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ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA

ANOTAÇÕES
DIVERSAS
TIA NEIVA

Transcrevemos trechos de anotações diversas de Tia Neiva,


iniciadas em 1979, não com a preocupação de formar um livro, mas,
sim, para que possamos reviver alguns momentos preciosos para os
Jaguares. Alguma coisa pode parecer repetitiva, já vista ou escrita em
outros lugares, mas isso não importa, pois sempre houve a idéia de
manter vivos os ensinamentos da Clarividente e cuidar para que a
memória de nossa Mentora não se perca no tempo. Salve Deus!
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Trino Triada Tumarã

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... porque, filho, tudo o que estamos fazendo é levar a mensagem


do III Milênio por todo este universo, nas indumentárias, no
comportamento desta conduta doutrinária...

Dez anos vivemos de amor e luz. Porém, os impactos que a


minha clarividência ocasionava não bastavam. Veio, então, a vida
iniciática, com suas cores berrantes e seus poderes. E, assim, nos foi
proporcionada a oportunidade de exibirmos a obra ao seu autor, junto a
povos.

As vibrações foram tomando lugar em toda a Doutrina, nas cores,


no Templo e, por fim, na Estrela Candente, essa grandeza que emite,
de suas amacês, a energia do Jaguar, para a cura desobsessiva dos
cegos, dos mudos e dos incompreendidos. As vibrações aumentaram
sem que, por um minuto sequer, saíssemos do Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo, seguindo Jesus em sua caminhada evangélica
iniciática, o Caminheiro, sem dor e sem sofrimento, ensinando a cura
desobsessiva, colocando os espíritos a caminho de Deus Pai Todo
Poderoso.

Não podemos garantir que tudo aqui aconteça, nem que possa
acontecer. Porém, acontecerá alguma mudança estrutural e benéfica
nos rumos do pensamento humano, abalando os alicerces da cultura
ancestral que consolidou a Velha Estrada.

Filho, não interessa, ao Homem, o seu vizinho. Interessa, sim, a


função que ele desempenha. É verdade que não podemos separar a
obra do seu autor, mas, quando eu daqui partir, dirão: O Doutrinador e
a sua Doutrina! Por conseguinte, filho, esqueça essas pequenas
preocupações de avaliação social, em termos dos componentes já
ativos nesta jornada doutrinária para o III Milênio.

Antes, eu pensava: por que as amacês não aparecem nos


grandes centros? Tive a minha resposta: pelo respeito às velhas
teorias, pois ainda é cedo para mudar as estruturas.
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A vida não perdoa, filho! Morreremos pelos caminhos, se não nos


conscientizarmos, se não soubermos, com precisão, aquilo que nos
pertence. Ver e viver, antes que os sinais da angústia o obriguem,
oferecendo novos olhos e novas perspectivas, complicando, no
entendimento de novas ciências, o que é mais simples: amor e Deus –
essa verdade eterna!

Por que foi escolhido o Jaguar, o Espírito Espartano, o Cavaleiro


Verde, o Cavaleiro Especial? Porque vem de um processo penoso, por
sua mente científica, evoluindo na luta através dos séculos, neste
mesmo solo... Hoje, sua percepção lhe afirma , filho, que os tempos
chegaram e não há mais como desperdiçá-lo com polêmicas.

Vocês têm a sensibilidade do Homem Iniciado, que descansa


apesar da grandeza da luta, e é acariciado pela grandiosidade da
energia trazida pelo prana, para retirar seu psiquismo particular e
responder às perguntas que surgem do fundo de seu coração.

Esse Homem é fácil de encontrar. É grosseiro e sagaz, sim,


porque vem das cordilheiras e da península espartana, porém, não
suporta ver alguém sofrer, sai, aflito, a socorrer todos... É amável,
requintadamente afetuoso, sensível às dificuldades de povos. Sempre
estende sua mão forte e corajosa para a missão maior, e seu amor é
expontâneo. Caminha sem superstições e sem falsos preconceitos.
Quando é um Jaguar, ama verdadeiramente a Doutrina e a faz seu
sacerdócio; acredita na vida e sabe se promover. É boêmio e sua
mente é limpa de qualquer crença que não seja autêntica consigo
mesmo... Sabe que a última grande iniciação da humanidade ocorreu
pela aparente espontaneidade, unificando e aproximando o Homem de
sua individualização e que, por todo o universo, o Homem está sendo
sacudido no fundo de seu ser, de maneira autêntica e poderosa.

A Doutrina do Amanhecer – ou Doutrina do Jaguar – explica que o


Homem que tem conhecimento de si mesmo, aumenta sua intensidade
vibratória. É o que acontece nesta tribo do Mestre Jaguar, porque só
poderá receber tais iniciações aquele que tiver todas as suas células
despertadas, isto é, células mental, física e etérica, livres de
superstições. Por esse motivo, este grande ser espera pela
humanidade para seu próprio adiantamento, porque, filho, a
humanidade e o planeta, com seus demais seres, estão na luta
universal com um único desejo: infundir, no Homem, os últimos
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preparativos para que esta passagem venha a ser a conquista


luminosa, porque, filho, se o Homem, em sua doutrina unificante, na
passagem das grandes Sivans, Harpásios, Taumantes, Tenaros,
Tisanos, Cautanenses, Vancares, Sumayas, Sárdios e outras,
conseguir a grande fusão e, assim, souber espontaneamente emitir na
grande transmutação, será protegido e terá a bela condição que é a
salvação de uma vida para outra. Foram colocadas essas Estrelas para
termos um verdadeiro arsenal de forças para nos ajudar de uma vida
para outra. Repito: de uma vida para outra!

Sim, filho, hoje o mundo está bem perto da inevitável


transformação que afetará todos os seres de corpo humano, e sabemos
que não podemos ficar à mercê dessa transformação, apenas olhando
para o Céu...

Na verdade, se
sofremos os desatinos de
nossos destinos cármicos,
nada temos a temer, pois
sabemos que a dor faz o
Homem humilde e o
amadurece para Deus. Assim
será o Homem brevemente,
diante do imenso painel da
realidade universal.

As coisas que hoje


desprezamos, nos faltarão
amanhã. Sem ver o
amanhecer, irá chorar a falta
deste céu azul, do Sol e da
Lua, das campinas, correndo
o grande perigo da
desintegração, sem saber
onde pisar. Mas, o Homem
que já adquiriu suas asas estará abastecido pela candeia viva e
resplandecente, na jornada missionária de alimentar e reintegrar os que
perderam sua rota. Será escuridão? Sim, filho, a falta de visão, do
conhecimento das coisas do Céu. O Homem que for levado pelo toque
de sua mente sem Deus poderá perder sua rota e entrar no processo
de desintegração. Eis o perigo!
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Coitados daqueles que levam a vida inconscientemente, sem


saber do que está acontecendo acima ou abaixo de suas cabeças...
Será triste, muito triste, filho.

Como era triste a vida sem o Doutrinador!

Pense na falta de luz, tendo os pés à beira dos pântanos!...

Deus, o grande Deus, o imenso farol deste universo, que nos


deu seu filho Jesus, que tanto sofreu por nós, esse grandioso exemplo
de amor, continua a emitir do Céu luzes para quem precisa, ou para
quem já passou do tempo de brincar e está consciente de sua jornada
evangélica. A este Homem, nada lhe falta, e sabendo que a hora é
chegada, através do Verbo, que segue a Luz evangélica de Nosso
Senhor Jesus Cristo, nos serve de uma vida para outra, desintegra e
reintegra, na força absoluta de Deus Pai Todo Poderoso, através
destas divinas Estrelas do 7º Sétimo Verbo, da origem do Santo Verbo
encarnado: Deus, Pai e Espírito... Acelos do 2º Verbo, Ceanes do 2º
Verbo, Geiras do 3º Verbo, Gestas do 3º Verbo, Gertaes do 2º Verbo,
Xênios do 2º Verbo, Vanulos do 3º Verbo, Mântios do 2º Verbo, Teizes
do 3º Verbo, são Estrelas que trazem a faixa Evangélica iniciática da
vida e da morte.

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Quando a vida
missionária se descortinou à
minha frente, tudo se
modificou, inclusive,
naturalmente, o meu destino,
e eu dizia que, no meu peito,
só havia lugar para terríveis
conflitos, que me jogavam no
abismo de uma obsessão.
Porém, a minha mente
buscava uma verdade! E
essa verdade era Jesus,
Jesus o Caminheiro, o Homem Divino, absoluto, que caminhava às
margens do rio Jordão, que alimentava os pobres, que não se
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preocupava com os rabinos doutores que lhe viraram as costas...


Então, nos maiores conflitos, eu formava a imagem daquela rica
mensagem – Jesus! E sentia a Verdade em todo o meu ser.

Já firme, entreguei-Lhe os meus olhos, pedindo que os


arrancasse quando eu, se por vaidade, enganasse alguém em seu
Santo Nome, através do meu juramento: Jesus! No descortinar desta
visão, sinto renascer o Espírito da Verdade na missão que me foi
confiada: o DOUTRINADOR! É por ele e a bem dele que venho, nesta
bendita hora, Te entregar os meus olhos. Lembra-Te, Senhor, de
protegê-los, até que eu, se por vaidade, negar o Teu santo nome,
mistificar a minha clarividência, usar as minhas forças mediúnicas para
o mal, tentar escravizar os sentimentos dos que me cercam ou quando,
desesperados, me procurarem. Serei sábia, porque viverás em mim!

Passei, então, filho, a não mais me preocupar com os valores


sociais, e penetrei, com respeito, no mundo dos espíritos. E como se já
não bastasse a minha grande dor, como se todos fossem alheios aos
meus conflitos, chegavam de mil lugares as críticas, o porquê de meus
componentes serem tão pobres e doentes, aleijados... E, assim, as
coisas foram piorando: aquela mulher segura começava a cair.
Verdade! Aquela mulher que existia dentro de mim estava se
apagando, ausentando-se de si mesma.

Oh, meu Deus! É difícil animar o corpo quando a alma está


ausente.

Filho, quantas vezes recusamos água. No entanto, não podemos


viver sem ela!

Aprendi a viver no meio de uma multidão que me assistia


silenciosamente, simultaneamente com outra, barulhenta, me exigindo
respostas, essa multidão visível, influenciando, observando, ajudando a
penetração de outros, inesperados...

Só Deus sabia o que vinha no meu misterioso interior. Eu já não


sabia mais sorrir...

- Sim, sem luta não há evolução. – dizia Mãe Yara, deixando eu


ver seu lindo rosto, que eu ficava a admirar, e continuou, mais séria –
Neiva, já fiz de tudo para chegar até aqui e penetrar em teu coração.
Até já me fiz de aleijada, dando o nome de Adelina... Venho, agora, te
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dizer, seriamente, que o amor é a arma imponderável e invencível do


espírito missionário, que não tem escolha. É uma divindade a tua
missão.

Eu, compungida, ainda disse algumas palavras, mas ela as


repeliu:

- Em nenhuma de tuas vidas fostes piedosa. Eis porque fostes


escolhida.

- Oh, Mãe, me ajude! – voltei a falar. – Me ilumine, para que eu


seja como Deus quer, e para que eu possa abandonar os tristes hábitos
do meu passado.

- Neiva! Haverá, por acaso, quem goste de sofrer? Não será


preciso retirar os teus tristes hábitos. O belo é o resplendor do
verdadeiro. Não saia do naturalismo. Sejas natural e ames o que
sempre amastes, e recuses o que sempre recusastes. A única
diferença, Neiva, é saber tolerar os teus amigos e os teus amores, até
que te faças acreditada. Este será, sim, o mais difícil período de tua
missão. Porém, só Deus conhece Deus...

Fiquei alarmada, e perguntei:

- Não conheces Deus?

- Sim, em sua figura simples e hieroglífica, como tu O conheces!

Fiquei sem entender, e ela continuou:

- Hieroglífica, sim, Neiva! Deus é o poder supremo, em todas as


coisas. Deus neste planeta; nas plantas balançando o prana; no aroma
da mata frondosa; no mar, no espaço, nas estradas e na porta estreita;
na alegria e na dor. Ele está no fundo dos nossos corações, Neiva.
Deus é a energia luminosa que desencadeia reações; seres vivos ou
vegetais vivem em ambientes inorgânicos e geram pelo sopro de Deus.
Seja otimista o mais possível, ligada a Jesus!

- E o Cacique Guerreiro Tupinambás? – perguntei – Posso


chamar por ele?

- Sim, Neiva, ele é Seta Branca, aquele que vem com uma seta
branca nas mãos. Diga comigo: meu Pai Seta Branca...
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E assim Mãe Yara ia me preparando com os espíritos. Épocas eu


ia bem, épocas eu estrilava ou não entendia nada.

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Uma jornalista muito amiga veio passar uns dias comigo. Ela
havia sido freira durante dez anos. Contei-lhe tudo o que estava se
passando comigo, e ela concordou e me deu forças. Em uma tarde,
fomos a uma das raras festas que acontecia, com um grupo da
Novacap, onde, em meio à euforia, serviram uma bandeja com
cervejas. Quando ia pegar um copo, ouvi uma voz que disse, bem de
mansinho, em meu ouvido:

- Neiva, não beba! Estes copos estão sujos, veja!

Eu, sem saber me


comportar, fiquei com a mão
esticada e a bandeja passou.
Alguém, perto de mim, fez
menção de buscar ou chamar o
garçom, mas, inesperadamente,
surgiu outro, que esbarrou em
nós, derrubando os copos e nos
molhando. Eu, com uma calça
bege, fiquei toda molhada de
cerveja, e todos queriam saber o
que tinha acontecido. A minha
amiga, Mãe Yara, em outro
plano, se realizava... Passei o
resto da festa sentada,
conversando com um novo
engenheiro, que só falava da
nova capital e da família que
deixara. Chegando em casa, me lamentei:

- Sabe, Bené, eu vi quem derrubou aqueles copos...

- Deixe de impressões, Neiva! Assim, acabará ficando louca... –


me respondeu Bené, sem me dar muita atenção.
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Após alguns dias, eu e minha amiga jornalista fomos falar com o


Dr. Saião, engenheiro chefe da Novacap, que me aconselhou a
procurar um psiquiatra. Levantei minhas esperanças, e fui em busca do
médico no Acampamento do IAPI. Diante dele, disse que estava
estafada, via e ouvia espíritos e, esquecendo completamente de Mãe
Yara, disse que era católica e que tinha duas tias freiras e um primo
padre. Estava respondendo às perguntas que ele me fazia quando um
“mortinho” surgiu, vindo de trás de um biombo, dizendo-me se chamar
Júlio, que era pai do médico e que havia sessenta e dois dias que havia
morrido. Comecei a gesticular, procurando atrair a atenção do médico
para que olhasse na direção do espírito, e assim pudesse testemunhar
a causa de parte dos meus conflitos. O médico, não tendo condições de
enxergar o espírito, preocupado com minha agitação, já que eu fazia
gestos sem sentido, procurou me acalmar, demonstrando cuidados em
prevenir-se em relação a mim, e dizia:

- Fique quietinha!
Está tudo bem!

Não me contive e,
quase gritando, comecei
a falar:

- Aqui está um
defunto, que diz ser seu
pai... – e transmiti
algumas das
informações que o
mortinho me passava.

O médico se
levantou, gritando, e tive
a maior prova:

- É, realmente, o
meu pai, o meu adorado
paizinho! Fale mais, me
diga como ele está!...
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Isso foi uma decepção para mim. Nem médico, nem nada!
Levantei e saí precipitadamente do consultório, quase levando a porta
comigo.

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Muitas coisas me aconteceram, e sempre me lembrava do que


me dissera a “Senhora do Espaço”:

- Se você insistir em pensar no mal, na dor, na doença, você as


atrairá para si mesma. A planta extrai do solo vários elementos
curadores. No entanto, precisamos conhecê-las, porque muitas são
mais venenosas do que as serpentes. Ajude sempre, e não exija
condições. Ajude com desprendimento e não exija agradecimentos nem
gratidão. Quem ajuda ao próximo está, na realidade, ajudando a si
mesmo. Não minta, para que o seu sono seja tranqüilo. Procure
descobrir sua estrada na vida, sem profetas ou profetizas. Nós é que
temos de descobrir o nosso caminho, o caminho que traçamos, e segui-
lo com nossos próprios pés. Desperte para a vida, para a verdadeira
vida. Não desanime à frente dos obstáculos. Os obstáculos são
atraídos pela força dos nossos tristes pensamentos. Não se
impressione com os sonhos e não fique a querer interpretá-los. O
sonho é a arma dos supersticiosos. Procure o lado bom da vida, seja
otimista. Procure subir e espere sempre o melhor. Com o coração
esperançoso, teremos tudo das coisas boas e nobres que desejamos.
O pensamento e a palavra têm o poder curador. O corpo é o veículo
através do qual se manifestam, no planeta Terra, o espírito e a alma,
dos quais o corpo é apenas reflexo material. Não transfira os
problemas: procure solucioná-los, e só a Deus entregue o seu amor.
Filha, guarda as suas preces. Um coração em conflitos muito pouco
poderá se elevar a Deus. Vive uma densa noite, porém eu não a
abandonarei!

- Preferia que me abandonasse! – pensei.

Lendo meus pensamentos, ela sorriu e continuou:

- A sua luz, filha, brilhará de dentro para fora. Mantenha os seus


amigos, seja forte nos embates da vida. A purificação está além de
tudo, dos falsos preconceitos sociais e das mesquinharias da vida. É
muito longo o caminho do amor, principalmente para você, que será um
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enigma neste planeta, até a sétima dimensão. Vá, Neiva! Vá


caminhando e distribuindo o bem que Deus lhe concedeu, em gestos
de carinho, usando sempre esta honestidade sã e pura. Você jamais
será abandonada. Seja alegre e confiante, como sempre foi. Não deixe
que a calúnia perturbe a sua mente, não se nivele ao caluniador, para
que não seja igual a ele. Não responda e não se altere. Vá, e continue
a sua estrada, mesmo com seus conflitos.

- Meus pais... – pensei – Como ficará tudo isso? Eles, que não
gostam de macumbeiros, irão me expulsar novamente! Meus tios, meus
primos e primas, são padres e freiras. Por que não me protegem? Será
que terei alguém no Céu que me ajudará junto a Deus, apesar de eu
ser uma viúva e viver em sacrilégio com a Igreja, conforme disse um
santo padre?...

Mãe Yara voltou, interrompendo meus pensamentos:

- Neiva, deixe de hipocrisias! Isso não é do seu espírito nobre.


Quantos anos tem de vida na Terra?

- Sou de 1925, – respondi – 30 de outubro...

- Sim, filha, você tem 33 anos!

- Vou deixar um mundo à minha frente, – interrompi – um mundo


que eu amo, pelo qual vibro... Serei uma beata curandeira?

- Sim, filha! Se não tiver uma super personalidade, será uma mãe
de santo, que é muito pior que uma beata, como você se chama. Pior
sim, no seu caso, porque a mãe de santo veio preparada para cumprir o
seu papel de mãe de santo, e você veio para continuar a jornada de
Amon-Rá, de Akinaton do delta do Nilo... de Pytia, em Delfos, com o
seu deus Apolo, hoje unificado em Cristo Jesus...

