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JUAN ROBERTO DE OLIVEIRA

SUMÁRIO

1 NASCIMENTO DA IGREJA ROMANA E SUAS TRADIÇÕES .................... 05


2 JESUS FUNDOU A CATÓLICA ROMANA? PEDRO FOI O PRIMEIRO
PAPA? ............................................................................................................. 10
3 A IDOLATRIA E A INTERCESSÃO DOS SANTOS ..................................... 14
3.1 IDOLATRIA........................................................................................... 14
3.2 INTERCESSÃO .................................................................................... 20
4 PURGATÓRIO .............................................................................................. 27
5 FORMAÇÃO DO CANÔN BÍBLICO E A ADULTERAÇÃO CATÓLICA DO
ANTIGO TESTAMENTO .................................................................................. 37
6 SOLA SCRIPTURA....................................................................................... 42
6.1 OS PAIS DA IGREJA ........................................................................... 51
6.1.1 O TERCEIRO E QUARTO SÉCULO .............................................. 58
6.2 A IGREJA CATÓLICA NOS DEU A BÍBLIA? ........................................ 59
7 EXTRA ECCLESIA NULA SALUS ............................................................... 67
8 CONFISSÃO AURICULAR ........................................................................... 70
9 LUTERO E CALVINO ERAM DEVOTOS DE MARIA? ................................ 75
9.1 LUTERO ............................................................................................... 75
9.1.1 LUTERO SE REFERIU A MARIA COMO MÃE DE DEUS?............ 82
9.1.2 LUTERO ACREDITAVA NA IMACULADA CONCEPÇÃO DE
MARIA.? .................................................................................................... 84
9.1.3 LUTERO ACREDITAVA NA VIRGINDADE PERPÉTUA DE
MARIA?... .................................................................................................. 87
9.1.4 LUTERO REZAVA PARA MARIA? ................................................. 89
9.1.5 RESUMO DA MARIOLOGIA DE LUTERO ..................................... 93
9.2 MARIOLOGIA EM CALVINO? .............................................................. 98
9.2.1 VIRGINDADE PERPÉTUA ............................................................. 98
9.2.2 MATERNIDADE DIVINA ................................................................. 99
9.2.3 IMACULADA CONCEIÇÃO .......................................................... 100
9.2.4 SOTERIOLOGIA ........................................................................... 100
9.2.5 PLENITUDE DA GRAÇA .............................................................. 101
9.2.6 ADVOGADA.................................................................................. 102
9.2.7 VENERAÇÃO ............................................................................... 102
10 A REFORMA PROTESTANTE ................................................................. 104
10.1 LUTERO E CALVINO ......................................................................... 108
10.2 CAUSAS DA REFORMA .................................................................... 110
10.3 A IGREJA ANTES DA REFORMA ..................................................... 112
10.4 A IGREJA CATÓLICA PROIBIU A LEITURA DA BÍBLIA? ................. 119
11 MARIA TEVE OUTROS FILHOS? ............................................................ 122
11.1 FILHOS............................................................................................... 122
11.2 PECADO ............................................................................................ 123
5

CAPÍTULO 1 –
NASCIMENTO DA IGREJA ROMANA E SUAS TRADIÇÕES

Antes mesmo do cristianismo chegar em Roma, existiam diversas igrejas


espalhadas pelo mundo, sendo as primeiras igrejas consolidadas em Israel. Mas
até hoje a Igreja Católica Apostólica Romana teima em dizer que é a única igreja
de Cristo, e que ela foi fundada por Cristo, tendo o apóstolo Pedro como o
primeiro Papa. Só que isso é uma grande mentira que facilmente pode ser
refutada.
Não existe a menor possibilidade de a igreja Romana ser a primeira, visto
que já havia muitas outras antes dela. Somente depois dos anos 300 d.C, sob o
comando do Imperador Constantino, é que o Império Romano, que era o mais
poderoso da terra, se tornou aberto para receber o cristianismo.
No início do século IV, o Império Romano era ainda predominantemente
pagão, com o Cristianismo sendo apenas uma das muitas religiões praticadas
dentro do Império. No entanto, Constantino tomou uma série de medidas que
tiveram um impacto significativo na adoção e ascensão do Cristianismo no
Império Romano.
Um dos momentos mais conhecidos foi o Édito de Milão, emitido em 313
d.C., que estabeleceu a tolerância religiosa no Império, permitindo que os
cristãos praticassem sua fé sem perseguição. Embora o Édito de Milão tenha
sido um passo importante para a liberdade religiosa dos cristãos, o Império
Romano ainda não se tornou oficialmente cristão.
Foi apenas no final do século IV que o Império Romano adotou
oficialmente o Cristianismo como religião estatal. O Imperador Teodósio I,
conhecido como Teodósio, o Grande, emitiu o Édito de Tessalônica em 380 d.C.,
tornando o Cristianismo a religião oficial do Império Romano. A partir desse
momento, o Cristianismo começou a se tornar cada vez mais influente e
dominante dentro do Império.
Assim, embora Constantino tenha desempenhado um papel importante
ao promover a tolerância religiosa e criar um ambiente favorável para o
Cristianismo, foi somente com Teodósio que o Império Romano se tornou
oficialmente cristão.
6

Após isso, a Igreja de Roma passou a ter muito mais poder político, militar
e religioso acima das demais igrejas que existiam antes dela. Desta feita, o
Imperador Teodósio emitiu um decreto ditatorial:

Ordenamos aqueles que seguem essa regra que adotem o


nome de cristãos católicos. Sobre o restante, porém, os
que julgamos dementes e loucos, pesará a infâmia de
dogma heréticos. Seus locais de reunião não receberão o
nome de igreja, sofrendo primeiro a vingança divina e,
depois, a retribuição de nossa própria iniciativa, a qual
adotaremos em conformidade com o juízo divino.1

O decreto de Teodósio foi uma ameaça de morte! Quem não se tornasse


parte da Igreja Romana, seria morto. Desta forma, a Igreja Romana acoplou para
si mesma quase todas as igrejas cristãs que existam antes dela. Com isto,
finalmente nasce de forma oficial a Igreja Católica Apostólica Romana.
Porém, nem todas as igrejas Roma conseguiu acoplar, é o exemplo das
igrejas ortodoxas católicas, que não fazem parte de Roma.
As igrejas ortodoxas católicas são um grupo de igrejas cristãs que se
consideram parte da Igreja Católica, mas que não estão em comunhão com a
Igreja Católica Romana, liderada pelo Papa. Elas têm suas próprias estruturas
de governo e liturgias, preservando a sucessão apostólica e a tradição
sacramental, mas possuem algumas diferenças doutrinárias e práticas em
relação à Igreja Católica Romana.
Existem várias igrejas ortodoxas católicas ao redor do mundo, algumas
das mais conhecidas são:

1. Igreja Católica Ortodoxa Ucraniana: Esta igreja é uma das maiores igrejas
ortodoxas católicas e tem uma presença significativa na Ucrânia, com
comunidades em vários outros países também.

1
SHELLEY, Bruce. História do Cristianismo. Pag 116-117.
7

2. Igreja Católica Ortodoxa Polonesa: Esta igreja é baseada na Polônia e


tem uma história rica e uma presença substancial na diáspora polonesa.

3. Igreja Católica Ortodoxa Bizantina: Esta igreja tem suas raízes nas
tradições bizantinas e é composta principalmente por comunidades de
origem grega, ucraniana, romena e outras.

4. Igreja Católica Ortodoxa Antioquina: Esta igreja tem sua sede em


Antioquia, na Síria, mas também tem comunidades espalhadas por todo
o mundo.

É importante observar que o termo "católico" nessas igrejas não se refere


à comunhão com a Igreja Católica Romana, mas ao uso do termo em seu sentido
original, que significa "universal". Essas igrejas afirmam ser parte da Igreja
Universal, descendentes das primeiras comunidades cristãs fundadas pelos
apóstolos.
A Igreja Católica Apostólica Romana diz estar fundamentada em três
pilares: Bíblia; Tradição e Magistério. Isso significa que eles acreditam em muitas
coisas que não estão na bíblia, mas que faz parte da tradição. Já o magistério
da igreja é o órgão que tem o poder de dar a revelação “correta” das escrituras
e de difundir os ensinamentos da tradição.
O problema é que a grande maioria das tradições católicas e dos
entendimentos do magistério conflitam diretamente com as escrituras. Os judeus
cometiam o mesmo erro, pois eles tinham as escrituras e também suas tradições
milenares. Porém, Jesus os repreendeu dizendo: ˜Assim, conseguis anular a
eficácia da Palavra de Deus, por intermédio da tradição que vós próprios tendes
transmitido. E, dessa mesma maneira, procedeis em relação a vários outros
assuntos”.2
Veja que os judeus decidiam muitos assuntos por meio da tradição,
assuntos que muitas vezes conflitavam com as escrituras. Jesus nunca fez uso
da tradição, mas sempre respondia de acordo com as escrituras.

2
Biblia Sagrada. Marcos 7.13.
8

Quando Jesus foi tentado pelo Diabo, no deserto, Satanás usou as


escrituras para tentar enganar Jesus, mas Jesus respondeu de volta também
usando as escrituras. Jesus fez referência das escrituras em todas as perguntas
de Satanás, e assim, Jesus o venceu.
Existe um famoso versículo que os católicos adoram usar para apoiar as
suas tradições, que é no livro de 2 Tessalonicenses 2.15: “Então, irmãos, estai
firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja
por epístola nossa.
Só que essa tradição falada era a leitura da própria carta dos apóstolos
para todas as igrejas, e quando não, os apóstolos não inovavam em novos
ensinamentos ou em algo muito discrepante do que eles já ensinaram por meio
de suas epistolas.
O próprio Apóstolo Paulo, em Colossenses 4.16, reafirma que suas cartas
devem ser lidas para as igrejas para que o ensinamento se perpetuasse: “E,
quando esta epístola tiver sido lida entre vós, fazei que também o seja na igreja
dos laodicenses, e a que veio de Laodicéia lede-a vós também”.
O que não pode acontecer, é uma suposta tradição conflitar diretamente
com as escrituras. O livro de Atos 17.11 diz que os Bereanos eram mais nobres
do que a igreja de Tessalonica, pois os Bereanos examinavam a mensagem
pregada se estava de acordo com as escrituras: “Os bereanos eram mais nobres
do que os tessalonicenses, pois receberam a mensagem com grande interesse,
examinando todos os dias as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo”.
Os Bereanos eram habitantes de Bereia, uma cidade da antiga Macedônia
(atualmente parte da Grécia). Paulo e Silas, durante uma de suas viagens
missionárias, chegaram a Bereia e começaram a pregar o evangelho aos judeus
na sinagoga local. Os bereanos são elogiados por sua atitude em relação ao
ensino de Paulo e Silas. Diz-se que eles "eram mais nobres do que os de
Tessalônica, pois receberam a palavra com toda avidez, examinando as
Escrituras todos os dias para ver se tudo era assim" (Atos 17:11).
Os Bereanos são conhecidos por sua atitude diligente e crítica em relação
ao ensinamento recebido. Em vez de aceitar cegamente o que lhes foi dito, eles
examinavam as Escrituras diariamente para verificar se o que Paulo e Silas
ensinavam estava de acordo com as escrituras judaicas. Essa postura é vista
como um exemplo positivo de como os cristãos devem abordar o ensino e a
9

pregação, sendo diligentes e examinando as Escrituras para garantir que a


mensagem esteja em consonância com a verdade divina.
O termo "bereano" ainda é usado atualmente para descrever pessoas que
estudam e investigam cuidadosamente as Escrituras ou qualquer ensinamento
religioso, buscando uma compreensão sólida e fundamentada. A atitude dos
bereanos é considerada um modelo de discernimento e busca pela verdade.
Quando os apóstolos estavam vivos, eles mesmo combatiam inúmeras
heresias que nasciam no meio da igreja como mencionado em 1 Corintios 11 e
1 Corintios 11.19, imagine depois que os apóstolos morreram? Será que depois
que os apóstolos morreram, não surgiu nenhuma doutrina falsa na igreja que
tenha até virado uma tradição? É por isso que o que é confiável, é somente as
escrituras.
10

CAPÍTULO 2 –
JESUS FUNDOU A CATÓLICA ROMANA? PEDRO FOI O PRIMEIRO PAPA?

Não, Jesus nunca fundou a Igreja Católica Romana. No livro de João 2.19,
Jesus diz “Destrua este templo, e, em três dias, Eu o reconstruirei”. Entretanto,
os judeus não entenderam o que Jesus estava querendo dizer, e no versículo 20
replicaram: “Em quarenta e seis anos foi construído este templo, e tu afirmas que
em três dias o levantarás? E no versículo 21, João reafirma que Jesus estava se
referindo ao templo do seu corpo.
No momento em que Jesus fosse morto e depois ressuscitado, Ele o faria
de seu próprio corpo o templo do Espírito Santo. Está era a igreja que Cristo iria
construir, o nosso próprio corpo. Mais tarde, o apostolo Paulo reafirma isso
dizendo no livro de 1 Corintios 3.16: “Não sabeis vós que sois templo de Deus e
que o Espiríto Santo habita em vós?” Paulo estava se referindo ao nosso corpo.
Todas as vezes que os cristãos se reúnem como uma congregação, ali
existe uma igreja. Está é a igreja de Cristo e não uma instituição feita por
homens, como a Igreja Católica Romana.
Para endossar isso, no livro de Mateus 18.20, Jesus diz: “Porque, onde
estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou EU no meio deles”. No
livro de Hebreus 10.25 também diz: “Não deixemos de nos reunir COMO igreja..”
Para enfatizar mais ainda, no livro de Atos 7.48, diz: “Todavia, o Altíssimo
não habita em templos feitos por mãos humanas”. Desta feita, como pode a
instituição Católica Romana ser a única igreja de Cristo? Como é possível ela
ser fundada por Cristo? Não faz sentido.
Os católicos romanos, para enfatizar que Pedro foi o primeiro papa, usam
como base o livro de Mateus 16.18-19, que diz: “Pois também eu te digo que tu
és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não
prevalecerão contra ela; E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que
ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será
desligado nos céus”.
Entretanto, se formos fazer uma análise melhor do contexto bíblico deste
capítulo, veremos que isso não favorece a crença dos católicos romanos.
11

Primeiro temos que analisar uns versículos antes, em Mateus 16.13-17,


que diz:

“E, chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe,


interrogou os seus discípulos, dizendo: Quem dizem os
homens ser o Filho do homem?; E eles disseram: Uns,
João o Batista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou um dos
profetas; Disse-lhes ele: E vós, quem dizeis que eu sou?;
E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho
do Deus vivo; E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-
aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou
a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus”.

Perceba que Jesus se tratou de uma revelação, que não partiu de Pedro,
mas do Deus Pai. E logo em seguida Jesus afirma: “Pois também eu te digo que
tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno
não prevalecerão contra ela”.
A pedra é o próprio Cristo, Jesus estava se referindo a revelação que
Pedro recebeu, de que Jesus era o Cristo e filho do Deus vivo. É sobre essa
pedra (Cristo) que a igreja seria edificada.
No livro do próprio apostolo Pedro, em 1 Pedro 2.4, Pedro chama Jesus
de pedra viva e eleita por Deus: “E, chegando-vos para ele, pedra viva,
reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa”.
Mais adiante, no versículo 6, Pedro reafirma que Jesus é a pedra em que
devemos crer, é a pedra que a igreja deve crer: “Por isso também na Escritura
se contém: Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e
preciosa; e quem nela crer não será confundido”.
A igreja jamais seria alicerçada em cima de um homem pecador, que é
Pedro, mas em cima do Messias, que é Jesus, o eleito de Deus. A pedra
preciosa.
Mas muitos católicos romanos poderão dizer: “Por qual motivo então
Jesus entregou as chaves dos céus para Pedro em Mateus 16.19?” A resposta
é muito simples, Jesus não entregou somente para Pedro, mas para todos os
12

cristãos que o recebem como o Cristo, filho de Deus vivo, assim como descrito
em Mateus 18.18.
Vale lembrar que Pedro atuou pouquíssimo em Roma, a maior parte do
seu ministério foi em outras regiões.
Após a ascensão de Jesus, Pedro foi uma figura central na formação da
comunidade cristã em Jerusalém. Ele pregou o primeiro sermão após o
Pentecostes, que é descrito no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 2. Pedro
desempenhou um papel de liderança na igreja primitiva em Jerusalém.
Pedro também foi envolvido na evangelização da região da Samaria,
conforme registrado no livro de Atos. Ele e João foram enviados pelos apóstolos
em Jerusalém para orar pelos samaritanos e impor as mãos sobre eles para que
recebessem o Espírito Santo.
Pedro visitou várias partes da Ásia Menor durante suas atividades
missionárias. Estando presente em lugares como Antioquia, Bizâncio (atual
Istambul) e outras cidades da região.
Históricamente, quem atuou mais em Roma foi o apóstolo Paulo. Paulo,
ao escrever para os cristãos de Roma na década de 50 do século 1, em nenhum
momento menciona a presença de Pedro na cidade.
Mas para não ser injusto, autores como Irineu de Lyon ressalta o trabalho
de ambos os apóstolos em Roma, não só de Pedro. Em sua obra "Contra as
Heresias", Irineu menciona que a comunidade cristã em Roma foi fundada e
organizada pelos apóstolos Pedro e Paulo, atribuindo a ambos um papel
significativo na formação e estabelecimento da igreja em Roma.
Irineu enfatiza que a competência e autoridade da igreja de Roma
derivavam dessa fundação conjunta pelos dois apóstolos. Ele destaca a
importância de Pedro e Paulo como pilares da fé cristã e ressalta sua presença
e influência na comunidade romana.
Essa afirmação de Irineu reflete a visão e a tradição da igreja primitiva de
que Pedro e Paulo desempenharam papéis cruciais na disseminação do
cristianismo e no estabelecimento de comunidades cristãs em várias regiões,
incluindo Roma. Eles eram considerados figuras proeminentes e autoridades
apostólicas, e sua associação com a fundação da igreja em Roma concedia
grande prestígio e autoridade à comunidade cristã romana.
13

Mas como Pedro se tornou papa da igreja católica romana? Nos primeiros
séculos do cristianismo, não havia um único líder supremo sobre toda a Igreja
Cristã. Em vez disso, houve uma diversidade de líderes, como bispos e
presbíteros, que compartilhavam a responsabilidade pela liderança e
governança das comunidades cristãs.
No entanto, a Igreja de Roma, por sua posição como capital do Império
Romano e pelo prestígio associado a Pedro e Paulo, gradualmente ganhou
destaque e influência. Os bispos de Roma, passaram a exercer uma autoridade
crescente e a ser reconhecidos como líderes proeminentes na Igreja.
No século IV, a Igreja de Roma começou a assumir um papel de primazia,
sendo considerada a "Sede de Pedro" e tendo um papel central na tomada de
decisões importantes dentro da Igreja. O Concílio de Niceia, em 325 d.C.,
reconheceu a primazia de algumas igrejas, incluindo Roma, Alexandria e
Antioquia, com base em razões históricas e práticas.
Foi apenas no final do século V e início do século VI que o título de "papa"
(do termo grego "pappas", que significa "pai") começou a ser usado
exclusivamente para o bispo de Roma. O papa Leão I, conhecido como Leão
Magno, exerceu uma influência significativa e desempenhou um papel crucial na
defesa da autoridade e primazia do bispo de Roma.
Ao longo dos séculos seguintes, a autoridade e o poder do papado foram
se consolidando e se fortalecendo. O papado passou a ser reconhecido como a
mais alta autoridade na Igreja Católica Romana, com o papa sendo considerado
o sucessor de Pedro e o líder supremo da Igreja. A estrutura e as prerrogativas
do papado foram mais formalizadas e definidas ao longo da história, culminando
no estabelecimento das doutrinas e práticas associadas ao papado durante o
primeiro milênio do cristianismo.
O que a igreja católica romana fez para tornar Pedro um papa? Como dito
anteriormente, por muito tempo a igreja não tinha um líder máximo, mas sim
vários bispos e presbíteros. Com a chegada do título papal, concedido a uma
pessoa, que seria a autoridade máxima da igreja, a católica romana traçou uma
linha cronológica para trás, nomeando diversos líderes como “papa”, até chegar
em Pedro. Pedro nunca foi papa, e papa não existia naquela época, mas por
conta disso, por meio dessa nomeação feita com a linha cronológica para o
passado, Pedro e muitos outros líderes se “tornaram” papas.
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CAPÍTULO 3 –
A IDOLATRIA E A INTERCESSÃO DOS SANTOS

3.1 IDOLATRIA

No século IV, com o estabelecimento do cristianismo como religião oficial


do Império Romano, houve um aumento na veneração dos santos. A construção
de basílicas sobre os túmulos dos mártires e a celebração das festas litúrgicas
em sua honra se tornaram comuns. Os cristãos acreditavam que os mártires
eram intercessores poderosos diante de Deus e buscavam sua ajuda e proteção.
Com o tempo, a veneração dos santos se estendeu além dos mártires e
passou a incluir outros cristãos considerados modelos de santidade. A prática de
venerar e invocar os santos como intercessores e protetores tornou-se uma parte
integral da devoção popular na Igreja Católica.
Foi no Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, que a Igreja
Católica oficialmente definiu e reafirmou a prática da veneração dos santos,
esclarecendo que a veneração era devida somente a Deus, mas que os santos
poderiam ser honrados e invocados como modelos e intercessores.
Os católicos romanos dizem “venerar” os santos e usam como argumento
que é apenas uma honra prestada ou admiração, mas na prática, as coisas são
totalmente diferentes.
Primeiramente que a palavra “venerar” é sinônimo de “adorar” ou “prestar
culto”. Os católicos se ajoelham perante as estátuas dos seus santos, fazem
procissão para seus santos, oram para os seus santos. Quando o assunto é
Maria, a coisa fica ainda pior.
Em 1 Timóteo 2.5, afirma que: “Porque há um só Deus, e um só Mediador
entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem”. Só isso deveria ser suficiente
para acreditar que somente Jesus pode ser o mediador entre Deus e os homens.
Para que fosse possível que Maria ou outros “santos” ouvissem milhões
de orações e intercedessem por todos, obrigatoriamente eles teriam que ser
oniscientes e onipresentes. Mas sabemos que só Deus/Jesus tem esse poder.
Logo, a intercessão dos santos é uma heresia e é anti bíblico.
O apóstolo Paulo, em Romanos 8.34, vai dizer que só Jesus que intercede
por todos: “Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem
15

ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede


por nós”.

A bíblia incentiva que os cristãos que estão vivos na terram orem uns
pelos outros, ou intercedam uns pelos outros. Isto é válido! Agora, pessoas que
já se foram da terra e estão no mundo espiritual, jamais pode interceder por
alguém, pois nem sequer ela é onisciente e nem onipresente.
A idolatria aos santos, principalmente á Maria extrapola os limites dentro
da igreja católica romana, podemos citar alguns exemplos a seguir.
Afonso de Ligório, conhecido como Santo Afonso de Ligório, foi um bispo
católico italiano, teólogo e fundador da Congregação do Santíssimo Redentor,
também conhecida como Redentoristas. Ele nasceu em 27 de setembro de 1696,
em Marianella, perto de Nápoles, na Itália, e faleceu em 1º de agosto de 1787,
em Pagani, também na Itália. Ligório foi um escritor prolífico e é mais conhecido
por suas obras morais e devocionais. Seu livro mais famoso, "As Glórias de
Maria", reflete sua profunda idolatria por Maria e seu papel na fé católica.

“Sois onipotente, ó mãe de Deus para salvar os pecadores;


não precisais de recomendação alguma junto de Deus,
pois que sois a mãe da verdadeira vida”.3

Afonso de Ligório chama Maria de onipotente, um atributo que é somente


de Deus. Ele diz também que somente por intercessão de Maria é que obtemos
perdão, contrariando todo o evangelho de Jesus Cristo. Para finalizar, ele comete
a heresia de dizer que Maria é a esperança da nossa salvação, sendo que, Jesus
Cristo é que a nossa verdadeira esperança de salvação.
Afonso continua:

“...ao império de Maria todos estão sujeitos, até o próprio


Deus. Isto é, Deus lhe atende os rogos como se fossem
ordens”.4

3
Bispo Afonso de Ligório. Glórias de Maria, p. 76,77.
4
Ibid, p 152
16

“Corram, pois, a Maria os pecadores que perderam a


graça, porque em seu poder a acharão certamente...”5

“Pobres pecadores! Que seria de nós, se não tivéramos


esta grande advogada.”6

“E por isso o meu salvador me fez medianeira da paz entre


os pecadores e Deus. Realmente é Maria a pacificadora
que obtém de Deus a paz para os pecadores, a
misericórdia para os desesperados...”7

“A principal missão de Maria quando veio para a terra era


de levantar as almas caídas da divina graça e
reconciliá-las com Deus.”8

Afonso de Ligório foi canonizado como santo em 1839 e é amplamente


venerado como patrono de teólogos morais e confessores. As citações de seu
livro apologético mariano é só a pontinha do iceberg de heresias, pois o livro é
idolatria de capa a capa.
Vale destacar a obra de um outro santo canonizado pela igreja católica,
que é o São Luis de Montfort. Em uma de suas obras, ele destaca:

“...de forma irrefutável, a devoção para a santíssima


virgem é necessária para a salvação..”9

Há ainda um padre com outra heresia bastante severa, que é o padre José
Rodrigues, autor do livro “Rezemos o Terço”, ele diz:

5
Ibid, p. 75
6
Ibid, p. 162
7
Ibid, p. 168
8
Ibid, p. 169
9
São Luis de Montfort - Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, p. 34
17

A nossa salvação será mais rápida se chamarmos por


Maria, do que se chamarmos por Jesus. 10

No mesmo livro, o padre afirma:

Maria livra do inferno seus devotos. Um verdadeiro devoto


de Maria não se perder. 11

Ora, sabemos muito bem que o único que é capaz de livrar alguém do
inferno é o próprio Jesus Cristo. Como o próprio Apóstolo Paulo afirma em
Romanos 4.25: “Ele foi entregue à morte por nossos pecados e ressuscitado
para nossa justificação.” Novamente Paulo reafirma em Romanos 8.1: “Portanto,
agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não
andam segundo a carne, mas segundo o Espírito.”
Um grande padre famoso brasileiro, também demonstra sua idolatria por
Maria, é o Padre Marcelo Rossi. Padre Marcelo Rossi, cujo nome de batismo é
Marcelo Mendonça Rossi, é um sacerdote católico brasileiro conhecido por seu
trabalho como evangelizador, cantor e escritor. Ele nasceu em São Paulo, Brasil,
em 20 de maio de 1967.
O padre, em sua obra “Aprendendo a dizer sim com Maria”, chega a dizer
o seguinte:

“Em sua humildade, fidelidade e capacidade de amar,


Maria tornou-se divina”. 12

Padre Marcelo Rossi comete a heresia de chamar Maria de “divina”. Essa


atitude confronta com toda a escritura bíblica, pois divino é somente Deus.
Diversos autores e até mesmo “santos” canonizados pela igreja católica
demonstra um grande grau de idolatria pelos santos, principalmente por Maria.

10
Pd José Rodrigues. Rezemos o terço, p. 208.
11
Ibidem, p. 182
12
Pd Marcelo Rossi. Aprendendo a dizer sim com Maria, p. 07.
18

Entretanto, eles teimam em dizer que tudo isso é apenas uma “veneração” e não
uma adoração.
Se acaso alguém questionar algum católico sobre qual a diferença entre
veneração e idolatria, de certo ele falará sobre os termos: dulia, hiperdulia e
latria. A seguir, irei explicar de forma teórica como funciona esses termos.
Dulia, hiperdulia e latria são termos utilizados dentro do contexto da
veneração religiosa, principalmente no catolicismo, para descrever diferentes
formas de adoração e honra prestadas aos santos, anjos e a Deus.

1. Dulia: É uma forma de veneração ou honra que é atribuída aos santos e


anjos. No catolicismo, a dulia é uma devoção e respeito especiais
direcionados aos santos, reconhecendo sua santidade e pedindo sua
intercessão junto a Deus. Acredita-se que os santos estão próximos de
Deus e, portanto, podem interceder em favor dos fiéis. A dulia envolve
orações, invocações e a celebração de festas em honra aos santos.

2. Hiperdulia: É um termo específico usado para a veneração especial que


é dirigida à Virgem Maria, mãe de Jesus. No catolicismo, a hiperdulia
reconhece o papel singular de Maria como a mãe de Deus e a mais
exaltada entre todos os santos e anjos. Ela recebe uma honra especial e
é considerada a intercessora por excelência junto a seu filho Jesus. A
hiperdulia envolve orações específicas, como a Ave-Maria, e a celebração
de festas marianas.

3. Latria: É a forma de adoração mais alta e exclusiva que é devida somente


a Deus. No catolicismo, a latria é a adoração absoluta, reservada somente
a Deus em sua natureza divina. É a veneração e culto prestados
unicamente a Deus Pai, Filho e Espírito Santo, reconhecendo sua
soberania, poder e divindade. A latria envolve a oração direta a Deus, a
celebração da Eucaristia e outros ritos sagrados.

