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Sueli Mara Soares Pinto

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SE, Brasil)

Mais sobre revistas científicas : em foco a gestão / Sueli


Mara Soares Pinto Ferreira, Maria das Graças Targino
(organizadoras). - São Paulo: Editora Senac São Paulo/Cengage
Learning, 2008.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7359-752-3 (Editora Senac São Paulo)
ISBN 978-85-221-0627-1 (Cengage Learning)

1. Ciência — Periódicos — Publicação 2. Mídia digital 1,


Ferreira, Such Mara Soares Pinto. II. Targino, Maria das Graças.

08-08849 CDD-302.234

Índices para catálogo sistemático:

1. Revistas científicas : Mídia digital :


Gerenciamento 302.234
Sueli Mara Soares Pinto Ferreira
Maria das Graças Targino
ORGANIZADORAS

Mais sobre
Revistas Científicas
Em foco a gestão

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ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO SENAC NO ESTADO DE SÃO PAULO


Presidente do Conselho Regional: Abram Szajman
Diretor do Departamento Regional: Luiz Francisco de A. Salgado
Superintendente Universitário e de Desenvolvimento: Luiz Carlos Dourado

EDITORA SENAC SÃO PAULO


Conselho Editorial: Luiz Francisco de A. Salgado
Luiz Carlos Dourado
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Lucila Mara Sbrana Sciotti
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Editor: Marcus Vinicius Barili Alves (vinicius(?sp.senac.br)

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O Sueli Mara Soares Pinto Ferreira c Maria das Graças Targino Moreira Guedes (organizadoras), 2008
Sumário

Nota dos editores, 7

Prefácio — Como gerir revistas científicas, 9


Emir Suaiden

PARTE I: COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Redação de artigo técnico-científico: a pesquisa transformada em texto, 17


Maria Mércia Barradas e Maria das Graças Targino

O editor e a revista científica: entre “o feijão e o sonho”, 41


Maria das Graças Targino e Joana Coeli Ribeiro Garcia

Revistas científicas: financiamento, recursos tecnológicos e custos, 73


Guilherme Ataíde Dias e Joana Coeli Ribeiro Garcia

A ética na revista científica, 97


Sebastião Rogério Góis Moreira

PARTE II: COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO DIANTE


DOS DESAFIOS DO MUNDO DIGITAL

Repositórios versus revistas científicas: convergências e convivências, 111


Sueli Mara Soares Pinto Ferreira
MAIS SOBRE REVISTAS CIENTÍFICAS: EM FOCO A GESTÃO

Direitos autorais e o movimento do acesso aberto: um equilíbrio que


demanda novas atitudes, 139
Patrícia Cristina Nascimento Souto e Charles Oppenheim

Preservação de revistas eletrônicas, 167


Luis Fernando Sayão

Lista de abreviaturas, 211

Sobre os autores, 217


Nota dos editores

Mais sobre revistas científicas: em foco a gestão procura responder e desen-


volver, por meio de uma coletânea de ensaios elaborados por especialistas da
área, uma série de questões relacionadas com a produção de um periódico
científico. Entre os aspectos analisados estão o papel do editor diante dos
desafios da publicação científica eletrônica, a preservação do conteúdo do
texto científico em publicações digitais, a iniciativa dos arquivos abertos
(Open Archives Initiative), o movimento do acesso aberto (Open Access
Movement) e a função dos repositórios digitais num contexto de acesso aberto.
O resultado é ao mesmo tempo uma radiografia da produção da revista
científica no Brasil e um traçado de suas perspectivas diante dos desafios da
editoração eletrônica e da preservação do conteúdo e dos direitos de proprie-
dade intelectual em plena era digital, em que o fluxo e a troca de informações
— principalmente científicas — ocorrem a uma velocidade vertiginosa.
Nesse sentido, por entender que as revistas científicas constituem um exce-
lente instrumento de divulgação da produção oriunda das universidades,
dos institutos de pesquisa, das associações de classe e das sociedades científi-
cas, o Senac São Paulo em parceria com a Cengage Learning assumem a tarefa
pioneira de publicar esta obra, dirigida não apenas aos editores de periódi-
cos científicos, pesquisadores e profissionais da informação, mas também ao
público em geral.
Prefácio

Como gerir revistas científicas


O sistema de ciência e tecnologia é representado, basicamente, pelo con-
junto de pesquisadores, instituições, ações e publicações que compõem o pro-
cesso científico, dos pesquisadores aos editores, das revistas científicas às
sociedades e reuniões científicas, como congressos e seminários. Entre esses
marcos da ciência moderna, as revistas científicas, surgidas no século XVII,
desempenham um papel importante por suas funções de registro, legitimação
de autoria, disseminação da produção científica e memória da ciência.
As revistas científicas integram estudos de algumas áreas — entre as quais a
ciência da informação — e se inscrevem no âmago da comunicação científica.
De acordo com o historiador da ciência John Ziman, esta disciplina envolve
desde a idéia original de um cientista, que o impulsiona à realização da pes-
quisa, passando por todas as etapas metodológicas, até a apresentação dos
resultados à sua respectiva comunidade científica, aprovação, críticas e cita-
ções por outros pesquisadores.! Este é um longo processo por meio do qual a
ciência cumpre a sua função social, ao se tornar conhecimento público.

John Ziman, Conhecimento público (São Paulo: Edusp, 1979).


MAIS SOBRE REVISTAS CIENTÍFICAS: EM FOCO A GESTÃO

Entre as funções dos periódicos, não se podem deixar de destacar as que


asseguram prioridades em descobertas científicas, propriedade intelectual,
manutenção do padrão de qualidade da ciência e prestígio e recompensa aos
autores e editores.” Ao mesmo tempo que são fontes para início de novas
pesquisas, as revistas definem e legitimam novos campos de estudo e discipli-
nas, além de constituir indicadores da evolução de uma ciência.
Mas a ciência, cujos resultados se fizeram mais presentes na sociedade
após a revolução industrial do século XVIII, foi sofrendo transformações
cada vez mais significativas, decorrentes da própria evolução das civiliza-
ções, que culminaram com a sociedade da informação na segunda metade do
século XX.
No Brasil, esse processo foi tardio, uma vez que as primeiras atividades
científicas foram iniciadas timidamente ainda no Brasil colônia, no século
XVIII, e poucos foram os avanços científicos no século seguinte, concretiza-
dos apenas por pesquisadores estrangeiros. Somente com a República, em
1889, foram criadas novas instituições de pesquisa, que passaram a gerar
produção científica.” Consequentemente, no século XIX passaram a ser
publicadas, em nosso país, revistas editadas por sociedades e entidades cien-
tíficas.
O fomento à pesquisa tem um grande avanço com a criação, em 1951, do
Conselho Nacional de Pesquisas, agora Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão responsável pelo Programa
de Apoio a Publicações Científicas, numa fase em parceria com a Financiadora
de Estudos e Projetos, e hoje novamente sob sua total responsabilidade. Ao
exigir padrões editoriais e, principalmente, científicos, como comitês edito-
riais e avaliação pelos pares, esse programa contribuiu decisivamente para a
garantia da qualidade dos periódicos brasileiros, que se tornaram objetos de
pesquisas.

2
2 S.P.M. Miúeller, “O círculo vicioso que prende os periódicos nacionais”, em Datagramazero,
dezembro de 1999, disponível em http://www.dgz.org.br/dez99/F I art.htm.
3
Simon Schwartzman, Formação da comunidade científica no Brasil (São Paulo/Rio de Janeiro:
Nacional/Finep, 1979).
PREFÁCIO

Entre os aspectos estudados pelo referido programa, despertam especial


interesse os modelos de avaliação, que se referem às qualidades extrínsecas,
de forma, e às intrínsecas, de conteúdo.* O periódico científico, um dos prin-
cipais canais de divulgação da ciência, tem um papel importante neste pro-
cesso de avaliação, embasando análises bibliométricas e infométricas
(atualmente até webométricas) buscando gerar indicadores para ciência e
tecnologia.”
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, tam-
bém criada em 1951, a partir dos anos 1990 passou a elaborar seu modelo de
análise de periódicos, o Qualis, cujos critérios são baseados na circulação e
no fator de impacto da revista, compreendendo níveis de qualidade e de cir-
culação.
Com a emergência da sociedade da informação, as tecnologias da infor-
mação e comunicação invadiram todos os ambientes sociais, e a área de ciên-
cia de tecnologia constitui espaço privilegiado para sua apropriação. Surge
nova terminologia para novas formas de agregação e ações sociais — comuni-
dades virtuais (Lévy), colegiados do ciberespaço (Gresham) e teleciência
(Aborn), entre outras.
Os periódicos científicos ganharam novos atributos, e as implicações eco-
nômicas, científicas, tecnológicas, políticas, sociais e culturais tornaram-se
mais complexas, na passagem do formato impresso para o eletrônico e na
emergência de questões como o acesso livre. No entanto, é preciso lembrar,
como Roger Chartier o faz, que há “uma continuidade muito forte entre a
cultura do manuscrito e a cultura do impresso, embora durante muito tem-
po se tenha acreditado numa ruptura total entre uma e outra” e que “a im-
pressão se impôs portanto mais lentamente do que se imagina, por sucessivos

PM.C.M. Valério, Espelho da ciência: avaliação do Programa Setorial de Publicações em Ciência e


Tecnologia da Finep (Brasília: Finep/Ibict, 1994).
Lena Vania Ribeiro Pinheiro, “Evolução da comunicação científica até as redes eletrônicas e o
a

periódico como instrumento central deste processo”, em Anais da Conferência Ibero-Americana de


Publicações Eletrônicas no Contexto da Comunicação Científica, 1, 25 a 28 de abril de 2006 (Campo
Grande: Uniderp, 2006), pp. 27-38.

q
MAIS SOBRE REVISTAS CIENTÍFICAS: EM FOCO A GESTÃO

deslizamentos”.º De forma análoga, podemos concluir que esses desdobra-


mentos, e não exatamente uma ruptura, foram ocorrendo com os periódicos
até chegar à forma eletrônica.
Novos serviços de informação passaram a ser oferecidos no exterior, e no
Brasil também, como a Scientific Electronic Library Online (SciELO), do
Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde
(Bireme), de 1997, e o Portal da Capes, que se configuram como repositório
da produção científica mundial para acesso a textos completos de artigos de
periódicos, em dezenas de bases de dados e milhares de títulos de periódicos
em todos os campos do conhecimento. O Instituto Brasileiro de Informação
em Ciência e Tecnologia (Ibict), órgão nacional que “tem por finalidade con-
tribuir para o avanço da ciência, da tecnologia e da inovação tecnológica do
país, por intermédio do desenvolvimento da comunicação e informação nes-
sas áreas” responde à nova ordem tecnocultural, à altura de sua missão. O
Ibict lança serviços e produtos nessa direção, como a Biblioteca Digital de
Teses e Dissertações (BDTD), repositórios e, especificamente em periódicos,
o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (Seer), para produção e ges-
tão de publicações periódicas eletrônicas, nas suas diferentes funções, com
avanço no processo editorial, que lhe conferiram mais facilidade e rapidez.
Mais recentemente, completando este ciclo de serviços voltados aos periódi-
cos eletrônicos, foi criada, em março de 2008, a Incubadora de Revistas Digi-
tais (Inseer).
No plano político, o movimento pelo acesso livre à informação científica
formaliza-se em alguns países — entre os primeiros a Alemanha, com o Mani-
festo de Berlim, que serviu de base para o Manifesto Brasileiro de Apoio ao
Acesso Livre à Informação Científica, do Ibict, em 2005. Como repercussão
das ações do Ibict, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática da Câmara Federal aprovou, no dia 5 de junho de 2008, o proje-

Roger Chartier, A aventura do livro: do leitor ao navegador (São Paulo: Unesp, 1999), p. 9.
Disponível em http://www.ibict.br/.
Lena Vania Ribeiro Pinheiro, “Evolução da comunicação científica até as redes eletrônicas e o
periódico como instrumento central deste processo”, cit.

12
PREFÁCIO

to de lei para criação de repositórios institucionais de entidades de ensino e


pesquisa com acesso livre a pesquisas, dissertações, teses e pesquisas de pós-
doutoramento financiadas com recursos públicos.
O livro Mais sobre revistas científicas: em foco a gestão dá sequência a outras
publicações sobre a questão, como o número temático da revista Ciência da
Informação sobre acesso livre e inúmeros artigos em diferentes revistas brasi-
leiras, além de reuniões científicas como a Conferência Ibero-Americana de
Periódicos Eletrônicos no Contexto da Comunicação Científica (Cipecc).
Todas essas atividades são uma demonstração da vitalidade da área de comu-
nicação científica e do periódico como tema privilegiado e de quanto esta é
uma questão contemporânea bastante rica.
Repensando a comunicação científica como o “coração da ciência” e ins-
crevendo o periódico no coração da comunicação científica, pode-se sentir o
seu intenso pulsar e suas múltiplas e infindas abordagens — fonte inesgotável
de estudos e pesquisa.

Emir Suaiden
Professor doutor em ciência da informação.
Diretor do Instituto Brasileiro de Informa-
ção em Ciência e Tecnologia.

13
Parte I
Como desenvolver e viabilizar
a revista científica
Redação deartigo
técnico-científico: a pesquisa
transformada em texto
Maria Mércia Barradas « Maria das Graças Targino

Introdução
No ambiente acadêmico e científico cresce, a cada dia, a pressão para
publicar, incentivada pela competição — alimentada pelos sistemas de avalia-
ção vigentes nas instituições de ensino superior (TES) e de pesquisa, no âmbi-
to do Brasil. As agências de fomento, por seu turno, participam ativamente
desse processo de cobrança, pois os recursos são distribuídos, teoricamente,
com base na produtividade científica individual e institucional. A famosa
expressão publish or perish, controversa per se, marca presença em discussões
e eventos acadêmicos, uma vez que, ao mesmo tempo que serve de estímulo à
produção, é responsável, pelo menos em parte, por diferentes mazelas, como:
* Intensa proliferação de revistas técnico-científicas, com títulos que sur-
gem, interrompem, morrem e ressurgem, num ciclo quase anárquico.
Às vezes, pretendem atender aos anseios de grupos isolados, publican-
do, sobretudo, artigos dos membros do próprio comitê editorial. Às
vezes, resultam de disputas departamentais, quando se buscam estabe-
lecer distinções de qualidade via publicação “científica”. Às vezes, sur-
gem para acolher recomendações das agências financiadoras referentes
à produção científica: o temor de não conseguir aprovação nas “gran-

7
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

des” revistas faz que coordenações de pós-graduação criem seus pró-


prios veículos.
* Desdobramento de uma mesma pesquisa em vários trabalhos, gerando,
às vezes, “filhos ilegítimos” por sua replicação desnecessária ou enganosa.
* Autorias e co-autorias de qualidade duvidosa, em que princípios éti-
cos são relegados em prol da meta de aumentar a produção, “engor-
dando” currículos e facilitando a ascensão funcional de colaboradores.
* Emergência de trabalhos sem compromisso com o desenvolvimento
da ciência e tecnologia (C&T), distantes da busca de originalidade e de
inovação nos campos de conhecimento.
* Descuido com a elaboração dos textos, devido à pressa no encaminha-
mento do original às revistas e ao descaso com a redação técnico-cien-
tífica (redação técnica ou redação científica).
Esse panorama, aparentemente pessimista, tem sido constatado em dife-
rentes áreas e por diferentes autores, a exemplo de Adami e Marchiori!
Gollogly e Momen? e Packer e Meneghini.? Porém o processo de produção
incorpora uma série de elementos. Estes vão desde as condições da investiga-
ção em si, passando por sua divulgação dentro no circuito acadêmico e cien-
tífico (comunicação científica), até atingir o grande público (jornalismo
científico), o que pressupõe cuidados autorais e editoriais alusivos às ques-
tões de validade e credibilidade dos conteúdos, somados à obediência aos
ditames éticos, que, mais do que antes, são agora estudados e discutidos. Isto
porque a expansão da ciberescritura, a proliferação da autoria compartilha-
da e a adesão crescente ao sistema copyleft são alguns dos muitos elementos
responsáveis por mudanças radicais no processo de editoração, independen-

" A, Adami & P. Z. Marchiori, “Autoria e leitura de artigos por docentes pesquisadores: motivações
e barreiras”, em S. M.S. P. Ferreira & M. das G. Targino, Preparação de revistas científicas: teoria
e prática (São Paulo: Reichmann & Autores, 2005), pp. 73-100.
L. Gollogly & H. Momen, “Ethical Dilemmas in Scientific Publication: Pitfalls and Solutions for
Editors” em Revista de Saúde Pública, edição especial, nº 40, São Paulo, agosto de 2006, pp. 24-29.
A. L. Packer e R. Meneghini, “Visibilidade da produção científica”, em D. A. Aguiar ct al. (orgs.),
Comunicação & produção científica: contexto, indicadores e avaliação (São Paulo: Angellara, 2006),
pp.235-259.

18
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

temente do suporte impresso ou eletrônico (tema constante do capítulo “Di-


reitos autorais e o movimento do acesso aberto: um equilíbrio que demanda
novas atitudes” na página 139).
Não podemos, entretanto, confundir produção de mais informações e
acesso facilitado ao fluxo informacional com conteúdos descuidados do pon-
to de vista de confiabilidade ou de estruturação. Espaço virtual nem é sinôni-
mo de publicações inconsistentes nem determina a “morte do autor”, e sim
profundas mutações no processo de autoria. A prova está na menção cres-
cente da denominação direito informático (e similares), expressão adotada
por José Cuervo, criador e mantenedor, desde 1998, da página Informática
Jurídica y Derecho Informático,* que abriga bibliografia sobre questões au-
torais versus internet. Para se ter idéia da força do tema, somente da letra A
até D, essa listagem arrola 1.314 referências.
A esse número surpreendente somam-se publicações e mais publicações so-
bre elaboração de trabalhos técnico-científicos (por exemplo, Flôres, Olímpio
e Cancelier, * França e outros), os quais, com certa frequência, enfatizam nor-
mas de citação e de referência, em detrimento da linguagem técnico-científica.
Alguns autores dedicados à metodologia e/ou à elaboração de trabalhos aca-
dêmicos externam preocupação com a qualidade do texto (por exemplo, Cunha
e outros” e Pessoa),* afora livros, guias e manuais específicos de redação e de
editoração, gerados no âmbito de instituições, como o Manual de editoração da
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)º e o Manual de editoração da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).”” Ambos possuem
capítulos específicos que tratam de questões, muitas vezes, negligenciadas por

* Disponível em http://www.informatica-juridica.com, acesso em 5-6-2008.


* I1.L. Flôres etal., Redação: o texto técnico/científico e o texto literário; dissertação descrição/narração/
resumo/relatório (Florianópolis: UFSC, 1994).
J.L. França et al., Manual para normalização de publicações técnico-científicas (5º ed. Belo Horizon-
te: UFMG, 2000).
A. C. da Cunha et al., Guia de apresentação de dissertações, teses e monografias (São Paulo: USP,
2004).
S. Pessoa, Dissertação não é bicho-papão (Rio de Janeiro: Rocco, 2005).
Disponível em http://www.anccl.gov.br, acesso em 26-6-2008.
Disponível em http://manual.sct.embrapa.br, acesso em 26-6-2008.

19
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

autores, revisores e editores: hifenização de palavras, emprego de siglas e abre-


viaturas (por extenso, seguida da respectiva sigla/abreviatura na primeira vez
que aparecem no texto), uso de letras maiúsculas e minúsculas; de negrito,
aspas e itálico; regência verbal, concordância verbal e nominal, etc.
Sob essa perspectiva, este capítulo, ainda que teoricamente voltado para
os produtores de textos em seu afã de transmutar suas pesquisas em artigos
técnico-científicos (denominados ao longo do texto, de forma breve, como
artigos científicos), também se destina ao editor de revistas, de quem depen-
dem a garantia e preservação da qualidade e do prestígio do periódico, em
qualquer formato. O editor precisa acompanhar a política nacional em C&T,
a fim de se inteirar sobre as tendências nacionais e internacionais, mantendo-
se alerta para disciplinas que emergem ou sucumbem. Por outro lado, é es-
sencial ter formação gerencial que lhe dê condições para conviver com as
oscilações do mercado e com as transformações que afetam a sociedade mo-
derna, o que exige capacidade de análise para decidir com racionalidade, sem
desprezar a criatividade e a regra de convivência com os demais partícipes do
processo de editoração, do autor ao revisor.
Inerentes ao seu cotidiano estão decisões sobre o que publicar; o que
priorizar; em que novas especialidades investir; como incentivar as áreas emer-
gentes; como estimular a diversificação temática; como assegurar a sintonia
entre oferta e demanda e principalmente, como fortalecer os filtros de quali-
dade. E para exercer o controle de qualidade, independentemente da
categorização idealizada por autores, como Meadows," entre o editor cientí-
fico (a quem compete fundamentalmente a seleção dos conteúdos) e o
managing editor (responsável direto pela editoração em si), esse profissional
necessita conhecer a essência da redação técnica como instrumento facilitador
de seu trabalho.
Diante do exposto, apresentamos informações sobre conceito e caracte-
rísticas da redação científica, seguidas de sugestões de como trabalhar o texto
até sua revisão cuidadosa. Abordamos também a importância de escolher o

" A.J. Meadows, A comunicação científica (Brasília: Briquet de Lemos, 1999).

20
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍTICO

periódico adequado para divulgá-lo, evidenciando, sempre, a relevância da


ação conjunta entre autores e editores.

Escrita, redação e estilo

É evidente a distinção entre escrever e redigir. Escrever é jogar as idéias no


papel ou na tela, quase que automaticamente, sem revisão ou releitura críti-
ca. Redigir exige reflexão, tomada de decisão, aprimoramento da produção
textual, visando, sobretudo, a inteligibilidade da mensagem, o que transfor-
ma redação na arte de bem expressar, na escrita, o pensamento. É escrever
com ordem e método, tomando como base o binômio: o público-alvo a que
se dirige o texto ou publicação de que fará parte. Estilo, por sua vez, em
essência, é a forma pessoal e peculiar de exprimir os pensamentos, seja na
linguagem escrita ou oral. Individualiza o modo de expressar-se de escrito-
res, poetas, jornalistas, acadêmicos, pesquisadores e cientistas.
No entanto, a comunicação no contexto da ciência deve evitar conotações.
A linguagem literária é conotativa, permitindo sentido translato ou subjacente
aos conteúdos, de teor subjetivo e interpretativo; a linguagem científica é
denotativa. Encerra função essencialmente referencial, com o intuito tão-
somente de informar. Quer dizer, a subjetividade caracteriza o estilo literá-
rio, em sua construção e interpretação; e a objetividade, o estilo científico. O
texto técnico é construído de forma que o leitor entenda, de imediato, o que
o autor quer transmitir. E isto significa reconhecer a clareza como traço cen-
tral da linguagem científica, à semelhança do preconizado, já em 1943, por
McClelland: “[...] o cientista tem a obrigação de escrever não apenas de ma-
neira a fazer-se entendido, como de modo a não ser mal compreendido [...]”
Tudo isto demanda do pesquisador-autor curiosidade e humildade inte-
lectual para, no momento de construção do texto, da fase inicial até a final

2 Apud R. Barrass, Os cientistas precisam escrever: guia de redação para cientistas, engenheiros e
estudantes (São Paulo: T. A. Queiroz, 1991), p. 7.
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

(revisão), esclarecer suas dúvidas. Pode utilizar bons dicionários na língua


em que está escrevendo, impressos ou eletrônicos; recorrer a livros de gramá-
tica; consultar especialistas, como estatísticos (para a construção de qua-
dros, figuras e tabelas), normalizadores, professores de línguas; consultar
manuais de redação e de estilo, comuns entre os veículos da grande imprensa,
como os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, e também entre
editoras de maior penetração, como Editora Abril e Editora Ática. No caso
de o texto estar em idioma estrangeiro, é recomendável submeter o trabalho
a um revisor não só com fluência e domínio completo, mas que o tenha como
língua nativa. Enfim, o autor pode utilizar estratégias diferenciadas segundo
suas demandas, consciente de sua obrigatoriedade em produzir.
Esse compromisso de os pesquisadores e cientistas escreverem e divulga-
rem, nas múltiplas áreas, advém da própria essência da ciência, cuja evolução
está intrinsecamente vinculada à divulgação de resultados das pesquisas em-
preendidas, que permite a corroboração ou refutação dos achados. Ao tem-
po em que a qualidade final do artigo depende diretamente do objeto de
estudo e de seu direcionamento, do nível de originalidade, enfim, das diferen-
tes dimensões da investigação científica, o texto em si e a seleção da revista
eleita como meio de divulgação também são determinantes na atribuição de
qualidade (ou não) ao trabalho publicado.
Segundo inferências de Barradas,” o somatório desses três fatores, que
nem sempre caminham no mesmo sentido, corresponde a diferentes situa-
ções (Quadro 1), em que o sinal mais (+) indica presença e o sinal menos (—),
ausência de qualidade. As situações mais extremas correspondem à presença
de qualidade em todas as fases (desenvolvimento experimental/obtenção de
resultados, redação e publicação) ou à ausência total. A situação ideal é a de
número 1, mas não há como negar a ocorrência das demais. Tanto há bons
artigos, muito bem redigidos, divulgados em títulos não reconhecidos pelos
pares, como pesquisas de mérito científico duvidoso, transformadas em bons

2 M.M. Barradas, “Editoração científica e qualidade de periódicos”, em Integração, 5 (18), São


Paulo, agosto de 1999, pp. 226-229.
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

Quadro 1 — Atribuição de qualidade do artigo técnico-científico publicado


Situação Pesquisa Texto Revistas
(metodologia/resultados) (redação) (publicação)
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Fonte: M. M. Barradas. “Editoração científica e qualidade de periódicos", em Integração, São Paulo, 5 (18),
agosto de 1999, pp. 226-229.

textos, e publicadas em periódicos indexados, o que evidencia a função rele-


vante do processo editorial em conjunção com o processo de execução da
pesquisa e da redação do texto.
Sob essa ótica, as tarefas de escrever, redigir e delinear estilo consistem em
barreiras a serem vencidas por quem pretende participar do cenário acadê-
mico e científico, o que pressupõe esforço intelectual e habilidades, entre as
quais está o domínio da linguagem, consolidando os princípios da redação
técnico-científica. Por outro lado, a apreensão que ronda essa modalidade de
redação decorre, em parte, da apregoada falta do hábito de leitura e de escri-
ta, constatada em índices oficiais e extra-oficiais. Temos um país onde somen-
te 12% têm a necessária competência cognitiva, por condições de instrução,
para apreender uma informação e transmutá-la em conhecimento para seu
aperfeiçoamento como pessoa ou em prol do espaço social, segundo infor-
mações do pesquisador Aldo Barreto.
Indiferentes ao lugar aparentemente privilegiado no ranking mundial do
produto interno bruto (PIB), em que o Brasil ocupa o 12º lugar (Banco

“ A, Barreto, “É preciso treinar o esquecimento”, mensagem recebida por abarreto-lOlistas.


alternex.com.br em 1º-11-2006.

23
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Central), com US$ 605 bilhões, ainda temos uma taxa de analfabetos de
13,63% e, segundo dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística (IBGE), somamos mais de 24 milhões de analfabetos (Tabela 1).

Tabela 1 — Distribuição da população urbana e rural por alfabetização, Brasil


População Total Alfabetizados Não alfabetizados
Urbana 125.175.892 109.784.121 SBT
Rural “ 28.310.725] 19.608.720 8.702.005
TOTAL CC 153.486.617 129.392.841 24.093.776
Fonte: IBGE, Censo demográfico 2000, Brasília, 2000.

Trata-se de inquietante exclusão social. Ao analfabetismo absoluto, em


que o indivíduo desconhece o código alfabético, soma-se o analfabetismo
funcional, em que o aprendiz não tem o padrão mínimo de conhecimento
para operar na sociedade construída sobre a escrita. O Ministério da Educa-
ção (MEC) afirma que o desempenho dos estudantes do ensino médio, em
duas avaliações: o Sistema Nacional de Avaliação da Educação (Saeb) e o
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), continua crítico, principalmente
com relação ao português. Os alunos têm dificuldades para escrever e com-
preender textos, conforme relatos do Jornal da Ciência.'* São dados que atin-
gem indiretamente o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, ou
melhor, o status quo da pesquisa, a formação do pesquisador, e, portanto, o
mundo editorial.

5 Banco Central do Brasil et al., “Principais PIBs do mundo” disponível em http://www.ipib.com.br/


pibbrasil/ pib. 2004.asp, acesso em 13-1-2008.
1 “Cai desempenho de estudantes no ensino médio”, em Jornal da Ciência, JU e-mail, nº 3.200, São
Paulo, 7-11-2007; “Os tristes números da educação brasileira”, em Jornal da Ciência, JC e-mail,
nº 3.207, São Paulo, 16-1-2007, disponíveis em http://www.jornaldaciencia.org.br, acesso em
13-1-2008.

24
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

Redação técnico-científica: concepção e


características
Em termos conceituais, segundo síntese de Targino,” a redação técnico-
científica designa os atributos mais comuns ao texto destinado a divulgar
conhecimentos recém-gerados, na esfera das diferentes profissões, áreas e es-
pecialidades. Assim concebida, esse tipo de redação é, por excelência, o ele-
mento que favorece ao pesquisador redigir com mais precisão e clareza. Em
nenhuma situação atua como “camisa-de-força”, até porque seus preceitos
encerram sempre sentido lógico e racional, em inter-relação com campos
afins, tais como o estudo de línguas, editoração e ética, por exemplo, no
respeito à autoria, quando da menção às fontes consultadas.
Como decorrência das deficiências de leitura e de escrita antes menciona-
das, e a partir do reconhecimento, hoje generalizado, de que pesquisa não
publicada simplesmente inexiste, pesquisador e editor necessitam visualizar
a redação técnico-científica como aliada, assimilando seus traços fundamen-
tais. Listas de características são elaboradas e apresentadas por diferentes
autores. Algumas vezes, diferenças terminológicas. Outras vezes, ênfase mai-
or ou menor em determinado critério. Às vezes, condensação de itens. São
qualidades ditas e reditas de formas distintas, mas que não se contrapõem.
Ao contrário, se complementam, se desdobram ou se integram, na busca
quase incessante de critérios que facilitem a elaboração de textos, preocupa-
ção de especialistas em redação técnico-científica, de docentes voltados ao
ensino da metodologia e de entidades-editoras.
Há quem fale em acuidade, adequação, controle, explicação, imparciali-
dade, inteireza, interesse, ordem, sinceridade, unidade, etc. etc. Porém, to-
mando como referência os dezessete parâmetros de Barrass!* e nossa própria

7 M. das G. Targino, “Libertação pela redação técnico-científica”, em J. Duarte & A. T. de Barros,


Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação (2º ed. São Paulo: Atlas, 2007), pp. 364-380.
8 R. Barrass, Os cientistas precisam escrever: guia de redação para cientistas, engenheiros e estudantes,
cit.

25
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

experiência como pesquisadoras, autoras e editoras, apresentamos síntese de


características vitais à redação do artigo técnico-científico:
1. Clareza — antes mencionada, é empregada na concepção de inteligível,
concreto, límpido, nítido, transparente e perceptível. Trata-se da ex-
pressão de pensamento que não deixa margem a interpretações diferentes
da que o autor deseja comunicar. Texto claro não permite ambigiida-
des, como esta: o ciúme da mulher levou o jornalista ao suicídio. Pergun-
tamos: quem era ciumento — o jornalista ou sua mulher?
.« Precisão — uso de palavras adequadas e exatas, o que exige conheci-
mento da terminologia específica da área. Dizendo de outra forma,
precisão como exatidão e rigor de linguagem, vez que, para pesquisa-
dores e cientistas, o idioma é, antes de tudo, instrumento para infor-
mar, em vez de recurso para expressão estética, como para os literatos.
Simplicidade — o conteúdo resvala em sequência natural, espontânea e
elegante, sem afetação e rebuscamento, e, assim, sem dificuldade de
assimilação. É a redação de texto simples e distante do estilo prolixo,
retórico e confuso, sem ser simplório.
Objetividade — ao contrário do que se pensa, objetividade não é sinô-
nimo de concisão. É objetivação, alusiva à capacidade de descrever
fatos e fenômenos de forma mais fiel possível: como eles são e não como
o pesquisador imagina que deveriam ser. Baseia-se na observação dos
fatos, de modo que expressões e termos subjetivos são vetados.
Concisão/coesão/brevidade — qualidade de conseguir transmitir as
idéias com o menor número possível de palavras, sem comprometi-
mento da clareza. Além dos casos em que o autor repete para enfatizar
ou realçar, há momentos em que, para evitar ambigúidade, é necessá-
rio repetir palavra(s). Exemplificando: Embora o pesquisador traba-
lhasse numa empresa pública, mantinha sua grande empresa privada
em assessoria de imprensa e relações públicas.
Harmonia/equilíbrio — moderação ao longo do texto, conferida pela
colocação das palavras em orações e períodos, assegurando, também,
sequência lógica de idéias.

26
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

7. Persuasão/vigor — capacidade argumentativa de quem escreve.


8. Elevação da linguagem — emprego da linguagem formal ou padrão,
sem termos coloquiais e vulgares.
9. Fidelidade às fontes — quando da citação de textos de outrem, é possí-
vel optar pela transcrição literal do texto (paráfrase) ou pela interpre-
tação do material lido. Neste último caso, é preciso ser fiel às idéias e ao
pensamento original.
10.Correção — cuidados gramaticais com o texto, incluindo grafia e sinta-
xe, além de atenção com crase, regência verbal, concordância verbal e
nominal, pontuação e acentuação. Um acento ou uma vírgula podem
fazer diferença, alterando o sentido. Exemplo: Não aprovem o traba-
lho para publicação. / Não, aprovem o trabalho para publicação.
Decerto, um texto repleto de problemas de ordem ortográfico-gramati-
cal acaba comprometendo sua credibilidade com o público, ainda que apre-
sente idéias lógicas ou inovadoras. E, portanto, como Squarisi e Salvador!”
chamam a atenção, muitas dessas sugestões são válidas para o texto jorna-
lístico, com vistas à obtenção de estilo mais eficiente. As autoras advogam
enfaticamente em favor da clareza e da concisão do texto. Afirmam que a
frase jornalística deve ser construída de tal forma que não apenas seja bem
entendida, mas que não permita interpretações variadas.
Afora esses itens e observações, quando avalia um artigo o editor conside-
ra outros aspectos: coerência, consistência e originalidade do artigo redigi-
do. Coerência, como critério que permite a harmonia entre começo, meio e
fim do trabalho científico, é a argumentação estruturada e articulada, o con-
junto concatenado de enunciados, o desdobramento ordenado do tema, a
dedução lógica (e não conflitante) de conclusões. É a ausência de contradi-
ção. A consistência é a capacidade de resistir a argumentações contrárias, o
que exige profundidade e tessitura firme. A originalidade é a capacidade de

2» D. Squarisi & A. Salvador, A arte de escrever bem: um guia para jornalistas e profissionais do texto
(São Paulo: Contexto, 2005).

27
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

levar a ciência para frente, de renová-la, de explorar todas as potencialidades,


de criar alternativas, enfim, de garantir a dinamicidade intrínseca à ciência.

Recomendações para “enxugar” o texto


A sabedoria popular enfatiza que “quem muito fala muito erra e muito
enfada”. Reforçando o ditado, pesquisadores-autores devem estar atentos à
economia lingiústica. A produção científica está inevitavelmente atrelada a
padrões editoriais rígidos em termos de espaço gráfico: número de caracteres
(com ou sem espaço) para os resumos e para os textos em si; redução ou
proibição de notas de rodapé; número máximo de palavras para os títulos e
outros princípios. Nas grandes revistas, impressas ou eletrônicas, antes mes-
mo do encaminhamento do texto ao editor científico, a própria secretária
executiva da revista já checa a obediência às normas quanto à dimensão tex-
tual, e, se for o caso, devolve ao autor para os ajustes indispensáveis.
A economia lingiística dá ênfase à concisão, por sua nítida repercussão
no que concerne aos custos editoriais, à possibilidade de agregar mais artigos
e mais autores, à chance de pontos de vista mais diversificados, à manutenção
de padrões mais rigorosos, entre outros itens. Tudo isto faz que o pesquisa-
dor desenvolva a habilidade de “enxugar/limpar” o texto, mediante estratégi-
as que se cruzam e se relacionam, além de estarem intimamente vinculadas
com as características antes enunciadas:
* modificar a redação;
* eliminar termos desnecessários;
* empregar palavras e frases breves;
* evitar repetição de palavras.

MODIFICAR A REDAÇÃO

Ainda pensando no leitor e no espaço gráfico, é importante abreviar tan-


to quanto possível e/ou não superescrever, o que pressupõe certos cuidados,
entre os quais evitar locuções verbais.

28
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

Exemplo:
Forma original:
Deixando de lado a decantada origem militar da internet, é hora de reconhe-
cer que sua expansão advém da intervenção de pessoas “comuns” e de insti-
tuições distintas. Não obstante trajetória anárquica, a rede conserva
semelhança com os demais movimentos sociais, estabelecendo verdadeira
conexão cidadã. De forma similar, nada impede que adeptos do Indymedia
possam se posicionar contra conferências e acordos de livre comércio e a
favor do comércio justo, da mesma forma que há vez para quem queira
protestar contra corporações multinacionais ou contra a inacessibilidade
dos governos. Quer dizer, o Indymedia proporciona foro público para jor-
nalistas independentes e organizações midiáticas divulgarem qualquer tema,
mas não determina o que tais profissionais devem cobrir.

Forma modificada:
Internet (não obstante sua trajetória anárquica) e Indymedia estabelecem
conexão cidadã, assemelhando-se aos demais movimentos sociais. Nada im-
pede que adeptos do Indymedia se posicionem contra conferências e acordos
de livre comércio e a favor do comércio justo, da mesma forma que há vez
para quem protesta contra corporações multinacionais e governos. Há espa-
ço para qualquer luta. O Indymedia proporciona foro público para jornalis-
tas independentes e organizações midiáticas, mas não determina o que tais
profissionais ou instituições devem cobrir.

ELIMINAR TERMOS DESNECESSÁRIOS

Atento à editoração, o autor, ao redigir seu texto, deve suprimir expres-


sões inúteis, que atuam como meros “adornos”, além de omitir elementos
facilmente subentendidos e/ou expressos anteriormente.
Exemplo:
Forma original:
Aquela estação de televisão de nacionalidade brasileira mantém frágil pene-
tração e audiência bem insignificante em diversas regiões geopolíticas do
nosso país.

29
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Forma modificada:
Aquela estação de televisão brasileira mantém penetração e audiência insigni-
ficantes em algumas regiões.

Ademais, há dois vícios de linguagem imperdoáveis no texto técnico-cien-


tífico:
1. tautologia — redundância: dizer o mesmo com outras palavras. Exem-
plos: “em minha própria opinião pessoal”; “agrupados conjuntamen-
te”; “superpostos uns sobre os outros”; “um após o outro” “em sucessão”;
», « »,

etc.
2. circunlóquio — verbosidade: recorrer a verdadeiro círculo de palavras,
facilmente substituídas por poucas ou por uma única. Exemplos: “em
vista do fato de” (porque); “que se conhece pelo nome de” (denominado,
chamado); “durante o tempo em que” (enquanto); “em vista das circuns-
tâncias mencionadas” (portanto); “em futuro próximo” (logo); “a fim de
que” (para); “por força das mesmas razões” (analogamente); “conduzir
uma investigação a respeito” (investigar); “com frequência”
(frequentemente); “do período que vai da alvorada ao anoitecer” (da
alvorada ao anoitecer); “consiste, essencialmente, de duas partes” (pos-
sui duas partes); “durante o mês de maio” (em maio), etc.

EMPREGAR PALAVRAS E FRASES BREVES

Palavras mais curtas podem substituir aquelas com maior número de le-
tras, desde que o significado no contexto seja o mesmo. Exemplos: “assim”, em
lugar de “consequentemente”; . “uso”, para substituir “aplicação”; “após”, em
», «

lugar de “posteriormente”; “já”, em lugar de “agora”, etc.


De forma similar, é recomendável, se possível, usar uma palavra e não
duas; duas e não três; três e não quatro. Exemplo: “Aquele pesquisador escre-
ve sobre webjornalismo em tantos artigos que esgota a paciência dos que
lêem seus artigos” / “Aquele pesquisador escreve tanto sobre webjornalismo
que esgota a paciência dos leitores” Na mesma linha de raciocínio, sugerimos
o emprego de frases curtas e inteligíveis, uma vez que períodos com muitas
orações coordenadas e subordinadas dificultam a apreensão das mensagens.

30
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

EVITAR REPETIÇÃO DE PALAVRAS

Recorrer a sinônimos ou equivalentes, evitando repetições, ajuda a tor-


nar o texto mais agradável, até porque a redação técnico-científica não des-
carta certa dose de coloquialidade e o emprego extremamente cuidadoso de
analogias, metáforas e até leves toques de humor, sobretudo no campo da
divulgação e do jornalismo científico.
Exemplo:
Forma original:
O jornalismo cidadão praticado no âmbito do Centro de Mídia Independen-
te Brasil ainda apresenta falhas técnicas, como: disponibilização do material
— incidência significativa de imagens distorcidas e disponibilização lenta de
informações.

Forma modificada:
O jornalismo cidadão praticado no âmbito do Centro de Mídia Independen-
te Brasil ainda apresenta falhas técnicas, como: incidência significativa de
imagens distorcidas; lentidão na disponibilização de informações.

Outras recomendações
Entre outras recomendações, chamamos a atenção para:
* substituir o “que” nas orações relativas, a depender do caso:
* por aposto: O cineasta, que era bastante experiente, exigia muito./O
cineasta, bastante experiente, exigia muito.
* por substantivo: O pesquisador que fez a entrevista./O entrevistador.
* por possessivo: O publicitário que faz as campanhas para seus pro-
dutos./O seu publicitário.
* por preposição: O matutino A Meia Hora, que não tem recursos, luta
para sobreviver./O matutino A Meia Hora, sem recursos, luta para
sobreviver.

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COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

* por adjetivo: O jornalismo interpretativo, que praticamente não


existe, favorece informações mais ricas./O jornalismo interpre-
tativo, praticamente inexistente, favorece informações mais ricas.
* por mudança de oração: O orientador, que antes lhe contatou, disse-
nos que não mais desejaria prosseguir com esta função./Após lhe
contactar, disse-nos o orientador não mais desejar prosseguir com
esta função.”
Além disso, devem-se evitar:
cacofonias (encontro ou repetição de sons que desagrada ao ouvido,
formado pela última sílaba de uma palavra com a primeira da palavra
seguinte). Exemplo: abrangência temática dela;
rimas (repetição de som na terminação de duas ou mais palavras).
Exemplo: Há muita discussão na reunião de avaliação para promoção
dos docentes;
pleonasmos (redundância ou superabundância de termos). Exemplos:
hábitat natural; planejamento antecipado; fatos reais; empréstimo
temporário;
jargões (gírias e linguagem corrompida) e estrangeirismos (utilização
de palavras e expressões de línguas estrangeiras) — a língua portuguesa
tem, aproximadamente, 400 mil palavras. Entretanto, segundo Squarisi
e Salvador, um adulto escolarizado utiliza apenas cerca de dois mil
vocábulos, o que revela desconhecimento sobre a potencialidade do
idioma. E mais, o português está impregnado de termos estrangeiros,
principalmente em inglês. Como muitos já mantêm equivalentes em
nossa língua ou foram aportuguesados, a melhor opção é a forma em
português. Exemplos: estresse, em lugar de stress; imprimir, em lugar
de “printar”; desempenho, em lugar de performance;
modismos (modo de falar e de escrever aceito pelo uso, ainda que con-
trário às normas gramaticais) — algumas expressões se transformam

» M. das G. Targino, “Libertação pela redação técnico-científica”, cit., p. 376.


2 D. Squarisi & A. Salvador, A arte de escrever bem: um guia para jornalistas e profissionais do texto,
cit.

32
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

em modismo e se tornam “pragas” da língua. Como são ditas, escritas


e muito repetidas, confundem os desavisados. É o caso da expressão
inexistente “a nível de”. Existem “em nível de” e “ao nível de”. A primeira
delas significa “no âmbito de”, mas também é modismo. Podemos dizer
simplesmente curso de especialização, em lugar de curso em nível de
especialização. A segunda significa “à altura de”, e seu uso é correto:
São Paulo não fica ao nível do mar, situa-se no planalto;
* repetição de palavras com significados distintos na mesma frase ou em
frase próxima, para não interferir na compreensão. Exemplo: Seme-
lhante ao que foi dito, como os meus semelhantes podem verificar, o
sistema de avaliação por pares é bastante controverso;
* texto “frankenstein” (texto monstruoso, à semelhança de Frankenstein,
indivíduo disforme criado em laboratório) e/ou “colcha de retalhos” —
há textos que resultam da colagem de trechos compilados de outras
fontes, o que compromete a qualidade dos artigos e dos próprios peri-
ódicos, como previsto por Barradas;?
* eufemismos (tentativas de suavizar a expressão de uma idéia substitu-
indo a palavra ou expressão própria por outra aparentemente mais
polida). Exemplo: Os resultados da pesquisa apontam total um tanto
inesperado (1,10%) de universitários capazes de apreender textos de
divulgação científica./Os resultados da pesquisa apontam total insig-
nificante (1,10%) de universitários capazes de apreender textos de di-
vulgação científica.
Além dessas indicações, o autor do artigo técnico-científico deve optar, e
o editor deve orientar e exigir, sempre que possível, por verbos na voz ativa,
em que a ação verbal parte do sujeito. A voz passiva, na qual a ação verbal
parte de um complemento, “pesa” no texto. Sendo impossível evitá-la, deve
usar a voz passiva sintética, expressa pela 3º pessoa da forma ativa do verbo a
que se junta o pronome “se” como apassivador, evitando a voz passiva analí-
tica, composta pelo verbo auxiliar ser, seguido do particípio do verbo princi-

2 M.M. Barradas, “Editoração científica e qualidade de periódicos”, cit.

33
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

pal. Exemplo: O emprego de frases curtas na voz ativa e de sentenças na forma


positiva é preconizado por Squarisi e Salvador./Squarisi e Salvador preconi-
zam o emprego de frases curtas na voz ativa e de sentenças na forma positiva.
Sugerimos ainda o uso do tempo presente do indicativo. Alguns preferem
redigir os procedimentos metodológicos no pretérito perfeito do indicativo.
De qualquer forma, o artigo não deve misturar excessivamente tempos ver-
bais, pois isso compromete a apreensão. Também a prevalência do discurso
direto, que assegura sequência mais linear e mais acessível a um público mais
amplo, também é básico, pois a ordem das palavras pode interferir no signi-
ficado da frase. Exemplo: Apenas depois de terminar o capítulo do livro./
Depois de terminar apenas o capítulo do livro.
Por outro lado, retomando a distinção entre linguagem referencial e lite-
rária, reforçamos a idéia de que no texto técnico-científico devem prevalecer
frases afirmativas, palavras concretas e emprego restrito de adjetivos e ad-
vérbios. Afinal, são duas classes gramaticais que favorecem inferências subje-
tivas, ao indicar qualidade (no caso dos adjetivos) ou modificar os verbos,
adjetivos ou outros advérbios (no caso dos advérbios), impondo certo nível
de valoração.

Seleção do título de periódico para publicação


Definido o conteúdo e para quem pretende comunicar, o autor, antes mes-
mo de iniciar a redação de seu trabalho, deve ler as instruções ou normas para
publicação da revista em que pretende publicar. Esse procedimento constata,
mais uma vez, a conjunção de esforços de autores e editores na transmutação
da pesquisa em texto. Tal medida evita gasto extra de tempo, adequando-se a
apresentação do texto aos preceitos da publicação, desde o início.
Há diferenças editoriais de um título para outro. Alguns limitam o núme-
ro de termos do título, do resumo/abstract, das palavras-chave/key words.
Outros restringem o tamanho do título e do resumo/abstract pelo número de
caracteres. Quase todos definem o número mínimo ou máximo de laudas.

34
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

Algumas revistas também informam sobre a estruturação dos resultados,


discussão e conclusões: para algumas, constituem itens separados; para ou-
tras, dois itens se fundem, como resultados e discussão e/ou discussão e con-
clusões. As instruções, quando bem elaboradas e abrangentes, esclarecem a
apresentação de tabelas e figuras, notas de rodapé, citações e modelos de
referências, além de outros detalhes.
Secaf e Volpato? vão além. Recomendam, acertadamente, não apenas a
leitura das instruções, como também a consulta a exemplares recentes da
revista, para análise da adequação do trabalho à linha editorial da publicação.