Eu estava muito magoada pelos meus conflitos, o que dificultava


meu entendimento dessas misteriosas revelações. Já não tinha nem
mais coragem para viajar sozinha. Enfim, tantos fenômenos tão reais, e
ainda não me bastavam...

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Em minha casa, chorava sem esperanças. Após três dias, fui


trabalhar. Peguei o caminhão e fui descendo a Primeira Avenida, na
Cidade Livre. Súbito, senti que havia atropelado alguém. Freei
bruscamente, apavorada. Um guarda, que estava ali perto, se
aproximou para ver o que havia. Falei. Ele me olhou, olhou em volta do
caminhão, e viu a rua sem qualquer sinal de acidente. Contei-lhe,
então, o que estava acontecendo comigo, e ele falou:

- Procura um terreiro, morena!

Saí dali em conflito, um profundo conflito, e desci até o bar do


japonês, onde resolvi parar. Ia lavar o caminhão e não trabalharia mais.
Fiquei na porta do bar, que ficava no posto, em frente ao
estacionamento da única empresa de ônibus. Algumas pessoas
esperavam a condução para partir para diversos lugares.

Foi quando vi, na cabeça de um jovem, de mais ou menos 25


anos, como que uma imagem de televisão, que projetava uma mulher
de vestido branco, de bolas vermelhas, que se movimentava, portando
uma sombrinha azul escuro. Na imagem, vi os dois se beijando,
enquanto, em baixo da imagem, o jovem não se movimentava. Alguns
segundos depois, vi aquela mesma mulher na vida real, virando uma
esquina. Ela chegou, fechou a sombrinha, e os dois se beijaram,
repetindo, detalhe por detalhe, o que eu vira na projeção. Uma voz
falou em meu ouvido:

- Você tem o poder de prever o presente e o futuro!

De repente, enquanto os dois estavam se beijando, vi nova


projeção: o ônibus chegando e eles embarcando, para, pouco depois, o
ônibus tombar. Vi seis mortos, entre os quais estava a mulher com o
vestido de bolas. Senti que estava claro que iriam morrer naquela curva
ali perto.

- Não deixarei! – pensei.

Na disposição de salvá-los, corri e segurei o braço do jovem,


puxando-o para o bar. A mulher veio para cima de mim, me
descompondo, enquanto eu me limitava a dizer:
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- Quero, apenas, salvar vocês!...

Mas era pior. Quanto mais eu


tentava explicar, pior ia ficando. Enquanto
isso, o ônibus chegou e partiu. Nem vi,
pois me defendia dos ataques da mulher.
O japonês e sua esposa vieram em meu
socorro, e então pude contar o que vira.
Seria apenas esperar um pouco. A curva
era perto dali. Apesar das minhas
explicações, a mulher continuava me
descompondo, louca de ciúmes de mim,
e eu imersa num pensamento:

- Será verdade? Como terminará


tudo isso? Meu Deus!...

Logo, ouvimos um barulho: o ônibus tombara na curva! Gritos,


correria, e a notícia de que havia quatro mortos. Convencidos, o casal
de desmanchou em agradecimentos. Eu não sabia o que me ia na
alma. Somente percebia uma coisa:

- Conheço o presente, o passado, e posso evitar o futuro, se Deus


assim o permitir!...

Sai dali nem sei como. Caminhava só, e pensava:

- Adeus, minha mocidade! Porém, seja o que Deus quiser!...

......................................................

Com a cabeça cheia de pensamentos, eu caminhava lentamente


para a minha casa.

Sim! Eu era aquela pessoa e não ia mais retroceder. Tudo... todo


o meu mundo morria ali. Já estava quase em casa, e procurei me
harmonizar.

Chegando em casa, abracei meus filhinhos Gilberto, Carmem


Lúcia, Raul Oscar e Vera Lúcia, e minha afilhada Gertrudes, e lhes
contei o que me ia na alma. Choramos juntos, e lhes assegurei:

- De hoje em diante, voltarei a ser calma!


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Nisso, chega uma vizinha com uma agulha enfiada no braço. Era
a esposa do Mendonça, um dos engenheiros da Novacap, onde eu
trabalhava carregando os seus auxiliares da Topografia.

- Neiva, – disse a mulher – creio que estou com uma agulha


enfiada aqui no meu braço esquerdo. Eu me deitei em cima de um
vestido em prova e, engraçado, senti a picada mas nada fiz, pois logo
caí em profundo sono, e me esqueci do assunto. Só fui me lembrar à
noite, quando a dor já se deslocara do braço e passou para perto da
clavícula. Oh, Tia, estou com medo!...

Mendonça era espírita, e ajudava os meus meninos nas minhas


tristes incorporações dos irmãozinhos sofredores. Ele acreditava em
mim, e pediu que eu recebesse o meu Guia para ajudá-los. Fiquei
surpresa quando vi a agulha no peito da mulher, felizmente próxima à
superfície. Correram para o hospital onde, após pequena cirurgia,
retirara, a agulha.

- Neiva, – disse Mendonça, depois – se cuide! Você tem um raio-


X nos seus olhos!

.......................................................

Mil testes, mil coisas


aconteceram.

Certo dia cheguei em casa e


meus meninos me disseram que os
seus amigos tinham um recado de sua
mãe, que queria me conhecer. Muito
mal humorada, permiti que viesse. Foi
então que se deu o meu primeiro
contato com Mãe Neném, o início da
grande ajuda que comecei a
encontrar.

Mãe Neném foi formidável,


porém, os seus princípios Kardecistas
muito me atrapalhavam, e comecei a
me apavorar novamente, pois ela
discordava dos Pretos Velhos e da Umbanda, tornando-me insegura.
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Certa feita resolveram chamar um grande médium para retirar, ou


melhor, examinar a minha mediunidade, Cisenando era o seu nome.
Ele não gostou de certas entidades, condenou minhas maneiras
bruscas, e me disse:

- Neiva, é para o seu bem! Cruz credo! Vamos fazer uma


reparação para você não acabar louca, num hospício...

Passaram-se mais alguns dias, com as lições cada vez mais


intensas. Certa vez me disseram que o Cacique Guerreiro Tupinambás
ia subir. Fui procurar Mãe Yara. Cheguei a um canto reservado para
Mãe Neném, e tive a maior surpresa: Mãe Yara estava falando pela
boca do médium Cisenando:

- Os espíritos de pouco desenvolvimento espiritual que entram


neste mundo, ficam próximos da Terra, na densa atmosfera da
escuridão, e são chamados “espíritos sofredores”. Sua maior função é a
de atrapalhar o trabalho do missionário da última hora... Neném! Ensina
Neiva a assimilar as suas visões. Procure, faça com que Neiva retome
sua segurança, para que possam prosseguir na grande obra que terão
que levantar. O corpo é o reflexo da mente, e a mente é o reflexo da
alma, que é o nosso verdadeiro Eu!

Fez-se breve silêncio, e o médium continuou:

- Neném! Esses espíritos que Neiva recebe são da Umbanda.


Tenha todo o cuidado. Se possível, vá embora para Goiânia. Saia
depressa, sem ser vista!

Não sabendo reconhecer uma interferência do médium na


mensagem, exclamei:

- Como? Como pode, meu Deus? Este espírito falava bem e, de


repente, passou a falar mal. Como pode? Diz se chamar “o amigo de
sempre”, mas eu o conheço, na minha visão, como Dona Yara ou Mãe
Yara. Eu a vi, não tenho dúvidas!...

Depois desse dia me revoltei com tudo e com todos. Virei um


bicho, e comecei a receber sofredores. Minha vida se tornou um caos.
Não mais tinha coragem de procurar ninguém...
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Certo dia, Mãe Yara chegou, e começou a falar no meu ouvido.


Então, fui muito franca, dizendo-lhe:

- Vocês me prometeram o Céu, e, no entanto...

- Neiva! – ela me interrompeu, com firmeza – Não se esqueça de


que, enquanto você está esperando pelo Céu, a Terra espera por você.
Sim, filha, antes de subir ao Céu, terá que baixar na Terra. Não queira
que as pessoas pensem como você. Raciocine imparcialmente e nada
aceite sem entender, porque ninguém possui a verdade total.

- Diga alguma coisa sobre aquele médium! – interrompi, referindo-


me ao acontecido com Cisenando – Diga alguma coisa sobre o que vi e
ouvi!...

Mãe Yara, sabendo que eu ainda não tinha condições de


entender aquele fato, me disse carinhosamente:

- Neiva, você não poderá caminhar sozinha. Dê trabalho aos seus


braços, leve consolo aos aflitos e enxugue suas lágrimas. Ajude a todos
aqueles que caminham ao seu lado. Não atrapalhe, para não ficar
sozinha. Fique neutra em relação a esse assunto, e procure voltar à
normalidade...

.......................................................

Certo dia, cheguei em casa e encontrei minha filha Carmem Lúcia


com um dente inflamado, o rosto bem inchado. Fiquei aflita para tomar
alguma providência, porém “alguém” me puxou para trás. Atirei-me
contra minha filha, descompondo-a, até que perdi os sentidos. Quando
voltei a mim e soube do ocorrido, entrei novamente em conflito. Só que,
desta vez, tinha sido pior: havia atingido minha própria filha, que era
uma das razões de toda a minha luta. Meus filhos eram, para mim,
como o sangue que corria em minhas veias. Fiquei tão envergonhada
que passei a maltratá-la ainda mais!

Foi quando um casal de Pretos Velhos se projetou em minha


visão. Eram Pai João e Mãe Tildes, que me disse:

- Vamos dar um passe em Marcinha. Sim, Carmem Lúcia é


Marcinha, filha de Márcia, um grandioso espírito que está nas alturas.
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Ela está muito aborrecida com o que vem acontecendo com sua filha, e
está disposta a matá-la para levá-la consigo.

Pulei sobre Carmem Lúcia, num gesto de obsidiada, e incorporei.


Quando recobrei a consciência, havia um médico – Dr. Calado – com
uma injeção na mão, ao meu lado. Apesar do seu nome, ele falava
muito. Voltei a incorporar, não sei durante quanto tempo, e quando
desincorporei Carmem Lúcia estava deitada no meu colo e, calma, me
disse:

- Mamãe! Mamãezinha! A senhora está bem?

- Eu que lhe pergunto, filhinha: está melhor?

- Sim, mamãezinha! Um espírito disse que veio para me levar.


Depois, veio um outro, me deu um passe e se foi, passando toda a dor.

- Veio para matá-la? – voltei a perguntar.

Pai João interrompeu-me severamente, não me deixando concluir:

- Basta, Neiva! Você já abusou demais. Puxe pela sua


individualidade. Não é a primeira vez que vem, nesta Terra, como
clarividente!

Não tendo visto Mãe Yara, preocupada perguntei:

- Onde está Mãe Yara, a Senhora do Espaço?

- Não virá mais aqui! – continuou Pai João enérgico – Não virá
pelo seu desrespeito para com os espíritos. Porém, eu vim para ensiná-
la. De hoje em diante, terá eu e Mãe Tildes junto a você. Exijo, filha, o
maior respeito com os espíritos, sejam de Luz, sejam sofredores.

- Sofredores? – explodi – Esses demônios que a Igreja denuncia e


condena?

Dei uma grande gargalhada de deboche e, logo, recebi um


impacto no rosto, tão violento que comecei a chorar.

- Isto é para despertá-la para sua felicidade. – falou o Preto Velho


– Se continuar a cair no padrão dos espíritos sofredores, poderá ficar
louca.
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
18

Meu rosto pegava fogo. Com raiva, disse:

- Tenho ódio de espíritas! Como me obriga a ser espírita?

- Filha, ninguém lhe obriga. Os espíritas são portadores de


diversos tipos de mediunidade, mas você carrega todas, exceto a do
olfato. Além do mais, você tem a missão de desenvolver o Doutrinador
de força cabalística.

Pai João prosseguiu, e fiquei sabendo todo o meu roteiro na


missão com o Doutrinador.

Sim, meu filho Jaguar! A cada dia eu mais me convencia de que a


fé é algo transcendental. É amor e ternura, inato para uma pobre
criatura que se criou sob a energia dos velhos coronéis do sertão
nordestino, que era castigada se mentisse ou se tivesse medo de
andar no escuro... Não podia ter medo! Só acreditava naquilo de que eu
pudesse dar testemunho. Minha criação era um dos motivos de meus
conflitos. Salve Deus, meu filho Jaguar! A missão caminha junto com o
missionário. Veja onde fui parar...

..................................................

Voltemos, filho, a 3 de julho de 1950, quando eu estava


completando um ano de viúva. Fazia, exatamente, um ano. A partir de 3
de julho de 1949, quando Raul Zelaya Alonso morreu, me deixando
com quatro filhos – Gilberto, com 5 anos; Carmem Lúcia, com 4; Raul
Oscar, com 2 anos; e Vera Lúcia, com 11 meses – e com minha
afilhada Gertrudes, fiz o meu mundo, ou melhor, fizemos o nosso
mundo, e tudo de bom surgia entre mãe e filhos...

.................................................

1958! Cheguei do trabalho muito cansada e me deitei de costas,


dando um tempo para tomar meu banho, quando comecei a ver, no
teto, uma verde campina, onde existia um castelo com pessoas que
caminhavam, riam... Mil coisas eu vi... Meu Deus! Todos, todos eram
meus filhos, até minha afilhada!

Muito preocupada, eu trabalhava durante o dia na esperança de


voltar ao meu lugar e rever o lindo castelo e seus ocupantes. Foi um
duro golpe para mim quando soube que aquele castelo existia em uma
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
19

das sete dimensões que seguem a linha do Canal Vermelho. Por


conseguinte, eu teria que percorrer uma grande caminhada cármica
para lá chegar, e concluí-la com segurança.

A vida não parava para mim. Sempre havia novidades, havia


doutrina...

Passei a analisar o desenvolvimento dos Homens. Partindo dessa


compreensão, comecei a observar melhor, o que mudou minha conduta
natural. Tudo que observava naquele castelo era objeto de meus
cuidados. Tinha vontade de nele penetrar até às suas intimidades, mas
tinha impressão de estar penetrando nas vidas dos meus filhos e,
então, sentia um imenso desrespeito. Realmente, não conseguia
entender meu procedimento...

Certo dia peguei uma grande viagem, que me supriria meios para
atender a algumas necessidades que eu já estava passando. Era perto
de Luziânia, cidade de Goiás. Enquanto os ajudantes carregavam o
caminhão, fiquei sentada na calçada, entretida com aquela gente que
queria me conhecer. Já estava acostumada com isso, pois sempre
havia muitos queriam falar com a mulher caminhoneira. De repente, vi
um jovem que estava entrando, distraidamente, naquela rodinha de
pessoas. Notei que já o tinha visto naquele castelo dos meus filhos. Vi,
também, em fração de segundos, que um soldado da polícia iria pegá-
lo. Procurei atrair a atenção do soldado para mim, e acenei para o
rapazinho, para que fugisse. O soldado me fazia mil perguntas, e eu as
respondia com cuidado.

Ouvi Mãe Yara, a Senhora do Espaço, me dizendo:

- Neiva! Viva a sua vida interior com mais intensidade. Deus está
dentro de você. Comece a trabalhar com amor, em benefício dos
outros.

- Fiquei com medo do soldado! – me expressei pelo pensamento


– O que ele vai pensar de mim por tê-lo chamado no meio de tantas
pessoas?

- Filha! – voltou Mãe Yara – Não tenha prevenção contra os seus


semelhantes. Desperta para a vida. Medite em sua responsabilidade
perante a Humanidade e perante Deus. De você irão depender
criaturas que servem na família, no trabalho e na sociedade. A ação do
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
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tempo é infalível, e nos guia suavemente pelo caminho certo, aliviando


nossas dores, assim como a brisa leve abranda o calor do verão. Cada
pessoa emite sua própria vibração. O que se pede, sobretudo, filha, é o
esforço mental de compreender.

- Meus Deus! – pensei – Ela já está para ir embora. Por que não
falei no castelo?

Chegou, então, a resposta:

- Filha! O missionário tem criação especial. A sua aura dá


condições de vida à sua família. De épocas em épocas, descem sete
tribos na Terra, espíritos como você, que está a caminho de Deus.
Essas tribos muito fizeram por aqui, isto é, são tribos que passaram por
aqui, construíram, deixaram muitos inventos, porém não souberam
amar...

- Como voltam, se morreram? – perguntei.

- As forças são recebidas por meio do cérebro e fazem suas


impressões na mente, por ondas do pensamento, que podem ser
medidas e gravadas, como as ondas de som. É a capacidade de
emitirmos as ondas mentais aos planos superiores que nos dá o poder
de fazer coisas que parecem milagres àqueles que não compreendem
as forças dos poderes superiores. Não dê ouvidos às intrigas nem às
calúnias. Só a árvore que dá bons frutos é apedrejada por aqueles que
não alcançam seus frutos. A árvore que não dá frutos, ninguém dá
importância a ela.

Sorrindo, Mãe Yara se foi, e fiquei meio frustrada. Mas, pensei:

- Meus filhos estão comigo. Sempre os protegi e os protegerei.


Sempre foi assim, e não serei eu quem irá mudar o curso das coisas.

- Sim, meu filho Jaguar, os conflitos aumentavam, e eu me


debatia só, só!...

Procurei alguns espíritas, porém eles somente expunham


exemplos que pareciam dizer que Alan Kardec estava vivo e segurava
toda a evolução do mundo dos espíritos. Acabaram por se desligar de
mim, e somente Chico Xavier, de longe, me dava crédito.
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
21

Eu era considerada uma pobre louca, só e insegura pelos meus


pensamentos, e, o que era pior, buscando dar explicações,
esclarecendo o que via.

Deus aceitara meu juramento pelos meus olhos, quando eu os


entregara a Jesus... Sim, filhos, isso se passou em 1958, e as
lembranças me trazem até aqui.

Mãe Yara continuava me dizendo:

- Seja verdadeira em tudo. Deixe que a Doutrina, em sua ação


infalível, a guie suavemente pelo caminho certo, aliviando suas dores,
filha! Deus se manifesta no Homem através do próprio Homem, e vive
sua figura simples e hieroglífica. Sim, filha, são palavras dos antigos...

As palavras cravavam-se em minha cabeça, mas longe do meu


coração!...

........................................................

Certa vez, por volta de


meia-noite, cheguei em casa,
com muita fome. Peguei uma
panelinha e fui esquentar um
ovo. Meia sem jeito, queimei
meu dedo na caçarola e
baixei meu padrão vibratório.
Oh, meu Deus! Mãe Yara
estava por perto:

- É, ouvi, filha. Que


vergonha! E pensar o que
esperamos de você, uma
líder espiritual!... Mas eu vim
para fazermos uma prece. O
“seu” Manoel das Emas, seu
amigo, vai morrer. Na sua
segunda viagem, mande o
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
22

Delei com a segunda turma. Como você está sem condições, vou-me
retirando...

Nem senti como comi o ovo. Sei apenas que estava insegura, a
dizer, inconscientemente, no meu íntimo:

- Meu Deus! Por que não me controlei? Será que a Senhora do


Espaço vai me deixar outra vez?...

