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ISBN85'-7I08-226-x
Ia edição: 1999
Edição de Texto
Maria Teresa Kopschitz de Barros
Revisão
Bruno Dorigatti AqUIslçto 0,.,...-. -~
Carmen Gadelha OrIgem --
João Sette Câmara
Sollc'tante
josette Babo
Proc
Simone Brantes
R$ o!:' . < 3 ~1 ,J.
Capa e Projeto Gráfico N.o de Chamada
Alice Brito
J. I. .~
L
Editoração Eletrônica
Alice Brito ,I. ~
Ana Carreiro
janíse Duarte
Marisa Araújo
suas propostas puderam ser melhor compreen- seus modos de vida. Em seguida, as lições
didos. organizavam-se a partir das "palavras gera-
doras". Essas lições eram apresentadas aos
Asprincipais características do método de Pau-
adultos em slides ou cartazes que reprodu-
lo Freire são bem conhecidas. Quase todas as
ziam cenas evocadas pelas palavras gerado-
expressões geralmente empregadas no ensino
ras. A palavra geradora tijolo, por exemplo,
eram substituídas por outras, não contamina- era apresentada sob uma figura que remetia
das pelo autoritarismo e pelas orientações para experiências vividas pelos trabalhado-
ideológicas que, de acordo com o educador, res da construção civil. Os participantes dos
seriam inerentes à educação escolar tradi- "círculos de cultura" eram levados a dialo-
cional no País. Assim, em vez de classe, falava- gar, entre si e com o coordenador de debates,
se em "círculo de cultura". O professor era sobre os conteúdos existenciais associados
substituído pelo "coordenador de debates" (o às diferentes figuras.
"educador-educando") e o aluno pelo parti-
cipante do "círculo de cultura" (o "educando- Todos os trabalhos de alfabetização reali-
educador"). Eliminavam-se cartilhas e livros zavam-se no âmbito do diálogo entre os par-
de textos, substituídos pelo trabalho com a ticipantes do "círculo de cultura". As palavras
linguagem corrente na localidade e pela dis- trabalhadas na alfabetização eram as utili-
cussão das experiências de vida dos partici- zadas pelos habitantes. As situações exami-
pantes dos "círculos de cultura". nadas durante os debates eram extraídas de
suas experiências de vida. Tudo girava em
A equipe de alfabetizadores começava por tomo das condições da vida na localidade.
investigar os meios de vida e a linguagem falada Assim, Paulo Freire assentava a educação do
na localidade em que se realizariam os traba- adulto analfabeto na própria vida dos edu-
lhos de alfabetização. Do conhecimento assim candos. Durante as discussões, os coorde-
obtido sobre a cultura e o "universo vocabu- nadores procuravam conduzir a reflexão do
lar" da população, extraíam-se as "palavras grupo para a apropriação crítica das deter-
geradoras", selecionadas sob um duplo crité- minações das condições de vida da popula-
rio de riqueza silábica e de riqueza de "con- ção local. A busca dessa "conscíentização"
teúdos existenciais" para os participantes. As era o objetivo fundamental do processo. De
sessões iniciais do processo de alfabetização acordo com Paulo Freire, o homem primeiro
eram dedicadas à discussão das denominadas se conscientizava para, em seguida, como con-
"fichas de cultura" - uma série de slides ou seqüência, alfabetizar-se. Desde as primeiras
cartazes, que apresentavam aos participantes atividades, durante a discussão das "fichas de
representações de cenas que possibilitavam o cultura", até a conclusão da fase inicial do
exame das noções de "mundo da natureza" e processo de educação popular, a alfabetiza-
"mundo da cultura". Durante o diálogo desen- ção deveria apresentar-se, claramente, não
volvido com base nessas imagens, o grupo era apenas como domínio das técnicas de leitu-
conduzido a refletir sobre o homem como ra e escrita, mas, principalmente, como aqui-
criador de cultura, isto é, como construtor de sição da capacidade de "leitura do mundo".
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Esse método de alfabetização era uma ex- conforme quadros de referência construídos
pressão particular das idéias e das práticas por intelectuais do Iseb: Alberto Guerreiro
que o educador já vinha desenvolvendo e ama- Ramos, Roland Corbisier, Álvaro Vieira Pinto,
durecendo há muitos anos, em suas atividades Hélio jaguaribe, além de outros, que apare-
noSesie no magistério superior. EmEducação cem sistematicamente em suas reflexões.
eatualidade brasileira, um trabalho publica- Acompanhando posições desses autores, acre-
do como edição de tese, em 1959, Paulo Freire ditava que o desenvolvimento nacional inde-
realizou um primeiro ensaio de sistematização pendente era um imperativo de sobrevivência
daquelas idéias: começava por esclarecer sua para a nação. Mas reafirmava que o desenvol-
concepção de homem, formada sobretudo na vimento dependeria da participação do povo,
convivência com as reflexões de pensadores conscientemente crítico, nas transformações
católicos progressistas. Eram freqüentes suas sociais necessárias. E essa participação, por
referências a Maritain, Bernanos, Mounier sua vez, dependeria da educação conscíen-
e, entre os brasileiros, Alceu Amoroso Lima. tizadora.
