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Jorge Boronat

NUNCA FUI TÃO FELIZ!

Tradução de Caroline Bonacin

São Paulo, 2022


© Jorge Boronat, 2022

Tradução
Caroline Bonacin

Revisão
Cristina Hulshof

Capa
Elisa H. Storarri

Diagramação
Cecília Hulshof Minowa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Boronat, Jorge
Pedro Ballester: nunca fui tão feliz! / Jorge
Boronat. Tradução de Caroline Bonacin. Coleção
Alicerce. São Paulo: Cultor de Livros, 2022
ISBN: 978-85-5638-311-2
1. Vida cristã 2. Testemunhos I. Jorge Boronat
II. Título
CDD-248.5

Índice para catálogo sistemático:


1 Vida cristã : Testemunhos 248.5

Cultor de Livros - Editora


Av. Prof. Alfonso Bovero, 257 - Sumaré
CEP 01254-000 - São Paulo/SP
Tel. (11) 3873-5266
www.cultordelivros.com.br
Sumário

Introdução.................................................................................................. 7

1 - Primeiros anos...................................................................................13
2 - Em Mallorca.........................................................................................23
3 - Estreando a vocação..................................................................33
4 - A Cruz.........................................................................................................43
5 - A luta............................................................................................................53
6 - Apostolado............................................................................................65
7 - Fidelidade................................................................................................75
8 - Bom humor............................................................................................81
9 - Dar-se aos outros..........................................................................93
10 - A Colina do Calvário........................................................... 105
11 - Fidelidade no Calvário.........................................................111
12 - Fiel até a morte........................................................................... 129
13 - Do céu.................................................................................................... 143

Epílogo.........................................................................................................153
Introdução

Três semanas antes de morrer, após três


longos anos de tratamentos, quimiotera-
pia, viagens, internações hospitalares, dor e
sofrimento, Pedro estava conversando com
Tom, um garoto de 15 anos que havia deci-
dido seguir sua vocação como numerário no
Opus Dei.1 Pedro perguntou-lhe com um fio
de voz: “Você está feliz?”. “Sim, estou”, res-
pondeu Tom. E com simplicidade perguntou
a Pedro a mesma coisa: “E você?”.

1 Chamam-se numerários(as) aqueles fiéis que, em


celibato apostólico, têm uma máxima disponibilidade
pessoal para os trabalhos apostólicos peculiares da Pre-
lazia do Opus Dei (Obra de Deus — Instituição da Igreja
Católica cuja mensagem está baseada na convicção de
que todas as pessoas podem ser santas e felizes vivendo
com Deus no dia a dia) — [NT].

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Jorge Boronat

Pedro sorriu e disse com convicção:


“Nunca fui tão feliz”.
Três anos antes, poucos meses depois de
ingressar no Opus Dei, havia ido ao hospital
por causa de uma dor nas costas que piorara
nos últimos meses e que já estava insuportá-
vel. Era natal de 2014 quando foi diagnosti-
cado com câncer ósseo na pélvis. Ao receber
a notícia, ciente da dor de seus pais, disse-
-lhes: “Vocês me ensinaram que Jesus com-
partilha a sua Cruz com seus amigos. Eu já
dei a Ele a minha vida quando disse ‘Sim’
para a minha vocação”.
Pedro faleceu em 13 de janeiro de 2018,
aos 21 anos, deixando uma marca indelével
em milhares de almas. Em seu funeral, com
mais de trinta padres, em uma igreja lotada,
o Arcebispo Arthur Roche explicou:2
“Pedro tocou a vida de muitas pessoas,
algumas que nem sequer chegou a conhecer,
com sua paciente, alegre e atraente capaci-
dade de superação, cheio de fé, nesses três

2 Prefeito da Congregação para a Adoração Divina e a


Disciplina dos Sacramentos.

8
Introdução

anos de doença, sem reclamar e com uma


coragem que atesta a beleza da vida...
Quando Pedrinho se comprometeu como
numerário do Opus Dei, com a generosidade
característica da juventude, não estava ciente
de que o Senhor o chamaria para seguir seus
passos compartilhando sua Cruz e dando sua
vida pelos outros. Todas as manhãs, quando
ele se levantava, mesmo da cama do hospi-
tal quando podia, beijava o chão e repetia
o lema de São Miguel Arcanjo: Serviam! —
Servirei! E foi isso o que fez com a sua vida,
com grande magnanimidade, com paciência
e bom humor”.
Falando com ele um dia sobre a possi-
bilidade de morrer jovem, Pedro me disse:
“Mais cedo ou mais tarde... Que importa? Se
demos a vida a Deus, também lhe demos a
morte, certo? Estou nas mãos de Deus. Não
há lugar melhor”.
Meu professor de literatura dizia que sabia
quando um livro era bom quando, ao termi-
nar, gostaria de ter sido o autor. E eu pensava
que uma vida é boa quando, ao vê-la acabar,
alguém gostaria de tê-la vivido. Livros que já
estão escritos não podem ser reescritos, com o

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Jorge Boronat

risco de serem processados por plágio. Mas imi-


tar vidas não é crime e ninguém pode denun-
ciá-lo por cópia. Na verdade, o próprio Jesus
convidou seus discípulos a imitá-lo. Todos os
santos tentaram plagiar a vida de Cristo e é por
isso que eles tiveram vidas tão bonitas.
Mas imitar a vida de Cristo também inclui
imitar sua morte. Seja de câncer, ataque car-
díaco, acidente ou dormindo na cama aos 100
anos de idade, a morte do cristão está sem-
pre no Calvário.
O salmo 116 diz: Pretiosa in conspectu
Domini mors sanctorum eius. “Preciosa”, diz
literalmente: “Preciosa é, aos olhos de Deus,
a morte de seus santos”. Aqueles que teste-
munharam a morte de Pedro comprovaram
isso. Foi uma morte preciosa. Como agrada a
Deus ver seus filhos morrerem assim! Mor-
rer como Deus manda!
Nós que estivemos mais próximos a ele
em seus últimos anos pudemos ver como ele
amadureceu espiritualmente até se identificar
com a vontade de Deus. Não foi um caminho
fácil. E nem sempre foi impecável. Às vezes, o
sofrimento o deprimia. Às vezes ficava bravo
com as pessoas, ou tinha dificuldade em pas-

10
Introdução

sar o tempo especialmente com alguma delas,


ou se desanimava por suas limitações. Mas
a santidade não consiste em ser perfeito, e
sim em não deixar de lutar. E dessa luta há
muitas testemunhas que falam neste livro.
Aqui você encontrará relatos e histórias
de Pedro compiladas a partir de depoimen-
tos e entrevistas daqueles que o conheciam,
a partir das notas que ele deixou, das mensa-
gens que enviou, das anotações de seu diário
e de notas escritas por alguns que viveram
com ele. O livro que você tem na mão não é
uma crônica histórica, mas, sim, uma coleção
de memórias, ordenadas mais por temas do
que por datas, embora respeitando, em tra-
ços amplos, a cronologia de sua vida.
É uma descrição de suas lutas. A batalha
de uma alma pela santidade é sempre épica.
Nós, que contemplamos a de Pedro, presen-
ciamos vitórias e derrotas, lágrimas e sorrisos,
frustrações e alegrias; nós o vimos ficar com
raiva e se alegrar, duvidar e confiar, agrade-
cer e pedir perdão... Viver e morrer. Ser tes-
temunha da epopeia de uma alma que luta,
sofre e supera é um privilégio, um dom, uma
lição; mas também uma responsabilidade.

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Jorge Boronat

Pedro morreu na madrugada de sábado,


dia de Nossa Mãe, a Virgem Maria. Morreu
enquanto aqueles que o acompanhavam reci-
tavam a Salve Rainha. Suspirou pela última
vez ao escutar dos lábios daqueles que o ama-
vam: “Esses vossos olhos misericordiosos a
nós volvei”.
E foi isso que Maria fez com seu filho
Pedro. Como com seu filho Jesus, ela o acom-
panhou até o fim e depois o levou em seus
braços. Ela multiplicará o efeito de sua vida
e de sua morte.

12
1
Primeiros
anos

Embora originalmente da Espanha, os pais


de Pedro se conheceram em Manchester. Um
ano depois de se casarem, em 22 de maio de
1996, Pedro nasceu naquela cidade inglesa e foi
batizado 3 dias depois. Quase um ano depois,
nasceu seu irmão Carlos, e dois meses antes
de Pedro completar três anos, veio Javier, seu
irmão mais novo. Os cinco viviam em Didsbury,
a 10 km de Manchester, e durante as férias iam
para a Espanha para visitar a família materna
em Sevilha e a família paterna em Mallorca.
Costumavam rezar em família; de manhã,
ao despertar, o oferecimento de obras. Desde

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Jorge Boronat

criança, antes de dormir, Pedro rezava uma


oração que lhe servia de exame de consciência:
“Pai ouve a minha oração da noite: por tudo o
que desfrutei hoje, obrigado; pela ajuda e bon-
dade de outras pessoas, obrigado; por tudo o
que fiz bem, obrigado; por tudo o que fiz de
errado, perdoa-me; por ferir a outras pessoas,
perdoa-me e me ajude a ser melhor amanhã;
agora me acompanhe enquanto durmo para
que amanhã eu acorde preparado para qualquer
coisa, enquanto estiver ao meu lado. Amém”.
Aos oito anos fez sua Primeira Comunhão
e recebeu o sacramento da Confirmação em
sua paróquia. Logo depois, a família teve que
se mudar de Didsbury para Harrogate, apro-
ximadamente a 100 km de Manchester.
Naquela época, começou a tomar notas
em uma espécie de diário, embora fossem
notas soltas em inglês. É impressionante que,
ao escrever sobre os acontecimentos do dia,
ele se dirigia a Jesus. No primeiro dia de aula
escrevia: “No meu primeiro dia fui à festa do
James. Muito entusiasmo. Meu amigo James
brincou comigo. Jesus, eu te amo”.
No dia 10 de fevereiro de 2005, escreveu:
“Hoje foi o dia mais especial da minha vida.

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1 - Primeiros anos

Fui coroinha e deu tudo certo. Comemora-


mos no McDonald’s. Eu também me queimei
com ‘Super Bonder’ em casa e doeu muito”.
Em seguida, acrescenta com total ingenui-
dade: “Quando estava no jardim, perdi uma
flecha em uma árvore de 9 metros. Estava
muito triste e disse: ‘Nunca há esperança na
vida’”. No entanto, ele concluía novamente
com uma oração: “Jesus, guia-me para que
eu faça sempre o que é certo”, e acrescentava
um desenho da Missa.
A mudança para a nova cidade custou-
-lhe, mas logo se adaptou e começou a fazer
novos amigos. Suas notas sempre foram
muito boas. Era bom estudante, prestativo
e suas professoras ficavam encantadas com
ele, como se lê nos relatórios que chegavam
da escola. Em todos se destacam sua bon-
dade e seu sorriso permanentes.
Com apenas oito anos, Pedro afeiçoou-se à
pesca quando passava os verões em Mallorca;
gostava especialmente de pescar com lanças.
Era uma criança ativa, com muitos hobbies:
jogava críquete, esgrima, remo, golfe, e gos-
tava de cuidar de animais, peixes, hamsters
e coelhos. Chegou até a criar canários por

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Jorge Boronat

um tempo — tinha um casal chamado Pepe


e Pepa — e acabou vendendo os filhotes para
um pet shop. Também tentou criar peixes para
conseguir algum dinheiro, embora, como um
primeiro projeto financeiro, tenha sido bem
menos sucedido do que uma loja de sandá-
lias no polo norte.
Acostumou-se a rezar o rosário desde
pequeno. Ao terminar o primeiro dia de aula
em sua nova escola, ficou esperando por
sua mãe na rua. Preocupou-se um pouco ao
ver que ela demorava para chegar e, com
total simplicidade, acudiu a sua Mãe do Céu,
rezando sozinho o rosário.
Como é comum na época escolar, também
teve suas dificuldades com outros alunos.
Pouco depois de entrar na nova escola, um de
seus colegas começou a fazer sua vida impos-
sível. Continuamente o irritava, tirava sarro;
às vezes até lhe tirava o lanche e o jogava
no lixo. Pedro não comentava nada em casa,
para não preocupar ninguém. Seus pais não
se deram conta desta situação até que o pro-
fessor os informou que iriam mudar Pedro
de turma porque aquele “valentão” não lhe
dava uma trégua.

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1 - Primeiros anos

Após cinco anos da mudança para Har-


rogate, a família fez as malas novamente
pela terceira vez para mudar de cidade;
desta vez para Huddersfield, a uma hora
de carro de Manchester.
E pela terceira vez Pedro teve que se sepa-
rar de muitos amigos e começar do zero em
uma nova escola; mas se adaptou bem. Após
três meses, a escola informou os pais que Pedro
já havia feito muitos novos amigos e se desta-
cava com suas notas. Mais tarde, a escola con-
cedeu-lhe uma bolsa de estudos, reduzindo as
mensalidades, graças as suas boas notas.
Pedro tinha uma sensibilidade especial
para amar a todos de acordo com as neces-
sidades de cada um. Adaptava-se muito bem.
Estava à vontade tanto com pessoas da sua
idade quanto com as mais velhas ou mais
jovens que ele. Além disso, como irmão mais
velho, sentia-se especialmente responsável
pelo comportamento de seus irmãos, ficava
muito pendente deles e corrigia-os com cari-
nho e firmeza. Por ter uma personalidade
gentil, Carlos e Javier tendiam a obedecê-lo.
Teve o bom humor bem apurado a vida
toda. Quando estava em casa, era o irmão

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Jorge Boronat

mais velho. Explicava aos irmãos mais novos


que Deus o havia escolhido para ser o mais
velho e ele deveria estar à altura dessa res-
ponsabilidade. E acrescentava com ironia que
deles só esperava obediência e docilidade.
Uma de suas prerrogativas era ter o con-
trole remoto em sua posse quando assistiam
à televisão. Há aqueles que se consideram o
“Rei do Mambo...”. Pedro se autoproclamava
o “Rei do Comando”.
Outra característica que todos reconhe-
ceram em Pedro é que ele se fazia amar e
era muito atencioso com seus amigos. Tinha
uma sensibilidade especial para identificar as
necessidades e gostos dos outros. Às vezes,
saía com os amigos para jogar Bridge. Um dia
alguém perguntou se ele gostava de Bridge.
Pedro respondeu com naturalidade: “Não
muito... mas eles gostam”.
Pedro fazia as coisas assim. Em silêncio.
Percebia que poderia ajudar, e, sem postar
no Instagram ou TikTok, ajudava discreta-
mente até o ponto de muitas vezes o próprio
interessado não notar.
Havia uma família amiga que tinha um
filho com autismo, um pouco mais velho que

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1 - Primeiros anos

Pedro. Costumavam visitar os Ballesters com


frequência, porque o menino ficava muito
à vontade com Pedro, que, por sua vez, era
muito atencioso com ele, e um dia até con-
seguiu que o deixassem treinar com seu time
de críquete.
Pedro pouco se importava com o que pen-
savam ou diziam sobre ele. Em uma ocasião,
foi convidado para uma festa de aniversário.
Havia muitos garotos da escola e algumas
amigas. Pouco depois de chegar, vários deles
começaram a fumar maconha. Sem hesitar,
ligou para sua mãe e disse a ela que a festa
tinha acabado para ele e se podia vir buscá-
-lo o mais rápido possível.
Seu irmão notou um dia na escola que Pedro
ficara sozinho no intervalo. Quando comen-
tou sobre isso em casa, seus pais perguntaram
o porquê. Pedro explicou que havia alguns
meninos que falavam bobagens e, como não
queriam mudar de assunto, “era melhor ficar
sozinho do que mal acompanhado”.
No entanto, seus amigos gostavam muito
dele. Em uma ocasião, foram viajar com a
escola. Pedro era o único católico praticante.
Quando explicou ao professor que queria ir

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Jorge Boronat

à Missa no domingo, ele lhe disse que não


seria fácil. Teria que ser acompanhado por
um professor, e, como eram poucos os pro-
fessores, não podiam liberar um para acom-
panhar apenas um aluno. Sem perder tempo,
Pedro convidou vários de seus amigos. Eles
não eram católicos, mas decidiram ir à Missa
para que Pedro pudesse ir. Vendo que já eram
um grande grupo, o professor não teve outra
escolha senão acompanhá-los.
Também era muito atencioso com os mais
necessitados. Um dia conheceu um rapaz na
rua que frequentava um centro de desintoxi-
cação de drogas e começou a falar com ele.
Durante a conversa, descobriu que gostava
de tênis e passaram a se encontrar várias
vezes para jogar.
Pedro descobriu um dia que havia um
menino de oito anos no bairro que não tinha
com quem brincar. Embora a diferença de
idade fosse grande, Pedro o convidou para
brincar em sua casa. Desde então, aquele
garoto batia na porta dos Ballesters com bas-
tante frequência.
Pedrinho tinha um espírito bastante mili-
tar. Durante os anos em Huddersfield, disse à

20
1 - Primeiros anos

família que seria um oficial naval. Chegou a se


inscrever para os Air Cadets, uma organização
juvenil da Força Aérea que organiza acampa-
mentos e formação para os jovens. Em pouco
tempo, tornou-se o número um em tiro de fuzil.
Também começou a escalar e, além disso,
foi nomeado capitão no clube de tênis. Mui-
tas vezes, ao sair da escola, um grupo de ami-
gos vinha à sua casa, e, depois de comer um
lanche, passavam algum tempo assistindo à
TV ou jogando videogame. Vários deles iam
à sua casa quase diariamente, e ficavam tão
à vontade que assaltavam a geladeira como
se estivessem em sua própria casa.
Em um desses dias, quando acabaram e
todos já estavam indo para casa, restou ape-
nas uma menina de sua turma. Quando Pedro
perguntou-lhe qual era o seu plano, a garota
perguntou se poderia ficar lá um pouco mais.
Com naturalidade, Pedro falou com sua mãe e
ficaram com ela assistindo a um documentá-
rio sobre animais. Mais tarde, a menina expli-
cou-lhe que não gostava de chegar cedo em
casa por causa de certos conflitos familiares,
e encontrava na casa de Pedro um ambiente
muito mais agradável.

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Jorge Boronat

A partir dos 14 anos, Pedro começou a fre-


quentar os círculos3 em Greygarth, um centro
do Opus Dei em Manchester. Costumava ir
com os irmãos todos os sábados. Lá, aprovei-
tava o tempo com pessoas da sua idade, estu-
dava e falava regularmente com um padre.
Passou muito momentos rezando no orató-
rio de Greygarth. Continuava rezando o rosá-
rio com sua família e ajudando na Missa aos
domingos em sua paróquia.
Além dos meios de formação e de fazer a
oração em Greygarth, também participava de
trabalhos voluntários, dando aulas a crian-
ças de áreas menos favorecidas, para ajudá-
-las em seus estudos. Em muitas ocasiões
convidava amigos para lhe ajudarem neste
voluntariado, explicando que eles deveriam
compartilhar o que tinham com aqueles que
não tinham tanto; e que o que eles podiam
dar não era tanto o dinheiro, mas tempo,
atenção e carinho.

3 Círculos são aulas de formação cristã que incluem o


comentário de uma passagem evangélica, uma palestra,
um exame de consciência e a leitura de um livro espiritual.

22
2
Em Mallorca

Ao finalizar o curso,4 em 2010, quando Pedro


tinha acabado de completar 14 anos, a famí-
lia fez as malas pela quarta vez. Nesta ocasião,
mudaram-se para a Espanha. Seu pai tinha
encontrado trabalho em Mallorca, e pretendiam
viver ali. No entanto, essa estadia durou apenas
um trimestre. No final daquele ano, a oferta de
emprego não se concretizou e em janeiro de
2011 a família retornou a Manchester.
Pedro nunca esqueceu os poucos meses
que passou em Mallorca. A família se estabe-
leceu em um prédio ao lado de Alfabia, um

4 O ano letivo na Europa, em geral, termina em junho


ou julho. — [NT]

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Jorge Boronat

clube juvenil do Opus Dei. Fez muitos amigos


no clube e no Colégio Llaüt. Graças ao fato de
morar perto de Alfabia, pôde frequentar ali
todos os dias para estudar, rezar e participar
dos meios de formação. Começou a ter uma
direção espiritual mais frequente, e isso per-
mitiu que ele crescesse em sua vida de ora-
ção, começando a escrever em um caderno
seus propósitos e ideias, agora em espanhol:
“Tratar Jesus como um amigo. Aproveitar a
capela da escola. Ser constante na oração: ter
um compromisso diário com Deus. Não faltar”.
Pela primeira vez, teve a oportunidade
de assistir à Santa Missa durante a semana
na escola e também se habituou à confissão
regular. “Ser sincero. Estar na graça de Deus”,
escreveu em sua agenda, “levantar-se quando
cair. Santo Agostinho foi um grande pecador
e um grande santo. Confessar-me muito. Os
pecados graves primeiro”.
No início da Novena à Imaculada Concei-
ção, escreveu: “detalhes que tens com a Virgem.
Pedir muito à Virgem. Usar muito a capela da
escola”. Sua vida de oração estava começando a
decolar e exigir que ele fosse mais generoso com
Deus: “Estar atento ao que o Senhor me pede”.

