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O Islã

Prof. Daniel

Atente para: tribos árabes unidade política e identidade comum, fator


de unificação que transformou diversas forças pequenas e
 O fato do Islã seguir o mesmo Deus de cristão e judeus
rivais em uma única força poderosa.
sob outra interpretação.
 A diferença entre árabe e muçulmano.
 As diferenças entre sunitas e xiitas. ORIGEM
Segundo a crença islâmica, Maomé recebeu a primeira revelação
 Xiita não significa radical, sunita não significa moderado.
em 610 d.C, através do arcanjo Gabriel. Inicialmente pregou apenas
Cada vertente tem subdivisões e o radicalismo ou a
entre seus familiares e amigos. Aos poucos tentou converter
moderação estão presentes nas duas vertentes.
também os moradores de sua cidade, Meca, um centro de
 O radicalismo, fundamentalismo ou extremismo depende
peregrinação de diversas tribos árabes. Sua insistência no
de questões ligas à interpretação do texto sagrado e de
monoteísmo foi vista como uma ameaça ao comércio da cidade, que
fatores históricos e econômicos. É um fenômeno que se
vivia dos peregrinos de diversas religiões.
consolidou no séc. XX. A convivência pacífica com outras
religiões pode ser notada em diversos momentos
Héjira, 622 d.C. (fuga) – Após alguns conflitos com a população de
históricos.
Meca, Maomé seguiu com seus seguidores para Iatribe (Medina), o
 O extremismo dos dias atuais repousa, em especial, nas
oásis de onde passou a comandar a conversão das tribos do
seitas ligadas ao wahabismo ou salafismo, uma vertente deserto. Este episódio, a fuga de Meca para Medina, marca o início
sunita.
do calendário islâmico por ser um momento de rompimento,
provação e afirmação da fé.
Parte 1 - O Islã Hoje, a Hégira serve como base para o chamado “paradigma
maometano”, ou seja, a fuga para um local onde o “verdadeiro Islã”
possa ser praticado. Tal visão é predominante entre os grupos mais
Alá: Literalmente, Deus. radicais, que buscam fundar emirados ou repúblicas islâmicas puras,
como seria o caso do Afeganistão sob os Talibã.
Maomé: Comerciante árabe da cidade de Meca, da tribo Coraixita.
Profeta escolhido por Deus para transmitir à humanidade Sua Tomada de Meca, 630 d.C. – após conquistar o deserto e passar a
mensagem. Ao longo de sua vida teve contato com cristãos e controlar as rotas comerciais que abasteciam Meca, a cidade aos
judeus, também monoteístas. poucos foi convertida e se entregou ao profeta.

632 d.C. – morte de Maomé.