Revisar também é preciso


A crença de que o manuscrito do trabalho técnico-científico está apto a
ser encaminhado para publicação, no momento em que se termina de escrever,
é improcedente. Há outra etapa em sua trajetória: a revisão. Ela é imprescin-
dível não apenas para aumentar a possibilidade de aceite do manuscrito,
como também para permitir o entendimento por parte do leitor. O texto é
um diálogo a ser estabelecido com o público. O autor escreve para ser lido.
Seu objetivo é comunicar alguma coisa a alguém e, portanto, “[...] o texto
não é escrito como se o autor estivesse dirigindo a mensagem para si pró-
prio”?
Bons e maus textos se diferenciam pelo número de vezes que são retra-
balhados. Retrabalhar não significa reescrever tudo, e, sim melhorar o texto,
após revisões exaustivas e cuidadosas. Para tanto, é imprescindível que o au-
tor se posicione no lugar do leitor mediante leitura crítica, que deve ocorrer
“[...] mais de uma vez, em dias e horários diferentes e, se possível, em voz
alta”, como Secaf propõe.” De fato, essa leitura permite avaliar a clareza e

? V. Secaf, Artigo científico: do desafio à conquista (3º ed. São Paulo: Green Forest do Brasil, 2004);
G. L. Volpato, Ciência: da filosofia à publicação (4º ed. Botucatu: Tipomic, 2004).
% J.L.C. Miranda &H. R. Gusmão, Os caminhos do trabalho científico: orientação para não perder o
rumo (Brasília: Briquet de Lemos, 2003), p. 27.
5 V. Secaf, Artigo científico: do desafio à conquista, cit. p. 76.
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

facilita a detecção de rimas, cacófatos, tautologias, circunlóquios e palavras


repetidas no mesmo parágrafo. Ademais, esse momento de revisão é ideal
para pôr em prática os preceitos previstos, em termos de correção gramati-
cal; apresentação de ilustrações; menção de siglas e abreviaturas; uso de tem-
pos verbais; padronização de citações e referências bibliográficas; confronto
entre citações e referências, isto é, conferir se todos os autores/anos citados
estão incluídos na listagem de referências.
O passo seguinte consiste em revisão efetuada por outro(s) pesqui-
sador(es) que possa(m) dar subsídios, mediante análise objetiva, tanto do
ponto de vista do mérito científico como da apresentação do texto. Apenas
depois de cumpridas essas etapas, o autor pode considerar que seu texto está
apto à submissão ao periódico escolhido.

Considerações finais
Reforçamos a função da redação técnico-científica, para autores e edito-
res, como instrumento de libertação, numa sociedade marcada pela força
das tecnologias de informação e de comunicação. Isto porque, se as TIC im-
pulsionam a explosão e o fluxo informacional, esse tipo de redação propicia
que acadêmicos, pesquisadores e cientistas redijam com precisão e clareza e
ponham em circulação seus achados. Verdade que o incremento de títulos
eletrônicos tende a alterar as normas de redação, haja vista que a leitura na
tela assim o exige. O jornalismo digital, o mundo dos blogs, a prática extensi-
va do jornalismo cidadão incentivam novas formas de escrever. Por exemplo,
ao tempo que a Britannica Online cede espaço à Wikipedia <http://
pt.wikipedia.org>, que, por meio da tecnologia wiki (de origem havaiana =
rápido) representa significativo avanço na elaboração de enciclopédias li-
vres, conquistando credibilidade e adeptos, o público ainda espera dos textos
científicos rigor e precisão. Isto não impede que os novos pesquisadores se
aventurem mais e mais na utilização dos recursos da rede e das tecnologias
em toda sua potencialidade, com prováveis mudanças em longo prazo.

36
REDAÇÃO DE ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

Por enquanto, resta-nos reduzir a eventual aversão que há em relação aos


preceitos que perfazem a redação técnica, resultante da forma errônea como
é repassada, sem que orientadores ou autores dos manuais de redação se
preocupem em explicar os porquês de suas recomendações, colocando-as
como meras imposições. A esse motivo unem-se os índices deficitários de
leitura e escrita, em âmbito nacional, sem contar com o analfabetismo funci-
onal, que marca presença, paradoxalmente, nas universidades, onde tam-
bém se registra flagrante ausência de leitura crítica. Isto justifica as palavras
de Volpato, para quem, “[...] devido ao nosso sistema de ensino, os proble-
mas de redação estão entre as principais falhas do pesquisador brasileiro”
Como vimos, o sistema de disseminação do conhecimento — que se dá
prioritariamente por meio das revistas e artigos científicos — ganha adeptos
com o copyleft, a ciberescritura, o movimento de acesso aberto, etc. Em qual-
quer circunstância, porém, a comunicação entre os pesquisadores, como re-
quisito para a difusão do conhecimento, quaisquer que sejam as inovações
no sistema, permanece. Pesquisadores, na condição de atores do processo,
apreciem ou não o ato de escrever, devem exercitá-lo, pois a linguagem escri-
ta continua imprescindível para a comunicação entre os pares e entre os cien-
tistas e a sociedade.
Não se espera de um pesquisador ou cientista que produza textos perfei-
tos, mas, no mínimo, que dê importância à redação, em respeito ao leitor. Ao
construir textos claros, corretos, objetivos, concisos e precisos, favorece a
disseminação de seus trabalhos. O texto bem escrito, refletindo pesquisa de
qualidade reconhecida, mantém maior chance de ser publicado e poupa ao
público-leitor a execução de complexos exercícios mentais para compreendê-lo.
Por fim, é essencial a compreensão de que a redação científica não massifica
a escrita. Em posição oposta, atua como facilitador para que cada um desen-
volva estilo próprio. Normas de citação e de referência, elaboração de ilus-
trações segundo padrões nacionais ou internacionais, ou quaisquer outros
ditames, em nenhum momento cerceiam criatividade e criticidade e, sobre-

*% G. L. Volpato, Ciência: da filosofia à publicação, cit., p. 189.


COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

tudo, não “enformam? os estilos. Inexistem escritores no mundo (cientistas


ou não) que escrevam de modo tal e qual, como comprovam experiências em
oficinas de redação técnico-científica sob nossa responsabilidade. De forma
similar, diante de um mesmo texto, leitores do mesmo nível de escolaridade
podem reacionar de formas radicalmente distintas, impulsionados por re-
pertórios cognitivos também diversos. São elementos relacionados com a
experiência individual, e, portanto, intransferíveis. Na leitura interna atre-
la-se inevitavelmente a carga ideológica dos autores e leitores, vez que, inde-
pendentemente da tentativa (válida, infindável e justificada) da objetivação,
os pesquisadores, como seres humanos, carregam consigo uma história de
vida, traspassada por valores, crenças e ideais de teor ideológico, teor este
que deve ser reconhecido e “domado”.
Sintetizando, a redação técnico-científica não é sinônimo de purismo,
mas de disciplina, para não impregnar a transmissão da C&T com
direcionamento parcial. Isto amplia a responsabilidade de avaliadores e edi-
tores, pois a presença de traços fortes do pensamento ideológico do autor
pode comprometer a coerência e a consistência das informações, parâmetros
essenciais à produção técnica-científica.

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39
O editor e a revista científica:
entre “o feijão e o sonho”
cc sou

Maria das Graças Targino * Joana Coeli Ribeiro Garcia

Introdução
Homem. Livro. Escrita. Comunicação. Ciência. Tecnologia. Editoração.
Termos que, inexoravelmente, em algum momento, se entrelaçam e se fun-
dem. O anseio do homem em dominar a natureza, por meio de instrumentos
de trabalho, da domesticação de animais, do manuseio e da queima de cerá-
mica, da moldagem de metais, da navegação à vela, da criação de símbolos
representando os sons vocais, compõe, entre outros, os vestígios tecnológicos
que permitem reconstruir a passagem do homem no tempo e no espaço.
Nesta passagem do homem ao longo dos séculos, está a editoração. Mecâ-
nica ou eletrônica é concebida como o conjunto organizado de atividades
objetivando registrar e, por conseguinte, armazenar e/ou perpetuar infor-
mações e conhecimentos, mediante a preparação técnica de originais para
publicação, o que pressupõe revisão de forma e/ou de conteúdo, excluindo-
se as atividades referentes à produção gráfica, em parte ou no todo.
No centro deste processo está a figura do editor. Do ponto de vista
etimológico, editor (do latim editore) é aquele que edita. É o responsável pela
supervisão e preparação de textos em distintas publicações, pelo ato de pu-
blicar textos de qualquer natureza, estampas, partituras, discos, etc. Em qual-

41
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

quer acepção, seja o editor de arte (projeto gráfico-visual das publicações),


seja o editor de som e/ou de videoteipe (VT, edição de materiais sonoros na
produção de filmes, programas televisivos ou radiofônicos, peças teatrais,
textos eletrônicos e outros produtos), seja o editor de imagem (inserção de
ilustrações nas obras), seja o editor literário (organização e publicação de
textos de um ou diferentes autores), seja o editor crítico (edição crítica de
textos, de forma a atrair o interesse dos leitores), o fato é que, não obstante as
diferentes denominações e diferentes contextos, o editor é, essencialmente,
quem concretiza atividades de editoração mais ou menos complexas.
O editor se perpetua desde as inscrições e pinturas rupestres. Vai das ca-
vernas ao mundo da informática, vez que, agora, o termo designa até mesmo
softwares de textos eletrônicos, como Microsoft Word (Microsoft) e Corel
WordPerfect (Corel Corporation). A partir da escrita, eram os copistas que
reproduziam as obras e, portanto, atuavam como editores, ainda que, algu-
mas vezes, alterassem os originais e dificultassem a leitura. Com a vinda de
dom João VI para o Brasil e o consequente advento da imprensa, oficialmen-
te, no ano de 1808, a função de editor foi exercida por tipógrafos, com a
ajuda dos impressores. A princípio, o editor era, ao mesmo tempo, o erudito
que apurava e depurava o texto, além de copiá-lo. Depois de Gutenberg, o
erudito passa a atuar como editor no sentido mais recente do termo, e o
editor assume o papel do publisher, denominação adotada nos Estados Uni-
dos tanto para o estabelecimento que publica textos como para o profissio-
nal que se encarrega de sua publicação.
Na atualidade, o editor persiste como o responsável pela publicação de
obras literárias, científicas, artísticas, musicais e eletrônicas. Mas diante do
avanço tecnológico e da mercantilização crescente da produção intelectual
e cultural, científica e tecnológica, ele assume novas feições, entre elas, a de
ser capaz de lidar com a comercialização dos produtos sem perder de vista
a qualidade e, também, de enfrentar as questões éticas que permeiam a
relação entre os atores sociais presentes na editoração, tema explorado no
capítulo “A ética na revista científica”, na página 97. Verdade que para os
editores comerciais, o lucro é a meta máxima. Para os editores de publica-
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

ções científicas, o lucro cede lugar à premência crescente de autogestão e,


também, de maior autonomia e liberdade.
A este respeito, Ênio Silveira, à frente da Civilização Brasileira por mais de
quarenta anos, afirma que, em termos concretos, o editor deve se preocupar,
simultaneamente, com “o feijão e o sonho” — expressão extraída da obra homô-
nima de Orígenes Lessa. Ao editar uma obra, esta deve conferir lucro à casa
editora, para garantir a subsistência dos que dela dependem, sem esquecer, no
entanto, o lado artístico, a fim de contribuir com o engrandecimento do mer-
cado de bens culturais do país e ampliar o patrimônio cultural da população.
Em se tratando dos editores científicos, “o feijão e o sonho” se fundem: “o feijão”
corresponde à luta de sobrevivência (o “grande lucro”), que conduz, por sua
vez, ao “sonho” de assegurar a credibilidade do título em pauta.
No Brasil, segundo a Lei nº 10.753, de 31 de outubro de 2003, que institui
a política nacional do livro, art. 5º, inc. II, editor é tanto a pessoa física como
a pessoa jurídica que adquire o direito de reprodução de livros, dando-lhes
tratamento adequado para sua utilização. Trata-se de lei que define autor e
editor de forma inteiramente restritiva, vinculando-os única e exclusivamen-
te ao livro. No entanto, nosso interesse, neste texto, recai sobre a atuação do
editor pessoa, mais especificamente, daquele que atua na esfera dos títulos de
periódicos/revistas técnico-científicas ou científicas, incluindo as revistas aca-
dêmicas que seguem preceitos científicos.”
E mais, interessa-nos tão-somente o editor científico. Isto porque, ao
editor em geral cabem variadas responsabilidades, em consonância com as
singularidades de cada título e com a formação da equipe. Como Bishop e

* TJ. P. Ferreira (org.), Ênio Silveira (São Paulo: USP/Com-Arte, 2003).


* Inexiste consenso na classificação do que é ou não científico. Há a aceitação de preceitos, como:
a) títulos científicos, mais de 50% do conteúdo é de artigos assinados resultantes de pesquisas
científicas; b) títulos técnicos, mais de 50% é de artigos assinados, emitindo comentários, opi-
niões e pontos de vista; c) títulos de divulgação priorizam notícias curtas, informes e similares.
Cada vez mais, no entanto, há tendência para elevar o índice de artigos resultantes de pesquisas
na categorização de revistas científicas, a exemplo do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), cujo edital de 2007, específico para periódicos científicos, se
refere a 80%.

43
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Meadows” acordam, as grandes revistas mantêm editor científico e mana-


ging editor (editor gerencial). Em termos ideais, ao primeiro cabe, essencial-
mente, a seleção e avaliação dos conteúdos, enquanto o segundo é o
responsável pela editoração em si, com base na premissa de que pesquisa-
dores/cientistas/acadêmicos não têm familiaridade com a preparação téc-
nica de originais. No Brasil raramente identificamos essa dualidade, sobretudo
no campo das ciências humanas e sociais, por exemplo na comunicação
social e na ciência da informação.
Além disso, nosso interesse pelos periódicos/revistas, entre as obras cien-
tíficas, se justifica porque são eles que, graças à periodicidade, asseguram não
apenas informações atualizadas (pelo menos em termos ideais) como propi-
ciam conhecer pontos de vista distintos sobre um mesmo tema e permitem o
aprofundamento de questões variadas. Ainda favorecem a preservação do
conhecimento, sua difusão e o estabelecimento da prioridade científica, uma
vez que funcionam como instrumento de reconhecimento científico. No con-
texto acadêmico, constituem fenômeno sociocultural complexo. Consistem
em mais do que mecanismo de disseminação da pesquisa: relacionam-se com
o sistema de recompensa acadêmica e com o reconhecimento dos pares, exer-
cendo papel vital na validação das pesquisas executadas. Autores, editores e
usuários investem bastante na edição dessas publicações, o que prova a con-
tinuidade de sua importância na esfera da comunicação científica, em pleno
século XXI.
Por outro lado, cada vez mais cientistas, pesquisadores, acadêmicos e edi-
tores tendem a aceitar a produção e a distribuição da informação científica e
tecnológica (ICT) por meios eletrônicos. Até o final da década de 1990, per-
sistia entre eles a preferência pela revista impressa, com o uso do espaço
cibernético mais para o correio eletrônico do que para obter informações ou
publicar trabalhos. Estudo envolvendo 540 pesquisadores das cinco regiões
brasileiras constatou, na época, que esse fato decorria de condicionantes cul-

2 C. T. Bishop, How to Edit a Scientific Journal (Filadélfia: ISI Press, 1984); A. J. Meadows, À
comunicação científica (Brasília: Briquet de Lemos, 1999).

44
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

turais e sociais unidos à magia do papel, à comodidade da leitura via impres-


sos, e, sobretudo, à incerteza acerca do futuro das publicações eletrônicas.
Os temores, porém, vêm se dissipando ao longo dos anos, graças a fatores
distintos, tais como a adoção de avaliação nas revistas científicas eletrônicas
como recurso para garantir qualidade e credibilidade, e, principalmente, o
movimento mundial pelo acesso aberto à informação, além de alternativas
vigentes no meio eletrônico que conquistam espaço ao permitir ao cidadão
expressar idéias e pensamentos. Exemplos como o open source journalism (OS)),
voltado para a construção da notícia pelo homem “comum”, e a citada
tecnologia wiki, no artigo anterior, são mais do que meros artefatos tecnológicos.
Impõem-se como filosofia de atuação, que primam por disseminar informa-
ções atualizadas, de interesse geral e em diferentes línguas, favorecendo a parti-
cipação do grande público no fluxo informacional. São inovações que podem,
mais adiante, interferir nas formas tradicionais de editoração das revistas cien-
tíficas ou no processo de comunicação científica em geral.
Isto é, essas iniciativas reforçam as revistas científicas eletrônicas e alte-
ram feição e funções do editor. Neste sentido, de início, apresentamos noções
conceituais e tipológicas, para enfatizarmos os dilemas vivenciados por seus
editores científicos (nosso objeto central de estudo) em meio às funções que
lhes são destinadas. De modo que neste capítulo não se trata de teor inova-
dor, mas de síntese no que se refere à relevância do editor no contexto da
comunicação científica.

Revendo conceitos e...

Em termos conceituais, há quem utilize o verbete “editora” para designar


as organizações, públicas ou privadas, que têm a editoração de veículos im-
pressos e eletrônicos como atividade central. Revendo a palavra editoração,

1 M. das G. Targino, Olhares e fragmentos: cotidiano da biblioteconomia e ciência da informação


(Teresina: Edufpi, 2006).

45
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

no dia-a-dia, é ela polissêmica. Na visão de Rabaça e Barbosa,? assume três


sentidos. O primeiro diz respeito às tarefas restritas ao editor, entre as quais:
busca e seleção de originais; contratação de direitos autorais e de tradução;
definição de leiaute; distribuição de originais; marcações; copidescagem; re-
visões; supervisão gráfica, etc.
A segunda acepção, bem mais ampla, refere-se ao conjunto de tarefas que
incluem, além dessas atribuições, as tarefas do gráfico — composição, impres-
são ou disponibilização do material em rede —, do distribuidor — intermediação
entre editor e livreiro — e as do livreiro. Este coloca o material ao alcance do
público, lembrando que, na comunicação eletrônica, o livreiro dá lugar ao
vendedor, teoricamente com atuação mais ampla. Tal conceituação cobre todas
as etapas do processo: a) fase pré-industrial — funções próprias do editor, como
busca e triagem do material; b) fase industrial - composição, impressão e aca-
bamento; c) fase pós-industrial - promoção e comercialização do produto. O
terceiro significado é ainda mais elástico e comporta a editoração de qualquer
suporte de difusão cultural, como disco, microfilme e compact disc (CD).
O termo “edição” — terceira acepção — também possui vários significados.
Nomeia o conjunto de exemplares da mesma obra, resultantes de uma ou
várias tiragens, desde que não constem modificações substanciais de uma
para outra. Designa a unidade de periodicidade de uma publicação — cada
número de jornal, revista ou qualquer outra publicação periódica. Pode sig-
nificar o mesmo que montagem e ser sinônimo de editoração, quando deno-
mina o conjunto das atividades relativas à produção, publicação e distribuição
de textos, impressos ou não, em quaisquer veículos.
Edição e editoração, editor e editora são termos empregados indistinta-
mente. Como visto, o editor pode ser a pessoa ou a instituição, com fins
comerciais ou não, que disponibiliza ao usuário produtos, sob formatos di-
versificados, atuando como intermediário entre autor e mercado consumi-
dor. Em outras palavras, algumas editoras comerciais e institucionais estão
assumindo a distribuição, ou seja, o conjunto de operações mediante as quais

5
C. A. Rabaça & G. G. Barbosa, Dicionário de comunicação (2º ed. São Paulo: Campus, 2002).

46
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

produtos e serviços são colocados à disposição dos consumidores em livrarias,


postos de venda, bancas, feiras de livros e demais alternativas.
Neste caso, o termo “editor” confunde-se com “distribuidor” mas em con-
sonância com o alcance do veículo e o perfil do público-alvo, a instituição-
editora pode recorrer a empresas comerciais, cooperativas, associações,
conselhos profissionais, sindicatos e outros meios que garantam tanto a au-
diência local como regional, nacional e internacional, e, portanto, a consoli-
dação dos títulos na comunidade acadêmica e científica, favorecendo sua
indexação em bases de dados nacionais ou estrangeiras.
Ademais, o termo “editor” pode nomear a entidade ou o indivíduo que cria
e mantém, do ponto de vista econômico e jurídico, uma ou mais publicações
periódicas. Também pode designar a pessoa física que está à frente da coorde-
nação das comissões editoriais, quando se emprega a terminologia editor res-
ponsável, ou, simplesmente, editores. A título de exemplo, os professores e
pesquisadores brasileiros Cicilia M. K. Peruzzo e Edgard Rebouças, que estão à
frente de Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação (análise do
fascículo referente ao segundo semestre de 2007), da Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), são os editores cientí-
ficos responsáveis pelos conteúdos publicados, segundo distinção referendada
por Meadows.” À Editora Paulus compete somente a impressão.

.. tipologia
Afora a discussão conceitual, na atualidade, há diferentes tipos de editoras.
Como qualquer forma de classificação, o arranjo proposto, ainda nos anos
1990, pelo norte-americano Donald W. King não é aceito consensualmente
por editores e estudiosos, mas ainda está em voga nos dias de hoje. Consiste,
fundamentalmente, em agrupar as editoras de acordo com a natureza da

S Ibid.
A. J. Meadows, À comunicação científica, cit.

47
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

instituição a que estão atreladas, levando em conta, por conseguinte, os ob-


jetivos institucionais. As editoras podem, então, ser assim categorizadas: a)
sociedades científicas e associações profissionais, como American Association
for the Advancement of Science e Intercom; b) instituições educacionais
(Carnegie-Mellon University e Editora da Universidade de São Paulo —
Edusp); c) indústrias e empresas, como Bell Laboratories e Unimed; d) agên-
cias governamentais (Government Printing Office e Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística — IBGE); e) instituições que não priorizam o lucro (o
que não impede que busquem autonomia financeira), como Urban Institute
e Fundação Getúlio Vargas (FGV); e f) outras entidades que não se enqua-
dram nos grupos anteriores.
Essa diversificação mostra que, se nos primórdios, nos moldes da Royal
Society of London, a difusão do saber científico figura como encargo exclusivo
das sociedades científicas e associações profissionais, na sociedade contempo-
rânea registra-se incursão crescente das instituições de ensino superior (IES) e
institutos de pesquisa. Diante da possibilidade de negociação da produção ci-
entífica e da revista científica, IES e institutos de pesquisa, além de sociedades
científicas e associações profissionais se unem às editoras comerciais, em regime
de parceria. Isto é, primeiro as revistas são de responsabilidade direta dos pes-
quisadores, e, indireta, dessas sociedades e associações. Com a expansão da
indústria da informação, as revistas viram business. Agora, a comunidade cien-
tífica tenta reassumir o controle em parceria com as editoras comerciais.
A realidade norte-americana, por exemplo, registra significativa interfe-
rência das grandes universidades, que, em geral, possuem boas editoras. As
sociedades científicas também têm representatividade no mercado editorial
de títulos de revistas, a exemplo da American Astronomical Society (AAS).
Texto de Willinskyº sobre a viabilidade econômica de revistas eletrônicas de
acesso aberto entre essas instituições atesta que a AAS atinge faturamento

J. Willinsky, “Scholarly Associations and the Economic Viability of Open Access Publishing” em
Open Journal Systems Demonstration Journal, 1 (1), 2005, disponível em http://pkp.sfu.ca/ojs/
demo/present/index.php/demojournal/article/viewArticle/6/11, acesso em 16-1-2008.

48
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

anual de quase US$ 6 milhões advindos da edição de três únicos títulos de


periódicos, e isso em um orçamento global de US$ 8 milhões. Seus dois títulos
principais (Astronomical Journal e Astrophysical Journal) são editados pela
Universidade de Chicago, enquanto a AAS assume a editoração somente do
Bulletin of the American Astronomical Society. Os 2.400 sócios da AAS (com
uma anuidade de US$ 110 cada um) recebem cópia grátis do Physics Today e
de newsletters (informes sobre a instituição e sua área de atuação), além da
redução de US$ 50 no acesso eletrônico dos três títulos.
Para o autor referenciado, os títulos de periódicos favorecem economia
significativa, uma vez que estão nos dois formatos e permitem formas de
acesso aberto, o que significa dizer que se pôem mais e mais disponíveis ao
público-alvo. Eis o exemplo do paper de David Rusin, The Expected Properties
of Dark Lenses, divulgado no Astrophysical Journal, vol. 572, nº 2. De início,
em novembro de 2001, o autor submeteu o texto à revista, com aceite em
fevereiro de 2002 para edição em junho do mesmo ano. Em maio, dispo-
nibilizou cópia atualizada no arXiv.org, repositório de electronic prints (e-
prints), com o comentário: “versão final com correções mínimas, 18 páginas,
ApJ junho 20 2002”. Informava, assim, que o paper estava simultaneamente
disponível tanto no citado Journal (formatos impresso e eletrônico) como
no serviço de e-prints. Os filiados da AAS tinham, assim, acesso ao artigo
tanto por valores reduzidos, por sua condição de membro da sociedade,
como também por meio da assinatura da revista junto à biblioteca da uni-
versidade a que pertence.
Mesmo com esses exemplos estimuladores, A. Okerson, em dois artigos
intitulados The Missing Model... e Publishing through the Network... ambos
da década de 1990 (bem antes da emergência dos repositórios, dos anos 2000)
e revistos por Targino,” afirma que as editoras universitárias não editam nem
10% do que é produzido por seus profissionais, embora as assinaturas de
periódicos representem cerca de 66% dos recursos destinados à aquisição de
material das bibliotecas norte-americanas, produzido por editoras de natu-

2 M. das G. Targino, Olhares e fragmentos: cotidiano da biblioteconomia e ciência da informação, cit.

49
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A RFVISTA CIENTÍFICA

rezas distintas. Surpreendentemente, não há indícios de mudanças substan-


ciais a esse respeito. Ao contrário. Estudos recentes apontam tendência simi-
lar. Dados estatísticos de 123 bibliotecas afiliadas à norte-americana
Association of Research Libraries atestam, entre 1986 e 2004, aumento de
gastos de 273% com assinatura de periódicos em oposição a 63%, no caso de
livros. Entre 2003 a 2004, registra-se gasto médio superior a US$ 5,5 milhões
com assinaturas, ao tempo que, no mesmo período, os recursos eletrônicos
consomem cerca de 30% do orçamento destinado à formação de coleções.!º
Em contraposição, na Europa, salvo exceções (como Cambridge University
Press e Oxford University Press), nem instituições de ensino nem associações
profissionais ou sociedades científicas exercem funções editoriais significati-
vas, que extrapolem o território dos periódicos. O mesmo ocorre no Brasil,
onde as editoras comerciais “reinam” quase de forma absoluta em se tratando
dos livros, não obstante parcerias que começam a se fortalecer, a exemplo da
Editora Cortez, que já edita revistas acadêmicas, tais como a Revista Serviço
Social e Sociedade. Assim, diante da dificuldade de editoração de bons títulos
e, sobretudo, de se manter continuidade e regularidade, o cidadão brasileiro
ainda paga, no mínimo, três vezes para viabilizar a comunicação científica: o
custo das pesquisas, o pagamento dos salários dos pesquisadores e a manu-
tenção das bibliotecas, segundo síntese de Lemos.” E isto ocorre apesar da
cruzada em prol da edição de periódicos eletrônicos de acesso aberto, de
repositórios ou agregadores para uso gratuito das informações.
Em resumo, há distância expressiva entre as casas comerciais e as demais
editoras. Além do aspecto quantitativo quanto ao número de títulos publi-
cados, casas comerciais conquistam nichos do mercado e consequente desta-
que em certas áreas, pela qualidade das edições. No campo da comunicação
social, por exemplo, ainda que se registre certa dispersão, uma vez que, oca-
sionalmente, qualquer editora lança publicações na área, até por abranger
habilitações por si mesmas amplas (jornalismo, relações públicas, publicida-

9» A. A. B. de Lemos, “Periódicos eletrônicos: problema ou solução?” em Encontro Nacional de


Editores Científicos, 10, São Paulo, 30-11-2005.
" Ibidem.
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

de e propaganda, produção editorial, radialismo e cinema), algumas edito-


ras sobressaem. É o caso da Editora Atlas, da Summus Editorial e da Livraria
Martins Editora.
Em contraposição, a editoração de revistas científicas é quase zero. Estão,
quase sempre, sob o encargo de sociedades científicas e IES, a exemplo de
títulos consolidados, ou quase: Brazilian Journalism Research (Associação
Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo), Animus (Universidade Federal
de Santa Maria), Comunicação é Inovação (Universidade Municipal de São
Caetano do Sul), Comunicação & Sociedade (Universidade Metodista de São
Paulo, Umesp), Comunicarte (Pontifícia Universidade Católica de Campi-
nas), Estudos de Jornalismo e Relações Públicas (Umesp), Idade Mídia (Facul-
dade de Comunicação Social do Centro Universitário Alcântara Machado) e
a mencionada Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação.
Neste momento, revendo o panorama internacional, com o intuito de
compreender melhor a situação editorial dos títulos nacionais, é inevitável
citar a Elsevier Science. Impõe-se tanto pelo número elevado de títulos que
produz como pela relevância do material e pelo alcance. Com 125 anos de
existência, publica dois mil periódicos e 17 mil livros, dos quais 1.900 são
novas edições. Reúne sete mil editores, 70 mil referees, 200 mil revisores e 500
mil autores, com a ressalva de que suas edições privilegiam a língua inglesa,
contendo os artigos mais relevantes de pesquisa científica, segundo dados do
site http://www.elsevier.com.
Seu nível de circulação é surpreendente. Seus produtos incluem informa-
ções científicas nos três níveis. As publicações primárias, originadas de pes-
quisas com interferência direta do(s) autor(es), são difíceis de serem localizadas
pela dispersão na produção, divulgação e controle, possuindo, porém, infor-
mações atuais sobre as diversas áreas do conhecimento. As publicações se-
cundárias possibilitam o uso dos conteúdos das fontes primárias pela filtragem
e organização dessas informações, de acordo com finalidades ou áreas a que
se propõem, exemplificadas em manuais, bibliografias, enciclopédias, dicio-
nários, revisões de literatura, tabelas, anuários, etc. E, ainda, publicações
terciárias distribuídas ao redor do mundo por meio de extensa rede que in-

51
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

corpora operações editoriais, de marketing e de distribuição. Além da


Holanda, onde está a matriz, a Elsevier Science possui ramificações em outras
nações européias, como França, Inglaterra, Irlanda e Suíça. Chega aos Esta-
dos Unidos, ao continente asiático (Cingapura, Japão) e à Oceania, onde se
faz presente na Austrália. São, aproximadamente, 70 escritórios em 24 países.
Por fim, chamamos a atenção para o fato de que a atuação das editoras
merece discussão em relação a uma série de pontos, entre eles: (1) centraliza-
ção em torno de um núcleo de elite; (2) emergência contínua de títulos im-
pressos e eletrônicos de periódicos; (3) desigualdade da produção de revistas
do ponto de vista geográfico, com concentração nos Estados Unidos; (4)
desempenho das empresas européias e sua internacionalização gradativa, pois
como a Europa engloba países pequenos com idiomas diferentes, há estímulo
para a adoção do inglês em suas publicações, como ocorre com a Elsevier
Science.
São pontos que expõem a complexidade da produção da revista científica e,
por conseguinte, da ação dos editores, no Brasil ou fora dele. Além da primazia
editorial norte-americana, que acentua a condição dos países terceiro-
mundistas mais como consumidores de informação do que como produtores,
e do desempenho de conglomerados editoriais que “sufocam” iniciativas mais
“ingênuas” no contexto mundial, há nítida tendência à formação de elites, que
integra, como inevitável, autores e editores. Sem descer a detalhes, uma vez que
é tópico mais pertinente a discussões sobre autoria e produção, envolvendo
preceitos, como a Lei da Produtividade ou Lei de Lotka, é fato que os cientistas
de maior prestígio escrevem nos periódicos de maior prestígio e citam os que
também publicam ali. Isto é, a ciência é feita por poucos. Segundo a visão do
brasileiro Cláudio de Moura Castro, os cientistas agraciados pelo prêmio Nobel
constituem arquétipo significativo: publicam desde cedo e continuam produ-
zindo por tempo mais longo, atingindo a média de 3,9 trabalhos anuais.
É o chamado “efeito Mateus”, em analogia ao Evangelho Segundo São
Mateus: os melhores se tornam melhores e os mais fracos, mais fracos ainda;
a cada um que tem, será dado mais, mas daquele que não tem será retirado
mesmo o pouco que tem. Quer dizer, o mercado editorial (leia-se editores
to
in
O EDITOR É A REVISTA CIENTÍFICA

científicos e comerciais) concorre para a consolidação da “vantagem


acumulativa”. A princípio, os pesquisadores reconhecidos como importantes
para a ciência são motivados e até pressionados por colegas e pela instituição
a manter seu prestígio, mediante novas publicações. Esse reconhecimento
facilita a execução de suas pesquisas, incluindo verbas, mais tempo, assisten-
tes competentes, fontes informacionais diversificadas e apoio dos pares, o
que interfere diretamente na produtividade. Em sentido contrário, o cientis-
ta que publica pouco ou não tem seu trabalho valorizado tende a reduzir
suas atividades, por falta de incentivo e de recursos.
Nessa mesma linha de raciocínio, a valorização dos cientistas dos países
periféricos é bem mais difícil, do ponto de vista editorial. Em qualquer ins-
tância, é difícil ultrapassar os portões das grandes editoras internacionais e se
incorporar ao universo dos autores que estão na linha de frente dos periódi-
cos de circulação mais ampla. Ainda para Castro,” o Brasil produz uma
ciência de consumo interno. E isto é verdade, sobretudo em se tratando das
ciências humanas e sociais (CHS), com a inclusão comunicação social. As
justificativas existem. As ciências da vida e engenharia, as ciências exatas e da
terra são as que mais publicam no exterior, vez que são mais universais do
que as CHS. Se há questões sociais, econômicas e culturais peculiares a países,
regiões ou estados (como a seca do Nordeste brasileiro por exemplo), inexiste
física peculiar ao Sudeste ou uma química escandinava. Logo, os cientistas
das áreas básicas dirigem-se a um público mais amplo; assim sendo, têm mais
chances de reconhecimento. Aliás, é exatamente por serem reconhecidos fora
do país que têm maiores oportunidades de alcançar prestígio nacional.
Além dessa questão, há a limitação do português, advinda da pouca
representatividade no cenário da ciência e tecnologia (C&T) e, portanto, no
fluxo de comunicação das nações que o adotam como língua nacional. A
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com sede em Lisboa (Portu-
gal), reúne Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portu-

2 C.deM. Castro, “Festa de brasilianistas, caboclos e diáspora”, em Veja, 30 (46), São Paulo, 19-11-
1997, pp. 128-129.

53
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

gal e São Tomé e Príncipe. Além dessas nações, na Ásia, o português sobrevive
só em Goa (Índia). Em Damão e Diu (Índia), em Java (Indonésia), em Macau
(ex-colônia portuguesa), no Sri Lanka e em Málaca (Malásia), são falados
dialetos que mantêm do português quase somente o vocabulário. Assim, para
Castro, ao cientista social restam duas opções: publicar no exterior, o que
prevê o uso do inglês como idioma, conseguindo, talvez, algum prestígio,
“[...] mas exilando o trabalho do mundo caboclo. É o esquecimento com
glórias”, ou publicar via editoras locais/nacionais, com maior chance de ser
lido, mas estimulando “[...] certo incesto intelectual, arriscando explicações
tupiniquins para fenômenos universais [...]”
A dimensão quantitativa dos periódicos científicos, por sua vez, também
constitui questão polêmica do ponto de vista editorial e de produção cientí-
fica. A produção de um país é avaliada com relativa facilidade. Só que esses
números nada dizem, salvo se confrontados com os dados de outras nações,
e as comparações internacionais trazem sempre dificuldades e ambigúidades,
por sua amplitude. A priori, há questionamentos sobre a própria concepção
e as características do periódico científico, como discutido por Bishop,!* já
em 1984, e, posteriormente por Meadows.” Exemplificando: publicações
como o Annual Review of Information Science and Technology, que não contêm
contribuições originais à ciência, mas somente revisões de literatura, são ci-
entíficas? Quanto de contribuição original um periódico precisa ter para ser
considerado científico? Como mensurar o nível de originalidade? E assim por
diante.
E mais: a problemática envolve publicações que “nascem” e “morrem”. Há
os que se fundem num só título ou, ao contrário, bifurcam-se, tal como o
Philosophical Transactions e o IEEE [Institute of Electrical and Electronical
Engineers] Transactions, que, na atualidade, conforme dados de janeiro de
2008, constitui uma “família” de 132 publicações periódicas de naturezas dis-

5 Ibid., p. 128.
4“ C.T. Bishop, How to Edit a Scientific Journal, cit.
5 A. J. Meadows, À comunicação científica, cit.

54
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

tintas. Há títulos que mantêm, simultaneamente, os formatos impresso e


eletrônico, com poucas mudanças, tal como a citada Intercom. Outros pas-
sam do papel para o eletrônico, como Informação & Sociedade: Estudos (Uni-
versidade Federal da Paraíba — UFPB). Há os que desaparecem e, depois,
reaparecem, como as revistas em comunicação Ícone, Signo e Cambiassu,
mantidas, respectivamente, pelas Universidades Federais de Pernambuco, da
Paraíba e do Maranhão. Há de tudo ou quase tudo no novo mundo editorial
das revistas técnico-científicas.

Entre “o feijão e o sonho”


Assim, diante desses itens que interferem na atuação do editor, compro-
vamos a dubiedade de seu trabalho. Se há um lado romântico que permeia as
atividades do editor, quando se considera a produção do texto, literário ou
não, trabalho artístico impregnado de sonhos e sentimentos, à semelhança
de uma escultura ou de uma jóia perfeitamente burilada ou de um jardim
planejado milimetricamente,!º o editor científico enfrenta rotina árdua de
trabalho, sintetizada em tópicos por Greene.” Quer dizer, para o editor pes-
soa física, de quem depende bastante a qualidade e o prestígio da revista, é
evidente que o espaço entre “o feijão e o sonho” tem início com o perfil do
profissional selecionado para desempenhar as funções inerentes ao cargo.

PRÊ-REQUISITOS E HABILIDADES

São imprescindíveis ao editor científico certos pré-requisitos e habilida-


des. A priori, precisa acompanhar a política nacional em C&T, a fim de se
inteirar sobre as tendências nacionais e internacionais, mantendo-se alerta
para disciplinas que emergem ou sucumbem, na filosofia do processo de

“ W. L. Kunsch, “O que é editar um texto?” em Estudos de Jornalismo é Relações Públicas, ano 2,


nº 3, São Bernardo do Campo, junho de 2004, pp. 38-48.
2 L.). Greene, “Dilemas do editor” em Workshop para Editores de Revistas Científicas, 2, Petrópolis,
17 a 20 de novembro de 1999.

55
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

gatekeeping. É essencial ter formação gerencial que lhe permita conviver com
as oscilações do mercado e com as transformações que afetam a sociedade
moderna, o que exige acurada capacidade de análise para decidir com
racionalidade, sem desprezar a criatividade e a regra de convivência com os
demais partícipes das atividades de editoração, do autor ao revisor. Logo,
precisa manter visão ampla de mundo, o que envolve conhecimentos gerais e
específicos (do produto gráfico e de mecanismos, métodos e sistemas de sua
produção), além de sensibilidade para lidar com suas limitações e com as dos
outros, assegurando clima de cordialidade entre os variados atores da
editoração e dando-lhes voz, com ênfase para os autores.

FUNÇÕES

É função primordial fixar a política editorial a ser seguida pela entidade e/


ou empresa e/ou título de periódico, mas, antes de tudo, assegurar sua manu-
tenção. A depender da estruturação da organização, o editor divide respon-
sabilidades com assessores reunidos em comissões editoriais (comitês ou
conselhos ou corpos), além de contar com membros externos para consultoria
ad hoc, expressão latina que significa “para isso” ou “por ocasião de”.
As comissões editoriais agregam especialistas com experiência e
credibilidade, preferencialmente, entre os pesquisadores da entidade mante-
nedora do título ou de entidades congêneres próximas, a fim de facilitar con-
tatos e reuniões. No caso do conselho consultivo, os integrantes podem atuar
num só número ou por um período restrito. É salutar que o editor científico
os localize em outras instituições, no mesmo estado ou fora dele, ou até em
outros países, levando em conta os temas tratados nos originais. Além disso,
é recomendável seu rodízio, com a intenção precípua de combater a endogenia
e certa acomodação, advinda, salvo exceções, de ações rotineiras e prolon-
gadas.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
considera que o membro do conselho consultivo, além das atribuições de
referee, deve indicar e incentivar o uso do periódico em sua área geográfica,
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

sugerindo o título a outros pesquisadores, possibilitando a ampliação de


artigos de autores de instituição diversa da editora. Isto leva a crer que a
formação desse colegiado constitui elemento fortemente indicativo, quando
da classificação de um título para inserção em sua Base Qualis de Periódicos
Científicos, que, inevitavelmente, traz subjacente a atuação eficaz do editor
rumo à política editorial adequada à realidade em que o título da revista está
imbricado. E a renovação dos consultores, fixos ou ad hoc, é sempre reco-
mendável. É benéfica para todos os atores envolvidos: autores, cujos origi-
nais recebem novo olhar; avaliadores, que podem assumir novos encargos;
editores, que ouvem opiniões diferenciadas; especialistas e público, que usu-
fruem novas idéias; e, por fim, o próprio título, que se mantém “arejado” e
distante do risco de estagnação.
Além do mais, o próprio editor científico não deve continuar à frente da
publicação por muito tempo nem deve mudar constantemente. No primeiro
caso, há riscos de acomodação; no segundo, de instabilidade, dificultando à
revista firmar identidade e assumir “cara” própria. O problema é exatamente
delimitar o tempo ideal, o que exige certo feeling e avaliações sistemáticas em
relação à vida do título, cobrindo itens como total de artigos submetidos,
aceitos e rejeitados; procedência e vinculação profissional dos autores e ava-
liadores; tiragem; aceitação; qualidade tipográfica; circulação; encalhe e
outros.
Em qualquer instância, a manutenção de um corpo editorial dá segurança
aos pares, que se sentem confiantes em utilizar os conteúdos veiculados. É pre-
ciso, contudo, atenção não só para a existência formal dessas comissões: o im-
portante é sua fidedignidade, até porque seria hipocrisia negar que há sistemas
de arbitragem “faz-de-conta”, tanto pela falta de qualificação dos membros
como pelo clima de subjetivismo e “compadrio” que ronda as decisões finais.
Tudo isso mostra que a manutenção e a consolidação de uma linha edito-
rial exigem do editor científico o cumprimento de funções diversificadas e
adaptáveis a cada realidade. A depender da equipe ou da existência do editor
gerencial, sua prática rotineira inclui, além da execução de tarefas “braçais”

57
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

antes citadas (copidescagem, revisões, supervisão gráfica, etc.), decisões so-


bre o que publicar, o que priorizar, em que novas especialidades investir,
como incentivar as áreas emergentes, como estimular a diversificação temática,
como assegurar a sintonia entre oferta e demanda, como implementar proje-
tos renovatórios e, principalmente, como fortalecer os filtros de qualidade.
Ademais, como previsto por Bishop no livro clássico do campo da
editoração, How to Edit a Scientific Journal, ao editor, na condição de gatekeeper,
compete manter-se a par das novidades na área e filtrar as informações para
os pares, assumindo a intermediação entre autores e leitores, para decidir o
que o público vai ler. Isto é, o termo gatekeeper é empregado no campo edito-
rial (a partir da terminologia keeper = quem guarda; gate = portão), como
“porteiro”, e significa integrar e conciliar os interesses diversificados dos au-
tores, do público, da editora, da gráfica, do título, da especialidade e do
próprio editor, estimulando interações efetivas entre autores, tradutores,
assessores ou consultores, sociedade e leitores, instituição mantenedora e even-
tuais anunciantes. Estes últimos, apesar de certa resistência, ganham espaço
nas revistas científicas como estratégia de financiamento e, então, como ga-
rantia da periodicidade regular e circulação ampla. A inclusão de material
publicitário não é sinônimo de perda de qualidade ou de infração a princípi-
os éticos. Requer, no entanto, cuidados mínimos: seriedade dos anunciantes,
inserção de material de importância do público ou com afinidade com os
temas tratados pelo título, função dos produtos veiculados, etc.
Retomando as funções do editor científico, mesmo que sua formação re-
sulte da experiência empírica, que requer, em média, oito anos," o importan-
te é o domínio da área de conhecimento para exercer o controle de qualidade.
E o ideal é que possa, de fato, contar com os managing editors, com conheci-
mento na área e que exerçam sua função em tempo integral, auxiliando os
pesquisadores/cientistas/acadêmicos que estão no comando dos periódicos.
Entretanto, no cotidiano, especialmente nas IES brasileiras de pequeno por-
te, a realidade não comporta tal distinção. O nível de profissionalização fica

8 C,T. Bishop, How to Edit a Scientific Journal, cit.


O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

comprometido. O editor científico exerce funções paralelas, como docente e


pesquisador. Há falta de incentivo salarial para arcar com mais uma respon-
sabilidade. Na maioria dos casos, como relatado por Garcia e Targino,” os
editores são docentes. Sem vivência e sem formação, irremediavelmente re-
correm ao “treino em serviço”. E, o que é mais grave, com frequência extrapo-
lam as funções intrínsecas ao cargo de editor e assumem a intermediação
entre editor e livreiro, além da distribuição dos exemplares, por doação,
permuta ou venda.
Às vezes, tudo se dá sem obediência a um cronograma de ações, essencial
ao fluxo das revistas. Por conta disso, as autoras ora referendadas disponi-
bilizam diferentes formulários, acessíveis gratuitamente na internet e adap-
táveis à realidade de cada título, indo desde o modelo de avaliação até o
acompanhamento de estoque de exemplares, num total de dezessete mode-
los, disponíveis em http://www.ies.ufpb.br. É uma tentativa de facilitar o
acompanhamento do fluxo editorial como um todo, haja vista a impossibili-
dade quase generalizada de manter um editor científico e um editor gerencial
à frente das revistas nacionais, mantidas por universidades, institutos de pes-
quisa, associações e sociedades científicas e/ou profissionais.
Consegiuentemente, de forma sucinta e quiçá mais didática, seguem fun-
ções operativas do editor científico, extensivas aos títulos impressos e eletrô-
nicos:
* definir o perfil básico e a linha de atuação do título de periódico, deli-
neando política e normas editoriais, além de parâmetros gráficos
(leiaute /diagramação, número de papers e páginas, formato, etc.), em
consonância com as expectativas da instituição mantenedora e do
público-alvo;
* criar políticas e projetos editoriais renovadores, que devem incluir a
decisão de alinhamento ao open access e, por conseguinte, as regras de
direitos autorais que o título adotará;

2» J. C. R. Garcia & M. das G. Targino, “Reestruturação de Informação & Sociedade: Estudos;


periódico do Curso de Mestrado em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba”,
em Informação & Sociedade: Estudos, 9 (1), João Pessoa, 1999, pp. 87-135.

59
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

representar, formalmente, o título, sempre que necessário;


presidir as reuniões da comissão editorial (ou similar), executando as
deliberações aprovadas;
acompanhar o mandato dos membros da comissão editorial (ou
similar);
definir os membros do conselho consultivo;
assegurar sistema de avaliação ágil, construtivo e interativo;
executar as políticas orçamentária e financeira;
negociar fontes de financiamento para a publicação, incluindo a inser-
ção de publicidade;
administrar o título de forma que se torne, no mínimo, auto-sustentá-
vel ou lucrativo;
realizar acordos sobre compra e venda dos direitos de reprodução;
estimular a produção de originais, atraindo autores e textos de alta
qualidade;
traçar diretrizes de divulgação do título, no contexto das bibliotecas e
centros de documentação, com ênfase, ainda, na sua indexação em
bases de dados e/ou inserção em portais de periódicos;
participar de feiras de livros, sessões de autógrafos dos autores e outros
eventos, que divulguem a editora e títulos em circulação;
apresentar relatórios sistemáticos à instituição mantenedora do título
de periódico;
executar atividades vinculadas a eventuais necessidades do periódico;
manter a publicação em linha independente e abrangente nos contex-
tos internacional, nacional, regional e local;
acompanhar os critérios de avaliação dos periódicos nas esferas nacio-
nal e internacional.
De modo subjacente a essas ações, o editor científico tem de estar atento à
busca de excelência e manutenção de padrões éticos e justos. Isto é, o editor
científico das revistas técnico-científicas desempenha papéis diversificados:
criador, gestor de políticas e de projetos editoriais, autor ele mesmo e incen-
tivador da produção intelectual e científica dos que integram o público em

0
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

potencial do título, árbitro justo e transparente, conselheiro e, ainda, defen-


sor da liberdade editorial.