24
2 - Em Mallorca

Embora Pedro tivesse um humor muito


bom, e muitas vezes fizesse brincadeiras,
era impressionante como nunca humilhava
ninguém com suas piadas. Ele parecia inca-
paz de trapacear, mentir ou deixar os outros
em uma situação ruim. Quando as conversas
giravam em torno dos defeitos de alguém ou
se faziam piadas sobre limitações ou erros de
outra pessoa, costumava mudar de assunto
rapidamente com total naturalidade.
Pedro era um a mais entre seus amigos. Um
dia, por exemplo, decidiu fugir do Colégio Llaüt
com alguns amigos, atravessando um campo.
Entre risos, iam se afastando como se fizessem
parte de um comando de operações especiais,
rastejando para se esconderem na vegetação
rasteira. Não devem ter disfarçado muito bem,
porque um professor os pegou e avisou os pais.
O que mais chamou a atenção do professor
é que Pedro não fez nenhum esforço para se
esconder. Quando lhe perguntaram sobre isso,
respondeu que o mais divertido “foi ter visto o
rosto do professor quando os pegou”.
Pedro aproveitou tanto esses poucos meses
que, quando a família teve que voltar para
Manchester, sofreu especialmente. Embora

25
Jorge Boronat

amasse a Inglaterra, onde nasceu e cresceu,


depois dessa estadia em Mallorca, manifes-
tou seu desejo de voltar a morar na Espanha
quando fosse mais velho.
Em janeiro de 2011 voltou à escola na
Inglaterra, e depois de alguns dias de estudo
intenso, conseguiu alcançar o ritmo de seus
colegas de classe. Voltou a frequentar Grey-
garth toda semana, sem abandonar sua ora-
ção diária. Seus pais sempre o ensinaram a
ser generoso com Deus, e sua estadia em Mal-
lorca reforçou essa lição.
Sua familiaridade com a oração e seu esforço
para assistir à Santa Missa começou a operar
uma mudança dentro dele. Percebeu que Deus
lhe tinha dado algo que não havia dado a mui-
tos e se considerava um privilegiado. Viu que
Jesus o havia escolhido especialmente, como
se escolhe a um amigo. Em uma das conversas
que teve com um monitor do clube, dizia-lhe
que percebia como Deus havia derramado nele
graças que não havia dado a outros.
E essa reflexão o fez perceber que, se
Deus lhe dava o que não tinha dado a mui-
tos, também pediria o que não pedia a mui-
tos. Considerava como dons excepcionais

26
2 - Em Mallorca

tudo o que Deus lhe havia dado em sua vida:


sua família, seus amigos, sua vida de ora-
ção, sua formação cristã, sua condição como
espanhol nascido e criado na Inglaterra, e
até mesmo sua breve estadia em Mallorca
onde aprendeu tanto...
Ele sabia e se sentia um dos favoritos de
Deus. E a predileção divina sempre exige
mais. Quando Deus dá mais, pede mais. E
quanto mais pede... é porque mais quer dar.
Pedro tinha 16 anos quando começou a
contemplar a possibilidade de que Deus lhe
estava pedindo a vida inteira. Durante essa
temporada, consultou e conversou com quem
poderia lhe dar luzes. Em mais de uma oca-
sião, manifestou-me pessoalmente suas dúvi-
das. Ele não sabia se Deus lhe pedia para
seguir a vocação para o casamento ou ao celi-
bato, como padre, como numerário ou ads-
crito5 no Opus Dei.

5 Chamam-se adscritos (ou adscritas) os fiéis que, em


celibato apostólico, devem atender necessidades, con-
cretas e permanentes, de caráter pessoal, familiar ou
profissional, que os levam, ordinariamente, a viver com
a própria família e determinam a sua dedicação às tare-
fas apostólicas ou de formação no Opus Dei.

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Jorge Boronat

A vocação é sempre uma descoberta pes-


soal. Um assunto privado entre Deus e uma
alma. Pedro falava diariamente com Deus
em sua oração e sempre manifestava sua
disponibilidade. Dizia-lhe que estava dis-
posto a fazer qualquer coisa. Que se Deus
lhe pedisse para ser padre, ele o seria. Que,
se pedisse para ele ser numerário ou adscrito,
assim seria. E com senso de humor dizia-me:
“No entanto, eu também digo a Deus que se
ele quiser seguir meu conselho, acho que eu
seria um ótimo supernumerário”.6
Deus é um Pai exigente. Ele nunca pede
mais do que podemos dar; mas nunca pede
menos. Pedro uma vez comentou: “Sei que
tenho essa inclinação natural para formar
uma família porque sou um cara normal e
tenho um coração jovem.” Isso entendia bem.
Como também compreendia que dar toda a

6 Chamam-se supernumerários (ou supernumerárias)


os fiéis da Prelazia — casados ou solteiros, mas em qual-
quer dos casos sem compromisso de celibato — que, com
a mesma vocação divina que os outros, participam ple-
namente no apostolado do Opus Dei, com a disponibi-
lidade, pelo que se refere às atividades apostólicas, que
é compatível com o cumprimento das suas obrigações
familiares, profissionais e sociais.

28
2 - Em Mallorca

vida a Deus, renunciar aos seus planos, sem-


pre pressupõe um grande sacrifício.
Um dia, falando com o diretor de Grey-
garth, perguntou-lhe como se pedia a admis-
são no Opus Dei. Xavier explicou-lhe que
era necessário simplesmente comunicar, por
carta, sua intenção ao Prelado.7 Pedro disse
que queria escrever, e pediu papel e caneta.
Uns vinte minutos depois, quando Xavier
entrou na sala novamente, encontrou Pedro
escrevendo, com uma montanha de bolas de
papel a seu lado, suas diversas “tentativas”.
O pobre rapaz ia ficando nervoso à medida
que escrevia e descartava as várias versões da
carta. Por fim, levantou-se e disse que escre-
veria aquela carta outro dia, quando soubesse
o que queria escrever.
Um pouco mais tarde, em 1º de maio de
2013, poucas semanas antes de seu 17º ani-
versário, sentou-se novamente no mesmo

7 O prelado do Opus Dei é quem dirige a prelazia em


sua missão de difundir a chamada universal à santidade
e de promover o apostolado dos fiéis da prelazia. Desde
a sua origem o Opus Dei tem um caráter de família mar-
cante; por isso, na vida do Opus Dei, o Prelado é cha-
mado simplesmente de Padre.

29
Jorge Boronat

escritório para escrever a carta. Com cer-


teza era Deus quem lhe pedia para fazê-
-lo, e tendo preparado melhor o conteúdo
dessa carta, manifestou ao Prelado sua deci-
são de entrega a Deus como numerário do
Opus Dei.
Pedro tinha falado com seus pais sobre
sua vocação muitas vezes. Naquele dia, dis-
se-lhes o que iria fazer e, depois de escrever
aquela carta, comunicou aos pais imediata-
mente. Começou então a pensar em como
contaria aos irmãos.
Alguns dias depois, Pedro decidiu come-
çar explicando ao seu irmão Carlos. Disse-
-lhe que precisava dizer uma coisa. Carlos
lembra-se bem dessa conversa: “Quando
disse que queria falar comigo, sorri. Notei
que algo acontecia com ele. Inspirados
em uma piada que existe no filme Mulan,
quando nos referíamos a um relaciona-
mento romântico, chamávamos, em tom de
brincadeira, de Mushu. Como eu tinha visto
Pedro muito feliz ultimamente, cheguei à
conclusão de que havia Mushu no meio. E
quando ele disse que queria me dizer algo,
estava convencido de que tinha se apaixo-

30
2 - Em Mallorca

nado... e eu estava certo: ele tinha se apai-


xonado... por Deus, e então me disse que
havia se decidido a entregar a vida como
numerário do Opus Dei. Quando ele termi-
nou, perguntei-lhe:
“Então... não há nenhum Mushu?”
“Nunca haverá Mushu”, confirmou Pedro
com uma risada”.

31
3
Estreando a
vocação

A partir do momento em que pediu a admis-


são no Opus Dei, a fidelidade à sua vocação era
uma prioridade. Pedro era um rapaz bonito e
brilhante que não passava despercebido.
Um dia, uma garota que estava frequen-
tando a mesma paróquia para as aulas de
Crisma propôs-lhe darem uma volta. Pedro
quis cortar pela raiz qualquer tentativa da
menina e pensou em como explicar rapida-
mente que não tinha intenção de namorar.
Sem rodeios, disse: “Eu dei minha vida a Deus”.
A pobre menina ficou muito surpresa com
essa resposta, mas imediatamente se recu-

33
Jorge Boronat

perou e respondeu: “Eu sabia que era bom


demais para ser verdade!”.
Um dia, receberam a visita de seus avós.
Pedro é o nome de seu pai, avô e bisavô. Para
evitar confusão, Pedro Junior se chamava
Pedrinho. Comentando sobre a tradição fami-
liar de passar o nome de Pedro de geração em
geração, Pedrinho comentou com um sorriso:
“A tradição termina aqui”.
Falando com um dos numerários mais
velhos, este perguntou a Pedro como estava
indo com a sua vocação. Durante a conversa,
falaram sobre a dificuldade que muitos jovens
encontram para serem fiéis ao seu caminho.
Pedro quis tirar qualquer dúvida sobre sua
intenção de ser fiel, e disse-lhe sorrindo: “Não
se preocupe, estou aqui for the long haul”.8
Com sua vocação recém-inaugurada,
Pedro via-se como o apóstolo João. Um dia,
escreveu em sua oração: “É curioso que de
todos os apóstolos apenas São João acompa-
nhou Jesus até a Cruz. Sabendo perfeitamente

8 “Long haul” se refere em inglês a voos de longa dis-


tância, voos transcontinentais. A tradução da frase seria
algo como: “Não se preocupe, eu estou aqui a longo prazo”.

34
3 - Estreando a vocação

que poderiam matá-lo por causa de Jesus,


estava disposto a morrer. E, no entanto, foi
o único que não morreu como mártir. Jesus
deu uma segunda chance aos outros e eles
acabaram dando a própria vida por Ele. Mas,
a João, deu a honra de viver uma longa vida
de serviço, cuidando da Virgem e escrevendo
vários livros do Novo Testamento”. Talvez
esse fosse o tipo de vida que ele esperava
para si mesmo.
Durante os dois anos de bacharelado con-
tinuou a tirar excelentes notas. Agora ele via
que sua nova vocação o impelia a ajudar mais
seus amigos e aproximá-los de Deus. Um deles
era um pouco singular. Era um menino inte-
ligente, mas que se conectava pouco com as
pessoas da sua idade, sentindo-se mais con-
fortável com pessoas mais velhas. Os irmãos
de Pedro achavam-no um pouco maçante.
Pedro insistia que todos tinham que ser tra-
tados com carinho e sabia se relacionar com
esse amigo, conversando com ele sobre o que
mais lhe interessava.
Também tinha um amigo católico que
nunca havia praticado a fé. Pedro dedicou-
-lhe todo o tempo necessário até que ele

35
Jorge Boronat

começou a acompanhá-lo à Missa ao mesmo


tempo em que recebia explicações sobre a
fé e transformava a sua própria em algo
mais prático. Como seu amigo gostava de
fotografia, um dia Pedro decidiu acompa-
nhá-lo para fotografar a neve. Não estava
usando roupas adequadas e acabou conge-
lando. Ainda assim, suportou aquele gelo
siberiano e não disse nada até que seu amigo
tivesse tirado mais fotos do que um repór-
ter da National Geographic.
Pedro sabia como tirar o melhor de cada
pessoa. Nada o detinha quando se tratava de
ajudar seus amigos. Um deles, ao adoecer e
parar de ir à escola por um tempo, comen-
tou: “Pedro foi o único que me ligava dia-
riamente para me dizer o que eu tinha que
estudar e perguntar como eu estava. Nunca
esquecerei. Pedro fazia com que todos que
cruzassem o seu caminho se sentissem impor-
tantes”. No dia seguinte à sua morte, este
mesmo amigo escreveu nas redes sociais:
“Meu melhor amigo faleceu ontem. A pes-
soa que mais me encorajou a ser melhor, eu
e a muitos outros. Uma pessoa especial que
nunca será esquecida”.

36
3 - Estreando a vocação

Depois que Pedro morreu, seus pais des-


cobriram o grande número de pessoas que
o consideravam como seu “melhor amigo”.
Pessoas de todas as idades e condições, que
conheceram Pedro nas diversas fases de sua
vida. Todos concordavam com sua grande
capacidade de amar, de cuidar das necessida-
des dos outros e de se antecipar a elas.
Outro de seus talentos era a sua habili-
dade de falar sobre qualquer tema que inte-
ressasse aos outros. Fosse um menino de sete
anos, um mendigo, um professor universitá-
rio ou o Arcebispo de Leeds. Do mais alto ao
mais cotidiano, ele sempre encontrava algo
que atraía a atenção de seu interlocutor e lhe
permitia desfrutar de sua companhia.
Pedro gostava de estar bem-informado
sobre as questões sociais ao redor do mundo
e aproveitava todas as oportunidades para
aprender com as pessoas. Patrick comen-
tou que Pedro gostava de lhe fazer pergun-
tas sobre a Nigéria, seu país de origem. No
entanto, quando lhe respondia, descobria que
Pedro já tinha muito conhecimento, pois já
havia tido muitas conversas semelhantes com
os outros amigos nigerianos em sua classe.

37
Jorge Boronat

Pedro tinha um magnetismo especial, uma


certa liderança entre seus amigos, e a usava
para ajudar os outros a se preocuparem com
os demais. Ajudava a ajudar. No verão de
2013, convenceu um grupo de amigos a aju-
darem a pessoas necessitadas e a aproveitar
o tempo livre nas férias. Com outros cinco
amigos, apareceu uma manhã na casa de uma
idosa que tinha o jardim parecendo a Ama-
zônia. Passaram o dia arrumando o jardim e
a parte externa da casa. Exaustos no final do
dia, sujos e cheirando a meia suada, eles con-
cordaram que tinha sido uma ação maravi-
lhosa e que todos queriam repeti-la.
Parte de seu magnetismo também estava
na sua devoção e vida cristã. Um menino
da paróquia que receberia o Sacramento da
Confirmação ficou tão impressionado ao ver
Pedro rezar diante do Santíssimo Sacramento,
dia após dia, que finalmente se aproximou
e lhe pediu para que fosse seu padrinho.
Quando Pedro aceitou, o sorriso do garoto
já dizia tudo.
Pedro tinha muita habilidade para con-
tar histórias engraçadas e uma capacidade
especial de encontrar o cômico de cada situa-

38
3 - Estreando a vocação

ção. Muitos de nós nos recordamos da nar-


ração que fez de um acidente em outubro
de 2013, que nos fazia chorar de rir. Em uma
viagem para Londres com outros três espa-
nhóis, em um carro emprestado, enquanto
cochilavam no banco de trás, bateram em
outro veículo que estava parado em um
semáforo. Quando a polícia chegou, o moto-
rista e o copiloto não conseguiam se fazer
entender em inglês. Para piorar a situação,
eles não sabiam de quem era o carro, não
tinham endereço no Reino Unido e nem
sabiam seus próprios números de telefone!
O policial achou que estavam brincando
com ele e pediu, aos gritos, que o levassem
a sério. Pedro decidiu socorrê-los, pois era o
único que falava inglês. Mas, quando pedi-
ram seu telefone, ele também não se lem-
brava. Virou-se para um deles e pediu, em
espanhol, para lhe fazerem uma chamada
perdida para, assim, poderem identificar o
número. O policial, com a paciência esgo-
tada e a frustração disparando, começou a
gritar novamente que falava sério. Graças
a Deus, Pedro conseguiu esclarecer a situa-
ção, que não se agravou mais.

39
Jorge Boronat

Apesar de ser espanhol, Pedro tinha um


caráter muito inglês. Falava a língua inglesa
com o sotaque do norte da Inglaterra e não
escondia seu desconforto com a efusividade
afetiva, algazarra e bagunça de alguns espa-
nhóis quando se reuniam. No entanto, muitas
vezes manifestou sua intenção de se mudar
para a Espanha para fazer a faculdade. Comen-
tando esse desejo a seus pais e aos direto-
res em Greygarth, todos eles o lembraram do
grande apostolado que poderia fazer no Reino
Unido. Ciente de que Deus estava lhe pedindo
para ficar lá, sacrificou suas preferências sem
expressar qualquer desconforto. Tomou a deci-
são de ficar e nunca mais tocou no assunto.
Essa sempre foi a sua atitude. Se pudesse
ajudar, ajudava. Sem estardalhaço. Sem cha-
mar a atenção. Sem esperar agradecimentos
ou reconhecimentos de qualquer tipo.
Com suas qualificações, Pedro poderia
escolher a universidade que quisesse.9 Pensou
em se candidatar a um lugar em Cambridge,

9 Seus resultados de Nível A foram: Espanhol A*,


Matemática A*, Química A*, Física A* e Matemática
Adicional A.

40
3 - Estreando a vocação

mas quando descobriu que ainda não havia


nenhum centro do Opus Dei naquela cidade,
procurou outras opções. Também foi visitar
Oxford, mas a atmosfera daquela cidade uni-
versitária parecia um pouco sombria, e então
decidiu se candidatar a Engenharia Química
na Imperial College, em Londres.
Em janeiro de 2018, ao saber de sua morte, o
professor que o entrevistou quatro anos antes
por causa de sua candidatura a uma vaga na
Imperial College, escreveu aos pais: “Procurei
entre minhas anotações o que escrevi após a
entrevista com Pedro e descobri isso: ‘Já falei
com muitos. E, sem dúvida, Pedro é o melhor
aluno que já entrevistei... o tipo de estudante
que procuramos para esta universidade’”.
Mudou-se, em setembro de 2014, para a
Netherhall House, uma residência universi-
tária em Londres, e naquela cidade come-
çou seus estudos universitários. Em pouco
tempo fez dezenas de amigos. Embora só
tenha passado três meses em Londres, dei-
xou uma marca inesquecível em Netherhall
e na Imperial College.
Em seus três meses em Netherhall, dedi-
cou-se a fazer um grande apostolado entre

41
Jorge Boronat

os estudantes universitários que moravam


ali e com seus colegas da universidade. Logo
após ser diagnosticado com câncer, um estu-
dante do mesmo curso enviou-lhe uma men-
sagem: “Ei, Pedro, recebi notícias suas e só
queria que soubesse que estou rezando. Você
nem deve saber disso, mas te conhecer cau-
sou um grande impacto na minha vida. Ver
você andando de cabeça erguida e orgulhoso
de ser cristão me inspirou a fazer o mesmo.
Você me inspirou a me lançar a ser FIEL a
Cristo. Não só na igreja, mas no meu dia a dia
e na rua”. Pedro escondeu essa mensagem por
humildade, mas um dia seu pai a encontrou.
Naquele outono de 2014, tudo caminhava
muito bem. Na verdade, alguns meses antes,
em uma conversa com o diretor, Pedro comen-
tou que se sentia “muito privilegiado”, que
tudo dava certo para ele: sua vocação, famí-
lia, amigos, seus estudos... E disse que, con-
siderando tudo isso, ocorreu-lhe em oração
pedir ao Senhor uma cruz com a qual ele
pudesse pagar, de alguma forma, por tudo o
que havia recebido.
Mal sabia ele, e também os que estavam com
ele, de que modo Deus ouviria aquela oração.