O Corão, Alcorão: “A recitação”, o Livro ditado por Deus a
Maomé ao longo de alguns anos. SUCESSÃO de MAOMÉ
A morte de Maomé em 632 d.C. privou o Islã de seu líder natural.
Islã: Literalmente: submissão a Deus. Maomé não apontou um califa (sucessor) e questão sucessória
tornou-se urgente, a comunidade islâmica precisava de um líder
político e militar. O califa deveria ser alguém exemplar, capaz de
Muçulmano ou Islâmico: Todo aquele que abraça o islamismo manter a unidade da umma, a comunidade islâmica, evitando a
como religião, independente de sua origem étnica e cultural.
fitna, o dissenso ou desunião. A morte de Maomé iniciou o processo
de divisão do Islã em diferentes grupos ou seitas.
Árabe: Membro ou descendente das tribos semitas do deserto da
Arábia. Povo escolhido por Deus para a última revelação segundo a O primeiro califa foi Abu Bakr, um chefe militar capaz de impor a
crença islâmica. É comum a confusão entre os termos árabe e ordem e manter a unidade. A escolha desagradou os familiares de
muçulmano. Árabe designa apenas uma origem étnica e cultural. Ali, primo do profeta casado com Fátima, filha do profeta (visto por
alguns como o sucessor por direito).
Mundo árabe: Inclui basicamente o norte da África e a Península
Arábica. O segundo califa foi Umar (Omar), seguido então de Uthman
(Osman). A morte de Uhtman trouxe novamente à tona o direito de
Mundo muçulmano: Além do mundo árabe, inclui também Ali à sucessão. Ali então assumiu o califado, mas foi desafiado por
partes da África Subsaariana, parte dos Balcãs, Turquia, Irã, Ásia Muawiya, descendente de Uthman, e morto em 661.
Central, Paquistão, partes da Índia, China e o sudeste asiático, com
destaque para a Indonésia. A questão sucessória e a morte de Ali geraram a primeira divisão do
Islã: sunitas e xiitas. Os partidários de Ali não reconheceram o
Umma: A comunidade islâmica global, o conjunto dos fiéis. governo (e as ações) dos primeiros califas. Deram origem aos
xiitas, o “Partido de Ali”.
CONTEXTO HISTÓRICO
 Europa descentralizada (Alta Idade Média). Cristianismo.
A CRENÇA e a QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO
O Deus islâmico é o mesmo de cristãos e judeus, os “Povos do
 Disputa entre os Impérios Bizantino e Persa. Cristianismo
Livro”. O patriarca é Abraão. Segundo a crença islâmica, Deus usou
e zoroastrismo.
profetas (mensageiros) para revelar escrituras aos homens.
 Península Arábica: estrutura familiar (“tribal”),
Revelações importantes foram dadas a Moisés, Davi e Jesus. Deus
descentralização política. Politeísmo. O Islã conferiu às
revelou a sua mensagem em escrituras cada vez mais abrangentes
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que culminaram com o Corão, o derradeiro livro revelado a Maomé. Hadith – os relatos e tradições sobre as decisões do profeta e dos
As diferenças entre as três religiões monoteístas ou abraâmicas primeiros califas, transmitidos oralmente ou de forma escrita, aceitos
residem na importância dada a cada profeta e no caráter divino que como guias de conduta após serem validados ou terem sua origem
eles assumem ou não. autenticada, o que varia entre as seitas e escolas legais.

