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A EMERGÊNCIA DO

NEOGNOSTICISMO NO
PROTESTANTISMO
BRASILEIRO
A R etomada Contemporânea do N eognosticismo 79
Quando se considera a vida de Jesus, o seu jeito de ser humano,
descobrem-se as motivações que o impulsionaram a agir como agiu. O
deserto não é desproposital, a Galiléia dos oprimidos e miseráveis não é
um lugar escolhido por acaso; existe uma opção geográfica que tem signi­
ficado teológico na sua intenção203. Nascer numa estrebaria tem sentido,
contrasta-se com a realeza transitória, seus gestos de amor são carregados
de intencionalidade, suas curas e milagres tomam-se símbolos e sinais
para seu povo. Resgatar tal intensidade de vida toma-se algo extremamen­
te desafiador para o protestantismo brasileiro.
“A revelação do Deus pessoa e criador em Jesus está vazia de significado, a
menos que falemos em termos específicos da vida humana, ministério e missão de
Jesus de Nazaré, o filho humano de José e Maria”204.
A nova humanidade começou em Cristo, rompendo o modelo adâmico
presente na forma de ser gente que os homens apresentavam. Jesus “Deus
de Deus, Deus verdadeiro do Deus verdadeiro, nascido, não feito, da mes­
ma substância do Pai”, conforme expressa o Concilio de Nicéia é também
“verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem”. Somente na sua hu­
manidade, vivida de forma íntegra e integral, a humanidade pode resgatar
o verdadeiro sentido de existir. Viveu como homem, para que como homem
pudéssemos entender o que é ser verdadeiramente humano205.
Em Jesus encontra-se a espiritualidade não fragmentada. Nele a práxis
e a mística não se contradizem, complementam-se. Sua humanidade ensina
o homem a viver plenamente. Aliar esta vivência entre práxis e mística é um
dos grandes desafios dos nossos modelos de espiritualidade atual. O ca­
pítulo seguinte toca numa dessas tensões.
2. Busca de Solução Mágica
O neognosticismo emerge num ambiente histórico plenamente ade­
2113 Sobre o significado teológico da Palestina, ver Terra de Deus, de Palner Robertson,
Cultura Cristã, 1998.
J'“ KIRK, Andrews - id. pg. 199.
205 Cf. Rubio: “Jesus Cristo é o homem sonhado, o hnroma qoe as religiões e as civiliza-
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quado à tendência espiritualizante da sociedade atual. Um número cada
vez maior de pessoas tem procurado redimensionar, em nossos dias, o seu
lado religioso e místico, resultado muito provável da ressacralização do
Ocidente. Mesmo na Europa e na América do Norte secularizadas, que
pouco tempo atrás parecia indicar que a religião vivia seus últimos dias,
vemos brotar uma nova experiência religiosa, como pano de fundo um
cristianismo reinterpretado, as religiões orientais, feitiçarias, religiões ani-
mistas, zenbudismo, meditação transcendental, e a ioga, dando os contor­
nos do movimento que tem sido conhecido por Nova Era. Mudam-se as
vestes, mas brota a questão urgente da religião e de um desejo profundo
de encontrar-se com e, se possível, no sagrado206.
O homem parece não conseguir desvencilhar-se do velho fascínio
pelo evento religioso e mágico. Quando parecia que Deus havia mesmo
morrido e que a religião acabaria, novos deuses e demônios e um novo e
desconhecido fervor religioso invadiu a sociedade que se imaginava
secularizadas
A Revista Newsweek traz em sua capa de Nov. 28,1994, o título “The
Search for the Sacred”, analisando os rumos do sagrado nesta virada do
milênio. Do Wall Street (mundo dos negócios) àBroadway e Hollywood
(mundo artístico), milhões de americanos estão embarcando na procura
do sagrado em suas vidas, “seja pela insatisfação com o mundo material,
ou aborrecido com a vinda do milênio, eles estão procurando trazer nova­
mente a espiritualidade às suas vidas... Parece O.K. usar as palavras com
S: espírito, sagrado, espiritual e pecado”207(Em inglês: spirit, sacred, spi-
ritual, sin). Demonstra ainda que homens do mundo dos negócios e gran­
des desportistas têm participado de “aventuras espirituais”, no desejo de
encontrar um sentido último da razão de existir e dar sentido ao cosmos.
VOcs sob as mais diversas formas idealizaram. É o homem entrevisto pelos poetas e
místicos, o homem que o ser humano gostaria de ser, às vezes... Nele se revela a verdade
ilo homem, aquilo que o homem é chamado a ser, segundo o desígnio divino”. RUBIO, A.
Ilimnt Op. Cit, 1989, pg. 164.
Snliiv i-stc assunto recomendamos a leitura de Austeriducle e Vulnerabilidade, de Maria
i Iiiiii I in lirili Bingemer, São Paulo, Ed. Loyola, 1993.
NCWNWHIíK, Nov. 28, 1994, pg. 52-62.
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A grande tendência que a referida reportagem aponta é para a tentati­
va de sintetizar diferentes tradições religiosas, resgatando elementos mís­
ticos de outras espiritualidades antigas, para encontrar “alguma coisa mais”,
como sugere um professor de Religião da Rutgers University num livro
que lançou recentemente chamado “No meio da estrada podemos resgatar
nossa vida: A coragem de procurar por alguma coisa mais”.Caravanas têm
sido montadas por americanos místicos como Kevin Ryerson, dirigindo
grupos através de “experiências mitológicas” ou do sugestivo título de “a
antiga arte da cura emocional”208.
No Brasil, sob a influência afro-ameríndia, vemos surgir religiões pro­
fundamente esotéricas e mágicas. Estima-se que somente o kardecismo
conte hoje com 6.9 milhões de adeptos209.0 baixo espiritismo, na sua
expressão afro-brasileira, também cresce assustadoramente, influencian­
do inclusive outros países, tanto na América Latina quanto no primeiro
mundo. Segundo Neuza Itioka, protestante estudiosa dos fenômenos reli­
giosos na Cultura Brasileira, esta tendência hoje toma-se quase universal.
“A grande sedução da juventude americana não são as drogas nem a vida “Yup­
pie”, mas, sim, o satanismo, com sua promessa de poder e de controle do destino
por parte do próprio indivíduo. Segundo as estimativas de certos especialistas,
existem, nos Estados Unidos 60 mil satanistas profundamente comprometidos,
praticantes de sacrifícios humanos”210.
O protestantismo, à sua maneira, tem sido influenciado e igualmente
contribuído para a leitura mágica desta nova consciência religiosa. Deter­
minados gestos e posturas, palavras enigmáticas como “tá amarrado!”211,
limbre de voz altissonantee autoritária, tornam- se o referencial da espiri­
tualidade. Mãos erguidas e determinados comportamentos ritualísticos,
quase que mágicos, formas de orar, estilo litúrgico, gestos teatralizados e
determinadas asseverações de contatos diretos com o Espírito Santo,
Idcin, pg. 55, 59.
m “Brasil, o Maior País Espírita” in Veja, 7 de abril dc 1992.
llu ITIOKA, Neuza - A Missão da Igreja e o Confronto com a Opirxsflo íxpiriltial t as
Práticas Demoníacas, in A Missão da Igreja, coord Waldir K Stcuernugcl. Hclo Hori­
zonte, Missão Editora, 1994, pg. 202.
