agrárias, “um caudilho do campo encabeçou desde então
a insurreição no sul: Emiliano Zapata [...] o mais puro dos líderes da revolução, o mais leal à
causa dos pobres.” O México levantou-se em armas (GALEANO, 2009, p. 156).
Também no início do século XX ocorre um dos maiores conflitos camponeses do
Brasil, a Guerra do Contestado. Os camponeses caboclos que habitavam a região se
revoltaram contra o governo que, no período, promovia a concentração de terra em favor de
grandes fazendeiros. Ao mesmo tempo, o governo federal aliou-se à Companhia Brazil
Railway, encarregada da construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande do Sul.8 O
poder hegemônico estava alicerçado pelas relações entre o governo nacional, governos
estaduais e poderes locais.
A associação de fazendeiros com o governo para a exploração camponesa consiste em
uma prática política local que Machado (2004) chama de coronelismo.
8
A construção da estrada de ferro expulsou os posseiros (caboclos) que ocupavam as terras devolutas. No
processo de negociação, tais terras foram concedidas pelo governo para pagamento da estrada de ferro. Segundo
Domingues (2005, p. 41-42), “a expulsão dos posseiros somou-se à violência da Companhia Brazil Railway
contra os trabalhadores por ela contratados”, a empresa trouxe para a região do contestado cerca de 4 a 8 mil
homens do Rio de Janeiro e Pernambuco para trabalharem na construção da estrada de ferro, havia a promessa de
que após a construção seriam levados de volta aos seus estados de origem; porém, esses trabalhadores foram
abandonados, uma vez que a lei estava na mão dos opressores, não tinham a quem recorrer.
50
(1989-1930). Mas podemos considerar que esta prática política – que expressou o
poder local dos grandes fazendeiros – vigorou em muitas regiões do país, tanto antes
da República como muito após a chamada Revolução de 1930. Derivada do termo
“coronel”, a mais alta patente concedida pela Guarda Nacional, o coronelismo, ou
poder local dos grandes proprietários rurais e comerciantes, encontrou no primeiro
sistema político republicano amplas condições de autonomia, adequadas ao
exercício de mando local e regional, até mesmo como base para as situações (e
oposições) políticas estaduais. (MACHADO, 2004, p. 90-91).
Segundo Machado (2004), neste período outra empresa entra no cenário, a Lumber,
que trazia imigrantes de várias nacionalidades. Tratava-se de um processo de branqueamento
da população que subjugou os sertanejos, agravando a situação de miséria e marginalidade
dos povos.
A Guerra do Contestado, assim como a de Canudos, foi uma revolta messiânica, ao
mesmo tempo uma luta camponesa de caráter classista, de ordem econômica e política.
Destacam-se como principais líderes dos redutos do Contestado o Monge José Maria,
Adeodato Manoel Ramos, Chica Pelega e Maria Rosa. Todos foram assassinados em
confrontos com o exército republicano.
A imigração europeia propiciou o surgimento de outras formas de pensar a partir dos
trabalhadores. Para Saviani (2013), o desenvolvimento do movimento operário aconteceu sob
a égide das ideias socialistas, ainda na década de 1890; nas duas primeiras décadas do século
XX, foram as ideias anarquistas (libertárias); e, na década de 1920, as ideias comunistas.
Tanto as ideias socialistas quanto as anarquistas já circulavam na metade do século XIX,
ainda no regime monárquico e escravocrata.9 Tais ideias eram provenientes do movimento
operário europeu. Após a queda da Comuna de Paris, muitos “communards” tiveram de
emigrar para escapar da perseguição na Europa e vieram para a América Latina.
As correntes anarquistas e anarcossindicalistas espalharam pelo Brasil os ideais
libertários e contra-hegemônicos. Saviani (2007) menciona o fluxo imigratório em relação à
procedência de quadros militantes, que usam jornais, revistas, sindicatos livres e ligas
operárias para a construção de forças contra-hegemônicas, estas que contribuirão em outros
momentos da história da América Latina e do Brasil.
Paiva (2015, p. 121) menciona a união entre civis e militares e as revoltas
subsequentes. Coloca que a “questão social” assume proporções assustadoras, sendo tratada
como “questão de polícia” e se constituindo em uma das grandes preocupações dos grupos
9
Segundo Saviani (2013, p. 181), neste momento surgiram jornais, como O socialista da Província do Rio de
Janeiro. Há também registros de publicações, como Anarquista Fluminense, de 1835, e Grito Anarquial, de
1849. De acordo com o autor, “surgiram, também, no ocaso do Império e início da República, colônias
anarquistas, entre as quais a mais famosa foi a Colônia Cecília”, por iniciativa de imigrantes italianos.
51
Em tal período se implementa a política populista das massas, que emerge com
características de participação. A classe trabalhadora passa a ter a possibilidade de contribuir
em algumas decisões políticas, porém, permanece sob o comando das classes burguesas.
Octavio Ianni (1975, p. 59) afirma que “em suma, a política de massas funcionou como uma
técnica de organização, controle e utilização da força política das classes assalariadas,
particularmente o proletariado.”
Com os dez anos da ditadura de Vargas, na sequência do contexto histórico brasileiro
supradescrito, a realidade do campo era de concentração da propriedade da terra, o que
resultou em mobilizações no campo em vários locais do país. O Partido Comunista destacava-
se no cenário político de organização das massas, tanto urbanas quanto rurais.
No clima de organização popular de camponeses, ainda na década de 1940, surgem as
ligas camponesas no Brasil. Segundo Oliveira (1994, p. 26-27), elas nasceram no contexto de
um estado de tensões e injustiças a que estavam submetidos os trabalhadores do campo, diante
das profundas desigualdades nas condições gerais do desenvolvimento capitalista no país. Foi
a partir delas que a luta camponesa ganhou dimensão nacional, espalhando-se rapidamente
pelo Nordeste. Tiveram apoio do Partido Comunista do Brasil e severa oposição da Igreja
Católica.
Segundo Stédile (2006), as Ligas Camponesas “foram poderoso movimento de
massas, com enorme capacidade de mobilização, para defender a urgência da realização da
reforma agrária com a palavra de ordem: reforma agrária na lei ou na marra.” Houve lutas
camponesas no campo com ocupações de terras, as quais convergiam com greves e
manifestações nas grandes cidades, ambas pelas reformas de base. Os conflitos no campo,
nesse período, com influência do Partido Comunista, deixaram marcas na história.10
Ainda na década de 1950, o povo organizado de Cuba reage ao avanço do
imperialismo sobre seu território. No dia 1º de janeiro de 1959 entra nas ruas de Havana o
Movimento 26 de Julho, vindo da Sierra Maestra. Revolucionários, sob o comando de Fidel
Castro e Che Guevara, destituem o governo de Fulgencio Batista. A Revolução Cubana
10
Na década de 1950, o governo do Paraná cedeu terras de cerca de mil e quinhentas famílias camponesas que
viviam na região do sudoeste do Estado a grandes proprietários. A reação dos camponeses organizados foi
imediata, emergindo a guerrilha de Porecatu, tendo como um dos líderes José Billar. Segundo Priori (2012), “o
embrião da resistência armada dos camponeses de Porecatu tem origem na fundação de Ligas Camponesas na
região.” Vale destacar que não foi o PCB quem determinou a luta armada de Porecatú. Segundo Priori (2012),
“quando o Partido chegou à região, a intenção pela luta armada já era uma realidade manifesta.” Na visão do
autor, o PCB acoplou-se ao movimento dos posseiros de Porecatu, à sua auto-organização. A guerrilha de
Porecatú segue até 1951, quando centenas de camponeses armados sobreviventes dos conflitos foram
desarmados pela força policial. Nesse período assumiu um novo governo, que tinha supostas intenções de
resolver o problema agrário da região.
53
Educação Popular Libertadora, defendida por Paulo Freire, com raízes intelectuais da própria
região Ameríndia.11
As iniciativas populares tinham o respaldo de debates e estudos em torno da realidade
brasileira efetuados no âmbito do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) 12 e do
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE).13 Estes, por sua vez, seguiam reflexões
feitas por pensadores cristãos e marxistas do pós-guerra europeu.
Todo esse processo convergiu com o Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín,
que propunham a doutrina social da Igreja. Nessa, leigos e leigas tornavam-se agentes de
trabalho de base nas comunidades, assim como protagonistas de um novo “jeito de ser Igreja.”
A igreja dos empobrecidos, cuja teologia se caracterizava pela libertação como centro de toda
a ação.
A Teologia da Libertação nasceu com o Concílio Vaticano II, onde surge a concepção
de Igreja dos pobres.14 Promovida pelo Papa João XXIII, entre os anos 1962 e 1965,
fundamentou diversos processos de luta e de resistência, assim como a criação de movimentos
sociais que se consolidaram durante a ditadura militar e no início da abertura democrática.
11
A educação popular libertadora será objeto da próxima seção da presente dissertação.
12
O ISEB foi criado no governo provisório do Presidente Café Filho. Segundo Oliveira (2016, p. 4), “o ISEB foi
institucionalizado por meio da DL 37.608, de 1955, como órgão vinculado ao então Ministério da Educação e
Cultura, sendo definido como um “curso de altos estudos sociais e políticos, de nível pós-universitário.” (LEX,
1955, p. 232).
13
O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais CBPE foi vinculado ao Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP), órgão do MEC, dirigido na época por Anísio Teixeira (OLIVEIRA, 2016, p. 16).
14
A opção preferencial e solidária pelos pobres implicou, em primeiro lugar, para a Igreja uma conversão de
lugar social. Procura olhar a sociedade e seus conflitos a partir da ótica e da causa das grandes maiorias. Aí
aparece como prioritária a dimensão de mudança estrutural para propiciar a realização da justiça necessária para
a paz social. A partir dos pobres descobre a dimensão libertadora do Evangelho, que fala de um Reino que
começa já nesta terra sempre que se faça mais justiça e se construa mais fraternidade na sociedade (BOFF, 1986,
p. 152, grifo do autor).
55
Jango percebeu que não eram grupos civis e militares minoritários que tentavam
golpear as instituições, como ocorrera em episódios anteriores. Era um movimento
conjunto das Forças Armadas com apoio de empresários, de amplos setores das
classes médias e dos meios de comunicação. O movimento ainda contava com os
governadores da Guanabara, de Minas Gerais, de São Paulo e do Rio Grande de Sul,
com suas polícias civis e militares. No Congresso Nacional, grande parte dos
parlamentares deu aval ao golpe. O Supremo Tribunal Federal calou-se diante da
crise política. Além disso, o movimento golpista tinha o apoio do governo
norteamericano. (FERREIRA; GOMES, 2007, p. 24).
Em 1964, a situação é diferente: a elite militar que encabeça o golpe não só intervém
na luta de classes, mas também apresenta todo um esquema econômico-político, o
qual consagra definitivamente a fusão de interesses entre ela e o grande capital. Esse
esquema é o subimperialismo, a forma que assume o capitalismo dependente ao
chegar à etapa dos monopólios e do capital financeiro. (MARINI, 1974, p. 191-192).
15
Dentro de um processo de expansão do latifúndio o governo ditador passou a expulsar posseiros da região do
Araguaia. Capangas a serviço dos latifundiários perseguiam de forma violenta as pessoas que tentavam resistir à
expropriação. A realidade da região, somada à conjuntura nacional, leva o PCdoB a organizar pessoas para o
movimento denominado Guerrilha do Araguaia. “A Guerrilha do Araguaia foi o maior acontecimento militar da
resistência armada ao golpe de 1964. Começou antes mesmo do AI-5, quando dezenas de homens, mulheres e
dirigentes partidários, vindos dos grandes centros do sul, sudeste e nordeste, principalmente, criaram uma força
de combate que se estabeleceu na região genericamente chamada de Araguaia, por causa do grande rio que
domina aquela geografia. Com adesão de camponeses locais, desenvolveram-se trabalho político e, depois, ação
militar, enfrentando numerosas forças do Exército, enviadas para lá a fim de exterminar a resistência. Implantado
no norte do país, esse movimento revolucionário foi pouco conhecido no seu tempo, obscurecido pela censura e
pelo isolamento. Só agora, mais de 40 anos depois, ganha a dimensão política que lhe corresponde.” (AMORIM,
57
Matrizes vão dar origem ao movimento social na década de 70, a Igreja Católica, os
remanescentes das organizações de esquerda e o novo sindicalismo. [...] a prática
social da militância das pastorais e comunidades e a “Educação Popular” por ela
desenvolvida era o paradigma do período, influenciando e acolhendo os militantes
dispersos que só aí encontravam possibilidades de contato e trabalho político com
setores populares. (PEREIRA, 2006, p. 31).
2014).
16
Segundo Sales (2008, p. 200), Marighella foi o principal líder teórico da Ação Libertadora Nacional (ALN). O
revolucionário comunista almejava um prosseguimento da luta de resistência contra a ditadura. Porém, conforme
Gorender (1987, p. 106), em uma viagem a Cuba, entre junho e dezembro de 1967, “durante a permanência na
ilha seu pensamento sofreu acentuada flexão, para a qual já estava propenso e que, sem dúvida, não se verificaria
tão depressa sem o influxo das teses cubanas.” Nas palavras de Marighella (1984, p. 51), “[…] a luta guerrilheira
é a única maneira de reunir os revolucionários brasileiros e de levar nosso povo à conquista do poder. Recursos
humanos e condições para a guerrilha não faltam no Brasil. A consciência revolucionária, que brota na luta, se
incumbirá do resto. A guerrilha é o que pode haver de mais anticonvencional e de mais antiburocrático, o que
mais se distancia do sistema tradicional de um partido da cidade.”
58
17
“De forma privilegiada, as CEBs redescobrem, na leitura bíblica, o aspecto libertador da História da Salvação.
Vêem na própria caminhada prefigurada no Êxodo do povo de Israel e atualizada na vivência do Mistério Pascal
de Jesus Cristo. Assumem sua luta pela justiça como realização do profetismo na sociedade de hoje.” (CNBB,
1984, n. 12, p. 10).
18
Pastoral da Juventude do Meio Popular e Pastoral da Juventude Rural nascem com bases na ação católica. São
frutos das organizações juvenis do período de 1960 a Juventude Agrária Católica (JAC) e a Juventude Operária
Católica (JUC).
19
Movimento de Mulheres Camponesas aborda o debate do feminismo popular e camponês.
59
O movimento estudantil, que sofreu com a repressão dos governos ditatoriais, volta às
ruas para defender a consolidação da democracia no país, envolvendo-se na Campanha das
“Diretas Já”, com manifestações e intervenções importantes nos principais comícios populares
desse período.
O processo de redemocratização do Brasil teve características de superação, porém,
não de total transformação, já que as elites estavam presentes em todas as instâncias
estruturais. O novo ainda estava atrelado ao velho. Nas análises de Florestan, as camadas
dominantes somente aceitam as inovações que não modificam a estrutura de dominação,
porque “temem não encontrar de novo um lugar ao sol na estrutura de poder de uma
sociedade brasileira renovada.” (FERNANDES, 1976, p. 207). Nesse sentido, posiciona-se
em relação à abertura democrática:
A “abertura” é fechada demais para que, através dela, possa atravessar uma pulga. A
ordem ilegal, implantada e defendida com base na força bruta, não possui qualquer
flexibilidade. Está dimensionada para reproduzir e aperfeiçoar a ditadura, com seu
espaço político típico das formas restritas de democracia, nas quais somente os
senhores são livres. (FERNANDES, 2007, p. 208-210).
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, ganhou força a proposta de uma nova
Constituição para o Brasil. Embora esse momento tenha sido marcado pela participação de
muitos atores sociais, ainda assim, para Florestan Fernandes, a classe dominante estava no
topo dos debates, ofuscando as massas que se organizavam e forçavam a participação. Para o
autor, a “Nova República” não alavancaria um novo Congresso, pois esta ainda estaria
controlada pelos “donos do poder”, sendo assim, as mudanças necessárias não aconteceriam
dentro deste bojo estruturante da atual realidade social do Brasil.