Para os judeus, as revelações válidas são aquelas contidas no que Sharia – frequentemente traduzida como “lei islâmica”, a sharia na
os cristãos consideram o Antigo Testamento. Assim sendo, os verdade seria “o caminho”, o modelo de vida que o muçulmano
judeus não reconhecem Jesus como profeta e filho de Deus, e ainda exemplar deve adotar. A palavra tem origem na expressão árabe
aguardam a vinda do messias. usada para descrever o caminho seguro, através do deserto, até um
oásis.
Para os cristãos, o Antigo Testamento é válido mas a ênfase maior é
dada à figura de Jesus Cristo (messias) e ao Novo Testamento. Os Jihad – freqüentemente traduzido como “Guerra Santa”, o conceito
judeus, portanto, estariam errados ao não reconhecer a santidade de jihad é mais complexo do que esta formulação. Significa a luta ou
de Jesus. esforço, em sentido amplo, pela melhoria do Islã e do muçulmano.
Maomé a divide em duas categorias, a jihad maior, uma luta
Para os muçulmanos os ensinamentos do Antigo Testamento são pessoal, interna, pelo avanço moral de cada muçulmano como fiel e
válidos e Jesus é considerado um profeta importante, mas não é praticante do Islã; e a jihad menor, a luta literal, a guerra pela
visto como filho de Deus. Maomé é mais importante por ser expansão do Islã sobre outros povos e religião.
considerado o “selo dos profetas”, ou seja, aquele que encerra (sela) Todos esses fatores são ainda acrescidos das tradições locais em
o conjunto de revelações à humanidade. Consideram também que cada região. Cada fator pode ter um peso diferente nas diferentes
cristãos e judeus se desviaram dos ensinamentos de Deus. Ao seitas e vertentes islâmicas.
contrário do que ocorre com o cristianismo, Maomé não tem
natureza divina. O fato de ter sido escolhido por Deus faz dele uma Fundamentalismo ou Radicalismo
pessoa especial, mas não evita que suas ações possam ser Atualmente, o chamado “fundamentalismo religioso islâmico” criou
criticadas dependendo da interpretação que se faz do texto sagrado. uma imagem do Islã como uma fé “naturalmente” agressiva. Como
na Bíblia, os versículos do Corão podem ser interpretados de formas
Conforme a fé islâmica se difundiu e o governo árabe se impôs diferentes de acordo com o objetivo de quem interpreta. Algumas
sobre outros povos, o Islã foi gradualmente adotado como uma leituras mais radicais podem extrair das palavras do Livro a
ferramenta de governo, a base do sistema legal, social e até justificativa para ações violentas. O mesmo versículo pode levar à
econômico. Em algumas regiões, as culturas locais também foram tolerância. É importante ressaltar que é o uso político ou
incorporadas parcialmente. Acredita-se que a forma final do Corão ideológico que transforma o ensinamento religioso em arma de
foi atingida no governo de Uthman, o terceiro califa, quando os guerra.
árabes já tinham incorporado regiões dotadas de tradições
milenares (Síria, Iraque, Pérsia). O Islã foi então influenciado por Trechos do Corão
idéias do judaísmo, do cristianismo nestoriano e do zoroastrismo (ou 2ª surata, v.136: “Dizei: Cremos em Deus, no que nos tem sido
mazdeísmo) persa. revelado, no que foi revelado a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e
às tribos; no que foi concedido a Moisés e a Jesus e no que foi dado
Obrigações básicas para qualquer muçulmano: aos profetas por seu Senhor; não fazemos distinção alguma entre
 A recitação e aceitação do credo (Chahada ou Shahada); eles, e nos submetemos a Ele”.
“Alá é o único Deus e Maomé seu profeta”
 Orar cinco vezes ao longo do dia (Salat ou Salah) v.190: “Combatei, pela causa de Deus, aqueles que vos combatem;
 Pagar dádivas rituais, “esmola” (Zakat ou Zakah) porém não pratiqueis agressão, porque Deus não estima os
 Observar o jejum (Saum ou Siyam) no Ramadã, nono mês agressores”.
do calendário islâmico. Enquanto for dia, o fiel deve evitar
comer, beber e manter relações sexuais. v.191: “Matai-os onde quer que os encontreis e expulsai-vos de
 Fazer a peregrinação a Meca (Hajj ou Haj) ao menos uma onde vos expulsaram, porque a perseguição é mais grave que o
vez na vida se o fiel tiver condições físicas, mentais ou homicídio. Não os combatais nas cercanias da Mesquita Sagrada, a
financeiras. menos que vos ataquem. Mas, se ali vos combaterem, matai-os. Tal
será o castigo dos incrédulos”
Ao se tornar a base da lei em muitas regiões diferentes, o Corão
v.192: “Porém, se desistirem, sabei que Deus é Indulgente,
passou a ser usado para resolver questões práticas e cotidianas
Misericordiosíssimo”
como disputas judiciais, assuntos criminais, divórcios e partilha de
heranças. Como o livro não apresenta soluções para todos os
v.193: “E combatei-os até terminar a perseguição e prevalecer a
problemas que poderiam aparecer, a questão da interpretação
religião de Deus. Porém, se desistirem, não haverá mais
do Corão e dos atos de Maomé e dos primeiros califas se
hostilidades, senão contra os iníquos”
tornou um ponto fundamental, dando origem a diferentes seitas
e escolas legais. Algumas defendem a interpretação literal, outras
5ª surata, v.13: “Porém, [os israelitas] pela violação de sua
aceitam analogias, metáforas e a progressiva mudança nos
promessa, amaldiçoamo-los e endurecemos os corações. Eles
costumes com o passar do tempo. Os resultados finais podem ser
deturparam as palavras do Livro e se esqueceram de grande parte
bastante diferentes.
do que lhes foi revelado; não cessas de descobrir a perfídia de todos
eles, salvo uma pequena parte; porém, indulta-os e perdoa-lhes os
Corão – a recitação, a palavra de Deus a Maomé em forma de livro.
erros, porque Deus aprecia os benfeitores”
Suna – o conjunto dos relatos sobre o comportamento do profeta e
v.14: “E também aceitamos a promessa daqueles que disseram:
dos seus companheiros próximos. Para os sunitas (ver abaixo), a
Somos Cristãos! Porém, esqueceram-se de grande parte do que
suna também é um guia de conduta, formado por várias hadith.

