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CAPÍTULO 1

A não ser pelo ruído monótono da máquina de escrever, o


apartamento estava em silencio quando a campainha tocou. A interrupção
irritou o homem sentado diante da máquina. Rasgando com raiva a página
interrompida, ele se levantou e foi atender a porta. Os amigos já o conheciam
muito bem e não cometeriam a imprudência de vir perturbá-lo a uma hora
daquelas. Mas ele não se surpreendeu ao deparar com a recém-chegada.
— Jarret! – A mulher loira, já não tão jovem, entrou sem esperar
convite. Acariciou o rosto dele com a mão enluvada. — Humm, esqueceu de se
barbear hoje, querido. Mas amo você assim mesmo.
A voz sensual da mulher não produziu grande efeito. Com um
suspiro de impaciência, Jarret encostou-se no batente, sem fazer o menor gesto
para fechar a porta. A visitante deu uma risadinha nervosa.
— Querido, não fique aí parado olhando para mim como se eu não
fosse bem-vinda...
— Você não é bem-vinda!
— ...Especialmente quanto trago notícias emocionantes para você.
— Não é hora, Margot! – Suspirou, impaciente. — Como vê, estou
trabalhando. – Apontou para a escrivaninha. — Espero que a visita seja curta.
— Mas como estamos azedos! – brincou Margot, sem se preocupar
com o mau humor de Jarret. — Qual é o problema? – perguntou, folheando sem
interesse as páginas empilhadas ao lado da máquina. — Estamos de ressaca ou
acordamos com o pé esquerdo?
— Vá embora daqui, Margot!
— Não seja grosseiro, Jarret! Não vai nem me oferecer uma
bebida? O trânsito em Knightsbridge estava simplesmente horrível, e estou
morta de vontade e tomar alguma coisa gelada e refrescante.
— Olhe, Margot...
Pela primeira vez a impaciência de Jarret pareceu ofendê-la. Ela
levantou bem a cabeça e assumiu a melhor pose de ofendida que conseguiu.
Jarret sentiu o estômago revirar.
— Quer fazer a gentileza de fechar a porta um momento? – pediu
Margot, vendo que seu charme não estava atingindo o objetivo. — Você é um
idiota egoísta, Jarret! Não sei por que me preocupo com você.
— Não sabe mesmo? – suspirou, resignado e fechou a porta. — E
então? A que devo o prazer da visita?
Lady Margot Urquart não conseguiu esconder a frustração. Apesar
da diferença social que havia entre eles, Jarret tinha o dom de transformá-la
numa tola ingênua. Mesmo tendo dez anos mais que ele, ficava reduzida a uma
jovenzinha inexperiente diante do olhar frio daquele homem.
— Você é um bruto, Jarret! – protestou, passando a mão no decote
da blusa num gesto deliberadamente sensual. — Perco meu tempo vindo aqui
para ajudá-lo e você me trata como uma... como uma leprosa! Sei que está
trabalhando, que quer escrever seu livro em paz, mas é justamente para isso
que estou aqui... para ajudar você.
— Não sabia que você tinha feito um curso de datilografia, Margot
– foi o comentário seco de Jarret. Arrancou a folha que Margot segurava e
amassou-a com raiva. — Desculpe-me por desapontá-la, mas prefiro trabalhar
sozinho...e sem interrupções.
— Jarret, Jarret! – ela exclamou, desanimada. — Sabe muito bem
que não foi isso que eu quis dizer. E por que está amassando a folha? Por acaso
interrompi o fio dos seus pensamentos?
— Interrompeu – concordou, sem se preocupar com as boas
maneiras. — E não foi só isso que você estragou. Diga logo o que quer e vá
embora!
— Se vai agir assim... – queixou-se Margot.
— Assim? Assim como? – Jarret se sentou na beirada da
escrivaninha, cruzou os braços e olhou para ela arrogante. — Como quer que eu
me comporte? Está aqui sem ser convidada, Margot.
— É aquela moça, não é? – exclamou, mudando completamente de
tática. — Jô me disse que você está saindo com ela. E por isso que está sendo tão
grosseiro...por causa dela!
— Por que não diz logo o que veio fazer aqui, Margot? – pediu
Jarret, sem mudar de expressão, ignorando o desabafo.
Frustrada, a mulher virou de costas.
— Se não pretende me oferecer uma bebida, então eu mesma vou
me servir – declarou, ofendida, andando até o armário das bebidas — Quer
uma, ou isso vai perturbar seus impulsos criativos?
— Não quero beber, Margot. – Sentou-se na cadeira de couro onde
costumava trabalhar, apoiando a perna com displicência no braço alcochoado.
— Não preciso dessa espécie de estímulo a essa hora da manhã.
— Já são onze e meia, querido. – Margot se defendeu, servindo-se
de uma dose generosa de uísque escocês. — Humm... divino – afirmou,
passando a língua pelos lábios molhados. — O primeiro drinque do dia é
sempre o melhor.
— Quer dizer que esse é o primeiro? – ironizou Jarret, cético.
Reprimindo o impulso de humilhá-la ainda mais, acrescentou: — Vai me dizer
por que veio aqui, Margot? Ou devo concluir que a ajuda foi só uma desculpa?
— Não, não foi – reagiu Margot, indignada, passando a mão na
saia plissada numa tentativa de chamar a atenção para suas pernas bem-feitas.
— Tenho mesmo uma novidade para você, Jarret, mas estou começando a
perder a vontade de contar.
— Então não conte – respondeu Jarret com indiferença.
— Querido, não seja assim! Estou só brincando. Sabe muito bem
que não tenho coragem de negar nada a você. Não sei por que insiste em me
tratar como uma idiota.
— Olhe, Margot – tirou a perna do braço da cadeira e apoiou o pé
no chão. — Não tenho tempo para ficar aqui sentado discutindo meu
comportamento. Está bem, sou um bruto, um imbecil e trato você
pessimamente. Então por que insiste em andar atrás de mim? Nunca autorizei
você a controlar minha vida.
Margot deu um suspiro e foi até a Janela, agitada. Lá em cima
avistava-se Londres em toda sua extensão, até os subúrbios mais distantes. Uma
nuvem cinzenta escapava das chaminés da fábrica situada do outro lado do rio.
Era um dia escuro e triste, pouco estimulante para qualquer londrino.
Virando-se, ela examinou a sala com satisfação: austera, masculina,
mas mesmo assim agradável. Margot bem que gostaria de ter sido a
intermediária no aluguel do apartamento, mas a verdade é que Jarret não tinha
precisado da ajuda dela. O dono, mais do que satisfeito em ter como inquilino
uma pessoa de crescente popularidade como Jarret, ofereceu de bom grado o
melhor apartamento. Isso tinha acontecido há mais de dezoito meses, e a fama
do escritor continuava em ascensão meteórica.
Observando as emoções que transpareciam no rosto dela, Jarret
ficou imaginando o que Jô Stanford teria contado. Aquela mulher tinha boas
razões para sentir raiva dele, mas também não resistia aos impulsos de adular
um homem famoso.
— Você vive dizendo que Londres é uma cidade muito agitada,
que este apartamento não lhe dá a tranquilidade que gostaria de ter... –
terminou a bebida e ficou olhando os cubos de gelo que derretiam no fundo do
copo. — Bem... – fez uma pausa para dar mais impacto à notícia — Encontrei o
lugar ideal para você.
— É mesmo? – Jarret teve um acesso de irritação. — Você achou
um lugar para mim? Quanta consideração!
— É verdade, Jarret, encontrei mesmo! - Margot se ofendeu com a
ironia. — Não estou brincando. Sei exatamente o tipo de lugar que você precisa,
e acontece que a dona é minha amiga.
— Foi o que imaginei – comentou Jarret, seco, se levantando. —
Bem, Margot, obrigado, mas dispenso. Se, e quando eu decidir sair de Londres,
será por mim e não para agradar você.
— Ora, não faça de conta que não entende! – Margot bateu o pé,
impaciente, e serviu-se de mais uma dose de uísque. — Não estou querendo
dirigir sua vida. A menos, talvez... bem, você que decide.
— É, eu decido. E, se não se importa...
— Jarret... escute! – Margot tomou um gole de uísque para criar
coragem e chegou mais perto dele. — Sei o que estou falando. Não é
imaginação minha... King’s Green foi feito para você.
Jarret passou da irritação para a resignação e a piedade ao ver a
expressão ansiosa de Margot.
— Quando é que vai aprender que prefiro escolher minhas coisas
sozinho?
— Mas ao menos vai pensar na sugestão? – arriscou, acariciando o
rosto dele. — É mesmo um lugar especial e Alice não venderia se pudesse
suportar as despesas.
— E por que você acha que eu preciso de uma extravagância como
essa?
— Querido... – deu um beijo leve no rosto mal barbeado. — Você
pode de dar a esse luxo e sabe que pode. E depois, King’s Green é o lugar ideal
para você trabalhar.
Jarret a empurrou e se afastou, ignorando o olhar magoado.
— Onde fica isso? – perguntou, massageando a nuca com
impaciência. — É uma vila, uma casa, ou o quê?
— Uma casa – explicou Margot mais do que depressa, deixando de
lado o orgulho ferido. — Está em excelentes condições. Talvez precisando de
alguns reparos, mas isso é coisa fácil de arranjar. O lugar parece um sonho.
— Onde fica? – Jarret repetiu a pergunta, sem se deixar contagiar
pelo entusiasmo de Margot.
— Num lugar chamado Thrushfold, em Wiltshire. Fica a poucas
horas de Londres, mas a distância vai manter afastados os visitantes.
— Wiltshire... – murmurou, pensativo. — Sei.
—Você vai adorar! – Margot se apressou em tirar partido da
pequena vantagem que conseguira. — Tem de tudo... meia dúzia de quartos,
duas ou três salas e uma biblioteca. Você pode trabalhar lá. É bem grande para
garantir a sua privacidade.
— De que tamanho mais ou menos?
— Não sei ao certo. – deu de ombros, indiferente. — E que
importância tem isso? O importante é que...
— O tamanho, Margot!
— Quarenta ou cinquenta, sei lá...
— Quarenta ou cinquenta o quê? – interrompeu Jarret. — Acres?
Margot, você deve estar ficando louca! Não sou nenhum fazendeiro.
— Mas pode ser, querido. Seria um fazendeiro maravilhoso!
— Deixe-me ver se entendi bem. – Jarret colocou as mãos na
cintura. — Está sugerindo que eu compre esse... esse King’s Green de
alguma...amiga sua?
— Uma colega de escola, Alice Chase.
— Ela é viúva?
— Não faz o seu gênero, querido – brincou Margot.
— Foi isso o que veio me propor... que eu compre King’s Green?
— Por que não? – Margot foi obrigada a deixar a malícia de lado.
— É exatamente o que você estava procurando, não é? Uma casa no campo. Um
lugar onde você pode trabalhar... em paz.
— Humm... – Jarret não parecia convencido.
— Ao menos vá ver o lugar – ela o animou. — Que mal há? Você
não tem mesmo outra casa em vista... Tenho certeza de que vai ficar encantado.
— Encantado? – o mau humor de Jarret voltou. — Você não me
conhece muito bem, não é Margot?
— Bastante bem, mas não tanto quanto gostaria.
— Olhe, acho que você pensou que estava me fazendo um favor
vindo aqui me falar desse lugar, mas... – suspirou – bem, não posso tomar uma
decisão assim de repente. Preciso pensar.
— Claro! Mas vai decidir logo, não vai querido? Disse a Alice que
falaria com ela dentro de dois dias.
— Dois dias – repetiu Jarret, irritado. — Diabos, não posso tomar
uma decisão como essa em quarenta e oito horas!
— Vamos até lá – sugeriu Margot depois de uma pequena
hesitação. — Fica só a uma ou duas horas de carro. Podíamos ir hoje à noite e
voltar amanhã.
— Podíamos?
— Claro, querido. Prometi a Alice que o apresentaria a ela. É uma
grande admiradora sua. Tem todos os seus livros.
— Todos os três? – ironizou Jarret.
— Você vai?
— Não posso. Hoje não.
— Então amanhã – insistiu, fingindo não ter percebido a razão da
recusa. — Jarret, você deve isso a você mesmo...
— Amanhã de manhã – ele a interrompeu sem cerimônia. — É
sexta-feira. Podemos sair antes do almoço e voltar para o jantar.
— Está me fazendo um convite? – sugeriu Margot, mas a expressão
de Jarret não foi das mais animadoras.
— Preciso trabalhar – lembrou-a, e ela concordou a contragosto.
— Amanhã a que horas?
— Às nove.
— Tão cedo? – Margot ficou horrorizada.
— Se eu posso, você também pode. Está combinado?
— Como posso recusar uma proposta tão gentil? – respondeu
Margot, com o humor que chamou a atenção dele na primeira vez que se viram.
— Está bem, querido, nove horas. Você passa para me pegar?
— Sem falta – garantiu Jarret.
Margot, percebendo que aquilo era o máximo que conseguiria
dele, deixou o copo na mesa e foi até a porta, passando devagar por Jarret.
— Até amanhã – murmurou, na esperança de que ele resolvesse
ser mais carinhoso.
— Até amanhã – concordou Jarret, seco, sem sair do lugar. Quando
a mulher saiu, fechou imediatamente a porta.
Com um suspiro de alívio, Jarret acendeu um cigarro para
descarregar a irritação. Já estava arrependido de ter concordado com aquela
perda de tempo. A casa de King’s Green não passava de uma desculpa de
Margot para passar o dia com ele. Por que não a tinha mandado para o inferno
de uma vez por todas? Uma fazenda não era o que ele queria. Uma casa no
campo talvez, mas quarenta ou cinquenta acres de terra cultivada...
Sentou-se diante da máquina, desconsolado, e afundou a cabeça
nas mãos. O que tinha feito naquela manhã? Duas, talvez três páginas! E três
páginas muito insatisfatórias, por sinal. Puro amadorismo, pensou, sentindo
uma pontada no estômago ao considerar a hipótese de estar perdendo a
inspiração que havia feito do seu primeiro romance um sucesso.
Será que uma mudança ajudaria? Possivelmente. Em Londres
perdia muito tempo com festas, bebidas, madrugadas... O apelo constante não
do deixava trabalhar direito. Tinha deixado que os frutos de seu sucesso
criassem para ele um estilo de vida que, para um escritor, podia ser considerado
suicídio. Talvez o ar do campo estimulasse sua imaginação e o ajudasse a
superar os efeitos da apatia.
Percebendo que não ia conseguir escrever nada de significativo
naquele dia, foi fazer a barba e tomar um banho. Depois decidiu sair. Na
garagem, estava a sua espera o carro último tipo, um dos frutos do sucesso
recente.
Em menos de meia hora chegou ao destino: uma casinha com
terraço, espremida entre uma fileira de casas iguais. Sorriu para uma senhora
que espiava por trás de uma cortina de renda e entrou.
— Sou eu, papai! – gritou para prevenir o pai.
O pai não estava na sala nem na cozinha. Foi encontrá-lo no
quintal estreito, cuidando da horta.
— O que está fazendo aqui? – perguntou o homem, surpreso, mal
conseguindo esconder sua satisfação. — Não costuma aparecer às quintas-
feiras. Algum problema, ou veio só fazer uma visita?
— São essas as suas boas-vindas, papai? – sorriu sem
ressentimento. — Faço um esforço para vir vê-lo durante a semana, e o que é
que o senhor me diz?
— Quer uma xícara de chá? – resmungou o velho, indo até a
cozinha para pôr a chaleira no fogo. — Ou prefere alguma coisa mais forte?
Ainda tenho uma garrafa de cerveja.
— Cerveja está ótimo – concordou Jarret. — E o senhor, como vai?
O velho abriu a cerveja com a mão trêmula, e Jarret notou que o
pai já não demonstrava mais o antigo vigor. Se ao menos ele aceitasse a sua
ajuda! Mas Patrick Horton era um homem extremamente independente.
Sempre tinha sido, e desde a morte da esposa se recusava sistematicamente a
participar dos frutos do sucesso de Jarret. Ironicamente, a mãe tinha morrido
poucas semanas depois do lançamento do seu primeiro livro, sem ter tido
chance de aproveitar as vantagens que o sucesso poderia oferecer.
Recusou o copo que o velho oferecia e tomou a cerveja na garrafa
mesmo, com prazer. Limpou a boca nas costas da mão e sorriu do ar satisfeito
de seu pai.
— E então? Está passando bem? – perguntou Jarret, preocupado.
— Não sentiu mais aquelas tonturas?
— Tonturas, tonturas! — O velho reagiu com impaciência. — Meu
problema é apenas a velhice. Mas acho que você não veio aqui para falar das
minhas dores.
—Por que não me deixa procurar um lugar mais agradável para o
senhor? Um lugar menor, onde pudesse cuidar do jardim sem se preocupar
com a arrumação de uma casa deste tamanho. Um chalé...
— Nasci nesta casa, Jarret, e é aqui que pretendo morrer –
interrompeu-o com firmeza. — Ela pode parecer antiquada e de mau gosto, mas
é aqui que me sinto bem.
— Você é um velho tolo e teimoso, sabia?
— Por quê? Porque não deixo você gastar seu dinheiro comigo? –
riu. — Guarde o dinheiro para as sirigaitas com quem você sai. Não sei o que
você vê nelas, francamente.
— Não vê mesmo? – brincou Jarret, e o velho riu de novo.
— Bom, eu imagino – ele concordou com malícia. — Mas isso não
quer dizer que aprovo. Vai acabar se metendo numa bela encrenca qualquer dia
desses. E aí seu dinheiro não vai servir para nada.
— Humm – Jarret tomou outro gole de cerveja, parecendo
considerar a opinião do pai.
— Como aquela lady com quem você costumava sair. Aquela
Margareth, ou coisa parecida.
— Lady Margot Urquat – corrigiu Jarret. — Por falar nisso, ela
esteve lá em casa hoje de manhã.
— Esteve, é? – o pai fez uma cara de desprezo. — Quer dizer que
continuam saindo juntos? Que diabo você quer com uma galinha velha
daquelas?
— Não esqueça que foi Margot quem convenceu James Stanford a
publicar meu primeiro livro. – deu de ombros. — E depois, ela não é tão velha
assim, papai. Acho que não tem nem quarenta.
— E você tem trinta e um – observou o sr. Horton, seco.
— Está bem... Suspirou. — Mas Margot tinha um motivo para ir
me visitar.
— Não acredito!
— Ela sugeriu que eu comprasse uma casa no campo.
Patrick Horton ouviu em silencio. Pensou um pouco, distraído,
depois percebeu que Jarret estava esperando uma opinião e levantou os olhos.
— Que espécie de casa?
— Uma casa de... fazenda... terras... Pertence a uma antiga colega
de escola de Margot.
— E quem é que vai morar lá? Você e Lady Margot?
— Claro que não – Jarret se irritou. — Eu! Só eu, papai! – passou a
mão no cabelo, desanimado. — Estou perdendo a inspiração, papai. Não posso
mais ficar em Londres.
— Está cansado e entediado, é isso? Muitas noites em claro e muito
álcool. E muitas mulheres!
— Está bem! – Jarret deu um suspiro profundo. — O senhor tem
razão. Estou levando uma vida desordenada. Mas talvez lá em Thrushfold eu
consiga respirar de novo.
— Thrushfold? Onde fica isso?
— Não sei direito. Mas a fazenda se chama King’s Green e é uma
antiga propriedade rural.
— Quer dizer que já está decidido?
— Não – Jarret tomou o último gole de cerveja e enfiou as mãos
nos bolsos. — Ainda não decidi. Ainda nem vi o lugar. Essa era das coisas que
queria conversar com o senhor... Acha que é uma boa ideia?
— Humm... – o velho ficou pensativo. — Já comeu alguma coisa?
— Café e umas torradas – respondeu Jarret, paciente. — O que é
que isso tem a ver com a casa?
— Acho que vou abrir uma lata de sopa – declarou o sr. Horton. —
Prefere de galinha ou de cebola?
— Vou levar o senhor para almoçar, papai – Jarret convidou, mas o
pai recusou.
— Se a minha sopa não é suficiente para você... – começou.
Jarret sorriu, tirou o paletó e foi apanhar o abridor de latas.
Mais tarde, sentado na cozinha com o pai, tomando uma sopa de
cebola, Jarret voltou ao assunto:
— E a casa, papai? O que acha? Devo sair da cidade um pouco?
— Acho que foi a melhor ideia que você já teve até hoje –
concordou o sr. Horton, depois de pensar um pouco. — A não ser que pretenda
levar alguém com você.
— Se está falando de Margot, não tenho a menor intenção.
— Não, não estou falando dela. É aquela outra... a modelo que veio
da América. Vocês estão sempre no jornal.
— Vivien Sinclair – explicou Jarret. — E não me diga que não sabia
o nome dela. É modelo sim, e estou saindo com ela há uns seis meses. Só que
não há a menor possibilidade de levá-la comigo para o campo. O ambiente de
Vivien é a agitação de Londres.
Ele não parecia triste, e o pai o olhou com desaprovação.
— Você não se importa, não é? – exclamou, contrariado. — Jarret,
quando vai deixar essa vida artificial e sossegar? Era o que sua mãe mais queria.
— Ora, papai! – Jarret olhou com bom humor para o pai. — O que
mamãe queria ou não queria é um pouco vago, não é? Afinal, ela está morta, e
minhas idiossincrasias não vão magoá-la, vão?
— Vai se arruinar sozinho, é isso que quer dizer? – Patrick Horton
suspirou.
— Por que não vai comigo, então? Assim pode vigiar o que como,
a que horas durmo... e pode até me impedir de dormir com mulheres estranhas!
— Oh, não! – exclamou Patrick Horton, imediatamente. — Não
serei fiscal da sua vida, nem quero ser. E, quanto a me mudar para o meio do
mato, a esta altura da vida...não, obrigado! – fez uma pausa. — Mas vá você,
Jarret. Vá, meu filho! Estou de seu lado. Concordo com qualquer coisa que faça
você feliz.
— Obrigado, papai. – Jarret apertou com carinho a mão do pai e,
depois, terminaram a refeição em silencio.
Passava um pouco das quatro horas quando Jarret voltou ao
apartamento. Apesar do início desagradável do dia, estava mais ou menos
contente e aguardava até com certo entusiasmo a viagem a Thrushfold. Se
gostasse da casa, podia efetuar a compra até o final de maio, e passar o verão na
propriedade nova. Nos anos anteriores, tinha passado o verão nas Bermudas e
em Cannes, mas a ideia de gozar os meses de calor na sua própria fazenda era
atraente.

Vivien Sinclair foi totalmente contra a ideia.


— Jarret, você não pode – exclamou quando ele mencionou seus
planos durante o jantar. — Querido, você morreria num lugar como aquele.
Venha para Barbados comigo na próxima semana. Tenho aquele contrato, você
sabe. Pode ficar no hotel, escrevendo, enquanto eu estiver no estúdio.
Jarret fez uma careta.
— Não, obrigado – recusou, gentil. — Preciso trabalhar, e não
estou com vontade de bancar a babá enquanto você tira a roupa para outro
homem.
— Mas Jarret – protestou Vivien, segurando a mão dele, sem se
importar com o olhar curioso do garçom. — Como vou vê-lo, metido naquela
maldita caverna.
— Não é bem uma caverna – corrigiu, seco, retirando a mão dela.
— Vai querer sobremesa ou posso pedir café para dois?
— Não vou conseguir comer mais nada... – Vivien gemeu, tirando
um lencinho da bolsa e limpando os olhos. — Peça um licor. Preciso de alguma
coisa mais forte.
Jarret deu de ombros, chamou o garçom e fez o pedido, sem
prestar atenção as lágrimas dela. Depois se reclinou na cadeira e ficou
esperando Vivien recobrar o bom humor.
— E quando você vai? – perguntou ela, percebendo que a cena não
estava surtindo efeito. Jarret primeiro acendeu um charuto com toda a calma,
depois respondeu:
— Não é nada definitivo, Vivien – respondeu, distraído,
guardando o isqueiro. — Vou até lá amanhã para conhecer o lugar e só depois
tomarei uma decisão.
— Como ficou sabendo desse lugar? – exclamou ela, afastando o
lenço. — Thrushfold! Nunca ouvi falar.
— Foi Margot Urquat quem me falou da casa. Pertence a uma
antiga colega dela de escola.
Vivien conteve a irritação e reuniu toda a calma que conseguiu
para fazer perguntas sobre King’s Green.
Mas, mais tarde, quando estavam a sós no apartamento dela,
voltou ao assunto:
— Você...você não está pensando em se casar com Margot Urquart,
está Jarret? – perguntou com cuidado, acariciando a orelha dele com os lábios
trêmulos.
Jarret caiu na gargalhada.
— Não – tranquilizou-a.
Vivien suspirou aliviada e entregou os lábios que ele procurava.