“O feijão e o sonho” continua


Tudo ou quase tudo exposto até então se aplica ao mundo eletrônico, a
partir da revisão das funções operativas enunciadas, por uma razão simples:
os periódicos eletrônicos só são científicos se atentos aos critérios de
cientificidade vigentes para os impressos. Discutir o periódico científico não
é apenas reconhecê-lo como elemento facilitador do processo formal de co-
municação do conhecimento. É muito mais. A produção científica é, em sua
essência, produção intelectual. Consegiúentemente, os títulos científicos con-
figuram-se como “espelho” da ciência e da comunidade de cientistas de um
país e de uma disciplina, o que, em última instância, significa avaliar o pro-
gresso das nações, não importa se no formato impresso ou eletrônico.
A controversa expressão “periódico eletrônico” está sendo utilizada gene-
ricamente para qualquer título em formato eletrônico, o que subentende a
inclusão de revistas que existem em papel e estão também em formato eletrô-
nico, mais aquelas criadas para o meio eletrônico e disponíveis somente nesse
meio e as que estão em compact disc read only memory (CD-ROM). O periódi-
co científico eletrônico, por sua vez, designa somente aquele que dispõe de
mecanismos de controle e de avaliação. Ao contrário dos editores que se
limitam a construir um belo site e colocar os textos em portable document
format (PDE), a revista científica eletrônica mantém gestão dos conteúdos,
qualidade editorial, arquivamento permanente de matérias, recuperação
contextualizada, preservação digital, indexação e acesso universal. Em ou-
tras palavras, mantém padrões de revisão crítica, porque a qualidade é in-
trínseca ao comportamento científico e condição mínima para alterar o status
quo da ciência.
É indiscutível que a revista científica eletrônica não prescinde da figura do
editor, que exerce atribuições similares àquelas de quem atua no meio im-

61
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

presso, como visto antes, com ênfase para a manutenção da qualidade. Cabe
a cada um se adaptar à realidade específica, como ocorre no impresso, vez
que há políticas e projetos editoriais distintos. Estes envolvem, no contexo de
acesso aberto à informação, multiplicidade de opções, a começar pelo tipo de
contrato com o autor. São decisões que se refletem na questão ainda não
totalmente definida dos direitos autorais na sociedade de hoje, marcadamente
eletrônica.
Quanto à editoração em si, há também variações. Por exemplo, os artigos
são recebidos, submetidos à avaliação e disponibilizados na internet, sem
envolvimento de papel. Todo o processo editorial ocorre por meio de conta-
tos eletrônicos entre editores, referees e autores. A distribuição, ou seja, a
disseminação final dos conteúdos se dá via softwares específicos (servidor de
listas). À medida que volumes ou artigos são concluídos, os usuários cons-
tantes da lista recebem o sumário, o artigo integral ou o volume completo.
Tudo chega a seu computador. Versão não eletrônica, se requisitada, pode ser
fornecida como complemento ou como produto posterior.
Outros títulos pôem os novos artigos em circulação à medida que são
julgados e aceitos, ao passo que há os que se assemelham aos periódicos im-
pressos, agrupando-os em fascículos, para veiculação do conteúdo de uma
vez só. Há periódicos que aceitam a inclusão de gráficos e os que, ainda hoje,
Os rejeitam. Às vezes, o usuário tem acesso inicial ao sumário; outras vezes, só
ao resumo. Quase sempre é possível solicitar os textos completos, se interes-
sar. Muitos editores optam por publicar os artigos na íntegra. A diversidade
alcança o sistema de assinaturas desses títulos. Ao contrário dos impressos,
cujo valor está sempre à disposição para consulta, o valor dos periódicos
eletrônicos é bastante variado: depende da formação dos títulos e/ou fascícu-
los, do material requisitado pelo usuário, do tipo de contrato e assim por
diante. Há, inclusive, contratos com cláusula de non disclosure, impedindo o
consumidor de revelar o valor pago.
Essa multiplicidade de opções confirma as facilidades das inovações
tecnológicas e a mutação no modelo de business e no nível de flexibilidade de
editoras e de editores. As comunidades acadêmicas e científicas e da socieda-

62
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

de, mormente dos países periféricos, se fortalecem em torno dos títulos ele-
trônicos como forma de “libertação”, graças ao acesso facilitado a informa-
ções atualizadas, a custo zero. Não obstante a fragilidade dos números sobre
o mundo eletrônico, diante da expansão contínua, acredita-se que existam,
hoje, cerca de 70 mil revistas de acesso aberto no mundo, entre as quais calcu-
la-se que 25 mil são devidamente avaliadas. Por exemplo, o Portal de Revistas
Eletrônicas de Ciências da Comunicação (Revcom, http://revcom.portcom.
intercom.org.br), mediante acesso aberto ao texto completo de anuários,
jornais e revistas, visa tão-somente contribuir para o desenvolvimento da
pesquisa em ciências da comunicação lusófona.
Há casos, porém, em que, como qualquer subscrição eletrônica, o acesso
se dá via senha, tal como ocorre com o texto referendado de Tenopir,” alusivo
a revistas científicas de editoras comerciais, cujo acesso eletrônico é pago ou
gratuito somente para as entidades que possuem a internet licensing. A bem
da verdade, o termo subscrição/assinatura não é o mais apropriado, e sim
lease ou arrendamento, uma vez que os assinantes não “possuem” o material
eletrônico por cuja utilização pagam, e a preços não tão baixos, como ideali-
zado a princípio, o que reforça a premência dos periódicos eletrônicos de
acesso aberto e dos repositórios.
Neste caso, como descrito no Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Aber-
to à Informação Científica (http://www.ibict.br/openaccess/arquivos/
manifesto.htm), autores ou detentores das prerrogativas legais das contri-
buições devem conceder aos leitores “direito gratuito, irrevogável e irrestrito
de acessá-las” e disseminá-las em qualquer suporte digital, obedecendo aos
preceitos éticos da autoria. No caso dos editores, o movimento de apoio aos
open archives e ao acesso aberto à informação também prevê mudanças
comportamentais para as editoras, comerciais ou não. Em resumo: a revista
é totalmente aberta e gratuita ou permite que o autor coloque pelo menos
uma cópia de seu trabalho num repositório de acesso aberto (ver capítulo

» C. Tenopir, “Discovering the Magic: Faculty and Student Use of Electronic Journals”, em The
Serials Librarian, 49 (3), Binghamton, 2005, pp. 159-164.
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

“Repositórios versus revistas científicas: convergências e convivências”, na pá-


gina 111), de modo que o usuário final usufrua desse direito irrestrito de
acesso. Daí as prescrições do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia (Ibict):

A. É imprescindível que as editoras comerciais de publicações científicas:


Il. concordem em que os trabalhos por elas publicados com autoria de
pesquisadores que obtiveram recursos públicos para suas pesquisas
tenham uma cópia depositada em repositório de acesso aberto;
tenham disponível uma versão eletrônica, em ambiente de acesso aber-
9

to, das publicações impressas por elas editadas cuja autoria seja de
pesquisadores que obtiveram recursos públicos para suas pesquisas.
B. É recomendável que editoras não comerciais:
1. tenham disponíveis uma versão eletrônica, em conformidade com o

paradigma do acesso aberto à informação, das publicações impressas


por elas editadas;
2. adotem os padrões que estejam em conformidade com aqueles esta-
belecidos pela Open Archives Initiative (OAI).?

Além dessas decisões essenciais à sobrevivência dos títulos referentes à assi-


natura e à distribuição, os editores dos títulos eletrônicos também precisam
investir na interatividade. Afinal, essa chance de integração e interação entre
usuário e periódico, autor e leitor, impossível via material impresso, represen-
ta a dimensão mais revolucionária das redes eletrônicas no que concerne à
comunicação científica. É a época histórica de documentos dialógicos, que re-
fletem a natureza interativa da produção e do discurso acadêmicos.
Como decorrência, os editores científicos publicam, cada vez mais, co-
mentários dos referees e respostas dos autores. Incentivam, ainda, troca de e-
mails, emissão de opiniões, debates e formação de grupos de discussão entre
os atores do ciclo de editoração. É a revista científica eletrônica como meio

2 Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), Manifesto brasileiro de apoio


ao acesso livre à informação científica, disponível em http://www .ibict.br/openacess/arquivos/
manifesto.htm, acesso em 25-2-2008.
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

interativo e rumo à democratização da C&T. As noções de autor e leitor


fundem-se. O texto não é estático. A versão definitiva do texto não é mais
uma noção clara. Envolve um número crescente de acadêmicos que partici-
pam do processo de comunicação por meio de mudanças substanciais, trans-
formando-o num sistema instantâneo, globalizado e participativo. Os
preprints impressos dão vez aos e-prints, que ocupam espaço crescente em
nível de importância na organização da produção científica, conforme
Weitzel? comprova em tese de doutoramento.
Apesar de toda essa diversificação, é incontestável que nem autor nem
sociedade abrem mão do controle de aferição de qualidade. Todos os cuidados
acerca da peer review para as revistas científicas impressas, com a composição
de conselhos editoriais, aplicam-se às eletrônicas, e são agora aperfeiçoados,
graças ao feedback quase instantâneo. As imperfeições persistem, como em
qualquer sistema de avaliação, mas é possível mais eficiência, mais transpa-
rência e maior validação. É viável distribuição mais egúitativa, uma vez que
a seleção dos avaliadores pode obedecer a plano abrangente e universal, que
reduz o risco de “contaminação” incluindo nomes presentes em surveys, bole-
tins de discussão e citações bibliográficas, além de aceitar possíveis voluntári-
os, não importa sua localização geográfica, ampliando as chances de
participação dos cientistas em países periféricos. Outro item positivo é a ve-
locidade com que os manuscritos são enviados eletronicamente para apre-
ciação.
Tudo reitera a presença do editor como imprescindível tanto quanto no
meio impresso, porque as possibilidades de ampliação do número de leito-
res, da abrangência e do impacto do título editado são mais expressivas,
como decorrência da abertura propiciada pela própria internet, pela veloci-
dade maior do processo de editoração, por eventuais reduções de custo e,
sobretudo, pela acentuada chance de incluir melhorias contínuas.

2 S. da R. Weitzel, Os repositórios de e-prints como nova forma de organização da produção científica,


tese de doutorado em Ciências da Comunicação (São Paulo: Departamento de Ciência da Infor-
mação e Comunicação da USP, 2006).

65
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Em contraposição, o cuidado acerca do material veiculado, não só em


termos de redação como de conteúdo credível e consistente, persiste e amplia
a responsabilidade editorial. Mais do que antes, o editor precisa manter a
harmonia entre os textos que compõem um fascículo, caso a opção seja de
disponibilizar números e não trabalhos isolados, de modo a manter a
textualidade e a coesão redacional e a coerência quanto ao arcabouço
metodológico, sem que o título pareça disforme em si mesmo, pela discre-
pância de técnicas e métodos empregados.
De forma similar, mais do que antes, o editor precisa manter a harmonia
entre os envolvidos nas ações de editoração, para evitar o caos informacional e a
desarmonia. Esses aspectos por si sós fortalecem o Sistema Eletrônico de Editoração
de Revistas (Seer), software para construção e gestão de publicações periódicas
eletrônicas, desenvolvido originalmente pelo Public Knowledge Project (Open
Journal Systems — OJS) da Universidade British Columbia. No Brasil, foi traduzi-
do e customizado pelo Ibict, para repassá-lo aos editores de títulos eletrônicos,
favorecendo melhor padrão editorial para as publicações nacionais.
Assim sendo, o editor da revista eletrônica continua com as funções assina-
ladas no item anterior. A elas somam-se novos encargos, aqui sintetizados: a)
definição política dos rumos editoriais, o que requer acompanhar a discussão
internacional sobre comunicação científica e o movimento de acesso aberto,
com vistas a direcionar melhor o título e a disseminação dos conteúdos; b)
gestão empresarial, o que pressupõe delimitar, em termos gerenciais, a sobrevi-
vência da revista como business, assumindo a responsabilidade total da revista,
mediante ajuda do Seer, ou optando pelo regime de parcerias e, neste caso, o
tipo de parceiro e o tipo de parceria; c) habilidade tecnológica, o que deman-
da, além das habilidades e dos pré-requisitos antes mencionados, conhecimen-
to técnico para negociar com webdesigners ou webmasters e demais profissionais
de informática as opções mais favoráveis ao público-alvo, mas, sobretudo, o
domínio de como utilizar as potencialidades tecnológicas do espaço virtual,
mediante sistemas de indexação e de busca automática.

66
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

Para tanto, o editor pode se agregar a projetos, a exemplo da Red de Revis-


tas Científicas de América Latina y el Caribe, Espaíia y Portugal (http://
redalyc.uemex.mx) e do Directory of Open Access Journals (http://
www.doaj.org). A Redalyc é um projeto da Universidad Autónoma de Estado
de México (Uaem), com o fim de difundir a produção científica editorial pro-
duzida nos países da América Latina, do Caribe e da Península Ibérica ou sobre
eles. Sua proposta concreta consiste na criação e manutenção de hemeroteca
científica on-line e de acesso aberto, que funciona como ponto de encontro
para os interessados no universo ibero-americano. No caso do segundo, o Doaj,
sob a responsabilidade da Lund University Libraries Sweden, essencialmente
um diretório de revistas abertas, também tenta incrementar a visibilidade e o
uso dos conteúdos disponíveis por meio do acesso aberto, promovendo sua
disseminação e seu impacto, com atenção ao controle de qualidade. Os títulos
devem manter editor, comissão editorial e sistema de avaliação.
Em termos de Brasil, citamos a Scientific Electronic Library Online
(SciELO, http://www.scielo.org) e o Portal Revcom. A primeira resulta de
projeto conjunto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp) e do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciên-
cias da Saúde (Bireme), com o intuito de favorecer acesso amplo e irrestrito
à coleção crescente de periódicos nacionais e estrangeiros, disponibilizando
artigos na íntegra. Na verdade, o SciELO, tal como a Redalyc, criou uma
metodologia e um software, e oferece o serviço de editoração a editores. O
Revcom, por seu turno, na condição de portal de revistas eletrônicas
gerenciado pela Rede de Informação em Comunicação dos Países de Língua
Portuguesa (Portcom/Intercom), figura como elemento agregador das inici-
ativas da área de ciências da comunicação; portanto, está à disposição para
auxiliar qualquer editor desse campo a publicar seu título em formato ele-
trônico e texto completo, por meio de uma metodologia específica de traba-
lho. Atua ainda na gestão e avaliação integrada da performance de cada revista
e impacto na comunidade, bem como na administração da infra-estrutura
tecnológica de suporte feita com base no software aberto e gratuito Open
Journal System (OJS), da British Columbia University, no Canadá.

67
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Editores em meio aos fatores intervenientes:


síntese

Precisamos, enfim, visualizar pesquisador/cientista/acadêmico, seja na fun-


ção de editor ou de autor, como agente social, cuja produção técnico-cientí-
fica deve contribuir para projetos de transformação das relações sociais e da
ordem social. Como pesquisador e, por conseguinte, como autor, deve defi-
nir linhas de pesquisa ou de prioridades em consonância com as demandas da
população. Como editor, necessita vencer o círculo vicioso dos problemas
práticos das revistas científicas — editoração, periodicidade, distribuição, se-
leção de contribuições — para assegurar qualidade. E tudo isso requer ação
conjunta entre todos os integrantes da editoração, aliada à decisão política
dos gestores.
Nesse sentido, impresso ou eletrônico representa, essencialmente, formato.
O conteúdo verossímil é o elemento número um para o editor, que enfrenta,
em qualquer um dos suportes, dificuldades e entraves. Estes se iniciam com a
fragilidade terminológica que caracteriza seu domínio de atuação. O mais re-
comendável é rever a conceituação dos termos “editor”, “edição” e “editar”, não
a partir do verbo latino editare. É ir mais profundamente e identificá-los como
advindos do verbo eddere = dar à luz. Em sentido figurado, é igual a produzir,
expor, mostrar. Asseguramos, então: o editor, em diferentes facetas, ao enfren-
tar os dilemas inerentes a sua função, é, sobremaneira, quem dá vida à produ-
ção intelectual, seja literária ou não, diferentemente do que nos apresenta o
filme norte-americano produzido em 2006, O amor não tira férias (versão em
português), que reduz a figura do editor a mero revisor. Em se tratando da
editoração de obras literárias, vale registrar os depoimentos do escritor co-
lombiano Gabriel García Márquez na autobiografia Viver para contar, em dife-
rentes ocasiões alude à influência do profissional editor para a construção de
sua reconhecida obra.
Fora essa visão distorcida, outro entrave à atividade do editor é a mercan-
tilização da produção intelectual e científica. Como qualquer outro sistema
de informação, a ICT apresenta disfunções, uma vez que C&T são permeadas

68
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

pela ideologia inerente à sociedade capitalista. A ciência favorece a geração


de tecnologias para a reprodução do capital. Como resultado, hoje, como
ocorre com a imprensa, em geral, e com o jornalismo científico, em particu-
lar, C&T firmam-se como processos ideológico-mercantis. Inseridos no
sistema capitalista de produção, assimilam, além da dimensão simbólica,
conotação econômica, às vezes em detrimento das demandas genuínas da
sociedade, com sérias repercussões nas decisões que devem ser tomadas pelo
editor, em qualquer faceta — seja como editor científico, seja como managing
editor. É a ICT com traços e configurações de bens comerciais.
O terceiro obstáculo à ação dos editores das revistas científicas e, sem
dúvida, o mais grave é a multiplicidade de funções que lhe são impostas no
cotidiano. Ora, com fregiência, com ênfase para os que estão nas sociedades
científicas e associações profissionais, nas IES e nos institutos de pesquisa, eles
não possuem formação adequada para exercer as funções apontadas ao lon-
go do texto. Além do mais, como visto anteriormente, a maioria dos editores
acadêmicos mantém atividades múltiplas e enfrenta, no dia-a-dia, a concor-
rência das casas comerciais, com pessoal, em geral, mais bem treinado, pelo
menos no campo gerencial.
Outra dificuldade é a qualidade sofrível de número significativo dos origi-
nais enviados para submissão. Poucos manuscritos são aceitos sem mudanças
mais ou menos substanciais. Para Garcia e Targino? isso advém da pouca
formação do autor como leitor e redator, no decorrer de sua vida escolar, além
de fatores variados, como a falta de empenho e de sensibilidade, no sentido de
construir um texto mediante revisões sistemáticas (ver o capítulo “Redação de
artigo técnico-científico: a pesquisa transformada em texto” na página 17).
Para Kunsch,”* diante de textos malcuidados, surgem, sempre, perguntas
inevitáveis: “Pouca seriedade dos autores? Incapacidade mesmo de redigir? Sa-
bem o que estão querendo dizer? E, se sabem, sabem que não sabem como
transmiti-lo?”.

3 J.C.R. Garcia & M. das G. Targino, “Reestruturação de Informação & Sociedade: Estudos”, cit.
* W. LL. Kunsch, “O que é editar um texto?” cit., p. 40.

69
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Considerações finais
Por fim, o exposto descreve os dilemas vivenciados pelo editor dos títulos
de periódicos impressos e eletrônicos, ao tempo que posiciona a revista ele-
trônica como decorrência do avanço tecnológico, aliado à eficiência gradativa
das redes de transmissão e ao fato de a economia do sistema parecer interes-
sante e passível de aperfeiçoamento, com vantagens nítidas e desvantagens
discutíveis.
Entre os pontos positivos, e talvez o mais surpreendente depois da “onda
de temor” em divulgar trabalhos científicos na rede, é que tanto os cientistas
em geral como os próprios acadêmicos estão mais abertos às potencialidades
do espaço virtual. Pesquisa relativamente recente, de 2005, de Carol Tenopir,
sobre a utilização de títulos eletrônicos nas IES norte-americanas, deduz que
há incremento da leitura técnico-científica com a expansão da internet. Cer-
ca de dois terços do material lido pelos cientistas norte-americanos provêm
de fontes eletrônicas, ainda que a distinção entre as áreas persista, tal como se
dá em qualquer outra situação. Constata que, em astronomia, tal percentual
chega a 80%. Em oposição, surpreendentemente, os pesquisadores da área de
saúde continuam atrelados aos periódicos em papel.
Assim, da mesma forma que não resulta de passe de mágica, o periódico
em suporte eletrônico não pode ser considerado panacéia para a problemá-
tica que afeta os impressos, até porque, como qualquer outra tecnologia, não
subsiste isolada do contexto socioeconômico no qual se insere. São soluções
mais complementares do que competitivas, assimilando algumas caracterís-
ticas dos periódicos científicos convencionais, como a tipologia dos artigos, e
quase todas as funções dos editores. Isso contraria posições radicais, que vêem
os impressos como totalmente ultrapassados.
Ademais, como Meadows? reforça, há nichos a serem ocupados pelas al-
ternativas eletrônicas. Especialidades emergentes e que contam com poucos
cientistas, por exemplo, sempre enfrentam dificuldades para a editoração de

5 A.J. Meadows, À comunicação científica, cit.

70
O EDITOR E A REVISTA CIENTÍFICA

periódicos impressos. Com os meios eletrônicos, podem recorrer a voluntá-


rios que divulguem sistematicamente suas descobertas e, então, títulos alta-
mente especializados podem garantir audiência e colaboradores, de forma
contínua e sistemática.
Por outro lado, dentrg do objetivo macro deste capítulo, qual seja, discu-
tir a multiplicidade das fuções do editor como figura indispensável em meio
à comunicação científical é evidente que as alternativas eletrônicas carecem
do editor. E, por finy, lfmbramos também que a complexidade inerente à
funçãoldo editor nãh sg esgota neste capítulo nem em qualquer outro traba-
lho. Hh questões polêmicas e, talvez, sem resposta unívoca, uma vez que a
elas estão subjacentes Falores éticos, visão de mundo, nível de conscientização.
Por fin, é o eterpo dilema entre “o feijão e o sonho”, ou seja, entre a garantia
de sobrevivência e afbusca de prazer nos caminhos e descaminhos da atuação
editorial.

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72
Revistas científicas:
financiamento, recursos
tecnológicos e custos
Guilherme Ataíde Dias * Joana Coeli Ribeiro Garcia Ss

Introdução
A finalidade precípua de um periódico/revista técnicozcientífica ou cien-
tífica mantém relação direta com a produção do conhecimento e sua conse-
quente divulgação. À partir dos novos conhecimentos, a ciência modifica-se,
sedimenta-se e origina teorias que valem para a sociedade, na medida em que
esta se beneficia com os avanços científicos e tecnológicos! Para-a comunidade
produtora de conhecimento, constituída por cientistas e pesquisadores, esses
at e a e
conhecimentos são imprescindíveis porque têm a finalidade de atu ã
a
renovação
ea aee e
e inovação.
eo ser
Com igual importância, são utilizados pelos gestores
de sistemas e unidades de informação para realizar os registros e acompa-
nhar a situação das coleções. O periódico cien
. ns e 4 mp: . .

desde o século XVII, quando superava outros tipos de publicações em termos


O E e

de rapidez e de disponibilidade das descobertas científicas.


Para atingir o conhecimento e disponibilizá-lo, há um ciclo que se inicia
com o surgimento das primeiras idéias ou dos questionamentos que estimu-
lam respostas, passando por etapas técnicas e métodos de pesquisa em si,
concluindo com a comunicação e divulgação da pesquisa, que pode ocorrer
por meio de artigo. Encaminhado à editoria de um periódico, o artigo é

73
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

avaliado pelos pares para se tornar público, atendendo à dimensão pedagó-


gico-científica de disseminação e circulação do conhecimento, ao mesmo tem-
po que se integra e é indexado por bases de dados nacionais e internacionais
e contribui para a consolidação da revista. Por sua vez, o título impresso e/ou
eletrônico perpassa uma série de fases, cumprindo os critérios exigidos até
atingir número suficiente de artigos para formar um fascículo e atentar aos
padrões indicativos de qualidade.!
A esse respeito, cada Vaz mais, a revista eletrônica segue novas e variadas
+
“dinâmicas advindas das possibilidades tecnoló icas crescentes. Tal como vis-
to no artigo anterior, decisivamente, inexiste uniformidade de procedimen-
tos em sua formatação e disponibilização, ou seja, em seu processo de
editoração. Consequentemente, seu acesso advém de pagamento de assinatu-
ras ou é gratuito. Shulenburger,? em fórum financiado por instituições ame-
ricanas, entre elas a Association of Research Libraries (ARL), informa que os
periódicos assinados cresceram de 16 mil, em 1986, para 22.500, em 2004,
mesmo considerando que os últimos anos registram inflação quase compul-
sória nos planos de compras. Durante o mesmo período, os gratuitos cresce-
ram de 3.300 para 10.400. Ou seja, os periódicos pagos cresceram 2,0% ao
ano nos últimos vinte anos, e os gratuitos cresceram a uma taxa anual de
6,3%. Porém, o mais importante é que os estes ultimos mantiveram a quali-
dade, não obstante o uso dos periódicos pagos, se necessário, ainda hoje. É
como se a comunidade científica transmitisse a eles valor de troca.
Graças às iniciativas dos movimentos dos arquivos e dos acessos abertos
(discutidos no capítulo “Repositórios versus revistas científicas: convergên-

1
C. R.S. Barbalho, “Periódico científico: parâmetros para avaliação de qualidade”, em S. M.S. P.
Ferreira & M. das G. Targino (orgs.), Preparação de revistas científicas: teoria e prática (São Paulo:
Reichmann & Autores, 2005), pp. 123-158; S. M. S. P. Ferreira, “Critérios de qualidade para as
revistas científicas em comunicação”, em S. M. S. P. Ferreira & M. das G. Targino (orgs.),
Preparação de revistas científicas: teoria e prática, cit., pp. 269-293.
D. Shulenburger, “Improving Access to Publicly Funded Research: What's in it for the Institution?
Can we Make the Case? A Bimonthly Report on Research Library Issues and Actions from ARL,
CNL and Sparc”, em Current Issues ARL, 248, outubro de 2006, disponível em http://new.arl.org/
bm-doc/ arlbr248institution.pdf, acesso em 23-4-2007.

74
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

cias e convivências”, na página 111), que vêm transmutando radicalmente o


processo editorial dos periódicos, cada vez mais cresce o total de títulos de
acesso gratuito. Sob esta perspectiva, a publicação eletrônica reforça a fun-
ção primordial de divulgação de informações científicas, mediante a utiliza-
ção de recursos tecnológicos e financeiros, que fazem decrescer os custos dos
periódicos, pelo menos no que se refere à impressão e à distribuição. Afinal,
ao tempo que se incentiva e se desenvolve a produção de conteúdos, revisados
e autorizados para publicação pela comunidade científica, o acesso aos con-
teúdos não pode ser dificultado à mesma comunidade, seja pela impossibili-
dade de assinar os periódicos individualmente, seja pelo cancelamento das
assinaturas por parte das instituições.
Isso significa que, diante da elevação do preço das publicações periódicas
científicas ao longo dos anos, alternativas variadas têm sido utilizadas para
enfrentar os custos editorais, antes mesmo dos citados movimentos. Ao tempo
que cresce a soma de títulos de periódicos, paradoxalmente registra-se uma
série de medidas vinculadas, direta ou indiretamente, aos custos editoriais:
títulos se fundem; títulos desaparecem; títulos são suspensos temporariamen-
te; títulos passam a manter tão-somente a versão eletrônica; títulos “disfarçam”
as dificuldades de manutenção e reduzem o número de páginas por artigo ou
de artigos por fascículos. São diferentes estratégias de sobrevivência.
Para a comunidade científica brasileira, esses fatos se caracterizam como
novas dificuldades para divulgar resultados de pesquisa e atender às exigên-
cias de produtividade dos órgãos de fomento. Ao realizar consulta em bases
de dados para conhecer critérios de classificação e de inserção de periódicos,
tais como a Base Qualis de Periódicos Científicos e o Portal de Periódicos,
ambos da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Ca-
pes, http://www.capes.gov.br) e a Scientific Electronic Library Online (SciELO,
http://www. scielo.org), Garcia” detecta que a periodicidade mínima deseja-
da para engenharia, as ciências exatas e da terra é trimestral, com quarenta

3 J. C.R. Garcia, “Critérios para consolidação dos periódicos científicos da Universidade Federal
da Paraíba”, em Conceitos, 6 (11-12), João Pessoa, julho de 2004-junho de 2005, pp. 78-84.

75
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

artigos por ano. De forma similar, também é trimestral para as ciências bio-
lógicas, da vida, mas, neste caso, com o mínimo de sessenta artigos, enquanto
para as ciências humanas e, por extensão, para as ciências sociais aplicadas,
em que se insere a comunicação social, se aceita a periodicidade quadrimestral,
com dezoito artigos/ano.
Esses critérios referem um padrão de qualidade próximo da realidade inter-
nacional. Ao determinar um intervalo de publicação menor, com quantidade
mínima de artigos por ano, as exigências se revertem em aumento real no custo
de produção de periódicos, exigindo volume maior de recursos para atender
ao programado. Interfere, então, não só na etapa de comercialização da comu-
nicação científica, mas em todo o ciclo da produção e, com mais força, no
ponto inicial, resultando em possíveis prejuízos na qualidade da pesquisa e,
por conseguinte, na divulgação dos resultados. Isto é, a comunicação científica

[...] está cada vez mais dirigida por fatores que têm pouco que ver com os
pesquisadores e mais que ver com os lucros das editoras comerciais [...], o
pesquisador e o laboratório — onde a comunicação científica se origina —
parecem estar completamente esquecidos.º

Ainda que essa transcrição se refira à realidade norte-americana, há ne-


cessidade de entender as dinâmicas que envolvem os periódicos, de forma
global, e buscar soluções para os desafios nacionais. Isto porque, se existe
desigualdade de valoração entre países, regiões ou instituições, não pode ser
atribuída a discrepâncias na qualidade do conteúdo das publicações, uma
vez que cada título é sensível a determinado contexto e atento às singularida-
des regionais e às especificidades das áreas.
Por tudo isto, o surgimento do meio eletrônico contribui para a redução
dos custos da revista científica, no que concerne à circulação dos conteúdos,
eliminando as despesas da fase gráfica, principalmente papel, tinta, maqui-

* A. Buckholtz, “Returning Scientific Publishing to Scientists” em The Journal of Electronic Publishing,


7 (1), 2001, disponível em http://www.press.umich.edu/jep/07-01/buckholtz.html, acesso em
31-7-2007.

76
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

nário, mão-de-obra e remessa por meio de serviço postal, transporte e entre-


ga, o que conduz, a passos largos, à preponderância das revistas eletrônicas.
Mesmo assim, há que considerar tanto a parcela de autores e leitores que
ainda preferem o meio impresso como a manutenção dos estoques das bibli-
otecas tradicionais. Sendo inviável editar novos títulos exclusivamente no
formato impresso, perduram duas importantes questões: a hegemonia do
papel quanto à garantia de preservação das memórias e a preferência pelo
formato em papel e tinta por certo público, que não pode ser sumariamente
excluído do processo de acesso à informação científica e tecnológica (ICT).
Diante do exposto, o presente capítulo nem contempla o financiamento
para a aquisição de revistas pelas instituições, sejam bibliotecas ou não, nem
trata de periódicos oriundos de editoras comerciais. Sua essência são as revis-
tas mantidas por universidades, institutos de pesquisa, associações de classe,
sociedades científicas, enfim, entidades que não têm o lucro como alvo prefe-
rencial. Isto é, seu objetivo central é explorar custos e formas de financiamen-
to para edição e publicação de revistas de caráter técnico-científico, nos
formatos impresso e eletrônico, em nível abrangente, mas com ênfase para a
realidade nacional, embora, em alguns momentos, recorramos a exemplos
individualizados para os dois suportes ou à realidade de outros países. Como
decorrência, seu público-alvo são essencialmente editores e autores, na con-
dição de atores do processo editorial dessas publicações.

Revistas científicas: os dilemas do financiamento

Além de boa pesquisa científica que garanta qualidade e a consegiente quan-


tidade de artigos, possibilitando ao editor da revista uma seleção criteriosa com
base em indicadores internacionalmente aceitos, os recursos financeiros são im-
prescindíveis e indispensáveis à credibilidade do título, porque proporcionam a
execução de critérios estéticos e de qualidade gráfica que envolve a publicação.
Não há como dissociar o periódico da história da tipografia ou da editoração,
imputando-se ao desenvolvimento do comércio, ao direito do privilégio e de
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

propriedade e à liberdade de imprensa a responsabilidade pelos custos dos títu-


los e a necessidade de financiamento para garantir sua subsistência.
O avanço do comércio, graças à ampliação dos meios de transporte, per-
mite a condução de mercadorias de um lugar a outros, transferindo idéias,
divulgando informações contidas em impressos, e tornando-os objetos de
desejo, passíveis de compra e venda, como qualquer outro produto. Essa
prática, contudo, não se generaliza, como Burke” alerta, diante de invoca-
ções e de argumentos de que o “conhecimento é um dom de Deus” e, portanto,
não poderia nem ser vendido nem comprado, o que justificava, na época, a
denúncia das pessoas que tratam os documentos como mercadorias. Mesmo
assim, a quantidade de tipografias cresce e o público consumidor passa a se
beneficiar da concorrência. Adquire, algumas vezes, publicações em condi-
ções minimamente razoáveis, em virtude da pressa dos tipógrafos em con-
quistar o mercado, obrigando os hábeis impressores a baixar os preços das
obras produzidas com esmero, em coleções de grandes volumes, após lenta
espera pelo lucro e decorrentes dificuldades.
Quanto aos autores e literatos, na maioria sem grandes recursos, necessi-
tam de produção rápida (simples brochura), que lhes assegure, com agilida-
de, recursos para sobrevivência. Em contraposição, impressores obstinados
optam por caminhos diversos, colocando até mesmo em risco seu empreen-
dimento comercial. São os tipógrafos que se celebrizam pela beleza das obras
produzidas, e que surpreendem até hoje. Em vias de abandonar seus tipos e
suas prensas, são socorridos pela concessão de privilégio e financiamento
público. São eles que:

[...] escolheram alguns [manuscritos] cujas impressões pudessem dar certo;


prepararam a edição em silêncio; fizeram-na e, para evitar o máximo possível

5
P. Burke, Uma história social do conhecimento: de Gutenberga Diderot (Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003), p. 137.
D. Diderot, Carta sobre o comércio do livro: carta histórica e política endereçada a um magistrado
sobre o comércio do livro, sua condição antiga e presente, seus regimentos, seus privilégios, as permis-
sões tácitas, os censores, os vendedores ambulantes, a travessia das pontes do Sena e outros temas
relativos à política literária (Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002).
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

as imitações que haviam causado o início de sua ruína e que os teriam consu-
mido, quando prestes a publicá-la, solicitaram ao monarca e obtiveram para
a empresa um privilégio exclusivo.”

A concessão do privilégio amplia-se, alcançando o direito de proprieda-


de, como forma de minimizar a exploração do conhecimento e proteger os
segredos da propriedade intelectual. Datam da Idade Média a permissão de
alguns direitos, a exemplo da primeira patente, outorgada em 1421 a Filippo
Brunelleschi pelo projeto de um navio, e o primeiro direito autoral, a
Marcantonio Sabellico em 1486, por sua história de Veneza.*
Foucault,” ao conceituar o que é um autor, explicita que inicialmente,
tratou o autor de maneira demasiado restrita, como “autor de um texto, de
um livro ou de uma obra a quem se pode legitimamente atribuir a produção”.
Em fase posterior, passou à forma transdiscursiva, isto é, se pode ser “autor
de mais do que um livro — de uma teoria, de uma tradição, de uma disciplina,
no interior das quais outros livros e outros autores vão poder, por sua vez,
tomar lugar”. É o surgimento desses autores que, nos textos científicos, discu-
tem teorias consagradas ou não, produzem novos textos e contribuem, por-
tanto, para a evolução da ciência.
Com certeza, o estímulo aos “homens de cultura” para publicarem obras
úteis culmina com um preâmbulo exaltando este tipo de publicação na Lei de
Direito Autoral, ainda de 1709, na Inglaterra. Desde então, já há a prática de
condensação de obras para redução de custos e rapidez na publicação, além
de financiamento de obras mais densas, como já citado. O aparecimento dos
periódicos, na segunda metade do século XVII, e o ato legal incentivando as
publicações científicas levam a supor que as benesses do financiamento podi-
am e deviam ser estendidas também a outros tipos de publicações, incluindo
as de periodicidade regular.

Ibid., p. 43.
8
P. Burke, Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot, cit.
9
Michel Foucault, O que é um autor? Coleção Passagens (2º ed. Lisboa: Vega, 1992), p. 57.
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Conhecimentos de tipo acadêmico eram difundidos por revistas cultas,


publicadas mensalmente ou a cada dois meses [...] Que a revista culta podia
ser um bom negócio é demonstrado pelo fato de que o Journal des Sçavants
foi pirateado em Amsterdã e Colônia e sua fórmula foi imitada em Roma,
Veneza, Leipzig e outras cidades.!º

Como era de esperar, o surgimento da revista científica, com o objetivo de


publicar informações úteis (leia-se conhecimento científico), atrela-se a uma
instituição científica ou de ensino e pesquisa como entidade mantenedora, o
“que lhe concede respaldo qualitativo. Adota-se a cobrança de assinaturas
antecipadas com o intuito de adquirir recursos financeiros para a produção
da tiragem, forma que perdura até o século XX. A liberdade de imprensa
possibilita o incremento de publicações e os periódicos, além de notícias rela-
cionadas com a produção de novos saberes, trazem resenhas de livros recém-
editados, prática ainda atual.
“As bibliografias, as hases de dados e as publicações secundárias também
influenciam o impulso dos periódicos. Na medida em que divulgam e
disponibilizam informações, contribuem para a emergência de novas idéias de
pesquisa e facilitam a revisão da literatura, que, por sua vez, conduz a novas
investigações, novos artigos, novos títulos e, às vezes, redução da periodicida-
de das revistas. Vencidas as primeiras barreiras, constituídas pelo virtual e pelo
temor da novidade, as redes eletrônicas impõem verdadeira dimensão revolu-
cionária à comunicação científica. E o ciclo de produção do conhecimento e da
comunicação científica não pára. Ao contrário. Segue em ritmo feroz e veloz.
O lançamento de novas revistas desencadeia o aumento do número de edito-
ras para atender às exigências do mercado. A experiência universitária, que no
Brasil data da década de 1960, evolui a partir dos serviços gráficos, transmutando-
se em editoras.” Editoras não se restringem à figura do editor. São resultantes,
essencialmente, de trabalho coletivo, de compartilhamento de tarefas por equi-

O P Burke, Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot, cit., pp. 152-153.
" L.S. Bufrem, Editoras universitárias no Brasil: uma crítica para a reformulação da prática (São
Paulo/Curitiba: Edusp/Com-Arte/UFPR, 2003).

80
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

pes. Traduzindo suas palavras, a gestão do ciclo de produção do periódico re-


quer: o editor (em diferentes modalidades), o produtor gráfico, o conselho edi-
torial, os avaliadores/referees, o copidesque, os normalizadores, o registro
nacional e internacional, a inserção em bases de dados, a comercialização e distri-
buição do periódico e, por fim, a comunicação permanente com autores, avalia-
dores, distribuidores e leitores. São atividades que respondem pela qualidade do
periódico, por sua regularidade e periodicidade. São, ainda, atividades impres-
cindíveis à manutenção da publicação, representadas em custos com comunica-
ção, recursos humanos e materiais.
Como já citado no capítulo “O editor e a revista científica: entre “o feijão e o
sonho”, p. 41, a maioria dos periódicos brasileiros é publicada por cursos,
instituições de ensino superior (TES), associações de classe ou sociedades cientí-
ficas, em que inexiste a tradição de editores com formação específica para o
exercício da função. A inexperiência, a escassez de laboratórios para execução
do treino em serviço, que resolveria a falta de qualificação, a quase inexistência
de incentivo por parte das próprias instituições mantenedoras dos periódicos e
a consequente falta de financiamento são responsáveis pela indefinição quanto
à produção de revistas. A priori, a instituição que empresta seu nome ao perió-
dico é a principal responsável por garantir sua periodicidade e mantê-lo em
dia, utilizando sua editora, quando possível, ou terceirizando os serviços em
situação contrária. Isso porque não há como aceitar passiva ou pacificamente
que uma TES, uma instituição de pesquisa ou uma sociedade científica deixem
ao largo seu bem mais precioso: seu capital intelectual, fonte de geração de
novos conhecimentos. Bufrem chama a atenção:

Os riscos econômicos não podem ser evitados, mas podem ser amenizados
quando o professor colabora no sentido de encontrar formas de financia-
mento. A universidade pode e deve ser a fonte de cooperação com o editor
universitário — quem sabe o mais genuíno dos editores científicos —, não deve
se limitar ao imperioso publish or perish. A própria universidade deve auxiliar
o editor a exercer sua função.!2

2 Ibid., p. 147.

81
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Em segundo lugar, a utilização, até pouco tempo atrás, do financiamento


das revistas por meio de recursos advindos de assinaturas representa, cada
vez menos, a realidade brasileira, diante das múltiplas possibilidades ofereci-
das pelas tecnologias de informação e comunicação e da expansão do perió-
dico eletrônico. Por outro lado, todos os que foram ou são editores no Brasil
sabem que as assinaturas tendem a diminuir e não cobrem os custos de edição,
colocando em risco permanente a produção e a regularidade do periódico.
Uma alternativa para manter a periodicidade é o financiamento concedi-
do pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), criado nos moldes de instituições similares em outros países, que
estimula a ciência e tecnologia (C&T) e apóia a publicação de resultados de
pesquisa. Esta modalidade de incentivo se inicia de forma esporádica, mas se
consolida, a partir de 1982, com a criação da Coordenação Editorial e do
Comitê Editorial, atualmente financiando a publicação de periódicos im-
pressos, sua disponibilidade eletrônica ou os dois a um só tempo. Por conta
da limitação de recursos, o CNPq segue critérios e seleciona os demandantes.
Como inevitável, os critérios de seleção privilegiam os que têm maior quali-
dade e deixam de atender a muitos outros títulos solicitantes, agravando
exclusões e as decantadas disparidades regionais e institucionais.
Se, ao contrário, retira-se o incentivo financeiro do periódico ora benefi-
ciado, há riscos de interrupção ou paralisação, o que representaria atitude
incoerente. A distribuição equitativa de recursos entre publicações de reno-
me e aquelas que estão apenas começando seria solução, mas pode se tornar
uma “emenda pior que o soneto” se, na divisão, os recursos forem insuficien-
tes para manter o que já existe e insuficientes para produzir o que vem a ser.
Avaliadores e gestores de recursos financeiros têm de tomar decisões estraté-
gicas, que, o mais das vezes, transformam-se em dilemas para eles e em moti-
vo de insatisfação para os demandantes de recursos.
O fomento exercido pelas fundações de amparo à pesquisa (FAP) asseme-
lha-se aos parâmetros estabelecidos pelo CNPq. Igualmente, as instituições
não têm como objetivo o atendimento à demanda de todos os títulos em sua
circunscrição. Privilegiam as IES do respectivo estado, atendendo, em alguns

82
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

casos também, às sociedades científicas. Em 2007, o edital do CNPq para


apoio a publicações eletrônicas científicas incluía no processo de seleção o
critério Qualis À ou a participação do título no Portal SciELO, o qual já é
financiado tanto pela Capes como pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp).
Na busca por soluções para os desafios de financiamento, algumas socie-
dades científicas se responsabilizam por manter a publicação do periódico
que a represente ou selecionam um título entre as revistas da área para finan-
ciar. A Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, editada pela
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Inter-
com), foi, durante anos, custeada pelos sócios, mas intermitentemente rece-
be apoio do CNPg, sobretudo após sua avaliação como Qualis A Nacional.
Ainda que elas sejam mantidas com anuidades pagas pelos sócios e tenham
seus próprios problemas financeiros, há casos em que um pool reúne-se e
compartilha as despesas de editoração do periódico. Nesse caso, constitui
espaço para divulgação do conhecimento produzido, divisão de responsabi-
lidades dos recursos financeiros e permuta de tecnologias e de experiências.
Este procedimento se realiza independentemente das distâncias físicas e de
custos para reuniões de tomada de decisão. Forma-se um ciclo favorecido
pela comunicação e circulação de informações que ampliam a aprendiza-
gem, tornando o conhecimento vantagem competitiva. É um modelo que
conta com a participação de todos e de cada um, de acordo com suas
potencialidades.
Valendo-se do desempenho da responsabilidade social, há, também, em-
presas que financiam publicações. Isto lhes permite a contrapartida do descon-
to de impostos. É uma forma de parceria entre público e privado, que começa
a ganhar força em nossos dias e que pode beneficiar periódicos, sobremaneira.
Outra forma de financiamento pode ser adotada pelo periódico graças à utili-
zação de determinadas páginas para publicidade de empresas que se relacio-
nem com a temática da publicação, de maneira a não afetar sua credibilidade.
Em todos esses casos, o editor deve estar atento às condições de contrato
referente aos direitos autorais dos conteúdos. De acordo com seu posiciona-

83
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

mento diante dos movimentos dos arquivos e dos acessos abertos, deve sele-
cionar o padrão de acesso da revista (o que é discutido no capítulo “Reposi-
tórios versus revistas científicas: convergências e convivências”, na página 111):
se totalmente aberto e público (modelo via dourada) ou revista mediante
assinatura, mas que possibilita ao autor o depósito de, no mínimo, uma
cópia de seu texto em repositório de acesso público (modelo via verde). No
modelo via dourada, o editor negocia com a empresa (ou editora comercial)
o prazo de publicação dos fascículos eletrônicos em modelo aberto (se ime-
diatamente, se após um período determinado, etc.). Enquanto isto, a via
verde favorece variações: publicar cópia do artigo, a partir de arquivo envia-
do e preparado pela revista; publicar a versão original, sem revisão e sem
formatação do leiaute da revista.
Na verdade, o elenco dessas alternativas estimula a criatividade para que
a oferta de estratégias seja demandada e se ampliem as oportunidades de
editores e entidades mantenedores das revistas encontrarem veios financei-
ros que garantam seu desempenho no âmbito da divulgação científica. Em
termos de financiamento, entendemos que, para o formato impresso, é indis-
pensável cobrir os custos de produção. Para o eletrônico, as diferenças con-
sistem em despesas com atualização de software (soft) e de hardware (hard), o
que, em última instância, afetam diretamente a permanência em mídia ele-
trônica e a existência duradoura do periódico, no que diz respeito à preserva-
ção digital. E, há, ainda, a necessidade de equipe técnica de suporte constante,
no caso da revista eletrônica.

Revistas científicas eletrônicas:


tecnologias e custos
Como visto, o meio eletrônico contribui para a redução dos custos do
periódico científico, possibilitando reduzir a dependência da comunidade
científica perante as editoras comerciais. A liberdade dos pesquisadores ocorre,
sobretudo, na etapa de disponibilização em formato eletrônico, por meio de

84
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

um servidor www, que lhes concede visibilidade instantânea, e indexação por


meio de diversas ferramentas de busca, permitindo pronta recuperação dos
artigos, a baixo custo (ou a custo zero), de qualquer parte do globo.
A partir daí, tecemos considerações sobre os recursos das tecnologias de
informação e de comunicação (TIC) disponíveis e os custos então envolvidos.
O acesso dedicado à internet é um fato ubíquo quando falamos de IES e centros
de pesquisa governamentais ou privados. Por isso, os pesquisadores brasileiros
vinculados a esses órgãos teoricamente não enfrentam dificuldades de acesso
dedicado à internet no momento de disponibilizar “seu” periódico na web,
pois, salvo raríssimas exceções, as instituições dispõem desse tipo de acesso.
À situação varia quando o esforço para edição do periódico científico é
individual ou de grupo de pesquisadores associados a uma sociedade de pes-
quisa que, sem infra-estrutura tecnológica satisfatória, precisam arcar com
os custos de manutenção para acesso à rede. A verdade, porém, é que a demo-
cratização da informação vem barateando os custos relacionados a esse ser-
viço, Os quais tendem a se reduzir mais e mais conforme o avanço tecnológico.
A Tabela 1 apresenta valores médios de mercado (alusivos a fevereiro de 2008)
associados aos serviços de hospedagem de um sistema de informações na web.
As diferenças entre os valores referem-se às variações da capacidade de arma-
zenagem e de tráfego mensal de informações disponibilizadas pelos provedo-
res de serviço.
Concomitante à aquisição de um acesso dedicado à internet, é necessário
registrar um domínio para referenciar o periódico eletrônico, caso ainda
não exista. Remetendo à situação apresentada anteriormente, em se tratan-
do das instituições com infra-estrutura prévia de acesso à internet, é possível
criar um subdomínio dentro do domínio existente, sem custo adicional.

