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CANAÃ

Graça Aranha

Milkau, alemão, recém-chegado, o a uma colônia de imigrantes europeus, no Espírito Santo, aluga um cavalo
para ir do Queimado à cidade de Porto do Cachoeiro. Junto com ele vai o guia, um menino de 9 anos, filho
de um alugador de animais, no Queimado.

O imigrante observa a paisagem e, ao passar por uma fazenda abandonada, entregue aos poucos e pobres
escravos, nota o ritmo daquela gente desamparada. Finalmente, chega ao sobrado do comerciante alemão,
Roberto Schultz, em Cachoeiro. Na parte inferior do edifício fica o armazém, onde é negociada toda sorte de
produtos, desde fazenda até instrumentos agrícolas.

É apresentado a outro imigrante, von Lentz, filho de um general alemão. Milkau deseja arrematar um lote de
terra para se estabelecer. Schultz apresenta-lhe o agrimensor, Sr.Felicíssimo, que está para ir ao Rio Doce
fazer medições de terra. Milkau, desejando aí se estabelecer, decide se juntar ao agrimensor e convida o
indeciso Lentz para acompanhá-lo.

Pelo caminho, Lentz e Milkau discutem a paisagem e a raça brasileiras. Milkau crê que o progresso só se dá
quando os povos se misturam. Vê, na fusão das raças adiantadas com as selvagens, o rejuvenescimento da
civilização. Enquanto acredita na humanidade, pensa encontrar no Brasil Canaã, "a terra prometida". Lentz
só se ocupa da superioridade germânica, ficando enaltecido com o triunfo dos alemães sobre os mestiços.
Para ele, a mistura gera uma cultura inferior, uma civilização de mulatos que serão sempre escravos e viverão
em meio a lutas e revoltas. Acrescenta que está no Brasil, porque o estava forçando a se casar com a filha de
um general, amigo do pai. Preferiu começar vida nova, longe dos deveres e obrigações impostos por sua
sociedade. Milkau conta-lhe que também não encontrava graça no viver, ansiava por uma vida mais
independente, em que pudesse dar vazão à sua individualidade.

À noite, reúnem-se a Felicíssimo e ouvem de alguns homens da terra e dos trabalhadores alemães lendas,
evocando o Reno e despertando saudades. Os planos dos dois imigrantes diferem; Milkau deseja manter seu
pedaço de terra e anseia por uma justiça perfeita sem ganâncias ou lutas. Lentz está determinado a ampliar
sua propriedade, ter muitos trabalhadores sob seu comando. Sonha com o domínio do branco sobre o
mulato, numa confirmação de seu poder.

Após as medidas tomadas por Felicíssimo, Milkau pode levantar sua casa e Lentz deixa-se ficar, triste e
angustiado, incapaz de abandonar o companheiro, dedicando-se às viagens e compras da casa. No trajeto,
encontra-se sempre com um velho colono alemão taciturno, em companhia de seus cães ferozes, mas fiéis.
Mais tarde, encontrará esse velho morto em casa, guardado pelos animais e devorado pelos urubus.

Um dia, ao retornar de Santa Teresa, Lentz traz a notícia de que, em Jequitibá, o novo pastor vai celebrar seu
primeiro serviço. Os colonos preparam uma festa e Milkau resolve juntar-se a eles como forma de se
familiarizar com os costumes do povo. Pelo caminho, os amigos encontram famílias inteiras de colonos. As
mulheres se vestem com o modelo usado na partida para a nova terra, sendo possível fixar, pelo vestuário,
a época de cada imigração.

Felicíssimo os convida para, depois do culto, festejarem no sobrado de Jacob Müller. Ouvem música e vêem
o povo dançando. Milkau diz a Lentz que era isso o que buscava: uma vida simples em meio à gente simples,
matando o ódio e esquecendo da dor. Os homens de outras terras estavam possuídos pelo demônio,
devastando o mundo. Lentz vê em tudo aquilo uma existência vazia e inútil.

Milkau conhece, nesse dia, no sobrado de Müller, uma colona, Maria Perutz, que não consegue mais
esquecer o encontro com o rapaz. A história de Maria é triste e solitária. O pai morreu antes que ela pudesse
conhecê-lo. A mãe viúva, criada da casa do alemão Augusto Kraus, logo falece e Maria fica sob os cuidados
de Augusto, seu verdadeiro amigo. Moravam com o velho, seu filho, a nora Ema e o neto, Moritz Kraus.
Repentinamente, Kraus falece e a situação na casa de Maria se modifica.

Ema e o esposo decidem separar a moça do filho, temendo uma aproximação amorosa. A família quer ver
Moritz casado com a rica Emília Schenker e o enviam para longe de Jequitibá. O rapaz parte com certa alegria,
deixando Maria desgostosa, pois os dois já eram amantes.

Franz Kraus é procurado por um Oficial de Justiça que, desejando saber porque a morte do velho não foi
notificada, passa-lhe um documento sobre a necessidade de arrolamento dos bens de Augusto Kraus. Solicita
que lhe prepare alojamento e comida para cinco pessoas, pois darão plantão em sua casa, recebendo todos
os que estiverem na mesma situação de Franz.