Contei ao Getúlio o que ouvira a respeito do “seu” Manoel, e ele


me pediu que me acalmasse e que tivesse cuidado com alguma
interferência, já que haviam alguns espíritos zombeteiros. O pior era
que eu sabia que ele estava errado, que era verdade, mas não me
defendi, pensando somente nas minhas ofensas e que Mãe Yara
poderia não mais voltar.

Durante o almoço, Delei me pediu a chave do caminhão e foi


fazer o trabalho, para me descansar. Delei e Getúlio eram médiuns de
confiança e muito próximos de mim. Com o movimento, esqueci o aviso
de Mãe Yara. Um pouco mais tarde, vieram me avisar que o “seu”
Manoel caíra morto no chão. Senti um grande remorso. Quem sabe se
eu tivesse rezado com a Senhora do Espaço poderia tê-lo ajudado?

Passou-se o tempo e, oito dias depois, à noite, com os olhos


abertos, vi o “seu” Manoel de pé, numa estrada luminosa e muito
amarela, com seu chapéu de palha e com a mesma roupinha. Sorriu,
demonstrando que ainda continuava meu amigo, como se me dissesse
que estava feliz!...

................................................

Lembro-me da minha primeira visão. Chegara de uma viagem


muito cansativa, e logo me deitei. Alguns colegas, que estavam em
minha casa, continuaram a conversar. Muito cansada, não conseguia
dormir. De repente, um velhinho, bem conhecido meu, apareceu com
um lampeãozinho na mão e, folgadamente, se sentou à beira de minha
cama. Dizia-me coisas que logo esqueci, mas lembro de que agradecia,
em nome de Deus, o que eu tinha feito por ele, mas me dizia que eu
ainda teria que trabalhar muito. Sorri e pensei:

- Está caduco! Trabalhar mais do que eu trabalho?


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
23

Logo lembrei que ele já havia morrido, após uma vida em que
pedia esmolas, embora tivesse muitas casas alugadas. Ele dizia que
era por missão. Era um verdadeiro Espírito de Luz. Mas fiquei
apavorada, e saí dali correndo, toda irradiada, e lembro bem, até hoje,
de como aquele encontro me atingiu, embora tudo tivesse acontecido
como já me tinha sido previsto por Mãe Yara.

................................................

Foi em 1958, quando desenvolvi minha clarividência, que comecei


a registrar os casos mais exemplificativos, exemplos vivos de carmas
em reajuste, que sempre se assemelham aos nossos, chegando
mesmo a nos reconfortar. Então, por ordem de Mãe Yara, passo todos
ao meu irmão enviado para essa missão, que deve descrever todos
eles, dentro de uma obra mediúnica.

Era uma manhã de sol quando eu e meu irmão Jair começamos a


atender, fazendo um vasto serviço social, através da vidência e pela
prática de farmácia, que meu irmão exercia numa cidade do interior de
Goiás, a chamado de uma vida pela visão de um em um daqueles
carmas terríveis.

Começávamos, preparando-nos para o início de uma nova obra.

As comunicações reforçavam-se a cada dia, trazendo-nos


verdadeiros esclarecimentos para as grandezas espirituais e formamos
um grupo bem equipado, que se esmerava no exame dos grandes
fenômenos profetizados pelo Cristo.

A experiência técnica e prática desse grupo veio trazer, aqui, os


mais vívidos esclarecimentos dos diálogos, dentro de linhas puramente
cármicas.

Provamos como é perfeita a cobrança espiritual e o


aperfeiçoamento com os encontros nos carreiros terrestres!

.................................................

3 de novembro de 1959
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
24

Recebemos, eu e meu companheiro Getúlio, ordem para virmos


aqui morar e, junto a nós, veio um bom servidor de Deus: Antônio, o
Carpinteiro, como o chamavam os espíritos.

Meu companheiro, Getúlio da Gama Wolney, junto com Antônio, o


Carpinteiro, começaram a trabalhar desesperadamente na construção
de prédios de madeira para morarmos, enquanto eu, Gilberto, Raul,
Carmem Lúcia e Vera Lúcia, saíamos em busca do ganho material,
com um pequeno veículo em que íamos vender, em Brasília, roupas
feitas e bijuterias. Somente a proteção de Deus fazia com que
fizéssemos boas vendas todos os dias!

Voltávamos ao findar do dia e reuníamos o dinheiro. Dividíamos


em duas a quantia arrecadada: metade era para comprar gêneros
alimentícios e a outra metade para adquirir gasolina e tecidos, para que
eu e Wilma, a esposa do Antônio, o Carpinteiro, os transformasse em
saias e roupas femininas, nas quais trabalhávamos à noite, para, cedo,
no dia seguinte, após um ligeiro almoço, irmos vendê-las. Como todos
sabem, o pouco com Deus é muito!

Em poucas horas, coisa mesmo de admirar, vendíamos tudo!

E esse era o regime de minha vida e as de meus filhos, todos os


dias.

Assim se passaram dias e meses. A caridade já me tomava parte


do ganho material. Os visitantes – já bem se podiam contar 20 ou 30
pessoas – nos domingos iam almoçar e jantar, e eu me sentia na
obrigação de servi-los, pois se acomodavam em minha casa. E eu
pensava: “Meu Deus! Será possível que só escolhestes avarentos e
acusadores?” Pedia que Deus me perdoasse que, em meus momentos
de dor, me faltasse a compreensão para com aqueles exploradores.

Comecei a sentir desprezo pela vida material, pois aqueles


visitantes sempre estragavam os meus planos. Quantas vezes
chegaram em minha casa e ali acomodados, começavam a discutir
conosco, recriminando tudo o que, com todo nosso sacrifício, fazíamos.

Eu e meu companheiro nada dizíamos.


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
25

Eram tempos horríveis! Olhava em redor e via, na verdade, o


material para construirmos benfeitorias. Porém, eu via, também, que os
trabalhadores precisariam comer. E quem poderia sustentá-los?

Fui, então, vendo o quanto aquela vida nos fazia sofrer, a mim,
aos meus filhos e ao meu companheiro Getúlio.

Começo da Revolta

Embora já sem entusiasmo, eu continuava. A caridade de


alastrava!...

Com a bela emanação aos que não a conheciam, a Luz da


Verdade começava a reluzir nas iniciais que comandavam esta terra
sagrada: U.E.S.B.

Enquanto lutávamos para o nosso infeliz sustento e pela grandeza


da obra, outros reuniam-se, até mesmo em minha casa, e ficavam a
ofender a nossa irmã Neném, diretora espiritual, que, naquela altura, já
tinha ido residir ali.

Eram horríveis aqueles nossos primitivos cobradores! Todos se


revoltavam, todos começaram a vibrar. A inquietude da revolta íntima
muitas vezes desencadeava discussões e pude perceber o ódio nos
corações de alguns. E eu era a que mais sofria com toda aquela
incompreensão!

Além de todas as torturas que pensam sentir os pobres sem


compreensão do que seja servir a Deus, eu sentia também a rebeldia
de não gostar de morar no mato. A falta de conforto material, a
mudança de profissão, ver arrancados dos estudos os meus filhos, tudo
era tortura para mim e meu companheiro. E pelos mesmos trilheiros
passavam a Irmã Neném e os seus filhos.

Através de Antônio, o Carpinteiro, todos víamos chegar, batendo


em nossas portas, os nossos velhos credores do passado, cobrando
ceitil por ceitil, e assim pagávamos, mesmo sem as forças necessárias
ao bom trabalhador em Cristo.

O tempo passava e eu, com o mesmo ideal de vencer, continuava


com o meu comércio, só que agora em dias alternados, pois a caridade
não me dava tempo para mais. Ali chegavam pessoas de todos os
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
26

lugares, com enfermidades para serem curadas. Devido ao grande


número daquelas pessoas, estabeleci uma diária, uma taxa de quarenta
cruzeiros para que fizessem suas refeições e se acomodassem no
bendito abrigo. A maioria era indigente, e eu as sustentava sem
qualquer ajuda que não fosse lançada em meu rosto ou alegada por
toda parte.

Meus irmãos, é muito fácil oferecer alguns quilos de gêneros


alimentícios; porém, oferecer o próprio sustento dos filhos, tirar-lhes
mais da metade do que lhes é justo e oferecer, pelo amor do Cristo, aos
que pensamos serem estranhos, não é fácil!... Meus irmãos, eu o fiz!

Carmem Lúcia, minha filha de 15 anos, Marly, filha da nossa


querida diretora Irmã Neném, e uma linda bacharela, eram todas
incentivadas por mim nos trabalhos da cozinha para os doentes.
Muitas vezes sentia medo que elas se envaidecessem com os elogios
dos visitantes.

Certo dia, em uma das minhas incorporações, recebi uma ordem


da Diretora que o espírito secretário do nosso Pai Espiritual Seta
Branca, espírito esse da razão porque ali vivíamos, tinha dito que eu e
meu irmão Jair teríamos que entregar o nosso veículo em troca de um
possante motor gerador de energia elétrica.

Sem titubear, eu e meu bom irmão, que era para mim grande
força adjuvante, nos desfizemos de nossos tão úteis carros!

Começou, então, a piorar a minha situação material e senti que


deveria me preparar para receber as avalanches que chegavam.
.......................................................................

Certo dia eu estava conversando com Pedro Izídio, Mestre


Adjunto do Ministro Muyatã. Por sinal, afirmo que estes jovens Adjuntos
me trouxeram muitas realizações. Conversávamos sobre os
componentes do seu Adjunto, quando trouxeram uma jovem
desmaiada, no colo de seus pais. Realmente, era um quadro triste.
Enquanto Pedro foi atendê-los, lembrei-me do meu primeiro
desdobramento e como estava me servindo, vinte e quatro anos depois
(1958-1982). Hoje, eu podia dispor de tudo, na segurança daqueles
mestres. No entanto, vejo como se fosse hoje, a minha primeira
viagem:
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
27

Naquela tarde de fim de mês, estava preocupada com meu


caderno de contas. Afinal, eu tinha dois caminhões fichados na
Novacap, só que, quando fiz o acerto de contas, fiquei assustada, pois
havia faltado a muitas viagens, e não me conscientizara disso, ficando
tudo à revelia. Sofri. Senti medo dessas minhas primeiras falhas na vida
profissional, e pressenti que não conseguiria sustentar aquela vida
dupla. Teria que optar: ou a minha vida espiritual ou a material. Teria
que descobrir uma maneira de decidir. Logo me chegou a voz de Mãe
Yara:

- Você, filha, descobrirá tudo através dos seus próprios recursos!

Deitei-me, totalmente consciente, porém as vibrações


aumentavam e diminuíam. De repente, fui arrancada do corpo. Senti
que eram os encontros do extrasensorial, mas me assustei, sentindo
como se fosse morrer. Sentia desprender-me do corpo físico, enquanto
minha cabeça rodava, rodava... Só algo me segurava – Mãe Yara –
apesar de minhas faltas com ela!

Rodei não sei por quanto tempo e, como por encanto, me deparei
com uma grande luz, opaca, que não iluminava a seu redor. Dentro
dela estava tudo claro, mas, em sua volta, tudo negro, negro... Ouvi
alguém dizer:

- Faculdade mediúnica de transporte em desenvolvimento!

- Sim! – confirmou outra voz – Desdobramento!

- Se desta vez foi diferente, da próxima me arrancarão os bofes –


pensei.

Sentia ânsia, ânsia demais, até que chegaram dois médicos do


espaço e comecei a me acalmar. Ao lado de Mãe Yara, tinha uma linda
visão, mas, dentro de minha cabeça, só ouvia:

- Transporte em desdobramento!

Mais calma, me pareceu ver árvores caminhando. Meio


assustada, falei com Mãe Yara, que colocou a mão em minha testa,
dizendo:

- Não há árvores!
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
28

Tornei a olhar, mas não havia árvores, realmente. Comecei a


fazer muitas perguntas, e ela ia me respondendo. De repente, parei de
falar e só formulava a pergunta em minha mente. Para minha surpresa,
ela percebia a expressão do meu pensamento, e me respondia,
também pela mente. Aprendi, assim, a me comunicar com todos. Ouvia
e era ouvida. Entendi que era a minha primeira experiência fora da
matéria e que não era tão fácil como ouvira dizer... Na realidade, até
hoje não consigo explicar o que se passou comigo naquele transporte
de desdobramento.

Eram cinco horas da manhã quando Pai João de Enoque veio me


dizer que não fosse trabalhar. Mandei Delei com o caminhão, e fiquei
em casa. Pai João voltou e me disse:

- Fia, almoce pouco. Não coma quase nada! Terás um lindo


trabalho a fazer!

Eram sete horas da noite. Chegara o momento e Pai João nos


orientou: eu deveria deitar e Mãe Neném reunir um pequeno grupo de
médiuns. Senti as mesmas sensações do transporte de
desdobramento. Realmente, foi tudo igual. Só que, desta vez, entrei em
um aparelho etérico, como eu também. Ali, naquela situação imposta,
me vi em um lugar todo especial, deitada em pé... Deitada em pé, sim!
Sentia como se uma cama estivesse presa em minhas costas. Ouvi
uma voz, no comando, que dizia:

- São vinte horas! Não podemos evitar o grande incêndio neste


hotel!

No plano físico, eu repetia, e Mãe Neném anotava. Eu me


perguntava como podia ser aquilo. A voz voltou, confirmando:

- Já são vinte horas e trinta minutos. Vamos aguardar!

Não tenho como descrever as sensações que eu sentia. Só


pensava comigo mesma o que estaria acontecendo, se aquilo era real,
verdadeiro.

De repente, uma grande língua de fogo me tirou de meus


pensamentos, que eram falados e ouvidos no meu corpo em fonia, sem
perder um detalhe. Eram chamas imensas. Eu daria tudo para não
estar envolvida em tão terrível realidade. Distante do meu querer, ali
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
29

estava eu, naquele imenso aparelho... Então, vi algo diferente: um


homem de barba semicerrada, deitado a cerca de dois metros distante
de mim. O que me assombrou foi notar seu corpo pesado, diferente do
meu. Sim, um homem de carne e osso. Foi quando um dos
comandantes disse:

- Vão sentir a falta desse homem. É o porteiro do hotel.

Súbito, a nave parou em cima de um conjunto de casas


diferentes. Eu já estava sentada, e podia ver e ouvir tudo que se
passava. Sentia que eu e o porteiro do hotel incendiado estávamos ali
em razão de uma missão divina: para evitar que se alastrasse uma
terrível epidemia...

Como voltei, não sei dizer. Sentada na cama, com todos me


olhando com olhos arregalados, estava revoltada, desafiando aqueles
que se prestavam a me ouvir, e dizia que tudo era tolice dos espíritos.
Nisso, chegou Pai João, dizendo que eu devia respeitar o ambiente,
porque poderia perder a voz. Orientou alguém para que aumentasse o
volume do rádio, e pudemos ouvir o noticiário. O locutor narrava o
incêndio, dizendo que ocorrera um fenômeno, pois todos estavam a
salvo, exceto o porteiro, que ainda não fora encontrado. Não sabiam
seu paradeiro, embora tivesse sido visto antes de o incêndio ter
começado. Olhei para os médiuns que, alheios a mim, liam o que Mãe
Neném havia escrito e comentavam:

- Como será? Vão dar falta do porteiro?

Envolta em mil pensamentos, questionei sobre o destino do


porteiro.

- Capela! – veio a resposta dentro de minha cabeça.

Continuei pensando:

- Meu Deus! E meus filhinhos? Sem mãe nem pai... Já são dez
horas da noite, e eu fora de casa desde as sete horas!...

No outro dia acordei com terrível mal-estar. Novamente, custei a


me recuperar. Não aceitava que ninguém falasse mais do assunto, mas
não adiantou, porque todos comentavam o incêndio, o fenômeno...
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
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...............................................

Hoje, meu filho Jaguar, vejo a diferença entre a sua mediunidade


e a minha. Estamos aqui, neste reservado atrás do Radar, jantando a
nossa marmita: Alberto, Mestre Yucatã; Caldeira, Mestre Yumatã, Luiz
Fogaça, Mestre Uruamê; Capuchinho, Mestre Camuty; Barros, Mestre
Alufã; Fróes, Mestre Adejã, e o nosso Primeiro Mestre Jaguar, Nestor,
Trino Arakém, além das ninfas, esposas e escravas, e meu querido
marido, Mestre Mário, Trino Tumuchy, que veio prestigiar nosso jantar.
Vejo a alegria deles, e penso: quanta caridade? Penso no sem número
de pessoas que vão, esperançosas, para suas casas, levando os
conselhos dos Pretos Velhos, dos Caboclos... A atenção e a Doutrina
destes jovens mestres que citei e dos muitos que não citei, espíritos
milenares vindos de velhos mundos, trazendo, cada um, uma bagagem
espiritual muito grande... Sim, temos um incansável mundo, onde
vamos juntando pequeninos e grandes fenômenos e fazendo nossa
cultura. Sou a Mãe que veio buscar os filhos, e só Deus sabe o preço a
ser pago por isso! Observando aquele grupo, fiz um retorno a 1959, na
vida espiritual de cada um. A mansão dos meninos... A mansão cultural
dos Instrutores... Ninfas... Trinos e, enfim, o médium iniciado em
Dharman Oxinto. Lembro que só via a mansão quando estava mais
cansada. Em resumo, pagava para ter aquela proteção para os meus
filhos. Hoje, pago um imenso preço pela cultura dos novos filhos, e fico
feliz, entendo o porquê desta facilidade em aceitar os conhecimentos.
Vejo que o Jaguar entra na vida etérica, vai à sua mansão cultural, e
quando minha mensagem soa no plano físico, já encontra a sua mente
clara e receptiva. Vejo, também, que o Homem correto é esclarecido
por Deus através da Presença Divina, o Prana! Vejo, também, que as
demais religiões estão confundindo o Homem, tirando o seu respeito
para com Deus... Sim, meu filho Jaguar, eu vivia, então, a fazer
comparações e pequenas conjecturas naquele labirinto que ficou tão
para trás!

...............................................

Eu andava preocupada porque, há muito, não tinha notícias dos


meus colegas caminhoneiros. Eram sete horas quando escutamos o
funcionamento do grande Mercedes estacionando em minha porta.
Saímos, e encontramos o Nelson, um velho colega com quem tinha
grande afinidade. Eu estava um pouco nervosa, mas fiquei muito
satisfeita com aquela visita. Entramos, e ele começou a falar sem parar.
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
31

Falava em me tirar de Brasília, que ia me arrumar um caminhão novo


para melhorar meu trabalho, e coisas assim. De repente, surgiu por trás
dele um espírito brincalhão, que começou a fazer trejeitos e
macaquices, e eu comecei a rir. Nelson assumiu um ar preocupado e
me olhou compungido, sem entender a situação. O espírito fazia
acrobacias e dava chutes nas costas de Nelson, que nada sentia no
físico.

Entre sorrisos, eu conversava com Nelson e com Alcides.


Convidei-os para irmos até à cozinha, e o espírito desapareceu.
Quando voltamos à sala, o espírito reapareceu, começando tudo de
novo, e eu tornei a rir tanto quando antes. Naturalmente, Nelson nem
quis ficar para o jantar. Apressava-se para sair, já não falava mais nos
planos para me levar dali. O espírito deu uma trégua, desaparecendo.
Nelson começou a se despedir.

