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CAPA

O COMPLEXO
UNIVERSO DA
DEPENDÊNCIA
QUÍMICA

Organizadores
Maria Taís de Melo
Fernando José Spanhol
Maritê Inez Argenta

1ª edição

Palmas - TO
Unitins
2012
GOVERNO DO ESTADO DO TOCANTINS

Governador
José Wilson Siqueira Campos

Secretário da Educação
Danilo de Melo Souza

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO TOCANTINS

Reitor
Joaber Divino Macedo

Vice-Reitor
Fernando José Spanhol

Pró-Reitora Pró-Reitora de Pró-Reitor


de Graduação Extensão e Pós-Graduação de Pesquisa
Denise Sodré Dorjó Maria de Fátima Ribas Joseano Carvalho Dourado

Coordenação Editorial e Projeto Gráfico


Revisão Linguístico-Textual e Capa
Silvéria Aparecida Basniak Schier Rogério Adriano Ferreira

613.8
C736 O complexo universo da dependência química / organização
de Maria Taís de Melo; Fernando José Spanhol; Maritê Inez
Argenta; autores, Deyse Silvia Botelho Barbosa ... [ et al. ]. –
1. ed. – Palmas: Editora UNITINS, 2012.

128 p.; 21x14,8 cm.

ISBN 978-85-89102-38-4

1. Dependência química. 2. Drogas. I. Fundação Universidade


do Tocantins. II. Melo, Maria Taís de. III. Spanhol, Fernando José. IV.
Argenta, Maritê Inez.
PREFÁCIO

Em razão da dependência química, numerosos jovens e adultos


morrem ou hão de morrer, enquanto outros se encontram diminuídos
em seu íntimo. A doença da dependência química chega de uma forma
desafiadora para profissionais da saúde e da educação, pesquisadores,
gestores públicos, legisladores e famílias de todas as classes sociais. A
Política Nacional Sobre Drogas é muito recente. Ainda não existe um
modelo ideal para seguirmos, estamos em um processo de descoberta
de caminhos.
Com a edição da coletânea O Complexo Universo da Dependência
Química, inicia-se, no Tocantins, um novo tempo de produção do
conhecimento científico, que ampliará as possibilidades para se chegar à
subjetividade do outro, proporcionando a formação.
É necessário a escola avançar na forma de trabalhar com os alunos
na questão da prevenção. Ela precisa quebrar o paradigma de que a sua
única responsabilidade é transmitir conhecimentos, mas, sobretudo,
necessita ser um ambiente que os ajude a fazer escolhas saudáveis, pois
é um lugar de transformação e de suma importância para a formação da
personalidade. Esse processo de mudança perpassa pela capacitação de
professores para ampliação de conhecimentos, quebra de preconceitos
e segurança na abordagem do tema, preparando-os para o desafio de
contribuir com os alunos de forma inovadora. Nesse contexto, a Unitins
está ampliando a sua missão com muita eficácia.
Ao ler e reler a coletânea O Complexo da Dependência Química,
pude perceber o surgimento de amplas possibilidades de mudanças
e criação de novas perspectivas de trabalhos, visando a beneficiar
crianças, jovens, familiares, enfim toda a sociedade, de forma que, por
meio de somatório de forças, possamos construir um Tocantins fraterno,
produtivo de conhecimentos e de sustentabilidade.

Magda Valadares
Psicóloga
Superintendente de Ações Sobre Drogas

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APRESENTAÇÃO

O tema dependência química tem despertado atenção e está no


cerne de debates e pesquisas na área da saúde, pois o uso de substâncias
químicas traz inúmeras consequências, como traumatismos, lesões
neurológicas, tumores e transtornos mentais. Todos os profissionais da
saúde, da educação e de áreas afins, no exercício de suas atividades,
terão, em alguns momentos, contato com usuários que apresentam
transtornos decorrentes da dependência química. Entretanto poucos
profissionais são capacitados para o atendimento desses usuários durante
sua formação acadêmica e não se sentem capazes de realizar diagnóstico
e de atuar em ações preventivas nessa área. O resultado desse processo
acaba sendo o paciente tratado das complicações secundárias ao uso
de substâncias psicoativas. Com isso, as causas primárias acabam sendo
negligenciadas, e, consequentemente, o paciente não recebe orientação
adequada para o seu processo de tratamento.
Pelo exposto, torna-se necessária a capacitação adequada de
profissionais a fim de que possam prestar ao usuário e a seus familiares
um tratamento com eficiência e eficácia. Acredita-se que o acesso à
construção de novos conhecimentos é uma forma de prevenção e de
incentivo ao tratamento. Sabe-se que, se já é difícil o acesso à informação
qualificada aos profissionais da saúde mental que lidam diretamente com
essa problemática, mais inacessível é ainda para os outros profissionais,
principalmente os educadores.
Partindo dessa premissa, em 2010, no município de São José em
Santa Catarina, iniciou-se o projeto Prevenção à Dependência Química,
que realizou, como primeira ação, um curso de aperfeiçoamento em
dependência química, com carga horária de 180 horas, no maior hospital
público de Santa Catarina, o Hospital Regional de São José-Homero de
Miranda Gomes. Na sequência, foram realizados cursos com trezentos
profissionais da educação do município de São José e duzentos do
município de Palhoça. Também houve capacitação de toda a rede de
saúde de São José, mais de setecentos profissionais. Esse trabalho foi
realizado com a parceria da Associação de Amigos do Hospital Regional
(AAMHOR), da Receita Federal de Santa Catarina e das prefeituras de
São José e Palhoça com a coordenação do Instituto para Formação
Continuada em Educação (IFCE).

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Em 2011, a Fundação Universidade do Tocantins (Unitins) entrou
nesse consórcio pela vida e ofereceu o curso em sete municípios de Santa
Catarina e sete do Tocantins. Para 2012, almeja levantar recursos para
implantá-lo em seus 257 polos no Brasil.
Esta coletânea é fruto do trabalho realizado durante esses três
anos do projeto de extensão e está dividida em três partes: em um
primeiro momento, são apresentados trabalhos de alunos do curso de
Aperfeiçoamento em Dependência Química do Hospital Regional de São
José (SC). Na segunda parte, expõem-se relatos da experiência do curso
em SC e no Tocantins. Na terceira parte, apresentam-se dois relatórios
de pesquisa elaborados por alunos da Unitins. Com essa metodologia
articulam-se, nesta obra, as Pró-Reitorias de Ensino, Pesquisa e
Extensão.

Maria Taís de Melo


Coordenadora do curso de Prevenção à Dependência Química

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SUMÁRIO

PARTE I
Artigos de alunos do curso de Aperfeiçoamento em Dependência Química -
Hospital Regional de São José - SC

Cuidando do cuidador: uma proposta de intervenção nas equipes


multiprofissionais nas comunidades terapêuticas............................................11
Do prazer à dor: a trajetória de buscas e perdas no universo da dependência
química..............................................................................................................19
Representação social do alcoolismo evidenciado nos atendimentos do Serviço
Social.................................................................................................................27
Uso de morfina por profissionais da Saúde.......................................................35
Cocaína como desencadeante do infarto agudo do miocárdio.........................41

PARTE II
Relatos do projeto de extensão Prevenção à Dependência Química
desenvolvido em Santa Catarina e no Tocantins

Relato do projeto piloto em Santa Catarina......................................................49


A articulação do ensino, da pesquisa e da extensão na construção de uma
política social no combate à dependência química...........................................61

PARTE III
Relatórios de pesquisa realizados por alunos do curso de Serviço Social EaD
da Fundação Universidade do Tocantins

Relatório do polo de Joinville - SC ....................................................................85


Relatório do polo de Criciúma - SC .................................................................113

9
Parte I
Artigos de alunos do curso de
Aperfeiçoamento em Dependência
Química - Hospital Regional de São
José - SC

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CUIDANDO DO CUIDADOR: UMA PROPOSTA DE
INTERVENÇÃO NAS EQUIPES MULTIPROFISSIONAIS
NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS

Deyse Silvia Botelho Barbosa

Resumo
Dado às peculiaridades do processo de cointernação dos
cuidadores em Comunidades Terapêuticas e por representarem um
grupo quase sempre com muitas demandas internas e pessoais a serem
resolvidas em seus próprios tratamentos e/ou após a eles, este artigo
pretende abordar reflexões de como melhor assistir os cuidadores nas
Comunidades Terapêuticas. O objetivo é que eles possam reafirmar seus
propósitos de abstinência e ter melhor qualidade de vida, visando à
administração das frustrações e das interdições de forma que não lhes
cause instabilidades e retrocessos ao propósito de abstinência. Além
disso, o artigo descreve estratégias para tratamento para dependentes
de substâncias psicoativas no modelo da Comunidade Terapêutica, bem
como reflete sobre programas de assistência e apoio aos cuidadores de
tal forma que lhes viabilizem melhor qualidade de vida, desenvolvimento
pessoal, profissional e emocional.

Palavras-chave: Comunidade Terapêutica, cuidadores, abstinência e


qualidade de vida.

Introdução
Segundo Marlatt (1999), a maioria das Comunidades Terapêuticas
absorve como cuidador de dependentes químicos outros dependentes
em processo de recuperação que passaram pelo processo de tratamento
e reabilitação semelhante e estão abstinentes. Essas pessoas trazem
de suas trajetórias experiências múltiplas, ricas e contextualizadas
que muito servirão para respaldar as atividades propostas nos

13
programas de tratamento. Por outro lado, em função das condições
de trabalho com jornadas ininterruptas, nível de exposição a situações
de desgaste e dinâmicas que muito lembram os momentos difíceis do
seu próprio tratamento, ressalta-se a importância de serem assistidos
psicologicamente para que os fatores externos não coloquem em risco o
tratamento daqueles que estão aos seus cuidados, como também deles
próprios.
Marlatt (1999) descreve que, mesmo desfrutando de descansos
e folgas regulares, durante o período em que estão assistindo os
internos, muitos dos cuidadores se institucionalizam, ou seja, fazem da
Comunidade Terapêutica sua única opção de rede social, privando-se do
mundo real e vivendo 24 horas confinados nesse espaço com receio de
retomar suas vidas.
Este artigo tem como principal objetivo descrever estratégias de
cuidados e atendimentos psicológicos aos cuidadores de dependentes de
substâncias psicoativas no contexto da Comunidade Terapêutica, visando
a melhorar sua prática profissional e sua qualidade de vida. Além disso,
objetiva viabilizar a elaboração de procedimentos metodológicos junto
aos cuidadores que ampliem sua capacidade de tomada de decisões
e assertividade, fomentando a importância do acompanhamento de
cuidadores de dependentes químicos, suas relações com os outros
integrantes da Equipe Multidisciplinar e suas relações com as pessoas
“atendidas” na Comunidade Terapêutica.

Cuidando do cuidador
Nas Comunidades Terapêuticas, a base do atendimento está nos
saberes e nas práticas coletivizadas, integradas e consolidadas a partir
de propostas de trabalhos organizados na integralidade das ações. Por
isso Comunidades Terapêuticas quase sempre diferem de outros espaços
terapêuticos. Totugui (2003) relata que há uma sobrecarga psíquica
enfrentada pelos cuidadores, com visíveis desgastes emocionais, físicos
e funcionais mais intensos advindos das longas jornadas de trabalho.
O autor ainda comenta que o fato de se concentrar quase sempre
em uma única pessoa (pela falta de pessoal técnico especializado) a
instância capaz de resolver inúmeras demandas, às vezes muito complexas
e diversificadas, aliadas a impactos emocionais conflituosos e jornadas de
trabalho intenso, faz dos cuidadores de Comunidades Terapêuticas pessoas
14
com níveis de estresse muito elevado. A convivência diuturnamente com
aqueles a quem assistem traz a necessidade de ajuda terapêutica, pois de
fato esses colaboradores se desgastam continuamente fazendo com que
essa exposição prolongada seja um fator de risco relevante a si próprio, à
equipe técnica desses espaços, bem como a todos os assistidos. É de fato
uma “cointernação” e, por isso, traz uma infinidade de situações quase
sempre densas em problemas de toda ordem e de níveis de gravidade
elevados, o que precisa ser repensado.
Assim, uma proposta de programa de assistência a cuidadores
de Comunidades Terapêuticas se faz necessário, pois visa à melhoria do
desempenho profissional. Nesse sentido, há necessidade de ampliação
dos saberes técnicos, metodológicos e administrativos, como também
assistência psicológica sistematizada, o que permitiria a apropriação
de condutas conciliatórias e mediadoras aliadas à melhor divisão de
tarefas e à diminuição da sobrecarga psíquica. A partir dessa proposta,
é necessário inserção de outros profissionais de diferentes formações à
equipe responsável pelo processo de assistência a dependentes químicos
e a possibilidade de garantir a preservação e a ampliação da qualidade
de vida desses colaboradores.
Colaboradores desses espaços terapêuticos alternativos também
buscam pautar suas ações terapêuticas na qualidade técnica, na
eficiência e na ética, sem abrir mão do acolhimento, do respeito e da
solidariedade a cada uma das pessoas que buscam nesses centros o
restabelecimento integral de sua vida focada na funcionalidade e na
melhoria de qualidade vida. Assim, faz-se necessário que os gestores
das Comunidade Terapêutica atendam à demanda dos cuidadores de
tal forma que os afazeres – técnico-administrativos e cuidados pessoais,
mesmo em diferentes contextos do tratamento – possam encontrar
respaldo de tal sorte que resulte na viabilização de melhorias técnico-
profissionais, éticas e humanas focadas na ampliação e na consolidação
da qualidade de vida pessoal e profissional.
Faz-se necessário que se levantem e se analisem questões
relevantes no exercício das atividades do cuidador de dependentes
químicos no contexto das Comunidades Terapêuticas, para que se amplie
a capacidade de tomada de decisões, sua assertividade e qualidade de
vida. A elaboração de procedimentos psicoterapêuticos em atendimento
aos cuidadores de dependentes químicos pode contribuir para melhoria

15
não só de seu desempenho e de sua eficiência, mas também da qualidade
de vida.
Programas de atendimentos a cuidadores poderiam oferecer um
suporte suplementar que visaria ao fortalecimento de suas resiliências,
respaldando o enfrentamento dos desafios diários próprios desse
espaço. Ao sugerir-se o acompanhamento psicológico aos cuidadores
por meio de atividades psicoterápicas voltadas às questões relacionadas
ao desempenho profissional, à tomada de decisões, à assertividade, bem
como assistência à melhoria da qualidade de vida desses indivíduos,
quer-se viabilizar minimização em sua sobrecarga psíquica e possibilidade
de melhoria da assistência que prestam aos internos nesse contexto.
Ressalta-se também a importância da possibilidade de ampliação da
capacidade de resolução de problemas de todas as ordens no contexto
de suas vidas pessoais, profissionais, familiares e sociais.
Paralelamente a essas ações psicoterápicas, sugere-se a formulação
de um programa de educação continuada relativo às várias facetas da
dependência química, o que ampliaria o entendimento sobre elementos
importantes nem sempre tão claros, como: alterações psicológicas,
neurológicas e comportamentais de dependentes químicos no curso
da dependência e nos processos de abstinência; estudo ampliado das
comorbidades psiquiátricas relacionadas à dependência química e às
formas de intervenção – incluindo as várias abordagens psicológicas
e farmacológicas; estudo dos mecanismos de defesa e das formas de
desmobilização; estudo dos processos de ampliação da motivação para o
tratamento e para a manutenção da abstinência; abordagem de redução
de danos e da prevenção à recaída.
Segundo Marlatt (1999), as Comunidades Terapêuticas vêm
respondendo a uma pluralidade de necessidades. O autor ainda afirma
que apenas a intervenção ou a recuperação do corpo biológico não têm
respondido de forma plena às necessidades de saúde, pois vão além e
demandam por uma atenção que leve em conta a integralidade do ser
humano, a qualidade de vida e a promoção da saúde.

Considerações finais
A necessidade de ações de atendimentos dirigidos a cuidadores
internos em Comunidades Terapêuticas, de tal forma que os ajudem na
realização de suas tarefas cotidianas, ao mesmo tempo que permitam
16
a ampliação da capacidade de tomada de decisão e assertividade ao
lidarem com situações diárias próprias desse espaço, ficou evidenciada
no decorrer deste artigo. Conclui-se que essa situação ocorre porque
a maioria dos cuidadores fica imersa no ambiente terapêutico de alta
tensão, por longas e exaustivas jornadas de trabalho e exposta a inúmeras
e diversificadas demandas.
Conclui-se ainda que essas ações devem incluir acompanhamentos
psicológicos por meio de atividades psicoterápicas voltadas às questões
relacionadas ao desempenho profissional e pessoal, possibilitando a
minimização da carga de sofrimento psíquico e, consequentemente, a
redução do nível de estresse e ansiedade. Essas ações podem resultar
na melhoria da assistência que prestam aos internos, bem como facilitar
a resolução de problemas no contexto da vida pessoal, profissional,
familiar e social.
Outro aspecto relevante observado é a necessidade de atualização
constante das várias facetas e abordagens da dependência química. A
elaboração de um programa de formação continuada viável e possível
de ser sistematizado em Comunidades Terapêuticas poderia ser uma
preocupação e um ponto de honra para gestores e terapeutas. Isso de fato
poderia resultar em melhoria do desempenho funcional e técnico desses
operadores, bem como revisões, ampliações e melhorias contínuas do
processo de tratamento nesse espaço terapêutico.

Referências
MARLATT, G. A. Redução de danos: estratégias práticas para lidar com
comportamentos de alto risco. Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1999.
TOTUGUI, M. L. Visão histórica e antropológica do consumo de drogas. In:
BUCHER, R. O. (Org.). As drogas e a vida: uma abordagem biopsicossocial.
São Paulo: CORDATO-EPU, 2003.

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DO PRAZER À DOR: A TRAJETÓRIA DE BUSCAS E
PERDAS NO UNIVERSO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Salete Laurici Marques Dias

Resumo
Este artigo trata dos fatores que favorecem a aproximação de
indivíduos a substâncias psicoativas e da trajetória de perdas vivenciadas
quando o uso continuado torna-se um quadro de dependência química.
Os objetivos são levantar os facilitadores de acesso ao consumo,
demonstrar o conjunto de dificuldades e/ou perdas que o dependente
químico experimenta em sua vida social e familiar, bem como abordar as
possíveis formas de tratamento em dependência química. A abordagem
é feita por meio de uma pesquisa bibliográfica aliada à experiência
profissional da autora.

Palavras-chave: dependência química, perdas, tratamento.

Introdução
A dependência química é um tema possível de ser abordado sob
diversas nuances. Neste artigo, buscaremos refletir sobre o que leva a
pessoa a buscar e introduzir o uso das substâncias psicoativas em sua
vida, conceituar os estágios do uso até a dependência e demonstrar o
conjunto de perdas no aspecto da saúde, da vida social e familiar do
dependente químico. Abordaremos ainda as linhas de tratamento à
dependência e as dificuldades de acesso ao tratamento. Este estudo foi
feito a partir de uma pesquisa bibliográfica, procurando contribuir com
os demais profissionais da área.
Enquanto profissional da Saúde e atuando como assistente social
na emergência geral de um hospital público de grande porte, é comum
o contato e a abordagem com pessoas envolvidas com a dependência
química. Essa experiência leva-nos a perceber que essas pessoas trilham
caminhos semelhantes: seja na fase da aproximação e do encantamento
com as substâncias psicoativas, no tempo que levam mascarando o
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seu uso como se fosse algo que não lhes trouxesse maiores danos, ou
quando se percebem dependentes já estão vivenciando problemas
físicos, emocionais, familiares e sociais de difícil resgate.

