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A RELIGIÃO ISLÂMICA

Origem
O islamismo foi fundado no ano de 622, na região da Arábia, atual Arábia Saudita.
Seu fundador, o profeta Maomé, reuniu a base da fé islâmica num conjunto de
versos conhecido como Corão - segundo ele, as escrituras foram reveladas a ele
por Deus por intermédio do Anjo Gabriel.

Assim como as duas outras grandes religiões monoteístas, o cristianismo e do


judaísmo, as raízes de Maomé estão ligadas ao profeta e patriarca Abraão. Maomé
seria seu descendente. Abraão construiu a Caaba, em Meca, principal local sagrado
do islamismo. Para os muçulmanos, o islamismo é a restauração da fé de Abraão.

Ainda no início da formação do Corão, Maomé e um ainda pequeno grupo de


seguidores foram perseguidos por grupos rivais e deixaram a cidade de Meca rumo
a Medina. A migração, conhecida como Hégira, dá início ao calendário muçulmano.
Em Medina, a palavra de Deus revelada a Maomé conquistou adeptos em ritmo
acelerado.

O profeta retornou a Meca anos depois, perdoou os inimigos e iniciou a


consolidação da religião islâmica. Quando ele morreu, aos 63 anos, a maior parte
da Arábia já era muçulmana. Um século depois, o islamismo era praticado da
Espanha até a China. Na virada do segundo milênio, a religião tornou-se a mais
praticada do mundo, com 1,3 bilhão de adeptos.

A RELIGIÃO ISLÂMICA

Profeta Maomé
Maomé nasceu em Meca, no ano de 570. Órfão de pai e mãe, foi criado pelo tio,
membro da tribo dos coraixitas. De acordo com historiadores, tornou-se conhecido
pela sabedoria e compreensão, tanto que servia de mediador em disputas tribais.
Adepto da meditação, ele realizava um retiro quando afirmou ter recebido a
primeira revelação de Deus através do anjo Gabriel. Na época, ele tinha 40 anos.
As revelações prosseguiram pelos 23 anos restantes da vida do profeta.

Contrário à guerra entre tribos na Arábia, Maomé foi alvo de terroristas e escapou
de várias tentativas de assassinato. Enquanto conquistava fiéis, empregava as
escrituras na tentativa de pacificar sua terra - tarefa que cumpriu antes de morrer,
aos 63 anos, depois de retornar a Meca. Para os muçulmanos, Maomé é uma figura
digna de extrema admiração e respeito, mas não é o alvo de sua adoração. Ele foi o
último dos profetas a trazer a mensagem divina, mas só Deus é adorado.

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Conversão
Não é preciso ter nascido muçulmano ou ser casado com um praticante da religião.
Também não é necessário estudar ou se preparar especialmente para a conversão.
Uma pessoa se torna muçulmana quando proferir, em árabe e diante de uma
testemunha, que "não há divindade além de Deus, e Mohammad é o Mensageiro de
Deus". O processo de conversão extremamente simples é apontado como um dos
motivos para a rápida expansão do islamismo pelo mundo. A jornada para a prática
completa da fé, contudo, é muito mais complexa. Nessa tarefa, outros muçulmanos
devem ajudar no ensinamento.
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Crenças
A base da fé islâmica é o cumprimento dos desejos de Deus, que é único e
incomparável. A própria palavra Islã quer dizer "rendição", ou "submissão". Assim,
o seguidor da religião islâmica deve obedecer às escrituras, orar e glorificar apenas
seu Deus e ser fiel à mensagem que Maomé trouxe.

Os muçulmanos enxergam nas escrituras divulgadas por Maomé a continuação de


uma grande linhagem de profecias, trazidas por figuras que fazem parte dos livros
sagrados dos judeus e cristãos - como Adão, Noé, Abraão, Moisés, Davi e Jesus. Os
cristãos e judeus, aliás, são chamados no Corão Povos das Escrituras, com garantia
de respeito e tolerância.

O seguidor do islamismo tem como algumas de suas obrigações "promover o bem e


reprimir o mal", evitar a usúria e o jogo e não consumir o álcool e a carne de porco.
Um dos principais desafios do muçulmano é obter êxito na jihad - que, ao contrário
do que muitos acreditam no Ocidente, não significa exatamente "guerra santa",
mas sim o esforço e a luta do muçulmano para agir corretamente e cumprir o
caminho indicado por Deus.

Os muçulmanos acreditam no dia do juízo final e na vida após a morte, quando o


praticante da religião recebe sua recompensa ou sua punição pelo que fez na Terra.
Acreditam também na unidade da "nação" do Islã - uma crença simbolizada pela
gigantesca peregrinação anual a Meca, que reune muçulmanos do mundo todo,
lado a lado.

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Cinco pilares
Os cinco pilares do islamismo formam a estrutura de vida do seguidor da religião.
São eles:

• Pronunciar a declaração de fé intitulada "chahada": "Não há outra divindade além


de Deus e Mohammad é seu Mensageiro".

• Realizar as cinco orações obrigatórias durante cada dia, no ritual chamado "salat".
As orações servem como uma ligação direta entre o muçulmano e Deus. Como não
há autoridades hierárquicas, como padres ou pastores, um membro da comunidade
com grande conhecimento do Corão dirige as orações. Os versos são recitados em
árabe, e as súplicas pessoas são feitas no idioma de escolha do muçulmano. As
orações são feitas no amanhecer, ao meio-dia, no meio da tarde, no cair da noite e
à noite. Não é obrigatório orar na mesquita - o ritual pode ser cumprido em
qualquer lugar.