- Não, Nelson, mamãe não deve ir embora daqui. – disse Gilberto,


meu filho – Aqui, ela trabalha perto de nós.

- Sim, eu sei! – Nelson apressou-se a confirmar – Fica, Neiva!


Afinal, você já está se acostumando aqui.

O espírito retornou, e comecei a rir de seus trejeitos. Nelson


terminou, apressadamente, as despedidas, e voltou-se para mim,
dizendo:

- Neiva, procure um especialista. Você trabalhou durante toda a


sua vida, e nós mesmos só pensamos em você montada num
caminhão. Procure, também, um descanso, pois doze anos sem parar
de trabalhar é muita coisa.

- Como posso parar? E as crianças?

Nelson partiu. Mais uma frustração... Dali em diante comecei a


sentir na carne a minha prisão.

...............................................

Hoje, meu filho Jaguar, eu compreendo como foi difícil a minha


vida. Naquela época, havia um colega que morava comigo. Chamava-
se Getúlio da Gama Wolney, e sofria, noite e dia, as minhas
irregularidades. Durante algum tempo, foi ele a minha salvação. A cada
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
32

dia, mais me aproximava dele. Contudo, nosso relacionamento decorria


de grande dívida transcendental. Não tínhamos uma vida conjugal
normal. Éramos, apenas, dois jovens tocados por uma missão. Não nos
amávamos, porém nos respeitávamos mutuamente. Ele tinha suas
esperanças, e eu as minhas, de novos encontros e, junto aos meus
filhos, de um casamento com quem já me esperava. Apesar de tudo,
minhas esperanças não morriam. As dele também não!

...............................................

Em 1958, eu já tinha todo este acervo dentro de mim, embora


insegura por conflitos normais. Pedia aos espíritos que não deixassem
eu perder as esperanças. E ia vivendo.

Trabalhava na Novacap e tinha dois caminhões. Vou contar mais


um dos fenômenos que me aconteceram.

Passara a noite em claro, com aparições, etc. Pela manhã, fui


trabalhar no Clube Cota Mil, nas margens do lago Paranoá. Os
engenheiros desceram do veículo e foram para o campo. Fiquei
sozinha. Tinha levado uma garrafa de café e um isqueiro, no modelo de
uma pistola, muito bonito, presente de um alguém muito querido meu.
Porém, eu me esquecera de abastecê-lo, e, quando fui acender o
cigarro, não acendeu. Gritei, num desabafo:

- Se não estivesse com esses espíritos na cabeça, meu isqueiro


estaria funcionando! Não teria me esquecido de colocar fluído...

Num gesto automático, acionei o isqueiro, e ele acendeu. Como já


tinha atirado o cigarro para longe de mim, fui apanhá-lo, e o isqueiro
apagou. Peguei o cigarro e o isqueiro tornou a acender, permitindo que
eu acendesse o cigarro. Nisso, ouvi Pai João me dizendo:

- Mal criada! Devia deixá-la sem o seu cigarro... Fia, procure


acompanhar os espíritos. Não deixe que eles percam tempo com você,
com as suas mesquinharias. Um dia, quando for uma rainha, você terá
vergonha de tudo isso.

- Quanta coisa por causa de um simples cigarro – pensei (ou


falei?)
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
33

Foi a conta! O isqueiro foi arrancado da minha mão e bateu, com


força, no pára-brisa, quebrando o vidro, voltando a cair na minha mão.
Olhei o isqueiro, e vi que estava sem o parafuzinho e a tampinha.
Fiquei apavorada! Estaria eu tão nervosa a ponto de fazer tudo aquilo?
Procurei a tampinha por todo o carro, e não a encontrei.

Quando cheguei em casa, Beto me disse:

- Mamãe, olhe! É a tampinha do seu isqueiro...

Tive um susto muito grande e lhe contei o que tinha acontecido,


inclusive sobre o vidro quebrado. Avisei ao Sr. Jaime que iria a Goiânia
para comprar outro pára-brisa, antes que aquele começasse a
esfarelar. Ele disse, então, que não encontrou nenhum vidro quebrado.
Fui conferir. Realmente, o pára-brisa não estava quebrado. Foi quando
voltou a voz:

- Lição de luz e amor. Eu não iria dar prejuízo a você. Salve Deus!

Virei-me para o Betinho e perguntei:

- Ouviu o que o Preto Velho disse?

- Não! – respondeu – Cadê ele?

Ficou por isso mesmo.

...............................................

Passaram-se muitos dias sem novidades.

Certo dia, em meados de 1959, chegou uma menina com uma


linda rosa vermelha, que me entregou, dizendo:

- Meu pai mandou para a senhora.

- Para mim? O seu pai?

Estas conquistas eram comuns, porém nunca o pai utilizando a


própria filha. A menina tagarelava:

- São as primeiras rosas do canteiro do meu pai... Não! Quem


mandou a rosa foi aquele moço do caminhão...
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
34

E apontou para um Scânia que já dava partida no motor. Olhei e


vi o Nelson, que acenou, dizendo adeus. Não teve coragem de falar
comigo, já que me considerava louca. Senti uma imensa angústia, e
olhei para a rosa. Tive a maior surpresa: minha mão estava cheia de
sangue! Dei um grito e a joguei longe. Tornei a olhar minha mão e nada
vi de anormal. Apanhei a rosa e verifiquei que, realmente, não tinha
sangue. Curiosamente, esqueci-me da triste partida de Nelson e me
concentrei no fenômeno que acabara de ver. Logo veio Mãe Yara para
me esclarecer:

- Filha, você é, também, médium de efeitos físicos. Sua dor foi


tamanha, que se refletiu na rosa. Deus se compadeceu de você. Aquela
tinta vermelha, da cor da rosa, cor de sangue ou outra cor, se chama
charme cósmico. A partir daquele momento você foi preparada,
iniciada, para a iniciação de objetos.

- Se vem de tão longe, – perguntei – como chega tão


rapidamente?

- Existem depósitos no pronto socorro universal. O Homem tem


seu livre arbítrio, é verdade, porém temos que estar prontos para
segurá-lo para que ele não caia em certos abismos!...

- Charme, herança transcendental... Não sei! – pensei – Queria


somente saber do sangue em minha mão.

Mãe Yara sorriu com tal ternura que eu me dei por satisfeita.

Nunca esqueci o fenômeno da rosa. Sempre que via uma pessoa


sofrendo por uma situação sentimental, me lembrava daquela tardinha
e da rosa. O fato é que, partindo daquele fenômeno, pude ver como
tudo é aproveitado. Coisas ricas em Deus Pai Todo Poderoso. Este
fenômeno só nos é possível fazer quando não há laços cármicos. Sim,
porque a ninguém é permitido penetrar na seara de um caminho
cármico. Neste caso, só Deus pode interceder.

...............................................

Uma senhora de bons costumes veio me pedir para olhar o noivo


de sua filha que, por sinal, estava ali presente. Queria saber se ela faria
um bom casamento com Rafael, que ficara em seu apartamento, no Rio
de Janeiro. Como sempre faço, mentalizei o quadro e fiquei espantada!
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
35

Pedi para que ela mentalizasse o tão falado noivo. Agora, eu tinha
certeza do que vira: ele estava carregando tudo o que havia no
apartamento. Virei-me para a senhora e disse:

- Dona, ele é um assaltante!

E olhando para a moça, confirmei:

- Não o queira, filha. Vai ter um terrível susto!

As duas se levantaram imediatamente, enquanto a jovem dizia:

- Louca! Ela é louca, mamãe. Vamos embora!

Desapontadas, as duas se foram. Eu me sentia desorientada,


sem poder confirmar o que vira. Tentei continuar trabalhando, mas senti
que não estava bem, e fui para casa. Pedi ao meu bendito fenômeno
que me dissesse algo...

Passaram-se três dias, e as duas senhoras voltaram a me


procurar. Fui atendê-las. Uma sorria e outra chorava, dizendo:

- Viemos para Brasília, e estamos na casa de meu filho. Estou


com medo, pois tudo foi como a senhora nos disse. Ele levou nossas
coisas, e ficamos com medo de que ele voltasse e nos encontrasse lá.

- Salve Deus! – exclamei, pensando comigo – Mais um fenômeno


da rosa.

Vendo que elas iriam ser mortas, puxara, com todo o amor, as
forças do Mundo Encantado dos Himalaias, e pedira proteção à minha
flor. O noivo, que planejara esperá-las para fazer um saque mais
completo e matá-las, foi acometido por uma ansiedade que o levou à
pressa de saquear logo tudo, sem aguardar que chegassem.

...............................................

Voltemos a 1958. Eu me sentia como se estivesse numa pequena


embarcação, navegando sem destino num mar fremente. Tinha perdido
noção do valor de tudo. Realmente, não sabia onde iria parar. Tinha
medo de tudo e, por vezes, tive medo até de chamar por Deus. Sei lá!
Se ele fosse um espírito, poderia me aparecer, e esse era meu grande
temor. Eu era mesmo como uma embarcação perdida em alto mar!
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
36

Com este espírito de tristeza e angústia, fui chamada para


transportar madeiras que uma mulher tinha comprado de outra. Levei
Gilberto e Raul comigo na cabine. Quando estacionei, para pegar a
carga, junto à casa, ouvi uma mulher e um homem se descompondo, já
partindo para a agressão física. Disse, baixinho, para mim mesma:

- Com tanta força espiritual que tenho, vou apartar essa briga.

Ouvi Pai João falando em meu ouvido:

- Não se meta, Neiva! A briga não é sua, embora a mulher esteja


com ciúme de você. Não conte comigo, pois estou indo embora...

- Vá, Pai João, pode ir! – disse eu com arrogância – Eu já estou


me acostumando a ficar só!

- Porém, nunca ligou... – falou Pai João, sem terminar e partindo,


dando uma rizadinha.

Marchei para junto do casal, gritando:

- Parem com isso, gente!

A mulher desferiu um golpe tão rápido com o braço que quase me


pegou, enquanto o homem apontava para mim, gritando:

- Saia daqui, sua intrometida! Não vê que a briga é por sua causa,
infeliz? Vá cuidar da sua vida...

Fiquei com raiva e ia revidar, quando chegou uma turma que


estava colocando a madeira no caminhão e me tirou dali, enquanto o
homem me xingava com palavrões e gritava coisas sem nexo.

Como o caminhão já estava carregado, me colocaram na cabine,


e dei logo partida, com muita vontade de chorar de raiva. Com as
crianças, eu não podia fraquejar, pois éramos os três chefes da casa.
Após andar um bocado, parei e me debrucei sobre o volante,
amargando a minha dor. Pai João chegou, dizendo:

- Aprendeu a não mexer com a vida dos outros, teimosa? Eu bem


que avisei!

- Estou desajustada! Vou matá-los!...


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
37

- Qual, fia, se não matou até agora, não matará nunca mais, pois
você está marchando para um sacerdócio...

Olhei para ele, e disse:

- Feio! O senhor é muito feio!

- Porém – respondeu-me com ternura – eu já fiz concurso de


feiura, e você nunca fez!

Rimos, e passou minha raiva.

................................................

A vida se passava e eu me sentia incapaz de fazer grandes


coisas.

Certo dia, chegou um casal de jovens namorados, querendo


saber da Clarividente como seria sua vida de casados. Achei ele muito
bonito e ela muito feia e petulante. Pensei, pensei e me omiti de dizer a
verdade, tomando o partido dele, pois o achei muito bonito para sofrer
ao lado daquela moça.

Ó, meu Deus! Tomei partido e fui ridicularizada nos planos


espirituais. Eu era ainda inexperiente e, de quando em vez, cometia
alguma tolice. Tinha dificuldade para entender a mim mesma, para
descobrir qual a minha missão. Sentia muito medo da Igreja, do pecado
original, etc.

Estava mais esclarecida, embora ainda insegura, quando vieram


me avisar que havia chegado um bispo, que queria falar comigo. Fiquei
em pânico, pensando no quê um sacerdote de Deus iria fazer comigo.
Busquei uma desculpa para não ir recebê-lo, mas Mãe Yara chegou e
me levou até à Kombi onde o sacerdote me esperava, sob uma chuva
torrencial.

Fiquei sozinha com ele, morrendo de medo. Lembrando-me dos


meus olhos, que eu tinha entregue a Jesus, sabia que não poderia
mentir, dizer-lhe que não era espírita, nem Clarividente... Não tinha
como escapar!

- Soube do teu fenômeno. – disse ele – Em que os espíritos se


apegam, na reencarnação?
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
38

Mãe Yara, como sempre, veio em meu socorro e, de maneira


precisa, me orientou. Comecei a falar, referindo-me a seus pais:

- Bispo, o senhor tem dois velhinhos que são dois santinhos. Deus
lhes deu a graça de terem um filho como senhor, embora sofram por
terem, também, um outro filho, que é epiléptico e vive, embriagado,
pelas ruas...

- Como?... – gritou ele, me interrompendo – Como sabes disso,


mulher?

- Sou a Clarividente a quem o senhor procurou! – respondi com


simplicidade, e continuei – Dívidas do passado... Seus pais, o senhor e
seu irmão viveram e se endividaram mutuamente...

E fui lhe dizendo mais algumas coisas de seu irmão. Após ouvir,
ele soltou um gemido, como se sentisse uma grande dor:

- Realmente... Meu pobre irmão!...

E foi se despedindo de mim, constrangido, como se eu o


incomodasse. Apenas me perguntou se era possível ir até onde ele
morava. Disse-lhe que não saía dali, e desci do carro. Ele partiu com
profundo ar de desagrado.

Mãe Yara me disse que não seria apenas aquele caso. Muitos
outros religiosos viriam me abordar futuramente.

Fora mais uma experiência. Na verdade, gosto muito da Igreja, e


fiquei, por alguns dias, triste e impressionada com o susto do bispo.

..................................................

Introdução do Segundo Bloco de Anotações:

Salve Deus, Mestre Jaguar!

Saiba que, quando somos acessíveis a todos, emitimos raios de


luz e amor. Filho, o teu progresso está no teu coração! Agora, o tempo
está curto. Veja a inquietação que está crescendo em todo o universo.
Filho, antes de semear temos que provar se somos humildes, mesmo
sendo abnegados como somos.
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
39

Aprenda a discernir, sempre, o bem e o mal. Quando o Homem


retorna aos planos espirituais é interrogado para prestar contas do
tempo vivido na Terra, e suas possibilidades.

A fé é a determinação permanente de pensamentos construtivos.


Tudo o que fazemos com fé e amor, atingimos o objetivo. Quando
estamos confiantes, temos aguçados os nossos ouvidos e ficamos
sensíveis aos fenômenos deste mundo, sinal evidente de que não
estamos virados somente para nós. A melhor maneira de conhecer a
nossa evolução é quando não passamos desapercebidos das dores
alheias. Emitir o amor onde olhamos, e sentindo graças por tudo ou
pouco que temos.

Filho, aqui está uma explicação das atividades transcendentais,


onde você, filho, terá que me ouvir para se conscientizar de sua
missão, e como se faz um sacerdote, como eu fui preparada. Salve
Deus!

...............................................

Minha vida seguia o curso normal de uma mulher viúva quando,


aos 32 anos, começaram os primeiros fenômenos de minha
clarividência. Começou, também, um período de indecisões, e tudo que
eu havia planejado, em toda a minha vida, se transformava, sem que eu
percebesse. Apenas, sentia que tudo mudava.

Em 1959, tive que aceitar ir morar na Serra do Ouro, onde


fundamos a União Espiritualista Seta Branca – UESB. Foi o mais
terrível martírio, pela brusca transformação de toda a minha vida. Meus
filhos Gilberto, Raul Oscar, Carmem Lúcia e Vera Lúcia estavam na
crítica idade de estudos e em pleno desenvolvimento físico. Renunciei a
tudo, porque somente um objetivo passou a existir: o Doutrinador!

No dia 9 de novembro de 1959, recebi o primeiro mantra –


Mayante. Minha cabeça se encheu de sons, e apareceu um lindo
general, da época da queda da Bastilha, dizendo chamar-se Claudionor
de Plance Ferrate e que, após me contar sua história, ditou a letra da
melodia que eu estava ouvindo, a que chamou Mayante, o mantra de
abertura dos nossos trabalhos.

Naquele mesmo dia, eu teria que concluir um grande


compromisso sentimental, e qual não foi minha decepção: comecei a
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
40

ouvir Mayante soando em minha cabeça e senti profundo desprezo em


tudo o que via e ouvia. Era um compromisso de nove anos, e eu sabia
o quanto iria pagar por aquela renúncia... Porém, me desliguei sem
vacilar, rompi o compromisso, e me voltei para minha missão. De
joelhos, em frente ao Pai Seta Branca, entreguei meus olhos a Jesus,
pela terceira vez.

Comecei a reduzir as palavras, sem conseguir vencê-las,


procurando, sempre, harmonizar em mim meus pensamentos em ações
de graças do meu Sol Interior. Não havia mais ninguém no mundo.
Fiquei esperando alguém que me conhecesse, e caminhava somente à
noite, por caminhos invisíveis e sobre campos solitários. Chorei, filhos,
chorei amargamente, mas, ao encontrar alguém, sempre ostentava um
sorriso nos lábios.

Dos requintes dos salões de uma vida de luxo, conheci a pobreza,


a pobreza inconfundível. Enfrentei mil conselhos e seduções, mas nada
me afastava do caminho do Bem, na convicção de minhas visões.
Aquela mulher cheia de arrogância perdia, aos poucos, seu orgulho!...

................................................

Deus não criou o Homem inteiramente livre. Eu precisava


encontrar alguém do meu nível, que me compreendesse. Abordada por
um grupo de Kardecistas, pensei em acompanhá-los, sair dali, daquela
serra. Foi somente mais uma decepção, pois quando lhes disse que
estava na missão do Doutrinador, eles nada entenderam. Fiquei
confusa e decepcionada.

Nesse mesmo dia, um colega de minha confiança, com quem


tinha uma grande afinidade, chegou naquele exato momento e,
sentindo a situação em que eu me encontrava, insistiu para que saísse
com ele, me dizendo:

- Você está fanática! Vai deixar seus filhos sem estudo...

Sentia-me em terrível conflito. Aceitei o convite, e saímos, indo


até a cidade de Alexânia. Minha cabeça era como um vulcão! Sentia-
me, realmente, uma total irresponsável. Conflitos agitavam minha
mente. Sentamos na estrada, e ele começou a falar sobre minha vida.
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
41

- Eu compro um caminhão – continuou meu colega – e ponho na


sua mão. Você vai me pagando aos poucos. Não posso imaginar uma
mulher como você, única profissional neste país, mascateando!...

Foi falando e me ridicularizou o máximo. Finalizou, dizendo, com


lágrimas nos olhos:

- Isso me corta o coração, Neiva! Nunca mais pisarei aqui, pois


não suporto vê-la nessa miséria, nesse fanatismo. Pense em seus
filhos, Neiva!...

Ele se levantou e se despediu, dizendo que confiava no meu


retorno às estradas, num dia em que juntos festejaríamos.

Uma voz soou em meu íntimo. Era Vovô Indu, dizendo:

- Vai, fia!...

Continuei sentada na estrada e tapei os ouvidos para não ouvir o


motor do caminhão que partia.

- Vai, fia! – disse novamente Vovô Indu na minha audição.