O que motiva o ingresso no consumo de drogas


Por que tantas pessoas de diferentes faixas etárias e cada vez mais
cedo se deixam seduzir pelo álcool, pelo tabaco, por outras drogas ilícitas
ou por medicações que causam dependência? O que o usuário busca? Que
ganhos se podem obter com o uso? Há elementos facilitadores do uso no
estilo de vida atual?
A aproximação com as drogas começa com a experimentação – início
do uso – que pode ser uma curtição com os amigos, pela simples banalização
do uso (como o caso do álcool, que é servido livremente em festas e
confraternizações familiares), por comportamento aprendido (quando o uso
é padrão familiar), ou até por prescrição médica, no caso das medicações
que causam dependência.
É evidente que nem todas as pessoas que experimentam drogas
tornam-se dependentes. Entre a experimentação e a dependência, há
um processo em que o indivíduo passa a fazer uso repetido, desenvolve
tolerância1, até estabelecer um comportamento compulsivo de consumo.
A grande armadilha é que, para se tornar dependente, não há um
tempo certo ou uma quantidade limite de consumo preestabelecido, e
não raro indivíduos que já desenvolveram um padrão abusivo do uso
de substâncias psicoativas creem, fantasiosamente, que podem parar a
qualquer momento, sem qualquer sofrimento ou complicação, retardando
a percepção de si mesmos como dependentes.
A ciência já provou que droga é fonte de prazer, e talvez seja esse o
principal motivo de aproximação e encantamento. As substâncias psicoativas
geram reações no sistema nervoso central que libera sensações de prazer
ao indivíduo. No relato de dependentes químicos que já tiveram suas vidas
arrasadas pelo consumo compulsivo de drogas, fica evidente que os curtos
momentos de prazer proporcionados pela droga é um preço muito alto na
relação custo-benefício, em que a droga gera um prazer momentâneo em
troca de uma escravidão permanente.
1 Tolerância é a necessidade de doses crescentes de uma determinada subs-
tância psicoativa para alcançar efeitos originalmente obtidos com doses mais
baixas.

20
A sociedade atual tem sido marcada por grandes revoluções sociais
e tecnológicas, como se a rotação da terra tivesse sido acelerada. Na vida
social, mudanças significativas ocorreram nas relações de trabalho, na
configuração e no funcionamento familiar, exigindo do indivíduo adaptações
e estabilidade para experienciar conflitos, competitividade, frustrações e
estresse. Tudo isso são elementos a serem pontuados na discussão sobre a
dependência química.
Diante desse panorama, a utilização de drogas pode manter-se na
vida das pessoas como um meio de fuga da realidade, ou anestesiante das
situações de estresse. Pode inclusive estar associada a enfermidades como
depressão ou outros transtornos psiquiátricos, causando comorbidade2 ou
simplesmente motivada pelo sentimento de inabilidade que o indivíduo
atribui a si mesmo diante das dificuldades do dia a dia. Evidentemente,
nessa segunda possibilidade, o indivíduo percebe que a utilização da droga
em nada lhe auxilia na resolução dos problemas, mas pode possibilitar-lhe
um caminho de fuga.

A dependência gerando perdas


Ingressar no caminho da dependência química é como montar
um álbum de figurinhas, em que cada peça é o registro de uma perda
importante: de uma pessoa amada ou dos pais que fez sofrer, de um vínculo
que se rompeu, de um emprego que se perdeu, de uma confiança que foi
quebrada, de uma agressividade gratuita, de um filho que não se viu crescer
ou não ajudou a formar, de um(a) companheiro(a) que ficou no caminho, de
um patrimônio que se esvaiu, de sonhos que se perderam, da saúde que se
destruiu, enfim, de dias amargos de sofrimento.
Por conta de tudo isso, o dependente começa a trilhar um caminho
solitário como se as outras pessoas deixassem de fazer parte de sua
trajetória, num caminho de dormir e acordar na escuridão. O processo do
olhar voltado para “si” se constitui em um momento muito doloroso na
maioria dos casos.
Junto com a dependência química, o indivíduo desenvolve habilidades
para mascarar seu uso e para obter a próxima dose. Com isso, sedimenta
desvios de conduta que lhe permitem mentir, omitir, difamar ou roubar, até

2 Comorbidade é a ocorrência conjunta de dois ou mais transtornos mentais ou com


outras condições clínicas gerais. A presença de comorbidades entre os usuários de álcool
e outras drogas tem sido demonstrada pela literatura médica.

21
que se torne não confiável aos olhos das outras pessoas, em que melhor é
não o ter por perto para evitar problemas. Considerando que a confiança é
um componente importante nas relações familiares, amorosas e sociais, o
dependente químico acaba propiciando seu próprio isolamento.
Esses desvios de conduta costumam ser responsáveis pela perda
dos vínculos empregatícios e pela marginalização social do dependente
químico. Não raro também afeta as relações familiares, embora a família seja,
geralmente, a última a “largar de mão”. Esse abandono também acontece num
processo doloroso levando à quebra de vínculo e ao sofrimento de todos.
Há uma relação bastante estreita entre dependência química e
situação de marginalidade (no sentido de se colocar à margem das regras e
do convívio social), derivando daí a imagem negativa que a sociedade vincula
ao dependente como bandido, criminoso, ladrão, assassino. Essa imagem
limita a compreensão de que dependência química é uma doença e não
“fraqueza” do dependente.
É comum o dependente químico colocar-se diante de todas as mazelas
geradas pela dependência como vítima da incompreensão dos outros e até
buscar, na conduta alheia ou em acontecimentos inevitáveis, motivação
para manter-se dependente. Esses sentimentos fazem parte das estratégias
de fuga e de negação da responsabilidade pelos seus atos. Nesse ínterim,
corroboramos com Laranjeira (2010, p. 8) quando coloca que

[...] o uso de substâncias começa com um ato


voluntário e a pessoa tem grande responsabilidade
pelo seu comportamento e também pela sua
recuperação. Portanto, ter uma doença cerebral com
essas características não exime de responsabilidade
o dependente.

A busca por tratamento


A busca por tratamento é um capítulo à parte na trajetória
do dependente químico, podendo ser tão penosa quanto a própria
dependência. Laranjeira (2010, p. 5) expõe que,

Na área de tratamento, as pesquisas já avançaram


muito nos últimos anos e temos condições de
fornecer um sistema efetivo e eficaz para a doença
chamada dependência química, no entanto, o

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acesso a um tratamento de qualidade para a maioria
da população ainda é um sonho distante.

O despertar para o tratamento pode ser motivado pelas perdas já


sofridas, como numa atitude desesperada de resgatar família, emprego,
dignidade e a si mesmo, ou quando o dependente se percebe como
um escravo de sua compulsão e deseja a mudança. Pode também ser
motivado por uma atitude de sobrevivência, quando o dependente
se sente ameaçado, coagido ou temoroso pela sua vida, necessitando
afastar-se temporariamente do circuito de consumo (muito comum
o relato de dependentes químicos em débito com os fornecedores de
drogas que buscam vagas em locais de internação prolongada sob o
argumento de estarem ameaçados de morte).
Casos severos com alto grau de consumo de substâncias psicoativas,
em que o dependente não consegue mais se responsabilizar pela
própria segurança ou imprime risco a terceiros, justificam internações
compulsórias, seja pela ação da família ou do Estado.
Independente do contexto que motiva a busca por tratamento, o
dependente frequentemente se depara com a escassez de vagas e de
serviços/instituições, principalmente se tiver pouco ou nenhum recurso
financeiro e depender exclusivamente das vagas sociais, subsidiadas por
convênios dos municípios ou do Sistema Único de Saúde (SUS).

Linhas de tratamento
Podemos apresentar algumas formas de tratamento em
dependência química: internação, atendimento ambulatorial e grupos de
mútua ajuda. Na internação, o dependente entra em pronta abstinência
e passa a receber tratamento medicamentoso (seja para contenção,
diminuição da fissura ou comorbidades) e/ou psicoterápico, afastando-
se do contexto que o levava ao uso sistemático de droga. As instituições
que promovem internação são hospitais especializados, hospitais gerais,
clínicas ou Comunidades Terapêuticas. Há no meio médico diferentes
posicionamentos quanto à necessidade de internação. Franco Júnior
(2010, p. 1) argumenta que se trata de

[...] alternativa, de caráter extremo, deve ser


sopesada por equipe multiprofissional habilitada, de

23
acordo com o grau de dependência do paciente. [...]
muitas vezes, o tratamento somático e psicossocial
bem ajustado, no plano doméstico em ambulatorial,
é capaz de inibir o uso de drogas, manejar a fissura,
orientar sobre as possíveis recaídas e recuperar
pessoas, mas que a internação é, quase sempre,
evocada pela família como a primeira e única forma
de saída para a crise gerada pelo comportamento
desregrado de um de seus membros.

A grande maioria das vagas para internação em dependência química


se faz nas chamadas Comunidades Terapêuticas, instituições que têm seu
regulamento técnico regido pela Resolução da Diretoria Colegiada – RDC
101 da ANVISA, de 30 de maio de 2001. As Comunidades Terapêuticas são
instituições de internação e atenção a pessoas com transtornos decorrentes
do uso ou do abuso de substâncias psicoativas, são unidades que têm por
função a oferta de ambiente protegido, com responsabilidade técnica,
durante período predefinido por programa terapêutico.
A crítica que se faz às Comunidades Terapêuticas, tanto pelos
estudiosos do assunto quanto pelos próprios internos e familiares, é o forte
apelo religioso e até conversão por vezes exigida aos usuários e a aplicação
de “métodos terapêuticos” questionáveis, como trabalho forçado e castigos.
Tais métodos sugerem a necessidade de maior fiscalização dos órgãos
reguladores. É preciso destacar, porém, que as Comunidades Terapêuticas
são responsáveis por muitas histórias de sucesso e que a expansão delas é
uma tendência mundial.
O acesso às Comunidades Terapêuticas é regido pelo número de vagas
disponíveis e também pelas possibilidades de custeio do tratamento. Ou
seja, são instituições que, mesmo vinculadas a congregações religiosas e não
governamentais, cobram pelo tratamento, pois ofertam serviço de hotelaria
e equipe técnica. Assim, o dependente químico que não dispõe de recursos
próprios ou da família precisa recorrer às pouquíssimas vagas sociais ou vagas
conveniadas pelos municípios, em que é comum a permanência em fila de
espera.
Na linha ambulatorial, há serviços vinculados a hospitais públicos,
geralmente comandados por ambulatórios de psiquiatria, grupos terapêuticos
ou atendimento individual em instituições particulares e vinculadas aos
núcleos de formação de acadêmicos de Universidades. Enquanto política de
Estado, o carro chefe de atendimento ambulatorial são os CAPS (Centros de
24
Atenção Psicossocial)3.
Nem todos os CAPS têm a especificidade de tratar/acompanhar
dependentes químicos. Essa particularidade está firmada apenas aos CAPS
AD, e boa parte dos municípios brasileiros ainda não dispõe desse serviço.
A grande vantagem do atendimento ambulatorial é que o dependente
pode dar continuidade às tarefas do dia a dia, como trabalho, cuidado com
os filhos e outros afazeres, e também pode manter em segredo, se assim
desejar, que está em tratamento (alguns dependentes temem melindres nos
locais de trabalho ou preferem omitir de pessoas sua condição de dependente
químico). Para alguns profissionais da área, o tratamento ambulatorial é mais
efetivo do que a internação, por tratar a pessoa sem tirá-la do ambiente no
qual ela vive.
No atendimento ambulatorial, o usuário de substâncias psicoativas
tem acesso ao tratamento medicamentoso, ao controle da abstinência,
evitando crises e orientações para esquivar-se de recaídas.
A terceira linha de tratamento refere-se aos grupos de autoajuda, que
são organizados por ex-dependentes e têm como base a troca de experiências
e o aconselhamento, por vezes reforçados por princípios religiosos. Os grupos
de autoajuda não seguem uma teoria específica, mas são extremamente
eficientes e colecionam histórias bem sucedidas. O material humano e o
relato da história de vida de outras pessoas que vivenciaram problemas
semelhantes e construíram estratégias de se manterem abstinentes atuam
como elemento terapêutico. Os grupos já renomados são os AA (Alcoólicos
Anônimos), que se destinam a pessoas alcoolistas, os NA (Narcóticos
Anônimos), para dependentes químicos, o Amor exigente e Al-Anon, para
familiares de dependentes, e o Alateen, para adolescentes.
Independente da modalidade de tratamento escolhida ou possível de
ser acessada pelo dependente químico, o grande motivador e responsável
pelo alcance do controle da dependência e pela abstinência é o próprio
3 Os CAPS são políticas de atendimento do Ministério da Saúde decorrente da
luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica brasileira. São regulamentados pela
Portaria 336/GM e são unidades integrantes do SUS. Estão dispostos nos mu-
nicípios de acordo com a faixa populacional assim distribuída: CAPS I - para
municípios com populações entre 20.000 e 70.000 habitantes; CAPS II - para
populações entre 70.000 e 200.000 habitantes; CAPS III - acima de 200.000
habitantes (este é o único que funciona 24 horas, incluindo feriados e fins de
semana); CAPSi - atende a crianças e adolescentes (até 17 anos de idade); e
CAPS AD - atende a usuários de álcool e outras drogas cujo uso é secundário ao
transtorno mental clínico.

25
dependente, o qual precisa se ver como ator principal desse processo e não
como coadjuvante. O médico, a equipe terapêutica, a família, os amigos,
todos desenvolvem papel importante no tratamento, mas ninguém pode
fazer pelo dependente químico o seu afastamento das drogas, é quase
como dizer que o sucesso depende de si mesmo, de sua capacidade de
perseverança e de autocontrole.

Considerações finais
A dependência química é uma doença que afeta e degrada o indivíduo
de forma evolutiva e em diversos aspectos. O dependente químico aproxima-
se das substâncias psicoativas em busca de sensações que lhe proporcionem
prazer, estímulo e quiçá habilidades que julgue não possuir. O acesso tende
a se tornar cada vez mais necessário a ponto de se tornar o foco de sua
existência.
Além da degradação a nível físico-neurológico, a dependência
química é capaz de afetar significativamente as relações sociais e afetivas
do indivíduo, podendo propiciar completo isolamento e quebra de vínculos
familiares. Essa situação condiciona ao dependente o papel de prisioneiro
solitário.
O processo de tratamento representa, em primeiro plano, um resgate
de si mesmo e o enfrentamento das perdas vivenciadas pela dependência.
O tratamento, não raro, precisa ser conquistado, uma vez que a oferta por
meio da rede de saúde pública é deficitária.
Por fim, tantas quantas tenham sido as tentativas de tratamento e as
recaídas, acreditamos que sempre vale a pena reinvestir no tratamento e
acreditar na possibilidade do resgate: seja de si mesmo, de uma pessoa da
família ou de um cliente de nossa atuação profissional.

Referências
FRANCO JÚNIOR, Raul de Mello. Internação compulsória para tratamento
de alcoólatras e dependentes químicos. 2008. Disponível em: <www.
adroga.casadia.org>. Acesso em: 30 nov. 2010.
LARANJEIRA, Ronaldo. Legalização de drogas e a saúde pública. 2010.
Disponível em: <www.uniad.org.br>. Acesso em: 27 ago. 2010.

26
REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO ALCOOLISMO
EVIDENCIADO NOS ATENDIMENTOS
DO SERVIÇO SOCIAL
Eliane Olinda Porto Brosso
Joseane Di Bernardi da Luz

Resumo
Este trabalho é resultado de estudos sobre a representação social
do alcoolismo evidenciado nos atendimentos do Serviço Social, realizado
no curso de aperfeiçoamento de dependência química. Este estudo é uma
pesquisa bibliográfica e teve como objetivo resgatar essa representação
social para obter mais conhecimentos sobre o álcool e, assim, respaldar
a intervenção do Serviço Social.

Palavras-chave: Serviço Social, alcoolismo, representação social.

Introdução
Desde os tempos mais remotos de nossa história, o homem usa o
álcool como meio para extravasar sua euforia, celebrar festividades, dar
cunho solene a rituais religiosos e proporcionar alívio ao seu estresse
emocional imediato ou contínuo. O uso abusivo, porém, pode provocar
tanto desgraças quanto dependência, conhecida como “alcoolismo”.
Na literatura pesquisada sobre essa questão, o álcool aparece
como um fator significativo na violência doméstica, por isso se considerou
importante resgatar a representação social do alcoolismo, dando ênfase
nas relações intrafamiliares, por ser a família objeto de intervenção do
Serviço Social.
O interesse em se estudar o tema da representação social surgiu
quando começamos a perceber, nos atendimentos realizados pelo
Serviço Social no Instituto de Cardiologia de Santa Catarina, relatos de
conflitos familiares associados à condição do uso abusivo de álcool. Essa
constatação gerou uma inquietação que nos levou ao aprofundamento

27
sobre o assunto.
Entendemos por representação social a forma pela qual a pessoa
dá significado, entendimento e explicação a determinadas situações
de sua vida, por meio do processo de interação com o seu mundo
exterior. É a maneira pela qual as pessoas captam e tentam resolver seus
problemas, baseadas no contexto histórico em que vivem. Entendemos
que as representações sociais são influenciadas pelo mundo social, são
individuais, como também coletivas, uma vez que o ser humano está
inserido em uma sociedade em relação permanente e constante com
outros indivíduos.
O objetivo foi resgatar as representações sociais sobre alcoolismo
para obter maiores conhecimentos sobre o tema e, assim, respaldar a
intervenção do Serviço Social.

O alcoolismo e suas repercussões


A descoberta do álcool é ainda desconhecida. As primeiras
informações sobre o seu uso datam de 6000 a.C. O termo “álcool” é de
origem árabe e, etimologicamente, quer dizer coisa sutil, enganadora.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) há anos considera o
alcoolismo como doença e o alcoolista como doente. Embora o alcoolismo
seja uma doença que traz graves consequências ao psíquico, ao físico
e ao social, ainda é muito difícil de diagnosticá-lo. Masur (1984, p. 27)
afirma que

[...] não existe um fator que determine a causa do


alcoolismo, o que se encontra são diferentes fatores
de vulnerabilidade, [em que] todos que usam
bebidas alcoólicas estão sujeitos a desenvolver o
alcoolismo, dependendo apenas de sua interação
com os fatores de vulnerabilidade.

Conforme D’Albuquerque e Silva (1990), o diagnóstico do


alcoolismo, em geral, é impreciso, frequentemente subestimado e
feito, via de regra, quando o paciente já está em estágio avançado de
dependência.
Essa situação pode ser explicada por diversos motivos, um deles
cabe ao próprio alcoolista que geralmente procura o atendimento

28
médico, queixando-se de outros sintomas e nunca da doença. Outro
motivo da dificuldade do diagnóstico do alcoolismo é atribuído aos
próprios técnicos da Saúde, que muitas vezes não investigam sobre o uso
do álcool, não suspeitam de sua existência, estão desinformados sobre
o assunto, não acreditam na recuperação dos alcoolistas e não tratam
o problema com seriedade e naturalidade, pois temem “ofender” os
pacientes se abordarem o assunto.
O manual do Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo (CREMESP) e da Associação Médica Brasileira (AMB) apresenta
critérios de diagnósticos mais claros, mostrando diferentes graus de
dependência, colocando-a como uma síndrome que surge a partir de
combinações de fatores de riscos que aparecem de uma maneira distinta
em cada indivíduo. Contemplam-se padrões individuais de consumo
que variam de intensidade ao longo de uma linha contínua, trazendo
problemas para o indivíduo. Primeiramente, identifica-se o padrão de
consumo de uma pessoa e depois se determina sua gravidade, sendo
fundamental para individualizar o diagnóstico e coletar subsídios para o
planejamento terapêutico.