Segundo esse autor, o Consenso de Washington contemplou dez áreas: “1. disciplina
fiscal; 2. priorização dos gastos públicos; 3. reforma tributária; 4. liberalização financeira; 5.
regime cambial; 6. liberalização comercial; 7. investimento direto estrangeiro; 8. privatização;
9. desregulação; e 10. propriedade intelectual.” (BATISTA, 1994, p. 18). Dois objetivos
básicos foram considerados para o conjunto dessas áreas:
Cabe ressaltar, que a América Latina tem toda sua estrutura política baseada no
capitalismo mundial, e, nesse período, o mundo viu a queda do muro de Berlim, em 1989, e o
fim da URSS. Era o triunfo do capitalismo em sua forma neoliberal e imperialista que assim
avança sob as nações periféricas.
20
“La Campaña continental 500 años reunió a organizaciones de pueblos indígenas, campesinos, obreros,
estudiantes, jóvenes, maestros, sindicatos, académicos, mujeres y sectores populares urbanos que cuestionaron
las versiones ‘oficiales’ de la historia de América Latina porque prácticamente omiten la resistencia a la
conquista. La Campaña construyó así una identidad cultural y étnicamente diversa de América Latina,
presentando una contínua resistencia de los pueblos a la conquista.” (TORRES; ROSSET, 2012, p. 29-30).
21
“Com suas ações, a Via Campesina mantém na pauta política internacional a questão camponesa com uma
postura autêntica, lutando contra a posição de governos e corporações, que cooptam organizações camponesas,
com a subordinação consentida ao modelo de desenvolvimento do agronegócio.” (FERNANDES, 2012, p. 767).
65
Nacional (EZLN), formado por povos indígenas e camponeses que se mobilizam contra o
lançamento do Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA).
No campo das lutas, o século XXI reflete a resistência e organização constante dos
povos, especialmente, no combate ao neoliberalismo. A América Latina presencia a ascensão
de governos populares, que representavam a possibilidade de superação do neoliberalismo.
Porém, como avalia Borón (1999), o neoliberalismo representou uma vitória cultural,
22
O FSM é uma articulação de movimentos sociais de vários lugares do mundo. Segundo Gohn (2011, p. 338), o
FSM é parte de um conjunto transnacional de movimentos que “unem à crítica sobre as causas da miséria,
exclusão e conflitos sociais, a busca e a criação de um consenso que viabilize ações conjuntas.” De acordo com o
Coletivo FSM Brasil (2016, p. 19), “o Fórum Social Mundial é fundamental por sua metodologia aberta,
participativa, colaborativa e horizontal, sem perder a perspectiva do sentido político que reúne as redes, as
organizações e os movimentos que dele participam. Não é um evento, é um processo de múltiplos acúmulos
dispersos em redes temáticas, lutas locais, agendas nacionais e internacionais que, num determinado momento,
culminam em eventos de expressão internacional, contra o modelo hegemônico representado pelo Fórum
Econômico Mundial de Davos.”
66
Com a crise do neoliberalismo no final dos anos 1990, na esteira das crises
econômicas, das dificuldades em avançar nas rodadas de negociação na OMC, na
crescente visibilidade do protecionismo dos países centrais, ocorreu a emergência de
um novo modelo. Amparado em forças nacionalistas, partidos e movimentos
populares e de esquerda, denunciou-se as crises internacionais, unilateralismo norte-
americano nas guerras do Afeganistão e do Iraque e o protecionismo dos países
ricos. A saída foi aprofundar o processo de integração entre os países latino-
americanos, retomar o desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social
(MOREIRA; QUINTEROS; REIS DA SILVA, 2008, p. 378).
Depois do fim da Guerra Fria, durante a década de 1990, quase todos os governos
sul-americanos aderiram ao projeto da “globalização liberal” e a suas políticas
econômicas, responsáveis pelas crises cambiais da Argentina, em 1999, e do Brasil,
em 1997, 1999 e 2001. O insucesso econômico das políticas neoliberais contribuiu
decisivamente para a “virada à esquerda” dos governos sul-americanos, durante a
primeira década do século XXI. Em poucos anos, quase todos os países da região
elegeram governos de orientação nacionalista, desenvolvimentista ou socialista, que
mudaram o rumo político-ideológico do continente. Todos se opuseram às ideias e
políticas neoliberais da década de 1990 e todos apoiaram ativamente o projeto de
integração da América do Sul, opondo-se ao intervencionismo norte-americano no
continente. Esse giro político à esquerda coincidiu com o ciclo de expansão da
economia mundial, que favoreceu o crescimento generalizado das economias
regionais até a crise financeira de 2008. (FIORI, 2013, p. 35-36).
67
O governo Lula representa uma nova expressão do campo popular, que teve nos
governos de Getúlio e de Jango, seus antecedentes mais próximos. Governos de
coalizão de classes, pluriclassistas, que assumem projetos de unidade nacional, com
forte peso das políticas sociais. De Getúlio a Lula transcorreram décadas
fundamentais, com elementos progressivos e regressivos, contraditórios, que
chegam até o começo do século XXI vivendo uma circunstância nova, que pode se
fechar, como marcante parênteses ou como ponte para a ruptura definitiva do
modelo herdado e a continuidade em um novo patamar da construção de um país
mais justo, democrático, soberano. (SADER, 2012, p. 10).
Na avaliação de Mauro Iasi (2006 p. 359), o processo vivido pelo Partido dos
Trabalhadores, desde o processo eleitoral até as políticas governamentais, foi controverso.
Segundo o autor, “a experiência do PT é um excelente exemplo do movimento de constituição
de uma classe contra a ordem do capital que acaba por se amoldar aos limites da ordem que
queria superar.” No mesmo seguimento, Singer (2012, p. 97) se posiciona:
Após oito anos do governo Lula, elege-se a primeira mulher presidente do país, Dilma
Rousseff, que assumiu em 2011 pelo Partido dos Trabalhadores. Emir Sader (2013, p. 138)
descreve os governos Lula e Dilma como pós-neoliberais e caracteriza elementos centrais de
68
ruptura com o modelo neoliberal dos governos anteriores (Fernando Collor de Melo, Itamar
Franco e Fernando Henrique Cardoso). De acordo com o autor, os governos de Lula e de
Dilma representaram uma “reação antineoliberal” e menciona traços em comum, que são
possíveis agrupá-los numa mesma análise:
Para além das mudanças, é necessário destacar que as contradições geradas pelo
capital persistiram. A classe trabalhadora e os povos organizados seguiram criando forças
69
A descrição das lutas históricas e das novas abordagens de lutas adversas aos poderes
hegemônicos trará consequências longínquas para a sociedade, assim como foram em todos os
períodos. As reações dos povos e das classes subalternas fazem parte do contexto de opressão,
é o antagonismo da correlação de forças. Enquanto houver ser humano subjugado, haverá
resistência e a emergência das lutas organizadas.
Na contextualização de Gohn (2011), quanto aos novos tipos de movimentos, a autora
destaca:
[…] movimentos identitários, reivindicatórios de direitos culturais que lutam pelas
diferenças: étnicas, culturais, religiosas, de nacionalidades etc. Movimentos
comunitários de base, amalgamados por ideias e ideologias, foram enfraquecidos
pelas novas formas de se fazer política, especialmente pelas novas estratégias dos
governos, em todos os níveis da administração. Novos movimentos comunitaristas
surgiram – alguns recriando formas tradicionais de relações de autoajuda; outros
organizados de cima para baixo, em função de programas e projetos sociais
estimulados por políticas sociais. (GOHN, 2011, p. 344).
nas áreas dos transportes, educação, saúde etc.; contra também a prioridade dada aos gastos
com a Copa do Mundo, entre outros motivos.” Dessa categoria, ponderada por Gohn, “os
indignados”, entram em cena “novíssimos atores”, “especialmente jovens participantes de
coletivos organizados online, assim como ativistas de causas transnacionais que até então não
tinham quase visibilidade, como o Black Blocs.”
Os novíssimos sujeitos que entram em cena nas ruas e avenidas, no caso brasileiro,
representam uma nova onda de movimentos sociais, diferente dos novos
movimentos identitários organizados desde a década de 1980. [...] A questão da
autonomia ressurge com vigor em práticas coletivas, a exemplo dos Black Blocs
(Depuis-Déri, 2014) mais ela é também uma bandeira histórica do movimento dos
povos indígenas – o mais amplo e intenso em termos de América Latina. As redes
sociais ganham vigor nas pesquisas que Castells desenvolve desde o final dos anos
de 1990 (Castells 1999 e 2013). Ocorre, pois uma repolitização dos movimentos
sociais pós 2008 sob novos paradigmas inspiradores das ações coletivas, muitos
deles construídos a partir de ideias e utopias já bem antigas, como o socialismo
libertário, o anarquismo, os autonomistas e outros, porém totalmente renovados sob
a égide da sociedade contemporânea com seus problemas, desafios e recursos
comunicacionais e tecnológicos. (GOHN, 2015, p. 41)
De acordo com Gohn (2015), nesse momento as teorias libertárias tiveram grande
vigor, colocando, como exemplo, as manifestações de estudantes no Chile, em 2011, e as
manifestações de rua, em junho de 2013. Para a autora, “elas têm recriado as utopias, movem
os estudantes e incendeiam as paixões dos jovens, nas respectivas gerações. Contestam o
status quo, propõem um novo modelo de sociedade, destacam os indivíduos e suas ações.”
Na atualidade, as lutas populares seguem compondo a rede dos movimentos sociais,
desde as lutas tradicionais aos novos agentes sociais que integram o campo da esquerda
mundial, e que se articulam de forma a ultrapassar fronteiras e em cada realidade enfrentam o
poder violento do Estado.
Os ativistas dos movimentos sociais deste novo século foram e continuam a ser
alvos de ações violentas por parte da repressão policial. Conectam-se às redes de
apoio internacional, e a solidariedade entre eles é um valor e um princípio. São
laboratórios de experimentações de novas formas de operar a política. Dirigem suas
reivindicações a personagens específicos da cena público-política de cada país.
(GOHN, 2014, p. 432).
A autora destaca, ainda, que uma parte significativa dos militantes no Brasil tem
chegado aos cursos de pós-graduação, ocupando “posições como professores e pesquisadores
nas universidades, especialmente as novas, criadas nessa década na área de ciências
humanas.” Esse processo tem levado à produção de teses e dissertações, o que torna os
militantes em pesquisadores, sendo que muitos dos trabalhos acadêmicos “são parte das
histórias que eles próprios vivenciaram.” (GOHN, 2011, p. 338).
73
É a América Latina, a região das veias abertas. Desde o descobrimento até nossos
dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e
como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder.
Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em minerais, os homens e sua
capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O
modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm sido sucessivamente
determinados, de fora, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo.
A cada um dá-se uma função, sempre em benefício do desenvolvimento da
metrópole estrangeira do momento, e a cadeia das dependências sucessivas torna-se
infinita, tendo muito mais de dois elos, e por certo também incluindo, dentro da
América Latina, a opressão dos países pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro
das fronteiras de cada país, a exploração que as grandes cidades e os portos exercem
sobre suas fontes internas de víveres e mão-de-obra. Há quatro séculos, já existiam
dezesseis das vinte cidades latino-americanas mais populosas da atualidade.
(GALEANO, 2009, p. 18).
74
Nesta seção, meu objetivo é mostrar aspectos conceituais que caracterizam a noção de
educação popular. Brandão (2006, p. 7) sugere “recuar longe”. Ou seja, para problematizar
conceitualmente a educação popular é pertinente retomar a própria origem da educação, que
leva a refletir sobre a experiência de comunidades primitivas.
Ao longo do tempo, por meio de tarefas da vida física, o ser humano vem construindo
o aprender e o ensinar. Para Brandão (2006, p. 10) “aprender significa tornar-se, sobre o
organismo, uma pessoa, ou seja, realizar em cada experiência humana individual a passagem
da natureza à cultura.”
O referido autor, ao descrever a vida dos povos que viviam em comunidades tribais e
suas relações sociais, culturais e educativas, refere-se ao que ele denominou “saber da
comunidade”.
Também Saviani (2007) indica como ocorria a educação nas comunidades primitivas:
A experiência das sociedades primitivas mostra que é por meio da produção da própria
existência material que circulam saberes e aprenderes, os quais constituem, na origem, a
educação popular do ser humano. O termo educação popular (EP) apresenta contradições e
ambiguidades. Conforme Jara (2006, p. 235), a educação popular é um fenômeno
sociocultural e uma concepção de educação, “como fenômeno sociocultural, a Educação
Popular faz referência a uma multiplicidade de práticas com características diversas e
complexas.” Jara (2006, p. 235) menciona que, por vezes, essas práticas são desconsideradas
e desvalorizadas, em outras são utilizadas pelo próprio sistema que a educação popular propõe
confrontar.
A expressão educação popular, em alguns momentos, é confundida com educação não
formal. Segundo Gadotti (2016, p. 7), a educação não formal com frequência é considerada
como menos relevante do que a educação formal. Essa visão da educação não formal valoriza
o “sistêmico, o formal e o escolar.” A educação popular se materializa tanto em espaços
formais quanto em espaços não formais. Nem toda educação não formal é educação popular,
“fazer educação não-formal não significa, automaticamente, fazer Educação Popular.”
Na América Latina, a educação popular se constitui uma forma de movimento
multifacetado social e político, cultural e pedagógico, epistemológico e investigativo. Em
termos históricos, há certo consenso em atribuir a Simón Rodríguez e a José Martí o lugar de
precursores da educação popular no continente.
Simón Rodríguez (1771-1854) foi pedagogo, filósofo e político venezuelano, que
defendia ideias revolucionárias, como educar meninas de todas as classes e raças, além de
meninos pobres, indígenas, negros, mestiços e órfãos. Rodríguez foi considerado o primeiro
educador popular. Segundo Guzmán (2014, p. 4), “a Simón Rodríguez lo podemos considerar,
como uno de los más grandes pensadores sobre la educación venezolana, hasta el extremo de
que sus ideas se nos revelan como de una fresca actualidad; ellas inspiran la creación de un
sistema educativo de tipo popular.” A história o invisibilizou, mas seu pensamento retornou
ao cenário da educação, seja na Venezuela, seja em outros países da América Latina.
José Julián Martí Pérez (1853-1895), mais conhecido como José Martí, foi um
77
É assim que a Educação Popular se transforma num poder popular. Por meio de uma
cultura popular, por meio de uma nova forma de viver em Sociedade, de pensar e
agir (democraticamente), enfim, de bem viver, consigo mesmo, com os outros e com
a natureza. [...] A Educação Popular visa a construção de um poder popular que não
nasce pronto e acabado. Para ser “popular”, ele deve construir-se dialogicamente
com o povo. O que é de todos deve ter a participação de todos. (GADOTTI, 2016, p.
7).
Para Danilo Streck (2010), a origem da educação popular se apresenta ligada aos
movimentos sociais populares, numa expressão emancipatória de ser uma “pedagogia do
oprimido (e não para ele)”, tendo como tarefa a reivindicação de espaço na estrutura existente,
mas, especialmente, na estratégia de rupturas e busca de novas possibilidades de organização
da vida material. Para Streck e outros autores, as lutas latino-americanas foram e são
processos educativos de formação da consciência emancipatória, bem como os movimentos
sociais populares com ações revolucionárias, que têm a educação popular como força
78
23
Abya Yala, na língua do povo Kuna, significa Terra madura, Terra Viva ou Terra em florescimento e é
sinônimo de América. O povo Kuna é originário da Serra Nevada, no norte da Colômbia, tendo habitado a
região do Golfo de Urabá e das montanhas de Darien e vive atualmente na costa caribenha do Panamá, na
Comarca de Kuna Yala (San Blas). [...] Abya Yala vem sendo usado como uma autodesignação dos povos
originários do continente em oposição à América (PORTO-GONÇALVES, 2009, p. 26).
