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Intelligence

e
Segurança Interna
Luís Fiães Fernandes

Intelligence
e
Segurança Interna

Lisboa | 2014
Intelligence
e
Segurança Interna

Autor
Luís Fiães Fernandes
Edição
Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna
Pré-impressão, impressão e acabamento
Sersilito-Empresa Gráfica, Lda.

Depósito legal
382377/14
ISBN
978-972-8630-12-6
Índice geral

Índice de Quadros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

Índice de Gráficos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

Índice de Figuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Capítulo 1 – Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna . . . . . . . . . . . . . . . . . 37


1.1. Portugal. A segurança interna na década de 1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
1.2. A reforma do sistema de segurança interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
1.3. A actual lei de segurança interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
1.4. Políticas públicas de segurança e path dependence . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

Capítulo 2 – A Inteligência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
2.1. A inteligência como organização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
2.1.1. Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) . . . . . . . . . . 83
2.1.2. As informações militares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
2.2. A inteligência como actividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
2.3. A inteligência como resultado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
2.3.1. Uma taxonomia dos produtos de inteligência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
2.3.2. Uma taxonomia das categorias de inteligência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

Capítulo 3 – A Produção de Inteligência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105


3.1. O planeamento e direcção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
3.2. A pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
3.3. O processamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
3.4. A análise e produção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
3.5. A difusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
3.6. Críticas ao modelo tradicional de produção de inteligência . . . . . . . . . . . . 124

Capítulo 4. Inteligência e Criminalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127


4.1. O processo analítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
4.2. A análise da criminalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
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4.2.1. Análise estratégica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141


4.2.2. Análise operacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
4.2.3. Outros tipos de análise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

Capítulo 5. Inteligência e Polícia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157


5.1. A Inteligência policial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158
5.2. Inteligência e modelos de policiamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
5.2.1. O Policiamento Tradicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
5.2.2. O Policiamento Comunitário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
5.2.3. O Policiamento Orientado para os Problemas (POP) . . . . . . . . . . . . . . 183
5.2.4. O Policiamento Orientado pela Inteligência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185

Notas Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197

Anexo A – Análise de hipóteses concorrentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
Capítulo 1
Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna

A garantia da segurança interna é essencial à consolidação da democracia


e ao exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos, pela criação das condi-
ções de segurança, ordem e tranquilidade públicas necessárias e essenciais
ao desenvolvimento económico, à promoção e consolidação da qualidade
de vida dos cidadãos. Em Portugal, o quadro legal e institucional relativo à
segurança interna encontra-se previsto na Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto,
(que revogou a Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, alterada pela Lei n.º 8/91,
de 1 de Abril), a Lei de Segurança Interna (LSI). A segurança interna é,
de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º da LSI, uma “actividade desenvolvida
pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas,
proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar
o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos
direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade
democrática”.
A LSI, enquanto quadro legal e institucional da segurança interna, apre-
senta-se como um programa de acção pública no sector segurança, para
um espaço geográfico definido (Portugal), onde são chamados a intervir um
conjunto alargado de actores. A LSI é o resultado de um processo histórico
de confronto político entre os Governos e as oposições, marcado, sobretudo
inicialmente, pelo contexto securitário interno e externo.
Os pontos seguintes não têm como objectivo avaliar as políticas públicas,
pois avaliar implicaria analisar os resultados obtidos e confrontar os mesmos
com os objectivos fixados, considerando os recursos atribuídos, mas sim tentar
compreender como é que a acção política se tem vindo a mobilizar para
resolver os problemas de segurança em Portugal. Para compreender as opções
políticas efectuadas é importante ter em consideração o contexto interno e
externo em que se desenrolaram as discussões políticas que antecederam a
aprovação das Propostas de Lei de segurança interna.
38 Intelligence e Segurança Interna

1.1. Portugal. A segurança interna na década de 1980

A Europa, desde finais dos anos 1960 e até meados dos anos 1980, foi
transformada por vários grupos terroristas no palco privilegiado das acções
destinadas a dar visibilidade à causa palestiniana e à luta ideológica entre o
ocidente e o leste. Ao mesmo tempo, a Espanha e o Reino Unido eram con-
frontados com o terrorismo de natureza independentista. Uma breve análise
das acções terroristas ocorridas na europa ocidental apoia tal afirmação (a
fonte dos dados do gráfico seguinte é National Consortium for the Study of
Terrorism and Responses to Terrorism (START), 2012):

Gráfico 9.
Número de acções
terroristas na
Europa ocidental
(1970 – 1990)

Não só a frequência dos atentados terroristas era elevada, como os mesmos


eram executados para moldar a opinião pública e condicionar os Governos
ocidentais, destacando-se:
–– A tomada de embaixadas e de outras instalações (como a embaixada fran-
cesa em Haia, tomada de assalto por 3 membros do Japanese Red Army,
a 13 de Setembro de 1973, ou a tomada como reféns de 11 Ministros de
vários países, no Secretariado da Organização dos Países Exportadores de
Petróleo, em Viena, em Dezembro de 1975);
–– Os desvios de aviões, comboios e barcos (como os casos do Avião da Air
France, desviado pela Popular Front for the Liberation of Palestine (PFLP) e
pelo Red Army Fraction (RAF) para o Uganda, em Julho de 1976; a tomada de
assalto de um comboio de passageiros em Essen, na Holanda, por terroristas
das Molucas, em Maio de 1977, ou a tomada de assalto do paquete Achille
Lauro, pela Palestine Liberation Front, em Outubro de 1985);
–– Os raptos e assassinatos de políticos e de personalidades influentes (como
os casos do rapto e assassinato, pelo Red Army Fraction, do empresário
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 39

Hanns-Martin Schleyer, em Setembro de 1977, e de Aldo Moro, pelas


Brigadas Vermelhas, em Março de 1978);
No plano interno, e no início da década de 1980, e até à formação do
X Governo Constitucional, um conjunto de actos terrorista e de alterações
graves da ordem e segurança públicas cria um clima de insegurança em
todo o país, que coloca em crise a legalidade democrática e a autoridade
Estado. A violência política interna agudiza-se a partir de 20 de Abril de 1980,
quando as Forças Populares 25 de Abril (FP-25) lançam o “Manifesto ao Povo
Trabalhador” através do rebentamento de petardos em várias cidades do país.
O manifesto é claro quanto às intenções da organização recorrer à força na
prossecução dos seus objectivos.

Figura 8. Manifesto das Forças Populares 25 de Abril

Ao longo da sua existência, as Forças Populares 25 de Abril executam vários


assassinatos, vários atentados com a utilização de engenhos explosivos, bem
como vários assaltos a bancos (as designadas recuperações de fundos). Depois
de cerca de seis anos de acções terroristas, as FP-25 são desarticuladas por
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várias operações policiais (destacando-se a operação Orion, em Junho de


1984) e, a 25 de Julho de 1985, começam os julgamentos de 73 arguídos por
suspeita de pertencerem à organização terrorista.
No mesmo plano, a 13 de Maio de 1982, o papa João Paulo II, em visita
ao santuário de Fátima, é vítima de uma tentativa de homicídio pelo padre
espanhol Juan Khron. Menos de um mês depois, a 7 de Junho, e como con-
sequência do contexto externo, um Comando terrorista arménio assassina em
Lisboa o adido cultural turco. No ano seguinte, a 7 de Abril de 1983, Issam
Sartawi (da Organização de Libertação da Palestina) é assassinado pelo grupo
terrorista Abu Nidal, durante o XVI Congresso da Internacional Socialista, em
Montechoro, no Algarve. No mesmo ano, a 28 de Julho de 1983, a embaixada
turca em Lisboa é tomada de assalto pelo ASALA (Armenian Secret Army for
the Liberation of Armenia), um grupo terrorista arménio. Nesta acção terrorista
morrem sete pessoas.
É de notar que, após a revolução de 1974, as grandes preocupações dos
primeiros Governos Constitucionais foram sobretudo de natureza económica
e social (os Governos tentam combater o desemprego, a inflação e a falta de
infra-estruturas). No plano económico, a situação económico-financeira do
país degrada-se (por exemplo, em 1983, a inflação é cerca de 24%), existem
salários em atraso, empresas a encerrar e despedimentos colectivos. A situação
social segue o mesmo rumo de degradação, com tumultos em vários pontos
do país e confrontos entre a população e as forças de segurança. Esta situação
prolonga-se até 1986 (Barreto, 2002; Ramos, Sousa, & Monteiro, 2010). No
plano político, no período de 1974 a 1987, a crise política é quase permanente
(de 1976 a meados de 1987, Portugal tem 10 Governos Constitucionais),
sendo a mesma indissociável da instabilidade social e da crise económica, a
par da crescente crise de autoridade do Estado (representada pelas manifes-
tações violentas e atentados terroristas contra alvos civis e representantes da
autoridade do Estado).
Neste contexto, a discussão sobre a segurança interna na sociedade por-
tuguesa faz-se por via da necessidade urgente de responder ao quadro de
ameaças e riscos que impendem sobre a mesma e de restabelecer a autoridade
do Estado. Só a partir de 1982, após a primeira revisão constitucional, são
criadas as condições para o início da estruturação do sistema de segurança
interna. A revisão de 1982 normaliza a democracia e procede à substituição
de certos mecanismos revolucionários por novos dispositivos democráticos,
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 41

extinguindo o Conselho da Revolução e distribuindo as suas competências


por outras instituições democráticas (Sardica, 2011, p. 130).
Na Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976 a actividade
policial estava prevista no artigo 272.º, nos seguintes termos:
Artigo 272.º
(Polícia)
1. A Polícia tem por função defender a legalidade democrática e os
direitos dos cidadãos.
2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas
para além do estritamente necessário.
3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do
Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e
com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

No âmbito do debate parlamentar sobre a revisão deste artigo, a FRS


(Frente Republicana e Socialista, uma coligação formada pelo PS, UEDS e
ASDI, que surge a 10 de Junho de 1980) propõe o aditamento da expressão
“a segurança interna” no n.° 1 do artigo. Esta proposta (entre outras) obteve
consenso. O PS, por seu lado, faz questão que fique claro “de uma forma que
não tenha tergiversações, no n.° 1 do artigo 272.°, que a competência para
assegurar a segurança interna é das forças de segurança, nomeadamente de
que a segurança interna não é função das forças armadas. Não vale a pena
estar a esconder qual é a intenção. A intenção é clara, é precisa e consiste em
dizer que a segurança não é da competência das forças armadas.” (cf. o debate
da reunião plenária de 10 de Dezembro de 1981, publicado no Diário da
Assembleia da República II Série n .º 64S, 1.ª Revisão Constitucional, de 10
de Março de 1982, 2ª legislatura, 2ª Sessão legislativa, pp 32 – 33).
Em termos constitucionais, as Forças Armadas, na Constituição de 1976,
tinham como missões a garantia da independência nacional, da unidade
nacional e da integridade do território, missões típicas da defesa nacional,
bem como missões de garantia do regular funcionamento das instituições
democráticas, uma missão de garantia da segurança interna. A nova redacção
proposta para o artigo 272.º da Constituição contribuía para clarificar o
entendimento do conceito de defesa nacional. As forças armadas passavam
a ter missões essencialmente ligadas à defesa do país contra agressões ou
ameaças externas, passando a distinguir-se a defesa da segurança interna. O
papel da polícia e das forças armadas é definitivamente clarificado: à polícia
42 Intelligence e Segurança Interna

compete-lhe a defesa da legalidade democrática e dos direitos dos cidadãos,


prevenindo e combatendo as ameaças internas, isto é, garantindo a segurança
interna; às forças armadas a defesa militar da República.
A proposta deixava, contudo, em aberto a possibilidade de emprego das
Forças Armadas, no plano interno, em situações de excepção (como o estado
de sítio e o estado de emergência), bem como a realização de um conjunto
de missões complementares (como a protecção civil) exteriores ao vector
estritamente militar. Assim, e em termos de votação, a proposta relativa ao
n.º 1 do artigo 272.º foi aprovada com 139 votos a favor (PSD, PS, CDS,
PPM, ASDI, UEDS e MDP/CDE) e 38 abstenções (PCP). Já a proposta de
aditamento relativa ao n.º 4 foi aprovada por unanimidade (179 votos). As
alterações propostas mereceram um consenso alargado, e o artigo 272.º da
Constituição passou a ter a seguinte redacção:
Artigo 272.º
(Polícia)
1. A Polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir
a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas
para além do estritamente necessário.
3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do
Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e
com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
4. A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização de
cada uma delas única para todo o território nacional.