- Como sou querida! – pensei – Os espíritos preferem que eu


desista da missão e me verem infeliz! Meu colega saiu tão
amargurado...

Quando me levantei para ir embora, comecei a ouvir os espíritos


que chegavam, com seus sermões:

- Neiva, nesta missão que lhe confiamos, você deve cuidar muito
da sua conduta, não pode cometer um gesto irregular. Fica feio!...

Porém, minha dor era tão grande que eu não queria ouvir coisa
alguma. Resolvi que continuaria minha farsa como companheira de
Getúlio, pois assim inspiraria mais respeito e não causaria tantos
ciúmes.

Sim, meu filho, na campo da vida, cada inteligência se caracteriza


pelas atribuições que lhe são próprias. Senti que a estrada era longa e
que se processa a cada passo, lentamente, pelo chão. “Sede pois, vós
outros, perfeitos como, perfeito, é o Pai Celestial” (Mateus 5:48).
Daquele dia em diante, transformei minha vida e a fiz um facho de luz e
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
42

amor, sentindo que as minhas dúvidas eram imortais. Preenchi todas as


minhas necessidades, fazendo das minhas ilusões um clarão de alegria
a todos os meus desejos. Aos poucos, fui me realizando. Pelas curas
constantes, fui superando minhas frustrações, me colocando à
disposição da Espiritualidade, passando a viver sob um céu espiritual,
numa outra natureza, que dia a dia me conscientizava da minha
clarividência.

...............................................

Dois anos depois, em princípios de 1960, recebi de Pai Seta


Branca a minha primeira missão. Eram seis horas da tarde e eu, mais
do que nunca, sentia uma grande saudade. Dessa vez, porém, era algo
diferente, mais fino, alguma coisa que eu não conhecia. Fui me sentar
no alto do morro, e Pai Seta Branca chegou, começando a me mostrar
meu roteiro e por tudo que eu teria que passar na missão, traçando,
então, o meu sacerdócio, ao lado de Humarran. Senti forte dor de
cabeça e pesada sensação de mal-estar. Quando dei conta de mim,
estava diante de um velho oriental, de barba longa e trajando uma
vestimenta com capuz e mangas largas, que me disse:

- Salve Deus! De hoje em diante você terá a força de uma raiz!...

A partir de então, tudo ficou difícil. Às 4 horas da tarde eu me


sentia como se estivesse com uns 38 graus de febre, com a cabeça
rodando, a ponto de não me agüentar de pé. Mas, deitada, as tonteiras
se acentuavam e, numa espécie de sonho, sentia que me desprendia
do corpo, com perfeita consciência. A cada dia, eu melhorava o meu
padrão vibratório, consciente do meu trabalho. Recebi de Pai Seta
Branca novas instruções: para entrar no plano iniciático eu teria que
fazer as pazes com todos aqueles que se diziam meus inimigos...

Então, já no terceiro ano de conhecimentos ao lado de Humarran,


segui até as cavernas, com a missão de pedir paz e amor aos reis dos
submundos. Humildemente, me transportava até cada um deles, e lhes
pedia que firmássemos um acordo de paz, pois nossa lei não admitia
demandas. Fui à presença de sete reis, que me trataram com maior ou
menor ferocidade, mas aos quais tratei com amor e muita timidez,
recebendo a concordância para o acordo proposto. No caso de Sete
Montanhas, recebi até uma grande proposta para ficar em sua corte:
ele me compraria de Pai Seta Branca, e eu lhe prometi que cuidaria do
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
43

assunto. Fiz as minhas negociações e prossegui demonstrando


tranqüilidade, apesar do meu tremendo pavor...

Era um período em que eu andava sobressaltada. Naquela tarde,


o sol não aparecia, tornando tristes os meus pensamentos. Havia muito
o que fazer, mas resolvi, por me sentir um pouco sem forças, ir me
recostar no meu velho pequizeiro. Adormeci e iniciei um transporte.
Entrei em um suntuoso castelo, onde tudo era luxuoso, e logo fui presa
por dois homens grandes, com pequenos chifres, que me seguraram
pelos braços e me conduziram à presença de seu poderoso rei: Exu
Sete Flechas.

Ele me encarou, zombeteiro, e vociferou:

- Ela é inofensiva! Tragam-na até aqui! Já tenho conhecimento de


seus contatos.

Eu me aproximei e ele me falou:

- Sua pretensão é muito grande em querer fazer um acordo


comigo, pois não tem sequer um povo para defender!

- Vou levantar um poder iniciático – respondi, temerosa – e só


quero fazer isso após firmarmos um acordo, para que seu povo não
penetre em minha área.

- Já sei muito sobre suas intenções! – disse ele – Eu me


comprometo a não penetrar em sua área, mas, antes, vou fazer um
teste com você, para lhe fazer sentir a minha força.

- Salve Deus! – eu só murmurei.

- Quero ver o tipo de proteção que você tem. – voltou ele – Quero
ver se ela vai livrá-la de mim! Amanhã, às três horas da tarde, vou
arrancar todo o telhado de sua casa. Quero testar a sua força...

Voltei ao meu corpo, sentindo o sabor desagradável daquela


viagem.

Entretanto, a ameaça não se concretizou.

Tornei a voltar onde ele estava, porém em outro local, em outro


salão. Ele fez o acordo, e jurou que, em verdade, jamais tocaria em
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
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meus filhos – os Doutrinadores. Mas afirmou que só se realizaria


quando dividisse sua força comigo, e reforçou sua ameaça anterior.

Três anos se passaram, e nada aconteceu. Até que um dia – eu já


estava em Taguatinga – tive a sensação de perigo e me decidi a ir falar
com ele. Pela terceira vez, ali estava eu, diante dele, que me recebeu
com risos e deboches, e me afirmou que, às três horas daquela tarde,
arrancaria o telhado de minha casa.

Desafiadora, pensei:

- Ora, não tenho o que temer! Se ele, até hoje, não arrancou o
telhado de minha casa, não arrancará mais.

Voltei, confiante, ao meu corpo.

Por volta de duas horas da tarde, uma velha me procurou, pessoa


dessas que vivem fazendo suas cobrancinhas, e começou sua obra:

- Oh, irmã Neiva, como vai? Eu precisava tanto falar com você!
Mas, dizem, e estou vendo que é verdade, que você não fala com os
pobres...

Eu fiquei possessa com a velha, por sua ousadia em me falar


daquela forma, e, assim, baixei minha vibração! Foi o suficiente:
ouvimos o estrondo do telhado e foi tudo pelo ar!

Pensei:

- Neiva, fracassastes depois de tantas instruções!...

Voltei há três anos, e entendi que aquilo era mais uma


experiência. Salve Deus! Ficara decepcionada com o Exu Sete Flechas
e estava sempre preparada para seu ataque, mas falhara. Passei,
então, a fazer uma preparação, quase um ritual, para entrar em uma
caverna.

................................................

1961. Continuava cumprindo minha peregrinação, sempre me


lembrando do que dizia Mãe Tildes:

- Neiva, fale somente o que convém à sua Doutrina!


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
45

Fui, então, me acostumando, a cada dia, a cada hora, com as


heresias de Mãe Neném. Minhas condições de amor me davam
segurança para receber as contradições de meus princípios como ricas
lições.

No dia 9 de junho de 1961, estava deslumbrada com


acontecimentos de meus desdobramentos, quando numerosa família
me apareceu. Apertei cada uma das mãos que me eram estendidas, e
me concentrei para ouvir o triste relato. O drama girava em torno de um
senhor Aprígio, desencarnado há trinta anos, que deixara enorme
herança em terras. Esse senhor fora um desajustado, construindo sua
fortuna de forma desonesta, com muito derramamento de sangue, com
seus jagunços forçando situações, matando por escrituras, e coisas
assim.

Estava vendo os quadros, quando alguém colocou a mão em meu


ombro. Era Manoel, neto de Aprígio, e vi que ele era a reencarnação do
avô, e o mais prejudicado dos herdeiros, pois sua parte era justamente
uma terra com escritura falsa, enquanto as dos outros já estavam
legalizadas. Em sua nova encarnação, Aprígio nada possuía. A terra
que herdara fora, outrora, de uma viúva, cuja vida do marido havia sido
tirada por Aprígio.

Vendo ali, à minha frente, o “Aprígio Neto” pagando suas dívidas


sem consolação, sem sentir a realidade, comecei a lembrar as palavras
de Humarran:

- Fia! Desde a criação do mundo físico, todos vêm tentando


conseguir uma vida permanente. Mas, a lei da própria natureza física é
imutável: ninguém escapa das mãos da Morte! Na verdade ninguém
pensa em morrer, envelhecer ou adoecer. A lei da natureza não muda a
imunidade contra a morte. A Ciência Nuclear descobre muito, porém
sempre estaremos nas mãos das moléstias, da velhice, da morte e do
nascimento. Sendo assim, temos por obrigação corrigir o nosso
conhecimento.

Finalmente, Aprígio era o próprio neto, com 23 anos, e o mais


prejudicado de todos aqueles herdeiros. Fiquei muito assustada, mas,
com o meu deslumbramento, à noite fui bisbilhotar os detalhes de tudo
aquilo. Fui à minha pequena pracinha, e podia ouvir o murmúrio de
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
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casais que chegavam de diversos trabalhos. Em pensamento me veio a


voz de Humarran:

- Ajudar sem participar! Cuidado. Você não deve dizer que o tal
Aprígio está reencarnado em Manoel, seu neto, porque não podemos
causar ansiedade para os outros pelas ações de nosso corpo, pelos
pensamentos de nossa mente e nem por palavras...

Voltei para o corpo um pouco mais equilibrada.

Naquele mesmo dia, me aconteceu uma coisa que eu sempre


temia: Meu companheiro me chamou e disse que não poderia continuar
comigo, que já estava vivendo com uma moça.

Tive um choque, e não admitindo o que ouvia, senti que desabava


internamente, ficando tonta e sem destino. Voltei, então, a buscar
Humarran, para que me aconselhasse, e ele me disse:

- Fia! Terá que passar por todas as provações!... Impuseste ao


seu companheiro viver ao seu lado. Mas, hoje, ele se cansou e, pelo
que sei de Seta Branca, ele tem uma filosofia adequada para o Terceiro
Milênio, para a Nova Era: O Homem, vivendo pelo amor à família,
nunca ficará infeliz ou aflito por coisas desejáveis ou indesejáveis ,
criadas pela mente, e se torna um puro devoto na sua personalidade
em Deus. Tudo o que o Homem forja em sua mente está errado! O
Homem deve se sentir seguro em seus sentimentos. Vocês não se
amam e, portanto, não poderiam viver assim. Lembre-se, sempre,
quem enquanto tiver um corpo material, terá que enfrentar todos os
pontos físicos desse corpo, descobrindo o que lhe é saudável. Não fuja
às leis físicas, pelas quais terá que conquistar sua identidade espiritual.
Está com seu orgulho ferido, porém, tão logo pague o seu débito, ficará
livre desse companheiro. Não se identifique, falsamente, com o seu
corpo material, grosseiro, nem considere que os corpos se relacionam
com corpos. São suas propriedades, mas cada um gera em sua lei.
Não é vantagem inserir seu corpo do que seja, continue, normalmente,
respeitando seus sentimentos nas leis que sempre lhe regeram. Estou
certo?

Respondi afirmativamente, porém me sentia arrasada, humilhada


perante toda nossa comunidade. Em busca de mais orientações,
perguntei:
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
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- E quanto a Mãe Neném?

- Realmente, o que queremos é que não se sinta frustrada.


Neném lhe reprova porque sua vida conjugal a traumatizou a ponto de
perder o equilíbrio. Este é um detalhe corriqueiro. Se você não fosse
uma criatura perfeita, não conheceria, com tanto amor, os seus irmãos.
Não queira passar por religiosa, simplesmente pela forma ou pelo
nome, não seja um falso profeta!... Pobre Neiva! É tão jovem para
saber da morte...

Falou como se eu não estivesse ali perto... Dei um gemido,


sentindo que meu peito estava se arrebentando, e ele continuou:

- Conhecerá a verdade, filha, e ela a libertará, porque a luz da


verdade irá resplandecer em você. Sua tarefa deve ser encarada como
um santo sacerdócio, e a sua responsabilidade é grande demais, pela
força que lhe foi confiada. Você deve sentir a mais doce e mais humilde
tolerância, sim, a tolerância com amor! Detenha-se no lado bom das
pessoas, das situações e das coisas. Cria esperança e otimismo onde
estiver, em favor dos outros, sem pedir nem esperar recompensas ou
remuneração. Auxilie muito e espere pouco ou nada. O seu mundo
estará sempre aos seus pés, porém, nunca irá achar lugar para seus
desejos. Viverá só e carente, porque não terá irmã nem irmão por estes
vinte anos! A noite iluminará os pequenos diamantes de sua cabeça,
porque cairão das estrelas. O que você tem a fazer é marcar o local do
seu altar, do seu sacrifício, para a grande convulsão que está escrita,
rumo ao largo portão da nova aurora. O seu som estará sempre unido
aos apelos da noite e do dia...

Calou-se. Envergonhada, perguntei qual o meu verdadeiro nome.

- Neiva! – respondeu – Ainda se chama Neiva, e só mudará seu


nome quando forem contados, em sua cabeça, cento e oito pequeninos
diamantes. Então, não mais sentirá qualquer receio deste mundo.

- Eu sofro, reclamo, porém minha consciência é pura... – eu disse.

- Sim, e ai de você e não fosse!

- Respeito a luz do Evangelho e tudo o que me compete


entender...
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
48

- Sim, Neiva, sei disso. Estarei consigo até o fim, porque não pode
haver felicidade sem esclarecimento, digo, a felicidade real. Filha, sei
que o conhecimento dessa onipresença divina ainda não penetrou na
sua mente. Por isso não lhe acode nos momentos de suas
necessidades. Filha, és dura como uma pedra, porém, eu saberei
lapidá-la.

Olhei para aquele velho de barbas longas, cor de canela, pés


descalços, envolvido por um manto branco encardido. Despedi-me, e
sai dali com o coração pesaroso. Porém, desta vez, sentindo saudades
e tristeza.

O dia amanheceu. Sai do meu quarto ouvindo vozes, mil


perguntas e respostas. Buscava lembrar o que estava acontecendo, o
que acontecera, e nada conseguia coordenar. Nisso, vi dois jovens que
se pegavam, numa luta terrível. Não vacilei: corri para apartar a briga.

- Santo Deus! – gritei, pegando um pedaço de pau e correndo


para os dois contendores.

Minha cabeça rodou, e ouvi a voz de Humarran:

- Filha, a força não está na violência, e, sim, na moral!

Lancei fora o pau e gritei, porém, desta vez, sem partido:

- Pai Seta Branca!

Realmente, o conflito acabou, voltando tudo ao normal. Foi


explicado que era a passagem de uma falange de cobradores, e tudo
terminou bem.

Sentei-me num tronco, pensando na incoerência dos fatos:

- Meus Deus! Como poderei vender? Como, um dia, será minha


vida? Eu pensei que o senhor, meu mestre, fosse curar o meu coração,
a minha dor...

- Não, filha, o nosso coração só se cura pelo esclarecimento!

Comecei a me preocupar com tudo aquilo, e perguntei a


Humarran:
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
49

- Quem fui eu? Por que me deram tudo e, agora, estão tomando?

- Neiva, ouça: ainda terá que encontrar Marco Antônio para,


então, formar o seu império perdido... O mundo lhe chama, não ouve?

- Ó, meu Deus! – gritei – Agora me sinto fraca, doente... Como


vou viver? Meus filhos sem estudar, sem eu para orientá-los... Como
será minha vida?

- Sim, você é uma clarividente. Poderá saber de todo o seu futuro.


Já estou cansado dos seus gemidos, das suas queixas. Assim, não
chegará a lugar algum!...

Nesse momento chegou Mãe Neném, praguejando e disse:

- Não agüento mais!... Vou-me embora. Não agüento mais esses


caipiras que só querem receber remédios e explorar a gente!

Ouvia, simultaneamente, as duas vozes e, no meu íntimo, ia


recebendo a minha lição. Envergonhava-me de tudo e, agora, quem
tinha vontade de correr era eu. Realmente, eu estava ficando indefesa
com tantas reclamações... Mas, quando pensava que meus filhos ainda
não tinham feito o ginásio, ficava horrorizada.

.......................................................

Estava caindo uma forte chuva. Comecei a me preocupar,


pensando como sustentaria aquela gente se não pudesse mandar
buscar mandioca para fazer farinha, que era do que vivíamos. Súbito, o
tempo mudou e surgiu o Sol. Apressei-me a sair, para cuidar de tudo, e,
fora da casa, olhei para o céu e vi uma ave que voava bem alto. Mãe
Tildes se chegou, dizendo:

- Veja aquele pássaro, Neiva... Jamais se ouviu dizer Ter caído


algum por falta de alimento. Assim, fique tranqüila, pois teus
pequeninos filhos, como as aves, têm as bênçãos de Deus! Não
poderá, nunca, tomar conhecimento de um sonho quando ele está
presente. Você foi iniciada. Iniciação significa estar em contato íntimo
com alguém que está acordado. Todos dizem que, no mundo físico, os
loucos não gostam de viver. Porém, é tão difícil um suicídio! Neiva, se
puder esperar, mesmo que seja um ano, sua mente se tornará
silenciosa por si, automaticamente, e as perguntas, pouco a pouco, irão
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
50

perdendo o sentido. A mente simples é inteligente, é fértil. Estabeleça


uma norma às suas perguntas, e as gerações exaltarão em você, filha.
Não queira saber, agora, de onde vem e nem para onde irá. O vento lhe
levará para longe e lhe dirá tudo. Quem vem por ele a conhece e a
ama. Lembra que não cai uma só folha de uma árvore que não seja
pela bênção de Deus! Pelo vento, sim, pelo vento e pela chuva...

...............................................

Era noite, e eu estava exausta. Rolava na cama, quase em


desespero, quando, de repente, adormeci ou me transportei. Cheguei
em uma pracinha que, há muito, me era bem familiar. Bem consciente,
via e ouvia o que se passava ao meu redor, quando senti alguém sentar
bem perto de mim.

- Sou Amanto! – disse o recém-chegado.

- E eu sou Neiva! – respondi.

- Você não me conhece, Neiva. Sou o Inca, um dos componentes


de Seta Branca.

Meu primeiro impulso foi fazer muitas perguntas, porém lembrei-


me do que havia ouvido de Mãe Tildes – “mente simples, mente fértil” –
e me contive. Sabendo o que se passava em minha mente, ele sorriu e
disse:

- Você está recebendo ricas lições, Neiva. É prisioneira, sim,


prisioneira da poeira da Terra. Porém, está sendo preparada para
receber uma corrente inquebrantável...

Depois de me refazer da resplandecente figura de Amanto, fiquei


pensativa, até que ele me disse:

- Neiva, você me inspira a mais alta confiança. Estamos aqui, na


Ponta Negra, e vejo que você não está com medo, está?

- É, não estou com medo!

Ele sorriu, porque, na verdade, eu estava com as pernas


tremendo de medo e não percebia.

- Ó, meu Deus! – exclamei – Até aqui?


