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Direitos autorais reservados ao autor


Obra registrada na Biblioteca Nacional

Texto: Marja
Diagramação: Marja
Revisão: Marja
Rio Grande do Sul, Brasil.

"Não compre pirataria. Se comprou esse livro em outro site, que não seja Amazon, peça seu
dinheiro de volta, pois foi vítima de pirataria, assim como o autor do livro."
Ao meu amor
O amor é universal.
Não possui cor, forma ou preço.
O amor não escolhe por sexo.
O amor está em todas as partes.
Está em todos aqueles que possuem generosidade no coração e
paixão nos sentidos.
Não julgue o amor pelas leis criadas.
Julgue o amor pelo arrepio em sua pele.
Esse sentimento poderá guiá-lo até o amor.
E uma vez descoberto, o amor jamais poderá ser escondido ou negado.
É tempo de verdade, é tempo de descobrir, é tempo de aceitação.
Tempo de entrega.
É tempo de amar incondicionalmente...
Marja
ÍNDICE

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
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Sobre a autora
Capítulo 1

A música melodiosa ecoava em cada espaço dos corredores, invadindo também a solidão da
noite. Um som calmo, comedido, correto e perfeito.

O tom jocoso de um violino. Alguém tocava a melodia com total entrega, sem errar uma nota
ou perder o ritmo.

Durante vários minutos o encanto permaneceu. Os moradores do pequeno prédio residencial,


no centro de São Paulo, eram acostumados a essa mesma rotina.

E como nas outras noites, o musicista perdeu uma nota e a música parou abruptamente.

Não era segredo para os vizinhos que isso aconteceria. Naquela noite, demorou um tanto a
mais para que a pessoa desistisse e abandonasse o instrumento.

Sem o som calmo e emocionante, o prédio nada mais era do que um lugar simples,
decadente e subitamente invadido por outro som, este bastante incoerente: o volume das televisões
sendo ligadas. Era um ato praticamente simultâneo.

Tola ansiedade de preencher o súbito silêncio que seguia a desistência da canção. Preencher
um vazio existencial, temporariamente substituído pela nostalgia da bela música obtida através do
instrumento.

O que os vizinhos não sabiam, era o que acontecia no apartamento 502.

Larissa abandonou o violino. Um ritual triste, cumprido dolorosamente a risca, todas as noites.

Larissa dos Anjos, uma paulistana como tantas outras, vinte e sete anos, magricela, com
longos cabelos negros, que caiam em suas costas, bagunçados e um tanto despenteados, enquanto
ela levantava com raiva e virava de costas, para não ver o violino abandonado sob o velho e
encardido tapete da sala de estar.

Vestida unicamente com uma blusa de alças finas e um short velho de malha, Larissa andou
até a pequenina janela, abrindo-a para que o ar quente da noite pudesse afugentar suas
lágrimas de raiva e frustração.

De lado, ficou olhando o movimento intenso da avenida logo abaixo. A vida seguia seu curso,
independente do sofrimento daqueles que viviam naqueles apartamentos minúsculos, em prédios
antigos, mofados e baratos.

Com olhos embaçados, Larissa balbuciou:

— Não me ouve. Mesmo que eu grite... Jamais poderá me ouvir tocar...

Sim, era uma frase boba, como tantas outras que escapava de sua boca em momentos de
solidão, quando falava consigo mesma.

Desejou ter um cigarro nas mãos, mas havia desistido do quase vício em nome de uma
promessa. Não gostava de fumar, mas o tabaco aliviava seu nervosismo. Segundo seu terapeuta,
precisava aprender a controlar suas frustrações e medos, principalmente precisava fazer isso
sozinha, sem usar de placebos.

Como se estar sozinha não fosse à regra da sua vida. Nascera em Minas Gerais, em uma
cidade pequena. Fora abandonada com dois anos em um orfanato.

Sorte sua, seu destino poderia ter sido bem pior caso houvesse sido criada por seus pais
biológicos. Não queria pensar neles, por isso fechou os olhos, afastando as lembranças.

Como sempre trancando suas emoções mais sombrias em seu coração.

Afastou os olhos da paisagem do lado de fora da janela, uma imagem que mostrava uma
cidade em colapso, tentando adormecer em mais uma madrugada calorenta, de garoa fina.

Fitou o violino abandonado em mais uma desistência.

Qualquer imagem era mais agradável do que olhar para dentro de si mesma. E o violino
abandonado, era um grande exemplo do que era a sua alma conturbada.

Sufocando o choro, Larissa tornou a olhar para fora, dessa vez para o céu. Para a pesada
noite que resistia contra a forte iluminação artificial da cidade e tentava cobrir com seu manto
negro e denso, toda a vida que resistia acordada.

Estava angustiada, não queria pensar no futuro.

Suas finanças eram uma verdadeira lástima.


Sua vida pessoal inexistente.

Sua vida profissional... Preferia não pensar sobre isso.

Angustiada, tornou a olhar para a sala de casa, mas dessa vez ignorou o violino, olhou para
o piado empoeirado, esquecido num canto, entre a sala e o corredor.

Era sempre um martírio, tropeçando sempre que passava pelo corredor. Um apartamento de
um quarto, cozinha e sala conjunta, e um único banheiro? De modo algum cabia um piano de cauda
em um espaço tão limitado!

Ainda mais um piano que jamais voltaria a ser tocado!

No limitado espaço, Larissa havia se esforçado para transformar em um verdadeiro lar e


por um curto período de tempo, aquele lugar fora um lar verdadeiro, cheio de alegria e
realizações.

Alguns poucos quadros nas paredes mostravam isso. Pessoas sorrindo, felizes e cheias de
esperanças.

Em uma das fotos, Larissa poderia se ver, sendo a mais feliz das mulheres, abraçada a uma
criança de pouca idade. Junto deles, uma mulher poucos anos mais velha que a própria Larissa,
igualmente sorridente.

Saturada dessa imagem, que parecia persegui-la onde quer que fosse, Larissa afastou-se
da janela, e num arroubo pegou o porta retratos e virou-o contra a mesa, escondendo a
fotografia, para não ter que ver. Não era a primeira vez que fazia isso.

Caçou em uma mesa velha, uma escrivaninha, a procura de um jornal com data atual.
Encontrou um de três dias atrás.

Encontrou o que procurava. Era o telefone do jornal de maior circulação da região. Seu
telefone sem fio estava perdido em uma bagunça qualquer, no chão, entre roupas sujas e restos de
comida comprada.

Com a decisão tomada, fez a ligação tão temida.

Quando terminou, voltou para junto da janela e fitou o vazio da rua. Vez ou outra um carro
corria pelo asfalto e nesses momentos perdidos, maior a tristeza que Larissa sentia.

Em algum lugar do mundo, alguém esperava pelo motorista daquele carro para um encontro
de amor, reencontro ou até mesmo, de brigas e desacordos.

Assim como em algum lugar do mundo, alguém esperava por Larissa... Para um encontro que
jamais se realizaria.
Capítulo 2

A caneta vermelha riscou o papel barato do jornal. Mais uma sequência de anúncios nada
promissores.

A todo instante olhava para trás, enquanto fingia prestar atenção as notas mal articuladas
por sua aluna.

Milena precisava conseguir encontrar um piano a contento, não poderia postergar para
sempre as aulas já pagas pelos seus alunos. O grande problema era o alto preço do instrumento,
mesmo que usado.

Não queria qualquer piano. E seu orçamento não era nada entusiasmante. Marcou o último
anúncio interessante e levantou da cadeira, para acudir a menina que cantava desafinada.

Não era nada que não pudesse corrigir, a criança possuía muito talento, apenas precisava
de orientação!

Infelizmente não possuía nenhum aluno fenomenal. O único talento verdadeiro era Aliel. Um
garotinho de nove anos, praticamente autodidata, que tocava piano como um anjo! Sem condições
para pagar pelas aulas, fora apadrinhado por Milena. O único problema era o custo de manter
suas aulas.

Com o piano tendo sido confiscado por seu ex-sócio, não havia como ajudá-lo nos
treinamentos. Essa era grande razão do seu desespero em encontrar um piano adequado o mais
rápido possível!

Milena mantinha sua escola de música com muito trabalho e insistência. Não era uma carreira
que rendesse grande lucro. Seu maior pagamento era a satisfação de ver seus alunos tocando
instrumentos com a perfeição adequada!

Mas satisfação emocional não pagava suas contas e a grande razão de estar nervosa, era
a falta de recursos para manter a escola.
Notando que a menina que cantava começava a desanimar com os próprios erros,
aproximou-se, colocou as mãos nos ombros dela, e permitiu que seus olhos se encontrassem no
grande espelho em frente.

Era o lugar onde treinavam, olhando no espelho, para acompanhar os movimentos corporais
e saber onde erravam.

Uniu sua bela voz ao canto de Ana, a menina que adorava cantar lírico e possuía uma veia
artística bastante diversa, ainda não definida suas verdadeiras inclinações musicais.

Durante alguns minutos, pensou unicamente na canção. Mas terminado o momento de


descontração, Ana foi embora com seus pais, pois a aula chegara ao fim, e Milena fechou o
estúdio.

Era a última aula do dia.

E a última do mês... Se não arrumasse um piano!

Com a aflição resurgindo no estômago, sentou para analisar os anúncios. Um deles, bastante
interessante, era em São Paulo, o que levaria o pouco de recursos que ainda possuía.

O outro era na própria cidade, mas pelas características, não parecia nada interessante.

Gastar ou não gastar? Eis o grande dilema da sua vida!

Milena havia sofrido um terrível golpe em suas finanças ao terminar seu noivado de seis anos
com Jacob.

Eram sócios na escola de música e mais do que isso, ele era um músico de primeira linha.
Depois de sua saída trágica da sociedade, perdera metade do capital e também o principal
professor das aulas ministradas.

E suspeitava, que a insistência em levar o piano que Milena herdara de uma tia avô fora
uma parte importante da vingança do ex-noivo! Uma vingança pessoal, visto que ele sabia muito
bem que as aulas de piano eram as únicas que ainda poderiam manter a escola aberta, pois os
demais alunos haviam migrado para a escola que abrira a duas quadras da sua, em uma
concorrência desleal.

Jacob nunca a perdoaria pelas circunstâncias do término do noivado. Essa culpa e frustração
Milena carregaria consigo pela vida toda.
Sozinha, observou a sala de canto completamente vazia. Com pesar, arrumou cadeiras,
varreu o chão e finalizou o dia de trabalho. As demais salas estavam sem uso há bastante tempo,
por falta de recursos para contratar um bom professor de instrumentos musicais.

Antes de sair, observou-se no espelho que cobria toda a parede. Uma moça bonita, cansada
e abatida era o que o espelho refletia. Nem mesmo a altura, languidez do corpo, sempre magro,
firme e de curvas exuberantes pode melhorar sua aparência e exaustão.

Loira, os cabelos na cintura, cheios, lisos e brilhantes. Pele clara, sedosa, sem manchas ou
feridas. Esguia como uma modelo, com curvas exuberantes nos seios cheios, nos quadris vistosos,
nas pernas longas e muito bem torneadas.

Sua beleza foi à primeira coisa que a destacou na vida. Jacob se aproximou por isso: um
corpo sensual e inatingível para a maioria das mulheres

Infelizmente o que havia dentro do seu coração não interessava para a maioria das pessoas.

Sobretudo, seus sentimentos mais profundos pareciam ofender a sociedade machista em que
vivia.

Não era uma mulher bonita. Era mais que isso. Poderia ter sido uma cantora de sucesso.
Poderia ter sido famosa e muitíssimo rica.

Poderia ter sido tantas coisas em sua vida. Mas nada deu certo, sempre tropeçou em
escolhas erradas e em portas fechadas.

Por fim, até mesmo seu sonho tímido de ter um lugar para compartilhar seu amor pela música,
parecia se esvair por seus dedos.

Tomada por essa angústia, Milena afastou seus belos olhos azuis da imagem deprimente no
espelho e pegou o jornal, onde havia marcado o anúncio que mais a interessava.

Era em São Paulo e os gastos da viagem seriam altos. Mesmo assim, a perspectiva de perder
tudo que construiu na vida era ainda mais assustador.

Uma tentativa a mais, decidiu.

Estava agarrada a seu sonho de manter a escola de música aberta e funcionando, e nada
no mundo a faria abrir mãos desse desejo!
Capítulo 3

A campainha tocou quatro vezes antes que Larissa ouvisse seu toque estridente. Era difícil
saber quando o barulho vinha da sua porta ou da porta dos vizinhos. Há algum tempo que aquele
andar precisava de reparos e a campainha era um dos muitos problemas a ser sanado.

A porta foi aberta e Larissa a princípio não viu ninguém. Com a cabeça para fora da porta,
enxergou uma moça de costas, observando uma das portas no final do corredor.

Ela olhava para um jornal e então para a porta. Mordia o lábio, um pouco incerta do que
estava procurando. Larissa quase sorriu, deduzindo a causa da sua incerteza.

— Hei, você tocou a campainha certa.

Era um aviso conformado. A porta do seu apartamento não possuía número, apenas um
rabisco feito à caneta, que deveria indicar o caminho correto.

Milena olhou para o lugar onde a mulher apontava e se apressou a colocar os óculos de
armação rosa.

— Ah, é mesmo! Aqui é o lugar do anúncio do jornal? — Era bom conferir, pois aquela
viagem estava lhe custando mais do que esperava.

— O piano? — Larissa confirmou.

— Exatamente. O piano de cauda. — Suspirou aliviada por estar no lugar correto.

— É aqui mesmo, pode entrar.

Larissa saiu da porta e Milena ficou parada por um instante. A mulher que atendeu a porta
era bastante bonita e parecia um pouco irritada.

A jovem surgiu na porta e tentou ignorar o lugar decadente. Era um apartamento quase
medonho. Poderia imaginar que tipo de gente moraria num pardieiro como aquele, e
definitivamente, não pensaria em uma jovem bonita, com olhos violeta e expressão quase selvagem.
Larissa usava jeans apertado. Uma regata bastante folgada, que mostrava alças de um sutiã
rendado. No ombro esquerdo uma tatuagem que cobria boa parte da pele.

— É um hibisco — Larissa disse, notando seu olhar.

— É muito bonito. — Milena apressou-se a responder — Eu vi o anúncio. Você é Larissa dos


Anjos?

— A própria. — foi propositalmente evasiva.

— É seu nome ou é artístico?

Notando a expressão de Larissa mudar, apressou-se a mudar a frase antes que entendesse
errado.

— Você parece ter uma carreira artística e tem um piano. Achei que pudesse usar um nome
artístico. Não pensei outra coisa....

Larissa sorriu. O constrangimento da jovem era adorável.

— Fui uma violinista. Usava meu nome verdadeiro. Larissa dos Anjos.

— Foi? — Estranhou — Eu não acredito que existam ex-músicos. Uma vez apaixonado pela
arte, sempre músico!

Larissa nada respondeu. Olhou em volta e apontou o lugar onde ficava o piano. Milena
observou-a por um instante. Larissa não queria falar do assunto. Algo deveria ter acontecido para
que não falasse sobre seu dom e paixão. Por que Milena entendia desse sentimento de amor
incondicional que a música desperta em seus enamorados. Uma vez tomado pela paixão que a
música desperta, jamais a pessoa se libertará!

O piano estava encaixado em um canto da sala e tomava parte do estreito corredor.


Coberto por jornais velhos, livros e discos antigos, que provavelmente Larissa ouvia na velha vitrola
sobre uma estante.

— Acho que ainda não me apresentei. — Lembrou-se de dizer.

— Eu sei quem você é. Milena Schimidth. Fui eu quem atendeu seu telefonema.

— Schimidth — corrigiu sua pronúncia e Larissa não pode evitar um erguer irônico de
sobrancelhas. Milena sabia que era chata. Por isso, aproximou-se do piano e disse: — Posso tocar?
Olhar mais detalhadamente?
— Fique a vontade. — Larissa sentou-se no braço de uma poltrona, num canto da minúscula
sala e perguntou — E você? Toca algum instrumento?

— Não exatamente — Milena sorriu, enquanto empurrava alguns papéis para o chão. Não
queria ser desagradável, mas precisava ver o piano. E dado o fato de Larissa não parecer se
importar muito com a ordem do apartamento... Foi delicadamente inconveniente livrando o
instrumento do acumulo de porcarias que jazia dobre ele. — Sou professora de canto. Por isso
estou aqui, tenho uma escola de música e preciso de um piano de cauda.

— Especificamente um piano de cauda? — Estranhou. — Eles não são muito práticos para
aulas.

— Estou preparando um aluno muito especial para uma competição. Ele é um... Prodígio. E o
piano que tinha na escola sofreu um pequeno problema.

Algo em seu tom de voz deixou Larissa intrigada.

— E que tipo de problema pode sofrer um piano de cauda?

Milena estava inspecionando a lateral do piano, quando olhou em sua direção e com um
profundo suspiro de desgosto respondeu:

— O tipo de problema desagradável demais para contar para um estranha — disse


envergonhada.

— Oh, não se envergonhe comigo, adoro estórias escabrosas. Ganho o meu dia quando
ouço uma estória mais bizarra do que a estória da minha vida. — Seu tom de sátira fez Milena
sorrir.

— Há quanto tempo você tem esse piano? — Fugiu do assunto.

— Alguns anos — foi propositalmente evasiva.

— Ele é seu mesmo? Não vou ter problemas se comprá-lo de você? — Milena insistiu.

— Sim, você vai ter um grande problema se comprá-lo de mim. Já olhou lá fora? Como você
acha que vai tirar esse piano daqui?

Milena olhou para Larissa com uma expressão chocada. Sim, não tinha pensado nisso.
Subitamente alarmada, passou a mão nos longos cabelos louros, atraindo a atenção de Larissa.
Outra vez aquele mordiscar de lábio... Larissa afastou o olhar.
— Eu não pensei nisso...

Larissa levantou e fez um sinal para que a seguisse. As duas se aproximaram da janela.

— Foi por aqui que o piano entrou. — Contou, apontando para fora — foi um trabalho
mirabolante, levou um dia inteiro, mas se entrou... Vai ter que sair.

— Eu não conheço ninguém em São Paulo. Moro em Minas Gerais, nunca venho para cá. O
que eu vou fazer? — Perguntou a si mesma.

— Não esquenta, eu conheço gente que faz esse serviço por um trocado. — Larissa deu de
ombros.

— Como assim? Vai sair caríssimo! — Exasperou-se — Minha escola de música está
manbeando para fechar. Não tenho dinheiro para mais gastos.

Larissa mediu a mulher de alto a baixo.

— Escolher viver de música é uma loucura. — Admitiu — sorte minha que conheço muitos
loucos que embarcaram nessa e entendem a necessidade de ajudar. Você compra o piano e eu
arrumo quem o tire daqui. O transporte é por sua conta.

Milena não soube o que dizer. Seus olhos brilhavam de contentamento. Depois de tantos
meses de problemas, encontrar algum tipo de solidariedade era reconfortante.

— Obrigada, eu vou ficar com o piano. Só preciso tocar um pouco, ouvir como está.

— Vá em frente. — Cedeu espaço para Milena passar. Fingiu não notar o perfume delicado
e sutil que ela usava ou o cheiro de seus cabelos macios. Até mesmo notou uma pintinha na curva
do queixo com a orelha...

Milena sentou no banquinho em frente ao piano e reparou que estava bastante rasgado e
precisando de um cuidado extra. Abriu a tampa e alisou as teclas do piano. Não era uma pianista
exemplar, mas dava conta de ensinar e tocar um pouco.

Aliel aprendia esplendidamente bem. Mas não era apenas por causa das suas aulas. Ele era
um menino excepcional. Incrivelmente talentoso. Pensar nele a emocionava. Tanto como professora,
quanto como amiga.

Enquanto tocava a canção, não notou que era observada por Larissa. Não era sempre que
alguém lhe chamava a atenção. Fazia muito tempo que estava sozinha, sem companhia. Fazia muito
tempo que não se sentia atraída por alguém ou sentia vontade de saber mais.

Estava assustada com a possibilidade de querer mesmo conhecer aquela mulher mais a
fundo. Minutos depois, Milena terminou de tocar e sorriu:

— Não está tão desafinado quanto pensei. Acho que não vou me arrepender nessa compra.

—Fico contente por você. Como pretende me pagar?

Sim, Larissa era sempre franca e direta.

— Eu pensei em alguns cheques pré-datados, mas acho que você não vai aceitá-los —
deduziu o óbvio.

— De modo algum. Nada pessoal, Milena. Eu não confio muito nas pessoas. — Assumiu.

— Acho que não está de todo errada — Precisou admitir — Estou hospedada em um hotel
aqui perto. Posso fazer a transferência do valor para sua conta bancária amanhã cedo. —
Sugeriu.

— E eu posso conseguir as pessoas certas para colocar esse piano lá embaixo ainda na
tarde de amanhã.

— Isso parece perfeito — Milena levantou e aproximou-se.

As duas permaneceram próximas. Larissa não queria que ela fosse embora ainda. E Milena
não queria ir.

— Então, posso ouvi-la tocar violino? — Milena perguntou, sempre sorrindo.

— Acho que não. Eu não toco mais. Na verdade, não vivo mais da música.

— E do que você vive?

— Trabalho em uma loja. Vendo guitarras. — Tentou não parecer amarga.

— Mas ainda vive da música. — Milena sorriu ao conseguir insistir nesse ponto — E pelo que
posso notar, ainda toca.

Sim, o violino estava sobre o sofá e parecia ser a única coisa naquele apartamento que era
verdadeiramente cuidado.

— Você sempre repara na vida dos outros? — Larissa ofendeu.


— Na verdade sim. — Admitiu — Eu reparei em tudo do seu apartamento assim que entrei.
Desculpe por isso, eu sou um pouco chata.

— O que você reparou sobre mim?

Larissa perguntou em tom de desafio.

— Bem, você gosta de desafiar Faz isso até sem notar. O tempo todo. Está me olhando nesse
momento como se eu fosse sua inimiga e não alguém que vai te pagar pelo piano e te livrar de um
problema de cauda no meio do seu apartamento — Sorriu amplamente — Seu apartamento é uma
afronta a si mesma. Você não queria estar aqui. Algo na sua vida te desagrada e você afronta
isso deixando sua casa desse jeito.

— Você realmente é muito chata — Larissa disse achando que realmente iria jogar aquela
alemoa pela janela.

O sorriso de Milena alargou ainda mais.

— Você tem fotos de uma mulher espalhadas por seu apartamento. Em uma delas estão
abraçadas e íntimas. Mas você não quer que eu note que me achou bonita e que gosta de
mulheres. Por alguma razão não quer que as pessoas notem. Estou certa?

— Não, eu não ligo que saibam. — Larissa apressou-se a desfazer essa impressão —
Assumo quem eu sou e o que já vivi em minha vida. Não me escondo de nada.

— Desculpe, eu entendi errado. Mas não quis que eu notasse?

— Não — admitiu — Porque está falando desse assunto? Vai fazer como tantos outros e me
questionar pela minha opção?

Enfrentou.

— De modo algum! Seria hipocrisia minha! — Negou — Fui noiva por seis anos. Descobri
que não queria me casar faltando uma semana para o casamento. Pior, descobri que estava
apaixonada por alguém do mesmo sexo. Família conservadora. Meu noivo era meu sócio.

— Isso deve explicar o acidente em seu piano de cauda? — Larissa desafiou, tentando
esconder a surpresa por Milena ser homossexual quando não ofertava nenhuma pista disso!

— Eu gostaria de pensar que não. Mas não sou tão inocente assim — deu de ombros.

— E como está seu relacionamento com essa mulher que a fez desistir do seu casamento? —
Perguntou com segundas intenções.

Milena afastou os olhos e pela primeira vez desde que entrou naquele apartamento, viu um
sorriso nascer na face de Larissa, pois ela deduzia o que aconteceu.

— Acabou na manhã seguinte. — Admitiu, envergonhada.

— Foi sua primeira vez? — Larissa perguntou sem rodeios.

— Com mulher, sim. — Corou.

— E depois...?

— Se houve outras? — Milena ficou tensa com a pergunta.

A expressão de Larissa beirava a curiosidade e o interesse.

— Ainda não houve ninguém. Acho que estou esperando alguém especial aparecer.

— Alguém especial sempre aparece quando menos esperamos.

Foi à resposta de Larissa. E por incrível que pudesse parecer, aquela frase fez muito sentido
aos ouvidos das duas!
Capítulo 4

A sensação desconfortável entre elas só fez aumentar. Saber que eram gays não ajudava
em nada a melhorar a tensão que surgira no instante em que Milena entrara naquele
apartamento.​

— Vai ficar em um hotel? — Larissa mudou drasticamente o assunto.

— Sim, é aqui perto. Eu faço a transferência amanhã cedo e te ligo. — Milena tentou não
parecer atirada, mas as palavras brotaram por sua boca — Conhece algum restaurante bom por
aqui? Eu não almocei e é quase noite...

Larissa parecia querer indicar algo mais íntimo, mas nada aconteceu. Deu de ombros e
afirmou:

— O único lugar mais perto com comida disponível é a minha geladeira. — Sugeriu no último
minuto, quando Milena achava que sua iniciativa ia ser totalmente rechaçada.

— Está me convidando para jantar?

A pergunta de Milena era tudo, menos inocente. Os olhos aveludados de Larissa


permaneceram nos seus, enquanto respondia:

— Saiba que esse convite não irá garantir descontos no preço do piano.

— Eu jamais acharia isso — Milena brincou, sorrindo.

— Eu não garanto um jantar de primeira. Mas um bom sanduíche, eu posso conseguir —


Larissa aproximou-se e por um instante Milena achou que algo poderia acontecer entre elas.

Mas a paulista apenas passou direto e andou para a pequena cozinha do apartamento.

Sem reação, Milena seguiu-a. Como o restante do apartamento, a cozinha era pequena e
bagunçada. Larissa abriu a porta da geladeira e alguns armários, antes de colocar tudo que
precisaria sobre o balcão e começar a montar os sanduíches.
— Então... Como foi que conseguiu ter sua própria escola de música?

Era uma pergunta para mudar de assunto ou quem sabe, conhecer um pouco mais sobre
Milena.

— Eu me formei em música e tentei uma carreira como cantora. Mas me faltava empatia e
investimento. Acabou que desisti de ser uma cantora conhecida. Nessa época eu conheci Jacob, meu
noivo. Ele tinha uma escola de música falindo. Eu assumi os negócios. Vendi o pouco que tinha e me
tornei sua sócia. A escola cresceu, as coisas melhoraram... Tudo estava indo de vento e poupa.

— Até que você estragou tudo — Larissa fez questão de lembrá-la disso.

— Em minha defesa... Eu tentei conversar com ele. Dias antes do casamento eu tentei falar,
explicar que algo estava errado. Que vinha me sentindo diferente de quando nos conhecemos. Mas
Jacob não queria me ouvir, dizia que tudo iria melhorar depois do casamento. Que ficaríamos
juntos para sempre... Eu achei que ele poderia estar certo.

— Mas não estava — Larissa deduziu.

— Claro que não. Eu... — sentiu a vergonha apoderar-se dela, como sempre acontecia
quando se lembrava do fatídico dia. — No dia do casamento, eu não pude ir... Eu não sei o que
aconteceu. Eu dormi com a melhor amiga de Jacob, que também era a madrinha do nosso
casamento. E fiz isso uma noite antes do casamento.

Larissa parou de cuidar do trabalho de cozinha e sorriu.

— Eu nunca imaginaria que você fosse capaz de fazer isso! Você tem cara de santa. De boa
moça.

— Eu sou uma boa moça. Eu estava confusa e ninguém queria me ouvir. Eu... Perdi o controle.
Estava sob pressão. Eu não me orgulho disso. De verdade. Na manhã seguinte ela disse que foi
tudo um erro e que não era... Gay. Na verdade usou uma palavra bem menos elegante.

— Eu imagino — Larissa ironizou. — Como seu noivo ficou sabendo?

— Eu contei. Tentei falar com ele, abrir seus olhos, mas ele se recusava a me ouvir. Eu contei
tudo. Foi um escândalo.

— Eu não teria contado — Larissa foi sincera.

— Se eu pudesse voltar ao tempo, não teria contado. Depois do término do noivado, Jacob
mostrou que é uma pessoa horrível. Rancoroso, vingativo e mesquinho. Ele não merecia minha
consideração. Eu deveria ter me casado e me divorciado. De preferência, levado as calças dele no
divórcio.

— Por quê? Ele levou as suas?

— Jacob me levou tudo. Rompeu nossa sociedade e me roubou todo o investimento que eu
fiz. Havia muito dinheiro meu investido. Mas eu perdi o processo, então não posso reclamar.

— Só para confirmar minha opinião sobre as pessoas, em geral, não prestarem... — Larissa
ironizou — O que aconteceu com ele? Ele se casou?

— Sim, está casado faz poucos meses. Casou-se com... A melhor amiga, a mesma com quem
eu o traí. Aparentemente ela foi uma vítima. Foi seduzida pela mulher sem escrúpulos com quem ele
se enganou tanto e por tanto tempo... — foi sarcástica.

— Não é interessante como a vítima sempre vira o algoz? As pessoas sempre são pré-
dispostas a simpatizar com as pessoas que não valem nada. Principalmente, os dissimulados.

Milena não pode deixar de lhe dar razão. Por muito tempo, ela também fora assim. Capaz
de acreditar fielmente nas mentiras de um homem que nunca a amou.

—Bem, eu acabei descobrindo essa verdade da pior maneira. Estou falida, desiludida e meu
nome não vale mais nada. — Contou, melancólica — Eu perdi muitos alunos quando Jacob
abandonou a sociedade. Eu tinha muitos alunos de piano. Agora, tenho apenas Aliel. Ele é um
menino maravilhoso, talentoso e nasceu praticamente pronto para a música. Mas sem o piano e sem
um bom professor, eu não posso cuidar dele. E odiaria ver tanto talento se perder, pois a família
do garoto não pensa como eu. Eles não gastariam um centavo pagando por aulas de música.

— E quem pode culpá-los por isso? A carreira de um músico pode ser curta e instável. A
maioria jamais consegue reconhecimento do próprio talento, quanto mais, retorno financeiro. —
Larissa concordou, entregando-lhe um prato com um sanduíche, mantendo o outro para si.

Milena deduziu que deveria achar um lugar para sentar. Encontrou uma cadeira
relativamente em bom estado e sentou.

— Você tem ministrado as aulas de piano? — Larissa já imaginava a resposta, com base no
suspiro desanimado da loira.

— Sim, mas eu não sou uma pianista boa. Sou relativamente técnica. É o melhor que posso
oferecer nesse momento. Eu canto, minhas aulas são de canto. Deveria me concentrar apenas nisso.
Mas com a compra do piano, estou definitivamente no vermelho. Vai demorar até que eu possa
sonhar em contratar um bom músico para dar as aulas no meu lugar — explicou.

Larissa não disse o que pensava, mas Milena notou que ela desviou os olhos para um ponto
qualquer, provavelmente pensando em si mesma. Milena reparava demais naquela desconhecida.
Em seus olhos expressivos e sombrios. Em suas mãos elegantes, com calos nas pontas dos dedos, e
nós proeminentes nas junções dos dedos. Sinais claros de alguém que por muito tempo tocou piano.

Essa mulher era complexa. Milena nunca conheceu um musico que não gostasse de falar de
seu talento ou de suas aventuras pela carreira. Larissa parecia desconfortável em falar de si
mesma e sua relação com a música.

— Você toca, não é? — Perguntou, olhando-a mudar de postura, e deixar a comida de


lado. Larissa deu de ombros e o olhar de Milena foi inadvertidamente atraído para a tatuagem em
seu ombro.

— Um pouco, eu acho. — Desconversou.

— Porque você não gosta de falar da sua carreira? — Foi impossível conter a pergunta.

— Porque eu não tenho uma carreira. Sou a garota que vende guitarras. Você está
precisando de uma?

Larissa era reservada e distante. Sua agressividade apenas despertava um interesse ainda
maior em Milena.

— Não, eu não preciso de uma guitarra. — Sorriu, apesar da sensação de ser


inconveniente.

Mordeu o lábio. Sabia que aquela era sua deixa para ir embora. O sanduíche havia
chegado ao fim. O assunto não precisava ser esticado. Elas haviam fechado o negócio. Tudo
estava acertado.

Mas Milena não queria ir embora. Ainda não.

— Seu hotel é muito longe daqui? — Larissa a surpreendeu com a pergunta.

Por um louco segundo, o coração de Milena acelerou, talvez na expectativa de um convite


maior...
— Não muito. Posso ir a pé. — Contou, com a boca seca.

— Precisa tomar cuidado andando nessas ruas à noite. São Paulo não é uma cidade fácil.
Ainda mais... Para uma moça com a sua aparência.

Milena corou. Nem ao menos tentou disfarçar.

Estava aquecida, indisfarçavelmente atraída. E isso aconteceu desde o instante em que viu
Larissa parada naquele corredor, apoiada no batente da porta, olhando-a com olhos de
curiosidade.

Por um louco segundo, Milena perguntou-se sobre esse sentimento. Seria o tão famoso amor
à primeira vista?

Poderia ser apenas carência exagerada.

— Eu sei me cuidar. — Foi taxativa, mas não por querer se defender e sim, por estar
nervosa.

Atacar era sempre um bom modo para liberar a tensão sexual, pensou, amargurando essa
verdade. Talvez por isso, Larissa também não fosse muito simpática em relação a ela.

Era definitivamente o momento de ir. Por várias razões. Era tarde e a cidade lhe era
desconhecida. Não queria ficar sozinha, andando pelas ruas, durante a noite.

— Eu tenho cerveja. Se você quiser uma saideira.

Larissa disse com um olhar menos duro, menos sisudo.

— Eu... Não posso beber. Da última vez que bebi tive minha primeira experiência lésbica e
acabei com um futuro casamento infeliz. Eu prefiro água.

— Uma escolha segura. — Larissa escondeu a decepção, abrindo sua geladeira, retirando
uma jarra de vidro com água. A preparação da água no copo, todo o cuidado, aquilo quase lhe
pareceu uma preliminar.

E quando lhe entregou o copo, os dedos se roçaram de leve. Os olhos se encontraram. O


perfume de ambas se confundiu. Uma pena que Larissa estragasse propositalmente o momento,
afastando-se enquanto dizia:

— Amanhã cedo você me liga quando houver transferido o dinheiro. Eu vou anotar alguns
dados para você.
Era uma fuga. Claro que era. Milena sabia disso e Larissa também. A morena saiu da
diminuta cozinha e Milena permaneceu mais um pouco, assimilando aquele sentimento todo de
antecipação.

Ouvia os passos de Larissa dentro do apartamento e o abrir e fechar de gavetas. Ela


estava raivosa e Milena sabia a causa dessa raiva toda. Era tesão. Desejo sendo contido.

Milena não havia sentido nada tão forte, nem mesmo da primeira vez que se permitiu gostar
de uma mulher. Nada tão forte. Dessa vez não havia confusão, dúvidas ou menos.

Havia assumido sua sexualidade. Era segura de seus desejos e estava atraída por alguém
igualmente assumido e seguro do que queria na vida.

Uma pena que Larissa dos Anjos fosse tão ressabiada e esquiva. Algo a fazia crer que elas
seriam perfeitas em uma cama, juntas, a meia luz...

Afugentando esses pensamentos lascivos, Milena saiu da cozinha para encontrar Larissa na
sala, novamente olhando pela janela. Nas mãos um pedaço de papel rabiscado com seus dados
bancários.

— Tem meu telefone celular aí — estendeu o papel para Milena — Me chame quando
terminar de transferir o dinheiro, eu vou buscá-la.

— Está bem. Será que eu vou conhecer o lugar que você trabalha? — Perguntou num
arremeto de coragem, ao lembrar de que Larissa dissera que obteria ajuda de amigos músicos
para conseguir tirar o piano do pequeno apartamento e descê-lo até a calçada.

— E você gostará de conhecer um refúgio de roqueiros? — Larissa ironizou — Não é um


lugar adequado para uma garota como você.

— Acha que sou esnobe? — A pergunta soou estranha, pois estava surpresa.

— Não, eu acho que você gosta de coisas delicadas e precisa ser mantida afastada da
realidade da Galeria do Rock.

— Por quê? — Ofendeu-se — Eu gosto de rock. Não seja preconceituosa, Larissa. Está me
rotulando e rotulando também o lugar onde trabalha.

Essa chamada de atenção foi o bastante para Larissa finalizar aquela estranha conversa.
Andou pela sala e de costas, abriu a porta, indicando claramente o corredor.
Milena também se moveu, mas não tão raivosa que não pensasse em uma estratégia para
não ir embora. Retirou os óculos, que normalmente usava apenas para leitura e deixou cair atrás
de uma almofada do sofá.

— De qualquer modo, foi bom conhecê-la. — Disse simpática, tentando sorrir — Nos vemos
amanhã?

— Sim, nos vemos amanhã.

Nenhuma delas queria a partida. Larissa desejava impedi-la de sair, fechar a porta e
grudar os lábios sobre os seus, contra a porta de madeira, em um amor selvagem, que arranhasse
a pele macia e branca, deixando-lhe vergões de chupões e rastros de paixão por todo o corpo.

Mas a lucidez pretendia prevalecer e soerguer-se aos sentimentos românticos. Larissa tivera
sua cota de mágoas na vida.

Não seria uma paquita loira que a arrastaria de volta para a agonia do sofrimento de um
amor perdido.

Não esperou uma despedida. Fechou a porta e trancou. Pelo olho mágico, assistiu Milena
permanecer um segundo de pé olhando para a porta, indecisa. Ela ainda tinha o papel nas mãos e
guardou na bolsa, antes de olhar novamente para a porta.

Desistiu de qualquer ideia que lhe vinha à mente e virou as costas para partir. Dentro do
apartamento, Larissa sentiu uma onda de desejo correr em seu corpo, observando o andar
lânguido e o corpo esbelto de Milena afastar-se.

Um arrepio em sua espinha e ela nem notou que uma de suas mãos alisava sobre a regata
de malha, procurando pelo seio. Apertou, deixando a adrenalina daquela atração fazer sua
mágica.

Fechou os olhos por um instante, apoiada na porta, enquanto descia uma das mãos entre as
pernas, tocando sobre o tecido.

Uma batida inesperada na porta a assustou. Ela poderia ter infartado, pega no flagrante,
mas apenas engoliu a saliva que umedecia sua boca e espiou pelo olho mágico outra vez.

Era Milena.

Sem saber por que, num impulso, abriu a porta, com expressão acusadora.
— Eu esqueci meus óculos. — Ela disse sorrindo.

Mesmo que tentasse, era um sorriso acompanhado de uma confissão de culpa.

—E onde você esqueceu seus óculos? — Larissa mal notou que esquecera a decisão de se
proteger e apoiando uma mão no batente da porta, quase coagiu Milena a responder.

— Atrás de uma almofada do seu sofá. — Ela admitiu, erguendo uma das mãos para tocar
no ombro tatuado de Larissa — Eu posso entrar?

Era uma pergunta bem mais intensa do que parecia.

Não, a resposta era claramente não. Larissa jamais deixaria alguém entrar em seu coração
outra vez. Mas, em seu apartamento e em sua cama, sim, ela queria que Milena entrasse e se
esbaldasse.

Afastou-se e cedeu a passagem. Milena entrou e esperou a porta ser trancada.

Frente a frente, Milena não sabia exatamente o que esperava de Larissa. Seu corpo pulsava.
Seu coração transbordava de expectativas.

Era um impulso novo em sua vida. Não era adepta de relações ao acaso. Muito menos sexual
casual.

— O quarto fica por ali.

Larissa foi propositalmente nada romântica. Ao contrário de afastar Milena, apena a


incendiou ainda mais. Com um quase sorriso de expectativa, ela acenou com um movimento da
cabeça e andou para o lugar indicado...
Capítulo 5

Milena não estava surpresa em encontrar um quarto pequeno, típico de apartamentos


daquele tamanho. Muito menos, surpreendeu-se com o quarto ser um espelho do restante do lugar.
Desorganizado, roupas espalhadas pelos móveis e pelo chão. Um roupeiro velho, com uma porta
faltando. Um espelho em frente à cama, que detonava a vaidade ainda presente na vida de
Larissa, embora ela se esforçasse para não se cuidar.

Uma janela ao lado da cama. A cama era grudada nessa parede, pois quase não havia
espaço para andar no quarto. O lençol estava amarrotado, prova que Larissa não fizera a cama
ao levantar. Só de pensar no corpo moreno, desfrutando daqueles lençóis, Milena sentiu os joelhos
fraquejarem.

— Você sabe que eu não sou a pessoa que você está procurando, não sabe? — Larissa
perguntou, braços cruzados, recostada no batente da porta, observando a loira andar pelo
quarto, conhecendo o lugar.

Milena fitou-a com um olhar destemido. Entendia o que precisava ser dito. Depois de sua
primeira relação homossexual não estivera com outra pessoa, procurando o momento certo, a
pessoa correta para dividir isso. E Larissa não era essa pessoa.

Mas o que dizer para a razão acerca de suas emoções? O certo e o errado nem sempre
são fáceis de distinguir. Muitas vezes se confundem.

— Sim, eu sei disso. — Respondeu, encarando sua futura parceira de amor.

O modo como Larissa parecia se proteger era deliciosamente interessante. Convencer aquela
mulher fechada a se abrir, seria uma conquista inestimável. Mas Milena não era de enganar as
pessoas. Enganou-se uma vez e traiu o noivo. Isso era passado e esperava nunca mais em sua vida
magoar alguém.

— E está sabendo também que o que vai acontecer aqui não vai mudar nada na manhã
seguinte? Eu vou querer que vá embora assim que acabar. Vamos nos encontrar, fechar a venda
do piano e adeus para sempre. Não quero uma garota atrás de mim, querendo compromisso. —
Larissa achou por bem avisar.

— Eu acho que você está se valorizando muito — desdenhou, dando de ombros, pois sorria
— Além disso, você só fala? Nada mais do que isso?

Sim, era um desafio. Atiçar alguém com a personalidade predatória de Larissa era o mesmo
que pedir por retaliação. E dependendo da retaliação, Milena estava prontinha para dizer sim a
tudo que viesse!

Tomando a dianteira, pois sabia que por de trás das provocações, havia uma mulher frágil,
que ainda não conhecia totalmente sua sexualidade e não sabia como falar disso sem demonstrar
vulnerabilidade, Larissa saiu de onde estava e aproximou-se.

Havia um quê de diversão no olhar dela, como quem debocha da inexperiência de Milena.
Pelo visto, Larissa seria duramente surpreendida, pois Milena era um pouco insegura sobre
demonstrar seu interesse por outra mulher, mas na cama... Possuía desejos fortes. Nunca fora tímida
na cama. Desfrutava da paixão, mesmo antigamente, quando não era totalmente satisfeita
sexualmente.

Na única vez que estivera com alguém do mesmo sexo, não poderia dizer estar totalmente
segura. Era tudo novidade. Mas passado os meses, sua consciência se fortalecera e não restava
dúvidas sobre seus desejos e sua opção.

— Deixou seus óculos de propósito. Queria uma desculpa para voltar. Para entrar na minha
cama. E agora, vai fugir?

— Eu nunca fujo. — Milena avisou — Não sou medrosa. Eu sei o que eu quero. E você,
sabe?

— O que você quer? — Desconversou, pois a pergunta de Milena remetia aos seus íntimos
sentimentos e não iria se abrir para qualquer uma. — eu sei o que você quer, Milena, e sei como te
dar o que procura...