A revisão constitucional, a par da discussão e aprovação, no período de


1982 a 1988, de alguns dos principais instrumentos estruturantes da segurança
interna, entendidos em sentido lato, como são os casos da lei que cria o
sistema de informações da república portuguesa, da lei que cria o sistema de
segurança interna e das leis orgânicas das forças e serviços de segurança (como
a PSP, a PJ ou o SIS) vão consolidar o sistema de segurança interna. Um dos
principais instrumentos foi a lei de segurança interna (Lei n.º 20/87) aprovada
pela Assembleia da República a 28 de Abril de 1987. Esta lei é o resultado da
Proposta de Lei n.º 26/IV (lei de segurança interna) amplamente discutida na
Assembleia da República durante o período de 6 de Novembro de 1985 a 28
de Abril de 1987. Os antecedentes podem ser encontrados na Proposta de Lei
n.º 71/III, com a designação de lei de segurança interna e protecção civil, do
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 43

IX Governo Constitucional, a qual acabaria por ser aprovada na generalidade,


nos finais de Junho de 1984. No entanto, a sua não aprovação na especialidade,
associada ao final da legislatura, determinou a sua caducidade.
Em 1983, o Partido Socialista ganha as eleições de 25 de Abril, mas
apenas consegue eleger 101 deputados pelo que, recusando a formação de
um Governo minoritário, negoceia e constitui uma coligação pós-eleito-
ral com o Partido Social-Democrata e forma o IX Governo Constitucional
(o Governo tomou posse a 9 de Junho de 1983 e terminou o seu mandato a 6
de Novembro de 1985), justificado por outro acordo de equilíbrio financeiro
com o FMI (Ramos et al., 2010, p. 758). Este Governo, denominado de “Bloco
Central”, tinha como primeiro-ministro Mário Soares e os restantes ministros
eram, entre outros, António de Almeida Santos (ministro de Estado), Rui
Machete (defesa nacional), Eduardo Pereira (administração interna), Mário
Raposo (justiça) e Ernâni Lopes (finanças e plano).
A 24 de Maio de 1984 é aprovada em Conselho de Ministros uma Proposta
de Lei de segurança interna e protecção civil, subscrita pelo Primeiro-Ministro,
o Vice-Primeiro-Ministro, o Ministro da Administração Interna, o Ministro
da Justiça e o Ministro das Finanças e do Plano. Mais tarde, a 14 de Junho
de 1984, a mesma entra na Assembleia da República como Proposta de Lei
n.º 71/III – lei de segurança interna e protecção civil, que é admitida e baixa à
1.ª Comissão (cf. o debate da reunião plenária de 14 de Junho de 1984, publi-
cado no Diário da Assembleia da República I Série n .º 124, de 15 de Junho
de 1984, III Legislatura, 1.ª Sessão legislativa, p .401). A 19 de Junho de 1984
dão entrada dois recursos de admissibilidade da Proposta de Lei, apresentados
pelos grupos parlamentares do PCP e do MDP/CDE, com fundamento em
inconstitucionalidade. A 28 de Junho dá entrada o Projecto de Lei n.º 367/III,
sobre a lei de segurança interna e protecção civil, da autoria dos deputados José
Vieira de Brito, Luís Beiroco e Narana Coissoró, do CDS, o qual acaba por
ser recusado. Após longos debates, a Proposta de Lei de segurança interna e
protecção civil é aprovada na generalidade com os votos do PS, PSD e CDS,
no entanto, a demissão do IX Governo determinou a sua caducidade.
Este resultado é consequência da crise quase permanente em que (sobre)vive
o IX Governo Constitucional. Para além da grave crise económica e financeira
(o desemprego atinge 10% e a inflação 30%, e o FMI actua pela segunda
vez em Portugal) que afecta Portugal (a mais grave desde a segunda guerra
mundial), no período de 1983-1984 (Ramos et al., 2010, p. 758; Sardica, 2011,
p. 130) a tensão existente entre o Primeiro-ministro e o Presidente da República
44 Intelligence e Segurança Interna

(Ramalho Eanes) agrava-se depois de Ramalho Eanes admitir a possibilidade de


formar um partido político, após completar o mandato presidencial (intenção
que se vem a concretizar com a liderança do Partido Renovador Democrático,
cuja presidência Ramalho Eanes assume em Outubro de 1986). Para a crise
também contribuem os conflitos internos dos próprios partidos da coligação e
o crescente conflito entre as estratégias dos dois partidos. A demissão do líder
do PSD, Mota Pinto, do Governo e do partido, a ascensão de Cavaco Silva à
liderança do PSD e a ruptura da coligação por parte do PSD, levam à demissão
do Governo e à dissolução da Assembleia da República.
As eleições de 6 de Outubro de 1985 para a Assembleia da Republica
são vencidas pelo Partido Social Democrata (PSD), que elege 88 deputados
(contra 57 do PS, 45 do PRD, 38 da APU e 22 do CDS). Apesar de ter apenas
maioria relativa, o novo líder do PSD, Cavaco Silva, forma o X Governo
Constitucional obtendo, inicialmente, o apoio do PRD, pela exploração do
confronto entre Ramalho Eanes e Mário Soares (Ramos et al., 2010, p. 758).
Assim, o X Governo Constitucional toma posse a 6 de Novembro de 1985
(terminando o seu mandato a 17 de Agosto de 1987). A Orgânica do X Governo
Constitucional é estabelecida no Decreto-Lei n.º 497/85, de 17 de Dezembro.
No preâmbulo, o diploma afirma que a “Lei Orgânica do Governo deve não
apenas reflectir a sua estrutura real, mas ser também expressão da filosofia que
o enforma. Por isso, o presente diploma vem reproduzir as profundas alterações
que o X Governo Constitucional deseja introduzir na orgânica da Administração.
Estas alterações traduzem uma das mais significativas modificações dos últimos
anos na organização administrativa do Estado.” É uma orgânica preocupada
em impor “uma redução de ministérios e eliminação de secretarias de Estado,
ditadas por critérios de funcionamento e de eficácia.”
O Governo é constituído pelo Primeiro-Ministro (Cavaco Silva), e
por vários ministros (Cf. arts. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 497/85, de 17
de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 278/86, de 5 de Setembro),
assumindo a pasta de Ministro de Estado e da Administração Interna
Eurico de Melo, o qual tem como Secretário de Estado Adjunto Durão
Barroso (cf. art. 12.º do Decreto-Lei n.º 497/85, de 17 de Dezembro,
alterado pelo Decreto-Lei nº 278/86, de 5 de Setembro). O programa
do X Governo Constitucional, no capítulo Organizar o Estado, aborda
no primeiro ponto a Defesa Nacional e no segundo ponto a Segurança
Interna. Para este sector, o programa propõe como orientação o seguinte
(em www.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-historico/governos-constitu-
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 45

cionais/gc10/programa-do-governo/programa-do-x-governo-constitucional.
aspx, página consultada em 11 de Janeiro de 2014):
“Impõe-se no respeito pela Ordem Constitucional, assegurar, de forma
permanente, a autoridade democrática do Estado. Para tanto, o Governo
reconhece como fundamentais as tarefas a desempenhar pelas forças e serviços
de segurança na defesa das instituições e da segurança individual e colectiva
dos cidadãos.
No desempenho de tão importantes funções assume especial relevo o combate
a todas as espécies de criminalidade, designadamente a violenta, cujos índices
assumem expressão preocupante. Indispensável se torna dotar as forças e
serviços de segurança de meios humanos e materiais que lhe permitam prevenir
e quando necessário reprimir eficazmente todas as acções que, revestindo
natureza criminosa, põem em causa valores essenciais ao desenvolvimento
da vida em comunidade
(...)
O desenvolvimento desta política impõe a adopção de diversas medidas, desig-
nadamente a apresentação à Assembleia da República de uma Proposta de Lei
sobre Segurança Interna, instrumento indispensável à adequada articulação
e coordenação da actividade desenvolvida pelas diversas autoridades policiais
com vista a um mais eficaz combate e repressão da criminalidade. Com o
objectivo de garantir uma maior eficácia no domínio da prevenção e repressão
da criminalidade bem como da eliminação de factores que, manifestando-se à
margem da lei se revelem geradores de delinquência, o Governo assegurará a
efectiva coordenação das acções a desenvolver pelas forças e serviços de segurança.
Com este objectivo, mas especialmente vocacionado para a prevenção e
repressão da criminalidade violenta e organizada, será implementado o
Serviço de Informações de Segurança.”

Resulta da análise do programa que, para o Governo, o restabelecimento


da legalidade democrática e da autoridade Estado só pode ser feita com base
no reforço e aprofundamento do sistema de segurança interna e pela moder-
nização institucional das forças e serviços de segurança. Nas Grandes Opções
do Plano (Lei n.º 10/86, de 30 de Abril de 1986) destaca-se, entre as ideias
principais, a progressiva eliminação das causas que motivam a sensação, por
parte dos cidadãos, de insegurança de pessoas e bens (art. 1.º, n.º 1, alínea j).
No anexo a que se refere o artigo 1.º desta lei, encontra-se o desenvolvimento
destas linhas programáticas: construir um modelo de sociedade assente numa
46 Intelligence e Segurança Interna

aproximação entre as instituições e os cidadãos, promover a igualdade dos


cidadãos, dinamizar a economia pela criação de um ambiente de confiança
entre os agentes económicos, diminuição das interferências administrativas
do Estado na economia, assegurar o êxito da integração nas Comunidades
Europeias e aperfeiçoar o funcionamento da administração pública.
No âmbito das políticas sectoriais, e para o sector da justiça, afirma-se a
necessidade de prevenir e reprimir a delinquência (incluindo as suas causas,
sendo apontadas o desemprego, a degradação moral e a concentração urbana).
Neste âmbito, o aumento do consumo de droga é considerado um flagelo.
Neste sector são identificados vários problemas, como a deficiente cobertura
do território pela polícia judiciária, a desadequação do sistema penal e do
sistema prisional face ao número crescente de reclusos, e a justiça é descrita
como burocratizada e lenta. As soluções preconizadas apontam para o reforço
da segurança, a reestruturação do sistema penal, o reforço dos meios da PJ e
a necessidade de tornar a justiça acessível a todos. Como medidas políticas
aponta-se a publicação de um novo código de processo penal, a intensificação
da construção e remodelação dos estabelecimentos prisionais e a reestruturação
das instituições encarregues da prevenção e combate à droga.
Para o sector da segurança interna, as medidas são colocadas num contexto
de necessidade de contenção das despesas públicas, pelo que é afirmada a
necessidade de acentuar o esforço de racionalização das forças e serviços de
segurança. Para este sector são definidos vários objectivos, nomeadamente,
a definição de um quadro legal para a segurança interna, a modernização e
aumento da eficácia das forças policiais e um melhor controlo da entrada e
movimentação de estrangeiros. As principais medidas prescritas para atingir
tais objectivos são a apresentação de uma Proposta de Lei de segurança interna
e a implementação do Serviço de Informações de Segurança.
Após a tomada de posse do X Governo Constitucional reiniciou-se a discus-
são da “futura” Proposta de Lei de segurança interna, mesmo antes desta dar
entrada na Assembleia da República. A troca de argumentos entre Governo
e Oposição ocorre durante a discussão sobre a admissibilidade da Proposta de
Lei n.º 21/IV, que concedia ao Governo autorização para legislar em matéria
de processo penal (proposta que, na votação na generalidade, foi aprovada
com os votos do PSD, PS, PRD e CDS, tendo votado contra o PCP e o MDP/
CDE). A discussão surge em tal momento porque corre entre os partidos
da oposição que o Conselho de Ministros já havia aprovado uma Proposta
de Lei de segurança interna para submeter ao Parlamento. Em sede desta
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 47