111 GOND1M, Ricardo - O Evangelho da Nova I ra, Mu 1’nuln. Abliu Pnvs.s, 1993, pg. 10.
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desembocando em palavras “proféticas”, “revelações particulares”, são
grandemente valorizados no cotidiano do protestantismo brasileiro. “O
culto se transforma em sessão de alucinação coletiva... O que predomina é
a ausência do equilíbrio”212.
Asmann, ao estudar “a igreja eletrônica” e seu impacto na América
Latina, contribuiu para demonstrar como algumas vertentes gnósticas
podem brotar no meio da comunidade protestante. Um dos apresentado­
res analisados foi R.R.Soares, presidente da Igreja Internacional da Graça
de Deus, como modelo deste estilo mágico de ser igreja. Neste modelo
mágico esotérico, além das lutas contra as religiões afro-brasileiras, fazem
“uso superabundante de objetos e símbolos materiais destinados a curas e
milagres”213.
Assmann aponta para o fato de que a orientação de Soares é encon­
trada no americano T.L. Osbom, que “se destacou por duas coisas: manu­
ais de curandeirismo e exorcismos” e que interpreta a pobreza de forma
ideologizada e mágica: “Deus detesta a pobreza e ele mesmo criou condi -
ções para a prosperidade de seu povo... Quem não sobe na vida, é porque
não se converteu e continua presa dos demônios”214, continua Assmann:
“Temos, pois, aqui a versão mágico-religiosa que “explica” sem nenhuma análi­
se das causas sócio-econômicas da miséria e a razão por que a miséria existe. As
pessoas se recusam a converter-se”215.
Asmann ainda cita que, para continuar no ar durante tantos anos, R.R.
Soares usa bastante criatividade e vivacidade imaginativa no programa,
sem cair na repetição, e por isto, inova-se com o uso dos “objetos curantes”
“Se num programa é a rosa ungida e o sabão abençoado, no próximo será o azeite
do amor, o azeite da rosa, a água orada, etc.”216
*A perda da espiritualidade integral na Igreja Brasileira gerou o dualis
312 MENDONÇA, Antonio Gouveia & VELASQUEZ Fo., Prócoro, Introdução ao Pro
testantismo Brasileiro, São Paulo, ed. Loyola, 1990, pg. 262.
Jl5 ASSMANN, Hugo, A Igreja Eletrônica, Petrópolis, Vozes, 1986, pg. 95, 96.
114 ldem. pg. 95.
Ibidcm. pg. 96.
Ihidcm. pg. 97.
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mo que sacraliza e demoniza todas as coisas para justificar suas preferên­
cias. O resultado é este fascínio imenso pela magia e pelo sobrenatural.
Tudo se explica dentro deste universo do Bem e do Mal< No primeiro
Congresso Nacional da AEVB, realizado em Julho de 94 em Brasília, esta
compreensão estava muito clara para alguns dos conferencistas. Gondim
afirmou: “Continuamos com a visão reducionista, culpando demônios,
príncipes espirituais e poderes infernais, por problemas estruturais que
requerem oração, sim, porém, mais do que isso, requerem também educa­
ção política, consciência de cidadania e militância social”217. Outro a apon­
tar os riscos desta distorção foi Sousa, afirmando que “parece um contra-
senso, e soa como loucura, alguém afirmar que a grande crise de um des­
pertar espiritual é o próprio declínio espiritual”. Contudo, continua, “a
espiritualidade evangélica no Brasil hoje é mantida, em muitos casos, à
base de adrenalina. Os estímulos de que necessitamos para assistir a um
culto ou participar de uma reunião de oração tornam-se cada vez mais
intensos”218.
Cabe ainda a Asmann mais uma importante contribuição neste tema
ao analisar outro programa televisivo brasileiro que demonstra profunda­
mente este apego ao mágico, cujo título é “O despertar da fé”, da Igreja
l Iniversal do Reino de Deus:
“Um tema obsessivo desse programa é a espoliação dos demônios. Há algo novo
na linguagem empregada: Existe uma transferência direta aos demônios da termi­
nologia mais usual na análise das causas sociais. Os demônios exploram, espo­
liam, oprimem, criam problemas de desemprego e enfermidades... Naoração de
conclusão do programa... pede-se que os telespectadores coloquem peças de
roupa e copos de água sobre o televisor para serem abençoados...”219.
Na verdade, o despertar deste elemento mágico tem profundas rela­
taflcs com a mensagem de conhecidos e bem-sucedidos tele-evangelistas
(IONDIM, Ricardo, Evangelização Brasileira: Patologias, Potenciais e Perspectivas,
III A Igreja Evangélica na Virada do Milênio, ed. AMORESE , ktibcm M . lirnalliu.
I imiunicarte, 1994, pg. 85.
SOUSA, Ricardo Barbosa, Redescobrindo o Pai: A Ceiilrnlitltidr ilo Pm na íspiritua-
liitude de Jesus, in, op, citado, pg. 124.
ASSMANN, Hugo - id.pg. 110.
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norte americanos. Um dos grandes mentores desta nova fase gnóstica que
emerge com uma nova roupagem em nossos dias é o do escritor norte
americano, Kenneth Hagin. Suas experiências são tão deslumbrantes e
fantásticas que vale a pena descrever algumas delas aqui .Hagin relata o
caso de uma senhora que “levitou enquanto dançava no espírito” e conta
outro fato de que “uma mulher, ao ouvir sua mensagem, foi arrebatada
congelando-se num estado cataléptico por oito horas e quarenta minu­
tos”220. Este mesmo Hagin teria sido levado por Jesus mais de uma vez
para o céu, e só entre os anos de 1950 e 1959 viu Jesus aparecer-lhe oito
vezes, confirmando seu ministério. Além de ir ao céu, Hagin foi com Jesus
também ao inferno221. Os livros de Hagin têm sido vendidos aos milhares
nas livrarias evangélicas brasileiras, e altíssimo tem sido o número de
pessoas que têm buscado reproduzir suas vivências espiritualistas no
contexto brasileiro.
Citamos Hagin porque, embora americano, seus livros são facilmente
encontrados nas livrarias evangélicas brasileiras, e têm alcançado cifras
surpreendentes de vendas. Noutro livro, afirma:
“Eu disse: em nome de Jesus (você entende, o Nome representa toda a sua
autoridade e poder!) não tenho dor de cabeça. Em nome de Jesus não vou ter dor
de cabeça. E em nome de Jesus...a dor de cabeça saiu... Alguém disse: “Gostaria
que isto funcionasse para mim”. Não funciona por meio do desejo. Funciona por
meio do conhecimento" (Grifo nosso)222.
Curiosamente, não é por acaso que é pela “gnose” (conhecimento)
que tudo funciona. O conhecimento é o primeiro passo e é fundamental
para o fenômeno caracterizado por uma queda súbita, chamada arrebata-
mento. Tal fato acontece logo após a imposição de mãos de um líder
espiritual. Comentando a espiritualidade da “teologia” da prosperidade,
Pierrat afirma:
220 citado por GONDIM, O Evangelho da Nova Era , São Paulo, ed. Abba Press, 1993, pg.
27.
IIAGIN, Kenneth - How Can you Be Led by the Spirit o f God, Los Angeles, ed. Tulsa,
p|m 29-30.
" IIAGIN, Kennet - Em Nome de Jesus, Rio de Janeiro, Graça editorial, 1988, pg. 38.
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“Esta é uma cosmologia alheia à Bíblia, mas muito em voga hoje, tanto nas
religiões primitivas quanto em outras mais sofisticadas”223.
