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Autor: Thomas Brunetto Kappaun

Professor: Masato Kobiyama

Disciplina: Hidrogeomorfologia aplicada para prevenção de desastres hidrológicos

As florestas de proteção e os desastres naturais

"Montanhas verdes produzem água limpa e constante." (Provérbio chinês)

Os seres humanos têm utilizado os recursos das florestas há milênios para


diversas finalidades. No entanto, as mudanças ambientais sem precedentes que
vivemos atualmente motivam ações igualmente inéditas para proteger e restaurar os
ecossistemas florestais (ARONSON & ALEXANDER, 2013). Segundo Chazdon et al.
(2016), os conceitos de floresta têm impacto nas políticas ambientais em nível global,
nacional e regional. Por isso é fundamental que esses conceitos sejam precisos e
amplamente aceitos, para garantir que as políticas de conservação e uso sustentável da
terra sejam eficazes e bem-sucedidas. Ao longo do tempo, o conceito de florestas de
proteção tem evoluído. Desde 1901, em Taiwan, foi adotada uma política de designar
áreas de cabeceiras de rios selecionadas como florestas de proteção para a regulação
do fluxo de riachos e controle da erosão, reconhecendo o valor das florestas na
regulação dos fluxos de água e no aprimoramento da estabilidade das bacias
hidrográficas (CHENG et al., 2002). No Japão, gestores de terra japoneses utilizam as
florestas para proteger as ferrovias há mais de 100 anos (SAKALS et al., 2006). As
florestas de proteção, também conhecidas como florestas de proteção contra
desastres, são áreas florestais estabelecidas com o objetivo de proteger as
comunidades vizinhas contra os efeitos de desastres naturais como inundações,
deslizamentos de terra, avalanches, ventos fortes e outros eventos climáticos
extremos. Um estudo conduzido por Cheng et al. (2002) apontou que as florestas de
proteção têm efeitos limitados sobre os desastres causados por eventos
hidrogeomorfológicos extremos. As florestas de proteção são uma importante
estratégia de gestão de riscos, mas existe a necessidade de avaliar adequadamente em
que medida as florestas podem mitigar os efeitos adversos de inundações,
deslizamentos de terra, fluxos de detritos e secas (CHENG et al., 2002). Em consonância
com Kobiyama et al. (2012), o reconhecimento dos papéis que a floresta desempenha
possibilitará o uso e o manejo adequados no contexto do gerenciamento de desastres
naturais.

Florestas são sistemas altamente complexos e dinâmicos, e elas desempenham


um papel importante na redução de desastres naturais. De acordo com Kobiyama et al.
(2012), devemos inserir a floresta como um elemento primordial no gerenciamento de
desastres naturais. As florestas desempenham diversas funções ecológicas e sociais
importantes, tais como: (a) regulação do clima, (b) regulação dos ciclos hidrológicos, (c)
proteção do solo, (d) melhoria da qualidade da água no solo e nos rios, (e) captura e
armazenamento de carbono, (f) recreação e lazer, (g) fornecimento de recursos, entre
outros. Sakals et al. (2006), descrevem o papel das florestas em retardar o começo de
deslizamentos de terra e avalanches de neve, além de conter e resistir ao material
transportado por inundações, fluxos de detritos, inundações de detritos e quedas de
rochas durante o transporte e deposição. Além disso, Sakals et al. (2006) destacam que
sem gestão efetiva, as florestas de proteção podem perder as características-chave que
fornecem proteção contra eventos hidrogeomorfológicos. Wilford et al. (2006)
explicam que a perda destas características está relacionada a uma série de fatores:
saúde da floresta (insetos e doenças), abiótica (fogo, vento, tempestades, danos
causados ​pelo gelo) e sucessão florestal (um povoamento florestal é substituído por
espécies mais adaptáveis. Embora as florestas como entidades possam ser
relativamente permanentes em algumas localidades, a mistura de espécies, estrutura e
função pode mudar significativamente ao longo do tempo (OLIVER e LARSON 1996). As
mudanças graduais na composição de espécies e funções ecossistêmicas de uma
floresta podem levar à perda de seus serviços ambientais e, em última instância, à
perda de sua função protetora (WILFORD et al., 2006). Portanto, é importante proteger
as florestas e adotar práticas sustentáveis de manejo florestal para garantir que elas
continuem a desempenhar suas funções protetoras críticas para o meio ambiente e as
comunidades humanas.