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lhes foi recomendado, pelo que disseminamos a inimizade e o ódio mantra. A experiência religiosa é vista como algo individual, mas que
entre eles, até o Dia da Ressurreição. Deus os inteirará, então, do precisa de um “mestre” como guia. Para alguns grupos muçulmanos
que cometeram”. radicais, os sufitas estão fora do espectro do Islã, são considerados
hereges.
29ª surata, v.46: “E não disputeis com os adeptos do Livro, senão
da melhor forma, exceto com os iníquos dentre eles. Dizei-lhes: Wahhabitas, Salafitas, Deobandis
Cremos no que nos foi revelado, assim como no que vos foi Visão mais puritana ou radical do sunismo, responsável pelo atual
revelado antes; nosso Deus e o vosso são Um e a ele nos terrorismo (ver adiante).
submetemos”.

42ª surata, v.13: “Prescreveu-os a mesma religião que havia EXPANSÃO, SÉC. VII a IX
instituído para Noé, a qual te revelamos, a qual havíamos A expansão árabe-islâmica se deu de forma muito rápida. Diversas
recomendado a Abraão, a Moisés e a Jesus, dizendo-lhes: Observai regiões extra-arábicas foram conquistadas e convertidas em poucos
a religião e não discrepeis acerca disso; em verdade, os idólatras se séculos. Se, por um lado, houve a islamização e arabização dos
ressentiram daquilo a que os convocastes. Deus elege quem Lhe povos conquistados, houve também concessões às culturas e ritos
apraz e encaminha para Si os contritos”. locais por parte do Islã. As principais regiões islamizadas foram:
VERTENTES PRINCIPAIS  Turquia
Sunitas  Irã (Pérsia)
Os sunitas são aproximadamente 90% da população islâmica.  Ásia Central, incluindo partes da China atual (Xinjiang)
Baseiam-se no Corão e na Suna. Aceitam os califas, justos ou não,  Índia
que não tenham negado os princípios do Corão. As diferentes seitas  Paquistão
sunitas incorporam em maior ou menor escala as tradições locais e  Malásia e Indonésia
o consenso comunitário. Não acreditam que o califa seja um  África do norte e litoral índico, Saara e regiões adjacentes
intérprete infalível da fé. Enfatizam a necessidade de manter a paz e  Península Ibérica (até a reconquista cristã, séc. XI-XV).
a segurança entre os muçulmanos. O governo não precisa ser  Península Balcânica (em especial Albânia e Bósnia)
necessariamente guiado por membros do clero, mas o governante  Sul da Rússia e Cáucaso (Chechênia, Ingutchéia e
deve ser um homem de fé. Daguestão)