Sim, Larissa era sexy. Um tipo de sexualidade contida, ponderada, que transbordava pelos
olhos, pelo jeito de andar, de agir, de coagir. Larissa era toda coação. Andando na sua direção,
parando a menos de cinco centímetros. Sem tocar, sem pegar, sem agir. Apenas ficar diante, de pé,
respirando o mesmo ar.

Milena deixou de sorrir. Aquele sorriso tímido, quase nervoso, foi embora. As duas
respiravam o mesmo ar. Larissa estava desafiando-a, mostrando-lhe que detinha o poder sobre a
situação.

Por hora, Milena apenas deixou que a levasse. Que lhe conduzisse. Por hora.

Esperou aquele misterioso segundo passar. Um segundo de ansiedade sobre como Larissa
começaria. Não se decepcionou quando ela venceu aquele pequeno espaço entre elas e disse:

— Me beije.

Era uma ordem. Não era um pedido doce de uma amante cuidadosa. Era diferente. Era uma
ordem, de uma amante ocasional, que lhe ofertaria apenas sexo.

Sexo sem compromisso.

Algo vulgar, fugido e condenável.

Algo excitante.

Milena não beijou. Mordeu o lábio, pois tinha lábios cheios e largos, uma boca graúda,
rosada e suculenta. Ela pensou sobre como deveria beijar Larissa. E quando Larissa estava quase
desistindo de esperar, Milena curvou o rosto e encostou os lábios nos seus.

A pressão foi intensa. A umidade dos lábios de Milena era suculenta demais para Larissa
resistir. Envolveu a cintura da loira, apertando-a contra si. Não um apertar suave, pelo contrário, foi
um prensar forte, grudando seios, barriga e pélvis.

Num impulso, Milena colocou ambas as mãos nos ombros de Larissa e apartou os lábios dos
seus. Aquele suave arrastar das bocas, despertou ainda mais desejo. Os olhos de Milena
encontraram os olhos de Larissa e toda a paixão contida, explodiu, de modo incontrolável.

Larissa segurou sua cabeça com uma das mãos, forçando o beijo a recomeçar. Do jeito que
queria. Um beijo guloso, de bocas abertas, línguas, saliva e dentes. Milena pensou em afastar-se
um pouco para respirar, mas Larissa manteve-a imóvel, roubando-lhe tudo que desejava. Milena
nunca se sentiu assim antes na vida: saqueada.

Larissa sorveu daquele beijo, delirando com aquela boca carnuda. Queria que fosse rápido,
queria aquela boca cheia em outras partes de seu corpo e tinha pressa sobre isso.

Mesmo assim, não conseguiu desfazer-se daquele beijo. Milena gemeu muito, gemeu alto,
chupando o lábio inferior de Larissa, enquanto era empurrada em direção à parede, onde ficava
o roupeiro. Larissa encoxou-a, sem rotas de fuga. Cobrou-lhe mais um beijo, enquanto deslizava a
mão direita pelo seu pescoço, entre seus cabelos loiros, longos e macios. O cheiro era intenso,
adocicado, envolvente.

Beijar Milena estava sendo muito mais intenso e gostoso do que Larissa pensou que seria. Ela
pressionou o quadril, e Milena devolveu o movimento, querendo encontrar seu corpo. A coxa
vestida em jeans empurrou entre as coxas de Milena.

Ela abriu os olhos, para ver Larissa beijar. Era tão excitante que gemeu profundamente.
Larissa apoiou uma das mãos no roupeiro, atrás de sua parceria, para obter mais pressão. Ambas
exprimidas, lutando por dominação.

Os seios cheios de Milena doíam dentro das roupas, comprimidos contra os seios pequenos
de Larissa. Quis desesperadamente libertá-los e implorar para que Larissa os chupasse. Mas não
fez nada, apenas dançou com ela, aquela dança de sedução, quadril com quadril, levando ambas
as mãos para o quadril da morena, sentindo o contorno da bunda.

Larissa era toda magrinha e mignon. E resmungou ao ser tocada. Afastou os lábios,
privando-a daqueles beijos que a enlouqueciam. Então, sabendo bem que Milena estava entregue,
desceu a boca para o decote da blusa, mordendo o tecido, como quem deseja rasgar com os
dentes. A loira gemeu, os olhos fechados, e soltou as mãos, sendo empurrada contra o móvel, de
costas.

Foi tudo tão rápido, que mal notou. Larissa a girou, e voltou a pressionar, de costas. Sem
condições para reclamar, gemeu ainda mais, enquanto Larissa mordiscava seu pescoço, sua nuca,
arrastava seus longos cabelos claros com as mãos, puxando-os na mão, causando um pouco de dor
e mais tesão.

Por um louco segundo, Milena se perguntou o que Larissa pretendia. Não era uma relação
homem e mulher. Era algo diferente. Não havia razões para sondar sua bunda, como alguns
homens gostavam de fazer. Seu ex-noivo sempre desejava pegá-la por trás, em uma relação anal,
mas Milena nunca permitira. Na verdade o sexo entre eles era bastante morno e automático. A
razão era óbvia: ela não gostava do noivo. Muito menos de homens.

— Larissa... — ela gemeu suave, quase um pedido de ajuda, tão excitada, desesperada
para tirar as roupas. A pressão em seus seios cada vez maior. Assim, apertados contra o roupeiro,
queriam atenção. Era muito sensível nos peitos.

— Não aguenta? Já quer parar? — era uma clara perseguição. O modo como roçou a
boca em seu ouvido, sussurrando, causou um frisson ainda mais intenso em Milena.

— Não... Eu quero mais. — Ela disse, desafiando de volta.

Milena não respondeu, quase respondeu, mas não encontrou as palavras certas, apenas os
atos. Puxou seus cabelos, arrancando-lhe um gemido grutal e soltou-os, aspirando o perfume
delicioso, antes de descer ambas as mãos e levá-las para frente, entre Milena e o roupeiro,
procurando pelo zíper da calça.
Capítulo 6

Milena agitou-se, sentindo o toque daquelas mãos onde as desejava. O zíper desceu e
Larissa puxou a calça jeans com força, descendo-a pelos quadris e pelas pernas, empurrando os
sapatos de Milena e tudo mais para baixo.

Vestida apenas com uma blusa e a calcinha de algodão, Milena tentou virar de frente, mas
foi impedida. Larissa colocou ambas as mãos por sua cintura, levando-as por baixo da blusa,
levando para cima o tecido, obrigando-a a retirar a roupa. O fecho do sutiã soltou
espontaneamente e Larissa sorriu, empurrando as alças, deixando a peça cair esquecida no chão.
Os peitos de Milena eram tão grandes que mal vestiam a roupa.

Milena não poderia entender o espetáculo que oferecia. Uma linda boneca Barbie, de
calcinha azul, em algodão macio, de costas, os cabelos loiros longos, cheios e perfumados,
correndo por suas costas cremosas, cobrindo ombros suaves e tocando sobre o cós da calcinha.

Uma peça íntima que não cobria toda sua bunda. Nádegas cheias, largas, roliças. Pernas
longas, coxas fortes. Era uma tentação. Para Larissa, era como comer um doce suculento. Mal podia
se conter de ansiedade.

— Está gostando do que vê? — Milena perguntou, olhando-a de lado, sabendo que era
bonita. Sempre soube. As pessoas lhe diziam isso o tempo todo.

— Você é muito gostosa. — Larissa voltou a tocá-la, dessa vez, uma das mãos em sua
bunda, contornando nádega, enquanto a outra encontrava seu umbigo, e roçava os dedos por
dentro do cós da calcinha, mas sem avançar demais. — Gostosa demais.

Deu-lhe um sonoro tapa na nádega e apertou. A mão encaixada. Milena gemeu e roçou os
seios nus contra a madeira do roupeiro. Estava tremula. Não tinha dúvidas, que se esfregasse uma
coxa na outra, gozaria. Mas não fez isso. Tão pouco, Larissa deixaria que acabasse tudo tão
rápido.

Ela grudou os lábios em suas costas, descendo um caminho de beijos por toda sua coluna.
Usou a boca para puxar a calcinha um pouco para baixo, revelando seu rego. Milena mal respirou
quando ela lambeu bem ali, naquela entradinha da bunda, puxando com as mãos a calcinha.
Definitivamente nua Milena afastou as coxas, num impulso, num convite. Larissa sorriu e entrou uma
das mãos ali, entre as coxas gostosas. Milena era toda gostosa. Como um doce apetitoso de
morder.

E tomada desse pensamento, Larissa mordeu sobre a bunda, como quem deseja arrancar um
pedaço. Milena gemeu forte, reclamando. Larissa correu a língua sobre a mordida, no mesmo
momento em que seus dedos roçaram por trás, entre as dobras íntimas do sexo de Milena.

A loira se calou e se contorceu, conduzida a um quase gozo imediato. Mas Larissa afastou os
dedos e se afastou também.

— Vira, eu quero te ver de frente. — Larissa mandou, com a voz pesada, seca, rouca de
paixão.

Tremula, Milena obedeceu. Virou-se lentamente e se apoiou no mesmo roupeiro, pois suas
pernas tremiam. Não havia ventilação naquele apartamento e a noite era quente, por isso Milena
começava a suar na testa. Os cabelos bagunçados, longos, por todos os lados, emoldurando sua
face de boneca.

Olhos escuros de paixão. Boca aberta, respirando difícil. Milena era em carne e osso a
definição do que é o tesão.

Larissa correu os olhos por todo seu corpo, enquanto tirava a regata, chutava os sapatos e
se livrava da calça. De calcinha larga, tipo short e sutiã rendado, modelo nadador, Larissa molhou
a boca com saliva, literalmente com água na boca diante do que via.

Os seios de Milena eram largos, cheios, firmes. Duros e empinados, naturais, brancos e
cálidos, com mamilos aveludados, largos na medida certa.

Sua barria lisa, quadris redondos, emoldurando um triângulo perfeito entre pernas, coberto
por pêlos louros, aparados, que mal cobriam um filete de toda aquela gostosura. Ela mantinha a
depilação quase a zero, para usar biquínis e roupas curtas no verão. Era quase lisa. Isso permitia
que visse entre as dobras. Era rosa. Suculenta. Era perfeita para ser comida de frente, de costa,
de lado e de vários outros modos, que Larissa poderia claramente fantasiar, quanto olhava para
Milena.

— Solta o cabelo — Milena pediu, pois Larissa despira o sutiã, revelando seios pequenos,
morenos, de mamilos rijos, tensos, escuros. Sua pele era tentadora. Nervosa, Milena apontou a
calcinha — Tira tudo. Tira.

— Eu vou tirar. — Larissa disse, com um meio sorriso no rosto.

Livrou-se da roupa e ergueu uma das mãos, exigindo que Milena se aproximasse.

Larissa era pequena, curvas moderadas, mantinha seu sexo bem aparado, porém mais
coberto. Seu corpo era menos exuberante, mas diante dessa nudez despretensiosa, Milena sentiu-se
atraída como se nunca antes houvesse feito sexo. Talvez, pela primeira vez na vida, essa excitação
viesse aliada a liberdade de ser e sentir.

Aproximou-se de Larissa e quando foi abraçada, também abraçou de volta. O toque de


pele contra pele foi eletricidade pura. Seus lábios se procuraram num mútuo acordo. Larissa a
levou em direção à cama, impondo seu ritmo. Segurou na garganta de Milena, como quem faz
apenas um carinho e fez pressão, empurrando-a para cama.

Encantada, Milena deitou e se ajeitou no centro da cama de solteiro. Larissa dormia em uma
cama pequena, de solteiro. Havia pouco espaço, mas nenhuma delas ligou para isso. Larissa
ajoelhou-se na beira da cama e seu corpo foi banhado pela luz da rua, da iluminação pública,
que vinha de fora.

Usou de força para abrir o vidro, para que algum vento entrasse e aplacasse o calor. Esses
movimentos fizeram seus seios pequenos balançarem, sua musculatura retesar, e Milena se sentou,
surpreendendo-a ao afastar seus braços e procurar com a boca seus seios.

Larissa curvou o peito para trás, como quem não aceita o carinho. Milena segurou-a pelas
costas, abocanhando um dos seios com sua boca. Engoliu um pedaço do seio, chupando o bico,
antes de afastar e pegar o outro.

Sem reação, Larissa fechou os olhos e deixou-se tocar. Seu ventre tremulava. De joelhos
ainda, torço erguido, ela era um deleite. Milena levou uma das mãos diretamente entre as coxas
apartadas e a tocou, sem pudor. Esfregou os dedos bem de leve, conhecendo o território.

— Não... — Larissa reclamou, pois queria ser ela a lhe comer, e não o contrário. Tentou
segurar seus ombros e empurrar, mas Milena não deixou. Esfregou os dedos entre os grandes
lábios, encontrando toda a umidade de Larissa. Num impulso, retirou os dedos e soltou seu seio.

Não queria frustrar Larissa em seu desejo de dominar. Mesmo assim, não queria ser a presa
abatida. Levou os dedos aos lábios e provou o gosto que restava ali. O gosto de Larissa. Seu
cheiro almiscarado.

Larissa segurou sua mão e provou seus dedos também, chupando-os. Era algo quase fálico.
O movimento de entra e sai dos dedos longos de Milena em sua boca... Então, provando que
detinha todo o poder sobre a reação, Larissa levou a mão de Milan para baixo e forçou aqueles
dedos a entrarem entre suas pernas, penetrando sua intimidade. Milena não disse nada, apenas
manteve os olhos fixos no que fazia. Larissa conduzia seus dedos a entrar e sair de seu sexo, num
ritmo seco, duro, maldoso.

Larissa agarrou na janela, com a mão livre e ficou subindo e descendo nos dedos de Milena,
enquanto mantinha a outra mão conduzindo esses movimentos. Larissa era linda de olhar. Gemendo
e se contorcendo, era um deleite absoluto de olhar e provar. Milena tentou pegar seus seios de
novo, mas foi repelida.

Pelo visto, Larissa era acostumada a um prazer solitário. A ser indiferente a sua parceira.

A se satisfazer sozinha, viver uma relação egoísta de dar e não receber. Se não fosse tão
gostoso assisti-la tendo sexo com seus dedos, Milena teria reclamando.

Em determinado momento, ela forçou a mão de Milena com mais força, tremendo por dentro
e por fora. E foi nessa hora que Milena a beijou, tentando acolher seu prazer, mas foi outra vez
repelida.

Revoltada, puxou a mão e disse, com raiva:

— Acho melhor ir embora. Você pode fazer tudo sozinha mesmo, não é?

Surpresa, Larissa quase a mandou ir embora por conta de tamanha insolência.

Dividida entre o desejo e a necessidade de se proteger, quase a mandou ir. Milena correu a
mão, que antes tocava Larissa, por sua própria barriga e mais abaixo, quase tocando sobre o
clitóris.

Sabia que não iria embora. De jeito nenhum!

Deitou-se contra o travesseiro e apartou bem as pernas, pedindo que Larissa viesse a seu
encontro.

Impedida de gozar, Larissa respirou com força, o tesão correndo por suas veias, como fogo
puro. Curvou-se sobre Milena e o beijo foi inevitável.
Pernas entrelaçadas, seios se tocando, cabelos louros e escuros se misturando...

— Eu não quero que vá embora — Larissa disse, tardiamente, alimentando o clima sensual
entre elas, antes que tudo desandasse.

— E eu não quero ir — admitiu, esfregando os dedos sobre o púbis de Larissa, mas sem
pressionar mais. — Eu quero fazer com você. Juntas, as duas.

— Você tem seios lindos — Larissa mudou o assunto, concentrando-se no corpo delicioso que
estava implorando por carinho. Roçou um beijo sobre um mamilo e Milena se agitou. — Gosta que
peguem seus peitos?

— Sim, eu adoro. É o que mais gosto. — Admitiu ansiosa.

O modo safado como Larissa se curvou, colocou a língua para fora e começou a lamber seu
seio esquerdo, deixou-a muda. Apenas lambidas. Repetiu o mesmo no seio direito.

— Se eu tivesse um pênis, iria colocá-lo bem aqui, entre eles — Larissa juntou ambos os
seios, apertando-os nas mãos, amassando a carne generosa, enquanto roçava o rosto nos bicos
aveludados. Alternava as lambidas e pequenos beijos.

Quando Milena tentou erguer o torço, tomada pela ansiedade, Larissa mordeu um dos bicos
e o sugou. Milena se agitou ainda mais, olhos fortemente fechados, empurrando os seios na boca
de Larissa.

Sugar aqueles montes era delicioso. Todo o corpo de Milena era um prazer indescritível.
Talvez fosse a mulher mais bonita que Larissa já tivera o privilégio de possuir.

— Gosta de mordidas? — Perguntou, assoprando sobre os seios úmidos de sua saliva e


Milena nem respondeu, apenas esperou.

Mas a mordida não veio onde achou que viria. Larissa mordeu sobre seu umbigo, enquanto
mantinha as duas mãos apertando a carne macia de seus seios.

Era uma região muito excitante para Milena e não deixaria de acarinhá-los, mesmo que
houve muito mais a ser explorado.

Enquanto Larissa levava mordidas para baixo, Milena admirou o efeito das luzes da rua nas
costas de Larissa. Se olhasse para cima, veria muitas e variadas janelas de um prédio do outro
lado da rua. Era uma selva urbana. Mas naquele pequeno espaço, estava acontecendo uma
comunhão de sentidos, sentimentos e desejos. Era perfeito.
— Oh, não pare — Milena pediu, agarrando a cabeça de Milena e empurrando para
baixo. Não queria ser ríspida, mas estava pertinho de incandescer.

Larissa cheirou aquele sexo e gostou do que aspirava. Soprou sobre as dobras molhadas.
Milena estava encharcada. Era delicioso de ver. Encostou primeiro os dedos sobre o clitóris,
arreliando-o.

A reação foi de um choque elétrico, Milena gemeu muito e se contorceu, entregando-se.

Ela não ia demorar muito, por isso, Larissa grudou os lábios naquele mar rosado,
encontrando o clitóris com a língua num beijo íntimo, forte e rápido.

Milena gritou, mas não gozou como era esperado. Pelo contrário, agarrou os cabelos de
Larissa, chamando seu nome, implorando por mais, querendo desesperadamente mais.

Ambas muito pertinho do clímax. Ambas querendo tanto uma da outra, que era impossível
nomear em palavras.

Enlouquecida, Milena apartava os próprios seios com uma das mãos, enquanto agarrava os
cabelos de Larissa com a outra. Em determinando momento, Larissa livrou-se do aperto em seus
cabelos, e a empurrou, nada gentil. Era passado a hora de gentileza. As duas estavam por um
fiapo.

Ela empurrou uma das pernas de Milena para cima e sentou-se metade sobre a amante,
metade ajoelhada no colchão, encaixando seu sexo contra o sexo de Milena, um pouco de lado.

O cotado imediato trouxe um arrepio para a barriga de Milena que sem afastar os olhos de
Larissa, deixou o prazer chegar.

Larissa esfregou os sexos por dolorosos segundos. Banhadas pela luz da rua, agarradas
uma a outra, Milena empurrando quadril contra o de sua amante, ambas consolidadas em uma
transa que prometia ser inesquecível.

Milena foi a primeira a gozar. Gritando, ela esfregou com mais força, espalhando sua
umidade contra a de Larissa, forçando ainda mais, roubado de Larissa todo o autocontrole,
levando-a diretamente para um gozo profundamente doloroso.

As duas trincadas, tensas, cada poro eletrizado pelo prazer explosivo.

Larissa segurou o grito, mas marcou a pele da coxa de Milena com os dedos, apertando,
quase arranhando. Trêmula, seu corpo convulsionou, o prazer cortando desde sua racha principal,
extravasando por sua barriga, culminando em seu peito, numa dor de amor, como nunca sentira
antes.

Milena gozou muito, enquanto era abusada por Larissa, que em sua busca pelo prazer,
continuou tomando tudo dela. Nesse movimento intenso, sendo esfregada sem dó nem piedade, num
último segundo antes da transa acabar, acabou por chegar outra vez ao cume.

Gemendo deliciosamente alto, ronronando de prazer, empurrou-se lentamente contra o sexo


de Larissa, absorvendo tudo que ainda pudesse lhe dar.

As duas foram parando aos poucos, exaustas.

Larissa escorregou sobre Milena, ajeitando-se para descansar. A cama era pequena, mas as
duas se ajeitaram de lado, uma de frente para a outra. Larissa manteve os olhos fechados,
precisava de algum tempo para se acalmar. Diante disso, Milena fez o mesmo.

Mas não demorou a abrir os olhos outra vez e observar Larissa. Aquela transa havia sido mil
vezes melhor e mais intensa do que qualquer relação sexual que tivera em sua vida anteriormente.

Surpresa em ter dividido isso com uma completa desconhecida, Milena permaneceu
pensativa, enquanto esperava que Larissa lhe desse um pouco de atenção...
Capítulo 7

Abrir os olhos depois de tanta emoção, para encontrar o olhar de Milena, foi algo que
Larissa gostaria de ter evitado. Normalmente, após o orgasmo, apenas virava de lado, levantava e
alegava ser a hora de ir.

Ter perdido o senso da realidade, era algo que a incomodava profundamente.

— Você gota de viver nesse apartamento?

A pergunta sussurrada a surpreendeu. Era um assunto que jamais imaginou ser abordado
após o sexo, entre duas estranhas, que nem deveriam bater papo após uma relação sem
compromisso. Talvez Milena não conhecesse essa intransigente etiqueta após um momento
constrangedoramente roubado, em uma noite qualquer de tesão entre estranhos.

— Eu me acostumei. — Respondeu sem muito interesse em conversa fiada.

Apesar disso, não se afastou ou se moveu. Ficou ali, ao lado de Milena, ouvindo sua voz
melodiosa e pensando sobre o que ambas estavam fazendo.

— Eu detestaria viver em um lugar apertado e escuro. — Milena disse, suave, tranquila


depois de tanto prazer — Mas não vou negar, guardarei boas lembranças daqui.

Era uma forma suave de tocar no assunto. Larissa sorriu. Espalmou a mão sobre a barriga
de Milena e disse:

— Gostou da nossa transa?

— Eu não vou negar — Milena também sorriu, mordendo o lábio — Você gostou?

— É difícil não curtir quando se leva para a cama uma mulher tão bonita quanto você.

Aquilo não era muito lisonjeador. Mesmo assim, Milena tentou aceitar como um elogio. Afinal,
não precisava ser um gênio para notar que Larissa escondia os sentimentos. Protegia-se
exageradamente. Provavelmente havia sido magoada na vida e que por razões amargas, optara
por não se entregar.

— Você é linda, Larissa. A sorte foi minha também. — Elogiou, mas como esperava, sua
parceira de amor não era muito flexível quanto a elogios. Respirando fundo, Milena mudou de
assunto — Imagino que tenha tido muitas amantes, Larissa. Você é experiente.

— Achei que esse tipo de pergunta fosse tipicamente masculina.

Larissa era uma provocadora. Sempre batendo de frente, Revidando. Milena virou de lado,
para olhar em seus olhos e de certo modo, evitar que sua parceira pudesse escapar da conversa.
Estava sendo propositalmente evasiva.

— Engana-se. Não perguntei por machismo, mas sim, por admirar seu jeito. Por querer saber
mais sobre você. — Contou, percebendo que Larissa não sabia lidar com seu modo de agir, assim,
mansa e angelical, comendo pelas beiradas. — Eu ainda sou nova nisso, não esqueça.

— E tem gostado? Uma relação entre mulheres é muito diferente de uma relação entre
homem e mulher.

— Eu tenho percebido essas diferenças. — Um pouco sem jeito, virou-se de costas outra vez,
olhando para o teto. — Eu não sinto falta de um homem. Sinto alívio de não ter que deitar com um.
Eu até gostava de fazer amor com homens. Eu gostava, mas não era igual. Eu... — Sorriu, maliciosa
— ...gosto de ter algo lá.

— Ter algo lá? — Larissa repetiu, sorrindo, erguendo-se apoiada em um braço, para olhá-la
com mais atenção.

— Você sabe... Eu gosto de ter algo lá dentro. — Não pode evitar corar.

Larissa desceu os dedos da barriga de Milena, para bem mais abaixo.

— Você gosta de ter um pênis dentro, é isso? — Perguntou direta, sem meias palavras.

Corada, Milena concordou.

— Eu não diria um pênis — sorriu — Eu não sinto atração pelo corpo de um homem. Acho
que nunca senti. Mas eu gosto de ter algo dentro de mim. Eu... Depois que terminei meu noivado,
que descobri minha homossexualidade inegável, eu fiquei muito sozinha. Eu comecei a ler muito,
tentar me conhecer mais. Eu... Comprei uns brinquedos — riu, pois a expressão de Larissa era de
incredulidade — Eu comprei um vibrador. Mas não conte isso para ninguém!
— Estou tentando imaginá-la usando um vibrador. — Larissa disse, rindo — É uma imagem
bastante sexy.

— Nem tanto... — Deu de ombros, sedutoramente displicente com a própria nudez — É algo
solitário.

— Eu entendo o que quer dizer. Está se conhecendo. Eu já sei do que gosto faz tempo —
Larissa deitou-se outra vez, os cabelos escuros espalhados pelo travesseiro, resvalando no ombro
de Milena.

— E o que você gosta? — Perguntou, e essa pergunta ia além do fato que sabia que Larissa
era lésbica, assim como ela.

— Eu não gosto de nada lá dentro que seja maior do que dedos. — Contou, pensativa —
Nunca gostei. Quando eu me descobri homossexual, era muito jovem, eu comecei minha vida sexual
com uma mulher. Foi natural para mim. Mas... Eu quis perder minha virgindade do modo tradicional.
Arrumei um namorado. Não ficamos juntos muito tempo. E, definitivamente, não curti o sexo. Não
gosto de nada, como você disse... Nada lá dentro — tornou a sorrir.

O modo de Milena falar era muito interessante.

— Eu gosto. Algo duro e grosso. Mas não precisa ser um pênis. Na verdade, acho que não
deve ser um pênis. E não deve ser sempre. É algo para de vez em quando. Bem, eu nem penso
muito nisso. Não sei por que estamos falando disso.

É claro que sabia. Era uma forma de evitar falar do importante. Haviam tido uma relação
intensa, profunda e inesquecível. E as duas evitavam falar disso.

— Estamos falando, porque é legal falar disso — Larissa provocou-a.

Rindo, Milena virou em sua direção e pediu:

— Vai me beijar uma última vez antes de me mandar embora e nossa ligação voltar a ser
puramente não carnal?

— Não. — Larissa negou.

Negou um beijo que também queria.

Sem mais delongas. Sem mais explicações. Milena baixou os olhos e pensou sobre isso. Sobre
o sentimento de rejeição. De rechaço. Isso não se aplicava ali. Eram desconhecidas. Larissa não a
rejeitava, pelo contrário. Era lúcida o bastante para não confundir uma transa ocasional, com algo
mais.

— Está certo. Eu adorei o que fizemos, Larissa. Foi incrível — Milena não era tão fechada,
por isso, curvou-se e beijou de leve sobre os lábios de Larissa. Um beijinho doce, de despedida. —
Você vai ficar nas minhas fantasias por um bom tempo. — Avisou, querendo pegá-la desprevenida
com essa informação. — Acho melhor eu ir. E não se preocupe, que dessa vez, não vou esquecer
meus óculos.

Era um sutil aviso. Não pediria por mais. Da próxima vez, pois tinha certeza que haveria sim
uma próxima vez, partiria de Larissa a iniciativa. Entendendo o recado, Larissa deixou que fosse
embora, que saísse daquela cama.

Assistir Milena vestir-se era um espetáculo a parte. Bonita, calma, ágil. Ela recuperou a
calcinha e a vestiu, como uma princesa. Vestiu o sutiã. A blusa.

Sentou na cama, sorrindo para Larissa enquanto vestia a calça e os sapatos. De pé forçou a
calça jeans a subir e cobrir tanta fartura de curvas. O suave correr do zíper causou um arrepio na
espinha de Larissa.

Ainda na cama, de lado, nua. Era essa a lembrança que Milena levaria daquela mulher. A
beleza que Larissa escondia do mundo.

— Me leva até a porta? — Pediu.

— Pode sair. Depois eu tranco a porta.

Mais uma negativa. Fingindo não se importar, Milena saiu do quarto. Na diminuta sala, pegou
a bolsa, os óculos e saiu do apartamento.

O som da porta batendo de leve, mesmo que um som normal de uma porta velha ao ser
fechada, causou um estranho sentimento de perda em Larissa, que apenas levantou da cama,
enrolou-se no lençol e foi até a sala passar a chave na fechadura.

Espiou pelo olho mágico, para confirmar que Milena havia ido embora. Sim, ela havia ido.

Era estranho, pois elas se veriam no dia seguinte. Mesmo assim, Larissa sentiu essa falta.
Estava sozinha há tanto tempo... Qualquer sopro de amor que viesse balançar as cortinas de sua
vida seria tratado como um vendaval. Era bom livrar-se desse perigoso sentimentalismo.

Milena era um vento passageiro em sua vida.


Apenas alguém que a livraria do incomodo piano em sua sala.

Ou quem sabe, Milena pudesse livrá-la também do significado daquele piano em sua sala?
Capítulo 8

Encontrar Larissa na manhã seguinte e fingir que nada aconteceu entre elas, foi bastante
complicado. Seu primeiro impulso foi abraçá-la e trocar um beijo ardente. Relembrar o gosto
daquela boca que lhe negava carinho e falava com voz ríspida.

Distante, indiferente, Larissa manteve-se emocionalmente longe de Milena. Como já era


esperado que fizesse.

As duas trocaram algumas palavras por telefone, pois Milena a avisou da transferência
bancária realizada com sucesso.

Uma hora mais tarde, Larissa a buscou na agência bancária. Milena não conhecia a cidade e
não tinha muito dinheiro para gastar com táxi. Por isso, como uma salvadora, Larissa foi buscá-la.

Em um caminhãozinho velho, com a carroceria coberta por uma lona, Larissa estava sentada
no banco do motorista e quando Milena viu a porta abrir, deixou o sorriso ir embora.

Um homem enorme, gordo, tatuado e vestido com roupa Jeans e colete de couro, desceu
para que subisse. Exprimida entre ambos, Milena tentou não parecer incomodada.

— Esse é Tico. Meu patrão — explicou Larissa, notando sua expressão. — Ele vai nos ajudar
com o piano. Vou passar na loja, buscar os outros ajudantes. Você está bem?

— Sim, estou. Eu quase me perdi, mas achei a agência e agora está tudo ok. — Explicou.
— Meu nome é Milena. É um prazer conhecê-lo. — Apresentou-se ao homem.

— O prazer é todo meu. Você é um bijuzinho, dona.

— Obrigada — ela agradeceu, sorrindo. Achando graça.

— Esqueça, Tico. Milena gosta do mesmo que você. — Larissa explicou, conduzindo o veículo,
sorrindo diante da indignação do amigo.

— Com todo respeito, Milena, mas Larissa não é muito confiável. Se aceita um conselho... Eu
sou um namorado bem mais gentil. — Ele brincava.

Aliviada pelo clima nada tenso, sorriu:

— Acho difícil comparar Larissa a quem quer que seja. Além do mais, ela me dispensou.

— Como pode fazer isso, Larissa? — Tico indignou-se. — Rejeitar uma coisinha mimosa
dessas? Isso não se faz.

— Como se você pudesse ficar e cuidar de uma mulher assim — Larissa acusou e o homem
soltou uma sonora gargalhada.

— Tem razão. Eu sou casado. Flerto por diversão — ele exibiu a aliança — Casado há vinte
anos, criei seis filhos. E tenho um neto a caminho.

— Meus parabéns! Você conseguiu uma vitória e tanto. A maioria das pessoas ainda não
conseguiu achar sua alma gêmea. Quiçá, permanecer tanto tempo ao seu lado!

Larissa olhou para o amigo como quem diz "Ela é mimosa".

— Não tem sido fácil. Viver a dois é um desafio diário. Mas, você terá a chance de
conhecer minha esposa, ela está na loja, cuidando das coisas.

— Eu não quero dar trabalho. — Desculpou-se.

— Não se preocupe. É um alívio ver aquele piano ir embora para sempre. Estava na hora
disso acontecer. Aliás, passou da hora. Larissa lhe contou de quem era o piano?

— Não. Ela não me contou nada sobre sua vida. — Disse com mágoa.

— Nos conhecemos ontem — Larissa defendeu-se, fazendo uma curva, estacionando o carro
diante de um antigo prédio. — Galeria do Rock. — Explicou — É aqui que trabalho. Esse é o
melhor lugar do mundo. Você vai adorar, Milena.

Incapaz de tirar os olhos de sobre Larissa, concordou.

Larissa vestia uma calça de couro agarrada ao corpo, recoberta por taxinhas de metal. Uma
regata larga, rasgada e desbotada, com uma jaqueta curta sobre.

Um rabo de cavalo alto, sem brincos ou joias.

As botas de salto alto eram um toque de charme e rebeldia. O perfume amargo, pesado. A
maquiagem escura nos olhos.
Milena vestia-se exatamente o oposto, com roupas florais e delicadas. Saiu do veículo e pisou
na calçada, sendo ajudada por Tico.

No calor da manhã, Larissa retirou a jaqueta e jogou sobre o ombro, apontando a entrada
do prédio.

— Você está com fome?

— Não, eu comi antes de sair do hotel. Não sou tão caipira assim, Larissa. Eu sei conseguir
comida quando tenho fome.

Era uma indireta.

Havia conseguido uma transa na noite passada, não havia conseguido? Como não
conseguiria um simples lanche?

Larissa nada respondeu. Depois dessa, diria o que?

Eles percorreram o lugar, com Tico mostrando as vitrines e contando histórias sobre o lugar.
Eles chegaram ao terceiro andar, em uma lojinha minúscula de discos antigos.

— Hoje em dia, os CDs são tão procurados como os discos. São relíquias, nesses tempos de
mídia digital — explicou Tico — Mas eu só vendo autografados. CDs não são o que considero boa
música. Sem autógrafos, para mim, não servem de nada.

— Eu prefiro o som dos discos — Milena contou, observando o acervo — Você tem
preciosidades aqui!

— E ele faz corpo mole, para não vender nenhum desses discos — explicou uma mulher
simpática, bonita e gentil, chamada Lorena, a esposa de Tico. — Você gosta de rock?

— Gosto. Confesso que minha inclinação é por música clássica. Mas rock é atemporal.

— Você está namorando com Larissa? — Lorena perguntou baixinho, enquanto de longe
observavam Larissa falar com alguns rapazes, de outra loja. A viam pela vitrine, pois deixara
Milena ali, indo em busca da ajuda que prometera.

— Não. E alguém conseguiria namorá-la? — Perguntou de volta, um pouco recalcada com o


fora que levara.

— Larissa é difícil. Mas deixa eu te dizer algo, que precisa saber, caso tenha interesse
verdadeiro em Larissa. Ela me mata se souber que eu contei, mas... Larissa perdeu a pessoa que
amava. A dona daquele piano foi companheira dela por muito tempo. Esse momento, de vender o
piano, deve estar sendo muito difícil para Larissa. Ela não perdeu apenas a companheira, ela
perdeu também...

— O que você está falando de mim, aos sussurros, Lorena?

A voz de Larissa, calou-a imediatamente.

— Estou contando para sua amiga sobre como você tocava violino no passado. Como era
talentosa. Não posso?

— Não, não pode. — Larissa disse brava. Suspeitava que estivesse lhe dizendo mais do
que devia. — Estamos prontos para ir. Você vem?

Larissa estava obviamente arrependida de ter levado Milena até ali. Era nítido em sua face
que estava incomodada e arrependida.

— Não precisa ser grosseira. — Milena disse em voz baixa enquanto andavam até o outro
lado, onde ficava a outra loja. — Eu sei muito bem o meu lugar. Em poucas horas o piano vai
comigo para casa e nunca mais nos veremos. Não precisa agir como se eu fosse saltar sobre você
em público. A noite passada ficou no passado. Eu entendi isso. Ponto final.

Surpresa por seu desabafo, Larissa apenas silenciou.

Os amigos de Larissa eram muito simpáticos e dispostos a ajudar. Ao menos nas amizades, a
morena não era reclusa. Sorridente, espontânea, totalmente sem escudos. Ao todo seis homens se
juntaram a Tico, na tarefa de tirar o piano do apartamento.

Foi uma batalha. Depois de encostar o caminhão na frente do prédio e decidirem como
fariam, foi à hora de colocar o plano em prática que trouxe mais problemas.

Deixada de lado, Milena ficou observando tudo que faziam, angustiada sobre aquilo dar
certo. O piano era grande e pesado. E o apartamento de Larissa era no quinto andar...

— Eles sabem o que estão fazendo — Larissa acalmou-a, lado a lado na calçada,
observando a gritaria entre eles, enquanto ajeitavam cordas e decidiam como fazer. — Não é o
primeiro piano que retiram de um prédio.

— Eu sei disso. Só estou nervosa. Eu preciso desse piano. Gastei tudo que tinha nele. É uma
tentativa desesperada de não falir. De não abrir mão do meu sonho.
Larissa olhou-a com algo intenso no olhar.

— Não se preocupe, vamos cuidar bem do seu sonho, Milena.

Essa promessa à fez sorrir. Quis dizer-lhe que confiava em seu julgamento, mas respeitou o
direito de Larissa em não desejar envolvimento maior entre elas. A noite passada seria uma
lembrança deliciosa para aquecer suas noites solitárias. Já era o bastante.

As duas ficaram assim, pertinho uma da outra, apenas observando o trabalho dos amigos de
Larissa. Uma hora mais tarde o piano descia perigosamente inclinado por cordas. Era tudo muito
artesanal. Qualquer contratempo e o piano se espatifaria no chão.

Sorrindo da expressão de desespero de Milena, a morena segurou sua mão para lhe dar
forças. Sentindo-se apoiada, Milena escondeu o rosto no ombro tatuado de Larissa, eximindo-se de
assistir o piano balançar perigosamente corda abaixo.

Quando o piano finalmente chegou ao chão, sem nenhum arranhão, Milena pode relaxar.

— Eu agradeço muito. Sei que Larissa pediu como um favor, mesmo assim, eu quero
agradecer. — Ela disse emocionada — Esse piano pode salvar minha vida profissional. Eu... Não
tenho palavras para agradecer.

— Larissa precisava se livrar desse piano — Tico aproximou-se e abraçou Milena — Sei
que fará bom uso dessa tranqueira. Espero, que não tenha deixado Larissa tirar muito dinheiro de
você, porque esse lixo não vale um tostão.

Sim, Tico guardava mágoa da pessoa que deixou o piano para trás, o que era estranho,
pois aparentemente essa pessoa havia morrido.

— Eu cobrei o justo — Larissa defendeu-se — Além disso, dei um tratamento de primeira


para minha cliente.

O modo como disse isso, pareceu inocente. Mas não para Milena que sabia que era um
trocadilho infame sobre ter feito amor com a compradora do piano.

Fazer amor? Seria esse termo apropriado?

O mais provável era que devesse usar a palavra sexo. No seu sentido mais vulgar. Mesmo
assim, pensar isso não a isentava de sentir um gostoso calor ao lembrar-se da noite passada.

— E ainda vou entregar o piano na porta da casa dela. — Larissa completou — Você
precisará de ajuda para tirar o piano do caminhão?

— Não. Eu tenho ajudantes e posso conseguir mais ajuda, se necessário. — Explicou.

Era a hora da despedida. Surpresa, ao descobrir que seria Larissa quem iria dirigir, não
ousou falar do assunto, até estarem completamente sozinhas na calçada.

Tico e seus ajudantes foram embora. Elas estavam juntas.

— Muito oportuno que me leve para casa — provocou-a.

— Acha que armei isso para ficar mais tempo com você, Milena? — Larissa debochou.

— De modo algum. Eu acho que armou isso, para saber onde moro e poder me visitar
quando sentir saudade. — Provocou de novo e Larissa respondeu a altura, fitando-a com descaso:

— O mais provável seria crer que você viesse atrás de mim. Aliás, o que você fez na noite
passada? Veio até mim. Ou esqueceu que foi você quem armou para voltar para meu apartamento
e dar para mim?

— Eu dei para você porque você também queria. — Acusou de volta — Ou acha que eu
não sei que ainda quer?

— É claro que eu quero. — Larissa sorriu, acabando com a discussão. — Eu mesma disse
que você é gostosa. É bonita, bem tratada, uma boneca. Mas uma noite já bastou.

— Aposto que está falando da boca para fora. — Seguiu Larissa, pois era hora de
seguirem viagem.

— Por quê? Porque eu falaria da boca para fora? — Ela revidou, colocando o veículo para
funcionar.

Milena esperou que estivessem em um sinal fechado, pois não queria correr o risco de causar
um acidente, e continuou insistindo na conversa inconveniente.

— Porque seria uma delícia transar com você aqui dentro desse caminhão. — Disse ousada,
pegando a mão de Larissa e colocando entre as pernas, sob a saia que vestia, diretamente no
tecido úmido da calcinha.

Sem palavras, Larissa não falou absolutamente nada. Claro, a imagem em sua mente de
ambas fazendo amor na boleia daquele caminhão foi tão forte que a calou imediatamente. Ela
chegou a flexionar os dedos, quando o som de uma buzina a despertou do transe sexual.
O sinal havia apagado e aberto o verde. Hora de ir. Com uma sobrancelha erguida, em
desafio, Milena observou-a soltar um palavrão, xingando o motorista do carro logo atrás do
caminhão, enquanto conduzia o veículo.

Depois disso, Larissa não falou mais nada. Completamente séria, brava e rabugenta.

Milena juntou uma perna na outra, olhando para Larissa com desejo. Não quisera ser tão
vadia, mas a simples possibilidade de passar outro momento sensual ao lado de Larissa valia
qualquer perda de pudor.

Excitada, permaneceu em silêncio também.

Depois de um tempo, começou a puxar assunto. De princípio, Larissa se recusava a


responder. Mas sua resistência não durou muito. Logo começaram a conversar e o momento de
constrangimento havia passado.
Capítulo 9

— O caminhão é meu.

As duas falavam sobre trabalho, assuntos relacionados à música. Por isso quando Milena
perguntou sobre o caminhão, ficou surpresa com a resposta.

— Seu?

— Porque a surpresa? — Larissa olhou-a, sorrindo.

Estavam dirigindo a um bom tempo. Faltava uma meia hora para chegarem a Minas Gerais.

— Porque você tem um caminhão? Não é um veículo fácil de manter e guardar!

— Foi meu primeiro carro, acredita? — Larissa contou — Foi a única herança que meu pai
me deixou. Ele caiu no mundo quando eu tinha uns treze anos. Minha mãe se casou de novo, mas
nunca se desfez do caminhão. Depois, quando os anos passaram, eu me interessei por ele. Aprendi
a dirigir, tirei carteira. Nunca mais deixei de usá-lo. É muito útil, se quer saber.

— Eu estou vendo. Mas onde você guarda?

— Deixo na garagem do Tico. Ele usa mais do que eu, por causa da loja. É uma troca justa,
você não acha?

— Acho que sim. — Sorriu de volta — Ele é como uma família para você, não é?

— Sim, Tico e Lorena me adotaram, por assim dizer. Eles cuidam de mim. Do jeito deles.
Sempre se metendo na minha vida.

— Vai ver que é porque você seja uma pessoa difícil. Cuidar de você deve ser complicado.
— Milena acusou.

— Eu não preciso que cuidem de mim. Cada um cuida de sua vida e assim, todos serão mais
felizes. Eu não me meto com as escolhas dos outros, porque aceitaria que fizessem isso comigo?

— Não me parece que estejam se metendo nas suas escolhas, me perece que temem pela
sua felicidade. Isso é completamente diferente.