Tabela 1 — Valores de mercado para hospedagem de site em servidor não dedicado


Serviço Espaço em disco Tráfego mensal Custo/mês
Opção | 300 MB 3 GB R$ 9,90
Opção Il 600 MB 5 GB R$ 16,90
Opção Ill 1200 MB 15 GB R$ 32,90

8
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Quando não se elege essa alternativa ou se não existe o domínio, é indispensá-


vel registrá-lo no rol de domínios para a internet no Brasil (http://
registro.br). Segundo dados do site, fevereiro de 2008, desde setembro de
2007 vigora a opção de domínios além de um ano. O custo de manutenção é
de R$ 30,00 para o primeiro e de R$ 27,00 para cada ano adicional ao proces-
so de registro ou renovação.
O elemento seguinte a ser considerado é o hard. Em muitos momentos é
entendido como uma commodity, principalmente quando se trata de produ-
tos mais simples. Portanto, ao vislumbrarmos prazo mais extenso, o custo
com hard deixa de constituir fator preponderante nos recursos totais de ma-
nutenção da revista. Após a aquisição inicial dos produtos imprescindíveis à
criação do título, esse tipo de despesa tende a se diluir, razão pela qual
priorizamos os aspectos relacionados ao software e aos serviços. Mendes!
estima que os gastos com hardware representam menos da metade do total
despendido para o sistema computacional, em especial para os periódicos
eletrônicos, uma vez que já existem software livres e gratuitos disponíveis no
mercado, conforme descrito adiante.
Despesas com mão-de-obra especializada em webdesign e suporte técnico,
por outro lado, superam bastante os valores com insumos de hard. A mão-
de-obra especializada requer investimento alto. Entretanto, este pode ser
minimizado ao se recorrer a portais de periódicos, à semelhança do mencio-
nado SciELO, mantido pela Fapesp e pelo Centro Latino-Americano e do
Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme) e/ou do Portal de Re-
vistas Eletrônicas de Ciências da Comunicação (Revcom, http://
revcom.portcom. intercom.org.br), da Rede de Informação em Comunica-
ção dos Países de Língua Portuguesa (Portcom/Intercom). Essas alternativas
incrementam a chance de financiamento por agências de fomento e permi-
tem, se for o caso, o rateio das despesas entre as revistas.
Quanto à escolha dos produtos de soft, incluídos os sistemas operacionais,
os aplicativos de uso geral e os sistemas gerenciadores de bancos de dados,

2 Antônio Mendes, Arquitetura de software (Rio de Janeiro: Campus, 2002).

86
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

entre outros, essenciais à realização do empreendimento em tela, existem,


correntemente, dois caminhos: utilizar produtos baseados no paradigma do
soft proprietário ou optar pelo soft livre (free soft). O primeiro é entendido
como o paradigma de licenciamento em que, de alguma forma, a liberdade é
restrita, mormente para o usuário-editor do periódico.
A adoção do soft proprietário, protegido por patentes ou direitos de pro-
priedade intelectual, pode se concretizar de duas formas: atrelada a um con-
trato comercial entre editor/instituição e empresa detentora do soft ou via
parceria com instituição prestadora de serviço de informação com valor agre-
gado.'* No primeiro caso, o tipo de licenciamento selecionado está direta-
mente relacionado às demandas do público, representando, cada caso, uma
situação específica. Deve,/portanto, ser analisado de forma a considerar e
oferecer a melhor escólha. É inconsegiência apontar um modelo de

validação de Comitê Consultivo. Os títufós-sélgcionados quase sempre ape-


nas enviam os conteúdos e a equipe do Portal assAme todas as atividades para
transformação daqueles conteúdos e trônico. Segundo
Meneghini,” para a manutenção da equipe e do Portalcomo um todo, 80%
dos custos são pagos pela Fapesp; 15%, pção CNPq e pela Capes. Os 5% res-
tantes vêm principalmente da Or ão Pan-Americana da Saúde (Opas).
Em contraposição, segundo Dias;! ivre é definido como o paradigma
de licenciamento, no qual o usuário é livreibara usá-lo como achar conve-
niente. Para Stallman, a expressão software livre está mais atrelada ao aspecto

14
S. M. S. P. Ferreira, “Fontes de informação em tempos de acesso aberto”, em M. J. Giannasi-
Kaimen & A. E. Carelli (orgs.), Recursos informacionais para compartilhamento da informação:
redesenhando acesso, disponibilidade e uso (Rio de Janeiro: E-Papers, 2007), pp. 141-173.
R. Meneghini, “Na briga pela ciência”, em Boletim da Agência Fapesp, 26-3-2007. Disponível em
http://www.agencia.fapesp.br/boletim. dentro.php?id=6906, acesso em 21-10-2007.
G. A. Dias, Periódicos científicos eletrônicos brasileiros na área da ciência da informação: análise das
dinâmicas de acesso e uso, tese de doutorado em Ciência da Informação (São Paulo: Universidade
de São Paulo, 2003), 208 f.

87
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

de liberdade do que ao de gratuidade. Afirma ainda que um programa é um


soft livre quando:

* o usuário tem liberdade de executar o programa para o propósito que


achar necessário;
* o usuário tem liberdade para modificar o código fonte do programa de
maneira a adequá-lo às suas necessidades;

* o usuário tem liberdade para distribuir cópias do programa de forma


gratuita ou paga;
*— ousuário tem liberdade para distribuir cópias modificadas do programa,
de maneira que a comunidade se beneficie das melhorias.”

À partir de um primeiro olhar, identificamos pontos favoráveis à utiliza-


ção de produtos baseados no paradigma do soft livre para as revistas. Entre
eles estão: inexistência de custo inicial com aquisição de soft; prevalência de
uma cultura voltada para a adoção de softs livres nas instituições de ensino e
pesquisa, o que facilita no momento de resolver questões relacionadas com o
suporte; chance praticamente inesgotável de customização dos softs às de-
mandas do usuário em virtude do acesso irrestrito ao código fonte.
Dizendo de outra forma, falar de soft livre para implementação de revistas
eletrônicas significa mencionar um soft que se configura num sistema de ges-
tão da publicação eletrônica e não num soft de disponibilização de conteúdo
como portal de notícias, site ou qualquer outra forma de disponibilizar con-
teúdo em linguagem HTML na Internet. Para Ferreira:

[...] a diferença fundamental entre os dois modelos é que a revista em site web
tradicional não pode ser considerada publicação eletrônica, tampouco mo-
delo alinhado ao protocolo Open Archives Initiative (OALI, http://www.
openarchives.org). Não consiste em publicação eletrônica, porque não
oportuniza mecanismos de recuperação contextualizada do conteúdo. Além

” R. Stallman, “The GNU Operating System and the Free Software Movement”, em C. Dibona et al.,
Open Sources: Voices of the Open Source Revolution (Sebastopol: O"Reilly & Associates, 1999),
p. 56.

88
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

do mais, não dispõe de padrões de organização, de gerenciamento e de publi-


cação de conteúdos digitais em regime de acesso aberto (metadados
normalizados); não garante preservação digital do conteúdo e dos direitos
autorais a longo prazo; não adota sistema de gestão que favoreça integração
com outros serviços e produtos de informação, o que pode chegar até a
oferecer cruzamento de citações para estudos bibliométricos e indexação do
conteúdo em bases de dados. Tampouco é alinhado ao movimento OAI, pois
não atende a dois princípios básicos, quais sejam: interoperabilidade com
sistemas congêneres e auto-arquivamento.!º

Embora exista a distinção apontada, algumas revistas ainda mantêm pá-


ginas em HTML por conta da chance de explorar ao máximo a criatividade
do webdesigner no momento da construção das páginas, uma vez que o soft de
gestão prioriza mais a organização do conteúdo e, portanto, para perso-
nalização mais inovadora do design gráfico exige mais trabalho. O que está
ocorrendo, com frequência, é a manutenção do site da revista como mero
“folder eletrônico”, ou seja, recurso de marketing e, ao mesmo tempo, tam-
bém a manutenção do sistema de gestão que lhe agrega as características
essenciais à publicação eletrônica, principalmente na fixação de padrões de
comunicação entre os envolvidos na geração do periódico, com destaque
para autores, editores, revisores e leitores.
Os modelos disponíveis hoje, no que se refere ao sistema de gestão e/ou de
editoração eletrônica de revistas, incorporam uma característica dinâmica.
Seu elemento principal, além dos mencionados, é a automação do sistema de
revisão por pares, conhecido, na língua inglesa, como sistema de web based
peer review. Exemplos desse tipo de sistemas são o Open Journal Systems (OJS)
e o XpressTrack, entre outros. De fato, o uso de sistemas de gestão e/ou
editoração eletrônica para a implantação de revistas científicas eletrônicas é
novidade maior ainda do que o conceito desse tipo de periódico. Afinal,
permite a realização, de forma automática, dos processos relacionados à ge-

E S.M.S.. Ferreira, “Fontes de informação em tempos de acesso aberto”, cit., p. 155.

89
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

rência dos títulos, como: submissão de artigos; distribuição de artigos entre


os revisores; geração de exemplares do periódico; indexação; e redução drás-
tica ou eliminação do papel no processo de editoração.
Lancaster, de forma quase visionária, ainda na década de 1970, teceu co-
mentário que fortalece a relevância de tais sistemas: “[Um] sistema sem papel
reduziria significativamente o atraso em todos os aspectos do ciclo da disse-
minação. O processo da composição por si só deve tornar-se mais ágil, assim
como a interação entre escritores, editores e revisores.” Ainda assim, é im-
portante esclarecer que esses sistemas demandam treinamento, pois nem sem-
pre são de fácil emprego, e o aprendizado das funcionalidades requer tempo.
É importante lembrar, ainda, que os custos das revistas incluem o treinamen-
to de editores, avaliadores e autores, entre outros agentes envolvidos com o
processo. De fato, mais importante do que o treinamento é a percepção, por
parte dos editores, de que a automação do processo editorial, por um lado,
exige maior controle e sistemática de trabalho; por outro, estimula a reflexão
sobre o processo em si, readequando-se às singularidades de cada área ou de
cada equipe de trabalho. Mas, em geral, percebemos a oportunidade de se
repensar o atual fazer científico nos moldes tradicionais, pautados em sécu-
los de atividade.
Ademais, a recomendação da Capes para que a inclusão de títulos na base
Qualis com avaliação A ou B adotem práticas e normas internacionais, indi-
cando sistemas brasileiros de editoração eletrônica que obedeçam aos requi-
sitos recomendados, representa significativo impulso rumo à adoção dos
sistemas de gestão. Existem sistemas de revisão por pares, que recorrem ao
paradigma do soft livre. Outros usam o soft proprietário. São decisões, sem
dúvida, que influenciam nos custos de geração de um periódico porque há
diferença de aporte financeiro a depender da escolha feita. A seguir, o Qua-
dro 1 apresenta alternativas de sistemas nas duas vertentes.
Se até o momento tratamos de questões relativas às possibilidades
tecnológicas e aos custos associados às revistas eletrônicas, que envolvem,

2 E MW. Lancaster, Toward Paperless Information Systems (Nova York: Academic Press, 1978), p. 127.

90
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

Quadro 1 — Características de alguns sistemas de gerenciamento de revistas


Sistema URL Licença Preço o
OJS o http://pkp.sfu.ca/ojs/ Software livre — Gratuito
SCHOLARONE http://www.scholarone.com Proprietária o Não declarado
XPRESSTRACK | http://www .xpresstrack.com Proprietária “Não declarado—
Fonte: sites dos respectivos desenvolvedores.

sobremaneira, os responsáveis por sua implementação, em se tratando do


usuário — frequentemente, pesquisadores/cientistas/docentes e alunos de pós-
graduação —, o primeiro passo é reconhecer que a dinâmica de acesso à infor-
mação se altera substancialmente com o incremento dos periódicos
eletrônicos. As bibliotecas, depositárias de publicações para acesso compar-
tilhado, não mais detêm essa função de forma exclusiva. Questões como pro-
ximidade física e armazenamento das coleções são alteradas radicalmente
com a introdução das TIC.
Soma-se a essas vantagens a liberdade do usuário, em especial no que
concerne às contingências temporais, definidas pelas unidades de informa-
ção e seus horários de funcionamento. Outro aspecto relevante diz respeito
ao tipo de licença que a unidade de informação mantém com a editora dos
periódicos para sua disponibilidade on-line. Pode ocorrer que o licenciamento
limite o acesso às dependências físicas da unidade de informação, o que
corresponde à restrição significativa da liberdade de acesso.
O que parece inquestionável é que hoje, sobretudo nas instituições fede-
rais de ensino superior (fes), registra-se redução expressiva no número de
assinaturas de títulos em papel, embora ocorram solicitações para a manu-
tenção de bibliotecas de referência como necessidade estratégica para o Bra-
sil, a exemplo de solicitação feita pela Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC) visando a conservação dos recursos da Capes destinados à
aquisição de periódicos. De qualquer forma, em substituição aos impressos,

2 Conforme mencionado no capítulo anterior, a customização para o idioma português do Brasil


foi feita pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Tbict), com o nome de
Sistema de Editoração Eletrônica de Revistas (Seer).

91
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

há a chance de utilização, em larga escala, de consórcios de periódicos cientí-


ficos eletrônicos. A este respeito, Bergstrom e Bergstron? sugerem a con-
tratação de serviços de assinaturas via consórcios (no Brasil, intitulado Portal
Capes, por exemplo) somente se o custo de assinatura se aproximar do custo
médio de editoração das revistas. No caso desse Portal, o custo das assinatu-
ras dilui-se diante da quantidade de instituições que acessam os títulos. São
dados que reafirmam o meio eletrônico como recurso para a redução dos
custos de produção e de disseminação de periódicos, embora tal redução
nem sempre alcance o usuário final.
Resta, então, a questão: como fazer uso do meio eletrônico de maneira a
prover ao usuário informação de qualidade a baixo custo? Em diversas oca-
siões ele, ainda, só consegue a informação desejada em portais de periódicos
eletrônicos associados às grandes editoras comerciais. Nesse caso, o acesso se
efetiva via biblioteca ou outra instituição que assine o serviço. Quando a
informação não está disponível, resta ao usuário negociar diretamente com a
editora. Contra-exemplos dessa situação de impasse são a SciELO e o Revcom,
cujo acesso é aberto, mas eles representam apenas uma fatia entre os serviços
existentes e podem não suprir, na íntegra, as necessidades informacionais dos
usuários. Aliás, esses dois exemplos estão alinhados aos movimentos interna-
cionais: a iniciativa da OAI e o movimento do Acesso Aberto (Open Access),
http://www. ibict.br/openaccess.
Ambos os movimentos, em parceria, apontam soluções para a questão de
acesso público e gratuito à informação disponível no meio eletrônico (em
especial, a produzida com financiamento público), configurando-se como
estrutura de sustentação para a quebra da hegemonia das editoras científi-
cas. À iniciativa da OAI, iniciada em 1999, quando de seu lançamento, na
Convenção de Santa Fé, contribui com as ferramentas e os protocolos essen-
ciais à implementação de sistemas interoperáveis tanto para revistas científi-

2 CG. T. Bergstrom & T. C. Bergstron. “The Cost and Benefits of Library Site Licenses to Academic
Journals” em Proceedings National Academy of Sciences of the United States of América, 101 (3),
2004, disponível em http://www.pnas.org/cgi/content/full/101/3/897, acesso em 12-8-2007.

92
REVISTAS CIENTÍFICAS: FINANCIAMENTO, RECURSOS TECNOLÓGICOS E CUSTOS

cas vias verde e dourada como para repositórios eletrônicos de arquivos ci-
entíficos, objetivando permitir o acesso aberto à comunicação científica.
Em virtude do apresentado, inferimos que as dinâmicas relacionadas ao
acesso dos periódicos científicos eletrônicos estão em fase de evolução. As
respostas relacionadas à forma como se dá, definitivamente, o acesso a esses
recursos e os custos deles decorrentes ainda se encontram em processo. Con-
forme já citado, a partir das formas possíveis de implementação de revistas
eletrônicas é nítida a necessidade de atuação integrada e em equipe entre
editores, de forma a distribuir custos e incrementar visibilidade e acessibili-
dade dos conteúdos.

Considerações finais
Financiar a edição de um periódico, eletrônico ou em papel, se configura
sempre como decisão árdua, uma vez que os critérios para financiamento são
difíceis de alcançar. As agências de fomento atendem, cada vez mais, a quan-
tidades menores de títulos. Isso se justifica tanto pelo fato de os recursos não
aumentarem na mesma proporção da demanda dos títulos como pela
constatação de que os editais de chamadas nem sempre contemplam todas as
áreas do conhecimento simultaneamente.
As áreas de ponta, ou seja, consolidadas, com fregiência obtêm recursos,
beneficiando sua manutenção, em detrimento de outros campos e/ou de re-
vistas recém-criadas. Repetimos: os recursos são escassos e destinados aos
periódicos científicos estabelecidos ou que têm tradição firmada. São eles que
atendem aos parâmetros das políticas dos órgãos de fomento. Em decorrên-
cia, aos editores dos títulos emergentes resta prosseguir em busca de recursos
mediante as estratégias disponíveis, uma vez que não é fácil romper o ciclo.
Diante desse entrave, visando a diminuição dos custos, o suporte eletrônico
se apresenta como solução.
Mesmo assim, acreditamos que a convivência dos dois suportes permane-
cerá por bom tempo. Nem se trata tão-somente da perspectiva de visualizar

93
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

o impresso com romantismo, tampouco nossa crença se refere apenas à tran-


sição entre o suporte tradicional e o eletrônico, como resistência a mudan-
ças. Nossa convicção encontra respaldo no fato de que as tecnologias para
preservação digital de documentos ainda não estão devidamente estabelecidas
em sua totalidade, sobretudo nos requisitos que dizem respeito a tipos de
mídia e de formatos para armazenamento da informação. Vencida essa etapa
da preservação digital de documentos, decerto os recursos tecnológicos con-
duzirão ao acesso e ao uso de informações, como sonhado por Vannevar
Bush, Paul Otlet e outros idealistas de seu tempo e de hoje. Isto é: cada página,
cada texto, cada título, cada palavra e cada informação vão encontrar seus
assemelhados; o homem os utilizará como extensões de sua mente (memex),
realizando as associações que memória, inteligência, criatividade e conheci-
mento exigem, até transformá-las num mundaneum.

Referências bibliográficas
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FERREIRA, S. M.sS.P. &TARGINO, M. das G. (orgs.). Preparação de revistas cienti-
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94
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95
A ética na revista científica
Sebastião Rogério Góis Moreira

Introdução
A força da atividade de pesquisa de um país é geralmente medida pela
expressão de artigos publicados por seus pesquisadores em revistas científicas
(literatura primária) ou em revistas de resumos (literatura secundária), es-
tejam no formato tradicional impresso ou, mais recentemente, no eletrônico.
Como visto no segundo capítulo desta obra (“O editor e a revista científi-
ca: entre 'o feijão e o sonho”, na página 41), a existência de corpo editorial
nos títulos de periódicos dá segurança aos autores, legitimando a comunica-
ção dos novos conhecimentos gerados pela comunidade científica e/ou aca-
dêmica. Em outras palavras, as revistas científicas consistem em ferramentas
eficientes de divulgação do que se tem produzido nas universidades, nos cen-
tros de pesquisa, nas associações de classe e nas sociedades científicas. E como
via natural de comunicação das novidades científicas nos diferentes campos,
demandam cada vez mais avaliação criteriosa, haja vista que, se parâmetros
de qualidade não forem rigidamente perseguidos, não atingiremos padrões
de excelência na produção científica e, por conseguinte, não obteremos reco-
nhecimento internacional.

97
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

As ciências da vida, exatas e da terra já marcam presença no cenário mun-


dial, em periódicos de primeira linha e, salvo exceções, sempre em inglês,
idioma hoje ao alcance de significativo contingente de pesquisadores em todo
o mundo. Diferentemente destas áreas, as ciências humanas e sociais (CHS)
mostram-se mais “tímidas” em publicar em outros idiomas. Há algum pre-
domínio do espanhol e, com menor frequência, do francês. As publicações
em inglês ainda são esporádicas.
Há que se convir ou reiterar que a pesquisa científica constitui um dos pila-
res da produção do conhecimento científico, configurando-se como atividade
relevante, até porque a expansão do ensino superior, no Brasil, vem se am-
pliando a passos largos, não obstante o risco crescente de se distanciar dos
princípios que garantem sua qualidade. Como responsáveis pela formação
científica, técnica e cultural do contingente de milhões de alunos que ingressam
nas instituições de ensino superior (TES), na graduação e na pós-graduação, os
docentes-pesquisadores devem se comprometer com os conhecimentos que
norteiam a prática acadêmica sem deixar de lado os limites éticos da pesquisa,
em qualquer ramo do saber, pois raízes históricas da concepção de ciência
justificam as diferenças das áreas, como prescrito por Volpato:

A concepção de ciências como atividade caseira, voltada para certas regiões


específicas de um país, de um estado, ou mesmo de uma cidade, tem sido
arduamente contraposta com as modernas tendências de internacionalização
do conhecimento científico. Nesse panorama [...], áreas que tradicionalmen-
te viveram e investigaram problemas considerados típicos do Brasil, ou de
algumas regiões brasileiras, demoraram mais a aceitar e adentrar a ciência
internacional, sendo que as áreas mais básicas já aceitaram o desafio de
publicação internacional com mais facilidade. '

Trata-se de colocação que comprova o fato de que as denominadas ciênci-


as “duras” estão em maior evidência no cenário internacional da produção
científica e, muito especificamente, entre as revistas que integram a literatura

1 G.L. Volpato, Bases teóricas para redação científica (São Paulo: Cultura Acadêmica, 2007), p. 104.

98
A ÉTICA NA REVISTA CIENTÍFICA

internacional, denominada primária, ou entre as revistas de resumo, litera-


tura secundária. Em qualquer instância, incluindo as CHS e a comunicação
social em particular, autores e editores precisam estar atentos para os aspec-
tos éticos nas diferentes etapas de edição de um título científico, sobretudo
em meio à produção pautada por recursos tecnológicos avançados e em evo-
lução contínua, o que amplia, cotidianamente, o número de leitores.
Afinal, as questões éticas surgem todos os dias. Marques,? em artigo pu-
blicado no boletim Pesquisa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo), trata da polêmica atual em torno de experiências com
animais. Para a comunidade acadêmica, as questões éticas são imprescindí-
veis. Ativistas que lutam contra a dizimação dos animais, por sua vez, exibem
um conjunto articulado de argumentos, apoiados em legislações que vão se
consolidando em cidades brasileiras, como é o caso do Rio de Janeiro, onde
lei municipal de autoria do vereador Cláudio Cavalcante, votada entre os
feriados do Natal e do Ano Novo (2007), torna ilegal o uso de animais em
experiências científicas na cidade.
Diante da pressão por parte dos movimentos pró-animais e dos dispositi-
vos legais, que dão novo contorno às discussões éticas da investigação cientí-
fica com animais em território brasileiro, mais uma vez a comunidade
acadêmica retoma as discussões, reforçando a necessidade de transparência
na comunicação dos resultados, tornando-os acessíveis a um número maior
de cidadãos, dos mais diferentes segmentos sociais. É visível tal preocupação
na declaração de Walter Colli, professor do Instituto de Química da Univer-
sidade de São Paulo (USP), para quem é essencial que os cientistas divulguem
mais intensamente a ciência e seus métodos, com o intuito de assegurar o
apoio da opinião pública para o avanço da ciência, condição básica para o
processo desenvolvimentista de qualquer país.
Quer dizer, a comunicação da ciência é tão vital quanto sua produção, o
que justifica a assertiva de que o conhecimento produzido não comunicado

2 F. Marques, “Sem eles não há avanço: experiências com animais seguem imprescindíveis, ao
contrário do que dizem os ativistas”, em Pesquisa Fapesp, nº 144, São Paulo, fevereiro de 2008.

99
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

não é, em sua essência, ciência. Fazer pesquisa consiste numa etapa. Consoli-
dar sua publicação foi e continua sendo o passo seguinte e recurso mor para
socializar os conhecimentos recém-gerados. Isso pressupõe a possibilidade
de acadêmicos e indivíduos, em geral, tomarem conhecimento do que é gera-
do por instituições de pesquisa dos mais diferentes pontos do planeta, lendo,
questionando, colocando pontos de vista, enfim, consolidando o conceito
democrático de acessibilidade à ciência produzida.

Revisão pelos pares (peer review)


Critérios de aceitabilidade do material a ser submetido para publicação,
no caso das revistas científicas, significam aceitabilidade pela comunidade
científica pertinente (pares), elemento importante para os pesquisadores,
iniciantes ou não. Em princípio, os títulos fornecem aos autores instruções
para a elaboração dos artigos, refletindo, obviamente, o estilo editorial da
revista. Mesmo com o advento e a evolução das publicações eletrônicas, al-
guns itens ainda são essenciais para garantir a visibilidade dos textos produ-
zidos, uma vez que, apesar da explosão informacional e de novos
conhecimentos, o ser humano continua enfrentando “[...] dificuldade de or-
ganizar a informação e de utilizar o conhecimento. Talvez o problema esteja
no excesso de ambas as categorias, pois alguém já disse que o exagero de
informações é tão nefasto quanto a sua falta”?
Tal colocação chama a atenção para o compromisso de autores e avalia-
dores/pareceristas assumirem a responsabilidade de buscar boa qualidade
no processo de comunicação científica, como visto no capítulo “Redação de
artigo técnico-científico: a pesquisa transformada em texto”, p. 17. Isto é,
desde elementos básicos, como um título claro; um resumo que reflita o con-
teúdo do artigo; palavras-chave expressivas e que favoreçam ao público o
acesso aos conteúdos integrais por meio de bases de dados, etc.

* M.J. N. Pinto, “Apresentação” em F. Apollinário, Dicionário de metodologia científica: um guia


para a produção do conhecimento científico (São Paulo: Atlas, 2004), p. 7.

100
A ÉTICA NA REVISTA CIENTÍFICA

Por outro lado, se a aprovação e a conseqiiente edição do artigo propor-


cionam ao autor e à revista projeção na cadeia acadêmica, em termos ideais e
éticos, como Meadows alerta, os editores devem se esforçar “[...] para garan-
tir que os artigos sejam aceitos pelo próprio mérito e não apenas porque o
autor é uma pessoa de renome”. Isso reitera a premência de um comporta-
mento ético por parte dos pares, não importa se são consultores permanen-
tes ou ad hoc, para que os julgamentos sobre os artigos sejam imbuídos de
objetividade, sem contar a condição sine qua non de que eles detenham nível
de excelência como conhecedores dos conteúdos propostos nos originais.
Sem dúvida, a maior parte das editorias das revistas científicas, quando
envia artigos para avaliação, já define roteiro onde explicita os parâmetros
que devem ser observados, o que gera, a priori, certa hierarquização do pro-
cesso, com diferenças, às vezes, significativas de um para outro título. No
entanto, em qualquer caso, a trajetória entre o início e o final, ou seja, entre
a redação do artigo até sua efetiva publicação, é sempre demorada e, algumas
vezes, “sofrida”. Para Meadows, sob a perspectiva do autor há certa ansieda-
de para que o original seja aprovado desde o primeiro momento, sem neces-
sidade de alterações. Diante do pedido dos editores e/ou avaliadores para
que faça reformulações, o autor tende a se sentir incompetente. Com fre-
quência, é difícil aceitar o parecer e, portanto, atender às solicitações aponta-
das, chegando alguns pesquisadores a encaminhar o trabalho a outra revista
da mesma natureza. Isto é, as expectativas em torno da emissão do parecer
podem gerar mal-estar, pois o período entre o envio do material à revista e a
obtenção das considerações feitas pelo conselho editorial (sempre comu-
nicadas pelo editor) pode ser vivido como um sentimento de submissão a um
poder previamente definido tanto pelo editor da revista como por uma equi-
pe de pessoas. A eles compete definir o destino do artigo, sua aceitação ou
não, a recomendação para encaminhamento a outro título ou não e assim
por diante.

4 A.J. Meadows, A comunicação científica (Brasília: Briquet de Lemos, 1999), p. 51.


5 Ibidem.

101
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

Por outro lado, a condição do parecerista, às vezes, também não é tran-


quila. Apesar de sua capacitação teórica para ser revisor, pode se sentir vul-
nerável ao redigir considerações, haja vista que as divergências em relação
aos conteúdos apresentados podem ser, inevitavelmente, geradoras de dúvi-
das. Para amenizar esse sentimento, uma das considerações cruciais é que o
editor esclareça desde o início aos autores-pesquisadores sobre o processo
avaliativo e lhes mantenha informados sobre a tramitação do trabalho: em
que condição se encontra, qual é a data do parecer final, etc. Sumarizando:
editor, pareceristas e autores devem estar atentos às mudanças presentes na
comunicação científica, segundo fala de Araújo, alusiva à área de saúde, mas
aplicável às demais:

Se houve um tempo em que muitos pesquisadores acreditavam que sua fir-


me determinação de fazer o bem, sua integridade de caráter e seu rigor científico
eram suficientes para assegurar a eticidade de suas pesquisas, nos dias de hoje
essa concepção já não é mais objeto de consenso. O grande desenvolvimento
e a crescente incorporação de novas tecnologias no campo dos cuidados em
saúde; a maior difusão do conhecimento científico através dos meios de co-

municação social tradicionais e, em particular, através da internet, assim


como a ampliação dos movimentos sociais em defesa dos direitos individu-
ais e coletivos, fizeram com que a discussão sobre ética aplicada à saúde
passasse a ter como interlocutores freguentes filósofos, teólogos, juristas,
sociólogos e, sobretudo, os cidadãos, seja enquanto usuários do sistema de
saúde seja como sujeitos objetos de pesquisas científicas.

O ato de emissão de pareceres sobre artigos científicos ou produto similar


deve estar pautado no senso de responsabilidade de que o avaliador, sempre
um docente e/ou pesquisador, é, de forma direta ou indireta, um educador.
Portanto, os julgamentos emitidos devem conter contribuição formativa para
quem está sendo julgado.

$ 1.Z.S. Araújo, “Aspectos éticos da pesquisa científica”, em Pesquisa Odontológica Brasileira, nº 17,
Suplemento 1, São Paulo, maio 2003, p. 57.

102
A ÉTICA NA REVISTA CIENTÍFICA

Outro ponto relevante e ético na certificação de qualidade dos trabalhos


apresentados é que eles se façam acompanhar, sempre que o tema for contro-
verso ou marcadamente ideológico, do termo de aprovação dos comitês de
ética das respectivas IES ou institutos de pesquisa. Isso evita a comunicação
de textos impregnados por equívocos ideológicos ou informações enviesadas
em termos do campo estudado. Em se tratando das pesquisas com seres vivos
(sobretudo humanos e animais), trata-se de exigência vital, com o reconheci-
mento de que nas CHS o procedimento de envio dos projetos de pesquisa aos
comitês de ética institucionais ainda é incipiente.
A bem da verdade, o Manual Operacional para Comitês de Ética da Comis-
são Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) tem sido alvo de críticas contun-
dentes por parte dos pesquisadores brasileiros das mais diferentes áreas do
saber. Apesar de se inserir no contexto da bioética, ou seja, teoricamente
priorizar os problemas éticos suscitados pelas pesquisas biológicas e suas apli-
cações por pesquisadores, médicos, etc. o Manual não configura processos
normalizadores para experiências que se apropriam de modelos meto-
dológicos qualitativos. Isso corresponde a dizer que os pesquisadores an-
seiam que a Conep repense suas instruções.
É preciso, ainda, tecermos algumas considerações alusivas à Resolução do
Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 196/96, que se refere ao citado Manual
Operacional. Em sua introdução, assinada por William Saad Hossne, coor-
denador da Conep, está dito que o Manual é um dos poucos documentos de
natureza “[...] essencialmente bioética, no sentido mais amplo do pluralismo.
Essa característica existiu na gênese da resolução, se consubstancia em seu
conteúdo doutrinário e em sua operacionalização”” Ou seja, a resolução re-
conhece sua característica como documento de caráter pluralista, identifi-
cando, em sua gênese, a implicação com o diálogo teórico e com sua
aplicabilidade, pelo menos teoricamente, nos diferentes campos do conheci-
mento. Isso porque, continuando, o texto introdutório revela a possibilidade

Brasil, Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em


Pesquisa Saúde. Manual Operacional para Comitês de Ética (Brasília: Conep, 2002), p. 8.

103
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

de restrição, na prática, para sua aplicação em outros ramos, vez que os


“documentos internacionais foram elaborados por médicos e se preocupam
com as pesquisas na área médica ou quanto muito biomédicas”*
A participação coletiva de pesquisadores para a redação da resolução em
pauta é indiscutível, como dito literalmente também na introdução: “[...]
elaborada com base na multi e interdisciplinaridade, abrangendo sugestões
de diversos segmentos da sociedade (inclusive dos sujeitos de pesquisa) e se
preocupa com pesquisa, envolvendo seres humanos [...]”º em qualquer área
e não somente com a pesquisa médica.
Tomando como ponto de partida as questões ora apontadas, concernentes
à Resolução nº 196/96, propomos diálogo com as ciências em busca de perce-
ber como tem sido a presença da teorização e da operacionalização da ética
nas revistas em diferentes campos de conhecimento, até porque não devemos
nos distanciar da proposta interdisciplinar por ela apregoada. Essa proposta
deve ser assegurada pelas sociedades científicas ou associações que cuidam da
editoração de periódicos no Brasil, a exemplo da Associação Brasileira de
Editores Científicos (Abec), no sentido de colocarem à frente dessas entida-
des profissionais de formações distintas.
Tudo isso nos faz reiterar que condutas éticas na avaliação de projetos de
pesquisa se assemelham àquelas que devem guiar nossa conduta, quando da
emissão de pareceres sobre originais apresentados às revistas. São premissas
presentes em modelos internacionais de elaboração de revistas científicas, em
que o respeito ao outro (autor, parecerista ou editor) tem de ser considera-
do, mediante os princípios de fidelidade, veracidade e confidencialidade. A
falta de qualquer um desses parâmetros, por parte de algum dos atores soci-
ais envolvidos no processo, é, inevitavelmente, de extremo prejuízo ao todo.
Ainda dentro do ideário de interdisciplinaridade, é significativa a pro-
posta de Japiassu:

O interdisciplinar, trazendo no seu bojo o interesse em conhecer algo além de


sua especialidade, pode se tornar uma alavanca na transformação da univer-

8 Ibidem.
? Ibidem.

104
A ÉTICA NA REVISTA CIENTÍFICA

sidade e nas relações entre os envolvidos nesse processo. Para a implantação


de uma metodologia mais integradora e cooperativa, o caminho apontado
por vários autores indica a necessidade de uma reformulação no processo de
pensamento ou de se “instaurar uma reformulação geral das estruturas men-
tais dos pesquisadores, o que nos conduz ao modo de pensar”?

De fato, existe uma concepção de reformulação quanto a uma ética da


coletividade científica, visando a obtenção de uma essencialidade no modo
de pensar de cientistas, pesquisadores, educadores e cidadãos. As caracterís-
ticas distintivas entre pesquisas quantitativas e qualitativas são sempre polê-
micas quanto ao que se ganha e ao que se perde com a opção por uma ou por
outra categoria. Somando-se aos entraves metodológicos que permeiam o
cotidiano da pesquisa e do pesquisador, desde essa categorização, observa-
mos, ainda em nossos dias, uma ciência dicotomizada por uma classificação
sexual, de acordo com colocações de Héritier,!' quando discute a distinção
ciências “duras” e soft sciences. As mulheres estão mais próximas das softs (ci-
ências humanas e CHS) e os homens, das ciências físicas e da natureza, ou
seja, das ciências “duras”. Para essa autora, as características não necessaria-
mente se legitimam. Correspondem, sim, à representação global cultural-
mente enraizada. Por isso, a idéia sexual das ciências deve se transmutar em
luta de homens e de mulheres para desconstruir a valorização acordada so-
cialmente da idéia da razão masculina em oposição à intuição feminina.

Considerações finais
Ao definirmos a melhor metodologia para nossa ação, de uma forma ou
de outra, assumimos, portanto, determinada posição ética na execução de

Apud R. M. Barbosa & E. Sigelmamn, “Desafios da formação do psicólogo: complexidade e


interdisciplinaridade”, em Arquivos Brasileiros de Psicologia, 53 (2), Rio de Janeiro, jan.-mar. de
2001, p. 13.
4 F Heritier, “La recherche”, em La Lettre, Paris, junho de 2004, p. 59.

105
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

nossas pesquisas. E a problematização de questões como essa representa o


primeiro passo para a definição dos rumos da pesquisa, não importa se qua-
litativa ou quantitativa. Seguindo o roteiro mais usual da investigação cien-
tífica, propomos um objeto de busca, de indagação e de comparação. A
sequência de tarefas permite, no final, a apresentação de teorias e hipóteses.
Somadas, elas aquecem discussões pertinentes à aplicabilidade metodológica
e ética em pesquisa e também a seu valor, quando examinadas pelos pares
para eventual publicação.
As discussões no campo da ética em pesquisa, a partir de diretrizes nacio-
nais e internacionais, estão cada vez mais presentes no debate sobre a produ-
ção do conhecimento científico. Nessa perspectiva, editores e autores não
devem desconsiderar as idiossincrasias das áreas, dos diferentes paradigmas e
das diversidades metodológicas, diversidades, aliás, marcantes no contexto
da sociedade contemporânea. São novas concepções da ciência que condu-
zem à variedade de métodos, técnicas, paradigmas e referenciais. Enfim, como
Guerriero e Zicker!? afirmam, são diferentes olhares e saberes essenciais à
geração de novos conhecimentos, o que requer que os comitês de ética se
capacitem para revisar e apoiar pesquisas que supram as demandas sociais e
respeitem os caminhos de avanço da pesquisa.
Sendo assim, acreditamos que os princípios vigentes nessa nova concep-
ção da ciência atuam como leme para os editores dos títulos científicos e
pareceristas que compõem os comitês de ética em pesquisa, sem esquecer que
os ditames éticos se aplicam a qualquer especialidade. A pesquisa, de forma
direta ou indireta, envolve o homem. Logo, quando nos referimos ao cuida-
do com seres humanos, aludimos à inter-relação editor e autor, autor e ava-
liador, autor e autor, editor e avaliador, etc., sem perder de vista o produto
final, que deve estar acessível à comunidade. Isso independe de se nas hard
sciences ou nas soft sciences, se numa abordagem qualitativa ou quantitativa.
O que importa é o nível de conscientização em colaborarmos para a
editoração de revistas científicas de qualidade, nas diferentes etapas.

2 1. €.Z. Guerriero & F. Zicker, “Repensando ética na pesquisa qualitativa em saúde”, em Ciência
& Saúde Coletiva, 13 (2), Rio de Janeiro, mar.-abr. de 2008.

106
A ÉTICA NA REVISTA CIENTÍFICA

Para tanto, o exercício da ética na construção das revistas deve primar por
maior transparência. Como Dortier” assinala, o risco sempre existe. Para
ele, as teorias produzidas pelas ciências definem e explicam, por meio de um
conjunto organizado de hipóteses e de proposições, os fenômenos e os fatos,
abrangendo interpretações bem fundamentadas e abalizadas. Isso, entretan-
to, não descarta a hipótese de que as teorias produzam determinado estilo ou
determinada “verdade”, responsável pela redução da realidade que nos cir-
cunda. Trata-se de representação mental, capaz de interferir em nossas ações
como parecerista, que precisa ser reconhecida. No entanto, sem dúvida, a
subjetividade não pode ser descartada. Pode ser orientada em direção ao
envolvimento mútuo de todos os atores envolvidos em novos referenciais,
representando, no final, intercâmbio útil para o avanço científico e
tecnológico.

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107
COMO DESENVOLVER E VIABILIZAR A REVISTA CIENTÍFICA

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VOLPATO, G. L. Bases teóricas para redação científica. São Paulo: Cultura Acadêmica,
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108
Parte II
Como gerenciar o conteúdo científico
diante dos desafios do mundo digital
Repositórios versus
revistas científicas:
convergências e convivências
Sueli Mara Soares Pinto Ferreira

Introdução
Segundo Harnad,! existem hoje 24 mil revistas científicas, avaliadas por
pares, cobrindo todas as áreas do conhecimento, em vários idiomas, e publi-
cando, anualmente, cerca de 2,5 milhões de artigos. Menciona ainda que, como
a maioria das universidades e instituições de pesquisas do mundo dispõe de
recursos financeiros suficientes para assinar somente pequena fração desses tí-
tulos, seu conteúdo está disponível apenas à parcela reduzida dos prováveis
usuários. Isto é, os resultados das pesquisas desenvolvidas estão obtendo so-
mente fração quase insignificante
de seu potencial de uso e de impacto.
Este contexto se une a outra questão não menos relevante, alusiva aos
direitos autorais, sistema vigente de propriedade intelectual que estabeleceu,
há décadas, a prática de transferência pelo autor de seus direitos para a enti-,
dade que publica o trabalho. A partir do momento que se concentra a deten-
ção dos direitos autorais e, por conseguinte, dos principais resultados de
pesquisa num editor, este assume expressiva influência sobre a disseminação

! S. Harnad, “Acesso livre: Quê? Por quê? Quando? Onde? Como?: Medidas e mandatos”, em
Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, 59. Encontro aberto: “Publicar
ou perecer: acesso livre é sobreviver!” Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
(Ibict), Belém, 8 a 13-7-2007.

mm
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

de tais resultadose a condução dos próximos, com possibilidade de utilizá-


los de acordo com seus interesses e sua percepção, como Simon? remarca.
Diante desse panorama nada animador, surge, entre cientistas do mundo
inteiro, a preocupação com o incremento da visibilidade e da acessibilidade
dos resultados de seus trabalhos, visando ampliar o impacto e a produtivida-
de e, por conseguinte, maximizar o progresso da ciência e tecnologia (C&T).
Diversos estudos para implementação de mecanismos mais ágeis e econômi-
cos para viabilizar maior troca de conteúdo estão sendo efetivados, recor-
rendo às oportunidades trazidas pelas atuais tecnologias de informação e de
comunicação (TIC), em especial a web.
Daí, surgem dois grandes movimentos internacionais: a Open Archives
Initiative (Iniciativa dos Arquivos Abertos, doravante intitulado OAI — http://
www.openarchives.org) e o Open Access Movement (Movimento do Acesso
Aberto, doravante intitulado OA — http://www.ibict.br/openaccess). Especi-
ficamente sobre o OA, parece inexistir consenso entre os pesquisadores brasi-
leiros sobre a melhor tradução; então, optamos pela proposta de Bailey;
para quem o termo “aberto” se refere à opção de uso dos conteúdos, respei-
tando-se os direitos autorais dos envolvidos. “Livre”, por sua vez, refere-se ao
modelo de negócio da revista gratuita.
De qualquer forma, são movimentos que se complementam na elabora-
ção, no desenvolvimento e na fixação de políticas, estratégias, normas, regras
e produtos tecnológicos que suportem as demandas e as expectativas da co-
munidade científica internacional. Inclui-se, aqui, obviamente, a discussão
da detenção dos direitos do autor de manusear seus resultados de maneira
diferenciada da situação vigente, bem como o acesso aberto e público a resul-
tados de pesquisas, até porque, segundo previsão de Harnad,* quando aces-

2
I. Simon, “O oráculo bibliográfico: sonhos de um pesquisador” em Revista USP, São Paulo,
26-10-2002, disponível em http://www.ime.usp.br/--is/papir/oraculo/oraculo-rusp.pdf, acesso
em 21-2-2008.
C. W. Bailey Jr., The Role of Reference Librarians in Institutional Repositories. Preprint: 4-6-2005,
disponível em http://www.digital-scholarship.com/cwb/reflibir.pdf, acesso em 2-4-2008.
4
S. Harnad, “Acesso livre: Quê? Por quê? Quando? Onde? Como?: Medidas e mandatos”, cit.

112
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

síveis livremente na web, o mesmo resultado tem impacto 25% a 250% vezes
maiores do que quando isto não ocorre.
Uma das estratégias adotadas por ambos os movimentos é a adoção de
repositórios digitais como instrumento de ação política, levando-os a ocupar
papel valioso e relevante na discussão sobre direitos autorais e a promover
maior impacto da C&T em diversas esferas científicas, tecnológicas e sociais.
Este capítulo discute, pois, o atual processo da comunicação científica,
focando os pilares que o sustentam e ponderando a atuação dos referidos
movimentos, de modo a descrever o surgimento e as características dos
repositórios digitais (institucionais e temáticos), como parceiros das revistas
científicas eletrônicas de acesso aberto na ação conjunta de maior dissemina-
ção, acesso, distribuição e preservação do conhecimento científico. Assim,
discute sobre as convergências e convivências entre repositórios e revistas
científicos, evidenciando a relevância e a pertinência dos dois movimentos,
como instrumento de política de informação nas instituições de ensino supe-
rior (TES), institutos de pesquisa e organismos públicos e governamentais.

Comunicação científica e movimentos


internacionais de suporte à divulgação da
produção científica: OAI e OA
De fato, OAI e OA representam um marco na história da comunicação
científica, pois oferecem, respectivamente:
* Soluções técnicas efetivas, ágeis, econômicas e viáveis para que comu-
nidades científicas reconstruam práticas e processos de comunicação
científica, sistemas de gestão cooperativos, mecanismos de controle
bibliográfico, preservação da memória, promovendo, assim, a conso-
lidação de seu corpus de conhecimento.
* Suporte teórico e respaldo político que possibilitam e suportam a dis-
cussão sobre a disseminação ampla e irrestrita do conhecimento (prin-
cipalmente aquele gerado com financiamento público); a legitimação e

113
COMO GERENCIAR O CONTEUDO CIENTÍFICO

institucionalização de novos sistemas de publicação científica, a revisão


das práticas associadas à concessão de seus direitos de autor aos editores
comerciais, a transparência necessária no processo de peer review e o
compartilhamento público sem custos, entre outras questões.
Ambos os movimentos perpetuam os três princípios clássicos referenda-
dos pela comunidade científica: a) o princípio da disseminação, referente à
visibilidade dos resultados de modo a que possam ser colocados em uso pela
comunidade científica; b) o princípio da fidedignidade, alusivo à revisão pe-
los pares com o intuito de conferir validade e qualidade ao conteúdo; c) o
princípio da acessibilidade, concernente à organização, à permanência e ao
acesso ao conteúdo científico pela comunidade científica.” Tomando como
referência esses princípios básicos, inferimos as principais atuações e contri-
buições dos dois movimentos, de modo a evidenciar o surgimento e a função
dos repositórios digitais até o momento.

PRINCÍPIO DA DISSEMINAÇÃO

A preocupação com a disseminação dos resultados de pesquisas tem um


apelo fundamental tanto para a ciência como para o cientista. Para a ciência,
garante maior visibilidade, possibilidade de uso e aplicações, impacto e, conse-
quentemente, o progresso da pesquisa e a melhoria social da humanidade,
entre outras vantagens. Para os cientistas significa, além de visibilidade de sua
produção e da consequente maximização de resultados, chance de aumento de
subvenção para os próximos trabalhos de pesquisa, reconhecimento entre os
pares, ampliação de sua rede social e, decerto, satisfação e motivação pessoal.
Com o surgimento da indústria de informação, advinda da explosão biblio-
gráfica decorrente dos altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento

2 S.M.sS. P. Ferreira, “Fontes de informação em tempos de acesso aberto”, em M. J. Giannasi-


Kaimen & A. E. Carelli (orgs.), Recursos informacionais para compartilhamento da informação:
redesenhando acesso, disponibilidade e uso (Rio de Janeiro: E-Papers, 2007), p. 142.
$ R. Kling, “The Internet and Unrefereed Scholarly Publishing”, em Annual Review of Information
Science and Technology, vol. 38, Medford, 2004, pp. 591-631.

114
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

(P&D) entre as décadas de 1940 e 1950, a disseminação da produção científica


passa das mãos dos pesquisadores (por meio das associações científicas) para
oseditores das revistas científicas. Ou seja, o editor centraliza, agora, a respon-
sabilidade pela divulgação do principal elemento da comunicação científica.
Ora, afora tal centralização, que gera situações delicadas — como o menciona-
do caso de repasse dos direitos autorais e do preço das assinaturas —, a comuni-
dade científica vivencia também outras insatisfações. Entre elas, citamos:
morosidade no processo de divulgação; falta de transparência no processo de
peer review; lentidão na divulgação dos resultados e demora na composição,
impressão e posterior distribuição dos fascículos às bibliotecas assinantes.
Com base nas tecnologias derivadas do ambiente web e do software livre,
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento começam a se estruturar de
distintas maneiras, com o intuito de sanar tais dificuldades e transpor as
barreiras existentes. Surgem diversas experiências. Entre elas, o sistema pro-
posto pela comunidade de físicos, lançado em agosto de 1991, para
armazenamento, recuperação e disseminação de documentos eletrônicos,
intitulado ArXiv (http://arxiv.org). Nele, os pesquisadores da área, localiza-
dos em qualquer parte do mundo, depositavam seus trabalhos
concomitantemente a submissão às editoras para publicação nas revistas
científicas. Tais depósitos eram (e ainda são) feitos via interface web ou por
meio de e-mails e divulgados, diariamente, aos pesquisadores cadastrados,
os quais podem solicitar cópia do texto completo, caso lhes interesse.
Esses sistemas nascem intitulados repositórios. No lastro do sucesso do
ArXiv e de tantas outras iniciativas (CogPrints;” Network Computer Science
Technical Reference Library ou NCSTRL; Networked Digital Library Thesis
and Dissertations ou NDLTD; e Research Papers in Economics ou RePec, por
exemplo), é realizada uma reunião entre pesquisadores de diversas áreas e

Para mais informações sobre as quatro iniciativas citadas, consultar, respectivamente, http://
cogprints.soton.ac.uk; http://www.ncstrl.org; http://www-.ndltd.org (ou www.vtls.com/ndltd); e
http://repec.org.
Atualmente, o projeto Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), coordenado pelo Ibict,
faz parte da rede da NDLTD.