79
Simón Rodríguez nasceu e cresceu numa Caracas de espanhóis e criollos que eram
servidos por escravos. Segundo Tavares (2013, p. 184), para a sociedade de Caracas “o
trabalho era basicamente uma desonra e aos filhos da classe dominante se permitia
unicamente a carreira militar além dos postos de mando da vida cotidiana.” A autora
menciona ainda que “havia somente três estabelecimentos de educação na cidade: o convento
dos Franciscanos, uma escola pública e a Universidade.” Rodríguez tinha grande facilidade
com as letras, amava ler e era observador, foi alfabetizado em casa, pelo tio, um sacerdote,
que mantinha uma rica biblioteca. Nesse período de aprendizagem de Simón Rodríguez,
chegavam na cidade “os franceses da ilustração (Montesquieu, Voltaire, Rousseau).” Teve
acesso também “aos escritos que chegavam dos Estados Unidos e acompanhou o processo de
independência daquele país, bem como o da Revolução Francesa. Forjava-se nele o espírito da
rebelião.”
Para Gonzalez (2006, p. 8), Simón Rodríguez tinha “dotes muito altos de
intelectualidade”, somado a um caráter altivo e com ideias e costumes singulares, o que o
levou a sofrer consequências no contexto social da época. A vida do jovem mestre
desenvolveu-se entrelaçada às utopias latino-americanas, e sua proposta de sociedade e de
educação vinculava-se ao pensamento de Rousseau. De acordo com Márquez (2005, p. 41),
“Rodríguez se apoyó con vehemencia en las ideas de Rousseau y con similar estilo plantea la
protección que se les debe a las mujeres y los niños.”
O educador Simón considerava as crianças sujeitos históricos e, portanto, parte da
construção das sociedades latino-americanas livres. “De los viejos, nada nuevo pode
esperarse. De los hombres puede esperarse algo. De jóvenes puede esperarse mucho. De los
niños puede esperarse TODO.” (RODRÍGUEZ, 2007, p. 118).
Com apenas 20 anos, Simón Rodríguez passa a lecionar na escola pública de Primeiras
Letras, na cidade de Caracas, trabalhando com meninos, entre eles, seu mais famoso pupilo,
aquele que viria a ser seu companheiro de utopia na edificação da Pátria Grande, “o libertador
Simón Bolívar.”
Rodríguez inicia sua carreira de mestre de primeiras letras para meninos, lecionando
80
para Simón Bolívar – seu mais famoso educando – em 1792, tornando-se seu
preceptor em 1795, quando Bolívar, com 12 anos de idade, vive temporariamente na
casa do mestre. A relação entre Rodríguez e Bolívar é de suma importância para o
entendimento do período pós-independência, quando Bolívar confiará a Rodríguez o
planejamento da instrução pública republicana. (MAZILÃO FILHO, 2017, p. 3).
De acordo com Tavares (2013), em 1794 Simón Rodríguez publica o texto Reflexões
sobre os defeitos que viciam a Escola de Primeiras Letras de Caracas e os meios para uma
reforma por um novo estabelecimento. Nesse texto critica a escola venezuelana e sugere uma
reforma profunda. O jovem Simón almejava uma escola com professores formados e
profissionalizados, recebendo salários dignos e realizando jornadas de seis horas. Nessa
escola seriam atendidas todas as crianças em idade escolar, inclusive, crianças pobres, filhos
de agricultores e artesãos (até então as crianças pobres eram educadas por qualquer pessoa,
inclusive, em barbearias).
Adepto às ideias socialistas, Rodríguez propõe uma educação igual a todos, sem
distinção, abrindo espaço para os excluídos, como os pardos, os negros e os índios,
contrariando assim as teorias raciais inatistas. Rodríguez acreditava que a educação
era fundamental para a construção da nação, logo, deveria ser obrigatória e pública,
bem como deveria ser a mescla harmoniosa entre educação social, corporal, técnica
e científica. (GONÇALVES, 2013, p. 26).
Rodríguez propõe que o Estado garanta uma educação mista, onde tenham filhos da
aristocracia, pobres, negros e indígenas, e que seja de meninos e meninas. Galeano (1996, p.
122) destaca como deveria ser a educação para Rodríguez:
A escola de Simón Rodríguez era parte de sua utopia de libertação. A educação seria
um dos instrumentos de reforma da sociedade e transformação do ser humano, portanto, não
deveria existir distinção entre os educandos e educandas. Assim, Galeano (1996, p. 160)
expressa: “El loco Rodríguez se propone mezclar a los niños de mejor cuna con los cholitos
que hasta anoche dormían en la calle. [...] en la escuela de don Simón, niños y niñas se
sientan juntos, todos pegoteados.”
Seus escritos são de enfrentamento à educação vigente, e a terminologia Educação
Popular está em grande parte de seus debates e práticas. Na obra Luces y Virtudes Sociales
(1840), Simón Rodríguez esclarece: “El objeto del autor, tratando de las Sociedades
Americanas, es la Educación Popular, y por Popular entiende Jeneral. — Instruir no es
Educar; ni la Instrucción puede ser un equivalente de la Educación, aunque Instruyendo se
Eduque.” (RODRÍGUEZ, 1954, p. 370).
Para Simón, todas as pessoas teriam condições de adquirir luzes e virtudes sociais a
partir da educação, o que levaria à participação ativa na sociedade. Para ele, a educação
tornaria o povo americano consciente de sua força na organização da nação. Nos argumentos
de Rodríguez: “los pueblos no pueden dejar de haber aprendido, ni dejar de sentir que son
fuertes: poco falta para que se vulgarice, entre ellos, el principio motor de todas las acciones,
que es el siguiente: la fuerza material está en la MASA y la moral en el MOVIMIENTO.”
(RODRÍGUEZ, 1954, p. 181).
A defesa do povo mestiço da América Latina lhe rendeu perseguições, mas também
espaços de proposições e lutas em favor de uma educação igual para todos, com princípios
socialistas e soberanos. Rodríguez evidenciou seu posicionamento em relação às sociedades
dominantes e como percebia o povo dos países periféricos.
Segundo Mazilão Filho (2017), Rodríguez foi denunciado e perseguido pela Coroa
Espanhola por conspiração para a derrubada do governo espanhol na Venezuela, o que
ocasionou sua fuga para a Jamaica em 1797. Tal fuga o levou para muitos lugares do mundo,
como Alemanha, Prússia, Rússia e Holanda, onde passa a educar e criar escolas, bem como
82
Yo dejé la Europa por venir a encontrarme con Bolívar, no para que me protegiese,
83
sino para que hiciera valer mis ideas a favor de la causa. Estas ideas eran (y serán
siempre) empreender una educación popular, para dar ser a la República
imaginaria que rueda en los libros y en los Congresos. (RODRÍGUEZ, 2004, p. 17).
Para Antequera (2013), Simón Rodrigues conheceu a sociedade colonial mais do que
qualquer sociólogo. Por ter estudando não somente nos livros, mas vivido os problemas
sociais, sendo ele mesmo um excluído desde seu nascimento até sua morte. E, portanto, suas
críticas e reflexões a respeito da educação têm a ver com a equidade de direitos e justiça
social. Segundo a autora, por muito tempo, a grandeza de seu pensamento não foi
compreendida.
O próprio Simón Rodríguez chegou a reconhecer: “Hay ideas que no son del tiempo
presente aunque sean modernas, ni de moda aunque sean nuevas. Por querer enseñar más de
lo que todos aprenden, pocos me han entendido, muchos me han despreciado y algunos se
han tomado el trabajo de perseguirme.” (RODRÍGUEZ, 1975, p. 298).
Aquele que forjou Bolívar para a libertação tinha tanto amor pela educação que,
apesar de toda a sisudez, foi capaz de produzir poesia. “Ler é ressuscitar ideias
sepultadas no papel. Cada palavra é um epitáfio. Chamá-las à vida é uma espécie de
milagre e, para fazê-lo, é necessário conhecer o espírito das palavras”. Tratado como
louco ele ficou esquecido por longo tempo. Agora, tal qual as palavras que amava,
ele também ressuscita, para assumir seu lugar no panteão dos grandes sábios dessa
Abya Yala. (TAVARES, 2013, p. 192).
[…] como na Educação Popular não é uma prática de agora ou dos últimos quarenta
anos, mas uma dinâmica que, nos últimos duzentos anos, tem estado presente na teia
social da América Latina. Deste modo, se reconhecemos que nosso pai é Freire, o
nosso avô é Simón Rodríguez, professor de Simón Bolívar, que estabeleceu, no
começo do século XIX, as bases da Educação Popular que a América precisava e
que, então, foi proposta para alguns dos pais das repúblicas latino-americanas.
(MEJÍA, 2006, p. 206).
José Julián Martí Pérez (1853-1895), filho de Mariano Martí (sargento de polícia da
cidade), natural de Valência, na Espanha, e Leonor Pérez Cabrera, das Ilhas Canárias, foi
poeta, jornalista, político e escritor cubano. Segundo Rodríguez (2006, p. 8), José Martí
nasceu em 28 de janeiro de 1853, em uma das últimas colônias da Espanha na América. Teve
a vida dedicada a contrapor o avanço imperialista “lutou para subverter a ordem em seu país,
no continente e no mundo”, priorizando a América Latina e suas relações com os Estados
Unidos.
De acordo com Rocha (2014, p. 3), Martí tinha afinidade com as letras desde muito
cedo, o que o levou a aproximar-se de um de seus professores da escola secundária, o poeta
Rafael Maria de Mendive, que contribuiria na construção do pensamento de seu educando.
Com apenas dezesseis anos, José Martí “foi preso pelo governo espanhol por estar na posse de
documentos considerados revolucionários.” Segundo a autora, “naquela época, Martí já havia
participado da publicação do periódico ‘La Patria Libre’, em 1869, ano em que o clima
político em Cuba se encontrava extremamente conturbado”, pois, no ano anterior, iniciara um
processo de independência na colônia, sob a liderança de Carlos Manoel Céspedes.
Rocha (2014, p. 3-4), menciona, ainda, que aos 18 anos José Martí foi exilado em
Madri, “decorrente de sua condenação a seis anos de trabalhos forçados por seu envolvimento
com atividades políticas.” Em Madri, graduou-se em Direito, Filosofia e Letras,
posteriormente, morou em outros países, como França, México e Guatemala. José Martí viveu
e observou a vida política e cultural em cada país que passou. Como pensador crítico, ao
analisar a conjuntura de outras realidades voltou-se ainda mais para suas raízes, e, portanto,
sobre a independência de seu povo.
Em 1878, retornou a Cuba, “após a primeira fase da guerra da independência, mas foi
novamente deportado logo em seguida, em 1880, pelo envolvimento com atividades
revolucionárias.” (ROCHA, 2014, p. 4).
Foi para Nova Iorque, em 1881 e por lá ficou até a sua morte, em 1895, tendo tido
uma breve passagem pela Venezuela. Foi nos Estados Unidos onde Martí vivenciou
o seu período mais produtivo, tanto na publicação de crônicas, artigos e textos
literários, quanto na sua atividade política. Ele publicava em periódicos como La
Opinión Nacional, de Caracas; La Nación, de Buenos Aires e El Partido Liberal, do
México. Em 1892, fundou o Partido Revolucionário Cubano e o seu jornal diário
Patria. (ROCHA, 2014, p. 4).
Segundo Rodriguez (2006, p. 9), foi nos últimos anos de vida que Martí alcançou a
plenitude como pensador e político, dedicando-se “às tarefas de organizar a guerra pela
independência.” Sua concepção latino-americanista amadurecia progressivamente, iniciando a
execução de sua estratégia de realização das práticas libertadoras para o continente e de
projeções universais. Martí contribuía na reorientação das nações do continente com bases na
justiça social para as massas populares, ao mesmo tempo expandia o pensamento de unidade
dos povos latino-americanos para combater o inimigo de fora, a partir da revolução e a
construção da “Nuestra América”.
De acordo com Ianni (1987), uma das prioridades de Martí consistia na construção de
uma Nação soberana, que tivesse uma constituição em conformidade com as forças sociais e
uma economia baseada na realidade, considerando as diversidades regionais, raciais e
culturais. O autor prossegue dizendo que as lutas simbolizadas por José Martí e muitos outros
estão enraizadas no preceito de emancipar a colônia, criar o Estado e organizar a Nação, para
superar o colonialismo e tudo o que ele representou para o continente latino-americano.
Talvez a figura mais expressiva seja José Martí, com sua insistência na formação de
homens e mulheres para o que ele chamava de nossa América, uma educação que
reconhecesse as peculiaridades deste subcontinente e que formasse cidadãos e
governantes para as jovens nações que aqui nasciam. (STRECK, 2010, p. 302).
Danilo Streck (2008), analisando o pensamento de José Martí, argumenta que nos
debates do educador e libertador se encontra uma expressão lúcida do que ele compreendia
ser a educação latino-americana, com traços de uma pedagogia própria da realidade. Segundo
o autor, a dedicação de Martí “à causa revolucionária em Cuba ao longo da segunda metade
do século XIX inclui a educação como um fator central para conquistar a independência.”
(STRECK, 2008, p. 3).
87
A meu ver, é importante mencionar que assim como Simón Rodríguez, Martí pensava
a educação para todas as classes sociais na América Latina. Sua intencionalidade era tornar o
território livre, e, portanto, a educação era um dos principais instrumentos de libertação do seu
povo. Argumentava que “un pueblo ignorante puede engarfiársele con la superstición, y
hacérsele servil. Un pueblo instruido será siempre fuerte y libre.” (MARTÍ, 2001, v. 19, p.
375).
José Martí acreditava numa educação própria do território como direito de todo o
povo. Para ele, a nação seria infeliz se não educasse seus filhos, declarando que um povo
educado seria sempre um povo livre. Em suas palavras, “La educación es el único medio de
salvarse de la esclavitud. Tan repugnante es un pueblo que es esclavo de hombres de otro
pueblo, como esclavo de hombres de sí mismo.” (MARTÍ, 2001, v. 19, p. 375-376).
Os povos camponeses tiveram grande importância nos escritos de José Martí, que
considerava as cidades como a “mente” das nações, e o campo como o “coração e o sangue”,
sendo “a melhor massa nacional”. O pensamento pedagógico de Martí (2001) estava
relacionado à vida, e, desse modo, os camponeses não podiam abandonar o trabalho na terra
ou andar grandes distâncias para aprenderem. Dessa forma, propunha uma educação que
concebesse “o conhecimento direto e fecundo da natureza” (p. 67), ou seja, uma educação que
lhes fizesse sentido entre os conhecimentos científicos e a prática das suas vivências.
Para tanto, Martí (2001) preconizou que “maestros ambulantes” percorressem as
comunidades e vilas, tirando dúvidas, respondendo perguntas, dialogando. Tais mestres
“ensinariam com eles”, num processo em que as pessoas do campo mantivessem o
conhecimento da terra e a transcendência da vida.
Segundo Streck (2008, p. 21), para Martí, o conhecimento técnico e científico não era
uma finalidade em si. O autor argumenta, que mesmo sendo de total relevância tais
conhecimentos, para Martí eram considerados “meios criados pela humanidade para enfrentar
88
as dificuldades da vida que, por sua vez, não se esgotam através daquilo que a ciência é capaz
de prover.” Para Martí, sua proposta estava relacionada à construção humana e levar através
dos pedagogos/mestres mais que ciência: “eis aqui [...] o que têm de levar os mestres pelos
campos. Não somente explicações agrícolas e instrumentos mecânicos; mas a ternura, que faz
tanta falta e tanto bem aos homens.” (MARTÍ, 2001, v. 8, p. 289).
O debate da educação científica, para José Martí, ganha importância quando ele
percebe a necessidade de abrir escolas normais com mestres que trabalhem a teoria e a
prática. Para ele, a educação deveria atingir vales e colinas. Nesse sentido, a escola ambulante
era a única que podia tornar os campesinos povos cultos a partir de suas realidades. A
educação na cidade e no campo deveria ser pública e para todos: “que la enseñanza científica
vaya, como la savia en los árboles, de la raíz al tope de la educación pública.” (MARTÍ,
2001, v. 8, p. 278).