Xiitas, o “partido de Ali” ORGANIZAÇÃO POLÍTICA


Os xiitas são aproximadamente 10% dos muçulmanos. Não A organização inicial foi o califado, regime centralizado em torno de
reconhecem os três califas antes de Ali, nem as hadith sobre eles um califa (sucessor) responsável por cuidar dos assuntos políticos e
porque consideram que apenas a família de Maomé deveria herdar religiosos.
sua autoridade (através dos descendentes de Ali e Fátima). Aceitam
apenas as hadith transmitidas pela família de Ali o que leva a um Califado Omíada (661-750)
sistema jurídico e religioso diferente. O consenso comunitário tem Responsáveis pela maior parte da expansão islâmica, os omíadas
menos valor. Crêem que a sociedade deve ser guiada por um imã governaram entre 661 e 750. Sua capital era Damasco, atual Síria.
(líder religioso) ou um aiatolá (literalmente “indicado por Deus”) e Após serem destronados, um ramo da família se estabeleceu na
que seu julgamento é infalível, compondo assim uma teocracia. península ibérica, dando início ao Califado de Córdoba (756-1031) e
Divergem internamente quanto á sucessão de Ali, subdividindo-se a outros reinos ibéricos posteriormente conquistados no proceso de
em seitas menores. Acreditam que o último imã descendente de Ali formação de Portugal e Espanha, a “Reconquista”.
está oculto e que um dia retornará na figura do Mahdi, “o guiado”
que salvará a humanidade (messianismo ou milenarismo). Sendo Califado Abássida (750-1258)
minoritários, sofreram diversas perseguições por parte da maioria Após derrubarem os omíadas, os abássidas se viram frente ao
sunita. desafio de governar um império extenso e etnicamente diversificado.
Sua capital era Bagdá. Foi durante esse período que as populações
Atenção conquistadas aos poucos adotaram o islamismo. Foram derrubados
É freqüente a simplificação que coloca os sunitas como “moderados” pela invasão mongol no séc. XIII.
e os xiitas como “radicais”. Tal raciocínio pode parecer lógico já que
os sunitas não são teocráticos e aceitam um número maior de fontes Fragmentação do Califado, séc. X.
como guias de conduta, adotando assim hábitos mais “modernos”. A extensão do império muçulmano e a enorme diversidade interna
Essa simplificação esconde a diversidade de interpretações de povos e interesses inviabilizaram a manutenção de uma estrutura
presentes dentro das seitas sunitas e xiitas. Basta lembrar que política rigidamente centralizada. A partir do séc. X diversas
Osama Bin Laden, o grupo Talibã e os atuais rebeldes iraquianos dinastias independentes surgiram na periferia do califado e
são sunitas e não xiitas (ver parte 2 – Wahhabismo). passaram a disputar o poder entre si. A unidade política
desapareceu definitivamente. A partir do domínio seljúcida (povo
OUTRAS VERTENTES turco da Ásia Central), povos islâmicos não-árabes passaram a
O Islã apresenta diversas vertentes minoritárias, muitas vezes construir impérios e dominar as regiões árabes também. Diversas
restritas a uma única região. Entre elas, merecem destaque: dinastias locais e pequenos reinos surgiram nas regiões periféricas
ou em momentos de crise e fragmentação entre a queda de um
Sufitas império e a ascensão de outro. A restauração do califado é o
Vertente influenciada pelo monasticismo do cristianismo nestoriano projeto de diversos grupos radicais atuais.
e pela meditação característica das religiões como o budismo e o
hinduísmo. Os sufitas são considerados o lado místico do Islã.
Defendem uma relação direta com Deus através do canto, da dança,
do transe e da vocalização do nome de Alá (Dhikr), uma espécie de

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Parte 2 – Islã político e extremismo Yom Kippur), eo apoio ocidental a Israel criaram um profundo
“A ameaça é grave. Trinta anos atrás, uma nova ideologia política sentimento de continuidade da intervenção externa.
islâmica começou a encontrar ressonância entre milhões de jovens,
homens e mulheres, ao redor do mundo muçulmano. Essa ideologia Décadas de 1970 e 1980 – Islamistas
era um esforço intelectual sofisticado e genuíno que procurava O fracasso dos projetos nacionalistas laicos e a ausência de uma
encontrar uma resposta islâmica (religiosa) para os desafios oposição organizada facilitaram a politização dos grupos religiosos
impostos pelo domínio cultural, econômico e político do Ocidente. que antes atuavam apenas no âmbito social. A religião passou a ser
Com o passar das décadas essa ideologia foi alterada, apontada como a única forma de superar os problemas enfrentados.
transformando-se em algo diferente. Antes, os ativistas islâmicos A decadência do mundo islâmico e o domínio cultural foram
pensavam basicamente em tomar o poder ou em mudar sua própria interpretados como uma espécie de castigo imposto aos
nação. No programa, havia espaço para a moderação e a muçulmanos por terem deixado de ter sua fé como prioridade. As
conciliação. O movimento abrigava uma enorme multiplicidade de universidades tornaram-se centros de difusão e discussão, atraindo
correntes do pensamento político [...] setores da classe média, principalmente no mundo árabe.