115
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

nacionalidades, em outubro de 1999, durante a Convenção de Santa Fé (ver


http://www.openarchives.org/sfc/sfc entry.htm), realizada no Novo Méxi-
co, sob os auspícios do Council on Library and Information Resources (Clir),
da Digital Library Federation (DLF), da Scholarly Publishing & Academic
Resources Coalition (Sparc), da Association of Research Libraries (ARL) e
do Los Alamos National Laboratory (LANL).º
Logo no ano seguinte, surge a iniciativa da OAI, com o propósito especí-
fico de desenvolver e promover padrões e normas de interoperabilidade para
facilitar a eficiente disseminação de conteúdos na internet. O termo “arqui-
vo” (archives) é empregado em sentido amplo, como espaço controlado para
armazenamento de informações digitais, enquanto o termo “aberto” (open)!
se refere à arquitetura do sistema, interfaces que facilitem a disponibilidade
de conteúdos procedentes de uma variedade de sistemas (http://www.
openarchives.org/documents/FAQ.html).
Para atingir a meta central de desenvolver e promover padrões e normas
de interoperabilidade que facilitem a disseminação de informação sobre a
literatura científica, a OAI:
* Define um conjunto mínimo de metadados com base no padrão Dub-
lin Core.
* Adota uma sintaxe comum Extensible Markup Language (XML) para
representar e transportar tanto o Open Archives Metadata Set (Oams)
como os conjuntos de metadados específicos de cada repositório.
* Implementa um protocolo de comunicação. Esclarecemos que protoco-
lo é a denominação para um conjunto de regras de comunicação entre
sistemas, a exemplo do File Transfer Protocol (FTP), Hipertext Transfer
Protocol (HTTP), Z39.50, etc. No caso, o protocolo adotado é o OAI/
Protocol for Metadata Harvesting (PMH), fundamentado no conceito
de metadata harvesting, qual seja, na operação periódica de coleta de

2 R. Triska &L. Café Ciequivos abenos subprojeto da Biblioteca Digital Brasileira”, em Ciência da
Informação, 30 (3), Brasília, set.-dez. de 2001, pp. 92-96.
“ Portanto, o termo “aberto” aqui tem uma conotação diferente do mesmo termo empregado no
movimento do acesso aberto.

116
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

metadados expostos por servidores que tenham também implementado


esse protocolo. A aplicação que faz a busca é denominada harvester (ou
provedores de serviços), enquanto os servidores de metadados onde as
buscas são efetivadas são denominados de repositórios (ou provedores de
dados). De fácil operacionalização, o protocolo em pauta possibilita e
estimula a geração de publicações de acesso aberto e o surgimento de
novos modelos para geração de inúmeras fontes de informação, disse-
minando a produção científica para acessos locais e globais, como des-
crito por Arellano e outros.” Com base nesse protocolo, já estão
disponíveis no Brasil os softwares Dspace e DiCi para funcionamento de
repositórios baseados no modelo ArXiv.org.
Acrescentamos que o software Dspace foi inicialmente customizado pela
equipe do Núcleo de Pesquisa da Escola de Comunicação e Artes da Universi-
dade de São Paulo (ECA-USP), atuando na Rede de Informação em Comu-
nicação dos Países de Língua Portuguesa (Portcom), em parceria com o Ibict,
a partir do software desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology
(MIT) em parceria com a Hewlett-Packard (HP), conforme consta de infor-
mações em http://dspace.ibict.br. O Diálogo Científico (DiCi), por sua vez, é
o nome da customização brasileira feita pelo Ibict do software Eprints desen-
volvido pela Southampton University, Reino Unido (http://www.ibict.br/
secao. php?cat=DiWEllogo%20CientWEDfico).
Com base em todo o exposto, pode-se sintetizar que inicialmente, portan-
to, o repositório assume características que o tornam único e peculiar:
* Basicamente, a princípio, o repositório se restringia a armazenar os
preprints (artigos publicados, antes de revistos pelos pares).'? Sua con-

" M. Arellano et al., “Editoração eletrônica de revistas científicas com suporte do protocolo OAI”,
emsS.M.S.P. Ferreira &M. das G. Targino (orgs.), Preparação de revistas científicas: teoria e prática
(São Paulo: Reichmann & Autores, 2005), pp.195-232.
Alguns editores utilizam indistintamente as palavras e-prints, preprints e post-prints. Neste capítu-
lo, estamos adotando a proposta da fonte Eprints (2005, apud Weitzel 2005, p.182), “os e-prints
são textos eletrônicos de artigos, antes e depois de revistos pelos pares e publicados. Antes de
revistos e publicados, são os preprints. Após a peer review e aceitos para divulgação, ganham o
nome de postprints. Assim, os e-prints incluem os preprints e os postprints”.

117
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

figuração e desempenho atual representam, portanto, nova atitude


diante da situação de centralização dos resultados de pesquisas nas
mãos dos editores de revistas científicas.
* O repositório traz à tona nova modalidade de comunicação científica,
baseada na colaboração e na participação dos cientistas, que podem
ou não estar dispersos geograficamente, o que exige reflexão sobre o
modelo atual do processo de peer review. Isso parece atender ao chama-
do de Callou sobre a premência de redes auto-organizadas visando
ampliar o debate sobre as orientações de pesquisa e ao de Finholt,
ambos citados por Weitzel, sobre “a revisão do modelo histórico ante-
rior da atividade científica caracterizado pelas atividades das elites fe-
chadas, pesquisas isoladas e individuais, desconectadas do que está
sendo produzido em termos nacional e internacional”!
* O repositório utiliza as TIC oriundas da internet tanto para a atividade
de depósito como para a divulgação e o compartilhamento dos conteú-
dos, por meio de protocolos apropriados de interoperabilidade. Anteci-
pam, assim, a disseminação dos conhecimentos recém-gerados, reforçam
o acesso gratuito e o direito do autor em depositar seu trabalho a sua
escolha e assumem, ainda, a responsabilidade de distribuição do material.

PRINCÍPIO DA FIDEDIGNIDADE

Ainda analisando os princípios da comunicação científica, a OAI confere


grau de relevância e importância à certificação de qualidade e fidedignidade,
buscando a preservação do processo de revisão pelos pares.
Dessa forma, para a adoção dos provedores de dados, o movimento esta-
belece, ainda, a inserção de mecanismos que garantam a manutenção de pro-
cedimentos de revisão. Surgem diferentes modelos. Alguns simplesmente
automatizam o processo de revisão já existente (blind review). Outros pro-

» S. da R. Weitzel, “E-prints: modelo da comunicação científica em transição”, em S. M.S. P.


Ferreira &M. das G. Targino, Preparação de revistas científicas: teoria e prática (São Paulo: Reichamnn,
2005), pp. 161-193.

118
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

põem inovações ao secular modelo de revisão e incorporam modelos híbri-


dos de revisão, onde se abre espaço para a avaliação pública e aberta tanto
para a comunidade científica como para os referees selecionados. Outros pa-
drões são totalmente abertos em busca da transparência completa do proces-
so, permitindo a qualquer indivíduo emitir avaliações críticas, publicadas
abertamente no sistema. Na realidade, esse modelo totalmente aberto foi
aceito e utilizado no âmbito de poucas áreas (psicologia, por exemplo). É o
caso do citado ArXiv.org e do CogPrints, idealizados respectivamente por
Ginsparg e Harnad, precursores da proposta. Mas é evidente que qualquer
uma dessas opções garante o acesso e a recuperação das várias versões do
texto geradas a partir de avaliações e comentários emitidos.
O desempenho da revisão pelos pares tem sido condicionado ao tipo de
repositório (ou provedor de dados) a que se propõe. Exemplificando: nas
ferramentas construídas para implementação de repositórios, cujo conteú-
do já tenha passado por algum tipo de avaliação externa. Dizendo de outra
forma, no caso dos post-prints, a revisão se limita à validação do direito do
autor para o referido depósito; em se tratando de teses defendidas nas insti-
tuições de ensino superior (IES), a revisão se refere ao aval da secretaria dos
cursos de pós-graduação e, posteriormente, pela própria biblioteca antes da
publicação final.

PRINCÍPIO DA ACESSIBILIDADE

A acessibilidade se refere à organização, à permanência e ao acesso ao


conteúdo científico pela comunidade científica. Ante a todo o exposto ante-
riormente, fica claro que a organização e a permanência digital do conteúdo
científico vêm sendo tratadas eficientemente pelos preceitos da OAI, em par-
ticular, no que diz respeito ao emprego de metadados padronizados e à ga-
rantia de interoperabilidade.
Afirmamos, portanto, que do ponto de vista tecnológico tais questões
estão solucionadas. Porém, no que diz respeito ao acesso as dúvidas persis-
tem. Como, efetivamente, possibilitar e garantir o acesso amplo e irrestrito
aos resultados de todas as pesquisas desenvolvidas, ou pelo menos àquelas

119
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

financiadas com dinheiro público? Conforme Guédon,” a primeira reação


da comunidade científica ante a alta de preços das assinaturas de revistas foi
a consolidação de consórcios, movimentos defensivos de resistência, porém
ineficientes no que se refere a alterar o status quo da situação em sua totalidade.
Como resposta, surge o OA, que traz a força política e a sustentação ideo-
lógica necessárias para fomentar e consolidar as profundas alterações exigidas
no atual modelo e estrutura de poder da comunicação científica. Registram-
se três declarações fundamentais (também conhecidas como 3 B's — Budapes-
te, Bethesda e Berlim) relacionadas ao movimento OA:
Declaração de Budapeste — reunião realizada em dezembro de 2001,
promovida pelo Open Society Institute (OSI) para discutir a questão
do acesso à literatura científica. O resultado foi a Budapest Open Access
Initiative/Boai (http://www.earlham.edu/-peters/fos/bethesda.htm),
um documento e uma iniciativa que são, ao mesmo tempo, uma decla-
ração de princípios, uma definição de estratégia e uma afirmação de
empenho. Isto, figura como um dos mais importantes documentos do
movimento do acesso aberto.
Declaração de Bethesda (Bethesda Statement on Open Access Publishing,
http://www.soros.org/openaccess/read.shtml) — reunião no dia 11 de
abril de 2003, na sede do Howard Hughes Medical Institute, pretende
estimular a discussão sobre a forma de concretizar, tão rapidamente
quanto possível, o acesso aberto à literatura científica.” Esta declaração
define que acesso aberto significa a disponibilização pública na internet
de literatura de caráter acadêmico ou científico, em particular, os arti-
gos de revistas científicas, permitindo a qualquer um ler, descarregar,
copiar, distribuir, imprimir, pesquisar ou referenciar o texto integral
dos documentos (Ibict/Open Access, [2005-]). Além desta conceituação,
apresenta conclusões e recomendações de grupos de trabalho sobre or-

4 J.-C. Guédon, “Toward Optimizing the Distributed Intelligence of Scientists: the Need for Open
Access”, em Simpósio Internacional de Bibliotecas Digitais, 2, Campinas, 2004.
5 « Bethesda Statement on Open Access Publishing”, 2003, disponível em http://www.earlham.edu/

—peters/fos/bethesda.htm, acesso em 2-1-2008.

120
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

ganismos e instituições financiadores de pesquisa e desenvolvimento


(P&D), bibliotecas e editores, sociedades científicas e pesquisadores.
* Declaração de Berlim sobre o Acesso Aberto ao Conhecimento nas
Ciências e Humanidades (http://www. inist.fr/openaccess/article.php3?
id article=38) — reunião, em 22 de outubro de 2003, concretiza a ade-
são de representantes de várias instituições científicas européias, entre
as quais a Sociedade Max-Plank (Alemanha) e o Centre National de la
Recherche Scientifique (França), em apoio ao OA e ao depósito em ar-
quivos de acesso aberto. Os órgãos presentes reafirmam a pretensão de
encorajar seus pesquisadores e bolsistas a depositarem sua produção,
no mínimo, num repositório.
Segundo a Declaração de Berlim, todos os resultados de pesquisas cientí-
ficas originais, dados não processados, metadados, fontes originais, repre-
sentações digitais de materiais pictóricos, gráficos e materiais acadêmicos e
multimídias devem ser considerados como contribuições de acesso aberto.
Para tanto, devem satisfazer duas condições fundamentais, detalhadas a seguir.

PRIMEIRA CONDIÇÃO

O(s) autor(es) e o(s) detentor(es) dos direitos dessas contribuições con-


cedem a todos os usuários:
1. Direito gratuito, irrevogável e irrestrito de acessá-las.
2. Licença para copiá-las, usá-las, distribuí-las, transmiti-las e exibi-las
publicamente.
3. Licença para realizar e distribuir obras derivadas, em qualquer suporte
digital para qualquer propósito responsável, em obediência à correta
atribuição da autoria (as regras da comunidade continuarão a fornecer
mecanismos para impor a atribuição e o uso responsável dos trabalhos
publicados, como acontece no presente) e com a garantia de fazer cópias.
Essa primeira condição reacende a discussão sobre o atual modelo de ne-
gócios no sistema de comunicação científica, o modelo por assinatura. Como
estratégia para atingir tal condição, surge, na Declaração de Budapeste,!* a

'* Budapeste Open Acess Iniciative (Boai), 2002, disponível em http://www.soros.org/openaccess/


read.shtml, acesso em 12-11-2007.

121
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

sugestão de novo modelo de revistas de acesso aberto, disponíveis gratuita-


mente via internet para a comunidade. Como decorrência, diversas propos-
tas de formatação de títulos de acesso aberto surgem. Um deles merece
destaque: a transferência dos custos administrativos das revistas no momen-
to de sua publicação e não no acesso ao mesmo. Isto é, quanto o autor (ou
“sua” instituição) pagaria aos editores a fim de que seu artigo pudesse ser
acessado livremente, sem custos para o usuário final.
Como descrito por Mueller, em alguns casos, o preço cobrado do autor é
muito elevado. Por exemplo, o valor cobrado pela Royal Society of London
(Reino Unido) para permitir acesso aberto imediato aos artigos publicados
em seus títulos, após publicação impressa, “[...] varia entre £ 200 a £ 300, o
equivalente a US$ 370 a US$ 550. Outras editoras cobram menos: a Public
Library of Science [PloS] (americana) cobra US$ 2,50 por artigo”” Surgem
opções, ainda, de se efetuar a cobrança por especificidade, caso a caso — por
exemplo: cobrança por páginas que ultrapassem certo limite preestabelecido
ou pela inserção de gráficos coloridos ou pela necessidade de reavaliação ou
publicação dos artigos tão logo sejam aceitos, sem esperar a produção do
fascículo integral.
Outra proposta é a de Harnad e outros,'* que apontam dois caminhos a
serem seguidos por editoras e respectivas revistas:
* A citada via verde (green road) — refere-se àquelas revistas cujos edito-
res comerciais adotam regras de direitos autorais compartilhados, no
sentido de que têm claro em seus princípios contratuais a aceitação de
que os autores podem depositar livremente uma cópia de seus textos
em repositórios públicos de acesso aberto.
* Via dourada (gold road) — refere-se aquelas revistas com programação
totalmente em formato aberto e interoperável, com acesso público
garantido pelos próprios editores.

7 S.P.M. Mueller, “A comunicação científica e o movimento de acesso livre ao conhecimento” em


Ciência da Informação, 36 (2), Brasília, 2006, p. 33.
S. Harnad et al, “The Green and the Gold Roads to Open Access”, em Nature Web Focus, 2004,
disponível em http://www.nature.com/nature/focus/accessdebate/21.html; acesso em 25-5-2008.

122
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

O modelo proposto por Harnad e seus colaboradores traz uma série subs-
tancial de inovações e de implicações, tanto em relação à estrutura de poder
estabelecida pelas editoras (que detêm os direitos autorais) como em relação
à própria estrutura científica junto às agências de fomento e às IES. Implica,
inclusive, novas posturas por parte dos pesquisadores no momento em que
propõe ao autor a chance de ter direito e livre arbítrio, além de iniciativa
própria para depositar seu trabalho conforme proposto na via verde.
O autodepósito (self-archiving) concerne ao envio espontâneo do texto pelo
autor (ou dados, metadados, imagens, som ou qualquer outra informação
registrada) a um repositório por ele selecionado. Na prática, diversos estudos
vêm comprovando a dificuldade ainda inerente a esta atividade, independen-
temente da permissão ou não da editora. São entraves atrelados a fatores dis-
tintos, como: a) falta de confiança nos repositórios disponíveis; b) inexistência
de políticas institucionais; c) desconhecimento do processo da comunicação
científica; e até d) falta de encorajamento e motivação para mudanças de pos-
tura, conforme Bjórk e Turk;!? Mark Ware Consulting;” e Swan e Brown.”
Os aplicativos desenvolvidos para adoção dos atuais provedores de dados
(repositórios de revistas, e-prints, eventos, teses, etc.) incorporam essa funcio-
nalidade, exigindo do autor o compromisso de se cadastrar e fornecer dados
fundamentais relacionados com sua identificação profissional e localização,
bem como o depósito de sua produção, observando os direitos autorais vi-
gentes e responsabilizando-se por eles. Sob essa perspectiva, também cresce o
número de títulos comerciais renomados que seguem as diretrizes da via ver-
de, adotando o modelo de diversos modos. É o caso da autorização de
autodepósito: após um período predefinido do lançamento da revista, ape-
nas do preprint ou, ao contrário, do post-print fornecido pela editora — mais

» B-C. Bjórk & Z. Turk, “How Scientists Retrieve Publications: an Empirical Study of How the
Internet Is Overtaking Paper Media”, em The Journal of Electronic Publishing, 6 (2), dezembro de
2000.
Mark Ware Consulting, “ALPSP Survey of Librarians on Factors in Journal Cancellation”, 2006,
disponível em http://www.ingentaconnect.com/content/alpsp/slfjc, acesso em 15-3-2007.
2 A. Swan &S. Brown, “Authors and Open Access Publishing” em Learned Publishing, 17 (3), 2004,
pp.219-224.

123
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

informações sobre novos modelos de negócios e formas de cobrança e susten-


tação das revistas podem ser obtidas no capítulo “Revistas científicas: financi-
amento, recursos tecnológicos e custos”, na página 73, e detalhes sobre direitos
autorais e modelos vigentes estão descritos no capítulo “Direitos autorais e o
movimento do acesso aberto: um equilíbrio que demanda novas atitudes”,
página 139.
As revistas via dourada, por seu turno, lançam mão do respaldo e do
suporte tecnológico da OAI de modo a garantir tanto o acesso como a orga-
nização dos conteúdos e sua interoperabilidade. Reiteramos que os títulos
via verde pressupõem tanto a efetivação das atividades de auto-arquivamen-
to na comunidade científica como, principalmente, a existência de reposi-
tórios digitais, que é, portanto, a segunda estratégia do OA.

SEGUNDA CONDIÇÃO
A segunda condição exigida pela Declaração de Berlim para garantir as
contribuições de acesso aberto prevê que:

Uma versão completa da obra e todos os materiais suplementares, incluindo


uma cópia da licença, como acima definida, são depositados e, portanto,
publicados em um formato eletrônico normalizado e apropriado em pelo
menos um repositório que utilize normas técnicas adequadas (como as defi-
nições estabelecidas pelo modelo OAI) e que seja mantido por uma institui-
ção acadêmica, sociedade científica, organismo governamental, ou outra
organização estabelecida que pretenda promover o acesso aberto, a distri-
buição irrestrita, a interoperabilidade e o arquivamento em longo prazo
(Berlim Declaration on open access...,).?

Essa estratégia do OA define a questão básica quanto à existência de espaços


oficiais para armazenamento, controle, recuperação, tratamento e preserva-
ção digital da produção científica, ou seja, para a construção de repositórios

2 «
Berlin Declaration on Open Access to Knowledge in the Sciences and Humanities”, Berlim, 2003,
disponível em http://oa.mpg.de/openaccess-berlin/berlindeclaration.html; acesso em 12-1-2008.

124
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

digitais por instituições acadêmicas. Isso significa dizer que estão sendo cobra-
das novas atitudes de todos os atores (stakeholders) envolvidos com o processo
da comunicação científica, algumas das quais constam do Manifesto Brasilei-
ro, sintetizado (Quadro 1) — e, na íntegra, em http://www.ibict.br/openaccess/
index.php?option= com content&task=view&id=35&Itemid=47.

Repositórios digitais
Naturalmente, por ser recente, o conceito de repositório digital sofre cons-
tante evolução. Agora, incorpora distintos aspectos que apontam tanto ca-
racterísticas funcionais como gerenciais e operacionais. Pesquisadores com
visões diversificadas possibilitam revisão histórica e elucidam a trajetória de
seu conceito e de suas características, levando-os a estabelecer certa tipologia.
No primeiro grupo estão os repositórios institucionais. Como a denomina-
ção antevê, seu foco é a produção intelectual de determinada instituição, que
pode integrar trabalhos publicados e/ou originais em distintos formatos,
suportes e tecnologias.
Há vários exemplos de repositórios em universidades no exterior, como o
eScholarship Repository, da University of California Digital Library, nos Es-
tados Unidos da América; o Repository for the School of Information and
Computer Science, na University of Southampton, no Reino Unido; o Reposi-
torium, da Universidade do Minho, em Portugal, entre outros. No Brasil,
citamos o Repositório Institucional em Ciências da Comunicação (Reposcom)
da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
(Intercom), implementado pela Rede de Informação em Comunicação dos
Países de Língua Portuguesa (Portcom/Intercom); e a Biblioteca Digital do
Jurídico (BDJur) do Supremo Tribunal de Justiça, entre outros.
Existem, ainda, os repositórios temáticos, quando estabelecidos para cole-
cionar e preservar material de determinada área do conhecimento. Podem ser
organizados pelo governo, por IES, por instituto de pesquisa ou por autôno-
mos. Na internet, estão dois exemplos internacionais que chamam a atenção: o
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

Quadro 1 — Manifesto brasileiro de apoio ao acesso aberto à informação científica:


recomendações à comunidade científica
É imperativo que as instituições acadêmicas brasileiras se comprometam a a:
1) criar repositórios institucionais e temáticos, observando o paradigma do acesso aberto;
2) requerer que seus pesquisadores depositem uma cópia de todos os seus trabalhos
publicados em pelo menos um repositório de acesso aberto;
3) encorajar seus pesquisadores a publicar resultados de pesquisa em periódicos de
acesso aberto em que houver um periódico apropriado para isso. Deve-se, além disso,
prover o apoio necessário para que isso ocorra;
4) reconhecer a publicação em ambiente de acesso aberto para efeito de avaliação e
progressão acadêmica;
5) ter disponíveis, em ambiente de acesso aberto, as revistas editadas pela instituição ou
seus órgãos subordinados.
É primordial que os pesquisadores (autores) se comprometam a:
1) contribuir para o incremento de conteúdos em repositórios institucionais ou temáticos,
depositando o maior número possível de seus trabalhos, publicados ou não, incluindo
preprinis e post-prints, material de aula, etc.
2) depositar, obrigatoriamente, num repositório de acesso aberto, publicações que envol-
vam resultados de pesquisas financiadas com recursos públicos.
É necessário que as “agências de fomento se comprometam a:
1) reconhecer a publicação científica em repositórios de acesso aberto para efeito de
avaliação da produção científica dos pesquisadores e de concessão de auxílios e finan-
ciamentos para pesquisa;
2) recomendar aos pesquisadores a quem concedem auxílio financeiro para pesquisa
que depositem uma cópia dos resultados publicados num repositório de acesso aberto ou
que publiquem prioritariamente em periódicos eletrônicos de acesso aberto;
3) recomendar aos pesquisadores a quem concedem auxílio financeiro para participação
em eventos que depositem uma cópia de seu trabalho num repositório de acesso aberto;
4) promover e apoiar a construção e manutenção de repositórios institucionais e temáticos;
5) apoiar, prioritariamente, a edição de publicações científicas eletrônicas de acesso aberto;
6) adotar a regra de que toda publicação científica financiada com recursos públicos deve
ter versão disponível eletronicamente em ambiente de acesso aberto.
É imprescindível que as editoras comerciais de publicações científicas se comprometam a:
1) concordar que os trabalhos por elas publicados com autoria de pesquisadores financia-
dos por recursos públicos tenham uma cópia depositada em repositório de acesso aberto;
2) manter disponível uma versão eletrônica, em ambiente de acesso aberto, das publica-
ções impressas por elas editadas, cuja autoria seja de pesquisadores que obtiveram
recursos públicos para suas
às pesquisas.
É recomendável que editoras não comerciais se comprometam a:
1) disponibilizar uma versão eletrônica, em conformidade com o paradigma do acesso
aberto à informação, das publicações impressas por elas editadas;
2) adotar padrões em conformidade com os estabelecidos's pela OOA.
Fundamentado em: Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), Manifesto Brasileiro de
Apoio ao Acesso aberto à Informação Científica, disponível em http://www.ibict.br/openaccess/arquivos/
manifesto.htm, acesso em 12-5-2008.

126
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

próprio ArXiv e o Repositório da PubMed Central, para artigos de revistas da


área biomédica. No Brasil, citamos o repositório intitulado Arena Científica
da Portcom (atualmente, incorporado ao Reposcom) e o Diálogo Científico,
sob a responsabilidade do Ibict, para a área de ciência da informação.
Lembramos que os repositórios, conforme mencionado antes, surgiram
com o objetivo de atuar como veículos para a difusão informal e veloz da
literatura científica, previamente à respectiva validação pelos pares (peer
review). No entanto, o considerável número de repositórios em funciona-
mento, rapidamente, tornou-se o caminho essencial para disseminação e
compartilhamento dos resultados de pesquisas entre os pares, como descrito
por Van de Sompel e Lagoze.?
O primeiro repositório arXiv.org, também já mencionado, vem sendo
estudado sistematicamente por diversos pesquisadores para aferição de seu
impacto, seu uso e sua importância junto à comunidade. Correia e Castro
Neto,” ao traçarem uma compilação de tais estudos, evidenciam que:

[...] no início de 1999, 0 arXiv.org continha cerca de 100.000 artigos e o núme-


ro de arquivos baixados, anualmente, ascendia a cerca de sete milhões, o que

revela que, em média, cada artigo foi “utilizado” pelo menos 70 vezes (valores
referentes, apenas, ao servidor em Los Alamos, excluindo, portanto, a utiliza-
ção através dos mirrors em outras localidades).
[...] o número de acessos ao arXi.orgv teve um aumento exponencial — os
acessos semanais, que eram cerca de 100.000 em 1994, atingiram, em maio de
2000, o valor de 800.000.%

H. van de Sompel & €. Lagoze, “The Santa Fe Convention of the Open Archives Initiative” em D-
Lib Magazine, 6 (3), fevereiro de 2000.
24
A.M.R. Correia & M. Castro Neto, “Repositórios digitais de literatura científica cinzenta: estudo
de caso sobre as percepções e atitudes das comunidades científicas da matemática e ciências
agrárias, em Portugal” em Anais da Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informa-
ção, 2, Évora, 2001.
AM. Odlyzko, “The Rapid Evolution of Scholarly Communication”, 2001, p. 14, disponível em
www.si-umich.edu/PEAK-2000/0dlyzko.pdf, acesso em 2-2-2008.
C. Brown, “The E-volution of Preprints in the Scholarly Communication of Physicists and
Astronomers, em Journal of American Society for Information Science and Technology, 52 (3), 2001,
pp. 187-200.
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

[...] o número de artigos disponíveis no arXiv.org em 2001 era da ordem dos


150.000 e o seu volume continuava a aumentar ao ritmo de 30.000 artigos/
ano.”

Estatística de fevereiro de 2008, publicada na página inicial de arXiv.org,


mostra o total de 470.657 e-prints no campo da física, matemática, ciência da
computação, biologia quantitativa e estatística, armazenados e disponíveis
em acesso aberto. A este respeito, Crow também discute o potencial dos
repositórios nas mudanças que estão ocorrendo na comunicação científica,
acreditando que os repositórios podem ser entendidos como coleções digi-
tais, que armazenam e preservam os produtos intelectuais de uma única ou
de várias universidades e fornecem a necessária resposta aos dois problemas
que essas instituições enfrentam:

a) discutir a reforma no sistema da comunicação frente à necessidade de


expandir o acesso a pesquisas, aumentar sua competitividade e, ao mesmo
tempo, reduzir o monopólio das editoras e b) ter potencial para servir de
indicador tangível da qualidade da universidade e demonstrar a relevância
social, econômica e científica de suas pesquisas, aumentando sua visibilidade,
status e valor público.”

Lynch corrobora o pensamento expresso. No entanto, valoriza a possibi-


lidade de oferta de diversos serviços, demonstrando preocupação com a
preservação digital, efetivamente, componente complexo e relevante na orga-
nização e no acesso à produção científica, mediante tal colocação:

[...] do meu ponto de vista, um repositório é um conjunto de serviços que a


universidade oferece para que membros de sua comunidade possam gerenciar
e disseminar seus materiais digitais. É essencialmente um compromisso da

” S, Harnad, “The Self-Archiving Initiative”, em Nature, vol. 410, abril de 2001, pp. 1024-1025,
disponível em http://users.ecs.soton.ac.uk/harnad/Tp/nature4.htm, acesso em 25-5-2007.
* R. Crow, “The Case for Institutional Repositories: a SPARC Position Paper”, em The Scholarly
Publishing & Academic Resources Coalition, release 1.0. 2002, disponível em http://www .arl.org/
sparc/IR/ir.html, acesso em 2-3-2008.

128
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

instituição com a salvaguarda destes materiais digitais, incluindo a preserva-


ção em longo prazo quando apropriado, bem como sua organização e acesso
ou distribuição. [...] Pode ser composto por trabalhos publicados e/ou origi-
nais e apresentados em distintos formatos, suportes e tecnologias.”

Para possibilitar visão mais operacional dos repositórios, arrolamos ou-


tros três conceitos:

[...] base de dados web de materiais acadêmicos selecionados pela instituição,


cumulativa e perpétua (a coleção de registros), aberta e interoperável (utiliza
software alinhado à OAT), que coleta, armazena e dissemina (é parte do pro-
cesso de comunicação científica).*
[...] inclui uma variedade de materiais produzidos pela comunidade acadê-
mica, tais como e-prints, relatórios técnicos, teses e dissertações, conjunto de
dados e materiais didáticos.”
[...] sistemas de informação que armazenam, preservam, divulgam e dão
acesso à produção intelectual de comunidades científicas. Incentivam e
gerenciam a publicação pelo pesquisador, utilizam tecnologia aberta e podem
ser acessados por diversos provedores de serviços nacionais e internacionais.?

Da análise dos conceitos ora apresentados e revendo as características


inicialmente relatadas, inferimos que um repositório digital possui traços
próprios, segundo óticas distintas:
* Ponto de vista tecnológico — mecanismos de recuperação contextua-
lizada dos conteúdos em regime de acesso aberto; padrões de organi-
zação, gerenciamento e publicação de conteúdos digitais (metadados

»
C. A. Lynch, “Institutional Repositories: Essential Infrastructure for Scholarship in the Digital
Age”, em ARL: a Bimonthly Report on Research Library Issues and Actions from ARL, CNI, and
SPARC, nº 226, fevereiro de 2003, pp. 1-7, disponível em http://www.arl.org/newsltr/226/ir.html,
acesso em 5-12-2007.
Mark Ware Consulting, “ALPSP Survey of Librarians on Factors in Journal Cancellation”, cit.
C.W. Bailey Jr. “Institutional Repositores, Tout de Suíte”, 2008, disponível em http://www. digital-
scholarship.org/ts/irtoutsuite.pdf, acesso em 12-5-2008.
Ibict, “Manifesto brasileiro de apoio ao acesso livre à informação científica”, disponível em http://
www.ibict.br/ openaccess/arquivos/manifesto.htm, acesso em 25-2-2008.
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

normalizados); garantia de preservação digital dos conteúdos (me-


mória da produção científica); interoperabilidade com sistemas
congêneres, por meio do protocolo OAI/PMH.
Ponto de vista gerencial — sistema de gestão mediante integração com
outros serviços; regras, normas e padrões para armazenamento, pre-
servação, divulgação e acesso da produção científica.
Ponto de vista científico — validação das autorias e qualificações cor-
respondentes; incremento da visibilidade; estatuto, imagem e valor
público da instituição, servindo como indicador tangível de qualidade
e demonstrando a relevância científica, econômica e social das ativida-
des de pesquisa e de ensino da comunidade científica. Ainda atua no
controle e preservação da memória institucional.
Ponto de vista legal — preservação dos direitos autorais em longo pra-
zo: auto-arquivamento; complementação ao acesso aberto descrito e
autorizado pelos editores de revistas via verde.
Ponto de vista de conteúdo — materiais em distintas fases de publicação
(preprints, post-prints e materiais publicados internamente); materiais
total ou parcialmente abertos; revisados por pares ou não; inúmeros
suportes (vídeos, filmes, textos, multimídia, fotos); distintos formatos
(como ppt, pdf, txt e jpeg, entre outros); diversidade de tipos de docu-
mentos (artigos, livros, documentos de eventos, teses e dissertações,
materiais didáticos, etc).
Ponto de vista social — participação ativa e eficiente na reestruturação
da comunicação, possibilitando à comunidade científica reassumir o
controle da produção acadêmica, aumentando sua visibilidade e pos-
sibilidade de maior inserção social.
Repositórios também podem ser operacionalizados com foco específico
para tipos particulares de materiais. Os citados projetos — o internacional
NDITD, iniciado pela Virginia Tech University, nos Estados Unidos, e o nacio-
nal BDTD do Ibict, respectivamente primeira e segunda maior biblioteca
digital de teses do mundo em termos de quantidade de registro. Ao lado desse
exemplo de atuação, repositórios implementados como ferramenta de ges-

130
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

tão de eventos científicos, com posterior publicação on-line dos anais corres-
pondentes, também vêm causando forte impacto e alterando o fluxo de
compartilhamento do conhecimento em elaboração. É o caso de congressos
internacionais, como PKP Scholarly Publishing, International Conference
on Imagination and Education e Electronic Publishing (ElPub), entre ou-
tros. No Brasil, citamos: Seminário Nacional de Bibliotecas Universitárias
(SNBU) e Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação
(CBBD), além de outros, de maior ou menos porte.
E mais, para acompanhar, registrar e disseminar os repositórios em todo
o mundo, já estão disponíveis vários sistemas e serviços de indexação ou de
diretórios, que favorecem pesquisas por país, tipos de conteúdos, áreas de
atuação e tecnologias utilizadas, entre outros critérios. São eles:
* The Directory of Open Access Repositories (OpenDoar — http://www.
opendoar.org) — dados de março de 2008 dão conta do cadastramento
de 1.118 repositórios distribuídos por sessenta países, incluindo o Bra-
sil, que já conta com 25 repositórios cadastrados, sendo um deles a
BDTD, atualmente com cerca de 54.498 registros.
* OAI Registered Data Providers (http://www.openarchives.org/
Register/BrowseSites) — registra provedores de dados de vários países
implementados com o protocolo OAI. Em março de 2008, totalizou
787 registros, dos quais 57 são brasileiros.
* Registry of Open Access Repositories (Roar — http://roar.eprints.org)
— registra os repositórios no momento de sua implementação. Atual-
mente, estão cadastrados 1.037 repositórios no mundo, sendo 53 bra-
sileiros. O sistema mostra a data de registro e um gráfico do acesso e
uso do repositório desde a data de seu registro.
* Latin American Open Archives Portal (Laoap — http://lanic.utexas.edu/
project/laoap) — cadastra os repositórios da América Latina.
* The European Guide to OAI-PMH Institutional Repositories in the World
(Openarchives.eu — http://www.openarchives.eu/home/home.aspx?
lang=en) — mantém lista de repositórios englobando diversos países,
organizando-os por áreas de atuação e interesse. Possui 1.794 registros

131
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

(dados de março de 2008), incluindo repositórios de e-prints, post-prints


e revistas eletrônicas.
* Registry of Open Access Repository Material Archiving Policies
(Roarmap — http://www.eprints.org/openaccess/policysignup) — con-
siste em repositório sobre políticas institucionais de auto-arquivamen-
to, cujo propósito é divulgar as políticas de acesso aberto de instituições
que estão pondo em prática o princípio do acesso aberto (de acordo
com as declarações de Budapeste e de Berlim sobre o Acesso Aberto ao
Conhecimento nas Ciências e Humanidades). Pode ser consultado em
dez idiomas: inglês, espanhol, árabe, chinês, francês, alemão, hebraico,
italiano, japonês e russo.
* Portal Brasileiro de Repositórios e Periódicos de Acesso Aberto (Oasis.br
— http://oasisbr.ibict.br/index.php) — permite, por meio de uma única
interface, a pesquisa simultânea em vários repositórios digitais e revis-
tas científicas eletrônicas que utilizam o já mencionado protocolo OAI-
PMH. Em março de 2008, continha 169.040 registros.

Considerações finais
Os repositórios são parceiros imprescindíveis das revistas científicas na
construção de um ambiente favorável, ético e propício à ampla divulgação
do conhecimento científico, em especial no contexto do acesso aberto. Isso é
especialmente relevante nos países em desenvolvimento, cuja produção cien-
tífica está apartada da ciência internacional, ditada pelas revistas científicas
oriundas dos países mais desenvolvidos.
Assim, a convergência entre as ações dos responsáveis pela geração de
repositórios e as dos editores científicos é relevante para garantir a reforma
da comunicação científica, a expansão do acesso aos resultados da pesquisa,
o incremento de conteúdos científicos de acesso aberto, público e gratuito na
internet e o fortalecimento da ciência nas nações. Ademais, possibilita que a
comunidade científica reassuma o controle acadêmico de sua produção cien-

132
REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS

tífica, aumente sua competitividade, reduza o monopólio de alguns títulos,


reorganize o sustento econômico e aumente a relevância da ciência local,
nacional, regional e internacional.
Repositórios estão, cada vez mais, se impondo como ferramentas impor-
tantes para as IES e institutos de pesquisa, ajudando-os a se posicionar ante
os atuais movimentos OAI e OA, bem como a fortalecer a participação de sua
comunidade, munindo-a do conhecimento necessário para atuar e partici-
par do fluxo informacional que perfaz a comunicação científica. Para Lynch,*
eles representam nova estratégia, que permite às instituições influenciarem
de maneira séria e sistemática as mudanças aceleradas que vêm ocorrendo na
produção do saber.
Os repositórios também estão sendo empregados como recursos funda-
mentais para o compartilhamento, o aprendizado e a reutilização de materi-
ais de aprendizado e ensino, em especial nas áreas de educação a distância. Na
visão de Hayes,” os repositórios são responsáveis por auxiliar as instituições
no desenvolvimento de abordagens coerentes e coordenadas para seleção,
captura, identificação, armazenamento e recuperação de seus produtos inte-
lectuais. Assumem, portanto, papel básico nas IES, que, recentemente, já
começam a reconhecer a premência de identificar, organizar e tornar dispo-
nível o imenso e rico acervo intelectual produzido internamente.
Porém, criar repositórios é tão-somente uma condição necessária, e não
uma condição auto-suficiente para fornecer acesso aberto à totalidade dos
resultados de pesquisa. A este respeito, Harnad* afirma que 62% das revistas
avaliadas, hoje, já endossam o auto-arquivamento, mas apenas cerca de 15%
dos resultados de pesquisa institucional estão sendo depositados espontanea-
mente. O autor arrola, contudo, estudos internacionais com pesquisadores

33 C. A. Lynch, “Institutional Repositories: Essential Infrastructure for Scholarship in the Digital


Age”, cit.
* H. Hayes, “Digital repositores: helping universities and colleges”, 2005, disponível em http://
www.jisc.ac.uk/uploaded documents/HE repositories briefing paper 2005.pdf, acesso em
25-3-2008.
* S. Harnad, “Acesso livre: Quê? Por quê? Quando? Onde? Como?: Medidas e mandatos”, cit.

133
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

de todas as disciplinas, segundo os quais 95% deles obedeceriam à exigência


de auto-arquivar sua produção.
É evidente, pois, quão imprescindível é, no caso do Brasil ou em qualquer
outro país, a reformulação política das agências de fomento e às instituições
de ensino para a fixação de políticas públicas e regras claras de acesso aberto.
É crucial que tanto os órgãos governamentais de fomento à pesquisa quanto
às universidades adiram o acesso aberto, ou seja, determinem o auto-arqui-
vamento como princípio básico na concessão de apoio à pesquisa. Agências,
como o National Institute of Health (NIH — Estados Unidos), The Welcome
Trust (Reino Unido), os Research Councils in the United Kingdom (RCUK —
Reino Unido) e a European Commission, já exigem que resultados das pes-
quisas por elas financiadas sejam depositados num repositório de acesso aber-
to. Segundo Kuramoto,* nos Estados Unidos, em julho de 2007, 26 cientistas
e ganhadores do prêmio Nobel assinaram carta aberta ao Congresso Ameri-
cano apoiando o OA no caso dos resultados de pesquisas financiadas com
recursos públicos.
No Brasil, agências como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-
fico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (Fapesp) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) estão
incorporando, em suas diretrizes, políticas de acesso aberto. O Ibict tem atua-
do fortemente na divulgação do movimento na comunidade científica, no
estabelecimento de serviços focados, como é o caso da BDTD, na programa-
ção de ferramentas para uso da comunidade, e, recentemente, na oferta de
incubadoras de experiências brasileiras. No entanto, a iniciativa decisiva re-
side no Projeto de Lei nº 1.120/2007, proposto pelo deputado federal Rodrigo
Rollenberg à Câmara dos Deputados. Se aprovado, todas as instituições pú-
blicas de ensino superior e unidades de pesquisa ficam obrigadas a construir
repositórios institucionais, onde deve estar depositada toda a produção téc-

*% H. Kuramoto, “Cientistas exigem que o Congresso Americano decretem acesso livre à pesquisa”,
blog do Kuramoto, 2007, disponível em: http://blogdokura.blogspot.com, acesso em 15-2-2008.

134
ev
Fri PATR
à Atas

REPOSITÓRIOS VERSUS REVISTAS CIENTÍFICAS Bibiicteca


tic à Eugênio
Eugêni Gudirm
Gudirm

nico-científica de seus corpos docente, discente e pesquisadores. Os conteú-


dos serão, então, difundidos via internet, de forma livre, com a proposta,
ainda, de criação de uma comissão para definir a Política Nacional de Acesso
aberto à Informação Científica.
Em síntese, a grande dificuldade parece persistir no difícil processo de
auto-arquivamento, o qual demanda adesão, compreensão e motivação da
comunidade. Novos mecanismos de recompensa devem ser estudados. Faci-
lidades devem ser buscadas. Incentivos, como divulgação de estatísticas dos
trabalhos acessados e baixados, além da publicidade maciça, da participação
dos profissionais de informação, com ênfase para os bibliotecários, são algu-
mas estratégias úteis para incentivar o depósito e assegurar a adesão signifi-
cativa da comunidade científica, nacional e internacional. Em suma, ainda
resta longa caminhada a ser seguida pelos repositórios e revistas rumo às
convergências e convivências necessárias entre ambos, para que possamos
afirmar que a comunidade científica adentrou, de fato, nos rumos promisso-
res do movimento do Acesso Aberto e da Iniciativa de Arquivos Abertos.

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Learning Solutions”, 2004. Disponível em http://www.palsgroup.org.uk/palsweb/
palsweb.nsf/0/8c43ce800a9c67cd80256e370051e88a20penDocument. Acesso em
23-1-2008.
WEITZEL, S. da R. “E-prints: modelo da comunicação científica em transição”. Em
FERREIRA, S. M. S. P. & TARGINO, M. das G. (orgs.) Preparação de revistas cienti-
ficas: teoria e prática. São Paulo: Reichamnn, 2005.

137
Direitos autorais e o
movimento do acesso aberto:
um equilíbrio que demanda
novas atitudes:
Patrícia Cristina Nascimento Souto * Charles Oppenheim

Abordagens equilibradas dos direitos autorais:


a dependência dos stakeholders
Caracterizado principalmente pelo acesso on-line livre à informação cientí-
fica e pela permissão de uso das informações para qualquer emprego responsá-
vel, o acesso aberto (devidamente conceituado e caracterizado no capítulo
anterior) tem sido determinado/influenciado por diferentes fatores. Entre eles,
a crise na indústria editorial acadêmica, a assimetria de forças na relação edito-
ras-bibliotecas e as recomendações de auto-arquivamento feitas por diferentes
órgãos. Em se tratando dos órgãos, citamos: a) National Institute of Health
(NIH — Estados Unidos), que implementa política de recomendação de depó-
sito em acesso aberto das pesquisas financiadas por ele, em, no mínimo, 12
meses após a publicação; b) Research Councils in the United Kingdom (RCUK
— Reino Unido), cuja posição favorece o depósito de pesquisas financiadas em
repositórios institucionais; e mais recentemente c) a Comissão Européia? que
também implementa políticas quanto aos direitos autorais.

! Tradução de Bianca Amaro, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia.


2 M.Dewatripont et al., “Study on the Economic and Technical Evolution of the Scientific Publication
Markets in Europe”, DG-Research, European Commission, 2006, disponível em http://

139
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

É evidente que as relações entre os stakeholders e as forças do mercado no


sistema de publicações acadêmicas têm sido substancialmente desafiadas pe-
las estratégias assumidas no atual Movimento do Acesso Aberto (OA). Se-
gundo Suber,* esse movimento emerge na década de 1990, com o lançamento
das primeiras revistas revisadas pelo pares, on-line e grátis, como a Psycologuy,
editada sob a responsabilidade de Stevan Harnad. Com esse movimento, a
competitividade passa a integrar o mercado, uma vez que pesquisadores e
instituições se tornam disseminadores da própria produção intelectual e vio-
lam a exclusividade do canal de distribuição pertencente aos editores.
O movimento OA pode ser adotado por meio de duas estratégias princi-
pais (conforme detalhado no capítulo anterior “Repositórios versus revistas
científicas: convergências e convivências”): o modelo das revistas de acesso
aberto (modelo via dourada, em que a revista já nasce totalmente de acesso
público e aberto) e o modelo de auto-arquivamento (via verde, situação em
que a revista aceita que o autor deposite o artigo que está publicando num
repositório institucional e/ou temático, ou mesmo em páginas web pessoais
dos autores). Evidenciamos, assim, que a relação de propriedade dos direitos
autorais é um tópico igualmente importante em ambas as estratégias do OA.
De acordo com dados de Hoorn,* as revistas totalmente abertas (ou seja, na
via dourada) crescem a uma taxa de 50 títulos por mês, e, em novembro de
2007, estavam registrados 2.225 títulos no Directory of Open Access Journals
(Doaj, http://www.doaj.org), mantido pela Lund University Libraries Sweden.
Alguns números relacionados com as revistas totalmente em modelo aberto
constam da tabela 1, com o adendo de que a questão central relacionada a
elas é a viabilidade de seus modelos de negócio.

europa.eu.int/comm/research/science-society/pdf/scientific-publication-study. en.pdf, acesso em


março de 2006.
P. Suber, “Scholarly Communication: Removing Barriers to Research: an Introduction to Open
Access for Librarians”, em C&RL News, 64 (2), 2003; e “Timeline of the Open Access Movement”,
2006, disponível em http://www.earlham.edu/-peters/fos/timeline.htm, acesso em março de 2006.
E. Hoorn, “Repositories, Copyright and Creative Commons for Scholarly Communication”, em
Ariadne, nº 45, 2005, disponível em http://www.ariadne.ac.uk/issue45/hoorn/intro.html, acesso
em abril de 2006.