42
4
A Cruz

Desde maio de 2014, Pedro começou a


notar uma dor lombar que ia aumentando. Em
agosto, quando foi à Espanha, a dor diminuiu
muito e até conseguiu jogar futebol e prati-
car esportes. Mas, ao retornar à Inglaterra,
em setembro, a dor voltou com mais agressi-
vidade. Tentou diversas terapias, até mesmo
com um osteopata, mas a dor não diminuiu.
Um dia, no início de dezembro, jogando fute-
bol, percebeu que não conseguia mais correr.
Deixou a partida, discretamente, e se sentou
fora de campo, para esperar que terminas-
sem de jogar.
Uma semana antes do Natal, Pedro parti-
cipou de um retiro que preguei. Como estu-

43
Jorge Boronat

dei medicina antes de ser ordenado padre,


Pedro veio me ver e me disse que a dor não
o deixava dormir. Dei-lhe um anti-inflama-
tório e sugeri que fosse ao médico quando
voltasse. Alguns dias depois, foi para uma
excursão com outros numerários jovens.
Depois de andar vários quilômetros, nota-
ram que ele estava mancando e lhe doía cami-
nhar. Quando lhe perguntaram se estava bem,
Pedro tirou a importância e disse que era por-
que estava estudando muito. Em um deter-
minado ponto chegaram a um córrego que
tinha que ser pulado, e foi quando percebe-
ram que Pedro não conseguiria atravessá-lo
sozinho, e o ajudaram na travessia.
Pedro não disse nada a ninguém até depois
do diagnóstico, mas fazia mais de um mês
que não conseguia se deitar adequadamente,
e passava muitos dias sem conseguir dormir.
Também não conseguia ficar sentado por
mais de 15 minutos, e por isso estudava de
pé. Ninguém fazia ideia do que estava acon-
tecendo com ele, porque nunca reclamou.
No domingo, 28 de dezembro, foi para Mal-
lorca com seus pais e irmãos para visitar a
família. A dor não diminuiu. Mesmo assim,

44
4 - A Cruz

ele queria ir pescar e, quando já havia con-


vencido quase toda a família, sua avó, ao tele-
fone, disse-lhe que deixasse de enrolação “e de
toda aquela pescaria”, e fosse imediatamente
para o pronto-socorro. Um médico amigo
da família o atendeu. A radiografia revelou
a imagem inequívoca de um tumor ósseo na
pelve maior que 15 cm. Quando viram o diag-
nóstico, tanto o pai, que é médico, quanto o
médico, que já havia feito mergulho muitas
vezes com Pedro, não conseguiram conter
as lágrimas.
Seus pais decidiram não lhe dizer nada
naquele momento e imediatamente volta-
ram para Manchester. Já no Reino Unido,
fez mais exames em novos hospitais, e em
todos o diagnóstico foi confirmado. O osteos-
sarcoma estava em uma região muito difícil
de operar. Finalmente, entre lágrimas, seus
pais lhe explicaram tudo. Ao receber a notí-
cia, vendo sua mãe chorar, Pedro a abraçou
e disse: “Mãe, você sempre me ensinou que
Jesus dá a Cruz aos seus amigos. Eu já dei
minha vida a Deus com minha vocação”.
Depois de dizer aquilo, comentou sua mãe,
Pedro foi para a cama e dormiu com muita

45
Jorge Boronat

paz. Começava sua ascensão ao Calvário que


perduraria os próximos três anos.
Aquelas palavras, ditas aos seus pais,
seriam a chave para interpretar toda a sua
vida. Pedro viu a oportunidade de abraçar a
Cruz e continuar oferecendo suas dores pelo
Papa, pela Igreja e pelas almas.
O tumor pressionava a medula espinhal
e alguns nervos. A dor era evidente até na
radiografia, e via-se que já estava crescendo
há muito tempo. Quando lhe perguntavam
por que não havia dito nada antes, logo que
começou a sentir as dores, Pedro respondeu
simplesmente: “Sim, eu disse... disse a Deus.
Oferecia tudo para o Papa, para a Igreja e
para as almas”.
Pedro deixou os estudos e voltou para Man-
chester para receber tratamento no Christie
Hospital, que conta com uma equipe especia-
lizada em jovens pacientes com câncer. Rece-
beu imediatamente analgésicos para a dor e
pílulas para dormir, à espera da definição do
tratamento quimioterápico. Pela primeira vez,
em vários meses, ele dormiu sem dor. No dia
12 de janeiro, Pedro acordou sem nenhum
sintoma que o lembrasse de sua doença. Che-

46
4 - A Cruz

gando na cozinha e encontrando um café da


manhã sem açúcar, sem sal e sem uma longa
lista de condimentos, Pedro sorriu e disse:
“Uau! Quase me esqueci que tenho câncer”.
O primeiro ciclo de quimioterapia o atin-
giu com força. Ele emagreceu 20 kg. Tinha
náuseas e vomitava com frequência. Estava
com uma dieta muito desagradável, mas ele
nunca — literalmente nunca — reclamou.
Manteve seu senso de humor habitual. Pela
primeira vez os seus irmãos mais novos pesa-
vam mais do que ele. Quando lhe comenta-
vam isso, Pedro apontava para sua cabeça
e dizia: “O importante é o que está aqui em
cima... nisso não me superam”.
Os médicos ficaram alarmados ao ver essa
perda significativa de peso. Incapazes de parar
essa tendência, comentaram que se ele conti-
nuasse a perder peso teriam que colocar uma
sonda para alimentá-lo. Isso não agradou a
Pedro. Quando, no dia seguinte, a enfermeira
o pesou, descobriram que ele tinha ganhado
um pouco de peso. A enfermeira, surpresa,
perguntou-lhe como tinha conseguido isso.
Pedro, com um sorriso de orelha a orelha,
tirou duas pedras dos bolsos e disse: “Com

47
Jorge Boronat

isso!”. Por fim, entre risadas, decidiram dis-


pensar a ideia da sonda.
Perdeu peso. Perdeu o cabelo. Perdeu o
ano acadêmico. Mas não perdeu o sorriso. A
virtude da alegria é atestada em um livro de
assinaturas que seus colegas universitários
em Londres lhe enviaram ao saber de sua
doença. Muitas mensagens referiam-se à sua
alegria e sorriso, sua atitude sempre positiva,
sua tendência a ajudar e sua fé cristã palpável.
“Sinto falta do sorriso que recebia todas as
manhãs às 9 horas”, escreveu um deles. “Sinto
falta da sua alegria que aquecia o ambiente
da sala”, disse outro. “Pedro, todos comen-
tam o impacto que deixou em nossas vidas.
Sentimos a sua falta”. E outro acrescentou:
“A turma não é a mesma sem as suas piadas
e seu sorriso afetuoso”.
Quando seu cabelo começou a cair, deci-
diu raspar a cabeça. Isso foi, sem dúvida, um
grande sacrifício. Mas sem qualquer drama
levantou a navalha com a mão direita, como
alguém segurando um troféu, e disse, “Pelo
Padre”,10 e raspou a própria cabeça sozinho.

10 Os membros da Opus Dei chamam Padre ao prelado.

48
4 - A Cruz

Nunca reclamava, e quando lhe per-


guntavam, tentava descontrair e mudar de
assunto. Quando seus visitantes lhe pergun-
taram se estava bem, muitas vezes respon-
dia: “Não se preocupe. Não estou doente.
São apenas reparos”.
Um dia, o bispo foi visitar Greygarth. Um
pequeno aperitivo foi preparado na sala, e ao
entrar, as pessoas foram-no cumprimentando.
Pedro, então, andava de muletas e esperou
discretamente sentado. Ao se aproximar, o
bispo lhe perguntou o que havia lhe deixado
naquele estado. Pedro, com muita natura-
lidade e sem querer se tornar o centro das
atenções, disse que era “uma pequena lesão”.
No dia 12 de maio houve uma Missa em
homenagem ao beato Álvaro del Portillo na
Catedral de Westminster, celebrada pelo Car-
deal Vincent Nichols. Pedro e sua família
viajaram para Londres para assistir à Missa
e visitar amigos. Por razões de horário, eles
chegaram uma hora mais cedo na catedral.
Quando Pedro contou essa história no centro,
comentou que “aquilo foi muito estranho”,
disse com uma cara intrigada: “tivemos que
esperar”. E com uma gargalhada, acrescen-

49
Jorge Boronat

tou: “Minha família nunca chega na hora em


lugar algum”.
Como vimos, Pedro era incapaz de fazer
alguém sofrer e encobria com arte os defei-
tos dos outros. Um dia recebeu um telefo-
nema do osteopata que o havia tratado meses
antes, quando achavam que a dor era um
problema muscular. O médico perguntou se
a dor havia passado. Pedro explicou-lhe com
muita delicadeza que havia sido diagnosti-
cado com osteossarcoma. Seguiu-se um silên-
cio incômodo que Pedro quebrou, tirando a
importância do assunto. Agradeceu-lhe por
tê-lo ajudado tanto e pediu que não se preo-
cupasse, porque meses atrás ninguém sus-
peitaria que era câncer.
Outra característica de sua personalidade
era o aproveitamento do tempo. Tendo em
conta que já não poderia mais continuar o
curso na universidade em Londres, conside-
rou o que fazer para aproveitar ao máximo
cada dia. Naqueles primeiros meses, após o
diagnóstico, morava na casa dos pais e ia dia-
riamente para Greygarth. Lá ele participava
da Missa à tarde, fazia pequenos consertos
e ocorreu-lhe que podia continuar com os

50
4 - A Cruz

estudos de filosofia que cursava durante as


férias e, assim, adiantar a matéria. Alguns
dias depois, o Padre Pedro Haverty começou
a ensiná-lo a História da Filosofia Medieval.

51
5
A luta

Em sua nova situação, continuava pro-


curando maneiras de responder a Deus com
urgência e generosidade. Nas anotações que
fez em um recolhimento mensal, nos primei-
ros meses da doença, escreveu:11
“Deus te necessita agora e tens que mudar
agora. Não sabes quando vai morrer”.
“Se você morresse hoje, acha que entra-
ria no Céu?”.

11 No original, em espanhol, o autor destaca que as


anotações foram feitas em castelhano, provavelmente
para chamar a atenção do leitor para o fato de que, ape-
sar de estar na Inglaterra, algumas anotações pessoais as
fazia na língua materna de seus pais. — [NT]

53
Jorge Boronat

“Tens que estudar e cumprir as normas12


e mortificações, por amor a Deus”.
“Crie um horário de estudo e evite dis-
trações”.
“Temos que ser instrumentos úteis para
Deus”.
“Para avançar no apostolado na universi-
dade tens que estudar e dar exemplo”.
“Tens que fazer bem o exame de consciên-
cia todos os dias”.
“Use um caderno, não seu celular, que
você mal o usa”.
“Confesse com mais frequência”.
“O que te falta é ter pressa. Não tens mais
tempo a perder”.
“Tens que ter prestígio para ser eficaz no
apostolado”.
“Tempo é glória”.
“Teremos que prestar contas do tempo
perdido”.
Em agosto, participou de uma convivência
de três semanas em Thornycroft, perto de Man-

12 “Normas” são os costumes, orações e práticas de


piedade dos membros do Opus Dei, também conhecido
como Plano de Vida. — [NT]

54
5 - A luta

chester. Ele ainda tinha que ser internado no


hospital de vez em quando para continuar sua
segunda sessão de quimioterapia. Ao longo do
curso, via-se que estava muito alegre. Parti-
cipou das comemorações de aniversário com
números cômicos e também apresentando o
festival. Ainda há fotografias e alguns vídeos
de suas performances circulando por aí.
Ao final dos dois primeiros ciclos de qui-
mioterapia já era evidente que esse tumor
não poderia ser operado. O médico expli-
cou-lhe, na frente dos pais, que o câncer não
tinha cura. Por um tempo Pedro preocupou-
-se com essa operação, porque envolvia remo-
ver grande parte de sua pélvis, uma perna, e
deixar a outra perna sem a capacidade de se
mover. Ao retornar ao centro, comentou que
as esperanças de sobrevivência eram “muito
poucas, zero... praticamente nenhuma”. Pedro
teve dificuldade em aceitar a ideia de que após
a operação poderia passar o resto de seus dias
sem uma perna, sem pélvis e a outra perna
paralisada. “Quero morrer com as duas per-
nas”, disse ele um dia. “Quero entrar no céu
com os meus próprios pés, não empurrado
pelo meu anjo, em uma cadeira de rodas”.

55
Jorge Boronat

Um aspecto de sua luta que nunca passou


despercebido foi sua capacidade de suportar
o sofrimento sem reclamar. Uma enfermeira
do hospital disse: “Já trabalhei com muitas
crianças e adolescentes com câncer. Os peque-
nos quase nunca reclamam, os adolescentes,
no entanto, não param de reclamar... mas
Pedro é a exceção. Eu nunca ouvi a menor
reclamação dele”.
Os recursos terapêuticos se esgotavam
e as esperanças diminuíam. No entanto, de
repente, apresentou-se a possibilidade de um
tratamento experimental em Heidelberg (Ale-
manha) com radiação de prótons. Para isso,
seria necessário morar naquela cidade uni-
versitária por várias semanas. Mas o financia-
mento tornou-se um obstáculo. A Previdência
Social não estava disposta a financiar o custo
do tratamento que poderia superar os 100
mil euros.
Após inúmeras reuniões, Pedro e seus pais
foram informados de que as expectativas de
cura eram muito baixas e não valiam o inves-
timento. Pedro não era imune às más notícias,
e depois reconheceu que naquela tarde havia
ficado muito mal. Como mais tarde comen-

56
5 - A luta

taria, foi durante essa reunião que percebeu


a gravidade de sua situação.
Três dias depois, o Bispo de Shrewsbury foi
visitá-lo e deixou uma estampa com as pala-
vras da Virgem para São Juan Diego: “Não
estou aqui, eu, que sou tua mãe? Não estás
sob minha proteção e amparo? Não sou eu a
fonte da tua alegria? Não estás porventura
no meu regaço e entre os meus braços? De
que mais precisas? Não deixe nada te preo-
cupar ou afligir”.
Ao ler estas palavras com sua mãe, ficou
tão impressionado que decidiram recitar essas
palavras todas as noites. Esse abandono mar-
cou muito a forma como Pedro e sua famí-
lia passaram a levar a doença. Colocaram-se
nas mãos de Deus e da Virgem Santíssima e
decidiram levar tudo one step at a time — um
passo de cada vez. Isso lhe deu muita paz,
sabendo que tudo sairia como Deus quisesse.
Aquela paz interior era fruto do abandono.
Começaram a pedir dinheiro e consegui-
ram levantar parte do custo, mas 100.000
euros era uma quantia muito grande. Graças
a Deus, depois de muitas reuniões e milha-
res de orações, quase de última hora, a Pre-

57
Jorge Boronat

vidência Social aprovou o financiamento e


cobriu a maior parte das despesas.
Enquanto isso, o número de pessoas
rezando por Pedro continuava crescendo. As
orações vinham de todas as partes do mundo.
O prelado do Opus Dei o mencionou diver-
sas vezes, em reuniões com muitas pessoas,
pedindo orações por ele. Quando lhe per-
guntaram se achava que o milagre poderia
acontecer, Pedro respondeu com um sorriso
de orelha a orelha: “Vamos rezar. Mas se não
houver cura, haverá o Céu. Qualquer uma
das duas opções será um êxito”.13
O tratamento de Heidelberg não era inva-
sivo nem doloroso. Tratava-se de queimar
o osso com radiação. O desconforto veio
mais tarde, com o tecido ósseo morto e com
uma queimadura na pele que levou muito
tempo para curar, e da qual ele nunca recla-
mou. Esse tratamento parecia ter deixado
o tumor inativo. Os efeitos duraram alguns
meses, e Pedro pode retomar mais ou menos
à vida normal.

13 “If I’m not cured, it’s Heaven, so either way it’s a


winning situation”.

58
5 - A luta

Durante um tempo, a ferida na pele dei-


xada pela radiação foi o desconforto mais
significativo que sofreu. Em certo momento,
quando a dor era especialmente intensa, o
diretor do centro pediu-lhe que oferecesse o
desconforto pelos residentes de Greygarth.
Pedro sorriu e disse: “Ok, vou oferecer por
eles, em particular, a dor do bumbum”.
Pouco depois que a ferida fechou, começou
seu segundo ciclo de quimioterapia, enquanto
tentava levar uma vida normal. Um dia, no
final de agosto de 2015, durante a tertúlia14
em Greygarth, Pedro casualmente deixou
escapar que fazia um ano desde que voltara
de Barcelona e fora para Londres para come-
çar sua vida universitária em Netherhall. E
com um sorriso que deixou todos perplexos,
acrescentou: “Tem sido um ano incrível!”.
Todos ficaram petrificados, e alguém que-
brou o silêncio dizendo que aquele era o
comentário mais positivo que já havia escu-
tado na vida. Pedro se sentiu na obrigação de
esclarecer entre risos: “Vamos ver... O ano
tem sido terrível, sim..., mas incrível!”.

14 Reunião de família ou amigos. — [NT]

59
Jorge Boronat

Nos momentos mais difíceis, quando a


dor acentuava, Pedro agarrava-se ao cruci-
fixo. “Sem um crucifixo”, dizia ele, “nada disso
faz sentido”. Seu pai explicou em uma carta
que um dia Pedro lhe disse que chegou à sua
mente as seguintes perguntas: “Por que eu?
Por que a mim?”. E com muita naturalidade
respondia a si mesmo: “E por que não eu, que
tenho fé e posso oferecê-lo?”.
Não importava quanta dor tivesse, sempre
tentava cumprir seus deveres. Em outubro
de 2016, quando a dor do tumor voltava com
força, Pedro tinha que terminar um trabalho
para a universidade. Incapaz de ficar sentado,
tentou digitar em pé. Experimentou muitas
posições e lugares, mas a dor não parava. Por
fim, acabou ditando o trabalho para outra pes-
soa, enquanto permanecia deitado no chão,
de barriga pra cima por um tempo e de bar-
riga para baixo depois, até que conseguisse
enviar o trabalho a tempo. Quando lhe deram
o resultado, o próprio Pedro ficou surpreso
com a boa nota que obteve.
Trabalhou com intensidade. Durante
uma temporada em que se encontrava com
o tempo mais livre, decidiu ajudar na escola

60
5 - A luta

The Cedars, em Londres. Naqueles dias, ele


morava em Kelston, perto de Balham, e dali
se propôs a fazer o que fosse preciso: ensaiar
uma peça, monitorar o estudo, ajudar os alu-
nos com dificuldades, e até mesmo ajudar a
corrigir provas. Podia ser visto na sala dos
professores, muito concentrado, corrigindo
muitas provas, sem reclamar do calor que
fazia naqueles dias.
“A dor é um mistério”, escreveu ele em
suas notas em um desses dias, “e ainda assim
o cristão com fé sabe como descobrir na escu-
ridão do sofrimento, dele e dos outros, a mão
amorosa e providencial de seu Pai Deus, que
sabe mais e vê mais. Quem tem fé, de alguma
forma entende as palavras de São Paulo: ‘Para
aqueles que amam a Deus, todas as coisas são
para o bem’”.
Como seu dever era estudar, tentou defen-
der seu estudo e tempo de trabalho. Às vezes,
estudava o máximo que podia de manhã, antes
de tomar os remédios para dor, porque sabia
que depois de tomá-los ficaria sonolento e não
poderia mais estudar com tanta intensidade.
Por causa de sua doença, muitas pessoas
começaram a visitá-lo. Sempre se sentia muito

61
Jorge Boronat

desconfortável ao tornar-se o centro das aten-


ções e mortificava-lhe o Fenômeno Selfie; de
repente todos queriam tirar fotos com ele.
Mas conseguiu ver aí outra fonte de sacrifício.
Entendia que essas fotos eram importantes
para as pessoas, e deixava-se fotografar sem
se preocupar se estava com ou sem cabelo,
com olheiras ou pálido, ou com cara de sono.
Ele também ficou muito incomodado com
as expressões exageradas de afeto, os abra-
ços excessivos, o riso muito alto, os gritos e
aplausos, o alvoroço. Em inglês, referia-se
a isso com a palavra Fuss.15 Suportou tudo
pacientemente quando se tratava de pessoas
que vinham visitá-lo, mas não hesitava em
cortá-lo pela raiz com quem tinha mais con-
fiança. Para esses costumava dizer: Please, no
fuss — Por favor, sem agitação”.
Nos momentos mais difíceis, confiava
muito na oração e nas mensagens que lhe
chegavam continuamente. Mas estava parti-
cularmente satisfeito com as cartas que rece-
bia do Padre, o prelado de Opus Dei. No dia
12 de fevereiro de 2015, chegou-lhe uma que

15 Fuss: barulho, rebuliço, agitação.

62
5 - A luta

o fez chorar. Comentava com o diretor que


aquele dia tinha sido muito difícil, com enjoos,
cansaço, e ficara farto da comida insípida que
tinha que comer. Essa carta não poderia ter
sido mais oportuna. Com muito carinho, o
Padre dizia-lhe que se apoiava nele especial-
mente, e Pedro se emocionou.
Como dissemos, a santidade não está em
ser perfeito, mas em nunca deixar de lutar.
Mais de uma vez perdeu a paciência com
as pessoas. Quando, no meio de suas dores,
alguns tentavam animá-lo com piadas ou
músicas e se montava uma grande bagunça no
quarto, em algumas ocasiões, mandava todos
para fora ou dizia-lhes seriamente: “Chega
de piadas”. Logo depois, doído, pedia-lhes
perdão. Isso se repetiu em várias ocasiões.
Também lutou para ser mais simpático às
deficiências dos outros. Não entendia por que
um dos residentes de Netherhall ou Greygarth
não estudava, porque outro não se levantava
de manhã, ou porque outro tinha começado a
usar drogas ou não tentava se socializar mais,
em vez de ficar no quarto com seus videogames.
Particularmente, ficava frustrado porque
as pessoas que podiam, e às vezes queriam,

63
Jorge Boronat

não rezavam, ou porque diziam que iriam à


Missa e não iam. Nesse sentido, às vezes cus-
tava-lhe compreender por que os outros não
faziam as coisas que ele fazia naturalmente,
porque não se considerava especial em nada.
“Se eu posso fazer isso”, pensava, “por que
ele não poderia?”.
Em suas notas, a luta foi descrita: “Tenho
que ser mais misericordioso com as lutas e
defeitos dos outros. Misericordioso como meu
Pai celestial o é comigo”. Durante os anos de
doença, aprendeu a entender melhor as difi-
culdades dos outros e melhorou muito na vir-
tude da paciência.
Enquanto tentava ser misericordioso com
os outros, era muito exigente consigo mesmo.
Em algumas ocasiões, expressou ao diretor
sua estranheza porque não lhe faziam cor-
reções, e perguntava-se se não seria porque
as pessoas sentiam pena dele. Pediu para ser
corrigido em “tudo e sempre”. Que não ficas-
sem cheios de dedos, pois tinha que ser santo e
não tinha tempo a perder. Sempre agradecia
muitíssimo as correções que recebia.

