Entramos aqui num capítulo pastoral e prático: as devoções.
Estas se vêem tanto nos meios populares, como entre os maiores santos. Encontram-se também devoções imperfeitas, viciadas. Sto. Tomás diz que a devoção é “prontidão do ânimo para entregar-se às coisas que são de Deus”. É, como a oração, um ato interno, um ato de religião. Há devoções essenciais como as dirigidas à Santíssima Trindade, a Jesus, a Maria, aos Santos, mas elas podem tomar uma feição própria da chamada religiosidade popular, como no caso da devoção ao Divino Pai Eterno, ao Espírito Santo, ao Bom Jesus. Toda devoção, como ensina Sto. Tomás, deve terminar na prontidão e disponibilidade ao serviço de Deus, ao culto divino. Há dezenas delas que procuramos resumir aqui. Qualquer coordenador de comunidade tem conhecimento deste fenômeno. Aqui vemos as devoções como um meio de santificação. Não esquecer a história de S. João Vianney e o visitante. Qualquer vigário do interior, ou missionário já teve surpresas com pessoas simples. DEVOÇÃO A DEUS Embora muitos sintam dificuldade em rezar diretamente a Deus, com exceção daqueles que rezam salmos ou seguem a liturgia, a devoção a Deus aparece em muitos gestos simples: o nome do Pai, o tirar o chapéu ao nome de Deus, no “se Deus quiser”, no olhar para o céu. Já a devoção à Trindade é rara, sendo surpreendente no Santuário do Divino Pai Eterno, em Trindade GO, onde curiosamente a imagem venerada no altar é de N. Senhora coroada pela Santíssima Trindade. Outro fato curioso é narrado por Hans Staden que, nas horas perigosas no seu cativeiro em Ubatuba, orava à Santíssima Trindade. Por sinal ele era luterano. Talvez, entre nosso povo, o “Pai Nosso” não tenha despertado para o que a devoção a Deus, à Trindade significa, de fato. DEVOÇÃO A JESUS É devoção mais comum: é o Menino Jesus, o Bom Jesus, a Paixão, o Senhor Morto, o Coração de Jesus, o seu sangue milagroso, os milagres eucarísticos, a Santa Cabeça, a Santa Cruz. o Santo Sudário, pregos e coroa de espinhos. A devoção central é a Semana Santa. Todas estas devoções substituem, de certo modo, aquele Jesus dos evangelhos que o povo não conhece bem. Duas devoções especiais: as 5 Chagas e a Sagrada Face. A devoção eucarística, apoiada pela Igreja e pela Liturgia nas diversas formas, sendo as mais solenes a de Corpus Christi –que deu nome até a uma cidade nos EUA- bem como as bênçãos do Santíssimo. Nas últimas décadas o movimento carismático tem estimulado muito devoções eucarísticas, até com a ajuda da televisão. A comunhão diária, as adorações do Santíssimo, adoração perpétua, a Irmandade do Santíssimo, a comunhão dos doentes são outras tantas formas. Os vários Santuários do Bom Jesus atestam a devoção colonial. O ESPÍRITO SANTO É devoção arraigada no Brasil desde o descobrimento: veja-se a fundação da capitania do Espírito Santo, vejam-se as Festas do Divino, os cânticos ao Espírito Santo. A ligação desta devoção é dirigida à imagem em forma de pomba, o que não deixa de preocupar. NOSSA SENHORA Merece uma atenção maior (hiperdulia): curiosamente chega a sua devoção a superar as anteriores. Há devoções referentes a praticamente todos os dogmas, títulos, privilégios, aparições, milagres, nomes de Maria. A questão é sempre como se entendem todos estes itens e como são cultuados, sem mescla com espiritismo nem superstições. N. Senhora da Conceição que o diga. Em muitos casos a devoção está ligada a uma imagem, como a de N. S. Aparecida, N. S. da Penha, N. S. do Perpétuo Socorro e muitas outras. Muitas devoções foram trazidas da Europa, ou de países da América, como Nossa Senhora de Copacabana. Destaco devoções ligadas a aparições antigas e modernas: a do Escapulário, do Rosário, Lourdes, Fátima, Medalha Milagrosa, etc. Rosários, terços, escapulários, bentinhos são devoções entranhadas na vida do povo. Não podem ser amuletos. Outra devoção antiga e arraigada é a de N. Senhora das Dores. Aqui lembro o costume antigo de pôr nomes marianos nas crianças: Dores, Fátima, Aparecida, Conceição, Penha, Assunção, Anunciação etc. Quanto ao rosário, lembro a aprovação que lhe deram tantos Papas, principalmente Paulo VI na “Marialis Cultus”. As romarias marianas são um capítulo à parte na espiritualidade. Vale aqui um velho ditado: “Das muitas romarias poucos trazem virtudes” (a verdadeira devoção mariana passa pela prática de suas virtudes), dito citado pelo P. Bernardes. Se isso for verdade, é uma preocupação para a espiritualidade de que tratamos. Mas, espero que nosso bom clássico Bernardes se tenha enganado, porque, falar