CAPÍTULO 2

— Quando foi que tomou essa decisão? – Helen Chase estava


magoada com a mãe. — Não podia ter falado comigo antes?
A sra. Chase deu um suspiro e respondeu com calma.
— Já conversamos sobre isso, e você sabe muito bem, Helen. Não
há outra solução.
— Como pode dizer isso? Depois que eu casar com Charles...
— Depois que você casar com Charles o que? – a sra. Chase olhou
para a filha com carinho — Minha querida...Charles não vai querer morar em
King’s Green. E, depois, manter duas casas... – sacudiu a cabeça, desconsolada –
é impraticável.
— Mas deve haver uma solução qualquer – Helen andava de um
lado para o outro, agitada. Afastou o cabelo negro e liso que caía em seu rosto e
prendeu-o atrás da orelha, perturbada demais para pensar na aparência.
—Não há – garantiu a mãe, recomeçando a costura que havia
interrompido. — Desde que seu pai morreu as coisas vão de mal a pior para
nós. Pelo menos é um alívio saber que você não vai sofrer por causa disso.
— Não vou? – Helen não parecia convencida, e a mãe tornou a
levantar os olhos da costura.
— Querida, seu casamento é em agosto. Até lá, espero que
possamos continuar na casa, porque essa também era a vontade do seu pai.
Mas, depois do casamento...
— Ainda acho que a senhora está sendo muito apressada. Até
agosto muita coisa pode acontecer.
— Nada que possa contribuir para melhorar nossa situação
financeira – argumentou a mãe, já acostumada às tentativas da filha de
convencê-la a não vender a casa.
— Mas por que envolver Margot Urquart? Isto é... bem, a senhora
sabe como ela é! E esse homem, seja quem for, deve ser mais outro parasita na
lista de...
— Jarret Manning não tem nada de parasita, querida – replicou a
sra. Chase, voltando a costura.
— Jarret Manning! – Helen mordeu o lábio. — Imagine só vender
nossa casa a um indivíduo como ele.
— Gosto dos livros de Jarret Manning, Helen – respondeu a mãe,
começando a ficar impaciente — e não vejo motivo para você criticar um
homem que nem conhece.
— E que você também não conhece – replicou Helen, com teimosia,
provocando um suspiro desanimado da mãe.
— Helen, acho que você não vai ficar satisfeita nunca, seja lá quem
for comprar a casa. Com a intervenção de Margot, ao menos não vamos ter que
passar a humilhação de anunciar a casa no jornal e receber dezenas de curiosos.
— Por que a senhora acha que Jarret Manning não é um dos
curiosos? Bem – Helen se colocou na defensiva ao ouvir a exclamação irritada
da mãe — ele deve ter nascido num subúrbio qualquer e duvido que tenha bom
gosto suficiente para apreciar King’s Green.
— Sua esnobezinha! Não criei você para olhar os outros com esse
desprezo.
— Não eu... – Helen ficou sem graça. — Ora mamãe! Não podemos
fazer nada?
— O que você sugere?
— Não sei! Mas... o último namorado de Margot Urquart?
— Escute, sei que você não gosta de Margot – disse a sra. Chase,
suave, — mas lembre-se de que ela não está envolvida na venda.
— Talvez esteja. Ela sempre cobiçou King’s Green, e pode ser que
esteja pensando em morar aqui com ele. Seja lá como for, a senhora devia ter
falado comigo antes, assim eu teria dado um jeito de estar fora quando eles
chegassem.
— Foi exatamente por isso que não falei – respondeu a mãe, firme.
— E depois, quero sua opinião.
— É mesmo? – Helen não conteve a ironia — E se eu não
concordar?
A sra. Chase suspirou e pôs a costura de lado.
— Vou dar instruções à sra. Hetherington para o almoço. Margot
disse que eles pretendiam chegar lá pelo meio dia.
Depois que a mãe saiu, Helen foi até a janela e olhou com carinho
para os gramados e os canteiros lá fora. Aquela era a sua casa, o lugar onde
havia nascido e que amava de todo o coração. Como podia pensar em entregar
King’s Green a um estranho, sem sentir uma pontada de dor e ressentimento?
Especialmente sendo esse estranho o namoradinho de Margot Urquart! Como
filha de lorde Conroy, o patrono das artes, Margot certamente poderia ser
muito útil a um jovem escritor em busca de sucesso.
A mãe voltou, interrompendo os pensamentos de Helen.
— Filha, a sra. Hetherington concorda com você. Ela acha que vai
perder o emprego depois que a casa for vendida.
— E será que ela não tem razão? Não se esqueça de que os
Hetherington trabalham para nós há muitos anos! E que talvez seja difícil para
eles se adaptarem em outro lugar.
— Tem razão. – A sra. Chase parecia muito preocupada — Mas o
melhor é esperar para ver a reação de Jarret Manning. Talvez ele nem goste da
casa...
Helen forçou um sorriso, serviu dois cálices de licor e ofereceu um
à mãe.
— Tome isso. Acho que estamos precisando.
— Obrigada – disse a sra. Chase, distraída. Depois pareceu voltar à
realidade e censurou a filha: — Não vai se trocar, querida? Esses jeans estão
indecentes! Não se esqueça de que temos um nome a zelar.
— Não está sendo um pouco esnobe, mamãe? O que há de errado
com a minha roupa? E, depois, a sua elegância é suficiente para salvar qualquer
aparência.
O ruído de um carro se aproximando interrompeu a conversa. Mãe
e filha entreolharam-se em pânico.
— Devem ser eles! – as palavras da sra. Chase saíram quase num
sussurro.
Uma raiva surda foi tomando o lugar da apreensão de Helen.
— Parece. A menos que Charles tenha resolvido baixar aqui neste
péssimo momento.
— Acha que pode ser ele? – a sra. Chase gostou da ideia.
— A senhora sabe muito bem que Charles está em Cheltenham –
lembrou Helen, fria, destruindo as esperanças da mãe. — Quer que eu vá abrir
a porta? – sem esperar resposta, Helen se afastou, tentando aparentar uma
autoconfiança que estava longe de sentir.
Ela já estava no vestíbulo quando a campainha soou. Ensaiou uma
máscara de fria indiferença e abriu a porta para os dois recém-chegados.
Contrastando com a palidez e o desinteresse de Helen, Margot
parecia animada e cheia de vida. Cuidadosamente maquiada, não aparentava
mais que trinta e cinco anos. Claro que a luz do sol não tinha piedade, e
revelava as linhas indiscretas de seu rosto; mesmo assim, sua expressão
revelava uma certa graça feminina que a fazia parecer muito mais jovem do que
realmente era.
Mas foi o homem parado um pouco atrás de Margot que chamou a
atenção de Helen. Já tinha visto a fotografia dele nos livros da mãe, mas não
estava preparada para a poderosa presença física do escritor, muito mais
perturbadora do que qualquer retrato poderia revelar. Por exemplo: na foto, o
cabelo dele parecia mais claro; mas não daquele negro másculo. A pele era
muito mais morena do que ela imaginava...perturbadoramente mais morena... e
contrastava com o azul profundo dos olhos. Não era de uma beleza extrema,
mas sutilmente atraente, e parecia saber disso. Foi Margot quem quebrou o
silencio.
— A sra. Chase está nos esperando. Quer dizer a ela que estamos
aqui, srta...
— Sou Helen – explicou, mesmo achando que Margot já sabia.
— Helen!- a surpresa foi sincera. — Santo Deus! Mas você era uma
menininha da última vez que a vi.
— Faz só três anos, tia Margot – respondeu Helen, delicada,
procurando aparentar maturidade. —Tenho vinte e um anos.
“Tia” Margot não gostou muito do tratamento, mas fingiu ignorar.
— Pensei que fosse uma convidada de Alice. – olhou para Jarret, embaraçada.
— Querido, esta é Helen, a filha de Alice. Helen, este é o sr. Jarret Manning.
— Como vai?
Helen foi forçada a apertar a mão que ele estendeu. Era uma mão
firme, masculina, e Helen retirou a sua, depois de um breve cumprimento.
Convidou-os a entrar.
— Que vestíbulo! – exclamou Margot, dramática, examinando o
vestíbulo iluminado por duas janelas amplas. — Não é lindo, Jarret? O corrimão
esculpido é de Grinling Gibbons.
— É mesmo?
Helen sentiu uma profunda irritação. O que ela estava tentando
fazer? Vender a casa para ele? Será que Margot achava que ele precisava dos
conselhos dela? Que humilhante!
— Mamãe está na sala – disse Helen, que seguiu na frente dos
outros. Pela primeira vez se arrependeu de não ter seguido o conselho da mãe e
trocado de roupa. Sentia o olhar de Jarret Manning preso nela, cheio de
admiração, provavelmente imaginando que ela estava usando aquela calça
comprida tão justa de propósito.
A sra. Chase apareceu na porta da sala e Margot correu para
abraçá-la.
— Alice, minha querida! – exclamou com sua efusidade natural.
— Que bom ver você de novo. Parece cada vez mais jovem.
— Também estou contente em ver você de novo, Margot – a sra.
Chase retribuiu com sinceridade. — Bom dia, sr. Manning. Espero que Margot
tenha dito que sou uma grande admiradora sua.
Helen deu um passo para trás, sentindo vontade de desaparecer.
Pelas palavras da mãe, ela aparentemente havia esquecido a preocupação com
os Hetherington. Era revoltante a maneira das duas adularem Jarret Manning.
Desesperada, virou-se para sair.
— Onde vai, Helen?
— Ia subir para me trocar, mamãe. – ao ouvir a voz severa da mãe,
Helen parou, resignada. — Eu...eu...tenho certeza de que a senhora e o sr.
Manning tem muitas coisas para conversar. Não vou demorar.
— Não demore – ordenou, seca, mostrando a desaprovação no
olhar. — Vamos tomar um drinque e depois quero que você mostre a casa ao sr.
Manning. Você conhece melhor que eu a história da fazenda.
Helen ouviu em silêncio, mas não deixou de notar que a idéia
também não tinha agradado a Margot. Jarret Manning parecia indiferente a elas
todas, examinando um quadro pendurado sobre a lareira com uma displicência
que enfureceu Helen. Era como se King’s Green já pertencesse a ele.
Jarret se virou de repente e encontrou o olhar de Helen preso nele.
Sorriu com ironia, como se soubesse exatamente o que ela estava pensando e
sentisse prazer em irritá-la. Jarret Manning era tudo que ela detestava num
homem: seguro, autoconfiante, cônscio do poder que exercia sobre as mulheres
e indiferente aos sentimentos que despertava nelas. Sobre todas as mulheres
não, pensou Helen com desprezo. Se ele pensava que ia fasciná-la, estava muito
enganado. Virou-se sem baixar a cabeça e subiu a escada com toda a dignidade
que conseguiu reunir.
Correu os olhos pelo guarda-roupa e escolheu um vestido leve, em
que se combinavam o azul e o violeta, cores que realçavam seus olhos azuis.
Calçou sandálias de saltos bem altos, deu algumas escovadas no cabelo macio e
brilhante e deixou-o solto, caindo naturalmente sobre os ombros. Satisfeita com
a imagem que via no espelho, desceu para enfrentar o desafio.
Ao se aproximar do grupo, ouviu Margot elogiando os quadros da
coleção organizada por seu bisavô.
— Havia tantos artistas maravilhosos naquela época – ela dizia
com entusiasmo. — Constable, Turner, Millet! E Gainsborough, claro.
— Sem mencionar Hogarth, Lawrence e Reynolds – acrescentou
Jarret Manning. — Está querendo me ensinar alguma coisa, Margot? Posso
garantir que tive uma educação excelente.
— Claro que teve, querido – disse Margot, desconcertada.
A sra. Chase falou qualquer coisa sobre o tempo para amenizar o
ambiente.
— Há tanta paz nos verões de King’s Green... temo que sejam até
pacíficos demais, sr. Manning.
— Pode parecer estranho, sra. Chase, mas é exatamente essa paz
que estou procurando – respondeu Jarret Manning, se defendendo. — Ao
contrario de Margot, não acho Londres estimulante, e espero o próximo verão
com mais ansiedade do que imagina.
— O próximo verão? – repetiu a sra. Chase, ansiosa. — Mas... eu...
– calou-se ao ver a filha e pareceu aliviada por poder mudar de assunto. —
Helen! – exclamou, satisfeita. — Já ia mandar chamá-la.
— Desculpem – forçou um sorriso para a mãe e para Margot, mal
olhando para Jarret, que se levantou da cadeira onde estava. — O almoço já está
pronto?
— Não... Só depois que você mostrar a casa ao sr. Manning,
querida – disse a sra. Chase com firmeza, enviando uma mensagem muda com
o olhar que só a filha entendeu. — Acho que seria melhor começar pelo andar
de cima. Enquanto isso, Margot e eu vamos dar uma volta no jardim. Está de
acordo, sr. Manning?
— Se sua filha não faz objeção – concordou Jarret, sério.
Em silêncio, Helen o acompanhou até o andar de cima. Sentia o
olhar dele e a irritação de Margot por ter sido excluída, mas ignorou todas as
reações e começou a explicação:
— A construção da casa foi iniciada no reinado da rainha Anne,
mas só terminou muito mais tarde. Desde essa época foram feitas várias
alterações, inclusive algumas modificações na estrutura, no fim do século XIX.
O projeto é atribuído a um homem chamado Nicholas Hawksmoor, um
contemporâneo de Vanbrugh, mas não acreditamos muito nisso. O nome,
King’s Green, deve-se a suposição de que o príncipe regente esteve hospedado
aqui no inicio do século XIX, enquanto meu tataravô era vivo,mas...
— Podemos deixar de lado as explicações? – a voz de Jarret era fria
e segura. — Já percebi que você está achando desagradável a tarefa de me
mostrar a casa. E eu posso passar muito bem sem a aula de história.
Sem se importar com o ar ofendido de Helen, ele abriu uma das
portas do corredor.
— Um quarto? – ele entrou, examinando a amplidão do
dormitório. — Muito bonito. E depois?
Controlando a raiva, Helen mostrou os outros cômodos do
primeiro andar – quartos e banheiros – sem fazer qualquer observação.
— Há um segundo andar – explicou Helen – Como não o usamos,
deve estar muito empoeirado. Mas os cômodos estão perfeitamente habitáveis.
— Não vou precisar de mais cômodos. Estou vendo que vocês têm
aquecimento central. Espero que não tenha sido instalado durante a visita do
príncipe regente.
— Não. Foi instalado depois da Segunda Guerra Mundial... –
começou Helen, séria, mas calou-se ao perceber a ironia. Irritada por não ter
percebido antes, apontou para a escada que levava ao segundo andar.
— Você não relaxa nunca? – perguntou Jarret, seguindo-a até o
andar superior. Como ela não respondesse, ele acrescentou: — Essas manchas
na parede devem ser os lugares onde os quadros do seu... tataravô estavam, não
é? O que aconteceu com eles? Estão guardados, estragaram... ou foram
vendidos?
— O senhor deve saber a resposta, sr. Manning – retrucou Helen,
irritada com a perspicácia dele. — Se tivéssemos uma coleção de quadros
valiosos à venda, não precisaríamos vender a casa, não é óbvio?
— Não para um ignorante como eu – concordou Jarret, solene.
Helen olhou para ele com o canto dos olhos, certa de que aquela
era mais uma ironia.
— Por que quer comprar King’s Green, sr. Manning? – Helen
parou no alto da escada. — Não é bem o seu... ambiente, é? Não prefere um...
apartamento perto da cidade?
Jarret sorriu. Um sorriso aberto que provocou um impacto
inesperado nela. Helen já tinha admitido com certa relutância a atração dele,
mas não fazia idéia do poder irresistível do seu sorriso.
— Ora, Helen! O que é que você sabe do meu... ambiente? Cuide
de sua vida, coração!
— Não entendi, sr. Manning – afirmou, com todo o desprezo de
que foi capaz. — Vamos descer?
— Já, já... – parou ao lado dela e segurou-a pelo braço. Helen sentiu
o ameaçador magnetismo da proximidade dele. — O que foi que eu fiz para
provocar tanto ressentimento? Não pedi para vir aqui. Fui convidado. Me
deram a impressão de que sua mãe queria vender a casa. Mas se ela não quer,
não vou perder meu sono por isso, srta. Chase.
— Eu... bem... minha mãe quer vender a casa – admitiu,
contrariada.
— E você, não quer?
— A casa não é minha.
— E se fosse?
— Eu... – sentindo-se vulnerável, Helen evitou encarar aqueles
olhos azuis penetrantes como aço. — Acho que seria obrigada a vender.
— Mas não para mim – comentou Jarret, frio, soltando o braço
dela.
Helen se virou e começou a descer a escada sem responder.
Vários cômodos davam para o vestíbulo do andar térreo: o salão
de recepções, a sala de música, a sala de jantar, a biblioteca... Helen não sabia o
que mostrar primeiro e parou para esperar por ele. Mas Jarret parecia não ter
pressa alguma e levou muito tempo examinando o corrimão entalhado.
—Grinling... – começou helen, mas foi interrompida.
—... Gibbons. Já sei. Só que Gibbons morreu em 1720. Como pode
ter sido o entalhador do corrimão se a casa só foi terminada muito depois disso?
Helen sentiu o sangue subir ao rosto. Ninguém jamais havia
questionado a autenticidade do entalhe. Por que logo ele?
— Eu... pode ser que.. que talvez um discípulo de Gibbons tenha
terminado o trabalho. Mas é o estilo é dele, e isso é o que importa.
— Um conhecedor talvez discorde de você.
— E o senhor é um conhecedor, sr. Manning? – perguntou com
toda frieza possível.
— Você, com certeza, acha que não – respondeu Jarret, divertido.
— Vamos ver o resto da casa?
— A sala de música – informou Helen, seca, abrindo a porta
branca. A saleta era pequena, mas muito agradável.
— Você toca piano, srta. Chase? – perguntou Jarret, se
aproximando do instrumento.
— Tocava.
Com um sorriso, ele se sentou ao piano e tocou uma música suave
e romântica da moda, passando em seguida para um prelúdio de Chopin.
Helen sentiu que ele colocava a própria alma na interpretação. Terminada a
execução, os olhos dele procuraram os dela.
— Você toca muito bem – disse Helen, sentindo-se na obrigação de
fazer um comentário, mas evitando olhar para ele. — Vamos?
A biblioteca era uma sala mais fria, que raramente recebia sol.
Mesmo assim, era agradável e convidava ao trabalho.
— Seu pai trabalhava aqui?
— Trabalhava – respondeu, seca.
— O que ele fazia... seu pai? Era um nobre, ou precisava trabalhar
para ganhar a vida, como todos os mortais?
— Os negócios do meu pai não são da sua conta, sr. Manning –
replicou Helen, se preparando para sair.
— Deve haver uma razão para a sua antipatia por mim, srta. Chase
– observou, bem-humorado, sem sair de onde estava. — E eu gostaria de saber
qual é.
— E o que a ocupação do meu pai tem a ver com isso?
— Digamos que estou interessado na sua história, como você
obviamente está interessada na minha.
— O que quer dizer com isso?
— Ora, vamos... você me acha vulgar e ignorante, sem o
refinamento necessário para ter a pretensão de possuir King’s Green
— Se está pensando que eu... faço objeções ao... ao senhor, porque
o considero socialmente inferior, está redondamente enganado!
— Estou?
— Está! – Helen engoliu em seco antes de continuar: — Só não
gosto é que... que Margot Urquart traga seus... seus namorados aqui, fingindo
que tem dinheiro para comprar um lugar como este.
Percebeu que tinha ido longe demais quando viu o desprezo
estampado no rosto de Jarret. Afinal, não sabia quase nada sobre ele, e não
podia insinuar que a compra da propriedade seria financiada por Margot.
— Então é isso que pensa? – comentou Jarret sem se alterar. — Ora,
ora, que cérebro maquiavélico! Acha mesmo que eu seria capaz de aceitar um
presente desses de Margot?
Já que tinha ido tão longe, Helen não via por que voltar atrás.
— Por que não? É ela que paga o resto, não é?
Num instante ele estava a seu lado, a respiração ofegante, os olhos
em chamas.
— Sua insignificante... – Helen, que nunca tinha sido insultada
daquela forma, tremeu de medo. — Acha que tem o direito de fazer
julgamentos morais a meu respeito e a respeito de Margot? Em que nossa
maneira de viver prejudica você? E, depois, Margot tem o direito de gastar o
dinheiro dela como quiser, sem dar satisfações a ninguém.
— Eu... eu... – momentaneamente paralisada pela violência do
ataque, Helen tentou recuperar a dignidade. — Não me importa o que Margot
faz, desde que... que não espere que sejamos coniventes – gaguejou, confusa. —
E... tentando me intimidar não vai me fazer mudar de ideia, sr. Manning.
— Não? – ele olhou para o decote do vestido dela. — Quer que lhe
dê um pouco do que está precisando?
— Não ouse... – gaguejou Helen, mas teve que calar porque os
lábios dele se fecharam sobre os dela.
As mãos de Jarret a agarraram, sem delicadeza nem respeito.
Helen sentiu a rigidez do corpo dele, possessivo e exigente, e a pressão
embaraçosa das coxas fortes contra as suas. Nunca tinha sido beijada com raiva
antes, nunca havia experimentado a violência das emoções excitadas ao
máximo. Enquanto tentava reagir mentalmente à selvageria do abraço, seus
sentidos vibravam de excitação. Não estava diante de um jovem inexperiente e
desajeitado, mas de um homem experiente que sabia como despertar os desejos
adormecidos de uma mulher.
Até aquele momento Helen não tinha tido consciência da violência
com que podia desejar um homem, da devastadora profundidade das suas
necessidades de mulher. Viu sob novo ângulo a perspectiva do casamento com
Charles, e a lembrança do noivo trouxe de volta a sanidade mental perdida no
turbilhão provocado por Jarret.
Com um esforço sobre-humano livrou-se dos braços dele e
levantou a mão para esbofeteá-lo, mas foi contida sem dificuldade.
— Seu... seu...
— Vagabundo? – sugeriu Jarret, irônico.
— É! É! – gritou, sem perceber que seus seios arfavam
sensualmente por causa da raiva, atraindo a atenção dele.
Mas Jarret se controlou e esfregou a boca com as costas das mãos
para se assegurar de que não havia nenhum sinal de batom que pudesse
denunciá-lo. Apontou para a porta.
— Vamos continuar?
Trêmula, sem dizer mais nada, Helen abriu a porta e saiu para o
vestíbulo, mas parou de repente ao ver Margot e a mãe. Jarret quase tropeçou
nela e sorriu ao perceber por que ela havia parado.
— Vai me denunciar? – perguntou Jarret com ar de zombaria.
— Para embaraçar minha mãe? – replicou ela com desprezo.
— Já viu a casa, querido?
Era Margot, que apressou o passo para se encontrar com eles e o
envolveu com o braço, num gesto possessivo.
— A srta. Chase fez com que eu me sentisse à vontade, como se
estivesse em casa – provocou Jarret, sorrindo malicioso.
— O que achou, sr. Manning? – perguntou a sra. Chase.
— Gostei muito – ele respondeu depois do que pareceu uma
eternidade para Helen. Livrou-se do braço de Margot e foi até a janela admirar
o jardim. — Mas não sei se é exatamente o que desejo.
—Querido...
— Não?
— Margot e a sra. Chase falaram ao mesmo tempo, enquanto
Helen cruzava os dedos atrás das costas. Antes de responder, Jarret acendeu
um charuto e deu uma longa tragada.
— É... maior do que eu pensava – admitiu, pensativo, ignorando a
exclamação de protesto de Margot. — E as terras... pensei que Margot tivesse
falado em quarenta ou cinquenta acres.
— Cinquenta e cinco – apressou-se a explicar a sra. Chase — Mas a
maior parte é cultivável e está a cargo de Flynns.
— Mas o preço que a senhora está pedindo... – olhou para o rosto
contraído de Helen. — Para ser franco, acho muito dinheiro para investir em
terras, para quem não tem experiência de fazendas. Tenho certeza de que sua
filha concorda comigo. Um indivíduo urbano como eu acharia a vida em King’s
Green um pouco... monótona.
Helen sentiu raiva. Sua mãe ia pensar que ela tinha desestimulado
o comprador, o que não era verdade.
— As ideias de Helen são um pouco antiquadas – desculpou-se a
sra. Chase, lançando um olhar de reprovação à filha. — King’s Green fica só a
duas horas de Londres, e o serviço de trens é excelente. Eu mesma vou sentir
falta da paz que gozamos aqui.
Jarret sorriu, aquele sorriso devastador, capaz de encantar os
próprios pássaros, antes de responder.
— A senhora está quase me convencendo... mas não sei. Preciso
pensar um pouco.
— Claro – concordou a sra. Chase, apressando a explicar: — Para
falar a verdade, tem alguns meses para pensar. Helen vai se casar em agosto e
gostaria que o casamento fosse aqui.
O sorriso morreu no rosto de Jarret , que ficou estranhamente
sério.
— É uma pena.
— Pena? – repetiu a sra. Chase. — Por quê?
— Pensava em efetuar a compra dentro de um mês no máximo.
Quero sair de Londres, e quanto antes melhor.
— Jarret está escrevendo seu quarto romance – Margot se
intrometeu e recebeu um olhar furioso de volta.
— Talvez possamos chegar a um acordo que seja conveniente para
ambas às partes... – propôs a sra. Chase, mas a conversa foi interrompida pelo
aparecimento da governanta, que vinha anunciar que o almoço estava servido.
Durante a refeição, farta e saborosa, toda feita com produtos da
própria fazenda, voltaram ao assunto:
— Minha proposta... ou melhor, a ideia que me ocorreu agora é
que podíamos fazer um acordo... e vocês continuariam aqui por mais seis
meses.
— Sua proposta, sr. Manning? – interrompeu a sra. Chase. — Acho
que não estou entendendo.
— A senhora não disse que gostaria de continuar em King’s Green
até o casamento de sua filha?
— Exatamente.
— E eu já não expliquei que quero sair de Londres o quanto antes?
— Sim.
A tensão na mesa cresceu a um ponto quase insuportável. Margot
brincava com o cálice, numa agitação difícil de esconder, enquanto a sra. Chase
mordia o lábio, lutando para controlar a ansiedade. Foi Margot quem quebrou o
silêncio que se seguiu.
— Não está querendo ser inquilino de King’s Green, está, querido?
A um olhar de Jarret, Margot procurou refúgio no vinho, tremendo
de indignação resignada.
— Como sempre, Margot tirou suas próprias conclusões – Jarret se
desculpou. — Só que desta vez ela tem certa razão.
Helen sentiu o olhar de Jarret sobre ela, mas não ousou levantar a
cabeça. Então Margot tinha razão! Ele estava mesmo pensando em vir morar
com elas em King’s Green. Como é que tinha coragem de fazer semelhante
proposta?
— Antes que vocês tirem conclusões erradas, como Margot, quero
explicar o que tenho em mente – pegou a caixa de charutos, acendeu um e deu
uma tragada. — Acho que todos sairemos beneficiados com o esquema que vou
propor. Vocês querem ficar, e eu preciso de um lugar para trabalhar. Também
quero ter certeza de que sair de Londres é o melhor para mim – hesitou um
pouco antes de continuar. — O que estou sugerindo é que compartilhemos a
casa, mas parcialmente. Só preciso da biblioteca e de um quarto. Posso fazer as
refeições na biblioteca mesmo, assim a casa ficaria toda para vocês. Por esse
serviço... as refeições... estou disposto a arcar com todas as despesas da fazenda
durante esse tempo.
As três mulheres pareciam perplexas, especialmente Margot, que
ficou esverdeada.
— Você não pode estar falando sério! – murmurou Margot.
— Não está falando sério, não é, sr. Manning? – a sra. Chase sorriu,
tentando não demonstrar seu assombro.
— Por quê? – Jarret parecia achar tudo muito natural. — Posso
pagar as despesas a que me referi. – olhou para Helen com um sorriso de
superioridade. — E no final do verão, se eu decidir mesmo comprar,
combinaremos o preço.
Helen mal podia acreditar no que ouvia. Suportar Jarret naquela
casa todo o verão, saber que ele estaria sempre por perto era quase pior do que
deixar a casa imediatamente. Mas naturalmente a sra. Chase não via a situação
pelo mesmo ângulo.
— Quer dizer que está mesmo falando sério?
— Claro!
— Acho a ideia ridícula! – Margot estava definitivamente contra o
plano. Acha mesmo que vai ter tranquilidade que precisa com o movimento
constante da casa, o entra e sai de visitantes?
— Já não recebemos mais muita gente, Margot – contradisse a sra.
Chase. — Geralmente só estamos eu, Helen... e Charles, é claro.
— Charles? – Jarret olhou para a sra. Chase, que se apressou a
explicar:
— Charles Connaught é o noivo de Helen. O pai dele é dono de
um haras em Ketchley. Charles trabalha com ele. Produzem excelentes
montarias.
Helen baixou os olhos, imaginando qual seria a reação do noivo ao
saber das novidades. Duvidava que Charles e Jarret tivessem muita coisa em
comum.
— Mesmo assim... – continuou Margot, voltando ao tema do
isolamento. — Você seria interrompido para as refeições, ou...
— Há uma chave na porta da biblioteca – ponderou a sra. Chase.
— E depois, o sr. Manning pode fazer suas refeições quando melhor lhe
convier.
Margot não se conteve e virou-se para a amiga.
— Quer dizer então que está pensando em aceitar essa proposta?
Sei muito bem por quê...
— Margot!
Mas ela ignorou a repreensão de Jarret.
— Para você fica tudo às mil maravilhas, não é? Continua em
King’s Green e ganha um benfeitor rico disposto a pagar as despesas.
— Margot! – dessa vez Jarret conseguiu silenciá-la. — Não vejo em
que possa interessar a você o acordo que estou fazendo com a sra. Chase.
— Claro que não! Você não quer ver – explodiu Margot, furiosa, se
levantando. — Já se esqueceu que fui eu que combinei este encontro, que fui eu
que lhe falei de King’s Green? Minhas opiniões deixaram de ter importância,
não é?
— Não. – Jarret também se levantou e tentou argumentar com ela.
—Margot, esta é uma decisão minha, não sua, e... bem, sou muito grato a você.
— Grato! – Margot reagiu como se tivesse sido insultada. — Não
quero sua gratidão, Jarret! Quero...
— Margot... – A sra. Chase se levantou e aproximou-se da amiga,
tentando acalmá-la. — Não adianta ficar aborrecida por tão pouco. Tem alguma
importância para você a decisão do sr. Manning?
Margot abriu a boca para dizer que sim, mas o orgulho a impediu
de continuar. Helen estava chocada com a falta de classe daquela mulher, e
sabia que a mãe também não perdoaria aquela exibição com facilidade.
— Acho melhor irmos embora – disse Jarret, sem revelar seus
verdadeiros sentimentos. — Naturalmente a senhora precisa de tempo para
considerar minha proposta, sra. Chase, e talvez para consultar seus advogados.
Vou deixar meu endereço e meu telefone para que possa entrar em contato
comigo quando chegar a uma conclusão.
— Está bem. – A sra. Chase parecia em dúvida. Depois, como se
temesse que Margot o convencesse a não fazer o negócio, fez o que Helen
considerou imperdoável. — Estou disposta a aceitar sua proposta a título de
experiência... por um mês, digamos. Se quiser providenciar os papeis
necessários, terei prazer em assiná-los.
CAPÍTULO 3