64
6
Apostolado

Desde o início da doença, seu quarto come-


çou a ser o mais popular no hospital. Pedro
decorou-o com um crucifixo, uma imagem
da Virgem e seu sorriso. Logo esse fluxo de
pessoas chamou a atenção das enfermeiras,
até que chegou o momento que se acostuma-
ram. O “quarto de Pedro” era conhecido em
todo o hospital.
Um dia, em setembro de 2015, um padre
foi levar-lhe a Comunhão, mas copiou errado
o nome da ala do hospital e acabou se per-
dendo. Por fim, decidiu perguntar a alguma
enfermeira, que lhe disse que o departa-
mento que estava procurando não existia.
Enquanto tentavam encontrar o quarto no

65
Jorge Boronat

computador, o enfermeiro perguntou pelo


nome do paciente.
- “Ah! Pedro? Porque não disse antes!”,
respondeu o enfermeiro. “Todos nós conhe-
cemos o Pedro. Ele está na outra parte do hos-
pital”. E direcionou-o até lá com um sorriso.
No pavilhão onde Pedro estava no Chris-
tie Hospital estavam também muitos outros
jovens pacientes com câncer, como ele. Em
pouco tempo já havia conhecido e falado
com a maioria deles. Como sempre havia
pessoas em seu quarto, às vezes pedia para
ficar a sós com um ou outro, ou que rezas-
sem enquanto ele falava com algum enfermo
em outro quarto.
Impressionados com seu sorriso e sereni-
dade, até mães e pais de jovens pacientes vie-
ram falar com ele e pedir conselhos. Em uma
ocasião, ao entrar na sala, alguém encontrou
Pedro dormindo, e outro jovem com câncer
sentado ao seu lado. Ao lhe perguntarem se
estava falando com Pedro, o jovem respon-
deu: “Não. Ele está dormindo. Eu venho vê-lo
por que me dá paz estar perto dele”.
Pedro tinha a porta aberta para todos. Para
ajudar a levantar os ânimos, às quartas-feiras

66
6 - Apostolado

havia um jantar com pizzas na sala de des-


canso em seu andar do Christie Hospital. Com
a permissão dos médicos, os doentes pode-
riam trazer amigos, comer pizza e assistir a
um filme juntos. Era uma maneira de irra-
diar um pouco de luz em um ambiente difí-
cil. Como resultado da quimioterapia, a pizza
parou de agradar depois de algumas sema-
nas. Mas ele sempre encorajou todos a virem
e se divertirem juntos, mesmo que em algum
momento ele tivesse que se retirar porque
não estava se sentindo bem.
O número de visitas crescia. Especialmente
de amigos. Amigos de todas as idades. Cren-
tes e descrentes. Padres e ateus convictos.
Crianças e idosos, muitas famílias, pacien-
tes, médicos e enfermeiros... Como disse seu
irmão Carlos, seu quarto parecia a cabana dos
Irmãos Marx no filme Uma Noite na Ópera:
“Fiquei surpreso que as enfermeiras não nos
jogassem na rua. Nunca deixou de me sur-
preender que, sofrendo intensa dor, ele ainda
continuasse a se interessar pelos problemas
dos outros e em como poderia ajudá-los”.
Se há uma virtude especial que todos reco-
nheceram em Pedro, era a virtude da ami-

67
Jorge Boronat

zade. “Quem tem um amigo tem um tesouro.


Não como o Gollum,16 mas um tesouro de
verdade”, escreveu Pedro no roteiro de uma
palestra que deu aos alunos de Greygarth.
Ele explicou: “Um bom amigo te conhece
por dentro e por fora. E vice-versa. E isso
só se consegue conversando e passando um
tempo juntos. Se não há amizade, não se
chega às coisas profundas na conversa. No
final, amizade, querer as pessoas, já é apos-
tolado. E enquanto achamos que ajudamos
nossos amigos, eles nos ajudam”. E escla-
receu: “Tenha cuidado! Não é que tenha-
mos amigos para fazer apostolado. Isso não
é amizade. Nós amamos nossos amigos... e
isso já é um apostolado”. Sabia-o por expe-
riência própria.
Os funcionários do hospital ficavam impres-
sionados com o número de padres e bispos que
vinham visitá-lo. Tinha um grande amor ao
sacerdócio. Rezou muito pelos padres, por sua
santidade e por sua fidelidade. Ficava triste ao

16 Gollum é um personagem fictício das obras de J. R.


R. Tolkien. Possuído pelo poder do Um Anel, torna-se
uma criatura miserável, disposta a tudo para recuperar
o seu tesouro.

68
6 - Apostolado

saber de padres que estavam muito solitários,


e rezava especialmente por eles. Comentou em
várias ocasiões que, se se recuperasse o sufi-
ciente, pediria ao Prelado para ir a Roma com
a intenção de se tornar um padre, se necessá-
rio. Até cogitou a possibilidade de pedir uma
dispensa para se ordenar antes de terminar
os estudos, se necessário, “porque não tenho
tempo a perder”.
Um dos bispos mencionou que visitar
Pedrinho era como visitar o Papa, porque
Pedro perguntava-lhes sobre o número de
seminaristas, sobre como fazê-los almas de
oração, para que fossem fiéis e santos, ou se
tinham pensado em como promover mais
vocações e encher o seminário. Sempre pro-
metia orações por essas intenções.
Em março de 2015, três meses após seu
diagnóstico, fez uma viagem a Londres para
ver novamente seus amigos da Universidade
e de Netherhall. Queria ter certeza de que,
mesmo que não estivesse mais em Londres,
seus amigos ainda estariam em contato com
alguém que os ajudaria a se aproximar de
Deus. Ele falou com muitos e fez de tudo
para ver todos aqueles que queriam vê-lo,

69
Jorge Boronat

que eram muitos. Em sua primeira noite em


Londres, esteve até altas horas conversando
com uns e outros, até que lhe pediram que
fosse para a cama.
No dia seguinte, às 06h55, já estava pronto
para fazer a oração com todos. Ao longo de
sua doença, sempre se esforçou para rezar e
assistir à Missa no centro do Opus Dei, com
os demais. Muitas vezes era o primeiro a che-
gar ao oratório, antes da oração da manhã,
mesmo que à noite não tivesse conseguido
dormir nem por alguns minutos, ou se tivesse
levantado vomitando. Seria necessário muito
mais para impedi-lo de se juntar aos outros
na oração do dia seguinte. E se lhe pergunta-
vam por que não havia ficado na cama, dizia:
“Depois que estive no hospital, percebi que
nem sempre terei a benção de poder rezar com
os outros diante do Santíssimo Sacramento ou
de assistir à Missa em minha própria casa”.
Havia pessoas que o consideravam um santo
e, para seu constrangimento, diziam isso na sua
frente. Pedro sempre reagia rapidamente, e
dizia que para ser santo era preciso muito mais.
Um dia, disse à mãe: “Não vou morrer ainda. Só
os bons morrem muito jovens”.

70
6 - Apostolado

Quando sua mãe lhe recordou essas pala-


vras, algumas semanas depois, na frente de
várias pessoas, Pedro corou e acrescentou:
“Ainda tenho muito tempo”. E era evidente
que não tinha a intenção de desperdiçar
um segundo.
Um caso especial foi o das enfermeiras. Pedro
aprendia seus nomes, perguntava-lhes sobre
suas famílias, e prometia-lhes orações por suas
preocupações. Como passava algumas tempora-
das hospitalizado e outras em casa, as enfermei-
ras muitas vezes trocavam de andar, ou não as
via durante muitos meses ou por até mais de um
ano. Mas ele ainda se lembrava de seus nomes e
das pessoas para quem lhe haviam pedido para
rezar. Havia enfermeiras que vinham de outros
andares para vê-lo porque, entre elas, encoraja-
vam-se umas às outras a visitarem aquele jovem
com um sorriso permanente.
Pedro não lhes dava trégua. Quando lhe
pediam para rezar por alguém, ele também
pedia orações por suas intenções. Pergunta-
va-lhes sobre a fé, sobre sua prática religiosa.
Animava às católicas não praticantes a vol-
tarem à Missa, à confissão. E quando volta-
vam a se ver, recordava-lhes.

71
Jorge Boronat

Em uma ocasião, uma enfermeira cató-


lica abriu-lhe o coração. Vivia uma situação
familiar difícil e não estava feliz. Pedro per-
guntou-lhe: “Você vai à Missa?”. Quando ela
respondeu que não estava mais indo, Pedro
disse-lhe: “Isso vai ajudá-la a ser mais feliz”.
Aquela mulher prometeu voltar a praticar
sua fé e cumpriu sua promessa.
Quando lhe pediam para rezar por
alguém, anotava o nome em seu celular.
Tinha uma lista mais longa que o cachecol
de uma girafa, e a lia de vez em quando em
sua oração para renovar suas intenções e
lembrar-se dos nomes.
Como sua doença durou três anos e resul-
tou em muitas estadias no hospital, acabou
conhecendo muito bem muitas das enfermei-
ras, e várias voltaram à prática religiosa gra-
ças às conversas e à alegria de Pedro. Alguma
se surpreendia ao ver que ele se lembrava de
seu nome e de sua família, ainda que tivesse
passado mais de um ano desde a última vez
que haviam se encontrado.
Um detalhe que nunca passou desperce-
bido por quem o acompanhava era sua deli-
cadeza em lidar com as médicas e enfermeiras

72
6 - Apostolado

mais jovens. Com elas, procurava um pouco


mais de distância e jamais se detinha a olhá-
-las. Com naturalidade, quando não estavam
falando com ele, desviava o olhar. Pedia a sua
mãe que lhes falasse da fé e da maravilha de
ter a Deus.
Tinha tentações contra a virtude da pureza,
como todo mundo. Há, entre suas anotações,
muitas batalhas, como esta: “Tentações con-
tra a pureza durante a noite e depois tam-
bém durante o dia. Agi bem. Estava cansado
e foi por isso que me custou mais. A guarda
da vista precisa melhorar. Tenho que colocar
meu coração em Deus com mais frequência”.
Outro dia, escrevia: “Controlar a ima-
ginação. Concentrar-me no hoje e agora.
Colocar a luta longe dos muros capitais da
fortaleza. Temperança”.

73
7
Fidelidade

Em junho de 2016, quando Pedro lutava


contra o câncer há um ano e meio, o diretor de
Greygarth mudou-se para Londres. Naquela resi-
dência universitária havia um conselho local17
bastante jovem, formado por um diretor, um
subdiretor e um secretário, junto com o padre
da residência. Aquela mudança gerou muitas
outras, e Greygarth precisava de um novo secre-
tário. Os diretores perguntaram a Pedro se ele
estaria disposto a ocupar o cargo. Aceitou sem
problemas: “Uma vez que se diz sim a Deus...
basta continuar dizendo sim”, explicava.

17 A estrutura de conselho nos centros do Opus Dei é


chamada de Conselho Local.

75
Jorge Boronat

Não é nada comum que um membro do


conselho local seja uma pessoa que não tenha
recebido os dois anos de formação inicial que
se dá no Opus Dei, mas, no caso de Pedro, a
necessidade fez a ocasião. Quando me deu
a notícia, disse: “Reze muito por Greygarth,
padre. As coisas devem estar muito ruins para
que eu tenha que ser o secretário”.
As coisas não estavam mal, e ainda menos
com ele no conselho local. Colocou-se a ser-
viço de todos, aprendendo rápido e cum-
prindo seu dever. Às vezes, quando voltava
do hospital após um ciclo de tratamento,
ficava muito fraco e o conselho local se reu-
nia em seu quarto enquanto ele, de sua cama,
tomava notas da reunião.
Para enfrentar essa nova fase, sabia que
precisava apertar a oração. Em suas notas,
apontava: “Superam-me os novos cargos
(cargas). As coisas vão ficando mais difíceis.
Tenho que rezar mais”.
Da mesma forma, ao ter que cuidar da
parte econômica, teve que aprender alguma
coisa de contabilidade. O Padre Andrew, que
havia se dedicado a isso antes de ser orde-
nado sacerdote, ajudou-lhe. Não era inco-

76
7 - Fidelidade

mum vê-lo fazendo as contas no caminho de


volta do hospital após longas estâncias lá ou
quando não estava totalmente bem. “As con-
tas não esperam as dores passarem”, comen-
tou uma vez.
Enquanto podia se permitir o esforço,
viam-lhe trabalhando no jardim de Grey-
garth ou fazendo pequenos consertos pela
casa, ou às vezes levando para um vizinho o
correio que haviam deixado por engano na
caixa de correio de Greygarth. Enquanto as
forças permitissem, ele procurava servir com
naturalidade e sem chamar a atenção.
Em agosto de 2016, passou um mês em
Glasgow. Dom Gonzalo González, um padre
de 85 anos, estava morrendo. Pedro pôde visi-
tá-lo várias vezes. Ele mesmo escreveu uma
carta na qual contava seu primeiro encontro:
“A primeira vez que fui vê-lo, entramos na
sala e o padre Gonzalo estava acordado, mas
olhava para o teto, parecia que não havia per-
cebido que tínhamos entrado. Jack e eu está-
vamos conversando e então me apresentou
ao Padre Gonzalo, que, quando ouviu meu
nome, olhou-me e com muito esforço per-
guntou: ‘Como você está?’. Isso me comoveu

77
Jorge Boronat

muito. Respondi que estava muito bem. Nós


nunca nos tínhamos visto, mas percebi que
ele tinha rezado muito por mim e que conti-
nuava rezando”.
A virtude da fidelidade, como a língua
materna, aprende-se ao ser exposto a ela. E
Pedro comentou o quanto foi marcante aquele
encontro com um padre fiel que morria mais
velho, desgastado, espremido como um limão.
Mas a fidelidade não é conquistada nesta
terra. É uma batalha que dura toda a vida, até o
último momento. Pedro era muito consciente
de seus erros e misérias. Em suas anotações,
especialmente após o exame de consciência,
refletia sua luta interior. É muito revelador
poder agora ler as notas que escrevia em seu
celular durante sua oração, durante o exame
de consciência e em outros momentos do dia.
Nessas notas, dirigia-se a Jesus ou a si
mesmo na segunda pessoa, como se falasse
consigo mesmo. Em janeiro de 2016 escre-
veu: “Deves ter ambição e trabalhar como se
tudo dependesse de ti. E então rezar, como
se dependesse apenas de Deus. E é isso. Hoje
aconteceu algo que não pudeste impedir, sen-
tes-te culpado e estás muito envergonhado.

78
7 - Fidelidade

Águas passadas. Agora, para frente! Traba-


lhar, estudar e fazer apostolado”.
Como é bela a luta do cristão quando ele
não desiste!
Muitas notas sugerem o nível de exigên-
cia a que se submetia. Logo escrevia em seu
celular: “Estás indo bem, mas poderias ir
muito melhor. Horário. Não perca tempo.
Reza mais, ama o Senhor. Ainda tens ver-
gonha de falar sobre Deus e Jesus na frente
das pessoas. Conheça mais tua Fé, fale com
os residentes de Greygarth, que não tenhas
medo... Confessa-te e começa de novo”.
Aparentemente tudo seguia seu curso nor-
mal. Interiormente estava a luta. No diário de
Greygarth de 8 de fevereiro de 2016 se faz refe-
rência a Pedro cuidando da casa, repassando
as contas do centro, jogando xadrez com Greg
e Nico, trabalhando no jardim. No entanto,
Pedro escreveu em seu celular naquele dia:
“Hoje não tenho vontade de fazer nada”. Mas
fez, com vontade ou sem ela!
Anotou seus propósitos para aquela qua-
resma em seu celular:
“Viver as normas do plano de vida.
Controlar a imaginação.

79
Jorge Boronat

Trabalhar/Estudar: Plano de estudo.


Apostolado”.
Pedro criava um ambiente afetuoso ao
seu redor. Tratava todos os residentes de
Greygarth com carinho, mas com os outros
membros do Opus Dei era espontaneamente
mais agradável.
Em inúmeras ocasiões, Pedro comentou
que oferecia sua vida pelas vocações: para
que Deus enviasse muitas, e para que fossem
fiéis aquelas que já existiam. Frequentemente
repetia a jaculatória: Serviam! (Servirei). Era
a oração de São Miguel Arcanjo que rebateu
a rebelião de Satanás, que não queria ser-
vir a Deus, dizendo: Non serviam! (Não ser-
virei). Era sua intenção servir a Deus como
Ele gostaria de ser servido. Alguns dias eram
mais difíceis para ele dizer isso. No dia ante-
rior a uma de suas internações, disse à mãe:
“Mamãe, ajude-me a dizer ‘Serviam!’“, e assim
fizeram os dois.

80
8
Bom humor

Durante a doença de Pedro, o ambiente


em Greygarth era muito descontraído. Um
dia, Inhaqui, um dos residentes, colocou suas
famosas calças verdes, e toda Greygarth per-
cebeu que ele exalava um cheiro forte de per-
fume. Aparentemente alguém, para brincar
com ele, deixou um purificador de ar em cima
de suas calças no armário, para que Inhaqui o
encontrasse lá. Mas todos viajaram no feriado
de Páscoa e esqueceram o assunto. Ao volta-
rem do feriado, as calças emanavam essên-
cia de perfume por onde passava. As piadas
duraram muitos dias na casa, porque todos
sabiam, pelo cheiro intenso que se desprendia
de suas roupas, se Inhaqui tinha ido ao ora-

81
Jorge Boronat

tório, para a sala de jantar, ou se estava pas-


sando, naquele momento, por um corredor.
Vários residentes foram acusados do
crime. A animosidade contra aquelas calças
verdes rendeu. Os réus tiveram que defen-
der sua inocência em um julgamento público
na tertúlia. O mistério levou várias sema-
nas para ser resolvido. Um dia, Pedro disse a
Inhaqui que suas calças ainda estavam chei-
rando, quase um mês depois do ocorrido.
Inhaqui percebeu naquele momento que
Pedro nunca havia se declarado inocente.
Vendo-se descoberto, Pedro começou a rir
alto, e toda Greygarth com ele.
Pedro tinha dado ao Padre Robert uma
garrafa de uísque anos antes. Sendo escocês,
o Padre Robert gostou muito dessa bebida
e ensinou Pedro a distinguir o bom uísque
dos ruins, e seus diferentes tipos. Logo Pedro
também começou a gostar de beber de vez
em quando. Um dia, alguns amigos vieram
vê-lo no hospital e trouxeram-lhe uma gar-
rafa. Conseguiram vários copos de plástico e
brindaram. Evidentemente, o hospital não é
o melhor lugar para beber uísque, e, ao ouvir
os passos de uma enfermeira que se aproxi-

82
8 - Bom humor

mava, Pedro deu a ordem para esconderem


a prova do crime.
Quando a enfermeira apareceu no limiar
da porta, ficou um pouco surpresa ao ver
aquela agitação. Todos estavam em forma-
ção, firmes como no exército, com as mãos
suspeitamente escondidas atrás das costas.
Pedro teve o tempo justo para passar seu copo
para outro, por trás de suas costas, enquanto
sorria para a enfermeira. Quando ela saiu,
Pedro lhes disse: “Vocês conseguirão que me
expulsem do hospital!”.
Em fevereiro, eles imprimiram em Grey-
garth um folheto para o retiro com uma foto
antiga de Pedro e seu irmão Javier, com as
bocas cobertas com fita adesiva. A foto havia
sido tirada um ano antes, como uma piada,
mas apareceu no folheto para lembrar que
era um retiro no qual era conveniente ficar
em silêncio. Pedro riu quando viu a foto e
comentou: “Se você quiser silêncio no retiro,
é melhor não levar meus irmãos”.
Seu quarto no hospital era muito concor-
rido, e os encontros que organizavam sempre
incluíam gargalhadas que podiam ser ouvi-
das dos corredores. Em uma ocasião, quando

83
Jorge Boronat

ele terminou seu segundo ciclo de quimiote-


rapia, alguns médicos vieram vê-lo na sala.
Entre outros dados, foi informado que em
uma semana havia perdido 5 kg. Pedro sorriu
e disse: “Bem, então essa dieta deve ser paten-
teada porque funciona maravilhosamente!”.
Um dos médicos não conseguia parar de rir,
enquanto o outro, surpreso, ficou admirado,
pois, apesar do sofrimento, mantinha seu
bom humor intacto.
Um dia, quatro amigos vieram de Londres,
de trem, para vê-lo. Chegaram tarde e ligaram
para saber se poderiam assistir à Missa com
ele. Pedro verificou as Missas da paróquia e
viu que chegariam à de meio-dia. Jack lhe per-
guntou: “Conseguirá ir à Missa com eles?”.
Pedro começou a apalpar o corpo, e com um
sorriso respondeu: “Vamos ver... Acho que
sim... ainda não estou morto!”.
Cozinhas hospitalares geralmente não
recebem estrelas Michelin.18 Embora nunca
tenha reclamado, após tantos dias com a

18 Trata-se de uma classificação mundial que visa ava-


liar a qualidade do atendimento e dos pratos servidos
em restaurantes. — [NT]

84
8 - Bom humor

mesma comida, já lhe dava vontade de comer


as toalhas. Seus pais e outros visitantes tenta-
vam trazer-lhe algum “suplemento alimentar”.
De modo particular, sua boca enchia d`água
com sushi. Às vezes, aqueles que o visitavam
traziam sushi ou sanduíches da loja de baixo.
Nesta loja faziam uma oferta especial a partir
das 4 da tarde para poder vender a comida que
já não poderiam vender no dia seguinte.
Do seu quarto, por telefone, Pedro diri-
gia a operação com rigor militar. Mandava
alguém para a loja para descobrir quais eram
as ofertas do dia. Quando o preço do sushi
baixava de £1,80 ou se gostava dos sanduí-
ches que estavam em oferta, aprovava a com-
pra: “Luz verde! Repito: luz verde! Transação
aprovada. Operação Sushi is a go.19 Opera-
ção Ativada!”.
Se o preço do sushi não havia abaixado ou
os preços dos sanduíches que lhe ofereciam
não o convenciam, comunicava suas instru-
ções claramente: “Abortar! Retirada! Para
todas as unidades: Retirada!”.