A representação social do alcoolismo e a intervenção


do Serviço Social
Estudos realizados demonstram que a violência intrafamiliar está
indiretamente relacionada com o uso abusivo do álcool. Barroso (2010)
expõe que o álcool não causa violência, mas é fator agravante, embora
apareça como segunda causa apontada pelas vítimas. As mulheres
têm dificuldades de reconhecer a violência de seus parceiros e acabam
atenuando a atitude violenta deles. Ainda segundo Barroso (2010, p. 7),
“criam subterfúgios que lhes permitem justificar perante elas próprias a
violência que sofrem. Essa atitude desculpabilizante contribui para inibir
a reação das vítimas e prolongar a situação”.
Assim reforçamos que o comportamento violento é uma atitude
socialmente apreendida e não o resultado do abuso de uma substância.
Portanto, a junção dos dois fatores (álcool e violência) pode aumentar
a gravidade, mas não significa que um agressor, deixando de beber,
eliminará o seu comportamento agressivo.
Compreender a dinâmica de todo esse processo, bem como
identificar na subjetividade do indivíduo todo um contexto social, histórico

29
e cultural fornecer subsídios para nortear a intervenção do Serviço Social
que pode evoluir para um tratamento de dependência química, mas não
resolverá os problemas pertinentes à agressão que deve ser dado outro
enfoque e outra abordagem terapêutica.
As representações que os alcoolistas e seus familiares têm da
doença estão ligadas às suas experiências cotidianas, ou seja, são de
acordo com sua maneira de viver e de encarar essa situação em sua
vida. Entendemos que as representações sociais são influenciadas pelo
social que intervém de várias maneiras nas cognições individuais: pelo
contexto concreto em que estão situados os grupos e as pessoas, pela
comunicação que se estabelece entre eles e pelos códigos, pelos valores
e pelas ideologias ligadas a posições individuais.
Representação social é definida por Moscovici apud Schulze (1988,
p. 5) como “um conjunto de conceitos, afirmações e explicações que se
originam no dia a dia, no decurso de comunicações interindividuais”. A
forma que a pessoa dá significado à determinada situação de sua vida é
exatamente a sua representação social, porque toda a sua interpretação
é fruto de suas relações com o mundo e com os outros. A necessidade
de tornar algo estranho, desconhecido em algo familiar e significativo na
vida é o que origina as representações sociais.
Porto e Knabben (1994) realizaram um estudo com casais com
relacionamento conjugal violento que procuravam o Serviço Social da
Delegacia para atendimento. Foram pesquisados seis casais com nível
de escolaridade baixo. A representação social acerca do alcoolismo
verificada nessa pesquisa foi de que não era visto como doença, no
sentido a priori, que pudesse desencadear a dependência alcoólica,
embora admitissem que fizesse mal à saúde. O alcoolismo era entendido
como ato voluntário do bebedor, que, por sua vez, se sentia imune às
consequências do álcool, porque novamente negava o vício.
A representação social de todas as mulheres pesquisadas, referente
ao alcoolismo, estava baseada apenas no senso comum, na significação
dada ao fenômeno a partir de experiências no seu cotidiano. Todas
tinham claro que o alcoolismo era o objeto dos seus problemas conjugais,
ao contrário do que pensavam seus esposos, ficando escamoteados por
interesse, medo, vergonha, comodismo, na sombra de suas esposas.
As consequências do alcoolismo são visíveis no dependente,
mas, via de regra, o indivíduo passa por um processo de negação em

30
que são acionados diversos mecanismos de defesa inconscientemente,
justificando, assim, a procura tardia pelo tratamento.
A intervenção do Serviço Social, na medida do possível, deve ser
de reflexão conjunta com a família para traçar estratégias adequadas.
Consideramos que a conscientização do alcoolista, enquanto um ser
doente, e de sua família só é possível quando se parte da realidade e
do entendimento que eles têm do problema para se chegar a uma
compreensão mais adequada da situação. A escolha do tratamento para
o controle da doença dependerá da afinidade e da adequação do usuário
a um determinado tipo de tratamento. Ou seja, quando o alcoolista
admite que sua dinâmica de vida está sendo prejudicada pela bebida, ele
consegue dar um passo em busca de ajuda especializada, favorecendo,
assim, que avance para o processo de aceitação do diagnóstico, levando-o
a uma possível adesão ao tratamento.
De acordo com Porto e Knabben (1994), há diferentes caminhos
para se trabalhar o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, expostos na
sequência.
• Conforme o grau de dependência, pode-se abrir mão de muitas
alternativas de tratamento, primeiramente se pensa em uma
internação para desintoxicação.
• Os Alcoólicos Anônimos (AA), que é uma entidade que desenvolve
trabalho voluntário, anônimo e gratuito, funciona por meio
de reuniões entre seus membros para troca de experiências e
depoimentos sobre o seu envolvimento com o álcool. Paralelo
aos Alcoólicos Anônimos, há grupos de familiares o chamado Al-
Anon, que é um programa de doze passos para familiares e amigos
de alcoolistas. Seus membros compartilham suas experiências
e buscam forças e esperança na tentativa de resolver seus
problemas comuns. Acreditam que o alcoolismo é uma doença
familiar e que mudanças de atitudes podem colaborar com a
recuperação. Também existe o grupo Alateen, que é uma divisão
do Al-Anon dedicada a familiares mais jovens.
• O internamento em comunidades terapêuticas seria
outra alternativa, mas somente quando o paciente estiver
desintoxicado, consciente de sua dependência alcoólica e
motivado para permanecer abstêmio é que poderá ter alta e
continuar seu tratamento fora do contexto hospitalar.

31
• A psicoterapia de grupo tem sido indicada, uma vez que se
dividem as experiências, o alcoolista não se sente diferente
dos demais e se vê na obrigação de falar. Ainda a psicoterapia
individual tem como objetivo diminuir o medo e as angústias
que a nova realidade poderá causar.
• Pode ser feito uso da laborterapia, que é o uso de drogas que
inibem a ação para beber, uma vez que o indivíduo não bebe em
função do mal-estar provocado pelo medicamento. O alcoolista
deve estar bem ciente das consequências do uso do álcool
combinado com a medicação, pois pode levar até ao óbito.
O grau de envolvimento da família dependerá do grau de
comprometimento do alcoolista. O apoio da família é essencial para
o sucesso da abordagem terapêutica, bem como para a prevenção da
reincidência.

Considerações finais
Embora o alcoolismo esteja muito relacionado à incidência da
violência doméstica, não é certo afirmar que, tratando da dependência
alcoólica, paralelamente eliminaremos a violência. O alcoolismo não
é um fator determinante da violência, mas precipitante, ou seja, ele,
entre outros fatores, pode contribuir para ocorrência do fenômeno e a
potencialização dos seus efeitos.
Certamente que, combatendo o alcoolismo, muitos conflitos
intrafamiliares cessarão e, consequentemente, diminuirá a incidência da
violência, mas ela só se extinguirá a partir da mudança de mentalidade,
do respeito mútuo e da igualdade de direitos.
Finalizando, acreditamos que o combate ao alcoolismo deve se
iniciar com um trabalho preventivo. A intervenção nas fases iniciais pode
contribuir para a prevenção. Essa ação deve ser compartilhada com o grupo
familiar, que precisa receber orientações nos processos de acolhimento.
Ressaltamos também a importância do tratamento especializado que se
preocuparia com aspectos de esclarecimento sobre a doença em escolas,
associações, clubes, enfim, em todas as instituições que contribuem
para a formação e a socialização dos indivíduos. Ressaltamos ainda que
é necessário elaboração de políticas públicas que privilegiem o combate
do alcoolismo de forma comprometida e articulada.
Contribuir para o processo de conscientização da sociedade de
32
que o alcoolismo é um problema de saúde pública é um grande desafio
que se apresenta para o os profissionais que atuam na área da Saúde.

Referências
BARROSO, Zélia. Violência nas relações amorosas. Disponível em: <www.
aps.pt/vicongresso/pdfs/597.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2010.
CREMESP. Usuários de substâncias psicoativas. Abordagem, diagnóstico
e tratamento. 2010. Disponível em: <http://www.cremesp.org.br/library/
modulos/publicacoes/pdf/substancias_psicoativas_2.pdf>. Acesso em: 5
nov. 2010.
D’ALBUQUERQUE, Luiz A. Carneiro; SILVA, Adávio de Oliveira. Doença
hepática alcoólica. São Paulo: Sarvier, 1990.
MASUR, Jandira. A questão do alcoolismo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
PORTO, Eliane O.; KNABBEN, Júlia de Macedo. A representação social em
casais com relacionamento conjugal violento, atendidos pelo Serviço
Social da 6ª Delegacia de Policia da Capital – SC. 1994. 59 f. Monografia
(Graduação em Serviço Social) – Universidade do Sul de Santa Catarina,
Florianópolis, 1994.
SCHULZE, Clélia Maria Nascimento. A contribuição das representações
sociais cognitivas no diagnóstico e intervenção junto ao paciente
canceroso. Florianópolis: UNISUL, 1988.

33
USO DE MORFINA POR PROFISSIONAIS DA SAÚDE
Ana Paula Dias
Rosânia Aparecida Rodrigues

Resumo
Este estudo tem como objetivo analisar o uso da morfina por
servidores da Saúde para fins terapêuticos. Para tanto, utilizamos os
conhecimentos adquiridos no curso de aperfeiçoamento em dependência
química no hospital Regional de São José, Instituto de Cardiologia, e a partir
de referências bibliográficas. Nos estudos, evidenciou-se a dificuldade
de conviver com usuários e dependentes químicos de morfina. Como
colegas de trabalho, requerem atenção e alerta. Percebe-se também que
o quadro de dependência gerou uma série de comprometimentos nas
habilidades físicas e mentais nos usuários.

Palavras-chave: morfina, dependência química, usuários, profissionais


da Saúde.

Introdução
A morfina, inicialmente desenvolvida para fins terapêuticos,
atualmente está sendo usada como droga no ambiente de trabalho,
causando problemas de toda ordem, como faltas injustificadas,
mudanças de humor e dificuldades em finalizar algumas tarefas.
Observou-se que os profissionais da Saúde têm de dois a três vínculos
empregatícios, excesso de plantões, problemas familiares e o acesso à
droga facilitado por trabalharem em um hospital. O mais preocupante é
que esses profissionais estão em plena atividade profissional, atendendo
a pacientes e realizando tarefas que exigem muita concentração.
Este estudo foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica e
análise dos conhecimentos construídos no curso de aperfeiçoamento em
dependência química.

35
A morfina e seu uso
A morfina é uma droga derivada do ópio. Foi criada em 1803
pelo farmacêutico alemão Friedrich Wilhelm Adam Serturner, que deu
nome ao remédio em homenagem ao Deus grego do sono, Morfeu. Essa
substância é produzida em laboratórios e usada para o alívio de dores.
Pode causar dependência física e psicológica em função de seus sintomas,
como, por exemplo, o bem-estar e a euforia. Seu uso foi mais difundido
nos anos 50, com o advento da seringa hipodérmica.
Na Guerra Civil Americana (1861-1865), quatrocentos mil soldados
desencadearam dependência à morfina. Em 1874, o Inglês Alder Wringht,
na tentativa de criar uma substância tão poderosa para dor quanto a
morfina, extraiu uma substância da papoula que deu origem à heroína, a
qual entrou no mercado farmacêutico em 1898 e foi retirada de circulação
cinco anos mais tarde devido ao alto poder de dependência.
Devido à alta utilização de derivados do ópio na Primeira Guerra
Mundial e a um grande número de dependentes em drogas, a venda de
substâncias psicoativas foi proibida em vários países, e iniciou-se uma
série de restrições ao seu uso após as convenções internacionais de 1925
e 1931. Porém, na Segunda Grande Guerra, o ópio voltou a se expandir e,
juntamente, a heroína em Hong Kong e Marselha.
Em 1971, Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos,
devido ao grande consumo ilegal de opiáceos, iniciou uma campanha
contra produtores e traficantes da droga.
Atualmente, o ópio ainda é usado sob a forma de morfina e em
outras drogas medicinais, com doses prescritas em meios hospitalares
para pacientes com dores intensas, como portadores de câncer, doenças
isquêmicas e patologias ósseas.

A dependência por opioides


No Brasil, a dependência mais comum por opioides se dá pelo uso
de morfina para alívio de dores de causas patológicas em meio hospitalar
a partir de prescrição médica. O indivíduo que faz uso de tal droga
para fins terapêuticos poderá desenvolver dependência por morfina e
derivados de ópio.
O ópio atua no Sistema Nervoso Central (SNC) e em órgãos
periféricos e atinge quatro tipos de receptores específicos situados em
áreas sensoriais, límbicas, hipotalâmica, amígdalas, entre outros.
36
Segundo Baltieri et al. (2004), as síndromes clínicas associadas
ao uso de opioides se distribuem em: intoxicação, abuso, dependência
e abstinência. Segundo os autores, a intoxicação é caracterizada por
sedação, apatia, euforia ou disforia, rubor facial e prurido, memória
prejudicada, analgesia, constipação, sonolência, depressão respiratória,
hipotensão e taquicardia. O abuso se caracteriza por: uso recorrente da
substância e incapacidade de realizar obrigações funcionais, problemas
legais recorrentes. Já a dependência tem as seguintes formas de
apresentação: tolerância, síndrome de abstinência, consumo, aumento
e frequência do uso, esforços para não fazer uso da substância, tempo
despendido para adquirir a substância, utilizar e recuperar-se, diminuição
de atividades funcionais e sociais. E, finalmente, a abstinência se manifesta
por hiperalgesia, fotofobia, arrepios, diarreia, taquicardia, hipertensão,
gastralgias, dores articulares e mialgias, ansiedade e depressão do
humor. A meia vida de derivados de opioides é de uma a quatro horas
dependendo da via de administração.

A dependência de morfina por profissionais da


Saúde
Como já citado, a morfina está disposta em meios hospitalares
para fins terapêuticos em pacientes com dores crônicas ou agudas
de grandes intensidades, principalmente em portadores de câncer,
doenças isquêmicas e patologias ósseas. Em tese, no meio hospitalar,
o medicamento deveria estar trancafiado sob a responsabilidade de um
funcionário de confiança, e este deveria dispensar a medicamentação
conforme prescrição e somente no momento de seu uso.
Devido ao alto fluxo de pacientes nos hospitais públicos do Brasil,
principalmente em emergências, torna-se difícil dispor de um funcionário
que fique à mercê da dispersão de medicamentos controlados, já que
teria de realizar outras inúmeras funções. Assim, os medicamentos
psicotrópicos ficam quase que à vontade para a manipulação dos
funcionários de enfermagem e médica. Dessa forma, facilita-se o uso por
experimento dessas drogas por profissionais da Saúde.
Segundo Poles e Boccia (2000), a dependência por morfina entre
profissionais da Saúde é tão crescente que já se cogita em tratá-la
como doença ocupacional. Num estudo realizado na Universidade da
Califórnia, 20% dos profissionais da Saúde entrevistados confessaram
37
que já usaram opiáceos, duas vezes superior à média de consumo de
drogas da população mundial. Ainda conforme os autores, o consumo de
morfina entre os profissionais da Saúde só perde para o álcool.
Segundo Aquino apud Poles e Boccia (2000), em oito anos, foram
atendidos oitenta médicos dependentes de drogas no núcleo de estudos
e pesquisas em atenção ao uso de drogas da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro. No Brasil, segundo estudos realizados entre a população em
geral, principalmente estudantes, não se evidenciou um grande número
de dependentes de opiáceos e seu uso se restringe principalmente ao da
codeína e xaropes de ópio. Conclui-se, assim, que o uso não terapêutico
de substâncias opiáceas é considerado não frequente no País. No
entanto não há estudos suficientes no Brasil que denotem o uso abusivo
de morfina por profissionais da Saúde e sim estudos que relatam o uso
de opioides por estudantes de Medicina.
O que leva tantos profissionais da Saúde a experimentar a droga,
além da curiosidade dos “prazeres” que a droga pode provocar, são os
longos períodos de trabalho e o estresse que a própria profissão lhes
impõe. Por ser uma droga restrita de uso hospitalar, o vício por morfina é
praticamente exclusiva da classe médica e profissionais da Saúde, já que
o tráfico de opioides no Brasil não é comum.
O mais espantoso é que esses profissionais mantêm-se na ativa
mesmo fazendo uso de morfina, são dependentes dela, demonstram
diariamente características de abuso e são assistidos por colegas sem
sequer serem abordados pelas instituições e encaminhados a tratamentos
de desintoxicação.
Esses profissionais lançam mão de diversas artimanhas para fazer
uso da droga, desde utilização da sobra de ampolas que são guardadas
em seringas até uso da medicação que deveria ser administrada em
pacientes. Isso ocorre dessa maneira para que, quando for feito o
controle de entrada e saída de psicotrópicos, não se perceba a perda da
medicação.
Segundo Baltieri (2004), o que leva dependentes de opioides a
procurar tratamento médico são apenas os casos de overdose. Isso nos
faz refletir sobre o quanto os colegas são negligentes com os usuários de
morfina, isto é, espera-se ter uma overdose ou um distúrbio de conduta
grave para que sejam denunciados. E mais do que denunciados, deveriam
ser incentivados a buscar ajuda.

38
Já que há o conceito de que o uso abusivo de morfina é considerado
doença ocupacional, precisariam ser tratados por profissionais de
doenças ocupacionais que deveriam estar à disposição dos servidores na
instituição em que trabalham. Mas ocorre o contrário, esses profissionais
são vistos como um estorvo para a instituição e, muitas vezes, são
afastados de suas atividades tão somente, não sendo incentivados e
encaminhados a serviço de tratamento para tais transtornos.
O Governo do Estado de Santa Catarina aprovou a Lei 14.609/09,
que criou o Programa Estadual de Saúde Ocupacional, regulamentado
pelo Decreto n. 2709, de 27 de setembro de 2009, instituindo o Manual
de Saúde Ocupacional, que atuaria de forma preventiva em questões
relativas ao estresse de profissionais da Saúde. O Manual de Saúde
Ocupacional estabelece que profissionais da Saúde sejam habilitados
para atuar junto àqueles que necessitem de apoio relacionado a doenças
de causa ocupacional. Porém tal Manual está em fase de implantação
no Hospital Regional Homero de Miranda Gomes e no Instituto de
Cardiologia de Santa Catarina. Espera-se que essa inciativa contribua
com processo de atendimento adequado às questões relacionadas ao
tema da dependência química.

Considerações finais
Percebe-se que a dependência por morfina por profissionais da
Saúde é um problema real que deve ser enfrentado e discutido nas
instituições de saúde e não transformado num dogma com códigos de
silêncio como se profissionais da Saúde estivessem imunes à dependência
química.
Percebe-se que ainda, no Brasil, não há normas ou leis que obriguem
as instituições a prestar atendimento ao profissional doente, apenas
quando se trata de seu afastamento, deixando-o exercer plenamente
as suas atividades laborais, mesmo que de forma inadequada e não
produtiva. Mais vale deixá-lo trabalhando da forma como trabalha do
que retirá-lo do seu setor para tratamento adequado e repor com outro
profissional até a sua recuperação.
A verdadeira necessidade é propor que as instituições estruturem
serviços com profissionais capacitados para atendimento ao profissional
da Saúde para que se sinta à vontade em busca de ajuda como prevê o
Manual de Saúde Ocupacional, que tem função de identificar e buscar
39
ativamente esses profissionais. Para tanto, não basta deixar apenas no
papel, é necessário colocá-lo em prática.

Referências
BALTIERE, D. A. et al. Diretrizes para o tratamento de pacientes com
síndrome de dependências de opioides do Brasil. Revista Brasileira de
Psiquiatria, São Paulo, v. 26, n. 4, dez. 2004.
POLES, C.; BOCCIA, S. Vício de branco: o drama dos médicos que cedem
ao apelo das drogas e se tornam dependentes de morfina. Veja, São
Paulo, ed. 1637, p. 76, 23 fev. 2000.