Os jardins de Ketchley exalavam um perfume suave, numa doce


promessa de verão. Por toda a parte, as flores começavam a desabrochar,
colorindo os gramados onde Charles exercitava sua última aquisição, uma égua
jovem e rebelde.
Helen observava o treinamento a distância, apoiada a uma cerca.
Apesar do noivado com Charles, não tinha perdido o terror que sentia por
cavalos, e achava que jamais perderia.
— O que achou do novo animal?
Os pensamentos de Helen estavam tão distantes que ela não
percebeu a aproximação do noivo. Levantou a cabeça, assustada, ao ouvir a voz
dele.
— Já terminou?
— Por enquanto – Charles sorriu e acariciou o rosto dela.
Charles Connaught tinha mais ou menos trinta e cinco anos, altura
um pouco acima do normal, moreno, bonito, enfim, um dos melhores partidos
da região. Helen tinha orgulho de ter sido escolhida por ele. Conheciam-se há
muitos anos, mas só há dois anos tinham começado a namorar.
— Você está tremendo! – comentou Charles, abraçando-a. — Devia
aprender a montar em vez de ficar aí parada como um ratinho assustado.
— Gostei da comparação. – Helen riu e acrescentou, tremendo: —
Estou morrendo de frio. Faz meia hora que estou esperando.
— Desculpe, mas não imaginei que você viesse aqui hoje. Pensei
que estivesse trabalhando.
— Eu devia estar – admitiu Helen, dando o braço a ele.
Ela e uma colega de escola tinham sociedade em uma loja e Helen
adorava o trabalho.
— Então qual é o problema? Não me diga que é Manning outra
vez!
Charles não tinha gostado muito da ideia da sra. Chase ter um
inquilino em casa, mas depois de duas semanas já quase não pensava mais no
assunto. A atitude de Helen, contudo, o preocupou e ele quis uma explicação.
— Eu... bem, acho que você precisa saber. Jarret Manning vai se
mudar lá para casa daqui a uma semana.
— Não sei o que deu na sua mãe – a expressão de Charles revelava
desaprovação. – Afinal o homem nem se comprometeu seriamente a comprar
King’s Green.
— Acho que é exatamente isso que atrai mamãe – murmurou
Helen, pensativa. — Ela vive fazendo planos para quando vender a casa, mas
no fundo está detestando a ideia de sair de lá. Afinal, ela vive lá há quase vinte
e cinco anos.
— Será que ela não percebe que Manning não tem nada a ver com
Thrushfold – exclamou Charles, irritado, abrindo a porta da casa para a noiva.
— Maldito londrino! O que é que ele sabe de King’s Green e das suas tradições?
O que diria Charles se soubesse que Jarret Manning conhecia as
tradições de King’s Green melhor do que eles pensavam? Helen não tinha
mencionado a conversa com Jarret a fim de esquecer o que havia acontecido,
mas não conseguia se livrar de uma pontada de culpa por estar enganando o
noivo.
Encontraram a sra. Connaught no vestíbulo. Era uma mulher
bonita e atraente, de mais ou menos cinquenta anos. A família Connaught era
quase tão antiga quanto os Chase, e a união dos dois jovens era aguardada com
ansiedade pelas duas famílias.
— Venha se aquecer um pouco aqui na sala – disse a sra.
Connaught depois de beijar a futura nora. — Você está gelada, Helen. Charles,
não podia ter largado um pouco aquele animal para cuidar da sua noiva?
— Não, eu... – Helen não queria ser a causa de uma discussão
familiar. — Foi culpa minha. Eu é que quis ficar vendo. É lindo!
O calor que vinha da lareira estava delicioso, e Helen se aproximou
para se aquecer. Um rapaz se levantou e sorriu para ela. Era o irmão mais novo
de Charles, Vincent, que foi saudado com incontida alegria por Helen.
— O que você está fazendo aqui? Pensei que estivesse no Vietnam,
ou na Tailândia, ou em qualquer lugar.
— Consegui duas semanas de férias – explicou Vincent, que era
jornalista. Ele se aproximou da cunhada e beijou-as nos lábios. — Humm, seus
lábios estão gelados. Mas felizmente existe uma mulher ardente por trás deles.
Charles passou o braço pela cintura de Helen, num gesto
possessivo de quem não gostou do comentário. Os dois irmãos nunca haviam
sido muitos amigos, e Charles jamais conseguia perceber quando o irmão só
queria provocá-lo.
Sentaram-se todos em volta da lareira, e a sra. Connaught foi
preparar um café. Quem falou mais foi Vincent, descrevendo Bangcoc com
detalhes, para delícia de Helen, que adorava histórias exóticas. Quando o
assunto voltou às generalidades a sra. Connaught mencionou a mudança de
Jarret Manning.
— Jarret Manning! – exclamou Vincent, incrédulo. — O Jarret
Manning! E vem morar em Thrushfold? Deus nos ajude!
— Vincent! – A mãe olhou para ele com ar de reprovação – Isso
não é da sua conta.
— Mas eu o conheço – protestou Vincent. — Trabalhamos juntos.
Diacho, que ótima notícia! Onde é que ele vai ficar?
Charles estava impaciente.
— Helen já explicou. O sujeito vai alugar um quarto em King’s
Green.
— Pode-se chamar isso de alugar quartos, Charles? – perguntou
Helen, triste, e Vincent caiu na gargalhada.
— Vincent! – exclamou a mãe.
— Ele está pensando em comprar King’s Green, no fim do verão.
Até lá, a mãe de Helen vai permitir que ele use a biblioteca.
Houve uma pequena trégua entre os dois irmãos, e o assunto Jarret
Manning foi cuidadosamente evitado por Helen e pela sra. Connaught daí para
a frente.
Mais tarde, quando Charles foi levar Helen até o carro, voltou ao
assunto:
— Talvez sua mãe mude de ideia a respeito de Manning – disse
ele, enquanto a ajudava a entrar no automóvel. — Quer que eu fale com ela?
— Você não conhece mamãe – comentou Helen com uma careta. —
Quando mete uma coisa na cabeça...
— Você sabe que meu pai está disposto a...
— Não adianta, Charles. – Helen sacudiu a cabeça, triste. – Mamãe
é independente demais para aceitar ajuda de seu pai.
— Bem... – Charles se inclinou e beijou-a com carinho. — Então até
a noite. Não esqueça do jantar com os Harvey.
— Não vou esquecer. Até a noite.
No caminho de volta a King’s Green, Helen pensou na
coincidência desagradável de Vincent conhecer Jarret Manning. E se Manning
contasse ao cunhado o incidente com ela?
Já era quase meio-dia quando chegou em casa. Por causa das
árvores copadas do caminho que levava até a frente da casa, demorou a ver a
Ferrari verde estacionada na porta. Percebendo que aquele era o carro de Jarret
quis dar meia volta e retornar a Ketchley, mas nesse instante o próprio Manning
apareceu na porta. Sem outra alternativa, diminuiu a velocidade, estacionou ao
lado da Ferrari e desceu.
— Bom dia. – Helen usou o tom mais formal possível, enquanto ele
respondia com um olá. — Não esperávamos vê-lo até a próxima semana, sr.
Manning. Tia Margot está com você?
Jarret sorriu com ironia e sacudiu a cabeça. De jeans e uma camisa
esporte aberta no peito, estava ainda mais atraente e perigoso que antes. Helen
pensou que ele fosse fazer algum comentário irônico, mas estava enganada.
Sem dizer nada, ele abriu a porta da Ferrari e retirou uma pilha de livros.
— Decidi adiantar a mudança – respondeu, apontando para os
livros. — E sua mãe gentilmente me convidou para almoçar.
— Ah! – sem saber o que dizer, Helen mordeu o lábio, pensando
que a mãe podia muito bem ter telefonado para a casa de Charles para preveni-
la.
Então entrou em casa sem olhar para trás e encontrou a mãe, que
vinha saindo da biblioteca.
— Já esvaziei as duas últimas prateleiras, Jarret – disse com
entusiasmo, mas parou no meio da frase ao ver a filha. — Helen! Pensei que
fosse almoçar na cidade.
Helen cravou as unhas nas palmas das mãos e respondeu com
impaciência.
— Não, mamãe. Eu disse que ia ver Charles, e que voltaria para o
almoço.
— Santo Deus, disse mesmo? – perguntou a sra. Chase com o ar
mais inocente deste mundo. — Bem... – sorriu. — Não tem importância, tem?
E se afastou sem dar a filha chance de responder.
— Já esvaziei as prateleiras, Jarret – Helen ouviu a mãe repetir, e
sentiu o sangue ferver de raiva.
Ignorando o visitante, subiu para o quarto e se estendeu na cama.
Aquele homem significava problemas, sabia disso desde o início, e não se
conformava em ver a mãe tratá-lo com tanta familiaridade.
Com um suspiro de frustração, olhou para a porta e pensou que,
quanto mais tempo ficasse ali em cima ruminando suas tristezas, mais tempo a
mãe teria para ficar ainda mais íntima de Jarret Manning. Decidiu descer e
provar que tinha determinação suficiente para enfrentá-lo.
O vestíbulo estava vazio, e a porta da rua fechada. Helen hesitou
um pouco, imaginando onde estaria a mãe. Como a porta da biblioteca estava
aberta, decidiu dar uma espiada lá dentro, procurando não fazer ruído para não
ser vista. Mas mal tinha dado um passo quando Jarret apareceu na porta.
— Precisa de alguma coisa? – ele perguntou com educação, mas
em tom frio.
— Eu... é... – deu de ombros, meio sem jeito — estava procurando
minha mãe – respondeu, tentando parecer à vontade. — Pensei que ela
estivesse ajudando você a arrumar os livros.
— Não. Como pode ver, estou sozinho. Mas se está curiosa para
ver como estou usando o escritório do seu pai, fique à vontade.
— Garanto ao senhor que...
— Ora, vamos! — Ele sorriu com desprezo. — Sei muito bem o que
você estava pensando.
— Sabe mesmo? – Helen sentiu uma nova onda de indignação —
Não sei como é possível, já que...
— Pelo amor de Deus! Não podemos parar com essas agressões?
Não sei o que pensa que eu sou, mas estou aqui para trabalhar... só. Acredite ou
não, posso passar sem... companhia feminina.
— Acho que o senhor me interpretou mal, sr. Manning... – Helen
ia protestar, o rosto vermelho de raiva e vergonha, mas ele simplesmente virou
as costas e começou a arrumar os livros na estante.
Humilhada, ela enfiou as mãos trêmulas nos bolsos do casaco e
saiu da biblioteca. Felizmente, sua mãe não estava por perto, o que deu a Helen
tempo de se recompor.
Durante a refeição, a mãe conversou quase que unicamente com
Jarret, e Helen ficou meio esquecida, mexendo no prato sem apetite, o que era
pouco comum nela. A sra. Chase fazia perguntas e mais perguntas, que Jarret
respondia com autoridade e paciência, sem a menor sombra de vaidade.
Quando a sra. Hetherington veio tirar a mesa, a sra. Chase
perguntou ao convidado:
— Quando vai embora, Jarret?
— Acho que já vou indo – respondeu com um sorriso — Tenho
coisas para fazer na cidade, mas estava pensando em trazer mais alguns livros
depois de amanhã, se você não faz objeção.
— Nenhuma – exclamou a sra. Chase, se levantando. — Não
gostaria de ver o jardim antes de ir embora?
— Ótima ideia – concordou Jarret, educado, mas sem muito
entusiasmo.
Helen quase engasgou com um gole de café quando a mãe
completou o convite.
— Poderia ter sugerido isso antes, se soubesse que Helen vinha
almoçar em casa. Não se importa de mostrar o jardim ao sr. Manning, não é,
querida?
Dizendo isso, ela saiu para dar umas ordens à governanta e deixou
a filha e o hóspede a sós.
— Olhe, podíamos esquecer o passeio turístico – disse Jarret,
ríspido, vestindo o casaco de brim. — Não tenho mesmo muito tempo e tenho
certeza de que você tem coisas melhores para fazer.
— Como queira – respondeu Helen, dando de ombros.
— Não é bem o que “eu” quero, e você sabe disso. Não fui eu que
comecei essa troca de agressões.
— E o que é que eu digo à minha mãe, então?
— Não me diga que está com medo do que a mamãe vai dizer. —
Suspirou, irritado. — Diabos! Eu vou é embora daqui.
Helen ficou confusa. Não costumava ser tão indelicada com as
pessoas. Achava que tinha motivos para não gostar dele, mas será que aquela
situação desagradável não tinha sido mesmo provocada por ela? Tentou
corrigir o erro.
— Sr. Manning... – chamou quando ele já estava quase na porta.
— O quê? – ele se virou sem muito entusiasmo.
Helen deu uns passos na direção dele e parou.
— É que... bem, terei prazer em lhe mostrar o jardim... se quer
mesmo vê-lo – ofereceu, meio sem graça.
— Proposta meio forçada, não? – comentou Jarret depois de um
silêncio que para ela pareceu interminável.
— Só estou tentando... bem, se vamos viver na mesma casa, não
podemos continuar... provocando um ao outro.
— Preciso voltar para a cidade.
Aquilo foi demais para Helen.
— Você é mesmo um... um... idiota! – exclamou furiosa. — Você
me obriga a convidá-lo para ver o jardim e depois me deixa falando sozinha! O
que quer que eu faça? Que me ajoelhe aos seus pés?
— Ei... – sorriu, divertido. — Não pedi para você fazer nada. Quem
pediu foi sua mãe! Mas, se está assim tão desesperada para me mostrar o
jardim, vamos lá!
— Eu... eu... ora, vá para o inferno! – gritou Helen, fora de si,
voltando para a mesa.
— Acho que eu irrito você de verdade, não é?
Daí um instante Jarret estava parado atrás dela. Helen se sentia
absurdamente vulnerável e não queria que ele visse o ódio e o medo
estampados em seu rosto.
— Por favor... deixe-me em paz – pediu, quase implorando.
Jarret segurou-a pelos ombros e obrigou-a a olhar para ele. Como
ele era mais forte, não adiantava lutar, mas Helen manteve a cabeça abaixada
até que uns dedos fortes a obrigaram a levantar os olhos.
— Acho que preciso pedir desculpas, não – Helen quase não
reconheceu a voz suave e incrivelmente delicada. — Não estou acostumado a
conviver com pessoas de sociedade e você é seria demais, sabia?
— Não preciso de sua piedade. – Helen afastou a cabeça. — E
agora... se me dá licença....
— Não dou – ele a interrompeu, firme. — Vai me mostrar o jardim,
e depois vou levá-la para tomar chá num daqueles cafés tão simpáticos de
Malverley.
— Não... – Helen ia protestar, mas o toque suave daqueles dedos
morenos fez com que ela se calasse.

Começou a chover assim que chegaram a Malverley, e Helen ainda


se perguntava se o que estava fazendo era certo. Apesar da aparente
cordialidade de Jarret, ainda não confiava nele.
No entanto, o passeio pelo jardim de King’s Green tinha
transcorrido sem incidentes. Jarret tinha demonstrado um inesperado interesse
pelas plantas e pela horta, chegando até a conversar longamente com o sr
Hetherington, o jardineiro, marido da governanta. Helen e ele não falaram
muito, e o pouco que falaram foi sobre assuntos impessoais, como a terra, a
casa, as plantas.
Jarret parou o carro na praça do mercado, em Malverley, e se virou
para Helen.
— E então? Qual é o melhor lugar para se tomar chá? Você deve
saber melhor do que eu.
Helen se ajeitou no assento, nervosa, e deu de ombros com
indiferença.
— Há o Green Maple, o Embassy, ou o bar local, se preferir.
— Embassy? – sorriu com ironia. — Não, honestamente, esse lugar
não tem nada a ver comigo. Não conheço o Green Maple, mas acho que o bar
local deve ser interessante.
— Eu... bem.. – começou Helen, sem saber se ele falava a serio ou
não.
— Que ar solene – Jarret brincou, passando os dedos de leve pelo
rosto dela. — Que espécie de sujeito é o seu noivo? Não se diverte com ele?
Nunca dão risada nem dizem tolices?
Helen levantou a cabeça e não respondeu. Ele fez uma careta de
desanimo e desceu do carro.
Malverley era uma cidade pequena, onde quase todos conheciam
Helen por causa da loja que ela e Karen dividiam. De repente, ela lembrou que
dificilmente passaria despercebida ali e que seria muito desagradável se o
passeio dos dois chegasse aos ouvidos de Charles.
O bar estava lotado de estudantes, que geralmente se reuniam ali
depois das aulas. O ambiente, apesar de pesado de fumaça, era agradável e
descontraído. Helen, que nunca havia entrado lá, olhou em volta com
curiosidade. Sentaram-se numa mesinha de canto.
— Café ou chá? – perguntou Jarret. — Se fosse você, tomaria café,
porque o chá de lugares como este costuma ser horrível.
— Está bem. – Helen procurou se acalmar depois que ele saiu para
pedir o café, mas era difícil permanecer indiferente ao grupo de adolescentes
que olhava para ela e fazia comentários ruidosos.
Para seu alívio, os garotos logo perderam o interesse por ela depois
que Jarret voltou com as xícaras fumegantes. Pegou com a mão um pouco
trêmula a xícara que ele ofereceu.
— O que há de interessante para se fazer num lugar como este? –
perguntou Jarret, distraído.
— Pouca coisa – admitiu Helen. — Há um cinema e um teatro, que
funciona durante os meses de inverno. Um rinque de patinhação...
— E a vida noturna?
— Acho que há algumas discotecas...
— Mas você nunca esteve lá.
— Numa discoteca, não. As vezes vou a festas, mas essa
cidadezinha não é como Londres. Se gosta de vida noturna e lugares
sofisticados, Malverley não é o lugar certo para você.
— Eu disse que gosto? – ela teve que reconhecer a contragosto que
não. — Perguntei por simples curiosidade. – fez uma pausa. — Você parece
tão... inexperiente.
— Inexperiente! – Helen ficou indignada.
— Inexperiente, sim. – repetiu Jarret. — Intocada por mãos
humanas.
— Está sendo insolente, sr. Manning – respondeu, furiosa,
afastando a cadeira, mas ele a agarrou pelo braço e não deixou que se
levantasse.
— Por quê? – perguntou, olhando bem dentro dos olhos dela —
Por que sou insolente? Não acha que foi um elogio a referência à sua...
inocência?
— Não do jeito que falou, sr. Manning. E que fazer o favor de
soltar meu braço?
— Só se prometer que não vai embora – respondeu, suave.
— Mesmo que eu prometa, que garantia você tem de que eu não
vou mesmo? – perguntou, irritada com a confiança dele.
— Acho que você não mentiria para mim. – Soltou o braço de
Helen, que lutava para recuperar o autocontrole.
— Você não tem o direito de dizer essas coisas – declarou,
afastando a xícara. — Se não se importa, quero ir para casa. Vai me levar ou é
melhor eu chamar um táxi?
— Eu levo você – concordou Jarret com um suspiro. — Mas, posso
primeiro terminar meu café?
Helen não respondeu. Ficou onde estava, muito rígida, as mãos
cruzadas no colo.
— Entendi bem o que sua mãe disse? – perguntou Jarret de
repente. — Você tem uma loja aqui em Malverley?
— Em sociedade com uma amiga – explicou Helen depois de
hesitar um pouco.
— Não sei por que, mas imaginava que você fosse uma dessas
damas ricas e desocupadas.
— Que faz obras de caridade e visita os pobres? – retrucou,
ofendida pela suposição.
Ele riu, sem se deixar abater pela ironia.
— E onde fica essa loja?
— Se vier morar aqui, você logo vai descobrir.
— Já que vou mesmo descobrir, por que não me diz agora?
Helen suspirou
— Na Arcada.
— Onde fica isso?
— Do outro lado da praça.
— Quem é a sua sócia?
— Uma amiga minha, Karen Medley-Smythe.
— Srta. Medley-Smythe? – Jarret sorriu com malícia.
— É.
— Interessante.
— Por quê? Que interesse isso pode ter para você?
— Ora... quero conhecer a cidade. Sabe como é... fazer amigos e
influenciar pessoas.
Helen olhou pela janela, irritada. Estava estranhamente deprimida,
uma depressão totalmente desproporcional às circunstâncias. O que estava
acontecendo? Por que se deixava provocar por aquele homem?
— Está bem... vamos!
Quando Helen tornou a se virar, encontrou-o já de pé. Vestindo o
casaco apressadamente, ela disparou para a porta na frente dele. Ele a alcançou
e, por um instante, seus corpos se tocaram. O pequeno contato foi suficiente
para trazer de volta a lembrança do incidente na biblioteca. Pelo sorriso irônico
de Jarret, ela percebeu que ele estava pensando exatamente a mesma coisa, o
que a deixou ainda mais furiosa.
— Muito bem – comentou Jarret, sério, assim que saíram. — Pelo
menos três pés pisados, algumas costelas roxas, sem mencionar as xícaras
derramadas no caminho. É, acho que você vai ser muito bem-vinda aqui da
próxima vez.
Helen não conseguiu ficar séria e caiu numa gargalhada
incontrolável. Era como se toda a tensão da última meia hora explodisse
naquele acesso de riso.
— Eu disse alguma coisa engraçada? – perguntou Jarret, fazendo-
se de inocente.
Ela não respondeu. Só sacudiu a cabeça e continuou rindo até não
aguentar mais. Quando perceberam a chuva, já estavam ensopados.
— Você está ficando ensopado – exclamou, limpando as lágrimas.
— Você também. Venha, vamos para o carro. Detestaria que você
morresse de pneumonia por minha causa.
— Sou mais forte do que pareço – gabou-se Helen.
— É mesmo? – ele perguntou, cético.
Já dentro do carro, Jarret tirou o casaco e ajudou Helen a fazer o
mesmo.
— Obrigada – disse ela. — Pelo menos está quente aqui dentro.
Que tempo maravilhoso.
Jarret pegou o casaco de Helen e colocou-o no banco de trás, junto
com o dele.
— Para um fazendeiro a chuva é sempre bem-vinda – reprovou-a.
— Eu sei... – Helen parou de falar assim que percebeu que ele
estava brincando. — E depois eu não sou obrigada a gostar da chuva, sou? E
pelo seu bronzeado acho que também não deve passar suas férias neste país.
— Esse bronzeado é de quase um ano atrás, trazido do México. E
não foram férias. Eu estava fazendo uma pesquisa, na época, e posso garantir
que trabalhar com aquele calor não foi nada fácil.
— México? Parece excitante. Ficou lá quanto tempo?
— Três meses – deu de ombros. — Foi... interessante, mas acho que
você não teria gostado.
— Por que não?
Antes de responder, Jarret enxugou uma gota de chuva que
escorria do cabelo dela.
— Coisas relacionadas com a agricultura mexicana. Acho que você
não ia se interessar pelo assunto. Não tem nada a ver com Malverley ou o...
Embassy...
— Você está brincando comigo outra vez! – reclamou Helen,
ofendida.
— Não, não estou – respondeu Jarret, estranhamente suave.
— Não sou ingênua como você pensa. Sei muito bem o que se
passa no resto do mundo. Só porque parecemos muito burgueses e muitos
chatos para você, não quer dizer que somos avestruzes.
— Não acho você chata de maneira alguma.
Depois de acender um charuto, Jarret deu a partida no carro e
contornou a praça antes de tomar a direção de King’s Green. A chuva já estava
quase passando, mesmo assim ele dirigiu devagar.
— Onde vocês pretendem morar depois de casados? – perguntou
inesperadamente, e Helen hesitou um pouco antes de responder.
— Charles está comprando uma casa em Ketchley, não muito
longe da casa dos pais. Não seria razoável morar longe do haras. E, depois
Malverley não é tão longe de lá.
— Quer dizer que pretende continuar trabalhando depois de
casada?
— Em princípio, sim – admitiu Helen, aborrecida com tantas
perguntas. — Com certeza o senhor não desaprova, não é, sr. Manning? Hoje
em dia isso é comum.
— Talvez. E não tem medo de que outras circunstâncias alterem os
seus planos?
— Se está se referindo a um bebê, não. Charles e eu achamos
melhor esperar alguns anos, e... bem, quando chegar o momento eu pensarei no
caso.
Falar daquelas coisas com estranhos não era costume de Helen,
que ficou embaraçada e procurou mudar de assunto.
— Quanto tempo você leva daqui até Londres?
— Depende – Jarret deu de ombros. — Mais ou menos umas duas
horas. Mas para atravessar o centro de Londres leva-se o mesmo tempo. Você
nunca vai a cidade?
— Algumas vezes – Helen se colocou na defensiva. — Mamãe e eu,
às vezes, vamos fazer compras. E, antes de ficar noiva de Charles, eu ia de vez
em quando com Karen ao teatro e ao cinema.
— Humm – Jarret não pareceu impressionado. — Mas com
Charles, não.
— Charles não gosta de Londres, sr. Manning – irritou-se com a
suposição dele. — Nem todo mundo gosta.
— Claro, concordo – Jarret levantou a mão num gesto de desculpa.
— Só queria saber uma coisa.
— Que coisa?
— O tipo de relacionamento que você tem com seu noivo.
— O tipo de relacionamento... – a voz de Helen sumiu. —Acho que
não entendi.
— Não tem importância. É aqui a entrada para a estrada de King’s
Green? – perguntou Jarret, olhando para a janela.
— O quê? Ah, claro, é – passou a língua pelos lábios secos. — O
que tem meu relacionamento com Charles?
— Esqueça – Jarret suspirou. — Nem conheço o homem! — Saiu da
estrada e entrou no portão de King’s Green. — Ainda bem que a chuva está
passando. Quer apostar que vou pegar chuva no caminho outra vez?
— Jarret...
Ela usou o primeiro nome dele sem perceber, e só reparou no
deslize quando viu o sorriso irônico dele.
— O que é, Helen? – perguntou, com falsa seriedade.
— Você gosta de me provocar! – exclamou, zangada. — Por que
não respondeu à minha pergunta? Eu já respondi a sua.
— Você não ia gostar da minha resposta. Está satisfeita?
Jarret parou diante da porta e Helen se virou para pegar o casaco.
— Não. Não sou criança, sr. Manning. Mas, se seus segredos são
assim tão importantes, pode guardá-los.
— Não são – apertou um botão para travar a porta e impedir que
ela saísse.
— Muito bem, srta. Chase... Estava curioso para saber que espécie
de homem é esse que não procura tirar vantagem das facilidades que essa
aliança dá a ele!
— As facilidades... – repetiu sem compreender. — Você quer
dizer...
— Quero dizer que você não dorme com ele... dorme, Helen? Acho
isso um tremendo desperdício!
— Como... como tem coragem... – Helen mal conseguia falar tanta
era a indignação.
— Foi você que perguntou – ele lembrou, e desceu do carro.
Só muitos minutos mais tarde Helen recuperou o autocontrole e foi
atrás de Jarret, que já havia entrado na casa e estava parado no vestíbulo com as
chaves na mão. Percebendo o espanto dela, explicou:
— Sua mãe me deu uma chave. Parece que ela não está em casa.
Peça desculpas a ela por mim e diga que estarei aqui na sexta.
— Já vai – perguntou, fria.
— Olhe... – disse Jarret, sentindo que devia uma explicação a
Helen, — não fique com raiva de mim por causa do que eu disse. Não se
esqueça de que foi você que insistiu.
— Você... você não tinha o direito de... de fazer comentários como
aqueles...
— Ora, vamos! Tenho direito de ter uma opinião – parou na frente
dela e olhou-as com uma inocência perturbadora. — Eu disse que era um
desperdício, e é! Você é linda, Helen, e se Charles não vê isso, então ele é mais
idiota do que eu pensava. Eu não deixaria você solta por aí sem a minha marca,
e o homem que faz isso está procurando problemas.
— Não julgue os outros por você. Nem todos são tão imorais.
Eu...eu... Charles e eu temos um ótimo relacionamento. Ele é um homem
maravilhoso e eu o amo com ternura.
Um beijo ardente e possessivo obrigou-a a se calar. Como da outra
vez, ela foi apanhada de surpresa, mas agora não havia raiva nos lábios dele, só
sensualidade e desejo. Helen tremeu ao sentir as carícias e o abraçou sem
perceber, abrindo os lábios numa resposta intensa ao desejo que também crescia
dentro dela. Os seios esmagados contra o peito dele, ela não reagiu quando
sentiu as coxas fortes coladas as suas e se entregou à inconsciência daquela
paixão toda nova.
A razão voltou de repente, e Helen, com um esforço sobre-
humano, empurrou-o para longe.
— Solte-me! – gritou, desprezando-se e desprezando aquele
homem por despertar nela emoções tão intensas.
Jarret não procurou disfarçar a excitação e olhou para ela com os
olhos em chama.
— Quer fazer o favor de me deixar em paz? – gemeu Helen,
percebendo que era inútil tentar argumentar com ele.
— Não me olhe com essa cara de espanto! – exclamou Jarret,
irritado com a atitude dela. — Não foi assim tão terrível, foi? Garanto a você
que foi uma coisa muito natural, especialmente nestas circunstâncias.
— Que circunstâncias? – perguntou Helen, sabendo que se
arrependeria pelo resto da vida por ter perguntado.
— Você vai se casar. Logo vai descobrir. Desde que esse seu
namorado não...
— Não o quê?
— Santo Deus! Você não entende? O jeito como você beija... parece
que nunca se excitou antes. Deus tenha pena de você se ele é tão frio quanto
parece.
— Saia daqui sr. Manning! Saia, está me ouvindo? – estava tão
transtornada que nem percebeu que tinha gritado. Sentiu que ia morrer de
vergonha quando virou para trás e viu a mãe parada na porta.
CAPÍTULO 4

— Você não vai embora? – estranhou Karen. A loja já estava


fechada há mais ou menos uns quinze minutos, e ela mesma tinha guardado o
dinheiro do caixa no cofre. Não via razão para que a amiga conferisse as contas
do dia.
— Já vou indo – respondeu Helen, forçando um sorriso para não
despertar as suspeitas da amiga. — Quero dar mais uma olhada nessas contas.
Pode ir, Karen. Eu não me importo.
— Eu cometi outro erro? – perguntou Karen, preocupada.
— Não... nada disso – Helen a tranquilizou. — As contas estão
perfeitas.
— Então por que está conferindo de novo?
— Vá para casa, Karen – Helen suspirou. — Até amanhã.
— Você está com algum problema? – insistiu a amiga, preocupada.
— É Charles? Vocês brigaram?
— Não. Claro que não. Charles e eu nunca brigamos. Você está
imaginando coisas, Karen.
— Estou mesmo? – a outra não acreditou muito. — Bom, alguma
coisa está errada. Se não é Charles, então é Jarret Manning.
— O quê?
Karen se acomodou numa cadeira próxima de Helen e olhou para
a amiga com um jeito provocativo.
— É Jarret Manning, não é? – insistiu, colocando um cigarro na
boca. — É por isso que não quer ir para casa.
— Sua imaginação está indo longe demais – retrucou Helen,
agitada. — Não posso negar que é hoje que Jarret Manning vai se mudar lá para
casa. Mas daí a dizer que é por causa dele que estou trabalhando até tarde...
Karen acendeu o cigarro e ficou olhando para a amiga, pensativa.
Era uma moça atraente, três ou quatro anos mais velha que Helen, loira e
simpática. Desde a morte de seus pais, há uns cinco anos, morava sozinha num
apartamento em Malverley. Apesar de muito popular entre os homens, estava
irremediavelmente apaixonada por um homem casado.
— Se não está evitando Jarret Manning, o que é, então?
— Já disse. Estou conferindo as contas. Escute, Karen, tenho
mesmo que responder a esse questionário?
— Quem é que você está querendo enganar, Helen? O que
aconteceu, querida? Ele tentou alguma coisa com você?
— Não gosto dele. Não entendo por que mamãe concordou em
ceder um quarto para Jarret Manning. Da primeira vez, com tia Margot, já foi
horrível... e na sexta-feira passada foi pior ainda. Levou junto uma modelo
americana que passou o tempo todo agarrada nele.
— A modelo era Vivien Sinclair? Li que ela é a atual namorada
dele.
— Onde foi que você leu isso?
— Onde podia ser? No jornal, é claro. O seu Jarret Manning é um
dos assuntos favoritos das colunas sociais. Os jornalistas não dão sossego a ele.
— Talvez ele mereça – respondeu Helen, irritada. — Agora você já
sabe por que prefiro evitá-lo.
— Eu sei? – Karen era terrivelmente perspicaz. — Não acredito que
a fria e controlada Helen esteja transtornada por causa de uma modelozinho
vazia e fútil.
— Ela não é vazia – resmungou Helen. — Mamãe me disse que,
segundo Jarret, ela tem um curso superior qualquer, e que só se tornou modelo
depois de ganhar um concurso de beleza.
— Jarret? – brincou Karen.
— Está bem – Helen admitiu a contragosto, — ele tentou me
paquerar. Agora, você vai embora?
— Ora, Helen...
— O que foi?
— Às vezes fico preocupada com você, sabia? – disse Karen,
impaciente.
— Comigo? Por quê?
— Você, sim. Você é tão... vulnerável, tão fácil de ser magoada...
Sabe, as vezes fico pensando se você alguma vez se envolveu profundamente
com alguma coisa.
Helen se mexeu na cadeira, um pouco ofendida pelo comentário
da amiga. Karen sorriu e pediu desculpas.
— Não ligue para mim. Não estou em condições de dar conselhos
a ninguém. Deus sabe que nem minha própria vida eu soube dirigir com
sucesso, não é?
— Como está John? – perguntou Helen, satisfeita com a mudança
de assunto.
— Está ótimo – os olhos de Karen brilharam ao falar do homem
que ela amava. — Passamos o fim de semana em Stranford. Ele é um louco,
Helen! Tomamos um barco para atravessar o rio a uma hora da manhã e
fizemos amor no meio das árvores.
— Acho que a louca é você, Karen. E se... e se você ficar grávida?
Afinal, ele já tem quatro filhos, e se recusa a pedir o divórcio.
— Ele não pode se divorciar – Karen deu de ombros, resignada. —
A mulher dele é católica. E, depois, como é que ele poderia deixar Audrey
sozinha com as quatro crianças?
— Não entendo você, Karen. Diz que ele não pode deixar a mulher
sozinha com os filhos, mas se expõe ao mesmo risco sem ao menos a garantia de
uma aliança.
— Eu tomo minhas precauções – respondeu Karen com paciência.
— E se você acha que eu e John podemos manter o mesmo tipo de
relacionamento que você e Charles, está muito enganada.
— Meu relacionamento com Charles não tem nada a ver com isso.
— Não? Às vezes fico pensando para o que é que vocês estão se
guardando.
— Charles e eu achamos que a lua-de-mel serve exatamente para
isso – explicou, sem se sentir ofendida. — Para que casar, se você já antecipou a
noite do casamento?
— Oh, Helen! Você ainda tem muito que aprender!
— Por que será que as pessoas sempre se acham mais sabidas que
o resto do mundo?
Karen suspirou
— E se você forem incompatíveis?
— Incompatíveis? – Helen tentou parecer despreocupada. — O que
você quer dizer com... incompatíveis? Nós nos amamos.
— Tenho certeza que sim. Mas amar e compartilhar o amor são
duas coisas bem diferentes.
— E você, é claro, sabe tudo a esse respeito – ironizou Helen.
— John não foi o primeiro homem com quem eu dormi –
respondeu Karen com franqueza. — Mas é o único homem que eu desejei até
hoje.
— Desejar! Desejar! O que é que o desejo tem a ver com o amor?
— Helen, escute. Tem certeza de que você e Charles...
— Você me convenceu! – Helen fez um gesto de impaciência e se
levantou.
— Convenci do quê?
— De que sou uma idiota por ficar aqui até tarde só porque Jarret
Manning invadiu minha casa. Por que me preocupar com isso? Afinal, só vou
ficar naquela casa por mais três meses! Mamãe vai poder ficar com ele só para
ela.
— Com ciúmes?
— De mamãe?
— Não, de Jarret Manning. Você sempre foi a menina dos olhos da
mamãe, não foi?