Experiências de arrebatamento, de encontro com anjos, de revelações
e visões têm sido extremamente comuns dentro dos templos evangélicos
brasileiros. Essa ênfase nas coisas sobrenaturais é tão forte que tem deixa­
do assustados até mesmo os “pentecostais históricos”. Assim é que os
pastores Paulo Romeiro e Ricardo Gondim, ambos ligados à Assembléia de
Deus do Brasil (o segundo rompeu com a convenção, mas continua deno­
minando o grupo de igrejas que pastoreia de Assembléia de Deus), foram
os que escreveram os livros mais apaixonantes nos últimos tempos contra
tal tendência. O primeiro escreveu o livro “Supercrentes”, tendo por sub­
título a expressão: “O Evangelho segundo Kenneth, Valnice Milhomens e
os profetas da prosperidade”224, e o segundo, os livros “O Evangelho da
Nova Era” e “Santos em Guerra”225.
Gondim afirma categoricamente: “Uma religião extremamente místi­
ca e supersticiosa. Nela, lugares, objetos, frases pré-elaboradas e pes­
soas têm valores sobrenaturais (...) A Igreja evangélica brasileira mos­
tra-se muito vulnerável a falsas doutrinas (...) às vezes, infantilmente vê-
se repetir heresias já duramente rejeitadas no passado (...) Se algumas
posições aqui expressas parecerem antipáticas ao pentecostalismo pra­
ticado no Brasil, é porque há um pentecostalismo popular brasileiro que
vem sistematicamente ferindo as principais vertentes teológicas e histó­
ricas do cristianismo”226.
Entre os assuntos mais discutidos na atualidade entre os evangélicos
brasileiros, alguns têm sido tão etéreos que, pela ausência de objetivida­
de, jamais poderão desembocar numa ética cristã e que nenhum valor du­
radouro trarão às futuras gerações, exceto na forma de crítica àqueles que
tanto valorizaram tais experiências. Eis alguns deles:
1,1 PIERRAT, Allan B . O Segredo da Espiritualidade da Prosperidade in Kcviatt Vox
Scripturae (Rev. teológica brasileira), Vol. I, no. 2, Sei. 93. pg 146
”* ROMEIRO, Paulo - Supercrentes , S. Paulo, ed. Mundo crimtflo, 1993
GONDIM, Ricardo - O Evangelho da Mira Era, Sito 1’nulo, Alilm Pti v, 1993, Santos
cm Guerra, São Paulo, ed. Abba Pres.s, 1993
"" GONDIM, Ricardo - op. cit. pgs. 7, 9, 10, I I
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♦Arrebatamentos espirituais - Um evangelista, ou pregador, sob um cli­
ma fortemente emocional, aproxima-se de pessoas e, após “um sopro” ou
um movimento de mãos, derruba uma grande quantidade de fiéis, que en­
tram em transe, ficando em êxtase por tempo indefinido, segundo a lideran­
ça dessas Igrejas, “tomadas pelo Espírito de Deus”.
♦Os dentes de ouro - Um fenômeno enigmático no qual as pessoas se
dizem agraciadas com obturações dentárias de ouro. Este fenômeno ocor­
re após reuniões públicas, ou no recesso familiar, e sua origem e significa­
do têm sido razão de muita discussão e crise nos arraiais evangélicos227.
♦Apalavra da fé - Caracterizado pela chamada “confissão positiva”, que é
um título alternativo para a teologia da prosperidade, na qual as pessoas
dizem que, se o crente declarar com fé alguma coisa, isto acontecerá. A
essência dessa “revelação”, que foi dada inicialmente a Hagin, é que o fiel,
para obter resultados da parte de Deus, deve confessar em voz alta seus
pedidos e nunca duvidar que tenham sido respondidos, mesmo que as
evidências físicas não indiquem que a oração foi respondida228. '
♦Teologia da prosperidade - Promessa de saúde perfeita, prosperidade e
triunfo. “Os principais dilemas que a teologia da prosperidade traz à comu­
nidade latino-americana reside na sua percepção gnóstica do conheci­
mento, na sua cristologia, na sua antropologia e na rejeição da igreja como
comunidade empática com o sofrimento humano”229.
Esta mesma tendência parece estar emergindo na Igreja Católica Ro­
mana. Assim se expressa um de seus sacerdotes ao comentar o surto da
nova religiosidade que tem surgido na América Latina: “fome de
magia...Tal vez a liturgia da Igreja Católica tenha se tomado racional de­
mais”230. Ela é descrita também por Judith Mata nos movimentos carismá­
ticos dos Estados Unidos:
121 Sobre este estranho fenômeno foi publicado amplo material com fundamentação
científica na Revista Ultimato. Ver Ultimato, Ano XXVI, no. 223, Julho/93, pg. 29ss.
m Ver ROMEIRO, Paulo - Supercrentes, São Paulo, ed. Mundo Cristão, 1993.
m GONDIM, Ricardo - O Perigo da Teologia da Prosperidade, in Ultimato, Ano XXVI,
no. 220, Janeiro de 93, pg. 20.
Cit. em ABREU, Regina - A D outrina do Santo Daime in Landim Leilah (org ),
A R etomada Contemporânea do N eognosticismo 87
“Na virada do século, as seitas gnósticas têm se tornado uma parte da história
religiosa em nosso próprio país. O mormonismo, tomando homens em deuses, e
a Ciência Cristã, com seus métodos de unidade com a Mente Divina, foram
ambos estabelecidos no século passado. A mitologia do mormonismo e as “leis”
da Ciência Cristã são reflexos diretos do pensamento gnóstico... Há seitas gnósticas
em nossa sociedade hoje, e o movimento Palavra da Fé - a mais nova e disfarçada
de todas as seitas gnósticas que apareceram nos últimos dois séculos”231.
<O protestantismo brasileiro, de forma mais explícita nos movimentos
carismáticos, e de forma sub-reptícia no protestantismo histórico, possui,
a exemplo da cultura brasileira, uma forte atração para o mágico, para o
transcendentalismo, para o subjeti vismo. “Na sua base inferior encon­
tram-se seitas tão diferenciadas quanto às suas origens institucionais ecle-
siais, que só residualmente poderemos considerá-las cristãs. São as seitas
de cura divina, grandes e pequenas, em que é visível o sincretismo com
formas diversificadas de religião”232.'
Boa parte dessa tendência pelo mágico pode ser analisada pela matriz
religiosa do povo brasileiro, que se constitui, fundamentalmente, do ajun­
tamento do catolicismo tradicional ibérico com traços indígenas e africa­
nos com elementos do espiritismo e do catolicismo tridentino como bem
aponta Libânio233. “O sucesso popular da oferta religiosa depende de sua
ressonância nessa matriz. Ora, muitas dessas formas pentecostais explo­
ram precisamente a cura, o exorcismo, a prosperidade material, responden­
do a esses elementos de raiz na alma do povo”234.
Convém ressaltar, contudo, que o cristianismo não despreza o aspec­
to místico em si mesmo, antes possui um forte elemento de apelo na área
mística. Como negar as experiências místicas de Paulo, desde sua conver­
são (At 9.1 ss), até o arrebatamento espiritual de 2 Co 12.1-4? Iiste, pela
sua característica, foi tão marcante que ele sequer quis relatar o que viu c
Sinais dos Tempos: Tradições Religiosas no Brusíl, Cadernos do Isa, |9H'í, p(’s 121
124, pg. 137.