40
COCAÍNA COMO DESENCADEANTE DO
INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO

Andréa Conradi
Vivian Patricia Haviaras

Resumo
Estudos mostram que o consumo da cocaína tem aumentado
nos últimos anos, é a droga ilícita mais comumente usada entre jovens
que procuram assistência em centros de emergência ou tratamento
para dependentes químicos. A associação dessa droga com as doenças
cardiovasculares, mais especificamente com infarto agudo do miocárdio
(IAM), vem sendo evidenciada a partir de estudos. O uso da cocaína pode
ser um dos fatores desencadeantes do IAM, além de outras complicações
cardiovasculares. Assim, o objetivo deste trabalho é relatar a associação
dessa droga ao IAM em usuários e dependentes, principalmente em
jovens que chegam a pronto atendimento com dor torácica e sem outros
fatores de risco preexistentes.

Palavras-chave: infarto agudo do miocárdio, doenças cardiovasculares,


cocaína.

Introdução
Apresentaremos uma breve revisão da literatura sobre o uso de
drogas, mais especificamente sobre a cocaína e como ela pode ser fator
desencadeante do infarto agudo do miocárdio. Durante o processo de
levantamento de dados, encontramos dificuldades de trabalhos científicos
atuais relacionados a esse tema, por outro lado foram identificados
muitos estudos de casos.
A associação do uso de cocaína a doenças cardíacas isquêmicas
já vem sendo investigada há vários anos e já se sabe que essa droga
diminui a contratilidade do músculo cardíaco, reduz o calibre das artérias
coronárias e o fluxo sanguíneo no seu interior, causando arritmias
cardíacas, aumentando a frequência cardíaca e a pressão arterial, o que
pode provocar o infarto.

41
O objetivo deste estudo foi discutir sobre o crescente aumento
de jovens que são acometidos por IAM pelo uso de cocaína. Os dados
evidenciados, segundo Gazoni et al. (2006), mostram grande incidência de
pacientes jovens do sexo masculino que chegam ao pronto atendimento
com dor torácica aguda sem outros fatores de risco preexistentes, mas
com o uso da cocaína como fator desencadeante do infarto agudo do
miocárdio.
A partir da análise dos estudos de casos pesquisados e bibliografias
afins, esperamos contribuir para o entendimento desse fenômeno,
buscando ações preventivas mais efetivas e desenvolvimento de
tratamentos e focando a dependência da cocaína como fator importante
na anamnese (exame físico, psíquico e história pregressa) do paciente
jovem com dor torácica.
A cocaína é uma substância que estimula fortemente o sistema
nervoso central. É extraída de uma planta chamada Erytroxylon coca ou
simplesmente coca, na forma de cloridrato de cocaína que pode ser
tomada via oral, intravenosa ou nasal. Também encontramos na forma
de “base livre” ou crack, a qual, em temperaturas elevadas, permite que
seja fumada. A cocaína era usada farmacologicamente por indígenas sul-
americanos que utilizavam as folhas mastigando-as. Os incas acreditavam
que a folha da coca fosse um presente do Deus Sol e a usavam durante
suas cerimônias.
O primeiro uso medicinal da cocaína na Europa é datado de 1884,
como anestésico local para cirurgia ocular. A cocaína, quando inalada,
é absorvida rapidamente pelos vasos pulmonares e atinge a circulação
cerebral em aproximadamente seis a oito segundos, produzindo intensa
euforia. Tem vida plasmática em torno de trinta a noventa minutos. A
droga é encontrada em maior concentração no cérebro, no baço, nos rins
e no pulmão (GAZONI et al., 2006).

Estudos sobre a implicação do uso da cocaína como


fator desencadeante do IAM
Com o crescente aumento do uso da cocaína por jovens nos últimos
anos, ampliou-se também o número de estudos de casos, aguçando a
curiosidade de novos pesquisadores.

Em 1982, Coleman et al. relataram pela primeira

42
vez associação entre consumo de cocaína, isquemia
e infarto do miocárdio. Desde seu primeiro relato
até os dias atuais, a dor torácica relacionada com
o consumo de cocaína vem sendo um crescente
problema entre os pacientes jovens que se
apresentam aos serviços de pronto atendimento
médico. (POTT JÚNIOR; FERREIRA, 2009, p. 386)

O uso da cocaína e do crack é cada vez mais crescente, e a dor


torácica é frequente após a inalação dessas substâncias. Mittleman et
al. (1999) destacam a importância de a cocaína entrar no diagnóstico
diferencial como fator desencadeante do IAM em pacientes de faixa
etária menor.
O IAM é a lesão das células do músculo do coração causada pela
obstrução temporária ou definitiva de uma artéria coronária que pode
acontecer por alguns fatores de risco preexistentes que o paciente
apresente ou um fator novo desencadeante. Knobel, Souza e Andrei (2002,
p. 25) nos dizem que o “infarto agudo do miocárdio é o desenvolvimento
de necrose miocárdica decorrente de isquemia severa”.
Um estudo de Osterne et al. (2000) mostrou cinco casos comprovados
de IAM ocorridos após inalação de cocaína. Todos os pacientes eram do
sexo masculino com idade que variavam de 24 a 41 anos. Todos deram
entrada na emergência com menos de seis horas de evolução do infarto
com exceção de um. Desses, quatro pacientes apresentaram angiografia
coronária sem lesões significativas após resolução da trombose local.
Um paciente com oclusão total de descendente anterior foi submetido à
angioplastia primária com implante de Stent (endoprótese expansível).
Silveira e Col (2009) nos mostram a relação do IAM com pacientes
jovens usuários de cocaína por meio de relato de caso numa emergência
de hospital. Admite-se que doses entre 200 g e 2.000 g de cocaína, por
qualquer via, possam causar IAM e que os indivíduos mais susceptíveis
são aqueles que utilizam a droga pela primeira vez.
O uso da cocaína, sendo a primeira vez ou não do usuário, pode
ocasionar IAM. Ela ativa no organismo os receptores Beta-adrenérgicos,
e o miocárdio necessita de aumento da demanda metabólica
quando, juntamente com a ação, agoniza da 5- hidroxitiptamina e faz
vasoconstricção coronariana, podendo levar à isquemia miocárdica (IAM).
Portanto a cocaína apresenta reações no organismo que, dependendo

43
da dose utilizada e da sensibilidade do usuário, pode ocasionar o IAM
ou outras complicações cardiovasculares, como hipertensão arterial,
arritmias, miocardite, dissecção aguda da aorta, edema agudo de pulmão
e endocardite infecciosa.
A cocaína também é potente ativador plaquetário, altera os níveis de
epinefrina, o fator inibidor do plasminogênio tecidual e, assim, a redução
da fibrinólise. Essas alterações demonstram que o usuário, mesmo sem
a doença aterosclerótica, pode apresentar IAM por consequência de
trombose. “A cocaína é causa de dor torácica e faz parte do grupo das
etiologias de síndrome coronariana aguda de causa não aterosclerótica.”
(SILVEIRA; COL, 2009, p. 56)
Após o uso da cocaína, pode ocorrer a dor torácica acompanhada
ou não de vômitos, sudorese profusa e sensação de morte iminente.
Quando o usuário também faz uso de tabaco e bebidas alcoólicas,
pode apresentar aumento da dor torácica. “[...] cerca de 5% a 7% dos
pacientes desenvolvem insuficiência cardíaca e cerca de 2% vão a óbito.”
(SILVEIRA; COL, 2009, p. 57) Isso significa que os usuários de cocaína
podem apresentar um IAM enquanto estão usando a droga, ocorrendo o
óbito sem ao menos terem recebido socorro.
Existem os quatros mecanismos principais que podem atuar
distintamente no funcionamento do sistema cardiovascular, ocasionando
danos reversíveis como também irreversíveis.
• Em primeiro, estudos in vitro mostram que o uso de cocaína
aumenta a agregação plaquetária, potencializando sua ativação e
diminuição do fator anticoagulante endógeno, contribuindo para
a formação de trombos que podem obstruir artérias coronárias
previamente normais, resultando em isquemia do miocárdio.
• Segundo, seriam os efeitos simpatomiméticos da cocaína com a
indução do aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial.
Esses efeitos levam ao aumento na demanda de oxigênio para o
coração.
• Terceiro, a cocaína induz vaso espasmo das artérias coronarianas.
Essa reação com o da droga já é comprovado, porém o mecanismo
de ação que leva ao vaso espasmo não está esclarecido. Essa
reação no sistema cardiovascular também pode levar à isquemia
do miocárdio.
• Quarto, estudo realizado em relatórios de autópsias sugere que

44
o mau uso prolongado da cocaína provocou diperplasia intimal
e aterosclerose precoce em jovens que morreram após o uso de
cocaína por IAM e ou lesão arterial prévia por espessamentos
das pequenas artérias coronárias.

Segundo um estudo descritivo transversal (BRAVO; MONTILLA,


1999), há um predomínio do sexo masculino sobre o feminino em casos
de IAM por uso de cocaína. Esses resultados são compatíveis com outros
estudos em que o uso de cocaína está associado ao sexo masculino
com maior prevalência. 88% de pacientes que ingressaram no estudo
negaram o consumo de drogas por fatores de índole social, moral, legal
etc.
Um alerta científico (RAMOS, 2004) nos mostra que a cocaína é
a droga mais comum entre usuários que procuram emergências e, além
disso, é a causa mais frequente de óbitos relacionados ao consumo de
droga, uma das principais causas de morte na população entre 15 e 44 anos
e também responsável por 25% dos IAM. O risco é 24 vezes mais elevado
nos primeiros 60 minutos após o consumo. Cerca de 6% dos pacientes
que se apresentam com dor torácica associada à cocaína evoluem
para quadros de IAM. A maioria dos pacientes é jovem, tabagista, com
história de uso repetido de cocaína. Cerca de 50% desses pacientes não
apresentam lesão coronariana nos exames de cineangiocoronariográfica.
As complicações pós-infarto, como as arritmias ventriculares, ocorrem
em 4 a 17% dos pacientes hospitalizados, a insuficiência cardíaca
congestiva ocorre entre 5 a 7%, e os óbitos em 2%. A baixa incidência de
complicações se deve à idade dos pacientes e a maioria delas ocorre nas
primeiras 12 horas de internação.

Considerações finais
Pode-se concluir, após análise dos estudos descritos, que a cocaína
foi apontada como desencadeante do IAM, principalmente em jovens do
sexo masculino, com ou sem comorbidades preexistentes, considerando
ainda o uso concomitante do tabaco e hábitos de vida não salutares.
Portanto deve ser seriamente considerado em pacientes jovens sem
fator de risco para doenças cardiovasculares o questionamento sobre o
uso de drogas ilícitas, enfatizando a cocaína na anamnese do paciente.

45
A abordagem para o diagnóstico e o tratamento são diferenciados para
pacientes que apresentam doenças cardíacas ateroscleróticas com ou
sem fatores de risco. Assim, deve-se incluir o questionamento do uso da
cocaína principalmente quando se apresentar um jovem que chega a um
pronto atendimento com queixa de dor torácica aguda. Uma anamnese
mais específica traria mais indícios para investigação do diagnóstico,
mesmo que breve, quando se investiga o consumo de álcool e drogas.
Os profissionais da Saúde que trabalham em Emergência
de Cardiologia convivem diariamente com a chegada de pacientes
exatamente como os estudos evidenciam. São jovens do sexo masculino
que apresentam dor torácica aguda sem fatores de riscos prévios. Na
maioria das vezes, numa primeira abordagem, não é revelado, mas,
durante o período de espera da chegada dos resultados dos exames
laboratoriais, o paciente acaba revelando o uso da cocaína. Outra situação
em que ocorre a revelação do uso de substâncias psicoativas é quando os
pacientes dão entrada nas emergências com alteração de conduta, o que
se detecta na anamnese.
Portanto, este estudo nos fez repensar e aguçar nosso interesse
em questionar essa clientela em especial, modificando nossa conduta,
com uma visão mais ampliada em relação aos pacientes dependentes
químicos, visto que a dependência química é uma doença como os outros
fatores de risco para o IAM já descritos anteriormente. Assim, deve ser
tratado com o propósito de reabilitação do paciente e prevenção para
que o uso da cocaína não seja novamente um fator desencadeante para
um segundo IAM ou alguma outra complicação cardiovascular.

Referências
BRAVO, A.; MONTILLA, C. la cocaína como factor desencadenante de
arritmia cardíaca y/o infarto del miocardio. Boletim Médico de Postgrado,
v. XV, n. 3, sep. 1999.
GAZONI, F. M. et al. Complicações cardiovasculares em usuário de
cocaína. Relato de Caso. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 18, n.
4, out./dez., 2006.
KNOBEL, E.; SOUZA, J. A. M; ANDREI, A. M. Terapia intensiva cardiologia.
São Paulo: Atheneu, 2002.
MITTLEMAN, M. A. et al. Triggering of myocardial infarction by cocaine.

46
Circulation, 99: 2737-2741, 1999.
OSTERME, A. et al. Infarto agudo do miocárdio associado ao uso de
cocaína. Revista Centro-Oeste de Cardiologia, v. 5, n. 2, 2000.
POTT JÚNIOR, H.; FERREIRA, M. C. F. Infarto agudo do miocárdio induzido
por cocaína. Relato de Caso. Bras. Patol. Med. Lab., v. 45, n. 5, p. 385-
388, out. 2009.
SILVEIRA, A.; COL, M. Infarto agudo do miocárdio em jovem usuário de
cocaína. Relato de Caso. Revista SOCERJ, 22 (1): 56-58, jan./fev. 2009.

47
Parte II
Relatos do projeto de extensão Prevenção à
Dependência Química desenvolvido em Santa
Catarina e no Tocantins

49
RELATO DO PROJETO PILOTO EM SANTA CATARINA
Fernanda Machado

Resumo
Este artigo apresenta o relato do projeto piloto Prevenção à
Dependência Química desenvolvido em Santa Catarina, oportunizado
pela Fundação Universidade do Tocantins (Unitins) e pelo Governo
do Estado do Tocantins. As atividades contempladas no projeto foram
realizadas por acadêmicos estagiários do curso de Serviço Social da
Unitins nos municípios de Araranguá, Içara, Dionísio Cerqueira, Campos
Novos, São João Batista, São Francisco do Sul e Joinville. Objetiva-se, por
meio do relato da experiência profissional, elucidar as ações preventivas
e a importância da educação nesse processo. Conclui-se que educação,
informação e prevenção fortalecem as redes de atenção à dependência
química. O projeto aplicado no estado de Santa Catarina serviu como
fonte de conhecimento e atualização e proporcionou discussões e
reflexões nas diversas áreas da saúde, da educação e da segurança
pública como embasamento científico sólido suficiente para ampliar a
visão crítica a respeito da dependência química (DQ), buscando atenuar
esse fenômeno de tamanha complexidade.

Palavras-chave: dependência química, prevenção, educação, informação,


Serviço Social.

Introdução
Atualmente, o abuso de drogas perpassa várias classes e instâncias
sociais e relaciona-se com doenças e delinquências, entre outros

51
problemas. Reconhecendo a gravidade das repercussões desse abuso
na saúde da população e seu custo social, a comunidade internacional
empreende esforços para controlá-lo (VELHO, 1994).
O uso de drogas é uma prática disseminada na sociedade que
vem trazendo consequências desastrosas. Desestruturação familiar e
profissional, aumento da violência e crescimento de acidentes de trânsito
são algumas das consequências de tais problemas sociais.
A Unitins e o Governo do Estado de Tocantins se uniram para
oportunizar, por meio do projeto Prevenção à Dependência Química,
ampla discussão acerca do próprio papel da Universidade enquanto
gestora do saber e aprendente social. Ao mesmo tempo, aproximaram-
se da comunidade e tornaram-se parceiros e coatores da cidadania e da
qualidade de vida tão necessária nestes tempos desafiadores.
Menezes (2012, p. 81) salienta que

Especialistas no assunto estão cada vez mais


convencidos de que é muito melhor e mais
produtivo um trabalho de prevenção às drogas, de
conscientização de seus malefícios. Pois o trabalho
de recuperação muitas vezes não ultrapassa o
índice de 30%, em clínicas de tratamento e nos
hospitais-dia é de apenas 12%. Estatisticamente
está provado que a terapêutica preventiva oferece
resultados mais positivos e menos onerosos do
que a terapêutica curativa. Ainda continua sendo
“melhor prevenir do que remediar”.

A prevenção por meio da educação traz melhorias na qualidade


de vida da população. Tal prática preventiva é um método baseado no
acesso à informação. Conforme Divisão Estadual de Narcóticos (2000, p.
53),

Prevenção é: vir antes, avisar; preparar; impedir que


se realize; antecipar uma informação; alertar sobre
algo; preparar alguém/algo para evitar alguma coisa.
A prevenção então é o ato ou efeito de prevenir, a
disposição ou preparo antecipado; é o trabalho com
valores, sentido da vida e com o projeto existencial
de cada ser humano.

52
Sabemos que a educação para a saúde e para a cidadania deve ser
exercitada de forma intensa e sistemática via fóruns, audiências públicas,
debates, congressos, cursos, pesquisas e todos os mecanismos que
permitam levantar dados reais de cada contexto, seus óbices e as possíveis
soluções – trabalho de gente que quer solução e não simplesmente se
queixar (BARBOSA, 2011).
Este artigo constitui um relato do projeto Prevenção à Dependência
Química, realizado no estado de Santa Catarina, desenvolvido pela
Fundação Universidade do Tocantins e pelo Governo do Estado do
Tocantins por meio do curso de Serviço Social.
De acordo com Barbosa (2011), a Unitins e o curso de Serviço Social
contribuem para que as diversas forças comunitárias se mobilizem e
promovam amplos debates e planos de ação como a capacitação de seus
alunos e profissionais para que somem à sua práxis novas abordagens
e metodologias, necessárias a todas as ações relacionadas à saúde,
particularmente, aquelas relacionadas à Saúde Comunitária e à Saúde
Mental. Ações integradas são de fundamental importância nas relações
entre a Universidade e os aparatos governamentais, de tal forma que
se possa articular Saúde Mental com as políticas públicas do Estado, via
intersetorialidade.

Relato da experiência do projeto piloto em Santa


Catarina
A Fundação Universidade do Tocantins é uma Universidade
presente em todo o território nacional.
Em Santa Catarina, atuaram dezesseis profissionais de Serviço
Social (um coordenador, nove supervisores de campo e seis supervisores
acadêmicos). O projeto de extensão Prevenção à Dependência Química foi
aplicado em Polos com supervisão acadêmica realizada por professores
orientadores e supervisão de campo feita por professores assistentes
sociais, todos vinculados à Unitins, com acompanhamento presencial
de assistentes sociais, supervisores regionais contratados também pela
Unitins. As atividades contempladas no projeto de extensão foram
realizadas por acadêmicos estagiários do curso de Serviço Social da Unitins
em três etapas nos municípios: Araranguá, Içara, Dionísio Cerqueira,
Campos Novos, São João Batista, São Francisco do Sul e Joinville.