discussão, são suscitadas algumas questões sobre a futura lei de segurança


interna, questionando a oposição: se tal lei iria, tal como a Proposta de Lei
n.º 71/III do Governo anterior, conter medidas especiais de processo penal;
qual a articulação entre a proposta em discussão (processo penal) e a futura
Proposta de Lei de segurança interna; e se a proposta seria expurgada de
aspectos processuais, ou se era uma mera lei organizativa das polícias.
Os comentários e questões colocadas pela oposição (sobretudo pelo PCP)
derivam dos debates ocorridos em legislaturas anteriores, nomeadamente
aquando da discussão da Proposta de Lei n.º 71/III. Na altura, a impugnação de
admissibilidade, num primeiro momento, centrou-se sobre as questões relativas
a revistas, escutas telefónicas, controle de correspondência e à delimitação
de competências no exercício da instrução criminal. Segundo a oposição, se
a Proposta de Lei era meramente organizativa das polícias, o Governo podia
aprovar a mesma pois estava no âmbito das suas competências, não necessitando
da intervenção da Assembleia da República. Mas, acrescentava a oposição, caso
a proposta incluísse medidas especiais de processo penal, o Governo deveria
esclarecer a Assembleia da República sobre o escopo das mesmas (nomea-
damente sobre a possibilidade do Ministro da Administração Interna poder
ordenar escutas telefónicas). Assim, antes mesmo da entrada na Assembleia
da República da Proposta de Lei de segurança interna, a grande questão para
a oposição era saber se existia, ou não, articulação entre o código de processo
penal e a futura lei de segurança interna, e a possibilidade dessa incluir aquilo
a que a oposição (PCP) denominava de medidas de “policialização dos direitos
fundamentais dos cidadãos” (cf. o debate da reunião plenária de 15 de Maio
de 1986, publicado no Diário da Assembleia da República I Série n.º 69, de
16 de Maio de 1986, IV Legislatura, 1 .ª Sessão legislativa, p. 2582).
O PS, por seu lado, acusava o Governo de uma tentativa de “policialização
do processo penal” (cf. o debate da reunião plenária de 15 de Maio de 1986,
publicado no Diário da Assembleia da República I Série n .º 69, de 16 de
Maio de 1986, IV Legislatura, 1 .ª Sessão legislativa, p. 2588), nomeadamente
em virtude do inquérito preliminar ser da responsabilidade exclusiva das
autoridades policiais e sem controlo jurisdicional. O PS rejeitava a ideia de
que o “policiamento das consciências e a ingerência dos meios repressivos do
Estado na esfera da autonomia privadas sejam factores de tranquilidade social
e combate eficaz à criminalidade de alta violência” (cf. o debate da reunião
plenária de 15 de Maio de 1986, publicado no Diário da Assembleia da
República I Série n .º 69, de 16 de Maio de 1986, IV Legislatura, 1 .ª Sessão
48 Intelligence e Segurança Interna

legislativa, p. 2588). Na ocasião, o Governo, através do Ministro da Justiça


(Costa Andrade), garante que a proposta de código de processo penal não está
relacionada com a Lei de segurança interna, e que o que existia era apenas
uma coincidência temporal. Acrescenta ainda o ministro que a proposta de
um novo código de processo penal visava substituir “um sistema velho, que
necessita de uma profunda reconversão”, admitindo o mesmo que a justiça
carecia de uma reconversão dos meios materiais de que dispunha.
A 16 de Maio de 1986 é entregue pelo Governo na Assembleia da Repú-
blica a Proposta de Lei de segurança interna (Proposta de Lei n.º 26/IV). A
Proposta de Lei continha normas relativas à definição da política de segurança
interna, às medidas organizativas do sistema, as medidas de polícia e as medi-
das especiais de processo penal. A proposta, ao abordar matérias do âmbito
dos Direitos, Liberdades e Garantias (matérias da competência de reserva
relativa da Assembleia da República), obriga o Governo a submeter a mesma
à Assembleia da República sob a forma de Proposta de Lei.
O PCP e o MDP/CDE apresentam recursos da admissão da Proposta de
Lei por considerarem que a mesma contém inconstitucionalidades formais e
materiais, na medida em que contém matéria de processo penal especial. A
oposição, em geral, acusa o Governo de cometer incongruência sistemática ao
verter na Proposta de Lei de Segurança Interna normas de natureza semelhante
a outras constantes do anteprojecto de processo penal, criticando ainda as
medidas de polícia e a possibilidade do Ministro da Administração Interna poder
mandar interceptar “por motivo de urgência insuperável” as comunicações e a
correspondência. O PCP argumenta que, a pretexto do combate ao terrorismo,
o Governo reincide em soluções inconstitucionais, afirmando que a Proposta
de Lei configura uma noção de segurança interna “vaga e envolvente” (cf. o
debate da reunião plenária de 20 de Maio de 1986, publicado no Diário da
Assembleia da República I Série n .º 71, 21 de Maio de 1986, IV Legislatura,
1 .ª Sessão legislativa, p. 2659), viabilizando o tratamento de questões sociais
como questões de polícia e que a Proposta de Lei de segurança interna constitui
um código de processo penal paralelo que duplica e agrava as medidas já
constantes desse código.
Submetida a admissibilidade da Proposta de Lei a votação, a mesma é
aprovada com os votos a favor do PSD, PS, PRD, PCP e CDS e do deputado
independente Ribeiro Teles. Apenas o MDP/CDE vota contra e a deputada
independente Maria Santos abstém-se. O parecer de 10 de Julho de 1986
da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 49

exprime reservas sobre a constitucionalidade de algumas das soluções constantes


da Proposta de Lei e considera que a mesma deve ser reconduzida a uma
verdadeira e autêntica lei organizativa.
O Ministro da Administração Interna, perante o Parlamento, afirma que a
proposta é “um elemento de grande relevo para a concretização da ordem demo-
crática” (cf. o debate da reunião plenária de 22 de Julho de 1986, publicado no
Diário da Assembleia da República I Série n .º 100, de 23 de Julho de 1986, IV
Legislatura, 1 .ª Sessão legislativa, p. 3806), sendo seu objectivo fundamental
assegurar de forma permanente o normal funcionamento das instituições
democráticas e o regular exercício dos direitos e liberdades por parte dos
cidadãos. Acrescenta que, para o Governo, a legalidade democrática e o reforço
da autoridade Estado só pode ser feito com base no reforço e aprofundamento
do sistema de segurança interna e de modernização institucional das forças
e serviços de segurança, a par do aperfeiçoamento dos instrumentos penais.
O Governo, na defesa das suas propostas e através do Ministro da Justiça,
defende que “as leis de segurança interna – naquilo que vão além de um corpo
de normas sobre a organização e coordenação das forças de segurança – surgem
quando e na medida em que as regras jurídicas comuns não bastem para enfrentar
as mais sensíveis frentes de defesa da sociedade e do Estado democráticos, para
fazer face a emergências em que, e infelizmente não raras vezes, estão quase
que desesperadamente em jogo a própria sobrevivência da normalidade de vida
dos cidadãos e do meio em que estão integrados. São medidas especiais, que
se justificam porque o direito – resguardando-se prudencialmente na previsão
da normalidade – não gosta de se compaginar com excepções surgidas de
circunstâncias de anormal violência e de perigosidade colectiva. Ninguém em
teoria quer, desde que nos meios de defesa da sociedade existam os mecanismos
para, em momento oportuno, imperativamente oportuno, se possam aptamente
enfrentar o terrorismo, o sequestro, a alta violência – todo o arsenal de novas
anomalias que fazem perigar os fundamentais interesses sociais que a consti-
tuição, na sua tábua de valores, quis que fossem protegidos” (cf. o debate da
reunião plenária de 17 de Julho de 1986, publicado no Diário da Assembleia
da República I Série n .º 98, de 18 de Julho de 1986, IV Legislatura, 1 .ª
Sessão legislativa, p. 3702). O mesmo Ministro afirma ainda que tem de
haver uma lei de segurança para os actos terroristas, que é uma lei “(…) não
digo excepcional, mas uma lei especial; é uma lei funcional e organizativa e
é também uma lei que compreensivelmente poderá conter preceitos de direito
processual penal.” (cf. o debate da reunião plenária de 17 de Julho de 1986,
50 Intelligence e Segurança Interna

publicado no Diário da Assembleia da República I Série n .º 98, de 18 de


Julho de 1986, IV Legislatura, 1 .ª Sessão legislativa, p. 3707).
A oposição, através do PCP, face a tais argumento responde, citando o prof.
Figueiredo Dias, que não se justifica que a lei de segurança interna contenha
medidas que se entrecruzam com as previstas na Proposta de Lei referente ao
código de processo penal. O PCP defende que as medidas para combater todas
as formas de criminalidade devem estar no código de processo penal, pelo que a
lei de segurança interna só se justifica para aspectos organizativos, para clarificar
competências das forças de segurança e assegurar a sua eficaz coordenação.
O Governo contrapõe que pretende fixar o conteúdo e os limites da activi-
dade de segurança interna e definir os actores, os meios e as medidas a utilizar
na prossecução de tais fins, e que a Proposta de Lei é um instrumento de
defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. No entanto, decorrente
do parecer da Comissão Constitucional Direitos, Liberdade e Garantias e
das discussões parlamentares, o sentido e extensão da Proposta de Lei de
Segurança Interna acabou por ser substancialmente alterada.
Da análise do debate resulta que a ligação entre o anteprojecto do código
de processo penal e a lei de segurança interna faz-se, por um lado, por uma
“coincidência” temporal e, por outro, pela natureza das soluções introduzidas
na Proposta de Lei nº 71/III do IX Governo Constitucional (nomeadamente
em matérias relativas a buscas, apreensões, revistas e medidas similares), a qual
serve de matriz à Proposta de Lei n.º 26/IV do X Governo. Durante o debate
torna-se evidente que os partidos não conseguem esclarecer qual o conteúdo
do conceito segurança interna. A revisão constitucional de 1982, que havia
introduzido o conceito no texto constitucional, também não o havia definido.
As primeiras tentativas de definir o conceito, em regra, fazem-no de forma
negativa em relação à defesa nacional acabando, quase sempre, por subsumir
a garantia da legalidade democrática e a garantia dos direitos dos cidadãos à
garantia da segurança interna. Quanto a este ponto tornam-se evidentes as
insuficiências de tais tentativas, na medida em que o artigo 272.º da CRP,
ao afirmar serem funções de polícia a defesa da legalidade democrática, a
garantia da segurança interna e a garantia dos direitos do cidadão, distingue
os três conceitos, depreendendo-se que talvez não tenha havido intenção do
legislador constitucional de subsumir os conceitos legalidade democrática e
direitos dos cidadãos ao conceito de segurança interna.
A 28 de Abril de 1987, a Proposta de Lei de segurança interna é aprovada
com os votos a favor do PSD, PS, PRD, CDS e dos deputados independentes
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 51

Ribeiro Teles e Rui Oliveira e Costa, e com os votos contra do PCP, MDP/
CDE e da deputada independente Maria Santos e a abstenção do deputado
Vasco da Gama Fernandes (PSD). A proposta é posteriormente publicada
como Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, Lei de Segurança Interna. Esta Lei
estará em vigor mais de vinte anos.