— Se vai começar a falar desse assunto, eu vou parar o caminhão e te fazer descer. Vai a
pé para casa. — Larissa avisou.

— Ok, mudei de assunto. — Milena até tentou não sorrir, mas era impossível evitar. Larissa
desertava o melhor dentro de si e sorrir para ela, era algo basicamente natural.

Claro, não deixaria esse desaforo passar em branco.

— E aí, não vai me contar o que achou da noite passada?

Larissa tirou os olhos da estrada e fitou a loira. Milena exibia um sorriso enorme, um sorriso
dedicado a irritá-la. Um sorriso perfeito, naquela boca incrivelmente macia... Quase desconcertada,
Larissa respondeu:

— Porque você quer saber?

— Porque eu sou novata nisso. É minha segunda amante. Eu não sei se sou boa nisso. — Sua
aparente inocência não enganou Larissa.

O desejo da loira era lembrá-la do que dividiram juntas. Atiçar. Mesmo sabendo de suas
intenções, Larissa se deixou conduzir, porque no fundo, também queria falar do assunto:

— Você foi ótima. Não precisa se preocupar com nada. — Preferiu não aprofundar demais
o assunto. Dizer-lhe do prazer, do desejo, da quase obsessão que lhe despertou.

Contar-lhe que depois, quando foi embora, por muito tempo Larissa permaneceu acordada,
recordando os carinhos, a urgência, a paixão.

Tocar-se não aliviou o desejo. Mesmo que fizesse isso várias vezes. De longe, havia sido a
melhor noite da vida de Larissa. E dividir isso com alguém como Milena, toda delicada e cheia de
sonhos românticos, não era apropriado.

Larissa não queria enganar o coração tolo de Milena com falsas expectativas.

— Eu fico feliz em saber disso. Sabe, eu nunca me importei se agradava ou não o meu
noivo. Nunca pensei muito sobre ser boa ou não de cama. Mas depois que mudei de opção
sexual... Isso vem me preocupando um pouco. Eu sou inexperiente na maioria das carícias que uma
mulher gosta. Afinal, eu tocava um homem. Nunca toquei outra mulher. E a única noite que tive antes
de você, Larissa, foi algo diferente do que dividimos noite passada.
— Diferente como? — Perguntou Larissa, incomodada com o rumo da conversa.

Não queria pensar em um homem possuindo Milena, mas não era uma imagem
desagradável, afinal, um homem não era competição. No entanto, pensar em sua relação com
outra mulher, era desagradável.

— Eu fiz amor, mas não foi tão longo ou caprichado. Ela passava as mãos em mim, eu nela...
— começou a contar, sem notar que isso incomodava e excitava Larissa. Sentimentos complexos —
Eu não fiz com ela, nem a metade que fiz com você. Foram mais dedos, por assim dizer.

Tentou sorrir.

— Aposto como ela se deleitou com você. — A morena disse, rancorosa

— Sim e depois, me renegou. Assim como você também fez. — não pode deixar de acusar.

— Não, eu não a reneguei. Não nego o que aconteceu. Mas eu te avisei que não sou a
pessoa que procura, Milena. Eu não vou me envolver com ninguém.

— Eu não pedi que se envolva comigo. Eu gostei de dormir com você. Quero ficar com você
de novo. Não é um relacionamento. É apenas... Ficar.

Larissa olhou-a atravessado, amplamente desconfiada dessa afirmação.

— Estamos chegando? — Perguntou-lhe, pois nunca dirigira naquela direção. Contava com
Milena para lhe indicar o caminho.

— Precisa entrar naquela estradinha — apontou um desvio da estrada principal.

— Tem certeza? Vamos sair da rodovia? — Larissa estranhou.

— É o caminho mais curto. — Milena avisou.

Confiando em sua palavra, Larissa conduziu o caminhão para a estradinha de terra. Deveria
saber que era uma armadilha. Deveria ter notado desde o momento em que Milena se calou.

Seguiram rodando por quase dez minutos, quando Larissa finalmente entendeu que aquilo
estava muito errado. Mato pelos dois lados, sem sinais de casas ou uma possível rota de entrada
na cidade.

— Você pode fazer o retorno logo na frente — Milena avisou, antes que a outra ficasse
ainda mais furiosa.
— Isso é alguma brincadeira? — Larissa estacionou o caminhão no acostamento, se é que
aquilo pudesse ser chamado de acostamento.

— Não, claro que não. — Milena tentou não parecer tão nervosa como se sentia. — Escute,
quando chegarmos, você vai me pressionar. Eu terei que arrumar pessoas para ajudar com o piano
e tudo vai acontecer rápido. Quando o piano estiver na minha casa, você irá virar as costas e
partir. E eu... Eu não vou poder impedir ou dizer o que eu queria dizer.

— Por isso me fez atolar o caminhão nessa estradinha de merda? — Furiosa, Larissa
desligou o motor e abriu a porta. Milena a segurou, impedindo que saísse.

— Não! Eu queria ter um tempo com você! Ontem, você me negou um beijo. Mas eu nunca
mais vou te ver, Larissa. Eu... Quis forçar uma situação. Ontem eu precisei deixar meus óculos para
ter uma chance de voltar. Eu preciso de atalhos com você.

— Você não precisa de nada. Não há nada entre nós duas, Milena! Não ouse brincar com a
minha cara! Odeio esse tipo de comportamento!

— Se não há nada entre nós duas, porque você não pode me beijar uma última vez? Não
tem ninguém olhando, ninguém vendo... A gente podia até... — não era hora para constrangimento
inapropriado. Ela perderia sua chance se fosse tímida — ter uma última vez. Sem compromisso.

— Você me manipulou. — Larissa disse, furiosa. — Odeio ser conduzida. Odeio que me
usem!

— Mas, eu não...

— Você quer ficar comigo uma última vez? — Empurrou a porta do caminhão e apontou
para ela, com muita raiva no olhar — Desce do caminhão. Agora.

— Larissa, você não vai me deixar aqui, sozinha, vai?

Afinal, ela havia ameaçado fazer isso, há pouco tempo atrás.

Milena saiu do veículo e deu a volta, ficando ao lado de Larissa, que mantinha aberta a
porta do veículo ao lado do motorista.

— Eu não vou ficar com ninguém a sério. Foi uma noite, Milena. Eu me enganei sobre você.
Achei que fosse madura. Que entendesse isso. Não é um namoro, sinto muito, foi apenas sexo.

Milena engoliu em seco, magoada.


— E sendo apenas sexo, eu não posso ter vontade de mais? Uma última vez? Eu sei que você
me quer.

Provocou e mesmo sabendo que Larissa a detestaria por isso, puxou os botões da blusa que
usava, abrindo a mostrando-lhe o sutiã escuro, rendado, escolhido propositalmente para atiçá-la.
Larissa olhou em volta, como quem checa se alguém está vendo.

— Abotoa essa blusa. Isso é patético. — Larissa reclamou, mesmo assim, não fez nenhum
movimento para inibi-la.

— Não é patético, quando eu disse sobre você me pegar aqui, num caminhão, eu quis
brincar com você. Mas... Isso me parece tão bom. Não parece bom para você?

Milena puxou a saia para cima, revelando a calcinha mínima.

— O que você quer, Milena? Uma amante? Eu achei que estivesse em busca do amor. E não
vai achar amor dando em uma estrada de chão no fim do mundo.

Humilhada, Milena soltou a saia e se cobriu. Puxou a blusa, para cobrir os seios e não
respondeu nada. Lágrimas queimavam em seus olhos. O que era desejo e vontade de realizar uma
linda fantasia a duas, Larissa transformava em algo baixo e feio.

Pretendia voltar para seu lugar, poupando-se de mais rejeição, quando foi barrada. Larissa
segurou seu braço e a empurrou contra a lataria do caminhão, agarrando seu rosto, beijando-a
furiosamente.

Quando pensou em seduzi-la uma última vez, Milena se preparara para o fracasso, por isso,
sem ar, ao romperem o beijo, fitou Larissa com surpresa e um sorriso de pura delícia nos lábios...
Capítulo 10

— Você quer brincar comigo — Larissa disse, enquanto lhe roubava beijos, mordiscando sua
boca, de um modo extremamente sexy.

— Não, eu não quero brincadeiras. Eu quero você. Eu estou completamente cheia de


vontade de estar com você. Não é brincadeira. É sério. Muito sério. — Milena tornou a soltar a
blusa, ofertando-se para Larissa, que puxou o sutiã dela para baixo, libertando os seios fartos.

Agarrou ambos com as mãos, apertando-os como desejou fazer desde o momento em que
mandou Milena embora de seu apartamento.

Tendo passado a letargia do prazer, o desejo havia voltado com força total, mas Larissa
havia mandado-a embora, e não lhe restou fazer outra cousa que não fantasiar com sua presença.

Enaltecendo a beleza da pele, dos contornos, os bicos eriçados sob o olhar de Larissa, que
mais que imediatamente levou a boca, chupando-o, puxando com força, arrancando um quase
grito de prazer de sua parceira.

Quando o soltou, foi para esfregar o dedo, acalmado a pele machucada. Então, abocanhou
o outro.

Assim, naquela estradinha de chão, sozinhas, com todo o erotismo de estar ao ar livre, toda a
paixão vinha redobrada. Só de pensar em estar outra vez dividindo o êxtase com Larissa, fez
Milena querer provar do sabor do beijo de sua amante.

Puxou-a pelo cabelo, segurando o rabo de cavalo com uma das mãos e roubou-lhe um beijo
apaixonado. Milena sentia o gosto do café que Larissa havia bebido mais cedo, antes de ir buscá-
la.

Um gosto forte, amargo, um gosto quente. Sua língua correu pelos dentes, pelo céu da boca,
perseguiu a língua de Larissa, conquistou espaço, conduziu o beijo, até extinguir o ar.

Larissa se esqueceu de tudo, envolvida naquele beijo intenso. Tanto que se surpreendeu com
Milena baixando, apressadamente, a própria calcinha, enquanto subia no degrau do caminhão,
que conduzia ao assento do motorista.

Ela não entrou, ficou apoiada ali, segurando-se com ambas as mãos para não cair. Como o
veículo era bem mais alto que um carro convencional, seu quadril ficou na altura exata da cabeça
de Larissa.

Larissa correu as mãos pelas coxas cremosas de Milena, beijando a região, enquanto subia a
saia, deixando-a enrolada na cintura da loira. Era exatamente isso que Milena mais queria.

Rapidamente esquecida de que não queria repetir a transa com aquela moça meiga e
claramente interessada em um compromisso sério, Larissa ergueu uma das mãos para puxar o sutiã
outra vez para baixo e apertar um seio.

Não era uma posição que favorecesse carícias em seu corpo, mesmo assim, os gemidos de
Milena incentivaram a continuar apertando enquanto mordiscava o umbigo mimoso dela.

Mais que uma vez pensava em como aquela loira curvilínea parecia com uma boneca.

Era um pensamento preocupante, pois via demasiada beleza em algo comum. Seus olhos
viam além do corpo, da pele... Viam por dentro.

Milena era toda gentileza, doçura e delicadeza. Mesmo se contorcendo sob seus carinhos
pesados, de uma amante rude, ainda assim, entre gritos e xingões, Milena ainda conseguia ser
doce e gentil.

Completamente envolvida com a magia suculenta do corpo e da personalidade dela, Larissa


deixou para se preocupar com o peso desse sentimento, depois, quando a paixão minguasse.

Era tão bom tocá-la. Deslizar a língua pela barriga, num risco reto, mordendo sob o monte
de vênus praticamente nu, antes de lamber profundamente, descendo as mãos dos seios, para
ajudarem naquelas carícias ousadas.

Uma das mãos apoiou a coxa bem apartada, a outra mão, de dedos ansiosos, abriu-a
inteiramente para sua boca e dentes.

O dia estava ensolarado, por isso, era possível ver cada centímetro de pele e cada curva
escondida entre dobras molhadas e avermelhadas pela excitação. Larissa descobriu com a língua
os pontos sensíveis, gastou tempo, enquanto Milena ondulava, agarrava-se a lataria do caminhão
para não cair. Descompensada, a cabeça jogada para trás, gemendo muito, Milena pedia por
mais.

Em determinado momento, Larissa mordeu de leve sobre o clitóris e Milena rodou o quadril,
esfregando-se no rosto de sua parceira. Para frente e para trás, ela repetiu o movimento várias
vezes, enquanto era chupada intensamente.

Larissa penetrou-a com a língua o máximo que pode. Naquela posição era fácil achar
caminho. Larissa chegou a olhar em volta procurando algo que pudesse usar para possuí-la
completamente.

Mas não havia nada em mãos naquele momento. Por isso, intensificou a chupada, rodilhando
os dedos, esfregando com força, enquanto arrancava dela gritos de prazer.

Nem mesmo o barulho próximo de um veículo as conteve. Larissa afastou-se quando o som se
tornou maior que os gemidos. Outro caminhão vinha pela mesma estradinha.

— Entra no caminhão — mandou, ciumenta de um caminhoneiro qualquer ver sua mulher nua,
sendo possuída.

Uma coisa era fazer amor ao ar livre, desfrutando do perigo. Outra, era exibicionismo puro.

Tremando da cabeça aos pés Milena subiu e sentou no banco do motorista, liberado espaço
para Larissa que entrou a seguir. Acabou sentada no banco do carona, enquanto Larissa fechava
a porta com uma pancada seca.

Ranzinza, a morena esperou o caminhão passar. O caminhoneiro parou ao lado e perguntou,


aos gritos para ser ouvido:

— Precisam de ajuda, moças?

— Não, obrigada — Larissa relaxou, pois obviamente ele não vira nada. Era um senhor de
idade, simpático e preocupado com a possibilidade de duas moças precisarem de ajuda. — Parei
para ver um barulho no motor. Mas não é nada sério. Já vamos seguir viagem.

— Está bem, boa viagem para todos nós! — Simpático, o caminhoneiro seguiu sem caminho.

Por um segundo, pareceu que o clima havia ido embora. Mas então, Larissa olhou para sua
parceira de crime e curvou-se para baixá-la. O beijo que lhe negou na noite passada, era
docemente oferecido agora.

Com mãos possessivas, envolveu um peito cheio de Milena enquanto a outra mão entrou
entre as pernas, que a loira imediatamente escachou, dedilhando fervorosamente, continuou com o
ato interrompido por alguns minutos.

Milena gemeu muito, erguendo o quadril, para que os dedos de Larissa pudessem penetrá-
la. Inclinou-se contra o vidro da porta do veículo, um pouco de lado, e poder oferecer toda a
vagina ao ataque prazeroso de sua amante.

— Larissa, me toque. Oh, Larissa...

Quis detalhar como se sentia, mas não ouve tempo, o entra e sai dos dedos, os beijos
apaixonados em seus seios, o modo como Larissa a tocava... Tudo somado ao erotismo do lugar, da
situação, do perigo, a fez queimar em uma labareda estonteante.

Urrando, Milena empurrou-se contra os dedos, delirando quando Larissa curvou-se entre
suas pernas para tentar chupar um pouco mais.

Não era uma posição confortável, mas alcançou, e pode sugar enquanto a possuía. Era um
verdadeiro turbilhão de paixão. Milena cresceu, incandesceu, explodiu em um orgasmo intenso e
longo, molhando os dedos e a boca de Larissa com seu gozo.

Enquanto a loira voltava daquele mundo mágico de emoções, Larissa abriu a calça jeans e a
empurrou até os tornozelos, libertando apenas um seio da blusa e do sutiã. Apertando o seio, ela
usou os dedos molhados pelo prazer de Milena, para se tocar.

Completamente lubrificada, tocou-se com força, com raiva com ânsia de chegar o cume e
destruir aquela tensão e desespero que crescia em seu corpo. Chamas que consumiam desde sua
intimidade, até o ventre, onde se alojavam, exigindo consumação.

Dois dedos, rodilhando exatamente sobre o clitóris intumescido, esfregando entre as dobras
suaves, de um sexo pequeno e discreto, entre coxas magras e morenas pelo sol, pois gostava de
andar de shorts curtos e saias.

Ela veio para frente, o corpo inclinado, doído de desejo, mal suportando a espera daquela
crescente de paixão. Apertou dolosamente o seio, maltratando o bico, enquanto tentava
compulsivamente chegar ao final.

A imagem era tão sexy, que Milena não quis interromper, apenas ajudar. Beijou sobre a
tatuagem, no ombro de Larissa e obteve sua atenção, roubando-lhe um beijo de línguas.

Chupou sua língua, visto que não seria aceita em mais carícias. Era necessário entender que
Larissa fugia de contato emocional.

Ao forçar era empurrada definitivamente para fora de sua vida, por isso, apenas a beijou e
quando Larissa fugiu do beijo, gritando palavrões sujos, Milena curvou-se para pegar o mamilo
moreno entre os lábios, acarinhando, ajudando a levá-la para mais perto o clímax que Larissa
tanto desejava.

Com um palavrão particularmente sujo e sofrido, Larissa finalmente alcançou o gozo. Foi tão
bonito de assistir, que Milena queria mais.

— Você me deixa louca de tesão, Larissa — disse em seu ouvido, enquanto seguia
acarinhando o corpo moreno.

— É melhor irmos — ela disse com voz rouca, arfante, sem coerência. — Vai ser difícil tirar o
piano do caminhão.. Não quero viajar a noite.

— Esquece o piano... — Pediu, sedutora, sorrindo com muito desejo na face e nos olhos.

— Você queria ficar. A gente fez isso. — Larissa tentou não sorrir também, mas não pode
evitar — Já passou da hora de irmos.

— Eu não sei que mel você tem, mas eu quero com você a toda hora... — Milena confessou,
manhosa.

— É a novidade — disse, afagando seus longos cabelos claros — Está ficando com alguém
depois de muito tempo sozinha. Está empolgada demais. Só isso. Daqui a pouco, você esquece isso.

— Eu não quero te esquecer — Milena foi sincera, mas entendia que Larissa não se
permitiria simplesmente ter uma namorada.

Lembrando-se das palavras de Lorena, recuou. Voltou a sentar em seu lugar e começou a se
recompor, arrumando as roupas. Larissa havia perdido alguém importante. Era normal que
estivesse fechada para o amor.

Pensando sobre isso, sobre estar forçando demais. Afinal, as duas mal se conheciam, Milena
terminou de se arrumar, quando o motor do caminhão voltou a ser ligado.

Arrumada, Larissa reclamou sobre não saber como sair daquela estrada. Restou a Milena
indicar o caminho, dessa vez o caminho certo.

Dez silenciosos minutos depois cruzavam a última barreira a separar São Paulo de Minas
Gerais.
Capítulo 11

A casa de Milena ficava nos fundos da escola de música. O lugar era clássico, bonito e
arrojado. Não havia luxo, apenas o conforto necessário para incentivar os aprendizes de músicos a
avançarem nas aulas.

Foi preciso ajuda de algumas pessoas para que o piano fosse levado do caminhão para o
interior da escola. Milena havia deixado previamente contratado o serviço, pois já sabia o
trabalho que seria trazer o instrumento musical.

Apesar de não ter aulas naquele dia, por causa da viagem, o lugar estava repleto de
harmonia e presença. Algo no ar. Algo bom. Durante todo o tempo, enquanto observava-a
despedir-se dos ajudantes, Larissa olhava em volta aprovando o lugar, as escolhas, o clima de paz.

— Quer conhecer a escola? — Perguntou, ao notar que Larissa estava interessada.

— Não, mas fica para outra vez. — Ela não queria se envolver.

— Tem certeza? Acho que vai gostar. Eu tenho uma sala com proteção acústica daquele lado
— apontou uma porta. — Tenho mais duas salas, uma de canto e outra de treino. Além desse
espaço, onde normalmente ministro as aulas de violão.

— Tem muitos alunos?

— Eu já tive dezenas, quando me tornei sócia de Jacob isso aqui cresceu. Mas quando
terminamos nosso noivado eu perdi tudo. Ele me limpou. Sem investimento, os alunos acabaram
procurando outros professores. Atualmente tenho dezoito alunos. Matriculas que sei que não irei
perder, agora que tenho o piano. Entre eles, Aliel se destaca. O menino toca como se tivesse o dom
dos anjos. É puro talento. Ele é autodidata.

— Você fala com muita empolgação. Fico contente que o piano faça a diferença na sua vida
— Havia tristeza na voz de Larissa — Um dia, no passado, esse piano trouxe muita alegria para a
minha vida. Esse tempo passou, olhar para ele só me traz... Péssimas recordações.
— O piano é apenas um instrumento musical. Não tem o poder de alegrar ou não sua vida,
Larissa. Aqui, ele será motivo de boas lembranças. Porque não fica essa noite e acompanha o
momento que os alunos virem que finalmente comprei um novo piano? Pode assistir uma das aulas e
ir embora depois do almoço de amanhã. — Sorriu, pois seu convite era mal intencionado — eu lhe
prometo, que te deixo ir amanhã, sem insistência para que fique.

— Eu dispenso saber desse piano, daqui para frente, quero ele bem longe de mim.

Larissa era complicada. Difícil. Respirando fundo, Milena aproximou-se e ficou bem pertinho.

— Eu não vou mais te prender. Pode ir, eu sei que está louca para ir. Não vamos nos ver
nunca mais. Eu só... Queria que soubesse que estava errada na outra noite. Quando disse que não
era a pessoa especial que procuro. Você é. Ou, melhor dizendo, poderia vir a ser. O que eu senti
nos seus braços, não senti com mais ninguém nessa vida. Despertou meu desejo. Despertou muita
coisa em mim. Eu quero te conhecer mais, conviver com você. Eu não preciso de um compromisso
para isso. Então, se mudar de ideia, tem meu telefone. Me liga ou vem até aqui, as portas da minha
casa estão abertas para você.

— O que vivemos foi apenas um momento, Milena. Era para ter sido apenas uma noite. Sexo.
Só isso. Algo ocasional. Eu não quero envolvimento. Eu me livrei de um problemão, não quero
arrumar outro. — Larissa disse séria, sem fugir, olhando todo seu rosto, cobiçando seu beijo,
cobiçando seus olhos meigos, seu nariz arrebitado, seu queixo desafiador. Cobiçando o pescoço, o
colo, todo o corpo de Milena. — Eu tenho desejo por você. Só isso.

— Já é um começo, não é? Muitos namoros começam com bem menos que isso... Mas eu sei,
você quer ir embora e eu já te segurei demais. — Sorriu e afastou-se, antes de ir, virou-se de
novo e disse: — Eu não vou pedir um último beijo, não se preocupe. Sei que abusei da sua boa
vontade lá na estrada. Eu não me arrependo, foi inesquecível. Ficar com você foi inesquecível,
Larissa. Eu vou pensar em você por muito tempo. Quero que saiba disso.

Antes que Larissa reclamasse de novo, ofereceu:

— Eu posso lhe servir um copo de água, ao menos? Um sanduíche? Não quero pensar em
você dirigido por essas estradas de barriga vazia...

— Eu aceito um lanche. Mas só um sanduíche.

Seu modo bravo de falar não intimidou Milena que satisfeita com a vitória, enganchou o
braço no seu e a conduziu, mostrando toda a escola, mesmo que Larissa houvesse dito não querer
conhecer. O lanche era apenas uma desculpa esfarrapada para lhe apresentar sua vida.

Por fim, depois de lhe mostrar toda a escola e parte da casa, chegou ao quarto.

— Este é o meu quarto. — Disse num tom convidativo.

— Você tem uma vida toda arrumadinha. — Foi o único comentário de Larissa.

Com certeza não era o que esperava ouvir. Sua cama era bonita, coberta por edredom
florido, combinando com a decoração romântica do quarto. Mas Larissa apenas se afastou, pois
não queria ver sua intimidade. Queria fugir da tentação.

Podia facilmente imaginar-se entrelaçada ao corpo gostoso e macio de Milena. Ambas


rolando por aquele edredom. E sabia que essa fantasia era plenamente realizável.

Mas não podia. Não queria sofrer de novo. Ao livrar-se daquele maldito piano, desejava
livrar-se também de tanto sofrimento. E sentia que Milena lhe traria muitas dores. Era cativante
demais, apaixonante demais. E a paixão sempre trás sofrimento.

— Quero lhe mostrar uma coisa — tomada de inspiração, levou-a para os fundos, atrás do
prédio, onde ficava um pequeno jardim.

Atrás do jardim havia outra construção maior.

— Ali guardávamos equipamento de som e um pequeno cenário desmontável, que usávamos


em shows e apresentações. Bem, Jacob ficou com tudo... Mas eu fiquei com o prédio, que era meu
antes de conhecê-lo. Como pode ver, pelo tamanho da garagem... Cabe facilmente um caminhão
de pequeno porte como o seu.

— Eu não vou ficar essa noite, Milena.

Ambas estavam juntas, na porta, muito próximas.

— Eu sei. Mas o convite permanecerá de pé por muito tempo. Lembre-se disso, se pensar no
assunto com mais calma... Se a saudade aparecer.

— Você é linda — Larissa suspirou e lhe fez um carinho, colocando seu cabelo sedoso atrás
da orelha. Inclinou-se e beijou seus lábios de leve, deixando-lhe um gosto de quero mais.

Apartar-se daquela boca cheia era um custo, mas Larissa aguentou.

— É um doce e eu gostei muito de ficar com você. Vou pensar muito na gente também.
Sozinha, vou pensar muito em você. Mas não há espaço para sentimentos na minha vida nesse
momento. Entenda isso.

—E eu não posso saber por quê? Não posso lutar pelo que quero?

— Nesse caso, não. — Novamente Larissa se afastou.

— Ok. Então vá de uma vez. Obrigada por ter vindo até aqui. Foi de grande ajuda. Espero
que voltemos a nos ver. Eu vou preparar um sanduíche para você levar na viagem e comer na rua.
Enquanto isso, porque não usa o banheiro e descansa uns minutos? Eu não demoro. — Apontou as
cadeiras do jardim, em torno de uma mesinha, numa pequena varanda junto à porta dos fundos.

Larissa não respondeu. Milena entrou, magoada e ressentida por ser largada sem razão.
Elas poderiam continuar se vendo, mesmo que como amantes. Mas se Larissa não queria, precisava
respeitar.

Sozinha, Larissa ficou de pé. Não sentou. Não ousou acomodar-se a vida perfeita de Milena.
Um aperto em seu coração, ao pensar que nunca mais veria aquela adorável boneca de
porcelana. Algo lhe dizia que Milena era bem mais do que isso. Que havia muitas facetas suas a
descobrir. Que seria incrível descobrir cada segredo, cada mistério, cada detalhe de sua
personalidade.

Mas aquela vida não lhe cabia. Depois de perder seu grande amor, perder seu filho e ficar
sozinha no mundo por tanto tempo... Larissa não saberia reaprender a amar e confiar.

Não queria se afeiçoar e perder. Era mais fácil deixar passar.

Minutos depois, quando Milena voltou, encontrou o jardim vazio. Não foi preciso ouvir o
barulho do motor do caminhão para saber que Larissa havia ido embora definitivamente.

Também não foi preciso tentar entender a súbita tristeza que se abateu sobre ela.

Algo lhe dizia que Larissa estava completamente enganada. Que era sim a pessoa certa. E
que Milena fizera tudo para segurá-la em sua vida... E fracassara.
Capítulo 12

Alguns encontros acontecem por acaso em nossas vidas. E geralmente, tornam-se


inesquecíveis.

Duas semanas mais tarde, Larissa estava apoiada na vitrine da loja, observando o
movimento de pessoas que andavam pelos corredores, em busca de itens raros. Não era um fluxo
tão grande quanto gostaria, mas era suficiente para prender sua atenção.

Sua mente estava distraída. Vinha acontecendo muito isso. Pensava demais na garota loira
que conhecera no começo daquele mês. Milena levara embora o piano e em contrapartida,
deixara lembranças frescas e apaixonantes para perturbar sua mente. E, porque não dizer, seu
coração?

Normalmente Larissa tendia a evitar sentimentalismos baratos que não levassem a nada. Mas
ultimamente, estava difícil esquecer os momentos passados com aquela garota sorridente.

Seria um pecado entrar na vida perfeita de Milena. Estragar tanto entusiasmo pela vida.
Acabar com suas alegrias. Larissa carregava muita amargura e sombras dentro de si e temia que
isso respingasse em Milena ou em qualquer outra pessoa por quem se envolvesse.

Mas bem da verdade é que a lógica nada tinha a ver com o desejo intenso de rever Milena.
Passar uma noite ao seu lado. Arrependida, sentia que deveria ter ficado em Minas Gerais, e
passado a noite na casa de Milena.

Larissa detestava sentir-se errada. Arrependimento era a palavra de ordem na sua vida. Por
isso detestava tanto esse sentimento.

Odiava saber que sua vida se resumia a arrependimentos. Emotiva, afastou os olhos das
pessoas que olhavam vitrines e interagiam entre si e entrou na loja.

Lorena apenas a olhou, como se soubesse o dilema que vivia. Não disse nada, mas a
cobrança em seus olhos era mais significativa do que qualquer sermão que pudesse elaborar.
— Acha que o seu piano está sendo bem tratado?

A pergunta veio e Larissa detestou não poder fugir do assunto.

— Acho que sim. Milena tem uma estrutura boa, uma escola de música bem caprichada.
Acho que o piano vai fazer a diferença por lá.

— Isso é muito bom. Quando algo que machuca passa a fazer o bem para outras pessoas
— disse Lorena, com segundas intenções. — Eu separei alguns discos de música clássica. Esses
nunca vão vender e estão deteriorando no estoque da loja. Acha que Milena iria apreciar usá-los
em sua escola?

— Acho que sim. — Sentiu um acelerado inesperado no coração ao imaginar onde Lorena
queria chegar com esse assunto.

— Talvez eu devesse ligar, perguntar se quer que eu os envie para ela... — Lorena deixou a
sugestão no ar.

— Porque não? — Larissa deu de ombros, afastando-se para atender um cliente, que para
sua salvação entrou na loja naquele momento.

Não queria falar dessa possibilidade. Só de pensar em falar com Milena, seu coração
estúpido começava a bater mais rápido. Depois de tudo que passou na vida, parecia que Larissa
ainda não havia aprendido a lição. Amar era um preço alto demais para quem desejava viver em
paz, sem sofrimentos.

Já lhe bastava às dores que carregava consigo. Já lhe bastava à perda da companheira e
do único filho que teve.

Pensar em seu bebê perdido acabou com o pouco de alegria que poderia ter. Atendeu ao
cliente com o semblante pesado, carregado pelas dores de um passado que não poderia ser
desfeito.

Um passado para esquecer.

A única coisa que Larissa não poderia correr o risco de esquecer era a dor que causava um
amor perdido.

*****

Por outro lado, esse sentimento não regia a vida de Milena. Entretida com uma aula, não
percebeu nada diferente, até ser chamada por sua ajudante, Carine. Era um problema na
recepção. O simplório espaço da entrada onde a jovem normalmente ficava atrás de uma mesa,
atendendo ao telefone e recebendo as pessoas.

Esperando não ser nenhum aviso de cobrança, pois andava com as finanças no vermelho,
Milena se apressou a resolver qualquer problema que pudesse inibir o interesse de novos clientes.

Não precisou chegar para entender qual era o problema. De pé, mexendo na agenda sobre
a mesa de Carine, um homem sem pudor algum rasgava uma página, provavelmente com números
de clientes e guardava no bolso.

Doída de ver que fora por aquele homem que se deixara envolver no passado, Milena
muniu-se de paciência e apressou o andar.

— O que faz aqui, Jacob? — Perguntou, com voz ríspida.

— Recebi o piano. — Ele acusou.

— E não era isso que você esperava? Eu recebi uma ordem judicial com data marcada para
a devolução do piano que você me roubou. Qual a surpresa?

Sim, estava sendo irônica. Graças a isso, precisara comprar outro e estava completamente no
vermelho.

— Soube que você arrumou outro piano. — Ele acusou, mudando de postura.

Sim, ele sempre tentava intimidar com seu tamanho. Era um homem tão bonito. Alto, moreno,
olhos claros. Poderia ser feliz, caso não guardasse tanto rancor no coração.

— Jacob, eu tentei mil vezes conversar com você. Explicar a minha situação. E todas às
vezes, você me hostilizou. Agora, eu não quero mais explicar nada. Você já se vingou e paguei por
qualquer mágoa que lhe causei. Estamos quites. Não venha a minha casa pedir explicações. A vida
é minha.

— Sim, eu sei. Disseram-me que ganhou o piano de uma mulher. Arrumou uma amante?

Ele mudou a postura. Como se pudesse perder o controle a qualquer momento.

— Eu comprei o piano. Mas, gostaria de ter ganhado de presente. Se fosse um presente de


uma namorada... Eu ficaria muito feliz. Se você veio até aqui para mais alguma coisa além de
roubar telefones de clientes, diga agora. Ou eu vou chamar a polícia.
— Chamar a polícia? — Ele deu um passo à frente, furioso. — E porque você chamaria a
polícia? Posso saber?

— Porque você me limpou judicialmente, tirou tudo de mim. Eu não tenho razões para ir a sua
casa, muito menos você a vir na minha. Ainda mais, sendo aqui, também meu lugar de moradia e
de trabalho. Se não vai me respeitar por bem, vai respeitar a força.

Estendeu a mão, esperando que ele devolvesse a página roubada da agenda.

Furioso, Jacob retirou o papel do bolso e colocou em sua mão, aproveitando para segurá-la,
enquanto curvava o corpo e dizia bem perto do seu ouvido:

— Um dia você vai voltar para mim, implorando perdão, Milena.

— Não, eu não vou. — Afastou-se. — Eu já pedi perdão pelo que fiz. Pela forma como o
trai. Mas, por quem sou, nunca vou pedir perdão. Agora vá embora, por favor, eu tenho mais o
que fazer.

— Quem te vendeu o piano? É sua amante? — Ele não iria embora assim tão fácil.

— Saia. Agora. — Afastou-se.

— Eu vou descobrir quem é, vou saber quem é sua amante, Milena. Você vai ver.

Ela tentou não sentir medo. No fundo, Jacob era apenas um infeliz. Incapaz de seguir em
frente. Ele nunca a amou. Nunca. E agora, Milena sabia disso.

— Você deveria fazer uma queixa contra ele — disse Carine, quando Jacob foi embora. —
Cada vez que o vejo, ele parece mais raivoso e prestes a aprontar alguma contra você.

— Eu sei disso — suspirou pesarosa — Mas o que eu posso fazer? Ele não fez nada ainda.
Tenho me mantido longe dele, é o máximo que posso fazer.

— Não seria uma boa ideia instalar um interfone lá fora no portão? Deixar entrar apenas
as pessoas que façam parte da escola? Talvez ele se acalme um pouco ao ser privado do acesso
até você.

— Eu pensei muito nisso. Vou esperar as finanças normalizarem para comprar um sistema de
vigilância e um interfone. Mas até lá... Sempre que ele aparecer, diga que eu não estou. Se ele
insistir, eu chamo a polícia. — Havia tristeza em seu olhar — Eu acho que não chegaremos a isso.
Mas é sempre bom ficar de olho.
Carine concordou. Era uma boa moça, era recepcionista fazia dois anos na escola de música.
Sabia da vida da patroa, mas não opinava. Apenas sentia receio pelo seu bem estar, levando em
conta, o ex-noivo agressivo e estranho, que sempre a rondava.

— Vamos voltar ao trabalho. Esse não aparece mais aqui por um bom tempo — disse em
tom de lamento, e cada uma voltou ao seu trabalho.

Aliel tocava na sala com acústica. Tocava o piano divinamente. Não precisava de ajuda para
isso, bastava lhe ensinar a canção uma única vez. Era um menino privilegiado, seus dedos e ouvidos
eram abençoados por Deus.

Havia uma benção sobre ele, que o fazia único. Milena sabia, que em breve, sua escola de
música seria pequena demais para o talento de Aliel. E esperava, que nesse dia, pudesse
encaminhá-lo para um lugar maior, onde sua carreira pudesse acontecer.

Aliel era um garoto doce, de quase nove anos. Cabelos escuros, olhos amendoados, covinhas
nas bochechas. Sempre gentil e calado.

Milena sabia que a vida do menino não era muito fácil. Que a mãe e o pai de Aliel não
eram compreensivos com seu dom, muito menos se importavam com o talento do filho. Muitas vezes
Milena precisara convencê-los a trazê-lo para as aulas, pois a mensalidade grátis não era o
bastante para que o fizessem.

Muitas e muitas vezes os iludia com promessas de ganhos futuros, alegando que as
apresentações futuras poderiam render alguma forma de cachê.

A linguagem do dinheiro era a única que eles pareciam entender. A mãe dele era um pouco
menos obtusa sobre a criação do filho, mas o pai... Era um troglodita insensível. Via no filho um
possível investimento futuro.

E essa forma de ver era distorcida. Muitas e muitas vezes o menino vinha para as aulas com
roupas sujas, e mal cuidado. Faminto e carente de atenção.

Milena apenas fazia vistas grossas, pois temia que ao denunciar os maus tratos, Aliel fosse
enviado para um orfanato. E sentia culpa por querer estar perto dele, ampará-lo caso houvesse
alguma necessidade maior. Enquanto não visse nada mais sério, Milena manteria olhos atentos, mas
não denunciaria.

Aliel parou de tocar, pois a canção chegou ao fim. Milena aproximou-se e segurou em seus
ombros, apontando algumas coisas na partitura. Explicou-lhe alguns pequenos erros que cometera
e sorriu:

— Você quer tocar mais um pouco ou prefere um lanche primeiro, Aliel? — Ofereceu,
carinhosa.

Seu pequeno diamante bruto, era além de seu pupilo preferido, um menino adorável, que lhe
roubara o coração e lhe despertara amor materno desde a primeira vez que o vira.

— Quero tocar mais uma vez. Não gostei de como fiz esse pedaço — ele mostrou na
partitura — Sei que consigo fazer melhor.

Milena concordou e disse:

— Isso mesmo, Aliel. Com toda certeza, você consegue fazer muito melhor. Toque mais uma
vez. Depois faremos uma pausa para um lanche. Eu vou ficar aqui ouvindo.

Aliel concordou e começou a tocar. A entrega dele era sempre emocionante. Tocava com a
alma. Milena sempre se emocionava olhando-o tocar.

Para alguém que amava a música, como Milena amava, ouvir e ver Aliel tocar, era
reconfortante. Havia renovação na vida. Um novo talento nascendo a cada segundo.

Ao menos, com Aliel, poderia acompanhar e torcer para que esse talento não se perdesse
em meio às desventuras da vida. Emocionada, muito além do que deveria, Milena aproximou-se e
beijou o alto da cabeça do menino, enquanto ele tocava. Aliel sempre transbordava em
sinceridade.

Ele apenas sorriu e continuou tocando.

Milena sentiu o celular vibrar no bolso da calça. Afastou-se silenciosamente. No corredor,


retirou-o do bolso e atendeu.
Capítulo 13

Esperava qualquer pessoa do outro lado da linha, menos Larissa.

— Você está me ligando? — Perguntou cheia de malícia, surpreendida de modo delicioso. —


Estou surpresa, achei que isso nunca aconteceria.

Havia se convencido que toda e qualquer esperança de que Larissa pudesse entrar em
contato, era bobagem. Que ansiar por um contato seu, era tolice.

Convenceu-se que Larissa não pensava nem um pouco nela. Que o que viveram juntas, havia
sim, sido apenas um momento de arroubo. Atração física que arrebata, mas que não deixa marcas
profundas. Milena não queria ser esquecida facilmente, pois ainda guardava na memória e no
coração cada pequeno suspiro de amor dividido nos braços de Larissa.

— Porque o espanto? — Larissa perguntou do outro lado da linha, sua voz tão rouca e
melodiosa quanto Milena lembrava.

— Você deixou claro que não queria ter nenhum tipo de contato comigo. Que nossa ligação
acabou no instante em que deixou o piano aqui. Aliás, se não me engano, saiu fugida, para não
precisar despedir-se.

— Eu não usaria a palavra 'fugida' — defendeu-se, sorrindo.

Em São Paulo, na loja, em um momento em que estava sozinha, Larissa finalmente sucumbiu
ao desejo de ligar para Milena.

— Mesmo? E como você explica sua saída inesperada? — Milena sorria, apoiada contra a
parede, uma das mãos segurando o celular e a outra acariciando um mexa de cabelo loiro entre
os dedos.

— Achei mais apropriado evitar uma despedida embaraçosa. Eu chamaria de bom senso. —
Explicou.

— Eu vou continuar preferindo a palavra fuga, mas não vou discutir sobre isso. Estou feliz
que tenha ligado. É bom ouvir sua voz, Larissa. Senti saudades suas.

— Eu não liguei para falar disso, Milena.

— Não? — Estranhou.

— Eu liguei para saber do piano.

O tom de voz de Larissa dizia o contrário. Milena fingiu acreditar.

— O que você quer saber sobre o piano? Quer desfazer o negócio?

— Não. Eu quero saber se está tudo bem, se está sendo útil. Essas coisas.

Larissa curvou-se um pouco no balcão distraída com a conversa. A voz de Milena pelo
telefone era tão suave quanto pessoalmente. Uma voz de sereia, excitando-a mesmo com toda a
distância física que havia entre elas.

— Sim, o piano está em pleno uso. Você precisa ver, Larissa. Espere, vou te mostrar uma
coisa — empolgada, em ter mais uma chance de conquistar Larissa e conseguir uma aproximação,
abriu a porta, para que ouvisse o som que vinha do piano. — Quem está tocando é Aliel. Ele está
tocando o seu piano. Escute.

Por alguns minutos manteve o celular afastado do ouvido, para que o som da música pudesse
comover o coração de Larissa. Quem sabe, comovendo-a com sua paixão adormecida pelo
universo da música, pudesse conseguir aproximá-la de seu mundo?

— Este é Aliel tocando — sussurrou, recolocando o celular no ouvido — Esse menino toca
como um anjo. Ele é uma benção de Deus. Você conseguiu ouvir?

— Sim — Larissa tentou não soar emocionada.

Sua garganta estava apertada, lembrando-se da ex-companheira. Amanda nunca tocou tão
bem assim. Mesmo assim, lembrava claramente das horas juntas, ao lado daquele piano.

Quando decidiriam ter um filho e Larissa engravidara, por muitas e muitas noites estivera
ouvindo a namorada tocar belas canções, que deveriam acalmar o bebê e garantir-lhe uma linda
vida.

Envolvê-lo com a música, para que sua vida fosse mais feliz quando viesse ao mundo.
Lembrar-se da companheira e do filho que perdera tão cedo e de modo tão cruel, deixou-a
emocionada.
Mesmo através de uma linha telefônica, pôde notar o talento, das notas tocadas com
perfeição.

— Pode ter certeza, Larissa, que esse piano está fazendo muito bem para Aliel. Pela
preparação dele e para sua careira futura. E tenho certeza, que no futuro, me trará muitos alunos
e bons frutos. Essa é a função de um instrumento musical, não é? A interação entre o humano e o
lúdico? Pois saiba, esse piano encontrou um abrigo à altura do seu significado.

Sabia, pelo que Lorena lhe dissera, que aquele piano era muito importante para Larissa.
Que desfazer-se dele, fora uma dificuldade e uma necessidade. O azedo que adoça a vida, por
assim dizer.

Era uma fase, um grito desesperado de mudança.

— Espero que esse piano lhe traga bons frutos, Milena. Eu... — engoliu em seco, a voz
sofrida, sentindo-se profundamente frágil — Lorena separou uns discos velhos de música clássica
para você. — mudou drasticamente o assunto.