53
Etapas do projeto em Santa Catarina
Na primeira etapa do projeto, os acadêmicos elaboraram um
relatório diagnóstico a partir de levantamento e mapeamento da rede
de políticas públicas de prevenção e combate à dependência química na
educação, na saúde e na segurança pública. Nesse aspecto, o projeto
oportunizou um momento de produção e difusão do conhecimento,
pois os estagiários desenvolveram ações como: visitas domiciliares,
visitas institucionais, diagnóstico da situação da dependência química,
mapeamento da rede por meio da construção do relatório diagnóstico.
Na segunda etapa do projeto, foi oferecido o curso de capacitação
Prevenção à Dependência Química a funcionários públicos da saúde,
da educação, da segurança pública, da sociedade civil organizada e de
comunidades, chamados de multiplicadores. Esse curso foi ministrado
em polos espalhados pelo estado de Santa Catarina. Os acadêmicos,
sob orientação do supervisor de campo e do supervisor acadêmico,
divulgaram o curso de Prevenção à Dependência Química, organizaram-
no e mediaram os encontros presenciais voltados para a capacitação dos
multiplicadores.
O curso foi estruturado em seis módulos distribuídos em seis
semanas. Cada encontro presencial foi mediado pelo supervisor de
campo e por acadêmicos. Os encontros tiveram uma sequência de
atividades previamente definidas e os multiplicadores assistiram às
teleaulas ministradas pelos professores autores dos módulos, todos
especialistas na área de dependência química.
Para obter o certificado de 60h, emitido pela Fundação Universidade
do Tocantins, os multiplicadores elaboraram um projeto de intenção de
ações de prevenção à dependência química. Esse projeto de intenção de
aplicabilidade do potencial de multiplicação em seus locais de trabalho
(instituições ou comunidade) cumpriu com a meta maior do projeto
Prevenção à Dependência Química, que é a multiplicação de ações de
prevenção.
Na terceira e última etapa do projeto, os acadêmicos, sob a
orientação do supervisor de campo e do supervisor acadêmico, aplicaram
uma pesquisa participante via o instrumental (visita domiciliar) para
coletar dados nos municípios onde estão localizados os Polos da Unitins.
Os dados serão enviados para a Secretaria Nacional de Combate às
Drogas, à Secretaria Nacional de Segurança Pública, ao Ministério da

54
Educação e ao Ministério da Saúde, para que possam servir de subsídios
para elaboração de políticas públicas na área da prevenção da DQ.
O conhecimento decorrente da aplicação da pesquisa em
dependência química também foi um veículo de aprendizagem e
mudança de postura, permitindo maior participação da sociedade e das
comunidades no processo de construção e utilização desse conhecimento
por meio da implementação de ações de combate e prevenção da
dependência química.

Resultados obtidos na pesquisa realizada nos


municípios de Santa Catarina
Seguem as considerações finais dos relatórios de pesquisa
elaborados por acadêmicos do curso de Serviço Social, sob a coordenação
dos supervisores de campo.

Joinville
Observou-se, durante a pesquisa, que ainda há certo receio para se
falar sobre a dependência química. Apesar de aparentar estar intimamente
ligada à dependência química, a sociedade ainda desconhece as formas
de prevenção, trato e tratamento, porém é conhecedora dos tipos de
drogas e dos locais de uso.
Isso demonstra que vivemos em uma sociedade de risco, e o
verdadeiro colapso da dependência está apenas no início. Os conflitos
familiares são os vieses da busca a tais substâncias, pois, por mais que se
fale da importância do diálogo familiar, ainda pouco acontece.
Constatou-se, durante a pesquisa, como o consumo de drogas está
próximo de nossos lares e atentou-se para a inércia em que se encontra a
família no trato com a dependência. Toda criança necessita de um útero
social para se desenvolver e, em seu primeiro momento, é a família que
a constitui. Percebe-se que isso ainda não é assimilado pela família,
buscando no controle da rebeldia e no consumismo a solução para os
seus conflitos.
Atenta-se para o fato de vivermos a era das especificidades. Poucas
ações, tanto na esfera pública como nas iniciativas da sociedade civil, são
voltadas para a visão do todo que envolve a família e, principalmente, do
comprometimento de seus membros com a dependência química.

55
Içara
Por meio do estudo, foi possível caracterizar o perfil social,
econômico e cultural e o nível de conhecimento da população içarence
em relação à dependência química. Certamente esse estudo despertou
na população a concepção de que o problema de dependência química é
um problema social inerente a todos nós.
Em relação aos serviços existentes no município, Içara dispõe de
uma rede estruturada, contudo esses serviços ainda são insuficientes para
atender à demanda. Trabalhar com a prevenção é difícil, necessitamos
de trabalhadores e comunidade no mesmo grau de envolvimento, pois o
resultado depende do comprometimento de ambas as partes.
Na análise das alternativas apontadas, a população fez muita
referência à necessidade de mais informação (palestras, reuniões nas
comunidades), à educação por meio do trabalho sistemático em sala de
aula. A fiscalização deveria ser mais atuante, e deveria ter mais clínicas
direcionadas ao tratamento, pois as vagas disponibilizadas à população
são insuficientes. Certamente os trabalhos devem ser intensificados nas
comunidades, com aproximação dos trabalhadores da área da saúde, da
educação e da assistência social. É fundamental a democratização das
discussões, é preciso perceber que a participação da sociedade é um
fator determinante para o sucesso de qualquer iniciativa.
Para ocorrerem transformações, as ações preventivas devem ser
pautadas em princípios éticos, em busca da promoção de valores voltados
à saúde física e mental, individual e coletiva. Toda ação preventiva deve
ser planejada. Ressaltamos também que as campanhas educacionais
e preventivas precisam ser claras, atualizadas e com embasamento
científico, considerando sempre as especificidades do público-alvo e as
diferenças culturais.
Concluímos que é essencial a participação de todos os atores
sociais, possibilitando que se tornem multiplicadores, com objetivo
de ampliar, articular e fortalecer as redes de atenção à dependência
química, visando ao desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar e
multiprofissional.

Araranguá
O projeto teve como objetivo demonstrar o impacto provocado

56
pelo uso/abuso de drogas lícitas e ilícitas na sociedade. Atualmente, a
postura social diante do uso de drogas é marcada pela contradição do
lícito e do ilícito, bem como pelas diversidades de opiniões a respeito
dos danos, dos benefícios, do prazer e do desprazer. As novas tecnologias
de informação e comunicação acompanham essas contradições. De um
lado, a população recebe uma série de informações sobre a violência
relacionada ao tráfico e sobre os perigos das drogas e, por outro lado,
é alvo de sofisticadas propagandas para estímulo das vendas de drogas,
como, por exemplo, as bebidas alcoólicas. Nesse contexto, os grupos de
drogas semelhantes em vários aspectos farmacológicos passam a ser
encarados tão distintamente na opinião pública, o que gera posturas
extremamente incoerentes sob a ótica da saúde.
Diante dos dados coletados e analisados na pesquisa, ficou evidente
que os entrevistados têm acesso a informações sobre drogas através dos
meios de comunicação. As formas de comunicação e a publicidade têm
como objetivo explícito promover a mudança de comportamento. Esse é
um poderoso instrumento nos tempos modernos, em que a informação
parece ser a alma do negócio, tanto para o bem quanto para o mal.
Por fim, ressaltamos que o problema do uso indevido de drogas
é sério. Sabemos também que só as boas intenções não são suficientes
para planejarmos uma ação preventiva. Somos seres humanos e muitas
vezes não enxergamos o problema de forma completa. Por isso, é de
grande importância contar com especialistas e membros da comunidade
local para que se coloquem em prática ações e, assim, se assimilem
novos conceitos para lidar com situações inesperadas em relação à
dependência química.

Dionísio Cerqueira
A pesquisa participativa abrangeu uma amostra de um público com
condições socioeconômicas medianas, na grande maioria pessoas com
profissão definida, uma porcentagem significativa de pessoas formadas
em cursos superiores, porém, em relação ao conhecimento de fato sobre
drogas, poucas evidências foram apresentadas, mostrando que ainda
falta conhecimento sobre o tema drogas. Nesse caso, é urgente realizar
políticas públicas voltadas à informação e, principalmente, à prevenção.
Somente assim poderemos prevenir esse mal que assola nossas crianças,
nossos jovens e nossas famílias.

57
São João Batista
A pesquisa tinha como finalidade subsidiar a elaboração de
políticas públicas para o setor e projetos de intervenção na forma de ações
extensionistas. A proposta se caracterizou por uma pesquisa voltada para
os serviços de atenção à dependência química. Os questionários foram
entregues às acadêmicas de Serviço Social que realizaram a pesquisa e
a coleta de dados no município de São João Batista - SC. Os dados foram
tabulados pelas acadêmicas e enviados à coordenadora de estágio para
posterior encaminhamento à Unitins que se encarregaria de inserir os
dados coletados em um programa estatístico de computador.
Ressaltamos que o processo de intervenção na comunidade foi de
grande importância, pois trouxe novos conhecimentos às acadêmicas.
Após todo o processo de pesquisa, de tabulação e de coleta de
informações, os dados servirão para futuras ações governamentais que
possam se traduzir em programas eficientes de prevenção e tratamentos
à dependência química no município de São João Batista, assim como
nas demais localidades onde o projeto se inseriu.

Campos Novos
No decorrer do percurso do projeto de extensão Prevenção à
Dependência Química, verificamos a gravidade do problema que cresce
em nossa comunidade. Por esse motivo, o projeto teve por objetivo
capacitar multiplicadores para trabalhar na prevenção à dependência
química em nosso município. Esse projeto teve como propósito abranger
as áreas da saúde e da educação. O curso não teve o respaldo esperado,
mas os participantes se empenharam com o intuito de aprender e depois
aplicar o aprendizado no trabalho e na comunidade.
Por meio dos dados coletados e analisados na pesquisa, pudemos
perceber que ainda falta informação sobre o assunto, e que um trabalho
consistente precisa ser feito, pelo fato de ser um assunto polêmico e
preocupante. Na maioria das opiniões, esse problema já vem sendo
considerado normal, o que torna o uso e o abuso das drogas cada vez
maior.
Várias pessoas se colocaram a favor da liberação da maconha e de
outras drogas, por acharem que, com isso, a violência teria um fim, pois
não haveria mais a disputa pelos pontos de venda, causando, assim, a

58
baixa nos preços. Outro fator relevante é a descrença do cumprimento
às leis, o que leva a comunidade a não acreditar que o problema tenha
solução, muitos creem que vamos ter de conviver com o problema e nos
calar com medo de repreensão por parte dos traficantes.
Verificamos também que a maioria percebe que as famílias
encontram-se desestruturadas, e que os pais já não têm mais autoridade
sobre os seus filhos. Outro fator preocupante é de que algumas escolas
dizem não vivenciar esse problema com os alunos, talvez tentando
maquiar o que todos sabem existir.
Para finalizar, constatamos que muitas coisas ainda precisam ser
feitas para que haja solução para esse grave problema e que é necessário
maior empenho por parte da sociedade e das autoridades em geral,
pois a situação de uso de drogas tanto lícitas quanto ilícitas tende a se
agravar.

São Francisco do Sul


Ficou evidente que a maioria da população pesquisada não sabe
a diferença entre uso, abuso, dependência de drogas e dependência
química. Podemos concluir, analisando os dados apresentados pela
pesquisa, que a população de São Francisco do Sul tem conhecimento
da existência do problema com drogas no município, mas carece de
esclarecimentos técnicos, para que ocorra redução da problemática das
drogas.
Com os resultados obtidos com a pesquisa, ficou evidente a
importância do trabalho multidisciplinar e integrado entre profissionais
da área, comunidade e representantes do governo, para a diminuição do
fenômeno. A prevenção por meio da educação nas escolas/capacitação
é citada em todos os municípios pesquisados como fator primordial na
busca do combate ao uso de drogas.
De acordo com Carvalho (2011), o combate ao uso de drogas com
educação, consciência e atitudes é uma decisão de foro íntimo, que pode
ser significativamente fortalecida por meio de ações que ampliem a
consciência crítica sobre o assunto. Melo e Stadnik (2011) sugerem como
possibilidades de prevenção ao uso de drogas o diálogo, ou seja, a voz do
aluno deverá ser a principal meta dos modelos de educação que estão
se alicerçando hoje.

59
Considerações finais
A realização do projeto como campo de Estágio oportunizou
ao acadêmico uma interação entre a bagagem teórico-metodológica
ministrada nas disciplinas durante o curso de Serviço Social EaD e o
exercício profissional. A proposta do projeto foi embasada na importância
da produção e da difusão do conhecimento, já que iniciativas como
essa podem acelerar o desenvolvimento humano e social das regiões
pesquisadas como forma de combate e prevenção às situações
desencadeadoras da dependência química.
O projeto foi também uma fonte de conhecimento e atualização,
pois proporcionou discussões e reflexões nas diversas áreas da saúde,
com embasamento científico sólido e suficiente para ampliar a visão
crítica a respeito da dependência química, bem como um mapeamento
da situação no estado de Santa Catarina. Além disso, propiciou análise de
estratégias de prevenção na forma de projetos de intervenção realizados
pelos acadêmicos de Serviço Social que poderão se transformar em apoio
à implantação de políticas públicas envolvidas nesse tema complexo.

Referências
BARBOSA, L. J. Estudos das substâncias psicoativas. In: MELO, M. T. de
(Org.). Prevenção à dependência química. 2. ed. Palmas: Unitins, 2011.
p. 17-30.
CARVALHO NETO, C. Z. Educação por projetos. In: MELO, M. T. de (Org.).
Prevenção à dependência química. 2. ed. Palmas: Unitins, 2011. p. 43-
48.
DIVISÃO ESTADUAL DE NARCÓTICOS. Dependência química. Disponível
em: <http://www.denarc.pr.gov.br/>. Acesso em: 23 mar. 2012.
MELO, M. T.; STADNIK, L. Processo de prevenção em dependência
química. In: MELO, M. T. de (Org.). Prevenção à dependência química.
2. ed. Palmas: Unitins, 2011. p. 36-42.
MENEZES, S. Adolescência e drogas I. Disponível em: <http://adroga.
casadia.org/prevencao/adolescencia-drogas-i.htm>. Acesso em: 23 mar.
2012.
VELHO, G. Dimensão cultural e política do mundo das drogas. Projeto
e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editores, 1994.

60
A ARTICULAÇÃO DO ENSINO, DA PESQUISA E DA
EXTENSÃO NA CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA
SOCIAL NO COMBATE À DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Alessandra Ruita
Denise Sodre Dorjó

Resumo
Este artigo apresenta o resultado de ações e análises desenvolvidas
pelo Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Políticas Públicas sobre
a temática da dependência química, a partir do tripé clássico da
Universidade: ensino, pesquisa e extensão. O projeto foi idealizado pela
Fundação Universidade do Tocantins, acompanhado por professores e
assistentes sociais, com a participação de acadêmicos do curso de Serviço
Social, turma 2008. O projeto se subdividiu em duas partes. Na primeira
parte do projeto, foi realizado capacitação de duzentos professores da
rede estadual das cidades de Araguaína, Araguatins, Guaraí, Gurupi
e Palmas. O objetivo foi possibilitar a eles subsídios e fundamentação
para atuarem com a temática da dependência química. Nessa fase, os
acadêmicos puderam exercer a monitoria com os participantes do curso.
Na segunda fase, foi realizada uma pesquisa por 32 acadêmicos estagiários
do curso de Serviço Social da Unitins, na forma de “pesquisa de opinião”
sobre a dependência química. O projeto possibilitou a capacitação de
professores que se tornaram multiplicadores de informações sobre as
consequências do consumo de drogas na saúde física e mental. Os dados
levantados poderão embasar a promoção da integração de políticas de
prevenção e combate ao uso indevido de drogas, o desenvolvimento
de ações articuladas para a diminuição de fatores de risco, ações de
redução de oferta de drogas e fortalecimento de fatores de proteção
para melhorar a qualidade de vida dos tocantinenses.

Palavras-chave: dependência química, pesquisa, extensão.

61
Introdução
A Fundação Universidade do Tocantins - Unitins, primeira
instituição universitária do estado do Tocantins, tem como objetivo
a efetivação de uma educação democrática, justa e aberta aos sinais
do tempo e da cultura tocantinense, prima por processo educativo de
qualidade nos cursos presenciais de Direito, Engenharia Agronômica,
Serviço Social e Análises de Sistemas; Administração, Ciências Contábeis,
Letras, Matemática, Pedagogia, Serviço Social e os Cursos Tecnólogos:
Fundamentos Judiciários e Análises de Sistemas, na modalidade a
distância; Letras-Português/Espanhol e Pedagogia em parceria com
Sistema da Universidade Aberta do Brasil. Portanto, a Instituição se faz
presente na vida dos tocantinenses e de outros brasileiros.
No espaço da Universidade, o ensino, a pesquisa e a extensão
estão imbricados, visto ser o compromisso da Instituição possibilitar
ao estudante gerar saberes que são essenciais para o funcionamento
da sociedade em que está inserido. Ademais, sabe-se que, por meio
da pesquisa, o homem detecta os problemas e vislumbra soluções. É
por isso que a Unitins desenvolve estudos e pesquisas com o propósito
de buscar soluções para os problemas que dificultam a convivência
harmoniosa do homem com seu meio e sua comunidade.
Ao profissional do curso de Serviço Social cabe promover
mudanças sociais. De acordo as Diretrizes Curriculares Nacionais (2001,
p. 13), o “Assistente Social é o profissional que atua nas expressões da
questão social, formulando e implementando propostas de intervenção
para seu enfrentamento, com capacidade de promover o exercício
pleno da cidadania”. Assim, os princípios dos direitos humanos e a
justiça social são fundamentais para o Serviço Social.
Com o objetivo de contribuir com a qualidade de vida e do bem-
estar social, os assistentes sociais atuam nas demandas advindas da
dependência química. Eles estão inseridos em programas de prevenção
e reabilitação, na elaboração e no acompanhamento de políticas
públicas implementadas nas três esferas governamentais e nas não
governamentais que visam à saúde e ao combate a todos os malefícios
que as drogas provocam.
Em face disso, os propósitos essenciais do curso de Serviço
Social centram-se na busca universalizante da inclusão dos grupos
marginalizados, socialmente excluídos, despossuídos, vulneráveis. As

62
barreiras, as desigualdades e as injustiças existentes nas sociedades
causam a desestruturação de indivíduos, famílias, grupos e comunidades.
Nessa perspectiva, assistir e mobilizar fomentando as pessoas para
seu comprometimento com a defesa de políticas coerentes, com a
formulação de propostas de mudanças estruturais facilitadoras do bem-
estar social, são focos de interesse e de investigação-ação do assistente
social.
Dessa forma, para realização do estágio supervisionado do curso de
Serviço Social, que é uma atividade curricular obrigatória, desenvolvida
a partir da inserção do acadêmico no espaço socioinstitucional, com
o objetivo de oportunizar a experiência do exercício profissional,
desenvolveu-se um projeto que articulasse ensino, pesquisa e extensão,
voltado à temática da dependência química. Essa ação possibilitou a
reflexão sobre a problemática crescente do uso e do abuso de drogas,
a realidade do Estado em relação ao fenômeno e, consequentemente,
o desenvolvimento de políticas públicas que contemplarão ações
de caráter preventivo. Com o objetivo de promover uma melhor
aprendizagem resultante da articulação do ensino, da pesquisa e da
extensão, com o foco na realidade da dependência química, tão presente
entre crianças e jovens da rede pública de ensino tocantinense, docentes
pesquisadores da Unitins iniciaram, em 2011, juntamente com alunos
do curso de Serviço Social, turma 2008, a presente pesquisa.
Lemos (2011, p. 49) destaca que

Toda intervenção em dependência química deve ser


multidisciplinar e integrada. Além do tratamento
clínico farmacológico, são imprescindíveis as
abordagens psicossociais voltadas para o paciente e
para a sua família, incluindo os grupos de autoajuda
[...].

Nessa perspectiva, para intervenção em dependência química, é


necessária a atuação profissional de diversas áreas, bem como capacitação
dos profissionais, visto a complexidade do trabalho que envolve atuar
com dependentes químicos, já que sofrem de uma patologia complexa
relacionada a aspectos orgânicos, emocionais e sociais.