Para o libertador cubano, a filosofia e a educação das jovens repúblicas deveriam
contrariar a instrumentalização da educação para a “repetição”, mas deveria alimentar-se da
criticidade e da curiosidade. Para Martí, o mestre deveria ir ao encontro do povo, levando não
apenas o conhecimento científico de sua época, mas também ternura. A educação martiana
acompanhava os movimentos da sociedade e da vida, não pela superação da barbárie por meio
da civilização, como defendia Sarmiento, mas por intermédio do reconhecimento das
características próprias da mestiçagem latino-americana, de sua natureza, em relação à “falsa
erudição”, porque se sabe que se imita demais ao norte.
Segundo Rodriguéz (2006, p. 7), o pensamento de Martí tinha dois eixos essenciais:
“Seu latino-americanismo e seu anti-imperialismo.” Tal pensamento foi e é base para as lutas
dos movimentos sociais deste continente. Martí apresentou a necessidade de libertar, e
demostrou que ser latino-americanista é complementar a ser anti-imperialistas, e, portanto,
forja junto de outros libertadores um processo de lutas e pensares críticos e de enfrentamento
à colonialidade do poder.
As obras de Rodríguez e Martí atravessaram fronteiras, para além de territórios
denunciaram o discurso colonial, e compuseram o pensamento pedagógico do continente,
alicerçado em ideias de autonomia, emancipação e libertação. Essa pedagogia tem veias de
resistência dos povos, com olhares e práticas insubordinadas à colonialidade. Simón
Rodríguez e José Martí compõem a gama de lutadores e intelectuais da libertação das terras
de Abya Yala.
89
O autor prossegue em seu argumento de que todo processo pelo qual passou a
educação popular foi de grande valia sociopolítica, assim como o conhecimento produzido
sobre o tema foi sendo enriquecido ao longo do tempo. Tal acúmulo foi e é imprescindível
para a ressignificação e recomposição temática da educação popular. Retomar tradições
históricas, carregadas de símbolos, identidades e sonhos, para reorganizar o campo na
atualidade – essa é a tarefa dos intelectuais e dos pesquisadores (MEJÍA, 2001).
[…] significa no sólo recoger los retos para dar respuesta a estos cambiantes
tiempos, sino también un ejercicio de volver al adentro de ella y de sus prácticas, y
desde allí reconocer los elementos que desde su acumulado hoy le dan una
presencia y una vigencia que nos permita dar cuenta en este momento histórico de
¿para qué?, ¿por qué?, ¿cómo? se hace educación popular. (MEJÍA, 2011, p. 19).
• “Fe y Alegría nació para impulsar el cambio social por medio de la educación
popular integral”. (MEJÍA, 2011, p. 20-22).
[...] eram agentes dos quadros das organizações e movimentos que sustentavam e
assessoravam o trabalho de educação popular, mas que não pertenciam à situação de
classe do povo, apesar de que um número reduzido de líderes das classes populares
tivesse chegado também a exercer esse papel e, em certos casos, sua quantidade
tendesse a crescer. (WANDERLEY, 2003, p. 73).
Desse contexto, surgem os intelectuais orgânicos, com a tarefa de atuar nos processos
organizativos, educativos e formativos da consciência crítica. Tais pessoas estabeleceram uma
relação “orgânica” entre massa e organizações, avançaram para o acúmulo necessário de
95
conhecimento e certo nível de consciência em torno de sua classe, e, nesse caso, subalterna.
Essas gentes seguiram fazendo educação popular no interior dos movimentos sociais,
organizações populares e pastorais, interligando formulações teóricas e ações prático-políticas
revolucionárias.
Em síntese, a educação popular latino-americana se caracterizou por um pensamento
educativo múltiplo e disperso, influenciado por distintas abordagens sociopolíticas, fruto de
um acumulado histórico que atravessou fronteiras e influenciou diferentes mundos,
constituindo-se em referência para o pensamento pedagógico universal. Nessa diversidade de
perspectivas, historicamente a educação popular oscila entre extremos: da vocação populista
ao compromisso de classe. Na sequência, abordarei a educação popular libertadora que tem
como fundamento a luta de classes.
Para esse autor, a proposta educacional popular tem uma clara intenção política.
Reconhece elementos do sistema social do continente que explica a subjugação econômica,
social, política e cultural dos setores populares. Carrilo prossegue: “Son las estructuras
sociales injustas las que impiden que las mayorías populares tengan la posibilidad de tener,
saber, poder y actuar por sí y para sí mismas.” (CARRILLO, 2012, p. 19).
Assim, a educação popular tem como pressuposto básico o questionamento ao caráter
injusto da ordem social nas sociedades latino-americanas. Carrilo (1993, p. 15) expressa a
necessidade de uma educação libertadora a serviço das classes populares. Essa “utopia
libertadora” é propulsora da construção de um “propio proyecto histórico”, pelos
subalternos da sociedade, para a construção de outra sociabilidade, no horizonte político da
transformação.
Carrillo (1993) indica que a educação popular está alicerçada num diagnóstico
estrutural, associada à influência das ciências sociais críticas na América Latina
(especialmente o marxismo), bem como sobre os movimentos populares e à esquerda dos
anos sessenta. O autor argumenta que a história da formação política do continente contribuiu
para “la necesidad de una educación liberadora al servicio de las clases populares.”
(CARRILLO, 1993, p. 16).
Para Jara (2003, p. 109), as experiências mais desenvolvidas de educação popular
tratam de fortalecer e desenvolver uma consciência de classe nas massas populares de nosso
continente. Segundo este autor, “a consciência de classe é sempre uma consciência social ou
coletiva, que se expressa em determinado grau de organização de classe como manifestação
consciente da prática que realiza.”
97
Carrillo (2012) aponta para uma leitura classista no momento fundacional da educação
popular libertadora. Ou seja, a análise do padrão de luta de classes na América Latina se
desdobra no campo educacional popular como possibilidade de produzir conhecimento capaz
de agir diretamente como campo de intervenção das forças vivas das classes subalternas. O
conceito de “classes populares”, de Wanderley (1987), permite-nos visualizar a consonância
do debate de classe incorporado às múltiplas formas de lutas no território.
O termo “homem novo” leva a associar duas outras categorias presentes no debate:
“popular” e “povo”. Ao termo “popular” emprego como sinônimo de “condenados da terra”,
“esfarrapados do mundo” e “oprimidos”, conforme concepções de Frantz Fanon e Paulo
Freire, anteriormente referidos nesta dissertação.
Brandão estabelece uma distinção entre saber “erudito” e saber “popular”:
A produção de um saber popular se dá, pois, em direção oposta àquela que muitos
imaginam ser a verdadeira. Não existiu primeiro um saber científico, tecnológico,
artístico ou religioso “sábio e erudito” que, levado a escravos, servos, camponeses e
pequenos artesãos, tornou-se, empobrecido, um “saber do povo”. Houve primeiro
um saber de todos que, separado e interdito, tornou-se “sábio e erudito”; o saber
legítimo que pronuncia a verdade e que, por oposição, estabelece como “popular” o
saber do consenso de onde se originou. A diferença fundamental entre um e outro
não está tanto em graus de qualidade. Está no fato de que um, “erudito”, tornou-se
uma forma própria, centralizada e legítima de conhecimento associado a diferentes
instâncias de poder, enquanto o outro, “popular”, restou difuso – não centralizado
em uma agência de especialistas ou em um pólo separado de poder – no interior da
vida subalterna da sociedade. (BRANDÃO, 2006, p. 15).
Para esse autor, a distinção entre saber popular e saber erudito não se refere à questão
de qualidade do saber, mas à relação com o poder, pois o saber erudito é visível e legitimado
pelos poderes instituídos, enquanto que o saber popular permanece invisibilizado na vida das
camadas subalternas da sociedade. Nessa direção, o autor se posiciona dizendo: “por isto,
99
achamos que o termo popular não é mais que uma referência a esse caráter definitivamente
classista, que situa o processo educativo como um processo ligado às necessidades, exigências
e interesses das classes populares.” (BRANDÃO, 2003, p. 109).
Boff (2015, p. 1) propõe uma definição sociológica da categoria povo, destacando um
“certo rigor do conceito”, para não cair no populismo:
Dussel (2012, p. 386), ao conceituar a categoria povo, argumenta que não se trata de
um conglomerado amorfo. Segundo o autor, “povo” é sujeito histórico que, em sua análise,
tem caráter político, no sentido revolucionário, “com as memórias de suas gestas, com cultura
própria, com continuidade no tempo […]. O povo é o coletivo histórico de pobre nos
momentos limites da aniquilação de um sistema e de passagem a outro.”
Os dois referidos autores, Dussel e Boff, apontam para uma convergência de sentido
para a categoria povo. Para ambos, trata-se de um sujeito histórico da sociedade civil,
emergente de comunidades ativas que produzem práticas de resistência contra-hegemônicas,
tendo em vista transformar modos de produção e reprodução hegemônicas.
Sendo “posição política e político-pedagógica”, nos termos de Puiggrós (2003, p. 19),
a educação popular é instrumento para expressão libertária do povo organizado no interior de
comunidades e movimentos, favelas e campos, tendo em vista subverter a ordem e o poder
hegemônicos.
Nesse sentido, o ser humano é percebido para além das relações sociais determinadas
pelo capital, como sujeito com possibilidades de protagonismo para a transformação. Em
100
outros termos, conforme Dussel (2012), a criação de um novo tipo de sociedade implica a
“negação da alienação”, produzida pela sociedade exploradora e opressiva. O protagonismo
ocorre pelo fortalecimento dos setores populares organizados. A educação popular libertadora
não é algo elaborado para o povo, ela está com o povo, enraizada no viver e conviver das
comunidades, nos saberes, pensares e na cultura que é própria.
própria cultura popular. Sua prática objetivava aproximar a intelectualidade do povo, por meio
do diálogo “aprender e ensinar”, por meio do qual intelectuais “misturavam-se” com a massa
e ambos partilhavam saberes. Essas experiências serviram de base às ideias de Paulo Freire,
nas quais o diálogo, a generosidade e a amorosidade se convergem no aprender coletivamente
(SAVIANI, 2013, p. 318).
O MEB abordou o meio rural e teve grande influência na organização sindical. Por ser
um movimento de Igreja foi o único que sobreviveu ao golpe militar de 1964. No MEB
trabalhava-se com monitores e animadores dos grupos de base em escolas radiofônicas.
Conforme Wanderley (1984), os embriões da “igreja popular” foram forjados pela ação do
MEB.
Segundo Streck (2010, p. 301), dentre as experiências de educação popular “a
referência mais marcante desse movimento pedagógico-político-cultural é o projeto de Paulo
Freire em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963”, que se tratava de um “Movimento de
Cultura Popular (MCP) criado pela Prefeitura de Natal”, com a campanha “De pé no chão
também se aprende a ler”, acompanhada do “Movimento de Educação de Base (MEB), criado
pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.”
Nesse sentido, Paludo (2001, p. 91) destaca a importância de Paulo Freire para a
educação libertadora.
É nos anos 1960, com Paulo Freire, que no Brasil se tem, pela primeira vez, de
forma consistente, uma pedagogia anunciada das classes populares. Pela primeira
vez, começa-se a conceber uma pedagogia na educação brasileira (e latino-
americana) que leva em consideração a realidade brasileira com vistas à sua
transformação, em que as classes populares assumem papel central. (PALUDO,
2001, p. 91).
Essa pedagogia, com vistas à transformação da realidade brasileira, tem como uma das
tarefas fundantes a emancipação e libertação dos oprimidos. Para Garcés (2006, p. 77), a
educação “libertadora ou problematizadora, em sentido freireano” contém uma
intencionalidade de protagonismo histórico dos oprimidos. Nessa perspectiva, Fals Borda
(2008, p. 17) sugere que a educação se constitui pela subseção, ou seja, “aquella condición
que refleja las incongruencias internas de un orden social, descubiertas por miembros de éste
en un período histórico determinando a la luz de nuevas metas valoradas que una sociedad
quiere alcanzar.”
No final da década de 1960, na América Latina, nasce a Teologia da Libertação, uma
corrente teológica cristã que opta em se posicionar pelos pobres. Essa teologia tencionou a
hierarquia hegemônica da igreja católica e desenvolveu uma diversidade de práticas
103
sandinista, dirigida pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), abrem-se novos
horizontes teóricos e práticos no campo da educação popular. Jara (2003) comenta:
A partir de meados dos anos 1990, diversos estudos sobre os desafios da Educação
Popular, no final do século XX e início do novo milênio, apontavam a necessidade
de uma revisão crítica das práticas e concepções até então vigentes na Educação
Popular à luz das grandes transformações em curso no mundo e, de modo particular,
nas sociedades latino-americanas. Este debate, denominado refundamentação da
Educação Popular, buscou redefinir seu papel, suas tarefas, sua concepção
metodológica e criar novos instrumentos para sua intervenção. Deste amplo campo
de discussão, destaco [...] aqueles aspectos referentes às contribuições da Educação
Popular para os processos de construção de uma cidadania ativa e de democratização
das estruturas políticas e espaços públicos. (PONTUAL; IRELAND, 2006, p. 92).
Para Paludo (2006, p. 46), a formação dos campos populares, assim como a formação
do movimento de Educação Popular, sofreu diversas influências a partir dos anos 1960:
As questões da mulher, dos indígenas, das crianças, dos refugiados, dos favelados,
das comunidades locais, das diferentes gerações etc. despontaram como um sintoma
de um processo de constituição de novos sujeitos políticos, que eram setores
socialmente oprimidos anteriormente, mas que não tiveram voz nos discursos
maximalistas do século. Entre seus direitos humanos, direitos do povo, começaram a
despontar as reivindicações pela posse do poder como educandos e como
educadores. A “educação popular”, em suas diversas tendências, deve voltar a pensar
em seus sujeitos. (PUIGGRÓS, 2003, p. 24-25).
insuficiência do discurso para falar e explicar a ação e, por outro, nos problemas que
afetam as próprias práticas e sua especificidade no novo contexto social e político da
região. No entanto, cabe assinalar, tal análise não nega os desenvolvimentos e
contribuições desse movimento educativo, mas, pelo contrário, resgata seus
postulados e aprendizagens para redefini-los ante os desafios colocados pela nova
realidade da América Latina. (EDUCACÃO..., 2006, p. 347).
Constatou-se que muitas vezes a análise é feita a partir de uma perspectiva classista
ou étnica de maneira unilateral. Com a finalidade de não impor uma visão ocidental
ou externa, não foram analisados os processos de diferenciação e transformação que
tem sofrido as próprias culturas indígenas e a posição que elas ocupam nas
dinâmicas de poder regionais e nacionais. Por outro lado, também se indicou que,
muitas vezes, o processo de educação popular leva implícita uma mensagem
ocidental. Como já foi assinalado, a metodologia pedagógica freqüentemente não se
relaciona com os princípios que organizam o pensamento das culturas indígenas, e
as estruturas organizacionais e de liderança propostas se opõem às formas históricas
que estas têm assumido em uma determinada comunidade. Enfim, a educação
popular deve fazer uma leitura crítica de si mesma para contribuir com um novo tipo
de análise que permita compreender, por exemplo, as relações econômicas, de classe
e de gênero a partir das culturas indígenas; e estas, a partir das dinâmicas de poder e
de conflito da sociedade nacional. (EDUCAÇÃO… 2006, p. 356-357).
gênero. Esse conceito significa uma releitura da modernidade capitalista colonial, que inclui
dimensões da estrutura do sistema. A autora investiga e problematiza os debates que as
mulheres criaram das análises críticas do feminismo hegemônico e que, precisamente,
ignoraram a interseção de raça/classe/sexualidade/gênero.