Entendendo que ela precisava desviar o conteúdo da conversa, Milena embarcou nisso:

— Eu vou adorar. Tenho um pequeno acervo para pesquisas dos alunos, mas confesso que
não tem sobrado muito recurso para investir em discos, CDs e DVDs. Eu vou adorar receber uma
doação!

— Suponho que você não possa vir buscar. — Larissa disse, pois aquilo estava tornando-se
rapidamente uma desculpa para uma das duas pegar a estrada.

— Eu adoraria ir, mas estou no vermelho — Admitiu. Era a mais pura verdade. Nem mesmo
seu desejo de ver Larissa justificaria acabar com o pouco que ainda tinha, e que serviria para
pagar o salário de Carine e custear as contas da escola. — Eu estou sempre no vermelho. Você
pode vir me trazer, não pode? Tem seu caminhão, não depende de ônibus. Além disso, está me
devendo uma visita, visto que da última vez saiu sem dizer adeus.

— Eu não devo nada para você, Milena. — Larissa disse séria.

— É claro que deve. Foi deselegante o modo como foi embora! Senti-me um algoz! —
Apelou, ouvindo o riso de Larissa do outro lado da linha — Oh, por favor, venha me fazer uma
visita. Como amiga. Podemos ser amigas, não é? Sei que vai adorar conhecer mais da escola, ver
tudo em funcionamento. Ver Aliel tocando o seu piano. Porque não vem no sábado e fica o fim de
semana? Eu tenho um quarto de hóspedes.
Uma pena que Larissa não pudesse ver a expectativa no olhar de Milena. Sem fôlego,
esperava por uma resposta positiva.

— Um fim de semana todo, como amigas? — Larissa desconfiou. — Você não vai ficar me
provocando, vai? Eu decidi não me envolver com ninguém.

— Prometo me comportar — o sorriso no rosto de Milena negava essa afirmação. Mordeu o


lábio, completamente eufórica por dentro — Vou me ater apenas a música. Podemos falar sobre os
instrumentos, se você trouxer seu violino, poderá tocar para os alunos. A maioria aqui nunca viu um
violino de perto, pois não consegui ainda ter essa aula. Nunca encontrei professores ou instrumentos
com um bom custo. Eu lhe prometo um fim de semana divertido, alegre e sem qualquer investida da
minha parte.

— Apenas amigas? Acho que eu gostaria de ver sua escola em funcionamento. — Essa foi à
desculpa que Larissa deu a si mesma, para aceitar o convite — Eu vou decidir o dia e a hora que
posso ir. Então, eu te aviso, ok?

— Vai me ligar ainda hoje? — Sim, sua ansiedade a traiu completamente.

Larissa sorriu, olhando para uma estante cheia de discos antigos e maneou a cabeça,
fingindo não notar a expectativa e interesse de Milena em saber que se falariam mais uma vez
naquele dia.

— Amanhã à noite — prometeu.

— Ok. Eu vou esperar sua ligação para me dizer o dia que virá. Quero preparar tudo para
sua vinda. — Garantiu.

— É uma visita de amigas — lembrou-a Larissa.

— Isso mesmo... E eu vou tratá-la muito bem, minha amiga. Será um fim de semana
inesquecível. — Milena disse com profunda malícia na voz.

Um arrepio correu o corpo de Larissa diante dessa quase ameaça sussurrada.

— Eu ligo amanhã à noite — foi o que conseguiu dizer em resposta.

— Eu estarei esperando — Havia mel na voz de Milena.

Foi difícil interromper a ligação. Larissa desligou primeiro, mas foi difícil fazer isso. A vontade
de permanecer conversando era imensa. Mas estava no trabalho e uma jovem observava a vitrine
da loja, com interesse.

Não queria deixar de atender a um cliente. Tico e Lorena tinham confiança em seu trabalho
e por isso mesmo, dedicava-se totalmente. Eles a acolheram quando ficou sem trabalho, sem juízo e
sem dinheiro. Uma fase negra na sua vida, que queria desesperadamente esquecer.

Milena retornou a sala, para buscar Aliel para um lanche. O garoto estava faminto, mas
ansioso para retomar o ensaio.

Ele amava tocar, era seu prazer, sua brincadeira e sua diversão. Naquela tarde, Milena
pretendia conversar com os pais dele, sobre trazê-lo para passar o sábado na escola. Ela poderia
levá-lo para um passeio no parque, pois sabia que o menino raramente saia com os pais.

Sem amigos, sem irmãos, com uma família problemática. Desanuviar a mente de Aliel era um
modo de manter sua veia artística sempre nutrida.

Apostava como Larissa adoraria ter a oportunidade de conhecer Aliel e vê-lo tocando. Cheia
de planos para as duas, Milena dedicou-se a cuidar de Aliel.

Por sua vez, Larissa observou a jovem entrar na loja, pedindo por um disco antigo de uma
banda de rock pesado. Larissa ajudou-a a encontrar, sempre atenciosa.

A outra, cheia de segundas intenções, logo soltou uma cantada qualquer e Larissa precisou
se conter para não fugir. Normamente, quando era uma cantada de estranhas, fingia não notar.
Raras às vezes, se permitia uma noite ocasional. Naquele momento, apesar da jovem ser muito
bonita e simpática, não tinha clima para ficar com ninguém.

Um estranho sentimento aquecido dentro do peito. Como se a possibilidade de reencontrar


Milena fizesse toda a diferença na sua vida. Nunca admitiria, nem sob tortura, mas durante
aquelas últimas duas semanas, estivera pensando constantemente naquela loira sedutora e doce.

Pensamentos quentes, carinhosos, perigosos e quase esperançosos.

Sorriu, sozinha na loja, depois que a cliente saiu. Amanhã a noite ligaria para Milena e
combinaria o fim de semana. Não adiantava negar a si mesma: iria até lá.

E suspeitava que não fosse apenas como amiga...


Capítulo 14

Milena atendeu ao telefone no segundo toque. Estava com o aparelho nas mãos esperando
pela ligação.

Uma agonia de quase dois dias. Desde a tarde do dia anterior, esperava por aquele
momento, Inclusive havia se preparado para isso com antecedência.

Encerrara o trabalho bem mais cedo, para poder estar sozinha quando Larissa ligasse. Era
quarta feira, e as aulas desse dia eram sempre mornas, pouco produtivas. Por isso, dessa vez não
fizera hora extra com nenhum aluno que pedisse atenção extra.

Queria ter tempo. Tomara um longo banho, como se estivesse preparando-se para um
encontro de verdade, do tipo presencial.

Era uma tolice, mas estava entusiasmada, começando a levar fé que o flerte quente entre as
duas pudesse sim tornar-se mais do que apenas uma ficada inconsequente. Que poderiam ter uma
chance de conhecerem-se melhor.

Com mil borboletas coloridas batendo fervorosamente suas asas dentro do seu estômago,
Milena atendeu a ligação. Como havia silêncio do outro lado da linha, começou falar:

— Eu pensei em você desde ontem. Não parei um minuto de pensar na gente. Larissa, eu...

— Larissa? Quem é Larissa? — A voz masculina a assustou. — Quem é Larissa?

— Jacob? — Havia horror na sua voz — Porque você está me ligando a essa hora da
noite?

Afastou o celular do ouvido, para ver no visor, Era outro número de telefone que não
conhecia. Ele usava um número novo, pois sabia que não atenderia aos seus números antigos. Que
cafajeste!

— Eu liguei para ouvir sua voz. Não imaginei que já estivesse com uma amante! — Ele
praticamente gritou do outro lado da linha.
— Você está parecendo um louco, falando assim comigo. Terminamos nosso noivado a mais
de um ano. Você está casado. E eu sou gay. A única ligação que poderia ainda existir entre nós,
seria uma amizade. Mas você não quis nada disso. Quis me destruir! E eu não posso manter
amizade com alguém que me fez tão mal.

— Nunca mais repita isso, Milena. Você não é gay. Não é. Viraram sua cabeça... Se a gente
ficar junto de novo, verá que nada disso é real!

— Eu não vou nem discutir isso com você. Vou desligar, não quero ser rude, mas não tenho a
menor intenção de conversar com você sobre esse assunto. Minha opção sexual só diz respeito a
mim!

— Está dormindo com essa tal Larissa? — Havia embargo na voz dele. — Foi essa a
amante que te deu o piano?

Sentindo pena, Milena respondeu:

— Quer saber, Jacob? Não — disse furiosa, perdendo as estribeiras — Eu tenho tantas
amantes, que não saberia dizer nem mesmo seus nomes. São várias! Você não pode nem imaginar.
Uma me deu um piano, outra me dá dinheiro, outra casas, carros... Eu sou muito requisitada! —
Satirizou, mentindo, pois seu orgulho estava machucado e o desejo de magoá-lo era maior que a
lógica — Não me liga mais. É meu último aviso, Jacob. Último aviso.

— Mas, Milena... Eu ainda te amo tanto. — Ele disse com voz chorosa.

Ele sempre fazia isso. Na verdade, mesmo quando eram namorados e noivos, Jacob sempre
se mostrou alguém pedante e possessivo. Só que naquela época, Milena achava que era normal,
pois era inexperiente na vida amorosa.

— Não. Isso não é amor. Não é. Viva sua vida, Jacob. Por favor, me esquece. Eu te esqueci
faz muito tempo, porque a errada era eu. Agora me deixa viver a minha vida também.

Com essa frase, Milena desligou. O telefone voltou a tocar no mesmo instante e ainda era o
número de Jacob. Sempre ficava nervosa quando isso acontecia. Milena havia se preparado tanto
para ter um final de noite diferente!

Estava deitada na cama, esperando a ligação de Larissa. Agora, estava reduzida a lágrima
de tristeza, por causa do medo que sentia toda vez que Jacob agia assim, e também a dor de
saber que a culpa era sua. Despertara o pior dele. Ser quem era e assumir seus desejos, tornava
as pessoas rudes.
Lidava com o preconceito, mas sempre fingia não se abalar. Mas em momentos assim, a
fragilidade falava mais alto e Milena deixava o choro indignado vir à tona.

Abraçou o travesseiro e deixou as lágrimas virem.

Bastante tempo passou antes que o telefone tocasse outra vez. Dessa vez era o número de
Larissa. Atendeu sem a mesma motivação de antes.

Do outro lado da linha, sentada em seu sofá, de regata e calcinha, depois de horas de
indecisão sobre dever ou não ligar, Larissa estranhou o desanimo na voz de Milena.

— Liguei numa má hora? — Perguntou.

— Não. Eu... Acabei de brigar mais uma vez com meu ex-noivo. Ele às vezes me liga para
me ofender. Estou cansada disso. Estava esperando sua ligação, Larissa. Esse sentimento não
mudou, eu apenas... Estou um pouco triste.

— Ele te fez algum mal? Eu digo, depois do rompimento? Ele te agrediu alguma vez?

— Só uma vez. Ele me deu um tapa. Mas foi no calor da raiva e nunca mais aconteceu.
Tenho me mantido longe dele. Acho que por isso deixei que me vencesse no processo legal. Eu
perdi tudo, para que ele me deixasse viver minha vida em paz.

Larissa detestou o sentimento de proteção que inundou seu coração.

— Está sozinha em casa?

— Eu moro sozinha, Larissa. — Milena sorriu, entendendo a preocupação por de trás dessa
pergunta.

— Acha seguro ficar sozinha sabendo que seu ex está te perseguido? — Havia um toque de
raiva em sua voz.

— Ele não está me perseguindo... — Não queria admitir a si mesma a gravidade da


situação. — Eu não quero pensar nele como um inimigo. Jacob está perdido, mas vai se encontrar e
superar tudo que aconteceu. Afinal, eu sou culpada dessa dor que ele sente.

Larissa não ousou dizer-lhe que não. Que relacionamentos acabam e que a vida segue seu
curso. Que perseguir alguém era um ato vil e sem justificativas.

— Larissa? — Chamou baixinho, pois ela não respondera nada.


— Estou aqui ainda — respondeu.

— Achei que tivesse desligado. — Milena ajeitou-se na cama, limpando as faces, para
livrar-se do choro.

— Estou pensando no que dizer. Eu não tenho tanto assunto assim, não sei o que você espera
conversar.

— Isso não é verdade, Larissa. Você é muito agradável de conversar. Não seja boba, eu
gosto de falar com você. E acho que há assunto entre nós duas. Você que é muito turrona e não
aceita conversar comigo do jeito certo.

— E qual é esse 'jeito certo'? — Havia desafio em Larissa.

— O assunto que existe entre duas pessoas que se gostam e estão se conhecendo melhor. Eu
quero saber o que você tem feito nessas duas semanas que não nos vimos. Quero saber se está
bem, se pensou em me ligar ou só fez isso porque Lorena insistiu... Eu quero saber de você. —
Havia sim, muito mel na voz de Milena.

Tanto, que Larissa quase não resistiu.

— Eu não tenho muito para falar sobre mim — admitiu.

— Isso eu duvido. Você tem uma personalidade forte, é muito bonita e tem uma vida que
para mim, ainda é um mistério. Eu não sei nada de você, Larissa. E eu quero muito saber tudo.
Quem você é de verdade.

Larissa sorriu. Milena era uma graça. Gostar daquela loira seria um ato inconsequente e
perigoso. Mesmo assim, estava encantada pelo jeito doce de Milena.

— Acho que isso não acontecerá por telefone.

Larissa não poderia negar... Frustrar as expectativas de Milena era quase uma brincadeira.
Ouviu seu suspiro frustrado, e então, perguntou, antes que a loira pudesse reclamar:

— O que está fazendo nesse momento, Milena?

— Nada, eu terminei as aulas cedo e esperava sua ligação. Eu me deitei para esperar. Estou
na cama, deitada, a sua disposição.

Ofereceu. Sim, Milena oferecia mais. Queria ter uma chance de seduzir Larissa outra vez.
Sentia que se pudesse passar uma noite a mais com a morena, poderia convencê-la a aceitar seu
afeto. Poderiam ter algo mais que uma simples ficada sem compromisso.

— Eu posso perguntar o que você está fazendo, Larissa? — Perguntou, diante do silêncio do
outro lado da linha.

— Eu fiz algo parecido. Terminei meu dia mais cedo, vim para casa, coloquei uma roupa
confortável e esperei o momento de ligar para você. — Admitiu.

— E porque demorou tanto? Estou esperando há horas! — Estranhou.

— Eu não conseguia decidir se era uma boa ideia ou não ligar. Nós duas não temos nada
em comum. Essa ideia é péssima.

— Como não temos nada em comum? Ambas amam a música. Ambas dividimos a existência
de um mesmo piano. E agora, ambas sentiram a vontade de conversar e de se ver. Isso é ter algo
em comum. O resto, tenho certeza, iremos descobrir quando vier pessoalmente até aqui.

— Hum — ela desdenhou com um som de quem não acreditava nessas palavras — Achou
que temos apenas uma coisa em comum, Milena. E você sabe muito bem o que é.

Subitamente quente, Milena recostou-se nos travesseiros, um pouco deitada, outro pouco
sentada e conteve o ar, diante da possibilidade de falar sobre a relação sexual entre ambas.

— Eu não consegui esquecer nenhum dos momentos que passamos juntas. Fico pensando nisso
o tempo todo. — Milena admitiu.

— Tem fantasiado sobre nós duas? — Larissa perguntou, naquele seu tom de voz rouco e
sensual.

— Não é uma fantasia, Larissa, é uma lembrança. Eu fico me lembrando da gente. Toda
noite, eu me lembro do que fizemos juntas e de todo sentimento que dividimos. Você não lembra?
Não fica pensando sobre isso também?

— Não é fácil esquecer uma transa tão gostosa, Milena — seu jeito de falar era direto,
sobretudo, um modo sexy de expressar-se. Larissa não usava de rodeios.

— O que você está vestindo, Larissa?

— Jura? Quer me seduzir pelo telefone? — Ela reclamou.

— Porque não? — Atiçou de volta, sorrindo.


Durante todo o tempo, desde que a conversa esquentara, Melissa alisava de leve um dos
seios, sentindo o contorno do mamilo rijo através do tecido.

Era muito sensível ao toque nos seios, por isso, irradiava umidade entre pernas, enquanto
conversava com voz mansa. Larissa estava reconhecendo o som da voz de Milena. Som pastoso,
lânguido, excitado.

— Está se tocando? — Perguntou, ajeitando-se no sofá desconfortavelmente pequeno.

— Ainda não... — Milena sussurrou de volta.

— Eu pretendo ir até sua escola no sábado. Posso chegar de surpresa? — Larissa jogou de
volta.

— Sim, será muito bem vinda. Eu vou ficar esperando. Surpreenda-me. Eu acho que você
pode me surpreender como ninguém poderia fazer...

Ansiosa, Milena afastou um pouco a roupa de cama e separou uma perna da outra, levando
a mão por dentro da calcinha, enquanto mantinha o celular apoiado entre o ouvido e o ombro.

Com as mãos livres, voltou a apertar o seio por sobre a roupa. Seus cabelos sedosos e
louros caíram por um ombro, enquanto ela tentava afastar a camisola e libertar o seio. Precisou se
mover, puxando a camisola pela cabeça, ficando assim só de calcinha.

— Você está tirando a roupa? — Larissa reconheceu o som de algo sendo despido e ouviu o
risinho de Milena, que respondeu:

— Conversar com você me deixa cheia de tesão. — Foi sincera — Se eu fechar meus olhos,
posso imaginar que está aqui comigo, me tocando.. Que não são meus dedos e sim, os seus...
Larissa, me diz que você não sente o mesmo... Que não quer o mesmo. Me tira essa loucura da
mente. Estou louca por você.

Larissa fechou os olhos fortemente.

— Me deixe ouvir — Pediu Larissa, sem condições de resistir a tamanha tentação.

Milena apenas gemeu baixinho, incentivada. Empurrou a calcinha pelos quadris e pelas
canelas, ficando nua sobre aquela enorme cama. Larissa poderia imaginar aquele corpo cheio,
macio e torneado, rosado em suas partes mais deliciosas, completamente excitado, exalando
paixão.
Milena desceu os dedos entre os grandes lábios e os pequenos, procurando um contato que
não poderia substituir seus verdadeiros desejos. Agarrou o seio, apertando e acarinhando,
enquanto se masturbava intensamente.

Não foi preciso esperar muito, estivera excitada o dia todo, esperando por esse momento. O
som baixo da respiração de Larissa em seu ouvido, através do fone, era erótico e alimentava a
fogueira em seu sangue.

Foi um momento rápido, intenso e de crescente sentimento. Ela chegou ao orgasmo, com um
som abafado de lamento, dobrando-se de lado na cama, se contorcendo de prazer.

Em sua mente a lembrança do corpo moreno, curvilíneo e quente, pressionado contra o seu.
A imagem da boca de Larissa em seus seios, suas mãos em suas pernas, suas intimidades se
roçando...

Segundos se passaram sem que ouvisse nenhuma palavra vinda de Larissa.

— Eu... — Tentou falar, mas ouviu um som de engasgo, antes que Larissa dissesse:

— Eu apareço aí no sábado. Eu preciso ir. Eu não vou mais ligar.

— Larissa... — quis ao menos despedir-se, mas o telefone foi desligado e a ligação


interrompida.

Nua, palpitante, ficou parada, olhando o visor do celular. Aos poucos um sorriso nasceu em
seu rosto. Talvez fosse esse o caminho. Larissa fugir poderia não ser exatamente um problema.

Em sua casa, no sofá, ainda sentada, Larissa mantinha a mão dentro da calcinha de rendas,
os seios expostos pela larga gola da regata de algodão.

Ela se esfregava com força, quase com raiva, pois ouvir Milena gozar para ela, fora demais.
Durante todo o tempo apenas ouviu, calada. Mas ao desligar o telefone, enfiara a mão dentro da
cacinha, numa pressão injustificável.

Larissa abraçou o sofá, esfregando os seios no estofado, sentada sobre os joelhos, enquanto
se tocava alucinadamente.

— Milena... — Gemeu, pertinho do prazer — Oh, Milena... Eu quero... Oh... Ohhhhhh.... —


Gritou de prazer, sendo fortemente sacudida por tremores e arrepios. Em sua mente a imagem
gostosa de Milena, nua, suave, pedindo por seu toque.
Larissa gozou muito. Mas foi se acalmando aos poucos. Exausta, deitou-se no sofá, tentando
apagar de sua mente e coração, a lembrança constante de Milena em seus braços...
Capítulo 15

O sábado amanheceu ensolarado. Bem cedinho, Milena saíra de casa para abastecer a
despensa com compras para um fim de semana a dois. Depois, buscara Aliel na casa dos pais e
depois de ouvir uma briga sobre o menino não precisar aprender a tocar piano, quando deveria
estar se preparando para trabalhar, Milena conseguira levar o menino consigo.

O pai de Aliel era terrível. Mas a mãe era ainda mais insuportável. Milena logo distraiu Aliel
com assuntos interessantes, para que o menino esquecesse esses sofrimentos diários que enfrentava.
Contou-lhe que receberia uma visita.

Uma amiga que também era violinista. Torcia para Larissa levar consigo o violino. Não
quisera insistir ou pedir, mas seria bom se ela levasse.

Estava ansiosa, quase desesperada, quando o meio dia chegou e Larissa não apareceu.
Pedira que a surpreendesse, mas não era esse tipo de surpresa que esperava!

Do lado da janela, permaneceu cuidando da rua, enquanto Aliel tocava. Mais duas horas e
precisaria levá-lo de volta.

Tentando esconder a decepção, saiu com Aliel para o passeio que lhe prometera. Não
queria frustrar o garoto por causa de Larissa.

Resignada, com o celular nas mãos, permaneceu em dúvida se ligaria ou não para cobrar-
lhe uma explicação. Devolveu Aliei para a casa dos pais e no final do dia, convencida que não
seria visitada por Larissa e era melhor se conformar com isso, decidiu por fechar a escola e cuidar
de si mesma.

Tomou um longo banho para curar a tristeza. Saiu do chuveiro, vestiu o roupão e sentou-se
na beira da cama para desembaraçar os longos cabelos com a escova. Os cabelos molhados
chegavam abaixo da cintura.

Ouviu o toque da companhia da escola e levantou para atender. Normalmente, quem usava
a companhia da escola era algum aluno ou pais de alunos. Havia uma porta com companhia ao
lado, que era usado para acessar a casa.

Achando ser algo envolvendo a escola, andou lentamente, sem ânimo, pensando em Larissa e
suas fugas. Quando chegou à entrada, levou um susto.

Pelo vidro, avistou um caminhão estacionado em frente à calçada. Alguém apertou a


campainha outra vez, de modo impaciente.

Esquecendo-se da surpresa, correu para atender. Abriu a porta, olhando diretamente para a
mulher que estava na soleira da porta. Vestida com jeans, camiseta de uma banda de rock, um
coque displicente nos cabelos escuros, batom forte, uma cor escura, como vermelho ou vinho. Larissa
mantinha uma caixa apoiada no quadril, que segurava com apenas um braço.

Diante de Milena, não disse nada. Passou rapidamente e Milena cedeu entrada. A porta foi
fechada e trancada. Larissa largou a caixa sobre a mesa da recepcionista.

Nenhuma das duas disse nada. Foi de comum acordo. Aproximaram-se e se abraçaram.
Larissa segurou o rosto meigo entre as mãos, fitando seus olhos claros e apaixonados. Milena só
tinha olhos para aquela boca pintada. Só tinha olhos de desejo.

Larissa curvou o rosto e o beijo finalmente aconteceu.

Duas semanas de espera. E o beijo finalmente aconteceu. Larissa acirrou o abraço,


embalando sua escolhida em um envolvente movimento de corpos. Era suave o corresponder de
Milena.

A voracidade vinha toda de Larissa.

— Achei que não viesse mais — Milena tentou falar, em um intervalo do beijo, mas não
houve resposta imediata, pois retomaram a dança de línguas.

Larissa mordiscou os lábios cheios de sua parceira, enquanto suavemente abria o roupão
que ela usava.

Imediatamente Milena segurou a roupa e afastou-se.

— Alguém pode ver. — Lembrou no último instante, puxando a cortina que normalmente
ficava aberta, mantendo a ampla porta de vidro como uma vitrine da escola de música. Sorrindo,
virou-se para Larissa, segurando o roupão no lugar, evitando assim ficar exposta.

— Você me enganou. Eu fiquei esperando o dia todo! — acusou, pois apesar do arroubo de
paixão, que muito a agradava havia assuntos a tratar, pois nem tudo na vida era resolvido
fisicamente.

— Sinto muito, eu quase não vim. — Admitiu, baixando os olhos. Ela limpou o batom,
imaginando que estivesse borrado. Milena fez o mesmo, supondo que precisasse se limpar também.

— Por quê? — Milena quis saber.

Larissa observou-a. Assim, de cabelos molhados, corada pela paixão, de roupão, Milena era
uma linda imagem de mulher. Qualquer homem ou mulher ficaria louco em ter o privilégio de estar
com ela.

— Eu tenho minhas razões. Eu não quero namorar ninguém. Já passei por muitas coisas na
minha vida. Não consigo lidar com a possibilidade de...

— Se apaixonar? — Milena supôs que fosse difícil falar isso. Expressar em palavras o que
a angustiava.

— ... De me enganar outra vez. De passar por tudo de novo — ela disse, azeda. Não
ousava pensar em amor. Não concebia a possibilidade de se magoar de novo.

— Porque você perdeu alguém que amou? Lorena me disse que perdeu sua companheira. A
dona do piano.

— Eu deveria saber que Tico e Lorena se intrometeriam na minha vida — disse irritada,
olhando em volta como quem pensa em ir embora.

Tomada pelo receio que Larissa fosse mesmo embora, Milena segurou-a pelo braço e disse:

— Esquece o que eu disse. Não precisamos falar disso agora.

Um sorriso triste se formou nos lábios da outra.

— Eu queria vir, Milena. Mas algo me segurava. Eu decidi vir no último minuto. Eu achei que
não merecia levar um fora. Não assim, sem resposta.

— Então, você só veio aqui para me dar um fora definitivo? Mas e o beijo que me deu? —
Sorriu, desacreditando em suas palavras.

— Esse roupão me desconcertou — ela admitiu, voltando a tocar no roupão, visto que
estavam protegidas da exposição aos vizinhos e transeuntes da rua.
— Gostou do meu roupão? — Milena deixou-se levar, sendo segurada pela cintura.

— Eu gostei muito do que tem dentro desse roupão.

O modo predatório como Larissa afastou o roupão, revelando o corpo nu, foi extremamente
sexy. Olhando para baixo, ela molhou os lábios com a língua, enquanto decorava as curvas cheias
de Milena. Era improvável ver aqueles peitos e não querer prová-los.

Desceu o rosto até eles e abocanhou um dos mamilos com a boca. Sem delongas, amamentou
aquele bico, sorvendo o gosto de limpeza, de pureza, de flor desabrochada.

Milena agarrou-a de volta, pousando ambas as mãos nas nádegas de sua parceira,
apertando, moldando as mãos no jeans apertado, enquanto Larissa se curvava, para descer ao
chão, ficando de joelhos, diante de Milena.

Ela mordeu um caminho de beijos e chupões por sua barriga, sobre o umbigo, procurando
pelo maior segredo daquele corpo.

Larissa ergueu os olhos escuros, indagando. Milena estava completamente depilada.

— Eu me preparei para sua vinda, Larissa. Cuidei da casa, cuidei de tudo. Inclusive de mim.
Fiz isso para você. Para quando tivesse sua boca me tocando.

Larissa não respondeu nada. Baixou os olhos para aquele encantador relevo, preparando-se
para redescobrir seu sabor. O suspiro de antecipação de Milena a fez sorrir e mudar de ideia.

— Sabia que não é elegante receber uma pessoa em sua casa e não convidá-la para
entrar? Eu ainda estou na porta da sua casa.

— Larissa! — Milena reclamou, pois estava doída por mais.

— Insistiu tanto para que eu viesse. Não vai nem me convidar para seu quarto? Eu lembro
que te levei para o meu.

Havia pura sensualidade no modo de Larissa falar. Ela levantou e manteve Milena abraçada
pela cintura, farejando seu pescoço, enquanto roçava o rosto naquela região, tirando qualquer
capacidade de pensar que Milena ainda pudesse ter.

O modo como apertava seu peito ao dela, pele nua contra tecido de roupa, era mais do que
sedutor, era tortura pura.

Sem que Larissa esperasse, Milena acariciou seus cabelos, soltando-os do coque que os
mantinha reclusos e segurou seu rosto, olhando em seus olhos:

— Eu preciso saber se você vai me deixar sozinha assim que acabarmos. Que vamos fazer
amor e depois você vai embora sem olhar para trás.

— É provável — Larissa foi sincera.

— E se eu te pedir para ficar essa noite? Não precisa ficar comigo como amante. Fique
como amiga.

— Está me propondo uma amizade colorida? — Excitada, Larissa manteve o roçar das
coxas contra as de Milena, mantendo o clima quente, acesso. Sem deixar o tesão regredir.

—Estou te propondo um passo de cada vez, sem pressão. Você fica comigo. Depois, nós
podemos agir como amigas. Você dorme aqui, passamos um dia agradável juntas. Mantemos o
contato quando você for para sua casa. Vamos deixar rolar, sem compromisso. Só não quero que
fuja de mim como se eu estivesse te pedindo algo que não quer. Eu sei que quer. E, acredite,
Larissa, eu não pretendo te arrastar para o altar. Só preciso ficar com você. Conhecê-la melhor.
Eu... Tenho me apaixonado por você. Sabe disso, não é?

— Sim — concordou, com algo emocionado no olhar.

— Não posso desperdiçar isso. Eu nunca amei antes. Estar me apaixonando é o mais
próximo a um amor que eu já estive. — Era tão doce o modo de Milena falar que era impossível
negar-lhe qualquer coisa.

— Me leva para o seu quarto, Milena. Para seu quarto de boneca. — Pediu — Quem sabe
eu não consigo gostar desse seu mundinho de algodão doce?
Capítulo 16

Era uma forma poética de dizer que, no fundo, Larissa queria desesperadamente sair das
sombras da solidão e conhecer uma nova vida, ao lado de um novo grande amor. Mas que ainda
havia muita tristeza, muita reticência. Muito medo.

— O meu mundo não é feito de algodão doce. É um mundo real, cheio de problemas. Mas
eu não me escondi, Larissa. O que você enxerga a sua volta é o que faço todos os dias: Me
agarrar a toda e qualquer esperança de felicidade. Vem, eu quero te mostrar meu mundinho doce.

Era uma promessa de amor. Milena segurou a mão de Larissa e a levou consigo. Era a
primeira vez que andava completamente nua por sua escola e por sua casa. Saber que Larissa
devorava com os olhos cada curva era muito instigante.

Caladas as duas entraram no quarto e foi Larissa quem fechou a porta, como se desejasse
isolar o mundo lá fora. Provavelmente era um desejo de se proteger não apenas de um novo amor,
e sim, de todo o mundo.

Apenada, Milena pensou sobre o quanto aquela linda mulher deveria ter sido magoada em
sua vida. Talvez, suas mágoas fossem ainda mais profundas do que supunha.

— Seu quarto é tão mimoso quanto você — Larissa disse, e era um galanteio. Larissa não
era uma pessoa delicada. Sempre rude, não combinava em nada chamar sua amante de mimosa,
enquanto retirava as pesadas botas e desabotoava as calças. Milena precisaria aprender a
gostar da falta de romantismo de Larissa. Isso era parte do charme da morena.

— Eu não sou mimosa. Posso ser bem má, se eu quiser — Milena subiu na cama, mantendo-se
sobre os joelhos, com o corpo erguido, olhando para sua pretendente.

Assim, seu corpo era um convite ao toque. Ainda vestida com calcinha e blusa, Larissa não
resistiu a aproximar-se e beijá-la. Enquanto isso, desceu uma das mãos, para acariciar entre as
pernas da loira.

Seus dedos se curvaram, encaixando a mão completamente naquele vale molhado. Milena
gemeu em seu beijo, colocando as mãos na roupa de Larissa, apresada por despi-la
completamente.

Larissa masturbou-a sem piedade, os dedos tocando com urgência, enquanto deixava que a
despisse. Milena rebolava e se esfregava contra o toque, pois há muitos dias sonhava em ter
prazer pelas mãos de Larissa, como acontecera no apartamento em São Paulo e no caminhão, a
caminho de Minas Gerais.

Rapidamente, Larissa estava se tornando sua fantasia sexual preferida. Sua razão para
sentir desejo, sua imagem favorita para aquecer o corpo e sentir prazer.

Profundamente envolvida, grudou os lábios no peito de Larissa tão logo o revelou, querendo
sorver tudo dela, qualquer gemido de angústia, qualquer pedido de desejo, qualquer impulso de
paixão. Devorando aqueles seios morenos, Milena tentou puxá-la para a cama, e conseguiu.
Larissa caiu entre suas pernas, com o torço erguido para cima, na altura da boca de Milena que
não abrira mão de sentir aquele gosto.

— Larissa — ela chamou, gemendo, enquanto os dedos a penetravam com força, — Oh,
Larissa... Eu quero... Eu..

— O que você quer, Milena? O que você quer?

Larissa jogou os cabelos para o lado, olhando para baixo, para seus olhos.

— Eu quero te chupar — foi a simples resposta.

Ouvir aquelas palavras chulas saírem daqueles lábios rosados de madona pueril,
espalharam uma corrente elétrica de tesão pelo corpo da morena.

— Eu nunca chupei uma mulher. O mais perto disso, foi ter te tocado... — Milena contou, ao
notar o que despertava em Larissa.

Fechando os olhos, para conter o gozo, Larissa se moveu, deixando de tocar Milena, para
erguer o corpo para cima.

Foi uma surpresa para Milena que nunca fez daquele jeito antes. Larissa posicionou o quadril
sobre o rosto dela, cada perna de um lado de sua cabeça, oferecendo o que Milena tanto queria.
Olhava-a com olhos escuros, cheios de paixão. Como quem pergunta se vai desistir ou não. Um
desafio.

Como uma gatinha, Milena colocou a língua para fora e começou a lamber bem devagar.
Larissa era morena, pele bronzeada, sua vagina era pequena, estreita, bem desenhada, os
grandes lábios eram doces, protegendo os pequenos gomos internos que escondiam o canal
avermelhado.

Enquanto fechava os olhos para sorver o gosto, Milena esfregou o dedo ali, empurrando de
leve, pois Larissa lhe dissera na última vez que ficaram juntas, que não gostava muito de nada
muito ofensivo dentro de sua intimidade.

Assistir Milena a lamber era erótico a extremos. Foi preciso apoiar ambas as mãos no
colchão e curvar-se para frente, pois o prazer era tanto, que mal podia respirar.

Assim, por alguns segundos, Larissa se esqueceu de tudo, de suas dores, seus sofrimentos
antigos, seu passado.

A roupa de cama era lilás, caprichosamente colocada sobre a cama, com muitos travesseiros
e almofadas. Tudo perfumado, com cheiro de rosas. Sua mente fez seu trabalho, envolvendo-a em
um clima de pura angústia.

Com a testa franzida, Larissa segurava o prazer, cavalgando sobre a boca de Milena, que
a segurou pelas nádegas, apertando, enquanto sugava com força sobre seu clitóris. Era uma
tentativa de cativar totalmente o coração de Larissa. Torná-la dependente do seu carinho, do seu
modo de fazer amor, do seu jeito de conquistar.

Não era só paixão, era mais que isso. Esse tipo de entrosamento, quando fugaz, dura
apenas uma ou duas vezes, não dura tanto tempo.

Sexo casual, normalmente não vale a pena ser repetido com a mesma pessoa. No caso das
duas, havia bem mais do que isso, havia um entendimento imediato. Duas almas que se encontraram
após vidas de ausência.

Encantada, Milena chupou com mais força, esbaldando-se nos gritos de Larissa. Ela lutava
tanto para não ceder. Contorcia-se, sufocando o sentimento.

E quando Milena mordeu, puxou e voltou a chupar com força seu clitóris, Larissa rachou,
finalmente se rendendo ao gozo totalmente, suas costas curvadas para trás, rendida em tanta
eletricidade que corria por suas veias.

Foi um alívio para Milena também, que mal se continha de vontade de ser tocada. Mas
queria ser tocada por Larissa. Qualquer toque não servia. Confessava que estava com pressa.
Muita pressa. Esperar Larissa se mover, se recuperar, era esperar tempo demais.
Mesmo sugando de leve, tomando tudo que ainda pudesse. Degustou o sabor que escorria
ali. O prazer líquido de Larissa era um doce saboroso em sua boca. Larissa se moveu e não foi
impedida.

Sua parceira estava ansiosa. Remexeu-se na cama, espalhando as pernas, pedindo que
fizesse o mesmo por ela. Que a libertasse daquela ansiedade sem fim.

Larissa esfregou a palma de uma das mãos pelo seio cheio, tocando-o com a ponta da
língua, de um modo torturantemente lento. Envolveu o mamilo largo com a boca, puxando bem
lentamente. Queria desfrutar daquele veludo. Milena se remexeu, inquieta, plácida, esperando
mais.

— Onde você guarda? — Larissa soltou seu mamilo e perguntou, enquanto descia os dedos
por sua barriga, alisando, enquanto seus olhos lhe cobravam uma resposta.

— O que...? — Quase não entendeu.

O modo como Larissa sorriu, lhe roubou o ar. Num quase susto, arfou e as palavras lhe
faltaram ao imaginar como fariam e o sentimento que isso lhe traria.

— Na segunda gaveta do armário... — Contou, quase sem voz.

Apoiou-se no braço, de lado, para assistir uma Larissa muito nua andar por seu quarto, abrir
a tal gaveta, depois de agachar-se. Foi incontrolável descer os dedos e ir se tocando enquanto
observava o corpo moreno agachado, a bunda deliciosa virada na sua direção.

Curvou a cabeça para trás, fechando os olhos por um segundo, enquanto exultava ao
sentimento que sentia. Tornou a olhar quando ouviu a gaveta ser fechada.

Larissa havia encontrado uma caixa pequena, retangular, que mais parecia um porta-joias.
Mas o que guardava, não era nem de longe uma joia. Era algo menos inocente.

Larissa trouxe para a cama, deixando sobre o criado mudo ao lado da cama. Abriu a
tampa e sorriu.

Havia um vibrador envolvido em um lenço colorido. Era longo, grosso, cor de rosa, em
plástico liso. Não lembrava propriamente um pênis. Como dissera Milena, tempos atrás, gostava de
algo longo e grosso, mas não precisava ser um pênis.

Larissa segurou nas mãos e olhou para ela com um meio sorriso maquiavélico. Havia um
pequeno tubo de gel na caixa.
— Você quer isso? — Havia deboche em sua voz.

— Eu só uso o lubrificante quando estou sozinha — ela disse, voz tremula — Olha como
você me deixou, Larissa... Eu não preciso de nada, estou prontinha para você... — Tornou a se
deitar, as pernas bem abertas, usando os dedos, para se abrir, mostrando-lhe sem pudor algum
onde queria que Larissa colocasse aquilo.

Larissa voltou para a cama, para junto dela sobre a roupa de cama lilás. Sorriu, enquanto
ligava o vibrador, testando a velocidade e a vibração.

— Você gosta forte? — Perguntou mansa, para usar a voz para deixá-la ainda mais
excitada.

— Eu... Não sei. Eu sempre estou sozinha. Eu ligo no médio, eu acho. — Não havia muito o
que dizer. Qualquer experiência anterior, não se compararia com a experiência de ter Larissa
segurando um vibrador, prestes a possuí-la.

Uma sobrancelha erguida, em desafio. Era uma expressão cafajeste. Larissa estava
adorando isso!

Para provocar, colocou-o na boca, para molhá-lo com sua saliva. Assisti-la chupando aquele
pênis falso lançou uma descarga de tesão diretamente para onde Milena mais desejava o toque
de Larissa. Ela retirou da boca, satisfeita com essa provocação e aproximou-se, ficando entre as
pernas de Milena, de joelhos, como se fosse mesmo possuí-la.

Com cuidado, esfregou o plástico diretamente sobre o clitóris inchado, que exigia reparação.
Bem de leve, para atiçar, enfiou o vibrador. Foi um movimento bem lento, proposital, arrancando da
loira um longo gemido.

Repetiu o movimento, tirando e pondo, bem de leve. De repente, tirou e levou outra vez a
boca, causando um arrepio em Milena, pois sabia que a morena desejava ter seu gosto mais uma
vez na boca.

Novamente o vibrador desceu e entrou onde deveria estar. Larissa curvou-se e esfregou o
dedo em seu clitóris, cuspindo de leve, para umedecer ainda mais a região. Larissa estava
desesperada, sendo levada desse modo.

Quando o zumbido baixo do aparelho aconteceu e sentiu o vibrar dentro de si, não conteve
o grito de prazer. Suas paredes internas apertavam aquele pedaço de plástico, entre prazer e
desconforto, pois era grande, largo e duro.
Era um potente anestésico para a mente e o corpo em dias de solidão extremada. Mas nas
mãos de Larissa, era uma potente arma.

Com Larissa não parecia haver oito ou oitenta. Sua medida era sempre inalcançável. Intensa
demais. Decidida demais. Profana.

Era delicioso estar com ela. Forte em personalidade, Larissa ajeitou-se, segurando o vibrador
como se ele fosse parte de si mesma e fingiu penetrar sua amante, enquanto empurrava o
vibrador com força.

Milena riu, enquanto era penetrada, perdendo a capacidade de pensar em qualquer coisa
que não fosse o profundo erotismo de ser possuída por Larissa.

As vibrações internas a conduziram, juntamente com o toque exigente dos próprios dedos,
pois passara a se masturbar enquanto era possuída. Ver Larissa fazendo esses movimentos, como
se realmente pudessem ser uma só fisicamente, a elevou em um sentido intenso de prazer. Gemendo
muito, chamando o nome de Larissa e estourou em um maravilhoso e duradouro gozo.

Seu orgasmo a bateu com força. Larissa pareceu sentir o mesmo, pois se contorceu, num
orgasmo espontâneo, induzido pelo quanto estava excitada e sensível. Bastou resvalar um dedo
sobre o próprio clitóris e apertar, para que o prazer também revoasse dentro de si.

Por fim, caiu sobre sua amante, abraçando-a.

Foi tão intenso o momento dividido que nenhuma delas disse nada. Caladas, apenas
respiraram, acalmando os corpos. Milena aconchegou o rosto de Larissa em seus fartos seios e
beijou o topo de sua cabeça, como quem agradece por tanto amor.

Ainda era perigoso usar a palavra amor, pois Larissa parecia pouco disposta a se entregar.

Apesar disso, um sorriso nasceu no rosto de Milena. Para quem achou que nunca mais a
veria, estar assim, era uma bênção. Abraçada a Larissa, tudo fazia sentido.

— Fica essa noite — pediu em voz baixa, pausada, para não assustá-la ainda mais. —
Amanhã cedo posso preparar um café na cama, se você ficar.

Era uma barganha. Larissa tomou isso como uma adorável chantagem emocional. Ergueu a
cabeça, para olhar em seus olhos. Encontrou apenas tolerância, carinho e inocência. Não havia
maldade no querer de Milena.

— Um café na cama? Eu gosto de ovos mexidos e bolachas no café da manhã — contou,


sorrindo diante do lindo sorriso que Milena a presenteou — E odeio leite. Nem pense em fazer
nada com leite.

— Mas eu tenho leite de soja. Já provou? — Mudou tanto o assunto, que Larissa quase
esqueceu porque não deveria se envolver e ficar.

— Não.

— Amanhã eu vou te mostrar como sou boa na cozinha. — Prometeu. — Depois de provar
minha comida, não vai querer ir embora nunca mais. — Piscou, enquanto lhe fazia um carinho no
ombro, sobre a tatuagem de hibisco, que cobria o ombro de Larissa.