63
Contexto histórico e conceitos de droga
O consumo de substâncias psicoativas é um fenômeno civilizatório
que sempre ocorreu em todas as culturas. O álcool esteve sempre
presente em festas e rituais religiosos, é, portanto, a droga mais antiga
utilizada pela humanidade.
Barbosa (2011, p. 9) expõe que

A palavra droga foi utilizada na língua pela primeira


vez pelos franceses como “drogue”, definida como
substância química ou farmacêutica, remédio,
produto farmacêutico. Atualmente, a medicina
define droga como: “qualquer substância capaz
de modificar o funcionamento dos organismos
vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de
comportamento”.

O autor salienta que, atualmente, a medicina aponta as drogas


como substâncias que alteram o funcionamento, a fisiologia e o
comportamento dos organismos vivos. Essas substâncias modificam o
funcionamento da mente e do corpo, alterando os sentidos e as atitudes
das pessoas. Hoje, a relação com as substâncias psicoativas é grande.
Seja em nossa cultura ou em outras, de forma lícita ou ilícita, sagrada ou
não, elas estão bastante presentes na nossa realidade.
As características do consumo das substâncias psicoativas
modificaram-se significativamente nas últimas décadas, colocando
em risco a vida de muitas pessoas, tornando-se mais um dos fatores a
espelhar o sistema econômico contemporâneo e seu ciclo da sociedade
de consumo.
A agência Nacional de Vigilância Sanitária, por meio da Resolução
- RDC nº 101, de 30 de maio de 2001, expõe:

[...] considerando a necessidade de normatização do


funcionamento de serviços públicos e privados, de
atenção às pessoas com transtornos decorrentes do
uso ou abuso de substâncias psicoativas, segundo
modelo psicossocial, para o licenciamento sanitário,
adotou a seguinte Resolução de Diretoria Colegiada
[...].

64
Art. 1º Estabelecer Regulamento Técnico
disciplinando as exigências mínimas para
o funcionamento de serviços de atenção a
pessoas com transtornos decorrentes do uso
ou abuso de substâncias psicoativas, segundo
modelo psicossocial, também conhecidos como
Comunidades Terapêuticas, parte integrante desta
Resolução.

O Conselho Nacional Antidrogas, por meio da Resolução Nº 3/


GSIPR/CH/CONAD, de 27 de outubro de 2005, aprovou a Política Nacional
sobre Drogas, que apresenta seguintes objetivos:

- Conscientizar a sociedade brasileira sobre


os prejuízos sociais e as implicações negativas
representadas pelo uso indevido de drogas e suas
consequências.
- Educar, informar, capacitar e formar pessoas em
todos os segmentos sociais para a ação efetiva
e eficaz de redução da demanda, da oferta e de
danos, fundamentada em conhecimentos científicos
validados e experiências bem sucedidas, adequadas
à nossa realidade.
- Reduzir as consequências sociais e de saúde
decorrentes do uso indevido de drogas para a
pessoa, a comunidade e a sociedade.
- Difundir o conhecimento sobre os crimes,
delitos e infrações relacionados às drogas ilícitas
e lícitas, prevenindo-os e coibindo-os por meio da
implementação e efetivação de políticas públicas
para a melhoria da qualidade de vida do cidadão.
- Garantir rigor metodológico às atividades de
redução da demanda, oferta e danos, por meio
da promoção de levantamentos e pesquisas
sistemáticas, avaliados por órgão de referência da
comunidade científica.
- Garantir a realização de estudos e pesquisas
visando à inovação dos métodos e programas de
redução da demanda, da oferta e dos danos sociais
e à saúde.

Para garantir a implantação de políticas sociais e econômicas e o

65
enfrentamento do problema das drogas, a Lei nº 11.343, de 23 de agosto
de 2006, dispõe que:

Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de


Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve
medidas para prevenção do uso indevido, atenção
e reinserção social de usuários e dependentes
de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se
como drogas as substâncias ou os produtos capazes
de causar dependência, assim especificados
em lei ou relacionados em listas atualizadas
periodicamente pelo Poder Executivo da União.
Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território
nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura,
a colheita e a exploração de vegetais e substratos
dos quais possam ser extraídas ou produzidas
drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal
ou regulamentar, bem como o que estabelece a
Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre
Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de
plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.

A legislação determina medidas para a prevenção e o combate ao


uso indevido de drogas, bem como o atendimento e a atenção ao usuário
para a sua reinserção social.
Em consonância com a lei, é fundamental o equilíbrio entre as
ações de prevenção, de tratamento e de reinserção social. Para tanto, é
necessário que as estratégias de ação integrem os três níveis: prevenção,
intervenção e ressocialização.
As diretrizes da Política Nacional sobre Drogas determinam que
as atividades de prevenção do uso indevido de drogas são aquelas que
reduzem os fatores de vulnerabilidade e risco e fortalecem os fatores
de proteção. Nessa perspectiva, torna-se bastante abrangente o campo
de ação da prevenção, ao mesmo tempo em que fica difícil coletar e
sistematizar informações que possam subsidiar as políticas sobre drogas,
principalmente, para a prevenção.
Apesar do investimento em capacitações, ainda é deficitária a

66
avaliação do processo e da efetividade dos programas e das políticas
referentes ao combate ao uso de drogas. Esse dado justifica toda e
qualquer ação ou intenção de sistematização e de análise da atual
conjuntura do uso indevido de drogas no País.
Barbosa (2011, p. 13) expõe que,

Embora muitos estudos e ensaios sobre intervenções


nos contextos motivados pelo fenômeno do uso
indevido de drogas estejam sendo realizados, ainda
nos deparamos com barreiras, como os interesses
econômicos envolvidos na produção e na venda de
drogas (lícitas e ilícitas), a incompreensão social do
problema e a falta de recursos (humanos e materiais)
para o seu tratamento. Ainda são insuficientes
as investigações que abordam a questão em suas
múltiplas dimensões, pois os estudos se reduzem, na
sua quase totalidade, aos diagnósticos de situações
e investigações sobre a consequência mais dolorosa
do uso de drogas: a morte.

Portanto, por mais que haja intervenções na sociedade em relação
ao fenômeno da dependência química, pouco ocorre de avaliação e
acompanhamento das ações de prevenção e recuperação que são
implantadas. Assim, percebe-se a necessidade de mais pesquisas e
estudos que abordem a questão das drogas, já que estamos diante de
um problema complexo que requer informações e conhecimento sobre
a realidade social que o envolve.
Há na sociedade uma crise de valores, em que o comportamento
e a concepção do viver comunitariamente não se embasam em padrões
éticos de valores, não há preocupação com as consequências, o que se
vê é a busca pelo prazer do agora, em que os critérios são imediatistas.
Segundo Lipovetsky (1989, p. 176), a sociedade atual “estimula cada um a
tornar-se mais senhor e possuidor de sua própria vida, a autodeterminar-
se em suas relações com os outros, a viver mais para si próprio”. Nesse
contexto, entende-se que os indivíduos estão mais livres na busca da
realização com o consumismo e mais permissivos ao novo.
Nas palavras de Marroco 1997 apud Schmitz et al. (2003, p. 99),
“[...] um valor é uma crença, um grau de importância que o sujeito
atribui a um modo específico de ser e de agir”. Nesse sentido, valores

67
sociais são fundamentais para a convivência coletiva. Para Moreno
Marimon e Vilarrasa (2002, p. 5), “os valores representam a base dos
eixos fundamentais que orientam a vida e constituem a chave do
comportamento humano”. Nesse sentido, se há fragilidade na base
moral e de valores, os adolescentes e os jovens ficam vulneráveis.
Quando citamos a vulnerabilidade, estamos falando em sentido amplo,
relacionada ao Estado de Bem-Estar Social.
Dentro desse cenário, a dependência química (DQ) tem sido
a causa de modificações dos valores da vida, como organização,
confiança, pontualidade, diálogo, solidariedade, humildade, dignidade,
responsabilidade, dedicação, respeito, discernimento, disciplina,
sinceridade, honestidade. De fato, vive-se em uma sociedade com
profundas alterações científicas, tecnológicas e econômicas, e há uma
grande dificuldade de algumas pessoas em lidar com a complexidade da
sociedade consumista. Isso implica reflexo na saúde física e psíquica, o
que impacta na qualidade de vida das pessoas e na coletividade.
Por essa razão, a Fundação Universidade do Tocantins elaborou
o projeto Prevenção à Dependência Química, que envolveu as três
dimensões que formam o tripé da Universidade: ensino, pesquisa e
extensão. Esse projeto foi aprovado pelos conselhos universitários
Consepe e Consuni, bem como teve aval do Comitê de Ética, que
autoriza pesquisas que envolvem seres humanos, com a finalidade de
garantir e resguardar a integridade e os direitos dos participantes da
pesquisa. O projeto possibilitou aos estagiários do curso de Serviço
Social problematizar sobre a dependência química junto aos professores
da rede estadual de ensino do Tocantins, que realizaram o curso de
Prevenção à Dependência Química. A partir dele, os estagiários puderam
exercer a monitoria com os participantes do curso e, ainda, realizar uma
pesquisa sobre o fenômeno da dependência química.
A metodologia escolhida para o estudo foi a descritiva, visto que o
foco do projeto era descrever, analisar e interpretar os dados fornecidos
por um corpus de 1.030 informantes, entre eles, pais, professores e
alunos. Os dados foram coletados por 32 acadêmicos estagiários do curso
de Serviço Social da Unitins, na forma de “pesquisa de opinião” sobre a
dependência química no Tocantins. A pesquisa também se constitui em
uma ação orientada pela coleta de dados e por subsidiar a elaboração de
políticas públicas para o setor e os projetos de intervenção na forma de

68
ações extensionistas.
Essa proposta de projeto se embasou na importância da produção
e da difusão do conhecimento sobre a temática, o que possibilitaria
acelerar o desenvolvimento humano e social nas regiões do campo da
pesquisa, bem como permitiria que políticas de combate e prevenção às
situações desencadeadoras da dependência química fossem projetadas,
já que o cenário é desvelado.
A fim de proporcionar a aquisição de conhecimentos e desenvolver
habilidades necessárias ao exercício das funções de assistente social, para
o cumprimento das 360 horas de estágio, 32 acadêmicos desenvolveram
ações como: visitas domiciliares, visitas institucionais, diagnóstico da
situação da dependência química, mapeamento da rede, para a coleta
de dados da pesquisa, com a aplicação de questionários.
Vale destacar que o conhecimento decorrente das ações do projeto
foi um veículo de aprendizagem e mudança de postura, visto que permitiu
maior participação das comunidades, por meio da implementação de
ações de socialização de informações e por meio do curso, no sentido de
desenvolver o combate e a prevenção à dependência química.

Realização do curso e aplicação da pesquisa no


estado do Tocantins
Em 8 de outubro de 2011, na cidade de Palmas, estado
do Tocantins, deu-se início às atividades do projeto Prevenção à
Dependência Química, realizado pela Fundação Universidade do
Tocantins em parceira com a Secretaria Estadual de Educação.
A primeira etapa do projeto aconteceu nas escolas estaduais das
cidades de Palmas, Gurupi, Dianópolis, Guaraí, Araguaína e Araguatins.
Nessa etapa, foram capacitados duzentos docentes da rede estadual de
educação, por meio de seis encontros de formação, com a utilização de
videoaulas, tendo como facilitadores os estagiários do curso de Serviço
Social da Unitins. Foi distribuído aos professores material didático
com conteúdos pedagógicos especializados na temática e, também,
disponibilizada mídia didática permanente, por meio de acesso ao
portal da Unitins.
Foi disponibilizado, no site <http://gestaoead.unitins.br/?page_
id=579>, o seguinte material: Guia Pedagógico (vídeo), Prevenção à

69
Dependência Química (livro), Turminha da Vida – Receita Federal do
Brasil e AAMHOR (vídeo), Turma da Vida e Animação Interativa – IFCE
(vídeo). Esse material utiliza linguagem adequada à faixa etária dos
alunos do Ensino Fundamental, o que facilita a compreensão e possibilita
reflexão sobre os elementos que seriam temas das discussões, o que
poderia auxiliá-los a terem mais segurança para atuar como sujeito de
sua ação, ser ativo, observador e pensar sobre o fenômeno.
Esse material didático possibilita aos professores subsídios e
fundamentação para atuar com a temática da dependência química
de forma eficaz, buscando compreender as situações sem conflitos
desnecessários e desgaste de sua imagem perante os alunos,
consolidando a construção da relação de confiança, tão necessária para
que a aprendizagem aconteça de maneira satisfatória. Dessa forma, a
capacitação e o material de suporte tornam os docentes aptos para
multiplicar os ensinamentos, discutir, problematizar e intervir sobre a
dependência química junto aos alunos da rede estadual do Tocantins.
Sabe-se que, quando o professor é conhecedor do assunto, pode
estabelecer uma comunicação autêntica com seus alunos, e que a
aprendizagem está diretamente relacionada às relações interpessoais,
já que a relação pedagógica funda-se nas relações humanas. Portanto,
o conhecimento sobre os fenômenos que interferem na vida social
dos alunos são de fundamental importância aos responsáveis por
acompanhar a vida estudantil de crianças, adolescentes e jovens.
A partir disso, percebe-se que a concepção do estado de educação
vai ao encontro das ideias de Brunner (1974, p. 120), quando afirma
que

A educação deve procurar desenvolver o processo


da inteligência de modo que o indivíduo seja capaz
de ir além dos hábitos culturais do seu mundo, capaz
de inovar, por mais modesta que seja esta inovação,
de modo que possa criar uma cultura interna
própria. Pois qualquer que seja a arte, a ciência, a
literatura, a história, a geografia de uma cultura,
cada homem tem que ser o seu próprio artista, o
seu próprio cientista, o seu próprio historiador, o
seu próprio navegador [...].

Conforme as palavras do autor, a prática de ensino que proporciona

70
o pensar e o experimentar possibilita ao aluno buscar as respostas às
suas perguntas, relacionar e acionar os conceitos já aprendidos nas
diversas áreas do saber. É nesse cenário de ensino que o professor
precisa estar preparado, pois se deparará com perguntas e situações
diversas. O que requer do docente permanecer em estado contínuo de
aperfeiçoamento, para que acompanhe o desenvolvimento das diversas
áreas do conhecimento e as mudanças nas estruturas materiais e
institucionais da sociedade.
Essas ideias vão ao encontro das palavras de Freire (1997, p. 20),
quando afirma que

A educação é permanente não por que certa


linha ideológica ou certa posição política ou certo
interesse econômico o exijam. A educação é
permanente na razão, de um lado, da finitude do
ser humano, de outro, da consciência que ele tem
de finitude. Mas ainda, pelo fato de, ao longo da
história, ter incorporado à sua natureza não apenas
saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber
que podia saber mais. A educação e a formação
permanente se fundam aí.

Nessa perspectiva, o processo de formação do professor deve


ser contínuo e ininterrupto, visto que ele precisa ser um profissional
comprometido com toda a extensão que implica a sua formação e a do
aluno. De acordo Enricone (2004), a docência envolve o professor em sua
totalidade, portanto esse profissional precisa construir-se diariamente,
já que o mundo do conhecimento é mutável, está em constante
transformação.
Compreende-se que ambiente educacional deve ser visto como um
espaço propício para o desenvolvimento das relações entre as pessoas.
Para tal, o educador precisa conhecer o contexto social, psicológico e
cognitivo do educando para que possa ser o intermediário das situações
de aprendizagem, planejando estratégias de ensino-aprendizagem
eficientes para trabalhar conceitos, linguagens e atitudes.
Assim, quando se deparar com situações complexas para as quais
deve encontrar respostas criativas e que dependem de sua capacidade e
habilidade de leitura da realidade, do contexto situacional, perceba que
sua ação estende a outros espaços da escola e da sociedade. Portanto

71
conhecer um pouco da realidade do fenômeno da dependência química
no meio social em que está inserido fará muita diferença na escola.
No final da primeira etapa, foi aplicado um questionário que
objetivou contribuir para o desenvolvimento de estudos etnográficos, de
observação e levantamento de informações para construir um cenário
de conflito sobre DQ, bem como analisar e interpretar as realidades
contextualizadas da problemática de dependência química.
Ao final dessa etapa, ainda, os professores fizeram uma avaliação
dos módulos, pontuando os aspectos positivos da parceria da Fundação
Universidade do Tocantins com a Secretaria Estadual de Educação e
apontando os aspectos a serem melhorados no processo de mobilização
e capacitação sobre a questão da dependência química.
Percebeu-se, nos espaços de discussão (fórum/debate), um
momento rico de construção e socialização de conhecimento com a
participação ativa e crítica dos professores e a mediação dos estagiários.
Aspectos como a ausência de recursos humanos e de gerenciamento
para desenvolver projetos de prevenção e combate ao uso/abuso de
drogas nas unidades escolares foram levantados.
Foram apontados pelos professores que problemas familiares, más
companhias, desequilíbrio, rebeldia, mídia e a curiosidade são alguns
dos fatores que levam adolescentes e jovens a experimentarem drogas
lícitas e ilícitas.
Nota-se, a partir do relato dos docentes, que vem crescendo a
utilização de drogas mais baratas e mais “prejudiciais” ao usuário, como
o álcool, o crack e o oxi. Ressalta-se, ainda, a ausência de aparelhos
estatais que deveriam proteger e orientar adolescentes e jovens, como
o Conselho Tutelar.
Ao longo dessa etapa do projeto, percebeu-se uma crescente
adesão por parte dos docentes que foram comparecendo em maior
número e assumindo a proposta do projeto. Ressalta-se o envolvimento
dos estagiários que, em sintonia com as orientações dos supervisores de
campo e acadêmico, desenvolveram com aptidão as responsabilidades a
eles atribuídas.
A questão do uso de drogas abarca uma complexidade de aspectos,
o que torna inútil tentar compreendê-los de forma unilateral. Assim,
após essa etapa dos trabalhos, os professores constituíram um espaço
de análise, que contribuiu para o projeto de intervenção elaborado pelos
estagiários do curso de Serviço Social da Unitins.
72
Os sujeitos-objetos da pesquisa, nessa etapa, foram,
essencialmente, adolescentes e jovens de classe socioeconômica
diversificada, estudantes das escolas estaduais participantes do projeto,
bem como seus pais ou responsáveis.
Foi nessa etapa que o projeto configurou como um momento
de pesquisa, pois os estagiários desenvolveram ações como: visitas
domiciliares, visitas institucionais, observação em campo, diagnóstico
institucional e da situação da dependência química, mapeamento da
rede de proteção e prevenção, por meio da coleta de dados para a
pesquisa com aplicação de questionários.
A partir da vivência de campo dos estagiários e das respostas
obtidas entre os alunos, nota-se que o quadro atual de consumo
abusivo de drogas pelo público jovem demonstra a necessidade de
ações preventivo-educativas direcionadas à formação de indivíduos
mais reflexivos e críticos diante da oferta e das consequências
biopsicossociais advindas do consumo de drogas lícitas/ilícitas,
afastando-se, desse modo, daquele modelo educativo autoritário, que
visa apenas à transmissão de informações sobre os malefícios advindos
do consumo de drogas.
A questão das drogas está repercutindo, cada vez mais, nos
debates públicos, e a escola, enquanto espaço de socialização do
conhecimento cultural e científico, não pode se omitir dessa discussão,
uma vez que o foco do trabalho pedagógico também é a prevenção.
As propostas de prevenção predominantes na sociedade legitimam
um discurso moralista e repressivo, limitando, assim, a compreensão
das múltiplas manifestações das drogas na sociedade. Diante disso,
percebe-se a necessidade de problematizá-las e desconstruí-las, a
fim de avançar em outras perspectivas que possibilitem uma análise
contextualizada sobre a questão das drogas e sua prevenção.
São situações como essas que evidenciam a necessidade de
respondermos à questão: como se dá nossa relação com o mundo social,
natural e cultural? Ora, a resposta não deve se distanciar do mundo
real, deve haver uma relação global para compreender e solucionar
determinado fenômeno.
Dessa forma, para finalizar o seu estágio, os acadêmicos
participantes do projeto fomentaram um projeto de intervenção que
abordou a prevenção e o combate ao uso indevido de drogas, o que
priorizou a formação dos jovens como sujeitos livres, responsáveis,
73
críticos e capazes de fazer escolhas saudáveis ao longo de suas vidas.
A prevenção e o combate ao uso de drogas, no âmbito das
escolas públicas estaduais do Tocantins, devem ser entendidos como
um processo complexo e desafiador que requer tratamento adequado,
cuidadoso e fundamentado teoricamente, por meio de conhecimentos
científicos desprovidos de preconceitos e discriminações, articulado em
rede que discuta o papel das escolas públicas no processo de prevenção
ao uso indevido de drogas. É necessário elaboração de um programa
de formação para profissionais da educação sobre esse assunto, já que
essa temática deve ser desenvolvida em sala de aula pelas diferentes
disciplinas da Educação Básica, com o envolvimento de todos os sujeitos
da comunidade escolar nas ações preventivas.
Percebe-se que a aplicação da pesquisa em dependência química
foi um veículo de aprendizagem, oportunizou mais que um campo de
estágio para os acadêmicos do curso de Serviço Social da Unitins, visto
que possibilitou conhecimento e mudança de postura de acadêmicos,
professores, pais e alunos da rede estadual e permitiu maior participação
de todos em ações para o combate e a prevenção à dependência
química.