231 MATA, Judith A., The Bom Agaln Jesus oj lhe Woiil lenclilnn. lilllciliin t'n Spuil ol
Truth Faith Teaching, 1984, pgs. 21. 22, 2.*>
2,2 MENDONÇA & VELASQUEZ l-o (1990) op, c il pji 2/1.274
1,3Cf. LIBÂNIO. J. B., Em Busca ,lo Sagnulo. Silo hmlo. I II), 1991, p( /K
23<LIBÂNIO, J.B., Idem, 1991, pg. 78
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sentiu ao vivenciá-lo. Agostinho é outro conhecido místico que se tomou
um dos grandes pais da Igreja. Um forte espírito místico estava presente
em Lutero, Jonathan Edwards, John Wesley, T.S. Eliot, C.S. Lewis e outros
tantos protestantes. Dentro da Igreja católica, temos relatos de santos
místicos com profunda vivência espiritual, entre eles, Santa Tereza de Ávila,
João da Cruz e Inácio de Loyola. “O elemento místico está na natureza do
cristianismo”235. “A concepção de Deus e a concepção do homem são
dois problemas solidários”236.
Teologia mística deve ser entendida como toda possibilidade espiritu­
al de uma comunicação com a graça, poder e amor de Deus, e que pode
preencher totalmente a vida quando se toca sua fonte. Dado que Deus é
estritamente inefável e por natureza inteiramente diferente de nós, o místi­
co buscará este mistério como ápice de seu desejo. A mística teológica
cristã estabelece o mistério de Deus em Cristo como o coração desta expe­
riência. Na teologia protestante isso é chamado “União mística com Cris­
to”, na qual o ser humano finito e transitório é tocado pelo infinito e
eterno. E bom lembrar, contudo, que “conceitos como estes só são inteli­
gíveis à luz da fé.”237
O misticismo ocupa lugar de destaque nas teologias católicas e pro­
testantes, apesar de traços bem distintos como bem aponta Mendonça &
Velasquez Fo238. “Os místicos católicos nunca vão além de si mesmos; o
235 Para melhor compreensão deste assunto, recomendamos a leitura do seguinte material:
1. The P rotestant m ystics , an anthology of spiritual experience from Martin Luther to
T.S.Eliot, - Anne Fremantle & outros, Boston, Little Brown and Co., 1964. 2. Misticism
and Theology, Geofrey Chapman, N. York Illtyd; Trethovan, 1975; 3. BONAVENTU-
RA, Leon, Psicologia e Vida Mística, Petrópolis, ed. Vozes, 1975.
25'’ BONAVENTURA, Leon - Psicologia e Vida Mística, Petrópolis, 1975, pg. 25.
2,7 CHAPMAN, Geofrey - Mysticism and Theology, Nova York, Illtyd; Trethovan, 1975,
pg. 79.
238 A diferença certamente tem a ver com as ênfases de visão subjacentes nas comunidades.
O protestantismo tende mais para o individualismo que o catolicismo, com seu conceito
de um poder central em Roma. No protestantismo não existe uma unidade orgânica; parte
disto provém da ênfase no livre exame das Escrituras que tem se tomado cada vez mais
livre interpretação, à luz da consciência individual e de distintas aspirações espirituais,
Ira/cndo compreensões conflitivas da fé, e a tendência ao sectarismo. A Igreja Católica
|inviui uma estrutura hierárquica definida e uma unidade central reinvidicadora da infalibi-
lliliulr () que sustenta a sua unidade não é o rito, nem mesmo a uniformidade de idéias.
A R etomada Contemporânea do N eognosticismo 89
cultivo especial e relativamente independente da vida religiosa não os
leva a uma ruptura institucional. Ao contrário, nutrem-se da Igreja e são
tidos como inspiração para os fiéis comuns. Underhill aponta para o fato
de que, historicamente, quando a Igreja tendia a uma atitude de negligên­
cia espiritual, tomando-se uma instituição mais ritualista e sacramental em
detrimento da experiência pessoal, o movimento monástico surgia para
apontar um estilo de vida de submissão e encontro com Deus239.0 misti­
cismo, enquanto tal, não se institucionaliza. No protestantismo, ao contrá­
rio, a continuidade foi quebrada...240 O misticismo protestante é a marca
de sua instabilidade emocional, ao passo que o misticismo católico geral­
mente é o caminho de sua revitalização”241.
O misticismo tem, no protestantismo, o poder de romper com as estru­
turas engessadas e paralisantes, e apontar para novas opções. Na Améri-

Fiéis com idéias distintas podem trabalhar juntos e cooperar numa mesma paróquia.
Fee, numa recente publicação, afirma que esta liberdade sem limites é uma manifes­
tação gnóstica em nossos dias, pois os gnósticos, acreditando numa manifestação especial
de Jesus para revelar novos segredos ao seu povo, questiona o poder central dos bispos, e
estabelecia sua nova forma de perceber o cristianismo. Para Fee, tal atitude tem gerado as
seguintes conseqüências:
1. Do evento santo ( A história bíblica) para uma iluminação privada (revelações
especiais);
2. Narcisismo: Do espírito comunitário para um self interior. A religião passa a ser
mito-orientada por uma mente autônoma, que apreende o conhecimento levando a pes­
soa a rejeitar a Igreja;
3. Elitismo: De muitos para poucos. Quando o self efetivamente torna-se o centro da
Hlividade de Deus no mundo, passando a ser santo, à parte de pessoas comuns. É o self-
11uminado. Enquanto a Igreja Primitiva rejeitava todo o elitismo para colocar tantos
quantos possíveis sob sua tutela, o gnosticismo buscava a gnose superior;
4. Sincretismo: Do específico para o nebuloso - Os gnósticos não aceitavam se ater
ii palavra dos apóstolos. Por ex. podiam até aceitar o evento da encarnação, desde que tal
Inlerpretação pudesse ser alegorizada ou comportasse várias idéias. Estavam sempre
nhertos a novos conceitos, ainda que tais conceitos fossem nebulosos ou mesmo opostos,
(M’mndo, por isso, um constante sincretismo. FEE, Philip - Against the Protestam Gnos
Iti w, New York, Oxford University Press, 1987, pgs. 83-185.
,w UNDERHILL, Evelyn, Ariel Press, Geórgia, 1992, pg. 251
I,11 Seholem faz uma síntese deste pensamento dizendo que "lodo misticlimo tem duas
vmientes contraditórias ou complementares: Uma conservadora, outra revolucionária,
i li por McGINN, Bernard , The Roots o f Mysticism, New York, CrosNiouds, 1994, pg.
II.1
111 MHNDONCA & VELASQUEZ Fo. op dl (1990) pg, 2.17 c 239
90 0 I mpério (G nóstico) Contra -ataca
ca Latina, o misticismo rompe com as igrejas estruturalmente organizadas
e se revitaliza no imediatismo inerente que ele busca no sagrado242. Rompe
com os modelos religiosos importados e busca novas opções litúrgicas c
expressões simbólicas de fé, encharcadas pela cultura na qual encontra-se
inserido. “O misticismo no seu sentido amplo e genérico, e sociologica­
mente considerado, é uma criação marginal da institucionalização do dis
curso e do rito religioso”243. Este é o lado positivo do misticismo. Aconte
ce que este modelo também se toma presa novamente das camadas domi
nantes, e do discurso da dominação e da exploração.