Y, por lo tanto, es importante entender hasta qué punto la imposición de este sistema
de género fue tanto constitutiva de la colonialidad del poder como la colonialidad el
poder fue constitutiva de este sistema de género. La relación entre ellos sigue una
lógica de constitución mutua. Hasta aquí, debería haber quedado claro que el
sistema de género moderno, colonial no puede existir sin la colonialidad del poder,
ya que la clasificación de la población en términos de raza es una condición
necesaria para su posibilidad. [...] Concebir el alcance del sistema de género del
capitalismo eurocentrado global, es entender hasta qué punto el proceso de
reducción del concepto de género al control del sexo, sus recursos, y productos es
constitutiva de la dominación de género. Para entender esta reducción y el
entramado de la racialización y el engeneramiento, debemos considerar si la
organización social del “sexo” precolonial inscribió la diferenciación sexual en
todos los ámbitos de la existencia incluyendo el saber y las prácticas rituales, la
economía, la cosmología, las decisiones del gobierno interno y externo de la
comunidad. (LUGONES, 2008, p. 93).
Parece ser esta renovada visão antropológica aquela que tem tido centralidade na
orientação nas leituras do projeto hegemônico e das suas conseqüências, da esfera da
política, da economia e da cultura, incluindo-se aí as inovações da sociabilidade em
formação a partir da primazia do mercado. Pelo apresentado nos textos, esta nova
visão tem sido parâmetro para a reflexão dos educadores populares sobre as suas
práticas e dos próprios Campos Populares. (PALUDO, 2006, p. 48).
A este modo chamo fascismo epistemológico porque constitui uma relação violenta
de destruição ou supressão de outros saberes. Trata-se uma afirmação de força
epistemológica que oculta a epistemologia da força. O fascismo epistemológico
existe sob a forma de epistemicídio cuja versão mais violenta foi a conversão
forçada e a supressão dos conhecimentos não ocidentais levadas a cabo pelo
colonialismo europeu e que continuam hoje sob formas nem sempre mais subtis. No
pólo oposto, está a tentativa de minimizar ao máximo essa assimetria na relação
entre saberes. (SANTOS; MENESES, 2010, p. 468).
[…] donde a partir de la pregunta ¿Por qué si hay tanto para criticar en
114
el mundo actual, es tan difícil generar teorías sociales críticas que nos orienten los
actuales procesos de transformación?, se propone construir un pensamiento de
oposición que, al mismo tiempo que recupere las promesas de emancipación social
de la modernidad, supere lo que hay en ellas de eurocentrismo y colonialismo e
incorpore los aportes críticos que se están produciendo desde las diferentes luchas
culturales, sociales y políticas actuales. (CARRILLO, 2011, p. 88).
Mejía (2014, p. 23), por sua vez, entende que ações e reflexões de nossas instituições e
organizações requerem “um exercício profundo da interculturalidade, que será marcado pela
tomada de consciência de que somos daqui.” Segundo esse autor, é necessária uma
revitalização da memória histórica dos povos do Sul, silenciados pelos exercícios de
colonização da mente, do corpo e do desejo, em suas múltiplas manifestações. Nesse sentido,
o autor destaca que a educação popular é parte da construção de uma epistemologia do sul,
associada ao projeto emancipador da teoria crítica do mundo do norte.
Para Mejía (2013), os povos originários e sua relação orgânica com a natureza são
exemplo de contradição diante da modernidade capitalista que trata a natureza como
mercadoria. A ideia da Pachamama contém a defesa dos povos e da natureza, que fazem parte
de novos horizontes de luta e construção do conhecimento na educação popular:
Jara (2003, p. 102) considera que o processo vivido pela educação popular nos coloca
diante de dois problemas. Por um lado, a “existência de um inegável fato político que está
influenciando, por diferentes formas, o avanço dos movimentos populares em nosso
continente.” Por outro lado, “a indefinição teórica de seu significado, seu papel e suas
perspectivas.” Tais problemas produzem a “necessidade de avançar na elaboração de uma
teoria da educação popular a partir da América Latina”,
movimentos sociais; por outro lado, a educação popular é considerada uma opção política, um
movimento cultural, um campo intelectual, uma comunidade de pensamento ou uma prática
educativa. No ponto de vista do referido autor, é necessário reconhecer a educação popular
como uma “prática histórica”, ao mesmo tempo, um movimento educacional e uma corrente
pedagógica.
Trata-se de um paradigma teórico nascido no calor das lutas populares que passou
por vários momentos epistemológicos e organizativos, visando não só à construção
de saberes, mas também ao fortalecimento das organizações populares. Sem perder
seus princípios, a educação popular vem se reinventando hoje, incorporando as
conquistas das novas tecnologias, retomando velhos temas e incorporando outros: o
tema das migrações, da diversidade, o lúdico, a sustentabilidade, a
interdisciplinaridade, a intertransculturalidade, a questão de gênero, idade, etnia,
sexualidade, desenvolvimento local, emprego e renda [...] mantendo-se sempre fiel à
leitura do mundo das novas conjunturas. (GADOTTI, 2012, p. 22).
Para Gadotti e Torres (1994, p. 8), a educação popular tem a tarefa “de diminuir o
impacto da crise social na pobreza e de dar voz à indignação e ao desespero moral do pobre,
do oprimido, do indígena, do camponês, da mulher, do afro-americano, do analfabeto e do
trabalhador industrial.”
Nessa mesma direção, Streck (2012, p. 192) menciona o vínculo da educação popular
com os movimentos sociais populares. De acordo com esse autor, trata-se de “uma pedagogia
do movimento no sentido de se integrar às lutas de quem busca construir novos territórios
para viver e conviver.” Os territórios de luta reaparecem no cenário como algo novo, mas que
já eram parte da tensão e da correlação de forças na América Latina. Assim, a educação
popular, como “pedagogia do movimento”, é também “pedagogia em movimento”.
Por isso a educação popular é cada vez mais uma pedagogia indígena, uma
pedagogia feminista, uma pedagogia negra, uma pedagogia dos sem-terra e sem-
teto. Mas ela é também uma pedagogia em movimento na medida em que
dificilmente ela se deixa enquadrar em esquemas teóricos clássicos. Ela corresponde
à diversidade de tempos e de culturas que constituem o campo das práticas
educativas. (STRECK, 2012, p. 192).
117
A partir das abordagens e aportes feitos pelos autores, percebo os diversos momentos
epistemológicos e organizativos pelos quais passou a educação popular libertadora,
reassumindo lutas históricas e reafirmando o compromisso pedagógico deste continente.
Em síntese, o objetivo da presente seção foi mostrar aspectos conceituais que
caracterizam a noção de educação popular. A origem da educação popular reporta-se às
vivências de comunidades primitivas, nas quais a produção da própria existência material
levava o ser humano a produzir saberes e aprendizagens. O termo educação popular apresenta
contradições e ambiguidades, pois a mesma expressão toma diferentes significados conforme
o contexto sócio-histórico do qual emerge.
Na América Latina, há certo consenso em atribuir a dois educadores populares o lugar
de precursores: Simon Rodriguez e José Martí. Suas propostas são parte de uma pedagogia
crítica e radical, comprometida com a libertação. No Brasil, no início dos anos 1960, as
práticas educativas eram paternalistas e desprezavam a cultura popular, ao mesmo tempo,
grupos de oposição marcavam resistência às formas instituídas de dominação, por meio de
organizações operárias, camponesas e comunitárias.
No continente latino-americano, a concepção libertadora de educação evidencia seu
papel na construção de um novo projeto histórico, que ultrapassa as fronteiras da pedagogia,
atuando também no campo da economia, da política e das ciências sociais. Trata-se de uma
perspectiva fundamentada na luta de classes e em resistências contra-hegemônicas diante do
padrão eurocêntrico da colonialidade, na qual a educação é indissociável da política.
118
24
A Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) “nasceu em 1978 no Recife (PE), carregando na história do
seu surgimento as sementes jogadas pela Juventude Operária Católica destruída pela ditadura com o golpe
militar de 1964.” Essa pastoral da Igreja da Libertação “nasceu e se consolidou sendo um espaço onde os jovens
empobrecidos tomam consciência da sua realidade e nela atuam para transformá-la”, com o objetivo de “suscitar
entre os jovens do meio popular, uma vivência da fé a partir da sua condição social e de classe.” (PASTORAL
DA JUVENTUDE DO MEIO POPULAR, 2018).
25
A Pastoral da Juventude Rural (PJR) é uma pastoral da Igreja Católica que nasceu em 13 de março de 1983.
Articula-se nacionalmente em territórios camponeses em vários estados do país. Organiza a juventude
camponesa, tendo como pauta seu protagonismo na superação das situações de opressão, desigualdades sociais,
permanência do jovem no campo e enfrentamento ao capital no campo. Atua conjuntamente com outros
movimentos sociais camponeses. A PJR é uma organização que é vinculada à Igreja Católica, mas que segue
características classistas, assumindo a luta territorial dos excluídos e explorados pelo sistema capitalista. É parte
da Via Campesina (articulação internacional de organizações campesinas). A PJMP e a PJR são organizações
nacionais, que compõem as quatro pastorais da Juventude do Brasil: PJMP, PJR; Pastoral da Juventude
120
Estudantil (PJE) e Pastoral da Junventude (PJ). Por serem as duas pastorais que assumiram a luta de classes,
articulam-se com organizações internacionais de lutas contra o extermínio da juventude pobre, reforma agrária,
permanência dos jovens no campo, soberania alimentar, demarcação das terras indígenas e quilombolas, etc.
26
As questões em torno do surgimento do dia Internacional das Mulheres são polissêmicas. Nesse sentido, cabe
às organizações feministas, com perspectivas de classe, retomar os acontecimentos e trazer elementos reais da
história. De acordo com Faria (2010), o reconhecimento do dia 08 de março está relacionado à homenagem das
mulheres na história da Revolução Russa. A decisão da escolha deste dia ocorreu na Conferência das Mulheres
Comunistas, coincidindo com o Congresso da Terceira Internacional, realizado em Moscou, em 1921, com o
objetivo de unificar as comemorações em torno das lutas das mulheres no mundo, correlacionada às mulheres
socialistas “Foram as manifestações das mulheres na Rússia, no dia 8 de março de 1917 (dia 23 de fevereiro
segundo o antigo calendário russo) que motivaram a escolha do Dia Internacional das Mulheres, alguns anos
depois. A confluência das comemorações do Dia Internacional das Mulheres com a greve das operárias têxteis e
a revolta das mulheres com a escassez de alimentos foi o estopim da Revolução de fevereiro de 1917 na Rússia.”
(FARIA, 2010, p. 13).
121
Cada uma das entrevistadas foi previamente consultada sobre sua disponibilidade para
realizar a entrevista e seu acordo foi expresso pela assinatura de um Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (Apêndice B). As entrevistas foram gravadas e inteiramente transcritas.27
A sistematização e a análise dos dados do trabalho de campo observaram princípios da
entrevista compreensiva. . As entrevistas foram previamente agendadas e realizadas em
espaços e tempos distintos.
Tendo em vista meu pertencimento ao Coletivo Feminista Classista, as entrevistas
foram realizadas com companheiras com as quais convivo e milito. No trabalho de campo, a
pesquisa foi assumida como uma tarefa coletiva. No plano individual, cada entrevistada
realizou o encontro com a pesquisadora imbuída, ao mesmo tempo, pela responsabilidade de
abordar a experiência coletiva e também expressando formas de entusiasmos pela
possibilidade de contribuir com a produção de conhecimento em andamento.
Conforme Kaufmann (2013, p. 81), “para encontrar a pergunta certa, não há outra
solução que não seja a de se colocar intensamente na escuta do que é dito e de refletir a
respeito enquanto o informante fala.” Como uma das dirigentes do coletivo, a situação de
pesquisadora me levou a estar “ao lado”, e, ao mesmo tempo, fazendo um esforço para manter
certa distância. Algumas vezes foi difícil, emocionei-me com as interlocutoras, por ouvir as
realidades sofridas dos povos, nas quais elas se incluem, comprometidas com a
transformação. Confesso que me surpreendi com algumas falas, detalhes que haviam passado
despercebidos na convivência que temos.
27
As transcrições foram feitas por mim e também por outras duas pessoas do Coletivo.
124
De acordo com Quijano (2005, p. 248), a América Latina constituiu-se como o eixo
mundial de um padrão de poder caracterizado pelas relações de exploração e de dominação
em consequência da conquista colonial. Na invasão/construção do território, a partir da
“emergência da América” se consolidou o modo de produção dominante para as formas de
exploração e controle do trabalho, assim como para o conjunto de relações sociais.
A colonialidade imposta ao território, iniciada com a invasão, dominação e
colonialismo, não se rompeu com a independência das nações. Segundo Fanon (1968, p. 83),
com as libertações, “o martelamento da artilharia, a política da terra arrasada deram lugar à
sujeição econômica.”
Quijano (2009, p. 101) menciona que “na América, no capitalismo mundial,
colonial/moderno, os indivíduos classificam-se e são classificados segundo três linhas
diferentes, embora articuladas numa estrutura global comum pela colonialidade do poder:
‘trabalho, raça, género.’” Tais relações sociais formam a estrutura de poder de classificação
social, dando origem às “classes sociais” heterogêneas, descontínuas e conflituosas.
O autor argumenta, ainda, que enquanto essas três instâncias de classificação “forem
entendidas e manipuladas de modo separado ou, pior, em conflito”, não haverá “libertação”
das vítimas da exploração/dominação. Considerar essa classificação social separadamente é
um meio eficaz de os capitalistas manterem o controle do poder (QUIJANO, 2009, p. 105).
Saffioti (2013, p. 63), ao abordar a estrutura das sociedades capitalistas e analisar a
“mulher na sociedade de classes”, aproxima-se da afirmação de Quijano, argumentando: “a
125
[...] se o feminismo não for classista, se ele não for e não tiver bebendo das veias e
das indignações das explorações do povo, não tiver bebendo da classe trabalhadora
ele não transforma, […] então o feminismo dentro da luta de classe que é
transformar toda uma relação de luta que a gente tem, que a gente constrói no Brasil
e nos movimentos sociais e trazer pra dentro esse feminismo, que é a igualdade pra
que a gente consiga construir nós as companheiras e os companheiros juntos. (M2,
p. 2).
[...] a gente não é só feminista [...] a gente é feminista classista, que é a mulher como
proletária do proletário [...] mas uma coisa que eu sempre deixo claro assim, quando
as pessoas me pedem [...], “ah, você é feminista?”, sim, mas sou feminista classista e
eu não sou só feminista. Então não quero me impor ao homem, eu quero fazer com
que ele entenda que, os meus direitos precisam sim ser reconhecidos, eles não foram
totalmente reconhecidos e eu ainda acho que há uma trajetória bem longa, mas, que
é preciso andar junto [...] que essa construção é coletiva, independente da opção ou
orientação sexual [...] então acho que essa é nossa principal luta. Junto com as outras
pautas [...] que são abordadas pela PJMP, pela PJR. (M 4, p. 3).
Primeiro que a opressão dos povos ela está relacionada novamente ao contexto da
luta de classes. E a gente sabe que existe uma cristalização histórica de um discurso,
[…] alguns autores inclusive falam sobre a colonização das mentes […] e a gente
tem o entendimento de que romper com esse discurso que historicamente foi
cristalizado, que fazer a defesa dos povos indígenas, que fazer a defesa dos
quilombolas, fazer a defesa dos negros e negras, dos caboclos e caboclas, não são
lutas isoladas, não são lutas específicas, isso faz parte de um contexto maior. Os
povos indígenas [...] foram exterminados e a cada dia estão sendo mais
exterminados [...] toda essa luta contra o racismo, contra todas as formas de
opressão, contra todas as formas de violência, ela não deve se dar de maneira
isolada, em um espaço, ou com uma categoria. Nós entendemos que tudo faz parte
de um contexto maior que é a luta de classes, onde a gente luta pelos povos do
Brasil, onde a gente luta pelos povos da América Latina e do mundo. A opressão não
se deu só no espaço onde eu estou, apenas no país onde eu vivo, mas ela se dá num
contexto de mundo e na medida que a gente consegue avançar no debate, o racismo
ele vai terminar a partir do momento em que esse sistema for exterminado, que um
novo modo de vida for construído, novas relações de mundo forem construídas.
(M1, p. 6-7).