• Fazer o que puder para ajudar quem precisa, no chamado "zakat". A caridade é
uma obrigação do muçulmano, mas deve ser voluntária e, de preferência, em
segredo. O muçulmano deve doar uma parte de sua riqueza anualmente, uma
forma de mostrar que a prosperidade não é da pessoa - a riqueza é originária de
Deus e retorna para Deus.

• Jejuar durante o mês sagrado do Ramadã, todos os anos. Nesse período, todos os
muçulmanos devem permanecer em jejum do amanhecer ao anoitecer, abstendo-
se também de bebida e sexo. As exceções são os doentes, idosos, mulheres
grávidas ou pessoas com algum tipo de incapacidade física - eles podem fazer o
jejum em outra época do ano ou alimentar uma pessoa necessitada para cada dia
que o jejum foi quebrado. O muçulmano que cumpre o jejum se purifica ao
vivenciar a experiência de quem passa fome. No fim do Ramadã, o muçulmano
celebra o Eid-al-Fith, uma das duas principais festas do calendário islâmico.

• Realizar a peregrinação a Meca, o "haj". Todos os muçulmanos com saúde e


condição financeira favorável deve realizar a peregrinação pelo menos uma vez na
vida. Todos os anos, cerca de 2 milhões de pessoas de todas as partes do mundo
se reúnem em Meca, sempre com vestimentas simples - para eliminar as diferenças
de classe e cultura. No fim da peregrinação, há o festival de Eid-Al-Adha, com
orações e troca de presentes - a segunda festa mais importante.

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O Corão
O livro sagrado dos muçulmanos reúne todas as revelações de Deus feitas ao
profeta Maomé através do anjo Gabriel. No Corão estão instruções para a crença e
a conduta do seguidor da religião - não fala apenas de fé, mas também de aspectos
sociais e políticos. Dividido em 114 "suratas" (capítuolos), com vários versículos
cada (o número varia de 3 a 286 versículos), o Corão foi escrito em árabe formal e,
com o tempo, tornou-se de difícil entendimento.

O complemento para sua leitura é a Sunna, coletânea de registros de discursos do


profeta Maomé, geralmente em linguagem mais clara e fluente. Cada uma dessas
mensagens tiradas dos discursos é conhecida como "hadith". Como os relatos
foram de pessoas diferentes, há muitas divergências entre os registros de
ensinamentos do profeta: cada um contava a mensagem da forma que o
interessava. Além de contradições, as "hadith" provocaram também uma expansão
dos conceitos do Islã, ao incorporar tradições e doutrinas sobre sociedade e justiça
- aspecto importante na formação da cultura islâmica em geral, que não ficou
restrita à religião.

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Sharia
É a lei religiosa do islamismo. Como o muçulmano não vê distinção entre o aspecto
religioso e o resto da sua conduta pessoal, a lei islâmica não trata só de rituais e
crenças, mas de todos os aspectos da vida cotidiana. Apesar de ter passado por um
detalhado processo de formatação, a lei islâmica ainda é aplicada de formas
variadas ao redor do mundo - os países adotam a sharia têm interpretações mais
ou menos rigorosas dela.

Na Arábia Saudita, por exemplo, vigora uma das mais conservadoras versões da lei
islâmica. O Afeganistão da época da milícia Talibã teve a mais dura e radical
aplicação da sharia nos tempos modernos - proibia música e outras expressões
culturais e esportivas, restringia gravemente todos os direitos das mulheres e
ordenava punições bárbaras. A sharia, porém, é adotada formalmente numa
minoria de países com grandes populações islâmicas.

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Mesquitas
As construções reservadas para as orações dos muçulmanos são chamadas
mesquitas, ou "masjids". Os prédios, contudo, não precisam ser especialmente
construídos com esse fim - qualquer local onde a comunidade muçulmana se reúne
para orar é uma mesquita.

Há dezenas de milhares de mesquitas no mundo, e elas vão desde as construções


mais esplendorosas, com arquitetura riquíssima, às mais modestas, adaptadas
dentro de outras estruturas.

A mesquita de Caaba, em Meca, é uma das mais famosas, pois é o centro da


peregrinação do "haj". A mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, também é um local
muito visitado pelos muçulmanos de todo o mundo - ela abrigaria a pedra de onde
Maomé "ascendeu ao céu".

Festas e datas
As duas principais festividades do islamismo são o Eid-Al-Adha, que coincide com a
peregrinação anual a Meca, e o Eid-al-Fith, quando se quebra o jejum do mês do
Ramadã. O mês sagrado, aliás, é o principal período do calendário islâmico.

Os muçulmanos xiitas também comemoram o Eid-al-Ghadir - aniversário da


declaração de Maomé indicando Ali como seu sucessor. Outras festas islâmicas são
o aniversário de Maomé (Al-Mawlid Al-Nabawwi) e o aniversário de sua jornada a
Jerusalém (Al-Isra Wa-l-Miraj).

Grupos
Os muçulmanos estão divididos entre sunitas, o grupo majoritário, e xiitas, a
minoria dentro da religião. Os sunitas formam o tronco principal da religião, ligado
à interpretação mais aceita da história islâmica, e reúnem cerca de 90% dos
muçulmanos no mundo. A diferença em relação ao Islã xiita é a aceitação à
seqüência de califas da história islâmica. Sem características comuns entre si, os
muçulmanos sunitas incluem praticantes da religião em todas as partes do mundo e
de todas as tendências, dos mais conservadores até os moderados e seculares.