19 “...is a go”: expressão utilizada como “avançar”,


“ativar”. — [NT]

85
Jorge Boronat

Um dia comemoravam um aniversário


em Greygarth e as pessoas faziam números
cômicos, cantavam ou contavam uma piada.
Em certo momento, seu irmão Carlos fazia
um número cômico e estava se empolgando
demais. Enquanto todos riam com ele, Pedro
lhe disse: “Carlos. Já tínhamos falado para
que parasse de fazer isso”.
Carlos, um pouco confuso, perguntou:
“Parar de fazer o quê?”. “De me fazer passar
vergonha”, respondeu Pedro: “Todo mundo
sabe que você é meu irmão!”.
E mais tarde, ao se lembrar do ocorrido,
explicava: “O problema do Carlos é que ele
não tem vergonha... Eu tenho toda a vergo-
nha dele e a minha juntas”.
Sua alegria era evidente mesmo quando
ninguém estava olhando para ele. Às vezes
era possível ouvi-lo cantarolando uma música
no chuveiro, enquanto tomava banho no hos-
pital ou enquanto caminhava de um lado para
o outro no corredor de Greygarth.
Em fevereiro de 2017 houve uma palestra
para os residentes de Greygarth sobre como
levar adiante qualquer projeto. Entre os estu-
dantes havia um que há muito tempo pedia

86
8 - Bom humor

orações para encontrar uma namorada. Pedro


não perdeu a oportunidade e perguntou ao
palestrante com seriedade: “Há pessoas que
levam anos tentando encontrar uma namo-
rada. Com que idade você acha que devem
jogar a toalha?”.
Quando, pela dor, permanecia sentado,
sempre expressava sua pena por não poder
ajudar. Um dia, o padre disse-lhe que estava
ajudando sim. Ajudava com suas orações
e suas dores. “És o coração que bate pelos
outros”, disse o padre. Ao que Pedro respon-
deu: “Pois este coração é bastante ‘arrítmico’“.
Muitas vezes, quando os amigos de Pedro
o visitavam, acabavam jogando cartas ou
xadrez com ele. Naquele ambiente descon-
traído, Pedro tinha conversas muito bem-
-humoradas e se divertia muito. Além disso,
aproveitava para continuar formando as pes-
soas. Em uma daquelas partidas de cartas,
decidiu arriscar tudo em uma jogada... e per-
deu. Com um sorriso, acrescentou: “Com
as cartas eu arrisco, porque perder não tem
consequências. Com a vida não arrisco, por-
que se perder, perco tudo. Não posso jogá-la:
estou sempre com Deus, do lado vencedor”.

87
Jorge Boronat

Assim, com grande naturalidade, apro-


veitava as visitas, fazia com que as pessoas
se sentissem bem em sua companhia e, ao
mesmo tempo, ajudava-as a idealizarem coi-
sas grandes para suas vidas. Aqueles que o
visitavam não tinham a impressão de ir ver
um doente, mas de visitar um amigo, que
naquele momento estava doente.
Um mistério que envolve espanhóis que
vivem no exterior — e que intriga a muitos
— é o magnetismo irresistível que emana de
uma omelete de batata (com cebola, aí deixo
o debate) ou algumas fatias de jamón Ser-
rano de qualidade. Pedro sempre agrade-
cia quando lhe traziam essas iguarias para o
hospital, esquivando-se de todos os controles
sanitários. Mas indistintamente, ele sempre
oferecia aos outros e só experimentava um
pouco. Apesar de ter muitas dores a ofere-
cer, também queria fazer sacrifícios que não
lhe haviam sido dados, mas que podia esco-
lher livremente. Como vemos, a doença não
reduziu sua lista de mortificações.
A alegria, como qualquer virtude, é pro-
vada quando é difícil estar alegre, como a for-
taleza é provada quando as coisas se tornam

88
8 - Bom humor

difíceis, ou a sinceridade, quando dizer a ver-


dade nos coloca em apuros. Não surpreende
que o sofrimento, a dor e a morte ponham à
prova a alegria. Portanto, até o final, quando
as dores já eram muito intensas e lhe era difí-
cil sorrir, comentou: “Minha batalha agora é
morrer com alegria”.
Em mais de uma ocasião, vendo-o um
pouco triste, perguntavam-lhe o motivo:
“Dói-me não poder viver uma vida normal.
Dói-me que me incomode o riso dos outros.
Eu não era assim antes”.
No início de 2017, todos os recursos tera-
pêuticos foram esgotados. O câncer voltou,
novamente se espalhava, e os médicos dis-
seram que ele só teria meses de vida. Era um
balde de água fria. Até essa data, Pedro cos-
tumava dizer que ainda tinha esperanças de
controlar o tumor. Daquele dia em diante,
tudo mudou. Comentava àqueles que esta-
vam com ele que agora se travava “uma bata-
lha mental contra o câncer”, e que não podia
desmoronar, pois muitos dependiam dele. Foi
uma luta muito difícil não perder a alegria e
continuar até o fim sem desistir, sem perder
o otimismo e o bom humor. Mas agora o oti-

89
Jorge Boronat

mismo era diferente: era a luta para morrer


santo. “Não se trata mais de somente ir para
o céu, mas de levar muitos para o céu. E isso
exige muito mais”.
Poucos dias depois de lhe informarem que
tinha somente meses de vida, em fevereiro de
2017, encontrou um grupo de cinco padres
que tinham vindo para uma palestra. Pedro
os conhecia e ficou por um tempo conver-
sando com eles. Logo surgiu o assunto de seu
funeral (não se sabe muito bem como) e Pedro
começou a brincar sobre o que ele esperava
dos padres que ali estivessem. Padre John
sugeriu que na ocasião se cantasse o Kum-
baya.20 Pedro achou graça e pediu aos padres
que cantassem naquele momento, “para ver
como era”. Todos acabaram rolando de rir.
Quando já tinham se controlado um pouco,
um padre perguntou-lhe como ele tinha rece-
bido a notícia. Respondeu que havia recebido
muito melhor do que a família. Explicou que

20 O autor faz referência à canção Kumbaya, my lord,


universalmente famosa, tendo sido transformada em
um ícone cultural. A palavra kumbaya, oriunda de um
dialeto negro e utilizado por tribos norte-americanas,
representa um chamado a Deus, um pedido de ajuda.

90
8 - Bom humor

quando, no dia anterior, o médico lhe disse


que o câncer havia voltado e que tinha menos
de um ano de vida, ele sorrira porque sua mãe
estava com ele. “É sempre mais difícil para a
família”, comentou.
O que mais surpreendeu aqueles sacerdo-
tes é que Pedro contava tudo com um grande
sorriso e muita serenidade, assegurando-se
de que todos aproveitavam aquela conversa
e que sua presença não aguava a festa. Muito
pelo contrário. Aqueles padres não se esque-
ceram da emoção daquele encontro.
Entre as intenções frequentes pelas quais
Pedro rezava e oferecia sacrifícios estavam as
vocações sacerdotais, as vocações de nume-
rárias auxiliares21 e, em geral, a fidelidade de
todas as almas à própria vocação.

21 Colaboram em todas as atividades da Prelazia.


Como os numerários(as), vivem o celibato, a disponibili-
dade para os trabalhos apostólicos, com a peculiaridade
da sua dedicação profissional à administração doméstica
dos apostolados do Opus Dei.

91
9
Dar-se
aos outros

“Dar-se sinceramente aos outros é de


tamanha eficácia que Deus recompensa com
uma humildade cheia de alegria”, escreveu
São Josemaria. Pedro foi uma prova irrefu-
tável dessa verdade.
Tinha a habilidade de sempre direcionar
a atenção aos outros. Era ele quem pergun-
tava como as coisas estavam indo a quem
vinha lhe visitar, e quando lhe pediam para
rezar por alguma intenção, ele se lembrava do
que lhe diziam. Em uma ocasião, uma enfer-
meira veio ajudá-lo, porque ele havia vomi-
tado. Apesar de estar se sentindo muito mal,

93
Jorge Boronat

ele a reconheceu imediatamente e perguntou


sobre os exames do filho que a preocupavam
tanto na conversa anterior.
Em certa ocasião, Luke, um amigo protes-
tante de Pedro, trouxe um amigo para Grey-
garth, também protestante, para conhecê-lo.
Na tertúlia após a refeição, Pedro comen-
tou, com naturalidade, algumas conversas
que teve com enfermeiras e médicos no
hospital. Falava a todos de Deus, de Jesus,
do sentido da vida, do poder da oração...
As histórias engatavam umas nas outras
e Pedro falou por quase uma hora. Fasci-
nado pelo que ouvira, no final, o amigo de
Luke comentava: “Conheci um cristão com
fogo na alma”.
É importante perceber que, o que às vezes
parece inato, nada mais é do que prática.
Nadal não é um excelente tenista somente por
ter sido sorteado na loteria genética, como se
não precisasse praticar horas e horas todos os
dias. No final das contas, talento é prática. E
santidade também. Há quem pense que, para
Pedro, falar de Deus era algo natural; que ser
apostólico é um dom que alguns têm e outros
não. E que Pedro o tinha.

94
9 - Dar-se aos outros

Por isso, alguém poderia ficar surpreso ao


encontrar tantas notas dele nas quais pedia a
Deus para superar o respeito humano: “Não
tenha vergonha de falar de Deus”, escrevia em
um retiro. Aí se vê que também nisso tinha
que se vencer. Ao começar novamente sua
faculdade em Manchester, escrevia em suas
notas: “Tens que conhecer um monte de pes-
soas boas na universidade e convidá-las para
retiros e meditações. Amá-las muito. Traba-
lhar duro”. E assim o fez.
Isso era o que as pessoas percebiam exter-
namente. Mas Pedro continuava pedindo em
sua oração ao Senhor para perder a vergonha
de falar de Deus com os outros. Ao final de
um curso de formação, escrevia em sua ora-
ção: “Senhor, quero terminar este curso mais
perto de ti, com afã apostólico e acabar com
os respeitos humanos. Dê-me a graça de fazer
o que tenho que fazer em todo o momento”.
A santidade consiste, portanto, em não
parar de lutar, por amor. Às vezes, Pedro
teve que lutar para deixar de centrar-se em
suas próprias coisas e dedicar mais tempo às
pessoas, à família ou aos outros residentes
de Greygarth. Entre suas notas estão muitas

95
Jorge Boronat

como estas: “Tens que lutar no ESTUDO,


MORTIFICAÇÃO, no APOSTOLADO”. “Cui-
dar mais o tempo da noite, silêncio para rezar
à noite. Ir logo para a cama”. “Soberba: não
me irritar com as pessoas”. “Ajudar as pes-
soas a serem santas: tenho que corrigi-las”.
“Horário. Horário. Horário”.
Também levava seus amigos como tema
de sua oração, para pensar como ajudá-los
mais. E a melhor maneira de ajudar os outros é
sempre começar por si mesmo. Um dia escre-
veu em sua oração: “Deves dar exemplo. Não
podes exigir dos outros o que não exiges de
ti mesmo”. Isso se aplicava aos seus amigos
e aos outros membros da Obra: “Levar meus
irmãos à oração. Um por um”, escreveu. Tam-
bém se exigia a exigir: “Corrigir os outros
quando vejo coisas em que podem melho-
rar. Não desviar o olhar!”.
Outro aspecto com o qual teve que lutar
era o de ser mais natural. Logo percebeu
que as pessoas o tratavam com deferência;
quando estava doente, os outros davam-lhe
mais atenção e sentia-se mais observado. Isso
o levou, às vezes, a se sentir um pouco coibido
na frente de pessoas que conhecia menos. Por

96
9 - Dar-se aos outros

isso, escreveu um dia no exame: “Aja natu-


ralmente em casa. Seja você mesmo”.
Ao mesmo tempo, percebia que, às vezes,
havia aqueles que o tratavam como se fosse
uma personalidade e não se atreviam a se
aproximar ou falar com ele no início. No
começo de uma dessas convivências em que
apareciam pessoas novas, escrevia em sua
agenda: “Falar com os novos”.
Uma das primeiras pessoas que conheceu
na Universidade de Manchester, ao recomeçar
os estudos em outubro de 2015, foi Ugo. Ele
era francês e era sua primeira semana longe
de casa. Pedro percebeu que era muito taci-
turno e começou a falar com ele. Ugo expli-
cou que sentia muita falta da família. Certo
dia, já estavam conversando por um tempo,
dando voltas ao campus, quando Ugo lhe disse
que acreditava que a vida não tinha nenhum
sentido e que acabava em nada. Pedro per-
guntou se acreditava em Deus, e o outro
lhe disse que não. “É por isso que você está
triste”, respondeu.
Mais tarde, Pedro pensou se não havia sido
muito contundente e, assim, começou a rezar
pelo colega. No dia seguinte, bem cedo, Ugo

97
Jorge Boronat

ligou para perguntar se podiam se ver, por-


que queria continuar conversando “sobre o
sentido da vida e tudo mais”.
Perceber que estava perdendo algumas
capacidades o fez sofrer de muitas manei-
ras. Um dia, sua mãe o levou de carro para a
universidade. Ao sair do carro viu um grupo
de amigos e se apressou para alcançá-los
andando com as muletas. A dor era intensa
e o grupo de amigos não diminuiu o passo,
mas Pedro não parou. Com grande esforço
conseguiu alcançá-los, e entrou na univer-
sidade com eles. Quando, ao terminar, saiu
de lá, entrou no carro onde sua mãe o espe-
rava e caiu em prantos. Já não conseguia mais
acompanhar o passo dos outros.
Oferecer-se para ajudar alguém era algo
quase espontâneo a Pedro. Em uma oca-
sião, foi resolver um assunto perto do cen-
tro de Manchester, com seu carro adaptado.
Quando estava prestes a voltar, uma senhora
pediu-lhe ajuda para carregar as sacolas
de compras. Embora Pedro estivesse man-
cando, a senhora parecia não notar nada.
Vendo que a distância ia ser considerável
e ele também não podia andar carregando

98
9 - Dar-se aos outros

aquelas sacolas, ofereceu-se para levá-la de


carro, e assim o fez.
Depois de tê-la deixado em casa, no cami-
nho de volta, um ciclista, levantando o coto-
velo muito alto, bateu levemente em seu carro.
Mais uma vez, Pedro veio em socorro. Por
fim, naquele dia acabou se atrasando para
comer em Greygarth e explicou suas aven-
turas com naturalidade.
Seu apostolado não conhecia fronteiras e
aproveitava qualquer oportunidade. Em 21
de dezembro de 2016, vários jogadores do
Manchester United foram visitar o hospital
onde Pedro estava. Entre os jogadores esta-
vam Juan Mata, Ander Herrera e David de
Gea. Como eram espanhóis, Pedro os guiava
pelo piso. Com a ajuda de sua mãe, não per-
deu a oportunidade de falar sobre o Opus
Dei, Greygarth e a importância das ativida-
des formativas ali oferecidas.
Pedro estava disposto a tudo para aten-
der os outros. Em uma ocasião, uma enfer-
meira foi ao quarto para lhe dar sua dose de
morfina pelas fortes dores que sentia. Como
Pedro estava com um grupo de amigos, pediu-
-lhe para que voltasse mais tarde. Ela voltou

99
Jorge Boronat

mais tarde, mas outros amigos haviam che-


gado e a conversa foi a mesma. Finalmente,
Pedro ficou sozinho com a pessoa que lhe
acompanhava, quando a enfermeira entrou
novamente. Para calcular a dose, perguntou:
“De zero a dez, quanto dói?”.
Pedro respondeu: “8”. A enfermeira levou
as mãos à cabeça e saiu para pegar o remé-
dio. A pessoa que o acompanhava lhe pergun-
tou: “Mas por que você não pediu o remédio
antes?”. Com muita naturalidade, Pedro res-
pondeu: “Porque com esse remédio eu durmo
e já não consigo mais atender as pessoas”.
Todos amavam Pedro porque ele amava
todos. Em outra ocasião, com muitas dores
e com muita dificuldade para aguentar ficar
sentado no carro, quis mudar o caminho em
uma viagem para passar pelo povoado de um
dos pacientes com câncer que conheceu no
hospital. Assim, na próxima vez que se encon-
trassem, poderia falar com ele sobre isso.
Tinha muita vontade de estar com as
pessoas. Pouco antes de sua morte, conhe-
ceu Stephen. Depois de conversarem por
um tempo, Stephen comentou que gostaria
de tê-lo conhecido muito melhor. Pedro de

100
9 - Dar-se aos outros

repente ficou triste, como se percebesse que


lhe acabava o tempo para fazer amigos, e
comentou: “Eu também”. Um ano depois, sem
dúvida fruto das orações de Pedro, Stephen
entrava no seminário para se tornar padre.
São John Henry Newman dizia que a carac-
terística própria de um cavalheiro é ter seus
olhos “sempre voltados para os outros, e sua
maior preocupação é permitir que todos se
sintam em casa”.22 Pedro encaixava-se per-
feitamente nessa definição.
Um dia, antes de uma de suas internações,
quis levar alguns amigos para comer pizza
com seus pais. Como um deles, Javier, era da
Guatemala, Pedro recomendou uma pizza
bem picante, pois pensava que ele gostaria.
Mas em pouco tempo percebeu que Javier
estava cuspindo fogo pela boca: aquela pizza
era muito picante para ele. Discretamente,
Pedro sugeriu aos outros que deixassem Javier
experimentar suas pizzas, para que ele não

22 “The true gentleman… has his eyes on all his com-


pany… his great concern being to make everyone at
their ease and at home”, St John Henry Newman, The
Idea of a University, 1852, Discourse VIII.

101
Jorge Boronat

precisasse comer inteira a que pediu, e nem


ficasse com fome.
Às vezes, depois de longas noites sem dor-
mir, tratamentos muito agressivos, dores,
náuseas e cansaço, Pedro ficava na cama, com
os olhos fechados, falando o mínimo possí-
vel. No entanto, quando um médico ou uma
enfermeira entrava, tirava forças da fraqueza
e começava a falar com eles naturalmente.
Essa mudança nunca deixou de surpreender
aqueles que o acompanhavam.
Pedro já estava muito doente quando um
de seus amigos no Christie Hospital morreu.
Ainda assim, pediu que o levassem ao veló-
rio. Foram várias horas de condução, mas ele
queria ir porque sabia que a família do amigo
não praticava nenhuma religião, e queria
que tivesse ali ao menos alguma pessoa que
rezasse por ele.
Era evidente que Pedro amava as pessoas
e gostava delas. Em uma ocasião, já muito
doente, a tertúlia em seu quarto já havia
durado muito tempo. Então alguém fez men-
ção de se levantar e mandar todos para a cama
dormir, mas Pedro disse: “Vamos alongar isso
um pouco mais, estou gostando muito”.

102
9 - Dar-se aos outros

Em fevereiro de 2017 Pedro já sabia que


tinha menos de um ano de vida. Um dia, disse
a um dos que viviam com ele: “É inútil perder
tempo calculando o quanto me resta. Se vejo
que estou mal, posso ficar na cama e esperar
que a morte venha me buscar. Mas há almas
para salvar e Deus sabe quanto tempo me dá”.

103
10
A Colina
do Calvário

Somado a seus sofrimentos físicos, Pedro


oferecia muito mais sofrimentos morais
para os quais, como dizia, “não há morfina”.
Em primeiro lugar, sofria por seus pais e
irmãos. Era muito comum Pedro dizer aos
mais próximos: “Não se preocupe comigo.
Apenas reze pelos meus pais”. Com pala-
vras muito semelhantes, fazia este mesmo
pedido a muitos.
Percebia que sua doença havia hipotecado
o tempo e preocupações de toda a família.
Pedro via seus pais e irmãos chorarem em
várias ocasiões. Era consciente de que nin-

105
Jorge Boronat

guém sofre totalmente sozinho. Como Jesus


no Gólgota, amante e amado sofrem juntos.
Aqueles que amam acompanham o amado
até o cume e contemplam em agonia o cal-
vário de quem amam.
Sua família sofria ao vê-lo sofrer, e Pedro
sofria ao vê-los sofrer. Mas se Deus não pou-
pou sua Mãe dessa amargura, também não
pouparia seus filhos. Seus pais e irmãos assis-
tiram a cada momento dessa batalha da pri-
meira fileira. A vocação de sua família era a
da Virgem Santíssima, a de São João e a de
Madalena. E algumas vezes era mais a de São
Dimas, porque ver alguém amado na cruz
também nos crucifica.
Seus pais bem que gostariam de carregar
aquela cruz. Mas a Cruz de Pedro não podia
ser carregada por mais ninguém. Eles tinham
a deles. Afinal, nem mesmo a Virgem San-
tíssima poderia, por mais que quisesse, tirar
sequer uma minúscula parte do sofrimento
de seu Filho. Ela não estava lá para carregar
a Cruz de Jesus, mas para levar a sua própria
(a de mãe) ao lado de seu Filho. O sofrimento
não se compartilha. É individual. Mas sofrer
com o outro é sempre um consolo.

106
10 - A Colina do Calvário

Permitam-me uma reflexão que comentei


com Pedro em uma ocasião e que pode aju-
dar aqueles que sofrem: Stabat Mater dolorosa,
iuxta Crucem, diz o hino litúrgico (Jo 19,25).
A Mãe estava junto à Cruz. Mas não na Cruz.
Ela tinha a dela. Os cravos que perfuravam as
mãos de Jesus também perfuravam o coração
da Mãe. Os insultos que feriam Jesus também
feriam a sua Mãe. Os espinhos, o frio, a vergo-
nha... tudo afetava os dois separadamente. A
lança perfurou o Coração da Mãe mais do que
o Sagrado Coração do Filho, pois o Coração
de Jesus já não batia mais, mas o de Maria sim.
O quarto de Pedro era como um Calvário,
e seus pais, como “A Mãe” ao pé da Cruz,
com sua própria cruz. E seus irmãos (tam-
bém os do Opus Dei), como São João e Santa
Maria Madalena.
O Mistério do Sofrimento é assim. Cada
um sobe ao Calvário carregando sua própria
cruz. Mas é uma bênção ir acompanhado pelos
outros, que levam cada um a sua. Um dos
maiores consolos do sofrimento é que Cristo
não é “indiferente”. Na verdade, é muito “dife-
rente”. Jesus chora. Esse é o versículo mais
curto do Evangelho: “Jesus chorou” (Jo 11,35).