Motta e Haudemand (2000) afirmam que as florestas oferecem proteção contra


riscos hidrogeomorfológicos de duas maneiras: 1) As florestas de proteção indireta
referem-se ao papel geral das florestas na redução da erosão do solo ou na melhoria
das condições de bacias hidrográficas e qualidade do ar, e 2) As florestas de proteção
direta protegem diretamente com os seres humanos, protegendo pessoas, edificações,
tráfego rodoviário e ferroviário e sistemas de fornecimento de energia. É essencial
gerenciar ativamente as florestas para manter um nível apropriado de proteção.
O’Hara (2006) argumenta que as florestas com múltiplas idades de árvores oferecem
um nível maior de resiliência a perturbações hidrogeomorfológicas ao longo do tempo.
Sidle (2006) apresenta o conceito de geração de enchentes hidrogeomorfológicas e
destaca que a proteção das zonas ripárias oferece apenas proteção parcial contra o
aumento dos picos de fluxo, o que é importante na localização de florestas de proteção
e na determinação das práticas florestais adequadas. Existem diversas ferramentas
disponíveis para auxiliar os tomadores de decisão na escolha do manejo adequado
para uma área de floresta, levando em consideração o conhecimento dos processos
hidrogeomorfológicos presentes na região. Schüler (2006) propõe o uso de um Sistema
de Suporte à Decisão para identificar tipos e intensidades prováveis de escoamento de
pequenas bacias hidrográficas, a fim de limitar o agravamento do fluxo de enchentes
em áreas de cabeceira e planície de inundação. Um aspecto relevante da ferramenta é
que ela inclui medidas de eficiência econômica e ecológica. Dorren e Berger (2006)
recomendam uma combinação de planejamento regional, estruturas projetadas e
florestas de proteção para reduzir os impactos dos processos hidrogeomorfológicos,
enfatizando que a inatividade no gerenciamento de florestas de proteção é inadequada
e que é necessário um manejo ativo para manter suas funções de proteção.

Uma floresta possui diversos elementos que contribuem para a mitigação de


desastres. As florestas têm um papel importante na regulação do ciclo hidrológico, mas
que algumas práticas florestais podem levar a aumentos nos picos de vazão e
inundações. Em um estudo realizado por Schüler (2006), foram identificados locais que
exigem abordagens de manejo distintas para limitar o agravamento de fluxos de
inundação em áreas de cabeceira de rio e planície de inundação. Conforme Schüler
(2006), a eficiência de medidas florestais relacionadas à prevenção de danos causados
por inundações depende de características da paisagem, incluindo fatores geológicos e
de solo. Gurnell (2013) explora o papel da madeira como uma componente essencial
em rios e riachos, apresentando diversas funções, tais como influenciar na hidráulica
do canal, na dinâmica sedimentar e na biodiversidade, o que a torna uma importante
ferramenta para aprimorar a complexidade do mosaico físico do habitat fluvial. O autor
discute o papel da madeira na formação de habitats para espécies aquáticas, como
peixes e invertebrados, e como esses habitats podem ser ameaçados por atividades
humanas, como a retirada de madeira de rios e riachos. Além disso, as raízes das
árvores ajudam a proteger o solo, aumentando a infiltração de água e diminuindo a
erosão. Desastres hidrológicos como inundações podem beneficiar ou prejudicar a
composição das espécies, a estrutura e a biomassa da floresta, bem como a dinâmica
de nutrientes e água no solo. Oliver & Larson (1996), afirmam que as inundações
podem lavar o excesso de sais do solo e, assim, aumentar a produtividade do solo. Os
autores também observaram que deslizamentos de terra removem sementes, tocos e
materiais orgânicos, expondo o solo mineral ou rocha nua, reduzindo o espaço para o
crescimento das plantas e favorecendo a germinação de espécies transportadas pelo
vento ou que crescem a partir de estolões. As florestas também atuam como
“esponjas” naturais, absorvendo grandes quantidades de água e reduzindo o
escoamento superficial. As árvores interceptam a água da chuva, permitindo que ela
evapore lentamente em vez de precipitar rapidamente no solo e causar enchentes. ao
crescimento no local, dadas as condições prevalecentes). As florestas podem, portanto,
ajudar a reduzir a frequência e a intensidade de desastres, fornecendo importantes
serviços ecossistêmicos. A perda de florestas e a degradação florestal podem aumentar
o risco de desastres, especialmente em áreas onde ocorrem chuvas intensas, com
declividade acentuada e solos frágeis.

Lamontagne (2002) destacou a importância da popularização da ciência e a


educação do público sobre ações mitigatórias. A popularização da ciência pode ajudar
a aumentar o interesse e a curiosidade sobre a ciência, especialmente entre crianças e
jovens, incentivando-os a seguir carreiras científicas. Isso é particularmente importante
em uma época que o mundo enfrenta grandes desafios como as mudanças climáticas,
epidemias, doenças crônicas e ameaças à segurança global que exigem soluções em
grande parte baseadas em ciência e tecnologia. Neste sentido, Kobiyama et al. (2012),
a criação de uma rede de bacias-escola pode ajudar a sociedade a entender melhor a
relação entre a floresta e a água, e consequentemente, prevenir desastres
hidrogeomorfológicos. A proposta é que essa rede aumente o conhecimento das
pessoas sobre hidrologia florestal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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