Mendonça afirma:
“A primeira idéia do misticismo é que ele parece conduzir à fuga da vida, pela
inversão do sagrado, mas a questão pode ser vista pelo ângulo da inversão, isto
é, verdadeira. Neste sentido, misticismo é um resgate...”244 Maior intimidade
com o Sagrado e quebra das instituições, destruição do excesso de ideologização
religiosa, sendo assim um componente necessário da religiosidade dominada e da
marginalização e massa pobre que tende a crescer na sociedade industrializada245.
Por outro lado, nem todo misticismo, ainda que aconteça sob o cená
rio do cristianismo, indica espiritualidade cristã; há diversos tipos de mis
ticismo que não possuem conteúdo cristão ou são até mesmo anticristãos.
O gnosticismo é um exemplo claro na história cristã de erros como estes.
Outro exemplo contemporâneo é o misticismo religioso com certo tempero
budista que tem se tornado a base de uma filosofia popular e que é expio
rado nas artes populares, cujo conteúdo é completamente anticristão:4(’.
Nele não existe a oração, apenas a reflexão. Não se busca o contato
245 Eliade chama o misticismo de “superposição de sagrado ao profano”, e de “santificação
de vida”, sendo portanto, uma revitalização de vida, uma nova forma de perceber a
existência humana. ELIADE, Mircea, O Sagrado e o Profano, Lisboa, ed. Livros do
Brasil, s/ data, pg. 175.
241 MENDONÇA & VELASQUEZ Fo. id (1990).pg. 244.
244 MENDONÇA, A. Gouveia - A Volta do Sagrado Selvagem -M isticism o e Êxtase no
Protestantismo do Brasil, in Religiosidade Popular e Misticismo no Brasil, S. Paulo-SI’
ed. Paulinas, 1984, pg. 14.
245 MENDONÇA, A. Gouveia, 1984, pg. 19.
246 Para uma melhor compreensão deste assunto, recomendamos as seguintes leituras
JONES, Peter, 1992, op. citado; LEE, Philips, op. ct. 1987; BLOOM, Harold, The Fligln
to Lucifer: A Gnostic Fantasy, New York, Farrar, Straus & Groux, 1979.
/\ R etomada Contemporânea do N eognosticismo 91
com o Deus soberano, mas com o deus que está dentro de si. A pessoa se
li >ina um semideus, ou um pequeno Deus. “Você não tem um Deus moran­
do dentro de você. Você é um Deus. Eu sou uma exata réplica de Deus”247.
() misticismo só é cristão quando se centraliza na objetividade histórica de
Ifsus de Nazaré e na mística pessoal deste Deus encarnado. Caims, co-
mentando o misticismo gnóstico, comparando-o com o cristianismo, diz:
"A Bíblia propõe um misticismo ético e espiritual, no qual o indivíduo se
relaciona com Deus através de sua identificação com Cristo e a atuação do Espí­
rito Santo”248.
' Iiste misticismo autenticamente cristão raramente pode ser percebido
nos movimentos místicos que convivem com a espiritualidade protestante
hmsileira. Isto não invalida o aspecto místico em si; pelo contrário, deve
desafi ar a compreensão moderna, e os modelos eclesiais presentes a ten-
liii entender e responder ao homem na sua sede do sagrado. Bingemer,
mim artigo sobre “A Sedução do Sagrado”, ao analisar este aspecto mági-
i o que fascina a religiosidade popular brasileira, aponta para a tradição
Ilíbliea da experiência do Sagrado, afirmando que este Sagrado é percebi-
ili i "enquanto experiência do desejo e da sedução”.KAfirma ainda que “A
fHperiência mística cristã, tão suspeita nos ‘seculares’ tempos modernos,
dr componentes patológicos e doentios, constitui, ao contrário, experiên-
i i.i de salvação no sentido mais profundo do termo, ou seja, de salvação
1‘iilendida como saúde, do corpo e do espírito”249.
Resgatar a experiência mística cristã constitui-se num grande desafio
I m m a Igreja, mesmo porque o ser humano é carregado da possibilidade do
mihivnatural e do desejo pelo místico. De certa forma o sagrado atrai por
'ii i um dado novo, por ser um elemento que vai além da pessoa em si
mesma. \i possível sempre constatar no cerne do espírito a questão da
n li^iosidade e de um sentido que encontra-se além dele mesmo. Bingemer
l 'llnyAo feita por GONDIM, Ricardo - op. cit. pg. 83.
"" • AIKNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos, Süo Paulo, cd. Vida Nova, 1984,
|'D N
l! IIINCIHMER, Maria Clara L. , “A Sedução do Sagrado'' iu Kcvislu RcllgiAo e Socieda-
lll INHK. 16/1-2, Nov. 1992, pg. 84.
92 0 I mpério (G nóstico) Contra -ataca
questiona o fato da Igreja não reservar uma discussão mais ampla com a
questão dos místicos, levantando três pontos:
1. Haveremos perdido a capacidade de seduzir? De acionar o potenci­
al sedutor de nossa mensagem bíblica, teológica, eclesial que é a Boa
Nova, Boa Notícia de Salvação?
2. Nestes últimos tempos de modernidade, o que fizemos nós, cris­
tãos, dos nossos místicos?
3. Por que haverá desaparecido do cristianismo e de suas igrejas tradi­
cionais a figura do Mestre Espiritual, do mistagogo, daquele que inicia e
conduz para a experiência do mistério divino?250
Estabelecer uma clara divisão entre o misticismo patológico e o saudá­
vel não é fácil tarefa, assim como não é fácil estabelecer uma diferença
entre o misticismo gnóstico e o cristão. Afinal, as linhas entre sanidade e
loucura são muito tênues, assim como o limite entre o sagrado e o profano,
entre a doença e a saúde. Esta é razão pela qual santos são tão facilmente
confundidos com fanáticos e fanáticos com santos. Helderman declara:
“Devemos estar conscientes também para o fato de que uma clara linha de divisão
entre gnosticismo e mistério não pode ser facilmente estabelecida, porque, a
despeito das importantes diferenças, o fenômeno religioso tem muita coisa em
comum”251.
O misticismo pode ter várias origens e brotar até mesmo como conse­
qüência do uso de drogas e estimulantes. Esta é a razão pela qual os
sábios e encantadores do Egito eram capazes de reproduzir os feitos de
Moisés por meio da prestidigitação e da magia. O texto sagrado diz que
fizeram também o mesmo com suas ciências ocultas (Ex 7.11). Os atos
miraculosos de Deus, os quais estavam fundamentados numa intervenção
de Iavé, foram imitados por místicos antagônicos a Iavé. Hulme dá algu­
mas sugestões extremamente importantes para que compreendamos o fe­
nômeno do misticismo:
250 BINGEMER, Maria Clara L„ Idem.pg. 84.
2,1 HELDERMAN, Jan - Isis as Plane in the Gospel o f Truth, in Gnosis and Gnosticism,
1’upers read at the Light at the Eight International Conference on Patristic Studies,
I elden, E. J. Brill, 1981, pg. 42 . Editor responsável, Martin Krause.