Esses termos ajudam a distinguir as diferentes formas de veneração e


honra dentro da tradição católica, estabelecendo uma hierarquia de culto, onde
19

a latria é reservada exclusivamente a Deus, enquanto a dulia e a hiperdulia são


direcionadas aos santos, anjos e a Virgem Maria.
Entretanto, isso é na teoria, mas na prática não existe diferença nenhuma.
Tudo que os católicos fazem para os santos, fazem também para Deus. Oram
para os santos e para Deus, fazem imagens de santos e de Deus, se ajoelham
diante das imagens dos santos e de Deus, fazem procissão para os santos e
para Deus, pagam promessas para os santos e para Deus. Aí eu pergunto, onde
está a diferença da dulia, hiperdulia e latria na prática? Não existe!
Uma vez fiz pedi para um católico me responder qual a diferença entre
veneração e adoração na prática e não na teoria. Entre muitos gaguejos, ele
usou como referência 1 Crônicas 29.20, onde diz: “Então disse Davi a toda a
congregação: Agora louvai ao Senhor vosso Deus. Então toda a congregação
louvou ao Senhor Deus de seus pais, e inclinaram-se, e prostraram-se perante
o Senhor, e o rei”.
O católico respondeu que esse texto era um claro exemplo de veneração
a Davi e adoração a Deus. Entretanto, naquela época, era muito comum o povo
fazer isso com o rei em forma de respeito. Até mesmo quando o rei pecava ou
quando o rei fazia coisas absurdas, o povo continuava fazendo isso, pois era
assim que o rei tinha que ser tratado.
Podemos lembrar do episódio narrado em 1 Samuel 22.19, onde Saul
matou todos os sacerdotes levitas de Nobe. Uma atitude totalmente afrontosa
contra Deus, porém, ninguém desafiou Saul pela atitude reprovável. Todo mundo
continuava o reverenciando.
Quando Salomão adorou outros deuses, trazendo idolatria para Israel,
ninguém o confrontou. Todo mundo continuava o reverenciando. Pois como
Salomão mesmo diz em Eclesiastes 8.3-4: “O rei faz tudo o que quer. Porque a
palavra do rei tem poder e ninguém poderá dizer: que fazes?”.
Só que quando os reis morriam, tanto Davi quanto Salomão, ninguém
prestou veneração para eles. Não tinha estátua, não tinha altares, não faziam
procissão para eles, não oravam para Davi e nem para Salomão.
Até a pouco tempo, a arqueologia duvidava da existência do rei Davi,
porque não tinha nenhum rastro dele. Até que recentemente acharam uma pedra
moabita onde estava escrito “casa de Davi”, comprovando a existência de Davi
e sua descendência. Se o povo venerasse Davi assim como os católicos
20

“veneram” os santos, com certeza a arqueologia já teria achado vestígios da


existência de Davi á muito tempo.
Se alguém perguntar para o povo de Israel: qual o judeu mais importante
da história de Israel? Certamente responderão que é Moisés! Nem por isso os
judeus prestam veneração para Moisés, não fazem estatuas para ele, não oram
para ele, não fazem procissão da imagem dele. Logo, a resposta do católico de
usar como referência 1 Crônicas 29.20 para tentar provar a diferença entre
veneração e adoração, é totalmente equivocada.

3.2 INTERCESSÃO

Ao acreditar que o “santos” ou Maria possuem a capacidade de interceder


lá do céu, automaticamente você está afirmando que eles são oniscientes e
onipresentes. Pois, só é possível ouvir as orações de milhões de pessoas se
esses tais santos forem oniscientes e onipresentes. Sabemos que só
Deus/Jesus possui tais atributos, nem mesmo os anjos têm esse poder.
Se um católico argumentar que Deus permite que tais santos tenham essa
capacidade, é a mesma coisa que dizer que Deus está delegando o seu poder
único, é a mesma coisa de pedir para Deus deixar de ser Deus. É como se Deus
não pudesse fazer sozinho e precisasse de ajuda.
É por isso que em 1 Timóteo 2.5 diz: “Só há um Deus e um só mediador
entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo”. Jesus Cristo é o único que pode
fazer qualquer tipo de mediação do mundo físico até o mundo espiritual, até o
reino celestial, onde habita o Deus Todo-Poderoso.
O Apóstolo João ainda complementa em sua carta, no livro de 1 João 2.1”
Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém
pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo”. O nosso único
advogado que pode nos defender diante do Pai Celestial, é Jesus Cristo.
O Apóstolo Paulo, em Romanos 8.34, deixa claro que Jesus é o nosso
único intercessor lá no mundo espiritual: “Quem é que condena? Pois é Cristo
quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita
de Deus, e também intercede por nós”. Jesus Cristo é o nosso único mediador e
único intercessor lá no reino de Deus.
21

No livro de Filipenses 1.23, o apóstolo Paulo afirma que ele desejava partir
e estar com Cristo, pois isso era muito melhor. Todavia, no versículo 24 do
mesmo texto, Paulo ressalta a importância de ele ficar vivo no corpo, por causa
dos cristãos, pois assim Paulo seria mais útil. Fazendo conexão com o referido
texto, temos também 2 Timóteo 4.7, onde Paulo fala a famosa frase “combati o
bom combate, encerrei a carreira, guardei a fé”. Ora, se Paulo encerrou a carreira
com a sua morte, que sentido faz a intercessão dos santos lá no céu? Mesmo
depois da morte, eles continuam trabalhando arduamente? Paulo ressalta que a
morte seria um descanso eterno com Cristo. Paulo só teria utilidade para a igreja
enquanto estivesse vivo aqui na terra, como ele bem ressalta em Filipenses 1.23.
Para a igreja católica romana, os santos estão no tempo Chronos, no Céu.
Se admitirmos por um instante que eles estejam conscientes e cientes do que
está acontecendo na Terra, isso não altera o fato de que somente Deus trabalha
no tempo Kairos, sem limites de tempo e espaço.
Kairos é o “tempo de Deus”, enquanto o Chronos é o “tempo dos homens”.
Só Deus trabalha no Kairos porque só Ele tem o atributo da Onisciência, um
atributo que pertence unicamente aquele que não tem início e nem fim, àquele
que existe de eternidade em eternidade. Mesmo no Paraíso, os mortos (incluindo
os tais “santos”) continuariam “presos” no tempo Chronos.
Isto significa que eles não têm tempo para ficar rezando por todo mundo
que pede a intercessão deles. Enquanto milhares, talvez milhões de pessoas,
pedem ajuda divina, eles não podem obter todas as bênçãos de cada um, já que
seu tempo é limitado, e não ilimitado como o de Deus.
É por isso que a Bíblia diz que, no Céu, Jesus Cristo e o Espírito Santo
são nossos intercessores diante de Deus (Rm.8:36; Jo.17:9; 1Co.14:14,15;
Rm.8:34). Mas por que a Bíblia diz que o Filho e o Espírito Santo são
intercessores nossos, mas nunca mostra a intercessão dos tais
“santos”? Porque, “coincidentemente”, Jesus Cristo e o Espírito Santo, como
Deus, trabalham no tempo Kairos.
Jesus e o Espírito Santo sim podem interceder por todos, ao contrário dos
“santos” que, mesmo se soubessem o que se passa na Terra (o que não sabem),
mesmo se pudessem ouvir a oração de todos simultaneamente (o que não
podem), mesmo se pudessem estar em vários lugares diferentes para interceder
por diferentes pessoais em locais opostos no globo (o que também não podem),
22

mesmo se a Bíblia desse um único exemplo disso (o que não dá), mesmo se a
Bíblia permitisse a comunicação com os mortos (o que não permite), mas mesmo
se eles conseguissem tudo isso ainda assim esbarraria no fato de que eles
trabalham no tempo Chronos e, por isso, não tem a mínima condição de rogar
por todos (na verdade não tem a mínima condição de rogar nem sequer por 1%
deles...). Não é coincidência que, no Céu, a Bíblia relata apenas dois
intercessores nossos, e ambos trabalham no tempo Kairos.
Tal mediador, sozinho, é o cabeça da igreja e o Sumo Sacerdote perante
Deus como nosso advogado. Seu nome é Cristo Jesus, e Ele é o nosso Senhor,
Salvador e irmão. Efésios 2:18 diz que “por ele [Jesus] ambos temos acesso ao
Pai por um Espírito”. Apenas mediante Jesus nós temos o acesso ao Pai. João
14:6 é bem claro em dizer que Jesus é “o caminho, a verdade e a vida; e ninguém
vem ao Pai a não ser por mim”. Perceba que Jesus disse que ele é O caminho,
e não “um” caminho, e para reforçar ainda mais a frase ele conclui dizendo
que “ninguém vem ao Pai senão por mim”. Absolutamente não há outro caminho!
Não existem outros mediadores!
Ora, para um "santo" morto atender às orações de alguém, muitas vezes
até mesmo em seu inconsciente, ele deve ter a onisciência. Contudo, esta
característica é um atributo exclusivo do Todo-Poderoso. Só Deus pode atender
várias orações ao mesmo tempo, pois isto é intrínseco à sua divindade.
A menos que os católicos não queiram considerar seus santos como semi-
deuses como faziam os pagãos, eles precisam negar tal atributo aos seus
santos. Se pudessem ouvir as orações que lhes são dirigidas em todas as partes
do do mundo, às vezes até em pensamento e no mesmo instante, teriam de ser
oniscientes (ter ciência de tudo). Mas, como vimos, eles não têm esse poder.
Onipresença. Ora, para um “santo” morto ouvir as orações de pessoas
que rezam a eles simultaneamente no Brasil, na Arábia, no Cazaquistão, no
Triangulo das Bermudas e na casa do papa eles devem estar cientes do que
acontece em todos os lugares, tendo assim o atributo da onipresença. Contudo,
esse é novamente outro atributo exclusivo do Todo-Poderoso. Todavia, recorrer
a “santos” é lhes atribuir poderes de Deus, considerando-os deuses. De novo, a
idolatria.
23

Tentar se comunicar com os mortos é abominação para o Senhor (Is 8.19;


Dt 18.10-12). Na história do rico e Lázaro, Jesus informa que os mortos nada
podem fazer pelos vivos (Lc 16.19-11). Os católicos alegam que Deus proíbe
apenas a consulta de mortos como os espíritas fazem. Entretanto, quando você
reza a algum morto ou pede a ajuda dele, ou pede a intercessão dele com você,
isto não é uma forma de comunicação? E já não estão mortos os santos e Maria?
O texto das escrituras é claro, Deus proíbe qualquer tipo de tentativa de
invocação ou comunicação com os mortos.
A doutrina da “intercessão dos santos” mortos é tão demoníaca que não
é citada em lugar nenhum dos mais de 1100 capítulos das Escrituras. O que
temos é o incentivo de oração (intercessão) de um vivo em favor de outro vivo.
A bíblia diz o seguinte: “E rogo-vos, irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo e
pelo amor do Espírito, que combatais comigo nas vossas orações por mim a
Deus.” (Rm.15:30)
Paulo pede que os irmãos da terra “combatam” em oração por ele. E não
é só nesta passagem que ele pede isso. Em inúmeras partes de suas epístolas
Paulo pede que os irmãos da terra orassem por ele. Veja o que ele escreve em
1 Timóteo 2:1: “Em primeiro lugar peço que sejam feitas orações, pedidos,
súplicas e ações de graças a Deus em favor de todas as pessoas.
Na bíblia temos milhares de exemplos de intercessão de vivos em favor
de vivos. De irmãos pedindo oração para irmãos vivos na terra. Por que então
não existe nenhuma situação na bíblia de alguém pedindo a intercessão dos
santos que já morreram? Paulo nunca pediu a oração para um morto, mas
sempre pedia somente para as pessoas que estavam vivas que orassem com
ele ou por ele.
Ora, se o que o catolicismo prega é verdade, então porque Paulo não
“dispensava” as ajudas dos vivos, já que ele tem tanta ajuda assim dos mortos,
podendo escolher o morto que ele quiser para interceder por ele? Mas diferente
do que o catolicismo propaga, Paulo sempre pedia para que os vivos orassem
entre os vivos. Paulo nunca pediu ajuda de um morto
24

A Bíblia em nenhum lugar descreve qualquer pessoa no Céu orando por


quem quer que seja na terra. Todas as vezes que a Bíblia menciona orar ou falar
com os mortos, é em um contexto de magia, bruxaria, necromancia e ocultismo
– atividades que a Bíblia fortemente condena (Levítico 20:27; Deuteronômio
18:10-13). Orar aos santos não tem qualquer base bíblica. Nunca encontraremos
uma pessoa piedosa nas Escrituras orando a ninguém a não ser a Deus, ou
pedindo para que alguém interceda, a não ser aqueles ainda vivos nesta terra.
As escrituras sempre nos ensinam que nossas orações estejam
direcionadas para Deus (Lucas 11:1-2; Mateus 6:6-9; Filipenses 4:6; Atos 8:22;
Lucas 10:2, etc.). Não há absolutamente qualquer base ou necessidade de orar
a qualquer um que não seja somente Deus. Não há qualquer base para que se
peça àqueles que estão nos Céus para que orem por nós. Somente Deus pode
ouvir nossas orações. Somente Deus pode responder nossas orações.
A oração é feita somente a Deus (I Coríntios 11:5; Romanos 10:1;
Romanos 15:30; Atos 12:5; Atos 10:2; Atos 8:24; Atos 1:24; Zacarias 8:21-22;
Jonas 2:7; 4:2, etc.) e os pedidos de oração são feitos somente aos vivos (I
Tessalonicenses 5:25; II Tessalonicenses 3:1; Hebreus 13:18, etc.). “A ELE
orará, e ELE o ouvirá” (Jó 22:27). Por que precisamos ir através de um santo,
anjo ou Maria, se é contra o que as escrituras ensinam?
Jesus disse que Ele é o único caminho, mas os católicos colocaram Maria
como pedágio e os demais santos como barricadas. A bíblia nos ensina que
temos livre acesso ao Pai, na pessoa de Jesus Cristo: “De acordo com o seu
eterno plano que ele realizou em Cristo Jesus, nosso Senhor, por intermédio de
quem temos livre acesso a Deus em confiança, pela fé nele.” (Efésios 3:11,12)
A intercessão de Cristo, descrita na Bíblia, não se trata de uma oração
que ele faz, mas de uma OBRA de mediação que ele fez para com a humanidade
(ver 1Timóteo 2:5). É por meio dele que podemos chegar ao Pai, sem tem que
passar por outros.
O “LIVRE acesso ao PAI” exclui qualquer mediação de santo. Jesus nos
deixou o livre acesso ao Pai por meio de sua morte na cruz, é por isso e nesse
sentido que ele é o nosso único e definitivo mediador (1Tm.2:5). A “MEDIAÇÃO”
dos “santos” é uma doutrina totalmente desconhecida à luz das Escrituras
Sagradas.
25

De acordo com o catolicismo, os santos mortos da ICAR são intercessores


nossos. Nós pedimos pra eles, que de toda boa vontade vem pedir pra Jesus
(que não deve saber nada da sua vida) e este por sua vez pede ao Pai. Os
católicos oram aos santos. Vamos ver o que a Bíblia tem a dizer sobre isso?
"O que pedires em MEU nome, EU o farei" (Jo.14:13). Cristo não pediu
para pedir que o santo tal intercedesse por você, mas que você mesmo peça
diretamente para Cristo.
Veremos outras passagens: "Eu farei qualquer coisa que vocês pedirem
em MEU nome" (Jo.14:14). Veja que Jesus disse que faria QUALQUER coisa
por nós se tão-somente pedíssemos para ele! Mas os católicos seguem na cega
ignorância de rezar aos mortos!
Veja mais estes: "Isso a fim de que o Pai lhes dê tudo o que pedirem em
MEU nome" (Jo.15:16); "Até agora vocês não pediram nada em meu nome,
peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa" (Jo.16:24); "Eu
afirmo a vocês que isso é verdade: se vocês pedirem ao Pai alguma coisa em
MEU NOME, ele lhes dará" (Jo.16:23)
Observe que Cristo disse que faria qualquer coisa que pedíssemos para
Ele. Ora, se Deus nos dará qualquer coisa se pedirmos para Cristo, então para
que precisamos da “ajudinha” dos santos que já morreram? Logo, a não ser que
o Senhor Jesus estivesse mentindo, cai a farsa da intercessão dos “santos”, pois
Deus não faria algo sem utilidade nenhuma que ainda por cima confronta com
suas sagradas escrituras.
Aí pergunto: Se Cristo intercede por nós, então a intercessão SOMENTE
DELE é insuficiente? Se sim, então porque Cristo diz para pedir em nome DELE,
e não de algum santo para chegar a Ele? (Jo.14:13; 14:14; 15:16; 16:23; 16:24)
Estaria Cristo mentindo?
Se não necessitamos pedir necessariamente aos santos, então em qual
situação só a intercessão de Cristo não ajudaria? Em que situação se você
pedisse direto a Jesus não daria certo, mas se você pedisse aos santos aí sim
daria certo? Em qual situação que a "simples" intercessão do nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo é insuficiente?
26

Para encerrarmos o assunto com maestria, vale ressaltar o que o apóstolo


Paulo disse em Filipenses 1:23,24: “23 Mas de ambos os lados estou em aperto,
tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor. 24
Mas julgo mais necessário, por amor de vós, ficar na carne.
Ora, o apóstolo Paulo sabia que fora da carne, ou seja, morto, ele não
teria nenhuma utilidade para os cristãos que ficariam na terra, pois Paulo estaria
em eterno descanso com Cristo.
Outro versículo chave para complementar o anterior, está em 2 Timóteo
4.7: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé”. Ora, se Paulo
encerrou a carreira, significa que seu trabalho está concluído, e ele não pode
fazer mais nada pelos cristãos na terra. Agora é partir e estar em eterno
descanso com Cristo.
Católicos também gostam de usar Apocalipse 5.8 para tentar provar a
intercessão dos santos. Todavia, ali nada diz sobre algum santo intercedendo.
O que vemos são vinte e quatro anciãos, que nem sequer sabemos quem são e
certamente não é nenhum dos apóstolos de Cristo, pois o próprio João, sendo
apóstolo, não reconheceu nenhum deles. Esses anciãos estavam com salvas de
ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos que chegam da terra.
Ora, nenhum ancião tem ciência de cada caso específico em cada oração,
eles apenas as tinham diante de Deus. Esses anciãos se assentam em tronos
em volta do trono de Deus, mostrando que são seres importantes, porém, nada
sabemos sobre eles, não sabemos nem se são personagens do antigo
testamento.
Um texto interessante para acabar de vez com a crença da intercessão
dos santos na concepção católica, é o texto de Apocalipse 6.9-11. Ali narra os
mártires que morreram na grande tribulação e estavam guardados debaixo do
altar de Deus. Esses mártires clamavam em favor de si mesmos, pedindo
justiça a Deus contra os seus assassinos.
Perceba que os mártires não clamavam em favor de ninguém, mas
apenas em favor deles mesmos. Nota-se também que eles só tinham ciência das
coisas da terra só até o momento da morte deles, após isso, eles nada sabem
sobre as coisas da terra. No momento de suas mortes, eles sabiam que a terra
estava passando pela tribulação e que eles morreram por causa de Cristo, por
isso, clamavam em favor deles mesmo, pedindo justiça para Deus.
27

CAPÍTULO 4 – PURGATÓRIO

O purgatório é um conceito religioso presente no catolicismo. É descrito


como um estado intermediário de purificação das almas após a morte, para
aquelas que morreram em estado de graça, mas ainda possuem imperfeições e
pecados não expiados.
De acordo com a crença católica, quando uma pessoa morre, ela pode ir
para o céu, se estiver livre de pecado mortal, ou para o inferno, se estiver em
estado de pecado mortal. No entanto, se a pessoa morre em estado de graça,
mas com pecados veniais (pecados menos graves), ela pode ir para o purgatório.
O purgatório é considerado como um lugar ou estado de purificação, no
qual as almas passam por um processo de expiação para se livrar das manchas
de pecados veniais. A duração e a natureza dessa purificação não são
especificadas e são consideradas como um mistério. Acredita-se que as
orações, as boas obras e as indulgências realizadas pelos vivos possam ajudar
na liberação das almas que estão no purgatório.
A existência do purgatório é baseada em suposições e crenças teológicas
específicas, em vez de evidências concretas. Não há nenhuma prova objetiva ou
científica de sua existência, e a ideia foi desenvolvida e sustentada
principalmente por doutrinas e tradições religiosas específicas. Sem qualquer
embasamento factual, torna-se difícil justificar a existência de um lugar
intermediário onde as almas são purificadas.
Além disso, a ideia do purgatório entra em conflito com a noção de
salvação por meio da graça divina. Muitas religiões ensinam que a salvação é
alcançada por meio da fé e da graça de Deus, e não pelas ações humanas. O
purgatório, por sua vez, sugere que as almas devem ser purificadas através de
sofrimento e penitência para alcançar a salvação completa. Essa perspectiva
coloca um fardo adicional sobre os indivíduos, desviando o foco da misericórdia
e do amor divinos.
Outra crítica ao purgatório é que ele parece contradizer a ideia de um
Deus todo-poderoso e compassivo. Se Deus é infinitamente misericordioso, por
que ele permitiria que as almas dos eleitos passassem por um processo de
sofrimento adicional após a morte? Se a morte é o fim da vida terrena e o início
de uma nova jornada espiritual, é razoável esperar que um Deus amoroso acolha
28

as almas dos eleitos diretamente em sua presença, sem a necessidade de uma


purificação adicional.
Além disso, a noção de tempo no purgatório é ambígua. A duração do
tempo que as almas supostamente passam no purgatório varia nas diferentes
tradições religiosas que acreditam nele. Isso levanta questões sobre a justiça
divina e a coerência lógica. Se o propósito do purgatório é a purificação, como
podemos medir ou determinar quando uma alma está "pronta" para entrar no
céu? Essa indefinição cria mais incertezas em torno do conceito.
A existência do purgatório é uma questão de fé e crença pessoal. Sem
evidências concretas e com argumentos teológicos inconsistentes, é difícil
sustentar sua existência. A compreensão do pós-vida e o destino das almas após
a morte são conceitos complexos e abertos a interpretações diversas, mas a
ideia do purgatório, como concebida pela igreja católica romana, carece de base
sólida.
O ponto mais grave vem logo em seguida: a ideia de purgatório anula
totalmente o sacrifício de Jesus na cruz. A seguir, iremos analisar o que diz as
escrituras sagradas.
Em Romanos 8.1, Paulo afirma: “Portanto, agora nenhuma condenação
há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas
segundo o Espírito”. Ora, se não há condenação e nem sofrimento para aqueles
que estão em Cristo, qual a razão do purgatório? A bíblia é bem clara, ou você
está em Cristo ou não está, não existe meio termo. Se você não está em Cristo,
o que te aguarda no pós morte é o inferno.
Em Mateus 19.25, os discípulos, ao verem a complexidade da salvação,
questionam: “Neste caso quem pode ser salvo?”. No versículo 26, Jesus
responde: “Para o homem é impossível, mas para Deus todas as coisas são
possíveis".
Jesus mostra claramente que é impossível o homem alcançar o céu por
méritos próprios ou até mesmo pagar pelos seus pecados. O único que é capaz
e digno de pagar pelos pecados humanos é o próprio Senhor Jesus Cristo, é por
isso que ele diz “Para Deus todas as coisas são possíveis”, Mostrando que
somente Deus era capaz de fazer o homem adentrar na salvação eterna.
Em 1 João 2.2 diz: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não
somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. Jesus é o único
29

que pode fazer propiciação pelos pecados humanos, e isso é feito através do
seu sacrifício na cruz. Logo, a ideia de purgatório se torna inútil, visto que
somente Cristo pode sofrer e pagar pelos pecados humanos, sendo impossível
dos seres humanos sofrerem para pagarem pelos seus próprios pecados no
purgatório. Isto anula totalmente o sacrifício de Cristo na cruz.
Em Hebreus 9.28, afirma que Cristo foi oferecido em sacrifício uma única
vez, para tirar os pecados das pessoas. Ora, se o sacrífico de Cristo nos justifica
de toda e qualquer mácula do pecado, qual a razão do purgatório?
Em Hebreus 6.4-6, afirma que aqueles que foram participantes do Espírito
Santo, foram iluminados, experimentaram toda a bondade e palavra de Deus,
mas caíram, é impossível que sejam renovados ao arrependimento. Pois assim,
de novo crucificam Jesus Cristo e o expõem ao vitupério. Dito isso, qual a razão
do purgatório?
Mais uma vez eu repito, ou você está com Cristo ou não está, não existe
meio termo. Se você morrer em Cristo, logo você é justificado por meio do
sacrifício de Cristo na cruz, podendo assim adentrar direto ao céu. Se você morre
sem Cristo, manchado pelo pecado pela falta de arrependimento, a cruz de
Cristo não lhe serviu em nada, logo sua expectativa no pós morte é o inferno e
não o purgatório.
A doutrina do purgatório, por outro lado, sugere que as almas devem
passar por um processo de purificação e expiação antes de entrarem no céu.
Isso implica que a salvação não é alcançada somente pela graça divina, mas
também requer uma ação humana ou uma forma de pagamento pelos pecados
cometidos durante a vida.
Essa visão do purgatório levanta questões sobre a própria natureza da
graça divina e da misericórdia de Deus. Se a salvação é um presente gratuito e
incondicional oferecido por Deus, por que seria necessário passar por um
processo de purificação adicional?
Além disso, a doutrina do purgatório também pode levar a uma
mentalidade de "obras" em oposição à "fé". As pessoas podem sentir que
precisam realizar boas obras ou penitências para garantir sua entrada no céu,
em vez de confiar na graça de Deus. Isso pode desviar o foco do relacionamento
pessoal com Deus e da confiança na sua misericórdia. É por isso que a ideia de
purgatório, além de anular o sacrifício de Cristo na cruz, é totalmente antibiblica.
30

Essa doutrina conflita diretamente com as escrituras, com tudo que Jesus
ensinou e com tudo que os apóstolos ensinaram.
O purgatório contradiz o sacrifício de Cristo na cruz. De acordo com as
escrituras, Jesus Cristo morreu na cruz para redimir a humanidade, pagando o
preço pelos pecados e abrindo o caminho para a salvação eterna.
A doutrina do purgatório sugere que, após a morte, as almas ainda
precisam passar por um processo de purificação para alcançar a santidade antes
de entrar no céu. Isso levanta a questão de como esse processo de purificação
se relaciona com o sacrifício de Cristo. Se Cristo já pagou o preço pelos pecados
da humanidade, por que seria necessário passar por uma purificação adicional
no purgatório?
A existência do purgatório diminui o significado e a eficácia do sacrifício
de Cristo. Se as almas ainda precisam passar por um processo de purificação,
parece implicar que o sacrifício de Cristo não foi suficiente para redimir
completamente os pecados. Isso pode sugerir que a salvação é alcançada não
apenas pela fé em Cristo, mas também por meio de uma contribuição humana
adicional.
Claramente, esse ensinamento carece de base bíblica, embora alguns
apologistas católicos tenham sido habilidosos em reinterpretar textos bíblicos
para sustentar essa doutrina exclusiva da Igreja Romana (Quando menciono
'exclusivamente romana', estou me referindo ao fato de que nem a Igreja Católica
Ortodoxa Oriental nem qualquer igreja protestante adotam essa doutrina,
tornando-a exclusiva da Igreja Romana). O principal texto distorcido pelos
apologistas romanos é aquele sugerido no próprio Catecismo Católico:

"A Igreja denomina Purgatório esta purificação final dos


eleitos, que é completamente distinta do castigo dos
condenados. A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao
Purgatório sobretudo no Concílio de Florença e de Trento.
Fazendo referência a certos textos da Escritura, a tradição
da Igreja fala de um fogo purificador"13

13
§1031 do Catecismo Católico.
31

E a passagem que os papistas geralmente utilizam a partir de uma


distorção feita por eles mesmos é a que supostamente falaria de um fogo
purificador, eles usam a seguinte passagem: “Se pegar fogo, arcará com os
danos. Ele será salvo, porém passando de alguma maneira através do fogo” (1ª
Coríntios 3:15 – Versão Ave-Maria)
Primeiramente, a fim de desvelar a essência do "fogo" em questão, é
imperativo que nos detenhamos com a devida atenção no cenário no qual o
trecho em discussão se insere. O contexto, no âmbito da versão católica
adotada, estabelece:

“Agora, se alguém edifica sobre este fundamento, com


ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas, com
madeira, ou com feno, ou com palha, a obra de cada um
aparecerá. O dia (do julgamento) demonstrá-lo-á. Será
descoberto pelo fogo; o fogo provará o que vale o trabalho
de cada um. Se a construção resistir, o construtor receberá
a recompensa. Se pegar fogo, arcará com os danos. Ele
será salvo, porém passando de alguma maneira através do
fogo” (1ª Coríntios 3:12-15)

Observe-se que Paulo não se refere a um dia comum, mas ao dia do


julgamento. O desafio para os defensores da doutrina católica reside no fato de
que, conforme a Escritura, esse dia do julgamento apenas se concretizará na
segunda vinda de Cristo, que ainda não ocorreu e acontecerá quando não
houver mais nenhum "purgatório" para purificar alguém, pois o estado
intermediário já terá cedido lugar ao estado eterno. Eis a razão pela qual Paulo
declara:

“Na presença de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar


os vivos e os mortos por sua manifestação e por seu Reino,
eu o exorto solenemente” (2ª Timóteo 4:1)
32

Percebe-se que o dia do julgamento está intrinsecamente ligado ao


retorno de Jesus, quando o Reino será visivelmente manifestado. Nesse dia, de
acordo com a doutrina católica, não haverá mais lugar para o "purgatório" como
meio de purificação. Portanto, o texto não pode estar se referindo ao purgatório
em si.
Para abordar esse dilema, os teólogos católicos elaboraram a doutrina
dos "dois juízos," uma concepção ausente na igreja oriental. De acordo com essa
perspectiva católica-romana, existem dois julgamentos: o julgamento individual,
que ocorre imediatamente após a morte, dando início ao estado intermediário
daqueles que faleceram, e o julgamento geral, que acontece na segunda vinda
de Jesus, no final do estado intermediário. Portanto, segundo essa visão, cada
pessoa passaria por dois julgamentos: o individual e o geral. E assim, eles
acreditam ter reconciliado a doutrina do purgatório, argumentando que nesta
passagem de 1ª Coríntios 3:15, o apóstolo se referia ao julgamento individual
após a morte, não ao julgamento na segunda vinda de Cristo.
No entanto, essa abordagem improvisada gera problemas teológicos
significativos. Em primeiro lugar, o próprio contexto de 1ª Coríntios 3:15 parece
se referir ao julgamento geral, em vez de um julgamento individual. O versículo
13, por exemplo, declara: “...o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que
provará a qualidade da obra de cada um” (v. 13)
Existem dois aspectos que parecem apoiar a perspectiva do julgamento
na segunda vinda de Cristo. Primeiramente, o texto menciona que este dia "trará
à luz" os pecados que estiveram ocultos durante toda a vida. Jesus disse que
"não há nada oculto, senão para ser revelado, e nada escondido senão para ser
trazido à luz" (Marcos 4:22). Tradicionalmente, esse verso tem sido entendido
como uma referência ao julgamento geral na segunda vinda de Cristo, quando
todos estarão reunidos, e os pecados de cada pessoa serão expostos e
manifestados a todos - quando nada que estiver oculto permanecerá oculto.
Portanto, é muito mais provável que 1ª Coríntios 3:13 esteja se referindo a esse
julgamento geral do que a algum julgamento individual inventado por Roma.
Além disso, o verso 13 também menciona que o fogo provará a qualidade
da obra "de cada um," não de uma pessoa individualmente. O texto transmite a
ideia de uma reunião geral, onde várias pessoas são "réus" sendo julgadas, em
vez de uma única pessoa encontrando-se sozinha com Deus após a morte.
33