Os xiitas, que reúnem cerca de 10% dos muçulmanos, surgiram como movimento
político de apoio a Ali e acabaram formando uma ramificação da religião islâmica. A
dissidência surgiu quando os xiitas se uniram para apoiar Ali, primo de Maomé,
como o herdeiro legítimo do poder no Islã após a morte do profeta, com base na
suposta declaração de que ele era seu sucessor ideal.

A evolução para uma fórmula religiosa diferente teria começado com o martírio de
Husain, o filho mais novo de ali, no ano de 680, em Karbala (no atual Iraque). Os
clérigos xiitas são os mulás e mujtahids, mas o clero não tem uma hierarquia
formal. Os xiitas foram os responsáveis pela revolução islâmica do Irã, em 1979, e
têm graves divergências com setores do islamismo sunita.

Guia

• Akhirah: Crença na vida após a morte, parte importante da fé islâmica


• Alá Akbar: "Deus é grande"
• Alá: Palavra que significa "Deus" em árabe (não é o nome de um deus diferente
dos outros)
• Azan: Convocação à oração dos muçulmanos
• Bismillah: "Em nome de Deus", verso usado pelos muçulmanos para pedir a
bênção divina. Aparece no início de quase todas as suratas do Corão
• Caaba: Construção rochosa localizada no centro da grande mesquita de Meca e
ponto focal das orações muçulmanas. Teria sido erguida por Abraão
• Cinco pilares do Islã: As obrigações que o muçulmano deve cumprir para seguir
sua fé
• Corão: O livro sagrado do Islã, com as revelações de Deus ao profeta Maomé
• Din: A religião e o estilo de vida do Islã
• Eid-Al-Adha: Festa que coincide com a peregrinação anual a Meca
• Eid-al-Fith: Festa celebrada no fim do mês do Ramadã, a principal da religião
• Eid-al-Ghadir: Aniversário da declaração de Maomé indicando Ali como seu
sucessor, comemorado apenas pelos xiitas
• Fard: Obrigação, algo que deve ser feito em nome da fé
• Hadith: Um discurso, mensagem, ação ou história do profeta Maomé, relatado
pelos seus contemporâneos
• Hafiz: Pessoa que sabe todos os versos do Corão
• Haj: A peregrinação anual a Meca, um dos cinco pilares do Islã. O muçulmano
saudável e com condições financeiras deve fazer o haj pelo menos uma vez na vida
• Halal: Algo que o muçulmano pode fazer ou comer
• Haram: Algo que o muçulmano não deve fazer ou comer
• Hégira: A migração de Maomé e seus seguidores de Meca para Medina, para
escapar da perseguição às suas crenças. A migração inaugura o islamismo é marca
o início de seu calendário
• Hijab: Traje típico islâmico usado pelas mulheres para "proteger sua modéstia",
como manda o Corão. Seu tamanho varia de acordo com as tradições regionais
• Iftar: Desjejum
• Ihram: Estado de pureza espiritual exigido dos muçulmanos que desejam fazer a
peregrinação a Meca
• Imã: Professor, clérigo ou figura que lidera uma oração muçulmana
• Islã: Conjunto dos povos de civilização islâmica, que professam o islamismo.
Significa "rendição" ou "submissão" em árabe
• Islamismo: A religião dos muçulmanos
• Jihad: A luta e o esforço de um seguidor da religião para viver a fé islâmica da
melhor forma possível e defender o Islã, mesmo que isso signifique o uso da força
• Madraçal: Escola dedicada a formar e doutrinar meninos muçulmanos
• Masjid: Sinônimo para mesquita
• Mawlid Al-Nabi: Festa do aniversário de nascimento de Maomé
• Meca: Cidade sagrada do islamismo, onde Maomé nasceu e para onde retornou
depois de fundar o islamismo
• Medina: A segunda cidade sagrada do islamismo, para onde Maomé fugiu quando
foi perseguido
• Mesquita: Local onde os muçulmanos fazem suas orações em conjunto
• Mihrab: Nicho aberto em todas as mesquitas para apontar a direção de Meca
• Minaret: A torre da mesquita, de onde é feita a convocação para as orações
• Minbar: Púlpito de uma mesquita
• Muçulmano: Seguidor da fé islâmica
• Muezzin: O religioso que convoca os muçulmanos para as orações
• Niyya: Declaração sincera da intenção de glorificar Deus, feita em silêncio
• Quiblah: A direção de Meca
• Rakah: Conjunto de movimentos do ritual de orações, ou salah
• Ramadã: Mês sagrado dos muçulmanos
• Sadaquah: Fazer doações voluntárias para caridade
• Salah: Ritual obrigatório de cinco orações por dia
• Salat-ul-Juma: As orações de sexta-feira, dia sagrado dos muçulmanos, nas
mesquitas
• Saum: Jejuar durante o dia
• Shahadah: A declaração de fé ("Não há outra divindade além de Deus e
Mohammad é seu Mensageiro")
• Sharia: Conjunto de leis islâmicas, tratando de costumes e da vida em sociedade
• Sufismo: Movimento místico dentro do islamismo
• Sujud: Posição de oração em que testa, nariz, mãos, joelhos e dedos do pé
devem tocar o chão
• Sunita: O principal tronco da religião, concentrando 90% dos muçulmanos
• Surata: Capítulo do Corão
• Takbir: O processo de se concentrar numa oração e ignorar o que está ao redor
• Tawaf: Dar sete voltas na Caaba durante o haj
• Wudu: O ritual de lavar as mãos antes das orações diárias
• Xiita: O segundo maior grupo dentro da religião, concentrando 10% dos
muçulmanos
• Zakat: Doação anual de parte das riquezas acumuladas por um muçulmano

OS PAÍSES COM MAIORIA ISLÂMICA

Oriente Médio

Arábia Saudita
95% de muçulmanos sunitas, 5% de muçulmanos xiitas

Berço do Islã, abriga as cidades sagradas de Meca e Medina e adota uma


interpretação conservadora da lei islâmica. País natal de Osama bin Laden e de
quinze dos 19 seqüestradores dos aviões de 11 de setembro de 2001. Em função
de sua boa relação com os EUA, a família real sofre a oposição de vários grupos
radicais, incluindo a rede Al Qaeda. Sabe-se, porém, que muitas figuras
importantes ajudam a financiar os terroristas muçulmanos.