No caminho para casa, Helen foi pensando na ironia das palavras


da amiga. Se Karen soubesse como estava o clima entre a mãe e ela depois da
cena no vestíbulo! Claro que a sra. Chase não sabia nada sobre o incidente, e
por isso acusava a filha de grosseira, egoísta, sem consideração para com os
sentimentos das outras pessoas...
A segunda visita de Jarret tinha sido mais curta, mas nem por isso
menos memorável. Em vez de chegar de manhã, como tinha prometido,
apareceu só a noitinha, depois que Helen e a mãe já estavam convencidas de
que não viria mais. E Vivien Sinclair estava com ele. Pelas explicações, o atraso
se devia a alguns compromissos de Vivien. A americana mostrou ser uma
pessoa amigável, mas Helen fez o possível para evitá-la.
Durante a visita, quem falou mais foi a modelo, que só se dirigia
quase sempre a sra. Chase. Helen só abriu a boca quando falavam com ela, o
que aconteceu pouquíssimas vezes. Jarret quase não conversou. Sentado muito
à vontade no sofá, com as pernas estendidas, revelava pelo olhar irônico seu
domínio da situação.
Ao se aproximar de casa, Helen percebeu aliviada que a Ferrari
verde não estava no lugar habitual, mas sua alegria terminou ao avistar o carro
esporte estacionado ao lado da casa.
Entrando em casa, achou que até a atmosfera estava diferente, e vê-
lo falando ao telefone foi a gota d’água. Lembrando que a melhor defesa é
sempre o ataque, tomou a iniciativa.
— Seu carro está bloqueando a passagem – anunciou, ríspida, sem
cumprimentá-lo.
— Então tire-o de lá – aconselhou Jarret, jogando a chave para ela.
— Faça alguma coisa útil.
— Não sei dirigir seu carro – respondeu Helen, atrapalhada.
— Por que não? Você passou no exame de motorista, não passou?
— Passei, mas... – suspirou, impotente. — Você sabe que eu não
posso fazer isso.
— Assustada?
— Com medo de estragar seu carro, só isso.
— Eu assumo a responsabilidade. Vá em frente. Vai vê como é
fácil.
Helen ficou parada, indecisa, outra vez nas mãos dele. Depois,
percebendo que uma recusa podia parecer infantilidade ou ignorância, saiu.
A Ferrari não estava trancada. Apesar de Helen ser alta, não
conseguiu alcançar os pedais, e levou vários minutos para ajustar o banco. Deu
a partida com certo receio, mas descobriu maravilhada que o carro era tão
suave quanto potente. Um pouco mais a vontade, acelerou. Foi um erro. Sua
confiança quase terminou em desastre, mas felizmente conseguiu encontrar o
breque antes que a Ferrari batesse no portão da garagem.
Ainda tremendo, olhou pelo espelho retrovisor e quase morreu de
raiva e vergonha ao ver Jarret parado na porta, se contorcendo de tanto rir.
Abriu a porta com um empurrão e avançou na direção dele.
— Acho que você não ficaria tão histérico se eu me matasse dentro
desse carro – explodiu, furiosa.
A reação dele foi sacudir a cabeça, reprimindo o riso.
— Admito que passei maus bocados vendo você treinar sua
parada de emergência. Mas felizmente estava tudo sobre controle.
Helen levantou a cabeça, indignada, quase chorando de raiva. Será
que ele estava falando sério? Não, claro que não estava. Queria ele provocá-la
outra vez? Mas, de repente, o ridículo da situação foi demais para ela. Quis ficar
séria, quis responder à altura, mas a imagem da Ferrari em desabalada carreira,
e ela dentro, tentando desesperadamente achar o breque, foi demais. Como no
outro dia, explodiu numa gargalhada nervosa.
— Está se sentindo bem? – perguntou Jarret, enquanto ele lutava
para recuperar um mínimo de dignidade.
— Desculpe – murmurou Helen, enxugando os olhos. — Não tem
mesmo a menor graça.
— Não? Pois eu juraria que você achou hilariante.
— Bom, eu achei... isto é, você me fez rir! – acusou, fazendo uma
careta. — O carro está intacto? Não provoquei nenhum dano, provoquei?
Jarret foi até o carro, retirou as chaves e fechou a porta que ela
tinha deixado aberta. Depois voltou para perto dela, sacudindo a cabeça ao
notar sua expressão preocupada.
— Já basta por uma noite. Não está mais impedindo a entrada de
ninguém, está?
Voltaram para dentro em silêncio. Helen ficava perturbada pela
poderosa presença física de Jarret. No vestíbulo, ele parou outra vez para
telefonar e ela hesitou um pouco, sem saber o que fazer. Decidiu subir para seu
quarto, vendo que ia ser muito difícil ficar indiferente à presença daquele
homem em sua casa.
Felizmente, ia sair para jantar; e um bom banho fez voltar seu
equilíbrio. Charles viria buscá-la às sete. Teve tempo de se vestir e se pintar com
um capricho todo especial, terminando no momento exato em que ouviu o
ruído do carro do noivo. Uma profunda ansiedade obrigou-a a se sentar na
cama. Charles queria conhecer Jarret Manning, e a perspectiva daquele
encontro a perturbava. Ficou ali sentada mais um pouco e depois decidiu
descer. Encontrou a mãe no vestíbulo.
— Ah, aí está você! – o tom da sra. Chase ainda era o mesmo tom
frio dos últimos dias. — Charles está aí. Eu já ia subir para chamar você.
— Desculpe – murmurou Helen, e a mãe suspirou.
— Devia ter me dito que já estava em casa. Chegou tarde hoje,
não?
— Tive que fazer uma verificação nos livros depois de fechar a loja.
Eu... ah... eu pensei que o sr. Manning tivesse dito que eu já estava em casa.
— É, ele disse... quando eu perguntei. Mas prefiro não ter que fazer
perguntas sobre o seu paradeiro, no futuro.
— Desculpe – repetiu Helen.
A mãe deu outro suspiro impaciente e desapareceu na direção da
cozinha.
Charles estava sozinho na sala, andando de um lado para o outro
na frente da lareira, aborrecido por não ter encontrado Helen à sua espera.
— Pensei que tivéssemos combinado que você estaria pronta às
sete – disse, irritado, sem retribuir o beijo de Helen. — Já passaram nove
minutos das sete, e temos apenas vinte e um minutos para chegar a casa dos
Arrowsmiths.
Helen reprimiu um protesto, sem querer discutir com ele, e tentou
parecer alegre.
— Os Arrowsmiths não vão se preocupar com isso, Charles.
— Mesmo assim – continuou Charles, ajeitando a gravata-
borboleta — espero pontualidade das outras pessoas. O mínimo que posso fazer
é retribuir na mesma moeda.
— Não seja tão meticuloso – Helen o criticou, arrependendo-se
logo em seguida. — Desculpe, querido! Mas isso não é assim tão importante! E
depois... – olhou para trás, apreensiva – pensei que quisesse conhecer Jarret
Manning.
— Queria e quero. Só que o sujeito parece não estar por aqui.
— Ele deve estar na biblioteca – disse Helen, em dúvida,
esperando que Jarret aparecesse, o que não aconteceu.
Charles achou melhor irem embora.
No vestíbulo, quando Charles ajudava Helen com a estola, a porta
da biblioteca se abriu e Jarret apareceu. Ainda estava com a mesma roupa da
tarde.
— Desculpe – disse num tom gentil, dirigindo um olhar geral a
todos. — Vão sair?
Helen fez as apresentações, atenta às reações dos dois homens.
Apesar de estar vestido com mais elegância, o noivo parecia o mais inseguro.
— Manning! – Charles usou na saudação o tom que costuma
reservar aos inferiores. — Já instalado? Tenho certeza de que vai achar a casa
um excelente lugar de trabalho.
— Também acho, Connaught – respondeu Jarret, amigável. —
Principalmente porque todo mundo aqui é muito gentil. A impressão que tenho
é de ser realmente bem-vindo.
— Claro... bem... – Charles ficou sem saber o que dizer — Excelente
lugar para se viver. Já viajei muito, mas você sabe, é sempre bom estar em casa
de novo.
— Sem dúvida.
Jarret tinha conseguindo colocar Charles na defensiva, o que
deixou Helen admirada.
— Bom, precisamos ir – disse Charles, empurrando Helen para a
porta. — Prazer em conhecê-lo, Manning. Precisa ir tomar um drinque lá em
casa qualquer dia. Helen lhe mostra o caminho. Tenho certeza de que meu
irmão vai gostar de ver você outra vez. Helen já contou que ele está de volta?
Helen ficou atrapalhada e Jarret olhou para ela sem entender.
— Seu irmão?
— Vincent. Vincent Connaught – explicou Charles.
— Vince Connaught é seu irmão? – Jarret exclamou, surpreso. —
Não me diga!
— Helen! – a omissão de Helen pareceu aborrecer Charles. —
Helen, você não transmitiu o recado de Vincent ao sr. Manning?
— Esqueci – ela respondeu, perturbada pelo olhar irônico de Jarret.
— Eu... o sr Manning chegou hoje, Charles. Eu... eu... ainda não tive tempo.
— Você também não me disse que Vincent tinha voltado –
comentou a sra. Chase, que tinha se juntado ao grupo. — Como vai ele,
Charles? Ele não estava fora na última vez que conversei com sua mãe?
— Estava – chalés começou a explicar a situação, e Helen desviou
os olhos para não ver a acusação no olhar de Jarret.
Para alívio de Helen, a explicação do noivo foi curta, e daí a pouco
estavam a caminho da casa dos amigos de Charles.
— Que distração, não? – a acusação veio depois de vários minutos
de silêncio pesado.
Helen não estava com disposição para ser repreendida sem reagir.
— Distração por que, Charles? – perguntou, fingindo não entender.
— Por não dizer ao sr. Manning que Vincent gostaria de entrar em
contato com ele.
— Não pensei que você se preocupasse tanto com Vincent ou com
os amigos dele – retrucou Helen, tensa. — E depois, como eu já disse lá dentro,
o homem chegou hoje.
— Mas você não disse que ele já tinha vindo duas vezes antes, para
trazer livros e objetos pessoais? Não podia ter dado o recado?
— Que importância tem isso? – Helen estava começando a perder a
paciência. — Sinceramente, se soubesse que era tão importante para você, teria
feito questão de informá-lo.
— Claro! – Charles suspirou e tentou se desculpar. — E talvez
tenha sido melhor assim. Não gostaria que o sujeito começasse a aparecer em
Ketchley dia e noite.
— Duvido que isso vá acontecer – observou Helen. — Mas o
convite agora partiu de você.
— Para um drinque – protestou o noivo. — Um convite que
qualquer pessoa com um mínimo de educação teria de fazer.
— Está bem. Vamos mudar de assunto, Charles.
— Não entendo sua atitude, Helen. Ele me pareceu muito educado.
— Educado! – exclamou Helen com desprezo. — Não achou que
ele foi insolente?
— Insolente? – Charles pensou um pouco. — Não. Não, não se
pode dizer que ele tenha sido insolente. Talvez um pouco convencido, mas acho
que isso é natural.
Helen se virou e olhou pela janela. Jarret podia ser tudo, menos
convencido. Até pelo contrário. Para um homem de cultura literária tão vasta,
era modesto até demais. Mas dizer isso a Charles seria procurar problema, por
isso ela fez uma pergunta sobre cavalos e a conversa voltou a fluir entre eles.
CAPÍTULO 5

Passava um pouco das onze quando Helen chegou em casa, depois


de passar toda a viagem de volta imaginando como evitar uma discussão com
Jarret. Tinha certeza de que ele estaria acordado a sua espera, pronto para
recriminá-la por não ter transmitido o recado de Vincent.
Ao mesmo tempo em que sentia uma certa satisfação masoquista
ante a perspectiva de enfrentar a raiva dele, o bom senso a aconselhava a não
desafiar um homem como Jarret.
Convidou Charles para entrar e tomar um chá, mas descobriu,
decepcionada, que tinha perdido seu tempo. Jarret não estava. Alice estava
sozinha na sala e pouco disposta a conversar, por isso Helen teve que preparar
o chá e servi-lo. Só depois que Charles foi embora é que a mãe se dignou a
informar que Jarret não estava em casa.
— Ele telefonou para Vincent depois que você saiu, e combinaram
um encontro na cidade. Ele tem a chave, por isso não estou preocupada. Pode ir
se deitar, se quiser.
Helen aceitou o conselho e foi para a cama, mas não conseguiu
dormir. Ficou acordada, ansiosa, até ouvir o ronco da Ferrari, já de madrugada.
Só então relaxou e conseguiu pegar no sono, mesmo assim teve pesadelos o
resto da noite.
Quando desceu para o café, se sentiu péssima. Jarret não estava na
cozinha, e Helen imaginou como devia ser bom poder dormir a manhã toda.
Era uma das vantagens de trabalhar em casa. Concentrada nesses pensamentos,
ficou surpresa quando o convidado apareceu. Mesmo com a barba por fazer, ele
parecia descansado e autoconfiante.
— Bom dia – cumprimentou. Helen respondeu com educação, mas
de cabeça baixa. — Qual é o problema? Charlie aborreceu você?
— Charles e eu tivemos uma noite ótima – retrucou Helen,
ofendida, e acrescentou de mau humor: — Precisa vir para a mesa nessas
condições?
— O quê? Isto? – passou a mão pelo rosto. — Ficou ofendida? É
que não estou acostumado a encontrar moças lindas no café da manhã.
— Não mesmo? – percebeu que estava sendo irônica, mas não
conseguiu se controlar. — Pensei...
— Pensou, é? Você ainda não me conhece muito bem.
— Conheço o suficiente – replicou Helen, tomando mais um gole
de café.
Ele não respondeu e continuou a brincar com a faca, pensativo.
— Vince e eu nos divertimos muito, ontem à noite. Apesar da sua
má vontade.
— Bebendo, é claro! – declarou Helen, com desprezo.
— É... bebendo – ele concordou, tranquilo e sorridente. — Era
disso que você queria me salvar?
— Eu? – Helen ficou perplexa. — Não tenho nada com isso! Se
você quer acabar com a sua saúde... Só estava comentando o tipo de encontro
que vocês tiveram. – Terminou de tomar o café e afastou a cadeira. — E agora,
com licença, porque um de nós precisa trabalhar...
— Com uma agilidade espantosa, ele se levantou também e
bloqueou a saída dela.
— Sr. Manning... – Helen ia protestar, mas ficou quieta ao perceber
que ele estava furioso.
— Não banque a superior, Helen. – advertiu, ríspido. — Eu
trabalho, pode acreditar. E trabalho duro! Não pense que vim aqui para
descansar. Pretendo terminar este livro, e já tenho outro planejado para depois.
– Helen tremia, tanto por causa da dor de cabeça quanto pela agressão.
Percebendo a palidez dela, Jarret parou de falar.
—Você está doente? – perguntou, colocando a mão na testa de
Helen. Ela se afastou depressa, como se tivesse sido tocada por um ferro em
brasa. — O que é isso? Eu não assusto você tanto assim, não é?
— Você não me assusta nem um pouco – negou com veemência,
virando o rosto. — Se quer saber, estou com dor de cabeça, só isso. Vou tomar
uma aspirina antes de sair.
— Vai trabalhar com dor de cabeça?
— Tenho que ir.
— Mesmo correndo o risco de ser acusado de chauvinista, tenho
uma sugestão. Por que não tira um dia de folga?
— Não posso. Hoje é o dia de maior movimento. Não posso deixar
Karen sozinha.
— Está bem, então eu levo você.
— Você? – Helen arregalou os olhos de espanto.
— Por que não? Você não está em condições de dirigir. Vá tomar
seus comprimidos e depois venha me encontrar no carro.
— Eu... e não posso...
—Por que não? – perguntou Jarret, já com a mão na maçaneta da
porta.
— Você... ainda não tomou café... E fui indelicada com você, fiz
mal juízo de você, não dei o recado de Vincent... – acrescentou a consciência
dela, acusadora.
— E daí? – Jarret deu de ombros. — Estou acostumado a pular
alguma refeição, às vezes.
— Você é muito gentil, mas...
— Santo Deus, não é gentileza! Faria a mesma coisa por qualquer
pessoa. Não vai vestir um casaco, ou qualquer coisa assim?
— Vou – concordou Helen, depois de hesitar mais um pouco.
— Está bem. Quinze minutos, certo?
— Certo – Helen concordou com relutância.
Sentindo-se um pouco melhor depois de tomar a aspirina, apanhou
o casaco e desceu. Jarret estava a sua espera, com a Ferrari já ligada. Sentou-se
ao lado dele e deu um sorriso nervoso. A caminho de Malverley, de pois de
vários minutos de silêncio, Jarret falou:
— Por que não me deu o recado de Vince?
Helen já esperava a pergunta, mesmo assim sentiu um choque.
— Já expliquei – murmurou, meio confusa. — Esqueci.
— Não espera que eu acredite nisso, espera?
— Está bem! – Helen suspirou. — Eu não disse... de propósito.
— Mas por quê? Qual era o problema? Vince me disse que vocês
são bons amigos! Não pode ter sido por não gostar dele... – calou-se de repente,
como se tivesse acabado de ter uma idéia. — A menos... a menos que seja de
mim que você não goste. – deu uma risadinha. — Isso nunca tinha me passado
pela cabeça.
— Você sabe que não é isso – murmurou em voz baixa. Depois deu
um suspiro e sacudiu a cabeça. — Se quer mesmo saber, não dei o recado
porque... porque estava... com medo de que você falasse de mim para ele.
— Não seria natural que falássemos?
— Acho que sim – concordou Helen, dando de ombros.
— Você tinha medo que eu dissesse a Vince que beijei você, não é?
Não precisava ter se preocupado. Vince e eu não trocamos mais esse tipo de
confidencia desde a adolescência.
Helen olhou para ele meio disfarçadamente e tornou a baixar os
olhos.
— Desculpe.
— Está bem – respondeu Jarret. — Eu também peço desculpas.
— Bom, pelo menos agora você já sabe. – Helen se sentiu
diminuída e lamentou não ter dado logo o recado.
A galeria onde ficava sua loja dava para um jardim particular.
Quando ela se preparava para agradecer pela carona, viu que ele também
pretendia descer.
— Quero conhecer a loja onde você trabalha – explicou, enquanto
trancava a porta. — E sua sócia, é claro.
A breve crise de remorso se evaporou por completo. Claro que a
carona tinha sido motivada mais pela curiosidade do que pela gentileza, e por
alguma razão desconhecida ela sentiu que não seria nada bom apresentá-lo a
Karen.
Mas não podia dizer nada. Caminhou em direção à loja,
perturbada pela poderosa presença física de Jarret, esperando, contra toda
lógica, que Karen ainda não estivesse lá.
A loja era pequena, como todas as outras da galeria, mas muito
bem decorada. Os artigos à venda variavam de bolsas de couro e casacos a
frascos pintados à mão e cristais finos. Em suas viagens frequentes a Bélgica,
França e Itália, Karen trazia principalmente objetos feitos a mão, muito
procurados tanto pelos moradores da cidade quanto pelos visitantes.
Bastou Helen empurrar a pesada porta de vidro para perceber que
Karen já tinha chegado. Com profundo sentimento de frustração, convidou
Jarret a entrar.
— É você, Helen? - Karen veio lá do fundo e parou, surpresa ao
ver Jarret.
Helen, notando o olhar de admiração que um dirigiu ao outro, fez
as apresentações de má vontade.
— O sr. Manning me trouxe, Karen. Ele está interessado em
conhecer a loja.
— É mesmo? – Karen sorriu e estendeu a mão. — Já ouvi falar
muito do senhor, sr. Manning, mas confesso que o que soube através de Helen
foi quase nada.
— Não acredite em tudo que ouve – disse Jarret com modéstia,
demorando para soltar a mão da moça. — Como eu não sei nada sobre você,
isso lhe dá uma vantagem.
— Nem tanto! – Karen riu, imediatamente à vontade com ele. — Já
está instalado em King’s Green? Helen me disse que você ia se mudar ontem.
Depois de ter morado em Londres, vai achar a cidade muito tranquila.
— Espero que sim – respondeu Jarret, dando uma olhada em volta.
— Isso aqui é muito bonito. Vocês mesmas fazem a decoração?
— É. – Karen aproveitou um momento em que Jarret estava
distraído e dirigiu um olhar de reprovação a Helen, que observava os dois de
cara fechada. — No começo não tínhamos muita prática, mas acabamos
aprendendo por ensaio e erro.
— E quem faz as compras? – perguntou Jarret, inclinando-se para
examinar uma mala de couro.
— Karen – Helen quem respondeu, em tom hostil.
— Claro – foi o único comentário de Jarret, mas naquela única
palavra havia muitos significados não expressos.
— Helen entende de contabilidade muito melhor do que eu –
explicou Karen, ansiosa para desfazer o clima de animosidade entre os dois. —
Além disso, o noivo dela não gostaria que ela viajasse constantemente para
Roma e Paris, enquanto eu...
— Você não tem um noivo criador de problemas – brincou Jarret,
ignorando Helen e sorrindo para Karen.
— Infelizmente, não – brincou Karen, num tom que fez a dor de
cabeça de Helen aumentar.
— Bom, já vou indo – Jarret desculpou-se, fazendo Helen dar um
suspiro de alívio. — Foi um prazer conhecê-la, srta...
— Karen – ela respondeu com firmeza, e ele sorriu.
— Karen – concordou, sorrindo. — Até logo.
— Até logo.
Helen, que estava de cabeça baixa, encostada a um dos
mostradores de vidro, levantou os olhos.
— Obrigada pela carona – disse com esforço, recebendo de volta
um olhar frio.
— A que horas vocês fecham? – perguntou Jarret já na porta. —
Cinco? Cinco e meia? Venho buscar você quando sair...
— Posso voltar para casa de ônibus – Helen o interrompeu e
recebeu um olhar impaciente.
— A que horas? – ele repetiu, irritado.
— Cinco e meia – respondeu Karen, ignorando a contrariedade de
Helen. — Ou melhor... às cinco. Helen ficou até tarde ontem.
— Então até as cinco – disse Jarret, ríspido, saindo da loja.
Houve um silêncio grande depois que ele saiu. Foi Karen que falou
primeiro:
— O que é que está acontecendo? Sinceramente, Helen, não
entendo você. O homem traz você até a loja e você o trata como se ele tivesse
cometido um crime!
Helen não respondeu e entrou no escritório. Karen a seguiu,
disposta a obter uma explicação.
— Eu sei, eu sei – exclamou Helen, ajeitando o cabelo com as mãos
trêmulas. — Sei que agi mal, mas... ora, eu estava com dor de cabeça. Foi por
isso que ele me trouxe até aqui. Pelo menos a desculpa foi essa.
— Desculpa... por quê? Que outra razão podia haver?
— Ele queria conhecer a loja... e você.
— É mesmo? – perguntou Karen, irônica. — Quer dizer que ele
dirigiu todos esses quilômetros até Malverley só por isso?
— E por que não?
— Às nove horas da manhã? Você deve estar brincando, Helen! –
Karen fez um gesto de impaciência. — Não passou pela sua cabeça que ele
podia estar pensando em você... nos seus sentimentos, na sua saúde? Acho que
o tratou pessimamente, e acho também que, lá no fundo, você dever saber que
sim.
— Não gosto dele, Karen. Isso não basta para você?
— Mas por que não gosta dele? – Karen deu um suspiro. — Eu o
achei um pão!
— Claro! – exclamou Helen com ironia.
— Você não pode negar que ele é atraente – insistiu Karen,
acendendo um cigarro.
— Está bem. – Helen deu de ombros. — Ele é atraente.
— E muito sensual.
— Você só pensa nisso? – protestou Helen, virando o rosto. — Um
homem tem que ser mais que ... isso!
— Concordo. Mas que “isso” ajuda, ajuda.
Ouviram o ruído de alguém entrando na loja e Helen fez sinal a
Karen para continuar lá fumando. Mas ao passar pela amiga não resistiu e
perguntou:
— E John?
— Só porque comprei um livro, não posso mais olhar para as
outras capas? – explodiu Karen.
Helen ficou quieta e foi atender o freguês.
Na hora do almoço, a dor de cabeça não tinha melhorado, e Karen
aconselhou-a a ir embora.
— Posso cuidar da loja sozinha – garantiu, insistindo até que a
amiga concordou.
— Quer que eu chame um táxi? – ofereceu Karen, enquanto Helen
vestia o casaco.
— Vou tomar o ônibus. A caminhada até o ponto vai me fazer
bem.
— Por que não telefona para casa? – arriscou Karen. — Talvez seu
novo hospede pudesse...
— Não precisa nem terminar a frase, Karen – advertiu Helen,
irritada. — Até amanhã.
A viagem até Thrushfold levou mais ou menos meia hora, pois o
ônibus parava em todos os pontos, gastando muito tempo para entrar nas vilas
ao longo da estrada. Quando chegou a Black Bull, Helen suspirou, aliviada. O
dia agora estava quente e ensolarado, e a caminhada até King’s Green não era
pequena. Mas ela não se deixou intimidar.
Já estava quase na metade do caminho, quando ouviu o ronco do
motor de um carro que se aproximava. Certa de que era Jarret, sentiu uma onda
de desespero. Sem olhar para trás, apressou o passo, esperando que Jarret
parasse ao lado dela a qualquer minuto.
— Ei... Helen! Helen, o que aconteceu? – a voz de Charles.
Ao ver o noivo, Helen sentiu uma pontada de culpa. O que ele
pensaria se soubesse que sua noiva estava tentando evitar outro homem?
— Oi... Charles – exclamou, surpresa. — O que está fazendo aqui?
— O mesmo pergunto eu! – replicou Charles, descendo do carro.
— Parecia que você estava querendo fugir de mim para o meio do mato!
— Claro que não! – respondeu Helen; e estava sendo sincera, afinal
de contas. — Estava só procurando um atalho.
— Justo depois de ouvir o barulho do carro? – perguntou Charles,
incrédulo, e Helen percebeu que não seria fácil convencê-lo.
— Ah, Charles... – agarrou o braço dele e sacudiu a cabeça,
impotente. — Juro que não sabia que era você.
— Mas por que não está na loja?
— Estava com uma dor de cabeça terrível e Karen sugeriu que eu
fosse para casa. Pergunte a ela, se não acredita em mim.
— E o seu carro, onde está?
— Em casa – Helen suspirou. E agora? Achando que era melhor
dizer a verdade, criou coragem. — Jarret Manning me levou até a cidade de
manhã. Eu... eu estava com dor de cabeça e ele disse que eu não devia dirigir
assim.
— Ele levou você... – repetiu Charles, tenso.
— É... – Helen passou a língua pelo lábio seco. — Eu não queria,
mas ele insistiu.
— Sei. É um sujeito bem insistente, esse seu sr. Manning.
Infelizmente fiquei sabendo disso às minhas custas.
— Às suas custas? – foi a vez de Helen ficar confusa. — Por quê? O
que foi que ele fez?
— O que ele fez não importa – respondeu o noivo, sombrio. —
Estou preocupado é com o que ele encorajou Vincent a fazer. É por isso que
estou aqui agora. Quero me entender com ele. Aquele idiota do meu irmão
podia ter se arrebentado.
— Por favor – disse Helen com voz sumida, — me fale o que
aconteceu. Como Vincent podia se arrebentar? Não entendo.
— Foi ontem a noite. Você já deve saber que Manning se encontrou
com Vincent.
— Mamãe me disse.
— Pelo jeito, eles ficaram bêbados. Acordei com o barulho dos
cavalos. Depois de algum tempo ouvi o grito.
— Que grito? – Helen se assustou.
— Aquele homem... – Charles suspirou. — Manning... convenceu
Vincent a montar o Poseidon.
— O novo garanhão? – Helen ficou branca de susto.
— É. – Charles sacudiu a cabeça. — Você sabe muito bem que
demônio ele é. Nem eu tenho coragem de montá-lo.
— Mas por que você acha que Manning está envolvido?
— Ele estava lá, não estava? Vincent jamais teria coragem de
montar o Poseidon sem alguém desafiando. E, depois, se Manning não o
encorajou, por que não o impediu de montar? O maldito animal podia ter
acabado com os dois!
— E... você vai indo lá agora? Vai... falar com ele?
— Com Manning? Vou. Venha, eu levo você. A não ser que prefira
se embrenhar pelos matos.
— Não! Eu vou com você. – Entrou no carro ao lado de Charles,
feliz por escapar do sol forte.
— Você ainda não me explicou por que fugiu de mim daquele jeito
– comentou Charles, dando a partida no carro. — Quem pensou que fosse?
Manning?
Percebendo que seria mais fácil encerrar o assunto admitindo que
estava fugindo de Jarret, Helen fez que sim com a cabeça.
— Não estava disposta a conversar com ninguém – procurou se
desculpar.
— Nem comigo?
— Claro que não, Charles. Com você é diferente!
King’s Green parecia meio adormecida sob o sol da tarde, os
imensos carvalhos que a rodeavam refletidos no vidro das janelas amplas.
Charles parou diante da casa e Helen desceu depressa, sem esperar a ajuda do
noivo. Pela ausência da Ferrari, concluiu que Jarret não estava em casa. Mas a
mãe devia ter ouvido o ruído do automóvel, porque saiu para se encontrar com
eles, o rosto contraído de preocupação.
— Helen! – exclamou, no tom mais doce que usava com a filha em
muitos dias. — Jarret me disse que você estava se sentindo mal hoje de manhã.
Devia ter telefonado e eu iria buscá-la. Não devia ter dado trabalho a Charles.
Helen olhou para o noivo, meio sem jeito, e começou a murmurar
uma explicação:
— Vim para casa de ônibus, mamãe – disse com cuidado, para não
criar uma situação desagradável entre o noivo e a mãe. — Charles e eu nos
encontramos aqui perto.
— Mas pensei que você fosse ficar na loja o dia todo – a sra. Chase
parecia confusa. — Logo imaginei...
— Estou aqui por outras razões, sra. Chase – explicou Charles. —
Um assunto relacionado com o... seu hóspede, Manning. Ele está em casa?
— Jarret? – a sra. Chase ficou ainda mais confusa.
— Vim embora porque estava com dor de cabeça, mamãe –
explicou Helen, resignada. — Mas Charles quer falar com... com o sr. Manning,
só isso.
— Claro que Jarret está em casa – disse a sra. Chase, estendendo a
mão num gesto de dúvida. — Mas está trabalhando e me pediu para não
perturbá-lo.
— É um assunto urgente, sra. Chase – insistiu Charles. — Sou um
homem muito ocupado e não posso perder meu tempo vindo e voltando sem
falar com ele.
— É melhor você entrar. – A sra. Chase sacudiu a cabeça,
resignada. — Ele está trabalhando na biblioteca – fez uma pausa, olhando
preocupada para o rosto pálido de Helen. — Helen, por que não se deita um
pouco? Depois que Charles... for embora, eu subo para ver você.
— Faça isso, querida – concordou o noivo, aproximando-se da
biblioteca e batendo na porta. — Mais tarde eu telefono para saber como você
está. E não se esqueça da gincana no sábado.
Charles bem que podia ter dispensado aquela observação sobre
seus deveres de noiva, pensou Helen. Ela não costumava expressar desagrado
aos comentários dele, mas daquela vez não conseguiu conter uma careta. Nesse
exato instante a porta da biblioteca se abriu, e Charles desviou sua atenção de
Helen para Jarret Manning.
O hóspede não parecia nem um pouco satisfeito com a interrupção.
Olhou primeiro para a sra. Chase e finalmente para o rosto pálido de Helen.
— Sim, sra. Chase? – perguntou, sem esconder a impaciência.
— Jarret... – Alice não conseguia disfarçar o constragimento. —
Desculpe se estamos aborrecendo você, mas... mas Charles queria falar com
você.
— Pode deixar, sra. Chase.
Charles parecia cheio de autoconfiança, e Helen sentiu uma onda
de ansiedade. Será que ele sabia com quem estava lidando? Será que o noivo
nunca havia imaginado que Jarret não era babá de Vincent e que poderia dizer-
lhe isso sem rodeios?
— É sobre ontem à noite, Manning – continuou Charles,
esforçando-se para manter o ar de superioridade. — Tenho certeza de que sabe
do que estou falando.
— Sei.
— Bem... eu... – pelo visto, Charles não esperava aquela reação
monossilábica. — Deve saber que houve alguns danos como consequência – fez
uma pausa, mas continuou, ao perceber que Jarret olhava para ele com frieza,
sem dizer nada. — Vincent podia ter sofrido ferimentos sérios, para não falar no
prejuízo incalculável que me custaria um ferimento naquele animal...
— E o que você quer que eu faça? – perguntou Jarret, indiferente.
— O que eu quero que você faça? – Charles não esperava uma
reação tão fria e ficou perplexo. — Eu... ora...
— Cinco mil são suficientes para cobrir os danos?
— A oferta foi feita num tom tão tranquilo, que Charles acabou
perdendo a cabeça.
— Cinco mil! – repetiu, quase gritando. — Com quem você pensa
que está lidando? Poseidon é um campeão! E psicologicamente ele pode ter
sofrido um trauma para toda a vida. Você e Vincent são iguais, os dois
inconsequentes, irresponsáveis!
— Ora, seu hipócrita petulante! – exclamou Jarret, com os olhos
brilhando de raiva. — Quem, com todos os diabos, você está chamando de
irresponsável? Se você não é capaz de controlar seu irmão, por que acha que eu
devo ser?
Vai sair uma briga, pensou Helen, horrorizada com o rumo que os
acontecimentos estavam tomando. Charles jamais tinha enfrentado alguém
como Jarret Manning e, desde o início, sua atitude tinha sido de agressão.
Agora não podia voltar atrás ou ficaria com a dignidade ferida. Charles não era
um lutador e, embora tivesse uma constituição mais forte que a de Jarret,
dificilmente teria chances se o pior acontecesse.
— Pelo amor de Deus! – a sra. Chase se colocou entre eles. — Não
podemos resolver o problema educadamente? Charles, sinceramente, não sabia
que pretendia começar uma discussão dessas, caso contrário não teria
permitido... isso. – olhou para Jarret, sem saber o que dizer, e ante aquele olhar
de súplica a fúria do rosto dele amainou.
— Desculpe – Jarret se dirigiu a Alice e não a Charles. — Nem
sempre consigo ser educado quando meu é interrompido. – Olhou para Helen,
imóvel no primeiro degrau da escada, onde havia parado ao ouvir as primeiras
palavras da discussão, que pareceu compreender suas reações. Virou-se para a
sra. Chase outra vez: — Talvez possa explicar ao... Connaught que minha oferta
ainda está de pé. Ele pode me mandar a conta, se quiser. Mais do que isso não
posso fazer.
Não esperou para ver o alívio estampado no rosto da sra. Chase,
nem a raiva de Charles. Virou as costas e fechou a porta da biblioteca,
deixando-os incrédulos. A primeira a se recuperar foi Alice, que levou Charles
para a sala de visitas. Só notou a presença da filha, na escada, algum tempo
depois.
— O que você está fazendo aí, Helen? – perguntou, desconcertada.
Charles olhou para a noiva com rancor.
— E é esse homem que você permite que a leve ao trabalho! –
declarou, com justificada impaciência.
— O homem que mamãe convidou para morar aqui – corrigiu
Helen, se defendendo.
— Uma tempestade em copo d’água – exclamou a mãe, entrando
na sala. — Muito barulho por nada. E você, Charles, devia ter pensado melhor
antes de começar essa confusão.
— Não fui eu que comecei – protestou Charles, indignado. — A
senhora não sabe o que aconteceu ontem a noite.
— Eu sei, sim. — A sra. Chase não se abalou com a reação violenta
de Charles. — Vincent esteve aqui hoje de manhã para pedir desculpas a Jarret
por ter agido como um tolo.
— O que?
— É verdade. Você sabe como ele é, Charles. Vincent sabe que não
pode beber muito. E depois, desde quando ele precisa ser encorajado a fazer
alguma coisa?
— Manning estava lá – Charles cerrou os punhos. — Devia ter
impedido.
— Você poderia fazer isso? – perguntou, olhando bem nos olhos de
Charles, que não soube o que responder. — Vamos tomar uma xícara de chá e
esquecer essa discussão tola.
CAPÍTULO 6