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
51

- Sim, Neiva! Aqui é a continuação da Terra e, daqui, partimos


para diversos planos. Este grande vale é o mais triste: é o Vale Negro
dos incompreendidos. Aqui, desta Ponta Negra, podemos visualizar
tudo e buscar energias em diversos locais – heranças, charmes para a
lucidez...

- Lucidez? – perguntei, já me encontrando menos confusa.

Sim, lucidez! O espírito, ao receber a bênção de Deus, se


esclarece e toma seu destino. Aqui onde estamos, nesta pracinha
chamada Ponta Negra, é o limite deste tenebroso vale. Veja, ali, uma
enorme cerca magnética, que protege o vale dos bandidos do espaço.
Eles chegam até ali perto, porém não ultrapassam aquela cerca.

- Por que bandidos do espaço? – voltei a perguntar.

- André Luiz colocou tudo de uma maneira fácil de ser entendida


na Terra.

- Não conheço bem André Luiz, – eu disse – porém conheço o


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

- Sim, Neiva, porém são perigosas as suas interpretações. O


Evangelho, realmente, o santo Evangelho... Você precisa estrutura,
base para interpretá-lo.

- Jesus! – exclamei num gemido.

- Neiva, as estranhas narrações contidas na lenda dourada, por


mais fabulosas que sejam, só refletem a mais alta antigüidade cristã.
São mais parábolas do que história. Não entre na estrada antiga, Neiva,
porque você veio reformar. Não tem mestre? Não lhe foi dado um
magnífico tibetano? Não vive a filosofar com ele?

Empolgada com a exuberante figura de Amanto, ia dizendo: Sim!


Foi quando apareceu um velho com ar muito desgostoso, que vive
enclausurado. Quase morri de susto ao ver Humarran à nossa frente!
Os dois se alegraram com o encontro, enquanto eu, envergonhada, me
sentia como um peixe fora da água. Partiram, filosofando
animadamente, e retornei ao meu corpo.

.................................................
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
52

Já eram oito horas da manhã quando me levantei.


Desinteressada, fui em busca de Mãe Neném, para relatar o que
acontecera comigo à noite. Tive, então, uma grande decepção, pois me
informaram que Mãe Neném havia ido visitar Chico Xavier para saber
se o meu comportamento estava correto.

Estava amargando minha decepção quando Jalico veio me


chamar, para que visse um terrível fenômeno. Junto com ele vinha uma
mulher, que trazia uma criança enrolada numa toalha. Quando a mulher
descobriu aquela criança, quase morri de susto: com cerca de 60
centímetros, ela era igual a um sapo – cabeça, mãos e pés! Comecei a
gritar, e logo me tiraram dali, mas aquilo me desequilibrou por alguns
dias...

Havia, em frente da minha casa, uma frondosa árvore, junto à


qual fiz um banquinho de tábuas, onde gostava de ficar, passando
horas meditando, ou melhor, curtindo as minhas saudades.

Naquela tarde, soube que Mãe Neném chegara, mas não me


procurara.

...............................................

Eram quatro e meia da manhã quando bateram na minha janela.


Era um grupo de pessoas que estava trazendo Rita, filha de Dita
Vermelha, sobre uma maca, um bangüê, que havia sido mordida por
uma cascavel. Gritavam por mim.

Levantei-me depressa, ainda me lembrando dos lindos olhos


verdes de Johnson Plata que, havia pouco, estavam me observado.
Porém, para minha surpresa, quem apareceu foi Vovô Indu, que foi logo
dizendo:

- Depressa, filha. Pegue calomelano e dois vidros de óleo de


rícino.

Comecei a dar ordens e mandei levar a enferma para uma cama.


Não sei como consegui que ela ingerisse uma cápsula de calomelano e
os dois vidros de óleo, pois a moça perdia sangue pelos poros e pelas
gengivas! Já me sentindo mais calma, pois havia feito o que Vovô Indu
mandara e estava consciente de que não havia outro recurso, sentei-
me para aguardar a marcha dos acontecimentos. Só havia socorro
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
53

médico em Brasília, a duas horas de viagem de carro, ou, indo de


ônibus, a Anápolis ou Goiânia. Como não dispúnhamos de carro e não
havia tempo a perder, tinha que me valer da ajuda da espiritualidade.
Mas, e o medo da responsabilidade? Afinal, se tratava de uma jovem
de 19 anos, e a cascavel que a picara era uma cobra adulta, com não
sei quantos anéis no rabo!

Apreensiva, vi o dia amanhecer. Saí da casa e encontrei Mãe


Neném, que me encarou como se eu tivesse cometido um crime, e
falou rudemente:

- Neiva! Cruz credo! Você está louca! Imagine se esta mulher


morrer!...

- Fiz o que Vovô Indu mandou... – eu respondi.

- Quero ver!... – tornou Mãe Neném em tom crítico.

- Não, Mãe Neném, não fale assim, pelo amor de Deus! Ela ficará
boa!

Ouvi Vovô Indu me alertando:

- Cuidado, Neiva! Só poderá contar com a vitória às 6 horas da


tarde, e tudo vai depender de sua fé e de sua confiança...

- Ó, meu Deus! – gemi, sofrida, lembrando-me da ciência e da fé,


uma das primeiras lições de Humarran.

Quando chegamos às 3 horas da tarde, a moça já não falava.


Perguntei ao Vovô Indu o que poderia ser feito.

- Na Terra, você já fez tudo, – respondeu-me – porém, lembre-se


de que a força da mediunidade não tem limites...

Continuei fazendo minhas preces, até que Mãe Neném chegou,


dizendo:

- Neiva, não tive tempo de lhe contar sobre meu encontro com
Chico Xavier. Ele disse que a sua clarividência é algo magnífico, mas
que você deveria estudar mais, procurar a Federação Espírita, pois, da
forma que está corremos muito perigo. Você não acha que ele tem
razão?
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
54

- A senhora pode ir, que eu ficarei aqui! – eu disse com certo


desprezo.

- Olha, Neiva, eu acharia bom se você pudesse ir. Lembre-se de


que o Chico é um santo...

- Não tenho dúvidas sobre a santidade dele, por isso acho que a
senhora deve ir. Quanto a mim, não quero nada, neste mundo, que
anule a minha personalidade. Vá a senhora! E vou lhe dizer mais: ou a
senhora fica aqui ou fica lá!

- Cruz credo, Neiva! Temos que saber o que é melhor para nós.
De mais a mais, aquelas histórias que você me contou, sobre os tratos
que fez com os exus, sou franca – não gostei!

- Contou isso ao Chico?

- Claro! Ele se limitou a sorrir.

Ó, meu Deus! Pensei comigo: Por que tudo isso? De que me


serviriam estas humilhações? Olhei Mãe Neném e procurei me colocar
no lugar dela. É, talvez eu fizesse o mesmo...

Em meio aos meus conflitos, ouvi me chamarem do local onde


estava a jovem. Corremos, apavoradas, pensando no pior. Santo Deus!
A moça estava sentada na cama, queixando-se, apenas, de fome! Eu e
Mãe Neném nos olhamos com carinho e amor e, juntas, fomos ao
Templo, agradecer a Deus.

..............................................

Brigas, paixões, conflitos, realizações...

Após alguns dias, me dirigi para o que era meu. Como já disse,
era um lugar onde o morro era muito a pique, e eu me sentava como se
fosse uma poltrona. Caminhava para lá, como de costume, quando uma
grande força me impediu, e ouvi:

- Volte! Volte já!

Sem entender, eu voltei correndo, sem saber se aquela “coisa”


era má, se gostaria de me arrebentar. Que coisa horrível! Chamei Mãe
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
55

Tildes, e ela me explicou que era a voz direta deslocada pelo neutrom,
a força que divide os planos vibracionais.

Voltei para casa. De longe, ouvia as meninas cantando. Fiquei


parada por alguns minutos, e logo vi surgir uma linda Lua no céu. Fui
me sentar em um banco, sob um pequizeiro, e logo apareceu
Gertrudes, me trazendo um prato feito, que comi sem saber, na
realidade, o que comia.

Sim, muitas coisas aconteceram... Sozinha, naquela serra,


sempre com mil preocupações em minha cabeça! Sozinha, sim. Como
é triste a solidão...

Lembrava-me das queixas dos mal-amados, e pensava na solidão


que sentiam. Também comecei a fazer críticas, julgando: eles estão
sozinhos por falta de tolerância... Devemos pensar na solidão, na
velhice...

Naquele instante, Getúlio, meu companheiro, chegou de


mansinho e, segurando os meus ombros, disse:

- Já pode me perdoar, Neiva? Vamos embora daqui! Já não


suporto mais isto. Mãe Neném lhe trouxe o recado do Chico Xavier? Ele
fez críticas a seu respeito...

Senti como se tivesse levado uma punhalada. Perguntei:

- Você também acha que eu, realmente, preciso estudar?

- Não, absolutamente. – respondeu Getúlio – Mas, você me


ensinou que o Homem se evolui em qualquer lugar. Por que, então,
ficar aqui nesta serra, com tanto desconforto?

- Não sei o que me espera – respondi – porém continuarei aqui


até terminar meu curso com Humarran.

- Meu Deus! – exclamou ele – Acho que não estou preparado


para tanto, principalmente para ser companheiro de uma clarividente.
Às vezes, penso que a amo, mas, quando estou ao seu lado, sinto que
você está distante. Como sofro com isso!...

Estávamos nos entendendo quando Mãe Neném chegou e


começou a despejar tudo o que lhe vinha na cabeça. Disse que Chico
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
56

Xavier tinha razão, que minha ignorância estava me atrasando, que


ninguém conseguiria decifrar minhas visões, que Urubatã – Cavaleiro
de Oxosse, líder da linha do amor e do perdão – era um exu, enfim, que
tudo estava errado. Sizenando recebera uma comunicação de que
Urubatã havia queimado todo meu dinheiro.

Sim, nisso ela tinha uma certa razão pois, simbolicamente, ele
havia incendiado o barraco de Mãe Neném na Cidade Livre.

- Meu Deus! O que tenho a ver com tudo isso? – pensei, com a
mente mergulhada num turbilhão de pensamentos.

Lembrei-me de Humarran e de sua filosofia:

- O corpo físico é, para a alma encarnada, aquilo que a máquina


significa para o operário.

A doença persistia no meu corpo, e eu já não me sentia a mesma.


Pensava no que ouvira: Caminharás muitas vezes no mundo como um
barco que navega no oceano revolto... Ouvi Humarran que me dizia:

- Não culpe os médicos, não acuse os professores, não reprove a


conduta dos outros... Não maldiga a poeira da terra... Aproveite,
sempre, o seu tempo em aprender, porque é muito mais tarde do que
pensa. Você deve sentir a mais perfeita tolerância por todos e um
interesse, com sinceridade, pelas crenças dos que pertencem a outras
religiões. Não se importe pelo que demonstrarem pela sua e, para que
possa ajudá-los, é preciso se libertar dos falsos preconceitos. Você não
deve desprezar Mãe Neném. Deve, sim, ser condescendente em tudo,
ser benevolente em tudo, agora, que os seus olhos estão abertos, para
que possa empreender um trabalho de ordem superior. Pobre Mãe
Neném!... A superstição é outro grande mal, que tem ocasionado
muitas e terríveis crueldades neste mundo. Sofrem os homens, as
plantas e os animais. Os fanáticos se dizem religiosos e praticam todo o
mal em nome de suas religiões... Filha! Se anseia se unificar com Seta
Branca, que nunca seja por amor a si mesma e, sim, para que você
seja um canal, através do qual o seu amor chegue aos seus
semelhantes. Geralmente, só temos consciência do corpo, que vai
morrer, e não temos conhecimento do nosso estado de consciência
interior, que é imortal. Faça a sua parte, filha, e lembra que, sempre,
será capaz de fazer a sua parte. Não se esqueça de que a mente tem
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
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seus truques e de que a consciência é algo inegável. A única


esperança, para um homem perdido no meio do oceano, é a de que
alguém venha tirá-lo dali. Se alguém vem e o levanta, ele se sentirá
aliviado e salvo. Outra coisa, filha, não abandone o seu companheiro...

Enquanto ouvia tudo isso, Getúlio me olhava com ternura.

- Cruz credo! Vou embora dessa miséria... – praguejou Mãe


Neném.

Continuei calada, ouvindo em dois planos. Getúlio e eu nos


abraçamos, e eu pensava:

- Ó, meu Deus! A alma espiritual é, realmente, uma partícula tão


diminuta que se encontra dentro do corpo, que não a podemos ver...

Despertei dos meus pensamentos pelas súplicas de Getúlio:

- Vamos embora daqui, Neiva!...

Procurei acalmá-lo com algumas palavras de doutrina, e tudo


ficou bem.

.............................................

Eu estava sentada sob o pequizeiro, esperando o meu jantar,


quando Gertrudes veio me dizer que Mãe Neném deixara um recado,
para que eu fosse até o rancho da neta de Antônio da Silva, o
fazendeiro de nossas terras que vivia bem no pé da serra, pois ela
estava prestes a dar à luz e se encontrava à míngua. Dissera que eu
não deixasse de ir.

Eu me assustei, e disse que não iria por dinheiro algum. Nisso,


minha cabeça rodou e comecei a andar. Sem consciência, de quando
em vez sentia que estava descendo a serra, rumo ao rancho da
parturiente.

Quando voltei a mim, já estava de volta, subindo a serra em


companhia de Mãe Neném, que me disse:

- Puxa vida, Neiva! Vovô Indu fez o parto com perfeição e eu


cortei o umbigo do menininho. Ó, bendita Natureza! Como pode
acontecer um fenômeno como este? Enquanto você estava
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
58

incorporada, seus olhos estavam fechados e, às vezes, abertos. Foi


lindo... Lindo!...

- Eu? – perguntei me refazendo.

- Sim, Neiva, você mesma!

Fiquei revoltada, mas nada disse. O fenômeno foi muito


comentado, pois, na realidade, Vovô Indu incorporara em mim e fizera o
parto, que depois fiquei sabendo, fora em condições anormais. Sempre
havia fenômenos, e parece que os Menores escolhiam os melhores
para firmar a Doutrina.

.................................................

Certo dia, reclamava da vida, quando Humarran me disse:

- Neiva, ninguém quer morrer! Todos só querem viver, até quando


possam arrastar suas vidas. Essa tendência é visível, não só no plano
individual como, também, no coletivo. A integridade da vida humana só
pode ser realizada quando uma pessoa se preocupa no serviço do
todo, completo. Existe um Céu espiritual, existe uma outra natureza que
está além da manifestação e da não manifestação. Vamos, Neiva! Hoje,
preciso levá-la à prova. Salve Deus!

Naquela madrugada fui até Ponta Negra, à minha triste pracinha,


onde sempre me encontrava com Amanto. Como longas fitas de muitas
cores, recamadas de fios dourados, refletindo mil luzes, pouco a pouco
um sopro separava os dois planos que eu, simultaneamente,
visualizada. Quanta beleza triste eu sentia!...

Eram histórias de vidas humanas etéricas, que se alastravam por


todo aquele Vale, dentro de todos os gêneros.

- Ali, sim, Neiva, – ouvi alguém dizer – ali, onde descem as trevas
da noite – e sorrindo, com ternura no olhar, ele me ofereceu uma
dádiva secreta que, no fundo do meu coração, até hoje esta dádiva
brilha – e assim tudo morrerá e tudo viverá, porque Deus é a
Natureza... Fechou-se o santuário íntimo da Alta Magia, dádiva esta
que somente o alto limite lhe fará compreender...
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
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Comecei a viver um terrível contraste. Contava os fenômenos de


minhas viagens às pessoas, e elas me diziam:

- Você que é feliz, Neiva!

Não era verdade. Eu não era feliz, pois sofria muito...

................................................

Minha enfermidade piorava dia a dia. Também aumentavam os


enfermos, os desesperados e as despesas, que eram só minhas.

Resolvi fazer uma fábrica de farinha e outra de telhas. Da de


telhas, Raul, meu filho, tomava conta e produzia, tranqüilamente, telhas
coloniais. Da de farinha, eu e meus outros filhos cuidávamos. Gilberto,
com um caminhão, puxava a matéria-prima: a mandioca, para a farinha,
e o barro para as telhas. Nas horas vagas, fazia fretes. Gertrudes tinha
uma pequena pensão. Carmem Lúcia e Vera Lúcia cozinhavam e
lavavam para as crianças do orfanato já existente. Ninguém reclamava.
Pelo contrário, me davam forças para que eu continuasse. E as
palavras de Humarran não saiam de minha mente:

- A sabedoria para ajudar e o amor que inspira a vontade de


servir, essas são as suas qualidades, Neiva! Certamente, ninguém
deve acalentar o desequilíbrio. Raciocínio sem aspereza; sentimentos
sem preguiça; caridade sem pretensão; conhecimento sem vaidade;
cooperação sem exigência; devotamento sem apelo; dignidade sem
orgulho; e, por fim, Neiva, o mais importante destas palavras do seu
comportamento: respeito sem bajulice!... Sim! Porque a fé sem
conhecimento do Bem não evolui a sua mente, Neiva! De bom grado,
combina com o canto imortal.

- Meu Deus! – exclamei – Como poderei viver se as forças me


falharem? Parece que todos estão contra mim!...

Fui procurar meus filhos e lhes disse com ternura:

- Meus filhos, vamos embora daqui! Já não suporto mais...

- Não, mamãe, não podemos sair daqui. Pai Seta Branca irá
perder a aposta que fez com Mãe Yemanjá!
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
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Realmente, Pai Seta Branca nos dissera que havia feito uma
aposta com Mãe Yemanjá: daria a ela um valioso anel se eu não
levasse aquela obra até o fim. Nosso amor por ele sempre foi muito
grande e, num gemido, fiz esta prece:

Senhor, deste-me a palavra por semente de Luz...

Auxilia-me a falar , para que se faça o melhor,

Não me permita envolvê-las nas sombras que projeto...

Ajude-me a lembrar o que deve ser dito,

E não me deixe emudecer diante da verdade!

Onde a irritação me perturba, induza-me ao silêncio,

Porque ainda dou acesso às chamas da ira.

Ajude-me, também, Senhor,

Para que a minha palavra obedeça à Tua vontade de hoje e


sempre.

Salve Deus!

Chegou Humarran e me falou:

- Neiva, ouviu os seus filhos? Deram-lhe uma bela lição. Não há


consciência sem compromisso, bem como não existe dignidade sem lei.
Vejo que você traz, em seu coração, o raciocínio sincero, sem
aspereza, sem preguiça e sem exigência...

- Mãe Neném está me exigindo muito!... – respondi meio confusa.

- Neiva, não contratou nenhum engenheiro para garantir o Sol que


a sustenta, e nem assalaria empregados para a escavação na
atmosfera, a fim de que renovem o ar que você respira. Seja como for,
convença-se de que Deus está conosco em todos os caminhos. Confia,
siga, trabalha e continua...

- Chega, meu Mestre! Minha cabeça é tão pequena!...


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
61

- Isto é o que você pensa! Zele por sua lâmpada, para que as
perturbações do caminho não a façam mergulhar nas trevas. O trabalho
é a chama que define a vida. A fé é o óleo que a sustenta na estrada,
para que todos possam se acolher na Luz que lhe cerca. Finalmente, o
que é a Vida senão a ação permanente da força sobre a matéria? Sim,
em força a matéria se resume, se sintetiza e se define. Seja toda a
verdade na vida, com sua fé viva, sua lâmpada resplandecendo...