Irã
89% de muçulmanos xiitas, 10% de muçulmanos sunitas

O país se tornou uma República Islâmica depois da revolução de 1979. Desde


então, os aiatolás são a autoridade política máxima, cujo poder se sobrepõe ao do
presidente e do parlamento, eleitos em votação popular. Desde o fim da década de
90, o Irã vive uma luta entre os clérigos conservadores e os reformistas, que
defendem a flexibilização do regime islâmico.

Iraque
60% de muçulmanos xiitas, 32% de muçulmanos sunitas

No regime de Saddam Hussein (um sunita), o estado era secular, e manifestações


religiosas eram proibidas dentro da estrutura do governo. Com a queda do ditador,
a maioria xiita pretende ter um papel mais influente no comando do país. A guerra
teve um efeito contrário ao esperado pelos EUA: o fanatismo religioso e o
terrorismo ligado à religião estão mais fortes que na época de Saddam.

Egito
94% de muçulmanos sunitas

O governo e o sistema judicial são seculares, mas as leis familiares são baseadas
na religião e a atuação de grupos radicais ainda é grande. O Egito é o local de
origem da primeira facção radical do Islã, a Irmandade Muçulmana, e deu origem
também ao grupo Jihad Islâmica. Depois da execução do presidente Anuar Sadat
pelos radicais, em 1981, o governo prendeu e matou milhares de pessoas na
repressão ao extremismo religioso.
Territórios palestinos
90% de muçulmanos

A sociedade e a política palestinas têm fortes tradições seculares. A revolta contra


Israel, no entanto, deu força a grupos religiosos radicais (Hamas, Jihad Islâmica,
Brigadas de Mártires de Al Aqsa) e a influência do islamismo na política tornou-se
dominante.

Líbano
41% de muçulmanos xiitas e 27% de muçulmanos sunitas

Com uma formação de governo que reflete a distribuição religiosa da população


(primeiro-ministro é sempre sunita e o presidente do parlamento, xiita), é a terra
do grupo radical Hezbolá. Para os EUA, o Hezbolá é uma organização terrorista;
para o Líbano, um movimento legítimo de resistência contra os israelenses e uma
organização política legalizada.

Jordânia
92% de muçulmanos sunitas

A família real está no poder desde a independência, em 1946 - e sua aceitação se


baseia no fato de que os príncipes seriam descendentes diretos do profeta Maomé.
A sociedade é conservadora e a interpretação do Islã é rigorosa - costumes de
séculos atrás são mantidos graças à religião.

Outros países de maioria muçulmana: Iêmen, Omã, Emirados Árabes Unidos,


Catar, Bahrein, Kuwait, Síria

Ásia

Indonésia
88% de muçulmanos

Apesar de abrigar a maior população muçulmana do planeta, o país tem uma


constituição secular. Há dezenas de facções radicais que defendem a adoção da lei
islâmica e a formação de um estado com governo religioso, mas os muçulmanos
moderados são contra. É a terra do Jemaah Islamiah, grupo ligado à Al Qaeda
culpado pelo atentado que matou 200 pessoas em Bali, em 2002.

Afeganistão
84% de muçulmanos sunitas, 15% de muçulmanos xiitas

País onde surgiu a mais radical forma de interpretação do islamismo, através da


milícia Talibã, que governo o país do fim da década de 90 até depois do 11 de
setembro de 2001. Serviu de campo de treinamento para terroristas islâmicos do
mundo todo, até que a ação militar americana atacou essas instalações e colocou
no poder um líder muçulmano moderado.

Paquistão
77% de muçulmanos sunitas, 20% de muçulmanos xiitas
Formado como um estado muçulmano resultante da partilha do subcontinente
indiano, em 1947, trava uma tensa disputa com a vizinha Índia pela posse da
Caxemira. Os extremistas islâmicos atacam os soldados indianos, que controlam o
território, por julgar que a área é dos muçulmanos. Além disso o país sofre com
conflitos entre sunitas e xiitas e entre muçulmanos radicais e cristãos.

Malásia
53% de muçulmanos

O governo diz ser tolerante com todas as religiões, mas o islamismo é a fé oficial do
país. Não-muçulmanos dizem ser vítimas de discriminação das autoridades. Os
radicais muçulmanos dizem que não é o bastante: querem oficializar a adoção da
lei islâmica tradicional em toda a Malásia.

Outros países de maioria muçulmana: Brunei, Bangladesh

África

Nigéria
50% de muçulmanos

Tensões com os cristãos provocaram milhares de mortes no país. A adoção da lei


islâmica em doze estados do norte provocou um êxodo entre os seguidores do
cristianismo. O governo tem dificuldade para controlar os grupos radicais de ambos
os lados.