Era impossível, claro. Ninguém podia esquecer que a antipatia


velada entre Jarret e Charles tinha se transformado em conflito aberto. As
esperanças da sra. Chase de que Charles se tornasse amigo do hóspede foram
por água abaixo, e Helen passou a evitar qualquer menção ao outro homem
quando estava na companhia do noivo.
Não que Jarret se intrometesse na vida dela. Ao contrário, desde
aquele dia desastroso, tinha pouco contato com ele. Jarret não apareceu mais
para o café da manhã, e como Helen sempre almoçava na cidade, só o jantar
representava algum problema. Mas até isso Jarret preferiu evitar, e começou a
tomar as refeições na biblioteca. Era conveniente para todos. Só de vez em
quando Helen ouvia música vindo da biblioteca e concluía que ele estava
descansando um pouco, mas geralmente o único ruído era o da máquina.
Ficou sabendo por Charles que Vincent tinha ido embora e se
sentiu um pouco triste porque o cunhado não tinha ido se despedir dela. Mas,
depois de tudo, talvez tivesse sido melhor assim. E, depois, estava sempre
muito ocupada, agora que Charles tinha recebido a chave da nova casa.
Passavam a maior parte das noites na casa, escolhendo cores e
tirando medidas para as cortinas e tapetes, mas Helen já não conseguia mais se
entusiasmar tanto com os preparativos para o casamento. Não que duvidasse
do amor que sentia por Charles, vivia se repetindo, mas se ressentia das
exigências dele e começava a achar que o relacionamento deles carecia de
atração física. Não conseguia se livrar da lembrança das suas reações aos beijos
e às carícias de Jarret. E embora condenasse a sexualidade aberta do escritor,
não podia negar que ele despertava nela sensações físicas violentas.

Fazia três semanas que Jarret estava morando em King’s Green e


naquela noite tinha jantado com elas pela primeira vez. Pelas roupas que estava
usando, parecia pronto para sair, o que ficou confirmando quando a sra. Chase
perguntou a que horas ele pretendia voltar para casa.
— Não vou demorar muito – garantiu, sorrindo.
Helen pensou, indignada, que ele estava ali para trabalhar, e não
para ficar toda hora saindo. Ela morria de curiosidade para saber onde Jarret ia,
mas não teve coragem de perguntar, nem a ele nem à mãe.
Sentindo-se especialmente deprimida, foi para casa de Charles,
onde tinham combinado se encontrar. Dali foram para a casa nova e, pela
primeira vez, Helen não sentiu o orgulho de proprietária quando cruzaram os
portões de ferro.
Lá dentro estava quentinho, apesar do frio que fazia fora. A
decoração era um pouco antiquada, mas Charles pretendia contratar uma firma
para transformá-la ao gosto deles. Helen se esforçou para prestar atenção ao
que o noivo estava dizendo.
— Que cor você prefere para a sala de jantar? O azul é um pouco
frio, não acha?
Helen suspirou e tirou o casaco. Estava agitada e inquieta e sem a
menor vontade de discutir cores. Karen tinha sugerido que agora, com um
lugar onde pudessem estar a sos, Charles talvez se mostrasse mais efusivo, mas
ele parecia totalmente indiferente, como sempre. Era irritante e frustante e
Helen se perguntava se o noivo teria tanto medo assim de demonstrar os
próprios sentimentos.
— Estive falando com Martin Coverdale e ele disse que pode nos
vender um conjunto de jantar a preço de custo – continuou Charles, ignorando
a falta de interesse da noiva. — É muita gentileza dele, não acha?
— Será que não podemos falar de outras coisas? – exclamou Helen,
levada pela emoção. — Quero dizer... – ajeitou o cabelo, nervosa. — Por que
não falamos de nós? Nós! Nossos sentimentos um pelo outro... Por que não
esquecemos um pouco as cores e os móveis?
— Pensei que essas fossem nossas preocupações fundamentais no
momento... – Charles se admirou, perplexo e ofendido.
— Mas não deviam ser. – Helen suspirou. — E nós, Charles? Por
que não falamos de nós, do nosso relacionamento? Por que nunca fazemos nada
a respeito?
— Fazer? Mas fazer o quê? – protestou, um pouco embaraçado. —
Nós nos amamos, você sabe disso.
— Amamos mesmo?
— Que pergunta! Claro que nos amamos, Helen. Não sei o que está
acontecendo com você.
— Karen diz que falta alguma coisa no nosso relacionamento.
— Karen acha, é? – Charles condenou a opinião da outra moça. —
Com certeza ela sabe tudo na vida. Só fico imaginando onde é que ela consegue
tanta informação. Sem dúvida com John Fleming, não é?
— Você sabe disso? – Helen se assustou.
— Metade de Malverley sabe. Os dois não são as pessoas mais
discretas do mundo.
— Eles se amam.
— Amam! – Charles riu com desprezo. — Duvido que os dois
saibam o significado dessa palavra.
— Pelo menos eles mostram o amor que sentem um pelo outro.
Não tem medo de demonstrar suas emoções ou perder o controle uma vez ou
outra.
— E você acha que eu tenho? – perguntou Charles, frio.
— E não tem? Você nunca me beija como se não quisesse me deixar
mais. Parece que não se importa.
— Nunca passou pela sua cabeça que faço o possível para me
controlar? E que respeito você acima de tudo? – perguntou Charles,
profundamente irritado.
— Eu... ah... não sei – murmurou Helen, em dúvida.
Ele colocou o caderno de anotações na escada e se aproximou dela,
decidido. Abraçou-a sem delicadeza e beijou-a com violência, deixando-a
completamente desconcertada. Não que nunca a tivesse beijado antes. Mas
jamais a beijara daquele jeito rude e sem ternura.
A medida que os beijos se tornavam mais exaltados e exigentes,
Helen começou a perceber que aquilo era desejo, o desejo que pensava que o
noivo fosse incapaz de sentir. Mas o estranho era que, com ela, acontecia o
contrário. Sentia-se fria como gelo, incapaz de corresponder ao fogo daquela
paixão. Estava cansada quando ele finalmente a soltou.
— E então? – perguntou Charles, com ar triunfante. — Está
satisfeita agora? Eu desejo você, Helen, nunca duvide disso. Mas estou
preparado para esperar até o momento em que terei o direito de tomar o que é
meu.
Helen tremia de repulsa. Mal conseguia olhar para ele. Será que ele
pensava que aquela demonstração grosseira de egoísmo podia satisfazê-la?
Dando as costas ao noivo, esfregou os lábios com as costas da mão.
— O que foi? Deixei você embaraçada? – perguntou Charles, cheio
de autoconfiança. — Foi você quem quis, Helen. Sou um homem, não uma
máquina. E você é muito bonita, não se esqueça.
— Eu... é melhor irmos embora – gaguejou Helen.
— Por quê? – Charles deu uma gargalhada divertida. — Não se
preocupe, sei me controlar. Que tal estudarmos a planta da cozinha? Aqueles
azulejos vermelhos são bonitos, não acha?
Helen precisou se esforçar para manter a tranquilidade durante o
resto da noite e ficou feliz por ter ido até Ketchley em seu carro, assim não
precisaria suportar a companhia do noivo até em casa. Só a ideia de Charles ter
direitos exclusivos sobre o seu corpo a enchia de repulsa.
Ao cruzar o portão de King’s Green, olhou no relógio. Era pouco
mais de dez e meia, e ela deu um suspiro de alívio. Felizmente Charles não
gostava de altas madrugadas e tinha concordado em deixá-la ir para casa.
Estacionou o carro no pátio do fundo, e ficou surpresa ao ver que a
Ferrari já estava de volta. Então ele não tinha ido a Londres, senão ainda não
estaria em casa. Mas onde teria ido? Aparentemente, não tinha amigos por ali.
E, mesmo que tivesse, não seria normal voltar tão cedo. Necessitando se
acalmar um pouco antes de entrar, Helen resolveu dar uma volta pelo pátio do
estábulo.
Chegou até a cerca, cruzou os braços sobre ela e descansou o
queixo nas costas das mãos. Não devia ter encorajado Charles a tentar um
contato físico maior com ela. Karen estava errada, afinal. Algumas pessoas
precisavam estar casadas para ter um relacionamento sexual gratificante. E, sem
dúvida, Charles não teria se mostrado tão insensível se ela não tivesse dado a
impressão de estar querendo seduzi-lo. Mas e se o problema fosse com ela? E se
fosse fria?
Estava tão concentrada naqueles pensamentos que teve um choque
ao sentir uma coisa fria no rosto. Deu um grito de terror, caindo da cerca, e só
então é que percebeu que a coisa fria que tinha tocado seu rosto era o focinho de
um cavalo.
Sentiu uma pontada na perna, no mesmo instante em que ouvia o
ruído de passos que se aproximavam. Era Jarret, que a luz do luar parecia mais
atraente do que nunca, embora seus olhos brilhassem de raiva.
— Que diabo você está fazendo? – perguntou, ajudando-a a se
levantar, mas sem demonstrar a menor simpatia. Depois foi até a cerca e
acariciou o animal para acalmá-lo. — Gritar desse jeito! – exclamou, tentando se
controlar. — Pensei que alguém tivesse atacado você.
— Não se importa nem um pouco comigo? – protestou Helen,
igualmente furiosa. — E esse animal, de onde veio? Não temos cavalos em
King’s Green. É seu? Não tem o direito de trazer um cavalo para nosso estábulo
sem nos pedir permissão!
— Eu tive permissão. Sua mãe disse que não havia problema.
Pensei que ela tivesse falado com você.
— Mas não falou.
— Estou vendo. Desculpe, mas não pensei que você fosse
perambular por aqui a esta hora da noite. Onde é que está aquele seu maldito
noivo? Pensei que você e ele fossem passar a noite juntos.
— O nome dele é Charles Connaught, como você está cansado de
saber, e passamos a noite juntos. Ainda não notou que já é noite?
— Voltar às dez e meia não é propriamente passar a noite, mas se
você acha... Bom, mas você não está machucada, está? O que foi que aconteceu?
Ele atacou você?
— Ele encostou o focinho no meu rosto – confirmou Helen. —
Detesto cavalos, sr. Manning. Sempre detestei.
—Sua mãe me disse que você tem medo de animais.
—De animais, não. Só de cavalos.
— É a ignorância que faz você ter medo dos cavalos.
— Ignorância? – indignou Helen. Tinham acabado de entrar na
casa, e o som do disco que Jarret estava ouvindo antes na biblioteca chegou até
eles. — Como se atreve?
— É isso mesmo – repetiu Jarret, sem se perturbar. — Ninguém
precisa ter medo daquilo que conhece e compreende. Amanhã vou apresentá-la
a ele, e talvez até vocês fiquem amigos.
— Duvido – comentou Helen, com uma careta.
— Você é quem sabe – respondeu Jarret, indiferente, andando em
direção da biblioteca. — Por falar nisso, sua mãe saiu. Foi convidada para um
jogo de bridge na cidade e ainda não voltou. — Parou na porta e olhou para
Helen com ironia — Parece que ela não percebeu que já é tarde!
Irritada com a brincadeira, Helen virou as costas e foi para a
cozinha preparar uma bebida quente. Não estava com sono, por isso decidiu
levar também o jornal para a cama.
— Está com fome?
— Um pouco. – Ao ouvir a pergunta de Jarret, ela parou e olhou
para trás.
— A sra. Hetherington me levou uma bandeja com café quente e
sanduíches, antes de ir para a cama. Se quiser comer comigo, seja bem-vinda –
ofereceu, apontando para a biblioteca.
— Eu... – Helen hesitou um pouco, mas como não estava com sono
e tinha medo de ficar a sós com os próprios pensamentos, resolveu aceitar o
convite. — Está bem.
— Ótimo – foi o único comentário de Jarret, que fechou a porta
assim que entraram.
Helen não tinha mais entrado ali depois que a biblioteca tinha sido
ocupada por Jarret, por isso examinou tudo com interesse. Em cima da
escrivaninha, além da máquina de escrever, havia cadernos de anotações,
manuscritos e alguns livros. Ao lado da escrivaninha, blocos de papel em
branco, papel carbono, um gravador e várias fitas cassete.
— Billy Joel – disse Helen, pegando a capa vazia de um disco. —
Charles também... isto é... meu noivo... gosta muito dele.
Jarret não fez nenhum comentário, só apontou para a bandeja de
sanduíches. Helen agradeceu e pegou um sanduíche de peru. Sentou-se ao lado
da lareira para comer, mas começou a ficar nervosa quando Jarret desligou a
vitrola.
— Deixe! – protestou, mas ao ver a expressão do rosto dele achou
melhor ficar de boca fechada.
—Estou com vontade de ouvir outra coisa, explicou Jarret,
substituindo Billy Joel por um disco dos Carpenters.
— E então? – Jarret se sentou na beirada da escrivaninha e olhou
para ela. — Como passou a noite? Estou enganado, ou você está aborrecida com
o seu valioso noivo?
— Está completamente enganado – respondeu depressa,
estendendo a mão para pegar outro sanduíche. — Charles e eu tivemos uma
noite muito agradável, obrigada!
—Ótimo. É por isso que está com essa marca feia no pescoço? Ou o
Horácio é que é o responsável por ela?
Helen levou a mão automaticamente ao pescoço, sentindo a marca
que os dentes de Charles haviam deixado. Que vergonha!
— Ho... Horácio? – gaguejou, vermelha de vergonha — Quem...
— O monstro do estábulo. O velho Horácio.
— Ah... – Helen, que tinha perdido completamente a fome, colocou
o resto do sanduíche na bandeja. — É esse o nome dele?
— É. Não acredito que ele seja capaz de atacar uma dama. Não é
do feitio de Horácio.
— Ele não me atacou. Isto é... – Meio sem graça, parou de falar e se
levantou. — Já vou. É tarde... mamãe já deve estar voltando.
— Não é tão tarde assim – disse Jarret, colocando-se na frente dela.
— E você não estava com tanta pressa alguns minutos atrás. Qual é o problema?
Toquei num assunto que não devia?
— Não. – Incapaz de sustentar o olhar irônico de Jarret, Helen
abaixou a cabeça. – Obrigada pelos sanduíches, mas preciso mesmo ir...
— Se eu soubesse que ia ofender você... – Jarret passou a mão na
marca do pescoço e Helen se contraiu. — Calma – murmurou, atraindo-a de
leve para perto dele. — Dance comigo...
Sem forças para resistir, deixou que ele colasse seu corpo ao dela e
a abraçasse com força. Aquilo não podia ser chamado de dança... mal se
moviam do lugar. Mas, mesmo sabendo que não passava de uma desculpa dele
para abraçá-la, Helen não teve coragem de dizer não. Depois do ataque violento
de Charles, chegava a ser agradável ser envolvida assim nos braços de outro
homem.
Nesse momento ele passou a mão por baixo do casaco dela e
acarinhou suas costas. Helen sentiu um calafrio correr pelo corpo, mas não
protestou. Daí a pouco percebeu que sua blusa estava sendo levantada nas
costas e sentiu a mão dele subir pela espinha. Sabia que precisava protestar, que
ele não tinha o direito de tocá-la com aquela familiaridade, mas a música
parecia uma espécie de droga que a deixava sem ação, provocando emoções
físicas que Charles jamais conseguiria provocar.
Ele cheirava tão bem! O perfume da loção de barbear misturado ao
odor masculino do corpo de Jarret entravam pelas narinas de Helen, enchendo-
a de um desejo que não sabia como satisfazer. Comprimiu mais o corpo de
encontro ao dele, os seios palpitantes.
Jarret abaixou a cabeça e beijou o pescoço dela.
— Ele tentou fazer amor com você, não tentou? – ela ia protestar,
mas ele não deixou. — O que aconteceu? Ele atacou você como um touro
furioso? Se conheço bem aquele seu noivo, ele deve ter sido delicado como um
rinoceronte!
— Você não tem o direito de dizer essas coisas! Helen se afastou,
indignada. — Você nem o conhece direito.
— Posso arriscar um palpite...
— Palpite errado!
— Errado? – Jarret não se deixou convencer. — Está bem, então
estou errado. Esqueça. Vamos dançar.
— Não!
— Por que não? Prefere fazer outra coisa? – olhar naqueles olhos
azuis e intensos era como cair num abismo. Por que não sentia aquela mesma
fraqueza, aquela mesma vontade de se entregar quando estava nos braços de
Charles?
Helen sentia que estava traindo tudo em que havia acreditado até
aquele dia, ao permitir que Jarret a segurasse daquele jeito. Mas ele, ao
contrário de Charles, sabia como despertar os instintos de mulher que estavam
adormecidos dentro dela.
— Preciso ir – repetiu Helen, tentando se livrar do abraço, mas as
mãos que até então a envolviam com tanta delicadeza se contraíram em volta de
sua cintura.
— Ainda não – os olhos de Jarret desceram dos lábios de Helen
para sua boca e depois para os seios que arfavam de excitação. — Converse
comigo.
— Eu... acho que não é bem conversar o que o senhor quer, sr.
Manning – murmurou Helen, sem muita convicção.
— Não? – sorriu, irônico. — Então me diga... o que é que eu quero?
— Jarret, por favor... – Helen não conseguia continuar aquele
diálogo de duplo sentido. — Preciso ir. Guarde seus dotes de sedutor para...
para Vivien e... para Margot. Eu... eu tenho namorado.
— Namorado! – repetiu, irritado. — Ora, Helen, você é mesmo
muito antiquada, não é?
— Por favor... – estava se detestando por suplicar assim, mas
precisava salvar seu auto-respeito. — Solte-me Jarret. Não me faça odiar você.
Pensou que ele fosse ignorar o pedido. Mas, depois de alguns
momentos de ansiedade, ele a soltou e passou as mãos pelos cabelos.
Helen procurou controlar o pânico e, com as mãos tremulas, enfiou
a blusa para dentro da saia. Estava exausta, e apesar de aliviada, sentia uma
estranha decepção. Minutos antes queria desesperadamente fugir dele, e agora
relutava em se afastar. Quando Jarret se virou para olhar para ela, sentiu o
coração saltar dentro do peito e não conseguiu resistir ao tormento que viu
naqueles olhos.
— Jarret... – quando percebeu, estava outra vez nos braços dele,
sabendo que daquela vez não haveria recuo.
Abriu os lábios inconscientemente, acompanhando passo a passo a
emoção crescente de Jarret, até que o desejo explodiu num fogo de paixão.
Despertada pela primeira vez, a sexualidade de Helen aforou livre, forçando-a a
unir o corpo ao dele numa intimidade jamais experimentada com outro homem.
— Santo Deus, Helen! – Jarret se afastou um pouco, mas os lábios
de Helen tornaram a buscar os dele e o beijo continuou, mais apaixonado.
Ela sentiu que os dedos de Jarret abriam os botões da sua blusa,
revelando os seios firmes, e quase instintivamente também abriu a camisa dele
e comprimiu-se contra o peito nu. Sentia o corpo inteiro em fogo, num desejo
intenso de sentir a carne dele.
— Você é linda... – Jarret gemeu sem soltar os lábios dela. — Mas
não sabe o que está fazendo comigo.
— Sei o que você está fazendo comigo – sussurrou Helen.
— O que é que eu estou fazendo? – ele arquejou e sentiu como
resposta a língua dela, provocante.
— Você me faz...desejar você – murmurou quase sem perceber,
sentindo que ele afundava o rosto em seus seios.
—E eu desejo você – repetiu Jarret, apertando-a com mais força.
— Eu... nunca pensei que fosse assim – confessou Helen, e os lábios
deles tornaram a se abrir, famintos.
Quase sem sentir, ela foi levada para um sofá grande de veludo,
cuja maciez abrigou os dois num abraço envolvente. Comprimida contra o
encosto, ela sentia a textura aveludada do estofamento nas costas nuas.
— Quero olhar para você – murmurou Jarret, descendo a blusa que
ainda pendia dos ombros dela. — Quero provar cada centímetro do seu corpo –
murmurou, acariciando a curva suave do seio claro e atraindo as mãos dela
para o próprio corpo, encorajando-a a ceder a tentação de explorar o corpo dele
da mesma maneira que ele explorava o dela. Aquela pele morena a fascinava, e
Helen sentia necessidade de tocá-la e de ser tocada.
— Também quero ver você – gemeu Helen, esmagando os lábios
dele.
— Não sou tão interessante quanto você – murmurou junto ao
ouvido dela, — mas não posso impedi-la.
— Não, você não pode – concordou Helen, a respiração ofegante.
O toque do telefone caiu como uma faca entre os dois. Helen
reagiu como se estivesse acordando de um sonho, e sentiu uma onda de calor
pelo corpo. Aterrorizada, pensou que, assim como o telefone tinha
interrompido tão indiscretamente, a mãe também podia ter chegado sem ser
pressentida.
— Deixe tocar – murmurou Jarret quando ela começou a lutar
debaixo dele.
— Deve... deve ser mamãe – exclamou ela. — E ela sabe que já
estou em casa a esta hora.
— Finja que está dormindo. Quer mesmo me deixar? – perguntou,
os olhos em chamas.
— Eu preciso – gemeu Helen, cujo maior desejo era continuar ali
nos braços daquele homem
— Está bem. – Com um movimento brusco, Jarret se levantou. —
Eu atendo. – Fechou a camisa com evidente impaciência. — Mas não se mova.
Volto já.
Helen se sentou e olhou para os seios nus quase com perplexidade.
Perturbada pela emoção, não conseguia acreditar que havia passado
praticamente uma hora nos braços de Jarret. Sentia-se relativamente viva pela
primeira vez na vida, consciente de cada nervo e de cada sensação do seu
corpo, tremendo de expectativa pelo que ainda estava por vir e assustada com a
explosão da própria sexualidade. E pensar que se considerava frígida! Como
estava enganada.
Através das névoas da sua letargia, começou a perceber que Jarret
estava demorando mais do que devia. Fez um esforço e se levantou. Suas
pernas estavam estranhamente bambas, mas ela conseguiu vestir a blusa e o
casaco.
Quando chegou na porta, ouviu a voz dele e percebeu
imediatamente que não estava falando com sua mãe. Incrédula, ouviu-o dar
uma risada.
— Não, nada de importante – ele falava com uma descontração
que a deixou perplexa. — Foi bom você ter telefonado. É bom saber que não me
esqueceu. O quê? Sim, daqui a umas duas semanas, espero. É mesmo? Que
ótimo! Então por que não vem até aqui? Assim teremos bastante tempo para...
Helen ficou gelada. Imaginou exatamente quem estava do outro
lado da linha e sentiu vergonha. Como tudo tinha sido sórdido! Se havia se
entregado com tanto abandono, era porque imaginava que Jarret estava
emocionalmente envolvido, tanto quanto ela. Mas agora estava obvio que ele a
encarava apenas como mais uma na sua longa lista de conquistas. Teve vontade
de morrer ao pensar que quase havia desistido do noivado.
Já tinha ouvido demais. Furiosa, correu escada acima, sem se
importar com o grito de Jarret:
— Helen, pelo amor de Deus!
Aliviada, entrou no quarto e trancou a porta a chave. Ainda estava
lá, encostada na porta, quando ouviu os passos dele na escada, e daí a pouco as
batidas violentas.
— Helen, Helen! Pelo amor de Deus, sei que você está aí. Abra a
porta. Quero falar com você.
Helen não respondeu, mas sua cabeça se moveu de um lado para o
outro, numa negativa silenciosa. Quem ele pensava que ela era? Como podia
passar de uma mulher para outra sem o menor pudor?
— Helen! – a voz dele agora estava impaciente. — Helen, não faça
drama. Abra a porta. Tenho uma coisa para dizer. Pare de agir como uma
garotinha. É importante!
Mas Helen não respondeu e a raiva de Jarret explodiu:
— Helen, abra essa maldita porta! Se não abrir, eu arrombo!
— Tente – murmurou Helen, mas tão baixo que ele não ouviu.
Ouviu o primeiro chute, uma exclamação de raiva, depois mais
outro chute, mas a porta resistiu.
— Helen, por favor!
Violência, súplica, nada afrouxou a decisão de Helen. Uma
gargalhada nervosa veio dar um toque cômico à tragédia. Helen riu, riu, riu,
depois não se controlou mais e deixou que lágrimas de vergonha e
arrependimento corressem livres por seu rosto.
— Helen... – ela sentia que ele estava ficando cansado. — Helen,
pelo amor de Deus, quem você pensa que era? Pelo menos ouça minha
explicação.
Ela queria ouvir... como queria! Mas se abrisse a porta, abriria
também seu coração. E como ia viver depois?
Hesitou um pouco, ia abrir a boca para dizer alguma coisa, quando
ouviu o ruído de um carro chegando. Era sua mãe. Agora era tarde demais para
dizer o que pretendia. Com o coração apertado, ouviu os passos de Jarret na
escada.
CAPÍTULO 7