Em segundo lugar, e o ponto mais problemático para a doutrina católica,


a Bíblia não menciona em lugar algum um julgamento individual que ocorra em
um estado intermediário antes da ressurreição, muito menos afirma que cada
pessoa passa por mais de um julgamento. Essa doutrina simplesmente não tem
respaldo bíblico, apesar de ser popular. O verso mais frequentemente citado por
seus defensores é "depois da morte vem o juízo" (Hebreus 9:27), mas em
nenhum lugar desse verso ou de qualquer outro lugar na Bíblia está declarado
que esse julgamento ocorre antes da ressurreição. A Bíblia é unânime ao afirmar
que Deus ainda não julgou os mortos:

“Porquanto tem determinado um dia em que com justiça


há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou;
e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os
mortos” (Atos 17:31)

“Conjuro-te, pois, diante de Deus, e do Senhor Jesus


Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda
e no seu reino” (2ª Timóteo 4:1)

“Os quais hão de dar conta ao que está preparado para


julgar os vivos e os mortos” (1ª Pedro 4:5)

“No dia em que Deus há de julgar os segredos dos


homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho”
(Romanos 2:16)

“Quando o Filho do Homem vier em sua glória, com todos


os anjos, assentar-se-á em seu trono na glória celestial.
Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Venham,
benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino
que lhes foi preparado desde a criação do mundo” (Mateus
25:31-32)
34

A presente análise enfoca o ensinamento bíblico relativo ao julgamento


divino, uma temática profundamente enraizada nas escrituras. É imperativo
destacar que a Escritura, em sua essência, sustenta a perspectiva de que o
julgamento de Deus não ocorreu, mas se reserva para o futuro, especialmente
no contexto da segunda vinda de Jesus. 2ª Timóteo 4:1 é especialmente
significativa, pois faz menção de que Deus "há de julgar" não somente os vivos,
mas também os mortos, insinuando que mesmo os falecidos ainda não foram
submetidos a julgamento. Em consonância, 1ª Pedro 4:5 também acentua que
Deus está preparado para julgar os mortos, implicando que este juízo ainda não
ocorreu.
Notavelmente, não encontramos nas escrituras qualquer indicação
contrária a esta perspectiva, que sugira que os falecidos já tenham passado por
um julgamento individual e estejam destinados a outro.
Além disso, ao realizar uma análise mais profunda, surge uma
consideração relevante quanto à viabilidade da existência de múltiplos
julgamentos. Neste contexto, é importante destacar que um único juízo seria
suficiente para determinar irrevogavelmente o destino de um indivíduo. Nos
arranjos terrenos, observamos a ocorrência de múltiplos julgamentos devido à
natureza não "final" do primeiro julgamento, com espaço para apelação e a
possibilidade de revogação. No entanto, o juízo divino é inquestionável e isento
de equívocos, tornando redundante a existência de um segundo julgamento.
É inegável que a Bíblia utiliza o singular ao mencionar o juízo individual
de cada pessoa, reforçando a ideia de que existe um único julgamento para cada
indivíduo. Os seguintes textos bíblicos exemplificam essa abordagem singular:
Mt.10:25; Mt.11:22; Mt.11:24; Mt.12:36; Mt.12:41; Mt.12:42; Lc.10:14; Lc.11:31;
Lc.11:32; Jo.5:29; Jo.9:39; Jo.12:8; Jo.12:11; At.24:25; Hb.6:2; Hb.9:27, Tg.2:23;
2Pe.2:4; 2Pe.2:9; 2Pe.3:7; 1Jo.14:17.
É indiscutível que a Bíblia não faz menção de um segundo julgamento e,
consistentemente, vincula o julgamento à segunda vinda de Jesus, como
evidenciado em passagens como Mateus 25:31, Apocalipse 20:12, 2 Timóteo
4:1 e Atos 7:31. Nesse contexto, é razoável concluir que o julgamento descrito
em Hebreus 9:27, que ocorre após a morte, é o mesmo juízo mencionado em
toda a Escritura, ocorrendo na segunda vinda de Cristo, e não antes.
35

Considerando esse entendimento, é pouco provável que o apóstolo Paulo,


em 1 Coríntios 3:15, estivesse contradizendo o consenso geral das Escrituras e
introduzindo um "juízo individual" anterior à volta de Jesus para encaixar a ideia
de um "purgatório" nesse contexto.
Quanto à interpretação do "fogo" em 1 Coríntios 3:15, é importante
mencionar que diferentes traduções podem fornecer nuances diversas.
Enquanto a versão católica que mencionei traduz o verso como "será salvo,
porém passando de alguma maneira através do fogo", outras versões
evangélicas traduzem:

“Se o que alguém construiu se queimar, esse sofrerá


prejuízo; contudo, será salvo como alguém que escapa
através do fogo” (Nova Versão Internacional)

“Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas


o tal será salvo, todavia como pelo fogo” (Almeida
Corrigida e Revisada Fiel)

Observe-se nas versões protestantes uma significativa adição do termo


"como" no texto em análise. Em outras palavras, Paulo não intentava afirmar que
o indivíduo será resgatado "pelo fogo", mas, ao contrário, "como que pelo fogo".
Tal adição reveste-se de relevância substancial, haja vista que denota a
delineação de uma analogia, uma comparação, em oposição à declaração
peremptória da realidade. Entretanto, antes de prosseguirmos para esta
inferência, é de rigor a análise do texto original grego, a fim de se estabelecer se
ele respalda a tradução protestante ou se fornece sustentáculo à versão católica.
O texto original em consideração reza assim:

ει τινος το εργον κατακαησεται ζηµιωθησεται αυτος δε σωθησεται ουτως δε ως


δια πυρος”

De fato, a presença da pequena partícula "ως" (transliterada como "hos")


no final do texto é precisamente a que denota o sentido de "como". A versão
católica, por sua vez, optou por omiti-la do texto, possivelmente devido ao fato
36

de que essa partícula pode contrariar a interpretação católica. É importante


observar que "ως" também é encontrada em outros textos, como Mateus 10:16,
onde é empregada para transmitir um sentido comparativo, conforme se lê: “Eu
os estou enviando como [hos] ovelhas entre lobos. Portanto, sejam prudentes
como [hos] as serpentes e simples como [hos] as pombas” (Mateus 10:16)
Certamente, é evidente que quando Jesus empregou metáforas como
"ovelhas" e "serpentes" em Seus ensinamentos, Ele não estava a sugerir uma
interpretação literal. Da mesma forma, a analogia utilizada por Paulo em 1
Coríntios 3:15, referindo-se à salvação como sendo "pelo fogo", não deve ser
compreendida de maneira literal, mas sim como uma expressão que denota uma
salvação que ocorre com estreita margem.
No contexto linguístico grego, essas figuras de linguagem são usadas
para enfatizar a ideia de escapar por um fio, assim como alguém que "escapa
por um triz" no nosso idioma. Esta interpretação é crucial, pois o fogo
mencionado não se refere a um purgatório, mas sim a uma proximidade crítica
à condenação.
Ao analisar as passagens bíblicas sob essa perspectiva, é claro que a
não-literalidade das expressões é reforçada pelo uso do grego "hos" e pelo
contexto da segunda vinda de Cristo, quando o conceito de um purgatório para
purificação não é mais aplicável. Portanto, é importante evitar a interpretação
errônea das Escrituras quando se procura fundamentar doutrinas que não têm
base sólida nelas, pois isso pode distorcer significativamente o sentido original
do texto.
37

CAPÍTULO 5 –
FORMAÇÃO DO CANÔN BÍBLICO E A ADULTERAÇÃO CATÓLICA DO
ANTIGO TESTAMENTO

Quando os apóstolos morreram, a igreja primitiva, que não era católica


apostólica romana, como foi bem explicado no primeiro capítulo, reuniu as cartas
dos apóstolos que já tinham autoridade por si só. Assim como a igreja cristã
apenas recebeu o velho testamento dos judeus, reconhecendo que as escrituras
já tinham autoridade própria, a igreja primitiva recebeu as cartas dos apóstolos
da mesma forma.
Mas quando o Império Romano se tornou cristão e a igreja de Roma
passou a ter mais poder acima das outras, a igreja de Roma começou a querer
adulterar o velho testamento que pertencia aos judeus. A justificativa era que
Jesus e os apóstolos usavam a septuaginta, então a igreja também deveria usar,
aceitando os livros deuterocanônicos como inspirados por Deus.
Os livros eram: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1
Macabeus e 2 Macabeus. Esses livros eram encontrados na septuaginta.
Contudo, o que os católicos não te contam, é que existiam diversas versões de
septuaginta e nenhuma versão corresponde ao velho testamento católico. Os
livros citados anteriormente, estavam espalhados pelas diversas versões de
septuaginta. Dando a entender que a igreja católica romana selecionou ao seu
bel prazer os livros que achavam ser inspirados por Deus, adulterando
completamente as escrituras do velho testamento que vem dos judeus, algo que
já estava consolidado, sem esta adição de 7 livros a mais.
Por exemplo, vamos analisar algumas versões da septuaginta. No códice
Alexandrino você tem livros apócrifos que não constam no velho testamento
católico, como: apócrifo de Esdras (não é o Esdras da bíblia), Salmos de
Salomão, 3º Macabeus e 4º Macabeus. Todos os estes, não constam na bíblia
católica.
Ao analisarmos o códice vaticano da septuaginta: temos o apóscrifo de
Esdras (que não consta na bíblia católica), não tem nenhum livro de Macabeus
(a bíblia católica tem 1º 2 º Macabeus).
38

Ao analisarmos o códice sinaiticus: temos o 4º Macabeus (que não consta


na bíblia católica. Não tem o livro de Baruc (que consta na bíblia católica), não
tem 2º Macabeus (que consta na bíblia católica). Ainda tem uma adição da
epístola de Barnabé e do Pastor de Hermas, ambas não existem na bíblia
católica.
Então eu faço a seguinte pergunta, onde a septuaginta representa o
canôn exato que a igreja católica passa a assumir para si? Se nenhuma das
versões da septuaginta que nós temos hoje representa exatamente a lista de
livros que o antigo testamento católico possui.
Os judeus tinham o seu canôn estabelecido, chamado de Tanah, que é a
mesma coisa do velho testamento protestante. Todavia, os católicos afirmam
que os apóstolos seguiam a septuaginta, e por conta disso, a igreja católica
também deve deve seguir a septuaginta.
Só que ai tem um problema, o canôn do velho testamento foram recebidos
dos judeus e Jesus era um judeu, sendo Jesus um judeu, seguiu o canôn que
eram dos judeus, que já era estabelecido na época. Os judeus não aceitam os 7
livros que a igreja católica colocou no velho testamento. Porém, os católicos
alegam que a ICAR tem poder sobre as escrituras, por ser “sustentáculo da
verdade”.
Considerando a interpretação errônea dos católicos, o que fazemos com
Romanos 3:1-2, que diz: “Que vantagem, pois tem o judeu? Ou qual é a utilidade
da circuncisão? Muita, de toda a maneira, principalmente porque, na verdade,
aos judeus foram confiados os oráculos de Deus”. Ora, Paulo acreditava que os
oráculos de Deus, que é o velho testamento, foram confiados tão somente aos
judeus. Então sim, importa muito o que os judeus acreditavam sobre o canôn e
a igreja católica não tem poder nenhum de mudar isso.
Mais adiante, em Romanos 9:4-5, Paulo enfatiza: “Que são israelistas,
dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e as alianças, e a lei, e o culto, e as
promessas: dos quais são os PAIS, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual
é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém”. Então dos ISRAELISTA são
as alianças, a lei e as promessas que estão descritas no texto do antigo
testamento.
39

Afirmar “estamos com os apóstolos e não com os judeus” é a mesma coisa


que não estar com os apóstolos. Pois o apóstolo Paulo estabeleceu que a LEI,
as ALIANÇAS, as PROMESSAS e os ORÁCULOS DE DEUS, foram confiados
aos israelitas.
É por isso, que nós protestantes, seguimos o canôn dos judeus, que é a
Tanah, pois os apóstolos acreditavam no canôn dos judeus. Não podemos, de
forma retroativa, oferecer um novo canôn aos judeus como os católicos fizeram,
nós apenas RECEBEMOS aquilo que já tinha autoridade por si só, isto é, o
testamento deles.
A Tanah, que é o testamento dos judeus, é constituída por três partes:
Leis, Profetas e Escritos. Jesus citou diversas vezes a composição da Tanah nas
escrituras, um exemplo claro disso está em Lucas 24:44, que diz: “E disse-lhes:
São essas as palavras que vos disse ainda convosco: Que convinha que se
cumprisse tudo o que de mim estava escrito na LEI de Moisés, nos PROFETAS
e nos SALMOS (escritos).
Mas sim, os apóstolos até usaram a septuaginta, mas isso não valida toda
a septuaginta. Os apóstolos não usavam só a septuaginta, os apóstolos também
faziam as próprias traduções do hebraico, de todas as citações do novo
testamento ao antigo testamento, uma grande parte veio de fato da septuaginta.
Todavia, o motivo pela qual isso aconteceu, era porque a septuaginta era a única
tradução da bíblia hebraica para o grego, se eles escrevem em grego, usa-se
então a tradução do grego. Por exemplo, suponhamos que você tenha uma obra
de origem estrangeira na versão em português, dificilmente você usará a versão
original da língua estrangeiro, ficaria mais fácil usar a tradução em português já
estabelecida.
É por esse motivo que muitas vezes os apóstolos usaram a septuaginta,
para ficar mais fácil, não significa que, somente por usar a septuaginta, eles
aprovavam todos os livros extras que continham nela. Pois a septuaginta tinha
os livros da Tanah e mais um monte de livros extras e apócrifos.
O que provavelmente os apóstolos faziam, foi usar a septuaginta como
padrão, mas quando a tradução da septuaginta não parecia agradável para eles,
os apóstolos faziam a própria tradução direto do hebraico. Achar que só porque
os apóstolos citaram a septuaginta significa uma aprovação total para a
septuaginta, é ir muito além daquilo que a evidência fornece. Pois, eles não
40

citaram apenas a septuaginta, também fizeram as próprias traduções do


hebraico. Ainda se fosse, não existia nenhuma versão da septuaginta que
corresponda a bíblia católica romana.
O catolicismo alega que seu canôn foi estabelecido no concílio de Roma,
sob o comando do “papa” Dámaso I, no ano de 382 d.C. Todavia, o concílio de
Roma era meramente REGIONAL, ao mesmo tempo, vários outros concílios
regionais tentaram definir uma lista do canôn bíblico. Então tinha-se diversas
discordâncias na época, e pelo fato do concílio de Roma não ser ecumênico,
nem toda a igreja por completo concordava com o respectivo concílio.
O único concílio ecumênico que a igreja católica invocou para definir seu
canôn bíblico foi o concílio de Trento, no ano de 1545, conhecido como o concílio
da pós reforma, para se contrapor contra a reforma protestante.
Outra coisa que não deve passar batido, é que falar que o bispo de Roma,
Dámaso I era um “papa”, é bastante problemático. Nesse tempo, o termo “papa”
era um título usado para TODOS os bispos de todas as igrejas do mundo. Muito
tempo depois, o termo “papa” passou a ser restrito somente ao bispo de Roma,
com o papa Leão I, mas para a fé católica, Leão I foi 45º papa, Dámaso I foi o
37º papa segundo a fé católica, mesmo sendo Leão I a carregar o título papal de
forma exclusiva. Acontece que a igreja católica traçou uma linha cronológica
retroativa, nomeando todos os bispos de Roma da história como papas.
Voltando ao assunto anterior, se o concílio de Roma definiu, de acordo
com a igreja católica, o canôn bíblico, porque ainda teve o concílio de Hipona em
393 e o concílio de Cártago 397 tentando fazer o mesmo? Se o canôn foi
realmente estabelecido em Roma, por que ainda existem outros concílios
tentando fazer o mesmo? Isso parece indicar que não houve um fechamento
absoluto e definido do canôn católico.
Vamos usar a própria teologia católica para provar que somente no
concílio ecumênico de Trento, em 1545, é que finalmente foi definido o canôn
católico. O cardeal católico, Yves Congar, disse o seguinte:

“Uma lista oficial e definitiva de escritos inspirados não


existia na igreja católica até o Concílio de Trento”.14

14
Yves Congar, Tradition and Traditions (New York: Macmillan, 1966), p. 38.
41

A nova enciclopédia católica diz o seguinte:

“De acordo com a doutrina católica, o critério mais próximo


do cânone bíblico é a decisão infalível da igreja. Esta
decisão não foi dada até bastante tarde na história da igreja
no Concílio de Trento [...]15

A enciclopédia católica continua dizendo:

“O Concílio de Trento definitivamente resolveu a questão


do cânon do Antigo Testamento. Que isso não havia sido
feito anteriormente pela incerteza que persistiu até a época
de Trento.”16

Até mesmo São Jerônimo, tradutor da vulgata latina (bíblia dos católicos),
não aceitava muitos desses 7 livros a mais, e ainda fez uma distinção entre eles:

“São Jerônimo fez uma distinção entre livros canônicos e


livros eclesiásticos. Este último ele julgou CIRCULAR pela
igreja como uma boa leitura espiritual, mas não foi
reconhecido como escritura autorizada. A situação
permaneceu obscura nos séculos seguintes.”17

Por mais que ele tenha traduzido os livros da septuaginta, não significa
que São Jerônimo acreditava que todos eles eram canônicos, pois como dito
anteriormente, ele mesmo fez distinção entre esses livros.

15
New Catholic Encyclopedia, Vol II, p. 390.
16
Idem.
17
Idem.
42

CAPÍTULO 6 – SOLA SCRIPTURA

Sola Scriptura é um princípio teológico que se baseia na crença de que a


Bíblia é a única autoridade final e infalível para a fé e prática cristã. Esse princípio
foi uma das principais doutrinas da Reforma Protestante do século XVI, liderada
por Martinho Lutero e outros reformadores.
A expressão latina "sola scriptura" significa "somente a Escritura". Ela
enfatiza a ideia de que a Bíblia é a fonte suprema de autoridade em questões de
fé e moral, acima de tradições, ensinamentos da igreja ou opiniões humanas. De
acordo com esse princípio, a Bíblia é considerada suficiente para instruir os
crentes e orientá-los na sua relação com Deus.
A doutrina da sola scriptura surge em contraposição ao ensinamento da
Igreja Católica Romana, que, na época da Reforma, afirmava que a autoridade
da Bíblia deveria ser complementada ou até mesmo igualada pela tradição da
igreja e pelos ensinamentos do magistério, que inclui o Papa e os concílios
ecumênicos.
Para os defensores da sola scriptura, a Bíblia é entendida como a
revelação especial de Deus para a humanidade e como a norma pela qual todas
as outras autoridades devem ser avaliadas. Eles argumentam que a Bíblia
contém tudo o que é necessário para a salvação e para a vida cristã, e que
qualquer ensinamento ou tradição que não esteja em conformidade com as
Escrituras deve ser rejeitado.
No entanto, é importante ressaltar que o princípio da sola scriptura não
significa que os cristãos devem interpretar a Bíblia de forma individual e isolada.
Pelo contrário, reconhece-se a importância da comunidade de crentes e dos
estudiosos da Bíblia na interpretação correta dos textos sagrados. Ainda assim,
a autoridade final para a fé e prática cristã está na própria Bíblia. Em resumo, o
princípio da sola scriptura defende a primazia da Bíblia como a autoridade final
e infalível para os cristãos.
Temos o famoso versículo que os católicos adoram usar para exaltar a
tradição, que está em 2 Tessalonicenses 2.15: “Então, irmãos, estai firmes e
retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola
nossa.” Mas essa tradição falada era os ensinamentos contidos nas próprias
cartas dos apóstolos, e quando não, os apóstolos não inovavam em novos
43

ensinamentos. Em Colossenses 4.16, Paulo afirma que as cartas deveriam ser


lidas nas igrejas: “Depois que esta carta for lida entre vocês, façam que também
seja lida na igreja dos laodicenses, e que vocês igualmente leiam a carta de
Laodicéia.”
O que não pode é a tradição conflitar com as escrituras. Os bereanos
eram tidos como mais “nobres”, justamente por conferir nas escrituras tudo o que
os apóstolos pregavam. Atos 17.11: “Ora, estes foram mais nobres do que os
que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra,
examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim.” Os bereanos
usavam as escrituras para julgar os apóstolos e não as tradições.
Os judeus também tinham suas tradições milenares e muitas vezes essas
tradições conflitavam com as escrituras. Tanto que em Marcos 7.13, Jesus
repreende isso: “Invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição, que
vós ordenastes. E muitas coisas fazeis semelhantes a estas.”
O ponto central deste livro, não é negar a tradição, pois reconhecemos
que no período patrístico a tradição teve um peso de autoridade muito grande. A
grande questão é sobre o que essa tradição se tornou ao longo dos séculos. A
tradição pode ter um peso grande, mas se for comparado com a bíblia, esse
peso se torna nada, pois a bíblia se sobressai. A tradição jamais pode conflitar
com as sagradas escrituras. É muito melhor e mais confiável confiar naquilo que
está escrito do que no “eu ouvi falar de tal discípulo, do discípulo, do discípulo,
do discípulo de João”.
Desde o velho testamento vemos Deus preservando sua palavra por meio
da escrita. É por isso que muitas vezes a bíblia usa a expressão “está escrito”,
31 vezes no antigo testamento e 78 vezes no novo testamento. Deus disse isso
em Isaías 30.8: “Vai, pois, agora, escreve isto numa tábua perante eles e
registra-o num livro; para que fique até ao último dia, para sempre e
perpetuamente.”
A forma como Deus utiliza para preservar sua palavra ao longo dos
séculos não é por meio da boca a boca, é através de escrito. É por isso que os
apóstolos escreveram, é por isso que Moisés escreveu, é por isso que lá em
deuteronômio a lei foi repetida várias vezes por meio dos escritos. É por isso
também que todo o antigo testamento foi guardado em rolos escritos.
44

O próprio Jesus, para provar que era o messias, recorria para as


escrituras. Até mesmo no embate que teve com o Diabo no deserto, Jesus usou
as escrituras 3 vezes. Jesus venceu satanás pela palavra no deserto.
Em Atos 15, no Concílio de Jerusalém, ninguém recorreu a autoridade
humana, mas somente as escrituras.
Robert Jedine, sacerdote católico, sendo um historiador do Concílio de
Trento, disserta o seguinte:

“No final, o concílio afirmou que tanto a Escritura quanto a


tradição eram fontes de autoridade, mas rejeitou a ideia de
que a tradição fosse igualmente inerrante e infalível que a
Escritura. A tradição era considerada como uma fonte
complementar, que podia ajudar a interpretar a Escritura,
mas que não podia contradizê-la.”18

Deus repetidamente nos advertiu a não acrescentar e nem diminuir sua


Palavra, mas segui-la fielmente (Dt 4.2; Js 1.7-8; Ap 22.18-19; 2 Ts 3.14).
Qualquer um que contrarie este decreto divina peca contra o Senhor Nosso Deus
e denigre a Autoridade das Escrituras.
Toda palavra de Deus é pura e não está aberta a acréscimos (Sl 12.6;
119.140; Pv 30.5-6). Quem não aceita esse fato, coloca em descrédito a
Suficiência da Palavra de Deus Escrita, fazendo de Deus mentiroso e maculando
a revelação divina. Na medida em que o homem imperfeito acrescenta seus
entendimentos não-inspirados naquilo que Deus perfeitamente inspirou.
Toda a Escritura, como única regra infalível de fé, é o padrão concedido
por Deus à Sua igreja, tanto para que pudéssemos julgar os falsos mestres (1
Pd 3.1ss; Mt 7.15; At 20.29-30; Rm 16.17; 1 Tm 4.1; 1 Jo 4.1; Ap 2.2), como
também, para reconhecermos a autoridade legítima conferida aos pastores do
rebanho do Senhor na Terra (Ef 4.11; 1 Pd 5.1ss; Hb 13.17). De modo que, caso
a revelação da Palavra de Deus nos dias atuais ultrapassasse o ensino bíblico,
estaria aberto um fortíssimo precedente para que os apóstatas dos tempos pós-
apostólicos impusessem dogmas anti-bíblicos como se fossem verdadeiros ou,

18
Manual de História da Igreja, Vol. IV, p. 157
45

até mesmo, formulassem para si novas revelações extra-bíblicas, como se


fossem divinas, sem que pudessem sequer ser questionados.
Esse é um grande exemplo da importância das Escrituras na Igreja, no
que se refere ao exercício do seu governo. É uma prova cabal de que a Igreja
necessita de uma regra infalível como padrão da verdade, e que esta regra não
pode ser ela própria. Pois a escritura é a forma final da verdade divina aos
homens (Êx 34.27; Dt 29.29; 2 Rs 22.10-13; Is 8.20; Ap 1.3). Os apóstolos e
profetas lançaram o fundamento da Igreja Cristã (Ef 2.20), de modo que, embora
ausentes, ainda podemos construir o nosso viver nos ensinos registrados
infalivelmente nas Escrituras Sagradas. A Escritura é, portanto, o único padrão
infalível para a verdade espiritual, revelando tudo o que devemos crer para nossa
salvação, fé e vida cristã, anunciando tudo o que Deus requer de nós.
Pois assim Cristo nos ensina em João 6.39: “Examinai as Escrituras,
porque vós cuidais ter nelas a VIDA ETERNA, e são elas que de mim testificam”.
Muitos católicos vão dizer que Cristo estava se referindo ao Velho Testamento,
de fato estava, mas como o Novo Testamento também testifica Cristo, esta
declaração de Cristo se estende também ao Novo Testamento.
Todavia, é importante ressaltar que isso não nega a autoridade da igreja,
muito pelo contrário, isso apenas reflete que a autoridade da igreja só pode ser
absoluta quando é pronunciada biblicamente (cf. Is 8.20), ou seja, apoiada na
infalibilidade das Escrituras. É o reconhecimento verdadeiro de que o Juiz
Supremo pelo qual todas as controvérsias religiosas (Mt 22.29,31) e pelo qual a
Igreja deve se orientar (At 15.15), e todas as opiniões particulares (Sl 19.7-8;
119.105; 1 Co 4.6; 2 Ts 3.14), e em cuja sentença devemos nos firmar não pode
ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura (At 28.25; cf. Hb 3.7ss;
10.15-16).
Todos os apóstolos morreram e partiram para estar com Cristo; mas a
palavra de Deus escrita está viva na terra e é extremamente eficaz para todas
as coisas (Hb 4.12). Antes, quando os apóstolos ainda estavam vivos, os
mesmos foram guiados pelo Espírito Santo (Jo 14.26; 16.13) e escreveram tendo
em vista a manutenção da doutrina (Fp 3.1; 2 Pd 1.15; 3.1-2).
Os que são contra o Sola Scriptura perdem muito tempo falando acerca
da existência da tradição nos tempos apostólicos, algo que não negamos e
46

jamais o fizemos (em relação à igreja iniciante, antes do fechamento do cânon),


se esquecendo de falar daquilo que realmente precisam provar.
Os inimigos das escrituras parecem não entender que a grande questão
não é se os ensinos orais deviam ser obedecidos pelos cristãos, mas é onde
estes ensinos foram infalivelmente preservados para nós.
Dessa forma, eles não precisam nos mostrar que a tradição oral apostólica
existiu (porque isso nós já sabemos), mas precisam urgentemente provar que os
apóstolos ensinaram que as suas instruções orais seriam necessárias para
suplementar as Escrituras para a igreja no decurso dos séculos vindouros, e que
esta mensagem pregada oralmente é diferente daquela que está presente em
todo o conjunto das Escrituras (por seus mais diversos autores e não só por um
autor ou uma epístola), de modo que a bíblia não contenha sequer o suficiente
para a fé e a prática cristã, ao contrário do ela mesma declara em 2 Tm 3.15-17-
e que haja evidências bíblicas que estes ensinos pregados pelos inimigos do
Sola Scriptura são os mesmos que apóstolos fizeram referência. Isto eles
realmente não podem nos mostrar, porque, de fato, nenhum dos apóstolos
ensinou isto, e nem a Bíblia como um todo nos ensina.
Toda vez que debato com um católico que rejeita a doutrina do Sola
Scriptura, me dá vontade de dizer: “Chame aqui o Apóstolo Paulo para que ele
nos tire esta dúvida". Digo isto porque, não havendo mais apóstolos em nossos
dias, as Escrituras são a única fonte de fé segura e infalível para que possamos
determinar o que é de fato apostólico e perseverar na doutrina dos apóstolos (At
2.42), da mesma forma como fazia a igreja primitiva. A lógica é: Se não ouvimos
atualmente os Apóstolos pregando oralmente e temos seus escritos bíblicos,
logo, temos contato com a doutrina dos apóstolos atualmente Só pela mensagem
que a Bíblia nos transmite.
A bíblia é bem clara quando diz que ainda que um anjo vindo do céu ou
qualquer um que reivindicasse ser apóstolo, se nos pregasse uma mensagem
diferente ou que fosse além do que hoje podemos encontrar na Bíblia (e, com
certeza, nenhum dos apóstolos o faria, porque há somente um Evangelho, que
está contido inteiramente nas Escrituras, cf. 1 Co 15.3,4; 2 Tm 3.15), estaríamos
autorizados a declarar o ensino como maldição, de acordo com por Gálatas 1.8.
Então é lícito afirmar que "tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso
ensino foi escrito" (Rm 15.4). Sendo a Bíblia a única fonte perfeita, fiel, reta e
47

pura (Sl 19.7-8), devemos aprender "a não ir além do que está escrito" (1 Co 4.6,
um princípio muito semelhante a Dt 29.29).
O apóstolo Pedro, sabendo que sua morte estava muito próxima,
conforme lhe fora revelado (2 Pd 1.14), fez questão de escrever aos cristãos (2
Pd 1.15; 3.1), buscando firmá-los na revelação que já havia sido dada (2 Pd 3.2),
orientando-lhes a se apegarem à verdade das Escrituras (2 Pd 1.19-21) e se
acautelarem com os falsos profetas que viriam (2 Pd 2.1). Porém, nada disso
Pedro necessitaria fazer, se ele sequer imaginasse que haveria sucessores em
sua missão apostólica, que iriam se deleitar em cima de uma suposta
infalibilidade.
Tudo isto seria uma perda de tempo, se Pedro houvesse ensinado
àquelas comunidades cristãs a seguirem incondicionalmente um "sucessor"
infalível ou uma hierarquia situada em determinada cidade (como Roma,
Antioquia, Alexandria, Jerusalém, etc).
Se Pedro escreveu o seu ensino para que as futuras gerações
lembrassem (2 Pd 1.13-15; 3.1-2), como nós lembramos atualmente do que os
apóstolos ensinaram? Será escutando a Roma? Será lendo o que dizem os
denominados "pais da Igreja"? Será lendo bulas e decretos papais? Óbvio que
não! Lendo o Novo Testamento, escrito pelos próprios apóstolos!
Quando os católicos que odeiam a doutrina do Sola Scriptura citam a
tradição apostólico, todos eles caem em contradição, pois nós protestantes,
jamais negamos a tradição apostólico, somente negamos aquilo que confronta
com as sagradas Escrituras.
Os católicos, fazendo uso de forma errônea de 2 Ts 2.15, argumentam
que suas tradições não são tradições meramente humanas (como aquelas que
o Senhor Jesus condenou em Mt 15.1-3,9 e em Mc 7.5-13), mas são aquelas
tradições que o apóstolo faz menção positivamente.
Todavia, eles se enganam, porque falta-lhes um princípio básico: Como
poderíamos determinar nos dias atuais se uma tradição é apostólica ou
meramente humana? A resposta simples a esta questão é por demais óbvia: Só
podemos determinar pelas Escrituras! Ou, em outras palavras: Sola Scriptura!
Esta é uma lógica irrefutável da qual os inimigos da bíblia não podem fugir, sob
pena de serem anatematizados por Paulo, mediante as palavras de Gálatas 1.8,
por estarem pregando um outro evangelho.
48