Argélia
99% de muçulmanos

Em 1991, a vitória de um partido islâmico nas eleições gerais foi impedida por um
golpe político. Desde então, governo e exército combatem os extremistas
muçulmanos numa disputa que já provocou dezenas de milhares de mortes.

Sudão
70% de muçulmanos

Governado por um partido islâmico desde 1989, quando um golpe militar teve
apoio dos extremistas, o país foi devastado por uma guerra de duas décadas entre
rebeldes muçulmanos do norte e cristãos do sul. Osama bin Laden permaneceu no
país por alguns anos antes de ir para o Afeganistão.

Somália
100% de muçulmanos

A religião da população é a mesma, mas conflitos entre tribos inimigas alimentaram


uma guerra que se arrasta desde os anos 90. Há grupos radicais em atividade no
país - e um deles é ligado à Al Qaeda. A maior empresa do país foi fechada pelos
EUA por suas ligações com Osama bin Laden.

Outros países de maioria muçulmana: Senegal, Gâmbia, Guiné, Serra Leone,


Costa do Marfim, Mauritânia, Mali, Níger, Chade, Líbia, Tunísia, Eritréia, Djibouti,
Ilhas Comoros

Europa

Turquia
99,8% de muçulmanos

Estado secular, a Turquia garante liberdade religiosa à população. Na prática,


porém, os costumes e crenças do islamismo têm grande influência sobre o
comando do país. O partido que conquistou o poder em 2002, por exemplo, tem
raízes islâmicas, apesar de se descrever como "conservador".

Kosovo
92% de muçulmanos

Palco de uma violenta campanha de perseguição pelos sérvios, o território foi


ocupado pela Otan e teve seu controle assumido pela ONU em 1999. Isso não
impediu a morte de 10.000 pessoas e a fuga de cerca de 1,5 milhão para a Albânia
ou para a região da fronteira.

Albânia
70% de muçulmanos

O governo comunista do país fechou todos os templos religiosos - incluindo igrejas


e mesquitas - em 1967. A prática religiosa só voltou a ser permitida em 1991.

Chechênia
maioria de muçulmanos

Desde o fim da União Soviética, a república russa vem sendo palco de violentos
confrontos entre o governo de Moscou e as forças separatistas formadas pelos
radicais islâmicos. No período em que a Rússia retirou suas forças do território, o
islamismo tornou-se religião oficial.

Usbequistão
88% de muçulmanos

Estado secular, viu o islamismo ganhar força nos anos 90. Junto com esse
crescimento, surgiram os grupos radicais contrários ao governo. Depois de uma
série de atentados, as forças do governo reprimiram os radicais. Os grupos, porém,
continuam em atividade.

Outros países de maioria muçulmana: Azerbaijão, Turcomenistão, Quirgistão,


Tadjiquistão, Cazaquistão

Estados Unidos
O palco do maior ato de terrorismo islâmico da História tem mais de 6 milhões de
muçulmanos e em torno de 2.000 mesquitas. Entre os seguidores da religião nos
EUA, 77,6% são imigrantes, e 22,4%, americanos natos. Apesar do 11 de setembro
de 2001, o islamismo está crescendo: estima-se que, no ano de 2010, a população
muçulmana supere a judaica - apenas o cristianismo terá mais seguidores.

Índia
Cerca de 12% dos indianos são muçulmanos, formando uma população total de 120
milhões de pessoas. A constituição do país garante a liberdade religiosa. Na prática,
contudo, os muçulmanos da Índia são alvos freqüentes de atos de violência - e as
facções radicais revidam as agressões. Na última onda de conflitos entre
muçulmanos e os hindus radicais, cerca de 2.000 pessoas morreram.

China
O país mais populoso do mundo tem cerca de 20 milhões de muçulmanos, cerca de
1,5% da população. A religião está no país desde o século VII. É oficialmente
reconhecida e tolerada no país, que tem mais de 30.000 mesquitas, e os chineses
muçulmanos estão concentrados no extremo oeste do país. Há facções extremistas
- uma delas listada como grupo terrorista pela ONU e pelos EUA.

Brasil

Um dos maiores países católicos do mundo tem uma comunidade islâmica


relativamente grande - e seus números vêm crescendo. Há quarenta anos a
comunidade árabe brasileira tinha uma única mesquita. Atualmente são mais de 50
templos, espalhados por todo o país e freqüentados por entre 1,5 e 2 milhões de
fiéis. Não há atuação de grupos extremistas armados no território brasileiro.

Sob o manto do fanatismo


O fundamentalismo islâmico, que ameaça subverter o mundo
com as bombas dos
terroristas, perde fôlego
e enfrenta uma contra-revolução na
sua maior fortaleza, o Irã
Jaime Klintowitz

O islã tem catorze séculos de existência, mas é relativamente recente a preocupação do


mundo com os aspectos de fanatismo político que cresceu nas comunidades islâmicas.
O fenômeno tem pouco mais de duas décadas e sua forma é uma guerra santa cujo
projeto é tomar o poder, varrer a influência ocidental e estabelecer o reino de Alá na
Terra. O novo credo espalhou-se como uma labareda entre o 1,2 bilhão de fiéis, fatia
que representa um quinto da humanidade. Produziu ditaduras religiosas medievais,
dadas ao terrorismo em nome de Deus. Logo se profetizou que a existência de uns
cinqüenta países com populações majoritariamente muçulmanas, além de algumas
dezenas deles com grandes minorias de seguidores de Alá, poderia evoluir como uma
nova ameaça global, comparável em alguns aspectos a outra ideologia messiânica do
século XX, o comunismo. Estudiosos apressaram-se em prever um titânico choque de
civilizações, ainda mais irreconciliável que a falecida Guerra Fria.