— Você quer me confundir. — Larissa disse, conformada, ajeitando-se ao seu lado na cama.
Beijou de leve seus lábios rosados e virou para o lado, pois precisava de um pouco de espaço.

Milena não forçou mais nada. Puxou o edredom lilás sobre ambas e ajeitou-se para dormir.
De lado também, virada para o lado de Larissa, esperando que lhe desse uma chance, uma
abertura, para que pudesse entrar em sua vida definitivamente...
Capítulo 17

Milena preparou uma bandeja com duas xícaras de café, um adoçado e o outro amargo.
Suspeitava que o gosto amargo fosse o preferido de sua visita.

Decorou a bandeja com um pequeno vasinho com uma rosa branca. Bolachas doces, pão,
manteiga. Ovos mexidos. Algumas guloseimas, além de iogurte e um copo com leite de soja. Tudo
para agradar sua parceira. Quem sabe, conquistar seu coração com pequenos gestos de atenção?

Suspeitava que fizesse muito tempo que Larissa não era cuidada e protegida.

Vestida com uma pequena camisola branca, em cetim e rendas, que usava para dormir,
cabelos soltos e pés calçados em um sapato confortável, andou para o quarto.

Ouvira som de movimento dentro do banheiro anexo ao quarto. Supunha que fosse Larissa
se preparando, fazendo sua higiene matinal. Milena havia deixado uma escova de dentes nova,
sobre a pia, juntamente com outros produtos que ela pudesse gostar de usar de manhã.

Entrou no quarto e colocou a bandeja sobre a cama, sentando-se para esperar. Larissa
apareceu um minuto depois. Ao vê-la, a decepção se estampou em sua face. Não queria magoar a
loira, mas não iria ficar.

Milena soube disso na mesma hora. Vestida, com os cabelos úmidos do recente banho, Larissa
olhou-a com olhos de dúvida.

— Não precisa dizer — Milena levantou da cama, sabendo bem o que se passava — Já
está de saída, não é?

— Eu gostaria de ficar mais. De verdade — desculpou-se, mas Milena não queria desculpas.

— Pretende me ver outra vez? Ou foi a última vez que nos vimos?

Larissa pareceu não saber o que responder. Apenas prendeu os cabelos, fugindo o olhar.

— Ok — o silêncio era a maior das respostas. — Será que pode me dar uma carona? Me
deixar em um lugar antes de ir?

— Isso é alguma armadilha? — Perguntou Larissa.

Milena apenas sorriu, andou até ela e beijou-a suavemente nos lábios:

— Espero que goste do café da manhã. Eu me arrumo em um minuto.

A fuga iminente da loira era uma dica sobre o fato que pretendia colocar Larissa em uma
situação complicada de sair. Impedi-la de estragar o domingo indo embora sem razão alguma.
Sabia que Milena possuía um carro. Não precisava de carona, do mesmo modo que nenhuma porta
estava trancada. Larissa poderia ter saído, caso fosse sua verdadeira intenção.

Mas o café estava caprichosamente disposto sobre a bandeja. Aparentemente tudo que
Milena fazia era delicado, jeitoso e doce. Sorriu, mordendo uma bolacha caseira.

Milena encontrou Larissa na cozinha. Havia tomado um banho rápido, escovado os cabelos,
vestido uma saia florida e longa, uma blusa amarela, com uma sapatilha. O ponto alto da sua
simplória produção era sem dúvidas o fato de Milena ser toda delicada.

Larissa tentou não acompanhá-la com os olhos, enquanto andava para fora do quarto, pelo
corredor e então, andava pela cozinha, servindo-se de café e pão.

— Aonde você quer ir? — Perguntou, querendo saber o que pensava.

— Buscar Aliel. Eu sempre o levo para passear nos domingos. Hoje eu vou primeiro levá-lo
ao zoológico. Era para ser um programa nosso. Ontem eu o busquei, treinamos bastante no piano,
enquanto esperava você chegar.

— Por que se importa com esse garoto? — Era uma dúvida de Larissa, devido ao fato, de
não ser algo comum.

— Os pais de Aliel são terríveis. O pai é omisso, não vale nada. A mãe... É fria, raivosa e
sempre está brigando por tudo. Eles agem como se o menino fosse um inconveniente. Eu me
afeiçoei a Aliel e odeio ver como o tratam. Ele não é apenas uma promessa, um prodígio na
música, ele é um garoto adorável, que conquistou meu coração.

— E você quer que eu conheça o seu pupilo, porque acha que vou me apegar a ele? E isso
vai criar um vínculo entre nós duas, que vai além da cama? — Larissa acusou.

— Não — Milena olhou-a surpresa — eu sei que já existe um vínculo entre nós, que com
certeza, ultrapassa a atração física. Eu quero que conheça Aliel, que mostre a ele o que é um
violino, porque ele nunca viu um de perto. Se possível, gostaria que tocasse piano com ele. Eu não
sou uma exímia pianista, pelo contrário, eu sou relativamente ruim. Ele precisa de alguém com mais
conhecimento que eu, pois está chegando em uma fase de evolução, que já me deixou para trás.
Estou sem recursos, não posso contratar alguém. E nós duas somos amigas, não somos? Você
poderia me ajudar? Ser uma boa influência para Aliel?

— Eu não trouxe o violino — Larissa respondeu, com a voz firme, porém a mente confusa.

Ser uma boa influência para um garotinho? Logo ela, que enterrara seu filho ainda bebê?

— Fica para outra vez, então — Milena disse conformada. Estava se acostumando a levar
foras vindos de Larissa. O jeito com que Milena olhava deixou Larissa culpada. Esse sentimento não
era agradável.

— Escute... Eu quero ficar, eu gosto de estar aqui, eu só... Não estou acostumada a me
envolver. Sempre caio fora quando algo fica mais profundo. E se for sincera, faz muito tempo que
não tem sido algo profundo na minha vida. Faz muito tempo que eu não me sinto assim. É difícil até
falar desse assunto.

Estava estampado no rosto de Larissa o quanto era sofrido admitir que tivesse sentimentos
por alguém. Quanto mais aceitar, que desejava e precisava, viver esse sentimento. Milena
aproximou-se e segurou sua mão, notando o desconforto imediato dela.

— Eu não estou pedindo nada além da sua presença. Da sua companhia. Não precisamos
dar rótulos ou forçar nada. Venha conhecer Aliel, fique um pouco comigo, conheça a minha vida.
Quem sabe, você não gosta do que vê?

Ofereceu, sorrindo meiga.

— Eu gosto do que vejo. É por isso que quero tanto ir embora. — Larissa tocou seu rosto
mimoso, contornando seu queixo com uma das mãos, enquanto aproximava os lábios para um beijo.

Milena escapou da tentativa do beijo, rindo:

— Não. Se você me beijar, vou querer te arrastar para o quarto comigo e eu tenho um
compromisso com Aliel! Não posso magoá-lo! Veja, vou guardar esse beijo para depois, quando
você voltar comigo para casa. O que acha?

— Vai ser do seu jeito. Mas não espere muita coisa de mim. Eu não tenho nada para te
oferecer além do que já vivemos.

Era uma constatação triste. Milena fez ares de dúvida e afastou-se para ajeitar a mesa do
café da manhã. Larissa estava começando a se flexibilizar, sem notar, vergando-se ao desejo de
conviver com ela.

Era isso que Milena tanto queria. Ter uma chance de conquistar definitivamente o coração
ferido de Larissa. Durante duas semanas havia esperado um contato, um telefonema, qualquer
indício de que poderiam se ver outra vez.

Como nada aconteceu, havia ligado para Lorena, depois de encontrar o número da loja num
site de buscas na internet. Havia ligado e pedido que a ajudasse.

Incentivasse Larissa a procurá-la. Não esperava que Lorena e Tico mandassem discos, mas
estava muito feliz por ter itens novos no seu limitado acervo.

O mais importante, era ter Larissa perto outra vez. Milena não conseguia desgrudar os olhos
da morena. Como se ter sua presença em sua casa, mudasse tudo que viveu até ali. Era um
recomeço de vida. Amar pela primeira vez, fazia Milena romântica demais.
Capítulo 18

Meia hora mais tarde, Milena batia na porta da casa de Aliel, uma casa bonita, simples, que
detonava o descaso familiar, pelo estado precário do jardim, bastante abandonado. Larissa havia
permanecido no caminhão, estacionado a uma quadra de distância. Com certeza, os pais do
menino ficariam horrorizados se soubessem que sairiam com a namorada de Milena.

— Ele precisa estar de volta até às dezesseis horas — disse a mãe de Aliel, olhando para
Milena com desagrado — Eu tenho um compromisso, não posso esperar por ele eternamente.

Ela permitia que saísse com o menino unicamente para se livrar do filho.

— Vou trazer Aliel de volta às quinze horas. Eu me comprometi, não foi? — Tentou não se
irritar — Aliel, pegue um casaco, pode esfriar.

Foi preciso que uma estranha cuidasse da criança, pois a mãe não se importava com seu
bem estar. Depois dessa luta, para conseguir tirar Aliel daquele convívio desagradável com os pais,
Milena o levou pela calçada.

Quando dobraram a quadra, a primeira coisa que viram foi o caminhão estacionado e
Larissa esperando do lado de fora.

— Vamos andar de caminhão? — Perguntou Aliel, com olhos brilhantes, como quem ganha
um presente.

— Sim, vamos andar de caminhão — confirmou.

Ver o menino tão contente fez as duas sorrirem. Era a empolgação diante de um sonho de
infância: andar de caminhão. Qual menino nunca brincou de caminhãozinho um dia?

— Aliel, esta é minha amiga Larissa. Ela veio de São Paulo me visitar. Eu falei sobre como
você toca bem piano e ela quer te ouvir tocar. Larissa é violonista.

O modo como Larissa olhou-a valia uma vida. Furiosa por dentro, por ser colocada naquela
posição. Como poderia fugir desse compromisso, sabendo que magoaria um menino tão bonito e
simpático, quanto Aliel?

Pura empolgação brilhava nos olhos e na face do menino, enquanto fazia perguntas dobre o
violino.

Em determinado momento, depois de ajudar o garoto a subir no caminhão, ambas colocarem


os cintos de segurança e o veículo entrar em movimento, Larissa surpreendeu Milena, ao se revelar
em uma mentira:

— Eu trouxe o meu violino. Você quer me ouvir tocar mais tarde, Aliel?

— Sim! Podemos tocar juntos? — O menino perguntou — Milena, eu sei alguma música que
posso tocar em dueto com violino?

Ele perguntava para a professora.

— É claro que sim. Já falamos sobre isso, lembra? Sobre como funciona a didática de uma
orquestra?

— Sim, eu lembro.

Como todo garoto de nove anos, Aliel ficava sem jeito ao levar uma chamada de atenção
de sua professora. Sempre que isso acontecia, Milena tratava de desanuviar o clima sério, pois
exigir dele conhecimento e técnica era sua obrigação:

— Acho que Larissa vai adorar tocar em parceria com você, Aliel. O que acha, ela dá conta
de te acompanhar?

Cutucou o menino com o ombro, que olhou para Larissa e acenou com a cabeça,
envergonhado.

— Faz muito tempo que eu não consigo tocar bem, Aliel — Larissa nem sabia por que
contava isso, mas as palavras brotaram pela sua boca, enquanto mantinha os olhos na rua.
Dirigindo com atenção.

— Você se machucou?

Na inocência infantil, essa era a única razão aceitável para alguém parar de tocar, tendo
talento e gosto pela música. No mundo dos adultos, havia muitas outras razões.

— Não. Eu apenas... — Mediu as palavras, pois não deveria colocar sobre ele muitas
informações sobre a vida adulta. —... Estive triste por muito tempo e parei de tocar. Talvez sua
professora não tenha lhe dito, mas tocar um instrumento com perfeição demanda muito empenho.
Uma vez que se larga, é difícil retomar.

— Ela diz sim! — Ele contou — Está sempre me dizendo para praticar. Mas eu não tenho um
piano. Minha mãe não aceita nem falar sobre isso. Por isso eu treino nos fins de semana, mesmo a
escola de música estando fechada.

— Você tem uma boa professora, Aliel. — Larissa olhou de relance para Milena, com algo
de carinho no olhar. — O que você gostaria de tocar?

O menino falou alguns títulos e compositores, entre riso e pequenas discussões poéticas sobre
estilo e gostos pessoais, chegaram a um consenso sobre o que gostariam de tocar.

A interação entre Larissa e Aliel era perfeita. Como Milena achou que seria. Havia algo em
torno de Aliel, uma luz própria, que via claramente em Larissa também. Eles combinavam.

A conversa entre eles fluiu muito bem, havia algo de semelhante entre ambos, que ia além do
fato de serem parecidos fisicamente. O que, aliás, eles eram.

Quando Larissa estacionou em frente a um parque, onde havia um estacionamento pago e


desceram, foi preciso andar duas quadras para chegar ao zoológico da cidade.

A estrutura era simples, mas Aliel sempre adorava ir até lá. Eram poucas as opções de lazer
na cidade, mas isso não fazia diferença para Aliel. Ele amava aqueles momentos longe dos pais,
das brigas e das ofensas.

Entraram no zoológico e Milena abraçou o menino pelos ombros, enquanto o levava


diretamente para seu lugar favorito: o viveiro de pássaros. Ele amava pássaros.

Um passo atrás, Larissa acompanhou-os com passadas lentas. Observou-os conversarem,


falarem sobre os pássaros.

Olhando para as aves enjauladas, presas e sem esperanças, Larissa sentiu um aperto no
peito. Era assim que se sentia. Enjaulada em sua própria vida, amarrada por suas escolhas.

Milena olhou para trás, procurando por ela. Encontrou Larissa com um olhar perdido,
assustado, longe. Pensamentos de sua vida, suas escolha, seus sofrimentos. Triste por ela, chamou:

— Venha ver, aquele é o preferido de Aliel!

Larissa aproximou-se e espiou. Era uma ave vermelha, uma arara linda e que em céu aberto
deveria ser bem mais feliz. Mas não disse nada disso, claro que não.

— Aquele lá é lindo também. — Apontou para uma arara verde.

— Eu prefiro os pássaros pequenos — contou Milena.

Sem que Aliel notasse, entretido com os pássaros, Milena tocou no braço de Larissa, em um
carinho discreto, para não ofender as pessoas em volta. Era um toque amigo, de conforto, como
quem agradece por não estragar as ilusões do garoto.

— Eu tive um filho — disse Larissa, sem que a loira esperasse por essa revelação — Se
estivesse vivo, teria a idade de Aliel.

Sua voz não era mais do que um sussurro.

— Faz muito tempo que aconteceu? — Perguntou Milena, referindo-se a perda.

— Ele era de colo ainda. — Foi evasiva, porque doía muito lembrar. Quando mais falar
disso.

— Qual era o nome dele? — Perguntou, mas não houve resposta.

Larissa afastou-se e segurou nas grades de proteção, olhando para os pássaros. Milena
apenas ficou ao seu lado, dando apoio. Demorou para que Larissa voltasse a falar.

— Eu escolhi o nome Gabriel. Registrei com meu sobrenome. Ele não tinha pai. Eu...
Engravidei porque queríamos ter filhos. Eu tinha uma companheira.

Assustada por finalmente ouvir a história de vida de Larissa, a loira se calou.

— Ela era mais velha, mais experiente. Eu era muito nova, mal tinha feito a maior idade.
Queríamos ter filhos. Pareceu lógico que eu fizesse isso. Conheci um amigo dela, que ela escolheu.
Fizemos sexo. Foi um sacrifício por amor. Uma estupidez. Eu engravidei logo de primeira. Eu não
sabia que poderia amar tanto assim. Eu só queria o meu filho. — Um quase sorriso de saudade
surgiu no rosto dela, mas logo foi embora — Pouco tempo depois... Eles se foram.

— Como aconteceu? — Milena estava séria.

Larissa olhou-a com olhos de dor.

— Um acidente de carro. Ela estava com o bebê e com o amigo, o mesmo que escolheu para
ser o pai. Ele faleceu uma semana depois do acidente. Ela e Gabriel se foram na hora. Não
sobrou nada.

— Porque eles estavam todos juntos? Onde você estava quando aconteceu? — Estranhou.

— Ela estava me abandonando. — Larissa disse, voltando a se tornar distante, fria e até
mesmo mordaz — Ela estava roubando meu filho para fugir com o amante.

Surpresa, Milena permaneceu de boca aberta, sem saber o que perguntar. Aliel atraiu a
atenção delas e o assunto precisou esfriar.

Chocada, Milena não mais ousou tocar no assunto.


Capítulo 19

O dia passou com relativa leveza. Ao lado de Aliel era fácil esquecer os assuntos dolorosos.
Eles percorreram o zoológico conversando e tirando fotos, para marcar aquele momento. Mais
tarde, almoçaram um lanche em um quiosque e partiram para casa.

O único desconforto real aconteceu quando chegaram na frente da escola de música. Larissa
estacionou na frente e eles desceram. Ambas conversavam e foi Larissa quem notou o homem
parado na frente da porta.

Acostumado com isso, Aliel apenas apontou, para que Milena notasse. A loira retirou a chave
da bolsa e entregou para o garoto.

— Entre pela porta dos fundos, Aliel — mandou.

Nessas horas de seriedade, nem adiantava o garoto brigar com a professora e querer
protegê-la, Milena era séria e ríspida, para que o garoto não tentasse ser mais corajoso do que
deveria em sua idade.

Falsamente calma, Milena andou na direção do ex-noivo.

— Jacob, você por aqui de novo. O que aconteceu? — Perguntou, como quem não acha
nada estranho.

Colocou a chave na fechadura, mas não girou, para que ele não quisesse entrar com elas.

Jacob era bem capaz de ser inconveniente a esse ponto.

— Eu estava passando por aqui — ele olhou demoradamente para Larissa. — Hoje cedo vi
um caminhão aqui na frente e fiquei preocupado.

— Não se preocupe, o caminhão é da minha amiga. — Tentou não soar ríspida de mais.

— É melhor eu ir, então — ele disse, sem jeito, magoado, olhando duramente para Larissa.

— Sim, eu não posso te convidar para entrar, Jacob. Você sabe disso. É melhor mesmo você
ir embora. — Milena avisou.

— E de preferência, não voltar mais — foi Larissa quem disse, quando ele virou as costas
para ir.

— É mesmo? E se eu não quiser ir? — Ele perguntou, revoltado em ser enfrentado por uma
mulher.

— Eu te coloco para fora. — Larissa não era uma mulher suave. Era pequena demais para
quem era bicuda a extremos. Foi uma troca de olhares duros e furiosos.

Um sorriso sádico apareceu no rosto de Jacob, enquanto ele media a morena de alto a
baixo:

— Pelo visto você é o homem da relação. — Ele chacoteou.

— Alguém tem que ser, não é? Caso contrário, Milena ainda estaria com um tipo como você.
— O sorriso de Larissa era de deboche também — Faz um favor para si mesmo e vá embora. E
não ouse voltar outra vez.

— Isso não está certo — ele disse olhando para Milena, com dor no olhar — O que você
fez comigo não se faz, Milena. Não se faz.

Ele ainda agia como se não houvesse superado a traição.

— Eu já pedi perdão — ela disse baixo.

— Pediu? Pois não deveria. — Larissa avisou — Ele está mais mordido por ter sido trocado
por uma mulher, do que por ter perdido a noiva.

— Isso não é verdade — Jacob avançou na direção de Larissa que não se moveu nem um
milímetro.

— Encoste a mão em mim e eu te coloco na cadeia por bater em uma mulher — Larissa
avisou — Mas antes, eu te retalho inteirinho.

O tom de voz de Larissa não deixava dúvidas que faria isso. Jacob não avançou mais,
apenas virou as costas e foi embora.

— Você não faria isso. — Milena duvidou das ameaças de Larissa.

— É claro que não retaliaria esse porco, mesmo que mereça isso. Ele é do tipo covarde. —
Manteve-se apenas observando-o se afastar até estar bem longe — É o pior tipo de homem que
existe.

— Não diga isso. Jacob não é tão mal assim. Ele vai superar e voltar a ser o rapaz doce
que eu conheci. Eu confio nisso.

— Você é uma boba. — Larissa reclamou, enquanto entravam e precavidamente, Milena


trancava a porta da escola.

— Onde você aprendeu a falar daquele jeito? Toda durona? — Milena perguntou, sorrindo,
contente em ter sido defendida.

— Trabalho em uma loja de artigos de rock. Vez ou outra, aparece algum motoqueiro que
se acha durão. É assim que Lorena lida com eles. Eu aprendi com ela. — Larissa confessou.

— Eu tenho que admitir... Eu fiquei excitada de te ouvir falando daquele jeito — falou
baixinho, para que não pudessem ser ouvidas.

Larissa colocou uma das mãos no ombro de Milena, mas não fez carícias. Elas se separaram,
pois Aliel havia aparecido.

— Ele já foi? — O garoto perguntou, preocupado.

— Sim, Jacob só queria conversar sobre as aulas da escola, não era nada demais, Aliel. —
Milena mentiu, para não preocupar o menino. — Então, vamos ter a honra de ouvi-la tocar seu
violino, Larissa?

Tanto Aliel quanto Larissa, parecia não querer trocar o assunto. Mas não houve jeito.

Na companhia do menino, Larissa voltou ao caminhão para pegar o violino. Milena


permaneceu na cozinha, para beber água e se acalmar. Estava com as pernas bambas de ver
Jacob enfrentar Larissa. Recuperou-se e disfarçou qualquer abalo, para não estragar o dia.

Ter a companhia de Larissa em sua casa, vivendo ao seu lado, mesmo que apenas um dia,
era muito mais agradável do que pensou que seria. Não permitiria que nada estragasse esse
momento, muito menos, permitiria que Jacob ainda tivesse qualquer poder de estragar sua vida.

Qualquer dívida moral que restasse entre eles, havia sido paga financeiramente, pois ele a
roubou descaradamente, acabando com suas economias.

Mais tarde, mostrou a Larissa a sala onde ficava o piano. Acostumado com o lugar, Aliel
sentou e se preparou, enquanto Larissa abria a caixa onde ficava o violino.

Encantado, Aliel até esqueceu o piano, levantou e começou a fazer mil perguntas. Larissa
deixou-o segurar o violino, ensinando-o como segurar, como posicionar, como deveria começar a
tocar.

Em uma conversa animada, os dois se prepararam para tocar. A canção escolhida começava
por Aliel tocando o piano, em um solo. Quando o garoto começou a tocar, Larissa imediatamente
olhou para Milena, pois era verdade o que a loira vivia dizendo: o garoto era um prodígio.

Larissa começou a tocar quando chegou o seu momento. Fazia muitos anos que não tocavam
em público. Muito tempo que tocava apenas em casa, em momentos de depressão e nostalgia.
Tocar por alegria, para ver alguém sorrir... Isso era uma novidade recente em sua vida.

Quando perdeu seu filho, sua carreira foi abandonada, assim como abandonou também
todos os seus sonhos. A vida havia perdido completamente o sentido, por isso, Larissa rendera-se a
apatia e a dor.

Começou a tocar sem a pretensão de conseguir ir até o final ou acertar todos os acordes.
Mas para sua surpresa, seus dedos, sua mente e seu coração acompanharam com perfeição as
notas que Aliel tirava do piano.

Um dueto encantador. Quando chegou ao final, Milena tinha lágrimas nos olhos. Emocionada,
aproximou-se do menino e o beijou na cabeça, dizendo:

— Você foi perfeito, Aliel. Se continuar tocando assim, com esse empenho todo... Vai ser a
estrela da apresentação do próximo mês.

— Obrigada — como sempre educado, agradeceu — Eu gostei muito de tocar com você,
Larissa. Gostaria de ter a oportunidade de repetir mais uma canção. Se você concordar.

Larissa olhou para Milena, como quem pergunta por que o menino era tão formal. Milena
apenas sorriu.

Não queria lhe dizer que Aliel aprendera a ser adulto, antes de ser criança. Ele era
especial, muito mais inteligente que qualquer outro garoto de sua idade.

Juntos, continuaram tocando em dueto. Em determinado momento, Larissa ofereceu o violino,


para que o menino tentasse tocar. Rapidamente Aliel aprendeu a segurar e começou a tentar tocar.

Não foi uma surpresa para Milena que ele conseguisse um bom resultado logo na primeira
vez. Sorrindo muito, Larissa encantou-se em ensinar o menino a tocar violino e sem notar, as horas
foram passando...
Capítulo 20

— Quando Aliel apareceu aqui, foi algo muito espontâneo. Ele passava todos os dias aqui
na frente e ficava parado, olhando. Um dia, eu o chamei e perguntei se queria entrar. Ele aceitou.
Disse que sua mãe não pagaria por aulas de piano. Eu o deixei conhecer o piano de pena. —
Contou Milena, horas mais tarde, depois de deixar o menino na casa dos pais e voltar para a
escola — Eu nunca poderia imaginar que o menino fosse tão especial. Quando ele sentou na frente
do piano e eu mostrei algumas notas, ele acompanhou imediatamente. Coloquei uma música no
fundo e Aliel começou a acompanhar. Não foi algo planejado, foi natural. Eu o convidei para voltar
e a cada nova aula, ele me surpreendia ainda mais. Por fim, consegui aplicar um teste de QI. O
resultado foi o que eu esperava. Aliel tem uma inteligência muito maior do que o normal e sua
afinidade pela música remete isso para os instrumentos.

Larissa ouvia atentamente, enquanto segurava seu violino. Desde que tocara com o garoto,
obtendo sucesso em tocar, não conseguia largar do instrumento.

— Eu fiquei impressionada com Aliel. Ele é um garoto maravilhoso.

— Sim, mas eu não quero mais falar do Aliel. Eu quero falar de você, Larissa. — Milena
aproximou-se, ambas estavam na sala de música, onde ficava o piano — O que você me contou
mais cedo... Eu sinto muito pela perda do seu filho. Não pode imaginar como eu gostaria de vê-la
feliz ao lado da sua criança. De coração.

Larissa deu de ombros, não aguentando aquele assunto. Garganta fechada, voz
embargada, não queria chorar. Mas era doloroso demais recordar.

— Porque você acha que sua companheira estava fugindo? — Precisou perguntar.

— Ela foi casada antes de me conhecer. Deixou o marido, para viver outra história de amor.
Mais ou menos como aconteceu com você e o seu noivo — soou quase como uma alfinetada — Ela
era mais velha do que eu. Me apaixonei perdidamente. Ela vivia falando que queria ter filhos, mas
não podia gerar. Éramos um casal, estávamos juntas há seis meses, eu achei que fosse natural, que
eu devesse engravidar. Ela conseguiu um amigo para ajudar. Tudo parecia tão bem... O bebê
nasceu e ela mudou. Agia como se eu não devesse cuidar da criança. Com o tempo eu fui
afastando-a do Gabriel. Ela notou, nós brigávamos o tempo todo. Um dia eu fui tocar numa
orquestra, era a primeira vez que era convidada para um solo... Quando voltei, Lorena estava
desesperada, porque o pai da criança apareceu e levou o Gabriel. Eles levaram meu filho à
força. Fugiram. Eu fiquei sabendo, depois, que o plano era levar o meu bebê para o ex-marido
dela. Que haviam reatado e o pai do bebê era amigo do casal. Que todo o tempo, eles queriam
isso: um filho. Que tudo que vivemos foi mentira. O pior, é que dois dias depois, a polícia encontrou
o carro deles. Sofreram um acidente e o pai do Gabriel morreu dias depois. Ela e o Gabriel já
haviam sido enterrados quando eu descobri o acontecido, pois se foram na hora.

Era uma estória contada de modo automático. Milena ficou com o sentimento de que aquilo
não poderia ser verdade. Como algo assim, tão cruel, pode acontecer na vida real?

— Larissa, eu sinto muito. De verdade, eu sinto pela perda do seu filho. Eu sinto pelo tanto
que lhe magoaram. Agora entendo porque você tem tanto receio se amar outra vez. Mas, eu não
sou como a sua ex-companheira. Eu não estou mentindo para você. Essa é minha vida, não tem mais
nada para saber de mim. Não quero tirar nada de você. Pelo contrário, se existisse um poder
maior e pudesse... Eu traria seu filho de volta. Eu não posso mudar o seu sofrimento. Mas, eu posso
lhe oferecer amor e carinho. Talvez uma vida calma. Olhe para minha vida, eu vivo assim, na
música, com amigos queridos, alunos que são como filhos para mim. Eu não tenho uma vida agitada.
Não tenho quase nada de meu. Não tenho inquietações profundas. O único sentimento que tem me
motivado é a vontade de amar e ser amada.

— Não vai encontrar o amor que procura em mim, Milena. Eu não sou alguém para amar e
ter um relacionamento. Aceite isso.

— Não aceito — Milena aproximou-se, num ímpeto, segurou-a, para que não fugisse da
conversa — Não aceito que fuja. Não há razão para isso. Eu quero você na minha vida e não vou
desistir. Não vou. Aceite isso, Larissa.

Larissa sorriu irônica, enquanto perguntava:

— E como pensa me forçar a ficar?

— Eu não penso em forçá-la. Eu vou te amar tanto, Larissa, que você vai querer voltar e
voltar... Até ficar definitivamente. — Disse suave, com muito sentimento no olhar.

— Está se iludindo, Milena — avisou, erguendo uma das mãos para tocar seus cabelos
longos, num mudo carinho, que na verdade, gritava sobre desejo e necessidade de amar.
— Não, eu não estou. Você vai embora daqui a pouquinho, não é? Eu quero ficar com você
mais uma vez, antes que vá. Você também quer?

Larissa olhou com sofrimento para aquele piano. Então olhou para Milena e respondeu:

— Quero.

Já era um começo, pensou Milena. Até um dia atrás, Larissa não admitiria algo assim, nem
mesmo sob tortura. Ouvi-la espontaneamente admitir querer ficar, já era um começo.

— Toca para mim uma canção bem linda, bem íntima — pediu com voz baixa, mansa, para
acalmar uma fera medrosa que havia dentro da alma de sua companheira.

Em geral a música clássica era elegante e suave. Mas alguns compositores, atormentados por
personalidades complexas e emocionais tortuosos, haviam criado belas composições com
intensidade e profundidade. Composições que despertavam emoções de ódio, paixão ou loucura.

Milena queria ouvir algo que inflasse a paixão. Queria seduzir a artista que havia dentro de
Larissa. Conquistar e fazer amor com a mulher e a artista. Tocar em todos as facetas de Larissa,
mesmo as mais profundas e sombrias.

Larissa posicionou o violino entre o ombro e o queixo, segurou-o e começou a tocar. Olhos
fechados, concentrada, tocando uma canção que amava. Começava lenta e suave, mas ia
crescendo aos poucos, evoluindo e estourando em algo forte, cadenciado e profano. Exatamente a
mesma definição do amor.

Envolvida, Milena começou a despir as roupas, enquanto Milena tocava, de olhos fechados,
sem notar nada. Nua, aproximou-se e ajoelhou-se no chão, tocando a cinta da calça que a morena
usava.

Houve uma pequena retração, mas Larissa não parou de tocar ou abriu os olhos. Milena
abriu o cinto, o botão, baixou o zíper, puxou a calça, só não mexeu nos sapatos, pois Larissa abriu
os olhos, parou de tocar, esperando que Milena terminasse de despi-la. Foi o que fez, com pressa.
Arrancou os sapatos e as meias. A blusa e todo o resto, desapareceu.

Nua, Larissa retornou a tocar. O som envolvente, Milena não fez nada, ficou apenas
assistindo-a tocar. O corpo movendo-se espontaneamente ao sabor do encanto e empenho que
tocar lhe trazia. Envolvida e envolvendo, era assim que Larissa parecia aos seus olhos.

Excitadíssima, Milena levantou e sentou-se no banquinho em frente ao piano. Mais tarde,


trocaria o banco, para que Aliel não usasse mais aquele, mas por hora, esqueceu-se de tudo, ficou
ali, assistindo sua amante entregue, tocando o instrumento, projetando em som toda a paixão que
guardava em seu coração.

Em determinado momento, Larissa olhou para sua parceira, para seu corpo nu, tão bonito,
vistoso e suculento. Ela tocava de leve os seios com uma das mãos, enquanto a outra roçava em
uma coxa, sem a pretensão de se tocar, pois esperava por Larissa.

Maliciosa, a loira fez um gesto com a mão pedindo que se aproximasse. Larissa atendeu ao
chamado, sem nunca parar de tocar. De pé, diante de Milena, voltou a fechar os olhos, emendando
uma canção em outra, sem nunca interromper o show particular que Milena merecia.

Enaltecida por finalmente ter uma demonstração de carinho de Larissa, a loira aproximou o
rosto do umbigo de Larissa, beijando e mordiscando ali.

Desceu lentamente os carinhos, aspirando o cheiro do sexo, o cheiro do corpo de Larissa.


Estar apaixonada tornava tudo mais bonito, mais sensual, menos vulgar.
Capítulo 21

A musicista perdeu uma anota, errou um acorde, ao sentir o primeiro toque da boca macia
em seu sexo. Bem devagar, Milena a fez erguer a perna, apoiando o pé no banquinho, e pousou a
boca diretamente sobre a vagina úmida, aberta e avermelhada, que pedia carinhos.

Larissa curvou o corpo, esquecendo-se de tocar por um instante. Então, recomeçou a tocar,
aumentando a velocidade enquanto Milena aumentava os movimentos, usando a língua para
esfregar cada pequeno relevo.

Estavam apenas começando a transa, apenas começando a se amar. Aquilo prometia ir noite
à dentro. A tarde minguava do lado de fora e Milena esperava poder lidar com as fugas de
Larissa, quando chegasse a hora.

Por isso, esfregou bem de leve a língua no clitóris inchado, rodando o pequeno grão entre os
lábios, mordendo muito suave, para não machucar.

O sabor era inacreditavelmente excitante. O cheio, a textura. Larissa era perfeita para a
sua língua. Chupando com muita suavidade, Milena ameaçava enlouquecer a musicista, que tocava
seu violino com força e perfeição questionáveis, visto estar completamente envolvida no que
acontecia com seu corpo.

O modo suave como era tocada era emocionante, para quem nunca antes foi amada de
verdade. Milena seduzia sua parceira, com bem mais do que atos sexuais, seduzia com o modo
terno de tocar, de acarinhar, de mostrar sentimentos.

Em determinado momento, o suave puxão que Milena deu no clitóris, sugando, fez Larissa
parar definitivamente de tocar e se apoiar no ombro da loira. Uma das mãos segurava seu violino,
a outra se segurava para não cair.

A perícia da língua de Milena era deliciosamente eficaz. Parando de chupar, começou a


lamber, dessa vez com rapidez. Larissa era do tipo que gostava de ir ao limite, de ser estimulada
com agressividade. Milena era toda suavidade, mas se esforçava para dar aquilo que Larissa
tanto gostava.

— Milena... Oh, não faça assim... — Os gemidos eram fortes, chorados, lamentados. Era uma
quase dor que a fazia retesar todo o corpo, lutando contra o prazer. — Não, eu não posso
aguentar...

Era um frisson sem tamanho. Em êxtase, largou o violino sobre o piano e segurou a cabeça
loira, recebendo o beijo íntimo, pois Milena beijava sua vagina, fazia amor com a língua,
enlouquecendo-a.

O clímax chegou juntamente com um arrepio de frio. Um arrepio que veio desde a nuca,
percorrendo sua coluna. Foi um prazer deselegante, contorcido, arrastado.

Sem fôlego, sem voz, Larissa contorceu-se contra a boca macia, que ainda chupava sem dó.
Assim, ao seu alcance, sem estar fugindo, Larissa era linda.

Milena retirou a boca daquele sexo delicioso e imediatamente envolveu um seio, beijando-o,
sugando o bico, querendo lhe dar mais prazer.

Larissa agarrou seu cabelo louro, sem muita delicadeza, puxando sua cabeça para um beijo.
Milena gemeu alto, em dor e prazer. Aquela forma de agarrar era algo típico de Larissa. Intensa
demais. Era o charme que a tornava tão atraente para o olhar de Milena. Por isso, correspondeu
com o mesmo ardor.

— Eu te quero inteirinha. — Larissa sussurrou, bastante frenética por tocar, apalpar e


possuir.

— Então me pega forte — Milena ofereceu, afastando-se, para se inclinar contra o piano,
oferecendo o corpo, para que Larissa tomasse tudo que desejasse. — Eu gosto que me toque
forte, que me faça arder. — segurou a mão de Larissa, conduzindo-a por sua barriga, até o sexo
molhado, que pedia por um carinho.

Larissa esfregou de leve, molhando toda a palma da mão em sua lubrificação quente.

— Vira de costas — mandou, naquele tom de voz que enlouquecia Milena.

Obediente, sem conter o tremor nas pernas, virou-se e apoiou o joelho no banquinho. Era um
banco para duas pessoas tocarem piano, sendo assim, havia espaço para apoiar ambos os joelhos,
e quando Larissa a ergueu pela cintura, Milena reclamou:

— O piano não vai aguentar meu peso, Larissa — reclamou.


— Vai sim. Vamos ser rápidas, eu prometo — disse, com a voz tão quente, que convenceu os
sentidos de Milena a fazer algo que a lógica rechaçava.

Larissa observou-a sentar sobre o piano, um pouco de lado. Ajudou-a a virar um pouco de
costas, para ter acesso a sua bunda perfeitamente esculpida pela natureza.

Era impossível não querer agarrar toda aquela carne macia, branca e tenra. Enfiando as
mãos entre os montes cheios, Larissa gemeu de contentamento, enquanto Milena se contorcia.

Inconscientemente era um modo de Larissa expurgar as más lembras que aquele piano lhe
trazia e reescrever uma nova trajetória ao lado do instrumento. Afinal, um piano deve alegrar a
vida, trazer luz e graça, e não desesperança.

Empurrando a coxa de Milena, encontrou acesso para o que procurava. Esfregou os dedos
por trás, entrando entre as dobrinhas suaves, procurando por sua fenda. Assim, quase de costas, o
acesso era difícil, mas Larissa pressionou até entrar dois dedos.

Milena contorceu-se, tentando mudar a posição, sem conseguir, pois aparentemente esse era
um fetiche de Larissa: tomá-la por trás.

Ganindo em desejo, Milena procurou agarrar algo, mas só encontrou a estrutura lisa e
gelada abaixo de si. Sua respiração contra o material lustroso do piano causou marcas
esbranquiçadas, de vapor contra o material frio da qual era feito o piano. Essa imagem era tão
erótica, quando o que Larissa fazia com ela.

Saber que sua escolhida lhe proporcionava esse sentimento era algo tão erótico quando o
ato em si. Estava completamente apaixonada por Larissa.

Irremediavelmente apaixonada, enquanto gemia e se contorcia, sendo tocada por dentro,


por aqueles dedos habilidosos, Milena pensava unicamente nisso: manter Larissa ao seu lado para
sempre!

Essa constatação era tão correta, tão perfeita. Foram feitas uma para a outra, e uma vez
encontradas, não poderiam ser apartadas, mesmo que Larissa tivesse medo.

Mesmo que a afastasse.

Milena agarrou um seio, apertando o peito, enquanto delirava em prazer. Larissa estendeu
ainda mais suas pernas, para encontrar com a língua espaço para lamber enquanto a possuía com
os dedos.
A posição era complicada, mas Milena gemeu assim mesmo, pois era um choque ser girada
no piano, e ter os dedos enterrados ainda mais fundo, enquanto Larissa grudava a boca em seu
clitóris.

A loira tentou agradecer, elogiar ou falar qualquer elogio que lhe viesse a sua mente, mas
foi impossível falar. Gemendo muito, arfante, subiu e desceu o peito várias vezes, olhando para o
teto, enquanto o orgasmo era construído dentro de si e explodia por cada pedacinho do seu corpo,
consumindo células e poros.

— Larissa, oh, Larissa, você está aqui dentro — segurou sua mão livre e a pousou sobre o
seio, indicando o coração — Você entrou no meu coração. Eu te amo, amo muito. Por favor, não
pare... Oh...

Foi impossível não gemer ainda mais, pois Larissa não parava de tocar-lhe. A declaração de
amor se perdeu em meio a gritos de prazer.

Quando acabou, Larissa afastou-se fingindo não ter ouvido sua inesperada declaração de
amor...
Capítulo 22

Deitada de lado, ainda sobre o piano, Milena observava os movimentos rápidos de Larissa.
Não estava surpresa por sua amante vestir-se logo após dividir um momento tão intenso. Na
verdade, esperava por isso.

— Eu preciso trabalhar amanhã — explicou Larissa, fugindo totalmente de qualquer


comentário sobre amor. — Quero pegar a estrada enquanto ainda é um pouco claro. Não gosto
de viajar durante a noite.

— Eu entendo — Milena se moveu, mas não fez nada para impedi-la de ir. Tão pouco
insistiu na declaração. Era melhor deixar isso para quando Larissa pudesse aceitar seus
sentimentos. — Eu sei como se sente... Mas eu preciso perguntar, Larissa. Você sabe que eu preciso
perguntar, não é?

Havia muito sentimento sendo exposto em seu olhar.

— Eu não acho que deva fazer isso. — Larissa avisou, começando a acelerar ainda mais os
movimentos.

Já estava vestida, poderia ir embora, nada a segurava ali. Nada, além, da vontade de
ouvir.

— Você gosta de mim? — Era uma pergunta bastante singela.

— É claro que não. Eu a odeio, Milena — havia seriedade em suas palavras e a loira sorriu,
pois ela queria dizer exatamente o oposto, mas não conseguia.

— Bem, se você gosta de mim — enfrentou-a, levantando e aproximando-se — E eu gosto


muito de você, me parece apropriado convidá-la para vir para cá definitivamente. Venha morar
comigo, Larissa.

— Você perdeu o juízo. Só pode — Larissa respondeu de imediato, mesmo que seus olhos
denunciassem sua vontade de dizer o contrário.
— Não, eu não perdi o juízo. Eu sei o que eu quero. Eu estou apaixonada, não vou esconder
esse sentimento. Quero você na minha vida. Eu não posso abandonar o pouco que tenho aqui. Você
é uma artista e eu preciso do seu talento aqui. Quero que se una a mim na vida amorosa e
profissional.

— Você não sabe a besteira que está dizendo! — Larissa acusou outra vez, sentando-se no
banquinho em frente ao piano e baixando a cabeça.

Era um assunto sério. Deveria fugir, mas não conseguia.

Milena ajoelhou-se e ficou olhando em seus olhos, enquanto segurava em seus joelhos e lhe
fazia carinhos. Como uma pequena fada tentando os sentidos.

Sua voz era deveras sedutora e hipnótica. Estar apaixonada por Milena era uma maldição,
pois era impossível dizer não para aquele rosto meigo.

— Estou convidando para que more comigo, Larissa. Para que viva aqui. Não é um convite
para que deixe sua vida para trás. Ou que se jogue de cabeça. É sem compromisso. Não estará
presa em mim. Você pode fazer suas malas e partir quando quiser.

— E isso é justo com você? — Larissa acusou.

— Nesse momento? Sim, é justo comigo, Eu te quero aqui, quero mais do que tudo, pelo
tempo que for. Vem morar comigo, Larissa.

— Não tem medo do que dirão? Você nunca foi casada com uma mulher antes. — Larissa
tentou desmotivá-la.

— Eu virei o falatório da cidade quando trai meu noivo. Foi um escândalo. Nada pode ser
pior do que isso. Todo mundo sabe que sou lésbica. Todo mundo falou disso sem parar. Morar com
alguém do mesmo sexo não vai piorar os falatórios. — Sorriu — Eu decidi não ligar para isso.
Fingir não saber. Não vou parar minha vida por causa do que as outras pessoas pensam. Eu quero
viver com você. É só o que me importa.