Os casos de dúvidas e dos conflitos dos seres encarnados eram


armas sempre apontadas para mim. Respondi:

- Ó, meu Deus! Como poderei seguir? Como será a minha grande


luta se os conhecimentos que recebo, relacionados com a vida, me
induzem a reduzir erros que ainda não consigo evitar? Como as
pessoas vão aceitar tudo isso? A força mantém este Universo regido
por leis comuns, naturais, numa seqüência tão lógica! Por que
complicar no processo evolutivo? Ó, meu Deus! Como irei explicar ao
Doutrinador esta continuação?

Eu era toda essa filosofia de inseguranças. Para que ver tantas


coisas? Quem iria me acreditar?

- Pela luz da Razão, Neiva! Ninguém se nega ao Espírito da


Verdade. Ele fala uma língua correta, materializada. Existe um Sol
Interior, cujo brilho se reflete no nosso rosto. É muito equilibrado e
ilumina, também, os nossos rastros.

- As pessoas que vêm nos acompanhando conseguem ver claro o


nosso caminho? Então, essas pessoas ficaram presas em mim?

- Não, Neiva, ninguém consegue alcançá-la. Apenas seguem


seus passos.

- Meu Deus! Preferia os meus caminhões...

- Neiva! Fixe-se na Doutrina e em suas revelações alteradas. A


força agindo em obediência às leis evolutivas. Ela se utiliza da matéria
no estado primário desta e, com ela, forma corpos e realiza fenômenos
incontáveis e indescritíveis, que escapam à apreciação comum,
considerando-se os limitados recursos deste planeta. Neiva, amanhã
será outro dia. Cuida do que puder, sem se preocupar com o futuro dos
outros. Não existe um futuro definido, porque tudo depende de nós
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
62

mesmos. Vamos, filha! Ânimo! O dia de hoje já nos trouxe muitas


preocupações... Por que nos preocuparmos com o dia de amanhã?

Realmente, senti que tudo estava diferente. Passei por diversas


provas, mas me sentia mais segura, conscientizada pelo velho e
querido Mestre Humarran, o meu consolador...

...............................................

Certo dia, me desprendi dos meus afazeres e fui ao meu trono,


como chamava o meu canto no pique da serra, e lá comecei a pensar
nos reajustes a que estava sendo submetida.

Sentei e fui saindo do corpo. Fiz um transporte até o Tibete, onde


meu Mestre Humarran já me esperava, sentado entre dois candelabros
fincados no chão. Não era muito do meu gosto ir àquela sala, naquele
palácio em Lhasa. Preferia que Humarran se desdobrasse e viesse até
mim. Ele disse:

- Salve Deus, Neiva! Venha, filha, sei o quanto está sofrendo,


porém, creia que, em Deus, ainda será muito feliz!

- Estou infeliz. Só querem que eu advinhe! Jogam agulhas no


chão, no escuro, para que eu as ache e as apanhe. Isso me entristece.
É sinal que não acreditam em mim...

- Neiva! Você precisa distinguir entre o verdadeiro e o falso. Deve


aprender a ser verdadeira em tudo: palavras e ações. Por mais sábia
que você seja, sempre terá muito a aprender. Amor e sabedoria! Tudo
irá se manifestar em você, entre o Bem e o Mal. Saiba que o ocultismo
não admite transigência. Custe o que custar, é preciso fazer o Bem e
evitar o Mal! Seu corpo astral mental se aprazerá em se imaginar,
orgulhosamente, separado do físico.

Eu ouvia tudo com ar distante, como se estivesse longe dali. Ele


me observou, dizendo:

- Você gosta muito de pensar em si mesma, Neiva. Seta Branca


está incessantemente vigilante, sob pena de você vir a falir. Mesmo
quando estiver desviada das coisas mundanas, você terá que meditar,
fazendo conjecturas a cerca de si mesma. Jesus nos adverte: Antes de
culpar o seu vizinho, por que não ser severo consigo mesmo? A sua
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
63

vidência é algo sem limite, é algo sublime. Você tem tudo para fazer o
Bem e o Mal. Se fizer o Mal estará se destruindo; se fizer o Bem,
crescerá como a rama selvagem. Não se esqueça, também, que, acima
de tudo, está aqui para aprender a guardar segredos, mesmo fazendo
mistério das suas revelações. Esforce-se para averiguar o que vale a
pena ser dito, e lembre-se de que não deve julgar uma coisa pelo seu
tamanho, pois uma coisa pequena, muitas vezes, tem muito maior
sentido. Não deve acolher um pensamento somente porque já existe,
há séculos, nas escrituras. Você deve fazer distinção entre o que é útil
e o que é inútil. Alimentar os pobres é boa ação, mas alimentar as
almas é mais nobre e mais útil do que alimentar os corpos. Quem é
rico, pode alimentar os corpos, mas somente os que sorvem o
conhecimento espiritual de Deus podem alimentar suas almas. Quem
tem conhecimento tem, também, o dever de ensinar aos outros. A sua
responsabilidade, Neiva, será a maior do mundo uma vez que nunca
poderá dizer tudo e, por outro lado, não poderá se calar.

Humarran fez uma pausa, recomeçando a contar este exemplo:

- Eu era muito jovem quando me enclausurei neste mosteiro.


Porém, antes de entrar aqui, tive grandes experiências. E o que vi?
Houve um tempo em que a Índia era o principal ponto para as
revelações. Para aqui vinham, de muito longe, curiosos, romeiros,
magos, videntes... Viviam por aí, à espreita das oportunidades de suas
alucinações. Uma delas envolveu famoso lorde, que veio da Inglaterra
para saber o destino do filho recém-nascido. Foi atendido por um
desses supostos mestres que, apressado, já estava de saída. Seus
companheiros já estavam esperando por ele, na célebre porteira, para
cada um tomar seu rumo. Por insistência do nobre, o mestre contou,
sem amor, o que via: seu filho teria um mal destino, e lhe revelou o
roteiro de sua vida. Em tal tempo acontecerá isso, em tal tempo será
assim... O nobre saiu dali como louco. Seu filho, que até então era sua
alegria, passou a ser encarado como sua própria sentença. A partir de
então nada fez a não ser sofrer, à espera dos acontecimentos previstos
para sua vida. Entretanto, nada aconteceu. O jovem cresceu
normalmente, casou-se e nada sofreu de mal, enquanto seu pai ficara
amargurado por toda a vida. Não preciso dizer, mas as vibrações do
lorde destruíram o impensado mestre. Ninguém teve a intenção de
magoar ninguém. O efeito das palavras impensadas de um mestre ou
de uma clarividente é algo muito sério! Veja, sempre, à sua frente o
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
64

lorde, o homem que sofreu a conseqüência do seu orgulho, mas nunca


faça como o irresponsável mestre. Nunca participe com ninguém. Você
será, antes de tudo, uma psicanalista. É bem melhor que as pessoas
saiam de perto de você desacreditando-lhe do que se desacreditando
de si mesmas. Volte para o seu corpo, filha, e vá enfrentar as feras,
como diz. Saiba, porém, que todas são melhores do que você. Elas não
têm um ideal como você o tem, e sofrem com o seu incontrolável
temperamento.

- Todos me julgam uma qualquer somente porque sou motorista!

- Para você, tudo é bom no caminho da evolução...

Ele se calou e logo eu estava de volta ao meu corpo, e me senti


em casa, trazendo na memória uma das frases que Humarran me
dissera e que muito me impressionou:

- Os corpos se deslocam para realizarem as curas. O serviço é a


chama que lhe define a vida e clareia a estrada para os que se acolhem
nas sombras, porque entre eles você encontrará os que julgam. Sim, os
infelizes que, na Terra, cativos da ignorância e do ódio, só souberam
julgar os seus irmãos...

.................................................

Ó, meu Deus! Era impossível uma mudança tão atroz... Não


obstante meus protestos e minha incompreensão inicial, sentia que eu
estava evoluindo dia a dia.

Recebia uma lição em cada canto, ia aprendendo a iluminar as


sombras e sempre explicava que, quem ama na Lei do Auxílio, fica
imune a qualquer tragédia de dor. Não tinha grandes conhecimentos da
Lei do Carma. Passei, então, minha primeira decepção!

Certo dia, eu estava muito atarefada, quando chegou uma bonita


e jovem senhora e me pediu que, pelo amor de Deus, internasse seus
quatro filhos e mais dois sobrinhos. Seriam mais seis crianças! Ver uma
mãe oferecer seus filhos, na minha inexperiência, era algo muito sério.
Apesar da intransigência de Mãe Neném, fiquei com as crianças e a
mulher se foi.

Acostumada a fazer meus cálculos, rapidamente pensei:


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
65

- Tudo vai dar certo. Vou organizar melhor minha fábrica de


farinha e tudo seguirá, realmente, um curso normal...

No dia seguinte, amanheci me lembrando de uma rica passagem


no plano espiritual. Via a linda Izadora se matando com o veneno
guardado num grande anel, que já fora usado para envenenar muitos.
Sabia que ela estava reencarnada em uma daquelas mocinhas que me
enchiam de cuidados, cujo nome era Nair. E aconteceu o inevitável:
Izadora/Nair ficou tomando conta da casa de farinha. Ocupada como eu
estava, procurava não tirar os olhos dela. Mas, num rápido momento,
ela enfiou a mão por baixo da engrenagem, para puxar a massa da
mandioca, e teve moídos os seus dedos.

Foi horrível, e me desesperei. De repente, chegou um carro, com


um senhor que, há muito, não aparecia na UESB, e que havia sido, no
passado, uma vítima de Izadora. Tudo foi muito rápido e, num instante,
já haviam partido, conduzindo Nair para Anápolis, cidade vizinha com
maiores recursos.

Fiquei só, sentindo a sensação que as circunstâncias da vida nos


proporcionam, e pensei:

- Pessoas que eu não conheço... Pessoas tão insignificantes para


mim...

Tive uma sensação de morte, e tentei sair em busca de meus


mestre Humarran, com o coração partido, lembrando-se das pragas de
Mãe Neném, furiosa a me dizer:

- Cruz credo! Por que manter estas crianças nesta serra, em


situação tão precária?

Sim, ela tinha razão. Porém, quem nos entregara aquelas


crianças com tanta amargura no coração?

Saindo do corpo, cheguei ao palácio grená, onde o meu querido


Mestre já me esperava. Ao vê-lo, senti meu coração palpitar de
emoção. Desta vez era diferente e, após saudá-lo, falei:

- Meu querido velhinho! Meu amor! Agora estou só, estou sozinha!
Fui inventar uma fábrica de farinha de mandioca e aleijei uma menina...
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
66

Não blasfeme! Não permito que fale assim. Apenas, na verdade,


você deu oportunidade a Izadora para que se reajustasse com quem
ela fez tanto mal. Olha, Neiva, assim como existe um único Deus, existe
uma só verdade. Como se poderá conhecer a verdade senão na fonte
original da vida? A verdade só se manifesta nos princípios expontâneos
e aperfeiçoados. Quando você souber ouvir claramente a voz da
verdade, despertará as suas faculdades espirituais e irá ouvir, também,
os eternos seres a lhe abençoar. Dia virá em que um Sol e pequenos
sóis abrirão a sua alma e, então, você irá afastar muitas coisas do seu
caminho, encontrando a harmonia do Círculo Esotérico da Justiça e da
Verdade. Realize conscientemente a sua individualidade, desenvolvida
na consciência humana. Terá de Deus a graça e fará o Elixir da Vida,
tudo resultante da sua consciência. É pela caridade que os santos
consolam os criminosos que infringem a Lei de Deus, ou melhor,
aqueles que violam as Leis de Deus por cultivarem a ignorância. Na
Terra, o Homem se deslumbra com as facilidades que esta rica
paisagem lhe oferece. Filha, existe um átomo ou partícula antimaterial,
que se compõe das qualidades da antimatéria. O neutrom, átomo que
separa o etérico do físico, quando isolado um do outro, ficando a
matéria só, se decompõe. Filha, há um outro mundo, além desta
matéria, do qual você só conhece uma pequena parte, porém igual,
igualzinho a este, e está em nossas cabeças, com leis, ternura e paz.
Não existe separação! Apenas se separam, isto é, quando tem
separação, esta é feita pela compreensão dos seus habitantes. Como
eu já disse, há outra vida acima de nossas cabeças...

- Então os aviões arrebentam tudo quando passam? – perguntei


espantada.

- Neiva, veja bem, minha filha, o que eu disse: a velocidade nos


permite ir além deste mundo material, que determina a antimatéria. Ao
chocarem-se, um aniquila o outro. Essa partícula antimaterial se
encontra no plexo e cresce, se transforma para se chocar sempre e se
aniquilar diante do físico – o corpo material, destrutível, temporário,
porque as partículas de sua energia vital o fazem mais denso, porém
sempre alimentado pelo antimaterial, que é mais sutil...

- E os nossos cientistas? – perguntei.


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
67

- Eles se tornarão autênticos quando souberem identificar as


partículas antimatéria com suas qualidades. A Química, som o seu
calor, separa...

- Ó, meu Deus! – interrompi – Não foi isto que vim buscar, meu
Mestre!

Mãe Neném lhe fala sempre em materialização, sem conhecer o


fenômeno que materializa a antimatéria e você, uma clarividente, não
poderá cair no mesmo erro. Salve Deus, Neiva! Enquanto estamos aqui
concentrados, eu e você, que separou o seu plexo para operar o
fenômeno de estar aqui e, simultaneamente, em sua casa na UESB,
nos facilita agir junto à sua menina, Izadora, que terá o mínimo de sua
provação.

- É tudo tão complexo! – gemi – Minha vida, que era tão simples e
tão clara, agora me transbordava de dúvidas e conflitos...

Quando voltei ao corpo estava melhor. Izadora/Nair só perdera


um dedo, o anular, onde usava o anel, depósito do veneno, como nos
conta a história dos Borjas. Foi triste, porém passou...

...............................................

Passava aqueles dias num misto de sonhos, de realidades, de


dúvidas e de conflitos. Debatia-me, naquela serra, com desespero e
desatinos. Perdi a noção do tempo, e passei a mentir as datas dos
acontecimentos, dando motivos para que as pessoas duvidassem de
mim.

Tudo, tudo parecia se comprimir em minha cabeça. Tudo me


parecia fantástico, como se eu estivesse louca. Comecei a guardar
segredo de tudo que via e ouvia. Sentia que estava sendo preparada
para alguma coisa boa, mas sempre vinha um pensamento, que me
dava forças: qualquer dia iria embora dali...

Sentei-me debaixo do pequizeiro, perto da minha casa, num


banquinho feito pelos meninos. Neste dia eu estava terrivelmente
desajustada. Fechei os olhos, e Pai João de Enoque chegou de
mansinho:
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
68

- Fia, os Espíritos do Astral Inferior gostam de se aproveitar dos


grandes médiuns quando estes estão descontrolados pelo efeito de
irritações e outras perturbações. Você tem que ser diferente, fia!

- Salve Deus! Por que eu seria diferente? Só Mãe Neném é tão


sabida? Como pode minha cabeça guardar tanta coisa? – explodi.

Enquanto isso, os comentários continuavam. Foi quando


começaram a se manifestar os fenômenos dos carmas.

Era uma tarde fria. Eu não me sentia bem, e me recolhi mais


cedo. Já estava deitada, envolvida em meus pensamentos, quando ouvi
terríveis gritos de um obsedado. Era uma moça, e fomos todos para o
Templo. Mãe Neném fez a abertura do trabalho e leu uma passagem do
Evangelho. Começaram as puxadas. Eu ia no mesmo embalo, quando
ouvi a voz de Amanto:

- Filha, quando chegar um caso destes, eleve seu pensamento a


Deus, e faça uma pequena concentração, até que os demais
incorporem.

Estava tudo tão difícil que comecei a ficar com medo. Em meio
àquela confusão, me desprendi do corpo e fui até Humarran,
encontrando-o lavando o rosto em uma bonita bacia. Lembrei-me de
que os horários deveriam ser diferentes, e falei constrangida:

- Oh! Perdoa-me!

- Ora, filha, – disse ele – não existe horário para nós. Somente
hoje você me pegou desprevenido. Muitas vezes eu não estava
sentado naquele tapete, como você me via, pois meu corpo físico, o
meu pobre corpo, estava dormindo lá em cima, no dormitório, junto a
mais dois outros lamas que também dormiam.

- Ó, meu Deus! Como é complexa a minha vida!...

- Sim, filha, quanto mais penetramos nos domínios psíquicos,


mais difícil se torna nossa jornada. Achamo-nos na situação de
viajantes que atravessam uma região que antes nunca foi percorrida
por alguém. Temos que caminhar tendo como guia somente a nossa
própria mente, confiando, apenas, na nossa orientação e na nossa
defesa. Neiva, minha Neiva! Você se encontra diante de uma floresta
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
69

virgem, cujas árvores são numerosas. Vai em busca da sua visão e,


então, encontra o campo da sua visão, tal é a sua consciência diante do
problema da constituição. Fale sempre, Neiva, na maior concentração
de sua alma, demonstre rigorosamente a sua força, e faça por onde
chegar onde Seta Branca deseja que chegue. Filha, a força vital é
produzida pela força bioquímica. Quando a motricidade do sistema
nervoso desagrega e inflama seu plexo, instintivamente ele emite sua
força vital. Agora, vai, filha! Lá na UESB já estão preocupados com
você...

Regressei ao corpo e, ainda meio tonta, tive outro susto, pois


estava em casa e não no Templo. Perguntei a Getúlio:

- Como vim do Templo? Carregada?

- Que carregada, Neiva! Veio caminhando. – respondeu ele –


Apenas estava calada. Até pensamos que você tinha dormido um
pouco durante a leitura do Evangelho.

Não me lembro de nada, não vi nada! Acho que estou ficando


louca. A qualquer hora vão me levar para um manicômio! Salve Deus!

...................................................

Mil coisas aconteceram... Meus filhos cresciam e eu não via


maneira de sair dali.

Havia me levantado cedo, e fui me sentar sob o pequizeiro,


quando chegou um carro cheio de gente, cujo aspecto era o pior
possível. Fui, com Mãe Neném, recebê-los. Comentei com ela:

- Eles me parecem estar com fome. Devem estar vindo de longe.


Vamos fazer alguma coisa para eles comerem...

- Não, Neiva! Lembre-se do que diz Humarran... Deve alimentar


somente a alma! Temos muito pouco. Não há o que repartir...

Concordei com ela, e começamos a rir.

Depois desse dia, senti que Mãe Neném havia melhorado comigo,
numa compreensão mais razoável, amenizando nossas dores.
Ficamos, assim, mais unidas.
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
70

Mesmo depois do acidente com Nair, continuamos a fabricar


farinha de mandioca. Havia comprado mandioca, com a maior
dificuldade, e mandei Gilberto, meu filho, então com apenas 16 anos,
dono de um caminhão, buscar aquela matéria prima. Gilberto saíra de
madrugada e, até às 10 horas da manhã, não havia retornado. Comecei
a ficar aflita, e, apreensiva, fui para a estrada, para esperá-lo. Ó, meu
Deus! Parece que tudo estava preparado para eu ser testada! Em vez
de Gilberto, quem chegou foi Samuel, um velho colega de profissão,
com quem tinha uma grande afinidade.