107
Jorge Boronat

A passagem da morte de Lázaro é em si


um mistério. Dizem a Jesus que seu amigo
está morrendo e Ele nem se move. Somente
quando o amigo morre, Jesus parte ao seu
encontro. Ele mesmo diz a seus discípulos
que Lázaro morreu. Chegando em Betânia,
Marta sai para encontrá-lo: “Marta disse a
Jesus: ‘Senhor, se estivesses aqui, meu irmão
não teria morrido”. E tinha razão.
Mas Jesus sabe o que vai fazer. Imediata-
mente vem a irmã, Maria, e lhe agride com
a mesma pergunta: Por que fizestes isto?
“Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não
teria morrido”. E então acontece: “Jesus, ven-
do-a chorando, e também os judeus que a
acompanhavam, estremeceu em espírito e
se comoveu, e disse: ‘Onde o colocaram?
“Então lhe disseram: ‘Senhor, vem e verás.’
Jesus chorou”.
Jesus não chorou por Lázaro (ele sabia que
o ressuscitaria). Jesus não chorou quando foi
condenado à morte. Jesus não chorou durante
a Paixão. Não chora por si mesmo. Jesus cho-
rou quando viu Maria chorar.
O Coração do Criador estremece com as
lágrimas de seus filhos e filhas. Um amigo me

108
10 - A Colina do Calvário

disse: “Eu só poderia acreditar em um Deus


que chora. Se não fosse capaz de chorar não
seria tão Deus”. Compreendo.
Nunca derramamos nossas lágrimas sozi-
nhos. Deus chora com seus filhos e filhas.
Conforta tanto saber que Deus pode derra-
mar lágrimas conosco como saber que Deus
pode derramar sangue por nós.
Deus não nos tira as lágrimas, mas acres-
centa as suas.
Jesus chorou quando viu sua mãe ao pé
da Cruz? Eu sei que sim. O Senhor não se
importava com seu próprio sofrimento. Mas
ver sua mãe sofrendo foi uma dor maior do
que todos os açoites que lhe poderiam dar.
O sofrimento nobre é, na maioria das vezes,
em carne alheia. Quem mais sofreu, Pedro ou
seus pais? Todos sofreram 100%. Cada um o
seu. Mesmo Calvário; cruzes diferentes.
Falando nisso, Pedro me dizia: “Morrer
é muito mais difícil do que eu pensava. O
que mais me faz sofrer não é o câncer, mas
as pessoas”.
Com seus irmãos, agia como o irmão mais
velho que era. Tendo que atender tantas pes-
soas que vinham vê-lo, cuidava para não

109
Jorge Boronat

esquecer dos seus. Entre suas notas pode-se


ler coisas assim: “Tens que passar mais tempo
com Javi [seu irmão mais novo] e falar com
ele sobre a escola e coisas de que goste. Liga
para o Carlos [o outro irmão] para falar com
ele também. Cuida do papai”. Perguntava aos
seus irmãos sobre os estudos, provas, aulas e
seus interesses. Pedia-lhes para que ajudas-
sem mais e não dessem problemas, para que
cuidassem dos pais, para lhes facilitarem o
descanso, para se oferecerem para substituí-
-los, e que, assim, pudessem se desconectar
de tempos em tempos.
Mas o coração de um pai e de uma mãe
nunca se desconecta. Curiosamente, quando
Jesus disse que não há maridos e esposas no
Céu, não mudou o fato de que, por toda a
eternidade, continuará a haver mães e pais,
filhos e filhas, irmãos e irmãs. Isso não muda.

110
11
Fidelidade
no Calvário

É possível se incorporar ao Opus Dei como


numerário a partir dos 18 anos, pelo período
de um ano. Todo dia 19 de março, festa de São
José, se desejarem, renovam sua entrega por
mais um ano. Isso se repete por pelo menos
cinco anos. A partir desse período pode-se
pedir sua incorporação definitiva no Opus
Dei, fazendo a “fidelidade”. No dia em que se
faz a fidelidade, recebe-se um anel.
Caberia a Pedro fazer a fidelidade aos 23
anos. Ciente de que morreria antes de cumpri-
-los, Pedro decidiu fazer a fidelidade antes. De
Roma, o Prelado concedeu-lhe uma dispensa

111
Jorge Boronat

para fazê-lo, e em 12 de março de 2017, aos 21


anos, ele fazia a fidelidade em seu quarto de
hospital. A cerimônia geralmente é feita em um
oratório ou igreja. Naquele dia, o padre trou-
xe-lhe a Santa Comunhão e Pedro pôde fazer
suas promessas diante de Jesus Sacramentado.
Era mais uma prova de amor por sua vocação.
Com o tempo, as dores físicas eram eviden-
tes. Na verdade, quando foi transferido para
a Unidade de Controle da Dor, levou várias
semanas para acalmar suas dores. Muitos tra-
tamentos foram tentados, mas parecia que
nenhum resolvia o problema. Como último
recurso, decidiram implantar uma bomba
de morfina que seria subministrada quase
constantemente. Passado pouco tempo, as
lágrimas de Pedro começaram a cair. Todos
pensaram que chorava de dor e acharam que
a bomba não tinha tido efeito. “Não. Não é
isso”, respondeu. “É que é a primeira vez em
muitos meses que não sinto dor”.
Mais tarde, o médico confessou aos pais
que o tratamento da dor de Pedro tinha sido
um dos casos mais difíceis de sua carreira.
Outra coisa que às vezes o fazia sofrer era a
atenção que recebia. Pedro ficava incomodado

112
11 - Fidelidade no Calvário

de incomodar. Preferia tentar fazer sozinho


tudo o que pudesse. Mas às vezes se frus-
trava com suas limitações e as lágrimas lhe
vinham aos olhos. Era muito difícil para ele
perceber que cada vez poderia fazer menos e
teria que pedir mais. Ao ir perdendo algumas
capacidades em suas últimas semanas, cus-
tou-lhe muito ter que aceitar ajuda até para
as necessidades mais básicas. Mas aprendeu
a ser humilde e a obedecer nisso também.
Apesar dos sofrimentos que tinha, Pedro
não afrouxou em seu plano de mortificações e
sacrifícios. Qualquer um poderia ter pensado:
“Pela situação em que se encontra, por que ele
vai procurar novas mortificações?”. Bem, para
ser santo. Ele escreveu em sua agenda: “Ofe-
recer mais mortificações. Pelos meus pecados
e pelos mortos”. Pedro continuava fazendo
mortificações como se estivesse saudável.
Durante sua doença, continuou tomando
banho com água fria, abstendo-se de carne
às sextas-feiras, mortificando-se nas refei-
ções, no descanso, no uso de telas...
Entre as coisas que ele se esforçava para
oferecer, estava o que São Josemaria chamava
de o minuto heroico da noite e da manhã: ir

113
Jorge Boronat

para a cama em um horário fixo e levantar-


-se em um horário fixo. Muitas de suas ano-
tações repetem o propósito de ir logo para
a cama, após o exame de consciência. Este
ponto, em teoria tão simples, custou-lhe espe-
cialmente. Lá, já sentado em sua cama, ele
poderia se entreter respondendo mensagens,
lendo os e-mails que lhe chegavam ou acom-
panhando as notícias. Mas nunca parou de
lutar nisso, porque sabia que muitas coisas
dependiam disso.
Um dia escreveu: “Lutar mais para fazer
bem as normas. Para isso, ir logo para a cama”.
Bem sabia ele que o soldado cansado pode
lutar pouco.
Em abril de 2016 fez seu retiro espiritual.
Há muitas anotações que foram guardadas.
No segundo dia, escrevia: “A morte é vida.
Tenho que amar todas as almas. Não sabemos
quando vamos morrer, mas há muito o que
fazer”. Usava assim a morte como estímulo:
“Pense na morte como levantar voo: Deus
ficaria feliz se tivesse que me julgar hoje?”.
Conscientemente mortificava a tempe-
rança, não apenas nas refeições, mas especial-
mente quando usava o computador e o iPad,

114
11 - Fidelidade no Calvário

assistindo vídeos no YouTube (especialmente


sobre o conflito no Oriente Médio e algumas
notícias políticas), distrações ao estudar ou
trabalhar, ou quando fazia oração. Tomava
notas muitas vezes em seu exame, como mor-
tificação interna, o controle da imaginação,
especialmente quando estava na cama espe-
rando para dormir.
“Seguir a Cristo significa negar-se a si
mesmo”, escreveu um dia: “Não busques o
caminho fácil. Mas não se preocupe: nem
sempre será tão difícil”.
A virtude da humildade é um dom e é con-
quista. Muitas vezes Pedro era ajudado por
sua mãe ou seu pai. Outras vezes por Patrí-
cio, que era médico. Em uma ocasião, Patrício
pediu a Javier para que o ajudasse a limpar
Pedro antes de sair do banheiro, porque que-
ria que aprendesse e, assim, pudesse dar um
descanso à mãe deles. Vendo sua mãe ali,
Pedro irritou-se: “Mas por que minha mãe
que está aí fora não faz isso?”.
Javier respondeu que o médico que-
ria que outros também aprendessem, para
quando sua mãe não estivesse presente.
Quando Pedro ouviu isso, baixou a cabeça.

115
Jorge Boronat

Ficou em silêncio por alguns segundos, res-


pirou fundo e explicou a Javier o que tinha
que fazer. Nunca mais voltou a queixar-se
quando o ajudavam. Mas era muito visível
o quanto custava para ele ser tão vulnerá-
vel, incapaz até mesmo de se limpar depois
de ir ao banheiro.
Em sua oração, muitas vezes pedia a vir-
tude da humildade. Na maioria das vezes ele
escrevia simplesmente a palavra “Humildade”
em seu exame, ou fazia referência à falta de
humildade: “Ser mais humilde. Fico irritado
porque sou soberbo”. E anotava suas irrita-
ções no exame: “Estou ficando mais irritado
com as pessoas: irritei-me com as crianças
espanholas e com meus irmãos”.
Pedia a humildade para ter a coragem
de corrigir os outros numerários, para que
os comentários dos outros não o afetassem,
fossem eles bons ou maus. “Sem ficar desa-
nimado: mais humildade!”, escrevia outro
dia. A alma que luta marca vitórias e derro-
tas: “Critiquei a forma de agir de uma pes-
soa. Mau perdedor no xadrez”, apontou outro
dia em seu exame para se recordar ao prepa-
rar a confissão.

116
11 - Fidelidade no Calvário

Em outra ocasião, irritou-se com uma pes-


soa que estava trabalhando em uma tese de
doutorado. Quando veio visitá-lo um dia,
Pedro recordou-lhe que tinha que escrever
sua tese e não ficar perdendo tempo fazendo-
-lhe companhia. Mortificava-o ver-se como
um fardo para os outros. Desde aquele dia,
quem vinha de Greygarth para acompanhá-
-lo não esquecia de trazer um livro.
Quando a dor não o deixava dormir, ao
acordar, sentia muito mais. Estas foram as
lutas mais difíceis daquela “batalha mental”, e
às vezes tinha ataques de ansiedade. Isso não
havia acontecido com ele antes da doença, e só
acontecia ocasionalmente nos últimos meses.
Quando lhe afetava bastante, ia para o quarto
por alguns minutos para descansar e voltava
mais tarde como se nada tivesse acontecido.
O inimigo nunca desiste. Até o último
momento tenta arrancar as almas de Deus.
Entre as batalhas que se luta à medida que o
fim se aproxima está a fé. Fé de que Deus está
ali. Fé que o que acontece faz algum sentido.
O inimigo nunca dá uma alma por perdida até
chegar ao fim, e sabe como atormentar suas
vítimas. Às vezes tudo corria bem. Quando,

117
Jorge Boronat

em outubro de 2016, a dor estava mais contro-


lada, escrevia durante a oração: “Não tenho
nenhuma prova de fé que me custe. A vida é
fácil”. Isso duraria algumas semanas, porque
logo viria o inimigo para a batalha.
Até o final de sua doença, Pedro teve difi-
culdade para dormir, e naquela época tinha
tentações, algumas fortes, contra a esperança:
“E se eu não for para o Céu?”, comentava às
vezes com aqueles que confiava mais. Em uma
dessas noites acordou Andy, que estava dor-
mindo a seu lado, e disse: “Eu me pergunto
o que fez Montse Grases23 quando percebeu
que estava morrendo”. É comum que isso
aconteça quando a morte se aproxima, sendo
uma oportunidade de se abandonar com con-
fiança na misericórdia divina. Afinal, o céu é
sempre um presente.
Em outras ocasiões, sem disfarces, vinha à
meia-noite o inimigo com tentações contra a
santa pureza. Em relação a isso, anotava em

23 Montse Grases foi uma numerária do Opus Dei,


diagnosticada com Sarcoma de Ewing e que faleceu com
fama de santidade aos 17 anos (1959). A Causa de cano-
nização foi iniciada em Barcelona em 1962. — [NT]

118
11 - Fidelidade no Calvário

seu exame: “Acudir à Virgem. Levantar-me


quando a batalha é difícil”.
Também era motivo de sofrimento perce-
ber que, com a dor, voltava a sua impaciência
com os outros, e doía-lhe porque se tornava
cada vez mais difícil sorrir. Também era difí-
cil fisicamente, porque no último mês teve
feridas na boca que doíam quando sorria.
Alguém comentou um dia com Pedro que
ele sempre parecia alegre. Pedro corrigiu-o
rapidamente e disse-lhe que não, que aquilo
era porque o via com bons olhos. Explicou-
-lhe que havia momentos em que lhe cus-
tava muito manter-se alegre, mas sabia que
era sua batalha pessoal e que os outros não
tinham por que sofrer com isso.
Também se chateava quando acabava dor-
mindo durante a oração ou na ação de gra-
ças após a Comunhão; ou quando, já em suas
últimas semanas, adormecia enquanto falava
com alguém. Sofria porque, com a medica-
ção, não conseguia rezar bem nem prestar
atenção em Deus e nos outros.
O centro de seu plano de vida seguia sendo
a Eucaristia. Evidentemente, houve muitos
dias em que não lhe foi possível assistir à

119
Jorge Boronat

Santa Missa ou fazer sua oração diante de


um Sacrário. No entanto, conseguiu receber
a Comunhão quase sempre. Às vezes, por
causa da náusea, não conseguia. Para poder
assistir à Missa, ou o horário de Greygarth era
modificado, ou se celebrava em seu quarto.
Quando não era possível, a comunhão lhe
era trazida por um padre. Pedro nunca dei-
xou de agradecer a todos pelo esforço que
faziam para que assistisse à Missa ou rece-
besse a Comunhão.
Desde que se habituou a visitar a Jesus no
sacrário do Colégio de Mallorca, esforçava-
-se por este detalhe todos os dias. Mais tarde,
quando já morava com o Hóspede Divino, na
mesma casa, tentava não se acostumar com
isso e ia ao oratório muitas vezes. “Que não
me acostume”, dizia um dia à pessoa que lhe
acompanhava, “a ter Deus em casa”.
Em agosto de 2016, conversando com
seu diretor espiritual, decidiram que por um
tempo Pedro se dedicaria a fazer mais visi-
tas ao Santíssimo Sacramento no oratório.
Ao estar fisicamente limitado, Pedro notou
que tinha reduzido o número de visitas. Na
semana seguinte, fazendo um balanço, ano-

120
11 - Fidelidade no Calvário

tava: “Fiz muitas mais visitas ao Santíssimo


Sacramento esta semana”. Santidade é lutar
por amor. Nada além disso.
A última vez que conseguiu ir até o ora-
tório, teve que fazer um enorme esforço,
em meio a muitas dores, e com a ajuda de
vários. Quis ver o Senhor, “para retornar a
visita”, uma vez que Ele vinha a seu quarto
todos os dias.
O fato de que a Missa fosse o centro de
sua vida espiritual se transmitia também na
maneira como ele encorajava todos a parti-
cipar. Quando já estava muito doente, e sua
mãe queria ficar com ele o maior tempo pos-
sível, Pedro lhe pedia para que fosse à Missa
e lhe sugeria que não voltasse até que tivesse
terminado sua ação de graças.
Quando então só conseguia receber a
Comunhão fora da Missa, pedia-a diaria-
mente e a recebia com grande devoção.
Mesmo quando não conseguia falar por causa
das feridas que a quimioterapia produzia
em sua boca, sempre respondia às orações
da administração da Comunhão. E quando
já não conseguia mais engolir bem, recebia
uma pequena parte da Hóstia Consagrada,

121
Jorge Boronat

ou mesmo algumas gotas do Vinho Consa-


grado (chamado de Sanguis).
Um dia, o Padre Sean trouxe-lhe a comu-
nhão, mas não encontrou uma mesa digna que
servisse como um altar onde a teca poderia
ser deixada (um recipiente de prata contendo
uma Forma Sagrada para levar aos doen-
tes). O padre decidiu colocá-lo no peito de
Pedro, que estava deitado na cama. Pedro se
emocionou muito e lhe falhou a voz quando
o Padre Sean explicou que ele era o melhor
altar naquele quarto.
Às vezes era difícil confessar-se com fre-
quência. Embora pretendesse ir para a con-
fissão semanalmente, às vezes se esquecia.
Em uma de suas notas, escreveu: “Devo ir
ao Senhor para me curar. Para curar minha
alma. Tenho que especificar um dia por
semana para confissão. Faz parte do meu
plano de vida”. E outro dia escreveu: “Prepa-
rar melhor a confissão. Confessar-me todos
os sábados”.
Como os dias eram muito caóticos, algu-
mas normas do plano de vida eram deixadas
para mais tarde. Às vezes viam-lhe lendo o
evangelho após o exame. Ou anotava que

122
11 - Fidelidade no Calvário

tinha esquecido de rezar o angelus ou meditar


os mistérios do rosário. Falhava. Mas jamais
deixou de tentar cumprir seu plano de vida.
Nos últimos meses, sabia que durante o
rosário, a leitura do evangelho ou a oração
sentiria um sono enorme. Mas sempre ten-
tava. Não se rendia. Um dia, quando estava
com várias pessoas no quarto e era a hora
de fazer seu tempo de oração, disse-lhes sor-
rindo: “Venham. Vamos fazer um ‘desafio’ de
oração”. Foi realmente um desafio rezar nessa
situação. Muitas vezes se lê em suas anota-
ções sobre o exame da consciência: “Prestar
mais atenção na oração”.
Lutou por cada uma das práticas diárias
de piedade. Entre elas, por exemplo, estavam
as Preces. Elas consistem em uma compo-
sição de São Josemaria com orações e tex-
tos da Sagrada Escritura e da liturgia e são
rezadas em latim por todos os membros do
Opus Dei. Um dia, na Quaresma, escreveu:
“As Preces. Quaresma é um momento de ora-
ção. Deveria tentar rezar melhor as preces.
Elas me unem a todos os membros do Opus
Dei no mundo. Serviam! Nisso consiste toda
a minha vocação”.

123
Jorge Boronat

De sua oração pessoal há poucas anotações.


Às vezes, tomava notas pessoais que mais
tarde serviam para dar os círculos aos estu-
dantes. Em um daqueles dias escreveu: “Parece
que ninguém sabia quem era Jesus. Embora
tenha cumprido todas as profecias do Messias,
filho de Davi, de Belém. Temos o privilégio de
conhecer Jesus e o que Ele fez por nós. Temos a
obrigação de dizer aos nossos amigos que Ele é
o Filho de Deus, que veio morrer por nós. Mui-
tos sabem, mas não entendem”.
Quando a doença evoluiu, seu plano de
vida ia se adaptando à situação. A oração
acabou dividida em várias partes, a leitura de
um livro espiritual lhe pesava muito, e eram
bastantes os dias em que não conseguia visi-
tar Jesus no Sacrário. Quando expressou sua
preocupação com isso, o padre explicou que
o plano de vida era um meio, não um fim. O
objetivo é ser uma alma contemplativa, falar
com Deus o tempo todo. Pode-se estar unido
a Deus fazendo oração mental ou simples-
mente indo até o Calvário com Jesus e dei-
xando-se acompanhar por Ele. “Nesse caso,
meu plano de vida é 24 horas por dia”, res-
pondeu. E assim era.

124
11 - Fidelidade no Calvário

Sua mãe percebeu que quando Pedro


estava mal, não contava a ninguém. Um dia,
ela protestou e disse-lhe que se não estivesse
bem, deveria dizer. Tinha que deixá-la saber...
e Deus também. Pedro sorriu para ela e disse:
“Fique tranquila, não paro de falar com Ele
em nenhum momento”.
Algo que fazia Pedro sofrer era não poder
ver os frutos apostólicos de tudo aquilo. Mui-
tas vezes, para encorajá-lo, as pessoas lhe
diziam como seu sacrifício era frutífero. Con-
tavam-lhe de almas de um lugar ou de outro
que se aproximavam de Deus. Ele sorria,
mas dizia àqueles com quem tinha mais con-
fiança: “Sim. Tudo isso é muito bom. Mas eu
não vejo nada”.
Talvez Deus tenha decidido mantê-lo por
fora de tudo para que não lhe faltasse humil-
dade, porque, na verdade, centenas de almas
se aproximaram de Deus graças à sua oração
e ao seu exemplo.
Às vezes, quando alguém lhe dizia que seu
sofrimento traria uma primavera de vocações,
ficava ainda mais frustrado, porque nunca
veria todo aquele jardim que, com fé, con-
fiava que Deus mandaria mais tarde. “Sim.