O ápice do furor revolucionário foi a derrubada da monarquia e a criação da primeira


república islâmica no Irã, em 1979. A tomada do poder num país de importância
estratégica e dono de 9% da reserva mundial de petróleo pôs em marcha uma cadeia de
acontecimentos que até hoje ameaça mudar a ordem mundial. Nesta virada do milênio,
uma nova revolução está em marcha no país que serve de vitrine à teocracia islâmica.
Só que esta revolução agora vai no sentido contrário da anterior. Uma nova geração,
moderada e moderna, decidiu guardar a espada e tenta dar uma face humana ao regime
dos aiatolás. O que está ocorrendo no Irã vai ter influência em todo o universo
muçulmano. É ali que se pôde observar com mais clareza como funciona um regime
islâmico que aplica a lei do Corão a todos os aspectos da vida do povo. O resultado é
desencorajador e essa conclusão tem a força de uma prova de laboratório.

Além de seu poder religioso, como intérpretes da vontade de Alá, os aiatolás se


firmaram no papel de donos do aparelho de Estado, dos tribunais e dos canhões. Mas,
finalmente, começam a perder a luta pela alma do povo iraniano. Na sexta-feira 18, o
voto popular colocou para fora uma chusma de clérigos que há duas décadas dava as
cartas no Parlamento do Irã. A sede de mudança ficou demonstrada de forma cristalina:
70% dos deputados eleitos estão alinhados com a ala moderada e reformista do
presidente Mohammed Khatami, o inimigo número 1 da linha dura dos turbantes
negros. Só a Frente de Participação Islâmica, liderada por Reza Khatami, irmão do
presidente, conquistou 141 cadeiras. Vinte e um anos depois de o aiatolá Ruhollah
Khomeini derrubar o xá Reza Pahlevi e instalar uma ditadura religiosa, os mais de 70
milhões de iranianos estão fartos do clero que manda no país e em cada detalhe de suas
vidas. O resultado das urnas é uma dessas reviravoltas que os historiadores costumam
aproveitar como um marco que sinaliza o antes e o depois. O antes era uma nação de
costumes medievais, opressão política e furor místico de meter medo até na
superpotência americana. O que se tem agora é a contraprova de que o fanatismo
islâmico – o mesmo que parecia prestes a pôr fogo no mundo – está perdendo fôlego.
Dentro e fora do Irã, respira-se um ar um pouco mais leve.
Os iranianos já tinham expressado sua insatisfação nas eleições para presidente, em
1997. Khatami foi eleito com mais de 70% dos votos, massacrando o adversário
abençoado pelos ultraconservadores. Ele próprio é um clérigo, filho de um aiatolá
famoso e usa com orgulho o turbante preto daqueles que se acreditam descendentes
diretos do profeta Maomé. A diferença é que reza por um catecismo moderadíssimo.
Ministro da Cultura em 1992, ele se pôs a liberar livros e a permitir debates públicos
sobre temas tabus. Terminou expurgado por "liberalismo" e "negligência". Dois em
cada três iranianos são jovens demais para se lembrar das frustrações da vida sob a
monarquia do xá. Eles só conhecem as frustrações sob os aiatolás e esperam que
Khatami promova uma reforma de alto a baixo na república islâmica. Querem coisas
complexas, como restabelecer a supremacia da lei civil sobre o direito canônico. E
também restaurar direitos triviais do cotidiano, como namorar, vestir gravata e usar saia
curta. Se isso está demorando é porque, apesar do formidável valor simbólico da
votação, o presidente tinha até agora limitada liberdade de ação. Não controlava o
Parlamento, nem os órgãos de segurança e o Exército. Mesmo a economia, por ser em
grande parte nacionalizada, está sob o domínio da caciqueria religiosa. A maioria no
Parlamento significa que agora o Irã dispõe de uma base sólida na luta pela
descompressão política e religiosa. Mas é preciso reconhecer: os iranianos ainda estão
longe de resolver a polêmica sobre quem manda no país.

No Irã, como em todo o mundo muçulmano, a questão vai muito além de desacordos
políticos. Khatami sustenta que a vontade popular, expressa pelo voto, deve prevalecer
sobre a opinião dos sábios nas mesquitas. Trata-se de um conceito aceito
universalmente, mas para o clero iraniano é mais que subversivo, beira a heresia. Desde
o início do século XX, quando a influência ocidental entrou na terra dos minaretes,
teólogos e políticos engalfinham-se em torno de uma dúvida: a democracia pode existir
numa verdadeira república islâmica? Os aiatolás iranianos dizem que não. Num Estado
islâmico perfeito, a única lei é a de Alá e daqueles que governam em seu nome. "O
próprio conceito de liberdade do homem pode ser visto como uma afronta à única lei
legítima, a de Deus, porquanto o islã dispõe de regras para qualquer assunto espiritual
ou temporal", escreveu um especialista, o inglês David Hirst.

O desastre eleitoral da ortodoxia iraniana reflete um fenômeno mais abrangente, o


declínio do islã militante, aquele das bombas assassinas. O fanatismo político islâmico
que o mundo conheceria a partir de atentados terroristas e do controle total das
sociedades pelo clero não nasceu em Teerã, mas com a Fraternidade Muçulmana no
Egito, nos anos 20. Demorou meio século para o grito de "O islã é a solução" tornar-se
uma ideologia forte no mundo muçulmano. Outro problema: o mundo muçulmano
adora fingir unidade, mas é um saco de gatos étnico e político, onde se misturam povos
e culturas totalmente diferentes uns dos outros.