Helen acordou cansada e deprimida na manha seguinte. As


olheiras profundas eram testemunhas das duas horas de sono maldormido, das
horas de choro e desespero. Apesar de não estar nem um pouco disposta,
resolveu tomar um banho e ir trabalhar, assim teria um pouco de tempo para
pensar. O único problema seria esconder de Karen os vestígios daquela noite
terrível.
Colocou um vestido alegre, de cor viva, para disfarçar a palidez, e
caprichou na maquiagem, conseguindo um resultado razoável. A mãe não ia
perceber nada de anormal.
A sra. Chase, preocupada com os preparativos da festa, que já
estava próxima, não reparou no silêncio da filha. Helen deu um suspiro de
alívio e fez um esforço para tomar uma xícara de café e comer uma torrada.
Mas o alívio durou pouco. Logo Jarret entrou na sala e ficou
parado na porta, com ar de poucos amigos. Na hora Helen não reparou nos
olhos fundos e no rosto sem barbear, de tão apavorada. Sentia-se mais
vulnerável do que nunca e não tinha esperança de conseguir enfrentar a
situação com calma.
Depois de alguns segundos parado na porta, em silêncio, Jarret
veio na direção dela. Só então Helen percebeu os sinais da noite mal dormida
no rosto dele: parecia pálido, de uma palidez quase transparente, e também
estava com os olhos fundos.
— Como vai, Helen – perguntou, puxando uma cadeira.
— Bom...dia – cumprimentou Helen, nervosa. — Você... está com
uma cara horrível.
— Obrigado. – Abriu o guardanapo no colo. — Você também não
está com uma aparência muito boa. Dormiu bem?
— Dormi – respondeu automaticamente, mas ficou vermelha
quando encarou os olhos irônicos de Jarret. — Bem... não muito bem – admitiu,
abaixando os olhos, porque não conseguiu suportar o desprezo dele. — Para ser
sincera, dormi muito mal. Mas acho que, devido as circunstâncias, era de se
esperar, não?
— Pode ser. Podia dizer que você mereceu, mas não vou dizer.
— Você sabe que não é verdade – respondeu, indignada.
— Não? É tão ingênua a ponto de não saber o que fez... a nós dois?
— Escute... – Helen se levantou, furiosa. — Não vou ficar aqui
ouvindo desaforos!
— E por que não? – protestou Jarret, com raiva. — Por que sua
ideia antiquada do que é o relacionamento entre um homem e uma mulher não
combina com a minha?
— Você não tem o direito de dizer que...
— Tenho sim – interrompeu, ríspido. — Não vou dizer a palavra
apropriada para descrever o que você fez porquê... santo Deus! Acho que você
não percebeu o que fez.
— E você? O que foi que você fez? – respondeu Helen, indignada.
— Me deixar sozinha para... para ir falar com outra mulher?
— Eu estava falando com James Stanford! Meu editor... que por
coincidência também é meu agente. Com quem você pensou que eu estava
conversando? Com Margot?
— Seu... editor? – Helen fez o possível para acreditar. — Às... às
onze e meia da noite? Não acha que vou acreditar nisso...
— Em Nova Iorque eram seis e meia da tarde – interrompeu Jarret,
impaciente. — Pelo amor de Deus, Helen, o que você pensa que eu sou? Será
que não entende nada? Eu desejava você...você! E ainda desejo, maldição!
— Isso... é verdade? – perguntou, insegura.
— Verdade? O quê? Que eu desejo você? – perguntou, irritado. —
Você me deixa louco.
— Não... – a cabeça de Helen latejava. — Eu... isto é... era mesmo o
seu editor?
— Oh...claro. Ele queria ser o primeiro a me contar que meu ultimo
livro vai ser transformado em filme
— Jarret! – Helen não conseguiu conter a excitação. — Que
maravilha! – Você deve ter ficado muito feliz.
— Fiquei – concordou ele, dando de ombros.
Helen sentiu uma pontada de remorso.
— Era... era isso que você queria me contar... – mordeu o lábio,
envergonhada. — E eu pensei...
— Sei o que você pensou – disse ele. — Mas eu só queria esclarecer
as coisas – continuou apontando para a xícara e as torradas de Helen. — Tome o
seu café. Pela sua cara, está precisando comer um pouco.
Helen abaixou os olhos, depois olhou para ele de novo.
— Você também não está com uma aparência das melhores.
— Eu fiquei... petrificado – disse Jarret com desprezo, mudando na
última hora a palavra que ia usar. — Como se estivesse... fora de mim.
— Jarret... – ela não conseguiu dizer mais nada.
— Você deve ter passado maus momentos – comentou Jarret,
observando as olheiras dela.
— Passei. – Helen nem pensou em negar.
Jarret não tentou se aproximar. Em vez disso, levantou-se e saiu,
como se, para ele, o assunto já estivesse encerrado.
— Jarret! – não podia deixar que ele saísse assim, mas também não
sabia o que dizer quando ele olhou para trás.
— O quê?
— Eu... bem... desculpe por... por ontem à noite.
— Está bem. Quero que me desculpe também. – E sem dizer mais
nada, saiu da sala.
Helen tornou a se sentar. Suas pernas pareciam incapazes de
mantê-la em pé, e o pouco apetite que ainda tinha acabou de desaparecer.
Encheu uma xícara de café quente e ficou olhando para ela, tentando colocar as
ideias em ordem.
Era uma loucura aquele sentimento de vulnerabilidade, aquele
vazio que sentia por dentro e que só Jarret poderia aliviar. Mas o mais doloroso
era o sentimento de culpa por estar traindo Charles. Afinal, era seu noivo e
devia muito a ele. Quanto a Jarret, devia era desprezá-lo em vez de lamentar a
interrupção da noite anterior.
Terminado o café, Helen foi dizer até logo à mãe e saiu com o Alfa,
decidida a não pensar mais nos acontecimentos da véspera. Depois de dirigir
alguns metros, percebeu que não ia ser fácil. Jarret estava parado, bem no meio
da estrada, montando num dos mais belos animais que ela já tinha visto.
Foi obrigada a parar, porque o cavalo estava impedindo a
passagem. A freada brusca assustou um pouco o animal, mas as carícias de
Jarret o acalmaram. Quando ele desmontou, musculoso e ágil como o próprio
puro-sangue, Helen sentiu um aperto no peito.
Jarret chegou até o carro e apoiou-se na janela aberta.
— Venha pedir desculpas a Horácio por ontem a noite.
— Não posso – a resposta de Helen foi ríspida. — Estou atrasada.
Preciso ir para a loja...
— Sua excelente assistente não vai se atrapalhar com um pequeno
atraso. – insistiu Jarret, ignorando o nervosismo dela. — Venha. Ele é muito
gentil com as damas.
— Não. – Helen sacudiu a cabeça. — Não posso. Desculpe, Jarret.
Ele... ele é um animal muito bonito, mas não posso...
— Claro que pode. – Ele se mostrava irredutível. — Horácio vai
ficar ofendido se você não vier.
— Ora, pare com isso! – Helen começou a perder o autocontrole. —
Não quero conhecer o seu... animal. Preciso ir trabalhar, e é isso que vou fazer...
—Não vai. – Sem pedir permissão, Jarret abriu a porta do carro. —
Venha. Estamos esperando.
— Não! – Helen agora sentia uma raiva incontrolável. — Não tem
o direito de fazer isso, Jarret. Não sou criança, e você não tem o direito de me
tratar como se fosse. “Se”... preste atenção à palavra...”se” eu algum dia decidir
me aproximar de um cavalo, Charles é quem promoverá a aproximação.
— Não – declarou Jarret, irredutível. — Vai descer agora mesmo
para conhecer Horácio.
— Não, não vou! – Helen estava decidida, mas Jarret agarrou-a
pelo braço e não deixou que desse a partida no Alfa.
— Vai descer por vontade própria – perguntou Jarret, com um
brilho de aço nos olhos — ou quer que eu a ajude?
Percebendo que espécie de ajuda seria, Helen desceu com
relutância.
— Por favor... – murmurou, invadida pelo pânico. — Não me
obrigue a fazer isso, Jarret. Eu faço qualquer coisa... qualquer coisa...
— Qualquer coisa? – zombou Jarret, e Helen sentiu que seus olhos
se enchiam de lágrimas.
— Qualquer – garantiu e Jarret deu um suspiro de impaciência.
— Não será necessário – informou, ríspido, soltando o braço dela.
— Vá, volte para a sua jaula. Lá você está segura. Enfie a cabeça na areia como
vem fazendo há tanto tempo!
— Você... você...
Jarret virou as costas e tornou a montar em Horácio com um único
salto.
— O que é que você pretende fazer agora? – perguntou Jarret,
irônico. — Me agredir?
— Seu... seu animal! – Helen tremia de raiva e humilhação. — Você
acha que pode dizer... e fazer... o que quiser comigo?
— Não posso? Ah, garotinha, quanto você ainda precisa aprender!
— Eu... eu odeio você!
Ele puxou as rédeas e trouxe Horácio para perto dela.
— Como é? Vem comigo?
Helen sentiu que não podia lutar contra aquele homem.
Apavorada, entrou depressa no carro e bateu a porta. Ouviu uma gargalhada e
não quis aguentar mais humilhações. Deu a partida no Alfa e acelerou,
desaparecendo na estrada.

Karen já estava na loja, quando Helen chegou, e estava


esquentando água para fazer um café.
— Ei! – exclamou ao ver a amiga. — O que foi que aconteceu? Que
cara horrível!
— Nada... – Helen não queria discutir o assunto com Karen. — Eu
dormi mal, só isso. Está fazendo café? Aceito uma xícara.
Karen deu de ombros e foi preparar o café.
— Está atrasada. Pensei que tivesse dormido demais, não de
menos.
— Você sabe como é – disse Helen, fingindo examinar uns papéis
que estava na mesa. — Quanto mais tempo a gente tem, mais a gente se atrasa.
A correspondência já chegou?
— Ainda não. – Karen colocou açúcar nas xícaras e estendeu uma
para a amiga.
— Obrigada. – Helen tomou um gole, aliviada. — Humm...
justamente o que eu estava precisando. O trânsito está horrível está manhã.
— Você foi à casa nova ontem à noite?
— Casa? – Helen demorou para entender, e Karen olhou para a
amiga, incrédula.
—A casa. A sua casa. Sua e de Charles. Em Petersham.
— Claro! – A casa e Charles pareciam tão distantes, e os momentos
passados com Jarret, ao contrário, pareciam tão próximos! — Nós... escolhemos
as cores para a cozinha. Eu... ah... Charles acha que os azulejos vermelhos são
bonitos.
— Maravilhosos! – Karen fez uma careta.
— Precisamos decorar a casa, Karen – defendeu-se Helen.
— Claro! Mas desperdiçar assim todos aqueles cômodos vazios...
— Francamente, Karen! Sexo não é tudo num casamento.
— Se você acha... E então? O que vocês decidiram?
— Decidimos? – Helen pareceu não entender de novo, e Karen
reagiu com impaciência.
— Sobre a cozinha – exclamou, irritada. — Você acabou de dizer...
— Eu sei, eu sei. – Helen precisou fazer um esforço para se
controlar. — Acho que ainda ano decidimos nada de definitivo.
— Você acha?
— Karen, o que é isso? – Helen fez o possível para parecer
tranquila. — Um interrogatório? E você, o que foi que fez ontem à noite? Foi ver
aquele filme? Preciso convencer Charles a me levar ao cinema mais vezes.
— Não, não fui ao cinema. – Karen acendeu um cigarro, devagar, e
continuou: — Eu... para falar a verdade, tive um compromisso.
—É? Com John?
— Não. – Karen passou a língua pelos lábios secos. — Com Jarret
Manning.
— O quê? – Helen não conseguiu controlar uma exclamação e ficou
vermelha quando percebeu que Karen tinha notado seu choque.
— Queria contar antes – explicou Karen — mas não sabia como
você ia reagir.
— Não... não sabia que vocês eram tão amigos. – Helen fez o
possível para recuperar o autocontrole
— Ele me telefonou na semana passada. – Karen deu de ombros. —
Queria saber se eu conhecia algum haras por aqui onde ele pudesse comprar
um puro-sangue.
— Ora, Charles...
— Claro, mas obviamente ele não queria entrar em contato com
Charles. Eu indiquei Burt Halliday.
— Sei.
— Ele falou com Burt e comprou Horácio. E ontem a noite me
convidou para celebrar. – deu uma tragada no cigarro. — Eu aceitei, é claro!
— Claro! – Helen não conseguiu evitar a ironia, e Karen riu.
— Qual é o problema? Você não aprova? Não vejo motivo
nenhum. Afinal, Jarret não é casado – fez uma pausa. — Conversamos muito
sobre ele. Não me pareceu pretensioso como você diz.
— Prefiro não falar sobre Jarret Manning, se você não se importa –
interrompeu Helen. — Já desencaixotou aquelas estatuetas de ônix? Um freguês
está interessado e...
— Helen! – Karen levantou os olhos para o céu. — Quem é que
você está querendo enganar? Sabe muito bem que meu encontro com Jarret não
passou indiferente a você, então por que fingir? Sei que está disposta a se casar
com Charles, aconteça o que acontecer, mas será que não pode ser honesta
comigo? Pelo amor de Deus, ele não está interessado em mim! Não nego que
seria ótimo se estivesse, mas não está. É você que ele quer. Das duas horas que
passamos juntos, meia hora ele passou fazendo perguntas sobre você e outra
meia hora falou sobre o trabalho dele. Não é nem um pouco vaidoso, e eu daria
tudo para que ele quisesse ir para a cama comigo!
— Karen! – a indignação de Helen não abalou a amiga.
— É verdade. Ele é muito simpático, e se você não fosse tão
teimosa admitiria isso.
— Não sei o que você está querendo dizer, Karen, mas...
— Estou querendo dizer que você deve parar de agir como uma
virgem frustrada e ter reações de mulher adulta. E não me diga que não acha
Jarret atraente, porque não acredito.
— Então não adianta nada eu dizer.
— Helen! – Karen quase gritou. — Não entende que é essa
obstinação que prova que ele não é indiferente a você?
— Está bem, está bem! – Helen tremia da cabeça aos pés. — Ele é
atraente. Se todas as mulheres também acham, não sou diferente de ninguém.
— A diferença... – Karen suspirou — a diferença é que ele também
acha você atraente.
— Ele disse?
— Nem precisa, Helen.
— Ora, Karen...
— Ora, Karen, coisa nenhuma! Não sou cega. Percebi muito bem o
jeito como ele olha para você. Naquele dia em que vocês vieram juntos, já se
esqueceu?
— Isso foi há várias semanas.
— E daí? Acho que é por sua causa que ele está tão ansioso para
comprar King’s Green.
— Isso é ridículo! Ele sabe que sou noiva de Charles.
— Ora, Helen! O que é que tem uma coisa a ver com a outra?
— Acho melhor mudarmos de assunto.
— Por quê?
— Por quê?
— É, por quê?
— Porque...ora, porque está ficando tarde, e temos que trabalhar.
— Não adianta ser razoável com você, não é, Helen?
— Razoável? – Helen mordeu o lábio. — E existe alguma coisa de
razoável num envolvimento com Jarret Manning?
— Não sei... – Karen suspirou.
— Está vendo? Karen, sei que você está sendo sincera... Mas,
honestamente, Jarret Manning e eu não temos mais nada a dizer um para o
outro.
Karen hesitou um pouco.
— Então não se importa se eu me encontrar com ele outra vez?
Helen cravou as unhas nas palmas das mãos.
— Claro...que não! Por que... por que eu iria me importar?
— Está bem – concordou Karen, sem vontade de discutir mais.
Helen tentou parecer indiferente, mas na verdade estava
profundamente perturbada pela conversa com a amiga. E não adiantava querer
se convencer de que estava se sentindo mal porque tinha comido pouco pela
manhã.
Sabia que Karen não faria objeções a um contato físico mais intimo
com Jarret e, mesmo sem querer, sentia o coração apertado...
CAPÍTULO 8

Nos dias que se seguiram, Helen esperou numa ansiedade


dolorosa que Karen viesse lhe dizer que tinha saído com Jarret outra vez. Mas a
amiga não veio, e ela se atormentou pensando que talvez eles tivessem saído
sem o conhecimento dela. Jarret parecia concentrado no trabalho, mas podia ter
saído de casa numa de suas ausências.
Foram dias terríveis, em que ela se viu envolvida nas malhas das
próprias incertezas. Quando estava com Charles, conseguia se convencer de que
estava tudo bem, de que o casamento deles seria feliz e bem-sucedido, como
sempre tinham imaginado. Mas, quando estavam separados, era assaltada pelas
dúvidas, ficava angustiada e se atormentava com a ideia de que Charles não
suportaria uma esposa neurótica.
Se ao menos pudesse conversar sobre suas dúvidas com o noivo,
talvez conseguisse encontrar uma solução. Mas cada vez que tentava falar com
Charles era friamente convencida a mudar de assunto, e pouco a pouco foi
percebendo que entre eles não havia compreensão mútua.
Na semana seguinte, Helen saiu do trabalho mais cedo, um dia,
para fazer algumas compras, cortar o cabelo e apanhar alguns catálogos que
havia prometido a Charles. Como o dia estava quente e ensolarado, não havia
muito movimento na cidade, e assim ela conseguiu se livrar cedo de todos os
compromissos.
Foi para casa bem devagar, procurando não pensar no tormento
em que havia se transformado sua volta para casa todos os dias. Quando desceu
do carro, teve a impressão de ouvir vozes, mas o relincho de Horácio apagou
todos os outros sons, e Helen se virou para o animal, cheia de admiração.
— Sei que você é bonito – disse ao animal, mantendo uma
distância prudente entre eles. — Mas não gosto de cavalos. Você é grande e
agressivo demais para mim.
Horácio sacudiu a cabeça, fazendo esvoaçar as crinas brilhantes, e
Helen sentiu um ridículo sentimento de ternura.
— Sei que isso não é bom – continuou Helen, fechando a porta do
carro e guardando as chaves no bolso. — Não sou sua amiga, por isso não
adianta fingir que sou. Guarde suas boas vindas para seu dono. Ele gosta de
você. Eu não.
Horácio continuou parado, olhando para ela com aqueles olhos
tristes e suaves que a haviam assustados tanto na primeira noite. Sem perceber,
Helen deu uns passos na direção dele.
— Está com muito calor? – perguntou, sem se embaraçar por estar
falando com um cavalo. Percebeu que ele agitava a cauda para espantar as
moscas e, de repente, imaginou se Jarret tinha dado água ao animal.
Horacio não se mexeu quando ela chegou mais perto. Helen,
consciente de que nunca tinha estado tão próxima de um cavalo em toda a sua
vida, sentiu orgulho de si mesma. Afinal, estavam separados pela cerca e
Horácio não poderia fazer nada contra ela. Pensando como seria bom poder
dizer ao noivo que tinha acariciado um cavalo, estendeu a mão devagar e tocou
de leve o pelo macio do focinho do animal.
Foi um momento estranho, de imensa satisfação, em que todas as
dúvidas e medos desapareciam como por encanto. Não se sentiu assustada,
apenas feliz, e deu um suspiro de alívio.
A beleza do momento foi interrompido pelo som das mesmas
vozes que tinha ouvido antes. Uma das vozes pertencia a uma mulher, que
falava alto e em tom de acusação. Virou-se, perplexa, e viu Margot Urquart
aparecer na porta da casa. Foi um choque. Margot era a última pessoa que ela
esperava ver por ali, e já ia virar o rosto quando percebeu que a mulher estava
carregando a máquina de escrever de Jarret. Antes que Helen pudesse se
recuperar do espanto, Margot jogou a máquina no pátio com toda a força. Jarret
apareceu e parou na porta sem dizer nada. Foi então que aconteceu.
Assustado pelos gritos e pelo barulho da máquina batendo no
chão, Horácio levantou as patas dianteiras e relinchou forte, mas Helen,
chocada demais com a cena, nem teve tempo de se apavorar.
— Agora você vai ter que voltar para Londres – gritava a mulher,
histérica. — Vai precisar ir até o apartamento para buscar outra máquina,
porque duvido que aqui em Malverley consiga encontrar outra tão sofisticada
como aquela!
Helen parecia pregada no chão. Não gostaria de presenciar o resto
daquele espetáculo, mas Margot parecia cega e surda aos sentimentos das
outras pessoas, e talvez fizesse coisas ainda piores se visse Helen.
Jarret, imóvel na porta, as mãos nos bolsos, ouvia em silêncio.
O ruído de um carro se aproximando chamou a atenção de Helen,
que se virou para ver quem era. A Ferrari de Jarret contornou os canteiros e
parou ao lado do Alfa. Um homem estranho desceu sem cumprimentar
ninguém e olhou para Margot, furioso.
— Santo Deus – murmurou, mal podendo acreditar no que via. —
Foi você quem fez isso? Que diabo deu em você? Não a teria trazido se
suspeitasse que estava assim descontrolada.
— Não se preocupe, James. – foi Jarret quem respondeu, dando
uma olhada na direção de Helen. — Tem cigarros? Ótimo. Vamos entrar e
tomar um drinque. Acho que faria bem a todos nós.
— Mas que diabo, Jarret...
O homem ia protestar, mas Margot o interrompeu.
— Não pense que vai me deixar assim, Jarret Manning. – gritou,
cega de fúria. — Vou acabar com você antes disso!
— Nunca prometi nada a você, Margot – disse Jarret, com calma.
— Pelo amor de Deus, não faça isso com você mesma!
— Comigo? Não me envergonho do que fiz. Mas você... você vai se
arrepender!
— Pelo amor de Deus, Margot! – desta vez foi o outro homem que
perdeu a paciência, e Helen percebeu que devia ser James Stanford, o editor de
Jarret. — Não percebe que está fazendo uma cena ridícula? Controle-se, mulher!
— Você... você é um idiota tão grande quanto ele, Santford! –
gritou Margot com desprezo. — Vocês são muito amigos, não é? Talvez deixe
de ser amigo deste idiota quando souber que sua mulher daria tudo para ser
amante dele!
Perplexa, Helen queria fechar os ouvidos para não ouvir mais tanta
baixeza, mas a curiosidade foi mais forte e ela continuou ali parada, ouvindo
fascinada as revelações.
Não havia raiva no rosto do homem, quando respondeu com triste
resignação:
— Conheço as faltas de Jô tão bem quanto você, Margot... vivo com
ela há quase vinte anos. Não tente acabar com a nossa amizade, porque não vai
conseguir. Guarde suas acusações para quem precise delas. Eu não preciso.
Os dois homens deram as costas à mulher e entraram em casa.
Margot, ao contrário, correu para a Ferrari. Mesmo que Helen quisesse impedi-
la de fazer o que planejava, não teria tido tempo. Num instante a Ferrari
passava por ela a toda velocidade.
Jarret e James escutaram o barulho do motor e saíram de novo,
bem a tempo de ver o carro desaparecer entre as arvores que margeavam a
estrada.
— Eu... não pude impedir – explicou Helen, sentindo que
precisava dizer alguma coisa, e Stanford respondeu com um gesto de
impotência.
— Nem seria aconselhável tentar – garantiu James, o rosto tenso.
— Diabos, Jarret, o que é que eu posso dizer?
— Maldita... cadela! – explicou Jarret, passando a mão
nervosamente pelo cabelo. — Onde será que ela foi?
— Você acha que... Londres? – Stanford suspirou. — Santo Deus,
desculpe, Jarret. Nunca vou me perdoar se ela destruir aquele carro.
— Não foi culpa sua – respondeu Jarret. — E não seja tão
mercenário. O carro não tem importância. O perigo é ela se machucar. – sacudiu
a cabeça. — Venha, vamos tomar uma cerveja. Vai acalmar você.
Pela primeira vez desde o começo do incidente os olhos de Jarret e
os de Helen se encontraram. Foi Jarret quem falou primeiro, apontando para o
outro homem.
— Meu editor, James Stanford. James, esta é Helen Chase. Minha...
ah... filha da dona da casa.
— Muito prazer. – Stanford não se mostrou muito efusivo,
preocupado com o possível destino de Margot.
Helen ia entrar quando sentiu que Jarret a segurava pelo braço.
— Você tocou Horácio – disse em voz baixa. — Eu vi.
— Graças a você – respondeu Helen, perturbada pelo contato
inesperado. — Acha que eu poderia ter impedido Margot de sair daquele jeito?
– perguntou, aborrecida por se sentir tão abalada a um simples contato da mão
de Jarret.
— Acho que eu devo... cumprimentar você – respondeu Jarret,
irônico. — O amigo Connaught vai ficar feliz ao saber que você não tem mais
medo dos amigos de quatro patas.
— Espera que eu agradeça a você?
— Já aprendi a não esperar nada de você – respondeu Jarret, suave.
— Fui um idiota em não perceber que você tem tanto medo de demonstrar seus
sentimentos quanto tinha de Horácio.
— E o senhor não é um idiota, não é, sr. Manning? – Helen puxou
o braço. — Muito pelo contrário.
Jarret sorriu, e Helen se sentiu ainda mais perturbada por aquela
ausência de agressão; muito mais que pelos costumeiros ataques de raiva. Ele
parecia determinado a não discutir com ela.
Felizmente Santford resolveu voltar a si e decidiu aceitar a cerveja
que Jarret tinha oferecido. Os dois foram para a biblioteca. Helen sem saber o
que fazer, resolveu ir até a cozinha tomar um chá.