1.2. A reforma do sistema de segurança interna

A 12 de Março de 2005, o XVII Governo Constitucional tomou posse. O


seu programa, no capítulo IV, ponto III, afirma que a finalidade “essencial da
política de segurança é, de igual modo, promover a coesão social” e que a “criação
de uma cultura democrática de segurança, assente na autoridade do Estado de
direito e na compreensão de que a segurança constitui uma questão de cidadania, é
imprescindível para contrariar a tendência contemporânea para a fragmentação das
sociedades”. A segurança é entendida pelo Governo numa perspectiva integrada,
reconhecendo este que o “Estado, ao nível central, não possui o monopólio da
segurança individual e da segurança entendida em sentido amplo. Cabe-lhe um
papel primordial e insubstituível, mas necessita do concurso da Administração
local e da sociedade civil. As polícias municipais, em especial, e as empresas de
segurança privada desempenham uma função subsidiária relevante na preservação
da segurança das pessoas e das comunidades” (Programa do XVII Governo
Constitucional em http://www.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-historico/
governos-constitucionais/cg17/programa-do-governo/programa-do-xvii-governo-
-constitucional.aspx, página consultada em 10 de Dezembro de 2013).
No programa do Governo destacam-se as orientações relativas à organização
das forças de segurança, nomeadamente no que se refere à disposição territorial,
e à necessidade de revisão da Lei de Segurança Interna. A Lei n.º 52/2005,
de 31 de Agosto, que aprovou as Grandes Opções do Plano para 2005-2009,
materializa este reconhecimento pela inscrição na 4.ª Opção (com o título
Melhor Segurança Interna) como grandes objectivos de política de segurança
interna a implementação e desenvolvimento de um Sistema Integrado de
Segurança Interna (SISI), a reformulação do sistema de forças e serviços
de segurança (incluindo os estatutos das forças e serviços de segurança), e
dos serviços de protecção civil. É ainda referida a elaboração de uma Lei de
Programação dos Equipamentos e Meios das Forças e Serviços de Segurança.
No sentido de prosseguir tais objectivos, o Ministro de Estado e da Admi-
nistração Interna (António Costa, que desempenhou funções de 12 de Março
52 Intelligence e Segurança Interna

de 2005 a 17 de Maio de 2007) estabeleceu com o Instituto Português de


Relações Internacionais (IPRI), da Universidade Nova de Lisboa, um protocolo
no qual o IPRI se comprometia a elaborar um estudo sobre a “Reforma do
Modelo de Organização do Sistema de Segurança Interna”. Este Estudo tinha
como objectivos (Teixeira, Lourenço, & Piçarra, 2006, pp. 3-4):
–– Identificar o quadro da segurança e caracterizar o novo conceito de segurança;
–– Caracterizar o modelo de governance da segurança;
–– Identificar os problemas e as eventuais disfunções no modelo de organização
do sistema de segurança interna, no quadro do novo conceito de segurança
e do modelo de governance da segurança;
–– Estudar, em termos comparados, outros modelos de organização do sistema
de segurança interna, que sejam considerados pertinentes;
–– Propor linhas de orientação estratégica para a reforma do modelo de orga-
nização do sistema de segurança interna.
O objectivo último deste estudo era constituir uma base científica que
suportasse as propostas do Governo relativas à orientação estratégica para a
reforma do modelo de organização do sistema de segurança interna. A execução
do protocolo levou à produção de dois documentos. O primeiro é o relatório
preliminar foi apresentado publicamente em 22 de Junho de 2006. Este relatório
apresentava um diagnóstico do sistema de segurança interna, o qual é o resultado
conjugado de dois níveis de análise distintos, mas complementares (Teixeira et
al., 2006, p. 114): o nível jurídico (que analisa a ordem jurídica do sistema de
segurança interna, a partir dos diplomas legais) e o nível sociológico (que analisa
a estrutura e o funcionamento do sistema, a partir da análise qualitativa dos
testemunhos, de antigos responsáveis políticos, antigos comandantes e directores
das FSS e do próprio contributo institucional das FSS).
Partindo de uma perspectiva político-estratégica, o diagnóstico procurou
identificar os pontos críticos que resultavam de três condicionantes (Teixeira
et al., 2006, p. 114):
–– O desajustamento do quadro legal ao novo quadro de ameaças e riscos,
domésticos e transnacionais;
–– A evolução do quadro legal vigente, sem que a mesma tivesse obedecido a
uma visão de conjunto e a uma preocupação sistémica;
–– A descontinuidade e desajustamento entre a lei e o real funcionamento do
sistema.
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 53

As três condicionantes geraram vários pontos críticos em cada um dos


domínios (a política de segurança interna tem natureza interministerial e
interdisciplinar) da actividade de segurança interna, os quais são distintos mas
complementares (Teixeira et al., 2006, pp. 115-118):
No domínio da prevenção:
–– A existência de várias tutelas, múltiplos actores (alguns exteriores ao sistema
de segurança interna) e numerosos programas de prevenção, dificultando a
geração de sinergias entre eles, nomeadamente ao nível do financiamento
e da partilha de recursos;
–– A inexistência de um órgão coordenador, com capacidade interdisciplinar,
de ligação e coordenação entre os vários níveis da administração e entre esta
e a sociedade civil;
–– O enfoque, quase exclusivo, na reacção, por parte das várias FSS, em detri-
mento da pró-actividade, criando-se uma assimetria entre as competências
orgânicas e a operacionalização das mesmas;
–– A inexistência de uma estratégia nacional de prevenção da criminalidade,
tendo como resultado a falta de uma visão global dos problemas de criminali-
dade e insegurança e de uma consequente actuação concertada e transversal
dos organismos da administração central, local e da sociedade civil;
–– A inexistência de um sistema de avaliação sistemática dos programas que
se encontram em curso;
No domínio da ordem pública:
–– A existência de concorrência institucional entre as principais forças de segu-
rança (GNR e PSP), que afecta o desempenho da cooperação e articulação
entre elas;
–– A limitação das competências do GCS (Gabinete Coordenador de Segu-
rança), que afecta a sua capacidade para impor soluções operacionais quando
as várias FSS têm de actuar em conjunto;
–– A sobreposição de áreas territoriais e funcionais com a consequente duplicação
de meios e potenciais conflitos (positivos e negativos) de competências;
–– A existência de doutrinas tácticas, regras de empenhamento distintas, e de
níveis de formação e enquadramento diferentes, que dificulta a articulação
operacional;
–– A falta de interoperabilidade de equipamentos e duplicação de meios, gerando
problemas de articulação em situações de actuação conjunta.
54 Intelligence e Segurança Interna

No domínio da investigação criminal:


–– A existência de várias tutelas políticas e de numerosos órgãos de polícia
criminal (OPC), alguns dos quais exteriores ao sistema, potenciando conflitos
de competências;
–– A existência de uma cultura de concorrência institucional entre os vários
OPC, constituindo um forte obstáculo à cooperação e coordenação;
–– A existência de mecanismos de coordenação fora do sistema de segurança
interna, colocando o GCS à margem das actividades neste domínio;
–– A inexistência, na prática, de um sistema de informação criminal, que
promova a troca de informações criminais de forma transversal e partilhado
de forma simétrica por todos os OPC;
–– A separação artificial entre criminalidade de massa e criminalidade organi-
zada, e entre criminalidade doméstica e criminalidade transnacional, que
dificulta o reconhecimento do continum actual que se estabelece entre a
criminalidade local e global;
–– A inexistência de um organismo especializado na centralização da cooperação
internacional, que cumpra os requisitos da União Europeia;
–– A insuficiência do sistema de avaliação da eficácia da investigação criminal.
No domínio das informações:
–– A existência de várias tutelas e multiplicação de FSS que produzem infor-
mações (segurança, criminais e policiais), dificultando a convergência de
esforços e potenciando conflitos de competências;
–– A inexistência de uma cultura de partilha de informações, associada à
competição institucional entre as várias FSS. A consequência é a compar-
timentação da informação, a inexistência de um fluxo contínuo e eficaz de
informações entre serviços de informações e polícias, e vice-versa, e entre as
próprias polícias e a duplicação de recursos;
–– A falta de interoperabilidade entre as infra-estruturas tecnológicas das várias
FSS, com o consequente acréscimo de custos de exploração;
–– O entendimento rígido e polissémico do conceito “informações”, gerando
disfuncionalidade operacional entre informações das polícias e informações
dos serviços de informações;
–– A inexistência de uma verdadeira fusão de informações de natureza diversa
que potencie a coordenação de esforços e a acção conjunta, nos estritos
limites do Estado de direito;
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 55

–– A ideia de fusão de informações já foi posta em prática com a criação, em


Fevereiro de 2003, da Unidade de Coordenação Anti-Terrorismo (UCAT),
constituindo a sua criação um reconhecimento tácito de que o domínio das
informações tem de ser compreendido de forma alargada, para além das
informações de segurança. No entanto, a necessidade de fusão de informações
ultrapassa a ameaça terrorista e abrange todo o espectro de ameaças e riscos
anteriormente identificados;
–– A exteriorização, em relação ao sistema de segurança interna, dos serviços
competentes para produzir informações relativamente a ameaças e riscos
internos e transnacionais;

O relatório conclui que (Teixeira et al., 2006, pp. 109-110):


“…as actividades de segurança interna são exercidas por um vasto e heteróclito
conjunto, que abrange as forças e serviços de segurança propriamente ditos
(GNR, PSP, PJ, SEF, SIS), assim como os “órgãos dos sistemas de autoridade
marítima e aeronáutica” (…) dispersos pela tutela, nada menos, do que do
Primeiro-Ministro e de quatro Ministros (…). Impera entre aquelas entidades
a especificidade estatutária, orgânica e institucional de cada uma delas,
assim como uma considerável margem de sobreposição das atribuições e
competências, não só no domínio da polícia administrativa, mas também
no da polícia judiciária em sentido material (…).
As leis orgânicas das forças e serviços de segurança analisadas reflectem
uma procura de diferenciação estatutária, assim como de mais autonomia,
mais prerrogativas profissionais e funcionais, nem sempre objectivamente jus-
tificáveis, a que o poder político democraticamente legitimado não tem sabido
ou querido resistir devidamente. Também por isso, tais têm sido adoptadas
por acumulação ou adição, numa base maioritariamente casuística, quase
nunca revelando preocupações de articulação com as restantes. Não são raras,
por conseguinte, as incongruências entre elas, quando não as antinomias.
(…) o legislador nunca revelou uma visão de conjunto ou uma preocu-
pação sistémica ao longo das intervenções que foi fazendo nesta actividade
crucial do Estado.
(…)
Pode dizer-se sem exagero que o conjunto, extremamente “original” em
termos de direito comparado, roça a ingovernabilidade”.
56 Intelligence e Segurança Interna

A este relatório seguiu-se, seis meses depois, em Dezembro de 2006, o


Relatório Final. Modelos e Cenários (Lourenço, Cabral, & Machado, 2006)
onde, no essencial, além dos vários cenários, é proposto um novo órgão, o
Secretário-Geral da Segurança Interna (SGSI), pedra angular de um sistema
de segurança interna (Lourenço et al., 2006, pp. 32-33):
“…alargado, com uma arquitectura baseada numa geometria variável e que
tem como principais características ser suportado por um conceito interdis-
ciplinar de segurança interna e possuir uma composição robusta, coerente e
com flexibilidade. Estas características entendem-se fundamentais para tornar
o SSI mais eficaz na prevenção, na contenção e na resposta a transformações
rápidas e imprevisíveis no espectro das ameaças e riscos e, ao mesmo tempo,
em resistir às várias pressões que se exercerão sobre o mesmo. (…)
Pela centralidade que detém no SSI proposto (…) ao órgão SGSI (órgão
que se pretende que seja a pedra angular do SSI) devem ser garantidas
condições de perdurabilidade e estabilidade que gerem a confiança dos
actores institucionais e a sua inteligibilidade por parte dos cidadãos e da
comunidade em geral. (…)
Esta entidade é a pedra angular (ou pivô) do novo SSI. A sua dependência
orgânica será definida pela Lei Orgânica do Governo (LOG), podendo
depender do Primeiro-Ministro ou ser delegada num Ministro (ou em vários,
em regime de dupla ou múltipla dependência). O SGSI deverá ser equiparado,
para todos os efeitos legais, excepto os relativos à sua nomeação e exoneração,
a Secretário de Estado, detendo sobre os restantes actores do sistema o grau
de autoridade que lhe for definido por lei.”

Tendo por base um conjunto de pressupostos, três cenários de reorganização


do sistema de segurança interna são propostos (Lourenço et al., 2006, pp. 46-51):
–– Cenário X (múltipla dependência), em que a PSP e o SEF seriam agregados
numa nova instituição, a Polícia Nacional, e esta e a GNR continuariam
sob a mesma tutela, e a PJ sob outra;
–– Cenário Y (dependência única), neste cenário as FSS dependeriam do mesmo
membro do Governo, assumindo o SGSI o papel de órgão de coordenação e controlo;
–– O Cenário Z (dependência única e redução do número de actores), neste cenário,
semelhante aos modelos espanhol e francês, a Polícia Nacional agregaria a
PSP, SEF e PJ, mantendo cada uma delas, no entanto, a sua autonomia
funcional e técnica (sustentada pela criação de Direcções Centrais). A GNR
manteria a sua autonomia e competências previstas nos cenários anteriores.
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 57

O relatório concluía que seria (Lourenço et al., 2006, p. 75):


“…expectável alguma resistência à implementação das mudanças propostas,
cuja gestão é adequado e imperativo fazer-se. Essa resistência está, como
ocorre frequentemente em processos desta natureza e amplitude, associada
à incerteza que uma mudança acarreta.
Daí que os elementos chave que determinarão uma efectiva e eficaz con-
cretização da reforma serão aqueles que reduzam a incerteza dos indivíduos
por ela abrangidos e que os envolvam na mudança. Tal implica a necessidade
de uma clara definição do conteúdo da reforma, das suas motivações, dos seus
resultados e das suas implicações (com particular ênfase na clarificação dos
resultados em termos do status quo dos envolvidos), com uma temporalidade
bem descrita e com a percepção que os recursos necessários para a imple-
mentação da reforma (de formação, logísticos, administrativos, financeiros)
estarão garantidos.”