Aliás, a própria incapacidade de se estabelecer um elo histórico para estas


tradições, traçada desde os apóstolos, prova a natureza espúria das
reivindicações dos opositores do Sola Scriptura.
Sabemos muito bem que a bíblia é a "palavra da verdade" (2 Tm 2.15)
pela qual nós fomos gerados para que fôssemos como que primícias das
criaturas de Deus (Tg 1.18). Pela pregação dela recebemos a fé (Rm 10.17),
como o fim da fé é a salvação do crente (1 Pd 1.9; cf. Jo 20.31; Ef 2.8-9) e "as
sagradas letras podem nos fazer sábios para a salvação pela fé em Cristo Jesus"
(cf. 2 Tm 3.15), logo, ela é plenamente suficiente para nos transmitir a verdade
salvadora (cf. Jo 20.31).
Já ouvi muitos católicos bater em espantalho quando mencionam João
21.25, que diz que nem tudo aquilo que Jesus fez está escrito na bíblia. Ora,
quem disse que negamos isto? Dizer que algo é suficiente não significa dizer
que algo contém todas as coisas, mas sim que temos tudo aquilo que é
necessário para alcançar a salvação. No caso em questão, toda a escritura já é
suficiente para a fé e a prática cristã (2 Tm 3.15-17). João, ao dizer que nem tudo
o que Jesus fez está na bíblia, de modo algum anula o Sola Scriptura. Do
contrário os inimigos da bíblia e do Sola Scriptura seriam obrigados a nos trazer
todos os sermões do Senhor Jesus e de Paulo pelas suas "tradições", sob pena
de rejeitarmos as tais "tradições" por serem desgraçadamente "incompletas"!
Digo mais, existem boas razões para crermos na Suficiência da Bíblia.
Ora, se Deus preservou tudo aquilo que foi de Sua vontade e entendeu ser
necessário para o nosso conhecimento acerca da revelação veterotestamentária
(Rm 15.4; 1 Co 10.11), fazendo chegar os ensinos orais à forma escrita, a qual
foi citada por Jesus como algo completado (cf. Lc 16.16; 24.44; Mt 7.12), o peso
de provar que Deus rescindiu desses padrões cai sobre os inimigos do Sola
Scriptura, e não sobre nós.
Perceba também que todas as provas de que Jesus Cristo é o messias
está baseada nas Escrituras (Lc 24.27; At 13.27-41; At 18.28; Rm 1.2) e a
Suprema Autoridade das Escrituras foi provada por Jesus (Jo 5.45-47.10.35).
Em Atos 17.10-12, com efeito, os bereanos foram considerados mais nobres
porque, após ouvirem a pregação, iam conferir nas Escrituras para ver se as
coisas eram de fato assim.
49

Primeiro, para os bereanos (que foram considerados pelo autor inspirado


como mais nobres), a Autoridade Final estava nas Escrituras. Eles fizeram
muitíssimo bem em receber as palavras dos mensageiros de Cristo, mas fizeram
ainda melhor em verificar se a doutrina [na qual estavam sendo ensinados] era
de acordo com a Palavra de Deus. Observe que a todo o tempo, os bereanos
julgava os próprios apóstolos e todo o ensino que os apóstolos ensinavam, com
base nas próprias escrituras. Dito isto, os apóstolos nomeraram os bereanos
como “os mais nobres”.
Isso mostra claramente que o ensino oral dos apóstolos podia ser testado
pelas Escrituras, tornando, assim, inválidos os argumentos dos grupos religiosos
que advogam em favor de tradições que jamais podem passar pelo crivo das
Escrituras.
Essa situação também nos mostra que a Palavra de Deus tem autoridade
por si só, porque eles já tinham as Escrituras (ainda que não na sua totalidade
como na nossa Bíblia) às quais eles podiam apelar e as reconheciam como
Palavra de Deus- e isto antes de qualquer concílio as decretar.
A mesma coisa acontece com o povo cristão em relação aos escritos neo-
testamentários, conforme Jo 10.14,27, até porque, seria um terrível menosprezo
à Soberania do Senhor Deus afirmar que a Sua Palavra necessita ser confirmada
pelo homem para ser verdadeira ou considerada como tal (veja Hb 6.13).
Caso a Palavra do Senhor só pudesse ser crida como palavra
verdadeiramente divina mediante um testemunho humano, como creríamos em
Gênesis 1, onde Deus relata dias da criação anteriores à criação do homem?
Isto é a prova da Auto-Suficiência da Autoridade divina, devidamente expressa
por sua auto autoridade de Sua Palavra, garantida por Sua providência e
preservação.
Uma prova clara desta providência divina é que o Antigo Testamento foi
preservado, mediante a Soberania Divina, apesar das inúmeras falhas dos
líderes judeus (Mt 15.1-4; 22.29-32; Lc 11.39-52) e de Israel, como nação. Por
que, então, seríamos levados a crer que Deus falharia na preservação do Novo
Testamento, que é o esplendor da revelação divina ao homem (2 Co 3.6-18; Ef
3.1-7; Hb 1.2)? Cremos, no entanto, que o Cânon bíblico é resultado da ação
soberana de Deus, "que faz todas as coisas segundo o conselho de sua
vontade"(cf. Ef 1.11). Por analogia, João Batista não tornou Jesus o Cristo por
50

ter confessado que Ele o era, mas meramente reconheceu sua condição gloriosa
de Cristo. Assim também, posteriormente, a Igreja Cristã não fez a Bíblia ser
inspirada e nem a tornou Palavra de Deus, mas meramente reconheceu o cânon,
como as ovelhas reconhecem a voz do seu Pastor (João 10.4,16).
Perceba também, que toda vez que existia um conflito doutrinário, o
próprio Senhor Jesus apelava para a autoridade das Sagradas Escrituras (Mt
22.29, "Errais não conhecendo as Escrituras..."; Mc 12.10,24). E Ele mesmo nos
deu exemplo ao resistir e refutar a todo erro com a Palavra de Deus, exatamente
como Jesus fez com Satanás (Mt 4.4,7,10, "Está escrito"..."também está
escrito"... "porque está escrito"). Jesus estava nos ensinando a nunca nos
afastarmos daquilo que as Santas Escrituras nos ensinam, para que assim não
viéssemos a crer no erro, cair nas ciladas de Satanás ou aceitar suas mentiras.
Com efeito, todos os cristãos devem agir assim (Ef 6.17), pois todos os
verdadeiros servos de Deus estimam de maneira especial a Palavra (Sl 119.140;
Jo 14.23; Jo 10.27) e, através do conhecimento da Bíblia, evitam pecar contra o
seu Deus (Sl 119.11; Jo 10.27).
A palavra de Deus, sua vontade, sua verdade é toda revelada por meio
de sua palavra, (v. Jo 17.17; Sl 119.142,167), não se pode comparar às opiniões
dos homens (Nm 23.19; Rm 3.4; 1 Jo 5.9a) ou tradições humanas que surgem
no meio do povo de Deus (Mt 15.3ss; Mc 7.7-9; Cl 2.8), visto que todos os
homens são passíveis de erro (Sl 116.11) e "mais leves que a vaidade" (Sl 62.9).
É por esse motivo, nós que somos adeptos ao Sola Scriptura, rejeitamos
tudo que não está de acordo com esta regra infalível (Is 8.20; Gl 1.8; At 17.11;
At 24.14; Sl 119.105), a saber, a Sagrada Escritura inspirada (2 Tm 3.16),
conforme os apóstolos nos ensinaram: "Provai os espíritos se procedem de
Deus" (l Jo 4.1). E: "Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não
o recebais em casa" (2 Jo 10).
Por fim, é certo dizer que “o que Deus diz, a Escritura diz"! A Suprema
Autoridade das Escrituras fica evidente ao analisamos as citações e as fórmulas
utilizadas pelos escritores neo-testamentários ao mencionarem as Escrituras:
"Deus diz", "O Espírito Santo diz", e tantas outras (cf.At 3.24, 25; 2 Co 6.16; At
1.16). Percebe-se, por tais fórmulas, que "O que Deus diz" e "o que as Escrituras
dizem" é exatamente [e sempre] a mesma coisa. Daí o porquê de algumas vezes
a Escritura ser mencionada de forma personificada, tal como Deus falando por
51

si mesmo (Gl 3.8; Rm 9.17). E é por isso que a Escritura é autoritativa (2 Pd 1.19-
21)! O "Assim diz o Senhor", que confirma nossa fé, bem por esse motivo que
expomos, só encontramos nas Escrituras.

6.1 OS PAIS DA IGREJA

Apesar de ser consenso acadêmico que não dá pra provar uma citação
explícita na patrística do tipo "Sola Scriptura reina" ou algo assim, sabemos,
porém, que os pais só começam a invocar a autoridade dos outros no século IV
adiante, antes disso, eles preferem dar preferência e primazia a Escritura, apesar
de não ter um cânon 100% definido universalmente, quem muito comenta sobre
isso é J.N.D. Kelly que nos diz:

"Enquanto os teólogos gregos são em geral


intelectualmente ousados, tendendo à especulação, seus
colegas latinos, com exceção daqueles sujeitos às
influências orientais, parecem, pelo contrário, cautelosos e
prosaicos, limitando-se a expor a regra tradicional de fé.
Como exemplo extremo dessa diferença, basta justapor os
conceitos de teologia sustentados por (a) Irineu e
Tertuliano, e (b) Clemente e Orígenes, na segunda metade
do segundo século e na primeira metade do terceiro.
Nutrindo profundas suspeitas em relação à filosofia, sendo
até hostis a ela, os primeiros limitaram a função da teologia
à exposição das doutrinas apresentadas nas Santas
Escrituras; elogiavam19 os cristãos simples que se
satisfaziam com a regra de fé. Por outro lado, Clemente e
Orígenes chegaram ao ponto de distinguir dois tipos de
cristianismo, a que correspondiam dois graus de cristãos.
O primeiro tipo, inferior, baseava-se na “fé”, isto é, na
aceitação literal das verdades declaradas nas Escrituras e

19
E . g., Irineu, haer. 2.26.1; Tertuliano, de praescr . 14.1-3.
52

do ensino da igreja, enquanto o segundo tipo, superior, era


descrito como “gnosis”, isto é, uma forma esotérica de
conhecimento. Esse tipo começava com a Bíblia e a
tradição, aliás, baseava-se nelas, mas esforçava-se por
trazer à tona seu sentido mais profundo e, à luz disso,
explorar os mistérios mais profundos de Deus, de Seu
universo e do plano de salvação; supunha-se que isso
devia culminar em contemplação mística ou êxtase. Desse
modo, eles dividiam os fiéis em simples crentes, a quem
tendiam a desprezar, e homens “espirituais”, “gnósticos” ou
“perfeitos”, a quem consideravam especialmente
privilegiados por Deus." 20

Na consideração da postura eclesiástica durante o período em análise,


emerge a pertinência que a Igreja concedia à sua própria doutrina cristã,
especialmente no que se refere às suas fontes primárias e à autoridade que
delas emanava. Refratar-se a uma abordagem sucinta e parcial seria
inadequado. O cristianismo inaugurou-se como religião de revelação, aduzindo,
consequentemente, que sua mensagem ostentava origem sobrenatural. A
derradeira fonte, à luz da compreensão teológica dos priscos séculos, aninhava-
se na pessoa, oráculos e obras do Messias, Jesus Cristo, inserido no contexto
da divina revelação cujo ápice Ele constituiu.
Entretanto, ao mergulhar em uma escrutinação mais minuciosa, aflora a
complexidade do problema. Por doutrina cristã, faz-se menção ao ensinamento
da Igreja Católica a partir do final do século inaugural. Isso, de pronto, suscita a
questão acerca dos veículos pelos quais a revelação primigênia foi preservada
e disseminada na assembleia eclesiástica. Além disso, os princípios que
regeram a interpretação desses veículos demandam investigação. À vista das
variegadas interpretações, impera contemplar os critérios pelos quais a Igreja
discernia a ortodoxia da heterodoxia, a sã doutrina da doutrina distorcida.
De um modo geral, o problema em tela centra-se na problemática da tradição
(conforme denominamos hoje) e das Sagradas Escrituras, ou seja, na relação

20
Patrística: Origem e Desenvolvimento das Doutrinas Centrais da Fé Cristã. Pág 20
53

mantida entre ambas. Outros temas estão intrinsecamente atrelados a este, tais
como o papel da razão na elaboração da verdade cristã, mas delimitar-nos-
emos, apropriadamente, ao cerne deste assunto.
O próprio Deus, como todos os teólogos primordiais concordavam,
detinha o papel de autor último da revelação. Todavia, Ele a confiou a profetas
e legisladores inspirados, acima de todos, aos apóstolos, testemunhas visuais
do Verbo encarnado, incumbidos de transmiti-la à congregação. Assim, quando
inquiridos acerca do locus da autêntica fé, sua retórica ressoava clara e
insofismável: em linhas gerais, residia na ininterrupta tradição de ensinamento
da Igreja e, de modo mais completa, nas Sagradas Escrituras. Estas, de fato, se
configuravam como as autoridades geminadas — cuja sobreposição, conforme
explanaremos, se delineava — nas quais os adeptos cristãos buscavam a
ratificação de suas crenças. Singularmente, contudo, esta assertiva se revela
algo lacônica, carecendo de elucidativos para que suas implicações sejam
inteiramente discernidas.
Três pontos demandam destaque nesta análise. Em primeiro plano,
desponta a autoridade doutrinária conferida ao Antigo Testamento,
fundamentada na pressuposição aparentemente inquestionável de que, quando
interpretado de maneira apropriada, este constituía um livro intrinsecamente
cristão. A percepção de que os profetas, em particular, testemunhavam a Cristo
e Sua magnificência era difundida. A assertiva de Justino,21 que as Escrituras
pertenciam não aos judeus, mas aos cristãos, era uma crença universalmente
compartilhada.
Segundo essa premissa só se sustentava devido à adoção, consciente ou
inconsciente, de um método exegético específico pelos cristãos. Neste
momento, ressalta-se que o Antigo Testamento em si não o continha nem o
professava explicitamente. Os apologistas que alegavam terem se convertido ao
cristianismo exclusivamente por meio do estudo das Escrituras (ou seja, o Antigo
Testamento) estavam, indiscutivelmente, indo além do que os fatos
corroboravam. Eles, sem dúvida, liam as Escrituras com a perspicácia

21
1 apol. 32.2; diaL 29.2
54

proporcionada pela revelação especificamente cristã, como "Barnabé" 22


reconhece ao descrever sua exegese centrada em Cristo como uma gnose.
Em terceiro lugar, esse princípio de interpretação não surgiu nos
primórdios do segundo século. Os apóstolos, como abordaremos, já haviam o
empregado, e há fortes razões para supor que o Senhor, ele próprio,
estabelecera tal precedente - uma realidade explicitamente reconhecida por
Justino.23 Nos tempos dos Pais Apostólicos e dos apologistas, esse princípio de
interpretação já era parte integrante da tradição da Igreja, uma tradição pela qual
a igreja, no âmbito humano, reconhecia sua dívida para com os apóstolos e
principalmente com as escrituras sagradas.
A norma doutrinária paralela (e secundária), ou seja, o testemunho dos
apóstolos, possuía igual significância na teoria e, naturalmente, uma importância
ainda maior na prática em comparação a pessoas fora do grupo apostólico. "Os
apóstolos", conforme expressou Clemente que "receberam por nós o evangelho
da parte do Senhor Jesus Cristo.... Portanto, armados de sua incumbência e
estando plenamente assegurados por intermédio da ressurreição de nosso
Senhor Jesus Cristo, confirmados na palavra de Deus com a plena convicção do
Espírito Santo, eles avançaram com as boas novas” 24

Ou seja, aqueles que receberam dos apóstolos ("receberam por nós o


evangelho") e confirmaram "na palavra de Deus" as doutrinas da tradição,
consideraram de alto valor, o que prova mais uma vez que a tradição era o meio
utilizado para falar de Cristo, entretanto, todavia, ele era utilizado para
testemunhar sobre Ele por ainda não ter neste tempo o Cânon universal, o que
não contradiz a sola scriptura visto que os mesmos procuravam se sustentar nos
próprios documentos bíblicos.
No tempo de Justino,25 a concepção de que a mensagem da igreja
repousava no testemunho de Cristo transmitido pelos apóstolos e nas instruções
que Ele lhes conferira antes e após Sua ressurreição havia sido elaborada de
maneira mais abrangente. Hermas 26 destacou que era através dos apóstolos que

22
6.9; 9.8; 10.10; 13.7.
23
1 apol 50.12
24
42.
25
E .g . ,1 apol 42.4; 50.10; 53.3; 67.7; dial 53.1
26
Sim . 9.17.1
55

o Filho de Deus era proclamado em todo o mundo. Portanto, não causa surpresa
encontrarmos Inácio,27 uma geração anterior, enfatizando a conformidade com
o Senhor e Seus apóstolos como um ideal; não importa que, inicialmente, ele
provavelmente tivesse em mente instruções de natureza ética.
Uma manifestação prática dessa postura era o notável interesse pelas
recordações pessoais dos apóstolos de Cristo. Papias,28 por exemplo, esforçou-
se ao máximo para obter o ensinamento exato de Jesus, consultando os
"anciãos". Outro indício desse enfoque era o elevado prestígio das epístolas
paulinas e dos evangelhos. Embora ainda não tivessem sido formalmente
canonizados, a frequência com que eram citados nesse período é reveladora.
Policarpo29, por exemplo, considerava a carta de Paulo aos filipenses como o
alicerce de sua fé; e para Justino,30 os evangelhos derivavam sua autoridade do
fato de serem as "memórias" (apomnêmoneumata) dos apóstolos. Justino31
também se baseava neles para explicar a necessidade do batismo e a maneira
de celebrar a eucaristia.
Outros dois pontos merecem destaque. Primeiramente, embora
formalmente separassem as Escrituras (ou seja, o Antigo Testamento) e o
testemunho apostólico, esses pais pareciam tratar o conteúdo de ambos como
praticamente coincidentes. O que os apóstolos testemunharam como
testemunhas oculares, os profetas já haviam predito em detalhes nas Escrituras.
Era suficiente buscar nas Escrituras para evidenciar que não havia um único
elemento na mensagem dos apóstolos que não tivesse sido previsto pelos
profetas.
Segundo o testemunho apostólico ainda não era referido como "tradição".
Embora Clemente32 tenha mencionado a "regra de nossa tradição", o termo
"paradosis" era raramente utilizado neste período. Justino 33 usou-o uma única
vez, apenas para se referir à tradição dos mestres judeus. O verbo relacionado,
"paradidonai", era mais comum, mas carecia de um significado específico.

27
E . g . , Eph \\.2 \Magn . 13.1; Trall 7.1
28
Cf. Eusébio, hist. eccl. 3.39.3s.
29
Phil. 3.2.
30
1 apol. 66.3; dial 103.8.
31
1 apol 61.9; 66.1-3.
32
7.2.
33
Dial 38.2.
56

Policarpo34 podia mencionar a "palavra transmitida desde o princípio", e


Justino falava dos apóstolos "apresentando" aos gentios as profecias sobre
Jesus35 ou "passando adiante" a instituição da eucaristia.36 No entanto, em geral,
o contexto não estava relacionado ao cristianismo; e quando estava, às vezes
fazia referência a Cristo em si e, ocasionalmente,37 até mesmo ao ensinamento
contido nas Escrituras. A verdade é que, embora a ideia estivesse presente de
forma incipiente, nenhum termo específico havia sido claramente estabelecido
para denotar a tradição, ou seja, a transmissão oficial da doutrina ou a doutrina
assim transmitida, que se colocasse acima das Escrituras.
Por outro prisma, Irineu pressupunha que a tradição apostólica também
foi depositada em registros escritos. De acordo com sua alegação, 38 o que os
apóstolos originalmente proclamavam, por meio da oratória, posteriormente, por
desígnio divino, foi transmitido por eles nas Escrituras.
Havia, sem dúvida, a complexidade inerente à possibilidade de os
hereges extraírem da Bíblia um significado divergente, contudo, Irineu
encontrava39 contentamento no fato de que, quando interpretada como um todo,
a doutrina da Bíblia resplandecia por si mesma. Aqueles hereges que a
interpretavam equivocadamente faziam-no porque negligenciavam sua
coerência intrínseca, fixando-se em passagens isoladas e reorganizando-as de
acordo com suas próprias concepções.40 As Sagradas Escrituras devem ser
interpretadas à luz de seu plano primordial, isto é, a revelação original em si.
Portanto, a exegese apropriada era uma prerrogativa da igreja, onde a tradição
e a doutrina apostólica eram preservadas de forma inalterada. A partir disto surge
a frase: a tradição é a lente da interpretação bíblica, mas a bíblia se mantém
acima do que poderia ser a tradição.
Dessa forma, Irineu não subordinava as Escrituras à tradição não-escrita,
apesar dessa inferência ser comumente sugerida. No entanto, essa conclusão
deriva de uma antítese que pode ser enganadora. Sua plausibilidade depende

34
Phil. 7.2
35
1 apol 49.5
36
Ibidem , 66.3
37
E. g., Justino, 1 apol 53.6; dial 42.1
38
Haer. 3.1.1
39
Ibidem , 2.27.2
40
Ibidem , 1.8.1; 1.9.1-4
57

de considerações, tais como: (a) na controvérsia com os gnósticos, a tradição,


em vez das Escrituras, parecia ser a última instância de apelação; e (b) ele
aparentemente dependia da tradição para discernir a verdadeira exegese das
Escrituras.
No entanto, uma análise minuciosa de seu trabalho "Adversus haereses"
revela que, embora o apelo dos gnósticos à sua suposta tradição secreta o tenha
levado a enfatizar a superioridade da tradição pública da igreja, sua verdadeira
defesa da ortodoxia estava ancorada nas Escrituras41. Além disso, em sua
perspectiva, a própria tradição era confirmada pelas Escrituras, que eram
consideradas "o alicerce e a coluna de nossa fé"42. Ademais, Irineu afirmava 43
que uma compreensão sólida do "cânon da verdade", recebida no batismo,
evitaria distorções na interpretação das Escrituras.
No entanto, esse "cânon", longe de ser algo distinto das Escrituras, era
simplesmente um resumo da mensagem nelas contida. Dada sua natureza
normativa, esse cânon proporcionava uma chave prática para a compreensão
das Escrituras, das quais os hereges se aproveitavam. O cerne do ensinamento
de Irineu residia no fato de que as Escrituras e a tradição não-escrita da igreja
eram idênticas em conteúdo, ambas servindo como veículos da revelação.
A posição de Tertuliano não difere substancialmente daquela de Irineu em
nenhum ponto crucial. É válido destacar que ele introduziu uma inovação ao
ampliar o conceito de "tradição" para abranger práticas que haviam sido
seguidas na igreja por várias gerações. Dentro desse âmbito, práticas como a
tríplice renúncia e a tríplice imersão no batismo, a distribuição da eucaristia antes
do amanhecer, a proibição de ajoelhar-se aos domingos e durante o período da
Páscoa até o dia de Pentecoste, e o uso do sinal da cruz poderiam ser descritas 44
como tradições.
Poderíamos até afirmar45 que uma tradição poderia entrar em conflito com
outra. Nesse sentido, Tertuliano nunca opôs a tradição às Escrituras. Pelo
contrário, ele acreditava que a tradição estava encapsulada nas Escrituras, uma

41
Cf. ibidem, 2.35.4; 3.praef.; 3.2.1; 3.5.1; 4.praef.l; 5.praef
42
Ibidem, 3.praef.; 3.1.1.
43
Ibidem, 1.9.4.
44
De cor. 3s
45
De virg. vel. 2.
58

vez que os apóstolos registraram sua pregação oral nas epístolas.46 Portanto, as
Escrituras detinham uma autoridade absoluta; tudo o que ensinavam era
necessariamente verdadeiro,47 e aquele que aceitasse doutrinas que não
estivessem presentes nelas estava sujeito à desgraça.48
Tertuliano considerava que essa tradição não-escrita era essencialmente
equivalente à "regra de fé" (regula fidei) e a preferia como padrão em suas
contendas com os gnósticos. Vale ressaltar que, ao mencionar a "regra de fé",
ele não se referia a um credo formal, como alguns eruditos podem imaginar, mas
sim ao formato e ao padrão inerentes à própria revelação. Suas citações 49 da
regula demonstram que, quando expressa em sua totalidade, ela delineava
claramente as verdades essenciais sobre Deus Pai, Jesus Cristo e o Espírito
Santo. Portanto, para Tertuliano, a regula desempenhava um papel semelhante
ao que "o cânon da verdade" era para Irineu, embora ele tenha dado um maior
destaque a esse conceito. Tertuliano afirmava explicitamente 50 que a regra havia
sido transmitida por Cristo através dos apóstolos e insinuava que ela podia ser
usada como critério para determinar se alguém era verdadeiramente cristão. 51
Além disso, a regula indicava o caminho para uma interpretação correta
das Escrituras. Semelhante a Irineu, Tertuliano estava convicto 52 de que as
Escrituras eram harmoniosas em todas as suas partes, e seu significado deveria
ser claro quando lidas como um todo.

6.1.1 O TERCEIRO E QUARTO SÉCULO

É praticamente dispensável enfatizar a autoridade absoluta atribuída às


Escrituras como norma doutrinária. Por volta de 200 d.C., Clemente de
Alexandria afirmou53 que a Bíblia, quando interpretada pela igreja, constituía a
fonte do ensino cristão. Seu notável discípulo, Orígenes, era um biblicista

46
De praescr. 21.
47
De carn e Chr. 3; adv. Prax. 29.
48
Adv . Hermog. 22; de carne Chr. 6.
49
Cf. de praescr. 13; de virg. vel 1; adv. Prax. 2.
50
Apol 47.10.
51
De praescr. 37.
52
E . g., ibidem , 9s; de resurr. 21; adv. Prax. 26.
53
Strom. 7.16.93.
59

fervoroso que recorria repetidamente às Escrituras54 como o critério decisivo


para estabelecer o dogma. Ele afirmava 55 que a igreja baseava seu material
catequético nos profetas, nos evangelhos e nos escritos dos apóstolos. Além
disso, considerava que a fé da igreja era fundamentada nas Sagradas
Escrituras,56 apoiada pela razão.
Cerca de um século depois, Atanásio escreveu que "as Escrituras santas
57
e inspiradas eram completamente suficientes para proclamar a verdade." Na
mesma época, Cirilo de Jerusalém argumentava que "nos mistérios divinos e
salvíficos da fé, nenhuma doutrina, por mais comum que seja, pode ser ensinada
sem o respaldo das divinas Escrituras." 58 Mais tarde, João Crisóstomo exortou 59
sua congregação a não buscar nenhum outro ensinamento além dos oráculos
de Deus, pois tudo o que era necessário podia ser extraído de forma direta e
clara da Bíblia. No Ocidente, Agostinho declarou60 que "no ensino claro das
Escrituras, encontramos tudo o que diz respeito à nossa fé e conduta moral."
Posteriormente, Vicente de Lérins, por volta de 450 d.C., aceitou como axioma
que o cânon das Escrituras era "suficiente, e mais do que suficiente, para todos
os propósitos."61

6.2 A IGREJA CATÓLICA NOS DEU A BÍBLIA?

Um dos grandes princípios da reforma protestante é o princípio da Sola


Scriptura - a bíblia é a única regra de fé e prática. A Sola Scriptura surgiu como
um Contraponto à doutrina Católica Romana de que a nossa fé tem que ser
depositada tanto na escritura quanto no magistério da igreja e em suas
interpretações.

54
E . g .,de princ. l.praef.10; 1.5.4; 2.5.3.
55
C. Cels. 3.15.
56
De princ. 3.6.6.
57
C. gent. 1: cf. de syn. 6.
58
Cat. 4.17.
59
In CoL. hom . 9.1; in 2 Thess. hom . 3.4 (PG 62,361; 485).
60
De doct. christ. 2.14.
61
Common. 2
60

O que será que as escrituras falam sobre isso? Será que a igreja católica
nos deu a bíblia ou escolheu o Cânon bíblico? É isso que abordarei neste
capítulo.
O grande debate sobre a doutrina do Sola Scriptura passa por uma
questão muito simples: os evangélicos vão dizer que a escritura possui
autoridade por si só, o texto bíblico deste modo é autoritativo. Cremos então, que
ninguém precisou dá autoridade às escrituras, e sim que a escritura já tem
autoridade por ser a revelação de Deus
Para os católicos romanos não é bem assim: ensina-se que os católicos
escolheram e definiram as escrituras e nesse processo criaram o Cânon do Novo
Testamento. É comum ouvir muitos católicos dizendo que foi a igreja que nos
deu a bíblia e que a igreja nos entregou o Cânon do Novo Testamento, logo a
conclusão é que nós, evangélicos - protestantes, somos ingratos. Isso porque
nós usamos as escrituras que supostamente veio do magistério da igreja
católica.
Esse tipo de percepção católica romana acaba passando por cima dos
escritos do Novo Testamento e os escritos pós apostólicos (Pais da igreja, por
exemplo) de como se interpretava as escrituras. Nisso, a igreja católica deveria
então, receber todo o mérito de ter inventado, criado e/ou definido o que é o
Cânon do Novo Testamento.
O problema é que já no Novo Testamento os apóstolos entendiam que
eles estavam escrevendo o que seria a palavra de Deus, isso surge tanto a partir
daquilo que eles escreviam quanto do próprio contexto das escrituras, e aquilo
que o Antigo Testamento tinha, lança luz no Novo Testamento.
No livro "A Heresia da Ortodoxia" 62 escrito por Andreas Köstenberger fala
muito bem sobre a formação do Cânon, talvez seja um dos melhores disponíveis
em português.
No livro ele possui três capítulos explicando como se tinha a esperança
de uma nova escritura, de novos escritos, ele tem uma série de argumentos, mas
um que achei interessante:

62
A Heresia da Ortodoxia
61

1- Toda aliança cobra um contrato escrito dessa aliança.