— Eu não sei viver com outra pessoa. Sou muito individualista. — Larissa afirmou.

— Eu já notei isso. — Milena sorriu. — Eu quero tentar, Larissa. Nada que disser vai me
fazer desistir de você.

— Eu não posso abrir mão do meu trabalho e vir para cá. — Ela negou, procurando
desculpas para negar.
— Ora, por favor! Ser balconista de uma loja é um trabalho honrado, mas não é um
trabalho para uma violinista com o seu talento! Tico e Lorena te empregaram unicamente para te
dar um sentido na vida. Não é para você se agarrar nisso! Aqui você poderá exercer seu talento,
formar novos talentos, crescer como profissional. Larissa, você poderá ser quem é de verdade. Se
não quer ficar comigo, tudo bem. Mas fique, como professora. Faça isso por si mesma.

Larissa afastou-se, acuada.

— É melhor eu ir. — Reclamou e deu-lhe as costas.

— Ok, mas me prometa ao menos pensar na minha promessa. — Milena insistiu.

— Eu não prometo nada — Larissa disse furiosa em ser pressionada.

— Eu vou ligar para você. Faça o favor de atender. — Milena xingou de volta, pois pelo
visto, as duas se despediriam brigadas.

— Eu irei ligar. Sou eu quem toma a decisão. — Larissa disse, irredutível.

Era um aviso para não invadir ainda mais seu espaço. Milena apenas acenou, concordando.

— Me dê um beijo, eu não quero ir embora assim. — Larissa a chamou e Milena foi.

— Eu nunca te negaria um beijo, Larissa. — Foi uma inegável indireta, visto que Larissa já
lhe negara um beijo em outro momento.

Ignorando a briga, Larissa segurou-a com um dos braços na cintura, entrou uma das mãos
em seus cabelos, pela nuca, segurando sua cabeça.

Trocaram um longo olhar, antes que Larissa a beijasse. Facilmente poderiam ter recomeçado
a fazer amor. O desejo estava ali, suplicando que não se apartassem uma da outra. Mas o medo
incondicional também estava ali, empurrando Larissa para longe.

Tanto, que se afastou e foi embora.

Nem ao menos um adeus. Nada. Milena vestiu-se e seguiu. Destrancou a porta e assistiu-a
andar para o caminhão. Subir e dar a partida no veículo.

Mais uma vez, não sabia se voltaria a ver Larissa e esse vazio em seu peito, era desolador.

O mesmo sentimento que corroeu Larissa por toda a viagem para casa. Não sabia se
voltaria a ver Milena e isso lhe doía demais.
Nem sempre as escolhas de uma pessoa são ditadas pela racionalidade. No caso de Larissa,
era o medo quem decidia o caminho a seguir.

E esse mesmo medo, levou-a para casa, apesar do seu desejo de ficar.

De volta a São Paulo, ignorou o celular que tocava insistentemente indicando o número de
Lorena e Tico. Eles eram seus amigos, queriam saber se estava bem ou não, porque provavelmente
Milena deveria ter ligado para eles, tão logo Larissa foi embora.

Desligando o celular e abandonando-o em um canto qualquer, sentindo-se acuada, Larissa


andou pelo apartamento, até encontrar o que procurava. Uma gaveta, em uma mesinha, num canto
da sala.

Retirou um álbum pequeno, antigo e mal cuidado. Abriu-o e andou para o sofá, sentando-se.
No vazio do apartamento, que refletia o vazio da sua vida, Larissa olhou as poucas fotos que tinha
do filho.

Um bebê tão bonito e sorridente. Seu filho, que tanto amou e jamais poderia esquecer.

Com o coração despedaçado, ela se permitiu chorar.

Lágrimas correram em seu rosto, pois era uma dor inenarrável. A dor da saudade. A dor da
culpa, por estar indo em frente e deixando para trás a lembrança do filho.

Ser feliz, depois de perdê-lo, lhe parecia uma traição.

Isolada do mundo, permitiu-se desabafar.

Amanhã seria outro dia. Mas naquele momento, Larissa estava presa ao passado.
Capítulo 23

Pelo mês seguinte, Larissa não voltou a procurar por Milena. As duas se falavam
praticamente todos os dias, por telefone. Era quase compulsiva a necessidade de ouvira voz uma
da outra.

No entanto, o convite de morar juntas, vindo de Milena, reacendera o pânico dentro de


Larissa. Era preciso amornar a relação para saber o que de fato aconteceria. Milena fingia
concordar e Larissa fingia não se importar com a distância física.

A realidade era que ambas estavam ansiosas por encerrar aquele afastamento
desnecessário.

Em uma tarde, depois de atender um grupo de músicos, que buscavam por discos antigos,
Larissa tomou consciência do que vinha fazendo. Foi inesperado, mas ela entendeu que ao fugir,
aproximava ainda mais Milena.

Que do outro lado de uma linha telefônica, havia alguém esperando sua decisão. Que
mantinha a vida parada, a espera de uma resposta. Alguém que não merecia essa dúvida, essa
espera e essa ilusão.

Estava decidida a acabar com aquela loucura. Tomada de um impulso incontrolável, gritou
para Lorena, que estava nos fundos da loja, avisando que precisava sair. Quando Lorena
apareceu, não a encontrou mais.

Larissa era assim, às vezes era tomada de impulsos incontroláveis. Torcendo para que dessa
vez, fosse algo positivo, visto que seus amigos sabiam que ela estava no limite há muito tempo,
Lorena apenas assumiu o trabalho, rezando para que Larissa tivesse sabedoria para fazer as
escolhas corretas.

Larissa não pretendia tomar uma decisão definitiva que mudasse sua vida. Pelo contrário,
pretendia libertar Milena definitivamente de qualquer esperança de algo mais sério entre elas.

Em seu pequeno e frio apartamento, desprovido de acolhimento e amor, Larissa viu suas
certezas ruírem diante de si. A voz de Milena soando em sua mente, pedindo, insistindo, para que
cedesse e desse uma chance para o amor das duas.

Pensar no corpo macio, nos carinhos, na beleza do sexo entre elas... Do conforto de estarem
juntas. Pensar em dizer adeus definitivo para Milena... Era impensável. Deveria ter cortado os laços
lá atrás, quando cedeu a tentação de visitá-la.

Porque agora... Desolada, Larissa tomou uma decisão que não teria mais volta. Uma decisão
que mudaria sua vida para sempre!

*****

Milena estava entretida, sentada ao lado de Aliel, mostrando-lhe uma nova partitura. Como
esperado, foi preciso apenas explicar um trecho complicado, pois o restante o menino reproduziu
perfeitamente, sem ajuda alguma.

Haviam engatado uma conversa muito proveitosa sobre o repertório que Aliel deveria
apresentar. Ele faria parte de um recital e essa seria sua primeira apresentação em público.
Debatiam uma música em especial, que agradava Milena, mas desgostava Aliel, quando a
recepcionista veio chamá-la.

Da porta. Carine chamou-a e informou:

— Tem um caminhão estacionado aqui na frente. Está obstruindo a entregada da escola.


Devo chamar a polícia?

Por um segundo, àquela frase pareceu banal. Então, entendimento cruzou a mente de Milena,
que levantou, enquanto respondia:

— De modo algum! Continue tentando aquele trecho, Aliel, eu já volto! — Avisou, lembrando-
o disso, antes de sair praticamente correndo da sala.

Atravessou a escola com passos urgentes, o coração acelerado. Diante da fachada de


vidros, encontrou a imagem do caminhão de Larissa estacionado diante da entrada principal.

De pé, Larissa esperava que Milena aparecesse. Afinal, o caminhão chamava atenção.

Ainda sem saber se queria mesmo ouvir o que Larissa viera lhe dizer, pois supunha que
apenas um assunto muito sério a levaria pessoalmente até sua casa, andou em sua direção.

Era um dia bonito, de sol. Um belo dia para tomada de decisões...


— Oi, como você está? — Perguntou Milena, quando chegou até ela. Observava que
morena tinha uma mochila pendente em um dos ombros.

— Oi — Larissa respondeu, muito séria.

Trinta dias sem se ver. Sem olhar nos olhos bonitos de Milena, sem aspirar seu cheiro de
flores. Sem estar perto, criando aquela tensão que se formava sempre que estavam juntas.

Trinta longos dias, apartadas do que era felicidade.

— Você não me ligou mais... Achei que houvesse me deixado definitivamente. — Milena
falou, era necessário esclarecer logo as coisas. — Veio até aqui para terminar oficialmente
comigo?

Como alguém poderia terminar um relacionamento com uma bonita boneca, meiga, exalando
amor e companheirismo? Se ao menos Milena possuísse defeitos horrendos, seria mais fácil livrar-se
daquele sentimento. Mas ela era perfeita para seus braços, pensou Larissa.

— Eu trouxe só algumas coisas — disse séria, quase brava. — Se você me suportar, eu


trago o restante.

Milena quase não entendeu que aquela era a única forma que Larissa conseguiria para
dizer o que lhe vinha à alma.

— Oh, você aceitou meu pedido! — Milena levou uma das mãos ao rosto, surpresa — eu
achei que sequer estivesse pensando nisso! Que não fosse aceitar nunca! Larissa, você veio para
ficar?

— Por um tempo, sim, eu vou ficar — explicou rapidamente, olhando em volta, pois não
queria chamar demasiada atenção para ambas — Se não der certo... Eu vou embora.

—Oh, não, você não vai não! Eu não vou deixá-la ir embora! — Empolgada, Milena
apressou-se a pegar a mão de Larissa, como uma amiga faria. — Vamos entrar?

— Eu prefiro entrar pelos fundos — Larissa foi sincera.

Seu modo de olhar era acuado.

— De jeito nenhum. Você vai entrar pela porta da frente. Eu não tenho nada para esconder.

— E os seus alunos? O que os pais deles vão achar? — Maneou a cabeça, soltando sua mão
— É melhor entrar pelos fundos. Vamos conversar primeiro. Isso não vai ser fácil, Milena.
— Eu sei disso. Entra pelos fundos, eu vou te encontrar lá.

Não queria brigar com Larissa. Não, quando o que mais queria na vida, estava finalmente
acontecendo. Todo o tempo, empenho e amor que dedicara a Larissa, estavam sendo
recompensados.

Observou-a andar com seus passos firmes, afastando-se. Olhou em volta, sem saber como
lidar com o sentimento que explodia em seu peito.

Tomando consciência que era real. Que Larissa dissera sim antecipou-se de volta para a
escola e ao passar por Carine, disse:

— Eu não estou para mais ninguém hoje. Quando a mãe de Aliel chegar, você entrega o
bilhete que eu coloquei junto das partituras? Eu preciso que ela leia e assine a autorização para a
viagem — estava quase sem fôlego, coração acelerado.

— Ok, eu faço isso. — Carine sorriu diante de seus olhos brilhantes e sua alegria
contagiante. — Eu posso perguntar se aquela mulher lá fora é alguém especial?

Carine era uma boa amiga, nunca demonstrara preconceito, ou julgamento. Era bem casada,
heterossexual e mãe de dois filhos.

— Sim, Larissa é muito especial. Torça por mim, Carine. Torça por mim. — Pediu, sorrindo.

— Com certeza vou torcer por sua felicidade! Quer que eu feche a escola? Eu posso falar
isso. — ofereceu encantada de ver sua patroa tão feliz.

Milena era alguém doce e afável, mas raramente era feliz. Faltava-lhe companhia, faltava-
lhe um amor para alegrar sua vida.

— Obrigada, Carine, você é um amor! — Agradeceu, e apressou-se até a sala onde ficava
Aliel.

— Milena, eu estava pensando sobre essa música — ele disse assim que ela entrou — Não
deveria tocá-la com acompanhamento? Eu pensei no violino da sua amiga...

O menino era um doce. Emocionada, Milena aproximou-se e disse:

— Vamos ver tudo isso amanhã, querido. Eu preciso cuidar de um assunto sério. Fique
treinando até sua mãe vir buscá-la. Amanhã, vou apresentar-lhe uma nova professora de piano. O
que acha?
— Você não quer mais me treinar? — Aliel era muito sensível, como todo artista, um
pouquinho exagerado.

Rindo, Milena acalmou-o:

— Eu nunca vou deixar de cuidar de você, Aliel. Mas arrumei uma professora bem mais
capaz do que eu. Alguém para desafiá-lo a ser um pianista ainda melhor.

— Está bem. — Ele concordou — Eu vou treinar essa música, posso?

Mostrou-lhe a canção que tocara com Larissa, um mês atrás. Era a música que ele mais
gostava de tocar, desde então.

— Essa é perfeita. Até amanhã, Aliel.

— Até amanhã, Milena.

Era um perfeito cavalheiro. Orgulhosa de seu aluno, Milena saiu e o deixou tocando.

Ouvindo o som agradável que vinha do piano, atravessou a escola, em direção à parte dos
fundos da casa.

Abriu a porta dos fundos, para encontrar Larissa sentada na cadeira, que ficava no
pequeno jardim, ela olhava para o nada, profundamente pensativa.

Quando a notou, levantou, pegou a mochila e andou em sua direção.

Vestia sua inseparável calça jeans, regata e jaqueta. Dessa vez, optara por uma trança nos
cabelos. Um brinco enorme nas orelhas e a tatuagem em seu ombro, bem a mostra.

As duas entraram e a porta foi fechada. Larissa derrubou a mochila aos seus pés,
esquecendo-se disso.

Era a hora da verdade.


Capítulo 24

Trinta dias de saudade. Trinta dias sem saber quando poderiam voltar a se ver. Para Larissa,
um tempo de decisão. Para Milena, um tempo de inércia.

— Eu esperei muito que você mudasse de ideia. — Milena disse, quase sem voz,
emocionada. — Eu não queria te pressionar. Eu não acho que a vida deva esperar. Eu quero ser
feliz agora.

Ficou sem palavras, pois Larissa andou em sua direção e encostou a testa na sua,
abraçando-a pela cintura,

— Eu não pretendia aceitar — Larissa confessou — Eu... Decidi por negar, por acabar logo
com isso. Eu larguei tudo, para poder dizer isso. Que não era uma boa ideia e que você poderia
ficar livre para encontrar um novo amor. Que nós duas nunca seriamos mais do que amigas que
estiveram juntas algumas vezes.

— E porque não fez isso? — Milena sussurrou.

— Porque eu não queria te libertar para outra pessoa — redobrou o aperto em sua cintura
e Milena sorriu — Eu te quero só para mim. Mesmo as ligações, já eram mais do que suficiente
para alegrar meu dia. Como eu ficaria sem isso?

Era uma declaração de amor, ao menos o mais próximo a isso que Milena poderia esperar
vindo de Larissa.

— Ainda bem que mudou de ideia. — Milena roçou um beijo suave nos lábios de sua amada
e completou — Porque eu vou lhe fazer muito feliz, Larissa. Feliz como nunca foi na sua vida. E vai
ser pra sempre. Ao menos, vou me esforçar para que seja assim.

— Você é um mimo que a vida me mandou, Milena — ela disse com voz baixa,
intensificando o beijo.

Segurando-a, pressionou os quadris e evoluiu o beijo para algo maior. Havia muita saudade,
muita vontade de amar. Ambas se entregaram, se envolveram, se caçaram.

Um beijo recheado de saudades. Do tipo que raramente se experimenta na vida.

Quando o beijo acabou, Milena abraçou-a apertado, um abraço que falava sobre carência,
amor e necessidade.

— Estou tão feliz que tenha decidido dar uma chance para nós duas. Larissa, eu...

— Eu deixei a maioria das minhas coisas em São Paulo. Saí num impulso. Preciso ligar para o
Tico e Lorena, e contar da minha decisão — Larissa afastou-se, novamente impondo distância.

Provadamente era difícil para Larissa lidar com a própria decisão de enfrentar seus medos
e se render a um novo amor.

Depois de tudo que soubera do seu passado, entendia perfeitamente sua necessidade de
espaço. Proteger-se a todo instante, era um modo de Larissa se convencer que estava no controle
de sua vida e de suas emoções.

Sorrindo, Milena afastou-se e lhe deu esse tempo:

— Fique a vontade, use o telefone da casa. Afinal, agora aqui é sua casa também. Vai
encontrar todos os números daqui naquela caderneta — apontou uma caderneta ao lado do
telefone, perto de um armário da cozinha. — Lorena e Tico vão gostar de ter seu novo endereço e
seus dados de contato.

— Eu pensei em pedir a eles para juntar minhas coisas e deixar tudo arrumado, para irmos
buscar no fim de semana — Larissa disse, ainda tensa com a situação.

Sentindo-se incluída em seus planos, Milena sorriu ainda mais.

— É um plano perfeito. Aproveito e converso com Lorena sobre pedir sua mão em
casamento. O que acha?

Era uma adorável provocação. Larissa segurou sua mão e entrelaçou os dedos, enquanto
respondia:

— Antes de pensar em casamento, precisará achar um modo de me segurar aqui. Porque eu


estou a um passo de virar as costas e ir embora. E eu não quero ir. De verdade.

— Não se preocupe, eu não pretendo deixá-la ir. Vou deixar que cuide de suas coisas, o
que acha? Quer ficar sozinha?
Era uma oferta caridosa.

— Não, eu não quero que saia. Eu só preciso... — O suspiro de exasperação que soltou era
um sinal de que não sabia dizer exatamente o que desejava.

Era um momento de mudança e Larissa não sabia o que esperar das próprias escolhas. Em
sua mente, aquilo não iria dar certo, porém, em seu coração, gritava uma certeza sobre estar no
caminho certo para a felicidade.

— Escute, eu vou preparar um lanche. Você está com fome depois de dirigir até aqui, não
está? — Milena ofereceu.

— Sim, eu estou — admitiu, admirando o quanto Milena parecia serena e sem medo, diante
das próprias escolhas.

— Pois bem, faça sua ligação. Relaxe, Larissa. Essa é sua casa agora. Depois, quando você
quiser, podemos dar um jeito no meu guarda roupas, o que acha? Precisamos de um espaço para
suas roupas.

— Não se preocupe comigo, eu me viro em qualquer canto — Larissa disse com malícia no
olhar.

— Qualquer canto? Não! Eu tenho para te oferecer o melhor lugar da casa... A minha cama.
Além disso, precisamos comprar um guarda roupas para você. Você quer trazer algum móvel seu
para cá? Eu posso arrumar espaço para suas coisas... — Milena começou a falar desses assuntos
mais leves, unicamente para que Larissa pudesse ter um tempo para se acalmar.

Observando-a agir desse modo, por sua causa, Larissa andou até ela que mexia num
armário em busca de pão e a abraçou por trás, dizendo:

— Obrigada.

— Por quê? — Milena perguntou sem entender, porém adorando o carinho.

— Por estar se esforçando para me deixar confortável.

— Oh. Mas eu sou a maior interessada nisso — Milena inclinou-se para trás e a beijou de
leve. — Eu quero te fazer feliz, Larissa. Só isso.

— Só isso? — Larissa perguntou, num reflexo, de quem sempre precisava procurar uma
motivação sombria na atitude dos outros.
— Você acha pouco? Eu quero sua felicidade, ao meu lado, me fazendo feliz também. Dar e
receber, meu amor. Isso não é pouco.

— Eu gostei disso de dar e receber — Larissa desconversou, usando um tom sensual, que
aqueceu Milena.

Mordendo o lábio, a loira desvencilhou-se e disse, com ares de provocação:

— Faça sua ligação. Depois... Eu te quero só para mim.

Era uma promessa de amor. Depois de um mês de afastamento ambas precisavam se


reencontrar sexualmente. Acabar com toda a vontade acumulada.

Larissa concordou, mas durante todo o tempo, em que se manteve ao telefone, não afastou
os olhos da bela mulher que preparava um lanche, agindo com a naturalidade de quem é leve,
sem amarguras e sem medos.

As duas precisavam se ajeitar. Iria demorar, pensava Milena, enquanto agia como se tudo
estivesse bem. Suas mãos tremiam enquanto cortava queijo, preparava uma tábua de queijos, algo
que gostava muito, afinal, era mineira.

Ter Larissa em sua vida era muito mais do que poderia esperar do destino.

Mas não se enganava. Seria difícil, pois a morena era arredia e arisca.

Preparada para tudo procurou a imagem dela com os olhos. Larissa conversava com Lorena
no telefone e pelo tom de voz, estava irritada em admitir para a amiga que cedera e finalmente
estava rendida, aceitando a proposta de uma loira insistente e doce que viera parar em sua vida
por acidente.

Estava pensando sobre isso, decidida a terminar aquele lanche rapidamente, para levar
Larissa para o quarto, quando alguém bateu na porta dos fundos.

As únicas pessoas com acesso liberado para aquela parte da propriedade eram Aliel e
Carine.

— Aliel, o que foi? — Estranhou, ao abrir a porta e encontrar o menino, que entrou
emburrado.

— Minha mãe está brigando. Ela mandou chamar você.

Ele estava realmente emburrado. Entendendo o que acontecia, visto que os escândalos da
mãe de Aliel eram lendáveis, apressou-se a lavar as mãos e dizer:

— Fique aqui com Larissa. Vou conversar com sua mãe e mando te chamar.

— Não adianta, ela não vai me deixar ir à apresentação. — O menino disse com rancor.

— Vai sim, acredite, eu vou convencê-la — Milena prometeu.

Ainda olhou para Larissa com um pedido de desculpas no olhar. Aquela era sua vida e
Larissa precisava se acostumar com as turbulências.

Milena saiu, apressada, e Larissa desligou o telefone, olhando para o garoto.

— E aí, quer um lanche? — Levantou, oferecendo o lanche preparado por Milena — Você
tem problemas com sua mãe, é?

Tentou atrair a confiança do garoto e conseguiu, afinal, Aliel vivia falando da morena, que
tocava violino. Aliel não queria falar dos seus problemas de casa. Aceitou o queijo, perguntando:

— Você vai ser a minha professora nova de piano?

— Eu acho que sim. — Larissa sorriu, imaginando que Milena houvesse decidido isso por ela.
— Você quer ter aulas comigo?

— Quero sim. Milena é boa, mas não é muito dedicada ao piano. Eu toco melhor do que ela,
então... — O garoto deu de ombros.

Foi um momento de descontração.

— Quer saber, vou te ensinar a tocar violino também. Você quer aprender?

Imediatamente os olhos do garoto começaram a brilhar.

Ambos conversavam sobre isso, com a interação de quem sempre teve uma amizade
profunda, quando Milena voltou e disse:

— Pode ir, Aliel, já resolvi o problema. Mas, escute, não retruque se ela falar mal do piano
ou de mim. Deixe-a falar. Não retruque ou ela vai arrumar problema de novo. — Avisou.

O garoto concordou, pois era sempre a mesma coisa. Despediram-se e ele foi embora.

— Aliel não pode saber... Mas eu paguei um valor considerável para que ela assinasse a
permissão para que ele se apresente. Agora, ela resolveu cobrar mais. Tive que ir até lá e lembrá-
la que usar o filho para obter ganhos é crime. — Disse furiosa.
— Bem, pelo visto você tinha razão ao dizer que sua vida não é feita de algodão doce —
Larissa referia-se a uma conversa tida um mês atrás, quando Milena lhe dissera isso.

— Ah, não é mesmo. — Disse, emburrada.

Larissa achou graça e a puxou para um abraço.

— Que bom que você está aqui — Milena disse, abraçando-a em busca de conforto.

— Estou feliz em estar aqui. — Larissa afirmou.

Ouvir isso, acalentou o coração de Milena. Abraçadas, esqueceram os problemas.

Pelo menos, por enquanto.


Capítulo 25

Para total decepção de Milena, Larissa preferira dormir no quarto de hóspedes. Não era
uma escolha lógica. Inventara uma desculpa qualquer sobre precisar se acostumar com o lugar e
renegara qualquer chance de carinho.

Decidida a não pressionar, pois sabia o quanto era difícil para Larissa simplesmente se jogar
em uma nova vida, principalmente, levando em conta sua desconfiança. Depois de ter sido
enganada tão duramente no passado, não era de se surpreender que agisse assim.

A duas agiram como boas amigas durante todo o dia seguinte. A noite, não foi diferente.
Milena tentou um clima, mostrando para ela vídeos antigos, de quando cantava.

Mas nem mesmo isso aqueceu o coração machucado de Larissa, que acabou por inventar
uma desculpa qualquer para se recolher bem cedo.

Pedindo paciência aos céus, Milena lidou com tudo aquilo como se fosse a situação mais
normal do mundo, tentando não se ofender.

Foi preciso quase uma semana, para que Larissa parecesse menos desconfortável naquela
casa. No fim de semana haviam buscado alguns móveis que ela queria, além de pertences
pessoais. Milena havia estado na casa de Lorena e Tico, e garantindo-lhes que cuidaria bem de
Larissa.

Ao menos agora, depois de largar pertences seus por toda a nova casa Larissa parecia
menos desconfortável. E foi iniciativa dela mudar a atual situação das duas.

Era manhã, quando ao sair do banho, Milena encontrara Larissa investigando seu guarda
roupas, em busca de espaço:

— Você tinha razão, vou precisar de um guarda roupas só meu. Pensei em trazer o do
quarto de hóspedes para cá. O que acha?

Se Larissa queria agir com naturalidade, Milena também agiria. Suprimindo um sorriso de
pura felicidade, respondeu, aproximando-se dela:

— Acho melhor comprarmos algo novo. Gosto de deixar o quarto de hóspedes livre para
quando... Aliel precisa de um lugar para dormir — tentou não soar triste — Ele não tem uma vida
fácil.

— Eu notei — Larissa concordou, cheirando seu pescoço, pois Milena era muito perfumada,
ainda mais, recém-saída do banho.

As duas se envolveram num beijo profundo, cheio de saudade e tesão recolhido. A toalha
caiu para o chão, permitindo que o corpo curvilíneo fosse completamente abraçado pelo corpo de
sua amante Larissa.

— Hum, eu adoro ficar com você, professora Larissa, mas se não me engano, seu aluno
principal vai chegar em exatos dez minutos e você precisa estar lá para recepcioná-lo — Milena
afastou-a, piscando — Mas, se quiser repetir isso hoje a noite... Eu posso preparar um jantarzinho
e pegar um filme... O que acha?

— Acho que você faz valer a pena qualquer sacrifício — provavelmente, falava para si
mesma, enquanto apertava a coxa de Milena, para então se afastar também. — Vou recepcionar
Aliel. Vai preparar nosso café?

— Vou sim e vou levar para vocês. Afinal, a gente sabe que Aliel não tem uma boa
alimentação em casa. E ele precisa ser cuidado, está em fase de crescimento e... — Milena parou
de falar, diante do olhar de Larissa. Envergonhada, baixou os olhos — Eu sei o que está
pensando... Mas eu adoro esse menino.

— Sim, mas isso é perigoso. Aliel pode sair da sua vida a qualquer momento, Milena. Não
deve se apegar tanto assim. — Novamente, era como se falasse para si mesma.

Larissa estava tão apegada a Aliel quanto Milena.

— Larissa, eu sei como você se sente sobre Aliel. Mas nesse caso, é diferente. Aliel é um
garoto quase adulto. Ele sabe onde estamos, sabe nosso telefone. Já conversei com ele várias
vezes sobre isso. Sobre seus pais sumirem e o levarem daqui. Ele já sabe que sempre poderá
contar comigo. Ele tem nove anos, mas em breve vai ser um homem feito. Os pais dele não podem
nos afastar. Não definitivamente. O que o nossos corações uniram, não podem ser separados. Você
pode amar Aliel sem medo de sofrer, porque ele é uma criança sem maldade. Aliel é feito de
esperança e de alegrias. Tudo o agrada e acalma. Ele precisa tocar para se libertar de todo o
medo. Toque com ele, quando estiver dando as aulas, toque com ele, Larissa. Deixe que a música
afaste seu medo.

— Nós vamos falar sobre medo? Porque se vamos, eu vou pegar minhas coisas e
desaparecer.

Larissa foi bem direta, mesmo assim, Milena riu e abraçou, beijando-a rapidamente.

— Vá dar sua aula. Eu já vou com o café da manhã.

Era bem cedinho, sete horas da manhã. Os outros alunos começavam a chegar depois das
dez.

Normalmente a mãe de Aliel o despachava para a escola de música bem cedinho, sabendo
que Milena cuidaria dele, o alimentaria e levaria para a escola, pois ele estudava no turno da
manhã. Também o buscaria e traria consigo, para o almoço e então para as aulas de piano.

Se ambas tivessem sorte, Milena por querer ficar com o menino, e a mãe dele, por querer
livrar-se dele, poderia levá-lo para casa só depois do jantar.

Aliel preferia ficar na casa com Milena e agora, com Larissa também. Era onde se sentia
amado e protegido.

Larissa deixou sua parceira, com pesar, pois o corpo bonito era uma tentação sem
precedentes.

Apesar dessa frustração, sorria ao encontrar Aliel esperando na porta da frente. O garoto
entrou e ela quase fechou a porta. Mas primeiro, observou atentamente a rua.

Seu caminhão estava guardado na construção ao lado, onde Milena até então guardava
outras coisas sem importância.

A rua estava parcialmente vazia naquele horário, com exceção de alguns carros
ocasionalmente passando.

Porém, estacionado não muito longo, havia um carro que Larissa já havia visto ali em outros
dias.

— Entre, Aliel — ela mandou, tentando não demonstrar sua raiva. — Eu já vou entrar
também.

O garoto concordou, mas não se afastou, ficou lá dentro, olhando pelo vidro.
Larissa andou pela calçada em direção à rua. Atravessou rapidamente e parou ao lado do
carro, bem ao lado do motorista. Bateu no vidro fumê, até ser atendida.

— Escute, seu escroto — ela disse tão logo Jacob se revelou — se eu te pegar de novo
aqui, observando, eu vou quebrar sua cara. Será que ainda não entendeu isso?

— Você não tem direito de estar lá dentro. Aquela escola é minha — ele disse com raiva.

— Não, a escola não é sua. A escola pertence à Milena. E agora, ela é minha mulher. Suma
daqui ou quem vai ficar te obsevando daqui para frente, sou eu. Eu sei fazer esse jogo doente. Eu
passo a te seguir pela cidade toda, estou te avisando por bem. Você não quer me ter como sua
inimiga. Eu não tenho paciência para covardes como você. Milena é um doce. Mas eu... — Maneou
a cabeça — Você não vai querer descobrir do que eu sou capaz.

— Eu sei muito bem do que você é capaz. Sua... — Ele parou, antes de usar um palavrão
ofensivo. Provavelmente ofendendo sua opção sexual.

— Eu soube que sua mulher vai ter um filho. — Larissa disse, saboreando as palavras — Eu
fico imaginando, o tamanho do prejuízo se ela pedisse o divórcio... Metade dos bens, mais uma
polpuda ajuda de custos para criar o bebê. Acho que alguém como você, poderia apreciar a
falência. O que me diz? Devo procurar sua mulher e contar que vive correndo atrás da Milena? Ou
melhor, que vive correndo atrás de mim?

— Eu não quero nada com uma... Com alguém como você! — Ele desmereceu.

— Sim, mas apesar do que pensa ao meu respeito, eu sou uma mulher bonita. Sou de fora.
Posso dizer que me trouxe para cá, montou casa para mim e me dá de tudo... O que acha? Sua
mulher ia adorar isso, não ia?

A expressão de Larissa não deixava dúvidas sobre ser capaz de tais mentiras. Jacob girou
a chave do carro e deu a partida, indo embora, sem coragem de responder mais nada. Sorrindo,
Larissa decidiu que o melhor era achar uma forma da mulher dele ficar sabendo que o marido
andava atrás da ex-noiva.

Deixar que a pobre coitada lidasse com Jacob. Afinal, cada um carrega o fardo que a vida
lhe deu, e Jacob era um fardo bastante pesado para qualquer mulher carregar.

Preconceituoso, possessivo e chorão. Essa era a perfeita definição daquele homem.

De volta à escola, descobriu que Aliel ainda estava ali, obsevando tudo.
— Ei, eu não mandei você entrar, Aliel? — Perguntou, trancando a porta, pois não era hora
ainda de abrir a escola.

— Eu fiquei cuidando. Se ele fizesse qualquer coisa eu iria chamar a polícia — ele explicou.

— Mesmo? E como é que você sabe dessas coisas? Não tem idade ainda para se envolver
nos problemas dos adultos, garoto. — Larissa reclamou.

Aliel olhou-a com olhos de cansaço, pois já entendia de muita coisa da vida adulta.

— Sou eu quem vigia quando meu pai chega bêbado. Minha mãe diz que é minha
obrigação.

Larissa lutou para não falar mal dessa mãe desnaturada. Mas, resistiu ao impulso e
perguntou:

— Os seus pais cuidam bem de você?

Pelo silêncio prolongado do menino, a resposta era óbvia. Eles chegaram à sala onde
normalmente ele tocava, bem na hora que Milena colocava uma cesta perfumada sobre uma mesa,
no canto da sala. O cheiro de café e leite era delicioso.

Ela sorria e seu sorrido afastava qualquer preocupação. Esses sorrisos de Milena valiam
mais do que ouro.

Larissa incentivou o garoto a conversar, contando mais sobre sua família, enquanto os três
desfrutavam do farto café da manhã.

Era divertido interagir com Milena e Aliel. A cada dia, Larissa apegava-se mais e mais ao
garoto.

Era difícil acreditar que estava a apenas uma semana vivendo com Milena.

Esse tempo estava sendo diferente de tudo que viveu em sua vida. As duas se entendiam,
interagiam bem. Mesmo que Larissa tentasse causar problemas o tempo todo e afastar Milena,
ainda assim, havia muito entrosamento entre elas.

Além disso, Milena vinha demonstrando ter nervos de aço para aturar a personalidade
esquiva de Larissa.

O café da manhã foi interrompido quando a hora da escola de Aliel chegou. A distância era
curta, Larissa levou o garoto a pé. Não queria Milena zanzando sem companhia sabendo que seu
ex andava por aqueles lados, fiscalizando sua vida.

Mais tarde, quando Aliel regressou da escola, almoçaram e começaram as aulas de piano.
Era uma rotina que se repetiria muito, todos os dias.

Uma gostosa rotina, pensou Larissa, tocando o violino, acompanhando o piano de Aliel. Como
professora de música, estava se tornando rapidamente uma mestra empenhada e interessada.
Como cônjuge, ainda deixava a desejar. Precisavam acertar os ponteiros, pensou Milena, assistindo
a morena compenetrada com a música.

Era hora de pressionar. Milena precisava do carinho e do calor de Larissa. Não dava mais
para esperar. Era a hora de atacar...
Capítulo 26

Apesar de ter uma rotina tranquila, o trabalho na escola de música era intenso. Naquele dia,
houve quatro turmas, com três alunos cada. Duas turmas eram sobre piano. Um das turmas era de
canto.

No intervalo de suas aulas, Larissa foi até a sala onde Milena ministrava sua aula. Uma
jovem, de nos máximo quatorze anos cantava.

Era boa, com um timbre bastante sofisticado. Ela errou o tom e Milena olhou para a porta,
em direção a Larissa:

— Ei, não fique olhando. Jéssica ainda não consegue cantar com público — avisou, sorrindo,
enquanto fazia um gesto para que Larissa saísse.

Sorrindo, Larissa saiu. Andou pela escola, agora vazia, pois era a última aula do dia, e até
mesmo Aliel já havia ido para casa.

Tudo calmo, sem arroubos, sem problemas. Pela primeira vez em dias, Larissa sentiu vontade
de fumar. Era um vício que nunca chegou a ter de verdade, mas vez ou outra, sua ex-parceira lhe
oferecia um cigarro e ela aceitava.

Pensar nisso, a deixou agitada, com um arrepio correndo pela espinha. Havia chegado em
frente a escola, onde ficava a recepcionista, que estava se preparando para ir embora.

— Está tudo tão quieto, não é? — Carine perguntou, simpática.

— Sim, tudo muito calmo. — Concordou, com os braços cruzados, olhando para a rua.

— Você morava em São Paulo, não é? Deve estar estranhando a vida tão pacata em uma
cidade pequena. — Carine parecia ler seus pensamentos.

— Acho que é isso. — Admitiu, mas sabia que havia mais. — Você não sente que algo ruim
pode acontecer, quando tudo está tão calmo e feliz?
Carine parou e fitou-a longamente.

— Sim, às vezes eu penso isso. — Admitiu. — Parece que o que tem de ruim lá fora quer
nos pegar, não é? Acho que ninguém escapa disso. — Vestiu o casaco e segurou a bolsa. — Acho
que só nos resta afastar esse sentimento e tentar seguir em frente. Sem medo.

— Isso existe? — Larissa perguntou, com um sorriso.

— Sinceramente? Eu acho que não. — Confidenciou — Mas o meu marido vive dizendo que
preciso ser mais positiva... Então... Só me resta tentar acreditar nisso.

As duas sorriram uma para a outra. Era verdade que a vida não é simples e que algo
sempre acontece para atrapalhar a felicidade.

Larissa fechou a porta depois da saída de Carine e ouviu as vozes que vinham em sua
direção. Tentou desfazer a expressão de angústia, mas Milena era capaz de ver que a cada hora
que passava, mais tensa Larissa se encontrava.

Milena acompanhou a aluna até a calçada, pois a mãe da jovem viera buscá-la. De longe,
Larissa acompanhou cada movimento de Milena. Era tão bom olhar para ela... T

ão bom, que o sentimento de que algo muito ruim estava vindo, tornou-se ainda maior.

*****

O que havia entre as duas não era puramente sexual, mesmo assim, naquela noite, Milena
decidiu que não esperaria Larissa se adaptar.

A morena era dura na queda, não queria de jeito algum ceder e admitir que pudesse ser
novamente feliz. Agia como se estivesse prestes a ir embora a qualquer momento.

Por isso, Milena preparou um jantar rápido, tomou um banho e sugeriu que Larissa fizesse o
mesmo. O que era um dia comum, entre duas mulheres que moravam juntas, rapidamente se tornou
algo mais.

Decidida a atocaiar Larissa, preparou aquela noite com esmero. Afinal, era a primeira noite
de Larissa como sua companheira, em seu quarto, como deveria ter sido desde o começo.

Enquanto Larissa tomava um banho para repor as energias perdidas ao longo do dia e
relaxava, Milena correu pela casa, ascendendo velas aromáticas no quarto.

Deixou um pote com mel ao lado da cama. Duas taças e uma garrafa de água com sabor.
Não gostava de bebidas alcoólicas e tão pouco queria Larissa alcoolizada. Precisava de ambas
sóbrias. Mas, queria fazer um charme.

Por sorte havia morangos na geladeira. Grandes e suculentos morangos.

E, sua fruta favorita: uvas. Milena gostava das uvas verdes, grandes e cheias de sabor. Era
uma produção pequena, mas o sentimento que a motivava era gigantesco.

Quando Larissa saiu do banheiro, parou ainda na porta, observando a cena a sua frente. O
quarto decorado, com a luz apagada, apenas com as velas iluminando parcialmente em torno da
cama.

O aroma de flores, que exalava das velas aromático, quase a distraiu do que pensava.

Na cama, Milena esperava por ela. Vestida com uma camisola branca, de cetim e rendas,
algo muito pequeno e sensual. Os longos cabelos loiros caindo sobre o seio esquerdo.

Ela parecia confiante e sedutora, sabendo muito bem o efeito que causaria em sua amante.
Sob o olhar intenso de Larissa, os seios de sua amante foram intumescendo e era inegável o modo
arfante como Milena respirava. Estava em profunda expectativa.

Larissa estava de pé, vestida com o roupão. Cabelos molhados, expressão selvagem, sempre
tão arisca e pronta para escapar.

— Vem deitar aqui do meu lado — chamou com voz baixa. — Deixa o roupão aí.

Apontou para uma cadeira qualquer.

— Eu vou molhar toda a cama.

Como sempre, essa era a Larissa de sempre, encontrando um modo de bater de frente e
negar seus sentimentos.

— Eu espero, pode se secar com calma. Eu não tenho pressa alguma. Você tem? — Disse
Milena, enfrentando-a.

Era um delicioso jogo de poder. Larissa não poderia permanecer na defensiva para sempre.
Muito menos, agir como se a sua parceria fosse também sua inimiga.

Tomada pelo sentimento de que Milena estava certa em pressionar e que aquilo era o
melhor para as duas, Larissa livrou-se do roupão.
Antes, fazia sexo com Milena. E sexo, por si só, é algo natural. Sem envolvimento amoroso,
sem envolvimento de emoções. Mas agora, ao aceitar viver com Milena, havia aberto a caixa de
pandora e todos os sentimentos estavam ali, expostos. Não fariam sexo casual. Fariam amor.

Milena sabia que Larissa estava profundamente assustada. Na mente de Larissa sexo e amor
eram coisas diferentes. A trajetória das duas era deveras intensa para que rotulasse como sexo
casual. Havia muito mais entre elas, do que sexo.

— Isso é algum tipo de comemoração?

A pergunta de Larissa fez com que a loira sorrisse.

— É a sua primeira noite nesse quarto, como minha mulher. Quis fazer algo bonito, para
marcar essa noite. — Admitiu — Eu estou com muita saudade de você. Não tem sido fácil ficar no
mesmo lugar, sob o mesmo teto e não tentar fazer amor. Decidi que era hora de acabarmos com
nosso jejum forçado.

— E supondo, eu seja a culpada por essa coação?

Milena fechou os olhos por um segundo.

— Não adianta tentar brigar. Eu vou passar essa noite com você, Larissa. E eu prefiro que
seja por bem. — Tentou fazer graça e conseguiu fazê-la sorrir.

Nua, Larissa andou até a cama.

— Você poderia ter aparecido no meu quarto. Eu não teria te mandando embora. —
Contou.

—Eu não sabia disso — Milena lamentou — Não quis te assustar ainda mais. Mas, essa noite,
Larissa, não quero falar de medos ou sustos. Quero falar só de nós duas. Nada pode ficar entre
nós, a menos que a gente permita isso. Deita aqui, do meu lado, eu quero te fazer uma massagem.

Com um olhar brilhante, Larissa deitou ao lado de Milena que segurou sua mão, levando-a
aos lábios para um beijo doce, um carinho adorável.

Os olhos claros de Milena lhe diziam que havia mais do que paixão em seu coração naquele
momento. Havia muito amor e desejo.

Um pouco tímida, Milena curvou-se para beijá-la. Sua personalidade era menos enfática que
a de Larissa, por isso, tendia a se retrair quando se sentia exposta demais. Não fugir, nunca fugia
de nada. Mas sim, tendia há um pouco de timidez diante da entrega total de si mesma.

Larissa retribuiu o beijo, algo doce, calmo.

A forma serena de ser de Milena contagiava a inquietação dentro da alma de Larissa. E


esse tipo de entendimento, uma vez descoberto, não pode ser contido.

Larissa segurou a cabeça de Milena e mordeu seus lábios, aprofundando a carícia, elevando
o calmo amor que Milena lhe fazia em algo mais denso, menos inocente.

Sorrindo com pura malícia, Milena afastou-se.

Pegou no criado mudo, ao lado da cama, um vidrinho transparente com um conteúdo


amarelado.

Com a respiração suspensa, Larissa esperou...


Capítulo 27

— Eu vi em uma revista que é muito excitante usar mel na hora da relação... Principalmente
no sexo oral. — Milena contou — Eu nunca tentei algo assim.

Delicadamente, retirou a tampa e esqueceu-a sobre o criado mudo. Exibiu o vidro com o
conteúdo doce, sorrindo.