Compreendia o homem como um ser de rela- Examinando e discutindo as idéias desses au-
ções, ontologicamente limitado e ao mesmo tores, aos quais acrescentava ainda Karl Man-
tempo aberto para o mundo, e também situa- nheim, Zevedei Barbu, [ohn Dewey, Ortega y
do, datado, marcado pela sua "circunstância", Gasset, Anísio Teixeira, e outros, Paulo Freire
mas capaz de transcender os seus condicio- dava forma à sua compreensão da sociedade
namentos e de interferir criadoramente nessas brasileira e definia o projeto de sociedade que
condições de existência. Aspossibilidades de considerava desejável para o futuro da nação:
interferência do homem definiam-se e en- uma sociedade capitalista florescente, desen-
contravam limitações no interior de uma rea- volvida, autônoma, democrática e justa. Age-
lidade histórico-social determinada. Somente neralização da consciência crítica entre os ha-
a formação e o desenvolvimento de uma cons- bitantes aparecia como denominador comum
ciência capaz de apreender criticamente as na construção das possibilidades de realização
características dessa particular realidade pos- desses diferentes objetivos.
sibilitariam a sua ação livre e criadora. Assim,
Um pouco mais tarde, ao elaborar as suas
aquela humanização do homem, isto é, a plena
propostas para a educação e a alfabetização
realização do homem como criador de cultura
de adultos, Paulo Freire procurou realizar na
e determinador de suas condições de exis-
prática aquelas orientações que defendia teo-
tência passava, necessariamente, pela for-
ricamente para o processo educativo. Assim,
mação e pelo desenvolvimento da consciência
ao organizar os trabalhos da alfabetização
crítica. Situavam-se exatamente aí as funções
sempre com base no diálogo entre os parti-
do processo educativo. A educação, já nesse
cipantes, procurava exercitar, já no próprio
primeiro trabalho, era entendida fundamen-
processo educativo, tanto a prática do diálogo
talmente como processo de conscientização.
quanto o aprendizado do respeito às posições
A atualidade brasileira, na época, era com- do outro. A prática do diálogo seria o cami-
preendida por Paulo Freire principalmente nho para a formação da personalidade demo-
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travam-se, além de Hegel, Marx, Engels, Lenin, sidade Católica e na Unicamp. Em 1980, par-
Fromm, Sartre, Marcuse, Fanon, Memmi, Lu- ticipou da fundação do Partido dos Trabalha-
kacs, Debray,Freyer, Kossic,Goldman, Althus- dores. Entre 1989 e 1991, foi Secretário de
ser etc. Agora, sob novos quadros de referên- Educação do Município de São Paulo, na ges-
cia, a educação (ou a conscientização), difi- tão da Prefeita LuízaErundina, eleita pelo PT.
cilmente poderia continuar a ser entendida Em 1991, foi Professor Convidado da Univer-
como o instrumento privilegiado de trans- sidade de São Paulo. Durante todos esses anos,
formação dos modos de coexistência. Acima entregou-se a uma intensa atividade intelec-
dela, condicionando-a e determinando os tual em aulas, conversas, entrevistas, palestras,
limites de sua possibilidade de interferência conferências, seminários, congressos, debates
na organização social estava a própria orga- e publicações.
nização social (a sociedade de classes) que a
envolvia. Em sua passagem pela Secretaria de Educa-
ção do Município de São Paulo, enfrentou de-
Em 1969, transferiu-se para os Estados Uni- safios e dificuldades criados tanto por políti-
dos, como professor convidado da Universi- cos e intelectuais conservadores quanto por
dade de Harvard. Seguiu depois para Genebra, segmentos radicais do próprio Partido dos Tra-
onde, em 1970, assumiu a função de Consultor balhadores. Maisuma vez,como nos primeiros
Especial do Departamento de Educação do anos da década de 60, a avaliação de suas ati-
Conselho Mundial das Igrejas. Nessacondição, vidades atenderia mais a motivações de na-
prestou assistência às atividades educacionais tureza política do que a considerações pro-
de outros países na América, na Ásiae na Áfri- priamente educacionais. Sua passagem pelo
ca, como a Guiné-Bissau. Ainda em Genebra, ensino municipal foi marcada pelo esforço
colaborou com um grupo de educadores de construção de um novo padrão de relacio-
brasileiros na criação do Instituto de Ação namento entre a Secretaria, as escolas e os
Cultural (Idac) , do qual se tornou Presidente. educadores da rede. Procurou criar condições
Na interação com as exigências educacionais para a ampliação da autonomia das escolas e
de antigas colônias em processo de conquista para um maior envolvimento dos alunos, dos
da independência, retomou e ampliou as pais e da comunidade na gestão escolar. Du-
análises sobre as antigas e sempre presentes rante toda sua administração, houve empe-
questões da educação dos homens para a nho do Governo Municipal em elevar a re-
democracia, a crítica, a participação e a eman-
muneração do pessoal docente. Dedicou es-
cipação. Procurou examinar o papel da edu- pecial atenção ao processo de melhoria da
cação em face dos desafios colocados pelo formação dos docentes e estimulou projetos
colonialismo e pelos movimentos nacionais de
voltados para a instituição da interdiscipli-
libertação. naridade no ensino. Em estreita colaboração
Retomou ao Brasil, pela primeira vez após o com os movimentos populares, foi criado o
auto-exílio, em 1979. Em 1980, fixou-se de- Movimento de Alfabetização da Cidade de
finitivamente no País. Instalando-se em São São Paulo (Mova). Esses projetos carrearam
Paulo, passou a lecionar na Pontifícia Univer- para a Secretaria de Educação do Município a
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