Dados da pesquisa
Os dados gerados pela amostra apresentam o conhecimento que pais,
professores, adolescentes e jovens das cidades de Araguatins, Araguaína,
Guaraí, Gurupi e Dianópolis têm sobre o fenômeno da dependência
química.
Ao falar em dependência química, está-se falando de drogas que
são definidas no Aurélio (1975, p. 493) como “medicamento ou (como
por ex., a maconha, a cocaína), ingeridos, em geral, com o fito de alterar
transitoriamente a personalidade”. As drogas podem ser lícitas, como o
cigarro, o álcool, medicamentos; ou ilícitas, como maconha, cocaína, crack.
Elas causam desvio na personalidade de seus usuários, fazendo com que eles
tenham atitudes que não as teriam sem a influência de tais substâncias.
A atitude adotada pelos usuários de drogas sai do seu controle,
faz com que muitos venham a cometer crimes de pequeno ou grande
potencial ofensivo, não se importando com a gravidade, simplesmente
cometem na tentativa de manter seus vícios.
A seguir, apresentamos alguns dados obtidos na pesquisa realizada

74
por acadêmicos do curso de Serviço Social.

Gráfico 1 – Participantes da pesquisa


Fonte: Dados da pesquisa

O gráfico 1 demonstra que, nos municípios pesquisados, o público


que mais contribuiu com as pesquisas foram os alunos, seguidos dos pais
e dos professores.
Em relação à idade dos informantes, o gráfico 2 evidencia a
diversidade, já que o de menor idade tinha dez anos e, o de maior, mais
de trinta anos.

Gráfico 2 – Idade dos informantes


Fonte: Dados da pesquisa

A maioria dos informantes, 45%, apresentou idade entre 13 e 18


anos. Esse resultado evidencia a maior disponibilidade do adolescente
em falar sobre drogas.
75
A renda familiar da maioria dos pais é de um a dois salários mínimos,
já dos professores de seis a dez salários mínimos, conforme os dados do
gráfico 3.

Gráfico 3 – Renda familiar


Fonte: Dados da pesquisa

Quanto ao uso de drogas, foi perguntado se sabem a diferença


entre drogas lícitas e ilícitas. A maioria respondeu que sabe e declarou
que álcool, bebida e medicamentos são drogas lícitas, já crack, maconha,
solventes, heroína, êxtase e outras são ilícitas.
Perguntou-se aos informantes quais drogas eram mais consumidas
em seu setor. Os dados obtidos são expostos no gráfico 4.

Gráfico 4 – Drogas mais consumidas no setor


Fonte: Dados da pesquisa
76
A droga apontada como mais conhecida é o álcool, 94%; a seguir
o cigarro, drogas tidas como lícitas, portanto de fácil acesso, mas tão
prejudiciais ao organismo quanto as outras. A menos conhecida é o
metilenodioximetanfetamina (MDMA, êxtase).
Também se questionou sobre a diferença entre uso e abuso de
drogas. Muitos não responderam, as poucas respostas evidenciaram que
abuso refere-se ao uso errôneo dessas substâncias e causa dependência,
diagnosticada com a presença da síndrome de abstinência. Já o uso é
ocasional.
Outro questionamento foi sobre o conhecimento de uso de
drogas no bairro em que reside ou em outros lugares. As respostas são
evidenciadas no gráfico 5.

Gráfico 5 – Conhecimento de existência de drogas no setor


Fonte: Dados da pesquisa

O resultado mostra que 58% dos sujeitos têm conhecimento sobre


uso de drogas nas ruas; 30% apontaram o consumo de drogas nas praças;
16% falaram sobre a existência de uso de drogas nas escolas; para 8%,
o consumo ocorre em prédios abandonados; e 2% têm conhecimento
de uso de drogas no trabalho. Vale destacar que 28% dos informantes
desconhecem a existência do consumo de droga em seu bairro.
Sobre o papel da escola na prevenção das drogas, os sujeitos
responderam que os alunos devem receber orientações, aconselhamento
e ter acesso a palestras a respeito das consequências do uso de substâncias
químicas.

77
Em relação ao papel da família na prevenção ao uso de drogas, os
entrevistados disseram que a família deve: ajudar, aconselhar, dialogar,
dar amor e apoio a todas as crianças e a todos os adolescentes. Destaca-
se a importância da família, visto que estudos indicam o histórico familiar
de alcoolismo como fator de predisposição, bem como problemas
familiares como a separação dos pais, perda de um deles, dificuldade
financeira, entre outros.
Todos os participantes da pesquisa, quando questionados sobre o
que a escola e o Poder Público poderiam fazer em relação à prevenção,
ao uso e ao abuso de dependência química, apontaram realização de
programas de conscientização e prevenção, mais fiscalização nas ruas,
implantação de mais políticas públicas para jovens, construção de
centros de lazer, programas de prevenção e centro de recuperação para
dependentes de substâncias químicas.
O resultado apresenta um pouco da complexidade de se
compreender a relação do homem com seu corpo, com sua história e o
seu ser nas interações sociais, como uma estrutura complexa relacionada
ao processo de maturação, em que aquisições cognitivas, afetivas e
orgânicas interferem nas relações e sustentam a vida sócio-psico-afetiva
do sujeito.

Gráfico 6 – Fiscalização do consumo de drogas


Fonte: Dados da pesquisa

A respeito da fiscalização em relação ao consumo ou à venda de


substâncias químicas para crianças e adolescentes, 53% dos informantes

78
apontaram a Polícia Militar como órgão fiscalizador, 34% sinalizaram o
Conselho Tutelar, 13% o Juizado da Infância e da Adolescência, e apenas
4% apontaram a prefeitura.
Fator de destaque é que 34% dos informantes disseram não
conhecer nenhum órgão que faça a fiscalização para coibir o uso de
drogas conhecidas como lícitas por crianças e adolescentes. Exemplo da
pouca fiscalização é a comercialização de bebidas e tabaco livremente
em bares, mercearias, conveniências e outros comércios.

Gráfico 7 – Meios de informações sobre consumo de drogas


Fonte: Dados da pesquisa

Em relação a informações sobre o uso e as drogas lícitas e ilícitas,


69% do corpus responderam receber informações por meio da televisão;
46% por meio de reportagens jornalísticas; 44% por meio de palestras;
35% por meio de livros e revistas; 20% nos postos de saúde; 5% por meio
de cursos.
O resultado não surpreendeu, visto que a TV é o veículo que
está presente em todos os lugares e atinge maior número de pessoas.
Esperava-se que a escola fosse citada como espaço de orientação e
informação, visto que os professores que trabalham com adolescentes e
jovens deveriam ser multiplicadores de informações sobre os danos que o
consumo de drogas pode causar à saúde física e mental do dependente.
Outra indagação foi em relação ao conhecimento sobre programas
ou projetos de atendimento a dependentes de drogas em seu município
(gráfico 8).

79
Gráfico 8 – Conhecimento sobre programas ou projetos de atendimentos a
dependentes de drogas
Fonte: Dados da pesquisa

Em relação a programas de atendimento aos dependentes químicos


ofertados nos municípios, 78% dos informantes indicaram desconhecer,
e 19% informaram ter conhecimento de programas e citaram o Proerd
e um programa de internação da Igreja Católica, chamado Fazenda da
Esperança, e o Centros de Apoio Psicossocial – CAPS. Isso significa que,
se há programas de atendimento, não há divulgação sobre o que é e
como ter acesso.

Gráfico 9 – Fatores que levam ao uso de drogas


Fonte: Dados da pesquisa

Conforme o gráfico 9, 66% dos informantes salientaram ser a


influência de amigos o fator principal para o uso de drogas por crianças,
adolescentes ou jovens. Então, envolve o fator social, estar entre amigos
pode influenciar o uso por pressão, curiosidade, muitas vezes, por não
saber dizer não, ainda mais quando o amigo que é considerado o exemplo

80
aprova ou consume drogas. Nesse cenário, o conhecimento sobre o
assunto é importante, visto que possibilita ao indivíduo pensar sobre as
causas e as consequências do uso e escolher se usa ou não.
Relevante também foi o percentual de 54% para o item acesso
facilitado às drogas. Adolescentes e jovens compram álcool e tabaco sem
nenhuma fiscalização, diferente dos países desenvolvidos em que a lei é
cumprida com rigidez.
Com 36% aparece o fator da violência doméstica, que cada vez
faz mais parte do cotidiano e, muitas vezes, a violência como próprio da
condição humana é o dilaceramento do ser social, corroborando com a
degradação do ser humano.

Gráfico 10 – Conhecimento sobre compra e venda de drogas


Fonte: Dados da pesquisa

Percebe-se que 69% dos informantes não presenciaram venda ou


compra de drogas em locais que costumam frequentar, o que evidencia
que essas transações são realizadas geralmente às escondidas, em lugares
em que não há testemunhas, o que torna a coibição mais difícil. Segundo
Espírito Santo e Meireles (2003, p. 131), “o tráfico de drogas ilícitas,
particularmente a cocaína, crack e maconha, vai seguindo a mesma
trilha dos jogos de azar, ou seja, está se transformando em um grande
negócio”. É uma atividade ilícita, em que há planejamento, organização,
pautada pela clandestinidade e pela intimidação.

Considerações finais
Os resultados indicam que, no estado do Tocantins, as pessoas
conhecem as drogas, sabem que as lícitas são tão prejudiciais quanto as
ilícitas, porém poucos conhecem programas de prevenção contra o uso

81
e, na maioria das vezes, somente quando o usuário já está dependente
busca ajuda, mas nem sempre a encontra.
Assim, a partir do projeto aqui apresentado, deduz-se que o aspecto
pedagógico da prevenção e do combate ao uso de drogas constitui-
se um grande desafio para a rede estadual de ensino do Tocantins,
tendo em vista a sua dimensão e as situações diárias vivenciadas pelas
comunidades, por professores, alunos, pais e responsáveis.
Essa situação demonstra a urgência de uma discussão mais crítica
e politizada. Para tanto, inúmeras variáveis precisam ser consideradas
e trabalhadas, entre elas, a sociedade em que se vive, a formação dos
professores, os aspectos sociais, políticos, econômicos, históricos,
culturais, a realidade local e a(s) droga(s) mais utilizada(s).
Compreende-se que o estágio é um período crucial na vida do
acadêmico, momento em que se pode associar toda a bagagem teórica
adquirida ao longo do curso com a prática. Destarte que mais importante,
ainda, é realizar as horas de estágio por meio de um projeto que envolve
ensino, pesquisa e extensão, quando as horas do estágio são revertidas
em benefícios à comunidade buscando respostas adequadas às
demandas sociais, políticas, científicas, visando ao seu desenvolvimento
sustentável, melhor qualidade de vida.
O projeto possibilitou a capacitação de professores que se tornaram
multiplicadores de informações sobre as consequências do consumo de
drogas à saúde física e mental, bem como multiplicadores de informações
sobre prevenção. Destaca-se que a escola é o espaço de realização de
atividades preventivas, em que os professores são atores sociais com
importante papel na educação e na formação de adolescentes e jovens.
O projeto resulta em dados que possibilitarão mudanças locais,
sobretudo em relação à situação de risco envolvendo drogas tanto
lícitas quanto ilícitas, bem como desenvolvimento de políticas públicas
de prevenção e recuperação que respeite os direitos do sujeito como
pessoa, como cidadão.
Os dados levantados com a pesquisa podem embasar a promoção
da integração de políticas de prevenção e combate ao uso indevido
de drogas, também ao desenvolvimento de ações articuladas para a
diminuição de fatores de risco, ações de redução de oferta de drogas e
fortalecimento de fatores de proteção para melhorar a qualidade de vida
dos tocantinenses.

82
REFERÊNCIAS
BARBOSA, J. L. Visão histórica e contextualizada do uso de drogas. In:
MELO, M. T. de (Org.). Prevenção à dependência química. 2. ed. Palmas:
Unitins, 2011. p. 9-16.
BRASIL. Presidência do Brasil. Casa Civil. Lei nº 11.343, de 23 de agosto
de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
- Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção
e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece
normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>.
Acesso em: 5 maio 2012.
BRUNER, J. S. O processo da educação. São Paulo: Nacional, 1974.
ENRICONE, D. Ser professor. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.
ESPÍRITO SANTO, L. E.; MEIRELES, A. Entendendo nossa insegurança.
Belo Horizonte: Instituto Brasileiro de Policiologia, 2003.
FREIRE, P. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1997.
GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL. Conselho Nacional Antidrogas.
Resolução Nº 3/GSIPR/CH/CONAD, de 27 de outubro de 2005. Aprova a
Política Nacional sobre Drogas. Disponível em: <http://www.obid.senad.
gov.br/portais/OBID/biblioteca/documentos/Legislacao/326979.pdf>.
Acesso em: 5 maio 2012.
LEMOS, T. Intervenção em dependência química. In: MELO, M. T. de
(Org.). Prevenção à dependência química. 2. ed. Palmas: Unitins, 2011.
p. 49-55.
LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas
sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Conselho Nacional de Educação. Parecer
CNE/CES 492/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de
Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências
Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0492.pdf>. Acesso
em: 10 maio 2012.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Resolução - RDC nº 101, de 30 de maio de 2001. Disponível em: <http://
www.anvisa.gov.br/legis/resol/101_01rdc.htm>. Acesso em: 5 maio
2012.

83
MORENO MARIMON, M.; VILARRASA, G. S. Nuevas perspectivas sobre
el razonamiento moral. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 26. n. 2, jul./
dez. 2002.
SCHMITZ, E. F. et al. Valores na formação do educador. Educação Unisinos,
Porto Alegre, v. 7, n. 13, 2003.

84
Parte III
Relatórios de pesquisa realizados por alunos
do curso de Serviço Social EaD da Fundação
Universidade do Tocantins

85
RELATÓRIO DO POLO DE JOINVILLE – SC
Maristela Paz Correa Felipe
Roseli Joaquim Bertram
Vanessa Cristofolini

Resumo
Este relatório expõe os resultados colhidos a partir de pesquisa
participante realizada no município de Joinville, no período de 7 a 9 de
dezembro de 2011. Teve como objetivo a coleta de dados para a construção
de novas políticas públicas na área da prevenção à dependência química.
Buscou-se conhecer o nível de informação da população sobre drogas
lícitas e ilícitas, sobre o uso e o abuso dessas drogas e os serviços
referentes à prevenção e ao tratamento, bem como reflexão sobre as
melhores maneiras para se trabalhar prevenção à dependência química.

Palavras-chave: pesquisa, dependência química, prevenção.

Introdução
A cultura do prazer imediato é a marca da sociedade contemporânea.
Barth (2007) salienta que vivemos a era do “amar o contrário”, em que
se procura abandonar o velho e abraçar o novo, fato que nos traz uma
sociedade insegura, insatisfeita e atrás de prazeres imediatistas.
Barth (2007, p. 102), citando Boff, afirma que

A pós-modernidade participa de todos os pós-


ismos (pós-histoire, pós-industrialismo, pós-
estruturalismo, pós-socialismo, pós-marxismo,
pós-cristianismo, etc.) com aquilo que eles têm
em comum: a vontade de distanciamento de certo
tipo de passado ou a recusa a certo tipo de vida e
de consciência, a percepção de descontinuidade
sentida e sofrida no curso comum da história, e a
sensação de insegurança generalizada.

O homem moderno, como apresenta Barth (2007), não é feliz.

87
Ele tem certa dose de bem-estar, tem prazeres, mas vive esvaziado da
autêntica alegria. A forma suprema de prazer é a sexual, o orgasmo.
Busca o imediato, a satisfação rápida e sem problemas, que, a longo
prazo, só acumula fracassos. Barth chega a afirmar que “estamos diante
da sociedade do espetáculo”, como forma de fuga de tudo e de todos.
As principais ideologias presentes na sociedade pós-moderna,
como apresenta Barth (2007), são: Materialismo (valores éticos: “ter”
acima do “ser”, ou “ter” para “ser”), Hedonismo (o prazer acima de
tudo, a qualquer preço), Permissivismo (tudo é bom, desde que você
se sinta bem), Relativismo (tudo é relativo, vale a ética do consenso),
Consumismo (é a cultura do desperdício, em que se vive para consumir,
e essa é a única imagem valorizada), Nihilismo (viver a liberdade total é
o ideal maior). Tais ideologias se coadunam aos aspectos principais que
levam ao consumo de substâncias psicoativas.
A atual conjuntura que envolve a dependência química nos faz
repensar em valores e culturas fortalecidas nos meios de comunicação,
necessitando de uma avaliação da informação levada à população.
Foi por meio da pesquisa em tela que se pode ilucidar esses
conhecimentos e informações para que, dessa forma, se busquem ações
pautadas não apenas no tratamento, mas principalmente na prevenção.
Menezes (s/d, s/p) expõe que

Especialistas no assunto estão cada vez mais


convencidos de que é muito melhor e mais
produtivo um trabalho de prevenção às drogas, de
conscientização de seus malefícios. Pois o trabalho
de recuperação muitas vezes não ultrapassa o
índice de 30%, em clínicas de tratamento e nos
hospitais-dia é de apenas 12%. Estatisticamente
está provado que a terapêutica preventiva oferece
resultados mais positivos e menos onerosos do
que a terapêutica curativa. Ainda continua sendo
melhor prevenir do que remediar.

Referencial teórico
Para fortalecer as questões expostas, utilizaram-se como principais
referências no processo de trabalho os conceitos apresentados na sequência.
• Pesquisa participante
Grossi (1981, p. 81) afirma que

88
Pesquisa participante é um processo de pesquisa
no qual a comunidade participa na análise de sua
própria realidade, com vistas a promover uma
transformação social em benefício dos participantes
que são oprimidos. Portanto, é uma atividade de
pesquisa, educacional orientada para a ação. Em
certa medida, tentativa da Pesquisa Participante foi
vista como uma abordagem que poderia resolver
a tensão contínua entre o processo de geração de
conhecimento e o uso deste conhecimento, entre o
mundo “acadêmico” e o “irreal”, entre intelectuais
e trabalhadores, entre ciência e vida.

