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O Número 2 e a Canção

Adilson Júlio Kuijikuenyi


É 1 de Junho, em todo mundo celebra-se, então, o dia da
criança. Os pais correm de um lado para outro, tentando
impressionar seus filhos, os quais por muito tempo esquecem de
demonstrar afecto e desfrutar tempo de qualidade. Elas tão
docemente, sem reclamar, recebem sem racionalização filosófica,
grande ou pequeno, pobre ou rico o presente. “Quem se importa com
questionamentos quando se pode aproveitar o momento”? Diz uma
criança. “Por que se perder nas suspeitas e dureza quando se tem a
inocência”? Expressa-se outra.
O sol estava tão sorridente e novinho, como se fosse a
personificação de uma criança. As flores estavam tão serenas, o clima
ameno, as nuvens tão imaculadas que pareciam desenhar um palco
onde a figura e as acções infantis eram reveladas. Crianças corriam
de um lado para outro, umas comprando lanche, algumas indo para
a escola e ainda outras, permaneciam em seus quintais.
Enquanto eu me matava no trabalho manual, as crianças no
quintal começaram a brincar, aquela coisa normal delas de quando
acordam. Não havia nada novo, então, nada me atraía para fixar-
me nelas, quando de repente, os gêmeos cruzaram a linha de um
horizonte nunca arranhado.
Você sabe que falar do “número 2” causa vergonha entre nós,
pois não? Ainda que ela seja necessária, saudável e um dever da
gente, é uma actividade que tira todo luxo e causa desconforto.
Naturalmente, ao passar rumo à casa dos segredos, nosso desejo é
que nenhum olho cruze nossa aflição, enquanto, nos debruçamos em
fazer a limpeza interior, suspeitamos de cada passo que ouvimos,
nossa aflição só aumenta em grau agudo quando os sons da
flatulência se espalham nos traindo a sorte, e sair dela, nosso rosto
parece de um Caim criminoso, cuja terra reclama o sangue derramado
no assassinato.
Agora, tente imaginar comigo. Venha, acompanha-me nessa
aventura. Voltemos aos gêmeos. Um deles fez a descarga total, e
então, seu acto tornou-se a notícia do dia. Ele correu aos seus irmãos
dizendo: “Olhem o meu cocó, olhem o meu cocó...me dá o meu cocó,
me dá o meu cocó”!
Nesse dia, de tanta aflição que sofria do trabalho meu humor
estava frio, mas essa novidade foi capaz de quebrar todo gelo na
mente, no coração e no rosto; rasguei em sorriso que não conseguia
parar sempre que a ideia me vinha à mente. Só uma criança pra
tornar o vergonho uma novidade e encontrar nela um tom humorístico,
quebrar os protocolos da moralidade e nos dar uma lição de mestre.
Você acha que é o fim? Foi o que também pensei, mas o
gênio dessa criança era tão brilhante, que compôs uma canção. Seu
refrão foi tão mágico que canção nenhuma já foi entoada tão fina e
loucamente. Mas vamos deixar claro, é uma simples criança como
todas, mas você já imaginou o escândalo de palavras e melodias tão
incomuns, de uma pura heresia e irreverência serem expressadas por
um filho do pastor?
O pai do gêmeo, o pastor, ouvindo tal melodia, tentou
sensibilizar o rapaz para retratar-se e mudar a versão da canção,
mas nem mesmo os mais fortes apelos do sermão do pai, o pastor,
foram suficientes para arrancar sua rebeldia. O gêmeo corria e
gritava em alta voz, como se um concerto musical gospel estivesse
acontecendo e estivesse dando show. Eis sei seu mais sublime refrão:
“Receberei cocóo, receberei cocóo, receberei cocooo, ooo, receberei
cocóo”.

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