Mais tarde, Helen levou James Stanford até a estação. Ele mesmo
tinha insistido com Jarret para que usasse seu carro até receber de volta a
Ferrari. Assim, a Mercedes do editor ficou em King’s Green e James foi para a
estação no pequeno Alfa de Helen, por sugestão da sra. Chase, depois do jantar.
A noite estava escura e anunciava tempestade, o que fez Helen
pensar em desistir de ir até Ketchley, como tinha prometido a Charles. Mas,
depois de deixar James Stanford na estação, sentiu necessidade de ver o noivo,
com ou sem chuva. Tomou a direção do haras, mas foi impedida de chegar até
lá pela tempestade forte que desabou. Felizmente Charles decidiu ir a procura
dela e ajudou-a a livrar o carro da lama.
Chegando à casa dos Connaught, Helen tirou o casaco e deu uma
enxugada no cabelo com uma toalha trazida pela mãe de Charles.
— Que falta de sorte! – exclamou Charles, e Helen concordou.
— É uma pena que nosso jogo de tênis tenha ido por água abaixo –
comentou Helen, sorrindo.
— Não foi isso que eu quis dizer. Vai ser difícil chegar até Exeter
amanhã, com esse tempo – disse Charles. — Você sabe, tenho dois cavalos que
vão correr amanhã, e se essa chuva continuar...
— Ora, não se preocupe com os seus cavalos, Charles – protestou
Helen, sentindo-se rejeitada.
— Sei que não gosta dos meus animais, Helen, mas pelo menos
podia mostrar alguma preocupação pelo bem-estar deles. A chuva deixa a pista
escorregadia e...
— Sei disso, Charles. E não sou insensível, pode acreditar – Helen
hesitou. — Por falar nisso, eu... bem... eu acariciei o cavalo de Jarret hoje à tarde.
O que você acha disso?
— Você fez o quê? – a expressão de Charles não agradou nem um
pouco a Helen. — Você... acariciou o cavalo de Manning! Desde quando ele tem
um cavalo? Você não tinha me dito isso.
— Só faz alguns dias que ele comprou o Horácio de Burt Halliday
– Helen foi se sentar perto da lareira e procurou mudar de assunto ao perceber
que Charles estava irritado. — Onde está sua mãe?
— Burt Halliday! – interrompeu-a, ríspido. — Manning comprou
um cavalo dele? Aquele... aquele cafajeste! Espero que tenha sido enganado.
— Ele...eu... Ele parece ser um bom animal – arriscou Helen, mas
Charles reagiu com impaciência outra vez.
— O que é que você entende disso? – ironizou. Depois, lembrando-
se do que a noiva tinha dito antes, perguntou: — Como é que chegou tão perto
do cavalo para acariciá-lo? – olhou para ela com raiva. — Por acaso Manning
estava montando o animal, na ocasião?
— Não, claro que não. – embora fosse verdade, Helen ficou
vermelha. — Ele... nem estava lá. Eu só... bem, Horácio estava lá...
— Horácio!
— ... e eu... fiquei com pena, porque os mosquitos estavam
atormentando o coitado.
— Então você o acariciou... – o tom de Charles era de desprezo.
— Por coincidência, sim. – Helen procurou não se deixar intimidar.
— Pensei que você fosse ficar contente. – Depois, como Charles não dissesse
nada, ela continuou — Você ainda não disse onde está sua mãe.
— Ela e papai foram ao teatro – declarou, seco. — Parece que é um
musical qualquer. Mas ela quis ir e papai teve que levá-la.
— Sei. – Helen recebeu a notícia com preocupação. Preferia que os
pais do noivo estivessem em casa naquela noite, porque pressentia uma
discussão.
— Quer dizer que agora você vai poder aprender a montar? –
insistiu Charles, disposto a atormentá-la.
Helen suspirou.
— Um dia... talvez – concordou Helen, sem vontade de discutir.
— Quando penso no número de vezes em que tentei aproximar
você dos meus animais! – exclamou Charles, tentando controlar a raiva. — E,
agora, bastou esse Manning comprar um pangaré qualquer para você ir logo
para cima dele!
— Não é verdade! – Helen ficou em pé, furiosa, decidida a não
deixar que o noivo a tratasse como a um ser inferior. — Já expliquei que Jarret
não estava por perto.
— Ah, quer dizer que agora ele virou Jarret para você? Muito bem!
Ficaram íntimos em pouco tempo!
— Não seja tolo, Charles. – Helen sentia raiva do noivo e dela
mesma. — É possível que você tenha tentado... não sei.. O que sei é que o
cavalo estava lá, eu também estava, aconteceu.
— Muito bem! – Charles cerrou os punhos, furioso. — Mas com
certeza você vai querer repetir a façanha.
— Não entendi.
— Agora. Aqui e agora. Pode me provar que é corajosa.
— Isso é necessário? Não acredita em mim.
— E se eu disser que não?
— Ora, Charles, que infantilidade!
— Por quê? Só porque quem está pedindo sou eu e não Manning?
— Jarret não tem nada a ver com isso, Charles. Quantas vezes
preciso repetir isso?
— Está bem – Charles não desistiu. — Então prove que pode entrar
no estábulo sem ficar em pânico.
— Francamente, Charles... – Helen suspirou. — Está bem. Se você
faz questão... Mas não espere demais, porque ainda preciso de tempo.
Um corredor coberto levava até a construção central onde ficavam
os cavalos. Ao cruzar a primeira porta, Helen sentiu uma pontada de pânico.
Fique calma, dizia a si mesma ao sentir o cheiro dos cavalos. Mas, sabendo que
Charles esperava tanto dela, não era nada fácil. A mistura de cheiros de palha e
couro, a visão dos puros-sangues cada vez mais próximos quase fizeram Helen
virar as costas e sair correndo.
— Pronto – disse Charles, apontando para um belo cavalo cinza na
primeira baia. — Este é Moonmist. Acha que pode montá-lo?
— Montar? – Helen deu uma risadinha nervosa. — Claro que não!
Não posso montar cavalo nenhum. Ainda não...
— Que tal o Lacey? – Charles acariciou o pescoço de outro animal,
que deu um relincho de satisfação. — Venha passar a mão nele. Ele não vai
morder você.
Helen quis dizer que não, mas o rosto contraído de Charles não lhe
deixava escolha. Não se perdoaria se falhasse naquele momento. Meio às cegas,
estendeu a mão e tocou o pelo macio.
— Muito bem, muito bem... – Charles estava impressionado, mas
seu tom de voz não era nada amigável. — Quando foi que aconteceu esse
milagre?
— Não é milagre, Charles – heroicamente, Helen deixou que o
animal esfregasse o focinho na sua mão. — Aconteceu... só isso.
— O que Manning achou? – perguntou Charles, sarcástico.
— Ele ficou surpreso, é claro...
— Você não disse que ele não estava lá? – interrompeu Charles,
percebendo a contradição.
— E não estava mesmo. Eu contei a ele.
— Contou? – Charles era a fúria personificada. — Foi direto contar
que tinha acariciado o cavalo dele?
— Não foi bem assim.
— Como é que foi então.
— Charles! Quer parar com isso? Já fiz o que você queria...
acariciei... ah... Lacey. Vamos entrar agora. Estou com frio.
— Já, já. – Charles foi para o fundo do estábulo, conversando com
os animais à medida que passava pelas diversas baias. Parecia determinado a se
vingar, e Helen se arrependeu de ter ido a Ketchey.
— Venha aqui, Helen.
Helen seguiu a voz e descobriu o noivo na última baia, agachado
ao lado de um monstruoso cavalo negro. Num esforço supremo de vontade, ela
conseguiu não gritar, e a ausência de reação desapontou Charles.
— Este é Poseidon – disse ele, e o coração de Helen deu um salto
ao ouvir o nome. — Veja, venha ver o que aquele idiota do meu irmão fez com
o animal. Está vendo? Chegue mais perto.
Helen deu um passo para trás. Poseidon estava imóvel, mas ela
não gostou do olhar do cavalo, nem do jeito como ele mantinha as orelhas
deitadas para trás.
— É melhor eu ficar aqui – implorou, petrificada. — Por que não
voltamos para casa? Estou com frio.
— É demais para você, não é, Helen? – Charles olhou para ela,
triunfante. — Exatamente como eu esperava. Você não é uma amazona, Helen,
e nunca vai ser. Pode dizer a Manning que eu disse isso.
A atitude do noivo entristeceu e chocou Helen, que chegou a
conclusão de que havia na personalidade do noivo recantos obscuros e
insensíveis. Sem pedir licença, virou as costas e foi embora.
Já estava na porta quando um raio cortou o céu, seguido de um
trovão assustador. Os cavalos se agitaram nas baias, inquietos, tão apavorados
com a tempestade quanto Helen com eles. Nesse instante um grito de dor soou
mais alto que o trovão. Helen pensou que fosse mais um truque de Charles, mas
ao ouvir os relinchos fortes de Poseidon percebeu que alguma coisa muito
grave tinha acontecido.
— Charles... – parou diante da baia e chamou o noivo, mas não
obteve resposta. — Charles! Charles, responda! Pare com isso. Está me
assustando!
— Helen – a voz de Charles era fraca. — Helen, pelo amor de
Deus, me ajude. Prendi a perna e não consigo sair.
Helen não se mexeu. Devia ser mais um truque de Charles.
— Onde é que você está? – perguntou com voz trêmula, e recebeu
como resposta um palavrão.
— O que é que você acha? Na baia de Poseidon. Ele me deu um
coice, o maldito! Pelo amor de Deus, me ajude.
Helen sentia os protestos do estomago, mas caminhou decidida na
direção de Charles. Afinal, não podia abandonar o noivo numa situação
daquelas.
— Maldito cavalo – exclamou Charles quando Helen se
aproximou, tremendo – Esse maldito podia ter me matado.
— O que aconteceu? – Helen correu para o noivo estendido no
chão, preocupado demais para sentir medo. — Pensei que você fosse capaz de
dominar o animal.
— Não seja idiota! – retrucou Charles, furioso, levantando-se com
esforço e apoiando todo o peso do corpo em Helen. — Como é que eu podia
saber que o trovão ia assustá-lo daquele jeito? Se ele tivesse atingido minha
cabeça, e não meu joelho...
Com dificuldade, saíram da baia e fecharam a porta. Charles
andava com dificuldade, e Helen procurou ficar de boca fechada para não irritá-
la ainda mais. Chegando em casa, ela o deitou num sofá e só então percebeu a
gravidade do ferimento.
— Acha que a perna está quebrada? – murmurou Helen,
preocupada.
— Não, está só machucada – garantiu Charles, dobrando a perna
com evidente dificuldade. — Vá buscar um uísque com soda para mim.
Nenhum maldito animal vai me derrubar!
— É melhor chamar o médico – sugeriu com delicadeza. – Ele pode
receitar algum analgésico...
— Não me diga o que devo fazer, Helen. – tirou o copo de uísque
da mão dela sem a menor delicadeza. — Sei muito bem o que você está
pretendendo. Quer que o médico venha e depois conte a todo mundo que
Connaught não é capaz de dominar seus animais!
— Não, Charles!
Helen estava chocada com tanta maldade. Ele tomou vários goles
de uísque e depois olhou para ela de um jeito estranho.
— Venha cá – ordenou, apontando para o sofá. — Você vivem se
queixando de que eu não tento nada com você quando estamos sozinhos. Quero
fazer você mudar de opinião.
— Charles, o que está acontecendo com você? – Suspirou,
desanimada. — Por favor, vamos chamar o Dr. Bluthner.
— Já disse que não. Venha cá, Helen.
Puxou-a com força para o sofá, os olhos transtornados pela bebida,
e passou as mãos pelas coxas dela.
— Minha Helenzinha – sussurrou, cheio de desejo, afundando a
cabeça no pescoço dela. — Minha doce salvadora! Você merece uma
recompensa.
Procurou o fecho do zíper da calça de Helen, sem se importar com
a reação de asco e rejeição da noiva. Tinha só um objetivo em mente: sua
própria satisfação. Ela tentou afastar a mão dele, mas era mais fraca e não
conseguiu. O zíper foi aberto com violência e a mão de Charles invadiu sem
escrúpulos a região quente e macia.
— Não, Charles!
Lutou como uma louca para se livrar daquelas mãos insensíveis,
debatendo-se e chutando as pernas dele, até que um chute no joelho ferido
obrigou-o a soltá-la.
— Sua cadela! – gritou, agarrando o joelho com as duas mãos.
Helen sentiu uma pontada de arrependimento.
— Desculpe, mas... – Ia continuar, mas o som de vozes de pessoas
que entravam a interrompeu. Apavorada com o próprio estado, fechou
depressa o zíper e ajeitou o cabelo despenteado.
Um segundo depois, Vincent aparecia na porta, acompanhado de
nada mais, nada menos, Jarret Manning. Os dois pararam ao ver a cena que
estavam interrompendo. Foi Vincent quem quebrou o silêncio, constrangido.
— Noite horrível! – comentou, divertido.
Helen quase morreu de vergonha, mas Charles não parecia nem
um pouco embaraçado.
— Que diabos você está fazendo aqui, Manning? – perguntou
ríspido, sem se preocupar em cumprimentar o irmão.
— Ele não queria vir, Charles – interveio Vincent -, mas eu insisti.
Como não havia táxis na estação, telefonei e pedi a ele que me trouxesse até em
casa. Pode ao menos oferecer uma bebida a ele?
— Nós... não ouvimos o carro. – Helen se dirigiu a Vincent,e ele
sorriu.
— Acredito – brincou. – Quer um drinque, companheiro? –
perguntou a Jarret.
— Não, obrigado. – Jarret olhou de Helen para Charles, e de novo
de Charles para Helen. — Já vou embora. Quer uma carona, Helen?
— Ela veio no carro dela, Manning – explodiu Charles. — Não
precisa de carona nenhuma.!
— As estradas estão péssimas – argumentou Vincent. —
Honestamente, aconselho você a voltar com Jarret, Helen. Posso levar seu carro
amanhã de manhã.
Charles ficou furioso e começou uma discussão com o irmão, que
aceitou o desafio e respondeu a altura.
— Pelo amor de Deus! – exclamou Helen. — Isso é ridículo! Vou
para casa sozinha. Vocês que se arrebentem!
Virou as costas e saiu. Vincent tinha razão: a noite estava horrível,
mas Helen não podia voltar atrás. Entrou no pequeno Alfa e tomou a direção da
estrada sem olhar para trás. A luz dos faróis não era suficiente para iluminar a
estrada, mas ela se recusava a entrar em pânico. A lembrança da cena com
Charles lhe dava forças e eliminava o medo.
De repente, os pneus começaram a girar em falso na lama e o carro
derrapou, deslizando para o acostamento. Por pouco não capotou, mas
felizmente o choque contra o barranco não foi muito forte e Helen não se
machucou. Estava imóvel no assento, chocada demais para pensar, quando
alguém abriu a sua porta. Era Jarret, e parecia muito ansioso.
— Helen, pelo amor de Deus... – começou, zangado. Mas ao
perceber o olhar assustado de Helen, se acalmou. — Você está bem?
Ela fez que sim com a cabeça e só então percebeu que ele não
estava agasalhado. Ao contrário dela, só estava usando uma camisa de seda,
encharcada pela chuva.
— Estou... estou bem – disse com voz trêmula. — Você está
ensopado. Vá embora.
— E como é que pretende sair daqui? – perguntou, ríspido.
— Já disse que dou um jeito. Vá embora, sr. Manning. Não preciso
de sua ajuda. Volte para o seu livro. – Helen sentia que estava agindo
irracionalmente, mas não tinha condições emocionais para raciocinar.
— Só porque sua vida sexual com seu noivo não é satisfatória, não
precisa me agredir – explodiu Jarret.
— O que é que você sabe sobre isso? – protestou, furiosa.
— Ora, não banque a inocente. Pensa que não percebi o que
Vincent e eu interrompemos?
— Não se atreva a continuar, sr. Manning. Vá embora
imediatamente! Já disse que não preciso da sua ajuda.
— Está bem. Está bem! – virou as costas, louco de raiva, e entrou
no Mercedes sem olhar para trás.
Helen ouviu o ruído do motor em movimento e caiu em si. Ele
estava indo embora! Como ia fazer para sair dali? A ideia de passar a noite
sozinha naquela escuridão, debaixo daquela tempestade, a apavorou. Num
impulso de pavor, saiu correndo do Alfa atolado, sem se importar com a chuva
e com o barro. Chegou perto do automóvel de Jarret já quase sem fôlego e
parou do lado da janela, humilhada, temendo a reação dele. Percebendo os
sentimentos dela, ele abriu a porta e desceu outra vez.
— Helen... – murmurou com suavidade e, num impulso, abraçou-a
e beijou-a na boca.
Era uma loucura ficarem ali parados debaixo daquele aguaceiro,
mas Helen não tinha forças nem vontade de se afastar. Aquele era o lugar dela,
aquele era o homem que amava! A revelação caiu sobre ela como um raio. O
corpo de Jarret estava frio, mas seus beijos queimavam como fogo, cada vez
mais intensos à medida em que ela se entregava. Apesar do frio, uma onda de
calor corria pelas veias dela, espalhando-se pelo corpo todo numa avalanche de
desejo. As roupas ensopadas tornavam o abraço ainda mais íntimo e revelador,
e Helen perdeu a noção de tudo, a não ser do desejo de passar a noite nos
braços dele.
— Precisamos voltar – gemeu Jarret, levantando a cabeça com
esforço. — Sua mãe deve estar preocupada.
— Eu... eu sei...
Mais um beijo cheio de paixão, e depois Jarret a soltou e abriu a
porta do carro. Helen entrou, obediente. Ele entrou também, acendeu a luz
interna e examinou-a de alto a baixo com um brilho atormentado nos olhos.
Com a chuva, a blusa de Helen tinha colado no corpo, delineando nitidamente
as formas dos seios rijos.
— Helen – murmurou com um gemido. — Tem alguma ideia do
que estou sentindo agora?
— Eu... acho que sim – sussurrou com voz insegura, chegando
mais perto.
Sem forças para resistir, ele tornou a abraçá-la e cobriu seu rosto de
beijos.
— Que loucura – murmurou com a boca colada a dela. — Eu
desejo você, Helen, mas não aqui... não desse jeito. Eu amo você e quero fazer
amor com você. Mas amor mesmo, de verdade, e não seduzir você dentro de
um automóvel.
— Você ... você me ama? – Helen prendeu a respiração e escondeu
a cabeça no peito dele.
— Claro que amo. – Afastou a gola da blusa e beijou o pescoço
dela, ansioso. — Não tinha percebido ainda? Meu Deus, como foi difícil ficar
longe de você, sem tocá-la, sabendo que ia casar com aquele almofadinha do
Connaught! Sentia vontade de matá-lo cada vez que ele tocava você, e naquela
noite... quando você voltou com aquela marca no pescoço, minha vontade foi
dar um tiro nele.
— Jarret...
— Você me ama, não ama? Não sente a mesma coisa com
Connaught, sente? Ele faz isso com você? – inclinando a cabeça, acariciou o bico
do seio de Helen com os lábios.
— Não... oh... não! – balançava a cabeça de um lado para o outro,
enlouquecida. — Ninguém...ninguém jamais me tocou... como você.
— Ótimo! – ele parecia satisfeito. Afastando-se, encostou a cabeça
no vidro embaçado e olhou-a com um olhar de posse. — Vamos embora. Temos
muito tempo pela frente. Temos a noite inteira. Precisamos é de um bom banho,
de preferência juntos, mas se não for possível...
— Se não for possível? – perguntou, ansiosa.
— Você pode ir ao meu quarto depois? Prometo que não vou
fechar a porta. Pelo menos não antes de você estar lá dentro.
— Jarret... eu... eu não posso...
— Não diga que não, por favor – pediu, suave. — Preciso de você,
Helen. Quero você comigo, e não quero que nada nos impeça de ficar juntos.
Stanford veio a King’s Green para me dizer que preciso ir aos Estados Unidos
assim que meu livro estiver pronto... para assinar os contratos do filme. E quero
que você venha comigo. Você vai?
— Stanford? Mas... e Margot?
— Margot não significa nada para mim.
— Nada?
— Nada. Sei que ela pretendia fazer de mim o marido número
quatro, mas estava perdendo tempo.
— Você... dormiu com ela? – arriscou, espantada com própria
audácia.
— Não.
— E... com... Vivien Sinclair?
— O que é que você quer de mim, Helen? – ele estava meio
divertido, meio impaciente. — Um relatório das mulheres que conheci? Que
importância tem isso? Nunca disse a Vivien que a amava e é isso que importa.
Nunca disse a mulher nenhuma, a não ser a você.
— Isso... é verdade?
—É. Eu amo você, Helen. Não estou brincando. Mas se esperava
que eu bancasse o celibatário todos esses anos, então é muito ingênua.
— Não disse que esperava isso – protestou, trêmula.
— Desculpe... – Jarret passou a mão pelo cabelo, agitado. —
Desculpe se magoei você, mas que diabo! Será que eu devia ser virgem até hoje?
Garanto que você mesma não ia gostar. – Helen ficou vermelha e embaraçada,
e Jarret a puxou para perto dele outra vez. — Helen, até conhecer você, eu não
sabia o que era um interesse real por uma pessoa. Pode acreditar... foi terrível
pensar que você me odiava!
— Eu nunca odiei você, Jarret.
— Não mesmo? – segurou o rosto dela com as duas mãos. — Pois
eu acho que odiou. Mas não vamos falar nisso agora. Acha que sua mãe vai
deixar você ir comigo?
Helen não respondeu, atormentada pelos problemas que ainda
estavam por vir: Charles, a mãe, o futuro. Percebendo que ela estava indecisa e
que precisava de tempo para pensar, Jarret se afastou e deu a partida no carro.
Chegaram logo a King’s Green e Jarret parou bem em frente à
porta para que ela pudesse descer sem se molhar mais.
— O... o que você vai dizer? O que é que nós vamos dizer? –
perguntou, indecisa.
Jarret ficou impaciente
— O que você quer que eu diga? Vamos ver... “Eu amo sua filha,
sra. Chase, e quero que ela desfaça o noivado para vir comigo para Nova
Iorque”. Que tal?
— Só isso? – Helen não conseguia controlar a ansiedade.
— O que mais você quer?
Helen olhou para ele, incrédula.
— Que... que tal falar de casamento?
— Casamento? – repetiu, espantado.
—É, casamento. – a voz trêmula de Helen não demonstrava muita
convicção. — Você quer... casar comigo... não quer?
Jarret apoiou a cabeça na direção, e sua demora em responder deu
a Helen a convicção de que precisava. Sentindo-se profundamente rejeitada e
infeliz, estendeu a mão cegamente para a maçaneta da porta. Mas antes que
pudesse alcançá-la, Jarret esticou o braço na frente dela, impedindo-a de sair.
— Antes que se tranque no quarto outra vez, vou lhe falar uma
coisa – disse Jarret com raiva. — Está bem, não tenho intenção de providenciar
uma certidão de casamento antes de chegar aos Estados Unidos. Não concordo
com essas convenções.
— Claro – interrompeu-o, amarga. — Todas aquelas mulheres!
Devem ter pensado a mesma coisa que eu...
— Pensado o quê?
— Que... que você as amava...
— Já disse que você é a única mulher que eu...
— Ora, pode deixar os detalhes de lado! – uma lágrima escorreu,
teimosa. — Como posso acreditar em você...
— Nunca menti para você, Helen. Você sabe disso.
— Eu sei?
— Pois devia saber. Se eu quisesse mentir, acha que ia contar
minha vida a você?
— Isso não altera o fato de...
— Santos Deus! – cerrou os punhos. — Eu amo você, Helen, e se é
uma certidão de casamento que você quer, então vai ter uma. Mas não pense
que esse pedaço de papel vai fazer a menor diferença nos meus sentimentos por
você!
— Não... não! – Helen sacudiu a cabeça, teimosa. — Não, obrigada.
Posso viver sem o seu... sem o seu paternalismo. Talvez você esteja enganado.
Talvez eu seja mais feliz com Charles. Ele pelo menos tem a decência de me
oferecer uma aliança antes de tentar deitar na minha cama.
— Está bem! Está bem! – com uma imprecação, Jarret se afastou
dela. — Já estou cheio. Desça daqui ou não me responsabilizo pelos meus atos.
Volte para o seu querido noivo. Ele merece você!
— Jarret...
Por um momento, a enormidade do que ela estava rejeitando a
assustou, mas o rosto contraído de Jarret não encorajava um pedido de
desculpas. Com o coração pequenino, abriu a porta e saiu. Jarret, em vez de
guardar o carro na garagem, acelerou e desapareceu na estrada, os pneus
cantando.