Os governos em alguns países de maioria muçulmana olham para o islã político com
temor e aversão ainda maiores que os sentidos nos países de tradição européia e cristã.
Em 1982, o governo Hafez Assad massacrou 20 000 pessoas na cidade síria de Hama,
considerada um bastião da Irmandade Muçulmana. O Egito recém-proclamou vitória
sobre o terrorismo islâmico, que durante uma década tentou arruinar a indústria turística
do país chacinando visitantes estrangeiros. A Turquia, talvez o mais democrático país
muçulmano do Oriente Médio, já saiu dos trilhos para impedir que a oposição islâmica
(moderadíssima) assumisse o poder conquistado nas urnas. O momento é contraditório,
pois, ao mesmo tempo em que o fundamentalismo armado perde fôlego, o islã, como fé
e cultura, passa por um vibrante processo de renascimento. A noção de que a religião
deve ter um papel importante na vida pública tem raízes profundas e não pode ser
ignorada pelos governantes dos países de população muçulmana. Como reagem à
religiosidade de seus habitantes depende, contudo, das peculiaridades de cada país.

O que se conhece como mundo islâmico é uma área vasta, que vai da Europa ao
Pacífico, no outro lado do planeta. Um único país, o Irã, é absolutamente teocrático, ou
seja, é dirigido pelo clero muçulmano a partir não de leis votadas em parlamento, e sim
das regras do Corão. Boa parte dos 23 países árabes é governada por presidentes com
preocupações religiosas apenas formais. Ainda que disponham de poder de decisão
equivalente ao dos aiatolás do Irã, Hafez Assad, na Síria, Hosni Mubarak, no Egito, e
Saddam Hussein, no Iraque, se fazem reeleger periodicamente em simulacros de
eleições, mantendo uma democracia de fachada. O zelo religioso é várias vezes mais
intenso nas monarquias do Golfo Pérsico. Guardiã dos lugares santos, a família real
saudita inventou a polícia da moralidade, que os iranianos copiariam mais tarde. Mulher
que sai de casa sem véu apanha na rua de chicote. Uma embaixatriz brasileira levou um
pontapé no traseiro num shopping de Riad, capital da Arábia Saudita, porque deixou o
véu sobre cabeça deslizar para cima dos ombros. Adúlteras são executadas em vários
países muçulmanos rígidos, como o Afeganistão. Mesmo o pai que mata uma filha, por
surpreendê-la em relação sexual fora do casamento, não costuma ser condenado a
prisão.

A diversidade das formas de governo é sempre citada, entre os árabes, como prova de
que o islamismo não é necessariamente sinônimo de ditadura. Dizem eles que, se há
pouca democracia no Oriente Médio, isso decorre mais da história de cada país do que
da religião. Há certa verdade nisso. Mesmo naqueles países onde os cléricos não
tomaram o poder, no entanto, há quase sempre partidos islâmicos, mais ou menos
extremados, na oposição política. Não costumam ter sucesso nas urnas. Nas desastrosas
eleições de 1992, na Argélia, cujo cancelamento levou à guerra civil com 100.000
mortos, a Frente Islâmica recebeu apenas 3,25 milhões dos 13 milhões de votos. Onde
ganhou, como ocorreu na Turquia, declinou nas eleições seguintes. A baixa
popularidade dos islâmicos fundamentalistas nesses lugares decorre, em parte, da
sombria invocação dos chamados Versos da Espada. Trata-se de uma interpretação
seletiva do Corão, com ênfase no apelo à Guerra Santa. "O clero e os fundamentalistas
ensinam uma história errada do islã, olhando apenas para o autoritarismo e o
militarismo do passado", disse a VEJA o romancista paquistanês Tarik Ali, que vive em
Londres. "Por que nunca falam no verso corânico que diz que a fé não tem valor se for
imposta à força?" O fato é que a postura belicosa que se tornou a palavra de ordem no
islã significa encrenca em toda parte. Em fevereiro, a introdução da sharia, a lei
islâmica, em dois Estados no norte da Nigéria deflagrou uma guerra tribal com a
população cristã, minoritária. Há também conflitos confessionais na Indonésia e
perseguição oficial aos cristãos no Paquistão.

A adoção da sharia faz parte do discurso oposicionista em todo o mundo islâmico. Mas
quando isso ocorre os excessos assustam até quem está disposto a colaborar. Os
iranianos sentiram na carne o que significa reduzir a religião à observância cega de
certas normas que proíbem o álcool, exigem vestuário de freira para as mulheres e não
admitem sexo nas condições aceitas em países ocidentais. Um grupo de estudantes
fanáticos e com origem tribal, o Taliban, tomou a maior parte do Afeganistão e adotou a
sharia ao pé da letra. Baniu o corte de barba e a música e proibiu as mulheres de
trabalhar fora de casa. Há uma longa distância entre o exagero bárbaro do Taliban e o
exagero refinado dos aiatolás. Os dois regimes são, por sinal, inimigos mortais e já
estiveram perto da guerra aberta. "Como fundamentalista sunita, o Taliban é
profundamente antixiita", explica o professor Houchang E. Chehabi, da Universidade de
Boston. "Se o Irã abrandar o regime, os fundamentalistas sunitas podem entender isso
mais como um fracasso da seita rival do que como um exemplo a ser seguido."