[…] então a gente precisa romper com todo esse sistema que gera a morte, mas a
gente precisa romper com essas relações que são formadas a partir desse machismo
secular. Então eu acho que esse é um debate que ele precisa estar presente, que a
gente sim, quer terminar com o capitalismo, mas a gente quer terminar com a
opressão, independente de qual modo de vida a gente for viver a partir do momento
em que o capitalismo não existir mais [...] sem isso a gente não vai conseguir
transformar a sociedade né? Então ainda é bastante desafiador assim, você discutir o
feminismo classista dentro dos movimentos ou, por exemplo, eu vou chegar numa
comunidade indígena e vou discutir o feminismo classista [...], sendo que as
mulheres muitas vezes nem conseguem se expressar a gente nem consegue chegar
127
muitas vezes até elas [...], o marido, o companheiro que vem receber e que dita as
regras [...]. Então é um processo todo de base, a gente volta a falar do trabalho de
base [...] (M1, p. 7).
É o Socialismo que queremos, pra isso é preciso quebrar, romper com o capitalismo,
como esse sistema que foi nos imposto [...], então primeiro essa é nossa bandeira
principal, como eu disse, a gente leva, levanta essa bandeira e depois vêm as outras,
de cada mulher. (M 4, p. 5).
Por ser classista, um grupo feminista, a gente faz enfrentamento, esse é o mínimo
[...] Pra transformar, pra fazer essa mudança estrutural no sistema, a gente precisa
fazer esse enfrentamento né. Então é um grupo que vai pra rua, é um grupo que vai
pras bases, que vai pra favela, que vai pro campo, que não fica quieto, que se
mobiliza, constrói e produz material [...] então ele é um grupo de transformação e
que não fica quieto, então essa é a nossa relação com a sociedade [...], é de falar, de
se expor, de tá presente. (M2, p. 6).
[...] porque ter um grupo feminista, classista, numa região [...] que é extremamente
preconceituosa, extremamente machista isso incomoda muito, e a existência desse
grupo incomoda muita gente, e a gente percebe isso, porque [...] vem muitas pessoas
disseminar o ódio [...], esse discursos de ódio vem em cima da gente, só que isso a
gente não interpreta como uma coisa ruim, a gente interpreta e percebe que isso é
uma coisa boa, porque a gente tá incomodando. Eles tão vendo que tem mulheres
que estão discutindo as questões [...], as relações de gênero, as relações da mulher e
da sociedade, trabalho, e é de classe [...], isso é o resultado da nossa discussão do
nosso debate, da existência do nosso grupo. (M 3, p. 8).
As proletárias não devem contar, portanto, com o apoio das mulheres burguesas na
luta por seus direitos civis; as contradições de classe impedem que as proletárias
possam aliar-se com o movimento feminista burguês. Com isso, não queremos dizer
que devam rechaçar as feministas burguesas se elas, na luta pelo sufrágio universal
feminino, se puserem a seu lado e sob sua direção para combater nas frentes o
inimigo comum. Porém, as proletárias devem ser perfeitamente conscientes de que o
direito de voto não pode ser conquistado mediante uma luta do sexo feminino sem
discriminações de classe contra o sexo masculino, mas somente com a luta de
classes de todos os explorados, sem discriminação de sexo, contra todos os
exploradores, também sem nenhuma discriminação de sexo. (ZETKIN, 1907).
Segundo ela, não há como construir o Socialismo sem que mulheres e homens se assumam
feministas classistas.
[...] alguns movimentos a gente consegue se identificar mais que outros, eu percebo
que, a mulher mesmo dentro desses espaços ainda tem esse papel inferior ao homem
[...]existe muitos homens dirigentes [...] muitos deles acham que a mulher talvez não
tenha capacidade, pra ser dirigente também, pra fazer uma assessoria. Já vivenciei
momentos, mesmo com companheiros que nem são dirigentes, [...] nem fazem parte
da assessoria, companheiros nossos assim, que tão do nosso lado, falando
disseminando essa cultura machista [...] talvez muitas vezes sem eles perceberem,
essa cultura que a gente já nasce nela [...] a gente é ensinado a ser assim, mas mesmo
dentro da nossa organização, de outras organizações principalmente, por que na
nossa organização o debate já está um pouco evoluído, mas eu percebo que é
complicado [...] essa questão da mulher. (M3, p. 6-7).
[…] a gente vive no capitalismo, então várias coisas nos afetam enquanto crianças,
jovens, adultos, idosos e inclusive a minha saída do campo está refletida nesse
contexto [...] do capitalismo, de forçar as famílias a saírem do campo e irem para as
cidades, periferias. Então a gente discutia a transformação dessa sociedade. (M1, p.
2).
Tal práxis política diz respeito às pautas de lutas que as interlocutoras de minhas
entrevistas abordam. Pautas específicas e outras que são comuns entre as organizações e
movimentos sociais. As jovens mulheres do coletivo destacam a importância da unidade no
processo revolucionário de construção da contra-hegemonia, bem como o reconhecimento de
seus territórios de lutas (identidades) como forma de avançar no processo de transformação da
realidade, avançar na perspectiva decolonial.
[…] coletivo feminista classista assume junto dos movimentos algumas pautas
conjuntas né, que é a reforma agrária, a Via Campesina também trabalha algumas
pautas conjuntas do campo, também entra a pauta específica da PJR que é a
permanência da juventude no campo, cultura pra cidade então toda essa relação.
Então junto com os outros movimentos a gente se soma bem como eles se somam
com nós né, daí então a luta, há momentos que as lutas são conjuntas e o grupo
feminista está ali pra debater, pra ajudar a debater, construir e fazer a formação e a
construção do movimento, da mobilização e tudo mais. (M2, p. 7).
Quijano (2005, p. 9) menciona que a América Latina foi o espaço original, “a primeira
entidade/identidade histórica do atual sistema mundo colonial/moderno e de todo o período da
modernidade.” Nesse argumento, Quijano aponta a identidade eurocentrada, de culturas de
fora, que foram impostas aos povos latino-americanos.
Se, portanto, na América Latina o colonialismo produziu violentamente a aculturação,
o desafio, nesse cenário, é pensar caminhos de libertação, que, para as interlocutoras, está na
consciência de sua realidade e na necessidade de transformação. Gramsci (2004a, p. 60)
menciona a consciência unitária do proletariado por meio da crítica à civilização capitalista e
a urgência em “conhecer a si mesmo”, “para ser o senhor de si mesmo”. Para as
interlocutoras, tal consciência é adquirida coletivamente nas organizações a partir das práticas
políticas e educativas, que possibilitam a construção de uma identidade de mulher da classe
trabalhadora, das periferias, da favela e do campo.
Como coletivo feminista classista a gente assume a luta de classes junto com os
companheiros homens. As lutas são pela reforma agrária, uma luta do campo que
nós enquanto PJMP assumimos junto com a PJR. Contra a violência e morte das
134
juventudes negras e pobres das periferias e favelas. Como eu sou uma jovem da
periferia me sinto muito identificada nessa pauta porque vejo os sinais de violência
em vários momentos e lugares onde eu moro. Também assumimos a pauta de luta
pela universidade pública e popular, porque os jovens da favela também não têm
condições de bancar uma faculdade e nem queremos nos inserir nesses moldes do
sistema, queremos uma universidade com o nosso jeito, com as nossas cores. Eu
inclusive estou cursando Educação no Campo com Ênfase em Educação Popular no
Instituto Federal Catarinense de Abelardo Luz, que é um campus referência dos
movimentos populares. Eu e mais dois jovens da periferia estamos naquele espaço
porque justamente fizemos parte desse coletivo de luta. (M5, p. 3).
Então as nossas lutas são essas, elas abraçam as lutas da classe trabalhadora [...]
contra todo o processo de violência, contra o machismo, porque sem feminismo não
há socialismo […] então a gente abraça todas essas lutas […] e em especial é isso
[...] construir no berço da nossa organização toda essa relação de igualdade, que a
gente consiga juntos, companheiros e companheiras [...] ir transformando, daí é
junto lá, é na periferia, é no campo, nos espaços de formação, é ali, com a juventude.
(M2, p. 3).
[...] outras pautas [...] está a luta contra o uso de agrotóxicos, a questão do
agronegócio também, a luta contra violência à juventude empobrecida das favelas e
periferias, a luta por uma educação pública e de qualidade, porque a gente sabe que
todo esse machismo construído historicamente, implantado digamos assim, ele é
fruto de uma educação bancária, mercantil, de uma educação que historicamente fez
muitas mulheres ficarem trancadas em casa, terem medo de ocuparem alguns
espaços e não terem condições de ocuparem alguns espaços pela própria condição de
opressão sofrida [...]. (M1, p. 6).
É comum, eu tenho até amigas que são prostitutas né, eu vejo que é uma necessidade
e muitas vezes elas são muito julgadas. Mas o que quero me referir com a questão
das prostitutas é o modo como muitas vezes são tratadas, também como mercadoria,
sofrem violência, são julgadas porque moram nas favelas e essas pessoas não sabem
135
que muitas vezes essa é a forma que elas tem para buscar um sustento imediato ou
enfim, quem somos nós para julgá-las. (M5, p. 2).
Uma porque muitas vezes tem a relação de ser uma mulher na frente [...] porque
como nosso coletivo da PJR e da PJMP tenta construir coletivamente os processos
de luta com as companheiras e os companheiros é coletivamente que a gente faz os
enfrentamentos [...] Então essa relação de ter uma companheira na frente, de ter uma
mulher perante toda essa relação, como se fosse mais frágil [...] e tem toda relação
de que os aparatos de ordem eles tem como objetivo limitar todo […] processo que a
gente constrói pra expor as nossas ideias, pra transformar, pra se mobilizar [...]
Então essa é bem tênue no sentido de, na nossa relação com os aparatos de ordem.
(M2, p. 7).
classista, não se trata somente falar de feminismo, falar de luta de classes, mas é
compreender e tentar desenvolver isso e daí não é só com as companheiras, tem que
ser com os companheiros em especial [...] então são vários momentos que a gente
tem que construir [...] com as meninas, com as companheiras e também os
companheiros. (M2, p. 2).
[...] uma das pautas também que a gente tem muito, além da evoluir no nosso debate
da mulher [...] mas a gente conseguir levar esse debate para nossos companheiros,
pros homens [...] não é só a mulher que tem que ser feminista, ou que tem que lutar
pelas pautas feministas, que tem que lutar pela mulher, mas os homens também. [...]
a gente não acredita que a mulher deve ser, [...] melhor que o homem ou deve atingir
[...] ocupar espaços melhores que os homens. (M 3, p. 4).
[...] nós sozinhas não vamos fazer a luta de classes por isso que a gente não pode se
impor ao homem, a gente quer os nossos companheiros do nosso lado e é assim que
eles se identificam [...] porque eles também buscam a luta de classes [...] como
pessoa e como organização. (M 4, p. 7).
Essa colonialidade que hegemoniza um padrão global de poder, também desafia essas
jovens militantes na construção de territórios subversivos, subalternos e decoloniais. Elas
consideram fundamental o que têm construído, para essas jovens, a decolonialidade é
possível. M2 expressa: “o feminismo é uma ferramenta necessária [...] se não a gente não
transforma.” Suas lutas correlacionadas com a vida e as realidades me apresentou a esperança
de que é possível, de que pautas unitárias existem e podem mudar relações e o próprio
sistema.
[...] a nossa organização tá [...] ali viva, forte, eu acho que o medo assim fica um
pouquinho pra traz. É o amor que tu sente pela luta, pela organização, pelos
companheiros que tu tem do teu lado é maior que isso assim, é, tu sente aquele
medo, mas tu sente que o que tu pode fazer é maior que isso, que tu pode fazer o que
tu quiser naquele momento. Então eu acho que enquanto tiver o coletivo, enquanto a
gente tiver essa organização e a gente estiver junto assim, a gente vai estar
preparado. (M3, p. 10).
animales en el sentido profundo de ser seres ‘sin género’ marcadas sexualmente como
hembras, pero sin las características de la femineidad.”
Na narração das interlocutoras, uma violência em particular chama a atenção: a
prostituição. Para elas, não é uma opção, mas o que resta às mulheres pobres, negras,
mestiças, caboclas. Essa herança colonial marca sexualmente as mulheres não brancas, como
fêmeas, sem considerar sua feminilidade (LUGONES, 2008).
Durante a entrevista, a jovem M5 menciona a prostituição (em vários momentos)
como alternativa de sobrevivência para as mulheres da favela onde mora. Destaca a questão
racial e a internalização de que o conhecimento científico não cabe a elas, mas às outras
mulheres de fora da comunidade.
É sobre aquilo que conversamos antes. La onde eu moro, na favela, várias amigas
são prostitutas [...] e também outras mulheres que conheço. Eu me dei conta agora,
de que todas que conheço são caboclas ou negras, acho que isso é cultural [...] sei lá.
Porque o sistema capitalista faz isso com a gente né? Nos jogou para as favelas e as
vezes é a única alternativa [...] que as mulheres encontram. Assim, um dia
conversando com uma amiga ela me disse que ela era muito burra pra estudar, então
trabalhava de empregada doméstica e fazia programa, e que quando ia na escola
tinha sofrido muito preconceito. Eu sei bem o que é o racismo e o preconceito, por
morarmos na favela nos tratam como bicho às vezes. Muitas [...] meninas que
conheço pararam de estudar, a gente tem que ser teimosa pra aguentar, eu, por
exemplo, fui chamada muitas vezes de burra, mas cheguei na faculdade porque [...]
sou ruim (risos). (M5, p. 2).
Nós temos a discussão em vários locais, temos o grupo Tribo da Perifa, que é o
grupo de base que eu faço parte e envolve outros jovens das comunidades São
Francisco de Assis e Vila Nova I. Ali a gente tenta fazer esse diálogo e vamos
conversando sobre a nossa vida, realidade e as lutas que a gente precisa fazer para
que a gente consiga garantir os nossos direitos, embora nesse momento que a gente
vive [...] na verdade, nenhum momento que viveram essa gente da favela, foi fácil.
(M5, p. 3).
Num debate com a assessoria num dos finais de semana de formação, lembro que foi
dito “que a roça no contexto do capitalismo, sempre foi vista como espaço de gente
atrasada, e por isso deveria ser extinta”. Lembrei das conversas com minha mãe,
pensa [...] mulher, negra e camponesa sem terra, um dos seres humanos mais
excluídos do sistema. Ela me contava que pouco pôde estudar, enquanto a escola era
na roça, e que dividia seu tempo com os trabalhos em casa e na roça. Também vivi
isso, até que um dia resolveram fechar as escolas do campo e levar todo mundo pra
cidade, que crime isso. Minha mãe viveu sob o comando do pai dela até casar, e
depois sob o comando do meu pai. Até que ela conheceu o MMC, sabe?!. E ela
passou a estudar e entender que o que ela viveu até então foi sob a ordem do
machismo. Tinha gente que dizia que ela ia virar uma vagabunda, porque agora vivia
só na rua atrás de movimento. Ouvi meu pai insinuar isso também. [...] um dia
minha mãe me levou junto num encontro do MMC e conheci meninas da PJR e
PJMP. Então depois de um retiro de catequese entrei para essas organizações, e
passei a entender que os apelidos que recebia na escola por minha mãe ser negra era
racismo, e por eu dividir um tênis com minhas irmãs era pobreza mesmo, alguém
tirou de nós o direito de termos um tênis cada uma. (M2, p. 4).
Olha, eu percebo [...] uma relação de senso comum mesmo, uma cultura que foi
passada de pai pra filho, de mãe pra filha né, lá na minha casa, por exemplo, existe
muito o machismo dentro da minha casa. Então eu tento primeiramente entender,
porque não basta ser mulher pra entender o feminismo, é uma cultura então a gente
precisa ter um embasamento, a gente precisa estudar pra entender, porque antes de
conhecer o que era feminismo eu achava tudo normal né. Achava que aquilo era o
certo, era o normal [...] tem coisas que foi passado de gerações pra gerações, então
precisa ser desconstruído na família. Eu só mudei meu jeito de ver o mundo quando
entrei para a Pastoral e depois que criamos o coletivo feminista classista, antes disso,
pensava que tudo era normal. (M5, p. 2).