Nós sabemos que no AT Deus fazia alianças com seu povo e que talvez
a aliança seja uma das grandes estruturas bíblicas tanto no AT quanto no NT.
Nós temos a Antiga Aliança do pacto de Deus com Moisés e Cristo trás a Nova
Aliança, os judeus sabiam que toda aliança feita era uma aliança que cobrava a
escrituração.
Os termos também eram definidos de forma escrita, você pode imaginar
por exemplo no decálogo nos dez mandamentos ou mesmo em todo livro de
Deuteronômio como textos da aliança. Todo o AT representa o registro da
aliança de Deus com o homem, se há uma nova aliança, se há um novo pacto,
isso significa que haveria uma nova escritura, que haveria uma adição neste
texto escrito no pacto entre Deus e o homem.
Alguns teóricos vão dizer que não existe nada que cobrasse a existência
do NT, porém, os autores vão argumentar que a nova aliança precisaria
necessariamente de uma nova escritura, mas não só isso, as obras de redenção
no AT também eram obras que estavam atreladas a registro histórico, registro
inspirado por Deus através da redenção. Toda a história dos judeus e aquilo que
Deus estava fazendo no mundo foi registrado justamente pelo seu poder e pelo
seu impacto em transformar aqueles judeus que estavam relacionados com
aquilo, se há uma redenção que se manifesta em Cristo Jesus, é de se esperar
que a vinda do Messias também traga novo registro bíblico sobre a sua obra e a
sua história. Se a sombra do AT se tornou um registro da palavra de Deus, a
nova aliança concreta em Cristo também cobraria uma nova escritura. Se o tipo
tinha um registro bíblico, o anti-tipo também deveria ter um registro. Se a profecia
era registrada como palavra de Deus, o cumprimento da profecia também
deveria ser registrado como palavra de Deus
A tese de Andreas Köstenberger é que havia uma expectativa de uma
nova escritura nesse processo de construção daquilo que Deus estava fazendo
no mundo. Será que os apóstolos concordavam com isso?
Quando lemos o NT percebemos que quando os apóstolos escreveram,
eles estavam cientes que eles estavam escrevendo o que seria a palavra de
Deus e não simplesmente cartas comuns, eles sabiam que aquilo que estava
sendo escrito e que todo esse corpo, todo esse cervo de textos apostólicos era
62

tanto palavra de Deus quanto a escritura e o AT. Isso significa que eles tinham
uma expectativa de que aquilo que estava sendo escrito seria também recebido
como um texto autoritativo sobre a igreja e sobre o povo de Deus.
Em 2° Pedro 3:16 você encontrará Pedro tratando os escritos de Paulo
como escrituras, assim como no AT, em peso e em autoridade, ele diz:

"[...] a exemplo do que faz em todas as suas cartas, (...)


que os ignorantes e inconstantes distorcem, como fazem
também com as demais Escrituras, para a sua própria
destruição." (2° Pedro 3:16)

Para Pedro, aquilo que Paulo dizia estava adicionado ao corpo


escriturístico que antes era restrito ao AT e que agora recebem adição a aquilo
que os apóstolos estavam escrevendo. Para Pedro, Paulo escrevia a palavra de
Deus. Para Pedro, Paulo estava escrevendo algo que deveria ser tratado como
escritura e que deveria ser adicionado ao cânon do AT como uma coisa nova.
Já existia a expectativa de que aquilo que eles escreviam era a palavra
de Deus, e Pedro compartilha essa expectativa a respeito do que Paulo escrevia:
aquilo é escritura.
Paulo faz a mesma coisa quando escreve a Timóteo com referência aos
Evangelhos, 1° Timóteo 5:17-18 Paulo está argumentando sobre salário pastoral
e a dupla honra que os ministros deveriam receber, ele diz:

"Os presbíteros que governam bem devem ser dignos de


honra em dobro, principalmente os que trabalham na
pregação e no ensino. Porque a escritura diz: Não
amarres a boca do boi quando ele estiver debulhando (isso
é uma citação a Deuteronômio 25:4, é o que esperamos
quando ele cita o AT); e: O trabalhador é digno do seu
salário." (1° Timóteo 5:17-18)

A primeira citação sabemos que está no AT no livro de Deuteronômio,


mas e a segunda ("O trabalhador é digno do seu salário")? Em que parte do AT
isso aqui está registrado? Em que parte da escritura judaica encontramos essa
63

citação? Simples, nenhum lugar do AT contém essa citação, essa citação é de


Lucas 10:7: "Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que tiverem; pois o
trabalhador é digno do seu salário. Não andeis de casa em casa." Paulo está
citando Lucas como escritura, tanto Pedro quanto Paulo interpretavam aquele
corpo de escritos que estavam sendo registrados naquele momento como
escritura, eles entendiam que estavam fazendo uma adição ao cânon. Era da
expectativa de Pedro, era da expectativa de Paulo que aquelas coisas que
estavam sendo produzidas fossem recebidas também como palavra de Deus.
A ideia de fazer uma bíblia, de um acervo, de uma coletânea de textos
apostólicos não foi invenção posterior da igreja, era uma expectativa que os
próprios Apóstolos tinham sobre aquilo que eles escreviam. A igreja não inventou
a ideia do Cânon da escritura, os apóstolos já sabiam o que estavam fazendo
quando escreviam suas cartas. O próprio Jesus já havia conferido aos Apóstolos
a autoridade de falar em Seu nome, de ensinar em Seu nome. Se você lê João
capítulo 14,15 e 16, você vai perceber que os Apóstolos, por meio do espírito
santo, falavam coisas que nem mesmo Cristo tinha falado.
Se você olhar para Paulo vai perceber que o mesmo disse coisas que
Jesus não disse, mas ali é Jesus falando através de Paulo, porque Jesus disse
que faria isso, ele disse que o Espírito Santo ensinaria todas as coisas e os faria
lembrar de todas as coisas que Cristo tinha dito (Jo 14:26), os guiaria a toda
verdade, ensinaria coisas novas que elas ainda não podiam aprender
diretamente do próprio Cristo
(Jo 16:12-13).
É por isso que Paulo na carta aos Gálatas vai falar sobre o evangelho que
recebeu:

"Mas, irmãos, quero que saibais que o evangelho por mim


anunciado não se baseia nos homens; porque não o recebi
de homem algum nem me foi ensinado, mas o recebi por
uma revelação de Jesus Cristo." (GL 1:11).

O evangelho que Paulo recebeu, foi o evangelho que o próprio entendeu


que foi transmitido por revelação do próprio Cristo Jesus. Paulo entendia que
64

aquilo que ele fazia era transmitir o evangelho recebido por revelação do próprio
Cristo Jesus e com isso ele transmitia o evangelho para o povo de Deus.
Por isso que em 2° Pedro 3:2, Pedro pode falar com muita segurança que
o mandamento do Senhor e Salvador foi ensinado pelos vossos Apóstolos, os
apóstolos ensinavam esse mandamento com autoridade de palavra de Deus,
com autoridade do próprio Cristo falando por meio deles.
Em 1° Coríntios Paulo diz:

"Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça


que as coisas que vos escrevo são mandamentos do
Senhor." (1 Co 14:37)

O próprio senhor trazia esses mandamentos por meio do apóstolo Paulo,


em 1° Coríntios 2:13 ele diz que não ensinava por meio da palavra ou sabedoria
humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito Santo. Em 2° Coríntios 13:3
ele fala algo muito forte: "Cristo fala por meu intermédio". Paulo tinha plena
convicção que Cristo falava através dele e que porque Cristo falava através dele,
aquilo que ele dizia era a palavra de Deus e aquilo que ele dizia deveria ser
adicionado ao Cânon da escritura.
Em 1° Tessalonicenses 2:13 eles louvam a Deus porque não tinham
recebido a palavra como palavra de homens, mas como aquilo que é: palavra de
Deus. Ele entendia que era palavra de Deus aquilo que ele transmitia.
Em hebreus 2:2-4 o autor vai dizer que é impossível escapar da condenação se
nós negligenciarmos tão grande Salvação que começou a ser anunciada pelo
Senhor e que depois foi confirmada por aqueles que ouviram. O autor de
hebreus entende que a mensagem da salvação começou a ser transmitida por
Jesus e continuou a ser transmitida por aqueles que ouviram a mensagem de
Deus, essa mensagem de salvação é literalmente ligada ao corpo apostólico.
Por isso Jesus diz em Lucas 10:16: "Quem vos ouve, ouve a mim; e quem
vos rejeita, rejeita a mim; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou". Os
Apóstolos falam da parte de Cristo, eles falam mandamento do Senhor, aquilo
que eles dizem não é apenas um ensino de um pastor comum, não é uma carta
que um pastor escreve pra outro pastor, não é um texto de Lutero ou Calvino,
aquilo que eles escrevem era completamente a continuação da palavra de Deus
65

com peso e autoridade igual a do Antigo Testamento, e isso não é algo que foi
definido posteriormente pela igreja, isso é algo que já era expectativa dos
próprios Apóstolos sobre aquilo que eles escreviam, tanto que os apóstolos
cobram que suas cartas fizessem parte da leitura pública dos cultos, isso parte
do contexto de culto judaico onde tinham o costume da leitura pública da torá, lê
publicamente o livro da lei, Paulo ordena que suas cartas fizessem parte da
leitura do culto. Ele diz:

"Eu vos suplico pelo Senhor que está carta seja lida a todos
os irmãos". (1 Te 5:27)

Em 2° Coríntios 10:9 Paulo deixa entender que a carta seria lida a todos
os irmãos no contexto de culto:

"Depois de lida entre vós, fazei com que esta carta também
seja lida na igreja dos laodicenses; e procurai ler também
a carta de Laodiceia." (Cl 5:16)

Isso não acontece só com as cartas de Paulo, acontece também com


Apocalipse, que também seria lido nas igrejas como as escrituras judaicas:

"Bem aventurados os que lêem e também os que ouvem


as palavras desta profecia e guardam as coisas que nela
estão escritas, porque o tempo está próximo. (Ap 1:3)

Agora vamos contextualizar: após a morte dos apóstolos, o que a igreja


faz é unir e catalogar esses textos. O interesse da igreja não é outro senão,
encontrar aqueles textos que já são incumbidos de autoridade, o esforço não foi
por conferir autoridade ao texto, não foi de dá autoridade, ou fazer o texto
poderoso ou algo assim, mas simplesmente encontrar os textos que já eram
autoritativos, que já eram palavra de Deus, que já deveria ser adicionado ao
Cânon.
66

A igreja primitiva então, procurou esses textos ligados as pessoas do


corpo Apostólico, a igreja não deu autoridade, eles procuraram textos que já
tinham autoridade.
A linguagem dos pais da igreja fala sobre um Cânon que foi entregue, e
não um Cânon que foi definido.
Irineu de Lyon escreveu criticando o herege Marcião e seus seguidores
63
por "não reconhecerem" [no cognoscentes] alguns livros do Novo Testamento
e outros por "confessarem" as escrituras e ainda assim pervertê-las com falsas
interpretações. 64
Ele fala de abandonar a revelação do evangelho de João em termos de
"repelir" o livro bíblico e seu espírito profético. 65
Os escritos já tinham autoridade, o que a igreja fez foi encontrá-los, isso
derruba por terra toda falácia Romana de que a igreja católica deu o Cânon, na
verdade o Cânon foi montado a partir de livros que já tinham autoridade, sem
necessitar da igreja para tal

63
Contra as Heresias, 3.12.12
64
Contra as Heresias, 3.12.12
65
Contra as Heresias, 3.11.9
67

CAPÍTULO 7 –
EXTRA ECCLESIA NULA SALUS

A expressão "Extra Ecclesiam nulla salus" é uma frase latina que pode ser
traduzida como "Fora da Igreja não há salvação". Essa expressão tem raízes na
doutrina da Igreja Católica e representa uma crença importante dentro do
cristianismo.
A ideia por trás dessa frase é que a Igreja Católica é vista como o único
caminho para a salvação eterna e, portanto, qualquer pessoa que deseje
alcançar a salvação deve ser membro da Igreja Católica. Historicamente, essa
crença esteve associada ao conceito de exclusivismo religioso, que sustenta que
apenas aqueles que seguem a fé católica podem ser salvos.
O erro de ser uma igreja exclusivista é um tópico de grande relevância e
controvérsia no contexto religioso e espiritual. Para entender essa questão
profundamente, é necessário analisar as implicações de uma abordagem
exclusivista, suas causas, consequências e alternativas mais inclusivas.
Uma igreja exclusivista é aquela que acredita ser a única detentora da
verdade religiosa ou espiritual, reivindicando que apenas seus membros estão
no caminho certo para a salvação ou para uma conexão genuína com o divino.
Esse tipo de mentalidade pode ser problemático por várias razões:

1. Intolerância Religiosa: O exclusivismo religioso muitas vezes leva à


intolerância em relação a outras crenças e práticas espirituais. Isso pode
resultar em conflitos religiosos, discriminação e até mesmo violência,
como evidenciado ao longo da história.

2. Arrogância Espiritual: A atitude exclusivista muitas vezes é


acompanhada de uma arrogância espiritual, na qual os membros da igreja
se consideram superiores aos outros, o que pode prejudicar a humildade
e a compaixão necessárias para o crescimento espiritual genuíno.

3. Estagnação Teológica: Uma igreja exclusivista tende a ser menos aberta


a interpretações verdadeiras e insights religiosos. Isso pode resultar em
68

uma estagnação teológica, impedindo o progresso na compreensão da


espiritualidade e da fé. Até porque, uma mentira contada 1 milhão de
vezes não se torna verdade, e muitas vezes, tal doutrina tem que ser
concertada.

4. Exclusão Social: O exclusivismo religioso pode levar à exclusão social


de pessoas que não compartilham as crenças da igreja. Isso pode causar
divisões familiares, alienação e marginalização de grupos inteiros de
pessoas.

5. Perda de Perspectiva Universal: A visão exclusivista muitas vezes


perde de vista a ideia de que a espiritualidade é uma busca universal, e
que diferentes tradições religiosas podem ser caminhos legítimos para a
busca de significado e conexão com o divino.

Entretanto, é importante notar que nem todas as igrejas ou religiões que


se consideram exclusivistas são necessariamente prejudiciais ou intolerantes.
Alguns podem adotar uma abordagem mais inclusiva em relação às outras
crenças, promovendo a convivência pacífica e o respeito mútuo. Que não é o
caso da igreja católica romana.
Por acreditar erroneamente que são a única igreja de Cristo, por acreditar
numa falsa sucessão apostólica, algo que já foi refutado nos capítulos anteriores,
o catolicismo propaga que somente dentro de suas muralhas é que existe
salvação.
Eles não entendem que a salvação está somente em Cristo, muitas vezes
por acreditar que a igreja católica, e somente ela, é o corpo místico de Cristo.
Me parece muito que o catolicismo quer costurar o véu que se rasgou no templo
no dia da morte de Jesus Cristo na cruz.
O corpo espiritual de Cristo são os corpos das pessoas e a igreja, é o
conjunto desses corpos reunidos para um culto. Jesus afirmou em João 2.19
“Destruí este templo, e, em três dias, Eu o reconstruirei”. Os judeus não
entenderam nada.
69

Na verdade, Jesus disse que aquele templo de pedra deixaria de ser o


templo de Deus, e que na sua morte e ressureição ao 3º dia, um novo templo
estaria erguido, isto é, o nosso próprio corpo.
E como sabemos disso? Com base nas declarações do apóstolo Paulo
em 1 Coríntios 6:19: “Acaso não sabem que o corpo de vocês é santuário do
Espírito Santo que habita em vocês, que lhes foi dado por Deus, e que vocês
não são de vocês mesmos?”
Paulo também afirma em 1 Coríntios 3:17 acerca dos pecados sexuais:
“Se alguma pessoa destruir o santuário de Deus, este o destruirá; pois o
santuário de Deus, que sois vós, é sagrado. A sabedoria humana é loucura “.
Para encerrar, Jesus também afirmou no livro de Mateus 18.20 o seguinte:
“Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no
meio deles”. Perceba que todo ajuntamento de pessoas que professam o nome
de Cristo é uma IGREJA. Não se pode falar que tal instituição feita por homens
é a “verdadeira igreja de Cristo”. Pois Paulo mesmo afirma em Atos 7:48:
“Todavia, o Altíssimo não habita em casas feitas por mãos humanas”.
70

CAPÍTULO 8 – CONFISSÃO AURICULAR

A confissão auricular, também conhecida simplesmente como confissão,


é um sacramento da Igreja Católica Romana em que um indivíduo confessa seus
pecados a um sacerdote. Este sacramento faz parte do processo de
reconciliação e perdão dos pecados na tradição católica.
A confissão auricular envolve o seguinte processo:

1. Exame de Consciência: Antes da confissão, o indivíduo deve refletir sobre


seus atos e pecados, examinando a própria consciência para identificar
os pecados cometidos desde a última confissão.

2. Confissão: O penitente (a pessoa que vai confessar) entra em um local


reservado (um confessionário) ou fala diretamente com o sacerdote, que
está lá para ouvir a confissão.

3. Revelação dos Pecados: O penitente confessa seus pecados ao


sacerdote. Tradicionalmente, os católicos acreditam que o sacerdote age
como um intermediário entre o penitente e Deus e tem o poder de absolver
os pecados em nome de Deus.

4. Arrependimento e Contrição: O penitente deve demonstrar


arrependimento sincero pelos pecados cometidos e um desejo genuíno
de emendar sua vida.

5. Aconselhamento e Penitência: O sacerdote pode oferecer orientação


espiritual e aconselhamento ao penitente. Em seguida, ele atribui uma
penitência, que pode incluir orações a serem rezadas ou ações
específicas a serem realizadas como um ato de reparação pelos pecados.

6. Absolvição: O sacerdote, em nome de Deus e da Igreja, concede a


absolvição dos pecados ao penitente. Isso significa que os pecados
confessados são perdoados.
71

7. Cumprimento da Penitência: O penitente é responsável por cumprir a


penitência atribuída pelo sacerdote.

A confissão auricular é vista como um meio de receber o perdão divino e


a reconciliação com Deus e a comunidade cristã. Muitos católicos praticam a
confissão regularmente, especialmente durante a Quaresma e outros momentos
importantes do calendário litúrgico.
Existem inúmeros problemas com a confissão auricular, pois as escrituras
são claras em dizer que devemos nos confessar, buscando perdão dos nossos
pecados, somente para Deus.

“Agora confessem ao Senhor, o Deus dos seus


antepassados, e façam a vontade dele” (Esdras 10:11)

“Confessei-te o meu pecado, e a minha maldade não


encobri. Dizia eu: Confessarei ao Senhor as minhas
transgressões; e tu perdoaste a maldade do meu
pecado" (Salmos 32:5)

Agora João diz:

Se confessarmos os nossos pecados diante de Deus, “ele


é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar
de toda a injustiça” (1Jo.1:1:9).

Na esperança de validar a confissão auricular, os católicos costumam


usar o texto de Tiago 5:16 que diz:

“Portanto, confessem os seus pecados uns aos outrose


orem uns pelos outros para serem curados. A oração de
um justo é poderosa e eficaz” (Tiago 5:16)
72

O texto diz claramente para “confessarmos uns aos outros” e não para um
sacerdote em específico. Todavia, o ato de confessar no texto, refere-se a ajuda
espiritual que cada um pode proporcionar para o seu próximo, visando ajuda-lo
a vencer o pecado, não que o confessionário dá poder para os irmãos perdoar
pecados cometidos contra Deus.

“Se vocês perdoam a alguém, eu também perdôo; e


aquilo que perdoei, se é que havia alguma coisa para
perdoar, perdoei na presença de Cristo, por amor a vocês,
a fim de que Satanás não tivesse vantagem sobre nós; pois
não ignoramos as suas intenções” (2ª Coríntios 2:10-11)

Ele não disse: “se o sacerdote perdoou, eu também perdôo”, mas sim:
“se vocês perdoaram, eu também perdôo”. Há uma diferença enorme entre uma
coisa em outra.
Jesus nunca pediu indulgências a alguém quando perdoou pecados. O
que ele sempre dizia era: “vá, e não peques mais” (Jo.8:11), e não: “vá, reze 25
Ave-Marias e o rosário, e então estará perdoada”!

“E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o


levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão
perdoados” (Tiago 5:15)

Aqui claramente quem cura e perdoa é Deus, e a única condição exposta


para isso é a oração de fé. Jesus também disse:

“E ele lhe disse: Filha, a tua fé te salvou; vai em paz, e sê


curada deste teu mal"(Marcos 5:34)

Ora, o que “salvou” a mulher não foi o pagamento de penitência após a


confissão, mas sim a sua fé.
Pois como diz o autor de Hebreus “não temos um sumo sacerdote que
não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em
tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb.4:15).
73

O único pecado que um irmão cristão tem o poder de perdoar, são os


pecados cometidos contra a pessoa dele. Exemplo: suponhamos que um irmão
ofendeu a dignidade de um outro irmão cristão, este pecou contra esse irmão
ofendido. Acerca disso, a bíblia diz o seguinte:

Mateus 5:23-24:
Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares
de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante
do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu
irmão, e depois vem, e apresenta a tua oferta.

A mesma coisa observamos na parábola do credor incompassivo, em


Mateus 18:

23
Por isso, o Reino dos céus pode comparar-se a um certo
rei que quis fazer contas com os seus servos;

24
e, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um
que lhe devia dez mil talentos.

25
E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou
que ele, e sua mulher, e seus filhos fossem vendidos, com
tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse.

26
Então, aquele servo, prostrando-se, o reverenciava,
dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te
pagarei. 27 Então, o senhor daquele servo, movido de
íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.

28
Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus
conservos que lhe devia cem dinheiros e, lançando mão
dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves.
74

29
Então, o seu companheiro, prostrando-se a seus pés,
rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te
pagarei.
30
Ele, porém, não quis; antes, foi encerrá-lo na prisão, até
que pagasse a dívida.

31
Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia,
contristaram-se muito e foram declarar ao seu senhor tudo
o que se passara.

32
Então, o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-
lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque
me suplicaste.

33
Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu
companheiro, como eu também tive misericórdia de ti?

34
E, indignado, o seu senhor o entregou aos
atormentadores, até que pagasse tudo o que
devia. 35 Assim vos fará também meu Pai celestial, se do
coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas
ofensas.

A conclusão que temos é que somente o pecado que cometemos contra


o próximo, o próximo pode perdoar, e nisso, Deus também perdoa. Os pecados
que cometemos contra Deus, só Deus pode perdoar, como por exemplo os
pecados sexuais, a bruxaria, a idolatria e etc.
75

CAPÍTULO 9 – LUTERO E CALVINO ERAM DEVOTOS DE MARIA?

9.1 LUTERO

Já começamos o capítulo com a fala de um historiador da igreja católica


romana:

"É uma tarefa difícil tentar uma interpretação válida e


abrangente até mesmo dos elementos mais básicos do
pensamento de Lutero no âmbito de um artigo. Ninguém
mais como Lutero é fácil de ser esboçado distorcidamente,
fato que encontrou formulação em uma declaração
conhecida de Heinrich Boehmer: "Existem tantos Luteros,
uma vez que existem livros sobre Lutero." - Joseph Lortz66

De fato, o mundo teológico está repleto de figuras comparáveis a Martinho


Lutero. Uma breve pesquisa sobre Martinho Lutero na internet revela que as
controvérsias envolvendo Lutero ainda são comuns, com diversos grupos
retratando-o como um personagem vilão com base em seus escritos. No entanto,
o cerne do pensamento de Lutero frequentemente é negligenciado, resultando
em distorções da figura do homem, de sua teologia e de seu impacto na
sociedade após a Reforma.
Os esboços relativos a Martinho Lutero, analisados a partir de uma
perspectiva católica romana, engendram um rico leque de representações.
Alguns desses enfoques persistem em retratar Lutero de maneira análoga ao
que o erudito Johannes Cochlaeus fez há quinhentos anos, descrevendo-o como
"filho do diabo... um prevaricador e hipócrita, acovardado e combativo"67. Em
contraposição, outras abordagens delineiam uma representação mais
consonante com o âmago da tradição católica, destacando uma faceta que
alegadamente os protestantes contemporâneos ocultam, a fim de preservar

66
Joseph Lortz, The Basic Elements of Luther’s Intellectual Style,” in Catholic Scholars Dialogue with
Luther, ed. Jared Wicks (Chicago: Loyola University Press, 1970), 3
67
Joseph Lortz, A Reforma na Alemanha, trans. Ronald Paredes (London: Darton, Longman & Todd,
1968), 1: 296. Lortz não dá a referência à sua cotação de Cochlaeus.
76

certa hostilidade doutrinária em relação a Roma. Este fenômeno se faz


particularmente evidente quando se analisa a teologia de Lutero a respeito de
Maria. Um observador católico romano o retrata como um devoto da Virgem:

"Lutero de fato foi muito devoto de Nossa Senhora, e


manteve a maior parte das doutrinas tradicionais marianas
que se realizaram em seguida, e agora pela Igreja Católica.
Isso geralmente não é bem documentado em biografias
protestantes de Lutero e histórias do século 16, mas, é
inegavelmente verdade. Parece ser uma tendência
humana natural para os seguidores dos últimos dias em
projetar de volta para o fundador de um movimento os seus
pontos de vista predominantes. Desde o luteranismo que
hoje não possui uma Mariologia muito robusto, é
geralmente assumido que o próprio Lutero teve opiniões
semelhantes. Veremos, ao consultar as fontes primárias
(ou seja, os próprios escritos de Lutero), que os fatos
históricos são muito diferentes."68

O autor Dave Armstrong apresenta uma análise de Martinho Lutero que


sustenta a compatibilidade entre algumas doutrinas marianas e os princípios da
Reforma Protestante. Ele destaca que Lutero, em seus escritos, utilizou o termo
"Mãe de Deus" com reverência. Além disso, Armstrong argumenta que Lutero
acreditava na virgindade perpétua de Maria, em sua Imaculada Conceição e em
sua "maternidade espiritual" em relação a todos os cristãos. Com base nos
escritos de Lutero, o apologista católico afirma que o reformador permitia a
prática de orações a Maria, desde que fossem feitas com "fé sincera". Essa
perspectiva de Armstrong destaca uma faceta de Lutero que se alinha com a
teologia católica romana em relação a Maria.
Ao examinar citações selecionadas de Martinho Lutero, é evidente que o
protestantismo, que se baseia nos princípios da Sola Scriptura e Sola Fide,

68
Dave Armstrong, Os reformadores protestantes sobre Maria, available from:
http://ic.net/~erasmus/RAZ95.HTM; Internet; accessed 20 November 2002. This document is included
in Appendix 1..
77

parece ter se afastado da ênfase na veneração de Maria. Este estudo breve se


propõe a analisar a teologia de Lutero em relação a Maria. Será demonstrado
que, embora Lutero tenha inicialmente desenvolvido uma Mariologia, ao longo
do tempo, elementos dessa teologia mariana foram rejeitados, minimizados ou
reinterpretados à medida que ele aprofundava seu compromisso com o Solus
Christus.
É importante ressaltar que qualquer representação que busque equiparar
a devoção de Lutero a Maria com a do catolicismo romano é uma simplificação
distorcida. A evolução da teologia de Lutero demonstra uma mudança em seu
enfoque à medida que ele se concentrou cada vez mais na centralidade de
Cristo. Portanto, a compreensão da Mariologia de Lutero exige uma análise mais
detalhada e contextualizada de sua obra e de suas transformações teológicas
ao longo do tempo.
O jovem Martinho Lutero cresceu em meio a um contexto religioso
permeado por uma multiplicidade de santos e superstições. Todos esses
elementos coexistiam em um amplo esquema destinado a mitigar os desafios da
vida na era medieval, bem como a apaziguar um Deus visto como severo e
observador constante de todas as ações. Para muitos, a obtenção da salvação
eterna talvez parecesse uma questão de sorte, enquanto a maioria esperava
enfrentar as dificuldades da vida medieval, que se estendiam até o Purgatório ou
além. Era uma época caracterizada pela "sobrevivência do mais apto", em que
a religiosidade demandava a invocação de santos para auxílio na jornada árdua
da vida. O jovem Martinho Lutero participava fervorosamente dos cultos de
santidade, recorrendo a três santos em cada Missa e, com o tempo, chegou a
selecionar um conjunto de vinte e um santos para essa prática, que se repetia
ao longo de cada semana. [Essa era a rotina habitual].69
Em biografias populares de Martinho Lutero, destaca-se a sua devoção
juvenil a Santa Ana, que era a padroeira dos mineiros. Foi a ela que o jovem
Lutero recorreu em busca de conforto quando foi assombrado pelo terror durante
uma tempestade severa.