140
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

Tabela 1 — Alguns números relacionados com as revistas de acesso aberto (via


dourada)
Número de revistas OA no Doaj — Directory of Open Access Journals
(maio de 2006) 2.225
% de revistas listadas pelo Doaj que dependem. de financiamento público O
direto ou indireto” 55%
% de revistas listadas pelo Doaj no modelo author-pays* 17%
% de revistas OA que não têm seus custos cobertos e são mais dependentes
de recursos advindos de propagandas e patrocínios” 40%

Em relação ao modelo de auto-arquivamento, os resultados de recente


pesquisa mostram que o uso de repositórios institucionais duplica entre 2004
e 2005, e o de repositórios temáticos aumenta em quase 60%.º A sustenta-
bilidade financeira do auto-arquivamento tem sido bastante facilitada pelos
financiamentos institucionais e públicos. A questão, agora, é, principalmen-
te, a mudança das práticas de publicação e a preservação digital. A respeito
dessas práticas de publicação,” acrescem que um dos maiores obstáculos é o
hábito arraigado da cessão de direitos autorais.
A titularidade do direito autoral (TDA) e o OA possuem relação direta e
dependente, porque o sucesso do OA requer que a TDA volte a ser de domínio
do autor. A recuperação deste domínio libera os autores para utilização fle-
xível de seus próprios trabalhos, a fim de atender aos interesses acadêmicos,
reduzir os custos para as instituições, minimizar a assimetria do poder de
barganha dos editores e promover o acesso aberto. Ainda que tão favoráveis,
a recuperação da TDA e a viabilidade das estratégias mencionadas do OA
dependem, substancialmente, de transformações na baixa sensibilização e no
envolvimento dos autores na questão.

5
J. Regazzi, “The Shifting Sands of Open Access Publishing: a Publisher's View”, em Serials Review,
30 (4), 2004, p. 278.
* Ibid., p. 276
Kaufman-Will Group, “The Facts About OA: a Study of the Financial and Non-Financial Effects
of Alternative Business Models on Scholarly Journals”, Association of Learned and Professional
Society Publishers, 2005, disponível em http://www.alpsp.org/publications/FAOAcompleteREV.pdf,
acesso em março de 2006.
* A. Swan &S. Brown, Open Access Self-Archiving: an Author Study (s/1.: Key Perspectives, 2005).
? E. A. Gadd etal., “Journal Copyright Transfer Agreements: Their Effect on Author Self-archiving”,
em International Conference on Electronic Publishing, 7, Minho, 25 a 28-6-2003.

141
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

As mudanças nas atitudes desses pesquisadores-autores são os elementos


mais decisivos, atuando como colaboradores e condutores de abordagens
mais flexíveis e equilibradas de atribuição da TDA. Entretando, flexibilidade
e equilíbrio estão altamente atrelados às mutações nos sistemas operacionais
de editoras e instituições, e nos sistemas de recompensa e de financiamento
(Figura 1).
O imperativo de abordagens mais equilibradas em relação aos direitos
autorais tem sido influenciado pela força resultante da cessão excessiva desses
direitos aos editores, responsável por práticas injustas de preços e por conse-
quente crise na indústria. Hoorn!º e Gadd e outros!! afirmam que a concessão
dos direitos de autor para os editores ao longo dos anos tem produzido
assimetria de poder entre os stakeholders na comunicação científica. As pu-
blicações eletrônicas e as tecnologias digitais têm igualmente influenciado a
premência da adoção de diferentes modalidades de direitos de autor, por-
quanto facilitam e reforçam a atuação dos acadêmicos na geração e na divul-
gação de conhecimentos científicos, especialmente, utilizando estratégias OA.
A relação entre autor e questões concernentes ao OA tem sido destacada
por Suber.!? Para ele, o acesso aberto resolve a crise da permissão, gerada pelo
uso de barreiras legais e tecnológicas para acesso aos títulos pagos pelas biblio-
tecas. As barreiras jurídicas referem-se ao direito de autor e aos acordos de
licença, enquanto as barreiras tecnológicas estão relacionadas com os siste-
mas de gestão dos direitos digitais que bloqueiam o acesso à informação para
os usuários não autorizados. O OA soluciona ambas as limitações. Isto por-
que, em primeiro lugar, o direito de autor volta ao domínio do autor e a
literatura pode ser publicada e colocada à disposição sem qualquer custo.
Em segundo lugar, apoiada pela filosofia do acesso aberto, independente-

E. Hoorn, “Towards Good Practices of Copyright in Open Access Journals: a Study Among
Authors of Articles”, em Open Access Journals, University of Groningen, Faculty of Law Maurits
van der Graaf, Pleiade Management & Consultancy, 2005, disponível em http://www.lboro.ac.uk/
departments/ls/disresearch/poc/pages/jou-report.html, acesso em março de 2006.
“ B.A. Gadd et al. “Journal Copyright Transfer Agreements: Their Effect on Author Self Archiving”, cit.
2 P. Suber, “Scholarly Communication: Removing Barriers to Research: an Introduction to Open
Access For Librarians”, cit.

142
Apoiadores, motivadores e condutores das mudanças na titularidade do direito autoral Efeitos e aplicações
DIREITOS

ER Sã Políticas não restritivas relacionadas às


Políticas Y pré e pós-publicações
editoriais fo

/
A

E men
AUTORAIS

| a RE : NS, e educação
Políticas, incentivos, recursos
» sobre OA
E

/ Instituições de ensino
À superior e bibliotecas / — a
O

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“Novas atitudes e ag, | Abordagens mais
/ deacesso abertoe »,
/ ||
/ práticas de autores estratégias de acesso

143
|
flexíveis e |
relacionadas aos direitos / aberto (publicações de |
Promoção na carreira baseada nas práticas OA *, equilibradas na | 7 1
Reconhecimento informal e aprovação por moio x OA e auto- /
atribuição da TDA A
mem epada cultura entre os pares arquivamento) 7
MOVIMENTO

A e, E dá
a a
/” Sistemas de recompensa: pa
DO

Ra formal e informal (cultura 2


>. a +
entreospares)
——— Para estar legalmente apto a se
beneficiar das vantagens do OA

aa Órgãos de gene
ACESSO

(N financiamento
die ENE
e / Financiamentos baseados nas práticas de OA
E instituições + eincentivos às práticas de OA
RE ca an Novos modelos e práticas de direito autoral
para um mundo OA, lais como Creative e
Science Commons, ROMEO, Zwollo Group
ABERTO

As razões essenciais para que os autores promovam e adotem novos modelos


de direito autoral e consequentemente usufruam dos benefícios do OA.

Figura 1 — Abordagens mais flexíveis da TDA: cenário de interdependência, impacto e aplicação de novos modelos
COMO GERENCIAR O CONTEUDO CIENTÍFICO

mente dos receios de que o autor possa apresentar imposições ou dos argu-
mentos de que ele pode não atender ao “uso justo” das informações em circu-
lação, o detentor dos direitos autorais (ou seja, o autor, não o editor) tem
automaticamente concedida permissão de leitura irrestrita, eventual down-
load, cópias ou fotocópias, compartilhamento, armazenamento, impressão,
pesquisa, uso de links e crawling (rastreamento) aos interessados.
Quer dizer, a retenção dos direitos autorais pelos autores é ao mesmo
tempo um efeito e uma precondição para o avanço do acesso aberto, sobre-
tudo, se as revistas de acesso aberto e os repositórios institucionais são consi-
derados como complemento às revistas obtidas via assinaturas.
A coexistência dos diferentes modelos de publicação reforça ainda mais a
importância de retenção da TDA por parte dos autores e/ou das instituições,
porque isso lhes proporciona maior liberdade e maleabilidade para escolher
e combinar os melhores canais para publicar os resultados de suas investiga-
ções científicas. Em relação a esta premissa, Crow assegura:

Um elemento-chave no processo de publicação científica diz respeito à reten-


ção do direito de autor e à concessão de licenças não exclusivas. A retenção do
direito do autor para o auto-arquivamento, incluindo a publicação de pes-
quisas em repositórios institucionais de acesso aberto, é um elemento essen-
cial para um sistema reestruturado de publicação científica.!º

Por conseguinte, tal como descrito antes, existem diversos modelos mais
flexíveis da TDA apoiados e impulsionados por mudanças em diversos domí-
nios. É sob tal perspectiva que este artigo se orienta, buscando oxigenar as
práticas dos autores, das instituições e dos órgãos de financiamento como
colaboradores e condutores rumo ao avanço de novas abordagens e de novas
possibilidades dos direitos autorais. De forma similar, também discute como
esses elementos influenciam no sucesso do OA e, ainda, o papel das agências
de fomento nesse processo evolutivo.

3 R. Crow, “The Case for Institutional Repositories: a SPARC Position Paper”, em The Scholarly
Publishing & Academic Resources Coalition, release 1.0. 2002, p. 21, disponível em http://
www.arl.org/sparc/IR/ir.html, acesso em março de 2006.

144
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

AUTORES: ALTA IMPORTÂNCIA x BAIXO ENVOLVIMENTO

A importância da recuperação da TDA se justifica porque, como já men-


cionado, permite aos autores liberdade e maleabilidade para reutilização e
divulgação dos resultados de suas pesquisas, passando, assim, a trabalhar em
benefício dos próprios interesses, incluindo a possibilidade de contribuição
para sua área de atuação, o reconhecimento dos pares e a progressão na
carreira. Apesar, no entanto, de a TDA ser favorável e proveitosa para os
autores, estes, em geral, têm conhecimento quase nulo do tema e, portanto,
pouco envolvimento com a temática, privilegiando mais as questões relati-
vas aos direitos morais do que à exploração de seus direitos.
A baixa conscientização e o envolvimento precário por parte dos autores
nos pontos concernentes à TDA são comprovados em resultados de pesquisas
realizadas nos últimos anos. Exemplificando: Rowlands e Nicholas! agru-
pam autores segundo as características identificadas: a) corrente dominante
(35% dos inquiridos); b) velha guarda (29%); c) pragmáticos (11%); d)
apoiadores do OA (10%); e) entusiastas do OA (8%); f) pessimistas (7%).
Dentre os grupos, os três primeiros, totalizando 75%, não mostram nenhum
interesse em questões concernentes aos direitos autorais e/ou às permissões
associadas à reutilização de seus trabalhos. Na mesma linha, as conclusões de
estudos efetivados pelo Projeto ROMEO" demonstram que 41% dos entrevis-
tados atribuem os direitos autorais livremente; outros 49% fazem o mesmo,
embora com relutância. Além disso, 61% deles afirmam que os direitos auto-
rais dos trabalhos de pesquisa permanecem em mãos dos acadêmicos, e 32%
admitem desconhecer até mesmo o detentor de tais direitos.
Dados adicionais e ainda mais recentes comprovam praticamente o mes-
mo, ou seja, os autores detêm baixo conhecimento e envolvimento com a

“ I. Rowlands & D. Nicholas, New Journal Publishing Models: an International Survey of Senior
Researchers (s/l.: Publishers Association and the International Association of STM Publishers,
2005.
5 E. A. Gadd et al., “ROMEO Studies 1: the Impact of CO on Academic Author Self-Archiving” em
Journal of Documentation, 59 (3), 2003, pp. 243-277, e “ROMEO Studies 4: an Analysis of Journal
Publishers” Copyright Agreements”, em Learned Publishing, 16 (4), 2003, pp. 293-308.

145
Quadro 1 — Alguns resultados de pesquisa que comprovam a baixa conscientização e o pouco envolvimento dos autores com os
direitos autorais
Pesquisa Eles atribuem A quem pertence o Interesses no Razões para a escolha
o direito autoral direito autoral? direito autoral de um periódico
Gadd et al. (2003) livremente = 41% aos acadêmicos = 61%
relutantemente = 49% não sabe = 32%
editores/publicadores à instituição = 7%
não solicitam = 7%
autor insiste em reter os
direitos autorais = 3%
COMO

N = 542
Rowlands & Nicholas nenhum interesse = 46%Yo
(2004) nenhum interesse = 54%
entre os autores que
GERENCIAR

também compõem
O

equipes editoriais

146
Hoorn (2005) acadêmicos = 59% Baixo = 25,1%
instituição/empresa = 9% Médio = 45,1%
CONTEUDO

não sabe = 30% Alto = 23,1%


em discussão com a Não sabe = 5,9%
sua organização = 1,7% N=355
Rowlands & Nicholas Não interessados = 75%
grupos - CIBER Survery (3 de 6 grupos,
CIENTÍFICO

(2005) N= 5.512)
Rowlands & Nicholas Permissão para a
razões para a escolha publicação de pós-
de um periódico (2005) publicados = 2,58
5 = muito importante Permissão para a
1 = pouco importante publicação de pré-
publicados = 2,34
Permissão para a
manutenção do
direito autoral = 2,31
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

TDA. Por exemplo, os resultados de investigação empreendida por Hoorn'*


atestam que 30% dos pesquisados desconhecem o detentor dos direitos auto-
rais de seus artigos. Índice próximo (26%) refere-se aos inquiridos que admi-
tem seu desinteresse (ou interesse baixo) pelo tema direitos autorais contra
45% cujo interesse é médio e 23% para os quais o nível de interesse é alto.
Os resultados de estudos de Rowlands e Nicholas”? e de Swan e Brown" cons-
tatam que os autores, em geral, não se preocupam em obter permissão para
publicar pré-publicações ou pós-publicações em repositórios, tampouco c
deram os direitos autorais como fator decisivo para a publicação numa r.
específica.
Uma das razões para o resultado — alta importância x baixo envolvimento
— por parte dos autores se explica pelo comportamento historicamente ado-
tado em relação à publicação: há uma troca dos direitos autorais pelos altos
fatores de impacto. As regras de promoção de carreira e as motivações para
publicar a fim de que a produção esteja disponível, de maneira ampla, com
chance de ser citada e reutilizada,!º levam os autores a publicarem em revistas
de impacto. Assim, automaticamente e por conta de uma despreocupação
“natural”, eles cedem seus direitos aos editores. Bide?”” acrescenta que a pres-
são para que publiquem em revistas de primeira linha faz que tendam a aquies-
cer com condições alusivas aos direitos autorais, que em outras circunstâncias
talvez não concordassem.
Outro motivo para a participação ínfima dos autores é o fato de os acor-
dos de transferência dos direitos autorais atuarem como compensação no
processo de avaliação pelos pares e também na distribuição dos trabalhos.
Segundo Willinsky, os autores abrem mão de seus direitos em “troca de ter

6 E. Hoorn, “Repositories, Copyright and Creative Commons for Scholarly Communication”, cit.
? I. Rowlands & D. Nicholas, New Journal Publishing Models: an International Survey of Senior
Researchers, cit.
8 A. Swan &S. Brown, Open Access Self-Archiving: an Author Study, cit.
9 Ibidem.
» M. Bide, “Open Archives and Intellectual Property: Incompatible World Views?”, Bath: Open
Archives Forum, 2002, Expert Report 1, disponível em http://www.oaforum.org/otherfiles/
oaf d42 cserl bide.pdf, acesso em abril de 2006.

147
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

seus trabalhos revisados e publicados”?! quando, na verdade, a revisão pelos


pares, a edição e a comercialização não exigem qualquer cessão de direitos
autorais aos editores, como Gadd e outros? e Hoorn? alertam. Portanto, os
autores poderiam fornecer aos editores apenas uma licença específica e não
exclusiva. Estudos efetivados pelo Projeto ROMEO analisam os pretextos uti-
lizados pelos editores para a cessão dos direitos autorais e descobrem que a
explicação se fundamenta nas regras dos acordos de transferência, segundo
os quais os direitos autorais são cedidos ao editor “em contrapartida à revi-
são e/ou edição e/ou publicação”?!
Como Law e outros? afirmam, o argumento dos editores é o de que ofere-
cem significativo valor agregado (isto é, edição, mecanismos de revisão pelos
pares, publicação, impressão e distribuição, além de marketing) em troca da
titularidade. Essa prática revela uma relação incoerente que limita o acesso à
produção dos pesquisadores, ainda que o desejo dos autores seja justamente
o inverso, ou seja, o amplo acesso. Além disso, a tendência de modularização
das atividades das editoras acadêmicas pode mudar a prática vigente, o pro-
cesso de obtenção de avaliação pelos pares e a disseminação do trabalho
científico, como amplamente detalhado por Crow, Roosendaal e Geurts” e
The Wellcome Trust Economic.
No momento em que a participação precária do autor se relaciona com a
preocupação em ter seus trabalhos consultados, utilizados como referencial

2 JT. Willinsky, The Access Principle: the Case for Open Access to Research and Scholarship (Cambridge:
MIT Press, 2006), p. 49.
2 E. A. Gadd et al., “ROMEO Studies 1: the Impact of CO on Academic Author Self-Archiving” cit.
» F. Hoorn, “Repositories, Copyright and Creative Commons for Scholarly Communication”, cit.
* E. A. Gadd et al., “ROMEO Studies 4: an Analysis of Journal Publishers” Copyright Agreements”,
cit., p. 4.
D. G. Law et al., “Universities and Article Copyright”, em Learned Publishing, 13 (3), 2000, pp. 141-
150.
R. Crow, “The Case for Institutional Repositories: a SPARC Position Paper”, cit.
Z H. E. Roosendaal & P. A. Th. M. Geurts. “Forces and Functions in Scientific Communication: an
Analysis of Their Interplay”, 1999, disponível em www.sparceurope.org/resources/SPARC..
europe serials paper.doc, acesso em março de 2006.
The Wellcome Trust Economic, “Analysis of Scientific Research Publishing”, 2003, disponível em
http://www.wellcome.ac.uk/doc WTD003181.html, acesso em abril de 2006.

148
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

e, portanto, citados, isto evidencia que os direitos morais predominam sobre


os direitos de exploração comercial no rol de preocupações dos autores: “os
direitos autorais consistem em combinação dos direitos morais (devidos e
completamente reconhecidos) e dos direitos de exploração”? segundo pala-
vras de Hoorn. Aliás, esse mesmo estudioso e, ainda, Rowlands e Nicholas”
acreditam que os autores, pela própria natureza de sua função, consideram
importante o direito de terem citações apropriadas. Enquanto isso, as prer-
rogativas de exploração são negligenciadas e, por conseguinte, a divulgação
de descobertas científicas é dificultada. Ademais, os efeitos da discutida des-
preocupação são evidenciados quando a instituição arca com os custos eleva-
dos para reutilização do produto da própria equipe ou quando as bibliotecas
institucionais descrevem os custos de fotocópias dos artigos utilizados.
Na mesma linha de pensamento, Law e outros complementam dizendo
que os autores lhes confessam o desconhecimento sobre o tópico alusivo aos
direitos autorais como “restrição ao seu trabalho”, mas “o desejo de ser reco-
nhecido como autor de uma obra e as pressões para publicar” são “de maior
importância do que identificar a quem pertence a propriedade dos direitos
autorais” Há, ainda, a questão do automatismo na atribuição dos direitos
autorais. Sob essa ótica, para Oppenheim, os autores atribuem a TDA aos
editores “por rotina e sem pensar”; Law e outros reiteram: “uma vez que um
artigo é aceito para publicação, a maior parte dos acadêmicos assina qual-
quer contrato que lhes é oferecido”?
Como resultado dos fatores ora mencionados, a baixa sensibilização e o
envolvimento dos autores em questões autorais são sérios, haja vista que eles
são os elementos mais relevantes para novas práticas da TDA e para a consoli-
dação do OA, como já dito. Afinal, os autores referendados até então e Hoorn,

»? E. Hoorn, “Repositories, Copyright and Creative Commons for Scholarly Communication” cit.,
Palô;
* T. Rowlands & D. Nicholas, New Journal Publishing Models: an International Survey of Senior
Researchers, cit.
3 D.G. Law et al., “Universities and Article Copyright”, cit., p. 143.
2 C. Oppenheim, The Legal and Regulatory Environment for Electronic Information (4º ed. Londres:
Infonortics, 2001), p. 130.
3 D. G. Law et al., “Universities and Article Copyright”, cit., p. 143.

149
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

em particular, discutem como a falta de conhecimento por parte dos autores e


o fato de estarem “insuficientemente envolvidos no desenvolvimento de novas
práticas dos direitos autorais”! inibem o avanço de modelos da TDA.
Em contraste com o mundo real, em que a maioria dos autores cede seus
direitos aos editores, quando questionados sobre o cenário ideal, os pesqui-
sadores-autores expressam seu desejo de manter a posse de seus direitos auto-
rais. Resultados de pesquisas mostram que, para 72% dos entrevistados, a
permissão para reutilização de artigos científicos deveria estar com os auto-
res. Porcentual também elevado (71%) prefere manter os direitos autorais
com eles mesmos (os autores). Apenas 2,3% optam por transferir esses direi-
tos para o editor.”
No entanto, a inércia dos autores pode ser superada por demandas inte-
gradas advindas das instituições no que concerne às diferentes práticas da
TDA, com consequente incentivo ao uso do OA. Afinal, reiteramos que os
autores são os elementos centrais e determinantes na mudança do status quo
dos direitos autorais de quantidade excessiva de conteúdos científicos, com
repercussão imediata no que concerne ao acesso a esses conteúdos, porque os
editores não se preocupam com a preservação em longo prazo. Iniciativas de
conscientização devem ser levadas a cabo por entidades de maneira geral, a
exemplo do que está disponibilizado em http://www.surf.nl/auteursrecht.
Também as instituições de pesquisa e os órgãos de financiamento devem par-
ticipar desses empreendimentos. O modelo autor-pagador ou o modelo de
negócios híbrido do OA, sugerido pelo Wellcome Trust Economic, igualmen-
te pode sensibilizar autores a respeito de preços, chamando sua atenção para
a premência de novos modelos e novas práticas da TDA.

INSTITUIÇÕES: LIDERAR A MUDANÇA CULTURAL

A função das instituições no desenvolvimento e na adoção de abordagens


mais maleáveis e equilibradas sobre os direitos autorais é crucial, assim como

* E. Hoorn, “Towards Good Practices of Copyright in Open Access Journals: a Study Among
Authors of Articles”, cit. p. 71.
* E. Hoorn, “Repositories, Copyright and Creative Commons for Scholarly Communication”, cit.
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

o papel dos autores. Como vimos, as organizações precisam restringir a de-


pendência de permissões por parte dos editores para a reutilização dos resul-
tados de pesquisa de suas equipes, o que corresponde à redução de custos.
Necessitam também diminuir os riscos para o sucesso dos repositórios
institucionais, os quais são dependentes de práticas mais equilibradas da TDA.
Reforçamos que, como consequência das práticas tradicionais de cessão
dos direitos autorais, as instituições assumem custos altos para usar o traba-
lho acadêmico da própria equipe, uma vez que têm de comprá-lo sob a forma
de assinaturas de revistas, nas quais os artigos estão publicados. O relatório
de The Wellcome Trust Economic” é uma das várias publicações que assinala
a ironia refletida na solicitação dos editores às universidades de pagamento
para a possível utilização dos trabalhos de seu pessoal, aliada às restrições
editoriais sobre o uso desses conteúdos. Para Oppenheim,?” as universidades
devem adotar papel mais proativo no gerenciamento dos direitos autorais
gerados pela comunidade científica, conduzindo, assim, a uma redução dos
altos custos das assinaturas dos títulos adquiridos por suas bibliotecas.
Entretando, de acordo com Gadd e outros,* enquanto a universidade
vem demonstrando interesse crescente na retenção dos direitos de proprie-
dade intelectual no caso de patentes e de materiais de educação a distância, o
mesmo não ocorre quando se trata dos resultados de pesquisas, expressão
aqui utilizada para nomear artigos para conferências e revistas, monografias
e artigos científicos em geral. Ao que tudo indica, a maioria das instituições
de ensino superio (IES), que renuncia aos direitos autorais de seu staff, o faz
para artigos de revistas e livros (80%) e notas pessoais de conferências (73%).
As razões para essa “renúncia” estão ligadas ao fato de, tradicionalmente, a
pesquisa acadêmica ser entendida como elemento integrante da “liberdade
acadêmica”, além da percepção de não existir ganho financeiro ao manter os
direitos autorais desses materiais.

% The Wellcome Trust Economic, “Analysis of Scientific Research Publishing”, cit.


” C. Oppenheim, The Legal and Regulatory Environment for Electronic Information, cit.
* E. A. Gadd et al., “RoMEO Studies 1: the Impact of CO on Academic Author Self-Archiving”, cit.

151
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

Há propostas de modelos para lidar com a questão. As universidades,


porém, ainda se recusam a alterar as práticas vigentes relacionadas com os
direitos autorais. As decisões nessa esfera persistem como responsabilidade
acadêmica. No contexto do auto-arquivamento, Gadd e outros, enfatizam
que uma “instituição está jogando fora o direito de que precisa para arquivar
artigos em seus repositórios institucionais”? acrescentando que essas entida-
des podem, mais adiante, ser forçadas a pagar pela permissão ou não obtê-la
de nenhuma forma, quando decidirem publicar seus trabalhos acadêmicos
nos repositórios.
Logo, o papel das instituições nas mudanças em torno da TDA pode se
concretizar mediante atuação em parceria com os autores na gestão apropria-
da dessa questão. Elas podem, ainda, atribuir formalmente os direitos auto-
rais, que por lei pertencem às instituições, aos empregados ou estabelecer
acordos de licenças com eles. Podem também fazer declarações claras acerca
de seu posicionamento e das normas relativas aos direitos autorais, assim
como levar em consideração as práticas do OA por parte dos membros de seu
staff por ocasião das avaliações de titulação, de promoção, etc. Além disso,
podem apoiar novas práticas do OA, educando, informando e conduzindo a
um movimento de mudança cultural em âmbito interno. Políticas explícitas
e práticas, com ênfase na fixação de mandatos que exijam dos autores o depó-
sito dos resultados de pesquisa em repositórios institucionais, sem dúvida
acelerariam a adoção de novas atitudes em termos de publicação nas alterna-
tivas de OA por parte dos autores. Consequentemente, agilizariam o movi-
mento rumo a novas modalidades da TDA, com a ressalva de que os
acadêmicos não parecem contrários a esses novos ditames.

MANDATOS DE ORGANISMOS DE FINANCIAMENTO

Recentemente, anunciou-se que a organização britânica Research


Assessment Exercise (RAE) adotará, depois de 2008, sistema baseado em mé-
tricas. Essa mudança pode promover o emprego dos repositórios institu-

” Ibid., p. 269.

152
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

cionais como recurso para proporcionar o acesso aos resultados de pesquisa


de acadêmicos, permitindo aos avaliadores coletarem provas de qualidade
da pesquisa de cada membro da instituição. O sistema baseado em métricas
favorecerá também a efetivação de uma amostragem regular dos resultados
de pesquisa de equipes acadêmicas.
No Reino Unido e em outros países, uma série de financiadoras anunciou
apoio explícito ao acesso aberto, exigindo, por exemplo, que resultados de
pesquisas por elas financiadas apareçam sob o formato de OA em prazo razo-
ável ou exigindo fundos suplementares para que os candidatos selecionados
arquem com as taxas exigidas pelas publicações em OA, que trabalham com
o modelo de autor-pagador. É provável que essa tendência se fortaleça em
face da dificuldade de refutar o argumento filosófico de que os resultados de
investigações científicas custeadas por fundos públicos devem estar à disposi-
ção do público, sem qualquer custo adicional. As abordagens que exigem a
publicação em OA em troca de financiamento, juntamente com os mandatos
institucionais que demandam o depósito de publicações científicas das equi-
pes acadêmicas em repositórios institucionais, podem elevar o atualmente
frustrante nível de atividades de OA a um patamar mais satisfatório.

Modelos de propriedade dos direitos autorais


para um mundo de acesso aberto
Os modelos de propriedades podem ser observados sob dois focos: reúso
de informação protegida pelos direitos autorais para fins educacionais ou
novos modelos de titularidade dos direitos autorais.

NOVOS MODELOS DE TITULARIDADE DOS DIREITOS AUTORAIS

O OA suscitou e suscita novos modelos de direitos autorais que, natural-


mente, são eles contrastantes com a transferência tradicional da TDA (os
citados acordos de transferência dos direitos autorais) dos autores para os
editores. Os padrões então resultantes devolvem o controle para os autores,

153
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

permitindo-lhes disseminar e reutilizar livremente sua própria produção. A


este respeito registramos importantes iniciativas levadas a cabo com o intuito
de mudar as formas de acesso aos artigos de pesquisa, até então fechado por
conta de contratos e de cessões da TDA, além de alterar as práticas vigentes,
nas quais os direitos autorais são integralmente transferidos para os editores.
Entre tais ações, estão o Creative Commons (CC — http://creativecommons.
org) e extensões, o Science Commons e os citados Zwolle Group e Projeto
RoMEO.
Criado, em 2001, por Lawrence Lessig e, em parte, inspirado pelo movi-
mento do software de código aberto, o CC desenvolveu diferentes tipos de
licenças que o autor pode lançar mão para proteger suas criações, oferecendo
parâmetros para contratos entre um usuário final e um autor, de acordo com
os níveis de licença que um indivíduo pode ter ao usar a produção de outrem.
Na opinião de Hoorn,“ a licença do tipo atribuição é a mais adequada para os
artigos de pesquisa, sendo aplicável quando os pesquisadores-autores não
desejam impor restrições relacionadas à reutilização para fins comerciais. É
adotada pela Public Library of Science (PLoS) e pela Biomed Central. Caso o
autor queira impor restrições ao uso comercial do artigo, pode recorrer a
outros tipos de licença, dependendo se a exploração comercial dos direitos
ficará com o autor, se será transferida para a editora ou se será limitada
apenas a uma licença de acesso aberto. Algumas editoras, à semelhança de
Springer OpenChoice, Biomed Central e PLosS, solicitam aos autores que
adotem uma licença CC para os artigos revisados pelos pares.
O Science Commons (http://sciencecommons.org), por seu turno, foi lan-
çado em 2005 como parte do CC e oferece licenças especificamente para o
mundo editorial acadêmico. De acordo com Willinsky,” seu foco são as obras
acadêmicas, provendo licenças que permitem aos autores reter tanto as pré-
publicações como as pós-publicações, além da republicação e dos direitos

“º E. Hoorn, “Repositories, Copyright and Creative Commons for Scholarly Communication”, cit.
“ J. Willinsky, The Access Principle: the Case for Open Access to Research and Scholarship, cit.

154
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

conexos, inclusive os que afetam a transferência de tecnologias e o comparti-


lhamento de dados.
Na realidade, CC e Science Commons consistem em mecanismos simples,
mas efetivos e bem construídos, que permitem a quebra do círculo vicioso de
solicitação aos autores dos acordos de TDA e de sua consegiente concessão.
Além da simplicidade de uso, as licenças são localmente adaptadas para cada
país. A bem da verdade, porém, a principal vantagem do CC e do Science
Commons pode atuar como desvantagem: o estabelecimento de condições e
as limitações de uso são determinadas pelos autores e concedidas diretamen-
te ao usuário; por conseguinte, as editoras não são envolvidas. O problema
está, pois, no monitoramento das possíveis infrações aos direitos autorais
(em pequena proporção), porque, quase sempre, os autores não têm muita
experiência em lidar com essa temática, como já discutido.
O Zwolle Group é composto por autores acadêmicos, editores e especia-
listas em direitos autorais. Como constante do anexo colocado no final deste
capítulo, o grupo desenvolveu sete princípios que objetivam equilibrar os
interesses dos stakeholders por meio de práticas de direitos autorais compatí-
veis com as práticas acadêmicas. Acrescentamos que o estudo sobre boas
práticas em direitos autorais propõe três opções: retê-los, compartilhá-los
ou transferi-los.” Seguindo esta classificação, Hoorn? identifica quatro prá-
ticas de direitos autorais, sumarizadas no Quadro 2.
* Modelo A — O autor compartilha os direitos autorais, utilizando li-
cença atribuição do CC. Com esta licença, o autor concede permissão
de uso e reutilização, inclusive para fins comerciais, com base na Plos e
na Biomed Central.
* Modelo B — O autor transfere parcialmente os direitos autorais — é o
caso de revistas “tradicionais” que aderiram ao acesso aberto. Aqui, o

2 E. Hoorn & M. van der Graaf, “Copyright Issues in Open Access Research Journals the Authors”
Perspective”, D-Lib Magazine, 12 (2), 2003.
“é E. Hoorn, “Towards Good Practices of Copyright in Open Access Journals: a Study Among
Authors of Articles”, cit.

155
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

Quadro 2 — Modelos para prática dos direitos autorais em publicações de acesso aberto
Modelo O autor possui os — O editor possui os Outros possuem os
seguintes direitos seguintes direitos seguintes direitos
A Todos os usos são Não aplicável. Todos os usos são
permitidos incluindo permitidos incluindo
a reutilização para a reutilização para
fins comerciais. fins comerciais.
B Todos os usos são Oeditor OA recebe Todos os usos são
permitidos, exceto os direitos da permitidos, exceto a
a reutilização para exploração comercial. reutilização para
fins comerciais. fins comerciais.
C Todos os usos são Não aplicável. Todos os usos são
permitidos. permitidos se a
republicação for feita
em OA.
D Todosos usos são Não aplicável. Todos os usos são
permitidos incluindo permitidos, exceto a
a reutilização para reutilização para
fins comerciais. fins comerciais.
Fonte: EE. Horn. “Towards Good Practices of Copyright in Open Access Journals: a Study Among Authors
of Articles”, em Open Access Journals. University of Groningen, Faculty of Law Maurits van der Graaf,
Pleiade Management & Consultancy, 2005, p. 66.

autor cede os direitos para exploração comercial aos editores. Os lei-


tores têm permissão dada pelo autor para utilizar ou reutilizar os arti-
gos acadêmicos para fins educativos, com restrição ao uso comercial.
Trata-se de padrão fundamentado nos métodos dos títulos British
Medical Journal e Nucleic Acid Review.
* Modelo € — O autor compartilha os direitos autorais, utilizando Ji-
cença concessão de (rejuso do CC. Este modelo, tomando por referên-
cia as revistas da European Geosciences Union, concede permissão para
o (re)uso do artigo para todos os fins, e, se o artigo (ou partes) for
reeditado, isso deve se dar também em publicação OA. Os modelos A e
C juntos (ambos utilizam licenças CC) são os preferidos por 30% dos
autores investigados.
* Modelo D — O autor retém os direitos autorais. Este é o modelo prefe-
rido e considerado aceitável por 73% dos inquiridos, sendo que 47% o
consideram seu modelo preferido. Aqui, o autor mantém os direitos

156
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

de exploração comercial e dá permissão para os leitores/usuários


(re)utilizarem os artigos para fins acadêmicos e educacionais, mas não
comerciais. Fundamenta-se no método do Electronic Journal of
Comparative Law.
Os modelos ora apresentados contêm pontos positivos e negativos. Todos
exigem a função de monitoramento e de aplicação dos direitos autorais, de
modo que, como visto antes, podem ocorrer problemas se essa função é
desempenhada pelos autores, por conta de sua experiência incipiente ou pouca
visão empresarial para lidar com questões comerciais e solicitações de
permissão.
Os estudos do Projeto ROMEO também apontam dois modelos de TDA,
nos quais a universidade é incluída. Portanto, trata-se de proposta mais po-
derosa em relação à administração da TDA (isto é, poder institucional),
embora mais difícil de ser efetivada, uma vez que requer profunda transfor-
mação cultural. De acordo com os modelos, se a TDA é mantida apenas com
o autor, ele precisa licenciar tanto a IES, para arquivar nos repositórios
institucionais, quanto à editora, para publicar os artigos em seus títulos. De
qualquer forma, a inclusão da academia fortalece a negociação de licenças
entre autores, ou seja, quando atuam como indivíduos, isoladamente, eles
podem ser frágeis em termos de negociação.
Neste sentido, é indicado um modelo, no qual a universidade (U) detém a
TDA e licencia seus direitos para os acadêmicos (A) a fim de que estes, por sua
vez, licenciem os editores (E) (Figura 2). Consiste em opção que facilita o
arquivamento dos trabalhos de pesquisa para as universidades. Entretanto,
como, na prática, a TDA é dos autores e como os estudos do ROMEO (e
outros citados neste capítulo) demonstram, os acadêmicos, desejam deter
seus direitos autorais. Isso conduz ao modelo constante da Figura 3, em que
autores, universidades e acadêmicos compartilham a TDA e juntos licenciam
as editoras, de acordo com as demandas.*

“ E, Hoorn, “Repositories, Copyright and Creative Commons for Scholarly Communication”, cit.
* E. A. Gadd et al., “ROMEO Studies 1: the Impact of CO on Academic Author Self-Archiving”, cit.,
p. 269.

157
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

licenças O licençasO

Figura 2 — Modelo em que a universidade possui a titularidade dos direitos autorais


Fonte: E. A. Gadd et al. “ROMEO Studies q: the Impact of CO on Academic Author Self-archiving”. Em o
Journal of Documentation, 59 (3), 2003, p. 269.

licenças O
PRC

Figura 3 —- Modelo em que universidade e os acadêmicos compartilham a titularidade dos


direitos autorais
Fonte: Ibid., p. 270.
ds ' PL rmena), TOS JINIGIANULAOS
x , ss [as

8 SUMG UVA INVIDALIARASZTY

A inclusão da universidade nas questões relacionadas à gestão da TDA


“pode contribuir para solucionar o desafio do acompanhamento e da aplica-
ção dos direitos autorais, porquanto, como entidade, ela detém mais poder
| do que os autores individualmente. No entando, a proposta em pauta, re-
quer mudanças na relação instituição versus autor e na alocação de recursos
suficientes com vistas à execução de ações relacionadas com os direitos auto-
rais na comunidade acadêmica. De fato, esta parece uma boa proposta. Afi-
nal, conjuga a manutenção da exploração comercial por parte da IES e do
autor, e a atribuição de direitos específicos para os editores, favorecendo a
liberdade e o controle desejado pelo sistema de comunicação científica, e
ainda com a vantagem de contar com o apoio de uma instituição.
Apesar da consistência e da coerência dos modelos da TDA discutidos no
decorrer deste capítulo, nenhum é viável e sustentável, nem vai gerar todos os
potenciais benefícios à cadeia de valor da comunicação científica se autores e
instituições não integrarem esforços e iniciativas, engajando-se, de forma
efetiva, na concretização e na liderança dessas mudanças. O quão vantajoso
cada modelo pode vir a ser vai depender de sua adoção e do uso massivo com
o fim de consolidar nova prática da TDA.

158
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

REUTILIZANDO INFORMAÇÃO PROTEGIDA PELOS DIREITOS


AUTORAIS PARA FINS EDUCACIONAIS

De acordo com Hoorn,* a reutilização de trabalhos de pesquisa está limitada


à republicação e à redistribuição do artigo na íntegra, à reprodução de partes do
artigo em livros de texto/programas de estudo, etc., à tradução do artigo (par-
tes) para outro idioma e a usos similares em ambientes de rede. Em outras pala-
vras, a reutilização desse material (republicação ou redistribuição) para fins
educacionais e para o ensino a distância também demanda modelos flexíveis da
TDA, com o adendo de que as finalidades educacionais, identificadas pelo Zwolle
Group” e explicitadas por Hoorn,* incorporam os seguintes itens: cópia do
material para uso em sala de aula ou para atividades profissionais, reedição de
parte ou do artigo inteiro e reutilização de parte dos argumentos presentes no
trabalho original com o objetivo de gerar novo artigo.
De fato, o uso de materiais de ensino e aprendizagem pelas universidades
vem se tornando tópico relevante, porque eles podem ser explorados comer-
cialmente fora das IES para fins de geração e de desenvolvimento de estratégias
de ensino a distância. Dessa maneira, tornam-se fonte de recursos. Isso faz com
que as academias voltem sua atenção para esse manancial de recursos em po-
tencial. A esse respeito, o grupo de trabalho constituído pelo Higher Education
Funding Council for England (HEFCE), pelas Universities UK (UUK) e pela
Standing Conference of Principals (Scop) assegura que a propriedade intelec-
tual dos recursos didáticos de ensino a distância pertence à instituição-autora.
Logo, seu staff pode usar livremente esse material no contexto institucional.”
Ainda para Hoorn,” após a publicação dos artigos, 59% dos inquiridos
em pesquisas informam que utilizam esses textos como materiais impressos

E. Hoorn, “Towards Good Practices of Copyright in Open Access Journals: a Study Among
Authors of Articles”, cit.
Ver http://www.dlib.org/dlib/january07/crews/0lcrews.html.
q

º Ibidem.
“* E. A. Gadd et al., “ROMEO Studies 1: the Impact of CO on Academic Author Self-Archiving”, cit.,
p.251.
E. Hoorn, “Towards Good Practices of Copyright in Open Access Journals: a Study Among
Authors of Articles”, cit.

159
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

Edo . us ef
para cursos ministrados, e 53%, especificamente, para cursos eletrônicos.
Quanto à reutilização dos artigos editados, 29% o fazem sem qualquer per-
missão, ao passo que 25% solicitam às editoras e recebem o devido consenti-
mento; 19%, no entanto, não fazem uso novamente dos próprios artigos
como gostariam, porque não estão dispostos a se envolver com o processo de
obtenção de permissão, haja vista que exige esforço e tempo.
Dizendo de outra forma, embora a reutilização de trabalhos de pesquisa
para fins educativos seja a principal preocupação de autores e de instituições,
essa concessão é totalmente viabilizada, mesmo quando os autores atribuem
os direitos autorais, na íntegra, aos editores. De qualquer forma, neste con-
texto, a dependência então gerada configura-se como fator nevrálgico, não
obstante as novas práticas da TDA permitirem a recuperação do controle
sobre esta importante aplicação dos resultados de investigações científicas. E
mais, de acordo com o estudo de Hoorn,* os autores anseiam por limites
para os direitos autorais em relação às editoras, ao mesmo tempo que não
desejam enfrentar quaisquer restrições por ocasião da reutilização da infor-
mação científica para objetivos acadêmicos e educacionais. A situação ideal
pode, portanto, estar na manutenção de todos os direitos em relação aos
usos educacionais, acadêmicos e comerciais dos textos produzidos com os
autores (71% dos pesquisados querem que os autores sejam os detentores dos
direitos autorais), ao passo que aos usuários e leitores, em geral, não lhes
seria permitida a reutilização desse mesmo material para fins comerciais,
exceto para os citados fins educacionais.

Abordagens equilibradas da titularidade dos


direitos autorais e o sucesso do acesso aberto

Abordagens e modelos mais equilibrados da TDA trarão não somente


legitimidade ao OA como podem incrementar sua consistência e acelerar seu

2 Ibidem.

160
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

crescimento. Essa sinergia, entretanto, depende de uma rede de mutações


envolvendo autores e instituições, a qual gerará também maiores oportuni-
dades para a maturação dos atuais modelos da TDA. Nenhum modelo, por
melhor que seja, beneficiará o OA se a inércia dos autores e das instituições
persistir e se eles não iniciarem novo e coeso movimento rumo ao uso de
estratégias de OA e, consequentemente, em direção à adoção de novas práti-
cas da TDA.
A interdependência entre OA e modelos da TDA, autores e instituições
revela um cenário complexo, que extrapola mudanças jurídicas. Na realida-
de, o marco legal representado pelas questões concernentes aos direitos auto-
rais foi reconhecido como um dos entraves para que a publicação em OA
se converta em alternativa real. Em consonância com Turk,? as barreiras se
distribuem nas seguintes categorias: marco legal, infra-estrutura de tecno-
logias de informação (TI), modelos de negócio, serviços e padrões de indexação
e sistema acadêmico de recompensa, com a observação de que tais barreiras
são mais fortes no que diz respeito ao auto-arquivamento em repositórios
institucionais.
Nessa perspectiva, os autores e suas práticas da TDA serão as próximas
barreiras para o OA, haja vista que, para autores, como Willinksy,? os edito-
res não figuram mais como elementos dificultadores do OA, considerando
que já permitem o auto-arquivamento. Em sua percepção, os autores consti-
tuem empecilho para o OA porque ainda não estão conscientes do impacto
que o auto-arquivamento pode ter em sua atuação profissional. Cremos,
porém, que, apesar dos editores estarem autorizando os autores a publica-
rem seus trabalhos em repositórios OA, ainda podem afetar o próprio movi-
mento de acesso aberto, porque podem impor, e, frequentemente, o fazem,
períodos de embargo antes de o material ser disponibilizado em OA, aliado
ao fato de que mantêm significativa quantidade de conteúdos bloqueados em

52
Z. Turk, SciX: Open, Self Organizing Repository for Scientific Information Exchange — D20: Final
Report, version: 1.0, 31-3-2004.
& J. Willinsky, The Access Principle: the Case for Open Access to Research and Scholarship, cit.

161
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

virtude das cessões da TDA, afetando sua acessibilidade em curto e longo


prazo.
Os modelos mais equilibrados da TDA relacionados com o OA represen-
tam a retomada do controle por parte dos acadêmicos, isto é, por quem,
teoricamente, é o maior interessado em tornar os resultados de suas pesqui-
sas mais acessíveis. Os modelos mais equilibrados da TDA afetarão, ainda, os
modelos de negócio dos editores, atualmente, mantidos pela exploração co-
mercial dos direitos autorais, uma vez que, no futuro, tais direitos poderão
estar sob o controle de autores e instituições. Os novos modelos da TDA
rompem com a tradicional exclusividade dos editores, na condição de canal
de distribuição da informação científica, pois esses modelos da TDA admi-
tem que os autores recorram aos canais de OA visando também a dissemina-
ção de sua produção acadêmica.
Entretanto, insistimos que o sucesso dos novos modelos da TDA está su-
jeito às transformações dessa mesma comunidade acadêmica. Paradoxalmen-
te, ao mesmo tempo que ambiciona ampla disseminação de seu trabalho, o
autor limita o respectivo acesso, que está, com frequência, bloqueado por
acordos de transferência dos direitos autorais realizados e/ou permitidos
por ele mesmo. Enfim, como contextura complexa e interdependente, esse
cenário de mudanças no sistema de comunicação científica deve seguir adian-
te e avançar no processo de divulgação dos novos conhecimentos científicos,
sobretudo, sob a forma de OA. Porém, isso acontecerá tão-somente se todos
os stakeholders, sinergeticamente, integrarem esforços e recursos para mudar
a forma como os direitos de utilização dos trabalhos acadêmicos são licenci-
ados, favorecendo, então, a abertura da produção e dos resultados científi-
cos que a academia reivindica como sendo um de seus objetivos.

162
DIREITOS AUTORAIS E O MOVIMENTO DO ACESSO ABERTO

ANEXO — PRINCÍPIOS DO ZWOLLE GROUP

Princípios
Equilibrar os interesses dos stakeholders em práticas amigáveis de direitos autorais

Objetivo
Auxiliar os interessados — incluindo autores, editores, bibliotecários, universidades e o público
— a alcançar o máximo acesso à produção acadêmica sem comprometer sua qualidade ou
liberdade e sem negar os aspectos relacionados com os seus consequentes custos e bene-
fícios.

Princípios
1 O atingimento desse objetivo requer um melhor gerenciamento dos direitos autorais dos
trabalhos acadêmicos a fim de assegurar uma clara atribuição de direitos que equilibre os
interesses de todas as partes envolvidas.
2. Um gerenciamento otimizado pode ser alcançado por meio de reflexão sobre o desenvolvi-
mento e a implementação de políticas, contratos e outros instrumentos, bem como por pro-
cessos e programas educacionais (coletivamente Gerenciamento dos Direitos Autorais), que
articulem a atribuição de direitos e responsabilidades no que diz respeito aos trabalhos
acadêmicos.
3. O adequado gerenciamento dos direitos autorais e os interesses das diversas partes
interessadas poderão variar de acordo com diversos fatores, incluindo a natureza do traba-
lho, por exemplo, programas de computador, artigos de revistas, bases de dados e obras
multimídias de caráter educacional podem exigir tratamentos diferenciados.
4. No desenvolvimento do gerenciamento dos direitos autorais, o foco principal deve ser a
atribuição de direitos específicos dos vários intervenientes.
5. O gerenciamento dos direitos autorais deverá ser diligente no sentido de respeitar os
interesses de todas as partes envolvidas na utilização e na gestão de trabalhos acadêmicos;
esses interesses poderão, por vezes, divergir, mas serão, em muitos casos, coincidentes.
6. Todos os intervenientes na gestão dos direitos autorais em trabalhos acadêmicos têm
interesse em alcançar os mais elevados padrões de qualidade, maximizando o acesso atual
e futuro, bem como garantir a preservação; os interessados deverão trabalhar em conjunto
baseando-se em condutas internacionais para melhor atingir os objetivos comuns e para o
desenvolvimento de uma comunidade de interesse de apoio mútuo.
7. Todas as partes interessadas deverão promover ativamente a compreensão das importan-
tes implicações do gerenciamento dos direitos autorais de trabalhos acadêmicos e incentivar
o compromisso com o desenvolvimento e a implementação de ferramentas de gerenciamento
dos direitos autorais a fim de alcançar o objetivo global.
18 de fevereiro de 2003
Observação: Esses princípios foram endossados pelos diferentes intervenientes, durante conferência de
trabalho, dezembro de 2002, Zwolle, Holanda.
Fonte: http://www.surf.nl/copyright.