A princípio, pensei em correr e me esconder. Mas, ao mesmo


tempo, me preocupei com a reação do meu povo. Éramos noventa
adultos, todos bem conscientes, e viviam à minha espreita. Não tinha
como me esconder...

Ouvi a voz de Mãe Neném, que gritava:

- Neiva! Neiva! Cruz credo, Neiva! Cuidado com esses motoristas!

Desta vez eu não era mais aquela! Levantei meus olhos e disse
com amor:

- Não se preocupe, minha querida Mãe Neném!...

Samuel estava estarrecido. A princípio, disse o que pensava de


toda aquela pobreza e, virando-se para mim, enfrentou a minha
segurança. Súbito, tudo mudou, e ele me disse:

- Puxa, colega velha! Que mudança!... Quem te viu, e quem te vê!


Eu até estou gostando disso, sabes? Pelo que o Alcides me contou,
achei que tu estavas quebrada...

- E quebrei mesmo! – falei com segurança, e tudo se modificou.

- Neiva, – voltou a falar Samuel – isso foi o que tu escolhestes, e


deves estar realizada. Só que não entendemos o porquê, nós que
somos realmente teus amigos e, mais que amigos, teus irmãos da
estrada. O Alcides não se conforma, porque tu sempre nos ajudastes...

Samuel me abraçou com carinho, e disse:


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
71

- Estou feliz em te encontrar assim, segura do que quer. Tu


sempre fostes tu mesma, e posso te entender. Eu e minha mulher, a
Lourdes, já freqüentamos alguns terreiros e gostamos muito.

- Eu não sabia que Lourdes era espírita – eu disse.

- Sim, e como! – falou Samuel – Vou trazê-la aqui, se Deus


quiser!...

- A esposa dele, Mãe Neném, viajava muito conosco. – expliquei.

- Sim! – tornou Samuel – Graças a Deus, eu vivo rodando pelo


mundo, a fim de dar conforto para a minha família. Neiva sabe como
somos felizes. Vamos até Alexânia, Neiva? Vamos, Mãe Neném?

- Vamos! – ela disse.

Fomos. Eu, toda feliz, pensava que quando somos verdadeiros,


tudo é felicidade em nós.

Depois do passeio, voltamos e, já de partida, Samuel me falou:

- Neiva, quando tu quiseres... Bem, sabes que posso comprar um


carro para tu trabalhares, quando quiseres. Estou às tuas ordens e
saibas que todos os colegas gostariam de tê-la de volta...

- Não voltarei! – respondi, decidida – Pode ser que seja a pior


decisão da minha vida, mas pedi para não sair daqui.

- Sei! O seu falado casamento...

- Ela já se casou – adiantou Mãe Neném.

- Já? Como ele se sujeita a esse tipo de vida? Duvido... Soube


que o cara é muito rico!

- De quem está falando? – perguntei, e ele notou que eu não


gostara.

- Coitada da velha colega! Com apenas trinta e três anos...

- Trinta e cinco – corrigi eu.

- Sim, isto é sinal de que este negócio é verdadeiro!...


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
72

- Tem razão, Samuel. E quero lembrá-lo de que você está com


um dinheiro separado para me entregar. Já ia embora, esquecendo
disso.

Samuel se admirou, porque havia, realmente, separado em seu


bolso um dinheiro que me devia. Essa dívida já tinha dois anos, e ele
tinha certeza de que eu não sabia e nem lhe cobraria se não tivesse
visto o dinheiro em seu bolso e não soubesse sua intenção de resgatar
a dívida. Samuel me conhecia tão bem que sabia que eu jamais lhe
cobraria a dívida.

Ele me entregou o dinheiro e partiu. Mais um que estava


convencido da minha clarividência...

Na realidade, cada colega profissional que se despedia, ia


deixando comigo sua bagagem de solidão e insegurança. Para mim
era muito triste viver longe dos meus colegas motoristas, daqueles que,
realmente, haviam acreditado em mim como profissional e como
mulher. Pensava:

- Ó, meu Deus! Como me sinto insegura. Qual será o meu fim ao


lado destas imagens irreais? Salve Deus!

.................................................

No dia 30 de outubro eu amanheci com forte dor no peito. Ao sair,


ouvi vozes e palmas. Todos tinham ido me saudar pelo meu
aniversário. Entrei na brincadeira, e tudo que estava sentindo passou.

Fomos comunicados que, no meu escritório, estava um grupo de


jovens Kardecistas, que queriam me ouvir e saber algo sobre a minha
clarividência.

Pedi que fossem levados ao Templo, enquanto me preparava.

Ao chegar ao Templo, encontrei-os e me receberam muito bem,


dizendo:

- Vamos fazer uma prece! A clarividente vai fazer a prece...

Foi quando Mãe Neném, para minha decepção, me disse


baixinho:
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
73

- Cruz credo, Neiva! Pelo amor de Deus! Você é semi-analfabeta,


e esse povo é cultíssimo... – e assumiu.

Retirei-me calada, e fui esperar por minha hora, isto é, o momento


em que precisassem de mim. Esperei um pouco revoltada, sem que
ninguém percebesse o que ia dentro de mim, até que vieram ficar ao
meu redor.

Comecei a falar, e eles acharam que tudo foi magnífico. Saíram


deslumbrados com tudo o que vieram saber. Por fim, queriam me
convencer a desistir de ser umbandista!... Logo que saíram, fui falar
com Humarran:

- Oh, Mestre, estou desolada. Não suportarei por muito tempo


mais essa situação. Por que é só paulada na minha cabeça?

- Porque sua cabecinha está se enchendo de coisas e, quando


estiver bem cheia, na primeira paulada, como disse, sai tudo de uma só
vez! O que importa é que você é muito honesta, e só sabe dizer a
verdade, sem saber de outras coisas. E quer saber mais? Tem que
aprender o que dizer e como dizer... Sua situação é muito perigosa,
pois suas palavras tanto podem ser o bálsamo curador como queimar
como fogo. Neném tem razão, filha!

- Ó, meu Deus! – gemi, e voltei para o meu corpo.

..........................................................

Certo dia, soube que um senhor havia chegado. Fiquei intrigada.


Quem seria? Já sabia que um dia iria chegar um homem, de origem
estrangeira, e que, segundo informações recebidas anteriormente, seria
o meu companheiro e, por seu nível cultural, atenderia à parte
intelectual da Doutrina. Fiz uma vidência, e fiquei bem impressionada
com ele.

Mas, foi tudo bem diferente! Depois de nos apresentarmos,


tornamo-nos bons amigos. Ele começou a me incentivar com as minhas
viagens. As comunicações passaram a ser mais objetivas, porque tão
logo eu voltava, ele me dava explicações de tudo. Tinha um carinho
fraternal comigo, coisa que, até então, eu nunca tivera. No dia em que
fui encontrar Humarran, confiei-lhe meus pensamentos. O Mestre me
falou:
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
74

- Neiva, dentro dos seus grandes conceitos vejo a profundidade


dos seus sentimentos. Quantos anos você tem agora?

- Trinta e quatro anos e seis meses...

- Neiva, as obras inspiradas pelo amor aos nossos semelhantes


são as que mais pesarão na balança de nossos corações. Suas
palavras serão sempre ouvidas, porque você fala da abnegação e do
sacrifício. Nada em você irá perecer, porque falará, sempre, do que
existe. Tudo está consigo em Deus e na comunicação dos espíritos.
Sim, filha, todos somos livres. Ninguém é de ninguém, até mesmo para
desejar, escolher, fazer ou obter. Mas todos somos, também,
constrangidos a entrar nos resultados de nossas próprias obras. Foi por
isso que Jesus, compreendendo que não existe direito sem obrigação,
e nem equilíbrio sem consciência, nos afirmou, claramente:
“Conhecereis a Verdade e a Verdade vos fará livres!” O corpo é um
estado celular, na qual cada uma das células é um cidadão. Então,
existem encontros, como existem doenças, como o sexo é apenas o
conflito dos cidadãos no estado, provocado pela ação de forças
externas, que não atinge o centro coronário. O Homem é livre até
mesmo para recusar ou dominar os seus instintos.

- Falas em sexo, Humarran! Estou longe de levar uma vida


normal...

- Sim, filha, o sexo não é como o álcool, que deteriora os poderes


do nosso Sol Interior. Porém, conforme a sua conduta, deforma e
desmoraliza o destino do missionário. O escândalo distancia o
missionário de sua missão. O Homem, em sua mente deformada,
deturpa os fatos e as coisas.

- Todos os homens?

- Não, filha, nem todos. Porém, sim, uma grande parte! Falei no
sexo associado à criação. Dias virão em que os pais não mais criarão
seus filhos. Os psicólogos e psiquiatras é que irão criá-los... Salve
Deus! – Humarran fez uma pausa, e continuou – Pelas facilidades
constantes do Homem no conceito do sexo, eles perdem as suas
famílias e não chegam ao término dos seus destinos cármicos...
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
75

- Ó, meu Deus! – exclamei – É tudo tão complexo! A vida também


é muito complexa... Como chegarei ao meu destino? Estou tão cansada
e nem tenho onde escorar a minha cabeça!

- Filha, as projeções mentais, como o próprio nome indica,


dependem exclusivamente do poder e da vontade emissora, de sua
capacidade mais ou menos poderosas, no impulso de suas ondas
telepáticas. Essas projeções podem ser mentais ou fluídicas. Esse
recém chegado é um metabólico!

Dizendo isso, Humarran se fechou em seu canto, e eu o deixei em


paz. Pouco depois, olhou em minha direção, exclamando:

- Ó, meu Deus! Quando essa andorinha descansará sua cabeça e


quão alto serão os seus degraus? Vai, filha! Deve sentir a mais perfeita
tolerância por todos e um sincero interesse pelas criaturas e pelas
crenças daqueles que pertencem a outras religiões, mesmo que não
demonstrem o mesmo pela sua. A religião dos outros é, como a sua,
um caminho para o mais elevado, que deve ser trilhado com o nosso
amor. Agora, você já tem seus olhos abertos, mas deve lembrar de
algumas de suas antigas crenças, de suas velhas cerimônias, que lhe
parecerão absurdas. Porém, mantenha-se firme, porque jamais fará as
coisas de si mesma.

- Eu perdi a minha personalidade!... – gemi.

- Seja condescendente em tudo e seja benévola em todas as


coisas. Agora, vá, filha! Seus olhos estão abertos e Deus tem seus
planos, e um deles é você!

Quando despertei, já no meu corpo, pensei que o velho mestre


estava caducando, porque eu fora buscar uma coisa e ele me havia
dado outra!

Lá fora, todos falavam com o novo visitante. Sem entusiasmo,


meio decepcionada, entrei na roda, falando, rindo, mas com o
pensamento seguro, no outro lado do mundo.

O tempo passou e ficamos amigos, aliás, mais do que amigos –


irmãos! Entre eu e o visitante, na dúvida de ser ele o intelectual
esperado por Pai Seta Branca, tudo corria bem. Comecei a me
desenvolver melhor e sentia prazer em tê-lo ao meu lado, porque ele
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
76

desvendava, com carinho, as minhas visões e eu, que me sentia tão


doente, comecei a sentir melhora.

Certo dia, Mãe Neném, toda arrumada para sair, me disse:

- Neiva, Humarran já sabe que este homem está se apaixonando


por você?

- Cruz credo, Mãe Neném! Ele não quer nada comigo. Está é
sempre com você, tratando da Doutrina. Teria, então, que ser comigo...

O visitante se acercou de nós, e perguntou:

- Para onde vai, Mãe Neném?

- Vou para Brasília, cuidar da minha vida, porque não tenho


ninguém para cuidar de mim!... Meu filho, você não sabe como é triste
uma mulher sozinha!

- Sim, Mãe Neném, eu sei. Eu pretendo passar algum tempo aqui


e poderei ajudá-la. Agora mesmo, tenho algumas coisas para resolver
em Brasília e, assim, posso levá-la no meu carro. Vamos?

Foram, e só voltaram dois dias depois. Eu já sabia de tudo o que


ocorrera. Mas ele veio conversar comigo:

- Neiva, por que você não foi mais franca comigo? Soube que
você está sem medicamentos porque não pode comprar e, também,
que o Pai Seta Branca está preparando você para acompanhar um
intelectual que irá descrever, com certo critério, esta Doutrina. Sabe,
Neiva, o Pai Seta Branca é muito sábio, mas você não quer sair daqui?
Eu terei todo o respeito às coisas de nosso Pai!

- Por que você está me falando estas coisas? – perguntei.

- Porque Mãe Neném me pediu que eu saísse daqui, deixasse a


serra...

Nas entrelinhas enxerguei as mesquinharias... Mas ele continuou:

- Neiva, me desculpe, mas quantos anos você tem?

- Trinta e cinco anos. – respondi – E você?


ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
77

- Quarenta e um anos, e já estou aposentado. Sou engenheiro


agrônomo e tive um princípio de angina. Fiquei inutilizado. Se a
Medicina não progredir mais rápido, estou com meus dias contados...

- Puxa vida! – exclamei – Depois do meu encontro com a


espiritualidade só ouço coisas tristes!

- Neiva, antes de conhecê-la, o que estou dizendo nada


significaria, porém, hoje, me toca, porque vejo você sofrida e sentindo
solidão. Fui desprezado pela minha esposa. Ela queria um filho, mas
uma doença me impede de ter filhos... Agora, ela já está casada com
outro, tem dois filhos, e é feliz. Foi muito brusca a atitude dela, e eu não
esperava por isso. Caí, e ainda não me equilibrei. Nem sei quando me
levantarei!

- Parece que você cai facilmente... Pelo que vejo, essa saída com
Mãe Neném lhe fez mal.

- Mutilou-me! – resmungou ele.

- Você não está preparado para tão grosseira missão!

- Neiva, falar em grosseria a seu lado é uma aberração!...

Sorrimos e nos preparamos para receber Mãe Neném e Getúlio,


que se aproximavam.

- Salve Deus! – saudou Getúlio, dirigindo-se ao visitante – Mãe


Neném me disse que você vai embora...

- Vou, sim, Getúlio, tão logo o Pai Seta Branca me libere. Vim,
esperando poder ser útil, mas nada sei fazer a não ser ficar ao lado de
Neiva, recebendo seus ensinamentos que, na verdade, são pérolas.

Notei que Getúlio estava magoado com Mãe Neném. Ele insistiu:

- Isso é verdade! Mas, fique conosco. Precisamos de uma pessoa


como você. Não se sente aborrecido em ficar junto de Neiva?

- Não! Eu e Neiva nos entendemos muito bem.

- Estamos em uma jornada, Carlos. Neiva precisa de nós.


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- Do que precisamos agora é de quem faça dinheiro! – cortou Mãe


Neném – Espírito não enche barriga de ninguém!

Getúlio assumiu ar agressivo, e olhando Mãe Neném com raiva,


disse:

- Bem que se os filhos de Neiva concordassem eu a tirava


daqui!...

O ambiente ficou constrangedor. Fiquei na maior frustração da


minha vida. Felizmente, fomos interrompidos por alguém que veio
avisar a chegada do Nelson Santos, dono de um loteamento em Nova
Flórida, e fui, com Mãe Neném, atende-lo. No caminho, ela me falou:

- Neiva, cuidado com o Carlos. Ele está apaixonado por você. Foi
por isso que eu lhe dei o “bilhete azul”. Falei que aqui não há lugar para
ele!

- Está louca, Mãe Neném? Eu sempre soube me manter isolada


e, entre eu e Carlos, nunca houve nada, sequer insinuações...

- Bem, de qualquer forma, você já está avisada. Salve Deus!

Eu ia falar mais, mas já estávamos diante do Nelson Santos. Meu


Deus! Que clima pesado...

À noite todos se reuniram, exceto Carlos. Eu, preocupada, fui


dormir, e podia ouvir, ao longe, os cantos, os violões, etc. Foi, então,
que me transportei, e me vi diante de Carlos. Ouvi que dizia:

- Neiva, se você for real, me ouça! Gostaria de ter coragem para


lhe dizer tudo o que sinto, pessoalmente. Porém, não quero lhe tirar
dessa missão e, além disso, sei que também não me aceita. Vou
embora amanhã!

Não quis ouvir mais nada, e voltei para o corpo. Meu coração
batia descompassadamente. Olhei a hora – 3 horas da madrugada!
Bastava que eu desse vinte passos e estaria com ele, e tudo estaria
certo. A certeza de voltar a ficar sozinha era terrível. Pensei: Mais um
que irei sacrificar? Eu somente queria alguém que me ajudasse...
Seriam reais os meus pensamentos? Como poderia sacrificar alguém?
ANOTAÇÕES DIVERSAS – TIA NEIVA
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Fiquei ali, petrificada. Coisas que haviam sido tão simples para mim,
hoje se complicavam tanto...

Adormeci, finalmente, e fui ter com Humarran, que me perguntou:

- Neiva, você está muito confusa?

- Não! – respondi.

- Neiva, o amor à Doutrina de Jesus compreende todos os


sentimentos, porque todo o trabalho sincero nos eleva a alma e traz as
bênçãos das lágrimas consoladoras.

- Sim, Mestre! Vim vencer a minha tristeza, o fracasso, a


frustração, o desejo de esperança de minha própria vida, a falta ou a
perda de um bem ou de um mal, a minha existência, a insegurança que
me mata, meu Mestre.

- É verdade, Neiva. Pela primeira vez a vejo serena e dolorida,


sentindo a certeza de ser amada e a insegurança de amar alguém.
Você sofre muito, ainda traz profundas cicatrizes, e o seu espírito
honesto não permitiria que fizesse sofrer alguém o que está sofrendo.

- Sim, Mestre, você me confunde!

- Não, filha, não é esse o companheiro esperado. Eu lhe falei:


vinte anos sem irmão!

Voltei ao corpo meio decepcionada, mas deixei que as coisas


fossem acontecendo normalmente, me mantendo sob controle. Porém,
sentia que os acontecimentos iam matando o pouco das ilusões que me
restavam. Recordo o que dizia Humarran:

- Cuidado, filha! Se persistir em viver dentro do ontem, é lógico o


seu temor pelo amanhã. Será como aquele que deixou os caminhos
que lhe traziam afeto e chorou a tragédia da solidão. Choram os que
não sabem perdoar as faltas alheias. Sofre, também, quem perdoa
quando está sofrido. O Homem sofrido não é o mesmo quando está
tranqüilo...

Um dia, fiquei ouvindo as crianças e os adultos – Carmem Lúcia,


Marlizinha, Marlene (uma linda e jovem médium, de quem tenho grande
saudade), Jair, Mãe Neném, Isidoro, Paulo, e tantos outros. Foi a hora
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em que decidi partir. Saudades, tristezas, jugos... Finalmente, eu


percebi que era demais ali e, ignorando minha tristeza, fui embora.

Parti para Taguatinga, onde fui me adaptar a um novo mundo.

Fiquei lá por cinco anos, e cheguei aqui, para um recomeço, na


continuação desta jornada, no Vale do Amanhecer, em novembro de
1969.

Salve Deus!

SALVE DEUS!

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