69
Martin Luther, D. Martin Luthers Tischreden 1531 - 1546, IV No.4422, citado em Robert Herndon Fife.
A revolta de Martinho Lutero (New York: Columbia University Press, 1957), 122.
78

Essa experiência foi determinante para sua decisão de ingressar no


mosteiro agostiniano local. Lutero recorda essa época afirmando que "Santa Ana
era meu ídolo"70, evidenciando a intensidade de sua devoção fanática a ela.
O mundo do jovem Lutero testemunhou uma rápida proliferação de
irmandades de leigos dedicadas ao culto de santos específicos, e Santa Ana
ganhou considerável popularidade nesse contexto. No final do século XV, Santa
Ana, como "santa", ascendeu em destaque, em parte devido ao apoio de uma
ordem de franciscanos que se tornaram defensores fervorosos da doutrina da
Imaculada Conceição da Virgem Maria. Lutero relembra que a veneração a
Santa Ana rivalizava, e por vezes até superava, a devoção demonstrada à
própria Virgem Maria.71
De fato, mesmo com o aumento do número de seguidores de Santa Ana
na Europa medieval, a Virgem Maria ocupava uma posição preeminente como
poder espiritual. Maria era objeto da mais elevada veneração. Como explicou o
historiador Joseph Lortz:

"Tudo foi dedicado a ela e levou seu nome -. Lugares,


igrejas, altares, meninas. O costume generalizado de
cantar a Salve Regina no sábado à noite surgiu como um
meio de enaltecer sua fama. A alma devota do povo foi ao
máximo expressa em fervorosos hinos a Maria e lendas
sobre ela, assim como no incontável número de pinturas e
esculturas da Madonna, algumas delas muito bonitas.
Muitas confrarias foram formadas em sua honra, e muitas
doações feitas. Em todo esse período, o elogio nunca foi
silencioso."72

Embora a ênfase em Santa Ana seja geralmente evidente na história de


Lutero, o impacto de Maria sobre o jovem Lutero frequentemente passa

70
Martin Luther, "Sermão de 22 de Dezembro, 1532," WA XXXVI, 388, citado em Robert Herndon Fife. A
revolta de Martinho Lutero, 122.
71
Martin Luther, D.Martin Luthers Werke: Kritische Gesamtausgabe, Abteilung Werke, I, 415, citado em
Robert Herndon Fife. A revolta de Martinho Lutero, 13-14.
72
Lortz, A Reforma na Alemanha, 1: 112.
79

despercebido. O historiador Robert Fife tentou esboçar uma imagem que nos
permite compreender como Lutero, quando criança, estava imerso no universo
dos santos e na veneração a Maria:

"A Virgem Mãe e os Santos cumprimentaram os olhos de


um menino de altar e vitrais, e a glória deles tornou-se
familiar em orações e hinos. Aqui o amor e piedade,
proteção e ajuda vieram ter com ele vestidos de um quente
humanidade. A Virgem, cuja canção, o Magnificat ... era
geralmente cantada em serviços da Igreja, teve uma figura
profundamente marcada em sua memória como ela
aparece no juízo final, mostrando a seu Filho os seios que
amamentaram a Ele e pedindo misericórdia sobre a
humanidade. Cantando a Ladainha e os Rogos no coro, ele
aprendeu a conhecer os santos, e estes, breves figuras lhe
deram de proteção contra a severidade do juiz e as ciladas
dos demônios. A forma brilhante dos santos carimbou-se
73
duradouramente na imaginação do menino."

A história de quando Martinho Lutero era jovem e se feriu acidentalmente


é interessante. Em 1503, ele cortou a perna gravemente e, com medo de morrer,
pediu ajuda a Maria, a mãe de Jesus. Um cirurgião o tratou e ele sobreviveu,
mas a ferida se abriu novamente mais tarde naquela noite, e ele teve medo de
morrer novamente, então chamou por Maria outra vez.
A pergunta que surge é: Maria realmente o salvou? Mais tarde em sua
vida, quando Lutero já era mais maduro, ele percebeu que tinha colocado muita
fé em Maria naquele momento. Ele reconheceu que sua confiança deveria ter
sido mais em Jesus. Ele disse: "Eu teria morrido confiando em Maria." 74
Isso mostra como as crenças de Lutero mudaram ao longo de sua vida,
passando de confiar muito em Maria para colocar mais ênfase em sua fé em
Jesus.

73
Herndon Fife. A revolta de Martinho Lutero (New York: Columbia University Press, 1957), 13-14.
74
Martin Luther, obras de Lutero, vol. 54, ed. JJ Pelikan, HC Oswald & HT Lehmann (Philadelphia:
Fortress Press, 1999), 14.
80

A tormenta que Martinho Lutero enfrentou em 1505, que o levou a entrar


no claustro, também se manifestou dentro dele como um profundo medo e
ansiedade. Esse temor não era outro senão o temor de Cristo como um juiz
rigoroso. Para entender isso melhor, podemos recorrer à explicação de Robert
Fife:

"Cristo tornou-se uma grande fonte de infelicidade no


claustro ... ele se refere com frequência a sua convicção de
que Cristo era indiferente aos problemas humanos e deve
ser conquistado através da intercessão de sua mãe, a
Virgem. A imagem de Cristo sentado em julgamento no
último dia, habitou vividamente em sua mente, por isso que
ele não conseguia afastar os temores relacionados com
ele. [Lutero disse:] «Quando olhei para Cristo, eu vi o diabo,
assim [Eu disse]:" Querida Maria, ora a teu Filho para mim
e ainda para a sua ira." 75

Dentro do mosteiro agostiniano, a meditação sobre a Mãe de Deus


desempenhava um papel importante na busca pela graça divina. Maria era vista
como alguém que tinha alcançado um nível especial de glória que a colocava
acima de outros no plano divino. Bernardo de Claraval havia popularizado essa
devoção a Maria por meio de seus sermões, enfatizando os diferentes graus de
salvação, com Maria ocupando a posição mais elevada. Jarislov Pelikan oferece
uma perspectiva adicional sobre esse assunto:

"Ela era ao mesmo tempo a encarnação pessoal das


virtudes supremas de que a humanidade foi feita capaz
através do dom da graça: é nela, como disse Bernardo,"
que toda a bondade é encontrada para qualquer criatura."
76

75
Robert Herndon Fife, A Revolta de Martin Luther (New York: Columbia University Press, 1957), 123.
Citação de Lutero é de, Martin Luther, "Sermão 21 de maio de 1537," WA XLV, 86 citado em Robert
Herndon Fife, A revolta de MartinhoLutero, 123.
76
Pelikan, 144.
81

Lutero frequentemente mencionava São Bernardo de Claraval e


expressava sua afinidade e familiaridade com os escritos desse renomado
teólogo. Mais tarde, ao refletir sobre a influência de Bernardo em sua própria
devoção a Maria, Lutero olhou para trás nos anos que antecederam sua
separação de Roma e observou:

"São Bernardo, que era um homem piedoso de outra forma,


também disse: "Vejam como Cristo repreende, censura, e
condena os fariseus tão duramente durante todo o
Evangelho, enquanto a Virgem Maria é sempre amável e
gentil e nunca pronuncia uma palavra hostil." A partir disto
ele deduziu: "Cristo é concedido a repreensão e punição,
mas Maria não tem nada mais que a doçura e amor."
Portanto, Cristo foi geralmente temido; fugimos dele, e
refugiamos-nos com os santos, invocando Maria e os
outros para nos libertar de nossa angústia. Nós temos
considerado a todos como mais santos do que Cristo.
Cristo era apenas o executor, enquanto os santos eram os
nossos mediadores." 77

Lutero também recordou:

"Cristo em Sua misericórdia estava escondido de meus


olhos. Eu queria ser justificado diante de Deus através dos
méritos dos santos. Isso deu origem ao pedido de
intercessão dos santos. Em um retrato São Bernardo,
também, é retratado adorando a Virgem Maria como ela
dirige seu Filho, Cristo, para os seios que o amamentaram.
Oh, quantos beijos que agraciou Maria!" 78

77
Martin Luther, Obras de Lutero, 22: 377.
78
Ibid,. 22: 145.
82

Lutero concluiu, no entanto, que apesar do louvor constante de São


Bernardo a Maria e suas afirmações sobre como ela guia o pecador em direção
a Cristo, Bernardo parecia negligenciar totalmente o papel de Cristo:

"Bernardo encheu todos os seus sermões com louvor a


Virgem Maria e ao fazê-lo esqueceu de mencionar o que
aconteceu [a encarnação de Cristo]; devido a tanta estima
a Maria." 79

Portanto, o jovem Lutero estava envolvido nessa devoção mariana, mas


o Lutero maduro, ao olhar para trás, reconheceu os excessos na devoção
medieval e no ensinamento sobre Maria. Ele percebeu que Maria havia sido
atribuída com qualidades que pertenciam exclusivamente a Cristo.

9.1.1 LUTERO SE REFERIU A MARIA COMO MÃE DE DEUS?

Protestantes contemporâneos muitas vezes evitam o título "Mãe de


Deus", e isso pode ser justificado. Ao longo do tempo, o significado desse termo
evoluiu. O que costumava ser um termo teológico rico para expressar uma
verdade sobre Cristo transformou-se rapidamente em um louvor elevado e
veneração a Maria. O termo "Theotokos," que pode ser traduzido com uma
ênfase cristocêntrica forte como "a que deu à luz o que é Deus," exemplifica essa
mudança de ênfase.
No século V, o termo "Theotokos" emergiu como um protagonista no
cenário teológico, em meio aos conflitos liderados por Nestório. Sua alegação
era que apenas a natureza humana de Jesus Cristo tinha sua origem em Maria,
desencadeando um acalorado debate sobre a validade desse termo. A
motivação de Nestório residia na tentativa de salvaguardar a natureza divina de
Cristo de qualquer associação com as deidades maternas do paganismo,
temendo qualquer paralelo.

79
Ibid., 54: 84.
83

Martinho Lutero, ao contrário dos protestantes modernos que se abstêm


do título "Mãe de Deus," não vacilava em usá-lo e compreendia plenamente sua
correta aplicação. Ele realizou uma breve análise da heresia nestoriana e chegou
à seguinte conclusão sobre Nestório:

"Insistiu sobre o sentido literal das palavras, "Deus nascido


de Maria", e interpretou o "nasceu", de acordo com a
gramática ou a filosofia, como se isso significasse obter
natureza divina de quem o deu à luz, ... Nós também
sabemos muito bem que Deus não deriva sua divindade de
Maria; mas isso não quer dizer, portanto, que seja errado
dizer que Deus nasceu de Maria, que Deus é o Filho de
Maria, e que Maria é a mãe de Deus." 80

Ao longo de sua jornada teológica, Martinho Lutero não apenas


empregava o termo "Theotokos" com sua rica conotação cristocêntrica, quando
se tratava da encarnação e divindade de Cristo, mas também o utilizava de forma
simples como um sinônimo para Maria, o que era comum no século XVI na
cristandade ocidental. Em uma citação retirada do "Table Talk" [Conversas à
Mesa] de 1542, encontramos Lutero usando o título como uma exclamação: "Ó
Maria, mãe de Deus!".81
Ao longo de sua jornada teológica, Martinho Lutero não apenas
empregava o termo "Theotokos" com sua rica conotação cristocêntrica, quando
se tratava da encarnação e divindade de Cristo, mas também o utilizava de forma
simples como um sinônimo para Maria, o que era comum no século XVI na
cristandade ocidental. Em uma citação retirada do "Table Talk" [Conversas à
Mesa] de 1542, encontramos Lutero usando o título como uma exclamação: "Ó
Maria, mãe de Deus!".

80
Martin Luther, de LutherWorks, 41:97.
81
Martin Luther, Obras de Lutero, 54: 425.
84

Lutero, no entanto, redirecionava a ênfase do termo de volta a Deus, como


Heiko Oberman aponta:

...quando Lutero usa o termo "Theotokos", Há de fato


pouca chance de que Maria seja a coisa significada, em
vez de um sinal"82. Maria, serve como o sinal que aponta
para Cristo, ao dizer: "Eu sou a oficina em que Ele realiza
Sua obra; Eu não tinha nada a ver com o trabalho em si.
Ninguém deve me elogiar ou dar-me a glória de se tornar a
Mãe de Deus, mas só Deus e Sua obra está a ser honrado
83
e louvado em mim."

Lutero também intensificava o uso do termo ao chamar Maria de "bem-


aventurada Mãe de Deus" ou "Virgem Santíssima, Mãe de Deus." No entanto,
mesmo ao usar palavras como "abençoada", "agraciada" ou "bem-aventurada",
Lutero desviava o foco de Maria e o direcionava de volta a Deus. Ele explicava
que Maria era considerada "abençoada" por Deus, ou seja, Deus voltou Seu
olhar para ela e concedeu-lhe graça e salvação, da mesma forma como fez ao
escolher conceder graça a Abel em vez de Caim.
O termo mãe de Deus é um termo teológico comum, e não deve ser usado
como argumentação para dizer que Lutero era devoto a Virgem, ele apenas
reconhecia o que chamamos de "União Hipostática".

9.1.2 LUTERO ACREDITAVA NA IMACULADA CONCEPÇÃO DE MARIA?

Sem um controle adequado, a devoção a Maria se desenvolveu de forma


não regulamentada na igreja. Com o crescente interesse na santidade de Maria,
a Igreja Ocidental ficou cada vez mais envolvida na questão de sua Imaculada
Conceição. Embora figuras como Agostinho, Tomás de Aquino, Anselmo e até
mesmo São Bernardo, que era um grande devoto de Maria, tenham afirmado

82
Heiko Oberman A., O Impacto da Reforma, (Grand Rapids:. Wm B. Eerdmans Publishing Co., 1994),
242.
83
Martin Luther, obras de Lutero, 21: 329.
85

que Maria foi afetada pelo pecado original, o final da Idade Média testemunhou
o surgimento de teólogos que defendiam sua impecabilidade.
Essa ideia ganhou forte apoio, especialmente da ordem franciscana,
teólogos como Duns Scotus e William de Occam promoveram a visão de que
Maria foi purificada da mancha do pecado original. Essa perspectiva também foi
defendida pelo avô teológico de Lutero, Gabriel Biel. 84
Na fase em que estava se afastando das influências teológicas de Occam
e Biel, Lutero foi capaz de expressar suas visões sobre Maria no início de sua
carreira:

"Ela é cheia de graça, proclamada para ser inteiramente


sem pecado, algo muito grande. Pois a graça de Deus a
preencheu com tudo de bom, de modo que ela fosse
desprovida de todo o mal." 85

Sobre isso, o historiador católico romano Hartman Grisar afirma:

"Tão tarde quanto 1527 [Lutero] reconheceu mesmo a


doutrina da Imaculada Conceição de Maria, em
conformidade com as tradições teológicas da Ordem
Agostiniana." 86

No entanto, Lutero considerava essa doutrina como não sendo essencial


para a salvação. Em 1518, ele afirmou que:

"A igreja romana junto com o conselho geral em Basileia e


quase com toda a igreja, sente que a Santíssima Virgem foi
concebida sem pecado. No entanto, aqueles que defendem
a opinião oposta não devem ser considerados hereges,
uma vez que a sua opinião não foi refutada." 87

84
George Yule, Lutero Teólogo para católicos e protestantes (Escócia: T & T Clark LTD, 1985), 109-110.
85
Martin Luther, de Lutero Works, 43:40.
86
Hartman Grisar, Martin Luther sua vida e obra (Baltimore: Newman Press, 1959), 211.
87
Martin Luther, Obras de Lutero, 31: 173.
86

Até o final de sua carreira, a posição de Lutero sobre essa questão mudou.
Em 1544, ele rejeitou a ideia de que "através dos séculos, uma linhagem pura
(massa imperdita) tinha sido preservada da qual, finalmente, Cristo veio. Em
suas palestras sobre Gênesis 38:1-5, ele destacou a imoralidade e o incesto
presentes entre os antepassados de nosso Senhor segundo a carne". 88
Em vez de elaborar longos tratados sobre o assunto, Lutero mais uma vez
desviou a ênfase de Maria para o Messias. Em vez de debater a impecabilidade
de Maria, ele insistiu que a impecabilidade de Cristo se devia inteiramente à obra
miraculosa do Espírito Santo durante a concepção. Em 1532, ele pregou:

"Mãe Maria, como nós, nasceu em pecado de pais


pecadores, mas o Espírito Santo a cobriu, santificando e
purificando-a para que esta criança nascesse de carne e
sangue, mas não com carne e sangue do pecado. O
Espírito Santo permitiu a Virgin Maria continuar a ser um
verdadeiro ser humano, natural de carne e sangue, assim
como nós. No entanto, ele repeliu o pecado de sua carne e
sangue para que ela se tornasse a mãe de uma criança
pura, não envenenada pelo pecado como nós somos ...
Pois, nesse momento em que ela concebeu, ela era uma
santa mãe cheia do Espírito Santo e seu fruto é um fruto
puro e santo, ao mesmo tempo Deus e verdadeiro homem,
em uma só pessoa."89

Com a doutrina da Imaculada Conceição, vê-se uma clara mudança no


pensamento de Lutero. O teólogo, que tinha ao mesmo tempo elogiado a mãe
devido a pureza da criança, agora elogia apenas o Filho.
É bom esclarecer também que o reformador tem uma visão diferente do
que seria a impecabilidade de Maria, ele acreditava que Maria não pecou durante

88
Martin Luther, que Lutero diz, Vol. 1, ed. Ewald Martin Plass (St Louis: Concordia Publishing House,
1959) 151. Este é o comentário dos editores.
89
Martin Luther, Sermões de Martin Luther, Vol. 3, ed. John Nicholas Lenker. (Grand Rapids: Baker
Books, 1996), 291.
87

a gestação do menino Jesus, e não que ela foi concebida em santidade sem a
mancha do pecado.

9.1.3 LUTERO ACREDITAVA NA VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA?

Talvez o aspecto mais notável da teologia de Martinho Lutero em relação


à Virgem Maria resida na sua firme convicção na perpetuidade da sua virgindade.
Não obstante, ele estava plenamente cônscio de que, no seio da ortodoxia cristã,
essa doutrina suscitava divergências e contendas: "A igreja deixa isto [para nós]
90
e ainda não decidiu."
Embora Lutero frequentemente proferisse críticas a Jerônimo, ele acolheu
o argumento deste ilustre teólogo do século IV, que firmemente defendeu a
doutrina da virgindade perpétua de Maria. Jerônimo sustentava que a expressão
"filho primogênito" não necessariamente implicava a existência de outros
descendentes após Jesus, e que as referências aos "irmãos do Senhor"
deveriam ser entendidas como designando, de fato, primos.
Comentando sobre João 2:12 Lutero disse:

"Eu estou inclinado a concordar com aqueles que declaram


que "irmãos" realmente significa "primos" aqui para a
Sagrada Escritura e os judeus sempre chamam os primos
de irmãos." 91

Lutero demonstrava um claro conhecimento das diversas propostas


interpretativas relativas à expressão bíblica "irmãos de Jesus". De forma
deliberada, ele descartava a concepção que sugeria que José teria prole de um
matrimônio anterior, assim como a concepção que aventava a possibilidade de
José possuir duas esposas simultaneamente, embora não proibisse a
exploração dessas perspectivas.
Lutero, porém, não vai sequer considerar a possibilidade de que Maria
poderia ter tido outros filhos além de Jesus. Lutero manteve isso em toda a sua

90
Martin Luther, Obras de Lutero, 54: 340.
91
Martin Luther, Obras de Lutero, 22: 215.
88

carreira: "no parto e depois do parto, assim como ela era virgem antes do parto,
assim ela permaneceu." 92
No início de 1520, espalharam-se rumores pela região da Alemanha de
que Lutero estava a ensinar que "Jesus foi concebido pela semente de José, e
que Maria não manteve sua virgindade, mas gerou diversos descendentes após
93
o advento de Cristo." Em um contexto em que a devoção a Maria estava
profundamente enraizada na cultura medieval, essas acusações representavam
sérias afrontas. A situação tornou-se especialmente premente para Lutero
quando ele tomou conhecimento de que o arquiduque Ferdinand também o
acusara de proferir tais afirmações.
Foi com o intuito de rebater essas alegações que ele compôs sua obra
intitulada "Que Jesus Cristo nasceu judeu", em 1523. Nessa obra, Lutero conduz
uma análise extensa do milagre do nascimento virginal e, com base na ausência
de evidência bíblica em contrário, conclui que Maria, segundo todas as
aparências, manteve sua virgindade ininterruptamente. Como ele assim afirma:

"A Escritura não tergiversa ou fala sobre a virgindade de


Maria após o nascimento de Cristo, um assunto sobre o
qual os hipócritas estão muito preocupados, como se fosse
algo da maior importância sobre a qual toda a nossa
salvação dependesse. Na verdade, devemos estar
satisfeitos simplesmente ao considerar que ela
permaneceu virgem após o nascimento de Cristo porque a
Escritura não declara ou indica que mais tarde ela perdeu
a virgindade ..., Mas a Escritura se detém nisso, que ela
era virgem antes e no nascimento de Cristo; até este
momento, Deus tinha necessidade de sua virgindade, a fim
de nos dar a prometida semente abençoada sem pecado."
94

92
Martin Luther, "Sermão da Apresentação de Cristo no Templo", Luthers Werke 52: 688- 99, citado em
Jaroslav Pelikan, Maria por meio das eras, 158.
93
Walther Brandt e Jarislov Pelikan, Introdução ao "Que Jesus Cristo nasceu judeu" em Martin Luther,
obras de Lutero, vol. 45: O cristão na sociedade II, 197.
94
Martin Luther, Obras de Lutero, 45: 205-206.
89

Enquanto Lutero mantinha firmemente sua crença na virgindade perpétua


de Maria, notável é o fato de que ele evitava exaltá-la por essa característica.
Ele expressava desaprovação àqueles que veneravam em demasia esse
atributo e observava que o papel de Maria se restringia a ser a mãe do Messias.
Mesmo ao aceitar a ideia da virgindade perpétua de Maria, Lutero não a via como
algo a ser adorado como um atributo divino. Ele destacava que Maria, no relato
bíblico, praticamente desaparece após o nascimento de Jesus, uma vez que o
foco das Escrituras reside em seu filho.
Assim, o fato de Lutero não dedicar tratados extensos à defesa da
virgindade perpétua de Maria evidencia que, para ele, o cerne da questão não
residia na ausência de outros filhos de Maria, mas sim na figura da criança que
ela trouxe ao mundo. Ao longo de sua trajetória, ele tendia a minimizar a ênfase
nessa doutrina mariana.

9.1.4 LUTERO REZAVA PARA MARIA?

Em 15 de Agosto de 1516, Lutero em um sermão diz:

"Ó mãe abençoada! Ó virgem mais digna! Lembre-se de


nós, e conceda que o Senhor faça grandes coisas para nós
95
também."

Ainda em 1519, Lutero exortava sua congregação a "invocar os santos


anjos, particularmente seu próprio anjo, a Mãe de Deus, e todos os apóstolos e
96
santos" como um conforto na hora quando cada um irá enfrentar sua própria
morte. Entretanto, no ano de 1522, uma transformação substancial se operou
nos eventos. Indivíduos proponentes do evangelismo em Erfurt, nutrindo
inquietações quanto à temática da intercessão dos santos, foram agraciados
com a seguinte réplica de Lutero:

95
Martin Luther, "Sermão de 15 de Agosto, 1516," O que Lutero diz Vol. III, 1257.
96
Martin Luther, Obras de Lutero, 42: 113.
90

"Rogo em Cristo que seus pregadores se abstenham de


entrar em questões relativas aos santos do céu e dos
falecidos, e peço-lhes para virar a atenção de pessoas para
longe destas questões, tendo em vista o fato de que eles
não são nem rentáveis nem necessários para a salvação.
Esta também é a razão por que Deus decidiu não
sabermos nada sobre o Seu trato com o falecido.
Certamente ele não está cometendo um pecado por não
invocar qualquer santo, mas apenas se agarra firmemente
à um mediador, Jesus Cristo." 97

No idêntico período, Lutero compõe seu compêndio de Orações


Individuais, incorporando, com surpreendente inclusão, a secularmente
reconhecida Ave Maria, que figura invariavelmente em todos os compêndios de
preces da tradição católica. Contudo, a singularidade deste empreendimento
luterano repousa na disposição hábil pela qual a Ave Maria é contextualizada
dentro de um âmbito teológico evangélico, provocando, à maneira de um sismo,
a consternação entre seus detratores. Em resposta, um opúsculo de índole
católica lançou-se imediatamente na censura deste opus oracional de Lutero,
qualificando-o como uma "sutileza venenosa permeada por elementos
meritórios". O atributo "venenoso" foi conferido em razão da interpretação
evangélica de Lutero concernente à oração da Ave Maria, a qual, de maneira
acintosa, contrariou a sensibilidade de muitos devotos habituados à veneração
da Virgem Maria. 98
Lutero disse:

"Tome nota disto: Ninguém deve colocar sua confiança na


Mãe de Deus ou em seus méritos, apenas Deus é digno de
tal confiança e esse serviço deve ser elevado somente a
ele. Preferencialmente louve e agradeça a Deus através de
Maria e a graça dada a ela. Louve e ame-a simplesmente

97
Martin Luther, "Carta aos evangelistas de Erfurt -10 de julho de 1522," O que Lutero diz, Vol. 1, 1253.
98
Martin Luther, de Lutero Works, 43:10.
91

como aquela que, sem mérito, obteve tais bênçãos de


Deus, absolutamente pela sua misericórdia, como ela
mesma testemunha no Magnificat." 99

Martinho Lutero, ao proferir "através de Maria", não evoca a prece


direcionada a ela, mas sim, um ato de gratidão voltado ao Criador pela gênese
de uma entidade de estirpe tão eminente e abençoada. As veredas da Ave Maria,
conforme seu entendimento, não convergem à natureza de uma súplica ou
invocação, estando desprovidas de conotação suplicante. Ao contrário, o
desiderato reside na efusão de louvores e homenagens ao divino.
O homem que apenas alguns anos antes havia clamado por ela, agora
concluiu que: "aqueles que abençoam ela com muitos rosários e constantemente
clamam a Ave Maria ... falam mal contra a palavra e a fé de Cristo da pior
maneira." 100
As preces dirigidas a Maria, de acordo com Lutero, se revestem de um
caráter questionável em relação à Mãe e a seu filho. O reformador Lutero, uma
vez mais, optou por reconfigurar a interpretação desta popular oração,
redirecionando o foco de exaltação a Maria para a devoção suprema a Deus.
A percepção luterana abarcava o entendimento de que as preces aos
santos e a fé neles, na sua essência, transgrediam o âmago do Primeiro
Mandamento. No entendimento luterano, o papel preponderante da fé e
confiança, conforme prescrito pelo Primeiro Mandamento, determina a índole da
adoração, discernindo entre a devoção ao Deus verdadeiro e a idolatria. O
conceito de Deus, nas vistas de Lutero, é intrinsecamente vinculado à fé e
confiança irrestrita, sendo esta qualidade direcionada, de maneira exclusiva, a
Deus ou ao ídolo. Quando a fé e a confiança se revestem de autenticidade, o
Deus adorado é o Deus legítimo; no entanto, se tais atributos se mostram
ilusórios, então a divindade adorada não é a verdadeira. É, pois, apegando-se
ao objeto de sua fé e confiança que o ser humano verdadeiramente define seu
Deus. Se o coração do indivíduo adere com fervor e confiança a algo que Deus

99
Ibid., 43:38.
100
Ibid., 43:40.
92

criou, então sua fé é deturpada, e ele peca, sujeitando-se às sanções da lei


divina. 101
Ele disse:

"Ninguém pode negar que por tal adoração aos santos


temos agora chegado ao ponto onde nós realmente
fizemos ídolos da Mãe de Deus e dos santos, e que, por
causa do serviço que se têm prestado e as obras que
temos realizado em sua honra temos buscado conforto
mais com eles do que com o próprio Cristo. Assim, a fé em
Cristo foi destruída." 102

Na transformação do pensamento de Lutero sob a influência de uma


hermenêutica centrada em Cristo, tornou-se inexorável que o severo Juiz e os
ídolos mudos fossem suplantados pela genuína divindade do Evangelho. Cristo,
outrora um Juiz impiedoso cuja ira requeria a apaziguação através de
"penitência, confissão e obras de satisfação, [e] com a intercessão de sua mãe
103
e de todos os santos" , emerge agora como o Salvador que nos conforta,
pobres pecadores, de maneira terna e eficaz.
O redentorismo já não repousa sobre alicerces de "obras, rituais, missas,
cultos e veneração aos santos," mas encontra-se exclusivamente ancorado em
104
Cristo. Maria, nas visões de Lutero, está longe de ser uma divindade ou
105
intercessora, não outorgando favores, nem prestando auxílio . O único ser
digno de invocação é Cristo.

101
Robert Kolb, A Teologia de Martin Luther, fitas de áudio das palestras de Robert Kolb, (Grand Rapids:
Instituto de Estudos Teológicos), palestra 7.
102
Martin Luther, D.Martin Luthers Werke: Kritische Gesamtausgabe, Abteilung Werke 11: 415 citado
em martinluther, que Lutero diz, Vol. III, ed. Ewald Martin Plass (St Louis: Concordia Publishing House,
1959), 1254.
103
Martin Luther, Obras de Lutero, 40: 376.
104
Ibid., 24: 119.
105
Ibid, 21:. 327.
93

9.1.5 RESUMO DA MARIOLOGIA DE LUTERO

Nos derradeiros dez anos de sua existência, Martinho Lutero dedicou-se


às elocuções sobre o Livro de Gênesis. Foi nesse contexto que, ao debruçar-se
sobre a tradução latina do Gênesis 3:15, proferiu as seguintes palavras:

"Como é surpreendente e condenável, que, através da


agência dos exegetas tolos Satanás tem conseguido
aplicar esta passagem, que na mais plena medida se aplica
ao Filho de Deus, à Virgem Maria! Pois em todas as Bíblias
latinas o pronome aparece no sexo feminino: "E ela vai
esmagar." 106

Lutero denuncia veementemente como artimanha diabólica a


interpretação que sugere que Gênesis 3:15 se refere a Maria, e não a Jesus que
esmagaria a serpente. Ao escrutinar a panorama interpretativo desta passagem,
Lutero observa com pesar que "todos os intérpretes recentes se equivocaram na
compreensão desta declaração sacrossanta, propiciando inadvertidamente um
terreno fértil para a idolatria, sem que haja quem os contradiga ou obstrua em
seus desvios" 107. No entanto, ele torna incontestavelmente claro:

"Nós não queremos tirar de Maria qualquer honra que é a


sua função; mas nós queremos remover a idolatria contida
na declaração que, ao dar à luz Cristo, Maria tem destruído
todo o poder de Satanás." 108

A centralidade dessa questão para Lutero era inegável. Ele percebia que
Maria estava assumindo o papel de intercessora e co-redentora, sendo elevada
a um status que beirava a divindade, o que resultava na sua idolatria. Lutero
enxergava que na adoração aos ídolos não residia a salvação.