Na ausência total das palavras, Larissa apenas observou-a derrubar lentamente um pouco
de mel sobre a sua clavícula. Abaixou-se, afastando os próprios cabelos loiros para o lado, para
não caírem sobre o mel e beijou a área, sorvendo o doce da pele de Larissa.

— Você tem gosto de pecado — sussurrou, excitada, intensificando o gesto, sorvendo o


gosto com lambidas. — Está gostoso?

— Sim... Desça mais, Milena. Desça... Só um pouco mais... — pediu, fechando os olhos para
sentir.

Milena derramou mais um pouco de mel, cuidadosa para não sujar a cama, deitando mel
adocicado sobre o peito rijo de sua a amante, enquanto Larissa acariciava sua cabeça, seus
cabelos louros e macios.

A ponta da língua correu pela pele morena, enquanto uma das mãos descia pela barriga
lisa, sentindo o tremular indisfarçável das contrações de excitação que tomavam Larissa de assalto.

Ao encostar a língua no bico do seio, Larissa quase fugiu ao contato quente, sobre o mel
gelado. Imediatamente, Milena começou a chupar o gosto, enrolando a língua em torno do mamilo,
sugando-o com a voracidade de quem degusta um doce delicioso.

Aquela era uma brincadeira perigosa. Pegando fogo por todos os lados, Milena se
controlou, pois sentia o prazer chegar, mesmo sem ser tocada intimamente. Aquele carinho era
para Larissa, sua única preocupação naquele momento.

Mostrar a sua escolhida que o amor não é algo perigoso, que pode ser suave, bonito e feliz.
Os gemidos de Larissa eram abafados, contidos, algo a segurava. Provavelmente ser amada
era algo que assustava profundamente. O sexo sem envolvimento emocional era libertador para
alguém tão intenso como Larissa. Mas, uma vez acompanhado de sentimentos profundos, o sexo
poderia ser assustadoramente profundo.

Evitando que essa tensão estragasse o momento, Milena soprou sobre os montes turgidos,
atiçando os bicos, e o quase riso de Larissa era o que esperava. Carinhosa, Larissa a chamou para
um beijo.

Beijar Milena era como encontrar algo muito especial na vida, sem saber definir o que era.
Os lábios se devoraram, enquanto Milena se entregava plenamente e Larissa buscava nela todo o
amparo de uma vida de segurança e amor. Depois de tantas perdas, ter alguém apaixonado e
doce como Milena, fazia toda a diferença.

Milena afastou-se, ainda beijocando de leve os lábios de sua amante, com um sorriso de
malícia e molecagem, buscou o mel para esfregar de leve nos lábios de Larissa, antes de lamber
com a ponta da língua, beijando de um modo erótico.

O jeito meigo de Milena era deliciosamente provocante. Hipnotizada, Larissa assistiu, sem
reação, a loira cheia de curvas, mover-se sobre a cama, procurando pela posição ideal para
enlouquecê-la.

Assim, bem pertinho, entre as pernas de Larissa, aquele lugar era perfeito e o preferido por
Milena. Ela despejou suavemente o mel sobre a intimidade revelada, usando os dedos para
espalhar cuidadosamente.

Larissa arfou, gemendo, olhos fechados, precisando agarrar-se a algo, nesse caso os lençóis,
enquanto resistia braviamente ao prazer.

Prolongar o carinho era um modo de prolongar o prazer.

Milena esfregou repetidamente, sem pressionar, sem apertar. Queria que fosse realmente
suave, como o amor deve ser. Tocar o corpo de Larissa do mesmo modo como gostaria de tocar seu
coração.

Esses movimentos causaram arrepios incontroláveis na pele morena. Milena, tocada por
diversos sentimentos, beijou a coxa, onde os pêlos estavam eriçados e sorriu, dizendo:

— Você gosta de ser tocada assim? Sem força?


— Não — Larissa negou, abrindo os olhos — Eu gosto com força. Rápido. Eu não gosto
assim...

Era mentira e Milena abriu um largo sorriso, lambendo os dedos, não apenas sentindo o
gosto do mel, mas também o gosto de Larissa.

— Mentirosa. — Disse, sempre sorrindo. — Sabia? Aos mentirosos devemos as mais severas
punições... É isso que você quer? Ser punida?

Larissa riu.

— Você poderia ser uma atriz pornô, Milena, tem jeito para isso. — Ironizou.

— Mesmo? — Provocou — Talvez eu seja uma atriz pornô... Mas só com você. O que acha?
Eu sei que gosta com suavidade. Eu sei que mente para si mesma. Vou fazer tão suavemente,
Larissa, que a obrigarei a admitir o quanto gosta assim. Está pronta para isso?

— Sim e saiba que haverá retaliação se fizer isso. — Larissa avisou, apoiando-se nos
cotovelos.

— Eu mal posso esperar por isso... — Milena provocou de volta, deitando-se completamente
entre as pernas de Larissa, afundando a língua no mel recentemente espalhado sobre os lábios
rosados da intimidade de sua amante.

Larissa voltou a se deitar, fechando os olhos novamente, pois era impossível não se entregar.
A languidez dos movimentos, o modo carinhoso, os toques suaves... Milena queria vencer o desafio
que fizera.

Gentilmente sugou, chupou e atiçou. O rodilhar continuo dos dedos sobre o clitóris, fez
Larissa levar uma das mãos para baixo e tentar substituir o movimento, pelos próprios dedos, mas
Milena não deixou.

Larissa conhecia apenas a urgência, a individualidade e a solidão. Por isso, Milena substituiu
os dedos pela boca, chupando o clitóris com vontade. Não havia espaço para deixar Larissa
dominar o ato. A língua movimentava o pequeno botão, atiçando-o, vez ou outra, sugando com um
pouco mais de pressão.

— Milena... Oh, Deus... — Larissa gemeu forte, o peito erguido, contorcido, arqueado.

Ela tremia, toda entregue. Entregue a um prazer baseado em candura e amor.


Fazer amor era uma grande novidade em sua vida sofrida. Ser cuidada, protegida,
paparicada.

Milena exultou ao sugar o prazer inegável dela. Larissa gozou longamente, com intensidade
devastadora e isso estava presente em seu sabor. Na intensidade que Milena sentia extravasando
de seu corpo.

Essa intensidade também a tomou. Excitadíssima, acariciou as coxas, o ventre, qualquer lugar
que pudesse tocar do corpo de Larissa. Era um desejo de ser um só, uma intensidade de desejo
que tornava impossível descrever com palavras.

Larissa voltou para a realidade aos poucos. Abriu os olhos, encarando Milena, que subiu,
ficando sobre ela, apoiada nas mãos, para poder beijá-la e compartilhar aquele sentimento todo.

O beijo cresceu, molhado e cheio de tesão. Milena sentia em cada movimento que Larissa a
faria pagar por ter provado o quanto gostava de ser tocada com suavidade.

Seria punida por ter forçado-a a aceitar um pouco de amor.

— Fique assim, não se mova... — Pediu Larissa.

Milena estava apoiada nas palmas das mãos e nos joelhos e esperou. Ágil, Larissa moveu-se
para baixo, no sentido contrário, chegando à altura dos seios fartos de Milena. Claros, mamilos
rosados e aveludados, um pouco largos, do tipo perfeito para ser sugado por uma amante
apaixonada.

Larissa mamou nos seios, desfrutando da textura, do toque macio. Mas não se ateve a isso.
Era uma carícia para atiçar Milena.

Sempre para baixo, ela mordeu o umbigo e Milena ergueu o corpo um pouco para cima,
mas foi agarrada, ficando no lugar.

As pernas de Milena tremiam de antecipação. Não era apenas a dificuldade em se manter


na posição, era também o desejo de ser tocada. Só de pensar nesse momento, se enchia de tesão.
De olhos fechados, esperou que Larissa se agitasse mais uma vez, dessa vez, exatamente sob as
pernas escrachadas da loira.

Ali, Larissa apenas cheirou, aspirando seu cheiro limpo e floral. Chegou a tocar com a língua,
mas desistiu antes de ser mais ativa. Moveu-se, saindo de baixo de Milena, para ficar atrás.

Posicionou-se, batendo em seus flancos, como se pudesse penetrá-la. Como se não fosse
fisicamente impossível.

Milena apenas esperou, enquanto ouvia o som de uma gaveta sendo aberta. Estava em um
estado de frisson, que quase gritou quando Larissa agarrou uma mecha de seus cabelos loiros,
obrigando-a a se ajeitar na posição correta.

Segurou o vibrador rente ao próprio sexo e mergulhou-o nas entranhas de sua parceira,
desfrutando do seu grito de prazer.

Puxou os cabelos com mais força, obrigando Milena a ajudar, indo e vindo contra o plástico
resistente. Larissa, no meio daquele frisson, não se lembrou de ligar o vibrador, pois apenas os
movimentos eram tão excitantes que bastavam para acalentar novamente o prazer dentro de
ambas. Milena rebolava, gritava e pedia por mais.

Larissa empurrou-a de encontro ao colchão, deitada e caiu sobre ela, todo o corpo pesando
no seu, enquanto fincava aquele vibrador bem fundo arrancando-lhe um orgasmo abrasador.

Milena não queria abrir os olhos. Ainda sentia dentro de si aquele vibrador ocupando cada
espaço. Em sua pele sentia os bicos rijos dos seios de Larissa pressionados em suas costas, e sentia
os movimentos de carinho que ela fazia em sua bunda, contornando suas nádegas cheias,
acarinhando, querendo mais.

Quase sem forças, Milena se moveu, obrigando Larissa a fazer o mesmo.

Ficou de frente e as duas se olharam nos olhos. Milena levou os dedos ao meio das pernas
de Larissa, dedilhando cuidadosamente entre suas dobras, para masturbá-la com cuidado e
carinho, um prazer menos intenso, só para terminar.

Assim, frente a frente, Larissa fez o mesmo, ligando o vibrador que ainda estava dentro de
sua companheira, usando a velocidade mínima, enquanto dedilhava também os dedos em seu
clitóris.

As duas se abraçaram, seios contra seios, em um beijo cheio de sentimentos. Não demorou
muito, Milena gemia baixinho, arfando em seu prazer maduro, bonito de ver. Mais sombria, Larissa
apenas escondeu o rosto em seu pescoço, mordendo de leve a pele, rija em seu prazer.

Era libertador o que viviam naquele momento. Tanto, que passado o momento, Milena tomou
a vez, cuidando das duas. Livrou-se do vibrador e puxou as cobertas, deitando ao seu lado.

Larissa a acolheu em um abraço e as duas trocaram um novo beijo, dessa vez, um beijo para
aconchegar. Era delicioso esse momento, nuas, sob as cobertas.

Milena afastou os longos cabelos para o lado, enquanto pousava a cabeça no travesseiro,
olhando-a com aqueles lindos olhos que sempre lhe exigiam algo mais.

Larissa acariciou seu rosto e disse:

— Ok. Eu gosto com suavidade. Mas só porque é com você. — Admitiu.

Milena sorriu, lânguida de prazer e pegou sua mão, beijando-a em um afago de puro
carinho.

— Eu adoro estar com você, Larissa. Desconfie de tudo nesse mundo, menos disso, está bem?

Larissa sentiu que havia mais. É claro que sempre haveria mais ao lado de Milena.

— O que quer dizer com isso? — Perguntou direta, sem rodeios, como era seu costume.

— Eu não quero que desconfie de mim. Que tenha medo de mim. Nunca vou magoá-la
gratuitamente. Eu sinto que ainda pensa que posso te ferir. Que tem medo que isso aconteça.

Admitiu, e Larissa afastou-se um pouco, indo direto na ferida:

— Tem algo incomodando você desde que eu cheguei aqui? — Perguntou Larissa,
surpreendida pela informação.

— Na verdade, sim, tem algo que me incomoda. Eu quero ter um nome para usar, Larissa. As
pessoas sabem que está morando aqui comigo, que somos mais que amigas. Mas eu não posso
dizer nada, porque não sei o que você acha. Eu quero saber o que você quer. Eu sou sua
namorada, me sinto sua. Mas e você? É minha namorada?

— Eu estou aqui, não estou? — Larissa tentou fugir da responsabilidade de usar rótulos.

Diante da expressão magoada de Milena, acabou cedendo:

— Eu sou sua namorada e pode dizer isso para quem perguntar. Não estamos fazendo
nada errado ou escondido.

— Mesmo? — Empolgação genuína tomou conta de Milena.

— Mesmo. — Garantiu — Eu só não gosto de exageros e apresentações dramáticas. Não


gosto de dar satisfações da minha vida para estranhos.

— Eu só quero contar para as pessoas próximas. — Explicou, beijando de leve sobre os


lábios de Larissa.

Um sorriso tão bonito em seu rosto, que emocionava:

— Espero que possa aceitar isso... Que possa ouvir a aceitar: Eu te amo, Larissa. Sei que já
disse isso, mas você ignorou. Dessa vez, espero que aceite meu amor. Estou mais do que
apaixonada, eu estou amando de verdade. Eu te amo.

Emocionada, Larissa abraçou-a apertadamente, mas não retribuiu as palavras amorosas. Era
um 'eu te amo' silencioso e Milena respeitou isso.

Com o coração apertado de amor, abraçou-a com mais força, para dividir com ela o calor
daquele sentimento que transbordava confiança em seu coração.

Palavras se tornaram dispensáveis. Só o tempo mostraria a Larissa o quanto poderiam ser


felizes juntas e Milena tinha certeza que um dia a entrega da morena seria total.

E esperava ansiosamente por esse dia...


Capítulo 28

Na manhã seguinte, foram acordadas pelo toque insistente da campainha que havia na
porta dos fundos, que geralmente era usada apenas pelas pessoas que conheciam a vida privada
de Milena. As demais visitas, sempre usavam a escola como entrada principal.

Larissa e Milena levantaram para atender, um pouco assustadas com a urgência do toque da
companhia. Larissa vestiu um pijama e camiseta. Milena vestiu apenas o roupão e amarrou os
cabelos em um coque no alto da cabeça.

A visita apressada era Carine.

— Você não imagina o que aconteceu, Milena! — Ela disse empurrando o jornal local para
suas mãos.

— O que foi? — Perguntou, sem compreender a razão.

— Leia você mesma. Não dá para acreditar! — Carine cumprimentou Larissa, e sentou-se em
uma cadeira, junto à mesa da cozinha.

— Quando abri o jornal, mal pude crer — contou. — Eu vim correndo para cá, mostrar o
jornal. O que você acha?

Milena desdobrou o jornal e leu o cabeçalho da matéria de capa:

— Atentado fere mulher e mata bebê — não entendeu porque aquilo seria importante na
sua vida.

Claro, era uma matéria chocante, mas ela não conhecia ninguém que tivesse um bebê...

— Leia o nome do agressor. — Disse Carine, ainda nervosa.

— Oh, meu Deus. — Milena mal acreditou ao começar a ler. — Ele não pode ter feito isso...

Sentou-se também, deixando que Larissa lesse a matéria.

— Jacob agrediu a esposa? — Milena perguntou para Carine.


— Não, pelo que diz aqui — disse Larissa — Ele tentou matá-la a facadas, mas ela está
viva. No entanto, perdeu o filho que esperava. Ela estava de sete meses? — Ficou horrorizada —
Esse homem é um monstro!

— Não, ele não é — Milena pegou o jornal de volta — Jacob não é assim. Ele está muito
magoado comigo, mas sempre foi alguém bom. Ele não faria nada disso! Isso não está certo.

— Quando eu vi o jornal, logo pensei em você, Milena. No risco que pode estar correndo! —
Carine disse, nervosa ainda. — Eu jamais diria que Jacob é capaz de algo assim... Mas depois do
jeito como vem agindo com você... Eu não sei o que pensar.

— Mas eu sei — Larissa disse séria — Ele está proibido de entrar aqui. Se você o vir lá
fora, Carine, me avise, vou chamar a polícia na hora. Milena, eu sei que você pensa que ele é uma
boa pessoa. Mas não é o que parece. Quero você longe dele.

— Eu não posso virar as costas para uma pessoa que conheço toda a minha vida! E além
do mais, eu não acredito nisso. O jornal está errado.

— Não. Na está. Ontem ele estava rondando por aqui. Eu o abordei e dei uma incerta. Ele
saiu daqui furioso — Larissa contou — Deixei claro que não deixaria que lhe fizesse mal. Ele
descontou em outra pessoa toda a raiva que sentiu de mim. Ele sabe que somos íntimas.... Que
estamos morando juntas. Ele surtou.

Milena sabia que essas palavras faziam muito sentido. Triste, não respondeu nada.

— Não é sua culpa — disse Carine, segurando a mão de Milena em sinal de conforto —
Não se culpe pelo comportamento de Jacob. Ele é adulto e sabe muito bem o que faz. Você não
tem responsabilidade com as decisões que ele tomou.

— Eu sei disso — concordou — Será que Jacob foi preso?

— Aqui diz que está sendo procurado. — Larissa largou o jornal na mesa, detestando
aquela situação — Carine, hoje você não abre a porta da frente. Mantenha trancada, abra a
porta só para os alunos e os seus pais. Mais ninguém.

— Eu concordo, não dá para facilitar — concordou Carine, levantando e sorrindo — Força,


Milena. Força, porque isso é horrível, mas não tem nada a ver com você.

Milena acenou concordando. Quando Carine saiu, para abrir a escola e iniciar o dia de
trabalho, Milena olhou para Larissa com súplica:
— Mas e se isso for um engano? Jacob perdeu o filho. Ele está sozinho, sendo acusado...

— Milena! — Larissa mal acreditou no que dizia. — Você perdeu o juízo?

— Não, eu apenas sei o que estou dizendo. Jacob nunca foi agressivo. Ele ficou revoltado
quando terminamos e se vingou de mim, é verdade. Mas nunca me agrediu. Eu não acredito que
ele fosse capaz de usar uma faca para matar alguém. Ainda mais a esposa grávida!

— Bem, você leu o jornal, não leu? A esposa dele sobreviveu e está acusando-o. O que mais
você precisa para se convencer? — Larissa ironizou.

— Eu preciso ouvir da boca de Jacob se é verdade que fez isso! — Admitiu.

Larissa sorriu e disse:

— Você é uma tonta, Milena. Acha mesmo que há a menor possibilidade de deixá-la diante
desse homem? Esqueça isso. Eu vou me arrumar, daqui a pouco Aliel chega para as aulas. E você...
Abra os olhos, não quer ser a próxima a estampar uma matéria desse jornal, quer?

Milena maneou a cabeça, negando. Quando Larissa afastou-se, Milena pegou o jornal e
releu toda a matéria. Quando leu um nome em específico, falou sozinha:

— Que estranho.

Larissa voltou para a cozinha quinze minutos depois, arrumada e pronta para começar mais
um dia de trabalho.

— O que é estranho? — Perguntou, servindo-se de café.

— Na matéria do jornal citam o nome da mãe de Aliel como testemunha da agressão. —


Contou — Mas porque ela estaria na casa de Jacob? Eu nunca soube que eram amigos.

Incomodada, Larissa aproximou-se e tirou o normal da mão de Milena, que estava de pé,
perto da pia. Descartou o jornal e abraçou-a com uma das mãos em sua cintura e a outra em seu
rosto, acariciando a bochecha rosada.

Raspou um beijo doce em seus lábios cheios e sorriu ao dizer:

— Esqueça essa história. Eu sou sua namorada, não sou? Então, como namorada, estou
pedindo que esqueça isso.

— Eu não posso esquecer. — Foi inflexível — Como posso ignorar a situação, quando
acredito que isso está errado? Eu não tenho amor de mulher por Jacob, mas tenho muito carinho.
Nos conhecemos na infância e sempre fomos amigos!

— Eu não vou discutir isso com você. — Larissa brigou de volta — Está sendo boba e vai
acabar colocando a sua escola e os seus alunos em risco. Você sabe a quantidade de loucos que
há lá fora? Milena, você vive em um adorável mundo criado em música, bem estar e sinceridade.
Eu estou amando viver nesse mundo. Mas lá na rua, a coisa é diferente. O mundo é selvagem. E
Jacob faz parte desse mundo. Você quer trazer perigo para sua vida? Para esse ambiente que
criou com tanta dificuldade?

— Não, claro que não. Mas o que eu faço com esse sentimento dentro de mim, que diz que
isso está errado?

Era uma pergunta válida. Inconformada, Larissa retirou o celular do bolso da calça e
ofereceu.

— Ligue para a esposa dele. Pergunte o que aconteceu.

Visto que Milena apenas olhou o aparelho e não fez nada, Larissa guardou-o no bolso.

— Ela não vale muita coisa, Larissa. Eu a conheço. Ela me seduziu, me usou e me deixou logo
depois. E foi tão cínica que se fez de boazinha para casar com Jacob porque ele tinha um pouco
de dinheiro. — Apelou.

— Coitadinho. — Larissa ironizou.

Milena tentou não se ofender. Era a primeira briga das duas como um casal. Milena sorriu,
maneando a cabeça e puxando-a para mais perto, abraçando-a pelos quadris, enquanto dizia:

— Não vamos brigar por causa dele, vamos? Eu vou ficar quieta, prometo.

— Mesmo? — Larissa duvidou.

— Sim. — Prometeu.

As duas sorriram e Larissa a beijou para selar a promessa.

Beijar Milena era sempre um prazer inestimável. Pressionou o corpo da loira contra a pia e
os carinhos se intensificaram.

— Sua aula... — Milena sussurrou, roubando-lhe um selinho, antes de empurrá-la gentilmente


para longe — Na hora do almoço a gente fica aqui? O que acha?
Esfregou uma coxa contra a coxa de Larissa, mordiscando o lábio dela, provocando.

— Hum, uma rapidinha na hora do almoço? — Larissa sorriu, com expressão cafajeste.

— Sim, uma rapidinha bem gostosa na hora do almoço... — Instigou, afastando-se.

Era hora de começar o trabalho. O amor precisaria esperar. Quando Larissa afastou-se e
piscou, em um 'tchau', Milena sentou-se em uma cadeira outra vez.

Pegou o jornal, pensativa. Aquilo não parecia certo. Algo estava muito errado naquela
história. E não fosse a promessa feita para Larissa, com certeza, Milena teria tirado aquilo a
limpo...

*****

O dia correu normalmente. Nada diferente aconteceu. Quando anoiteceu, Aliel estava com as
duas, depois do jantar, esperando seus pais buscá-lo. Aparentemente a mãe de Aliel havia
esquecido outra vez que tinha um filho e precisava cuidar dele.

Milena adorava ter esses momentos a mais junto do garoto, que seu coração adotara como
filho. Larissa também gostava de ficar com eles, como se fossem uma adorável família feliz. Ao
lado do garoto, Larissa sentia-se quase uma mãe outra vez e esse sentimento era muito
intransigente e perigoso.

— Ela chegou — disse Larissa ouvindo a buzina do carro. — Vem, Aliel, hoje eu quero te
entregar pra sua mãe. Está na hora de conhecê-la, não é?

O garoto pareceu na dúvida se isso era algo bom ou ruim.

Milena ficou na cozinha ajeitando a louça do jantar, quando ouviu um barulho na porta dos
fundos.

Levou um susto ao olhar pela janela e encontrar a imagem de Jacob. Ele aproximou-se da
Janela e fitou-a com olhos que suplicavam por ajuda.

Ele estava à beira do choro. Com o coração apertado, sabendo muito bem que não devia,
Milena abriu a porta.

No mesmo instante a porta da entrada também era aberta, para que Aliel saísse. A mãe do
garoto não se dera ao trabalho de sair do carro, apenas buzinava incansavelmente.

Contrariada, a mulher buzinava sem prestar muita atenção no que acontecia em volta.
Larissa ficou imóvel, de longe, vendo aquela mulher que lhe era tão familiar.

— Essa mulher é a sua mãe, Aliel? — Perguntou, petrificada no lugar.

— Sim. — O garoto concordou e despediu-se correndo para o carro, pois se demorasse


mais tempo, provavelmente sua mãe começaria uma briga sem fim quando chegasse em casa.

Larissa ficou observando o carro partir. Quando voltou para a cozinha, estava
completamente sem reação. Ela até notou que Milena não estava sozinha, mas não reagiu do modo
esperado.

No chão, ajoelhado e chorando, Jacob implorava por ajuda. Como uma criança assustada
ele não sabia a quem recorrer. Milena chegou a olhar para Larissa como quem pede desculpas
por ter cedido e o deixado entrar, mas Larissa não tinha mais dúvidas sobre a inocência de Jacob.

— A mãe de Aliel — disse em voz baixa, seca, fria.

— O que tem ela? — Perguntou Milena, sem saber como agir em relação a Jacob.

— Eu a conheço. — Larissa sentou em uma das cadeiras e olhou para Jacob — Levanta
desse chão. — Mandou.

— Larissa, eu sei o que você pensa disso tudo, mas... — Milena tentou se justificar.

— Você não me entende — Larissa cortou-a — Nada faz sentido. A mãe de Aliel... Eu
conheço essa mulher. Ela é... Ela é a mulher que roubou o meu filho e morreu junto dele naquele
acidente, tantos anos atrás.

As palavras de Larissa caíram no vazio. Ela escondeu o rosto nas mãos, como quem precisa
se esconder de uma realidade cruel demais para encarar.
Capítulo 29

— Como assim, a mãe de Aliel é a sua...?

A voz de Milena se perdeu, diante da surpresa da revelação.

— Eu acho que ela não me viu — Larissa ergueu os olhos, como quem pede para Milena
ajudá-la. — Eu só fiquei olhando de longe... Mas tenho certeza do que vi.

— Mas como isso é possível? — Milena duvidou — Jacob, eu li no jornal que houve uma
testemunha da agressão. Você conhece a mãe do Aliel. Ela estava lá quando aconteceu?

Ele maneou a cabeça.

— Como eu vou saber? Eu não estava lá! Eu fui para um bar, Milena. Eu bebi demais.
Cheguei em casa e fui dormir. Como vou saber o que aconteceu depois disso? Eu acordei com a
polícia invadindo minha casa.

— E como você chegou aqui? — Duvidou de suas palavras.

— Chamei meu advogado, ele conseguiu me soltar, mas é algo temporário. Eu...

— Eu conheço o seu advogado. Afinal, ele me depenou naquele processo que você inventou.
E agora, é você quem vem bater na minha porta em busca de ajuda?

— Eu sinto tanto. Eu fui um imbecil. — Ele disse envergonhado.

— Se a mulher que foi testemunha da agressão é a mesma que Larissa tem uma certidão de
óbito... Algo está errado. Essa mulher é uma golpista. Ela forjou a própria morte? — Divagou
Milena.

— Ela queria fugir de mim. Ela forjou a morte para levar... Para... Ficar com o meu filho. Para
que eu nunca os procurasse! Eu fui enganada todo esse tempo! Todos esses anos... e ela estava
vida! Viva!

— Larissa — Milena finalmente chegou à conclusão que a emoção exacerbada de Larissa


não permitia que concluísse. — Se ela está viva... Provavelmente seu filho também está.

— Não. — Larissa levantou, imediatamente ofendida com a possibilidade disso ser verdade
— Não!

— É claro que sim! Se ela está viva, provavelmente está com o seu filho! Larissa!

A morena se afastou, querendo sair da cozinha. Milena a impediu.

— Larissa, essa é a verdade! Seu filho pode estar vivo!

— Não! Você não entende que isso é impossível? Eu não posso ter sofrido em vão todos
esses anos! Não posso! Não posso ter acreditado numa mentira e deixado meu filho sozinho por
todo esse tempo! Não é verdade!

— Mas pode ser real, Larissa. — Milena sentiu tanta pena de olhar para seu rosto
contorcido em medo, que quase não soube o que dizer — Essa mulher acabou com sua vida! E
pode estar fazendo o mesmo com a vida de Jacob! Não podemos esquecer que ele tem um filho a
caminho! Disseram que a mulher perdeu a criança. Assim como disseram que seu filho estava morto!
Larissa, eu preciso de ajuda aqui! Ouça a voz da razão! Se ela está viva e está com seu filho...
Você não quer saber de onde veio Aliel?

A verdade nua e crua caiu sobre Larissa com o peso de uma montanha desmoronando.

Sim, Aliel era uma questão a ser discutida.

— Não. Isso não é possível. — Larissa afastou-se totalmente, se isolando num canto. Quis sair
daquela cozinha e desaparecer no mundo. Mas algo a impediu.

Ficou num canto, longe de Milena, acuada, sem saber o que fazer. Milena sabia que não
adiantaria bater de frente.

— Jacob, eu preciso do telefone do seu advogado.

— Se eu disser onde estou, ele vai avisar a polícia — Jacob negou, assustado.

— Seu advogado é um vampiro sugando dinheiro. Ele nunca iria dizer onde você está. Não
enquanto você estiver pagando bem pelos honorários dele. — Disse amarga, pois sentira na pele
a voracidade do advogado em arrancar dinheiro de sua vítima.

— Porque vai ligar para ele? — Jacob tentou impedi-la.


— Porque a principal testemunha do seu suposto ataque a sua mulher, é a mesma pessoa
com quem Larissa teve um relacionamento. Essa mulher roubou o filho de Larissa e fingiu a própria
morte. Ela deve estar fazendo o mesmo com você. Aposto como sua mulher não perdeu o bebê.
Aposto como é tudo enganação. E dessa vez, a vítima é você.

Essa possibilidade era dolorosa demais. Fraco, Jacob nunca foi emocionalmente forte. Ele
baixou a cabeça, lutando contra o choro. Milena levantou e deixou-o abraçá-la pela cintura,
chorando em sua barriga, como tantas vezes acontecera no passado, quando eram namorados e
então, noivos.

Ela ligou para o advogado, marcando uma hora. Quando desligou, disse:

— Jacob, você precisa se recompor. Use o quarto de hóspedes enquanto falo com Larissa.
Está bem?

Ele olhou para Larissa, desolado.

— Vai ter que superar seu preconceito, Jacob. Larissa é minha namorada e estamos vivendo
juntas. Se pretender ficar aqui, vai ter que respeitar minhas escolhas. Não pode bater na minha
porta para pedir ajuda, e ainda hostilizar meu estilo de vida.

— É tão difícil aceitar que eu te perdi — ele admitiu.

— Tem tanta coisa mais importante no mundo do que isso, Jacob. Espero que consiga se
controlar ou vou pedir que saia e não volte mais. Entre nós há espaço apenas para amizade.

Jacob pareceu ofendido. Mas concordou mesmo assim. Era tempo de mudança e seus velhos
sentimentos confusos, não tinham mais espaço nesse novo momento em sua vida.

Ele aceitou o convite de ir para o quarto de hóspedes se refazer. Afinal, precisariam dele.

— Larissa... — Milena tentou uma aproximação, mas a morena não queria carinho, queria
algo sem explicação.

Algo que geralmente encontrava ao estar sozinha: fuga. Era isso que ela queria. A solidão
de estar sozinha, lambendo as próprias feridas.

— Isso não pode estar acontecendo. — Larissa era pura negação.

Milena não tentou forçar. Esperava a chegada do advogado de Jacob. Conhecia muito bem
aquele homem. Era uma cobra em pele de cordeiro, mas nesse caso em especial, o que tanto a
desagradava nele, seria muito útil.

Meia hora mais tarde, Larissa observava de longe, num canto da cozinha, enquanto Milena
explicava toda a situação para o advogado.

— Eu vou precisar da certidão de óbito — ele dizia, tomando notas — E vou precisar
também de testemunhas desses fatos. É um caso quase fantasioso.

O bom de lidar com um profissional tão cruel, era saber que ele iria ao fundo do acontecido,
para tirar o maior proveito possível.

— Eu acho que podemos conseguir testemunhas. Larissa, você sabe de alguém que conheceu
sua ex e pode confirmar tudo isso?

— É claro que sim. Lorena e Tico sabem quem ela é. Eu... Coloquei fora todas as fotos que
tinha dela. Mas... Eu sei que Lorena guardou algumas. — Seu modo de falar era trôpego, pouco
seguro.

— Ok. Eu preciso que permaneçam calmas. Que esse assunto não saia daqui de dentro. Vou
usar o fator surpresa para encontrar essa mulher e pressioná-la. — O advogado era muito alto,
magro e vestia um terno acinzentado que pareia ser seu uniforme, pois Milena se lembrava dele
usando a mesma roupa em todas as vezes que se viram em audiências.

— Jacob está no quarto de hóspedes. Ele chegou tão nervoso que precisei lhe dar um
calmante — Milena explicou.

Conduziu o advogado até o quarto e deixou os dois conversando, afinal, parte daquele
assunto não lhe interessava. Os problemas de Jacob não lhe interessavam tanto quanto o que se
passava com Larissa.

Quando voltou para a cozinha, encontrou o cômodo vazio.

Com um aperto no coração, soube imediatamente para onde Larissa deveria ter ido.
Impulsiva demais deveria ter feito exatamente o oposto do que recomendara o advogado.

Assustada com a possibilidade de algo ruim acontecer com Larissa, pegou as chaves de
casa, o celular e correu para a escola, para pegar o carro e ir atrás de Larissa.
Capítulo 30

Como imaginava, Milena encontrou o caminhão estacionado uma quadra antes da casa de
Aliel. Larissa havia estacionado e corrido a pé até a casa.

Estava parada, de pé, diante do portão da casa. Milena estacionou e correu para fora do
carro.

— O que está fazendo, Larissa? Quer estragar tudo?

— Estragar o que? — Afastou-se, furiosa — Eu perdi todos esses anos da minha vida,
chorando por algo que nunca aconteceu! Eu perdi a chance de procurar o meu filho! Ele pode
estar aí dentro! — Gritou, apontando a casa.

— Ou pode estar em outro lugar qualquer. Essa mulher é louca. Ela fugiu e forjou a própria
morte! Larissa! — Tentou segurá-la, mas Larissa não queria saber de conversar ou ouvir a voz da
razão.

Estava completamente irracional para a situação. Tanto que Milena não conseguiu impedi-la
de esmurrar a porta da casa. Houve uma sessão de xingamentos e reclamações antes que a porta
fosse aberta.

Um homem encarou-a de volta. Milena sabia que aquele, por teoria, era o pai de Aliel.

— O que você quer? O garoto está na escola. Não é hora de levá-lo. — Ele reclamou,
tentando fechar a porta.

— Onde ela está? — Larissa gritou, segurando a porta, empurrando-a, escancarada.

— Você é louca? — Ele tentou impedi-la de entrar, mas naquele estado de fúria, Larissa não
poderia ser barrada.

— Amanda! Onde ela está? — Larissa entrou na sala, procurando freneticamente.

Ouviu um barulho na parte de trás da casa e correu para lá. Milena seguiu-a, na tentativa
falha de impedi-la de fazer uma loucura. Larissa parou ao chegar no corredor.

Uma porta aberta, onde pode ver um berço, malas feitas, e uma mulher de joelhos,
arrumando roupas em uma mala aberta no chão.

— Você não tem um bebê — Larissa disse bem baixo, com voz rouca e apertada pelo choro
que não viria — De quem pretende roubar o filho dessa vez?

Sua pergunta fez a mulher parar e olhar para trás. Assustada, ela levantou e deu um passo
para trás. Parecia não crer no que via.

— Não é engraçado que eu seja a nova professora de piano do filho que você me roubou?
— Larissa avançou e a mulher pareceu procurar uma rota de fuga.

— Eu não sei do que está falando. Faz muito tempo que não a vejo, Larissa.

— Não vai nem ao menos se dar ao trabalho de fingir não me conhecer? — Larissa ironizou.

— Porque eu faria isso? Eu não sei o que você quer, mas não é aqui que vai achar. — Ela
fingiu naturalidade, mas Milena viu as mãos da mulher tremendo enquanto seguravam peças de
roupas de criança.

— Larissa é minha namorada e está morando comigo. Vocês duas tiveram um relacionamento
no passado. Vai negar isso? — Milena tomou a palavra.

— Eu sabia que você deveria estar por trás disso tudo. Eu detestei conviver com você desde
a primeira vez que a vi. Sabia que me traria problemas — a mulher jogou na cara de Milena —
Eu deixei Aliel fazer as malditas aulas de piano, apenas para que me deixasse em paz! —
Amanda vociferou.

— É claro, sua hipócrita! — Larissa disse com mais fúria do que poderia controlar — Sempre
foi boa pianista. Porque não tem um piano em sua casa? Porque odeia o piano? Porque roubou o
meu filho? Que mal eu lhe fiz? QUE MAL EU LHE FIZ? — Gritou, desesperada por respostas.

Amanda pareceu ter uma resposta. Seus olhos diziam isso. Mas não falou nada. Apenas
apontou para o corredor e disse:

— Saia da minha casa ou vou chamar a polícia!

— Chame! Chame agora! — Disse Milena, defendendo Larissa — Aproveita e explica para
a polícia como foi que você ressuscitou para roubar o filho de Jacob!
Diante dessa acusação, Amanda apenas maneou a cabeça.

— Eu sei o que está acontecendo. Eu soube que achava que eu estava morta. — Disse com
parcimônia forçada — Mas o que eu iria fazer? Eu não queria voltar com você, Larissa! Estava te
deixando para voltar com o meu marido! O que eu faria com uma amante chorando a morte do
filho? Uma amante que eu nem queria mais?!

— Está mentindo! Sua ladra! Sua sequestradora! Eu tenho a documentação! Eu vou atrás
disso! Eu vou te colocar na cadeia! Eu vou pegar o meu filho de volta! Está me ouvindo?

— Estou! — A mulher respondeu no mesmo tom voraz — Se você encostar um dedo em Aliel,
eu te coloco na cadeia. Ele é meu filho! Está registrado no meu nome! Encoste um dedo nele e eu te
coloco na cadeia!

— Então é verdade — Milena disse cada vez mais chocada — Aliel é o filho que você
roubou de Larissa.

— Eu não disse isso! — A mulher se defendeu, mas era tarde demais para desfazer o que
dissera.

Toda a autoconfiança da mulher parecia ter desaparecido.

— Porque você quer o filho de Jacob? — Perguntou Milena.

— Vocês duas são loucas? Você não lê os jornais? — Amanda disse sádica — Não há mais
bebê. O filho de Jacob está morto. Assim como o seu filho, Larissa.

— Não vai ser assim tão fácil se safar — Milena tomou a dianteira, pois Larissa parecia
prestes a avançar e acabar com a mulher. Ficando entre as duas, avisou: — Já falamos com um
advogado. Ele vai entrar com um pedido de DNA. Você vai ter que explicar porque forjou sua
morte. Vai ter um processo longo e desgastante.

Milena sabia que o marido da mulher ouvia tudo do corredor. Era mais para ele que falava,
do que para a mulher. Bandidas como Amanda não temiam nada. Mas bandidos como o marido
dela... Esses costumam manter seu nome limpo até o fim, sempre usando de outras pessoas para
aplicar seus golpes.

Homens que se tornam escudos na hora que a corda estoura e os podres emergem.

— Não tenho medo de vocês duas. Muito menos de você, Larissa. — Amanda desdenhou.
— Mas deveria ter. — Foi Milena quem revidou. — Muita coisa do seu passado virá à tona.
Tenho certeza que vamos pegá-la por algum crime. E se Aliel for mesmo filho de Larissa... Nos
vamos descobrir. E você, não poderá fazer nada para impedir. Vai estar atrás das grades.

A ameaça não ficou sem resposta. O homem apareceu na porta e disse:

— Eu não quero usar a força... Mas eu vou usar se não saírem da minha casa.

Larissa chegou a avançar sobre o homem, mas Milena a segurou.

Segurou pelos braços, empurrando para fora do cômodo.

Antes de ir, no entanto, Milena disse ao homem:

— Você é um trouxa que vai pagar pelos crimes dela — olhou para Amanda. — sabe disso
não sabe?

Deixou a pergunta no ar. Antes de sair da casa, no entanto, ao passar pela sala, pegou um
porta retratos. Não se importou se aquilo seria roubo ou não.

Queria uma prova. Uma imagem com Amanda e Aliel. Uma lembrança, caso precisassem de
algo assim no futuro.

Na rua, Larissa andava com passos duros e rápidos, e rejeitou o toque de Milena, que
perdeu a paciência:

— Você estragou tudo, Larissa! Não podia ter confrontado-a ainda! Agora, ela está avisada
sobre você estar aqui! Vai poder agir antes de nós!

— Eu não sou sonsa como você! — Larissa revidou — eu não sei sentar e esperar!

Milena tentou não se ofender. Não levar a sério, pois Larissa estava descontrolada. Num
gesto preventivo, aproximou-se e puxou a chave do caminhão que Larissa sempre mantinha em um
chaveiro, no bolso da frente da calça.

— O que está fazendo? — Larissa parou de andar, encarando-a, como se Milena fosse sua
inimiga.

— Não vai dirigir nesse estado! — Avisou, andando mais rápido do que ela. — Se quiser
uma carona, venha comigo, se não quiser... Volte a pé.

Nem sempre era fácil lidar com as explosões de Larissa.


As duas entraram no pequeno carro de Milena, sendo que a morena bateu sua porta com
tanta força que chegou a tremer o veículo. Resignada, Milena disse:

— Não é hora para brigas, Larissa. Pense em Aliel. Ele está nas mãos dessas pessoas...
Mesmo que ele não seja o seu bebê roubado... É um menino doce e meigo que não merece sofrer.

— É claro que Aliel é o meu filho. — Larissa olhava para fora, pelo vidro da porta do
carro, recusando-se a olhar para Milena, e expor sua dor assim, tão em carne viva. — Aquela
desgraçada me roubou tudo.

— Pense que é a hora de recuperar tudo que ela lhe tirou. Acalme-se. — Pediu, sabendo
que era um pedido vão.

Também estava pilhada, nervosa, instigada. Esse tipo de adrenalina não evapora apenas
com o uso da lógica.

Milena deu a partida no carro e levou Larissa para casa. Quando chegaram, correu para o
telefone, para avisar o advogado de Jacob sobre o rompante de Larissa e sobre o fato de agora,
aquelas pessoas asquerosas estarem plenamente avisadas sobre o processo e sobre a
possibilidade de serem desmascaradas a qualquer momento.

Chegou a olhar com pena para Larissa que apenas saiu da pequena cozinha e escondeu-se
no quarto, que era das duas.

Larissa era do tipo que se sentia acuada. Quando pressionada, sentia-se pronta para
atacar. Ela andou pelo quarto, procurando algo para agarrar, algo para segurar, algo para
apertar.

Mas esse algo estava em seu passado: o seu bebê.

Era o seu filho roubado de seus braços que Larissa queria segurar, agarrar e apertar.

Mas esse bebê não era real. Era uma possibilidade e nem mesmo era um bebê. Poderia ser
um menino grande, triste e cheio de traumas. Uma criança explorada pela família.

Angustiada, desesperadamente fora do eixo, Larissa fechou os olhos apertadamente.


Quando os abriu, descobriu que ainda estava no mesmo lugar, no mesmo quarto e que tudo aquilo
era real.

Num rompante, aproximou-se da porta do quarto, mas desistiu de sair. Não queria ouvir a
conversa otimista de Milena. Sabia que a loira queria o seu bem, mas naquele momento de
desespero, suas palavras apenas causavam mais dor.

Acabou refugiando-se no banheiro. O chuveiro foi o seu refúgio. De cabeça quente, abriu o
registro e deixou a água fria cair e molhar seu corpo. Apoiou as duas mãos na parede, cabeça
baixa, fitando o ralo.

Sua vida era como aquela água que corria para o chão e escorria pelo ralo. Larissa
guardou o grito de fúria que corroia sua garganta e deixou o corpo cair para o chão. E foi assim
que Milena encontrou-a.