Estes relatórios constituem a base científica da discussão das várias opções


políticas no seio do Conselho de Ministros. A intenção política de reformar o
sistema de segurança interna e de reforma das forças de segurança é reforçada
nas Grandes Opções do Plano para 2007 (Lei n.º 52/2006, de 1 de Setembro),
a qual indica como principais orientações o incremento da capacidade coor-
denadora integrada no âmbito do sistema de segurança interna, a definição
do novo modelo de segurança interna e a aplicação do plano de coordenação
e cooperação entre forças e serviços de segurança. A Lei n.º 31/2007, de 10
de Agosto, que aprova as Grandes Opções do Plano para 2008, já integrando
algumas das sugestões inscritas no relatório final, estabelece que a política de
segurança interna prossegue os seguintes grandes objectivos:
–– Desenvolver o Sistema Integrado de Segurança Interna (SISI), com articulação
através do Secretário-Geral do SISI, de forma a projectar as capacidades
operacionais existentes, de forma planeada, em torno do princípio de que a
liberdade é indissociável da segurança dos cidadãos;
–– Reformular o sistema de forças e serviços de segurança, bem como os serviços
de protecção civil, articulando-os, melhorando a coordenação e a utilização
de meios partilhados e fomentando a participação das autarquias locais e
da sociedade civil.

Para a concretização destes objectivos, o Governo aprovou, em momentos


diferentes, duas Resoluções do Conselho de Ministros (RCM) com as linhas
58 Intelligence e Segurança Interna

políticas orientadoras das reformas do sistema de segurança interna e de reor-


ganização orgânica e territorial da GNR e da PSP. A Resolução do Conselho
de Ministros n.º 45/2007, de 19 de Março, aprovou as linhas orientadoras para
a reforma da segurança interna. Esta resolução estabeleceu como orientações
gerais para a reforma a adopção de um conceito estratégico de segurança
abrangente quanto às vertentes (prevenção e resposta) e quanto à natureza
das ameaças e riscos, ou seja, abrangente quanto ao espectro de ameaças e
riscos (criminalidade, terrorismo internacional, riscos naturais, tecnológicos
ou de outra natureza) a prevenir e combater.
A decisão política de criação do SISI tem como objectivo optimizar e
projectar, de forma planeada, as capacidades operacionais dos vários sistemas,
entidades, órgãos e serviços cuja actividade seja relevante para garantir a
ordem, a segurança e a tranquilidade públicas. O SISI é concebido segundo
um modelo de geometria variável, visando garantir a segurança em níveis
horizontalmente diferenciados, mas verticalmente articulados (o local, o
nacional e o internacional). A Resolução utiliza, como base, o diagnóstico
do relatório preliminar, afirmando que o quadro legal e institucional, “cujas
componentes foram emergindo em circunstâncias muito diversas, gerou omissões,
sobreposições e zonas de indefinição, em especial no tocante às responsabilidades
das forças e serviços intervenientes, tendo como consequências, entre outras,
défices de coordenação que agravam a inadequação do Sistema”. Os quatro
domínios tradicionais da actividade de segurança interna que apresentam
défices são elencados (a prevenção, a ordem pública, a investigação criminal, as
informações) sendo identificado um novo domínio, a cooperação internacional.
A reforma proposta envolvia um conjunto diversificado de alterações legislati-
vas abrangendo, designadamente, a lei de segurança interna, a lei de organização
da investigação criminal, bem como as leis de organização e funcionamento das
forças e serviços de segurança, pelo que assumia especial importância assegurar a
coerência global da reforma pretendida. Para tal, o Governo fixou um conjunto
de orientações que deveriam presidir à elaboração da futura legislação:
–– Introduzir ajustamentos na Lei da Organização da Investigação Criminal,
extraindo conclusões da experiência da sua aplicação, por forma a eliminar
disfunções e adequá-la à reforma do Código Penal;
–– Eliminar as situações de sobreposição ou duplicação de meios da Guarda
Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública no tocante ao
exercício de certas missões, designadamente no respectivo dispositivo territorial;
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 59

–– Descentralizar para as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto as competên-


cias da Polícia de Segurança Pública em matéria de fiscalização de trânsito
nas referidas cidades, devolvendo aos municípios plenos poderes de regulação
do trânsito e estacionamento, sem prejuízo das competências gerais da PSP
na prevenção e repressão de ilícitos e na garantia da segurança pública;
–– Manutenção e reestruturação interna das duas forças de segurança nacionais
de competência integral: a GNR, de natureza militar, e a PSP, de natureza
civil;
–– Manutenção de uma polícia judiciária (PJ);
–– Manutenção de um serviço especializado de imigração e fronteiras (SEF);

As opções políticas mantêm inalterado, no essencial, o sistema de segurança


interna: o sistema continuará a assentar na manutenção de uma força de
segurança de natureza militar, de uma força de segurança de natureza civil,
de uma polícia judiciária (centrada na criminalidade mais complexa) e de
um serviço especializado de imigração e fronteiras. A principal inovação é a
criação de um novo órgão designado de Secretário-Geral, com competências
para coordenar a acção das forças e serviços de segurança, podendo assu-
mir, em determinadas situações, a direcção, o comando e o controlo dessas
forças. Ao secretário-geral são ainda atribuídas responsabilidades executivas
na organização de serviços comuns, como é o caso do Sistema Integrado de
Redes de Emergências e Segurança de Portugal (SIRESP) e da Central de
Emergências 112.
A RCM determinava ainda a criação de um Conselho Superior de
Investigação Criminal, presidido pelo Primeiro-Ministro, composto pelos
Ministros da Justiça e da Administração Interna, pelo Procurador-Geral
da República e pelos responsáveis máximos de todos os órgãos de polícia
criminal. O Ministro da Defesa Nacional é mandatado para, no quadro
da Reestruturação da Estrutura Superior da Defesa Nacional e das Forças
Armadas, propor uma nova articulação entre o Sistema de Autoridade
Marítima e o SISI.
Uma vez definido o modelo de segurança interna, o Governo, através da
Resolução do Conselho de Ministros n.º 44/2007, de 19 de Março, desencadeia
o processo de reorganização orgânica e territorial das forças de segurança (GNR
e PSP). O Governo toma como base um estudo da empresa de consultadoria
Accenture. Esta reforma é norteada por dois grandes objectivos:
60 Intelligence e Segurança Interna

–– Incrementar a acessibilidade e a proximidade das forças de segurança aos


cidadãos, garantindo a sua presença nos locais onde são mais requeridas,
reforçando a visibilidade e valorizando o seu potencial de prevenção e de
combate à criminalidade.
–– Melhorar as condições de funcionamento das forças de segurança, reparando
ou reinstalando as subunidades policiais degradadas e reforçando a sua
capacidade de intervenção através de mais e melhores meios e equipamentos
e do recurso sistemático a novas tecnologias de informação e comunicação.
A Resolução preconizava um conjunto de linhas orientadoras da reorga-
nização das forças de segurança, nomeadamente:
–– A articulação adequada de áreas de responsabilidade entre a GNR e a PSP,
com a eliminação das situações de sobreposição de meios entre as duas forças
ou de descontinuidade, em especial no respectivo dispositivo territorial;
–– A racionalização das forças de segurança, com a elaboração de instrumen-
tos de planeamento estratégico e operacional comuns (salvaguardando as
especificidades de programas e acções requeridas pelo perfil das respectivas
áreas de responsabilidade), com a gestão por objectivos e reengenharia de
procedimentos, pela externalização parcial de serviços e pela eliminação
da replicação de serviços de apoio ao longo da cadeia hierárquica, de modo
a conseguir uma redução significativa do número de recursos operacionais
afectos a funções administrativas;
–– O aumento do investimento nas instalações e equipamentos das forças de
segurança, estabelecendo uma programação de base plurianual, tendo como
objectivo melhorar as condições de funcionamento das forças de segurança,
reforçando a sua capacidade de intervenção (equipamentos e recurso siste-
mático a novas tecnologias de informação e comunicação).
A par dos vários ajustamentos, a reforma preconizava também a inovação nos
sistemas de informação, apoiando-se no desenvolvimento do plano tecnológico
do Ministério da Administração Interna, com os objectivos de:
–– Ligar todos os postos e esquadras em banda larga pela implementação da
Rede Nacional de Segurança Interna;
–– Instalar o Sistema Integrado de Vigilância e Controlo Costeiro;
–– Executar o Programa Nacional de Videovigilância;
–– Desenvolver o Programa de Instalação de Radares;
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 61

–– Desenvolver o Programa “Polícia em movimento” com a distribuição de mais


equipamentos e aplicações.
A implementação de tais medidas necessitava de investimentos avultados.
Para tal, o Governo aprovou a lei de programação de instalações e equipamentos
das forças de segurança (Lei n.º 61/2007, de 10 de Setembro). Esta lei visava
o reforço do investimento público em instalações, veículos, comunicações,
sistemas de informação, armamento e outros equipamentos da GNR e PSP,
num horizonte de cinco anos (2008-2012), num total de 427 milhões de euros.
O financiamento seria obtido pela alienação de instalações e pela poupança
resultante da não incorporação, durante dois anos, de novos elementos da
GNR e PSP.
As conclusões do Relatório de Avaliação “Lei da Programação de Insta-
lações e Equipamento das Forças de Segurança” (LPIEFS) do Ministério da
Administração Interna (Direcção Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos),
de Julho de 2011, afirmavam que os “circuitos inerentes aos procedimentos
de gestão orçamental, pela complexidade e morosidade que envolvem, têm
contribuído negativamente para a normal e desejável execução das aquisições
programadas. As receitas provenientes do Orçamento de Estado bem como as
que decorrem de alienação de património afecto às Forças de Segurança foram
até à data, muito inferiores ao que a LPIEFS definia para o período em análise
(2008 – 1.º semestre 2011). Neste contexto, não se afigura viável alcançar as
metas previstas até 2012, considerando-se necessário perspectivar a sua revisão.”