A R etomada Contemporânea do N eognosticismo 93
“Há místicos irreligiosos ou profanos, assim como místicos religiosos. Aldous
Huxley produziu o que ele interpretou como uma experiência mística com a droga
estimulante (“peyote”). A singularidade do misticismo religioso reside simples­
mente no uso religioso do misticismo e não no próprio misticismo. A posse de
poderes clari videntes e telepáticos tem sido associada com a atividade religiosa
ou até mesmo profética. Hoje, tais fenômenos são reconhecidos como percepções
extra-sensoriais, que alguns possuem e outros não. Embora Deus possa usar estas
faculdades sensoriais para realizar seus propósitos, como talvez tenha feito com
alguns dos profetas de Israel.”232
Apesar de os profetas de Israel não serem identificados como místi­
cos, eram vistos como os “porta-vozes” de Deus para seu tempo e pesso-
,is que traziam revelações de Iawé. Contudo, as manifestações proféticas
genuínas são sempre ameaçadas pelos pseudo-profetas, que muitas vezes
recebiam sua influência direta de Baal: Nos profetas de Samaria bem vi
loucura, profetizavam da parte de Baal efaziam errar o meu povo Israel
(Jr 23.13); outras vezes a influência não era de forças espirituais, mas
,ipenas de seus próprios corações \falam as visões de seus próprios cora-
(ãcs (Jr 23.16). A experiência profética de Israel demonstra que muitas das
experiências tidas porum misticismo relacionado a Iavé eram contrárias ao
(Tiiuíno encontro Iavé-Israel.
•Ao contrário da experiência dos místicos atuais, os profetas de Iavé
no Antigo Testamento eram homens profundamente inseridos no seu tem-
p n O misticismo no protestantismo brasileiro tem gerado um distancia-
inento de seu povo e de sua história) O que diferencia basicamente o
misticismo atual e o dos profetas é que estes estavam comprometidos com
1 1listória, ao passo que os atuais têm se alienado da mesma.
Cavalcante dá três sugestões para resgatar a espiritualidade madura:
I I'rática da adoração, que inclua a contemplação, a meditação e a oração;
IVática de reflexão, que inclua o emprego do instrumental filosófico e
científico;
1,1 HULME, William E., Dinâmica da Santificação, São Leopoldo, ed. Sinodal, 1981, 2a.
■d pu 94.
I) profeta é, de algum modo, por definição, “profeta da desgraça”, porque é aquele que
ii'pn'i'iidc ao rei e ao povo infiéis”. D1ETR1CH, Suzan, Os Desígnios de Deus, Loyola.
IM77, pit. 91.
94 0 I mpério (G nóstico) Contra -ataca
3. Prática da ação, que envolva presença, militância política, engajamento
na construção do reino de Deus254.
O resultado do misticismo atual reflete-se na conceituação e na prá­
xis. No campo conceituai, explica-se tudo na perspectiva da satanização
dos processos históricos. Esquerda e direita são vistos numa divisão
sacral: “demonização de qualquer coisa que cheirasse a comprometi­
mento missionário com as estruturas seculares”255. Perde-se a capaci­
dade de análise porque o pensamento só tem categorias de análises que
giram em torno do mágico e do sobrenatural. O natural explica-se a partir
do sobrenatural. A práxis reflete este drama conceituai. Lutas com de­
mônios e seres espirituais são realizadas no campo do espiritual, e não
no campo do sociológico ou político.
Os gnósticos tinham um conhecimento esotérico, com base em ritos
sagrados, em um corpo de doutrinas sincrético. Através de tais misturas
esperavam encontrar a salvação. Apesar da mensagem apostólica deixar
clara a união da natureza com o Deus que se humaniza, assume corporei-
dade e se deixa tocar, os gnósticos insistiam numa mensagem desconec-
tada de sua realidade histórica. Não parece ser diferente a ênfase gnós-
tica ainda hoje.
A busca do encontro com Deus precisa ir além da experiência sensí­
vel da fé. Não basta crer em Deus, é necessário prová-lo, senti-lo, expe­
rimentá-lo. Não basta ter convicções sobre determinados dogmas e pres­
supostos cristãos, é necessário entrar no êxtase da fé. Na experiência
extática é que o adorador experimenta Deus não mediatizado, recebendo
as verdades diretamente de Deus. O ambiente emotivo do culto vai de­
terminar se Deus estava presente ou não, as músicas devem conduzir o
adorador a um forte componente emocional criando o ambiente para que
a experiência de Deus aconteça. A fé só tem validade quando for auten­
ticada pelo crivo da emotividade.
254 CAVALCANTE, Robinson - A Espiritualidade na Pós-modernidade, in Revista Ulti­
mato, Ano XXVI, no. 220, pg. 25.
25!i CAVALCANTE, Robinson - A Espiritualidade na Pós-modernidade, in Revista Ulti­
mato, Ano XXVI, no. 220, pg. 25.
/\ R etomada Contemporânea do N eognosticismo 95
“Elevando-se acima dos impecilhos de um mundo sensório-temporal e imedi­
ato com o Espírito divino... Em vez de pensarem em Deus ou mesmo a respeito
de Deus, preferem pensar Deus, cobiçando o Deus manifesto à parte da sua
criação”256.
Este tipo de espiritualidade é bastante atraente, pois retira o homem
da área de julgamento e da crítica e o faz mergulhar nas dimensões “mais
profundas” de sua subjetividade, que é sempre lida sob o respaldo da obra
de Deus, das revelações que ele dá... uma sedução fortíssima. Comunida­
des inteiras vivem em torno dos oráculos e das palavras proféticas ou
rxperiências arrebatadoras que devem acontecer com intensidade cada
ve/, maior em todos os domingos. Profetisas e líderes carismáticos dão o
contorno das experiências. A pessoa se alimenta não da leitura das Escri-
Iliras, mas das profecias diretas que são dadas a cada culto público ou nas
reuniões de oração.
Há nestas experiências místicas, não traços místicos do cristianis­
mo, antes, da religiosidade “luciférica”, que entre outras coisas é carac-
Icrizadapor
“Um espiritualista sensacionalista que busca sinais e prodígios sob holofotes,
para então tirar uma oferta visando sustentar ministérios megalomaníacos e o
estilo nababesco de pregadores”257
Como o fascínio pelo mágico é a tônica das reuniões, tais experiên-
i ias deixam pouco espaço para a reflexão, trazendo profundos efeitos
sobre a ética cristã e a práxis comunitária. Na verdade, a ética cristã tem
sofrido de forma direta neste modelo de protestantismo. Toma-se difícil
distinguir ou mesmo pensar numa espiritualidade que assuma contor­
nos históricos e concretos.
As expressões de amor-serviço são sacrificadas no altar das experiên-
i ias extáticas. A leitura bíblica é fracionada e lida para justificar suas pers-
prciivas ideológicas. Um exemplo clássico é o que se refere aos dons
espirituais que são descritos em Romanos 12,1 Coríntios 12eEfésios4.
1 111II ME, op. cit. pg. 67.
NII,VA, Osmar Ludovico, Afinal, quem é Lúcifer, in revista Ultimato, Ano XXVI. no
>)>. Maio de 93, pg. 20.
96 0 I mpério (G nóstico) Contra -ataca
Ali os escritores neotestamentários descrevem pelo menos vinte dons
que Deus concede à Igreja. Alguns dons estão relacionados ao serviço,
como: ensino, misericórdia, diaconia e liberalidade. Outros, ligados a ma­
nifestações mais carismáticas: dons de línguas, curas, discernimento de
espíritos, etc. Os dons de serviço têm sido sistematicamente omitidos, ao
passo que os dons de sinais ou manifestações são anunciados e busca­
dos como se preenchessem toda a visão das Escrituras sobre este assun­
to. Por que a omissão? É que estes dons relacionam-se a experiências
extáticas, enquanto os outros relacionam-se a práxis comunitária: serviço,
misericórdia e liberalidade. Aqueles relacionam-se com a experiência caris­
mática da fé, gerando êxtase, ao passo que estes tratam da experiência
comunitária de serviço e doação.