163
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

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165
Preservação de
revistas eletrônicas
Luis Fernando Sayão

Introdução
Desde seu surgimento, no século XVII, os periódicos científicos têm exer-
cido função central no processo de comunicação científica, começando com
a publicação, em 1665, do Journal des Sçavans e das Philosophical Transactions
of the Royal Society,' por mais de três séculos, os principais personagens do
ciclo de comunicação científica — autores, editores, bibliotecas, usuários —
vêm tendo seus papéis estabelecidos e institucionalizados juntamente com
todo o aparato acadêmico, até a configuração atual, instituída nos fins do
século XIX. A revista científica é o coroamento desse sistema de comunicação
que cria um compromisso explícito entre qualidade e visibilidade na geração
de novos conhecimentos científicos.”
Os títulos científicos, a partir de seus primórdios, vêm sendo distribuídos
em forma impressa. Na última década, porém, o mercado de publicação

! Michael Day, “The Scholarly Journal in Transition and the PubMed Central Proposal”, em
Ariadne, vol. 21, dezembro de 1999, disponível em http://www.ariadne.ac.uk/issue21/pubmed/,
acesso em 15-1-2008.
C. H. Marcondes & L. F. Sayão, “Documentos digitais e novas formas de cooperação entre
sistemas de informação em C&T”, em Ciência da Informação, 31 (3), Brasília, 2002.

167
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

científica começa a se deslocar na direção da publicação eletrônica num rit-


mo muito rápido, gerando um período de transições profundas, fértil em
possibilidades, mas também em questionamentos, tensões e problemas iné-
ditos para o mundo acadêmico. A ruptura com o modelo impresso em prol
das formulações digitais abre possibilidades extraordinárias para a comuni-
cação científica, libertando, definitivamente, as publicações acadêmicas dos
limites bidimensionais e autocontidos do texto, inaugurando novas formu-
lações de apresentação e interoperabilidade e, sobretudo, estabelecendo no-
vos padrões de cooperação e interatividade em favor da geração de novos
saberes. As transformações ainda estão em curso e é difícil prever todos os
desdobramentos e todas as potencialidades.
O deslocamento da impressão em papel para a publicação eletrônica é um
fenômeno vertiginoso: prevê-se que, por volta de 2016, metade de todas as
publicações seriadas terão migrado para formatos unicamente eletrônicos, e
os títulos das áreas de ciência e tecnologia (C&T) e medicina serão os primeiros
a se fixarem nesse novo patamar, como Kenney e outros” crêem. São muitas as
forças que impulsionam tal movimento: pesquisadores, bibliotecas, editores,
movimento de acesso aberto e uma nova conformação do mercado editorial
científico. Os pesquisadores, professores, estudantes e outros leitores deman-
dam formatos eletrônicos porque eles oferecem um mundo de vantagens em
relação às formas impressas, especialmente no que diz respeito à busca, à recu-
peração, à navegação, à apresentação das informações e à capacidade de
interoperarem com outras publicações eletrônicas que estão em rede.
As bibliotecas acadêmicas, por sua vez, estão crescentemente cancelando
as subscrições em papel em favor das licenças eletrônicas para satisfazer as
demandas dos usuários e para evitar os custos associados com a organização,
a recepção, a catalogação, a encadernação, o armazenamento e a circulação
de volumes de papel. Em outro plano, na visão de Waters,* ao reconhecerem

* A, R. Kenney et al. E-journal Archiving Metes and Bounds: a Survey of the Landscape (Washington
D.C.: Council on Library and Information Resources, 2006).
4 D.J. Waters, “Urgent Action Needed to Preserve Scholarly Electronic Journals”, Digital Library
Federation (DLF), 2005, disponível em http://diglib.org/pubs/waters051015/, acesso em 21-1-2008.

168
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

as potencialidades do novo mercado que o meio digital oferece, os editores


científicos estarão tratando as versões eletrônicas como as versões definiti-
vas. Nessa direção, estarão deslocando rapidamente seu modelo de negócio
de acordo com as novas aspirações do mercado. Além do mais, as facilidades
de publicar diretamente na web, aliadas aos movimentos de acesso aberto
aos resultados das pesquisas, permitem também que a comunidade acadêmi-
ca viabilize a edição de periódicos eletrônicos autogeridos.
Esse fenômeno moderno, entretanto, confronta o mundo da ciência com
um conjunto de problemas e compromissos inéditos inerentes à condição
digital das informações que necessita e gera em suas atividades, por exemplo,
a gestão dos direitos autorais, a economia da informação digital e o controle
de qualidade. Publicação eletrônica e auto-arquivamento podem levar a tal
proliferação de versões de documentos científicos que torna a qualidade, a
autenticidade e a integridade difíceis de serem asseguradas. Nesse museu de
grandes novidades, cânones como a revisão por pares e o monopólio dos
editores científicos têm sido também colocados em xeque a todo momento.
Entre os problemas inerentes à condição digital da informação, o de im-
portância mais dramática — ainda inscrito na agenda crítica da humanidade
à espera de solução definitiva — é o perigo real de amnésia digital. A ameaça
de uma era de esquecimento é causada, basicamente, por dois problemas que
atingem fortemente os documentos digitais: obsolescência tecnológica e de-
gradação física.
Isto acontece porque a informação digital depende, em sua mais pura
essência, de um aparato tecnológico para ser acessada e, sobretudo, correta-
mente interpretada. Mas esse aparato tecnológico de intermediação — for-
mado por hardware, software, mídias e formatos — está em constante mutação,
em ciclos de obsolescência cada vez mais rápidos, determinados, sobretudo,
pelo dueto inovação e competição. Contribui ainda bastante para esse pro-
blema o fato de os meios de armazenamento serem muito frágeis e extrema-
mente suscetíveis à degradação física. Não é exagero afirmar que a informação
digital é mais frágil que os papiros encontrados nas tumbas dos faraós.

169
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

O problema da vulnerabilidade dos materiais digitais confronta o mundo


da ciência com a necessidade do arquivamento digital persistente como ele-
mento crítico que preocupa os atores envolvidos:

A acessibilidade permanente aos conteúdos eletrônicos é uma das maiores


preocupações de todas as partes envolvidas. Criar metodologias que garan-
tama preservação digital dos estoques científicos em formato digital equivale
a estabelecer a interoperabilidade com o futuro.”

Tal afirmação enfatiza o fato de que preservar publicações eletrônicas se


consolida como matéria crítica, na medida em que a massa de publicações
eletrônicas se multiplica e as comunidades de pesquisa dependem delas tão
intensamente como antes dependiam das coleções em papel, o que justifica o
cerne deste capítulo: a preservação das revistas científicas.

A dimensão do problema
À pesquisa e o ensino — como, de resto, toda a sociedade — estão crescen-
temente dependentes de dados e de informações geradas por ferramentas
baseadas em computador. Para haver avanço do conhecimento, esses regis-
tros requerem o estabelecimento de metodologias e compromissos de longo
prazo que garantam sua capacidade de serem acessados e decodificados com
a tecnologia corrente na época do acesso, e que os usuários potenciais de tais
informações possam utilizá-las facilmente. Portanto, o armazenamento per-
sistente, a preservação digital e o estabelecimento de modelos de informação
para a preservação estão se tornando questões-chave para a pesquisa cientí-
fica.
À preservação digital, contudo, é per se um problema complexo. Envolve
muitas variáveis e compromissos de longa duração e pressupõe grandes in-

* E. Owens, “Digital Preservation and Electronic Journals” em Library and Information Services in
Astronomy, vol. 377, 2007.

170
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

vestimentos. O custo-benefício de manter o acesso de longo prazo aos regis-


tros científicos é extremamente difícil de mensurar. É necessário criar mode-
los que comparem os custos de armazenar e preservar vasta e crescente
quantidade de registros gerados pelas atividades científicas com o valor futu-
ro, virtualmente incalculável, de um registro individual.
O valor do registro pode estar relacionado à reprodutibilidade da pesqui-
sa onde ele foi gerado ou capturado: algumas pesquisas podem ser fáceis e
baratas de se replicar; outras podem ser literalmente impossíveis de se repro-
duzir, ou são repetíveis somente a custos e a esforços inaceitáveis, como Jansen
remarca. Já estão reportadas nos anais da ciência perdas lamentáveis causa-
das pela fragilidade da informação digital, à semelhança da inacessibilidade a
fotografias e a outros dados captados por sondas espaciais e por outros expe-
rimentos complexos.
A nova configuração dos sistemas de publicação de informações acadêmi-
cas demanda responsabilidades em muitos níveis. Porém, ao tempo em que a
geração e o uso da informação digital se aceleram, a responsabilidade de
preservação dos estoques informacionais em formato digital é bastante difusa
e as partes responsáveis — pesquisadores, gestores, bibliotecas e editores —
têm sido lentas em identificar e investir na infra-estrutura imprescindível
para assegurar que os registros acadêmicos publicados, representados em
formatos digitais, permaneçam íntegros ao longo do tempo. Essa inércia co-
loca a porção digital dos registros acadêmicos — e a habilidade de usá-los em
conjunto com outras informações necessárias ao avanço do conhecimento —
em risco crescente. A solução pode exigir acordos e compromissos amplos e
de longa duração no mundo acadêmico para dividir a responsabilidade de
preservação,” pois há consenso entre as comunidades envolvidas de que a
preservação digital, antes de ser problema tecnológico, é sobretudo um pro-
blema organizacional, político e de gestão.

$ H. Jansen, “Permanent Access to Electronic Journals”, em Information Services & Use, vol. 26,
2006, disponível em http://iospress.metapress.com/media/l2tkyjxvim6llarhecw0/contributions/
7/d/r/b/7drby9 r8t4gf8ap.pdf, acesso em 17-1-2008.
7 D.J. Waters, “Urgent Action Needed to Preserve Scholarly Electronic Journals”, cit.

171
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

Quando focamos nossa atenção no domínio específico dos periódicos ele-


trônicos, fica evidente que o instrumental disponibilizado pelas tecnologias —
computadores, capacidade de armazenamento, redes, tecnologias de apresen-
tação e pacotes especializados de software —, aliado a fenômenos recentes, como
o movimento de acesso aberto e a autopublicação, têm favorecido e acelerado
o aparecimento de novos títulos de revistas exclusivamente eletrônicas, muitas
das quais geridas pela própria comunidade acadêmica. Nesse movimento
avassalador, só agora o mundo da pesquisa tem colocado as questões pertinen-
tes ao armazenamento persistente e à preservação digital em suas agendas para
ações imediatas e futuras. Ações que enfatizem conceitos cooperativos de pre-
servação digital e que reúnam os atores tocados pelo problema.
De muitas formas, arquivar e preservar títulos eletrônicos é dramatica-
mente diferente do que tem sido feito para os impressos. Na era do papel
sempre existiu redundância em larga escala no armazenamento dos periódi-
cos. Muitas e diferentes instituições coletam o mesmo título. As cópias salvas
para as futuras gerações são as mesmas cópias lidas pela geração atual de
usuários. Muitas das metodologias e técnicas usadas para ajudar a manter as
revistas impressas por longo prazo — encadernação, conservação, controle
ambiental, etc. — não se diferenciam do que a biblioteca faz para oferecer os
serviços aos usuários. O modelo comum de serviço para os eletrônicos, con-
tudo, é radicalmente diferente do modelo dos periódicos tradicionais. A
maioria do acesso aos eletrônicos é oferecida somente pelo seu editor ou seu
agente. Existe nível baixo de replicação e somente poucas instituições man-
têm cópias de revistas eletrônicas localmente. As bibliotecas podem cumprir
as exigências dos serviços atuais sem se envolver em questões de preservação
dos recursos informacionais. No mundo digital, as questões envolvidas no
dia-a-dia dos serviços de informação são bem diferentes e apartadas das ques-
tões envolvidas na preservação de longo prazo.
No reino dos materiais de pesquisa em forma impressa, significativo nú-
mero de recursos informacionais tem sido preservado passivamente: adqui-
ridos por instituições ou indivíduos e armazenados com pouco ou nenhum
controle. Tais recursos permanecem viáveis, ou seja, legíveis e interpretáveis,
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

inercialmente, décadas depois, mas não é este o caso dos equivalentes digi-
tais. Manter os conteúdos digitais disponíveis para o uso de futuras gerações
requer esforço intencional e monitoramento e investimentos contínuos, como
chama a atenção Flecker.” A preservação digital não é uma ação fixada no
tempo, mas sim um processo que se desenrola indefinidamente. Além dos
desafios técnicos representados pelas estratégias, procedimentos e padrões
voltados para a preservação, é necessário pensá-la também como desafio
gerencial e organizacional.

AS VÁRIAS FACES DO PROBLEMA

A fragilidade das revistas eletrônicas atinge todos os atores do ciclo de


comunicação científica. Todas as partes, com focos distintos, compartilham
as preocupações fundamentais sobre o acesso permanente a essas publica-
ções. Esse fato indica que a aplicação de estratégias apropriadas de preservação
digital é condição sine qua non na trajetória rumo às publicações eletrônicas
acadêmicas, segundo apregoa Jansen.”
Na perspectiva das bibliotecas acadêmicas, cujas coleções de periódicos es-
tão sendo substituídas por licenças de acesso, a percepção sobre a perda da
posse física da publicação torna-se preocupação constante. Quando as biblio-
tecas acadêmicas e de pesquisa subscrevem revistas eletrônicas, elas não têm a
possessão de uma cópia dos exemplares como antes. Elas usam o conteúdo
armazenado em sistemas remotos controlados pelos editores. Embora algu-
mas licenças reconheçam que as bibliotecas têm o direito permanente de uso
dos conteúdos dos periódicos eletrônicos, esses direitos permanecem em gran-
de parte no plano teórico. Se um editor falha em manter seus arquivos ou se
retira do negócio por qualquer razão e deixa de tornar disponível o periódico
do qual um campo particular da pesquisa depende, não existem meios práticos
para substituir o direito permanente de uso da publicação por parte da bi-
blioteca. Dessa forma, os registros ficam expostos ao risco de se perderem.

2 H. Jansen, “Permanent Access to Electronic Journals”, cit.

173
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

Para títulos eletrônicos, a academia não tem ainda um equivalente funci-


onal — em termos de manutenção e controle de longo prazo sobre os registros
acadêmicos — do tipo “possuir uma cópia” oferecido pelo padrão impresso.
Até que se crie um mecanismo de arquivamento digital permanente, a acade-
mia nem pode se deslocar inteiramente para o mundo dos títulos unicamente
eletrônicos, nem pode usufruir inteiramente os benefícios dessa mudança.!º
Quando se trata da biblioteca, por sua vez, as questões em pauta, de acordo
com Jansen,” são as seguintes:
* Quais são os direitos de acesso permanente ao material já pago, princi-
palmente quando a biblioteca suspende a assinatura do periódico?
* O que acontece quando o editor retira um trabalho eletrônico do aces-
so on-line, se afasta do negócio, ou torna, por outro motivo qualquer,
o acesso inviável?
* Quem vai assegurar que os arquivos vão manter sua usabilidade física?
E quem vai pagar por isso?
Para o autor, cuja primazia de seu trabalho acadêmico está registrada num
periódico unicamente eletrônico, que mantém a avaliação das atividades ba-
seada em sua produção e necessita de visibilidade entre os pares, a preocupação
está também em torno do problema recursivo do acesso persistente. Mas as
questões sobre integridade, autenticidade e estabilidade de seus originais, como
versão definitiva, se tornam um foco novo de preocupações. As respostas aos
seguintes questionamentos são de grande importância para ele:
* Meu trabalho vai estar disponível para sempre?
* Como eu posso assegurar de que o meu trabalho não será alterado se
ele está somente em forma eletrônica?
* Como vão ser controladas as várias versões e manifestações do meu
trabalho?
O editor precisa demonstrar aos que licenciam seus produtos que eles
permanecerão estáveis, íntegros e acessíveis sob qualquer circunstância. En-
tão, as perguntas são as seguintes:

o D.J. Waters. D. J. “Urgent Action Needed to Preserve Scholarly Electronic Journals”, cit.
"n H. Jansen, “Permanent Access to Electronic Journals”, cit.

174
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

* Como assegurar à comunidade acadêmica como um todo que existe


um mecanismo confiável de arquivamento digital de longo prazo para
minhas publicações?
* Como assegurar que os links e os links referenciais de minhas publica-
ções permanecerão estáveis ao longo do tempo, mantendo a integridade
de minhas publicações e seus relacionamentos com outras publicações?
Os periódicos eletrônicos estão integrados à vida acadêmica há mais de
uma década. Embora alguns dos grandes editores tenham anunciado que
estão tomando para si a responsabilidade de manter por longo prazo os
conteúdos eletrônicos, a maioria dos pequenos editores — incluindo aqueles
vinculados à própria comunidade acadêmica — ainda está em dúvida sobre
como resguardar suas publicações eletrônicas — ou, o que ainda é mais grave,
não tem a noção exata da dimensão e da complexidade do problema e clareza
sobre seu papel neste contexto de incertezas. As universidades e outras insti-
tuições acadêmicas, juntamente com suas bibliotecas, recentemente traba-
lham em parceria buscando um meio de criar alternativas viáveis para o alto
custo dos periódicos. Agora, é ainda mais importante que essas parcerias
sejam reconfiguradas, incluindo os editores científicos, em torno da busca de
uma solução para a vulnerabilidade das revistas eletrônicas.

Desafios e problemas da preservação digital


Para compreender melhor as soluções que estão sendo desenvolvidas e
implementadas em resposta aos problemas de acessibilidade permanente aos
conteúdos das revistas eletrônicas, é importante ter noção acerca da nature-
za do problema de preservação digital, as principais referências e as estratégi-
as usadas para minimizá-lo.
Preservação digital, de maneira simples, é o conjunto de ações destinadas
a conferir viabilidade em longo prazo aos objetos digitais de valor contínuo.
Daqui a cinco, vinte, cem anos ou mais, seremos capazes de identificar um
documento digital, de ler os arquivos que o compõe, entender sua estrutura

175
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

e interpretá-lo corretamente, além de estarmos seguros de que se trata de


uma cópia autêntica do documento.”
No mundo analógico — do papel e do microfilme —, preservação e acesso
são atividades relacionadas, porém, distintas e, muitas vezes, antagônicas.
No mundo digital, preservação e acesso são indissociáveis: a preservação di-
gital se confunde com a própria preservação do acesso. Portanto, para man-
ter os objetos digitais perenemente acessíveis, é necessário requerer algo mais
do que simplesmente conservar o artefato físico. É preciso preservar também
sua usabilidade — não desejamos preservar bits, mas sim objetos informa-
cionais. Este problema tem várias dimensões:
* A preservação física — cujo foco está na preservação das mídias e em sua
renovação, quando necessário.
* A preservação lógica — cujo foco está nos formatos e na dependência de
hardware e de software que mantenham legíveis e interpretáveis a ca-
deia de bits.
* À preservação intelectual — cujo foco está no conteúdo intelectual, em
sua autenticidade e integridade.
* À preservação do aparato — na forma de metadados — necessário para
identificar, localizar, recuperar e representar a informação digital.
* O monitoramento e a instrumentalização da comunidade-alvo, au-
diência para a qual a informação, de forma privilegiada, se dirige no
sentido de garantir que se possa compreender plenamente a informa-
ção no momento de seu acesso."
À este respeito, Lee e outros acrescentam que a preservação digital envol-
ve não apenas a retenção do objeto informacional em si mas também de seu
significado. Logo, é imprescindível que “[...] as técnicas de preservação sejam
capazes de compreender e recriar a forma original ou a função do objeto de

2 E. Owens, “Digital Preservation and Electronic Journals”, cit.


2 I.F Sayão, “Interoperabilidade das bibliotecas digitais: o papel dos sistemas de identificadores
persistentes - URN, PURL, DOI, Handle System, CrossRef e OpenURL”, em Transinformação,
19 (1), 2007.

176
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

forma que sejam asseguradas sua autenticidade e acessibilidade”! Para tal, é


prioritário que o próprio sentido conceitual de preservação seja rompido:
tradicionalmente preservar algo significa mantê-lo imutável e intacto. No
ambiente digital, contudo, preservar significa, na maioria dos casos, mudar,
recriar, renovar, ou seja, mudar formatos, renovar mídias, hardware e software.
Por um lado, queremos manter a informação intacta, como ela foi criada;
por outro, queremos acessá-la dinamicamente e com as mais avançadas fer-
ramentas.”
A natureza digital de uma informação é dada pela forma como é armaze-
nada: sequências de 0ºs e 1ºs, isto é, cadeias de bits (bitstream). Podemos, por-
tanto, concluir que a forma mais elementar de preservar a integridade de um
objeto informacional é preservar a configuração de bits que o definem como
objeto único. Recuperada uma cadeia de bits, porém, ela pode representar
uma infinidade de coisas — de uma sequência de números inteiros a um arran-
jo de pontos de uma imagem —; por conseguinte, deve ter seu significado
interpretado. Esta interpretação é fortemente dependente de formatos, códi-
gos e estruturas que não podem ser explicitamente representadas na cadeia
de bits e que devem ser tratados por software e harware específicos. Na opinião
de Rothenberg,!º essas dependências é que impõem as mais graves dificulda-
des na gestão da integridade da informação digital, pois pressupõem níveis
sofisticados de controles. Logo, para se compreender um documento digital,
é preciso conhecer o significado de seu conteúdo por meio da linguagem para
o qual foi construído. No caso de um documento digital, essa linguagem é um
programa de computador.
O que se espera da preservação digital é, em última análise, salvaguardar
o conteúdo intelectual de um objeto digital. A noção de conteúdo no mundo

4 K-H. Lee et al. “The State of the Art and Practice in Digital Preservation” em Journal of Research
of the National Institute of Standards and Technology, 107 (1), jan-fev. de 2002, pp. 93-106.
5 S.-S. Chen, “The Paradox of Digital Preservation”, março de 2001, disponível em http://
www.gseis.ucla.edu/us-interpares/pdf/ParadoxOfDigitalPreservation.pdf, acesso em 14-1-2008.
is J. Rothenberg, “Ensuring the Longevity of the Digital Documents”, em Scientific American, janeiro
de 1995, disponível em http://www.clir.org/pubs/archives/ensuring.pdf, acesso em 21-1-2008.

177
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

digital é, todavia, estratificada e complexa. No mundo analógico, os docu-


mentos encerram, num único suporte, todos seus atributos de forma
monolítica: a presença física, o leiaute, o formato, as ilustrações, o conteúdo
e o suporte são elementos virtualmente inseparáveis, como é o caso de um
livro convencional. Todo processamento acontece na cabeça do leitor, quan-
do o livro é preservado, todos os aspectos são igualmente preservados. Em
contraste, os objetos digitais são facilmente decompostos em elementos indi-
viduais, o que implica esforço adicional — e significativo — para identificar
quais os elementos que devem ser resguardados para garantir que o objeto
digital seja preservado como um todo.
Bullock” identifica o conjunto desses elementos, que são como camadas
compondo o que chamamos de objeto digital. Enfatiza, ainda, que as estraté-
gias de preservação devem garantir que o maior número tecnicamente possí-
vel dessas camadas persista no tempo. São elas:
* Limites do objeto digital — um livro é um livro, mas qual é o limite de
um objeto digital, de uma home page, por exemplo?
* Presença física — ou seja, sua cadeia de bits formada de 0ºs e 1ºs.
* Conteúdo — em seu nível mais baixo, como um arquivo ASCII.
* Apresentação — corresponde à forma, ao leiaute, às fontes, ao tama-
nho, às margens, às colunas, às cores e à paginação, que, em muitos
casos, estão especificados separadamente, em arquivos, como são as
folhas de estilo.
* Funcionalidades — são, por exemplo, os componentes multimídia, os
conteúdos dinâmicos, as funções de interoperabilidade e de busca.
* Autenticidade — informa se o documento é o que diz ser, se as transfor-
mações preservaram sua forma original e se sofreu mudanças não au-
torizadas.
* Localização e referência do objeto no tempo — nomeia e referencia um
objeto digital de forma a distingui-lo de outras versões, cópias e edições.

? A. Bullock, Preservation of Digital Information: Issues and Current Status. (Ottawa: National Library
of Canada, 1999), disponível em http://www.collectionscanada.ca/9/1/p1-259-e.html, acesso em
27-1-2008.

178
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

* Proveniência — documenta a origem e a cadeia de custódia, no sentido


de confirmar a autenticidade e a integridade do objeto.
* Contexto — relacionamentos e dependências, pois os objetos digitais
são também definidos por sua dependência em relação aos hardwares e aos
softwares, modo de distribuição e relacionamentos com outros objetos.
Outra face do problema de preservação digital é a identificação persisten-
te dos objetos digitais. Para que um objeto digital seja conservado é necessá-
rio que a ele seja atribuído um nome ou identificador único, global e
persistente. Nos dias de hoje, o uniform resource locator (URL) é a porta de
entrada para os conteúdos disponíveis na web. Define, como o próprio nome
diz, a localização do recurso. De maneira diferente do número de chamada
de um livro, que é raramente reclassificado, o maior problema com os URL é
que mudam com muita frequência. Esta é precisamente a maior fragilidade
desse esquema. Na realidade, o URL é simplesmente um endereço mascarado
como identificador. Confiar nele como referente único para os recursos digi-
tais se assemelha a usar o endereço residencial de alguém para identificá-lo
no lugar de seu cadastro de pessoa física, lembra Payette.!* É necessário, por-
tanto, que, para cada recurso, seja atribuído um nome padronizado que o
identifique permanentemente, sem ambigiúidades e independentemente de
fatores voláteis, tais como localização e tecnologias.
A problemática da identificação persistente tem forte impacto no sucesso
dos sistemas de informações distribuídas — tal como é caracterizada a pró-
pria web —, pois dependem fortemente da vinculação consistente entre os
recursos que estão disponibilizados on-line para afiançar a integridade dos
recursos e a interoperabilidade entre eles. Essa vinculação se concretiza por
intermédio da estabilidade dos hyperlinks, presentes nos catálogos, nos índi-
ces e nas listas que constituem os diversos serviços de descoberta de recursos e
também nas publicações eletrônicas.
No domínio das revistas eletrônicas, a categoria de links que representa
uma citação, isto é, a que formaliza um atrelamento de um recurso a outro é

8 S. Payette, “Persistent Identifiers on the Digital Terrain”, em RLG Diginews, 2 (2), 15-4-1998.

179
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

a mais significativa para a sustentação da integridade do conteúdo intelec-


tual, constituindo o que a literatura chama de link referencial.” As referên-
cias constituem núcleo de vital importância nos títulos científicos. É consenso
que a citação num texto acadêmico, expresso por meio de referências biblio-
gráficas, seja um dos fundamentos básicos do sistema corrente de comunica-
ção científica. Por meio da citação, o autor realiza um vínculo explícito entre
sua pesquisa e outros trabalhos, estabelecendo um contexto multifacetado —
histórico, social, metodológico, etc. — para ela. Nada mais interessante para
o leitor do que ter visão desse contexto por meio de um ou dois cliques imedia-
tamente acionáveis. s
Com a emergência das revistas eletrônicas, tornou-se possível o incre-
mento de mecanismos que permitem o acesso imediato via links a trabalhos
referenciados num artigo. Esta facilidade é, nos dias atuais, algo tão impor-
tante para os usuários que se transformou em imperativo econômico para os
editores científicos: manter, hoje, disponível — nas publicações eletrônicas —
links referenciais configura-se como característica essencial.
Para desempenhar este papel, os nomes devem ser únicos e persistentes.
Um nome persistente no contexto dos repositórios digitais é compreendido
como identificador único que perdure por um período tão longo quanto
necessário; que perdure mesmo que a organização que atribuiu o nome ao
objeto não mais exista quando o objeto for usado. Para isto funcionar, urge
estabelecer uma infra-estrutura administrativa para decidir quem pode assi-
nalar nomes que identifiquem univocamente os recursos digitais de forma
persistente. É imprescindível também criar sistemas automatizados capaci-
tados a resolver nomes rapidamente, ou seja, sistemas que dêem como res-
posta a localização onde está armazenado um objeto digital detentor de um
dado nome.”

2 P Caplan &W.Y, Arms, “Reference Linking for Journal Articles” em D-Lib Magazine, 5 (4), abril
de 1999.
» L. E Sayão, “Interoperabilidade das bibliotecas digitais: o papel dos sistemas de identificadores
persistentes — URN, PURL, DOI, Handle System, CrossRef e OpenURL”, cit.

180
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

REFERÊNCIAS IMPORTANTES

Alguns documentos sobre preservação digital figuram como marcos im-


portantes para as comunidades que estudam o problema. Dentre eles, qua-
tro, além de constituírem marcos históricos, são imprescindíveis para o
encaminhamento da questão de preservação digital de periódicos eletrônicos:
* Preserving Digital Information: Report of the Task Force on Archiving of
Digital Information (Commission on Preservation Access — CPA e
Research Library Group — RLG, 1996).
* Reference Model for Open Archival Information System (Oais) (Con-
sultative Committee for Space Data System — CCSDS, 2002).
* Trusted Digital Repositories (RLG/Online Computer Library Center —
OCLC, 2002).
* An audit checklist for the certification of trusted digital repositories (RLG/
National Archives and Records Administration — Nara, 2005).

Preserving Digital Information: Report of the Task Force on Archiving of


Digital Information

Em 1994, a Comission on Preservation Acess (CPA) e a Research Library


Group (RLG) criaram o Task Force on Archiving of Digital Information,
com a responsabilidade de investigar e recomendar meios para assegurar
“acesso continuado indefinidamente no futuro de registros armazenados
em forma digital”?! Em maio de 1996, os 21 membros do grupo de trabalho
concluem o relatório final, que estabelece a infra-estrutura conceitual por
meio da qual entendemos, na atualidade, o problema de preservação di-
gital.??

2 CPA/RLG, “Preserving Digital Information: Report of the Task Force on Archiving of Digital
Information” 1996, disponível em http://www.rlg.org/legacy/ftpd/pub/archtf/final-report.pdf,
acesso em 2-1-2008.
2 E. Owens, “Digital Preservation and Electronic Journals”, cit.

181
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

Reference Model for Open Archival Information System (Oais — Modelo de


Referência)

Outro documento que tem relevância na formalização e na conceituação


da preservação dos objetos digitais e, ainda, no estabelecimento de um elenco
de informações necessárias para instruir os processos de preservação é o Mo-
delo de Referência Oais.”?
A International Standard Organization (ISO), em 2002, edita o Modelo
de Referência para o Open Archival Information System (Oais), mediante a
norma ISO nº 14.721/2002, cujo desenvolvimento foi coordenado pelo
CCSDS, no âmbito da National Aeronautics and Space Administration
(Nasa). O documento define um modelo de referência de alto nível para um
sistema aberto voltado para arquivamento de informações. No modelo, o
sistema de arquivamento é definido como uma organização de pessoas e de
sistemas que assume o encargo de preservar informação e torná-la disponível
— em termos de acesso — para uma classe privilegiada de usuários, designada
como comunidade-alvo. Entre outras coisas, o Oais visa proporcionar uma
arquitetura comum, que pode ser usada para ajudar a compreender o desa-
fio das organizações que têm a responsabilidade de arquivo, especialmente
aquelas envolvidas com a informação digital e sua preservação.”
O Oais define dois modelos: um funcional e outro de dados. O modelo
funcional delineia um conjunto de funções que precisa ser assumido por um
repositório digital para asseverar o acesso e a preservação à informação. O
documento define, detalhadamente, as funções descritas no escopo da
especificação Oais, como: incorporação, armazenamento, administração,
gerência de dados, planejamento da preservação e acesso. O modelo de da-

3 CCSDS, “Reference Model for Open Archival Information System (Oais): Recommendation”,
Washington, DC, 2002, disponível em http://public.ccsds.org/publications/archive/650x0b1.pdf,
acesso em 27-4-2008.
24
M. Day, “Metadata for Digital Preservation: an Update”, em Ariadne, vol. 22, 1999, disponível em
http://www.ariadne.ac.uk/issue22/metadata/, acesso em 20-1-2008; B. Lavoie & R. Gartner,
“Preservation Metadata”, OCLC, OPC, setembro de 2005, disponível em http://www.dpconline.org/
docs/reports/dpctw05-01.pdf, acesso em 20-1-2008.

182
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

dos, por sua vez, define os tipos de informação — ou metadados — indispensá-


veis para gerenciar a preservação de longo prazo e o acesso às informações
armazenadas num repositório digital. Essas informações são divididas em
quatro diferentes grupos fortemente baseados nos conceitos estabelecidos
pelo Relatório da CPA/RLG (1996): informação de referência, informação
de contexto, informação de proveniência e informação de fixidade.

Trusted Digital Repositories


Em 2000, um grupo de trabalho internacional, organizado em parceria
com a RLG e a OCLC, começa a estudar o conceito, as características e as
responsabilidades de um repositório digital confiável, tendo como base o
Modelo de Referência Oais. O resultado do trabalho está registrado no rela-
tório publicado em 2002: Trusted Digital Repositories: Attributes and
Responsibilities (RLG/OCLC).

Audit checklist for the certification of trusted digital repositories


Um comitê organizado pela RLG e pelo citado Nara (Arquivo Nacional
dos Estados Unidos), tomando como referência o relatório Trusted Digital
Repositories, desenvolve um checklist de sessenta páginas a ser usado como
base para a certificação de repositórios digitais.”

ESTRATÉGIAS DE PRESERVAÇÃO DIGITAL


Até o presente momento — provavelmente, até um futuro indefinido —,
não temos disponível uma estratégia única capaz de dar conta do espectro de
problemas relacionados à preservação digital. O que se apresenta são solu-
ções específicas para casos específicos. Entre as soluções potencialmente com-
pletas, algumas são de uso corrente, mesmo que em pequena escala. Outras
são experimentais e estão, ainda, nas bancadas dos laboratórios ou em pata-
mares bastante teóricos.” De forma geral, a comunidade envolvida com a

» RLG/Nara, An Audit Checklist for the Certification of Trusted Digital Repositories: Draft for Public
Comment (Mountain View: s/ed., 2005).
% K.-H. Lee et al., “The State of the Art and Practice in Digital Preservation”, cit.

183
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

preservação digital tem sido capaz de implantar métodos efetivos para a pre-
servação do conteúdo informacional de materiais digitais, cujos formatos e
estruturas são bem conhecidos e mais simples. Em oposição, falha ou obtém
resultados pífios para materiais mais complexos e dinâmicos ou para os que
constituem formas novas ou emergentes de documentos, e que expressam a
inovação no uso da tecnologia digital.
- Um fator fundamental de sucesso para o incremento da longevidade dos
objetos digitais, não importando a estratégia de preservação digital adota-
» da, está relacionado com a adoção de padrões, mormente os padrões aber-
SÁ tos. Numa visão otimista, eles permitem que os documentos digitais sejam
a representados em formatos mais duradouros e estáveis, reduzindo a veloci-
dade do ciclo de obsolescência. A aplicação de padrões na preservação digital
— na codificação, nos formatos e nos esquemas de representação — torna os
processos de preservação digital mais fáceis, menos frequentes e mais bara-
tos, à medida que reduzem a grande variedade de processos de preservação
customizados, decorrentes da multiplicidade de formatos em que se tradu-
zem os objetos digitais não padronizados. Idealmente, a estandardização
deve preceder a própria criação do objeto da preservação. Existe concordân-
cia entre os especialistas da área de que a preservação digital pode ser real-
mente facilitada mediante a adoção de alguns procedimentos, que incluem:
* A definição de um conjunto limitado e gerenciável de padrões, prefe-
rencialmente abertos e/ou de ampla aceitação e de uso corrente.
* A aplicação desses padrões na criação de novos objetos digitais ou na
conversão de documentos analógicos para formatos digitais.
* O acompanhamento da obsolescência dos padrões desse conjunto e o
monitoramento do surgimento de novos padrões.
* À migração para os novos padrões tão logo eles estejam consolidados.”
Outro ponto relevante para a gestão da preservação digital é a adoção de
esquemas de metadados que registrem informações necessárias para a preser-
vação. O Oais estabelece como essenciais estas informações:

” A, Bullock, Preservation of Digital Information: Issues and Current Status, cit.

184
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

* A referência — registra identificação do objeto informacional no con-


texto local e global e, ainda, sua descrição.
* O contexto — registra a relação do objeto digital com seu ambiente,
incluindo a razão de sua criação e como ele está vinculado com outros
objetos do universo digital e as dependências tecnológicas de hardware
e software.
* A proveniência — refere-se à informação que documenta a cronologia
do conteúdo informacional, incluindo sua origem ou fonte, as mu-
danças de conteúdo sofridas ao longo do tempo, a cadeia de custódia,
propriedade intelectual, permissões de acesso, etc.
* A permanência — documenta os mecanismos de autenticação usados
para assegurar que o conteúdo informacional de um objeto digital
não sofra por alterações não documentadas, como assinatura digital,
certificação digital, criptografia, etc.?
Lee e outros? classificam as metodologias de preservação digital existen-
tes em duas grandes abordagens. A primeira delas é mais conservadora e
procura adotar como estratégia a restauração plena do ambiente tecnológico
original para decodificar os objetos digitais no futuro. Isso pode ocorrer de
duas formas: em primeiro lugar, preservando-se unidades reais de platafor-
mas de hardware e software para uso no futuro — chamada de estratégia de
preservação da tecnologia; em segundo, recriando-se virtualmente compu-
tadores do futuro, por meio de programas — as plataformas obsoletas. Essa
estratégia é conhecida como emulação da tecnologia.
Em poucas palavras, esta abordagem está baseada na criação de museus
tecnológicos, ainda que eles sejam virtuais e seus acervos, criados por pro-
gramas. A outra vertente identificada pelos autores supracitados procura
superar a obsolescência dos formatos dos arquivos por meio de duas estraté-
gias: a primeira delas se baseia na conversão de formatos e na renovação e

» L. E Sayão. “Preservação digital no contexto das bibliotecas digitais”, em C. H. Marcondes et al.


(orgs.) Bibliotecas digitais: saberes e práticas (Salvador/Brasília: UFBA/Ibict, 2005), pp. 115-149.
» K.-H. Lee et al., “The State of the Art and Practice in Digital Preservation”, cit.
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

transferência de mídias, e é conhecida como estratégia de migração; a outra


é denominada encapsulamento, em que tudo o que é necessário para o acesso
ao objeto digital é agrupado física ou logicamente, e é preservado, incluindo
informações, que são, então, expressas por metadados.

MIGRAÇÃO
A estratégia de migração envolve basicamente um conjunto de atividades
que devem ser repetidas periodicamente e consiste em copiar, converter ou
transferir a informação digital do patamar tecnológico que a sustenta (mídias,
softwares, formatos e hardwares) para outro mais atualizado e de uso corrente.
Trata-se da estratégia de preservação digital utilizada em maior escala. A
migração é também a que possui um conjunto de procedimentos mais bem
organizado e consolidado entre as estratégias correntemente praticadas. Seu
objetivo primordial é preservar a integridade de objetos digitais enquanto
mantém, prioritariamente, a capacidade do usuário de recuperá-los, exibi-
los e utilizá-los em face da constante mudança tecnológica. Seu foco está
centrado no conteúdo informacional imbricado num objeto digital, em de-
trimento da tecnologia que o envolve; e, não menos importante, na possibi-
lidade de assegurar a acessibilidade futura a esse conteúdo, usando a
tecnologia disponível à época do acesso.
Dadas essas características, a migração preserva, potencialmente, o con-
teúdo de um objeto digital. Não pode ser capaz de preservar algumas das
funcionalidades mais complexas, por exemplo, as propriedades multimídias
e o contexto — links e outros relacionamentos — do objeto digital. E mais:
migrações sucessivas podem, eventualmente, levar a perdas severas e inacei-
táveis. A idéia básica, portanto, é minimizar essas perdas e reter o conteúdo
numa forma mais utilizável possível, segundo Bullock, CPA/RLG?* e
Hedstrom.?

pm,
? A. Bullock, “Preservation of Digital Information: Issues and Current Status”, cit.
* CPA/RLG, “Preserving Digital Information: Report of the Task Force on Archiving of Digital
Information”, cit.
2 M. Hedstrom, “Digital Preservation: a Time Bomb for Digital Libraries”, Computer and the
Humanities, 31 (3), 1997/1998,
pp. 189-202.

186
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

PRESERVAÇÃO DA TECNOLOGIA

Para Lee e outros,” essa estratégia pressupõe que um museu de equipa-


mentos e programas — plataforma de hardwares e periféricos, sistemas
operacionais, drivers e o programa de aplicação original — podem ser salva-
guardados com a finalidade de replicar no futuro a configuração necessária
para recuperar um objeto digital em seu ambiente original. A vantagem ime-
diata é que o objeto digital mantém todas suas propriedades, sua aparência e
seu comportamento original, visto que será processado em seu ambiente
nativo.

EMULAÇÃO
A emulação consiste em estratégia bem próxima à filosofia da preservação
tecnológica, tendo em vista que envolve conservar programas aplicativos
originais, os objetos digitais originais e todas suas funcionalidades. Parte do
pressuposto de que é tecnicamente viável substituir as plataformas de hardware
obsoletas necessárias para rodar no futuro os aplicativos originais por má-
quinas virtuais, por meio de programas emuladores. Em vez de museus de
equipamentos reais, teríamos museus virtuais, constituídos de programas
emuladores de hardwares obsoletos. De qualquer forma, a emulação tem
estado sob muitas pesquisas e controvérsias. É considerada, por muitos pes-
quisadores, como opção viável para superar as fragilidades da migração, ao
mesmo tempo que enfrenta severas críticas de outros.

ENCAPSULAMENTO

A estratégia de encapsulamento envolve criar containers ou “embrulhos”


(estruturas físicas ou lógicas), em que todos os elementos necessários para a
interpretação do objeto digital estão reunidos, incluindo o próprio objeto e
os metadados correspondentes. Os metadados estabelecidos pelo Modelo de
Referência Oais também são usados para fornecer as informações de suporte
que devem estar presentes num encapsulamento.

& K.-H. Lee et al., “The State of the Art and Practice in Digital Preservation”, cit.

187
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

Proposta de repositórios confiáveis


Para contornar as incertezas provocadas pela fragilidade tecnológica e
organizacional das revistas eletrônicas, o mundo acadêmico vem, nos últi-
mos anos, estabelecendo pactos que tentam viabilizar trabalhos cooperati-
vos em torno dessa temática. Tais iniciativas têm como objetivo primário
equacionar soluções técnicas, gerenciais, organizacionais e normativas para
criar mecanismos de preservação dos conteúdos dos periódicos eletrônicos,
que representam, em grande parte, o testemunho da geração dos saberes
científicos atuais.
No contexto desse movimento, os repositórios para versões impressas es-
tão sendo continuamente desenvolvidos em âmbito nacional, regional e mes-
mo localmente, na tentativa de assegurar que, pelo menos, uma cópia em
papel permaneça acessível. Entretanto, as instituições crescentemente reco-
nhecem que a forma impressa não é um formato de arquivamento aceitável
para conteúdos eletrônicos, dado que isso significa abdicar das funcionalida-
des conferidas pelo formato digital dos conteúdos e de sua conectividade, ou
seja, de sua qualidade de estar em rede e vinculados por hyperlinks a outros
documentos.
Em geral, cada país mantém uma política própria de depósito legal para
as publicações impressas. Na maioria dos casos, as coleções estão sediadas nas
bibliotecas nacionais. Gradativamente, esses depósitos oficiais estão incor-
porando repositórios digitais aos seus sistemas de depósito legal, destinados
à salvaguarda de longo prazo das publicações eletrônicas científicas produzi-
das no âmbito das fronteiras nacionais. Entretanto, esse modelo tradicional
de depósito baseado em estados nacionais e fronteiras geográficas pode ser
uma solução parcial para os títulos eletrônicos publicados numa nação, mas
não ser capaz de garantir a permanência e a segurança das publicações cientí-
ficas internacionais. Isso porque:
* a literatura acadêmica em formato digital é, em muitos casos, desterri-
torializada e nem sempre possui um país nativo. Por conseguinte, não
detém um guardião óbvio;

188
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

* a velocidade com que as bibliotecas nacionais podem desenvolver seus


repositórios digitais não acompanha o ritmo de multiplicação dos tí-
tulos eletrônicos;
* não se pode esperar que os editores internacionais depositem seus con-
teúdos num grande número de arquivos digitais nacionais.
Por todas essas razões, na visão de Jansen,” existe risco considerável de
que, circunscritos ao modelo tradicional, os registros eletrônicos científicos
não sobrevivam ao longo do tempo. Fica claro, portanto, que é imperativo
um enfoque mais sistemático e mais específico para o problema.
Existem, então, primariamente, duas opções para assegurar acesso contí-
nuo a conteúdos de revistas eletrônicas licenciadas. A primeira delas está
baseada inteiramente na confiança de que o editor ou distribuidor oferecerá
acesso permanente aos conteúdos subscritos, mesmo que o editor pare de
publicar os títulos ou a biblioteca pare de subscrevê-los. A segunda opção,
comum em muitos contratos de licença, está fundamentada na exigência de
que o editor repasse à biblioteca cópias dos arquivos que constituem os títu-
los eletrônicos que foram subscritos por ela. Ambas as soluções passam,
impreterivelmente, pelo incremento de sistemas de arquivamento digital que
incorporem soluções tecnológicas e organizacionais para assegurar — no caso
de evento que impeça o acesso regular ao recurso — algum grau de acesso aos
conteúdos dos periódicos licenciados, com nível de qualidade aceitável.
Em complementação às exigências de direitos de acesso permanente, as
bibliotecas e outras instituições de conhecimento estão, a cada dia, criando
repositórios institucionais graças a pacotes livres de softwares — Dspace, Fedora
e outros — e pressionando os editores no sentido de garantir aos autores
direitos de modalidades viáveis de auto-arquivamento. Além do mais, como
forma de garantia do acesso permanente, as instituições estão começando a
exigir dos editores que estabeleçam, explicitamente, programas de preserva-
ção.

* MH. Jansen, “Permanent Access to Electronic Journals”, cit.


* A, R. Kenney, “Surveying the E-Journal Preservation Landscape” 2005, disponível em http://
www.arl.org/bm--doc/arlbr245preserv.pdf, acesso em 17-1-2008.