Naquela noite Helen não dormiu. Sentia um mal-estar por todo o


corpo e imagens tenebrosas surgiam na sua cabeça quando cochilava. Para onde
será que Jarret tinha ido? Encontrar outra mulher? Margot? Vivien? A medida
que as horas passavam e ele não voltava mais ela se convencia de que era para
Londres que Jarret tinha ido.
Já quase de manhã, conseguiu dormir um pouco, mas às sete horas
estava em pé, preparando um chá na cozinha. Encheu uma xícara e se sentou
diante da mesa, atormentada pelo arrependimento e pelas dúvidas.
Enfraquecida pela noite mal dormida e pelos acontecimentos da noite anterior,
não aguentou mais e chorou desconsoladamente.
Quando levantou a cabeça, percebeu horrorizada que não estava
sozinha. Sua mãe estava parada na porta, a preocupação estampada no rosto. E
agora? Como ia explicar as lágrimas? Mas do que adiantaria mentir? Mais dia,
menos dia ela ia saber de tudo mesmo! Então, Helen decidiu abrir o coração.
Contou aquilo que achou indispensável, evitando os detalhes mais fortes, que
pudessem chocar a mãe.
— Eu ouvi bem, Helen? Está querendo me dizer que Jarret quer
viver com você?
— É isso mesmo, mamãe – Helen suspirou.
— Você está louca? – a mãe pôs as costas da mão na testa da filha.
— Você está ardendo em febre! Deve estar tendo alucinações. Por que Jarret ia
querer viver com você?
— Ele diz que me ama. Ou... que me amava.
A sra. Chase parecia absolutamente perplexa. Automaticamente,
foi até o fogão e se serviu de uma xícara de chá. Tomou alguns goles, respirou
fundo, depois, mais calma, olhou para a filha outra vez.
— É melhor contar a verdade logo de uma vez. Você está grávida?
Helen quase engasgou;
— Não, claro que não!
— Tem razão. – Alice falou mais para si mesma que para a filha. —
Jarret não cometeria um desatino desses.
— Não dormi com ele, mamãe! O que contei é verdade.
— Isso tem alguma coisa a ver com o fato de Jarret não ter voltado
para casa ontem a noite? – a mãe suspirou.
Helen fez que sim com a cabeça.
— Você esteve com ele ontem a noite?
— Ele me trouxe da casa de Charles.
— E vocês tiveram uma discussão.
— Mais ou menos.
— E por que não me contou tudo antes? – perguntou a mãe,
magoada.
Helen deu de ombros.
— É tudo muito hipotético, mamãe. Jarret vai para os Estados
Unidos. Vão filmar um dos livros dele e ele precisa assinar os contratos.
— E você? – a sra. Chase mostrava pouco entusiasmo. — Pretende
ir com ele?
— Ele me convidou.
— Santo Deus! – a mãe mal conseguia respirar. — E o casamento?
— Casamento, mamãe? – Helen deu uma risada histérica. — Como
posso casar com Charles se não o amo?
— Acho que você não está em condições de tomar nenhuma
decisão agora – aconselhou a mãe, mais calma. — Quando Jarret voltar, vamos
esclarecer...
— Não! Eu... Jarret e eu não temos mais nada a dizer um ao outro.
Eu... eu não quero... viver com ele, e ele não quer saber de casamento.
— E quanto a Charles?
— Charles? Não entende, mamãe? Não posso me casar.
Simplesmente não posso.
— Mas... o vestido, os preparativos.
— Por favor... – Helen não suportava ouvir mais. — Não quero
mais falar nisso. Preciso me vestir. Disse a Karen que estaria na loja às nove.
Depois de se vestir, Helen ficou sabendo que haviam levado o Alfa
à cidade, para consertar. Foi até o quarto da mãe, pedir emprestado o Triumph,
e recebeu um choroso “faça o que quiser”.
Felizmente o movimento da loja foi grande naquele dia, e Helen
conseguiu evitar os olhos atentos de Karen. A chegada de John Fleming, à tarde,
foi outro golpe de sorte. Mais do que depressa, Helen se ofereceu para fechar a
loja sozinha.
Depois que Karen saiu, Helen telefonou para a oficina e combinou
de ir buscar o Alfa mais tarde. Assim que desligou o telefone, levantou a cabeça
e viu Charles parado na porta.
— Oi, Charles – exclamou, sem conseguir demonstrar entusiasmo.
— Que surpresa.
O rosto do noivo não revelava o menor traço de simpatia.
— Vim buscar você para levá-la para casa – declarou, sério. — Já
está na hora de fechar, não está? Vi Karen saindo com Fleming. Não vejo razão
para você continuar trabalhando até tarde, se ela já foi embora.
— Eu me ofereci para ficar. – Helen suspirou. — Como vai? Como
está sua perna?
— Bluthner deu uma olhada nela hoje de manhã e disse que não é
grave. Graças a você, podia ter sido pior.
— A mim?
— Se não fosse você, eu não estaria lá no estábulo àquela hora e
não teria machucado a perna.
Helen olhou para ele, incrédula. Ia dizer que não tinham entrado
no estábulo por vontade dela, mas achou melhor ficar quieta. Não valia a pena.
E, além disso, ele ano ia concordar.
— Que bom que sua perna está melhor. Mas não precisa me levar
para casa, Charles.
— Por que não? – a irritação de Charles aumentou. — Seu carro
não está na oficina? Certamente foi Manning quem trouxe você para a cidade,
mas macacos me mordam se eu vou deixar que ele a leve de volta!
— Ele não vai me levar – respondeu Helen, fechando o cadeado da
porta. — Vim com o carro da mamãe, não se preocupe.
— Humm! – Charles resmungou, mal-humorado. — Então vou
atrás de você até King’s Green. Quero dar umas palavrinhas com Manning.
— Você não vai poder. Isto é... – Helen hesitou. — O que é que
você vai dizer a Jarret, Charles? Ele não tem nada a ver com seus problemas.
— Que problemas? Nós não temos problemas. Só interferências.
— Não é verdade. – Helen sacudiu a cabeça. — Não sei se nosso
casamento vai dar certo, Charles. Eu... eu não amo você. Acho que nunca amei.
Charles estava perplexo e olhava para ela sem acreditar.
— Você está abalada. Aquele problema com o Poseidon ontem à
noite... bem... acho que a culpa foi minha, mas você não devia ter fingido que
tinha superado seu pavor.
— Não é só isso – disse Helen, se sentindo a mulher mais infeliz do
mundo. — Nós não pensamos da mesma maneira...
— O que você quer dizer com isso? Lemos os mesmos livros,
assistimos aos mesmos programas de televisão!
— Ora. Charles, a vida é mais do que livros e programas de
televisão. Existem outras coisas...
— Sexo...
— Isso também, é claro.
— Já sei... foi Karen. Ela andou enchendo sua cabeça com as
histórias dela, não? Então escute... A maioria das mulheres... isso mesmo, a
maioria... ficaria feliz por eu não ter feito nenhuma exigência desnecessária...
— Exigência desnecessária? – Helen teve um ataque de riso
histérico. — Charles, sexo não é uma exigência desnecessária. É uma coisa
maravilhosa... uma coisa linda!
— Como é que você sabe? – Charles olhou para ela fixamente.
Helen hesitou, mas achou que devia ir até o fim.
— Eu... eu sei por que... Jarret me mostrou – disse em voz baixa e
quase perdeu o equilíbrio quando a mão de Charles atingiu seu rosto.
— Sua... Como tem coragem de me dizer com essa cara que... que
Manning... que Manning e você...
— Por favor, vá embora, Charles! – inexplicavelmente, Helen
estava mais calma que nunca. Sem dizer nada, tirou a aliança e colocou-a sobre
o balcão de vidro. — Eu estava em dúvida... mas agora não estou mais.
— Você... você não pode fazer isso! — Charles olhou para a aliança
como se nunca a tivesse visto antes. — Ter um caso com Manning é uma coisa, e
terminar nosso compromisso é outra. Olhe.. – Estendeu a mão para Helen, que
se recusou a segurá-la. —Olhe, não seja precipitada. Posso passar por cima do
que você me disse. Eu estava fora de mim, e você também. Seria tolice destruir
nosso futuro por ... uma bobagem dessas.
— Você me esbofeteou, Charles. Não posso perdoar isso. Eu
provoquei, mas bater numa mulher...
— Pelo amor de Deus! – Charles segurou-a pelos braços,
desesperado. — Helen... desculpe. Sim, desculpe... Não vai acontecer outra
vez...
— Não, não vai – concordou Helen, tranquila. — Porque não quero
mais ver você.
Charles deixou cair os braços, desanimado, depois pensou em mais
uma cartada.
— Você não acha que Manning tem intenções sérias a seu respeito,
acha? Você não passa de um passatempo para ele, já que está na sua casa...
— Vá embora, Charles!
— Conheço o tipo. – Helen não queria ouvir, mas Charles foi
implacável. — Muito sucesso com as mulheres... claro, muito sucesso, mas...
Helen não aguentava mais. Passou por ele sem olhar e parou na
porta.
— Vai sair também ou prefere que eu o tranque ai dentro?
— Sua vagabunda! – os olhos de Charles brilhavam de ódio. —
Meu Deus, e pensar que eu quis casar com você! – pegou a aliança. — Eu devia
estar fora do meu juízo perfeito!
— Um de nós estava – Helen concordou calmamente.
CAPÍTULO 9

Helen acordou com o som estridente do telefone, às seis horas da


manhã. Tonta de sono, pois só tinha conseguido dormir às quatro, levantou da
cama meio desorientada, indignada porque a mãe nunca atendia o telefone nas
horas mais desagradáveis.
Fazia quatro dias que Jarret tinha ido embora e, desde então, nem
mãe nem filha tinham conseguido dormir bem. Como ele não dava notícias, e as
duas não se animavam a fazer investigações, o jeito foi comprar soníferos.
Helen não se preocupou em vestir um agasalho, nem em calçar os
chinelos. Queria acabar o quanto antes com aquele barulho irritante. Pegou o
fone como uma sonâmbula.
— Pronto.
— Helen? – a voz do outro lado era enérgica e masculina. — É
você, Helen? Graças a Deus! Pensei que fosse sua mãe?
— Vincent? – Helen piscou e esfregou os olhos. — Vincent, por que
está me telefonando a esta hora? Você sabe que horas são?
— Sei, são seis horas – respondeu, impaciente. — Precisava falar
com você antes que meu irmãozinho aparecesse.
— Irmãozinho? – Helen sentiu as pernas bambas e se sentou na
banqueta ao lado do telefone. — Charles? O que é que Charles tem a ver com
isso?
— Helen, para de fazer perguntas e escute. Você pode ir ver Jarret?
— Jarret? – se ela não estivesse sentada, provavelmente teria
desmaiado. — Jarret? – repetiu com voz fraca, tentando se recompor.
— Isso mesmo. Sei que não é uma decisão fácil. Mas,
honestamente, Helen, se você não vier...bem, não sei o que pode acontecer.
Aquele não era o Vincent tranquilo e despreocupado que Helen
conhecia. Havia na voz dele uma urgência que deixou Helen transtornada.
— Ele não foi... ele não está... ele não sofreu um acidente, sofreu,
Vincent? – perguntou, quase sem poder respirar de ansiedade.
— Não, ele não sofreu nenhum acidente.
— Então o que foi? – a impaciência de Helen aumentava. —
Vincent, pelo amor de Deus, o que foi que aconteceu?
— Helen... — Vincent hesitou. — Estou preocupado com ele.
— Preocupado?
— É – fez uma pausa. — Olhe, não sei o que você sente por ele,
mas acho que deve sentir alguma coisa, apesar do que Charles diz.
— Charles? – Helen respirava com dificuldade cada vez maior. —
O que é que Charles diz?
— Você sabe como é meu irmão. Vive tão preocupado com aqueles
cavalos que não vê o que se passa em volta. Na opinião dele, você está noiva e
consequentemente...
— Mas eu não estou! – Helen o interrompeu, aflita. — Nós
terminamos o noivado há três dias.
— Terminaram? – Vincent parecia espantado e aliviado ao mesmo
tempo. — Mas ele não me contou nada! E você também não!
— Ai, Vincent... – sacudiu a cabeça, desconsolada. — Desde que
Jarret foi embora, eu estou... não sei... meio perdida. Mamãe não quer falar com
ninguém. Parece achar que, se não discutirmos o assunto, tudo vai voltar ao
normal. Pensei que Charles...
— Não. Ele não disse uma palavra. É por isso que estou
telefonando a esta hora. Voltei de Londres ontem e...
— Jarret está em Londres?
— Está.
— No apartamento dele?
— Não.
— Como não? – o coração de Helen ficou pequenino.
— Ele está em Kennington, na casa do pai.
— Mas eu pensei... – Helen engasgou.
— Sei o que você pensou. Uma mulher, não é? Estou vendo que
não conhece Jarret muito bem. Ele está louco por você. – Fez uma pausa. — E eu
estou furioso com o que você fez com ele!
— Mas você está preocupado com ele... Por quê? Ele pegou uma
pneumonia por causa da chuva do outro dia?
— Claro que não, Helen. – Vincent estava impaciente. — Estivemos
juntos no Vietnã e ficar ensopado até a alma era o menor dos nossos problemas.
– suspirou. — Não é isso.
— Então o que é? – Helen estava ficando desesperada.
— Bebida – disse Vincent com um suspiro.
— Santo Deus! – Helen sentiu o estômago enjoado. — Mas como é
que você sabe que...
— Que é por sua causa? – perguntou Vincent. — Se eu dissesse que
ele me contou, você acreditaria?
— Não.
— Está bem. Ele não me contou – suspirou, desanimado. — Mas eu
sei, Helen. Eu sei.
— Como é que você pode ter certeza?
— Diabos! – estava desesperado. — Ele não vai me perdoar se eu
disser!
— E ele precisa saber?
— Talvez não – respondeu Vincent, em dúvida.
— Vincent, por favor...
— Está bem, está bem. O pai dele me telefonou. Encontrou meu
telefone na carteira de Jarret. Ele... bem... ele me disse que Jarret estava mal e
perguntou se eu conhecia uma moça chamada Helen.
Helen tremia.
— Ele me pediu para ir ver Jarret, e é claro que eu fui – fez uma
outra pausa. — Nós conversamos, mas... meu Deus! Helen, ele está péssimo.
— Ele... mencionou o meu nome?
— Só uma vez. – Vincent parecia relutar em continuar. — Ele...
bem... perguntou se você estava bem.
— E você disse?
— Disse.
— Quer dizer que, para Jarret, Charles e eu ainda estamos noivos.
— Estão.
— E depois?
— Pouca coisa.
— Mas meu nome...
— Quando eu estava saindo, o velho... o pai de Jarret... me
acompanhou até o carro e me disse.
— Disse o quê?
— Que Jarret não parava de repetir seu nome á noite... o velho nem
conseguia dormir.
— Vincent!
— Se Jarret souber que eu contei...
— Qual... é o endereço dele? – quase sem força para segurar o fone,
Helen procurou papel e lápis e anotou o endereço com a mão trêmula.
— Obrigada, Vincent. Não sei como agradecer.
— Não torne a estragar tudo. — Antes que ela pudesse dizer mais
alguma coisa, ele desligou.
Alice ainda não tinha se levantado quando Helen saiu. Deixou um
recado com a governanta.
— Diga que fui me encontrar com Jarret. Mamãe vai entender.
— Se você sabe o que está fazendo – murmurou a sra.
Hetherington, contrariada.
Helen a abraçou.
— Eu o amo. Se não pode ser do meu jeito, então vai ser do jeito
dele.

Era um pouco mais de onze horas quando Helen cruzou a ponte


Vauxhall, próxima a casa do pai de Jarret. No número indicado não havia sinal
de vida e Helen sentiu um calafrio ao imaginar que o endereço dado por
Vincent podia estar errado. E se tudo não passasse de um truque de Jarret?
Já estava a ponto de virar as costas e ir embora, quando a porta se
abriu e apareceu um senhor de idade, que olhou desconfiado para Helen.
Depois de hesitar um pouco, se aproximou dela.
— Posso ajudá-la?
A voz era forte e agradável, e num impulso Helen abriu a porta do
carro e desceu.
— O senhor deve ser... o pai de Jarret. Eu... ah... sou Helen.
As feições do homem se iluminaram de alegria e alívio, como se
até aquele momento ele não acreditasse que ela fosse lá.
— Helen! – exclamou, estendendo a mão com verdadeira
satisfação. — O jovem Connaught falou com você?
— Falou. Conversei com Vincent hoje de manhã. Eu... onde está
Jarret? Posso falar com ele?
— É para isso que você está aqui, não é? Só que ele ainda não se
levantou. Eu...bem... eu ia comprar alguma coisa para o almoço. Você almoça
conosco?
— Não sei... – Helen olhou para a janela fechada. — Depois que
conversar com Jarret...
— Só vai poder falar com ele depois do almoço – explicou o pai,
meio sem graça. — Sabe como é... ele não gosta de ser acordado e... – o velho
falava como quem pede desculpas, e Helen ficou indignada.
— Ele passa a manhã inteira na cama? – exclamou, perplexa, e o
homem suspirou.
— Acho que ele não tem motivos para sair da cama. Mas assim que
eu voltar...
— Não se preocupe, eu me encarrego disso – declarou Helen,
firme. A porta está aberta... posso entrar?
— Bem, pode, mas...
— Obrigada.
Helen sorriu, confiante e entrou. Do vestíbulo mal iluminado
saiam várias portas e uma escada que levava ao andar de cima. Helen imaginou
que Jarret devia estar em cima e decidiu não perder tempo. De repente toda a
sua confiança começou a fraquejar. Dizer a si mesma que Jarret precisava dela
era uma coisa, mas chegar na casa dele sem ser convidada era outra bem
diferente. E se ele não quisesse falar com ela? Como ia fazer para convencê-lo
de que nada mais importava a não ser ficar ao lado dele?
Havia dois quartos no primeiro andar. Um deles, que dava para a
rua estava desocupado. O segundo era o de Jarret. Assim que abriu a porta,
sentiu o impacto do cheiro forte de álcool que exalava das garrafas espalhadas
em volta da cama. Não era de admirar que dormisse até meio-dia. Devia estar
praticamente inconsciente.
A cortina estava fechada, mas como o dia estava ensolarado uma
luz dourada enchia o quarto. Helen foi direto para a janela a procura de um
pouco de ar. Sentiu um mal-estar repentino quando passou junto da cama de
Jarret e viu a figura encolhida e descomposta. Mas não importava a aparência
dele, continuava sendo o homem que ela amava, e a visão do corpo musculoso,
só levemente coberto por um lençol, perturbou os sentidos de Helen. Num
impulso de carinho, tocou de leve o rosto sem barbear.
Ele se mexeu. Provavelmente os efeitos do álcool estavam
começando a passar e ele piscou, fez uma careta e protestou:
— Já disse ao senhor para não me acordar, papai – resmungou,
encobrindo o rosto com o braço e virando na cama. — Que horas são? Não
consigo ver o relógio.
— Onze e meia – respondeu Helen em voz baixa. Imediatamente
ele levantou o braço e olhou para ela, incrédulo e envergonhado. Como se não
suportasse ser visto naquele estado, virou de bruços e disse com raiva:
— Quem deixou você entrar?
— Eu encontrei seu pai lá fora. Ele me disse que você estava aqui.
— Ele não tinha o direito de fazer isso – protestou, irritado. — Saia
daqui, Helen. Pelo menos espere até eu me vestir.
— Não estou impedindo você de se vestir, estou? – arriscou com
voz trêmula, e ele tornou a ficar de costas para olhar para ela.
— Vá para casa, mocinha – aconselhou, puxando o lençol até o
pescoço. — Não sei dizer qual é o seu jogo, mas se acha que pode vir aqui para
me dizer coisas como essa está muito enganada.
Helen deu de ombros, fingindo uma tranquilidade que estava
longe de sentir. Foi até a janela e abriu a cortina, deixando entrar a luz do sol.
Jarret soltou um gemido de protesto, como se a luz fosse dolorosa para os olhos
dele, e Helen tornou a fechar a cortina. Depois voltou para perto da cama e
encarou-o com firmeza.
— Quem disse onde eu estava? – ele perguntou, rolando para o
lado e se apoiando no cotovelo. — Deus, preciso de um drinque!
— Não, não precisa. — A reação de Helen foi automática.
Decidida, foi até o criado mudo e pegou a única garrafa onde ainda havia
alguma bebida. Ia se afastar, mas ele a agarrou pela saia e puxou-a para a cama.
Puxou a garrafa com raiva e tomou um gole demorado.
— Muito bem, por que você veio me ver assim nesse estado? –
perguntou, agressivo.
Helen deu um gemido e sentou-se na cama ao lado dele.
— Vim porque tive vontade. Eu... eu amo você. Respirou fundo,
olhando para ele com adoração.
Jarret se levantou e deu uma risada de desprezo.
— Você não sabe o que está dizendo. Você vai se casar com
Connaught. Vincent me disse...
— Vincent não sabe de nada – sussurrou, suave. — Terminei o
noivado com Charles há três dias!
— No dia seguinte... assim que vim embora? – calou-se, ansioso. —
Então por que não me disse nada, santo Deus?
— Eu... – Helen baixou os olhos — Eu não sabia onde você estava.
Não sabia qual seria sua reação.
— Não sabia? – repetiu, sem acreditar. Depois, percebendo que se
encontrava num estado lamentável, passou a mão nervosamente pelo cabelo. —
Preciso tomar um banho. Se você sair daqui, vou tomar um banho e fazer a
barba. Depois conversamos.
— Não podemos conversar agora? - Helen olhou para ele, ansiosa,
com medo de não conseguir convencê-lo.
— Não, comigo neste estado. Papai não devia ter deixado você
entrar.
— Por que não? Ele até me convidou para almoçar...
— Convidou mesmo? – Jarret deu um sorriso irônico. — Quanta
honra! Ele geralmente não gosta de minhas namoradas.
— Namoradas? – repetiu Helen, enciumada. — Costuma trazer
suas namoradas aqui?
— O que você acha? – sentou-se na cama, as pernas cruzadas, o
braço apoiado no joelho.
— Como é que eu posso saber? – respondeu, magoada, e Jarret deu
um suspiro.
— Quer me dar licença de vestir uma roupa? – perguntou,
apontando para o lençol, sua única proteção. — Prometo que vamos conversar
quando eu estiver mais apresentável.
— Você vai aguentar esperar? – Helen se levantou da cama,
ofendida. — Você está muito frio, não acha? Não sou tão ingênua quanto você
pensa! – protestou, indignada. — Sei muito bem com é o corpo de um homem.
— Virou as costas para a porta, decidida.
Mas antes que desse três passos, Jarret a agarrou pela cintura e
abraçou-a com força, eliminando todas as suspeitas de Helen a respeito da
frieza dele.
— Helen – gemeu junto do ouvido dela, acariciando os seios
palpitantes. — Vamos fazer as coisas do jeito que deve ser. Primeiro vou tomar
um banho, fazer a barba, vestir uma roupa limpa, depois então vou fazer amor
com você...
— Pois eu acho que esse é o jeito errado. O normal não é tirar a
roupa para se fazer amor?
— Querida, se papai não fosse chegar a qualquer momento, levaria
você para o banho comigo 0- murmurou, excitado. — Mas assim
Com esforço, afastou-se dela e foi até a cômoda pegar roupa limpa.
Sabia que os olhos de Helen estavam presos a seu corpo, mas resistiu a tentação
silenciosa. Daí a pouco ela ouviu o barulho de água corrente no banheiro.
Parada na frente do espelho, Helen não acreditou que a imagem
refletida fosse a dela. Que diferença entre essa e a outra imagem que viu de
manhã, em King’s Green, tão pálida e sem vida! Seus lábios se abriam,
antecipando o momento em que teria a boca de Jarret e seus olhos brilhavam de
excitação. Sentia um vazio que só ele podia preencher.
Estava tão envolvida nos próprios sentimentos, que levou um
susto quando notou o pai de Jarret parado na porta, com um sorriso
compreensivo nos lábios.
— Então ele já está de pé?
— Está – Helen se afastou do espelho, envergonhada. — Está
tomando um banho.
— Graças a Deus! Você deve fazer bem a ele. Há dias em que Jarret
e a água não se veem. Por não desce para esperar? Ele não vai evaporar durante
o banho.
— Está bem. – Helen hesitou. — O senhor não se importa por eu
ter vindo, não é?
Desceram juntos e Patrick Horton levou-a até a cozinha iluminada.
— Fiquei aliviado quando Vincent me disse que conhecia você.
Antes disso, eu estava perdido, sem saber quem era Helen.
— Foi bom Vincent ter me telefonado. Estava tão preocupada, sem
notícias...
— Preocupada? – Patrick se mostrou um pouco surpreso. — Mas
entendi Vincent dizer que... que você ia se casar com o irmão dele. É verdade?
— Era – respondeu, trêmula. — Até que conheci Jarret. Ai fiquei
sem saber o que fazer.
Patrick sorriu e começou a preparar o almoço. Parecia muito hábil
nos serviços domésticos, e Helen se perguntou se ele não sentiria falta de Jarret.
— Vive sozinho, sr. Horton?
— Desde que a mãe de Jarret morreu, sim.
— E nunca... – Helen hesitou — nunca pensou em se mudar daqui?
— Mudar? Mudar para onde?
— Bem... – ficou embaraçada. — O senhor nunca pensou... em ter
um apartamento...
— Num asilo, você quer dizer? – Helen ficou assustada com a
hostilidade do velho. — Não preciso de uma enfermeira atrás de mim o tempo
todo. Tenho telefone e bons vizinhos e não preciso de mais que isso.
— Claro, mas não foi isso...
Patrick pareceu cair em si, percebendo que tinha sido agressivo
demais.
— Eu sei, eu sei – resmungou. — Você teve boa intenção. Jarret
também tem boas intenções. Ele está sempre me dizendo que quer me arranjar
um lugar menor, com um jardim maior, mas acontece que sou feliz aqui. Está é
minha casa, e é aqui que vou ficar.
— Teimoso o velho, não, Helen?
A voz divertida de Jarret veio interromper a discussão. Helen
olhou para ele, ansiosa. A não ser pelas olheiras, não havia mais sinal dos
excessos dos últimos dias. Estava mais atraente que nunca, e o coração de Helen
saltou no peito ao ver o desejo nos olhos dele. Ela também o desejava, mas a
presença do pai dele impedia qualquer demonstração mais efusiva.
— Helen e eu estamos começando a nos conhecer – desculpou-se
Patrick, olhando para Jarret com satisfação. — Agora está com cara de gente,
Jarret.
— A honestidade é uma das qualidades dele – brincou Jarret,
aproximando-se de Helen. — Como você, ele conhece minhas fraquezas.
Helen ficou vermelha e, antes que pudesse protestar, estava nos
braços de Jarret, lábios nos lábios, quase sem fôlego.
— Há muito tempo que espero por isso – murmurou ele. Nenhum
dos dois queria se afastar, mas a presença do velho impedia carícias mais
intimas.
— Vocês dois querem comer alguma coisa? Ou já estão satisfeitos?
— Vou levar Helen para almoçar – disse Jarret, envolvendo a
cintura dela, possessivo. — Nós... precisamos ficar a sos um pouco, mas
voltamos para casa mais tarde.
— Logo imaginei que meu feijão não ia agradar vocês – disse
Patrick, malicioso. Helen ia protestar, mas ele esclareceu. — Estou brincando,
menina.
—Entraram no carro, e foram para a padaria mais próxima. Jarret
entrou sozinho e voltou daí a pouco com pão, queijo e vinho tinto.
— Eu, você... entre as árvores – brincou Jarret, fingindo-se de
poeta.
Helen sentiu o olhar suave e sorriu.
Jarret a levou para o campo, um lugar tranqüilo e cheio de paz,
onde algumas vacas pastavam junto de um regato cristalino. Escolheram um
cantinho romântico sob um carvalho copado, rodeado de grama macia.
— Que beleza! – Helen se estendeu na grama e abriu os braços,
maravilhada com a beleza do céu.
—Santo Deus, como eu amo você – sussurrou Jarret, tomando o
rosto dela entre as mãos e pousando os lábios sobre os dela.
Helen não ofereceu resistência. Abraçou-o numa entrega total,
certa que o peso do corpo dele era o único estimulante de que precisava.
Desejava-o, desejava-o com todo o seu ser, e abriu os lábios num convite mudo.
A intimidade do abraço fazia o sangue de Helen ferver,
despertando todo o seu instinto de mulher. Não queria pensar no que estava
fazendo. Naquele momento era toda sensação, e sabia intuitivamente como dar
prazer a Jarret.
— Helen... – ele gemeu perto do ouvido dela, enfiando a mão por
baixo da blusa de seda e acariciando as costas macias. — Isso não está certo.
Estou tentando manter a cabeça no lugar, mas você não me ajuda!
— Não tente – murmurou baixinho, acariciando as costas dele e
arqueando o corpo para poder senti-lo melhor.
Mas Jarret fez um esforço sobre-humano e se afastou dela.
— Jarret...
Magoada com a rejeição, Helen se ajoelhou e olhou para ele com
tristeza. O que será que estava acontecendo? Será que ele não a queria mais?
— Jarret – insistiu, tocando o braço dele. — Jarret, você não me
quer mais? Eu... não espero nenhuma ... promessa de você. Se... você me quer...
— Se eu quero você? Você é tudo o que eu quero, Helen. Agora.
Sempre.
— Então...
— Fiz uma promessa a mim mesmo. Que se eu tivesse outra
chance, não estragaria tudo outra vez.
— Não estou entendendo... – Helen o olhou, perplexa.
— Helen, escute! – ele abaixou a cabeça, tomou as mãos dela com
ternura e beijou cada uma longamente. — Naquela noite... naquela maldita
noite, eu... oh, Deus! Eu desejava você, Helen, e quando você começou a falar de
casamento, acho que perdi o controle. Parecia uma bobagem tão grande
comparada com o que eu sentia. Queria que você me desejasse da mesma
maneira.
— Eu desejava! Eu desejo! – exclamou num impulso, mas ele
cobriu os lábios dela com a mão.
— Acho que vivi muito tempo entre as pessoas que não se
importam com os compromissos, que vivem o momento e não querem saber do
futuro. Achei que eu também podia viver assim, mas desde que pus os olhos
em você percebi que tinha que escolher.
— Não precisa me dizer essas coisas, Jarret – implorou Helen. —
Sinceramente, eu... não me importo. Eu o amo e quero estar com você.
Enquanto você me quiser.
— E seu eu a quiser para a vida toda?
— Assim está bem.
— Mas não para mim. Nestes últimos dias percebi que não
suportaria ficar longe de você, sem saber com quem está ou quem está olhando
para você. Pode parecer estranho, mas agora sou eu que quero uma aliança no
seu dedo e a proteção que ela vai me dar. E, depois... eu quero filhos... filhos
seus e meus. E não quero que meus filhos cresçam sem saber que é o pai.
— Jarret! Tem certeza?
— Mais que nunca. Pode perguntar a papai. Ele nunca me viu
assim. E, se Deus quiser, não vai ver outra vez!
— Não acredito... – Helen sacudiu a cabeça.
— É melhor acreditar. Assim que o livro estiver terminado, nós
vamos para os Estados Unidos, e depois... que tal o Havaí? Gostaria de passar a
lua-de-mel no Havaí?
— Seria o paraíso – murmurou, embevecida, tremendo ao sentir os
lábios dele passarem de leve pelo seu ombro.
— Ótimo. – Tornou a se afastar. — Está com fome?
— Só de você. – Abraçou-o e comprimiu-se com força contra o
peito dele. — Jarret, estou sentindo um vazio... aqui.
— Helen...
Jarret tentou protestar, mas os lábios úmidos e entreabertos foram
mais do que ele podia suportar. Empurrou-a para a grama e se deitou sobre
Helen, deixando que sentisse toda a urgência do seu corpo. Toda ela era um
convite.
— Tem certeza? – perguntou Jarret, enquanto ela tirava a camisa
dele.
— Tenho. Eu quero você – gemeu, pronta para a entrega, e Jarret
tomou o que era definitivamente dele.
Até o instante da posse completa, Helen não tinha noção da beleza
do que seus sentidos pediam. Apesar das narrativas de Karen, vários capítulos
ainda não haviam ficado inexplorados. Estava preparada para um
desapontamento, ao menos na primeira vez, mas o que aconteceu foi bem mais
do que as expectativas.
A dor que esperava foi logo superada pelo intenso prazer físico da
posse, seguido de uma sensação de profunda doçura e completo abandono.
Sentia a boca de Jarret explorando sua orelha, o pescoço, os lábios, e conheceu
emoções que nunca pensou que existissem. Agitava-se, sensual, amando cada
pedaço do corpo que a cobria.
Mais tarde, como depois de toda explosão, veio a calma, a
fraqueza, a doce letargia. Saciada e satisfeita, continuou com os braços em volta
dele, corpos unidos, gozando as carícias leves como quem alcança a paz depois
da tempestade.
— Machuquei você? – ele sussurrou, relutando em se afastar, e ela
sorriu com doçura.
— Você me deu prazer – respondeu, tímida. — Não estou mais
sentindo dor.
— Vai sentir... – tornou a beijá-la antes de rolar para a grama.
Comeram o pão, o queijo e tomaram o vinho, alegres como
crianças. Depois ficaram um longo tempo estendidos na grama verde.
— Precisamos fazer isso outra vez – brincou Helen, provocante, e
ele tornou a abraçá-la.
— E se aparecer alguém? – perguntou com a cabeça entre os seios
de Helen, mas ela só suspirou.
— Não vai aparecer ninguém. Este lugar é nosso e...
— E?
— E eu amo você, Jarret. Muito. Você vai voltar para King’s Green,
não vai?
— Eu vou comprar King’s Green – afirmou com doçura.
— Comprar? – os olhos dela brilharam de felicidade.
— Claro! Meu trabalho tem rendido muito mais desde que me
mudei para lá... E, depois, a idéia de manter a propriedade na família me
agrada.
— Oh, Jarret...
E Jarret selou com um longo beijo a promessa.

FIM

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