Uma em especial é fazer a formação […] desse coletivo, permanente formação [...]
estudo, compreender o que é o feminismo classista e disseminar [...]. A gente tá em
vários espaços [...] é um coletivo não muito grande, mas é um coletivo que se soma
em vários espaços, grupos de base e tudo mais. (M2, p. 2).
É na leitura de mundo, que Paulo Freire (2001) fala que mulheres e homens se
organizam, libertando-se e construindo outras relações, outras possibilidades de viver com o
mundo. Esse processo vai além da leitura de letras e palavras, tem a ver com se tornar
protagonistas de outro mundo, de superar qualquer situação de opressão. Para Freire (1997, p.
88), “a mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante
e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho.”
142
Então a gente entendeu que nesse primeiro momento seria necessário conversar
entre nós, trocar saberes, os conhecimentos, falar das realidades das meninas que
vinham da roça, as camponesas e também as meninas da periferia, da cidade. Fazer
essa troca de saberes, nos conhecermos mais também né? Porque até então a gente
sempre fez a discussão de todos os temas, de todas as lutas envolvendo a luta
classista em coletivo, envolvendo os meninos. (M1, p. 1).
28
Segundo Ademar Bogo (2010), dirigente do MST (Bogo contribui nas assessorias formativas das organizações
e movimentos): “A palavra mística é a representação de mistério. Usa-se geralmente a palavra ‘mistério’ para
designar coisas inexplicáveis ou coisas indecifráveis, mas neste caso não é. Mistério para a mística é saber a
razão porque na luta as coisas extraordinárias acontecem.” Bogo destaca como características da mística
militante: a capacidade do ser humano de ir longe na resistência, os desafios de todas as forças e todos os limites,
para que uma causa coletiva seja vitoriosa, a capacidade de tomarmos estranhos como aliados e os protegemos
como se fossem parte de nós, para ele este é o mistério (BOGO, 2010).
143
místico.” (M3 p. 3). “Aquele momento à noite, que a gente fala de nós mesmas, é o [...] mais
marcante na vida militante que tive.” (M4 p. 4). A coordenadora do coletivo, M5 (p. 3)
declarou: “o melhor momento pra mim são nossas místicas, é o momento que a gente se
entrega. Em cada encontro eu entendo que tenho muito que aprender com essas
companheiras.” Esses diálogos foram cheios de emoção, o que me levou a concluir que a
mística é o princípio vital do coletivo, sem contemplação, é a mística que traduz os sonhos e
utopias.
[...] costumamos iniciar o grupo com uma mística que é um momento bastante
nosso, partilhando seja uma música, poesia, texto, ou fala de alguém que se sinta à
vontade para fazê-la. Depois disso são feitas outras conversas em grupos, depois
outras discussões mais abertas nesse conjunto maior onde a gente se baseia em
alguns autores e autoras, sempre trazendo presente as leituras de Marx, estamos
falando do feminismo classista, de classes, no rompimento de uma sociedade
dividida em classes. São feitos momentos muito bacanas também da roda de partilha
à noite, falando sobre questões do cotidiano, que podem levar a reflexões maiores
também. (M1, p. 4).
Nós estudamos, que a gente tem muito claro que militante, no nosso caso feministas,
precisamos estudar e estudar pra além do feminismo, do conceito das palavras, mas
também fazer e compreender todo processo de luta que teve até então [...] Então a
gente parte primeiramente do estudo, temos o nosso momento que é mais íntimo que
é o nosso momento que enriquece o nosso espaço de formação [...] fala uma pra
outra do que tá acontecendo e como coletivamente a gente pode ajudar uma a outra a
construir, a se fortalecer nesse processo, então nesse momento é um momento de
colocar as angústias, todo processo de opressão que acontece, é um momento da
gente sentir a indignação que ela é necessária para uma militante, pra que a gente
não pare. Esse é o nosso momento mais rico assim e sempre colocando pra frente.
(M2, p. 4).
necessário propor a transformação da sociedade por meio de ações concretas nas bases, nas
ruas, formações, enfrentamentos ao capital, etc.
[…] aquilo que Paulo Freire sempre nos ensinou muito. Primeiro conhecer o chão
onde a gente está pisando pra depois poder levar algo a mais, avançar na discussão.
É um trabalho que precisa ser feito, precisa continuar, mas que é bastante desafiador
começando por reunir essas jovens e desconstruir com o machismo que nem elas
percebem que existe. (M1 p. 4).
Dentro dessa luta que a gente faz enquanto grupo, o mais importante é que a gente
bebe da nossa realidade [...] a gente bebe de quem nos fortalece que é muito além de
quem já tombou por esta luta que é o feminismo classista, mas também é quem nos
fortalece em casa, ali no coletivo, nos espaços de formação, nos espaços de debate,
de debate político é aqui que a gente bebe, da nossa realidade, da luta de classe, é daí
que a gente parte pra fazer todo nosso processo de formação coletiva dentro do
grupo feminista. (M2, p. 9).
[...] o que a gente estuda tem que passar pra base então nos grupos de base, falando,
fazendo formação, é visitando, é conhecendo, da mesma forma que a gente se
conhece nos grupos a gente tenta conhecer as pessoas que a gente trabalha. É assim
que a gente vai trabalhando, vai passando o conhecimento do que a gente vai
estudando e o estudo ele se dá de forma coletiva. Organizamos o material,
estudamos e dali a gente vai compreendendo […] cada um ajudando um pouquinho,
tendo uma compreensão coletiva [...] saberes coletivos. (M2, p. 4).
Santos e Meneses (2010) elaboram também a ecologia dos saberes como pensamento
pós-abissal, na construção das epistemologias do sul, propondo a construção subversiva de
intervenções epistemológicas de denúncia das epistemologias dominantes e a retomada dos
saberes dos povos do sul. Na continuidade com essas reflexões, destaco que a conceituação da
colonialidade do saber é essencialmente importante para o pensamento decolonial,
evidenciando as epistemologias do sul como parte desse pensamento.
A educação popular que acontece dentro dos movimentos sociais e étnicos tem a ver
com a paixão pela vida, com o respeito e o comprometimento com os povos. Educar e se
deixar educar entre os oprimidos é parte dos legados de Simón Rodríguez, José Martí, Paulo
Freire, entre outros e outras. Os movimentos sociais e organizações populares internalizaram
as propostas dessas pessoas como prática político-pedagógica, alimentando a utopia
revolucionária do aprender e ensinar nas tarefas e relações de cada dia. De acordo com Freire
(2004, p. 57), “não há prática pedagógica que não parta do concreto cultural e histórico do
grupo com quem se trabalha.”
[...] então nos momentos [...] que a gente vem, seja um texto a assessoria traga que a
gente consegue discutir [...] mesmo que eu tenha sei lá quinze, vinte anos, consiga
contribuir junto com outras pessoas que têm idades diferentes, que têm vivências
diferentes, consiga contribuir, mostrar que eu também, por mais que sou nova, por
mais que eu não tenha tanto conhecimento sobre isso, que eu consiga mostrar pras
pessoas [...] aquilo que eu penso [...] É a partir do momento que eu consiga mostrar
145
que eu, a partir do que eu tenho, eu consiga construir alguma coisa com outras
pessoas, isso é muito importante pra mim enquanto pessoa também. Eu não tenho só
que absorver conteúdo, que eu não tenho só que absorver informação, mas que eu
possa contribuir pra aquilo, mudar [...] eu também tem um saber [...] É muito
gostoso saber que você tem esse poder, que você consegue fazer isso, isso dá mais
motivação pra gente continuar no debate, de continuar no processo. (M3, p. 6).
Eu acredito que aquela mulher que, pode ser até aquela mulher que não teve
oportunidade de estudo, não conseguiu estudar, mas às vezes ela tem uma sabedoria
muito maior de vida e ela tem uma experiência muito melhor das relações feministas
que acontecem, e machistas [...] com a mulher do que aquela que estudou, mas ela
estudou a vida inteira com aquele pensamento machista [...] na cabeça assim [...] E
sim, a gente tem muito que ensinar [...] o que ensinar e o que aprender também.
(M4, p. 9).
A gente tem isso [...] com as outras, por isso falei de trazer, de nos aproximarmos
mais [...] levar o grupo feminista mais perto das outras organizações, para que haja
mais essa troca né. Assim, em discussões, em movimentos na rua, tudo eu acho que
há essa troca de ensinamentos né. Mas eu ainda acho que tem que estreitar mais
essas relações. Fortalecer mais. (M4, p. 9).
Eu acho que o principal elemento que nós temos é a formação né? Pra gente discutir,
que é a parte que eu mais gosto também, não que ler e buscar não seja bom [...] é
lógico que a gente precisa disso pra discutir né, mas essa troca de informações, a
troca de conhecimento que acontece quando a gente, depois do estudo, não tem
melhor forma. O melhor método de se obter conhecimento, sabedoria é assim, na
busca, na partilha [...] sempre a gente pode buscar ouvindo outro [...] e isso contribui
[...] pra todo o resto. (M4, p. 5).
Esses momentos do grupo feminista [...] são muito diferentes do que nós jovens
estávamos acostumados em casa ou mesmo na escola. Porque na escola a gente tem
um tipo de educação, que contribui também pra que a mulher [...] seja menosprezada
146
[...] que a classe pobre seja também empobrecida, a gente faz parte disso [...] e a
gente tinha uma realidade dentro da escola, por exemplo, que não discutia, não
debatia da forma como a gente debate no grupo feminista classista, é um outro tipo
de educação, é uma educação que é imposta pra gente, e muitas vezes a gente não
consegue discutir, não consegue debater, não consegue perguntar o porquê daquilo
ser assim, porque daquilo ser de outra forma, e a gente não consegue contribuir.
(M3, p. 6).
Às vezes nos debates com as bases, a juventude fala que na escola se sente
deslocada [...] Nós temos discutido isso, que a escola deveria ser o lugar de
formação revolucionária, mas como dentro do sistema capitalista né? [...] O mesmo
acontece na universidade, os enfrentamentos políticos são enormes, chega ser
cansativo. Olha, nossos coletivos fizeram uma baita luta pela UFFS, tínhamos
dirigente nossa na coordenação do movimento, e hoje a universidade consegue
cumprir seu papel em alguns cursos, já choramos alguma vez durante essa luta. [...]
por isso as formações nas bases com a juventude e no coletivo feminista é
grandiosamente importante, mas não vamos largar a luta pela escola pública e pelas
universidades, essa é uma pauta prioritária pra gente, nossa gurizada precisa ocupar
esses espaços, mas precisamos nos educar por aqui também. (M1. p. 8).
A gente lê algumas autoras e autores que falam sobre os temas, sobre o feminismo, a
luta de classe e a partir daí a gente passa um pouquinho para o que a gente
compreende, para além dos textos. O texto nos mostra, nos trazem em palavras
muito bem colocadas e é a partir dele que a gente vai buscar compreender o que
acontece na nossa realidade, tudo a gente tenta trazer para a nossa realidade, pra que
a gente consiga visualizar nos períodos históricos o que acontece, o que perpetua, o
que a gente tem que lutar, o que sempre foi pauta de luta. E assim a gente vai
fazendo, lê coletivamente, faz trabalhos em grupo, faz dinâmicas é muito
importante. […] dinâmica é interessante e que vai também mexendo com o nosso
jeito de pensar, de agir, de conversar dentro do grupo, [...] do nosso ser, das nossas
relações, a partir dali a gente vai descascando [...] construindo um pouquinho do
conhecimento popular […] (M2, p. 4).
experienciado. Essas jovens mulheres vivem intensamente as relações com as pessoas, não as
interessa somente mudar o mundo, as interessa mudar a si mesmas.
Eu não sei se existe algum teórico que na vida tenha escrito algo sem antes ter
vivido [...] ter escrito algo que realmente contribuiu num contexto maior da
humanidade sem antes ter vivenciado alguma dessas coisas que ele escreveu.
Sempre aprendi muito com o conhecimento, com os saberes populares, aquilo que a
gente ouvia sentada na roda de chimarrão, quando a gente se deslocava pra periferia
pra fazer trabalho de base, sentava com as famílias, ouvia, ou propriamente em uma
celebração que a gente fazia, seja na “Pedreira”, ou nas “Vilas”, “São Francisco”,
que são os lugares periféricos de São Miguel do Oeste que a gente tem mais contato
e foram em todas essas conversas, idas e voltas de carro ou de apé, que a gente ouvia
as pessoas e a gente mesmo enquanto jovens, trocando o que cada um também ouviu
nessas visitas […] que a gente ia formando essa consciência de classe. Eu acredito
[...] que esse conhecimento mais tarde nos leva a procurar a teoria pra gente também
avançar nesse processo maior, mas acho que tudo parte da base, desse
conhecimento, dessas vivências, dessas realidades diferentes. (M1, p. 3).
Abya Yala nos mostra que a libertação e a emancipação para a decolonização são
possíveis e são feitas por mulheres capazes de pensar e contrapor a ordem do poder global
capitalista. Da “caça às bruxas” até hoje somos também tratadas como gentes da desordem,
que têm a característica da desobediência. As mulheres foram consideradas impuras e
portadoras de desgraças na Bíblia e nos mitos gregos; foram perseguidas e queimadas vivas
em fogueiras da “santa inquisição”; perseguidas, torturadas e violentadas pelas ditaduras
militares na América Latina; ignoradas pelas instâncias de poder. Porém, percebemos que a
violência objetiva e subjetiva nos move, seja para a submissão, seja para a busca curiosa
indócil, corajosa e rebelde.
Essa rebeldia que nos torna mulheres inquietas nos liberta das correntes da sociedade
marcada pela violência. Pensar outra forma de organização social, com novas relações, em
que as mulheres sejam reconhecidas como parte do todo, precisa estar nas construções
educativas em todas as esferas. Assim como conclamou Rosa Luxemburgo “quem não se
movimenta, não sente as correntes que o prendem”.
A partir dos elementos e por intermédio das narrações das minhas interlocutoras, é
possível reconstruir algumas dimensões político-pedagógicas dos encontros do coletivo
148
Desde o início da história deste território, a mulher sofre diversas violências objetivas
e subjetivas, inclusive, sendo considerada ser humano inferior. Na invasão europeia, esse
cenário se reproduziu com as mulheres indígenas e negras e, depois disso, deu-se
continuidade a um histórico de estupros, cerceamento da liberdade, agressões, entre outras.
Nas palavras de Lugones (2014, p. 938):
Lugones (2014, p. 940) aprofunda o debate, quando menciona que, além da violência
contra o corpo da mulher, na história da humanidade, também há um sentido de servilismo,
visto que a mulher é considerada um ser subserviente ao homem e a tudo na sociedade, sendo
esta pré ou pós-capitalista. Segundo a autora, diferentemente da colonização, a colonialidade
do gênero persiste em nossas relações, é o que “permanece na intersecção de
gênero/classe/raça como construtos centrais do sistema de poder capitalista mundial.”
151
[…] então nesse momento que a gente criou o grupo foi pra gente se conhecer,
enquanto meninas, enquanto militantes pra depois poder avançar também e quem
sabe mais pra frente reunir os meninos para fazer algumas discussões mais
aprofundadas. Eu senti necessidade de estar nesse espaço com essas outras
companheiras pra entender qual é a minha tarefa e de que maneira eu posso
contribuir com o grupo feminista classista mas também com a organização num
contexto mais geral da PJMP e da PJR. (M1, p. 1).
Ou seja, a tarefa da feminista decolonial inicia-se com ela vendo a diferença colonial
e enfaticamente resistindo ao seu próprio hábito epistemológico de apagá-la. Ao vê-
la, ela vê o mundo renovado e então exige de si mesma largar seu encantamento com
“mulher”, o universal, para começar a aprender sobre as outras que resistem à
diferença colonial. (LUGONES, 2014, p. 948).