Cada vez mais, porém – e essa é a tendência – os extremistas não Para os militantes desse período, o objetivo era combater os maus
são mais vistos como a “frente utópica”. Em vez disso, são governos e islamizar a sociedade de baixo para cima, através da
percebidos como os responsáveis pelos padrões muçulmanos. E ação social e política (partidária ou ilegal). Sua ação se restringe ao
sua linguagem é agora o discurso dominante no ativismo islâmico próprio país onde surgiu cada grupo ou a certas regiões, como o
moderno [...] mundo árabe (visto como um só “país” dividido por fronteiras criadas
pelo ocidente). Seu inimigo é o governo corrupto e ineficiente que se
Muitos caracterizam essa ameaça, de modo perigoso e equivocado, alia às potências ocidentais e não se esforça para melhorar a vida
como se estivesse enraizada num “choque de civilizações”. Essa da população. Inicialmente seus membros rejeitavam a ação armada
atitude não apenas favorece os extremistas, mas, ao reduzir a e a tomada do Estado pela violência. Perseguições e intervenções
importância das verdadeiras causas, se arrisca a estimular o estrangeiras radicalizaram muitos militantes, que aderiram então ao
emprego de táticas contraproducentes”. conflito armado.
(Al Qaeda – Jason Burke, pp18-19).
Merece destaque a Irmandade Muçulmana, fundada no Egito em
1928, grupo que se ramificou para quase todos os países do Oriente
AÇÃO POLÍTICA e ARMADA Médio árabe. Sua ação política teve início com a guerra de 1948
A politização do islamismo é um fenômeno que teve origem no séc. (fundação de Israel). Outros exemplos: a Revolução do Irã (1979), o
XX e tem origens diversas. Devem ser considerados os seguintes Hamas palestino e Hezbollah libanês.
fatores:
Décadas de 1990 e 2000 – Jihadistas
 O domínio europeu entre os séculos XVIII e XX Os jihadistas se caracterizam por não aceitar a ação política,
 Primeira Guerra Mundial: fragmentação do Império Turco enfatizando apenas o conflito armado como forma de impor uma
Otomano e partilha do Oriente Médio. Tutela franco- sociedade islâmica ideal (de acordo com suas concepções).
britânica. Acreditam na restauração da comunidade muçulmana global
 Descolonização e Guerra Fria: fragmentação dos impérios (califado) e se envolvem em conflitos onde quer que enxerguem
Britânico e Francês, levando à independência de diversos uma ameaça ao islã. Seus ideais religiosos apontam os valores
países africanos e asiáticos. Governos incapazes de ocidentais como uma ameaça existencial. Essa tendência ganhou
melhorar a vida de suas populações. Fracassos militares. força devido à invasão soviética no Afeganistão, entre 1979 e 1989.
Criação de Israel.
 Fragmentação da URSS: independência dos países da A invasão soviética, no contexto da Guerra Fria, aproximou os
Ásia Central. Ditaduras. interesses dos EUA, de estados Árabes e do Paquistão, que
 Em quase nenhum caso foi respeitada a divisão étnica ou ajudaram a organizar a resistência afegã contra os soviéticos. O
sectária entre os vários povos islâmicos, o que resultou em Afeganistão se tornou o palco de uma grande reunião de militantes
Estados com diversos problemas internos. religiosos de todo o mundo islâmico. Os governos árabe saudita e
paquistanês favoreceram os grupos cujos ideais religiosos eram
O mundo islâmico apresenta diversas correntes políticas, mais próximos aos seus, o que levou ao crescimento de uma visão
ideológicas e religiosas diferentes, das mais moderadas às mais radical do Islã, baseada nos ideais chamados wahhabitas, salafitas
radicais. Cada tendência teve seu período de maior influência. É ou deobandis. Muitos militantes participaram também de ações na
importante também considerar a questão do preconceito e da Bósnia, Kosovo, Sudão, Somália e Chechênia.
marginalização que atingem muitos muçulmanos residentes nos
países ricos do ocidente ou em países orientais não-islâmicos onde A experiência afegã deu aos jihadistas o conhecimento e os
há minorias islâmicas expressivas. contatos necessários para expandir a “guerra santa”. A Al Qaeda (“a
base”, no sentido militar) surgiu nesse contexto.
Décadas de 1950, 1960 e início de 1970 – Nacionalistas
O primeiro período após a independência dos países muçulmanos A atual guerra do Afeganistão (iniciada em 2001) e a invasão do
foi marcado pelo domínio de ideais laicos e nacionalistas ao invés de Iraque em 2003 reforçaram ainda mais esse cenário.
religiosos. No Oriente Médio surgiram projetos em defesa da
unificação dos árabes sob um único governo (nasserismo). Os Os jihadistas são perseguidos em seus próprios países (que muitas
governos desse período, porém, não conseguiram melhorar a vida vezes tem governos pró-ocidentais), o que estimula ainda mais sua
de suas populações. Diversas ditaduras e golpes militares marcaram ação descentralizada e global. São predominantemente sunitas.
essa fase. A perseguição política aos grupos liberais, progressistas, Osama Bin Laden se enquadra nesse grupo.
democráticos e comunistas foi intensa. As derrotas de 1948
(fundação de Israel), 1967 (Guerra dos Seis Dias) e 1973 (Guerra do