Esta religiosidade desencarnada busca atingir a pura espiritualidade
penetrando os mistérios de Deus por novas revelações que são dadas aos
profetas. O fundamento deixa de ser bíblico e apostólico, para ser a expe­
riência individual, fugindo da tradicional leitura que o protestantismo fez
da Bíblia à luz da História:
“Os reformadores protestantes do século XVI lutaram, e alguns até morreram,
para guardar o cristianismo das invasões teológicas subjetivas, semelhantes às de
Hagin. Eles asseveravam sua fume convicção de que somente a revelação objetiva
das Escrituras servia de base para a fé”238.
Na leitura da Bíblia, busca-se a espiritualização de seu conteúdo, que
passa a ser lido no cenário único das batalhas espirituais, dentro de uma
cosmogonia repleta de entes espirituais, onde se exorcizam demônios da
“gagueira”, “do cuspe” até mesmo com arruda e sal grosso, como propa­
gandeava uma faixa anunciando a inauguração de uma nova filial da Uni­
versal do Reino de Deus em Laranjeiras, bairro da cidade do Rio de Janeiro.
Isso gera uma espiritualidade que levanta muito as mãos para os céus
e raramente as estende ao próximo. Línguas estranhas (glossolalia) assu­
mem importância maior que a linguagem de amore edificação. Fenômenos
extáticos assumem espaços cada vez mais significativos na adoração bra­
(il)NDIM, Ricardo - op. cit. pg. 33.
A R etomada Contemporânea do N eognosticismo 97
sileira, substitui-se o profetismo pela vidência. “Em lugar da pesquisa,
temos oráculos”259.0 sentimento, oriundo do pietismo, é significativa­
mente marcado por efusões místicas apelando para o contato imediato,
extrasensorial, supranaturalístico, no qual não existe a possibilidade de
crítica àquele que se auto-intitula de “o ungido”, ou “o profeta”, uma vez
que tal experiência é extremamente solitária e subjetiva.
Alguns movimentos “evangélicos” no Brasil são tão ansiosos pelo
mágico que trazem traços de desequilíbrio psíquico, como a antiga seita
dos muckers, que se tomou tema do filme de Jorge Bodanski e Wolf Ganer,
apresentado no VII festival do cinema de Gramado de 22 a 26 de janeiro de
79. Esta seita “protestante” foi liderada por Jacobina Mentz, filha de imi­
grantes alemães, de origem anabatista, uma mulher de 32 anos, introverti­
da e solitária que sofria crises de catalepsia e insônias, praticava o curan-
deirismo e que, cheia de visões e revelações (traços mágicos), anunciava
» fim do mundo como evento bem próximo, a ponto de aconselhar os pais
a não enviarem seus filhos à escola. Esta seita foi esmagada pelo batalhão
do coronel Sampaio, herói da guerra do Paraguai, que morreu numa das
lulas com os fanáticos.
Atitudes visionárias e apocalipsistas como estas têm sido demasiada­
mente freqüentes nos meios mais exagerados do protestantismo brasilei-
lo. Pessoas que resolvem suas questões consultando jacobinas repletas
de visões e revelações, muitas vezes fruto de um desequilíbrio mental,
alucinações, megalomanias, realidades profundamente subjetivas, que não
permitem o questionamento e a discussão; porque, quem teve um contato
eom o Ser Supremo não deve ser censurado. Afinal, como questionar as
iilucinações de alguém possuído de “visões celestiais”? “Neste contexto,
o discurso ético é esvaziado porque não existe espaço para a discussão da
\ ei dade moral, pois a decisão recai sempre sobre uma revelação, e não
Niihre o bom senso”260.
"" KOUINSON, Cavalcanti - Libertação e Sexualidade, São Paulo, Temática publicações,
luua. pg i7.
..l*'ARAUJO Fo., Caio Fábio - Igreja, Crescimento Integral, Niterói, Vinde editora,
l'W\ |>K 57.
98 0 I mpério (G nóstico) Contra -ataca
Cresce cada vez mais, face a essas atitudes sincréticas na religiosida­
de popular brasileira, o número de artigos e livros sendo escritos para
alertar sobre este misticismo261. Um dos apologetas protestantes mais res­
peitados em nossos dias é o já falecido Francis Schaeffer, que, embora não
sendo brasileiro, adverte sobre os riscos da superespiritualidade:
“Nós estamos no meio de uma luta titânica entre a falsa espiritualidade e a fé
cristã equilibrada”262.
O autor chama de superespiritualidade a tendência de se desprezar o
intelecto, a apologia, o corpo e a cultura, para dar ênfase ao espetacular e
ao extraordinário. Uma das características sempre presentes nesta supe­
respiritualidade é a incapacidade de se relacionar de forma madura e pro­
funda com o seu tempo e de resgatar outros elementos presentes na espi­
ritualidade de Jesus conforme descreve o Evangelho. A Bíblia fala de
ressurreição depois de referir-se à morte, fala de Pentecoste depois de
descrever as experiências de fracasso da Igreja, fala de ascensão depois
de falar da encarnação. Não há espaço para uma vida sem desafios, nem
para o triunfalismo ingênuo.
Nesta hermenêutica gnóstica não existe lugar para a crucificação,
apenas para o Pentecostes. Esquecem, porém, que não existe Pentecos-
tes sem o Getsêmani, e que, ainda que dolorosa a crucificação do velho
homem, esta é a única possibilidade de se revestir do novo em Cristo (El
4.24; Cl 3.10).
Para a mentalidade gnóstica, o natural não pode unir-se ao sobrenatu
ral; logo não há teologia encamacionista. “O fechamento do protestante
para o mundo, o seu cultivo individual da vida religiosa, seu apego solitá­
rio à Bíblia e a mística contemplação do Crucificado fazem do pietismo
261 A revista Ultimato tem publicado uma série de artigos sobre a espiritualidade do
Protestantismo Brasileiro. Ver Sinais e Prodígios, set. 92, pg. 14; O Perigo da Profecia,
ian. 93, pg. 21; Riscos de Distorção em Tempos de Avivamentos, no. 194, pg. 19; Mágica
e M ilagre, Junho 90, pg. 7; A Espiritualidade da Pós-M odernidade, Julho 94, pg. 24;
Milagrofobia, Maio 93, pg. 12; e. Os Perigos da Religiosidade Popular Brasileira, nov.
93, pg. 21.
"" Citado in Ultimato, in Riscos de Distorção em Tempos de Avivamento, Ano XII. no
l*M, pg, IX.
A R etomada Contemporânea do N eognosticismo 99
protestante, e quase do protestantismo em geral, um monasticismo secu­
lar”263. A ética, como veremos adiante, sofre um profundo esvaziamento
nos seus conteúdos cristãos básicos, porque a espiritualidade cristã não
se manifesta à margem da história, no diálogo com os anjos, mas dentro
dela, no meio das tentações e pressões que este viver gera em nós.