Então a realidade nos obriga muitas vezes a procurar saídas [...] a mulher é uma das
figuras que é muito desvalorizada, excluída e até mesmo em nossos espaços, então
pra mim estudar e fazer parte desse coletivo também é isso, faz parte de um processo
de amadurecimento pessoal [...] que é compreender isso, mas também de construção
[...] da minha consciência enquanto classe, enquanto mulher e do que eu realmente
estou lutando nesse coletivo e para a sociedade. (M2, p. 1).
152
[...] o que aconteceu comigo enquanto pessoa depois do grupo feminista e falar do
grupo feminista parece que é um horizonte que se abre [...] feminismo classista,
nossa, são duas coisas que estão intrínsecas às nossas realidades [...] a necessidade
de transformar essa igualdade e a classe [...] Então pra mim participar do grupo e
fazer parte inclusive da construção foi transformador, desde o jeito de pensar porque
muitas vezes a gente vê as opressões, a gente sente na pele, muitas vezes a gente fala
mas estando com o grupo podendo conversar e construindo com o grupo a gente age
melhor, a gente constrói as coisas melhores […] essa transformação pessoal que é tu
poder inclusive quando você captar uma relação, um processo de opressão que às
vezes passava por despercebido. Porque o machismo e toda relação de opressão que
acontece com as mulheres ela é tão intrínseca à nossa sociedade, as relações sociais
por muitas vezes passou despercebido, então isso foi a transformação, é tirar aquelas
vendas dos olhos e conseguir enxergar a realidade e tudo o que acontece. (M2, p. 1).
[...] transformações temos nas relações tanto em casa com o companheiro desde
questões simples, da divisão de tarefas que é algo simples, mas pode se tornar uma
153
carga bastante pesada. Desde o diálogo com a minha mãe que é de outra geração e a
base dela foi construída com um machismo muito forte […] foi uma transformação
bacana na relação com ela, de fazer ela entender tudo isso e ela se entender nesse
processo, e também o que eu acho que mudou também foi na própria ocupação de
alguns espaços em outras organizações também, nos espaços que eu passei a
frequentar junto com as companheiras para a formação. (M1, p. 3).
A transição do estado individual para o coletivo tem a ver com a capacidade de sentir
dores similares, vivências diferentes, que se encontram pela singularidade em que os conflitos
sociais se encontram. “A difícil passagem do Eu para o Nós. A capacidade de ver no outro sua
própria angústia, de ver no outro algo além que a extensão do opressor, algo humano que nos
torna humanos e descobrir as energias insuspeitáveis da ação coletiva.” (IASI, 1999, p. 9).
Ao articular os elementos teóricos com as experiências partilhadas pelas minhas
interlocutoras, destaco a construção do conhecimento a partir das relações de escuta, acolhida
e solidariedade. Tais relações se apresentam como partes na formação e construção de “um
novo ser”, “uma mulher nova”, capaz de pensar e buscar formas de organização
revolucionárias para romper com a colonialidade do poder.
154
A gente transborda nossas vidas em nossos momentos [...] então a gente ultrapassa
os nossos limites, inclusive de estar ali para além de estudar e conversar então eu
vivo intensamente cada minuto porque a gente está ali, consegue se ver nas
companheiras, nos processos de opressão que as companheiras vivem e também a
gente consegue falar, se abrir, é o espaço que a gente escuta e consegue falar, então é
um espaço que para além de nos ajudar a construir mais forte também nos alivia.
(M2, p. 1).
Muito bem, o trabalho do coletivo da PJR e da PJMP ele carrega várias pautas né e
uma delas é o feminismo e o trabalho pra além do grupo ele se dá de forma muito
interessante assim pensando, porque tudo o que a gente aprende ali, cada encontro a
gente sai com os olhos mais abertos então a partir do momento que eu comecei a
fazer parte do grupo feminista eu passo a enxergar as relações de forma diferente, eu
passo a enxergar a negação, as dificuldades que algumas vezes, que as meninas
apresentam em participar e colocar de forma diferente, então aprendemos com o
grupo a desenvolver uma metodologia diferente de trabalho, de trabalhar em
especial com as meninas, até o fato da gente entender que tem momentos em que a
gente precisa sentar só com as meninas pra conversar, pra compreender o que tá
acontecendo ou até de você sentar e escutar o que está acontecendo com a
companheira, pra entender o porquê isso tá acontecendo, porque ela tem estado
nervosa e tudo mais. Então com o grupo feminista eu passo a compreender, a gente
passa a compreender a vida além da figura, do ser humano né, o que tem por trás né
e trabalhar no grupo de base a partir disso, sempre indo mais a fundo, não somente
com o primeiro momento de convivência. (M2, p. 5).
[...] se compreender parte da América Latina, parte do todo desses países latino-
americanos que foram explorados, muitos povos que foram assassinados e
eliminados da América Latina. A gente faz esse debate sentindo-se latino-americanas
também, [...] que a nossa luta enquanto movimentos sociais é coletiva a nossa luta
enquanto latino-americanos é coletiva. Todo o processo de opressão que aconteceu
no Brasil, os golpes militares que aconteceram no Brasil, inclusive o que tá
acontecendo hoje também faz parte de um processo de golpes e relação de opressão
e de extermínio que aconteceu em toda a América Latina né, então faz parte de todo
um projeto de exploração né que acontece e que é implementado na América Latina,
então a luta também é coletiva na América Latina. (M2, p. 7-8).
Então, assim, é, o fato da minha relação, partindo né do grupo [...] que eu já faço
parte, que eu já amadureci, que eu já, já tenho essa luta, essa vivência feminista. É
como eu disse antes, eu não consigo e eu não posso, porque eu tenho o dever de
estar na formação, dentro do grupo discutindo a questão da mulher, discutindo a
questão classista, e eu tenho o dever de outros espaços, de outros momentos, e
outras situações, ser coerente com aquilo que eu sou, porque se em outros momentos
155
e outras pessoas eu não conseguir, é, mostrar pra elas, que da forma que hoje a
sociedade se organiza, da forma como hoje a sociedade trata a mulher é errado, eu
vou tá sendo incoerente com aquilo que eu acredito e com aquilo que eu luto, então
o meu, eu [...] enquanto sociedade assim, eu sempre prezo em vários espaços que eu
vou, que eu frequento, eu sempre tô discutindo e tô tentando disseminar e tentando
quebrar essa cultura que é machista, que é né, que trata a mulher de forma diferente
[...] nos momentos que eu acho que devo contribuir, que eu devo é, discutir isso, eu
vou discutir, tem alguns momentos que a gente percebe que a gente tem que
entender que não vai valer a pena porque a gente pode tá também [...] nos
prejudicando enquanto pessoa, enquanto organização também, mas seria
imprudência minha, incoerência do grupo também é, em outros espaços a gente não
disseminar, a gente não conversar, a gente não discutir, a gente não debater, porque
tudo que a gente aprende no grupo, a gente leva em outros espaços, a gente leva pra
escola, a gente leva pra faculdade, a gente leva pra dentro da nossa família, porque
dentro do grupo a gente vai descobrindo certas coisas de nós, certas coisas da nossa
família, e a gente precisa construir uma nova, um novo jeito de ser, é, de se
organizar dentro da família, dentro da escola, dentro da sociedade. Então a gente tem
que tá [...] ser coerente, é uma coisa que a gente tem que ter, pensar que a gente não
pode só em um momento, só em um espaço ser de uma forma e em outro espaço ser
de outra, isso seria incoerência [...] incoerência militante isso. (M3, p. 7-8).
A jovem militante M5 analisa, a partir de sua realidade, onde a cultura também foi
colonizada e todo o poder de dominação constituiu a parte mais excluída da sociedade, a
periferia social. Ela correlaciona o campo (roça) com a favela:
Tem diferença, mas o propósito dessa luta e o que a gente sofre é muito igual. Essa
liberdade que a gente não tem nem na favela e nem na roça. Decisões do corpo,
decisões da casa, a gente não tem isso, a gente vê que no geral nós sofremos o
mesmo machismo, mas tem diferença por ser comunidade da favela né, pega mais o
lado da prostituição né, você não ter outro caminho e se prostituir né, por isso que eu
falei que as relações do capitalismo são comerciais né e eu acho que na roça, pelas
vivências com as meninas da PJR que são também do coletivo feminista classista.
Então as decisões né, você não poder tomar decisões dentro de casa, isso é
semelhante tanto no campo quanto na favela, questão financeira, você não poder sair
porque tem que ajudar a mãe dentro de casa, essas limitações que toda menina tem
né indiferente se for na favela ou na roça. (M5, p. 3).
Será que o nosso papel é ir pra rua simplesmente sei lá, tirar a roupa, não que não é
uma crítica moral, mas só fazer isso? Será que essa é nossa tarefa? Ou a gente pode
ajudar a construir mais? Ou a gente pode ajudar a construir conceitualmente
também, tanto nas práticas quanto teoricamente. Companheiras que estão indo para
outros espaços e vão conseguindo estudar para poder contribuir nas formações [...] E
eu acho que cada vez que a gente vai pra rua, cada vez que a gente consegue alinhar
uma pauta, cada vez que uma companheira nossa pega o microfone e consegue fazer
uma fala que tem toda essa ligação com o feminismo classista isso já é um grande
avanço. A gente não precisa fazer uma “grande” transformação, sei lá, que alguém
157
acha que tem que ser uma grande transformação, mas cada vez que a gente vê que
uma companheira consegue fazer isso eu também me sinto representada e eu
também quero fazer isso [voz trêmula - de choro; lágrimas da entrevistada e da
pesquisadora]. A gente se emociona porque é muito difícil [...] você ocupar um
espaço, pautar determinada questão justamente porque também dentro dos
movimentos existe muito esse machismo. (M1, p. 8).
exclusão, por meio da apropriação de conhecimentos. Essa desconstrução supõe, ainda, troca
e socialização de saberes, assim como o intercâmbio entre membros de grupos de base e de
coletivos urbanos e rurais. Ainda, a mística produz efeitos de encontro consigo mesmo e com
o outro, além de promover uma visão solidária com o povo, o território e a natureza.
Conforme Santos e Meneses (2010), a construção de epistemologias do sul retoma saberes
tradicionais e populares, para fundamentar práticas políticas e pedagógicas de movimentos
sociais e de organizações populares. Nesse sentido, Mignolo (2008) propõe a desobediência
epistêmica, como tarefa das classes subalternas, para construir historicamente jeitos de
aprender e ensinar para subverter a ordem social hegemônica na perspectiva da
decolonização.
Maldonado- Torres (2008) considera que a colonialidade do ser está relacionada tanto
com a violência originária da colonização quanto com o padrão de exploração e dominação
próprios ao modo de produção capitalista hegemônico. Nos termos de Quijano (2005), a
colonialidade do ser se articula com a colonialidade do poder e do saber; ou seja, os três
elementos são indissociáveis. Para Lugones (2014), o processo civilizatório colonial produziu
exploração e violação dos corpos dos povos. Em particular, em relação ao corpo da mulher
essa violência construiu servilismo e subserviência. O padrão de dominação e exploração
capitalista instaurou processos homogeneizantes do território latino-americano. Em termos
contra-hegemônicos, a educação popular libertadora, por meio de processos coletivos,
subverte a ordem do poder hegemônico, produzindo transformações pessoais e
organizacionais. Essas transformações repercutem em mudanças junto a outros espaços de
vida então correlacionados. Essas práticas contra-hegemônicas contribuem para a formação de
um novo ser decolonizado.
160
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na presente dissertação meu objetivo foi analisar questões que emergem da relação
entre educação popular e (de)colonialidade. A origem da educação popular reporta às
vivências de comunidades primitivas, nas quais a produção da própria existência material
levava o ser humano a produzir saberes e aprendizagens. O termo educação popular apresenta
contradições e ambiguidades, pois a mesma expressão toma diferentes significados, conforme
o contexto sócio-histórico do qual emerge. Na América Latina, o termo refere-se, em
particular, a uma forma de movimento multifacetado. Entre diferentes perspectivas, na
presente dissertação, meu trabalho de investigação tem como foco a educação popular
libertadora.
A pesquisa realizada mostrou que há convergência entre autores que reconhecem um
núcleo comum de elementos que constituem essa forma educativa: leitura crítica da ordem
social vigente, intencionalidade política emancipadora, contribuição ao fortalecimento de
setores oprimidos da sociedade, atuação junto à subjetividade popular, metodologias
educativas dialógicas e participativas. Além disso, trata-se de uma perspectiva fundamentada
na luta de classes e em resistências contra-hegemônicas face ao padrão eurocêntrico da
colonialidade.
A formação do continente latino-americano se particularizou por um modo de
produção capitalista dependente, que produziu conflitos de classes e injustiças sociais,
baseados no racismo. Tais estrutura e conjuntura levaram um conjunto diversificado de
intelectuais e de pensadores a formular uma perspectiva crítica a respeito da formação do
continente. A ideia de raça se relaciona a uma visão de superioridade eurocêntrica, que foi a
base de sustentação da colonização política, econômica e cultural dos povos latino-
americanos. A classificação racial/étnica da população fundou o padrão global de poder. Esse
padrão fundamenta a colonialidade do poder que, associada à coloniadade do saber e do ser
constituem o sistema mundo moderno/colonial hegemônico. A desconstrução desse padrão
supõe rupturas contra-hegemônicas, epistêmicas, teóricas e políticas, que levam à constituição
histórica de um giro decolonial, tendo em vista um pensamento novo/homem novo.
Na pesquisa realizada se evidenciaram quatro momentos sócio-históricos
significativos da construção da colonialidade hegemônica e das lutas contra-hegemônicas
latino-americanas e, particularmente, brasileiras. O primeiro refere-se à invasão das terras e
dominação de povos indígenas, no contexto das grandes navegações europeias, em busca de
matéria-prima e de novos mercados. Nesses tempos, ocorreu a morte de povos inteiros e o
161
interlocução. Meu objetivo foi evidenciar questões singulares a respeito da colonialidade, que
emergem de práticas educativas populares de mulheres militantes. As entrevistas foram
gravadas e os conteúdos integralmente transcritos. A sistematização e análise de dados
observaram pressupostos da entrevista compreensiva.
Os resultados desse trabalho mostraram que a colonialidade se evidencia em três
planos distintos e articulados entre si: poder, saber e ser. A colonialidade do poder refere-se ao
padrão hegemônico de dominação e de exploração, fruto do modo de produção capitalista que
se generaliza para o conjunto de relações sociais. Esse padrão produz uma classificação dos
indivíduos em termos de trabalho, raça e gênero. As lutas políticas contra-hegemônicas
implicam planos concomitantes: pessoal, social e místico, além da formação e postura
autorreflexiva de militantes e lideranças. A unidade de lutas identitárias e estruturais está
diretamente vinculada à luta de classe.
A colonialidade do saber consiste na imposição da perspectiva eurocêntrica do
conhecimento, no estabelecimento de divisões e hierarquias simbólicas entre diferentes
saberes e a exclusão de outros saberes e epistemologias. Em termos contra-hegemônicos, a
formação das classes populares é condição para a desconstrução da naturalização da opressão
e da exclusão, por meio de: apropriação de conhecimentos, troca e socialização de saberes,
intercâmbio entre membros de grupos de base e de coletivos urbanos e rurais, mística. Nessa
perspectiva, situa-se a construção de epistemologias do sul, que retoma saberes tradicionais e
populares, para fundamentar práticas políticas educativas, assim como a desobediência
epistêmica, que implica aprender e ensinar para subverter a ordem social hegemônica na
perspectiva da decolonização.
A colonialidade do ser está relacionada tanto com a violência originária da colonização
quanto com o padrão de exploração e dominação, próprios ao modo de produção capitalista
hegemônico. A colonialidade do ser se articula com a colonialidade do poder e do saber, ou
seja, os três elementos são indissociáveis. Em termos contra-hegemônicos, a educação
popular libertadora, por meio de processos coletivos, subverte a ordem do poder hegemônico
produzindo transformações pessoais e organizacionais que contribuem na formação de um
novo ser decolonizado.
Os resultados da pesquisa realizada me levam a formular quatro hipóteses, que,
entendo, sinalizam rumos para pesquisas subsequentes:
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