O grupo se instala na casa e passa a chamar os colonos, amedrontando-os com extorsões e violências. Após
a visita, cobram de Franz Kraus a alta importância de quatrocentos mil réis, além de demonstrarem certo
interesse em Maria, notadamente o procurador Brederodes. Kraus sente-se ultrajado e roubado. A vida de
Maria por essa época piora. Dia-a-dia, teme que seu estado se revele, por isso aguarda desesperadamente o
retorno de Moritz para lhe contar sobre o filho que espera.

Os pais do rapaz não tardam perceber o que se passa. Vendo-a mover-se pela casa languidamente, sentem
ódio e temem pelo casamento do filho. Passam o dia a cochichar, a tramar para se verem livres dela. Tratam-
na com mais rigor, não lhe dão quase comida, dobram-lhe os trabalhos. Resignada, Maria resiste para
desespero dos velhos. Uma manhã, trêmula e exausta deixa cair um prato. Encolerizada, Ema grita para que
ela abandone a casa. O marido ameaça-lhe com um pedaço de madeira. Amedrontada, arruma uma trouxa
e sai. Pede auxílio ao pastor, mas esse, dominado pela cunhada, docemente afasta Maria que parte para a
vila em busca de abrigo.

Ao verem a triste figura, os colonos tomam-na por louca, enxotando-a. Na floresta, seu único refúgio, cai
prostrada e adormece. No dia seguinte, encontra uma estalagem, onde empenha a trouxa de roupa em troca
de comida e abrigo. A dona do estabelecimento lhe dá dois dias para encontrar um emprego, mas a busca é
em vão. Certo dia, na hora do almoço, Milkau reconhece Maria na estalagem. Ao saber de sua história,
prontifica-se a ajudá-la, levando-a para a casa de uns colonos. A moça é aceita, mas tratada com desdém.

Um dia, trabalhando, solitariamente, no cafezal, começa a sentir as dores do parto. Temendo retornar à casa
e ser maltratada, resiste até cair e, esvaindo-se em sangue, dá luz ao bebê. Alguns porcos, que estavam nas
proximidades, correm para lambê-los, mordendo o bebê que falece. A filha dos patrões chega nesse instante
e, sem nada perguntar, volta à casa, dizendo que Maria tinha matado o bebê e dado a criança aos porcos.
Dois dias depois, Perutz estava presa na cadeia de Cachoeiro.

A população germânica, horrorizada com o crime de Maria, prepara-se para a vingança e o exemplo. Roberto
Shultz procura os mesmos representantes da Justiça que amedrontaram e extorquiram os colonos, durante
o arrolamento de bens. Pede-lhes que deixem a punição da mãe assassina para os alemães. O procurador
Brederodes, ignorado por Maria na época, insiste em puni-la para que aprenda a não ser tão orgulhosa.
Chama todos os alemães de hipócritas e parte, deixando Shultz desmoralizado.

Milkau fica sabendo do destino de Perutz e o encontro com ela em Cachoeiro choca-o. Maria tinha a face
lívida e os olhos cintilantes dançavam ao sabor da loucura. Volta a vê-la dias seguidos, passando a ser olhado
com desprezo e desconfiança, pois, talvez, fosse o amante. Repelido pelos moradores, resigna-se com a
condição de inimigo, permanecendo ao lado de Maria.

Certa manhã, estando em companhia de Felicíssimo, Milkau encontra Maria, sendo levada por dois soldados
para o tribunal. Em cada fase do julgamento, é apontada culpada. Milkau acompanha todas as sessões,
chegando a ficar amigo do juiz Paulo Maciel. Este lhe diz que o final não será feliz, pois os depoimentos não
deixam brecha para a inocência. O imigrante e Maciel aproveitam os encontros para analisar a justiça
brasileira, os brasileiros e seu patriotismo.
A avaliação não é das melhores. O juiz impossibilitado de fazer justiça por uma série de circunstâncias observa
que a decadência ali existente é um "misto doloroso de selvageria dos povos que despontam para o mundo,
e do esgotamento das raças acabadas. Há uma confusão geral". Milkau crê que se pode chegar a algo melhor.
Entretanto, à medida que acompanha o definhar da amiga, vai se deixando tomar pela tristeza.

Finalmente, numa noite, Milkau tira Maria da prisão e foge com ela, correndo pelos campos em busca de
Canaã, "a terra prometida", onde os homens vivem em harmonia.

A história em si é apenas pano de fundo para as discussões ideológicas entre Milkau e Lentz, somando-se a
isto retratos da imigração alemã e da corrupta administração brasileira da época (notavelmente no capítulo
VI).

O livro, quanto ao conteúdo, tem uma significativa abrangência, pois trata de etnia, relacionamento humano,
culturas, colonização e progresso. Desenvolve alguns aspectos sociológicos e fisiológicos. Publicado em 1902,
é, ao lado de Os sertões, um dos marcos do início do Pré-Modernismo.

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