1.3. A actual lei de segurança interna

No Conselho de Ministros de 27 de Setembro de 2007 foi aprovada, na


generalidade, a Proposta de Lei que visava alterar a lei de segurança interna,
aprovada pela Lei n.º 20/87, de 12 de Junho. De acordo com o comunicado
do Conselho de Ministros (comunicado do Conselho de Ministros de 27 de
Setembro de 2007 em http://www.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-histo-
rico/governos-constitucionais/cg17/comunicados-cm/cm-2007/20070927.aspx,
página consultada em 10 de Dezembro de 2013), a Proposta de Lei surge
no âmbito da execução da política do Governo para a justiça e a segurança
interna e tinha por objectivo a “necessidade de reacção a fenómenos de crimi-
nalidade de massa, criminalidade grave e violenta, criminalidade organizada
e transnacional – especialmente, a dedicada aos tráficos de estupefacientes e
62 Intelligence e Segurança Interna

substâncias psicotrópicas, de pessoas e armas -, criminalidade económica e


financeira (englobando a corrupção, o tráfico de influência e o branqueamento),
sabotagem, espionagem e terrorismo. As inovações atendem, igualmente, à
prevenção de catástrofes naturais e à defesa do ambiente e da saúde pública.”
A Proposta de Lei foi aprovada pela Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto, como
Lei de Segurança Interna.
A LSI define os princípios gerais e fins da segurança interna, bem como
os mecanismos de coordenação e os órgãos responsáveis pela execução
da política de segurança interna. Este quadro legal define ainda as bases
gerais da actividade do Estado na garantia da ordem, da segurança e da
tranquilidade públicas, da prevenção da criminalidade e da protecção das
pessoas e bens de riscos para interesses legalmente protegidos, constituindo
a actividade de segurança interna um meio para realizar os fins do Estado de
direito democrático, no respeito pelos direitos dos cidadãos, face a ameaças
e riscos diversos.
A actividade de segurança interna, tal como vimos anteriormente, assenta
em cinco pilares essenciais: prevenção da criminalidade, ordem pública,
investigação criminal, inteligência e cooperação internacional. A cooperação
internacional constitui um novo pilar, essencial para garantir a eficácia das
actividades associadas aos restantes pilares, pois a segurança de qualquer
Estado, particularmente numa perspectiva regional e atento o enquadramento
promovido pela segurança interna da União Europeia, não é alcançável de
forma isolada, uma vez que as políticas públicas de segurança são concebidas
cada vez mais num contexto multinível e policêntrico (Fiães Fernandes &
Valente, 2005; Fiães Fernandes, 2005a, pp. 143-145).
Apesar da orientação expressa na Resolução do Conselho de Ministros
n.º 45/2007, de 19 de Março, quanto à adopção de um conceito de segurança
interna abrangente, a LSI não materializa o mesmo, mantendo inalterável a
definição anterior. A segurança interna continua a ser definida nos mesmos
termos, como a “actividade desenvolvia pelo Estado para garantir a ordem,
a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e
reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento
das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”
(n.º 1 do art. 1.º).
O Governo assegura a prossecução dos fins da segurança interna (art. 1.º)
através da política de segurança interna (art. 3.º e art. 8.º), a qual consiste
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 63

num conjunto de princípios, objectivos, prioridades, orientações e medidas


para as quais vários sectores contribuem, pois trata-se de uma política de
natureza interministerial, interdisciplinar e permanente, assente em múltiplos
instrumentos. De facto, a segurança interna é influenciada por outras polí-
ticas, como a política criminal ou a política de educação. As características
destas políticas, e a forma como são implementadas, têm cada vez efeitos
mais pronunciados no estado da segurança interna. A política de segurança
interna é definida em Conselho de Ministros, o qual tem competência para
(art. 8.º e art. 13.º):
–– Definir as linhas gerais da política de segurança interna e as orientações
sobre a sua execução;
–– Programar e assegurar os meios destinados à execução da política de
segurança interna;
–– Aprovar o plano de coordenação, controlo e comando operacional das
forças e dos serviços de segurança e garantir o seu regular funcionamento;
–– Fixar, nos termos da lei, as regras de classificação e controlo de circulação
dos documentos oficiais e de credenciação das pessoas que devem ter acesso
aos documentos classificados.
–– Aprovar o regimento do Conselho Superior de Segurança Interna (CSSI).
O Primeiro-Ministro é politicamente responsável pela direcção da política
de segurança interna (art. 9.º) competindo-lhe, designadamente:
–– Informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à
condução da política de segurança interna;
–– Convocar o Conselho Superior de Segurança Interna e presidir às respectivas
reuniões, podendo delegar no Ministro da Administração Interna (MAI);
–– Propor ao Conselho de Ministros o plano de coordenação, controlo e
comando operacional das forças e dos serviços de segurança. Este plano,
aprovado por Resolução do Conselho de Ministros classificada, contém
um conjunto de definições, orientações e regras de empenhamento de
meios das FSS relativamente a um conjunto de cenários tipo;
–– Dirigir a actividade interministerial tendente à adopção das providências
adequadas à salvaguarda da segurança interna, podendo delegar no MAI;
–– Coordenar e orientar a acção dos membros do Governo em matéria de
segurança interna;
64 Intelligence e Segurança Interna

–– Nomear e exonerar o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna


(SGSSI), mediante proposta conjunta dos Ministros da Administração
Interna e da Justiça, após audição do indigitado em sede de comissão
parlamentar;
–– Nomear e exonerar o Secretário-Geral-Adjunto do Sistema de Segurança
Interna, mediante proposta conjunta dos Ministros da Administração
Interna e da Justiça, ouvido o Secretário-Geral.
A Assembleia da República contribui, pelo exercício da sua competência
política, legislativa e financeira, para enquadrar a política de segurança interna
e para fiscalizar a sua execução (art. 7.º), apreciando anualmente um relatório
apresentado pelo Governo (até 31 de Março do ano seguinte àquele a que
respeita o relatório) sobre a situação do país em matéria de segurança interna
e sobre a actividade das forças e dos serviços de segurança desenvolvida no
ano anterior (art. 7.º, n.º 3). Este relatório, designado de Relatório Anual de
Segurança Interna (RASI), é elaborado pelo SGSSI, com o contributo de todas
as FSS. Depois de apreciado pelo Conselho Superior de Segurança Interna é
posteriormente enviado à Assembleia da República. A Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias aprecia e dá parecer sobre
o mesmo, o qual, se reunir condições legais e regimentais, sobe a plenário
para debate, sendo posteriormente publicado no Diário da Assembleia da
República (II Série – C).
As principais fontes de informação do relatório são as FSS, bem como
o Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça
(relativamente aos dados estatísticos relacionados com a criminalidade regis-
tada), a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e, até à sua extinção
em 2003, o Conselho Consultivo para a Formação das Forças e Serviços
de Segurança. Em termos gerais, o RASI apresenta um número variável de
capítulos, apesar de obedecer a um padrão quanto às matérias abordadas.
Normalmente, o capítulo inicial faz uma descrição e análise das principais
medidas legislativas aprovadas com impacto no sistema de segurança interna.
Nos capítulos seguintes são abordadas as principais actividades desenvolvidas
no âmbito da prevenção da criminalidade. A actividade das forças e serviços
de segurança e os dados relativos aos seus recursos materiais e humanos são
também objecto de análise no relatório, a par da sua actividade de âmbito
internacional. Em capítulo próprio, a criminalidade registada e a sua evolução
são analisadas, quer globalmente, quer por força e serviço de segurança. A
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 65

análise também incide sobre a distribuição geográfica (ao nível do distrito)


e por tipos específicos de criminalidade, como a violenta e grave, grupal ou
juvenil.
São Órgãos do Sistema de Segurança Interna (art. 11.º) o CSSI, o SGSSI
e o GCS. Quanto ao GCS é de notar que o Decreto-Lei n.º 126-A/2011, de
29 de Dezembro, que aprovou a Lei Orgânica da Presidência do Conselho
de Ministros (PCM), extinguiu o mesmo (alínea a), n.º 1, art. 42.º), referindo,
no entanto, no seu preâmbulo que “extingue-se (...) o Gabinete Coordenador
de Segurança, ainda que a extinção desta entidade apenas se torne efectiva
quando entrar em vigor o diploma que proceda à revisão da Lei de Segurança
Interna, de modo a uma adequada reorganização do sistema de segurança
interna.” Como a LSI não foi até ao momento (Março de 2014) revista, a
extinção do GCS ainda não se tornou efectiva.
O CSSI (art. 12.º) é o órgão interministerial de audição e consulta em
matéria de segurança interna que assiste o Primeiro-Ministro no exercício
das suas competências em matéria de segurança interna, nomeadamente na
adopção das providências necessárias em situações de grave ameaça à segurança
interna. O CSSI é presidido pelo Primeiro-Ministro e dele fazem parte:
–– Os Vice-Primeiros-Ministros, se os houver;
–– Os Ministros de Estado e da Presidência, se os houver;
–– Os Ministros da Administração Interna, da Justiça, da Defesa Nacional,
das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações;
–– Os Presidentes dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira (apenas
nas reuniões que tratem de assuntos de interesse para a respectiva Região);
–– Os Secretários-Gerais do Sistema de Segurança Interna e do Sistema de
Informações da República Portuguesa;
–– O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas;
–– Dois deputados eleitos pela Assembleia da República por maioria de dois
terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta
dos deputados em efectividade de funções (os resultados desta eleição
são publicados sob a forma de Resolução da Assembleia da República no
Diário da República I Série);
–– O comandante-geral da Guarda Nacional Republicana, os directores
nacionais da Polícia de Segurança Pública, da Polícia Judiciária e do Serviço
de Estrangeiros e Fronteiras e os directores do Serviço de Informações
Estratégicas de Defesa e do Serviço de Informações de Segurança;
66 Intelligence e Segurança Interna

–– A Autoridade Marítima Nacional;


–– O responsável pelo Sistema de Autoridade Aeronáutica;
–– O responsável pelo Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro;
–– O director-geral dos Serviços Prisionais.
Por iniciativa própria, sempre que o entenda ou a convite do Primeiro-
-Ministro, pode participar nas reuniões do Conselho o Procurador-Geral da
República. O Primeiro-Ministro pode ainda convidar a participar nas reuniões
os ministros que tutelem órgãos de polícia criminal de competência específica
e outras entidades com especiais responsabilidades na prevenção e repressão
da criminalidade ou na pesquisa e produção de informações relevantes para
a segurança interna, designadamente os dirigentes máximos de outros órgãos
de polícia criminal de competência específica. Esta composição alargada visa
permitir ao Conselho dar uma resposta integrada e global às novas ameaças à
segurança interna. O CSSI, enquanto órgão de consulta, tem competências
para emitir pareceres, nomeadamente, sobre (art. 13.º):
–– A definição das linhas gerais da política de segurança interna;
–– As bases gerais da organização, funcionamento e disciplina das forças e
dos serviços de segurança e a delimitação das respectivas competências;
–– Os projectos de diplomas que contenham providências de carácter geral
respeitantes às atribuições e competências das forças e dos serviços de
segurança;
–– As grandes linhas de orientação respeitantes à formação, à especialização,
à actualização e ao aperfeiçoamento do pessoal das forças e dos serviços
de segurança.
O SGSSI (equiparado, para todos os efeitos legais, excepto os relativos
à sua nomeação e exoneração, a secretário de Estado) funciona na directa
dependência do Primeiro-Ministro ou, por sua delegação, do Ministro da
Administração Interna e tem competências de coordenação, direcção, controlo
e comando operacional (art. 14.º e art. 15.º). O conjunto de competências
diferenciadas de coordenação das forças e serviços de segurança do SGSSI
destinam-se a fazer face às diferentes ameaças à segurança interna, podendo
assumir, em situações muito excepcionais, como ataques terroristas ou catás-
trofes naturais que requeiram a intervenção articulada de diferentes forças e
serviços, tarefas de comando operacional das forças e serviços de segurança,
através dos respectivos dirigentes máximos.
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 67

Assim, no âmbito das suas competências de coordenação, o SGSSI tem


os poderes necessários à concertação de medidas, planos ou operações entre
as diversas forças e serviços de segurança, à articulação entre estas e outros
serviços ou entidades públicas ou privadas e à cooperação com os organis-
mos congéneres internacionais ou estrangeiros, de acordo com o plano de
coordenação, controlo e comando operacional das forças e dos serviços de
segurança. O Secretário-Geral exerce as suas competências de coordenação
através dos respectivos dirigentes máximos, competindo-lhe (art. 16.º):
–– Coordenar a acção das forças e dos serviços de segurança, garantindo o
cumprimento do plano de coordenação, controlo e comando operacional
das forças e dos serviços de segurança aprovado pelo Governo;
–– Coordenar acções conjuntas de formação, aperfeiçoamento e treino das
forças e dos serviços de segurança;
–– Reforçar a colaboração entre todas as forças e os serviços de segurança,
garantindo o seu acesso às informações necessárias;
–– Desenvolver no território nacional os planos de acção e as estratégias do
espaço europeu de liberdade, segurança e justiça que impliquem actuação
articulada das forças e dos serviços de segurança;
–– Garantir a articulação das forças e dos serviços de segurança com o sis-
tema prisional de forma a tornar mais eficaz a prevenção e a repressão da
criminalidade;
–– Garantir a articulação entre as forças e os serviços de segurança e o Sistema
Integrado de Operações de Protecção e Socorro;
–– Estabelecer com o Secretário-Geral do Sistema de Informações da Repú-
blica Portuguesa mecanismos adequados de cooperação institucional de
modo a garantir a partilha de informações, com observância dos regimes
legais do segredo de justiça e do segredo de Estado, e o cumprimento
do princípio da disponibilidade no intercâmbio de informações com as
estruturas de segurança dos Estados membros da União Europeia;
–– Garantir a coordenação entre as forças e os serviços de segurança e os ser-
viços de emergência médica, segurança rodoviária e transporte e segurança
ambiental, no âmbito da definição e execução de planos de segurança e
gestão de crises;
–– Garantir a articulação entre o Sistema de Segurança Interna e o planea-
mento civil de emergência;
68 Intelligence e Segurança Interna