Por esta razão, o conceito de vocação (beruf), entendido por Lutero
no sentido de que o homem é chamado para desempenhar sua consciência
cristã na sociedade, toma-se desvalorizado. A sacralidade e até mesmo a
sacramentalidade do irmão e do amor-serviço tem perdido esta dimensão
lão carregada de sentido que é encontrada nos Evangelhos e nas tradi­
ções cristãs. A obra de Lutero de votis monasticis, que faz uma forte
crítica à vida monástica de seu tempo, encontraria forte oposição hoje nos
meios radicais do protestantismo brasileiro. Isto porque, embora a atitude
atual não seja a apologia do retomo à vida monástica, defendem-se e
valorizam-se atitudes monásticas em detrimento de outros aspectos igual­
mente significativos da fé cristã.
Cruzadas contra a fome, contra a injustiça social, contra a corrupção,
seriam hoje impensadas na ética protestante, enquanto que cruzadas con-
li u o demônio, contra a quebra de maldição hereditária e batalhas espiritu-
nis são amplamente defendidas, assim como o são os retiros para a santi-
Iu ação, “sempre pensando santificação como atos de introspecção”, ja­
mais como compromisso de vida com o sofrimento do outro. Tais princípi-
iis não são explicitamente recusados, mas são minimizados.
"A atual obsessão cristã com os seres extra-humanos parece nos levar de volta
a uma cosmovisão em que o mundo deixou de ser o lar do ser humano e este,
mesmo sendo cristão fiel, pode ser atropelado no seu discipulado pela proximi­
dade de algum objeto portador de uma presença satânica ou pelos efeitos de
tilguma atividade religiosa não cristã por parte de um antepassado. Tal obses­
são diminui o lugar do ser humano na cosmovisão bíblica, minimiza a obra de
( 'l isto na vida do cristão e desvia o interesse e energias de outras finalidades do
Keinode Deus.”264
1,1 MKNIKJNÇA, Antonio G. - O Celeste Porvir, São Paulo, ed. Paulinas, 1984, pg. 240
1 1'KI'STON, Paul - Fé Bíblica e Crise Brasileira, São Paulo, ed. ABU, la. edição, 1992,
ii-i
100 0 I mpério (G nóstico) Contra -ataca
O gnosticismo foi incorporado à espiritualidade cristã pela escola
de Alexandria, segundo Goffi e Secondin265. O ápice da gnose seria
exatamente a contemplação, e em último grau a apatheia (controle com­
pleto das próprias paixões e desejos). O gnosticismo buscava esta expe­
riência espiritualizante do pleroma supracósmico que certamente não
acontecia na alteridade entre pessoas, mas com os poderes e forças do
mundo vindouro.
Até mesmo na exposição das Escrituras toma-se clara a opção pela
mística. Textos que enfatizem fenômenos teofânicos, visões, seres angeli­
cais, demônios e intervenção das potestades e príncipes do ar são criteri­
osamente selecionados. Textos da espiritualidade paulina que tratam de
tais realidades são preferidos. Paralelamente, omitem-se ou alegorizam-se
textos que reflitam as questões tensivas do mundo concreto e da práxis
cristã (O Livro de Amós lida com a questão da opressão do pobre, o
sistema injusto de distribuição de rendas e a religiosidade sem conver­
são). Raras vezes se ouvem sermões a partir dos profetas menores, que
critiquem sistemas corruptos ou tratem da questão dos sistemas econômi
cos opressivos, e dos principados e potestades, que se tornam verdadei
ramente demoníacos no tempo presente (Apesar do livro de Naum ter sido
escrito exclusivamente contra o totalitarismo da cidade de Nínive). A lula
de Jesus contra o sistema que massacrava os pobres da Galiléia e da Ju
déia, a rejeição que ele sofreu dos poderosos não têm sido analisados,
provavelmente porque a visão das Escrituras já sofreu uma deformação
metodológica tão grave que não tem possibilitado uma leitura aberta, pro
fética e crítica dos textos sagrados266.
265 GOFFI, Túlio & Outros - Problemas e Perspectivas da Espiritualidade, São Paulo, cd
Loyola, 1992, pg. 72.
M Mueller descreve com muita propriedade a relação entre a autêntica hermenêutica c a
missão da Igreja: “Em relação à missão, o problema é de fato um certo reducionismo c|ii«-
vê nos outros pouco mais que almas a serem salvas... E tarefa da teologia tirar as eonsi-
qüências da redenção em Cristo para todo o universo criado por Deus, pois esta é, nada
menos. o alcance desta redenção”. MUELLER, Enio R., Interpretação da Bíblia e Missão
Integral da Igreja, in A Missão da Igreja, Belo Horizonte, ed. Missão, 1994, pg. 55. Mar
adiante, Mueller aponta: "É fundamental que voltemos de novo a ler a Bíblia como um
lodo... É tarefa da leitura bíblica para o futuro, então, decifrar essas intuições captadas un
A R etomada Contemporânea do N eognosticismo 101

Assim procedendo, não se consegue conciliar o equilíbrio da espiritu­


alidade bíblica que caminha com uma madura linha mística e uma forte e
saudável práxis, sinal de Deus e manifestação da fé. A mensagem dos
profetas era clara, gritava contra a opressão, indignava-se com a religião
separada da justiça (Os 8.13, Am 5.15; 21 -25; Mq 6.6-8; Is 58 e 59 e Pv
21.3). Na mensagem profética não se admitia oração daqueles que viviam
na prática da injustiça a menos que tal questão fosse solucionada (Is
15.17). Não se admitia louvor sem que fosse o corolário da justiça e do
juízo (Am 5.23-24). Não se admitiam sacrifícios e ofertas pacíficas quando
não fossem sinais de uma experiência de conversão que se refletia na
práxis (Am 4.5). Justiça e oração são, na perspectiva veterotestamentária,
realidades complementares, uma vez que expressões de justiça são mani­
festações históricas de um povo que crê num Deus de justiça e que assim
age paraestabecê-la.
IO nosso protestantismo gnóstico ignora ainda o fato de que a união
mística com Cristo, que é a espinha dorsal da espiritualidade paulina, não
despreza, antes se compromete com os motivos da ética cristã.
A mesma perspectiva se abre em João, para quem conhecer não é um
suber csotérico-gnóstico, mas algo profundamente concreto que só é per-
i eptível na relação de comunhão e no amor que se revela no servir, de tal
li ii ma que não se pode amar ao Deus a quem não se vê, se não se ama a
i|iiom se vê (práxis). Afirma Goffi ainda:
"Aespiritualidade joanina é a resposta ao Kerigma do amor de Deus pelo mundo;
íi essência dessa resposta é o amor em termos absolutos”267.
A espiritualidade cristã não pode ser gnóstica, porque possui concre-
Inde no viver. Conhecer Cristo através do amor é mais importante que
i iinhcccr doutrinas sobre Cristo. No nosso escopo teológico, termos he-
ln nleos como Yashar e tsedeq e grego como dikaiosunai não têm sido
i il'|eli) de reflexão. As liturgias e cultos têm buscado mais o êxtase que o

do texto bíblico e articulá-las numa reflexão de integralidade que ele parece


llili ilnrldiulc
In |" iilldo ou deixado um pouco para trás ultimamente”, idem, pg. 61.
1ii il I I Túlio & Outros, id. pg. 78.
102 0 I mpério (G nóstico) Co stra -,
compromisso. Muitas vezes sem se dar conta, repete-se o mo
rético que quase destruiu todo o fundamento do cristianismo, t
se a heresia mais perigosa para a nossa fé: o gnosticismo. i

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