125
Jorge Boronat

Certamente virá”, dizia ele com resignação,


“quando eu já não estiver. Como Moisés, vou
perder todas as coisas boas”.
Algumas vocações jovens começaram a
chegar. Um dia, enquanto mostrava seu aquá-
rio para Peter, um dos diretores passou. Pedro
disse que queria falar com ele. Quando Peter
saiu, Pedro caiu em prantos dizendo: “Eu não
o verei. Tudo vai acontecer quando eu me for”.
A verdade é que Deus permitiu que ele
visse alguns desses frutos, mas o inimigo não
lhe dava trégua. Não esqueçamos que o desâ-
nimo é a maior ferida do inimigo. Às vezes,
esperava muito mais tempo ou ficava impa-
ciente com as almas que não se decidiam.
Um dia, seu irmão Javier, com lágrimas
nos olhos, disse-lhe que não era justo que
fosse ele quem tivesse que passar por isso.
Por que Deus pagava sua generosidade com
tanto sofrimento e uma morte precoce? Pedro,
compreendendo a dor do irmão, abraçou-o
e disse: “Depois de tudo o que vi nesses três
anos, depois de tantas conversões e tendo
aproximado tantos de Deus, eu passaria por
tudo isso novamente sem pensar duas vezes.
Vale a pena!”.

126
11 - Fidelidade no Calvário

Quando recebia visitas, esforçava-se para


prestar atenção, ouvir, animar e sorrir. Mas
tudo isso lhe suponha tanto esforço que,
quando voltava a ficar somente com seus
pais, irmãos ou os membros da Obra, ador-
mecia. Com eles podia descansar. Para eles,
abria seu coração, neles se apoiava e deles
recebia consolo.
Sofria e chorava. Chorava às vezes pelo
sofrimento físico, em silêncio. Outras vezes
chorava por causa da escuridão que sen-
tia, pelas despedidas, porque se acabava o
tempo que tinha para estar com as pessoas
que amava, porque via sofrendo aqueles que
estavam com ele. Chorava. Mas logo, com
serenidade, buscava deixar tudo nas mãos
de Deus, uma vez e outra, em alguns dias
dezenas de vezes. E depois se dedicava com
toda a alma àqueles que vinham vê-lo sem
que estes notassem seu sofrimento interior.
Algumas semanas antes de morrer, Javier
o acompanhava à noite ao seu lado. À meia-
-noite pediu ajuda para ir ao banheiro. Nes-
ses momentos, Pedro estava bem desperto e
conseguia falar um pouco mais. Com muito
esforço conseguiu endireitar-se. Enquanto

127
Jorge Boronat

tomava fôlego disse: “Até quando terei que


seguir com tudo isso?”. Javier disse-lhe que
até que Deus quisesse e tentou consolá-lo,
recordando-lhe que todos estavam muito gra-
tos por ainda estar com eles. Pedro ficou em
silêncio e logo foi para a cama calmamente.
Como se pode ver, sua serenidade não era
fruto de não ter sofrimentos ou não perce-
ber sua situação real. Sua paz vinha de um
abandono consciente nas mãos de Deus, que
tinha que renovar constantemente.

128
12
Fiel até
a morte

Em agosto de 2017, conseguiu fazer seu


curso anual na Holanda com um grupo de
jovens numerários de vários países diferen-
tes. Lá ele teve a oportunidade de ver pes-
soalmente o prelado do Opus Dei pela última
vez. Em sua ânsia de seguir melhorando,
continuava anotando os propósitos no celu-
lar. No dia seguinte ao início do curso anual,
escrevia em sua oração: “Põe uma ordem no
teu dia. Aprenda o nome de todos. Fale com
cada um deles. Humildade. Correções frater-
nas, faça isso por eles. Pense no apostolado
do próximo curso”.

129
Jorge Boronat

Devido às dores, teve que voltar para Man-


chester dois dias antes do previsto. Tinha uma
perna muito inchada, e já era difícil se mover.
Precisava de ajuda para ir ao banheiro, levan-
tar-se e vestir-se.
Foi preparado um quarto em Greygarth,
de mais fácil acesso e grande o suficiente
para abrigar todos os equipamentos médicos
que ele precisava. Seus pais e irmãos vinham
vê-lo todos os dias.
A dor estava ficando cada vez mais intensa.
Sua perna direita inchou e já não era possí-
vel apoiar peso sobre ela. O tumor começou
a comprimir outros órgãos internos e o des-
conforto se multiplicou. Em outubro, diag-
nosticaram-no com metástases nos pulmões.
Em outono de 2017, Pedro já estava na
reta final. Os médicos já haviam esgotado
todos os recursos possíveis e, a partir daí,
só administrariam tratamentos paliativos.
Como sua morte já era uma questão de
alguns meses, perguntaram-lhe se preferia
morrer no hospital ou em casa. Ele pediu
para ir para casa, mas, para surpresa dos
médicos, explicou que sua casa não era a
casa de seus pais, mas Greygarth. Os pro-

130
12 - Fiel até a morte

fissionais de saúde não entenderam por que


queria morrer em uma residência estudan-
til, quando seus pais moravam a 15 minu-
tos de distância. Mas foram seus próprios
pais que o apoiaram na decisão e manifes-
taram concordância.
Eles, ainda que também fossem da Obra,
ofereceram-lhe a possibilidade de morrer na
casa deles. Seria menos agitação para aque-
les que viviam em Greygarth, com visitas
diárias de médicos, enfermeiros, famílias e
amigos... Afinal, seu pai era médico e, além
disso: quem poderia cuidar melhor de uma
pessoa doente do que sua própria mãe?
Mas Pedro disse-lhe que sua casa e família
eram o Opus Dei: “Pai, mãe...meus irmãos pre-
cisam de mim e eu preciso dos meus irmãos”.
A partir daí, a despedida começou.
Como Pedro amava sem reservas e era
amado tanto, dizer-lhe adeus foi muito difí-
cil para todos. Quando já sabíamos que não
o veríamos mais, muitos de nós fomos vê-lo,
e ele quis que fôssemos passando pelo seu
quarto individualmente, para que pudesse
conversar com cada um, pessoalmente, pela
última vez.

131
Jorge Boronat

Recebeu milhares de visitas antes de mor-


rer. Houve dias em que mais de cem pessoas
vinham vê-lo e dizer-lhe adeus. Em um des-
ses dias, ficou bastante chateado ao descobrir
que algumas pessoas tinham ido embora sem
poder lhe dizer adeus porque, com o uso de
morfina e noites sem dormir, Pedro já estava
dormindo quando vieram. Por isso, pediu
que lhe acordassem sempre e não permitis-
sem que ninguém fosse embora sem vê-lo,
ao menos por um minuto.
Javier, que estava voltando para a Guate-
mala, disse-lhe adeus no dia 31 de dezembro.
Encontraram-no dormindo e o acordaram,
como já havia pedido. Assim que abriu os
olhos, seu irmão disse: “Pedro, estou indo
embora”. Ele sorriu e ambos choraram, em
um longo abraço. Pedro disse-lhe: “Perdoe-
-me. Perdoe-me porque te dei muito traba-
lho... teve que me ajudar em tantas coisas”.
Surpreso, Javier desculpou-se por não ter
sabido como ajudá-lo mais e melhor. Depois,
Pedro agradeceu-lhe por ter morado em Grey-
garth naqueles meses e ter estado ali com eles.
Este episódio repetiu-se inúmeras vezes com
muitos de nós, de diversas maneiras.

132
12 - Fiel até a morte

A dor começou a ser constante e aguda,


suas noites longas e sua urgência por se
preparar bem, mais urgente ainda. Dizia ao
sacerdote que quando as dores eram mais
intensas, geralmente no meio da noite, repe-
tia os nomes daqueles por quem lhe haviam
pedido orações.
Também dizia que se considerava um pri-
vilegiado por poder se preparar para morrer,
algo que poucos tinham a oportunidade, e
por isso oferecia seus sofrimentos àqueles
que morriam sem estarem preparados.
Conseguir acalmar a dor era uma odisseia,
mas Pedro continuava sorrindo o máximo
que podia e recebendo quem quisesse vê-lo.
Quando não estava adormecido pelo efeito
da medicação e das noites em claro, falava
normalmente e continuava a ter detalhes
com todos. Por exemplo, guardava uma gar-
rafa de uísque para o Padre Robert, sabendo
o quanto ele gostava, no caso de ele ir vê-lo.
Nem a dor o fez perder o senso de humor.
Conversando com o Padre Andrew sobre seu
funeral, discutiram a linguagem que deve-
riam usar. Ele comentou que muitos espa-
nhóis certamente viriam e que a maioria não

133
Jorge Boronat

entenderia bem o inglês. Foi então que suge-


riu com um sorriso que seria melhor o fune-
ral ser em inglês com legendas em espanhol.
Nos últimos meses de 2017, de forma
intermitente, Pedro ficou internado no hos-
pital por alguns dias para receber tratamen-
tos. Em um desses dias, seu irmão Carlos
pediu-lhe para rezar por um amigo que dese-
java que se confessasse, pois não o fazia há
muito tempo. Pedro assegurou-lhe que reza-
ria por ele e pediu-lhe para apresentá-lo.
Carlos levou o amigo ao quarto de Pedro
e, após cinco minutos de conversa, o rapaz
disse que queria se confessar.
Pedro estava bem consciente de que estava
morrendo e que a partir daí faria muitas coisas
pela última vez. No domingo, 19 de novem-
bro, comemoraram o aniversário do pai. Mui-
tos membros da família vieram da Espanha
para a ocasião, com a intenção de ver Pedro.
Em certo momento, cercado por todos, Pedro
não conseguiu conter a emoção e começou
a chorar. Ele sabia que era a última vez que
celebrava o aniversário do pai na Terra.
No início de dezembro, Pedro deixou o hos-
pital e voltou para Greygarth. Lá era acompa-

134
12 - Fiel até a morte

nhado todas as horas, de dia e de noite. Seus


pais também estavam lá durante o dia. Com
sua cadeira de rodas, ainda podia sair para
comer de vez em quando com a família ou
amigos, e aproveitava muito esses momen-
tos. E, quando sua saúde permitia, comia com
os residentes na sala de jantar e ia para a ter-
túlia com todos.
Todas as manhãs, duas enfermeiras vinham
visitá-lo. No primeiro dia, coincidiu que as
duas eram católicas. Ficaram muito impres-
sionadas, afinal, visitavam um paciente que
queria morrer em uma residência universi-
tária, e isso era bastante difícil de entender.
A mãe de Pedro apresentou Greygarth às
duas enfermeiras. Primeiro levou-as para ver
o oratório e explicou tudo o que podia sobre a
residência e por que Pedro queria estar lá. Fica-
ram tão impressionadas que a notícia começou
a se espalhar pelo hospital. Muitas enfermeiras
que vieram vê-lo estavam convencidas de que
viam “algo surpreendente que nunca tinham
visto antes”, segundo elas mesmas contavam.
Às vezes, vinham médicos e enfermeiras
fora do horário de trabalho, como a médica
chefe, para ajudarem da forma que fosse pre-

135
Jorge Boronat

ciso. Em algumas ocasiões, vinham do hospi-


tal até quatro enfermeiras; uma quantidade
um tanto desproporcional, se não fosse expli-
cada pela vontade que tinham de ver aquele
lugar e visitar um enfermo que havia se tor-
nado como que um ímã para elas.
No dia 19 de dezembro, Pedro foi diagnos-
ticado com uma infecção e retornou ao hospi-
tal. Lá, colocaram-no no oxigênio. Na manhã
seguinte, em certo momento, teve dificuldade
para respirar, virou-se para Andy e seu irmão
Carlos e disse, como se estivesse torcendo:
“Falta pouco”. Sorriu para eles, e acrescen-
tou: “Obrigado por estarem aqui... mas nada
de ficarem sentimentais agora, hein?”.
Como já dito, Pedro, particularmente, não
gostava de manifestações sentimentais de
afeto. Mesmo estando fraco, ainda tentava se
desviar dos beijos do pai ou retirava a mão
quando sua mãe tentava colocá-la entre as
suas. Nesse sentido, tinha o caráter próprio
de Yorkshire, onde cresceu.
O câncer já havia invadido quase todo o
pulmão, e Pedro precisava de oxigênio logo
que as crises respiratórias começavam. Assim
que se recuperava um pouco, voltava a aten-

136
12 - Fiel até a morte

der os visitantes com tanto carinho que mui-


tos não notavam sua dificuldade de respirar.
Em muitas ocasiões havia oito, dez ou doze
pessoas no quarto do hospital.
Três dias depois, em 22 de dezembro, Pedro
despediu-se dos pacientes e médicos do hos-
pital e voltou para Greygarth, para morrer
em casa. Foi recebido pelos residentes com
muita alegria, e teve uma breve tertúlia com
eles. Pedro até se viu com forças para assistir
a um filme e comer pizza com todos (embora
já não conseguisse prová-las).
O dia 23 de dezembro foi a última vez que
muitos de nós o vimos. Pedro recebia, desde
então, a cada um a sós, e conversava indivi-
dualmente. Tom, um numerário jovem, tam-
bém falou com ele. Em certo momento, Pedro
perguntou-lhe se estava feliz com sua voca-
ção. Tom disse que sim, e com simplicidade
fez a mesma pergunta a Pedro. “Nunca fui
tão feliz”, respondeu com um sorriso.
Pedro repetiu em inúmeras ocasiões
daqueles dias que os últimos três anos tinham
sido os mais felizes de sua vida.
Visto que os residentes viajavam para as
férias de Natal, foi possível oferecer quartos

137
Jorge Boronat

para que os irmãos de Pedro pudessem ficar


perto dele a qualquer hora. Seus pais tam-
bém passavam o dia inteiro em Greygarth
e muitas vezes a noite também. A adminis-
tração24 de Greygarth fez de tudo para que
não lhes faltasse nada. Chegaram ao ponto
de ajudá-los com as compras de Natal para
que pudessem ficar mais tempo com Pedro.
Depois do oratório, o quarto de Pedro se
tornou o cômodo mais importante e movimen-
tado da casa. A noite de Natal foi passada lá,
cantando canções natalinas. No dia seguinte,
25 de dezembro, todos acompanharam a bên-
ção urbi et orbi do Papa Francisco do quarto
de Pedro, onde também o Padre Joe celebrou a
Missa de Natal com Pedro e sua família.
Naquela tarde, Papai Noel foi distribuir
presentes no quarto, onde todos estavam

24 A Administração nos centros do Opus Dei se ocupa


da gestão doméstica que atende os serviços de manu-
tenção, limpeza, cozinha e vestuário. Nessas grandes
residências, a Administração é um centro anexo — inde-
pendente — com locais adequados ao trabalho que se
realiza, e com uma zona de moradia para as pessoas
responsáveis. Este trabalho possibilita todo o trabalho
apostólico do Opus Dei, e se converte assim, como dizia
São Josemaria, no apostolado dos apostolados.

138
12 - Fiel até a morte

como sardinhas enlatadas. Comemoraram


em grande estilo. Também tiveram tempo
de assistir ao discurso da Rainha e acabaram
assistindo a um filme.
Recebia a comunhão diariamente. Se não
pudesse ir à Santa Missa, o padre trazia-lhe a
comunhão na teca. A mesa do quarto servia
como altar. Deixavam ali a Eucaristia, com
velas ao lado, e Pedro fazia a visita ao Santís-
simo Sacramento, depois fazia dez minutos
de adoração, e finalmente recebia a comu-
nhão das mãos do padre.
Na véspera do Ano Novo, celebraram
novamente em seu quarto após a Missa. À
meia-noite, aproveitaram para enviar um
vídeo para o Prelado de Opus Dei por meio de
Dom Mariano Fazio, no qual Pedro desejou-
-lhe um feliz ano novo. Não demorou muito
para que uma mensagem do Padre retornasse,
enviando sua bênção a Pedro e aos que esta-
vam com ele.
Os dias seguintes foram mais tranquilos.
As visitas continuavam. Uma delas foi a de
Michael, um podólogo que aproveitou a visita
para cortar-lhe as unhas dos pés e enfaixar
uma unha que sangrava. Como a perna de

139
Jorge Boronat

Pedro era agora gigante, Michael começou


a desenrolar o curativo. Pouco a pouco, para
apertá-lo, teve que esticar mais os braços, dar
voltas ao redor da cama, dando passos para
trás. Pedro divertiu-se, e quando contava
a outros, comentava com graça que ficara
preocupado porque lhe parecia que o pobre
Michael se perdera nos corredores com o fim
do curativo na mão.
No primeiro dia do ano de 2018, Pedro
teve a alegria de receber o Senhor na custó-
dia. Tiveram um tempo de adoração em seu
quarto, a bênção, e depois recebeu a comu-
nhão. “Não há melhor maneira de começar
o ano”, disse ele com um sorriso.
Alguns dias ainda conseguia descer para
comer com todos na sala de jantar. As visitas
continuavam. Entre elas, uma enfermeira veio
visitá-lo, não como enfermeira, mas como
amiga da família. Naquele momento, explicou
a vários que ali estavam que, quando Pedro
lhe disse que queria ir para Greygarth para
morrer, ela tentou dissuadi-lo dizendo que ele
deveria ir para a casa de seus pais, onde eles
iriam cuidar muito melhor dele. Mas agora
que tinha visto Greygarth e o que estava

140
12 - Fiel até a morte

acontecendo entre aquelas paredes, percebia


o quão errada estava. E concluiu: “Como eu
gostaria de fazer parte desta família!”.
No dia 9 de janeiro, Pedro já passava a
maior parte do dia inconsciente. De vez em
quando, abria os olhos e pedia algo. Naquele
dia, o Padre Gerry celebrou a Missa em seu
quarto e foi possível dar-lhe para comungar
algumas gotas do conteúdo do Cálice. Como
era o aniversário de São Josemaria, trouxe-
ram-lhe a relíquia do santo para beijá-la.
Na quinta-feira, 11 de janeiro, Pedro mal se
mexia ou abria os olhos. Em certo momento,
sua mãe se aproximou para posicionar melhor
o oxigênio. Abrindo os olhos e com grande
esforço, Pedro colocou os braços em volta
dela e a abraçou pela última vez. Daquele
momento em diante, não se moveu mais.
No dia seguinte, receberam uma ligação
de Dom Carlos Nannei, um padre argentino
amigo do Papa Francisco. O Papa havia-lhe
pedido para que ligasse para Pedro e sua
família para dizer-lhes que se lembrava da
visita que lhe fizeram, que rezava por eles e
agradecia a Pedro por suas orações, já que
de várias maneiras Pedro lhe fazia chegar as

141
Jorge Boronat

mensagens de que oferecia seus sofrimentos


para o Santo Padre. O Papa Francisco enviou-
-lhe sua bênção apostólica.
No 12 de janeiro, as visitas continuavam.
Muitos vinham rezar, mas Pedro já não abria
os olhos. Durante todo o dia ele só conse-
guiu comer uma tangerina e alguns goles de
água da mão de sua mãe. Sua avó Rosario e
alguns de seus tios chegaram em Manches-
ter naquela noite.
Chegando ao seu quarto já na madrugada
de sábado, 13 de janeiro, havia uma multi-
dão rezando com muita paz. Assim que ter-
minaram o rosário, vários começaram a rezar
a Salve Rainha em espanhol. Exatamente
quando pronunciavam as palavras: “Esses
vossos olhos misericordiosos a nós volvei”,
às 01h28, Pedro entregou sua alma.
Como explicou um tio dele: “Se tivessem
me oferecido a opção de presenciar um evento
nesta terra, este seria o que eu escolheria”.

142
13
Do céu

Padre Michael celebrou a primeira Missa


ali mesmo, no quarto, ainda lotado de pessoas.
Entre as numerárias do Opus Dei em
Manchester estava uma enfermeira. Com
sua ajuda, várias mulheres da Obra se
encarregaram, juntamente com a mãe de
Pedro, de preparar o corpo para deixá-lo
no oratório. Pedro já era patrimônio da
Obra inteira.
Centenas de pessoas foram rezar e vários
padres celebraram a Santa Missa em frente
aos seus restos mortais no oratório de Grey-
garth. Logo as mensagens começaram a che-
gar de todo o mundo. Entre os primeiros, a
do Padre, que escreveu de Roma:

143
Jorge Boronat

“Acabei de receber a notícia de que Pedri-


nho foi para o Céu esta manhã e ofereço
sufrágios muito unido a todos. A Virgem San-
tíssima, a quem tanto amava — deu-me uma
bela imagem quando estive em Londres —
levou-o pela mão num dia de sábado. Agra-
decemos-lhe por este gesto maternal, que
serve de consolo no meio da dor.
No verão passado, tive a oportunidade de
conversar por um tempo com Pedrinho na
Holanda. Foi um rapaz especialmente maduro
para sua idade, e o Senhor lhe deu inúmeras
graças às quais soube responder generosa-
mente: assim, enfrentou a doença com alegria,
dando àqueles que o acompanhavam sorri-
sos, visão sobrenatural, sentido apostólico
da dor e da vida... Presentes que ele recebeu
de Deus e que ele compartilhou com todos.
Agora, do céu, verá com total clareza o que
semeou, e o fruto de sua entrega projetado no
tempo, em Manchester e no mundo inteiro.
Transmita aos meus filhos em Greygarth
meu profundo agradecimento pela forma
como cuidaram dele ao longo dos anos, jun-
tamente com seus pais e irmãos. Deu-me
grande alegria falar com Esperanza e Pedro

144
13 - Do céu

por videoconferência, de Londres; uno-me


à sua dor e rezo para que seja transformada
em serenidade e paz, pensando na felicidade
plena que seu filho desfruta.
Envio-vos minha bênção mais carinhosa,
com a maravilhosa memória da minha recente
estadia entre vocês.
Vosso Padre,
Fernando”

Chegaram, literalmente, milhares de men-


sagens de pessoas que tiveram suas vidas
mudadas por Pedro. Pessoas doentes que ele
tinha ajudado, amigos, colegas da escola e da
universidade, padres, bispos e arcebispos.
Alguns tiveram contato por um curto
espaço de tempo. Como aqueles três meses
que passou no Imperial College. Um de seus
colegas dizia: “Pedro foi a pessoa mais feliz
que conheci na minha vida”. Outro dizia que
Pedro tinha sido uma inspiração, mesmo
antes de sua doença, e muito mais durante
os últimos anos. Outro dizia que Pedro tinha
sido a pessoa mais atenciosa, fiel, compreen-
siva e positiva que já conhecera na vida. E
eram centenas os testemunhos deste estilo.