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Wahhabitas, Salafitas, Deobandis
O atual radicalismo islâmico baseia-se em pensadores como Ibn
Taymyia, sírio sunita do séc.XIV que iniciou uma reforma religiosa
visando eliminar sufitas e xiitas, vistos como hereges que
deformaram o islamismo. Sob seu ponto de vista, o pior inimigo do
Islã é o mau muçulmano e a sociedade deve ser guiada somente
através da religião. Ibn Taymyia nega a interpretação do próprio
Maomé a respeito da jihad e enfatiza apenas a jihad menor, a luta
(no sentido literal) pela expansão do Islã. A jihad terminará quando o
mundo todo estiver convertido.

No séc. XVIII, Mohamed Ibn Abd Al-Wahhab, árabe, foi a Medina


estudar religião e teve contato com os ideais de Taymyia. No mesmo
período estava em Medina Shah Waliullah, um indiano muçulmano
de Delhi. Os dois se tornaram professores conhecidos e difundiram
suas crenças em suas regiões de origem: na Arábia, Wahhab se
casou com uma das filhas do rei Mohamed Saud, fundador da
dinastia saudita; no norte do Indostão (fronteira Índia-Paquistão), na
madrassa (escola religiosa) Deobandi, os ensinamentos de
Waliullah passaram a integrar a resistência ao domínio britânico e
hindu.

No séc. XX um autor importante e bastante lido foi Syed Qutb, que


esteve nos EUA e escreveu em carta a um amigo: “Gostaria de
encontrar alguém com quem conversar sobre assuntos humanos,
moral e espiritualidade, não apenas dólares, estrelas de cinema e
carros”. Qutb centra sua crítica no materialismo “sem valores” do
ocidente, em que a liberdade e a felicidade individuais são sagradas
e postas acima religião e da moral. O Islã seria, por oposição, um
guia de valores sólidos ditados por Deus.

Bibliografia selecionada
 Al-Qaeda – A verdadeira história do radicalismo islâmico.
Jason Burke.
 Confronto de fundamentalismos. Tariq Ali.
 Em nome de Deus – o fundamentalismo no judaísmo, no
cristianismo e no islamismo. Karen Armstrong
 God´s terrorists, the Wahhabi cult and the hidden roots of
modern jihad. Charles Allen.
 Jihad, the rise of militant Islam in Central Asia. Ahmed
Rashid.
 Journey of the Jihadist – Inside muslim militancy. Fawaz
Gerges.
 Orientalismo, o Oriente como invenção do Ocidente.
Edward Said.
 Por dentro do Jihad.Omar Nasiri.
 Sociologia do Islã. Enzo Pace.
 Uma história dos povos árabes. Albert Hourani.

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