106
Ibid., 1: 191.
107
Ibid., 1: 191.
108
Ibid., 1: 192.
94

Para Lutero, o âmago do embate residia na compreensão em torno da


doutrina de Cristo, sendo essa a expressão mais contundente do antagonismo
do diabo contra Deus e Seu povo. O adversário do divino permite até mesmo a
adesão a uma compreensão ortodoxa da pessoa de Cristo, desde que esta
adesão não se traduza em uma confiança genuína em Jesus. No contexto
contemporâneo da Igreja Católica Romana, que reverencia Maria, Lutero
identificava um paralelismo com o passado medieval: Maria adquirira os atributos
de Cristo e, como consequência, havia-se convertido em um ídolo, uma situação
mantida mesmo quando a visão de Cristo era particularmente ortodoxa.
Enquanto Lutero podia referir-se a Maria como a "Mãe de Deus," seu
enfoque primordial residia na declaração sobre a obra de Deus em Cristo, mais
do que na exaltação de Maria. Assim, seu uso desse título não tinha a intenção
de consagrar uma veneração quase divina, como era a prática nas correntes
católicas romanas, tanto medievais quanto contemporâneas. A rejeição de
Lutero de aspectos da mariologia, como a Imaculada Conceição, visava
precisamente a evitar a deificação de Maria. Cristo era o único concebido sem
pecado e detentor do trono de nossos corações, o único Salvador digno de plena
confiança.
Apesar de manter crenças como a virgindade perpétua de Maria, Lutero
o fazia de maneira não dogmática, assegurando-se de que tais atributos não a
deificassem. Em suas "Conversas à Mesa" (Table Talk), Lutero deu a entender
que a opção de Maria por permanecer virgem após o nascimento de Cristo era
uma escolha pessoal, em vez de sua virgindade ser vista como um dom
miraculoso de Deus. 109
Enquanto desmantelava o ídolo em torno da figura de Virgem Maria,
Lutero era perspicaz o suficiente para não "lançar fora o bebê junto com a água
do banho." Maria desempenhou um papel positivo na teologia de Lutero,
servindo como um poderoso exemplo do princípio "somente pela fé" (sola fide).
Como observado por Jarislov Pelikan:

109
Ibid., 54: 341.
95

"Maria tornou-se o estudo de caso óbvio disto para Lutero,


como as palavras de Maria na abertura do Magnificat
mostrou-lhe que 'santidade de espírito ... consiste em nada
mais do que a fé pura e simples." 110

Pelikan continua:

"Em um resumo característico da doutrina reformada da


justificação pela fé e não pelas obras, ele com base na fé
de Maria, insistiu que as obras "funcionam a produzir nada
além da discriminação, o pecado e a discórdia, enquanto a
fé por si só torna os homens piedosos, unidos e pacíficos.
Portanto fé e Evangelho ... são os maiores bens ... que
ninguém deve deixar ir. "Pois, quando Maria disse ao anjo
Gabriel (em alemão de Lutero), "Faça-se em mim segundo
a tua palavra [Mir Gesche, wie gesagt du hast]", isto foi
acima de tudo uma expressão de sua fé. E através de tal
111
fé somente, que ela foi salva e liberta do pecado."

Assim, não existe uma conspiração protestante oculta para manter a


Mariologia de Lutero longe do conhecimento público, como afirmam alguns
apologistas católicos. A Mariologia de Lutero estava intrinsecamente ligada a
desmistificar o culto em torno da Virgem Maria, mediante sua doutrina da
justificação pela fé. No contexto da era medieval, tais palavras de Lutero devem
ter soado verdadeiramente revolucionárias:

"Até mesmo a santa mãe de Deus não se tornou boa, não


foi salva por sua virgindade ou a sua maternidade, mas sim
pela fé na vontade e nas obras de Deus, e não por sua
pureza, ou suas próprias obras, portanto, marque bem:
esta é a razão por que a salvação não está em nossas

110
Pelikan, 160.
111
Ibid.
96

próprias obras, não importa qual; não pode e não irá ser
efectuada sem fé." 112

A imagem católica romana da suposta devoção de Lutero a Maria perde


nitidez e clareza quando examinada à luz de seus escritos e teologia. À medida
que o papel da intercessão de Maria foi deixado de lado por Lutero, ele passou
a perceber o ídolo que a teologia medieval havia construído em torno dela. A
veneração na época medieval tinha como objetivo primordial apelar a Maria para
obter auxílio diário e redenção final, e seus atributos eram objeto de adoração
na busca por seu favor.
Sugerir que Lutero abraçava uma Mariologia Romana implica que ele
venerava Maria e seus atributos criados pela tradição, insinuando que ele a via
como um meio de se aproximar de seu Filho. No entanto, com Lutero, ocorreu
precisamente o contrário:

"Cristo não é tanto um juiz e um Deus irado, mas aquele


que carrega e leva nossos pecados, um mediador. Foram
os papistas que criaram Cristo diante de nós como um
terrível juiz e transformaram os santos em intercessores!
Lá eles acrescentaram lenha à fogueira. Por natureza, nós
já estamos com medo de Deus. Abençoados portanto são
aqueles jovens que não se corromperam e que chegaram
a este entendimento, podendo dizer que:"Eu só conhecia
Jesus Cristo como o portador dos meus pecados" 113

"No dia da Conceição da Mãe de Deus"

"É uma crença doce e piedosa que a infusão da alma de


Maria foi efectuada sem pecado original, de modo que
mesmo na infusão de sua alma, ela também foi purificado
do pecado original e adornada com os dons de Deus,

112
Martin Luther, Obras de Lutero, 51:62
113
Ibid., 17: 224.
97

recebendo uma alma pura infundida por Deus; assim,


desde o primeiro momento em que ela começou a viver ela
estava livre de todo pecado "(Sermão:" No Dia da
Conceição da Mãe de Deus, "1527")

Essa citação é frequentemente usada em páginas católicas na tentativa


de argumentar que Lutero acreditava na concepção imaculada de Maria ao longo
de sua vida. No entanto, é lamentável que essa citação seja notoriamente difícil
de rastrear. O sermão em questão não está incluído na edição em inglês das
Obras de Lutero, e raramente os sites católicos romanos fornecem
documentação além do título "Sermão: No Dia da Conceição da Mãe de Deus."
Uma exceção notável é o apologista católico Dave Armstrong, que refere a
citação ao livro de Hartmann Grisar, em "Luther Vol. IV". Grisar, por sua vez,
atribui a fonte da citação a "Werke", Erl. Ed., 15, página 58:

"O sermão foi tirado ao ar livre em notas e publicado com


a aprovação de Lutero. As mesmas declarações sobre a
concepção imaculada ainda permanecem em uma edição
impressa publicada em 1529, mas em edições posteriores
que apareceram durante a vida de Lutero elas
desaparecem."

O desaparecimento da referida citação pode ser atribuído ao fato de que,


à medida que a teologia cristocêntrica de Lutero se desenvolvia, certos aspectos
de sua Mariologia foram deixados de lado. Hartmann Grisar reconhece esse
fenômeno. Com relação à citação específica de Lutero, Grisar observa:

"Como o desenvolvimento intelectual e ético de Lutero


progrediu, não podemos naturalmente esperar que a
imagem sublime da Mãe pura de Deus, o tipo de
virgindade, do espírito de sacrifício e de santidade
forneceriam qualquer grande atração para ele, e como uma
98

questão de fato, tais declarações como acima já não são


cumpridas em suas obras posteriores."

9.2 MARIOLOGIA EM CALVINO?

Calvino desde muito tempo tinha uma visão muito positiva de Maria, mas
com toda certeza ele rejeitou a concepção Mariana da igreja católica romana.
Will Durant, historiador, diz que "é notável quanto da tradição e da teoria católica
romana sobreviveu na teologia de Calvino" 114
Os maiores feitos de Calvino não estavam na criação de novas ideias,
repreensão das antigas ou algo do tipo, e sim no desenvolvimento das ideias
presentes para resultar em uma conclusão lógica.
Calvino tinha a ideia de que Maria tomou o lugar de Cristo na igreja
católica romana de sua época, ele compreendia que a veneração a Maria
ultrapassou a veneração a Cristo, deixando a obra divina de lado e focando em
uma humana pecadora.
Calvino, como bom argumentador e com plena certeza do seu
conhecimento ironiza dizendo que se os católicos romanos acreditam na
assunção de Maria, eles foram privados "de todo pretexto para fabricar quaisquer
relíquias de seus restos mortais, que de outra forma poderiam ter sido
115
suficientemente abundantes para encher um cemitério inteiro."

9.2.1 VIRGINDADE PERPÉTUA

Calvino também argumenta em cima do texto de Mateus 1.25 ("[José] não


a conheceu [Maria] até que deu luz à seu filho, o primogênito ") o termo
primogênito e a conjunção "até" não contradizem a doutrina da virgindade
perpétua, mas Mateus não noz diz o que aconteceu com Maria depois, ele
escreve: "nenhuma inferência justa e bem fundamentada pode ser extraída

114
Will Durant, The Reformation, The Story of Civilization:Part VI, Simon and Schuster, New York, 1957,
p. 465
115
John Calvin, A treatise on relics, p. 248
99

dessas palavras do evangelista (Mateus) sobre o que ocorreu após o nascimento


de Cristo". 116
Calvino também argumenta que as alegações de que Maria supostamente
fez um voto de virgindade perpétua em Lucas 1.34 ("Como isso será, pois não
conheço um homem?") são "infundadas e completamente absurdas" e, além
disso, ele também argumenta que se ela fizesse o voto, "nesse caso, ela teria
cometido traição ao se deixar unir a um marido e teria desprezado a santa
aliança do casamento…" 117

9.2.2 MATERNIDADE DIVINA

Os eruditos dos escritos calvinianos comumente postulam que Maria, sob


a perspicácia de Calvino, justifica-se plenamente como a genetriz divina. Os
apoiadores desta perspectiva mariológica calviniana recorrem às palavras de
Calvino alicerçadas em Lucas 1:43 como sustentáculo. Neste contexto, quando
Isabel acolhe Maria como "genitora do meu Senhor", Calvino discerne
prontamente a divindade intrinsecamente associada à epígrafe "Senhor",
articulando: "[Isabel] adjetiva Maria como progenitora de seu Senhor. Tal
enunciação sublinha uma unificação de essência entre as duas naturezas de
Cristo, quase como se estivesse a declarar que aquele que se originou no seio
de Maria como um ser humano mortal também é, simultaneamente, o Deus
eterno... Este título, "Senhor", exclusivamente atrelado ao Filho de Deus
'revelado na carne' (conforme 1 Timóteo 3:16), que recebeu da Suprema
Divindade todo o poder e foi designado como o regente máximo dos reinos
celestiais e terrenos, orquestrando, assim, a soberania divina na governança
universal." 118
Os apologistas dessa concepção mariológica calviniana ressaltam que a
objurgação proferida por Calvino em relação à designação "mãe de Deus" em
suas epístolas anteriores estava inextricavelmente vinculada ao escopo eivado
de superstição que, sobremodo, permeava o contingente destituído de erudição.

116
Calvin. "Commentary on Matthew 1:25". Harmony of Matthew, Mark, anda Luke.
117
Calvin. "Commentary on Luke 1:34". Harmony of Matthew, Mark, anda Luke.
118
Calvin. "Commentary on Luke 1:43". Harmony of Matthew, Mark, and Luke.
100

Isso, presumivelmente, alude à adoração mariana latente na época. Com efeito,


não é patentizado em qualquer epístola ou tratado calviniano que Maria seja
categoricamente destituída do predicado "mãe de Deus", sob nenhuma acepção.

9.2.3 IMACULADA CONCEIÇÃO

João Calvino, dentro de seu sistema teológico, aderiu à doutrina do


pecado original, juntamente com a doutrina da liderança, tal como evidenciado
nas passagens de Romanos 5:12-21. No entanto, notável é o consenso entre os
teólogos reformados de que Calvino não abraçou a doutrina da concepção
imaculada, haja vista a aparente incompatibilidade com as doutrinas
previamente mencionadas e, sobretudo, com Romanos 3:23, o qual proclama
119
que todos pecaram.
Considerando a ênfase de Calvino na doutrina da liderança, uma questão
relevante emerge: poderia Maria ter sido sujeita ao pecado original e, ainda
assim, não o transmitido a Jesus? De acordo com a visão calvinista, é o homem
quem atua como o canal da transmissão do pecado original na doutrina da
liderança. Contudo, uma distinção crucial se faz presente na concepção de
Jesus, pois Ele foi gerado diretamente por Deus, sem intervenção de um homem
humano. Isso implica que o pecado original não foi transmitido a Jesus. Em
consonância com a perspectiva de Calvino, é oportuno citar suas palavras:
"Condenamos aqueles que afirmam que um homem justificado não pode pecar...
Quanto ao privilégio especial da Virgem Maria, quando produzirem o diploma
celestial, acreditaremos no que dizem". 120

9.2.4 SOTERIOLOGIA

A soteriologia propugnada por Calvino alicerçava-se na convicção de que


tão somente Cristo detém suficiência para a consecução da salvação. Qualquer
dissidência com relação a essa doutrina ele encarava como desafio integral, e,
consequentemente, refutava terminantemente qualquer suposição acerca de

119
John Calvin, Works, Serm. de la proph. de Christ: pp 35, 686.
120
John Calvin, Antidote to the Canons of the Council of Trent, Canon 23.
101

Maria como partícipe do mistério da redenção. 121 A crença católica romana de


que Maria exerce papel intercessor entre o homem e Deus ele rejeitava,
tachando-a de idolatria, uma vez que unicamente Cristo pode desempenhar tal
função. Com igual fundamento, Calvino vedava preces e súplicas a Maria,
arguindo que tal prática não encontra respaldo nas Escrituras.
Calvino sustentava a invariabilidade do destino eterno de um indivíduo,
seja para a salvação divina ou para a condenação, rechaçando o conceito de
uma eventual redenção por meio do sofrimento no purgatório. O conceito católico
romano de que Maria poderia interceder em favor dos defuntos ele considerava
nada menos que blasfêmia, baseando-se no fato de que somente Deus detém a
autoridade incontestável para determinar a medida de graça concedida a cada
pessoa em sua sapiência. Dessa forma, ele não permitia a invocação de Maria
para a salvação dos pecadores falecidos, visto que seu destino eterno já havia
sido irrevogavelmente selado bem antes da própria criação.

9.2.5 PLENITUDE DA GRAÇA

A plenitude da graça de Maria, ergo, é rejeitada até mesmo por Calvino,


pois a plenitude da graça reside, em sua perspectiva, exclusivamente em Cristo.
Nesse ponto, suas convicções convergem com o dogma católico romano, que
confere a Cristo a plenitude absoluta da graça, ao passo que as graças atribuídas
a Maria são consideradas um divino presente concedido a ela.
Contrariamente, Calvino enaltece Maria como "um tesouro de graça", em
razão de sua faculdade de preservar em seu íntimo não somente para proveito
próprio, mas também para uso comum, todas as responsabilidades confiadas a
ela. Ela custodia tais responsabilidades em seu seio, não em benefício exclusivo,
mas em prol de toda a humanidade. "Ela preservou em seu coração os
ensinamentos que abrem os portões celestiais e levam a Cristo". 122

121
Pure defiance
122
Quant a L'intercession de la vierge Marie et des Saincts trespasses, revenez tousiours a ce principe,
gue cw n'est pas point a nous faire des Advocats in Paradies, mais a dieu, lequel a ordinne Jesus Christ
un seul piur tous, Ep 1438, Vol 14, 21.
102

9.2.6 ADVOGADA

Calvino autodenominou-se o legítimo sucessor de Maria, fundamentando


tal alegação na sua crença de tê-la emancipado daquilo que percebia como uma
honra injustificada. Com veemência, Calvino proclamou que Maria não pode
ostentar o papel de patrona dos fiéis no derradeiro julgamento, pois ela carece
123
da graça divina na mesma medida que qualquer outro ser humano.

9.2.7 VENERAÇÃO

O erudito Calvino, em sua profunda reverência por Maria, a contemplava


como um arquétipo de fé. "Até este dia, não nos é concedido desfrutar das
benesses trazidas por Cristo sem, simultaneamente, refletir sobre o ornamento
divino e a honra conferidos a Maria, desejo este de que ela seja a mãe do
Unigênito de Deus". O respeito verdadeiramente sincero de Calvino por Maria,
tal como manifestado em seus escritos, e sua incansável busca por comunicar
suas convicções marianas aos crentes de seu tempo, através das explanações
das epístolas, permanecem obscuras facetas, frequentemente não
compartilhadas, dentre os reformados protestantes pós-João Calvino. 124
A percepção de João Calvino acerca da figura de Maria reverbera na
Segunda Confissão Helvética, obra legada por Heinrich Bullinger (1504-1575), o
sucessor de Ulrich Zwingli na posição de ministro ordenado na Catedral
Reformada de Zurique, o Grossmünster. O capítulo três deste tratado doutrinário
evoca o anúncio angélico à Virgem Maria, "o Espírito Santo virá sobre ti", como
um sinal manifesto da presença do Espírito Santo e da Trindade Divina. O texto
latino, nesse contexto, qualifica Maria como diva, destacando sua singular
devoção a Deus, ultrapassando a de toda a humanidade.
No nono capítulo, é afirmado que a concepção virginal de Jesus se
concretizou mediante a intervenção direta do Espírito Santo, resultando no
nascimento de Jesus sem qualquer participação masculina. O documento
também acolhe a concepção de Maria como "Sempre Virgem", aludindo à sua

123
John Calvin, Calvini Opera Harmonie Evangelique, Ser IX, op 46 309.
124
John Calvin, Calvini Opera Serm, de la proph, de Christ: op 35, 686.
103

perpétua virgindade, crença que ganhou ampla aceitação em toda a Europa sob
a chancela desta confissão.
As Confissões Francesa, Escocesa e Belga, bem como o Catecismo de
Heidelberg, todas incorporam referências ao Nascimento Virginal, enfatizando
especificamente que Jesus veio ao mundo sem a intervenção de um homem.
Cabe ressaltar que, em consonância com a perspectiva de Calvino, a prática de
invocar Maria ou realizar orações dirigidas aos santos diante de um altar é
categoricamente proscrita.
104

CAPÍTULO 10 – A REFORMA PROTESTANTE

Antes da aurora do movimento liderado por Martinho Lutero, já se


insinuavam indícios de dissidência entre os filhos da Igreja Católica, onde
fervilhavam contestações alicerçadas nos dogmas e liturgias vigentes. No
luminoso século XII, a partir das eloquentes exortações de Pedro Valdo,
manifestou-se na França o cenário dos valdenses, cujas convicções se
irradiaram com inquebrantável resiliência pelas terras setentrionais da Itália,
enfrentando intransigentes adversidades lançadas pela Santa Sé.
No contexto peculiar da prefiguração da Reforma, os luminares
historiográficos destacam os eminentes Jan Hus e John Wycliff, cujas inquirições
ressoavam com denodo e discernimento, arremessando questionamentos
acerca da opulência que cingia a Igreja, a crescente concentração de poder
secular, bem como a iniquidade permeante nas fileiras do clero.
As ideias de John Wyclif e Jan Hus sobre a fé cristã influenciaram
Martinho Lutero mais de cem anos depois. Martinho Lutero é reconhecido como
a figura central da Reforma Protestante no século XVI. No entanto, é importante
notar que muitas de suas ideias reformistas foram influenciadas por outros
pensadores que haviam contestado a Igreja Católica décadas antes.
Na Inglaterra, no final do século XIV, o padre e teólogo John Wyclif
apresentou críticas significativas às doutrinas católicas. Essas críticas serviram
de inspiração para Martinho Lutero mais de cem anos depois. Entre as ideias de
Wyclif estavam a crença de que a salvação eterna dependia da fé em Deus e a
oposição à prática de venda de indulgências, na qual o clero católico concedia o
perdão aos pecadores em troca de pagamento.
Wyclif também contestou a crença católica de que "boas obras," como
doações à igreja, levavam à salvação eterna. Essas posições tiveram um
impacto direto na elaboração das 95 Teses de Martinho Lutero, que ele afixou
na catedral de Wittenberg.
Além disso, Jan Hus foi outra fonte importante de inspiração para Lutero.
Hus defendia, como Wyclif antes dele e Lutero depois, a supremacia das
Sagradas Escrituras, a Bíblia, sobre a tradição da Igreja Católica e sobre as
palavras do papa, que eram consideradas como divinas. Esse posicionamento
desafiou o poder religioso do papa e abriu caminho para que todos os fiéis
105

pudessem ler e interpretar a Bíblia. Isso, por sua vez, levou à ampliação da
alfabetização entre mais pessoas, já que antes apenas os padres liam a Bíblia e
transmitiam oralmente suas interpretações aos fiéis.
Outro ponto de convergência entre os três reformadores foi a crítica à
opulência e ostentação da Igreja Católica. Para eles, a Igreja deveria aderir ao
suposto exemplo inicial de Cristo, abraçando a simplicidade e priorizando os
assuntos da fé em detrimento da acumulação de riquezas.
Além disso, as posições desses três reformadores também alimentaram
importantes conflitos sociais entre os séculos XIV e XVI, especialmente entre as
classes camponesas. As questões religiosas nesse período se transformaram
em uma crítica prática por parte dos camponeses ao domínio econômico, político
e militar da aristocracia. A diferença notável é que Martinho Lutero se opôs a
essas revoltas, condenando as ações dos camponeses, enquanto John Wyclif e
Jan Hus as apoiaram e/ou as influenciaram.
É notável destacar que nesse período que abrange o final da Idade Média
e o início da Idade Moderna, as contendas religiosas adquiriram uma dimensão
de conflito social significativa, amplamente atribuída ao fato de que o poder
religioso estava intrinsecamente ligado à base econômica.
Com a Igreja Católica detendo vastas extensões de terras na Europa e a
aristocracia justificando sua posição social como sendo divinamente ordenada,
as lutas dos camponeses e das demais classes populares contra a exploração
frequentemente ecoavam nas crenças religiosas que legitimavam essa estrutura
social. Esses tumultos marcaram o declínio do poder da Igreja Católica e o início
de uma era distinta, caracterizada pelo fortalecimento das classes capitalistas.
O Professor John Wycliffe, que lecionava na Universidade de Oxford entre os
anos de 1330 e 1384, fez críticas severas aos líderes da Igreja Católica no século
XIV. Ele também era um pároco em Lutterworth, na Inglaterra, e trabalhava para
o rei inglês, o que lhe dava muita influência, especialmente quando se tratava de
lidar com o clero. Wycliffe viveu numa época de debates intensos sobre teologia
e filosofia, que tiveram um grande impacto no pensamento moderno, incluindo
as reformas na igreja.
John Wycliffe desempenhou um papel pioneiro na denúncia da corrupção
no clero católico e na promoção da ideia, mais tarde defendida por Martinho
Lutero, de que a fé por si só poderia conceder a salvação eterna, sem a
106

necessidade de virtudes ou boas ações. Além disso, suas críticas se estenderam


à doutrina católica da transubstanciação, que diz respeito à transformação do
pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo durante a Eucaristia.
Um dos pontos cruciais das críticas de Wycliffe foi sua defesa da
supremacia das Escrituras e sua oposição à interferência papal nas Escrituras e
na tradição cristã. Ele contestou a autoridade do papa como representante de
Pedro na Terra e detentor da "chave da Igreja", chegando a classificar alguns
papas como anticristos por causa disso.
As ideias de Wycliffe tiveram um impacto significativo nas discussões
teológicas e na Reforma Protestante subsequente.
Sem dúvida, um dos tratados mais importantes de John Wycliffe foi o "De
veritate Sacrae Scripturae" (Da veracidade nas Sagradas Escrituras), publicado
em 1378. Ele defendeu a infalibilidade das Escrituras, em contraste com a visão
do papa. Essa ideia teve um impacto duradouro, influenciando tanto o
luteranismo quanto o calvinismo, bem como suas várias vertentes. Um dos
últimos esforços notáveis de Wycliffe foi sua tentativa de traduzir a Bíblia para o
inglês, seguindo o exemplo de Martinho Lutero, que traduziu a Bíblia para o
alemão no século XVI.
A tradução da Bíblia para línguas locais desempenhou um papel
fundamental na disseminação da fé e na Reforma Protestante, tornando a Bíblia
acessível a um público mais amplo. A influência de Wycliffe na história religiosa
e na disseminação das Escrituras é inegável.
Thomas Müntzer tinha uma visão profundamente radical do cristianismo,
baseada em princípios como humildade, igualdade, solidariedade e divisão dos
bens. Essa interpretação levou historiadores a associar Müntzer a posições que
remontam aos primórdios do cristianismo, desenvolvidas e conhecidas como
cristianismo primitivo.
Além disso, Müntzer fazia críticas radicais à nobreza, que era a classe
social mais poderosa de sua época. Sua postura representava um desafio direto
às estruturas de poder estabelecidas, e ele buscava transformações sociais
profundas. Essa combinação de visão religiosa e críticas sociais fez de Müntzer
uma figura influente e controversa em sua época.
As palavras de Thomas Müntzer destacam uma forte crítica à injustiça
social de sua época. Ele denunciava a avareza dos poderosos, que se
107

apropriavam de todos os recursos, incluindo criaturas, plantas e tudo o mais,


enquanto transmitiam os mandamentos de Deus aos pobres, acusando-os de
roubo. Essa hipocrisia, de acordo com Müntzer, era a maior infâmia da terra.
Müntzer estava claramente apontando a contradição entre a conduta dos
governantes e a moralidade que eles pregavam aos menos favorecidos. Sua
mensagem tinha como objetivo chamar a atenção para a necessidade de uma
mudança social e econômica, baseada nos princípios do cristianismo, como a
partilha e a justiça.
Segundo ele:

“a maior infâmia da terra consiste em que ninguém quer


tomar para si a miséria do pobre; os grandes desse mundo
agem como querem. Eis, pois, o auge da avareza, do
sonho e da pilhagem dos nossos Príncipes e senhores:
apossam-se de toda criatura, sejam peixes n'água, aves no
céu ou plantas na terra; tudo deve ser seu. Em seguida
espalham o mandamento de Deus entre os pobres, e
dizem: Deus ordenou que não roubeis! Contudo, não
acharam uso deste mandamento para si mesmos.” 125

Thomas Müntzer se uniu aos anabatistas e outros grupos camponeses


em uma luta contra a nobreza na Alemanha do século XVI, tornando-se uma das
figuras proeminentes nesse movimento. Ele pregava na região de Zwickau, mas,
devido à perseguição da nobreza local, teve que se refugiar na Floresta Negra,
no sul da Alemanha, em 1524.
Essa aliança de Müntzer com os camponeses em revolta causou um
rompimento com Martinho Lutero, seu ex-discípulo. Lutero condenou as ações
dos camponeses, pois ele mesmo tinha o apoio de alguns príncipes nobres. Isso
levou Müntzer a se referir a Lutero como "Doutor Mentiroso".
Apesar da força e determinação do movimento camponês, ele não
conseguiu superar a repressão da nobreza alemã. Os conflitos resultaram em

125
Thomas Müntzer. Citado por Friedrich Engels. As guerras camponesas na Alemanha. Coimbra:
Centelha, 1974, p. 101.
108

uma tragédia humana, com cerca de 100 mil pessoas perdendo a vida durante
esses confrontos.
Thomas Müntzer, uma figura central nesse movimento, também enfrentou
um destino trágico. Ele foi decapitado em Mühlhausen em 1525, tornando-se
uma das vítimas desse período conturbado da história alemã.
Jan Huss, um eminente pensador nascido entre os anos de 1369 e 1371
na região que hoje conhecemos como República Tcheca, emerge como uma
figura premonitória cujas críticas às doutrinas e práticas da Igreja Católica
reverberariam notoriamente através das eras, encontrando eco posteriormente
nas vozes de Martinho Lutero e João Calvino.
Embora de humilde origem, Huss cultivou uma sólida formação filosófica
e teológica, culminando na sua ascensão à posição de professor de teologia na
Universidade de Praga em 1398, seguida da sua ordenação sacerdotal em 1400.
Sua trajetória intelectual, em parte moldada pela influência das doutrinas de John
Wycliff, viu-o adotar algumas das ideias deste último.
No púlpito, Huss proclamou fervorosamente a supremacia das Escrituras
Sagradas como a máxima autoridade no seio do cristianismo, desafiando a
autoridade estabelecida da hierarquia eclesiástica. Sua pregação incitou a
convicção de que a comunhão, simbolizada pelo pão e pelo vinho, deveria ser
acessível a todos os crentes, em contraposição à prática restritiva da época.
De maneira audaciosa, Jan Huss promoveu a visão de uma Igreja
despojada de opulência, em contraste com a riqueza ostensiva da Igreja
Católica. Para ele, a jornada terrena do homem deveria convergir em direção ao
reino perfeito de Deus, uma ideologia que implicava a rejeição dos excessos
mundanos.
Ou seja, o ponto de partida nunca foi Lutero, Lutero apenas foi bem
sucedido em sua tentativa de voltar aos primórdios do cristianismo primitivo,
gerando assim a Reforma Protestante.