145
Jorge Boronat

Praticamente todas as mensagens faziam


referência ao sorriso e à alegria de Pedro, seu
bom humor e seus comentários sempre encora-
jadores e positivos. Um menino, que se declarava
agnóstico, alegava que tivera várias conversas
com Pedro sobre a existência de Deus. Quando
soube da notícia da morte de Pedro, comentava:
“Comecei a falar com ele, com a certeza de que
estava me ouvindo. Creio que isso seja rezar.
Hoje comecei a rezar novamente”.
Vários falaram de sua capacidade de fazer
as pessoas se sentirem importantes, pois pres-
tava atenção em tudo o que lhe diziam, e de
sua capacidade de ouvir e entender. “Pedro
sempre me fez sentir especial. Não impor-
tava quantas pessoas estivessem por perto.
Quando falava comigo, falava como se esti-
vesse sozinho comigo”.
Havia testemunhos de pessoas que afir-
mavam que, graças a Pedro, haviam voltado
à prática religiosa. Um paciente com câncer
que o conheceu no hospital falou ao padre de
Greygarth que queria ser batizado. A maio-
ria das mensagens presumiam que Pedro já
estava no céu e que, em vez de rezarem por
ele, já lhe pediam favores.

146
13 - Do céu

Em 23 de janeiro, o funeral ocorreu na


igreja Holy Name, em Manchester. Foi cele-
brado pelo Bispo Arthur Roche e concele-
brado por mais de 30 padres, com a igreja
lotada. Estavam presentes sua família, pessoas
do Opus Dei, colegas de escola, universidade,
amigos, pessoal da saúde, etc. Havia muitíssi-
mos jovens. Foi especialmente comovente ver
médicos e enfermeiras do hospital que che-
gavam ao funeral com seus jalecos brancos,
que faziam uma pausa no trabalho para não
perderem esse momento. Também estudantes
da universidade que o tinham conhecido ou o
haviam visto pelo campus, ou outros pacien-
tes com câncer, alguns em cadeiras de rodas.
Um dos encarregados da funerária, que
não acreditava no que via, quis saber tudo
sobre Pedro. O responsável pela preparação
do corpo de Pedro foi ver sua mãe para dizer
a ela que todos haviam ficado impressiona-
dos com os restos mortais do rapaz. Por um
lado, viram a perna inchada — o tumor era
evidente, visível. Diziam que se podia palpar
a dor que teria sofrido, e ainda assim, mara-
vilhavam-se com o rosto sereno que Pedro
tinha após a morte.

147
Jorge Boronat

Uma senhora queria compartilhar seu tes-


temunho. Foi à Missa na igreja Holy Name e
se deparou com o funeral. Viu aparecer um
padre seguido por... trinta padres, e final-
mente um bispo vindo de Roma. Mais de
quinhentas pessoas. E começou a se per-
guntar quem era aquele garoto. Como pode
um garoto de 21 anos atrair tanta gente em
seu funeral? Contaram-lhe a vida de Pedro
e então ela compreendeu. Concluía dizendo:
“Nunca esquecerei este dia”.
Ao acabar o funeral na igreja, o corpo de
Pedro foi levado para o cemitério. O motorista
do veículo da procissão fúnebre, que trans-
portava seus irmãos e o Arcebispo Roche,
ouviu-lhes rezando o rosário no banco de
trás. Quando chegaram ao cemitério, aproxi-
mou-se do Arcebispo e perguntou-lhe o que
estavam fazendo durante a viagem. Ele expli-
cou que rezaram o rosário e aquele homem,
que não era cristão, disse: “Em todos os meus
anos trabalhando em funerárias nunca expe-
rimentei tanta paz. É o funeral mais bonito
que eu já vi na minha vida”.
Quando, ao acabar o funeral, um dos mem-
bros do Opus Dei agradeceu a um dos traba-

148
13 - Do céu

lhadores da funerária, viu que ele não dizia


nada e que não se movia; viu-se na obrigação
de lhe dizer que já podia ir embora, porque
tudo tinha acabado. Aquele homem disse-
-lhe simplesmente: “Eu sei. Estou rezando”.
Padres que o conheceram agradeciam por
tê-lo acompanhado. Padre Chris lembrava-
-se de quando Pedro e seus irmãos ajudavam
na Missa e corriam para serem os primeiros
a apagarem as velas no final da Missa, todos
os domingos. “Ver Pedro converter-se em
uma pessoa tão impactante e extraordiná-
ria foi uma das maiores bênçãos da minha
vida”, e então expressava perfeitamente os
pensamentos de muitos de nós sacerdotes,
acrescentando: “Pedro impulsionou meu
sacerdócio de uma maneira maravilhosa,
animando-me a viver minha vocação com
mais generosidade. Sentirei falta de seu sor-
riso, seus abraços, sua amizade calorosa, sua
inteligência e seu senso de humor. Não tenho
dúvidas de que ele me fez um padre melhor,
uma pessoa melhor, e rezarei para que con-
tinue a fazê-lo do céu”.
Liam, um de seus amigos que se conver-
teu ao catolicismo, também agradecia por

149
Jorge Boronat

tê-lo conhecido. Pedro o acompanhou em


sua jornada à fé e lhe deu aulas de catecismo.
Também foi seu padrinho na cerimônia de
recepção na Igreja Católica. Em sua carta, fala
sobre como a amizade com Pedro o levou à
amizade com Deus.
Outro amigo lembra que foi Pedro quem
uma vez lhe fez a pergunta mais importante
de sua vida: “Você já pensou em vocação?”.
Foi em uma viagem de metrô. “Pedro tinha a
vocação de numerário do Opus Dei. Vivendo
com ele por alguns meses em Netherhall,
pude testemunhar que ele colocava todo o
seu empenho em viver sua vocação. Eu o vi
sofrer. Também compartilhamos muito tempo
de alegrias, estudo e trabalho. Tudo fazia com
intensidade. Este modelo de vida cristã me
levou a buscar a minha vocação... Quando
nos disseram o diagnóstico da doença de
Pedro, um amigo em comum virou-se para
mim e disse: ‘Talvez ele seja o único que está
pronto para partir’”.
Da maneira mais natural, aqueles que o
conheciam começaram a pedir favores a Pedro.
Sofia, uma menina de nove anos de Sencel-
les (Mallorca) havia escrito uma carta muito

150
13 - Do céu

colorida para Pedro meses antes, para lhe dizer


que rezava por ele. Pedro ficou com essa carta
por um tempo junto a sua cama no hospital.
No dia da morte de Pedro, Sofia se perdeu. Por
mais de uma hora a procuraram aos arredores
do bairro com grande angústia. Sua mãe, inca-
paz de suportar a ansiedade por mais tempo e
lembrando que Pedro havia falecido naquela
mesma manhã, rezou em voz alta: “Pedro, por
favor, traga-me a minha garotinha agora”.
Imediatamente um carro parou ao seu lado
e Sofia desceu correndo dele para abraçar a
mãe. Um transeunte a encontrara e procura-
vam alguém que reconhecesse a menina. E, ali,
até o motorista do carro chorou.
Outro favor foi feito àquele que cuidou
dele nos últimos meses: devido à falta de
sono e ao estresse das últimas horas da vida
de Pedro, Patrício, o médico que cuidou dele
em casa, acordou com uma dor de cabeça
intensa. Pensou tomar uma pílula, mas ocor-
reu-lhe que, como a dor tinha sido de alguma
forma causada por Pedro, ele mesmo tinha
que resolvê-la. Pediu a Pedro para lhe tirar
aquela dor de cabeça e, imediatamente, a dor
desapareceu por completo.

151
Jorge Boronat

Inhaqui, um residente de Greygarth que


morava com Pedro, foi um dia ao centro de
Manchester de carro, sabendo que não seria
fácil encontrar um lugar para estacionar.
Mas foi com a certeza de que Pedro iria tirá-
-lo daquele atoleiro. No entanto, quando che-
gou, descobriu que, de fato, não havia lugar
para estacionar. Pediu a Pedro que, por favor,
lhe ajudasse. Mas continuava sem encontrar
um lugar. Finalmente desistiu. E irritado com
Pedro, disse em voz alta: “Já se vê que não
quer me ajudar!”. Não terminara de concluir a
frase quando um motorista buzinou para que
Inhaqui tirasse seu carro de onde estava, por-
que queria sair. “Ok,” Inhaqui sorriu, “ainda
somos amigos”.

152
Epílogo

Deus é o melhor dos corretores. Só ele


sabe como tirar o máximo de rendimentos
da nossa renda.
A história de Pedro não é somente de
Pedro. Deus sabe bem como tirar o máximo
de rendimento espiritual de qualquer situa-
ção. São Josemaria explicava que, no início
do Opus Dei, o que mais lhe fazia sofrer não
era a pobreza, nem as calúnias e difamações
contra ele. Dizia que o que mais lhe fazia
sofrer eram os sofrimentos de sua família e
daqueles ao seu redor.
Com uma frase gráfica explicava que, para
santificá-lo, Deus dava golpes: “um no cravo e
cem na ferradura”. Considerando que ele era
o cravo, os que mais levavam golpes eram os

153
Jorge Boronat

que estavam ao seu redor, aqueles que eram


a ferradura. É assim que Deus projeta os pla-
nos de santificação. Sempre em equipe. Não
envia uma prova para uma única pessoa. Em
vez disso, envia um conjunto de provas para
um grupo de pessoas. Assim, colhe os frutos
do sofrimento daqueles que sofrem a doença
em sua carne e daqueles que sofrem a doença
na carne de quem amam.
A proporção é equivalente à do Calvário:
um pende do madeiro, mas vários sofrem
junto a ele. Deus não quis apenas o sofri-
mento de Cristo. Também queria colher o
fruto do sofrimento da Virgem, de São João,
de Madalena, de Dimas, das outras mulhe-
res, dos apóstolos, que seguiram tudo à dis-
tância, mas também sofreram.
A vida é uma corrida. Deus nos pediu para
que corramos por Ele. Mas não nos disse
quantos quilômetros a corrida teria. Não sabe-
mos se temos que correr 20, 40 ou 100 km.
A alguns fez velocistas, a outros, corredores
de longa distância. Deus sabe exatamente o
que podemos correr e nunca nos pedirá para
correr mais do que nossas pernas e coração
podem aguentar.

154
Epílogo

É uma corrida cansativa. Assim deve ser.


Assim tem sido para todos os santos, e não
há exceções. E enquanto corremos, enco-
rajamos outros a correr. Como já deve ter
comprovado, não é o mesmo fazer excursões
sozinho ou acompanhado. Com o incentivo
e o exemplo dos outros, vamos mais longe.
Quando damos vida a Deus, damos, de
alguma forma, a outros também. Porque como
fazemos o que Deus nos pede, inspiramos
outros a fazer o mesmo. Dizer sim à voca-
ção é repetir: “Faça-se em mim, e naqueles
ao meu redor, segundo a tua palavra”.
Já vimos que o nosso Deus é um Deus exi-
gente. Sempre pede tudo. Deus nos pede a vida.
E é necessário dá-la por inteiro. Do começo ao
fim. É por isso que dar a vida é dar a morte tam-
bém. A Deus e aos outros. Continuar correndo
porque Deus o necessita. Continuar puxando
porque os outros precisam de nós. Às vezes,
quando parecia que Pedro já não podia mais,
víamos que continuava lutando por aqueles
à sua volta. Porque tinham o direito de ver a
batalha e, acima de tudo, a vitória.
Ajuda muito pensar na influência que
nossa generosidade tem na vida dos outros.

155
Jorge Boronat

Como Pedro me disse uma vez: “Não posso


diminuir a marcha”, porque sabia que não ia
sozinho na jornada da vida. Via que aqueles
que estavam ao seu redor precisavam ver a
sua luta, precisavam que mantivesse o ritmo.
Habitualmente, Pedro não precisava sorrir.
Nós é que precisávamos que ele sorrisse.
Muitas vezes não precisava se levantar.
Nós é que precisávamos vê-lo de pé.
Mas não pense que Pedro era um ator.
Como os santos também não o eram. Eles
não se inspiram porque se decidem a isso.
Mas porque não podem evitar. Como a cidade
construída no topo de uma montanha. Não
se pode esconder uma vela acesa debaixo da
cama, porque ela acaba colocando fogo na
cama, na casa e a luz acaba sendo vista a qui-
lômetros de distância.
A santidade, como a fidelidade, é conta-
giosa (gostaria que fosse uma pandemia!).
Uma vida boa é transmitida pelo exemplo.
Quando vemos que alguém pode, entende-
mos que nós podemos. Possumus!
Durante séculos, pensou-se que era fisi-
camente impossível para os humanos correr
uma milha em menos de 4 minutos. Depois de

156
Epílogo

milhares de anos e milhões de corridas, ainda


parecia impossível. Chamava-se A Barreira
dos 4 Minutos, e alguns médicos se aventu-
raram a dizer que, se fosse tentado superar,
o coração humano explodiria.
Mas em 6 de maio de 1954, um jovem estu-
dante de medicina de Oxford, Roger Ban-
nister, conseguiu cobrir a milha em 3h59
minutos. Aquilo foi uma façanha. E o que
veio depois foi outra façanha maior: o aus-
traliano John Landy quebrou esse recorde no
mês seguinte. No ano seguinte, três atletas
fizeram abaixo de quatro minutos. Em cinco
décadas, milhares de atletas conseguiram.
Tudo começou quando alguém provou
que poderia ser feito. Assim é também com
a santidade. Quando vês que alguém como
você a alcança, percebes que é possível. E se é
possível... então você também pode alcançar.
Quando pessoas comuns fazem coisas
extraordinárias, queremos saber como as
fizeram. Porque as pessoas comuns sempre
sonham com uma vida extraordinária. A de
Pedro é a vida extraordinária de um garoto
muito comum que lutou para ir para o céu. E
essa luta não passou despercebida. Muitos a

157
Jorge Boronat

testemunharam e compartilharam suas his-


tórias para as recolhermos aqui.
Não se trata de canonizar Pedro. Isso só
pode ser feito pela Igreja. Trata-se de com-
partilhar histórias que inspiram a levar a
vida a sério. A maior parte da vida de Pedro
foi presenciada, como a sua e a minha, ape-
nas por Deus. Aqui estão algumas partes de
sua vida que aqueles de nós que o conheciam
testemunharam. Mas lembre-se, isso é ape-
nas a ponta do iceberg:
“Santos se tornam santos quando ninguém
está olhando para eles — exceto Aquele que
tudo vê”.
Pedro encontrou a Cruz aos 18 anos. Por
causa de sua doença e seus longos períodos
de convalescença, foi possível passar mui-
tos momentos conversando com ele. Um dia,
quando estávamos a sós andando de carro,
abriu-me seu coração em uma longa conversa.
Ele me explicou que, ao receber o diag-
nóstico, interpretou o fato como uma voca-
ção; como uma missão. A de salvar almas: a
sua e a de muitas outras no processo. Se Deus
escolheu a Cruz, é porque não havia melhor
maneira de nos salvar.

158
Epílogo

E assim sempre será: não há outra maneira


de salvar as almas do que sofrer por elas. Se
houvesse, Deus teria nos ensinado. As almas
são muito caras. E para salvar almas temos
que sangrar por elas, chorar por elas e rezar
por elas.
Nada une mais duas pessoas do que sofre-
rem juntas. Portanto, ir ao Calvário com
Cristo e sofrer com Ele nos une a Deus mais
do que qualquer outra forma de oração. A
Cruz é o instrumento de Deus para fazer os
santos. Com a Cruz se chega ao Céu. Sem ela,
não. Mas a cruz pesa. É por isso que o próprio
Cristo se oferece para ser nosso Cirineu, e a
leva conosco montanha acima, para o cume.
Na teologia, fala-se de um julgamento par-
ticular quando morremos. Após este julga-
mento, somos retribuídos de acordo com
nossos trabalhos nesta vida e de acordo com
como soubemos aproveitar as graças de Deus.
Mas, no final dos tempos, também haverá
um julgamento universal, no qual os frutos
de nossa vida no tempo serão adicionados à
nossa conta.
Porque, quando morremos, nossas ações
ainda têm um efeito: nossas palavras, nos-

159
Jorge Boronat

sos atos, almas que ajudamos e que ajudarão


a outros, acabam multiplicando o efeito do
que fizemos ao longo dos séculos. É por isso
que precisamos de um julgamento no final
dos tempos, onde se acrescentarão os méri-
tos do resultado de que nossas ações tiveram
depois de nossas vidas, quando já não está-
vamos, onde se constatará que o que fizemos
continuou a ter um efeito na vida dos outros.
Deus é o melhor corretor; Ele multiplica o
efeito de seus santos. Alguém me perguntou
quando viu Pedro morrer: “E Deus não pode-
ria dar-lhe mais alguns anos de vida? Com
tudo o que ele fez em tão poucos anos... não
compensaria a Deus tê-lo deixado trabalhar
pelo seu Reino por muitos mais anos?”. Na
verdade, não. Se Deus sabe que Pedro podia
fazer em 21 anos o que muitos de nós tere-
mos que fazer por muitos mais anos, quem
sou eu para corrigir Deus?
Só Deus sabe quanto tempo cada um de
seus filhos e filhas precisa para cumprir sua
missão. E quando acabam nesta terra, suas
vidas continuam a dar frutos. Como diz o
Gladiador: “O que fazemos nesta vida ecoa
na eternidade”. Tem seu eco no céu, sim. E

160
Epílogo

tem seu eco também na terra. Quando mor-


remos, deixamos esta terra, mas não a dei-
xamos como a encontramos.
Você e eu somos chamados a sustentar uma
nota musical na história, cujos ecos continua-
rão a ser ouvidos e entrarão em harmonia com
as notas que outros deixarão. Uma vida como
essa é como um cânone. Neste cânone divino
alguém repete sua melodia e outros se unem
com a sua própria, e a harmonia das diferen-
tes vozes tem um efeito inesquecível.
No final dessas linhas, peço a Deus que nos
ajude a aprender com o exemplo de Pedro.
Jesus é sempre um bom exemplo, mas não
podemos esquecer que sua Mãe era Imacu-
lada e seu Pai, Deus.
Quando prego para os jovens, sinto que
eles me pedem exemplos mais próximos: san-
tos com WhatsApp, com PlayStation e iPho-
nes... santos que fazem parkour e patinam,
santos que assistem a TV, futebol e YouTube,
que têm dificuldade em sentar para estudar;
santos que têm que pedir perdão àqueles ao
seu redor, que cometem erros, que tomam
remédios para dores de cabeça e que têm
que lembrar as datas de aniversários... San-

161
Jorge Boronat

tos de carne e osso, santos que andam pelos


corredores, santos reais, imitáveis, próximos,
comuns, acessíveis.
Se não, seriam como aqueles atletas que
querem ajudá-lo a ficar em forma, mas,
quando explicam o plano que seguem, você
descobre que ele corre todas as manhãs 15 qui-
lômetros, depois faz ginástica e só bebe smoo-
thies de frutas. “Bem, sabe de uma coisa? Que,
se for assim, não quero ficar em forma”. Muito
complicado. “Se para ser santo eu tenho que
ser como São Francisco de Assis ou São Lou-
renço na grelha... passo minha vez”, pensam.
Mas não. Para ser santo, você tem que ser
normal, e lutar. Deus faz coisas extraordi-
nárias com pessoas muito comuns. Nossas
vidas são como a batalha de Davi e Golias.
Como Pedro conseguiu, sendo um garoto tão
normal, tocar a tantas almas e mudar tantas
vidas? Deixando Deus agir.
São Josemaria escrevia: “De que tu e eu nos
portemos como Deus quer — não se esqueça
— dependem muitas coisas grandes”, e mui-
tas pessoas também.
Uma pessoa que viveu com Pedro em seus
últimos anos me escrevia: “Muitas pessoas

162
Epílogo

dependem de nós e não podemos decepcioná-


-las. Ainda mais agora, depois do que vimos
e vivemos. Não há mais desculpas. Santi-
dade ou nada. Não posso mais dizer... ‘É que
não sei’. Mentira! ‘O Senhor pode me dizer:
‘Claro que você sabe! Se eu te ensinei: você
já viu! Aconteceu diante de ti’”.
“Já não tenho mais desculpas”.

163

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