Tão logo desligou o telefone, Milena seguiu-a para o quarto e ouviu o som inconfundível do
chuveiro ligado. Abriu a porta e sentiu o coração despedaçado ao avistar a sua forte e destemida
Larissa encolhida no chão de azulejos, chorando, sob a água.

Sem pensar duas vezes, esquecendo-se das roupas e do quão molhada também ficaria,
entrou no box e ajoelhou-se no chão ao seu lado.
Capítulo 31

— Larissa, por favor, não fique assim — pediu, apenada do estado em que sua namorada
se encontrava — Tudo vai ficar bem, acredite.

— Não! — Larissa empurrou suas mãos, afastando-se dela, encolhida naquele chão,
fechada em seu desespero — Nada vai ficar bem. Me deixe sozinha, eu não quero ouvir sua voz,
não quero ouvir que tudo vai ficar bem porque é mentira!

— Não é mentira! Você não vê? Encontrou seu filho, uma criança que considerava perdida
para sempre. Você vai ter a chance de conhecê-lo, de estar perto dele, de vê-lo crescer! Larissa!
Qualquer mãe na sua situação daria a vida por uma segunda chance! Pense no lado positivo dessa
situação...

— Não há lado positivo! — Larissa gritou, tentando levantar, porém escorregando para o
chão. — Eu quero ir embora daqui. Eu nunca deveria ter vindo! Eu sabia que me arrependeria! Eu
sabia!

Sem saber como falar ou que o dizer, Milena ficou calada. Era um desabafo descontrolado,
palavras vãs que escapam de lábios aflitos e sem coerência. Mesmo assim, feria ouvir.

— Eu quero sumir. É o único jeito de... É o único modo de não passar por isso — Larissa
falava a si mesma, não era para ser ouvida ou obter uma reaposta.

Seu corpo tremia e Milena levantou para desligar a água que ainda batia furiosamente em
seu corpo. Água gelada, com única missão de ferir a pele e aplacar qualquer sensação que não
fosse a dor da carne.

— Você não vai fugir, Larissa. Porque não adiantaria nada ir embora. — Milena tornou a
baixar o corpo, ficando na mesma altura, exigindo que Larissa fitasse seus olhos.

Era quase uma luta de vontades, mas apesar de estar em negação, Larissa queria sim ouvir
suas palavras de incentivo. Emocionada, Milena continuou:
— Aliel pode ser seu filho. Dessa dúvida você nunca poderá fugir, não importa para onde
vá. É melhor ficar, encontrar forças dentro de si para enfrentar isso. Larissa, o seu bebê pode estar
prestes a voltar para os seus braços. Agora... Eu vejo como Aliel é semelhante a você e não
apenas no talento para a música, mas sim, na personalidade. Eu amei esse menino desde a
primeira vez que o vi, do mesmo modo que me apaixonei por você desde o primeiro instante ao
seu lado. Eu vou ficar ao seu lado, o tempo todo. Recuperaremos o seu filho, Larissa. Essa
turbulência vai passar. Pense unicamente em Aliel. Pense apenas no que importa. Os anos de
sofrimento ficarão para trás. Eu sei que é piegas, que todo mundo diz o mesmo. Mas é verdade.
Uma vez tendo seu filho de volta, tudo que passou se apagará.

— São palavras idiotas — Larissa rechaçou cada palavra dita.

— E mesmo assim, você sabe que eu estou certa, não sabe? Sentar aqui e chorar não vai
apagar tudo que descobriu. Tão pouco vai apagar o fato de anos atrás alguém ter lhe roubado o
filho. Não foi sua culpa, foi enganada de modo cruel. Mas hoje, diante da verdade, se virar as
costas para essa criança... Será um abandono seu, um abandono por medo. Apenas por medo de
se ferir ainda mais.

Larissa não respondeu. Escondeu o rosto nos braços cruzados sobre os joelhos.

Outra pessoa poderia entender isso como uma deixa para se afastar e permitir que Larissa
se recuperasse sozinha. No entanto, Milena aprendera a conhecer e respeitar as limitações
emocionais de Larissa. Sentou-se ao seu lado e espertou que ela mesma se acalmasse e começasse
a pensar com clareza.

Uns dez minutos depois Larissa ergueu a cabeça e apoiou-a na parede logo atrás. De olhos
ainda fechados, reclamou:

— Essa droga de chão é frio para caralho.

Milena quase sorriu da sua boca suja.

— Venha, vamos para um lugar quentinho. — Convidou, levantando e estendendo a mão na


sua direção.

Aquela mão esticada em sua direção era bem mais do que um gesto de cordialidade e
ajuda. Era um gesto de salvação.

Tão logo ficou de pé, Milena levou-a para o quarto.


Ajudou-a a tirar as roupas molhadas e vestir o roupão quentinho. Estava prestes a procurar
por meias, quando foi interceptada no meio do quarto em um abraço apertado.

Larissa queria ser abraçada. Por isso, Milena abraçou-a de volta, com todo seu amor
incondicional.

— Obrigada — foi o sussurro que Larissa deixou escapar.

Emocionada, Milena preferiu agir com naturalidade. Afinal, eram amantes, amigas e
apaixonadas. Dar apoio uma a outra fazia parte da nova vida que assumiram a dois.

— Deite-se um pouco, Larissa. Essa situação não vai se resolver em apenas um dia. Eu vou
falar com Jacob sobre a mulher dele e o bebê deles. Esperar o advogado me chamar. Quem diria
que um dia aquela sanguessuga e eu estaríamos do mesmo lado? Inacreditável. — Tentou fazer
graça, pois afinal, o advogado e ela eram praticamente inimigos.

Larissa chegou a sorrir um pouco. Milena vigiou-a para saber se iria mesmo deitar e
descansar. Quando a viu deitada, saiu do quarto. No corredor, soltou um profundo suspiro de
alívio.

Aquela situação também não era fácil para quem sempre tivera a vida certinha, sem
atropelos. Depois do que passara com o rompimento do noivado com Jacob havia decidido nunca
mais trazer turbulências para sua dia.

Mas, era um problema de Larissa, e como sua companheira, aquele problema passava a ser
seu também.

Decidida, rumou em busca de Jacob. Não o encontrou em nenhum lugar da casa. Quando
chegou na recepção da escola, encontrou um recado deixado com Carine.

— Jacob avisou que não vai voltar. Ele disse que foi atrás da mulher. Que ela saiu da
cidade e deve estar na casa dos sogros dele. Eu tentei argumentar, mas você sabe que ele não
ouve ninguém. — Carine avisou, pois não era muito simpática com Jacob e a recíproca era total.
— Você sabe, não é, Milena? Jacob não é um santo.

— Sim, mas ele não merece algo assim. Ninguém merece ser tratado desse jeito. —
Defendeu.

— Será? — Carine perguntou, mas Milena ignorou a pergunta.

— Preste atenção em Aliel. Eu duvido que ele vá voltar aqui, a mãe dele nunca vai deixar,
mas se acontecer, você segura Aliel aqui! Me chame na hora. Não deixe ninguém levá-lo. Ok?

— A situação é tão seria assim? O que Aliel tem a ver com isso tudo? — Carine não
entendeu.

Angustiada, Milena contou brevemente a gravidade da situação. Precisava de toda ajuda


que pudesse obter e Carine era de confiança.

Voltou para a casa, sem cabeça para o trabalho. Fechar a escola mais cedo foi a melhor
alternativa. Encontrou Larissa na cozinha.

— Eu lembrei que preciso falar com Lorena e Tico — ela contou, segurando uma xícara de
café nas mãos, sentada na cadeira, completamente sem ânimo — Eu só não sei o que dizer.

— Quer que eu ligue? — Ofertou, pegando o telefone sem fio da mão dela.

— Quero. Eu... Preciso deles aqui.

A confissão frágil era uma surpresa. Compreensiva, Milena sentou na cadeira ao lado e
começou a discar. Seria uma longa conversa, um longo momento para explicar tudo que acontecia.

E esse tempo, não era desperdício, era um tempo entre elas. Algo que faziam juntas, pois a
vida a dois era assim: dar e receber.
Capítulo 32

Tudo parecia correr lentamente. Depois da explosão de Larissa, enfrentando a ex-amante e


sequestradora, o esperado de fato aconteceu: tanto Amanda, quanto o marido e Aliel, haviam
desaparecido.

A polícia não se envolvera nisso, pois ainda não cabia a eles procurar por uma família livre
e desimpedida, que poderia viajar a vontade.

Jacob também não dera notícias.

Três semanas mais tarde, a apatia era total. Larissa não conseguia disfarçar o sentimento de
abatimento. Nem mesmo a presença de Lorena, que optara por ficar hospedada na casa, para
ajudar, parecia animá-la.

Milena estava quase desesperada, pela ausência de notícias e apatia total de Larissa,
quando em uma tarde chuvosa recebeu uma ligação inesperada.

Atendeu, ansiosa, esperando que fosse o advogado com alguma notícia sobre o paradeiro
deles. Mas não era.

A voz do outro lado da linha era inconfundível. Era a voz de um garoto.

— Aliel, é você? — Perguntou, pois havia muito barulho por trás da voz do garoto. Ele
estava em algum lugar barulhento.

Ao ouvir o nome, Larissa imediatamente se aproximou, mas Milena a impediu de pegar o


telefone. Era preciso calma para lidar com a situação. Não poderia sequer sonhar em perder
contato com Aliel outra vez!

— Querido, onde você está? — Perguntou, direta, com medo que não pudesse ficar muito
tempo no telefone.

— Estou numa rodoviária. Vem me buscar, Milena? — Ele pediu, e havia muita fragilidade
em sua voz.
— Você está sozinho? — Precisou perguntar.

— Vem me buscar — o garoto respondeu, fugindo da pergunta.

— Aliel, onde estão seus pais? — Insistiu.

— Eu não sei — ele confessou.

Com o coração apertado, Milena perguntou o inevitável:

— Onde fica essa rodoviária?

Demorou alguns segundos para que o garoto voltasse a falar: tempo suficiente para Milena
sentir as pernas bambas, achando que ele desligaria.

No entanto, Aliel lhe passou o endereço.

— Eu vou te buscar, Aliel. Não saia daí. Eu devo chegar em algumas horas. Não fale com
estranhos, fique perto de lugares seguros, de preferência onde houver policiais ou seguranças. Está
me entendendo?

— Sim, eu sei me cuidar — ele respondeu.

Eles sempre conversavam muito. Na ausência dos cuidados e educação de uma mãe
presente, era Milena quem ensinava ao garoto as coisas da vida.

— Eu não vou deixá-lo sozinho. Não saia daí — tornou a avisar.

Desligar foi um sofrimento necessário. Enquanto Milena pegava itens como dinheiro,
agasalhos e comida, pois suspeitava que Aliel estaria em uma situação difícil, Larissa apressou-a a
tirar o caminhão da garagem.

Não havia a menor possibilidade de pedir que Larissa não dirigisse. Era seu filho que
precisava ser resgatado. A sorte havia lhe sorrido uma única vez na vida e Larissa não
desperdiçar essa chance.

Algumas horas mais tarde, as duas corriam pela rodoviária, em um bairro bastante humilde.
Milena conhecia a cidade, mas Larissa nunca estivera ali antes. Foi preciso muito tempo para
encontrar o garoto.

Aliel estava sentado no chão, perto de um segurança, de uma loja de artigos variados.
Havia seguido a risca todas as recomendações de Milena. Aliel era um garoto adorável. Ansiosa,
Milena cedeu lugar para Larissa que foi a primeira e aproximar-se dele.

Aliel levantou e deixou a mochila no chão. Olhou para Milena, que o chamou para um
abraço. Ele confiava em sua professora e única amiga. Esse tipo de cumplicidade, Larissa
precisaria construir com o próprio filho, caso Aliel fosse mesmo seu filho roubado.

— O que aconteceu. Aliel? Onde estão seus pais? — Foi Larissa quem perguntou, não
podendo controlar a ansiedade em saber de tudo.

Milena olhou em volta e maneou a cabeça negando. Aquela não era hora para isso.

— Vamos para casa, Aliel. Está bem para você? Quer ir para outro lugar?

Não pretendia levar o menino para outro lugar, mas também não queria deixá-lo assustado.

— Quero ir para casa com você, Milena — ele garantiu.

— Está com fome? — Ela perguntou e soltou o garoto, que naturalmente procurou por
amparo, achando-o nos braços de Larissa, que lutou para manter aquele abraço como algo normal
de amigos e não com um desespero de mãe.

— Sim, eu não comi nada desde ontem — ele contou.

Milena olhou para Larissa com um olhar que não deixava dúvidas sobre sua indignação.

— Vamos para casa. Eu tenho um lanche para você no caminhão. — Disse Larissa.

Eles atravessaram a plataforma de embarque e desembarque dos ônibus e ao chegar onde


o caminhão estava estacionado, os três entraram e tão logo Aliel estava comendo com voracidade
o lanche que Milena trouxera, Larissa colocou o veículo em movimento.

Aliel comeu em silêncio por muito tempo. Quando o sanduíche estava quase no final, bebeu
mais água da garrafa térmica. Olhou com seriedade para Larissa e então, para Milena.

Concentrado, o garoto demorou a falar, mas quando o fez, foi direto ao que mais
interessava.

— Minha mãe me deixou lá.

— Você sabe por que ela fez isso? — Milena perguntou.

— Sim. — Olhou-a com complacência, acostumado a esse tipo de situação — Meu pai
aprontou de novo.
— Foi isso que lhe disseram? — Larissa não se conteve.

— Sim, por isso fomos embora da cidade sem avisar ninguém. Eles brigaram muito. Eu tentei
avisar que íamos embora da cidade, mas minha mãe não deixou — Aliel explicou para Milena. —
Ficamos em um hotel. Ontem à noite eles saíram e eu fiquei. Achei que voltariam, mas quem
apareceu foi uma pessoa do hotel avisando que haviam fechado a conta e que eu deveria sair.
Eles me largaram lá.

Chocada, Milena nada respondeu. Larissa, ruminando sua raiva, perguntou:

— Você sabe por que eles estavam brigando?

— Meu pai disse algo sobre ter sido enganado por muitos anos e minha mãe disse que não
precisava mais dele. E pelo visto, nem de mim. — Ele baixou os olhos, triste.

— Não diga isso, Aliel. Você é um garoto maravilhoso. — Milena consolou-o.

— Então porque eles me deixaram para trás?

Para uma criança abandonada, Aliel parecia pouco triste. Decepcionado, mas não surpreso.

— Fiquei muito contente que tenha me chamado, Aliel — Milena procurou não entrar em
assuntos mais sérios naquele momento. — Sempre poderá contar comigo, sabe disso, não é?

O garoto apenas concordou com a cabeça. Então, pareceu em dúvida e perguntou:

— Agora eu vou morar com você?

— Eu gostaria muito disso. Larissa também adoraria — Milena sorriu para ele — Veremos
isso quando chegarmos em casa, está bem? Não precisa se preocupar com isso agora.

Aliel concordou, mas parecia incerto.

— Você sabe para onde seus pais podem ter ido? — Larissa perguntou, olhos fixos na
estrada, tentando soar natural.

Na verdade, seu maior desejo era encontrar aqueles desgraçados e dar fim aos dois!

— Não, mas eles falaram sobre encontrar uma mulher. Brigaram bastante depois que minha
mãe recebeu uma ligação dessa mulher. Depois eles saíram e não os vi mais. Foi isso que
aconteceu.

— Tudo bem, Aliel, isso não importa agora — garantiu Milena, acalmando o garoto, pois ele
parecia tenso.

E quem não ficaria arrasado diante desse abandono cruel?

— Eles não vão mais voltar, não é? — Aliel perguntou.

Larissa lutou contra a vontade de responder algo como 'Espero que não'. Mas não era a
hora para dizer isso na frente de um menino que não sabia das mentiras dos pais.

— Espero que eles apareçam logo. — Milena tentou ser gentil, mas Aliel deu de ombros,
dizendo:

— Acho que não me importaria se eles não voltassem mais.

— Não diga isso, querido. — Milena abraçou o menino, para confortá-lo.

Larissa olhou para Aliel e sorriu.

— Deixe o garoto, Milena. Ele está certo em seguir seus instintos e não gostar de quem lhe
trata mal. — Avisou e Milena olhou-a com repreensão.

Aliel sentiria sim aquele abandono. Mas não era necessário tornar aquilo pior do que era.
Em algum momento ele precisaria saber das suspeitas sobre sua origem. E Larissa ansiava por
contar-lhe.

Notando o modo como Larissa olhava para o garoto, Milena fez um gesto para que
continuasse dirigindo e não caísse em tentação.

O sorriso de Larissa avisou-a que não havia mais sombras naquela sofrida mulher.

Havia encontrado Aliel e a esperança de ter seu filho novamente em seus braços crescia. E
onde há esperanças, não há lugar para sofrimento e sombras.
Capítulo 33

Chegaram em casa no final do dia. Escurecia, quando Larissa estacionou o caminhão em


frente à escola de música. Pela quantidade de veículos estacionados nas proximidades, Larissa
previu mais problemas.

Quando entraram em casa, encontraram não apenas Lorena esperando, mas também Tico,
recém-chegado de São Paulo, e o advogado que cuidava do processo envolvendo Jacob, Larissa e
a maternidade do menino Aliel.

Pela expressão de todos, Milena sabia que não haveria boas notícias.

— Larissa, porque você não leva Aliel lá para dentro? Ele vai querer um banho e trocar de
roupas... — Sugeriu, querendo tirar o menino dali.

Francamente, queria proteger Aliel e Larissa. Sua escolhida não merecia passar por mais
nervoso e desespero. E, pelo visto, concordava com ela, pois aceitou sua sugestão sem reclamar.

No fim, foi bom que nem Larissa, nem Aliel ouvissem da boca do advogado, o que Milena
ouvia. Assustada, foi assim que se sentiu.

— Obrigada por estar aqui — ela agradeceu a Tico, pois precisavam muito de ajuda.

O advogado havia ido embora, era hora de apenas os amigos ficarem. Lorena abraçou-a e
garantiu-lhe que cuidaria de tudo, que Milena deveria focar-se apenas em Larissa naquele
momento.

E foi o que ela fez. Emocionada, dirigiu-se para o quarto de hóspedes e encontrou Aliel
dormindo. O garoto não parecia muito a vontade, apenas deitara de lado e adormecera.

— Ele não quis tomar banho. Eu não sabia como lidar com ele — Larissa admitiu, muito triste.

— Isso vai mudar com o tempo — Milena garantiu, apoiada no batente da porta. — Vem
pra cá, eu preciso te contar uma coisa.
Larissa saiu do quarto e cada uma apoiou-se em uma parede do corredor, frente a frente.

Milena estava abatida.

— Jacob foi atrás da esposa na casa dos pais dela. Obviamente que não estava mais lá.
Fugiu. — Começou a contar. — Jacob soube que ela estava indo encontrar uma namorada, no Rio
de Janeiro.

Entendimento passou pela face de Larissa, mesmo assim não disse nada.

— Ele encontrou seu paradeiro na noite passada. Interceptou-as. Aparentemente houve uma
briga e eles perderam o controle dessa briga. A sequestradora de Aliel é amante da mulher de
Jacob. Na briga, o marido de Amanda usou uma arma de fogo contra Jacob. Mas o tiro acertou a
mulher grávida e não Jacob. No desespero, Jacob investiu contra Amanda e eles rolaram de uma
escada. Sua ex está morta, Larissa. Morreu na queda. O marido dela está preso. Jacob também.

— E a mulher e o bebê? — Larissa perguntou, sem outra reação possível.

— Ela passou por uma cesariana. O bebê está bem, mas ela... Não resistiu. — Um longo
suspiro e Milena soube que diria algo que poderia começar uma briga séria entre elas.

Mas preferia isso, a esconder o que quer que fosse de sua companheira.

— Eu sei o que vai pensar disso... Mas eu quero ajudar Jacob.

— Ajudar? Como você pensa em fazer isso? — Larissa perguntou, séria.

— Eu penso em ir vê-lo. Saber se tem ajuda da família ou se está sozinho nisso. Ele não
pode ficar sem defesa. Sabemos muito bem o que essas pessoas foram capaz de fazer no
passado e do que eram capazes hoje em dia. Eu não sei se posso culpar Jacob totalmente por
esse crime.

— Se ele é culpado... Merece a cadeia. Não se iluda sobre isso, Milena.

— Sim, mas culpado ou não, eu preciso vê-lo, falar com ele, saber como tudo aconteceu e se
tem jeito ou não. Eu não acredito em abandonar uma pessoa que já amei. Eu acredito que todos
podem ser dignos de ajuda.

— Eu sei como você é, Milena. — Larissa disse resignada, contrariando o pensamento de


que brigaria sobre esse assunto. — Eu não quero que vá sozinha. E não posso ir com você, não é o
momento de deixar Aliel sozinho. Como resolvemos esse impasse? Eu não quero ser a pessoa que
te impeça de ser quem você é e de fazer as coisas que te dão paz de espírito. Mas não posso
deixá-la correr riscos. Não concordo que precise estar com Jacob depois de tudo que aconteceu.

— Pense, Larissa, Jacob pode saber algo... Afinal, esteve com os sequestradores do seu filho.
Pode ter ouvido algo sobre isso, durante a briga... Não seria maravilhoso se ele pudesse nos
ajudar?

— E você acha que ele faria isso? — Duvidou.

— Eu acho que Jacob precisa muito de ajuda. E que pode ter algo para nos ajudar também.
Não fique chateada comigo, Larissa. Eu quero o melhor para todos nós.

— Eu sei disso, você é uma boba cheia de idealismos — Larissa sorriu e estendeu a mão,
convidando-a para um abraço.

Sorrindo, bem mais tranquila, Milena aceitou o convite e as duas se abraçaram.

— Aliel está aqui, conosco. Acha que ele pode mesmo ser o meu filho? — Larissa sussurrou
em seu ouvido e Milena afastou-se o suficiente para olhar em seus olhos e dizer:

— Sim, eu tenho quase certeza que é o seu filho, Larissa. Acredite nisso, agora eu vejo as
semelhanças. Eu amei Aliel desde o primeiro dia que o vi, do mesmo modo que me apaixonei por
você instantaneamente. Mãe e filho possuem o dom de me deixar apaixonada.

— Você vai querer isso para sua vida? — Larissa perguntou, sempre sorrindo — Uma
mulher estranha, cheia de medos, e um filho criado que não é seu?

— Que pergunta! Aliel é meu há muito tempo, porque o adotei no meu coração, muito antes
de conhecê-la, Larissa. E você... O que eu posso fazer? Você me pegou. Eu sou sua.

Emocionada, Larissa nada respondeu. Era assim, sempre fechada com seus sentimentos mais
profundos. O modo gentil como a beijou, no entanto, mostrou-lhe toda a emoção que escondia.

As duas beijaram-se por longos momentos de carinho e apoio. Eram um casal e agora a
certeza era absoluta. Para os bons e os maus momentos.

E de preferência, para sempre.

*****

O para sempre, infelizmente, nem sempre dura, pensou Milena, ao finalmente encontrar
Jacob.
Dois dias depois de saber de sua prisão, finalmente houvera a chance de encontrá-lo. Não
era sua ideia encontrar o ex-noivo em uma sala pequena, mal cuidada, com uma única mesa e
duas cadeiras. Muito menos vê-lo algemado, com as mãos escondidas embaixo da mesa, para que
não visse as algemas.

Apenada, sentou-se ao seu lado enquanto o policial que fazia a guarda se mantinha de pé,
perto da porta.

— Fui eu. Eu fiz isso. — Ele disse antes que Milena pudesse perguntar — No calor da briga
eu a empurrei. Eu a matei. Eu sou o culpado.

— Jacob... Tem certeza? Não está dizendo isso porque sente culpa? — Quis saber, pois o
conhecia muito bem.

Ele olhou para longe, com vergonha dela.

— Ela me empurrou. Eu me segurei no corrimão. Ela caiu. Mas de qualquer forma, foi minha
culpa, eu fui até lá para acabar com tudo. Eu sou o culpado de tudo que aconteceu.

— Mas não deve pagar por um crime que não aconteceu. Se foi um acidente, merece a
chance de provar isso! — Disse com convicção — Já tem um advogado?

Jacob olhou-a com um olhar de dúvida.

— Se eu conseguir trazer seu advogado, você tem como pagar o trabalho dele? —
Perguntou, decidida a não deixá-lo sozinho.

— Tenho. — Ele concordou. — Minha família não vai mover um dedo para me ajudar. Eu
tentei ligar, mas eles não querem saber do que aconteceu — disse envergonhado.

— Larissa não quer que eu ajude, Jacob. Mas eu quero ajudar. Por favor, me deixe achar
um jeito de ajudá-lo! — Pediu, com o coração apenado.

— Meu filho está sozinho. Meus pais disseram que não tem mais idade para criar uma
criança. É mentira, eles apenas não querem fazer isso. Eu não vou sair daqui tão cedo... Milena,
você não precisa me ajudar. Não precisa mesmo. Mas, por favor, ajude o meu filho. Minha mulher
não tinha família. Quem vai cuidar dele?

— Jacob, eu não tinha pensado sobre isso. Não tem ninguém mesmo?

— Não. Eu fiz a maior merda da minha vida. — Desesperado, baixou a cabeça, pois
chorava silenciosamente. Tentou limpar as lágrimas, mas as algemas eram um obstáculo. — Você
fica com meu bebê até eu sair daqui?

Surpresa com sua oferta, respondeu imediatamente:

— Eu não posso fazer isso, Jacob. Não posso me apegar a uma criança e depois entregá-la
para outra pessoa. Eu posso ajudar, saber quem vai cuidar do seu filho, tentar estar por perto.
Mas não posso tomar essa responsabilidade para mim. Sinto muito. — Foi sincera.

— E se eu prometer que só vou querer ver a criança? Não vou tirá-la de você? Por favor,
Milena, eu não confio em mais ninguém...

— Eu não posso pensar nisso agora. Eu não sou mais uma mulher sozinha. Eu tenho que levar
em consideração o desejo de Larissa antes de prometer algo desse porte. — Foi franca, pois
internamente estava assustada com essa oferta inesperada.

— Diga a Larissa que eu posso ajudar a recuperar o filho dela. Eu sei como facilitar tudo!

— Jacob... — Milena achou que uma troca seria algo mesquinho demais, mas ele parecia
tão desesperado, que ao menos parou para ouvir.

— Aquele homem... O pai de Aliel, ele sabe de tudo. E está preso, na mesma sela que eu. O
que é irônico, mas verdadeiro. Ele não tem advogado e eu tenho dinheiro de sobra para oferecer
isso a ele. E eu sei que vai contar tudo que sabe em troca de um advogado. Isso facilitaria a
situação da sua... Namorada?

— Não sei o que espera que eu diga. Eu não posso responder nada agora. Mas primeiro,
Jacob, vou falar com o advogado, ele virá em breve vê-lo. — Apressou-se a dizer, pois o policial
adiantava-se até eles, avisando que o tempo havia acabado. — Farei o que puder pelo seu filho,
fique tranquilo. Eu vou fazer o que puder.

Levantou-se e ao passar ao lado dele, Jacob segurou sua mão e levou ao rosto, chorando,
enquanto dizia:

— Me perdoe por tudo que fiz, Milena. Perdoe o meu egoísmo. Por favor.

— É claro que eu perdoo. — Ela beijou o topo da cabeça do ex-noivo, triste por ver alguém
que amou, naquela situação toda.

Era hora de ir. Milena saiu da delegacia com o coração apertado. Escurecido de mágoa, dor
e sofrimento.
Precisava ir para casa.

Decisões deveriam ser tomadas e como um casal, Larissa precisava fazer parte dessas
decisões!
Capítulo 34

Não foi uma conversa fácil. Até mesmo Lorena e Tico, que nada poderiam fazer para ajudar
naquela situação, pareciam apreensivos sobre as decisões que Larissa e Milena pudessem tomar.

— Criar uma criança é um compromisso de amor. E nesse caso, em especial, de abnegação,


pois nenhuma de vocês duas poderá colocar culpas sobre os ombros de um bebê inocente sobre os
erros dos pais.

As palavras de Lorena eram carregadas de racionalidade e consciência materna. Milena


concordava plenamente.

— Eu não quero tomar essa decisão sozinha, Larissa — disse estendendo a mão sobre a
mesa, para que Larissa aceitasse ou não o gesto. Ficou aliviada quando foi aceita. — Também não
quero adotar uma acriança apenas por que houve uma troca de informações.

— Você gostaria de adotar uma criança? — Perguntou Larissa.

Ao lado delas, Lorena bebia café, esperando que ambas pudessem chegar a um consenso.

— Em outras circunstâncias o assunto poderia ter surgido, não vou negar. Eu sempre quis ser
mãe. Mas eu pensei em esperarmos um tempo, planejarmos... E se você não quisesse, poderíamos
achar um meio termo. Eu nunca pensei em adotar agora.

— Quando confirmarmos que Aliel é mesmo meu filho... Isso vai mudar, Milena. Seremos mães
de um garoto de nove anos. Deve ser muito trabalhoso e muito empenho para um casal que está
começando uma relação. Acha sensato trazer um bebê para essa confusão?

Milena apertou sua mão com força e baixou os lhos.

— É que fico pensando no bebê sozinho no mundo... Eu tenho uma casa, um trabalho,
condições de sustentar e dar uma vida honesta para essa criança Não é meu dever fazer isso? Eu
sei que não o abandonei, não é meu filho e não tenho responsabilidade, mas no momento em que
sei da situação, e o pai do bebê me implora ajuda, se eu recusar... Que tipo de pessoa eu serei?
— Adoção é um lindo gesto de amor — disse Lorena, levantando e apontando para o
corredor, por aonde vinha Aliel.

Ele parecia entediado, o que era esperado, visto que o advogado havia alertado sobre não
levá-lo para a escola pelos próximos dias, pois havia o risco de toda a história vir à tona e ele
descobrir da pior forma.

A mulher que ele conhecia por mãe estava morta. O pai, preso. Sua identidade poderia ter
sido roubada e ele ser um menino sequestrado. Era muita informação para uma criança tão
pequena receber sem preparação.

— Milena, você vai adotar um bebê? — Ele perguntou, sentando-se a mesa, olhando para
as duas com cobrança.

Milena quase estranhou esse tipo de sentimento vindo do garoto sempre amável.

— Ainda não sei, Aliel. Estamos tentando decidir isso. Você lembra-se de Jacob? Pois bem, a
esposa dele deu a luz a um bebê, mas faleceu depois do parto. Jacob não pode criar a criança e
me pediu para adotar seu bebê e cuidar dele. — Contou Milena, começando a falar aos poucos
sobre o assunto.

— Porque você adotaria um bebê e não me adotaria?

A pergunta de Aliel surpreendeu a todos.

Milena olhou para Larissa sem saber o que dizer. Mas Larissa sabia muito bem o que
deveria ser dito:

— Você sabe que seus pais não eram muitos honestos, não sabe, Aliel? — Larissa perguntou.

— Larissa, esse não é o momento para... — Milena tentou impedir, mas Larissa olhou-a com
repressão.

— Eu quero saber das coisas, Milena — o garoto disse, sempre maduro para a idade —
Sim, eu sei que eles não são muito honestos.

— Aliel, eu vou contar-lhe tudo. Eu não sei o que vai achar ou como vai reagir, mas não
acredito que mentiras sejam o melhor caminho. Não tem como amenizar o que vou dizer... Espero
que não me odeie por isso — Larissa disse, tentando parecer mais forte do que realmente era.

Pelo silêncio, imaginava que Aliel estivesse esperando pelo momento da verdade.
— Eu conheci sua mãe no passado. Faz muitos anos e eu só descobri isso outro dia, quando
a vi na porta da escola, esperando-o para ir para casa. Eu nunca imaginária reencontrá-la, pois
da última vez que soube dela, estava morta. — Notando a expressão de surpresa do menino,
explicou — Você deve ter notado que Milena e eu somos mais do que boas amigas, não é?

— Sim, são namoradas. Mas minha mãe disse coisa bem pior. — Ele informou, bem sério.

— Eu conheci sua mãe no passado, Aliel. Convivíamos muito próximas. — Optou por ser
suave — Eu tive um bebê. Um dia, ela levou meu filho embora e quando soube deles, fui avisada
que haviam morrido. Eu sofri muito todos esses anos, achando que meu filho havia sido arrancado
de mim pelo destino. Mas agora, eu descobri que não. Não foi o destino que me tirou o meu filho...
Foi uma pessoa, de carne e ossos.

— Minha mãe? — Aliel perguntou, entendendo tudo.

Sempre o mais esperto, pensou Milena.

— Infelizmente essa possibilidade existe, Aliel. Ela pode ter o sequestrado. Ou não. Só tem
um modo de saber isso. Fazendo o teste do DNA. Milena não queria te contar ainda, porque vai
demorar para conseguir fazer esse exame. Mas eu não posso mais esconder isso.

— Se o exame disser que você é minha mãe... Eu posso viver aqui? — Ele olhou para Milena.

Era de cortar o coração.

— Isso não é uma condição para que fique aqui, Aliel. Você é bem vindo, basta que consiga
sua guarda. Mas, sim, se você for filho de Larissa, é uma razão a mais para viver aqui, com a
gente. — foi Milena quem explicou.

— E o meu pai e a minha mãe? Eles não serão mais meus pais. Não preciso mais viver com
eles... Ou obedecê-los?

A pergunta era muito estranha vinda de um garoto.

— Aliel, o que você quer nos dizer? — Perguntou Milena.

— Eles me batem. Todo santo dia. E não me dão comida. Eu como aqui, nas aulas. Eles só
não me tiraram da escola... Porque você teria reclamado, Milena. E isso vale para a escola onde
estudo também. Não só para as aulas de piano. Eles sempre diziam, todo dia, que eu fui um erro.
Eu não quero voltar a viver com eles. Nem quero que sejam meus pais. Mas se eles não são... Quem
é meu pai? — Olhou para Larissa e a resposta não era tão bonita quanto Larissa gostaria que
fosse.

— Eu era muito jovem, Aliel, e não era muito ajuizada. Eu não poderia lhe dar um nome. Se
for meu filho, terá uma mãe que esperou anos para ter seu filho em seus braços. Mas não vai ter
um pai. Infelizmente ele faleceu a muito tempo atrás.

— E quando vamos fazer o DNA? — Ele perguntou, movendo-se na cadeira, como quem
quer ir naquele momento atrás do exame.

Milena sorriu e disse:

— Ainda não sabemos. Mas eu espero que não demore muito.

— Eu vou precisar ver meus pais de novo? — Aliel perguntou — eu não quero voltar a viver
com eles.

— Vai ficar aqui por um tempo, até sabermos o que vai acontecer. Mas não fique com medo,
querido, estarei ao seu lado o tempo todo — Milena prometeu.

Larissa engoliu em seco, vendo como seu filho preferia a presença de Milena. Era uma
relação de amizade nutrida há muito tempo. Aliel voltou-se para Larissa e disse:

— Eu vou gostar se for a minha mãe de verdade.

Larissa chegou a abrir a boca para responder, mas as palavras lhe faltaram. Era tanta
emoção, que poderia confundir o garoto. Por isso, precavida, Lorena interrompeu a conversa,
oferecendo a Aliel um lanche.

Começou a conversar sobre música, Lorena contando sobre como possuía uma loja de discos
de rock roll em São Paulo.

— Ele é um menino incrível — disse Milena.

— Ainda precisamos contar o que aconteceu com os cafajestes que ele sempre acreditou
serem seus pais — Larissa afirmou, limpando as lágrimas que ameaçavam correr em sua face.

Levantou e tomada de um impulso, disse:

— Então, o que acham de irmos conhecer o bebê que Milena já decidiu adotar, mas não tem
coragem de assumir?

— Larissa! Eu não decidi nada ainda. Mas quem sabe... — deixou no ar, pensativa.
— Seria legal ter um irmão. Eu sempre quis ter amigos. — Disse Aliel.

Era fácil imaginar que já fosse uma família feliz e não houvesse nada no mundo que pudesse
separá-los.

— Bem, então eu vou me trocar e vamos todos conhecer o bebê!

Milena beijou Larissa na face e fez o mesmo com Aliel, antes de correr para o quarto, para
se trocar. Espontaneamente Aliel foi sentar-se perto de Larissa, para comer seu lanche.

Entre olhares de carinho e tentativas de conversas, tanto Larissa quando Aliel foram se
integrando mais e mais aquela nova realidade.

Eram dois pássaros fora do ninho, tentando se aninhar em um novo lar...


Capítulo 35

Três meses mais tarde, a casa de Milena, que outrora fora silenciosa e triste, estava
barulhenta e bagunçada.

Aliel estava no jardim, com um pequeno grupo de amigos da escola, brincando. No quarto
adaptado para o bebê, Milena retirou a criança do berço, acalmando-o do choro.

Hoje era um dia especial.

Larissa havia ido buscar o resultado do exame do DNA com o advogado.

Obviamente, o resultado seria validado judicialmente, mas o resultado já estava disponível


para as partes interessadas, que nesse caso, era apenas Larissa, pois o suposto pai de Aliel havia
contado toda a estória do sequestro, apenas omitindo sua participação, jogando toda a culpa nas
costas da esposa.

Enquanto esperava o retorno de Larissa, seguia cuidando da casa. Carine estava


administrando a escola de música naqueles primeiros dias com o bebê em casa.

Surpreendida em como se apaixonara facilmente pela criança, Milena andou para a


cozinha, parando no batente, para ver Aliel brincando com os amigos.

O garoto introvertido e calado dera lugar rapidamente a um menino ativo, brilhante e


sorridente. Ele parou de correr e acenou para ela, que retribuiu.

Cada dia mais feliz e mais apaixonada, Milena andou pela casa, embalando o bebê. Era
triste pensar que o ex-noivo estava na cadeia, sem perspectiva de quando seria o julgamento, pois
os trâmites sempre demoravam.

Mas, Milena vinha dedicando todo seu amor para o bebê de nome Felipe. Um menino doce,
chorão e bonito, com olhos claros, cabelos escuros e os traços bonitos de Jacob.

Um dia precisariam contar para aquele inocente toda sua triste história de nascimento.
Mas esse dia estava longe e Milena esperava que quando chegasse a hora, Jacob fosse
novamente um homem livre, com uma vida reestruturada.

Distraída com o bebê, ouviu o telefone tocar e levantou para atender. Era Lorena ligando de
São Paulo para saber se estavam bem.

As ligações eram frequentes, pois aquela doce família era recente e precisava de muita
orientação.

Milena ficou um pouco no telefone, mas desligou quando ouviu o inconfundível barulho do
caminhão sendo estacionado na frente da escola de música.

Apressou-se a levar o pequeno Felipe para o quarto e deixá-lo no berço, confortavelmente


acolhido.

Quando voltou para a cozinha encontrou o som de vozes que vinham dos fundos. Aproximou-
se do batente da porta outra vez, para ver Larissa perto de Aliel, ambos falando baixinho.

Ela beijou o rosto do menino duas vezes, uma em cada bochecha e o incentivou a voltar a
brincar com seus amiguinhos.

Aliel concordou e voltou a jogar bola. Nas mãos, Larissa tinha um papel. Ela virou-se e a viu.
Suas mãos tremiam um pouco quando se aproximou e abraçou Milena, escondendo o rosto em seu
pescoço dizendo:

— Aliel é meu filho.

Milena abraçou-a com mais força e perguntou:

— Contou a ele?

— Sim, acabei de contar. Achei que não deveria agir como se fosse algo dramático. Ser
simples, como você me incentivou a fazer — Larissa afastou-se e segurou seu rosto com ambas as
mãos, dizendo: — Ele disse apenas 'Ok, mãe'. Aliel não é um amor?

— Sim, ele é um menino maravilhoso. E agora, com uma mãe amorosa, uma madrasta que o
ama e um irmãozinho, Aliel será também um garotinho muito feliz!

— Fez de mim uma mulher completa, Milena. Eu sabia que você mudaria minha vida, quando
a vi pelo olho mágico da porta do meu apartamento em São Paulo. Você, tão atrapalhada,
procurando pelo número do meu apartamento... Eu soube que você seria um tremendo problema na
minha vida. E temi me apaixonar por você perdidamente.

— E isso aconteceu? — Perguntou em expectativa.

— Completamente. Eu te amo, Milena.

As duas entraram na cozinha e Larissa encostou a porta da cozinha, para deixar as crianças
protegidas da conversa das duas.

— E ama tanto que aceitaria se casar comigo? — Perguntou Milena, tão emocionada, quanto
era possível alguém que esperou a vida toda para amar e ser amada de verdade.

— Não, eu acho que não é para tanto... — Larissa a fez rir e as duas se abraçaram, com
maior intimidade. — Mas eu posso pensar nisso. Um dia.

— Em breve? Porque agora somos mães de duas crianças e o casamento me parece o


caminho lógico... — Milena puxou-a para um quase beijo, que não aconteceu, pois sempre
evitavam muita intimidade diante de estranhos ou amigos de Aliel.

— Eu não vou usar vestido de noiva — Larissa avisou, roçando um beijo suave em seu
queixo — Se quiser ter uma chance de casar comigo um dia, esqueça-se dessa possibilidade.

— Nem mesmo um terno branco? — Provocou.

— Não. Mas posso pensar em jeans, couro e até mesmo deixo que penteie meu cabelo. —
Ofereceu e Milena gargalhou.

— Eu prometo organizar algo pequeno, discreto e que você escolherá suas próprias roupas.
O que me diz?

— Eu digo que vou pensar. — Larissa relutou.

— Resposta errada — Milena olhou para os lábios de Larissa com segundas intenções, e
disse: — Será que eu não consigo te fazer mudar de ideia? Quem sabe... Lá no quarto eu possa
ter argumentos mais convincentes?

— Eu acho essa ideia incrível... — Larissa concordou, querendo muito um beijo seu.

Mas isso precisaria esperar. O choro do bebê interrompeu-as assim como um Aliel muito
suado, correndo, perguntando se poderia ir para a casa de um dos coleguinhas para brincar.

Cada uma atendeu a uma das crianças. No final, ambas se encontraram no corredor, para
um beijo roubado.

Envolvida nos braços de Larissa, beijada com a fome de alguém que deseja arduamente sua
companheira, em todos os sentidos, Milena correspondeu, completamente apaixonada.

O amor construído diariamente tornava ainda mais forte a paixão.

Com a promessa de uma noite de muito prazer e fortes emoções as duas se afastaram e
retomaram os cuidados com as crianças.

Era a vida de Larissa e Milena.

E nada no mundo, poderia ser mais perfeito ou fazê-las mais felizes...

Fim
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Autora fala sobre o livro

Sempre recebi pedidos por um romance LGBT. E a cada novo pedido, maior se tornava a
vontade de escrever um livro gostoso de ler, com conteúdo, com hot, com amor.
Achei muito excitante descrever um romance entre duas mulheres! Apesar de ser
heterossexual, confesso que me senti muito atraída pelo romance de Larissa e Milena.Gostei muito
da experiência de escrever um romance lésbico e espero escrever muitos outros em breve! Quem
sabe, me aventurar em novas experiências, em novos livros que possam traduzir em palavras o
amor.
Sobre a autora

Estórias da Marja é um selo independente de livros escritos pela autora gaúcha Marja.
Escritora desde 2012, quando publicou seu primeiro livro, Marja vem dedicando sua carreira a
escrever romances. Atualmente, dedica-se a escrever romances em E-book. Sempre em busca de
novidades, livros criativos e envolventes, a autora tenta se renovar a cada lançamento.
Nota do Autor:
"Não compre pirataria. Se comprou esse livro em outro site, que não seja Amazon, peça seu dinheiro
de volta, pois foi vítima de pirataria, assim como o autor do livro."

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