10.1 LUTERO E CALVINO

A Reforma Protestante emerge como um movimento catalisado pelo


erudito monge agostiniano alemão, Martinho Lutero (1483-1546), cujo posto
docente na venerável Universidade de Wittenberg lhe conferiu o pódio
109

acadêmico para seu argumento crítico. Desafiando o statu quo eclesiástico,


Lutero proferiu objeções a certas práticas promovidas pela Igreja.
No ano de 1517, a indignação de Lutero perante a venda de indulgências,
perpetrada pelo dominicano João Tetzel, se cristaliza na elaboração de um
documento contendo 95 proposições críticas, dirigidas tanto à Igreja quanto ao
Sumo Pontífice.
Originalmente destinadas ao fórum acadêmico, estas 95 teses, afixadas
à porta de uma igreja, foram, de forma inesperada, disseminadas à comunidade
quando alguns estudantes decidiram imprimi-las e proclamá-las perante o
público, provocando assim a ampla divulgação das repreensões à Igreja
Católica.
O ano de 1520 viu o Papa Leão X promulgar uma bula condenatória,
instando Lutero a retratar suas alegações. O inusitado ato de Lutero, de queimar
publicamente a bula, intensificou a conflagração. Em 1521, o imperador Carlos
V convocou a notável "Dieta de Worms", onde o monge foi julgado como herege.
Entretanto, parte da aristocracia alemã, que acolhia simpatia por suas
convicções, forneceu refúgio a Lutero no recinto do castelo de Wartburg. Ali, o
doutor reformador empenhou-se na transcendental tarefa de traduzir a Sagrada
Escritura do latim para a língua vernácula alemã, ao mesmo tempo em que
esculpia os princípios fundamentais de uma nova religião.
Sobrevieram conflitos religiosos que somente alcançaram resolução em
1555, mediante a "Paz de Augsburgo". Esta veneranda concordata sancionou o
princípio de que cada soberano no âmbito do Sacro Império podia eleger a fé de
sua governança e súditos.
A insurgência e os princípios engendrados por Martinho Lutero
prontamente disseminaram-se pelo continente europeu, manifestando-se em
distintas roupagens nas diversas regiões, uma vez que numerosos pensadores
religiosos imergiram nos escritos de Lutero e advogaram pela reconfiguração da
fé.
Contrastivamente, na França e na Holanda, os alicerces luteranos
encontraram expansão e reformulação sob a égide de João Calvino (1509-1564).
Calvino, integrante da burguesia e permeado pela influência do Humanismo e
das teses luteranas, abraçou fervorosamente as novas concepções.
110

Sua obra magistral, a "Instituição da Religião Cristã," evoluiu para tornar-


se o compêndio dos calvinistas, e seu autor, mesmo diante de perseguições,
encontrou refúgio em Genebra, na Suíça, onde a Reforma já havia sido
recepcionada.
Em Genebra, ele insuflou o movimento reformista com ideias inovadoras,
complementando e expandindo os fundamentos luteranos. Calvino prescreveu a
eliminação de imagens nas igrejas e o despojamento dos sacerdotes de seus
paramentos litúrgicos. A Bíblia adquiriu um primado inquestionável na fé,
eliminando a necessidade de um clero regular.
Para Calvino, a salvação não se submetia à vontade dos fiéis, mas sim ao
desígnio divino, uma concepção conhecida como a doutrina da predestinação.
O Calvinismo floresceu de forma rápida e vigorosa por toda a Europa, superando
a disseminação do luteranismo. Seus adeptos se estenderam pelos Países
Baixos e Dinamarca, originando os presbiterianos na Escócia, huguenotes na
França e puritanos na Inglaterra.

10.2 CAUSAS DA REFORMA

Fator Econômico:

As possessões territoriais da Igreja Romana na Europa Ocidental


suscitavam grande cobiça por parte das autoridades governamentais, da
aristocracia e da classe média das nações e Estados. Os dirigentes lamentavam
a contínua debandada de recursos destinados ao erário papal em Roma.
Adicionalmente, o clero gozava de imunidade fiscal perante as entidades
estatais, o que lhe permitia ser um persistente ônus financeiro.
Na mesma linha de raciocínio, é de suma pertinência abordar a
problemática relacionada às indulgências. O abuso do sistema indulgencial
constituía um fator agravante da penúria econômica, notadamente na Alemanha,
onde os excessivos privilégios conferidos à Santa Sé eram manifestamente
excessivos, provocando o ímpeto indignado de Lutero.
111

O Fator Intelectual:

A atribuição desse fenômeno pode ser rastreada até a atitude crítica


adotada por indivíduos de intelectos esclarecidos e secularizados frente à esfera
religiosa de seu contexto temporal. O movimento humanista do Renascimento,
notadamente na Itália, engendrou um ethos secular que ecoava o ethos que
caracterizou a Antiga Grécia. É patente que aqueles que abraçaram o
humanismo, com suas mentes desembaraçadas, não podiam tolerar as
artimanhas do romanismo, o que, por sua vez, criou um ambiente propício para
que cristãos mais iluminados pudessem emancipar o Cristianismo das amarras
da ignorância.

O Fator Moral:

Os eruditos humanistas, detentores do Novo Testamento em língua


grega, perceberam prontamente a disparidade entre a Igreja neotestamentária
retratada nas Escrituras e as práticas da Igreja Católica Romana.
A corrupção havia permeado todos os estratos da hierarquia eclesiástica,
manifestando-se em formas como prostituição, suborno, corrupção, homicídios
e a comercialização de indulgências, entre outras transgressões. Em suma, a
confluência desses eventos expunha de forma incontestável a penumbra na qual
a Igreja Católica Romana estava mergulhada. De todos os fatores que
contribuíram para o advento da Reforma Protestante, nenhum se revelou mais
preponderante do que o fator de ordem moral.
Em 1517, a centelha inicial foi acesa durante o auge da campanha de
angariação de fundos para a Basílica de São Pedro, em Roma, conhecida como
a campanha das indulgências. O padre dominicano Tetzel, com grande
ostentação, pregava sobre as indulgências, alegando que a cada moeda que
caía em sua bolsa, uma alma era libertada do purgatório.
Em resposta a isso, Martinho Lutero decidiu protestar e afixou suas 95
teses na porta da Igreja em Wittenberg, na Alemanha, condenando o abuso das
indulgências. O Papa Leão X emitiu a bula Exsurge Domine, ameaçando Lutero
112

com excomunhão, mas já era tarde, as teses de Lutero já se espalhavam por


toda a Alemanha.
Lutero foi posteriormente convocado a comparecer à Dieta de Worms,
onde se recusou a se retratar de suas afirmações. Foi na Dieta de Spira, em
1529, que os cristãos reformadores foram pela primeira vez chamados de
"protestantes", em virtude do protesto dos príncipes alemães contra o
autoritarismo católico.
A perseguição aos reformadores e aos novos protestantes se intensificou,
especialmente com o movimento da Contrarreforma promovido pela Igreja
Católica. Houve cem anos de conflitos religiosos entre os reinos católicos e os
protestantes. No entanto, a Reforma prevaleceu, prosperou e igrejas
protestantes surgiram em todo o mundo. Hoje, uma parte substancial da
população ocidental é protestante, e o Brasil segue uma trajetória notável rumo
à difusão do cristianismo protestante. Isso marca um capítulo significativo na
história religiosa e cultural.

10.3 A IGREJA ANTES DA REFORMA

A história da Igreja Ocidental, sob o papado, revela uma sucessão de


tentativas malsucedidas em preservar a integridade moral, espiritual, teológica e
eclesiástica do cristianismo. Em vez de fortalecer a fé cristã conforme foi
transmitida, muitas vezes buscou consolidar o absolutismo papal, resultando em
um comprometimento do Evangelho. Isso levou a séculos de conflitos pelo poder
temporal, minando gradualmente a influência e autoridade da Igreja como
guardiã da fé que negligenciou em prol de ambições que anteriormente
condenava.
Iniciando nosso exame a partir do século VIII no Ocidente, deparamos
com uma profunda decadência moral no clero romano. A condição moral era
devastadora, com muitos sacerdotes envolvidos em comportamentos imorais e
avareza. Os episcopados eram tratados como propriedades privadas e,
frequentemente, vendidos ao maior lance. Além da embriaguez e do adultério,
vícios mais leves, o clero havia caído em uma decadência profunda. Os
sacerdotes escandalosos superavam em número aqueles que levavam uma vida
honesta. Não apenas a ignorância e negligência de seus deveres eram comuns,
113

mas também a luxúria, imoralidade grosseira, roubo e simonia.


Surpreendentemente, o alto clero não estava isento dessas práticas, e a simonia
(a venda de cargos eclesiásticos) era amplamente aceita como o meio regular
de ascensão ao episcopado.
Durante um período de mais de 150 anos, a partir de 890 d.C., o papado
experimentou uma profunda degradação, atingindo níveis de vergonha e vilania
notáveis. A dignidade da posição, outrora exaltada por líderes como Gregório I
e Nicolau, foi submetida a uma série de infortúnios. Competições políticas
influenciaram vários pontificados, com alguns papas sendo acusados
abertamente de uma variedade de crimes e pecados.
Em uma notável fase, o papado caiu sob a influência de uma família
notoriamente corrupta, cujas mulheres dominavam a nomeação papal e o
entregavam a quem melhor servisse aos seus interesses. A decadência papal
foi tão profunda que o imperador Oto I, em um esforço para salvar o papado da
desintegração, assumiu o controle direto, nomeando e destituindo papas
conforme lhe conviesse durante 40 anos. Posteriormente, o papado passou para
as mãos da família italiana dos condes de Tusculum. Somente com a expulsão
de Benedito IX, cujos atos depravados, roubos e assassinatos provocaram uma
revolta popular em Roma, a era de decadência chegou ao fim.
É notável que, apesar desse período de declínio, o papado conseguiu se
recuperar, adquirindo ainda mais prestígio e poder do que antes. Isso demonstra
a resiliência de sua influência sobre o espírito do povo europeu, que via no bispo
romano uma figura paterna, especialmente após séculos de invasões e conflitos,
em alguns casos com a mediação pacífica do papado.
No entanto, vale destacar que a Igreja havia acumulado considerável
prestígio e poder antes de atingir esse estado de decadência. Mesmo aqueles
que buscavam uma vida mais consagrada, como monges e freiras, não
escaparam da corrupção da época. Alguns dos registros mais sombrios sobre
imoralidade provêm dos próprios mosteiros, cuja situação interna refletia o
estado deteriorado do mundo exterior, além das paredes dos conventos.
É inegável que a influência do paganismo se infiltrou na Igreja, tornando-
se uma presença preocupante. No final do décimo século, uma grande parte da
Europa Ocidental se identificava nominalmente como cristã, um processo
iniciado no século IV por Teodósio, como parte do processo de cristianização do
114

Império Romano. No entanto, esse processo também trouxe para a Igreja muitos
pagãos que adotaram superficialmente o cristianismo, mas mantiveram suas
crenças e práticas pagãs. Essa influência persiste até os dias atuais.
Nessa época, a maioria das pessoas se considerava cristã apenas no
contexto das cerimônias religiosas, mas o ensinamento moral cristão tinha pouco
impacto em suas vidas. Em essência, a sociedade era nominalmente cristã, mas,
na prática, continuava pagã.
A Europa Ocidental enfrentava uma série de desafios, incluindo guerras
frequentes entre reis e nobres, invasões bárbaras que traziam selvageria e
destruição, além de um nível profundo de ignorância. A antiga cultura greco-
romana havia sido amplamente obscurecida pela invasão bárbara, e o
conhecimento e a instrução eram acessíveis a apenas alguns.
Diante desse contexto, o Cristianismo teve que lutar para que seus
princípios morais fossem aceitos e seguidos. No entanto, a influência do
paganismo persistia, e não apenas o Deus cristão, mas também santos, a
Virgem Maria, monges e mártires eram invocados, muitas vezes percebidos
como mais acessíveis aos indivíduos medievais do que o próprio Deus
encarnado. Isso levou a uma variedade de cultos, peregrinações e veneração de
relíquias na religião popular. A Missa tornou-se o ponto central do culto, e a
Eucaristia era considerada um sacrifício contínuo oferecido a Deus pelos
pecados do mundo.
É notável que muitos que se autodenominavam cristãos naquela época
viam o mundo como um lugar infestado por demônios ávidos por devorar almas
e conduzi-las ao inferno. Para neutralizar a influência maligna, a intercessão dos
santos e a magia atribuída às relíquias santas eram invocadas. Os templos eram
considerados refúgios de extrema santidade, onde as pessoas acreditavam estar
livres do pecado, do diabo e da ira divina. Essa crença generalizada transformou
o cristianismo em uma religião dominada pelo medo, assemelhando-se ao
paganismo, principalmente porque a maioria dos cristãos ainda mantinha
concepções pagãs sobre a religião.
No Oriente, a cristandade enfrentou divisões internas e debates
intermináveis sobre detalhes doutrinários, enquanto era alvo de ataques
massivos dos muçulmanos desde o século VI, quando os árabes conquistaram
territórios que incluíam Síria, Palestina, partes da Ásia Menor, Mesopotâmia e
115

Egito. A Igreja oriental conseguiu manter-se em áreas como os Bálcãs, Grécia e


partes da Ásia Menor, mas onde o islamismo avançava, a Igreja era sujeita a
tributação, desonra e proibições de construção de novos templos. Essas
circunstâncias levaram à estagnação da Igreja no Oriente. No século VIII, o
oriente cristão produziu seu último pensador notável, João de Damasco.
No entanto, no século IX, a cristandade oriental reavivou seu zelo
missionário, alcançando regiões como Morávia, Sérvia, Bulgária e Rússia. Nesse
período, a Igreja Oriental também resistiu às tentativas dos imperadores de impor
sua vontade sobre ela, buscando autonomia religiosa e espiritual.
No século IX, na Europa Ocidental, um novo capítulo se abriu após
séculos de guerra e anarquia, trazendo consigo a restauração da ordem e da
paz. Na providência divina, ao longo de muitos séculos, o papado desempenhou
um papel crucial na Idade Média ao preservar a Europa Ocidental do caos e ao
promover a fusão das civilizações romana e germânica. Os povos germânicos
haviam estabelecido suas conquistas e estavam desenvolvendo sua própria
civilização. O imperador Oto I, na Alemanha, expandiu seus territórios para o
leste, repelindo invasores e assegurando a estabilidade naquela região.
Os normandos e dinamarqueses, que foram os últimos bárbaros a atacar
a Europa Ocidental e do Sul, cessaram suas investidas, e muitos deles se
estabeleceram na França. Os árabes também haviam interrompido suas
incursões após alcançarem o sul da Espanha. Como resultado, a Europa
Ocidental desfrutou de um período de paz e tranquilidade, o que propiciou um
renascimento intelectual.
Grandes mestres surgiram em mosteiros e escolas, e homens instruídos
viajaram extensivamente em busca de conhecimento, pesquisa e
desenvolvimento cultural. Uma profusão de livros foi escrita, e a arte
experimentou um notável renascimento, contribuindo para o esplendor do
período medieval. Nesse contexto, o Cristianismo teve a oportunidade de
demonstrar seu poder após séculos de desafios e obstáculos em um mundo
marcado pela desordem.
No entanto, é lamentável que a corrupção também tenha infiltrado
mosteiros e conventos, que antes eram considerados lugares de devoção
sincera. Isso levou a um verdadeiro renascimento da devoção sincera nessas
116

instituições, uma necessidade vital para esse período de ressurgimento cultural


e espiritual.
No século X, na região sudeste da França, foi fundado o mosteiro de
Cluny, que aderiu estritamente à regra beneditina em sua forma mais austera.
Os monges de Cluny mantinham seus votos com rigor e difundiram a consciência
da presença do mal no mundo, com o propósito de reformar a vida religiosa.
Esse movimento se espalhou para a Alemanha, inspirando a purificação de
muitos conventos. Novos conventos foram estabelecidos em toda a França e
além, seguindo as regras e o exemplo da Congregação de Cluny da época.
No século seguinte, um partido reformista surgiu com o objetivo de
revitalizar a Igreja, libertando-a da decadência. Esse partido era formado por
indivíduos que haviam sido influenciados pelo zelo e pela disciplina rigorosa de
Cluny ou de mosteiros por ela inspirados. A principal intenção desse grupo era
separar a Igreja de quaisquer ligações com interesses e poderes seculares,
buscando uma renovação espiritual e moral.
Os planos dessa reforma eram:

Deter e aniquilar a prática da simonia:

A simonia refere-se à compra de cargos eclesiásticos na Igreja. Esse


problema era uma consequência da grande riqueza acumulada pela Igreja na
época. Bispos e mosteiros detinham vastas propriedades e terras valiosas, sobre
as quais exerciam controle semelhante aos senhores feudais da nobreza. Devido
a essas propriedades estarem localizadas nos domínios dos reis, esses oficiais
eclesiásticos também estavam sujeitos à influência dos monarcas. Como
resultado, os governantes civis frequentemente tinham o poder de nomear
bispos e abades e, sendo muitas vezes pessoas mais interessadas em assuntos
seculares do que em questões espirituais, vendiam esses cargos eclesiásticos
como lhes conviesse e pelo preço que desejassem.
Essa prática era prejudicial à vida espiritual da Igreja, pois homens que
obtinham cargos religiosos por meios financeiros não necessariamente eram os
mais qualificados para desempenhar essas funções eclesiásticas. Isso minava a
integridade da liderança religiosa e era uma preocupação séria na época.
117

Fortalecer o celibato clerical:

Os reformadores, como parte de seus esforços para revitalizar a Igreja,


se opunham ao casamento dos clérigos, mesmo que a Igreja já tivesse proibido
essa prática. Eles argumentavam que os clérigos casados, devido às suas
responsabilidades familiares, não podiam se dedicar plenamente aos interesses
da Igreja. Portanto, defendiam que o celibato clerical deveria ser estritamente
observado para garantir que os membros do clero pudessem concentrar-se
exclusivamente em suas obrigações religiosas e pastorais, sem as distrações e
compromissos familiares que o casamento implicava.

Purificação da vida clerical:

Os reformadores de Cluny, conhecidos por sua vida austera e devoção,


tinham uma profunda aversão pela imoralidade que prevalecia na Igreja e
estavam comprometidos em combatê-la. Eles juraram erradicar a corrupção e a
decadência que haviam se infiltrado nas fileiras eclesiásticas, buscando
promover uma vida religiosa mais pura e dedicada.
De fato, os reformadores de Cluny tinham três objetivos principais:
combater a imoralidade na Igreja, fortalecer a autoridade do papa e livrar a Igreja
do domínio dos interesses seculares. Eles acreditavam que alcançar esses
objetivos resultaria em uma Igreja moralmente mais forte e capaz de cumprir seu
papel espiritual de maneira mais eficaz. Esse movimento de reforma ficou
conhecido como Reforma Cluníaca ou Cluniacense.
Em 1049, esses reformadores conseguiram sua primeira oportunidade de
implementar seus objetivos quando um deles, apoiado pelo imperador Henrique
III, tornou-se papa com o nome de Leão IX. Isso ocorreu em resposta à
degradação do papado, incluindo o infeliz episódio em que o papa Benedito IX
vendeu seu cargo. Leão IX e seus sucessores passaram a colocar em prática o
plano de reforma cluníaca, resultando em melhorias na situação geral da Igreja.
Os papas a partir de Leão IX foram influenciados pelo líder dos
reformadores cluniacenses, que mais tarde se tornaria o papa mais proeminente
de todos, conhecido como Hildebrando. Sua liderança desempenhou um papel
fundamental na promoção e consolidação das reformas na Igreja.
118

Hildebrando, um italiano de origem humilde, apesar de não ser monge,


compartilhava o espírito e os ideais dos monges de Cluny. Enquanto servia em
uma pequena igreja, ele se tornou o verdadeiro mentor por trás do trono papal,
exercendo influência desde a época de Leão IX até sua própria eleição em 1073.
Ele desempenhou um papel crucial na influência sobre as eleições papais,
moldando a política da Igreja e elaborando cuidadosamente um plano para a
reforma da instituição. Eventualmente, ele foi aclamado pelo povo na Igreja de
São Pedro como Papa, sendo escolhido pelos cardeais e adotando o nome Papa
Gregório VII.
Apesar de sua estatura física pequena e aparência desajeitada, Gregório
VII era uma figura de grande intelecto, coragem, determinação e zelo como
defensor do absolutismo papal. Ele começou sua reforma enfatizando a questão
do celibato clerical e enfrentou com firmeza os monarcas que tentavam interferir
nos assuntos da Igreja, especialmente o imperador Henrique IV da Alemanha.
Isso levou a um conflito entre Gregório VII e Henrique IV, que resultou em
excomunhão mútua e deposição entre o papa e o imperador. Isso desencadeou
uma guerra que devastou a Itália, com os exércitos papais e imperiais se
enfrentando por anos. Como resultado, Gregório VII foi expulso de Roma e
morreu no exílio. No entanto, ele conquistou a independência do papado em
relação ao poder imperial. Ele repetidamente se autodenominou "Soberano dos
reis e príncipes" e provou ser verdadeiramente um líder poderoso.
Hildebrando, ao assumir como Gregório VII, encontrou o papado
enfraquecido e humilhado e, através de suas ações, elevou a posição papal a
um dos maiores poderes da Europa. Ele foi, sem dúvida, um dos papas mais
influentes da história, um construtor principal do papado e um visionário líder na
Idade Média. Sua política central era libertar a Igreja do controle externo e
eliminar a sujeição da Igreja ao Estado. Era dessa forma que a igreja funcionava
antes da reforma.
119

10.4 IGREJA CATÓLICA PROIBIU A LEITURA DA BÍBLIA?

Na anosa epístola pontifícia de 1713, o Sumo Pontífice Clemente XI


promulgou a célebre Bula Unigenitus, a qual promulgou severas censuras a
respeito das 101 proposições emanadas da escola jansenista sob a autoria do
erudito Pasquier Quesnel.
Dentre o conjunto de proposições assim condenadas, a tese 80, a qual
proclamava solenemente que: "A leitura da Escritura Sagrada é para todos".
É importante ressaltar que este documento não implicava uma proibição
de interpretações pessoais das Escrituras, mas sim uma restrição à leitura direta
da Bíblia por parte da igreja, reservando tal prerrogativa a alguns poucos.
Ademais, é válido observar que o ensino da Unigenitus pode ser legítimamente
considerado infalível, segundo os critérios estabelecidos pela Igreja Católica.
Este documento, ao se configurar como uma constituição Apostólica e, portanto,
um ensinamento de fé do Papa destinado a toda a Igreja, bem como ao angariar
a concordância dos Bispos dispersos da Igreja, adere aos requisitos
tradicionalmente exigidos para tal status.
De fato, é importante realçar que a Unigenitus foi emitida como um decreto
papal contra o que o Papa considerava uma heresia, ou seja, o jansenismo, cuja
defesa da leitura da Bíblia estava entre seus princípios. Nesse contexto, pode-
se argumentar que a Unigenitus representa um ensinamento de fé do Papa que
atende aos critérios de infalibilidade. Adicionalmente, a excomunhão de todos os
Bispos que se opuseram ao conteúdo da Unigenitus em 1718, conforme
estabelecido na Pastoralis Officci, indica uma concordância universal entre os
Bispos remanescentes, fortalecendo ainda mais a argumentação em favor de
sua infalibilidade.
Os ensinamentos contidos na Unigenitus foram reiterados por vários
Papas posteriores, incluindo Inocêncio XIII, com seu decreto de 8 de janeiro de
1722, Bento XIII no Sínodo de Roma de 1725, e Bento XIV na Encíclica Ex
Omnibus Christiani Orbis de 1756.
A autoridade da Unigenitus foi assim afirmada ao longo do tempo,
demonstrando a continuidade e a persistência da condenação do jansenismo por
parte da Igreja Católica. A última afirmou que a autoridade da Unigenitus era
"certamente tão grande e reivindica em todos os lugares a mais sincera
120

veneração e obediências que ninguém pode dela retirar nada ou opor-se sem
arriscar a perda da salvação eterna".
Observa-se que a Igreja Católica, em tempos pretéritos, promulgou uma
proibição infalível e irrevogável quanto à leitura da Sagrada Escritura por parte
dos crentes em geral. Entretanto, à luz dos eventos contemporâneos, em que o
Pontífice atual, Sua Santidade o Papa Francisco, encoraja vigorosamente a
leitura da Bíblia e a disponibiliza aos fiéis, emerge uma aparente contradição em
relação a essa doutrina estabelecida.
O próprio Catecismo da Igreja Católica, documento de significativa
autoridade eclesiástica, aparenta divergir deste ensinamento prévio, conforme
manifestado no seguinte trecho: "A Igreja exorta com ardor e insistência todos
os fiéis [...] a que aprendam 'a sublime ciência de Jesus Cristo' (Fl 3,8) pela leitura
frequentemente das divinas Escrituras [...]." (CAC 2653)
Com efeito, constatamos que a Igreja Católica, além de disseminar
doutrinas que são amplamente consideradas incongruentes com os princípios
do cristianismo adotados de forma universal em nossa época, também se
encontra em uma contradição direta com sua própria autoridade. Esta
contradição manifesta-se na revogação de doutrinas previamente estabelecidas
como infalíveis, o que levanta questionamentos acerca da alegada infalibilidade
papal.
Porém, temos de assumir uma coisa: protestantes quando afirmam
superficialmente que: "A igreja católica proibiu a leitura da Bíblia" se referindo a
tempos que difere do citado anteriormente, estes cometem falácia, visto que
tinham sim, em uma certa época da igreja, documentos públicos publicados pela
própria igreja católica.
Não é anacrônico, por exemplo, afirmar que na época de autoridade
católica, apenas o magistério da própria tinha conhecimento de documentos
específicos e das traduções da Bíblia, sendo uma limitação para o povo por só
ter acesso a partir do sermão do Padre na missa sem poder conferir se é real ou
não o que esse Padre prega, portanto, temos aí uma coisa que é muito
interessante: a maioria dos cidadãos só tinham acesso a palavra por meio da
pregação dos padres na missa.
Vale deixar claro que muitas decisões conciliares eram decididas por
Bispos, passada para os pastores e então passados para os leigos, então sim,
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em uma certa época os leigos podiam ter acesso à essas atas. No concílio de
Niceia houve bastante participação dos leigos na questão da Trindade.
Era uma coisa muito pública, os leigos tinham acesso e você poderia
conferir e etc, porém, apenas bispos e pessoas ligadas a autoridade da igreja
tinham acesso a documentos específicos que os leigos não tinham acesso.
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CAPÍTULO 11 – MARIA TEVE OUTROS FILHOS? MARIA NUNCA PECOU?

11.1 FILHOS

É possível provar que Maria não permaneceu virgem e teve outros filhos
com simples exegeses de textos bíblicos. Em primeiro lugar, de acordo com
Mateus 1.25, o anjo deu ordem para que José não tocasse em Maria só até
Jesus nascer.
De acordo com Mateus 13.55, as escrituras narram que Maria teve filhos
e filhas, mas cita apenas o nome dos homens: Simão, José, Tiago e Judas. O
interessante desse texto, que isso é apontado pelo povo, demonstrando que ali
era um núcleo familiar. Pois, nem sequer existia um conceito de “irmãos de
igreja”, como alguns defendem.
Os católicos afirmam que tais irmãos, na verdade, são primos de Jesus.
Todavia, a palavra “irmão” empregada no texto, em grego é adelphos. Adelphos
significa irmão, filho da mesma mãe e mesmo pai.
De sorte, ainda podemos cruzar dois textos de um mesmo autor para
rebater a ideia católica de aqueles irmãos são primos. Em Colossenses 4.10,
Paulo cita o primo de Barnabé. A palavra grega usada para primo é anepsios.
Já em 1 Coríntios 9.5, Paulo cita os irmãos de Jesus. Paulo, para citar esses
irmãos, ele usa a palavra grega adelphos.
Ora, se são “primos” de Jesus, por qual motivo Paulo não usou a palavra
grega “anepsios”?
De acordo com Lucas 2.7, Jesus é chamado de primogênito de Maria.
Se era primogênito, certamente indica que Maria teve mais filhos. Se Jesus fosse
o único, ele seria chamado de unigênito. Basta fazer uma conexão com João
3.16, onde Jesus é chamado de unigênito de Deus, ou seja, único filho.
Outro ponto a se observar é que os irmãos de Jesus não são os apóstolos
citados nos textos. Naquela época era comum ter nomes iguais. Temos por
exemplo uns três Judas diferentes mencionados nos evangelhos. Tratando dos
irmãos de Jesus, eles estavam a todo momento ao lado de José e Maria,
demonstrando para o povo que eram filhos do casal, assim como mostra o texto
de Mateus 13.55.
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Um texto que um católico poderia usar em seu favor, é o de 1 Coríntios


15.6, onde mostra que Jesus, na sua ressureição, apareceu para mais de
quinhentos irmãos. E a palavra grega usada para irmãos nesse texto é
“adelphos”. Todavia, é importante analisar os contextos. Em Mateus 13.55,
quando fala dos irmãos de Jesus, ali está dentro de um conceito de núcleo
familiar. Já em 1 Coríntios 15.6, o conceito é de núcleo de igreja. Não seria
normal ali chamar as pessoas de “anepsios”, ou seja, primos.
Por fim, é importante ressalvar que não existe castidade dentro de um
casamento. O próprio apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 7.5, vai dizer que o casal
que deixa de fazer sexo, comete pecado, pois será tentado pelo diabo.
Até hoje eu não entendo por qual motivo os católicos não medem esforços
para propagar que Maria foi perpetuamente virgem, pois o sexo dentro do
casamento é algo santo, e isso, nada prejudicaria a santidade de Maria.

11.2 PECADO

Ora, é inconcebível a ideia de que Maria foi preservada do pecado original,


uma vez que as escrituras dizem em Romanos 3.23-24: Todos pecaram e
destituídos estão da glória de Deus; Sendo justificados gratuitamente pela sua
graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.
O texto diz claramente que todos pecarem e todos carecem de justificação
por meio de Jesus Cristo. Paulo continua em Romanos 5.12: “Portanto, como
por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim
também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram”.
A doutrina católica afirma que Maria foi preservada do pecado original no
ventre de sua mãe para poder gerar Jesus. Aí eu faço a pergunta, se Maria
conseguiu a proeza de ser preservada do pecado original mesmo nascendo de
uma mãe pecadora, por que Jesus não conseguiria o mesmo feito? Não poderia
Deus ter feito o mesmo com Jesus?
Se levarmos essa doutrina a sério, a mãe de Maria teria que ser
preservada do pecado, a mãe da mãe de Maria também, isso até chegar em
Adão e Eva. O que não faz o total sentido. Na genealogia de Jesus o que mais
temos são pecadores. Temos adúlteros (Davi) e até mesmo prostitutas (Raabe).
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Jesus não foi concebido pelos meios naturais, ou seja, pela relação sexual, mas
por meio de um milagre. Por esse motivo Jesus foi preservado do pecado
original, sendo o único, em toda a história da humanidade, sem pecar.
O único homem em toda a escritura, onde é dito claramente que nele não
teve pecado algum, foi Jesus Cristo. Como diz em Hebreus 4.15: “Pois não
temos um sumo sacerdote que não seja capaz de compadecer-se das nossas
fraquezas, mas temos o Sacerdote Supremo que, à nossa semelhança, foi
tentado de todas as formas, porém sem pecado algum”.
Uma outra coisa que as vezes os católicos parecem esquecer, é que
Maria não foi escolhida por ser “sem pecado”. Existia uma profecia no antigo
testamento onde dizia que o Messias teria que vir da descendência do rei Davi
(Isaías 9.7). Tanto Maria (Lucas 3.23-38) quando José (Mateus 1) eram
descendentes de Davi, e foi por esse motivo, que eles foram escolhidos. Se
Maria não fosse da descendência de Davi, jamais ela seria escolhida para gerar
o Messias, pois a profecia nunca iria se cumprir.

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