189
A

COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

O ano de 2000 é um ponto de inflexão na trajetória de busca de uma


solução para o problema. Vários fatos e eventos importantes aconteceram
nesse ano. Em seu limiar, a inquietação das bibliotecas de pesquisa em relação
à perpetuação do acesso aos conteúdos das revistas eletrônicas suscitou um
ambiente favorável ao debate em torno da idéia de programas confiáveis de
arquivamento para esse gênero de publicação. A idéia foi se consolidando e,
nos dias de hoje, como Waters” assinala, há consenso quase unânime dos
especialistas na área de que a sustentação das pesquisas futuras e do ensino
vai depender da geração de repositórios digitais confiáveis, nos quais as pu-
blicações acadêmicas registradas em formato digital possam persistir livres
do controle exclusivo dos editores, independentemente de esforços individu-
ais de bibliotecas, e sob o controle de entidades comprometidas com valores
de longo prazo.
O relatório Trusted Digital Repositories, anteriormente citado, produzido
por um grupo de trabalho internacional promovido pela RLG/OCLC, em
2002, indicava que “um repositório digital confiável tem como missão ofere-
cer acesso confiável de longo prazo para sua comunidade-alvo a recursos
digitais, agora e no futuro”. Alguns dos atributos de tais repositórios incluem
adesão ao Reference Model for Open Archival Information System ou Modelo
de Referência Oais,” responsabilidade administrativa, viabilidade organiza-
cional, sustentabilidade financeira, adequação tecnológica e procedimental,
sistema de segurança e procedimentos de verificabilidade. É importante no-
tar que esses atributos estão muito mais próximos às questões organizacionais
do que às tecnológicas, como Owens* reforça.
No contexto dos títulos eletrônicos, a instituição de sistemas de arquiva-
mento digital parte do pressuposto de que sua conservação “[...] é uma espécie
de seguro e não uma forma de acesso”º cujo foco é a gestão de risco contra a
perda permanente de conteúdos digitais importantes para a pesquisa e o ensi-

D. J. Waters, “Urgent Action Needed to Preserve Scholarly Electronic Journals”, cit.


B

CCSDS, “Reference Model for Open Archival Information System (Oais): Recommendation”, cit.
y

E. Owens, “Digital Preservation and Electronic Journals”, cit.


D. J. Waters, “Urgent Action Needed to Preserve Scholarly Electronic Journals”, cit., p. 2.

190
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

no e contra a possibilidade de cessar, por falha dos editores, os meios de acesso


a esses conteúdos. Assim, para equacionar os fatores de riscoe estabelecer uma
forma de seguro contra perdas, os repositórios qualificados de arquivamento
para a preservação devem oferecer um patamar mínimo de serviços bem defi-
nidos. Nessa direção, ainda segundo o autor ora referenciado, eles devem:
receber de uma biblioteca participante ou diretamente do editor os
arquivos que constituem um periódico eletrônico em forma padro-
nizada;
armazenar os arquivos em formatos não proprietários, de forma que
possam ser facilmente transferidos e usados;
adotar meios padronizados para verificar a integridade dos arquivos e
oferecer mecanismos de verificação contínua de integridade dos arqui-
vos armazenados internamente;

limitar o processamento dos arquivos recebidos com o propósito de


manter baixos os custos operacionais; deve, contudo, oferecer proces-
samento suficiente para que os arquivos possam ser localizados e ade-
quadamente apresentados para bibliotecas participantes, nos casos de
perda;
restringir o acesso por parte das bibliotecas participantes aos arquivos
depositados que estão protegidos por copyright, tendo como propósi-
to proteger os interesses comerciais dos editores, porém isso não é vá-
lido para os casos em que os editores estão incapacitados de oferecer
acesso, ou os conteúdos não estarem mais protegidos pelos direitos
autorais;
oferecer um meio transparente e aberto de auditar as práticas de ar-
quivamento adotadas pelo repositório.
A biblioteca, como o elemento mais interessado, pode operar um
repositório qualificado com as características básicas ora alinhadas, indivi-
dualmente ou, o que parece mais razoável, colaborativamente, na forma de
um seguro coletivo. As políticas de gestão aplicáveis a esses arquivos podem
variar bastante, mas a biblioteca — por força de seu estatuto — deve continuar
exercendo suas obrigações de preservação, que, agora, pode incluir o paga-

191
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

mento de taxas para manutenção do repositório. No caso de evento de perda


de acesso de uma revista arquivada no site do editor, é provável que somente
os participantes que contribuem com o programa de arquivamento possam
ter acesso aos conteúdos por meio do repositório.
Uma questão-chave na viabilidade dos repositórios é a obrigação de se
estabelecer acordos contratuais, de forma que os editores científicos transmi-
tam todos os arquivos referentes a periódicos eletrônicos diretamente a um
repositório confiável, ou autorizem as bibliotecas licenciadas a fazê-lo como
condição para que a subscrição se efetive. Para isso, talvez seja necessária a
intervenção das organizações e das comunidades internacionais envolvidas
com as bibliotecas de pesquisa. O que se espera é que haja pressão urgente por
parte das bibliotecas para que os editores descrevam seus estoques arqui-
vísticos de maneira pública e clara. Ademais, é essencial também que instru-
am os autores e os leitores a considerar esses estoques arquivísticos na
avaliação da adequabilidade do título como um meio verdadeiramente du-
radouro de registro da atividade acadêmica.
Transcorridos alguns anos, uma série de avanços no cenário internacional
está criando condições para estabilização do acesso aos periódicos eletrôni-
cos. Esses esforços começam a render frutos. As bibliotecas acadêmicas estão
oferecendo opções viáveis para o arquivamento de revistas eletrônicas. Os
editores científicos estão colaborando com as organizações de conhecimento
oferecendo “repositórios ocultos” — isto é, repositórios que não permitem
acesso on-line rotineiro — para seus backfiles. Em muitos países, a legislação
sobre depósito legal que orienta o depósito de publicações on-line inclui pu-
blicações periódicas eletrônicas; e existe vinculação próxima do movimento
de acesso aberto com a preservação digital.

INICIATIVAS IMPORTANTES

Estabelecido consenso em torno da criação de repositórios digitais confiá-


veis, um número de experiências importantes começa a ser desenvolvida,

“ Ibidem.

192
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

sempre almejando a sustentação metodológica e financeira da idéia. Em ou-


tras palavras, as preocupações e as tensões geradas pelos problemas com a
preservação dos periódicos eletrônicos exigiram que editores, bibliotecários
e tecnólogos se articulassem em torno de uma solução comum.
Essa articulação é marcada, primordialmente, pelo pacto estabelecido em
1999 por três importantes organizações ligadas à questão da informação di-
gital: Council on Library and Information Resources (Clir), Digital Library
Federation (DLF) e Coalition Networked Information (CNI). Essas organi-
zações convocaram um grupo de editores e bibliotecários para discutir a
responsabilidade de arquivamento dos conteúdos eletrônicos. Uma série de
reuniões resultou na publicação, em maio de 2000, do documento funda-
mental Minimum Criteria for an Archival Repository of Scholarly Journals, ver-
são 1.2.,º o qual proclama, em sua introdução, estabelecer os critérios
mínimos para um repositório digital que atue para preservar publicações
digitais acadêmicas.
Na realidade, o Minimum Criteria for an Archival Repository of Scholarly
Journals fundamenta-se, muito proximamente, do Modelo de Referência Oais,
modificado para refletir as necessidades específicas das bibliotecas, dos edito-
res e das comunidades científicas. Aponta também algumas das pesquisas-
chave que devem ser executadas para aperfeiçoamento dos repositórios digitais
acadêmicos que aderirem aos critérios que provavelmente emergirão. Essas
pesquisas são divididas em três categorias: 1) as associadas com o depósito de
dados; 2) as associadas com a preservação; 3) as associadas com o acesso.
Os sete critérios fixados são os seguintes:
* Critério 1 — Um repositório digital de arquivamento que atua para
preservar publicações acadêmicas digitais é uma parte confiável que
está em conformidade com os requisitos mínimos acordados entre edi-
tores científicos e bibliotecas. A concordância sobre esses parâmetros
mínimos é essencial, posto que as bibliotecas necessitam deles para

* DLE “Minimum Criteria for an Archival Repository of Digital Scholarly Journals”, maio de 2000,
disponível em http://www.diglib.org/preserve/criteria.htm, acesso em 21-1-2008.
“2 Ibidem.

193
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

assegurar a elas próprias e aos usuários que os conteúdos digitais estão


sendo mantidos. Os editores, por sua vez, carecem dos critérios míni-
mos para demonstrar às bibliotecas e aos autores que estão tomando
medidas razoáveis para preservar suas publicações. As partes confiáveis
podem incluir bibliotecas, editores e, ainda, terceiros que ofereçam
serviços de arquivamento.
Critério 2 — Um repositório define sua missão, considerando as de-
mandas de editores científicos e bibliotecas de pesquisa. Ademais, deve
explicitar quais publicações acadêmicas pretende arquivar e para qual
comunidade-alvo as publicações estão sendo arquivadas. Sem dúvida,
essa definição ajuda a delimitar o domínio do repositório, em termos
da natureza e da abrangência da informação digital que vai incorpo-
rar, além de atender às demandas da biblioteca como principal desti-
natário de qualquer dado disseminado pelo repositório.
Critério 3 - Um repositório negocia e aceita depósitos de editores cien-
tíficos. Esse critério indica que o repositório deve estipular diretrizes
sobre que publicações são aceitas para arquivamento. Os critérios po-
dem incluir assuntos, fontes de informação, singularidade, originali-
dade e técnicas usadas para representar a informação. Os acordos
podem especificar as características dos dados e metadados que acom-
panham o depósito, além das responsabilidades e dos direitos associa-
dos ao processo de submissão ao repositório.
Critério 4 — Um repositório deve obter controle suficiente da informa-
ção depositada com o propósito de assegurar sua preservação de lon-
go prazo. É desejável que o repositório tenha as licenças mínimas
exigidas que permitam a ele operar sobre os arquivos depositados e
sobre os metadados correspondentes, tendo em vista a preservação de
tais arquivos. Um bom exemplo são as operações de migração, que
podem exigir interferências consideráveis sobre os arquivos que com-
põem um item de informação. Esse critério inclui também o moni-
toramento das mudanças sobre os direitos e as responsabilidades do
repositório sobre o material depositado no decorrer dos anos. Por

194
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

exemplo, quando o editor pára, por algum motivo, de fornecer o ma-


terial para a comunidade-alvo, o repositório deve estar aparelhado
para fornecer esse material aos clientes licenciados.
* Critério 5 — Um repositório deve seguir políticas e procedimentos do-
cumentados que assegurem que a informação será preservada contra
todas as contingências razoáveis. Como inexistem estratégias e práti-
cas gerais voltadas para a conservação, é essencial que o repositório
dite políticas e procedimentos de preservação digital adequados à na-
tureza de seus depósitos.
* Critério 6 — Um repositório deve manter preservada a informação dis-
ponível para a biblioteca, sob condições negociadas com o editor.
* Critério 7 - Como patamar mínimo para cumprir satisfatoriamente o
grau de redundância esperado para os estoques informacionais, os
repositórios devem funcionar como parte de uma rede. Embora o ní-
vel de redundância apropriado seja difícil de instituir, cada dado deve,
idealmente, estar armazenado em três lugares distintos, e no mínimo
um deles fora das instalações da organização que hospeda o repositório.
Ainda nos idos de 2000, logo após a publicação do documento Minimum
Criteria for an Archival Repository of Scholarly Journals, a Fundação Andrew
W. Mellon, em conjunto com o Clir, tomou a iniciativa pioneira de saltar do
patamar de trocas de idéias para a experimentação e execução.” Nessa direção,
convidou as principais bibliotecas de pesquisa norte-americanas a apresen-
tarem propostas de projetos voltados para a criação e a operação experi-
mental de arquivos de revistas eletrônicas. Como resultado, sete propostas
foram contempladas com recursos para desenvolverem projetos no período
de 2001 a 2002.
Os projetos mantinham perspectivas diferentes. Enquanto os oriundos
das universidades de Harvard, Pensilvânia e Yale estavam orientados para os
editores científicos, parceiros na empreitada, os projetos da Universidade de
Cornell e da New York Public Library estavam direcionados a temas (agricul-

% D. Flecker, “Preserving Scholarly E-Journals”, cit.


COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

tura e arte performática, respectivamente). Por sua vez, o Massachusetts


Institute of Technology (MIT) propôs investigar os desafios dos “periódicos
eletrônicos dinâmicos” — websites acadêmicos que não seguem os padrões
tradicionais de periódicos. A Universidade de Stanford recebeu fundos para
desenvolvimento e testes beta do sistema Lots of Copies Keep Stuff Safe, mais
conhecido pela sigla Lockss, que tem como objetivo apoiar, de forma auto-
mática e com baixo custo, a replicação em larga escala do conteúdo de revis-
tas eletrônicas.
O trabalho desenvolvido pelas universidades de Harvard, Yale e Cornell
vem influenciando significativamente o trabalho da Electronic-Archiving
Initiative (inaugurada pelo The Scholarly Journal Archive — JSTOR), agora
chamado de Portico, e que se impõe, segundo Owens,“ como referência im-
portante na área de preservação dos eletrônicos. Para Flecker,é é evidente
que, mesmo trabalhando com visões distintas do problema, os projetos, de
forma geral, compartilham alguns pressupostos básicos:
* Os repositórios devem ser independentes de editores. Suas necessida-
des de arquivamento devem estar sob encargo das instituições para as
quais eles prioritariamente se dirigem.
* O arquivamento deve ser baseado em parcerias ativas com os editores.
Isso requer tipos de licenças diferentes das licenças atuais voltadas para
o uso do conteúdo.
* Os repositórios devem considerar o problema da preservação sob o
prisma de longuíssimo prazo — cem anos ou mais.
* Os repositórios devem estar em conformidade com as normas, os pro-
tocolos e as diretrizes de melhores práticas do mundo digital e acom-
panhar o avanço desses marcos. Devem estar também sujeitos à
auditoria e à certificação.
* Osrepositórios devem ser baseados no Reference Model for Open Archival
Information System, como antes referendado, reiterando-se que o Oais

& E. Owens, “Digital Preservation and Electronic Journals”, cit.


* D. Flecker, “Preserving Scholarly E-Journals”, cit.

196
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

estabelece as informações e as funções imprescindíveis à preservação


digital de longo prazo.
Considerando a importância das revistas eletrônicas como meio primá-
rio de disseminação de parte significante de nossa herança intelectual, não é
surpresa que existam várias iniciativas em andamento por todo o mundo
com o intuito de preservar esses estoques de conhecimento. O levantamento
efetivado pelo Clir sobre iniciativas de arquivamento de títulos eletrônicos,
publicado em setembro de 2006, com o interessante título E-Journal Archiving
Metes and Bound: a Survey of the Landscape, identifica e avalia os principais
projetos. Estes, caracteristicamente, expressam a premência de uma resposta
coletiva ao desafio de se manter acesso perene às revistas eletrônicas, ante a
impossibilidade quase absoluta de respostas individuais e específicas a essa
questão. Os projetos mais relevantes são apresentados de forma resumida, a
seguir, tomando como referência o estudo de Kenney:*”
* Canada Institute for Scientific and Technical Information (Cisti) —
http://cisti-icist.nrc-cnrc.gc.ca/main
e.html — e Canada's Scientific
Infostructure (CSI) — trata-se de um programa do Cisti que estabelece
infra-estrutura nacional de informação em colaboração com diversos
parceiros. A infra-estrutura colaborativa objetiva oferecer acesso de
longo prazo aos estoques informacionais digitais custodiados pelo Cisti
e apoiar atividades de pesquisa e de ensino. Em 2003, ele inicia o
armazenamento de conteúdos periódicos de três editores. Em 2006, já
conta com, aproximadamente, 5 milhões de artigos. O programa es-
pera incluir conteúdos provenientes de outros editores científicos.
* Lockss Alliance — http://www.lockss.org/lockss/LOCKSS Alliance e
Controlled Lockss (Clockss) — http://www.clockss.org/clockss/Home
— o sistema Lots of Copies Keep Stuff Safe, sediado na Universidade de
Stanford, lança a versão beta de seu software de fonte aberta, entre
2000 e 2002. A idéia do software é habilitar as bibliotecas a coletar,

* A, R. Kenney et al., E-Journal Archiving Metes and Bounds: a Survey of the Landscape, cit.
“? A. R. Kenney, “Surveying the E-journal Preservation Landscape”, cit.

197
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

armazenar, preservar e oferecer acesso a partir de cópias locais de con-


teúdos autorizados. De acordo com o levantamento do Clir,* cerca de
cem instituições participantes, em mais de vinte países, usam o progra-
ma para capturar conteúdos. Cerca de 25 editores comerciais e de con-
teúdos de acesso aberto, incluindo grandes agregadores, participam
do Programa Lockss. Em 2005, a Lockss Aliance se lança como organi-
zação coletiva moldada em torno do software Lockss, com o propósito
de desenvolver uma estrutura de governança e de sustentabilidade. A
iniciativa denominada Clocks, incorporada ao Programa Lockss em
2006, reúne seis bibliotecas e doze editores em torno do propósito de
estabelecer um repositório oculto para revistas eletrônicas.
Portico — http://www.portico.org — inicia-se com a Electronic-
Archiving Initiative, da JSTOR, em 2002, como mencionado, e é desen-
volvido com apoio inicial da Universidade de Ithaka, da Fundação
Andrew W. Mellon e da Biblioteca do Congresso. Sua missão é preser-
var a literatura acadêmica publicada sob o formato eletrônico e asse-
gurar sua acessibilidade para futuros acadêmicos, pesquisadores e
estudantes.” Lançado publicamente em 2006, constitui um serviço de
arquivamento eletrônico de terceiros, atuando como repositório oculto
permanente. Na qualidade de organização associativa, o Portico é aber-
to a todas as bibliotecas e aos editores científicos que contribuem, anu-
almente, para sua manutenção. No início de 2008, o repositório já
acumula mais de 7 mil títulos de periódicos, contando com 397 biblio-
tecas e 46 editores associados.
Koninklijke Bibliotheek e-Depot (KB e-Depot) — http://www.kb.nl/
dnp/e-depot/e-depot-en.html — como biblioteca responsável pelo de-
pósito legal na Holanda, a KB mantém a obrigação de preservar e
oferecer acesso de longo prazo a publicações eletrônicas em idioma
holandês. Para cumprir esse encargo, inicia os planos para arquiva-

* A. R. Kenney et al., E-journal Archiving Metes and Bounds: a Survey of the Landscape, cit.
* E. Owens, “Digital Preservation and Electronic Journals” cit.

o 198
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

mento de revistas eletrônicas ainda em 1993, e começa a operacionalizar


um sistema de arquivos entre 1998 e 2000. A idéia inicial era criar um
sistema no qual os editores poderiam voluntariamente depositar suas
publicações para arquivamento. Sua meta atual é incluir títulos de 20
a 25 das maiores empresas editoras, que produzem cerca de 90% da
literatura eletrônica mundial em C&T e medicina. A KB e-Depot, no
momento, oferece serviços de arquivamento digital para os oito maio-
res editores científicos.”
* Kooperativer Aufbau eines Langzeitarchivs Digitaler Informationen
(kopal/DDB) — http://kopal.langzeitarchivierung.de/index koLibRI.
php.de — fundado pelo Ministério Federal da Educação e Pesquisa da
Alemanha, o kopal/DDB é um projeto cooperativo iniciado em 2004.
Sua maior justificativa reside na necessidade de a Die Deutsche
Bibliothek (DDB — Biblioteca Nacional da Alemanha) gerenciar o de-
pósito legal de publicações eletrônicas. Tendo como base acordos vo-
luntários com editores, a DDB vem adquirindo variedade significativa
de conteúdos eletrônicos, incluindo títulos de periódicos das editoras
Springer, Wiley-VHC e Thiene. Atuando como agência de depósito
legal, a biblioteca iniciou a aquisição de todos os periódicos eletrôni-
cos publicados no país e sua incorporação ao kopal. Ainda segundo os
autores mencionados, no futuro o kopal/DDB pretende oferecer seus
serviços de arquivamento a outras instituições.
* Los Alamos National Laboratory (LANL)/Research Library (RL) —
http://library.lanl. gov — a biblioteca de pesquisa do LANL vem arma-
zenando localmente, desde 1995, backfiles previamente licenciados, pro-
venientes de editores científicos, incluindo os comerciais. A LANL/RL
tem contribuído de forma marcante na pesquisa e no avanço de
repositórios e na arquitetura de objetos digitais voltada para a manu-
tenção de longo prazo de conteúdos de periódicos eletrônicos. O
repositório aDORe Archives (http://african.lanl.gov/aDORe/projects/

% A. R. Kenney et al., E-journal Archiving Metes and Bounds: a Survey of the Landscape, cit.

199
COMO GERENCIAR O CONTEUDO CIENTÍFICO

adore Archive), resultado desse esforço, é um dos principais focos de


pesquisa e desenvolvimento (P&D) da LANL/RL.
National Library of Australia Pandora (NLA Pandora) — http://
pandora.nla.gov.au — Pandora é um repositório web, em que estão
armazenadas as coleções de publicações on-line australiana. Sua deno-
minação é um acrônimo que condensa sua missão em “preserving and
accessing networked documentary resources of Australia”. A revista ele-
trônica consta como uma das seis categorias de publicações on-line
incluídas no repositório, que lista cerca de 2 mil títulos publicados no
país, incluindo 150 revistas comerciais. Estabelecido inicialmente pela
NLA, em 1996, o repositório consolida-se, agora, como projeto
colaborativo, contando com a participação de nove outras bibliotecas
australianas e de organizações culturais.
OCLC Electronic Collection Online (OCLC/ECO) — http://www.oclc.org/
electronic collections — a OCLC lança, nos meados de 1997, a Electronic
Collection Online (ECO) para apoiar os esforços das bibliotecas e dos
consórcios na aquisição, circulação e gestão de grandes coleções de
revistas acadêmicas e profissionais. A ECO disponibiliza acesso web,
por meio da interface FirstSearch, da OCLC, a uma crescente coleção
de mais de 5 mil títulos, em diferentes campos do conhecimento, pro-
venientes de mais de setenta editores. Provê, ainda, solução significati-
va para o arquivamento digital e a metabusca entre periódicos, com o
adendo de que vem negociando com os editores, sistematicamente,
opções para assegurar aos assinantes direitos permanentes sobre os
conteúdos veiculados nas revistas.
OhioLINK Electronic Journal Center (OhioLINK EJC) — http://www.
ohiolink.edu — caracteriza-se como consórcio de bibliotecas universitá-
rias, compreendendo 85 instituições de educação superior e mais a Bibli-
oteca Estadual de Ohio (Estados Unidos). Entre os serviços mantidos
está o Electronic Journal Center (EJC), datado de 1998, que consiste em
coleção de textos completos de revistas acadêmicas. São mais de 7 mil
títulos, provenientes de 101 editores, em disciplinas variadas. OhioLINK
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

declarou sua intenção de manter os conteúdos do EJC como arquivo


permanente. Para tanto, adquiriu direitos perpétuos de arquivamento
no licenciamento de todos os títulos, com uma única exceção.”
* Ontario Scholars Portal — http://www.scholarsportal.info/index.html
— lançado em 2001, o Ontario Scholars Portal inclui mais de 6.900
periódicos eletrônicos de 13 diferentes editores científicos. Seu objeti-
vo central é oferecer acesso a recursos informacionais acadêmicos em
formato digital. O consórcio inclui, entretanto, o compromisso de
preservação de longo prazo de conteúdos das revistas eletrônicas, ar-
mazenadas localmente.
* PubMed Central — http://www.pubmedcentral.nih.gov — temos, aqui,
um arquivo digital livre, sob a responsabilidade do National Institute
of Health (NIH — Estados Unidos), que incorpora literatura periódica
sobre biomedicina e biociências. O PubMed Central, lançado no início
de 2000, desenvolvido e gerenciado no âmbito da National Library of
Medicine (NLM), abrange cerca de 250 títulos de periódicos oriundos
de mais de cinquenta editoras. O repositório retém direitos perma-
nentes sobre todo o material submetido e tem como compromisso
manter a integridade e a exatidão do conteúdo arquivado.

QUESTÕES CRÍTICAS SOBRE OS REPOSITÓRIOS DIGITAIS

Restam, ainda, inúmeras questões na agenda de discussão das comunida-


des envolvidas no estabelecimento de repositórios digitais confiáveis. Algu-
mas das questões mais importantes são apresentadas resumidamente a seguir,
tomando como referencial o pensamento de Flecker:*?
* É essencial a relação formal entre os arquivos e os assinantes das revis-
tas eletrônicas, uma vez que há um relacionamento contratual entre
editores e assinantes e entre editores e repositórios?
* Os conteúdos dos arquivos devem estar ocultos, ou seja, inacessíveis
para uso cotidiano?

% Ibidem.
2 D. Flecker, “Preserving Scholarly E-Journals”, cit.

201
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

Quando os conteúdos dos arquivos podem ser acessados? Se os conteú-


dos permanecem ocultos depois de depositados no arquivo, sob que
condições podem ser acessados?
Quem pode acessar o arquivo? Se um evento que provoca uma necessi-
dade de acesso acontece, quem pode acessar os conteúdos? Somente os
assinantes, institucionais ou individuais?
Que conteúdos dos periódicos serão arquivados? Somente os artigos?
Os conteúdos devem ser normalizados? A variedade de formatos dos
objetos digitais afeta o custo e a complexidade das operações de preser-
vação. Isso cria o imperativo de se eleger um conjunto preferencial de
formatos para os conteúdos, de modo a reduzir os custos e a complexi-
dade da preservação?
Deve ser desenvolvido um formato padrão de incorporação dos con-
teúdos nos repositórios?
Deve ser preservada a usabilidade dos objetos arquivados ou somente
seus bits?
Quem paga o quê? Arquivar e preservar periódicos eletrônicos custa
dinheiro, mas é pouco provável que os repositórios sejam financiados
por uma única fonte. No decorrer do tempo, se espera que muitos e
diferentes interessados contribuam para o esforço de desenvolvimento
e manutenção desses repositórios.

Algumas recomendações
Como recomendação geral, é premente que a informação digital seja cria-
da, tendo como perspectiva a duração adequada ao ciclo regular de vida. Isso
significa a escolha de softwares e formatos que ofereçam as melhores chances
de assegurar que o material permaneça facilmente acessível, ao longo das
décadas e/ou séculos. Softwares não compatíveis com as versões anteriores
(compatibilidade retrospectiva) ou com as versões futuras (compatibilidade
futura) dificultam a utilização dos registros digitais à medida que o tempo

202
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

passa. O uso de formatos abertos, não proprietários, independentes de plata-


formas com especificações disponíveis livremente, se impõe como crucial im-
portância para a minimização da fragilidade digital.
Conforme visto, é imprescindível que os objetos digitais estejam adequa-
damente identificados segundo esquemas padronizados e que possam ser dis-
tinguidos inequivocamente para sempre de qualquer outro registro digital.
É necessário também proteger as informações de ações não autorizadas e não
documentadas, para que sua integridade e autenticidade sejam também pre-
servadas, bem como protegê-las contra perdas acidentais e danos físicos. Não
há nenhuma dúvida de que os documentos digitais devem estar sempre acom-
panhados de informações, expressas por metadados, que instruam tanto sua
gestão como sua preservação. Por fim, é relevante criar estratégias e mecanis-
mos voltados para o monitoramento da obsolescência de hardwares e softwares
para a minimização de seus efeitos. Para que tudo isso ocorra com a devida
naturalidade, é sempre desejável que as informações digitais estejam geren-
ciadas por sistemas apropriados de gestão de documentos.*
No domínio mais específico das revistas eletrônicas, alguns padrões estão
começando a se consolidar como patamar para a editoração científica. O
National Center for Biotechnology Information (NCBI), da NLM, criou o
Journal Publishing Document Type Definition (DTD), com o propósito de
tornar disponível um formato comum para a criação de conteúdos de perió-
dicos em Extensible Markup Language (XML). O NCBI desenvolve também
o Journal Archiving and Interchange DTD, visando oferecer um formato co-
mum mediante o qual editores e arquivos possam intercambiar conteúdos
dos títulos de periódicos.
Inexistem, contudo, padrões para empacotamento e manipulação dos
conteúdos de revistas, quando de um sistema para outro, tanto do ponto de
vista técnico quanto do ponto de vista comercial. Por conta dessa constatação,
o United Kingdom Serial Group (UKSG) e a Association of Learned
Professional Society Publishers (ALPSP) mantêm um grupo de trabalho para

& 1. F Sayão, “Preservação digital no contexto das bibliotecas digitais”, cit.

203
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

estudar os problemas que surgem quando títulos eletrônicos mudam de edi-


tores. Outra indicação da complexidade do problema: em setembro de 2005,
The National Information Standards Organization (Niso) e a ALPSP consti-
tuem grupo de estudo com o fim de examinar os problemas associados com a
proliferação de diferentes versões de artigos de periódicos em circulação na
web. Isso acontece porque, no mundo digital, múltiplas versões de um mes-
mo artigo estão frequentemente disponíveis na internet, com a possibilidade
de suscitar problemas, haja vista que não há meio estabelecido capaz de iden-
tificar as várias versões por meio de uma terminologia comum ou por um
esquema de identificação. Na visão de Owens,” a idéia é desenvolver um vo-
cabulário para descrever as diferentes variantes de um mesmo artigo dissemi-
nadas na rede.
Existe também concordância geral em torno da importância de usar
identificadores padronizados, mais especificamente o Digital Object Identifier
(DON), como esquema padrão para a área de publicações científicas. Para a
efetivação da interoperabilidade entre revistas eletrônicas por meio de links
referenciais, a participação na iniciativa denominada CrossRef — sistema de
banco de dados que vincula os recursos aos respectivos identificadores DOI —
parece constituir unanimidade entre os editores.
O levantamento coordenado por Kenney e outros” alinha um conjunto
de recomendações dirigidas às bibliotecas acadêmicas, aos editores e aos pro-
gramas de arquivamento de periódicos eletrônicos, resumidas a seguir:

RECOMENDAÇÕES PARA AS BIBLIOTECAS E ORGANIZAÇÕES


ACADÊMICAS

* Às bibliotecas e os consórcios devem pressionar os editores científicos


para que eles se incorporem aos programas confiáveis de arquivamento
de títulos eletrônicos e que transfiram todos os direitos e as responsabi-
lidades essenciais ao arquivamento digital como parte da negociação

* E. Owens, “Digital Preservation and Electronic Journals”, cit.


& A.R, Kenney et al., E-journal Archiving Metes and Bounds: a Survey of the Landscape, cit.
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

das licenças de subscrição. As bibliotecas de pesquisa devem, coletiva-


mente, concordar em não assinar novas licenças e renovações para aces-
so a revistas eletrônicas se essas condições não forem satisfeitas.
As bibliotecas devem compartilhar informações com outras bibliotecas
sobre as soluções adotadas para o arquivamento dos títulos eletrônicos.
As bibliotecas devem tornar-se membro ou participar de pelo menos
uma iniciativa de arquivamento mais adequada a seus propósitos, bem
como participar do desenvolvimento de modelos de registro de infor-
mações sobre publicações acadêmicas arquivadas.
As bibliotecas devem influenciar os programas de arquivamento para
participar de redes de compartilhamento de informações, sistematizar
melhores práticas e promover redundância num nível suficiente para
assegurar a persistência dos conteúdos.

RECOMENDAÇÕES PARA OS EDITORES CIENTÍFICOS

Os editores científicos devem tornar público seus esforços de arquiva-


mento digital e se incorporarem a alguns dos programas importantes
de arquivamento de títulos eletrônicos.
Os editores científicos devem também tornar mais liberais as cláusulas
sobre direitos de arquivamento nos acordos fechados com os consór-
cios e com os agregadores de conteúdo, de forma que o arquivamento
das revistas eletrônicas seja uma responsabilidade compartilhada en-
tre todos os envolvidos.
Os editores científicos devem suprir informações suficientes aos pro-
gramas de arquivamento para que o processo de depósito seja adequa-
damente registrado.

RECOMENDAÇÕES PARA OS PROGRAMAS DE ARQUIVAMENTO DE


PERIÓDICOS ELETRÔNICOS

Os programas de arquivamento devem apresentar evidências públicas


de que oferecem um patamar mínimo de serviços voltados para a ma-
nutenção da coleção. Devem estar abertos a auditorias e, quando a

205
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

certificação de repositórios confiáveis estiver disponível, devem ser cer-


tificados.
Os programas de arquivamento devem disponibilizar informações
sobre editores, títulos, datas e conteúdos incluídos nos repositórios.
Tais informações devem ser facilmente obtidas nas páginas web dos
programas.
Os programas de arquivamento devem adotar a premissa, mediante a
qual, uma vez incorporadas ao repositório, as informações se tornam
sua propriedade e não podem ser removidas ou modificadas pelo edi-
tor ou por seus sucessores.
Os programas de arquivamento devem primar para que os contratos
norteadores de sua custódia sejam periodicamente revistos, posto que
mudanças em relação ao editor (aquisição, fusão, etc.), geração do
conteúdo e forma de disseminação e tecnologia afetam direitos e res-
ponsabilidades sobre o arquivamento. É preciso considerar também
que alguns conteúdos podem entrar em domínio público, fato a ser
considerado nos acordos com o editor.
Os programas de arquivamento devem se organizar em redes de apoio
e mútua dependência para troca de informações sobre cobertura de
conteúdos, tecnologias, melhores práticas e formas de obtenção das
condições contratuais necessárias para preservar e, quando for o caso,
oferecer acesso aos conteúdos.

Considerações finais
Reiteramos a idéia de que a preservação digital constitui processo com-
plexo. Como tal, envolve muitas variáveis, e a mais controlável e perceptível
delas talvez seja a tecnologia. Traz subjacente, ainda, compromisso inadiável
com o futuro. Isto equivale a dizer que é um tema que toca a sociedade mo-
derna como um todo. Estamos sob a sombra de uma amnésia digital, que
ameaça nossos acervos culturais, as informações para os negócios, os docu-

206
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

mentos governamentais, os dispositivos legais e tudo o que a sociedade pro-


duz em formato digital, além, é claro, de comprometer as mensagens críticas
lançadas para as futuras gerações, como, por exemplo, o aviso da localização
de um depósito de material tóxico.
A preservação digital é algo de extrema relevância para muitas organiza-
ções, mas a recompensa potencial para a C&T é especialmente atrativa, pois
o mundo científico e tecnológico está quase totalmente imerso em dados e
informações digitais, sejam dados sobre observações astronômicas, armaze-
nados em grandes bancos de dados, sejam singelas mensagens eletrônicas
trocadas entre pesquisadores de laboratórios longinquamente afastados, mas
que vão tecendo, cotidianamente, e em parceria, novos saberes. Na sociedade
contemporânea, a ciência gira graças às informações digitais.
Neste contexto de incertezas, a expectativa de vida das publicações eletrô-
nicas deve figurar como preocupação de todos os que têm um papel a desem-
penhar no universo acadêmico: os bibliotecários, porque é seu trabalho
preservar os registros da C&T para a posteridade, seja impresso, seja digital;
os editores científicos, porque seus clientes demandam acesso perpétuo a in-
formações confiáveis e íntegras; e os autores, que desejam dispor dos resulta-
dos de suas pesquisas para sempre, tornando-os visíveis para a sociedade,
como testemunho fidedigno de suas atividades de pesquisa.
De acordo com estudos de Jansen,* a resposta ao desafio da preservação
de longo prazo e do acesso permanente aos títulos eletrônicos somente pode
ser equacionada e resolvida se as partes envolvidas concordarem em criar
soluções compartilhadas para os tópicos complexos que a situação apresen-
ta. As ações necessárias podem não ser fáceis de operacionalizar, mas, no
ambiente acadêmico, diante da importância secular das revistas como elo
vital da comunicação científica, a preservação dos documentos eletrônicos é
necessária e urgente. As soluções viáveis até o presente momento passam,
sempre, pelo esforço permanente de P&D, mas necessitam, inevitavelmente,

% H. Jansen, “Permanent Access to Electronic Journals”, cit.

207
COMO GERENCIAR O CONTEÚDO CIENTÍFICO

do desenvolvimento de modelos de negócio voltados para a recuperação de


custos e para sustentabilidade.
No caso particular do Brasil, depois de vencido o primeiro patamar na
produção das revistas eletrônicas, que foi a superação dos desafios tecno-
lógicos, observamos crescimento muito rápido do número de títulos unica-
mente eletrônicos, muitos deles geridos pela própria comunidade acadêmica
em que estão inseridos. Pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), intitulada “Situação dos perió-
dicos eletrônicos brasileiros em C&T”, executada por Marcondes e outros,”
evidencia o crescimento de títulos de periódicos eletrônicos no país. Deixa
claro também que poucos editores se preocupam com a preservação de longo
prazo dessas publicações e com a questão correlata do endereçamento per-
manente — característica tecnológica importante para garantir o acesso, ago-
ra e no futuro, além de assegurar a interoperabilidade e a navegação entre
artigos de periódicos diferentes.
Não obstante esse movimento avassalador, não há no horizonte da infor-
mação científica e tecnológica (ICT) do país nenhuma ação coordenada per-
ceptível, voltada para a fixação de políticas que amparem e ordenem a
preservação dos estoques informacionais das revistas eletrônicas brasileiras,
as quais continuam se multiplicando. É necessário, portanto, que os editores,
a academia, as bibliotecas de pesquisa — que, muitas vezes, coordenam a
editoração desses periódicos —, os pesquisadores brasileiros e os arquivistas,
que já avançaram muito nesse campo, comecem a pensar sobre a perenidade
de nossas revistas eletrônicas e sobre os compromissos que elas têm com o
futuro. Conforme vimos, isso significa, entre outras coisas, criar conteúdos
com a perspectiva de longo prazo, respeitando padrões e procedimentos ade-
quados. Significa também, e principalmente, um esforço cooperativo em tor-
no do planejamento e do investimento na instalação de repositórios confiáveis,
ocultos ou acessíveis on-line, que ensejem um seguro coletivo para a sobrevi-

”? C. H. Marcondes et al., “State-of-art of Brazilian E-journals in Science and Technology”, em


International Conference on Electronic Publishing, nº 8, Brasília, 2004.

208
PRESERVAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

vência desses novos periódicos. É importante e premente uma visão


humanística sobre os conteúdos digitais, que são, em última análise, bens da
humanidade e uma dívida nossa com as futuras gerações. Por fim, é sempre
bom lembrar que a preservação digital é um processo contínuo e não um
evento único no tempo.

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Lista de abreviaturas
e/ou siglas

AAS American Astronomical Society


Abec Associação Brasileira de Editores Científicos
ALPSP Association of Learned Professional Society Publishers
Aneel Agência Nacional de Energia Elétrica
ARL Association of Research Libraries
BDJur Biblioteca Digital do Jurídico
BDTD Biblioteca Digital de Teses e Dissertações
Bireme Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em
Ciências da Saúde
Boai Budapest Open Access Initiative
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-
perior
CBBD Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documenta-
ção
CC Creative Commons
CCUSDS Consultative Committee for Space Data System
CD compact disc
CD-ROM compact disc read only memory
C&T Ciência e tecnologia

20
MAIS SOBRE REVISTAS CIENTÍFICAS: EM FOCO A GESTÃO

CHS Ciências humanas e sociais


Cisti Canada Institute for Scientific and Technical Information
Clir Council on Library and Information Resources
Clockss Controlled Lockss
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
CNS Conselho Nacional de Saúde
Conep Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CPA Commission on Preservation Access
Est Canada's Scientific Infostructure
DDB Die Deutsche Bibliothek
DiCi Diálogo Científico
DLF Digital Library Federation
Doaj Directory of Open Access Journals
DLF Digital Library Federation
DOI Digital Object Identifier
DTD Document Type Definition
ECA Escola de Comunicação e Artes
ECO Electronic Collection Online
Edusp Editora da Universidade de São Paulo
BEJC Electronic Journal Center
ElPub Electronic Publishing
Enem Exame Nacional do Ensino Médio
Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
e-prints electronic prints
FAP Fundação de Amparo à Pesquisa
Fapesp Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
EGV Fundação Getulio Vargas
Finep Financiadora de Estudos e Projetos
FTP File Transfer Protocol
HEFCE Higher Education Funding Council for England
HTTP Hipertext Transfer Protocol

212
LISTA DE ABREVIATURAS E/OU SIGLAS

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


Ibict Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
ICT informação científica e tecnológica
IES instituição de ensino superior
IEEE Institute of Electrical and Electronical Engineers
Ifes instituição federal de ensino superior
Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Co-
municação
ISO International Standard Organization
JSTOR The Scholarly Journal Archive
KB e-Depot Koninklijke Bibliotheek e-Depot
Kopal Kooperativer Aufbau eines Langzeitarchivs Digitaler
Informationen
LANL Los Alamos National Laboratory
Laoap Latin American Open Archives Portal
Lockss Lots of Copies Keep Stuff Saf
MEC Ministério da Educação
MIT Massachusetts Institute of Technology
Nara National Archives and Records Administration
Nasa National Aeronautics and Space Administration
NCBI National Center for Biotechnology Information
NCSTRL Network Computer Science Technical Reference Library
NDLTD Network Digital Library Thesis and Dissertations
NIH National Institute of Health
Niso The National Information Standards Organization
NLA National Library of Australia
NLM National Library of Medicine
OA Open Access (Movimento do Acesso Aberto)
OAI Open Archives Initiative
Oais Open Archival Information System
OAsis.BR Portal Brasileiro de Repositórios e Periódicos de Acesso
Aberto

213
MAIS SOBRE REVISTAS CIENTÍFICAS: EM FOCO A GESTÃO

Oams Open Archives Metadata Set


OCLC Online Computer Library Center
OJS Open Journal Systems
Openarchives.eu The European Guide to OAI-PMH Institutional Reposito-
ries in the World
OpenDoar The Directory of Open Access Repositories
OSI Open Society Institute
OS] open source journalism
PDF portable document format
P&D pesquisa e desenvolvimento
PIB Produto Interno Bruto
PLoS Public Library of Science
PMH Protocol for Metadata Harvesting
Portcom Rede de Informação em Comunicação dos Países de Lín-
gua Portuguesa
RAE Research Assessment Exercise
RCUK Research Councils in the United Kingdom
Redalyc Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe,
Espafia y Portugal
RePec Research Papers in Economics
Reposcom Repositório Institucional em Ciências da Comunicação
Revcom [Portal de] Revistas Eletrônicas de Ciências da Comuni-
cação
RJ Rio de Janeiro
RL Research Library [Los Alamos National Laboratory]
RLG Research Library Group
Roar Registry of Open Access Repositories
Roarmap Registry of Open Access Repository Material Archiving
Policies
Saeb Sistema Nacional de Avaliação da Educação
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SciELO Scientific Electronic Library Online
LISTA DE ABREVIATURAS E/OU SIGLAS

Scop Standing Conference of Principals


Seer Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas
SNBU Seminário Nacional de Bibliotecas Universitárias
Sparc Scholarly Publishing & Academic Resources Coalition
TDA titularidade do direito autoral
TI tecnologias de informação
SEBO: tecnologias de informação e de comunicação
Uaem Universidad Autónoma de Estado de México
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UKSG United Kingdom Serial Group
Umesp Universidade Metodista de São Paulo
URL uniform resource locator
USP Universidade de São Paulo
UUK Universities UK
VT videoteipe
XML Extensible Markup Language

215
Sobre os autores

CHARLES OPPENHEIM

Professor da Universidade Loughborough, Reino Unido, desde 1998. Atual-


mente, ocupa a chefia do Departamento de Ciências da Informação na mes-
ma instituição. Atuou em diferentes cargos na academia e na indústria de
publicação eletrônica (Thompson, Pergamon e Reuters), além de publicar
inúmeras obras sobre questões legais no contexto do trabalho com a infor-
mação, desde os anos 1970. Linhas de pesquisa prioritárias: bibliometria,
publicações eletrônicas, acesso aberto, questões éticas e políticas de informa-
ção. Figura como membro de organizações de renome, como Joint
Information Systems Committee (Jisc), Scholarly Publishing Working Group,
Repositories Programme Advisory Group, Publisher Action Group, Working
Group on Intellectual Property Rights e Legal Advisory Board of the European
Commission. Integra o corpo editorial do Annual Review of Information
Science and Technology. Trabalha em projetos do Jisc, incluindo temas como
acesso aberto, e-prints, questões sobre precificação, licenças e direitos autorais.
e-mail: c.oppenheimlBlboro.ac.uk

217
MAIS SOBRE REVISTAS CIENTÍFICAS: EM FOCO A GESTÃO

GUILHERME ATAÍDE DIAS


Bacharel em ciência da computação pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), Campus II, Campina Grande, mestre em administração pela Cen-
tral Connecticut State University e doutor em ciências da comunicação (ciên-
cia da informação) pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é
professor adjunto II da UFPB, no Departamento de Ciência da Informação.
Possui experiência na área da ciência da computação e ciência da informação,
com atuação prioritária em domínios que envolvam temáticas associadas à
recuperação e representação da informação, web e software livre.
e-mail: guilhermeataide gmail.com

JOANA COELI RIBEIRO GARCIA

Desde 1988, mantém vínculo como professora associada e pesquisadora na


UFPB. Na condição de doutora em ciência da informação pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em convênio com o Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia, é atualmente vice-coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Autora de livros,
capítulos e artigos técnico-científicos na área de ciência da informação, rece-
beu, em 1999, o título de Honra ao Mérito pelos serviços prestados ao curso
de mestrado em ciência da informação. No momento, atua na revista Infor-
mação & Sociedade: Estudos, tendo, inclusive, assinado como editora e apro-
vado, pela segunda vez consecutiva, projeto de financiamento do periódico
no CNPq.
e-mail: joanacoeliQuol.com.br

LUIS SAYÃO
Graduado em física pela UFRJ, com mestrado e doutorado em ciência da
informação pela mesma instituição. Desde 1980, trabalha na Comissão Na-
cional de Energia Nuclear (CNEN), em que já exerceu os cargos de chefe do
Centro de Informações Nucleares (CIN); chefe da Divisão de Tecnologia da
Informação; coordenador-geral de informática; representante do Brasil no
Sistema Internacional de Informação Nuclear (International Nuclear
Information System), da Agência Internacional de Energia Atômica da Or-

218
SOBRE OS AUTORES

ganização das Nações Unidas de Vigilância (Aiea-ONU); coordenador-geral


da Rede Regional de Informação na Área Nuclear (Red Regional de
Información en el Área Nuclear - RRIAN). É membro da Câmara Técnica de
Documentos Eletrônicos do Conselho Nacional de Arquivos (Conarg), do
Comitê Técnico-Científico do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência
e Tecnologia (Ibict) e da Comissão de Ensino da CNEN.
e-mail: IsayaoQcnen.gov.br

MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Após 25 anos de atuação na Universidade Federal do Piauí, na condição de


doutora em ciência da informação pela Universidade de Brasília e jornalista,
finalizou seus estudos de pós-doutorado no Instituto Interuniversitario de
Iberoamérica da Universidade de Salamanca, Espanha, em 2008, como Máster
Internacional en Comunicación y Educación da Universidade Autônoma de
Barcelona, Espanha. Mantém vínculo como professora efetiva e concursada
na Universidade Estadual do Piauí. Autora de livros, capítulos e mais de uma
centena de artigos técnico-científicos nas áreas de ciência da informação e
comunicação. Ganhou o Prêmio Nacional Luiz Beltrão de Comunicação (Li-
derança Emergente), em 2005. No momento, mantém atuação sistemática
na Intercom como editora da seção de resenhas de sua revista, além de coluna
semanal no jornal diário O Dia, de Teresina, Piauí.
e-mail: gracatarginoWhotmail.com

MARIA MÉRCIA BARRADAS


Possui graduação pela USP, especialização em jornalismo científico pela Es-
cola de Comunicação e Artes (ECA-USP), mestrado e doutorado, ambos em
ciências biológicas (botânica) pela USP. Professora credenciada no Progra-
ma de Pós-Graduação do Instituto Biológico, assessora do diretor-geral do
Instituto Biológico, editora do Instituto Biológico, membro do Conselho de
Administração da Sociedade Botânica de São Paulo e presidente da Socieda-
de Botânica do Brasil e da Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec),
desde 2004.
e-mail: mmerciabWhotmail.com

219
MAIS SOBRE REVISTAS CIENTÍFICAS: EM FOCO A GESTÃO

PATRÍCIA CRISTINA DO NASCIMENTO SOUTO

Formada em administração de empresas, com pós-graduação em marketing


pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM — São Paulo), mes-
trado em ciências da comunicação pela USP e em estudos integrados de pes-
quisa pela Universidade Loughborough, Reino Unido. Atualmente, está
terminando o doutorado em estudos da informação. É consultora sênior na
área de design centrado no usuário de portais corporativos, com vasta expe-
riência em estratégia, planejamento estratégico e gestão de negócios e intera-
tividade digital, design estratégico de sistemas digitais interativos, portais
corporativos e intranets. Atuou como docente na Universidade de Guarulhos
e na Universidade Bandeirantes, nas áreas de estratégia, planejamento estra-
tégico e marketing.
e-mail: patriciacnsouto gmail.com

SEBASTIÃO ROGÉRIO GOIS MOREIRA

Possui graduação em psicologia pelo Centro Universitário Newton Paiva


Ferreira e mestrado em psicologia escolar, além de doutorado em psicologia
pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Atualmente, é coordena-
dor do mestrado em educação e coordenador do Comitê de Ética em Pesqui-
sa da Universidade Presidente Antônio Carlos. Editor membro de conselhos
editoriais de várias revistas científicas, é presidente da Associação Brasileira
de Editores das Revistas em Psicologia. Tem experiência na área de educação,
com ênfase em tópicos específicos, atuando, principalmente, nos temas edu-
cação para a saúde, universidade, educação inclusiva, escola e ética.
e-mail: moreira.bhOterra.com.br

SUELI MARA SOARES PINTO FERREIRA

Livre-docente em geração e uso da informação e doutora em ciências da co-


municação pela USP. Cumpriu parte dos requisitos do doutorado nos Esta-
dos Unidos, na Escola de Estudos de Informação, da Universidade de Siracusa,
em Nova York, e na Faculdade Peabody, da Universidade Vandervilt, em

220
SOBRE OS AUTORES

Nashville. Foi professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da


Comunicação entre 1995 e 2005 e atualmente leciona ciência da informação
na ECA-USP. Diretora de documentação da Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), recebeu, em 2007, o certifi-
cado de Honra ao Mérito pelos serviços prestados à área. Coordenadora da
Rede de Informação em Ciências da Comunicação dos Países de Língua Por-
tuguesa (Portcom), cujo trabalho foi merecedor do Prêmio Nacional Luiz
Beltrão de Ciências da Comunicação, em 2004, na categoria de Núcleo de
Pesquisa Inovador. Criadora e coordenadora do Portal Revcom (Revistas
Eletrônicas em Ciências da Comunicação), desde 2003. Coordenadora do
grupo de pesquisa Design de Sistemas Virtuais Centrado no Usuário, da USP,
e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
desde 2002. Autora de livros, capítulos, conferências e diversos artigos técni-
co-científicos nas áreas de ciências da informação e comunicação no Brasil e
no exterior, com foco em estudos de usuários e usabilidade, biblioteca digital
e federada, repositórios digitais, comunicação científica, acesso aberto e re-
vistas eletrônicas.
e-mail: smferreiQusp.br

221
X sa

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Editora Senac São Paulo Cengage Leaming
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