–– Articular as instituições nacionais com as de âmbito local, incluindo nomea-


damente as polícias municipais e os conselhos municipais de segurança;
–– Estabelecer ligação com estruturas privadas, incluindo designadamente
as empresas de segurança privada.
No âmbito das suas competências de direcção, o SGSSI tem poderes de
organização e gestão administrativa, logística e operacional dos serviços, siste-
mas, meios tecnológicos e outros recursos comuns das FSS, competindo-lhe
(art. 17.º):
–– Facultar às FSS o acesso e a utilização de serviços comuns, designadamente
no âmbito do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de
Portugal e da Central de Emergências 112;
–– Garantir a interoperabilidade entre os sistemas de informação das entidades
que fazem parte do Sistema de Segurança Interna e o acesso por todas, de
acordo com as suas necessidades e competências, a esses sistemas e aos
mecanismos de cooperação policial internacional através dos diferentes
pontos de contacto nacionais;
–– Coordenar a introdução de sistemas de informação georreferenciada sobre o
dispositivo e os meios das forças e dos serviços de segurança e de protecção
e socorro e sobre a criminalidade;
–– Proceder ao tratamento, consolidação, análise e divulgação integrada das
estatísticas da criminalidade, participar na realização de inquéritos de
vitimação e insegurança e elaborar o relatório anual de segurança interna;
–– Ser o ponto nacional de contacto permanente para situações de alerta e
resposta rápidas às ameaças à segurança interna, no âmbito dos mecanismos
da União Europeia.
No âmbito das suas competências de controlo, o SGSSI tem poderes de
articulação das forças e dos serviços de segurança no desempenho de missões
ou tarefas específicas, limitadas pela sua natureza, tempo ou espaço, que
impliquem uma actuação conjunta, de acordo com o plano de coordenação,
controlo e comando operacional das forças e dos serviços de segurança,
competindo-lhe, através dos respectivos dirigentes máximos, a articulação das
forças e dos serviços de segurança necessários (art. 18.º):
–– Ao policiamento de eventos de dimensão ampla ou internacional ou de
outras operações planeadas de elevado risco ou ameaça, mediante deter-
minação conjunta dos Ministros da Administração Interna e da Justiça;
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 69

–– À gestão de incidentes táctico-policiais graves. Para efeitos da LSI, consi-


deram-se incidentes táctico-policiais graves (art. 18.º, n.º 3), além dos que
venham a ser classificados como tal pelos Ministros da Administração
Interna e da Justiça, os que requeiram a intervenção conjunta e combinada
de mais de uma força e serviço de segurança e que envolvam:
·· Ataques a órgãos de soberania, estabelecimentos hospitalares, prisionais
ou de ensino, infra-estruturas destinadas ao abastecimento e satisfação
de necessidades vitais da população, meios e vias de comunicação ou
meios de transporte colectivo de passageiros e infra-estruturas classificadas
como infra-estruturas nacionais críticas;
·· O emprego de armas de fogo em circunstâncias em que se ponha em
perigo a vida ou a integridade física de uma pluralidade de pessoas;
·· A utilização de substâncias explosivas, incendiárias, nucleares, radioló-
gicas, biológicas ou químicas;
·· Sequestro ou tomada de reféns.

Em situações extraordinárias, determinadas pelo Primeiro-Ministro após


comunicação fundamentada ao Presidente da República, de ataques terroristas
ou de acidentes graves ou catástrofes que requeiram a intervenção conjunta
e combinada de diferentes FSS e, eventualmente, do Sistema Integrado
de Operações de Protecção e Socorro, estes são colocados na dependência
operacional (art. 19.º) do SGSSI, através dos seus dirigentes máximos. O
SGSSI tem poderes de planeamento e atribuição de missões ou tarefas que
requeiram a intervenção conjugada de diferentes FSS e de controlo da respec-
tiva execução, de acordo com o plano de coordenação, controlo e comando
operacional das FSS (aprovado em Conselho de Ministros, conforme alínea
c), n.º 2 do art. 8.º).
O GCS (art. 21.º) é o órgão especializado de assessoria e consulta para a
coordenação técnica e operacional da actividade das FSS, funcionando na
directa dependência do Primeiro-Ministro ou, por sua delegação, do Ministro
da Administração Interna. O GCS é presidido pelo SGSSI e composto pelo:
–– Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa;
–– Comandante-geral da Guarda Nacional Republicana;
–– Director nacional da Polícia de Segurança Pública;
–– Director nacional da Polícia Judiciária;
–– Director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
–– Director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa;
70 Intelligence e Segurança Interna

–– Director do Serviço de Informações de Segurança;


–– Autoridade Marítima Nacional;
–– Responsável pelo Sistema de Autoridade Aeronáutica;
–– Responsável pelo Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro;
–– Director-geral dos Serviços Prisionais.
Sob a coordenação do SGSSI funciona o secretariado permanente do
Gabinete (art. 21.º) constituído por oficiais de ligação das seguintes entidades:
–– Guarda Nacional Republicana;
–– Polícia de Segurança Pública;
–– Polícia Judiciária;
–– Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
–– Serviço de Informações Estratégicas de Defesa;
–– Serviço de Informações de Segurança;
–– Autoridade Marítima Nacional;
–– Sistema de Autoridade Aeronáutica;
–– Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro;
–– Serviços Prisionais.
A Autoridade Nacional de Segurança e o respectivo Gabinete Nacional de
Segurança, que funcionavam junto do Gabinete Coordenador de Segurança,
por via da alínea b) do n.º 4 do art. 42.º do Decreto-Lei n.º 126-A/2011, de 29 de
Dezembro, que aprovou a Lei Orgânica da Presidência do Conselho de Ministros,
e pelo Decreto-Lei n.º 3/2012 de 16 de Janeiro (alterado pelo Decreto-Lei n.º
162/2013, de 4 de Dezembro e pelo Decreto-Lei n.º 69/2014, de 9 de Maio), que
estabeleceu a orgânica do Gabinete Nacional de Segurança, determinou que este
Gabinete reassumisse a sua autonomia como serviço central da administração
directa do Estado, no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros.
Ao GCS compete assistir de modo regular e permanente o SGSSI no
exercício das suas competências de coordenação, direcção, controlo e comando
operacional e, designadamente, estudar e propor (art. 22.º):
–– Políticas públicas de segurança interna;
–– Esquemas de cooperação de forças e serviços de segurança;
–– Aperfeiçoamentos do dispositivo das forças e dos serviços de segurança;
–– Condições de emprego do pessoal, das instalações e demais meios, normas
de actuação e procedimentos das forças e dos serviços de segurança, a
adoptar em situações de grave ameaça à segurança interna;
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 71

–– Formas de coordenação e cooperação internacional das forças e dos serviços


de segurança;
–– Estratégias e planos de acção nacionais na área da prevenção da crimi-
nalidade;
–– Dar parecer sobre os projectos de diplomas relativos à programação de
instalações e equipamentos das forças de segurança;
–– Proceder à recolha, análise e divulgação dos elementos respeitantes aos
crimes participados e de quaisquer outros elementos necessários à elaboração
do relatório de segurança interna.
É de notar que o GCS integra o Gabinete SIRENE, no âmbito do acordo
Schengen.
Os Gabinetes Coordenadores de Segurança das Regiões Autónomas dos
Açores e da Madeira (art. 24.º) são presididos por pessoa a nomear pelo SGSSI,
mediante proposta do Presidente e integram os responsáveis regionais pelas
forças e pelos serviços de segurança. Aos gabinetes coordenadores de segurança
regionais cabe exercer as competências de aconselhamento, no âmbito das
respectivas áreas geográficas, relativas a:
–– Políticas públicas de segurança interna;
–– Esquemas de cooperação de forças e serviços de segurança;
–– Aperfeiçoamentos do dispositivo das forças e dos serviços de segurança;
–– Condições de emprego do pessoal, das instalações e demais meios, normas
de actuação e procedimentos das forças e dos serviços de segurança, a
adoptar em situações de grave ameaça à segurança interna;
–– Formas de coordenação e cooperação internacional das forças e dos serviços
de segurança;
–– Estratégias e planos de acção nacionais na área da prevenção da crimi-
nalidade.
A convite do respectivo presidente, podem participar nas reuniões dos
gabinetes coordenadores de segurança regionais e distritais os comandantes
das polícias municipais. O SGSSI informa os Representantes da República
acerca das questões de interesse para a respectiva Região.
Os gabinetes coordenadores de segurança dos distritos (art. 24.º) que
eram presididos pelos governadores civis e que integravam os responsáveis
distritais pelas forças e pelos serviços de segurança deixaram de reunir por via
da exoneração de todos os governadores civis pela resolução do Conselho de
Ministros n.º 13/2011, de 27 de Junho, e pelas transferências de competências
72 Intelligence e Segurança Interna

operadas pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro (que transferiu as


competências dos governos civis e dos governadores civis para outras entidades
da Administração Pública em matérias de reserva de competência legislativa
da Assembleia da República) e pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de
Novembro (que procedeu à transferência de competências dos governos civis
para outras entidades da Administração Pública, no âmbito da competência
legislativa do Governo).
A Unidade de Coordenação Antiterrorismo (UCAT) tem como competência
garantir a coordenação e a partilha de informação no âmbito do combate
ao terrorismo, entre os serviços que dela fazem parte, sendo integrada por
representantes das seguintes entidades (art. 23.º):
–– Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna;
–– Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa;
–– Guarda Nacional Republicana;
–– Polícia de Segurança Pública;
–– Polícia Judiciária;
–– Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
–– Serviço de Informações Estratégicas de Defesa;
–– Serviço de Informações de Segurança;
–– Autoridade Marítima Nacional;
A UCAT foi inicialmente criada pelo Despacho do Primeiro-Ministro de
25 de Fevereiro de 2003 (e posteriormente aditado pelo Despacho de 14 de
Março). Esta Unidade é atípica no quadro da segurança interna, pois a sua
estrutura orgânica e dependência não se encontram estabelecidas na LSI,
nem esta lei criou norma habilitante para a aprovação do seu regimento.
Segundo a LSI, as forças e os serviços de segurança que exercem funções
de segurança interna são (art. 25.º):
–– A Guarda Nacional Republicana;
–– A Polícia de Segurança Pública;
–– A Polícia Judiciária;
–– O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
–– O Serviço de Informações de Segurança.
–– Os órgãos da Autoridade Marítima Nacional;
–– Os órgãos do Sistema da Autoridade Aeronáutica.
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 73

As FSS são organismos públicos, que se encontram ao serviço do interesse


público e cuja actividade se encontra rigorosamente subordinada ao princípio
da legalidade, consubstanciado na subordinação da actuação das forças e
serviços de segurança aos princípios do Estado de direito e ao respeito pelos
direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (art. 2.º). A actividade das FSS
assenta ainda no seguinte conjunto de princípios fundamentais:
–– O princípio da proporcionalidade (cf., por exemplo, o art. 8.º do Código
Deontológico do Serviço Policial aprovado pela Resolução do Conselho
de Ministros n.º 37/2002), o qual se desdobra nos princípios da adequação,
exigibilidade e proporcionalidade;
–– Princípio da unidade para todo o território nacional de cada força ou
serviço de segurança (art. 2.º);
–– Princípio geral da colaboração dos cidadãos na prossecução dos fins da
segurança interna (art. 5.º);
–– Princípio da cooperação e coordenação das forças e dos serviços de
segurança, em que cada força ou serviço de segurança deve colaborar
e a coordenar a sua acção com as restantes, designadamente através da
comunicação de informações que, não interessando apenas à prossecução
dos objectivos específicos de cada um deles, sejam necessárias à realização
das finalidades de outros, salvaguardando os regimes legais do segredo de
justiça e do segredo de Estado (art. 6.º);
–– Princípio da exclusividade de actuação, pois as forças e os serviços de
segurança só podem desenvolver as actividades previstas na sua lei orgânica
(art. 6.º).
Estes princípios enquadram a actividade de segurança interna e constituem
a base de interacção entre os vários actores do sistema de segurança interna,
sustentando e dando coerência à própria arquitectura institucional.
As Forças Armadas colaboram em matéria de segurança interna nos termos
da Constituição e da lei, competindo ao Secretário-Geral do Sistema de
Segurança Interna e ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas
assegurarem entre si a articulação operacional (art. 35.º).
Para além das disposições de natureza organizativa do sistema, a LSI prevê
ainda um conjunto de medidas de polícia como, por exemplo, a:
–– Interdição temporária de acesso e circulação;
–– Evacuação ou o abandono temporários de locais ou de meios de transporte;
–– Busca e a revista cautelares;
74 Intelligence e Segurança Interna