A revolução iraniana começou como uma explosão espontânea, reunindo todas as forças
políticas e os grupos sociais descontentes com a monarquia. O regime tornou-se
rapidamente um pesadelo. Os sacerdotes (mulás) saíram matando e exilando todos que
pudessem ser oposição, de comunistas a muçulmanos moderados. Logo fizeram o
aparato repressivo do xá parecer coisa de criança. Os mulás também não tinham
nenhum truque para sanar as mazelas do subdesenvolvimento. Talvez não exista mesmo
como aplicar na prática uma economia baseada na justiça islâmica. O clero foi além,
contudo, aproveitando-se das propriedades confiscadas para enriquecer. O Irã, em que o
petróleo responde por 85% das exportações, foi esmagado pela queda no preço do
barril, pelas sanções internacionais (impostas porque o regime financiava o terrorismo
no exterior) e pela interminável guerra contra o Iraque. Não houve investimentos em
atividade produtiva e o desemprego tornou-se crônico.

Na última década, o governo iraniano produziu alguns benefícios: pavimentou estradas,


melhorou a distribuição de eletricidade e de água. No final dos anos 70, só metade dos
jovens iranianos eram alfabetizados. O porcentual cresceu 93% em duas décadas. O
número de formandos universitários saltou de 430.000 para mais de 4 milhões. Com o
xador negro, as iranianas tornaram-se o estereótipo da opressão xiita. Em contrapartida,
são as mulheres com maior atividade política no Golfo Pérsico e, talvez, no mundo
islâmico. Mais de 40% dos estudantes universitários são do sexo feminino. É verdade
que a revolução também baixou a idade mínima para uma mulher se casar para 9 anos.
A ironia é que a revolução produziu uma geração bem-educada, ansiosa por mergulhar
na cultura globalizada. Iranianos, homens e mulheres, querem hoje usar roupas
elegantes, expor suas antenas parabólicas e namorar em público – exatamente o que é
proibido.

O fracasso da única teocracia deu impulso a novas formulações sobre o Estado islâmico
moderno. Muitas das discussões mais profundas dentro do islã estão ocorrendo nos
jornais, tribunais e salas de aula iranianas. Mesmo clérigos e intelectuais que foram
próximos a Khomeini estão agora colocando em dúvida as bases do pensamento
religioso sobre o qual construíram a República Islâmica. A luta dos iranianos para
liberalizar o regime (ninguém sugere publicamente que a teocracia pode ser abolida) é
um dos movimentos mais fascinantes da virada do milênio. Ao derrubar o xá, Khomeini
atingiu pela primeira vez na História moderna o objetivo comum a todos os
muçulmanos: tomar o poder político em nome de Alá. A atual geração está tentando
devolver o poder político ao povo, sem precisar jogar Alá pela janela.

A vida atrás dos véus


O mais enérgico movimento social a emergir no Irã desde 1979 foi o das mulheres.
Apesar de obrigadas a esconder os cabelos com lenços pretos, as iranianas
conquistaram posições importantes no governo, na universidade e na imprensa. Não é
uma situação comum no mundo islâmico, sobretudo nos países árabes. Ao contrário, as
mulheres são privadas de direitos básicos na maioria deles e não há notícia de nenhuma
organização pelos direitos femininos que tenha sobrevivido por muito tempo. Na
Arábia Saudita, elas não podem dirigir automóvel ou sentar-se sozinhas num
restaurante. Em vários países, entre eles o Irã, seu testemunho na Justiça vale metade
do de um homem. O Egito, que no início do século XX aboliu o uso do véu e nos anos
50 adotou o voto feminino, não permite que a mãe passe a nacionalidade egípcia ao
filho. Há hoje 80 000 apátridas no país, todos filhos fora do casamento ou de pai
desconhecido. Na década passada, o Estado baniu a mutilação genital, mas o hábito –
cujo objetivo é privar a mulher do prazer sexual – continua amplamente difundido.
Recentemente, para não contrariar a oposição islâmica, o governo retirou um projeto de
lei que permitiria às mulheres viajar para o exterior sem autorização escrita do marido.

A situação de inferioridade da mulher no Islã decorre, sobretudo, dos costumes


patriarcais, mas a religião desempenha seu papel. Inspirada nos preceitos do Corão, a
lei concede ao marido o direito de repudiar a esposa, sem que ela possa contestar ou
pedir pensão. Na situação inversa, o divórcio exige da mulher longas batalhas judiciais.
Em muitas nações, a mãe divorciada só pode criar as filhas até os 12 anos e os filhos
até os 10. Daí em diante são entregues ao pai. Em vários países, a viúva não tem direito
à herança do marido, repartida apenas entre a prole masculina. O próprio rei da
Jordânia está empenhado numa campanha contra os chamados "crimes de honra". São
pais ou irmãos que matam a filha ou irmã solteira suspeita de conduta sexual imprópria
e raramente são punidos. A polícia jordaniana coloca as jovens ameaçadas atrás das
grades para evitar que sejam assassinadas pela própria família. Em todos os países
árabes em que há estatísticas disponíveis, a presença das mulheres no mercado de
trabalho dobrou nos últimos vinte anos. Em vários existem mais mulheres que homens
nas universidades. Ainda assim, elas continuam inferiores perante a lei e sem presença
na política. A milícia fundamentalista Taliban, dona da maior parte do território do
Afeganistão, foi mais longe. Proibiu as mulheres de trabalhar fora de casa, obrigou-as a
cobrir todo o corpo – inclusive os olhos – com vestidões que escondem as formas
femininas. Um tornozelo à mostra em local público pode ser punido com chibatada.
Uma suspeita de adultério é morte certa, a pedrada.

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