de romarias é falar de Aparecida. As irmandades marianas foram uma das riquezas do Brasil passado: Filhas de Maria, Legião de Maria e outras tantas associações, confrarias, arquiconfrarias do Rosário, de N. S. P. Socorro e de todas as devoções marianas. Um caso curioso das imagens de Maria, são as várias imagens negras: N. S. Aparecida, de Altötting, de Chestokowa, sem citar as africanas. Algumas delas imagens são Padroeiras regionais e até nacionais. ANJOS É uma devoção que vem da Bíblia, foi muito incentivada por Pseudo Dionísio Areopagita, que teve a honra de ser muito comentado por Sto. Tomás Devoção que ultimamente voltou com muita força. Os anjos são amigos dos místicos, das aparições. O Anjo da Guarda é velha devoção. S. Miguel é boa ajuda na sua luta contra o Dragão. S. Gabriel brilha na Anunciação. Nos tempos perigosos em que vivemos, com tantos assaltos, desastres, a devoção aos Anos bem que ajuda muito. SANTOS Como a devoção a Maria, é questão com os irmãos separados. É, porém, devoção querida da religiosidade popular. A devoção aos santos suscita muitas perguntas nos pastores. Uma preocupação é certa identificação entre santo e imagem. Penso também que o povo imagina o santo como alguém, semelhante aos anjos, que quase não pisa o pó da terra. Daí fica mais difícil a imitação. OUTRAS DEVOÇÕES Tentam também levar o povo a maior perfeição cristã: novenas, tríduos, imagens, bênçãos, água-benta, exorcismos, sal bento, oratórios, procissões, andores, bentinhos. CONCLUSÕES: Evidentemente as devoções são fórmulas que traduzem a religião do povo, com as imperfeições a que os pastores devem estar atentos. Nunca é demais, também, para os mais adiantados no caminho espiritual, ouvir as observações de um teólogo: “Quanta devoção mal entendida, quanta gente iludida nas devoções”. E cita a rotina, a repetição interminável. É de se acrescentar o lado muito humano que nelas aparece, o exagero nas imagens, a reza para todos os santos, a falta de hierarquia nas devoções, as muitas cruzes e medalhas, e bentinhos. De certo Jesus falou algo a este respeito: “Quando orardes, não digais muitas palavras como os pagãos” (Mt 6, 7). E alertou também quanto aos sepulcros caiados (Mt 23,5). Ele olhava o espiritual e não apenas as aparências. Como se pode ver, é um tema delicado, ainda mais que envolve o ecumenismo e sensibilidade das culturas. Uma pergunta que fica: as devoções santificam? LEITURAS S. JOÃO VIANNEY conta: Observou na igreja que, logo cedo, um lavrador: depois de encostar a enxada na porta, se assentava num banco e fica tempo olhando para frente. O Santo perguntou o que fazia, já que nem mexia a boca para rezar. “Não faço nada, não sei rezar”, respondeu o sitiante, “mas eu olho para Ele e Ele olha para mim”. E o santo elogiou tal oração tão elevada. LUMEN GENTIUM: “Qualquer testemunho autêntico de amor que oferecemos aos bem-aventurados se dirige a Cristo e, por Cristo, a Deus" (LG, 50). MEDELLIN: “A religião popular é um elemento válido na América Latina. Não se pode prescindir dela. Entretanto, impõe-se uma revisão e um estudo para purificá-la de elementos que a tornam inautêntica e para valorizar os elementos positivos, para evitar formas ambíguas, inadequadas”: c. 8,2. PUEBLA: “A piedade popular apresenta aspectos positivos como marcada piedade mariana” (913). “A religião do povo, em sua forma cultural, é expressão da fé católica: é um catolicismo popular. É uma forma ativa com que o povo se evangeliza,” n. 444, 450. “Percebe-se uma enorme reserva de virtudes autenticamente cristãs. Podemos assinalar a presença trinitária, o sentido da Providência, Cristo celebrado na encarnação, crucifixão, na eucaristia, no Sagrado Coração, o amor a Maria. Tem a capacidade de celebrar a fé, capacidade de sofrimento e heroísmo, o culto dos santos e defuntos.” N. 454. . “Apresenta aspectos positivos como: senso do sagrado, disponibilidade para a Palavra de Deus, piedade mariana, capacidade para a oração, amizade, caridade, união familiar, para sofrer, para a resignação, desprendimento” 912. STO. DOMINGO: “Dever-se-á dar especial atenção à piedade popular, que encontra expressão na devoção à Santíssima Virgem, nas peregrinações aos santuários e nas festas religiosas” n. 53. SANTIDADE: “Na Igreja todos são chamados à santidade, que se realiza mediante a imitação do Senhor por amor. Pelo batismo o cristão iniciou sua configuração com Cristo e irá crescendo até a idade perfeita. Cada um procurará a santidade segundo as caraterísticas próprias do seu estado” Medellín 12,1.