–– Realização de acções de fiscalização em estabelecimentos e outros locais


públicos ou abertos ao público;
–– Realização de acções de vistoria ou instalação de equipamentos de segu-
rança;
–– Inibição da difusão a partir de sistemas de radiocomunicações, públicos
e privados;
–– Isolamento electromagnético ou o barramento do serviço telefónico em
determinados espaços;
–– Encerramento preventivo e temporário de estabelecimentos comerciais
ou outros espaços abertos ao público.
Estas medidas são sempre aplicadas nos termos e condições previstos na
Constituição e na lei, pelo período de tempo estritamente indispensável
para garantir a segurança e a protecção de pessoas e bens, e apenas quando
tal se revele necessário e haja indícios fundados de preparação de actividade
criminosa ou de perturbação séria ou violenta da ordem pública. Estas medidas
estão sujeitas a validação judicial por serem susceptíveis de afectar direitos
fundamentais. A inclusão deste conjunto de medidas de polícia representa
uma clara incongruência sistemática, pois a sua natureza é semelhante a outras
constantes de outros dispositivos legais, como o código de processo penal.

1.4. Políticas públicas de segurança e path dependence

Nos pontos anteriores tentamos analisar o processo de transformação da


criminalidade violenta e da ordem pública num problema público (isto é, o
processo de problematização), bem como analisar as propostas de políticas
públicas, em concreto da LSI enquanto política reguladora (Porta, 2003, p.
235), para responder a tais problemas por parte dos vários Governos, isto é, as
intervenções das autoridades investidas de um poder público e de legitimidade
governamental sobre o domínio da segurança (Boussaguet, Jacquot, & Ravinet,
2006, p. 328). De facto deve-se falar de políticas públicas, no plural, na medida
em que são várias as modalidades de intervenção do poder político sobre o
problema da insegurança, como o código de processo penal, o regime de
estado de sítio e emergência, as leis orgânicas das várias forças e serviços de
segurança, entre outras. Todas estas formas de materialização da acção política
(da perspectiva do poder político) contribuem, umas directamente, outras
indirectamente, para o objectivo de prevenir o crime, reforçar a segurança
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 75

e tentar obter uma melhor articulação, coordenação e cooperação entre as


várias forças e serviços de segurança.
A análise das discussões ocorridas na Assembleia da República permite-nos
afirmar que a génese do actual sistema de segurança interna se encontra
associada à consolidação do Estado democrático em Portugal. A segurança
interna tem sido problematizada pelos vários Governos como um problema
de restabelecimento da autoridade do Estado, da legalidade democrática e de
defesa dos direitos dos cidadãos, propondo, como solução para tal problema,
a criação de um instrumento de articulação e coordenação da actividade
desenvolvida pelas forças e serviços de segurança, o qual assume a forma de
LSI. No entanto, esta solução é, no período que antecede a aprovação da
primeira LSI, condicionada pela situação económica do país, pela necessidade
de contenção da despesa pública e pela necessidade de racionalização das forças
e serviços de segurança. Em termos prospectivos, e considerando a situação
actual do país, as mesmas condicionantes deverão continuar a manifestar a
sua influência em futuras reformas do sistema de segurança interna.
A discussão parlamentar da Proposta de Lei que viria a ser publicada como
a primeira lei de segurança interna apresenta uma coincidência temporal
interessante: na mesma altura discute-se a admissibilidade da Proposta de Lei
de um novo código de processo penal, e discute-se, na generalidade, uma
Proposta de Lei sobre o regime de estado de sítio e de emergência, bem como
se discute o regulamento disciplinar da PSP. Estas discussões, de assuntos afins,
contaminam a discussão da própria Proposta de Lei de segurança interna.
Por outro lado, a integração de Portugal na CEE, que se concretiza a 1 de
Janeiro de 1986, coloca a ideia da Europa no discurso dos políticos, como
prioridade da acção política, desde logo porque tal integração representava
um meio de consolidar a democracia e de potencial crescimento económico
(Sardica, 2011, p. 131).
Considerando a sequência dos eventos no período analisado, podemos
afirmar que o IX Governo Constitucional actuou segundo um modelo de
antecipação (Boussaguet et al., 2006, p. 54), desempenhando um papel de
iniciador e de força motriz no processo de colocação na agenda do problema
da segurança. O IX Governo reconhece o problema e intervém propondo
soluções. Ao introduzir o problema da segurança interna na agenda decisional,
o IX Governo utiliza várias variáveis externas que são constitutivas de um
contexto de segurança particular e favorável à acção, e onde pode formar a
sua visão de antecipação, explorando “janelas de oportunidade” conjunturais
76 Intelligence e Segurança Interna

e favoráveis à mobilização política, como acontecimentos particulares e


dramáticos. Aliás, neste particular, é paradigmática a utilização do exemplo
do caso Aldo Moro1 por diversos membros do Governo que declaram “esperar
que não seja necessário verificar em Portugal um caso idêntico para se poder
aprovar a proposta” isto é, utilizam um acontecimento dramático favorável à
mobilização e ao consenso sobre a sua proposta.
O X Governo Constitucional, ao tomar como matriz base a Proposta de
Lei do anterior Governo – que já havia sido objecto de larga discussão e de
aprovação na generalidade – aposta no consenso já anteriormente alcançado.
O Governo parte de uma base partilhada de ideias e de linguagem e explora
os efeitos de adaptação, por antecipação, às perspectivas dos restantes partidos.
Desta forma evita os custos de uma nova difusão de interpretações políticas
pois, uma vez estabilizadas as concepções políticas de base, as mesmas favo-
recem a continuidade contra a mudança. É de notar que a proposta não era
de todo estranha ao X Governo, pois o partido (PSD) que o suporta fazia parte
do Governo anterior. Acresce que se tratava de um Governo sem maioria,
que dependia do apoio de outros partidos (em particular do PRD) e, nesse
contexto, o horizonte de sobrevivência política era sempre de curto-prazo,
pois a sua viabilidade poderia ser questionada em qualquer altura, pelo que a
escolha de uma solução que era politicamente a que menos custos tinha, e que
permitia que a acção política fosse reconduzida aos objectivos programáticos,
configurava-se como a mais pragmática.
Em 2006, o XVII Governo Constitucional (PS) iniciou a reforma do
modelo de organização do sistema de segurança interna com a realização de
um estudo profundo do mesmo. O diagnóstico então traçado sobre a orgânica
do sistema era arrasador para os vários actores, incluindo para o legislador.
Com base em tal diagnóstico, a orientação política fundamental do XVII
Governo Constitucional, para o sector da segurança interna, foi reformar
o sistema de segurança interna, adoptando um conceito interdisciplinar e
alargado de segurança interna. O sistema de segurança interna seria baseado
numa arquitectura de geometria variável e adequada à prevenção, contenção
e resposta ao espectro de ameaças e riscos, com vista a alcançar a coesão
nacional e a segurança da República Portuguesa. Para tal, as opções políticas

1
Político Italiano, várias vezes primeiro-ministro, foi raptado pelas Brigadas Vermelhas
(grupo terrorista italiano) em 16 de Março de 1978 e executado após 55 dias de cativeiro.
Capítulo 1. Uma Análise Diacrónica da Segurança Interna 77

do XVII Governo Constitucional passam pela aprovação de uma nova lei de


segurança interna.
Na prática, e no essencial, a opção política apostou na continuidade, embora
tenha criado um novo órgão, o Secretário-Geral do Sistema de Segurança
Interna, directamente dependente do Primeiro-Ministro, para tentar compen-
sar as vulnerabilidades inerentes a tal opção. A transformação do sistema, e
não apenas de organismos, implicava custos elevados (capital, políticos, de
aprendizagem, de coordenação e antecipação), pelo que, do ponto de vista do
Governo foi preferível adaptar as instituições existentes do que as substituir por
novas. O Governo reconheceu que a opção por uma reestruturação do sistema
de FSS teria “sempre custos e exigiriam regimes complexos de transição, sem
apresentarem garantias bastantes de obtenção efectiva de resultados positivos”.
As orientações programáticas sobre a revisão da lei de segurança interna, e a
posterior aprovação da Lei 53/2008, de 29 de Agosto, bem como as opções
políticas tomadas (tendentes à imutabilidade do sistema) leva-nos a afirmar
que, apesar das decisões passadas não determinarem as decisões futuras, não
deixam, no entanto, de as ligar no tempo.
O modelo inicial de segurança interna e a arquitectura institucional esco-
lhida teve implicações de longo prazo, nomeadamente na eficácia do sistema
e na economia, aquisição e utilização de recursos. As reformas do sistema de
segurança interna, do nosso ponto de vista, sofrem as consequências de um
processo de path dependence, nomeadamente pela presença de factores que
promovem o mesmo, como a presença de organismos de grande envergadura e
com elevados custos de operação (GNR e PSP) e de grupos de profissionais de
tamanho substancial (os elementos das várias forças e serviços de segurança),
bem como a existência de redes inter-cruzadas de instituições complementares
(PSP, GNR, PJ, SEF) e, claro, de uma forte inércia institucional relativamente
à mudança. O conceito path dependence explica a imutabilidade institucional,
isto é, a razão dos actores não responderem a mudanças no ambiente, mesmo
quando tais respostas levariam a resultados mais positivos e a uma maior
eficácia e eficiência da organização (Crouch & Farrell, 2004, p. 5). Nestas
situações, a ineficiência, a ineficácia e o desperdício de recursos persistem no
tempo, mesmo quando os actores estão conscientes de tal estado de coisas, o
que coloca em causa as teorias da racionalidade que defendem que os actores
procurarão as soluções que lhes permitam melhores resultados.
O path dependence auxilia a análise do processo temporal das decisões e
eventos, e tenta explicar a relação entre a sequência de eventos anteriores e
78 Intelligence e Segurança Interna

a probabilidade de eventos posteriores (Kay, 2006, p. 30). Desta perspectiva,


as decisões políticas passadas condicionam as opções disponíveis para os deci-
sores políticos posteriores, pois as decisões políticas passadas circunscrevem o
espaço de acção política futuro (Kay, 2006, p. 29). Como resulta da sequência
cronológica analisada, o processo de reforma do sistema de segurança interna
é path dependent, pois as decisões e as medidas iniciais numa determinada
direcção promovem novas medidas na mesma direcção. A ordem como as
decisões e as medidas ocorrem afecta a forma como as suas consequências se
manifestam, ou seja, trata-se de um processo que restringe as escolhas futuras.
Como resulta dos pontos anteriores, verifica-se que a diversidade de inter-
venções do poder político sobre um mesmo problema, ou problemas afins,
pode levar à ausência de coerência e homogeneidade da acção pública.
Várias vezes tem sido notada a incoerência sistemática, por exemplo, pela
introdução na lei de segurança interna (que deu origem à Lei n.º 20/84,
de 12 de Junho) de normas de natureza semelhante (como o controle das
comunicações) a outras constantes do anteprojecto de processo penal, que
se discutia no mesmo período temporal na Assembleia da República. Esta
incoerência sistemática persistiu na Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto, aprovada
num contexto de estabilidade democrática e de segurança muito diferente do
contexto em que a primeira LSI fora aprovada. Estamos, na nossa perspectiva,
numa situação em que o problema da segurança interna conhece uma carreira
feita de descontinuidades temporais e emergências pontuais, de definições e
de requalificações sucessivas (Boussaguet et al., 2006, p. 56).

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