• Dependência química
Lemos (2011, p. 51) expõe que

A dependência química está frequentemente


associada à tolerância, fenômeno que ocorre com
o uso crônico de substâncias, que se caracteriza
pela necessidade do aumento progressivo da dose
para produzir os efeitos originais da substância.
A tolerância é principalmente causada por
alterações neuroadaptativas no cérebro (tolerância
farmacocinética).

• Prevenção
De acordo com a Divisão Estadual de Narcóticos (2003, p. 51),

Prevenção é: vir antes, avisar; preparar; impedir


que se realize; antecipar uma informação; alertar
sobre algo; preparar alguém / algo para evitar
alguma coisa. A prevenção então é o ato ou efeito
de prevenir, a disposição ou preparo antecipado;
é o trabalho com valores, sentido da vida e com o
projeto existencial de cada ser humano.

Problema
O diagnóstico realizado em Joinville - SC está concomitante à
realidade nacional, no que se refere à tabulação de dados. A pouca ou
quase inexistência de dados avaliativos, deixa uma lacuna no que se refere à
construção de novas políticas, tornando indispensável a pesquisa proposta.
89
A pesquisa
Foram abordadas as seguintes questões durante a pesquisa
participante:
• dados pessoais (idade, sexo, estado civil, renda, profissão,
escolaridade, composição familiar, moradia, meio de
transporte e meios de comunicação);
• conhecimentos sobre a diferença entre uso e abuso,
dependência de drogas e dependência química, bem
como se tem acesso a essas informações;
• conhecimento acerca dos programas existentes
na comunidade que atendem a dependentes e as
substâncias químicas mais consumidas;
• a visão da comunidade em relação às razões que levam
à utilização de substâncias psicoativas e à fiscalização
existente no município;
• visão sobre a liberação da maconha e como se pode
prevenir e combater a dependência química.

Objetivos

Objetivo geral
Promover a difusão do conhecimento, bem como coletar subsídios
para alimentar banco de dados e contribuir com a construção de novas
políticas públicas na prevenção à dependência química.

Objetivos específicos
• Criar e fortalecer a rede de atenção aos dependentes químicos
e a familiares.
• Realizar a coleta de dados preliminares, com mapeamento e
contato com as instituições a serem objeto da pesquisa.

Justificativa
A pesquisa orienta o trabalho de construção de projetos e
programas sociais. É por meio da pesquisa que se faz a investigação

90
comprometida com as transformações sociais. Em síntese, apresentam-
se como principais aspectos da pesquisa participante:
• trocar informações para colaborar na mudança de compreensão
do fenômeno;
• o objeto e a meta da pesquisa participante são o processo de
aprendizagem dos que fazem parte da pesquisa;
• o trabalho científico  é entendido como contribuição prática para
a transformação social, como contribuição à democratização;
• propor a interação significa, para o pesquisador, trabalhar,
talvez viver, no grupo escolhido, a fim de elaborar perspectivas e
experimentar ações que perdurem, inclusive pós-projeto;
• utilizar diálogo como  meio de comunicação mais importante no
processo conjunto de estudo e coleta de informação.

Assim, a pesquisa participante enfatiza a socialização


do saber, tentando romper com o monopólio
do ­conhecimento, através da participação dos
sujeitos na análise e solução de seus problemas.
(RICHARDSON, 2000, p. 32)

Com relação à dependência química, uma questão se faz presente:


o que conduz um grande número de pessoas ao consumo de substâncias
psicoativas, que são apresentadas pela mídia como algo destrutível?
Justifica-se, dessa forma, a necessidade desse levantamento de dados
para que se possa, então, auxiliar na criação de novas políticas públicas
no que tange à prevenção à dependência química.

Metodologia
A metodologia adotada nesta pesquisa foi a da pesquisa
participante. Segundo Santos apud Demo (1985, p. 156), a pesquisa
participante passa por três momentos essenciais:

[...] 1- o autodiagnóstico, que seria a confluência


entre conhecimento científico e saber popular. Este
momento conduziria à cidadania e esta, por sua vez,
estaria a serviço da autonomia; 2- A estratégia de
enfrentamento prático dos problemas encontrados
- seria o percurso entre a teoria e a prática. 3- Por

91
fim, o momento da necessidade de organização
política - que consistiria na definição da estratégia
de enfrentamento do problema propriamente dito.

Partindo desse conceito, procurou-se, por meio desta pesquisa,


reconhecer a informação que é levada à população, buscando interagir
de forma imparcial para que se encontre uma realidade de conhecimento
em prevenção e auxílio ao trato da dependência, fundamentando a
prática enquanto ética, indispensável ao cotidiano profissional.

Resultados e discussões
Inicialmente, foi realizado um estudo do material base do curso
a partir de leitura do projeto de pesquisa encaminhado pela Unitins,
para que, durante a efetivação da pesquisa, os acadêmicos mantivessem
a isenção necessária para a coleta fidedigna dos dados. Além disso,
os acadêmicos, por meio do contato direto com os entrevistados, se
preocuparam em saber se que as perguntas foram compreendidas pelo
entrevistado e, principalmente se preocuparam que entendessem a
importância da pesquisa na construção de novas estratégias de prevenção
à dependência química.
Integraram como locais de realização da pesquisa o PAM – Posto
de Atendimento Médico do Boa Vista e o Laboratório Municipal, onde
foram realizadas 103 entrevistas. Para a definição dos locais, foram
considerados os seguintes parâmetros:
• abrangência: pessoas de diversas regiões da cidade;
• fluxo: número de pessoas suficientes para o número de amostras
necessárias;
• perfil do público: todos os perfis econômicos e culturais.
Na pesquisa, as primeiras questões referiam-se ao perfil
do entrevistado, como dados pessoais, composição familiar e perfil
econômico, apresentados na sequência.
• Nome (não era necessária a identificação)
• Idade

92
Tabela 1 – Faixa etária
FAIXA ETÁRIA Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
18 aos 29 anos 21 pessoas 20,38%
30 aos 49 anos 40 pessoas 38,84%
50 aos 69 anos 39 pessoas 37,87%
70 aos 81 anos 3 pessoas 2,91%

Gráfico 1 – Faixa etária

• Estado civil

Tabela 2 – Estado civil


ESTADO CIVIL Nº DE PESSSOAS PERCENTUAL
Casado 67 pessoas 65,06%
Solteiro 11 pessoas 10,69%
União estável 8 pessoas 7,76%
Viúvo 9 pessoas 8,73%
Desquitado 8 pessoas 7,76%

93
Gráfico 2 – Estado civil

• Sexo

Tabela 3 – Sexo
SEXO Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
Feminino 73 pessoas 70,87%
Masculino 30 pessoas 29,13%

Gráfico 3 – Sexo

94
• Renda familiar

Tabela 4 – Contribuição na renda familiar


CONTRIBUIÇÃO NA RENDA Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
FAMILIAR
Sim 96 93,20%
Não 7 6,80%

Gráfico 4 – Contribuição na renda familiar

Tabela 5 – Distribuição por contribuição na renda familiar X salário mínimo


QUANTO CONTRIBUI Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
½ a 2 salários mínimos 38 pessoas 36,89%
< 2 a 5 salários mínimos 44 pessoas 42,73%
+ de 5 salários mínimos 7 pessoas 6,79%
Sem renda 1 pessoa 0,97%
Não respondeu 12 pessoas 11,65%
Não sabe 1 pessoa 0,97%

95
Gráfico 5 – Distribuição por contribuição na renda familiar X salário mínimo

• Profissão

Tabela 6 – Profissão
PROFISSÃO Nº DE PERCENTUAL
PESSOAS
Do lar 19 pessoas 18,42%
Aposentado/Pensionista 16 pessoas 15,55%
Funcionário público (cozinheiro/merendeira, 15 pessoas 14,56%
agente de saúde, zeladora, guarda, almoxarife,
secretária, servente e técnico de enfermagem)
Industriário (costureira, serralheiro, 22 pessoas 21,37%
embaladora, armador, auxiliar de produção,
revisora, eletricista, operador industrial,
auxiliar contábil, operador de máquina,
administrador, impressor, operador de
manufatura, auxiliar de carga)
Comerciário (operador de caixa, vendedora, 6 pessoas 5,84%
comerciante, atendente de farmácia)

96
Autônomo (pintor, pedreiro, advogado, 17 pessoas 16,50%
motorista, cuidador, doméstica/diarista,
jornalista)
Outros (desempregado, estagiário) 4 pessoas 3,88%
Não informou 4 pessoas 3,88%

• Escolaridade

Tabela 7 – Escolaridade
ESCOLARIDADE Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
Fundamental Incompleto 21 pessoas 20,38%
Fundamental Completo 24 pessoas 23,33%
Médio Incompleto 9 pessoas 8,73%
Médio Completo 37 pessoas 35,92%
Superior Incompleto 4 pessoas 3,88%
Superior Completo 4 pessoas 3,88%
Pós-Graduação 2 pessoas 1,94%
Analfabeto 1 pessoa 0,97%
Mestrado 1 pessoa 0,97%

Gráfico 6 – Escolaridade

97
• Número de filhos

Tabela 8 – Número de filhos


Nº DE FILHOS Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
1 a 2 filhos 52 pessoas 50,48%
3 a 4 filhos 34 pessoas 33,00%
5 a 9 filhos 4 pessoas 3,88%
Não respondeu 1 pessoa 0,97%

Gráfico 7 – Número de filhos

• Tipo de moradia

Tabela 9 – Moradia
TIPO DE MORADIA Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
Própria 79 pessoas 76,70%
Alugada 14 pessoas 13,60%
Cedida 10 pessoas 9,70%

98
Gráfico 8 – Moradia

• Possui meio de transporte

Tabela 10 – Meio de transporte


POSSUI MEIO DE Nº DE PESSOAS PRECENTUAL
TRANSPORTE
Sim 60 pessoas 58,26%
Não 42 pessoas 40,77%
Não respondeu 1 pessoa 0,97%

Gráfico 9 – Meio de transporte

99
No que tange ao perfil dos entrevistados, observa-se que a faixa
etária foi distribuída uniformemente. A maioria, 65,06%, possui família
constituída (casada), e a predominância foi do gênero feminino, com
70,87%.
Caracterizou-se economicamente como Classe D, sendo 42,73%,
conforme tabela IBGE, de dois a seis salários mínimos, distribuindo-se
em várias categorias profissionais. Referente à escolaridade, o Ensino
Médio Completo se apresentou como o mais relatado.
Observou-se que a taxa referente ao número de filhos nas famílias
é menor, compondo de um a dois filhos como a mais narrada, 50,48%.
Em relação à habitação e ao meio de transporte, prevaleceu o “próprio”,
sendo 76,70% para casa própria e 58,26% para veículo próprio.

• Meios de comunicação

Tabela 11 – Meios de comunicação


MEIOS DE COMUNICAÇÃO Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
TV 101 pessoas 98,05%
Telefone fixo 62 pessoas 60,79%
Telefone celular 97 pessoas 94,17%
Internet 54 pessoas 52,42%
Não respondeu 1 pessoa 0,97%

Gráfico 10 – Meios de comunicação

100
Os meios de comunicação são os principais responsáveis pelo acesso
às informações da sociedade atual. 98,05% dos entrevistados possuem
TV. Este meio de comunicação também poderá ser visualizado mais
adiante como o maior responsável pelo conhecimento sobre substâncias
psicoativas. Ainda sobre os meios de comunicação, constatou-se que
94,17% possuem celular.
No que diz respeito ao conhecimento das drogas, chama atenção
que 99% das pessoas entrevistadas têm informações sobre dependência
química e têm ou conhecem alguém que tenha um dependente na
família. Contudo falta conhecimento como obter ajuda, conforme os
dados apresentados na sequência.

• Você sabe a diferença entre uso, abuso e dependência de drogas


e dependência química?

Tabela 12 – Diferença entre uso, abuso, dependência de drogas e dependência


química
DIFERENCIA ABUSO, USO, Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
DEPENDÊNCIA DE DROGAS
E DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Sim 59 pessoas 57,29%


Não 37 pessoas 35,92%
Outros 7 pessoas 6,79%

Diferença entre uso, abuso, dependência de drogas e


dependência química

Gráfico 11 – Diferença entre uso, abuso, dependência de drogas e dependência


química
101
• Você tem acesso a informações sobre dependência de drogas,
dependência química? Onde?

Tabela 13 – Informações sobre dependência de drogas e dependência química


TEM ACESSO À Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
INFORMAÇÃO SOBRE
DEPENDÊNCIA
Sim 80 pessoas 77,66%
Não 23 pessoas 22,33%

Acesso à informação sobre dependência de


drogas e dependência química

Gráfico 12 – Informações sobre dependência de drogas e dependência química

• Onde?

Tabela 14 – Meios de acesso à informação sobre dependência


ONDE Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
Instituições de apoio 3 pessoas 2,91%
Posto de Saúde 8 pessoas 7,76%
Meios de comunicação 55 pessoas 53,39%
Casa/família 3 pessoas 2,91%
Igreja/comunidade 9 pessoas 8,73%
Proerd/escola 7 pessoas 6,79%

102
Rua/usuário 10 pessoas 9,70%
Outros 2 pessoas 1,97%

Gráfico 13 – Meios de acesso a informações sobre dependência

O que mais chamou a atenção é que a família, considerada pelos


estudiosos como o espaço privilegiado do diálogo, foi a menos citada. O
estudo da visão sistêmica da família, apresentado por Medeiros (2011),
nos mostra que uma família é um tipo de sistema, com estrutura, padrões
e propriedades, que organiza a estabilidade e a mudança. É também uma
pequena sociedade humana, cujos membros têm contato direto, laços
emocionais e história compartilhada.
A família, como matriz de desenvolvimento, tem como funções
básicas:
• proporcionar o desenvolvimento biopsicossocial de seus
membros;
• construir a identidade – sentimento de pertencimento
(pertença);
• transmitir cultura – crenças, valores, hábitos, costumes e regras.

• Quais programas você conhece na sua comunidade que atendem


a dependentes de drogas?

103
Tabela 15 – Conhecimento sobre programas de auxílio a dependentes
CONHECE PROGRAMAS Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
DE AUXÍLIO A
DEPENDENTES
Sim 48 pessoas 46,61%
Não 55 pessoas 53,39%

Gráfico 14 – Conhecimento sobre programas de auxílio a dependentes

• Locais mais citados em relação aos programas de auxílio

Tabela 16 – Locais
LOCAIS MAIS CITADOS Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
Igreja 16 pessoas 15,53%
Grupos de autoajuda 22 pessoas 21,35%
Comunidade 12 pessoas 11,65%
terapêutica
Posto de saúde 3 pessoas 2,91%
Proerd/Polícia 4 pessoas 3,88%
Outros 3 pessoas 2,91%

104
Gráfico 15 – Locais

• Quais as drogas você acha que são mais consumidas em seu


bairro?

Tabela 17 – Consumo de drogas


DROGAS MAIS Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
CONSUMIDAS
Crack 43 pessoas 41,74%
Maconha 39 pessoas 37,86%
Cocaína 21 pessoas 20,38%
Álcool 21 pessoas 20,38%
Cigarro 11 pessoas 10,67%
Pedra 5 pessoas 4,85%
Êxtase 1 pessoa 0,97%
LSD 1 pessoa 0,97%
Todas 12 pessoas 11,65%
Não sabe 4 pessoas 3,88%
Não tem usuários de 5 pessoas 4,85%
droga
Outros 2 pessoas 1,94%

105
Gráfico 16 – Consumo de drogas

Vale ressaltar que, apesar dos índices de cocaína e álcool serem


iguais, o álcool e o cigarro não foram identificados como drogas; eram
os últimos a serem lembrados, perdendo, inclusive, para a resposta
“todas”.
Na pesquisa em tela, a família não é considerada como o maior
potencial de solução, o que pode ser um grande indicativo para que
as políticas públicas sejam pensadas e implementadas com foco nas
relações familiares.

• Em sua opinião o que leva um jovem ao uso de drogas lícitas e


ilícitas?

Tabela 18 – Fatores que influenciam no uso de drogas


O QUE LEVA O JOVEM A Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
CONSUMIR DROGAS
Família (educação, 52 pessoas 50,48%
atenção, apoio, diálogo,
cuidado, abandono,
orientação, situação
financeira e social)

106
Amizade/má companhia 26 pessoas 25,24%
Excesso de liberdade 8 pessoas 7,76%

Falta de surra 3 pessoas 2,91%


Curiosidade/exemplo/ 16 pessoas 15,53%
facilidade/fuga e
personalidade

Oportunidade/opções 12 pessoas 11,65%


(lazer, trabalho, escola,
falta de informação)
Religiosidade 2 pessoas 1,94%
Não sabe 9 pessoas 8,73%

Gráfico 17 – Fatores que influenciam no uso de drogas

• Existem drogas lícitas (que são permitidos O CONSUMO E


A VENDA POR MAIORES DE 18 ANOS, por exemplo, álcool
e cigarro, medicamentos) e ilícitas em que o CONSUMO e a
VENDA SÃO PROIBIDOS (cocaína, heroína, crack, oxis etc.).

107
Na sua comunidade, há uma fiscalização do consumo e venda
de drogas lícitas para crianças e adolescentes? Quem faz esse
controle?

Tabela 19 – Fiscalização
EXISTE FISCALIZAÇÃO Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
Sim 25 pessoas 24,28%
Não 63 pessoas 61,16%
Não sabe 15 pessoas 14,56%

Gráfico 18 – Fiscalização

• Quem faz?

Tabela 20 – Entidades responsáveis pela fiscalização


QUEM FAZ Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
Polícia 13 pessoas 12,62%
Vigilância Sanitária 1 pessoa 0,97%
Conselho Tutelar 1 pessoa 0,97%
Associação de Moradores 1 pessoa 0,97%
Placas 2 pessoas 1,94%

108
Bares 2 pessoas 1,94%
Não sabe 6 pessoas 5,82%

Gráfico 19 – Entidades responsáveis pela fiscalização

• Fala-se da liberação, do consumo e da venda de maconha no


Brasil. O que você acha disso?

Tabela 21 – Liberação do uso de maconha no Brasil


LIBERAÇÃO DAS Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
DROGAS
Contra 78 pessoas 75,74%
A favor 17 pessoas 16,50%
Indiferente 8 pessoas 7,76%

109
Gráfico 20 – Liberação do uso da maconha no Brasil

No que tange à legalização, cabe ressaltar que os que são a favor


da liberação da maconha consideram que será uma forma de diminuir
o consumo, os assaltos e a violência proporcionada pela dependência
química. Em nenhum momento foi ressaltado como algo benéfico ao
usuário.

• O que pode ser feito em sua opinião, para prevenir e combater


a dependência de drogas na sua cidade?

Tabela 22 – Sugestões de ações preventivas


AUXÍLIO À PREVENÇÃO AO Nº DE PESSOAS PERCENTUAL
CONSUMO
Educação (escolas, esporte, lazer, 19 pessoas 18,44%
oportunidades)
Fiscalização (Governo e civil) 32 pessoas 31,06%
Centro de recuperação/ 14 pessoas 13,59%
internação/políticas públicas
Campanhas publicitárias/ 30 pessoas 29,12%
informação/palestras/prevenção/
capacitação

110
Investir na família (religiosidade) 17 pessoas 16,50%
Não sabe 19 pessoas 18,44%

Gráfico 21 – Sugestões de ações preventivas

Considerações finais
Observou-se, durante a presente pesquisa, que ainda existe certo
receio em falar sobre a dependência química, e que a vergonha é ainda
o sentimento mais observado. A sociedade ainda desconhece as formas
de prevenção, de trato e tratamento, porém é conhecedora dos tipos de
drogas e locais de uso.
Isso demonstra que vivemos em uma sociedade de risco, e o
verdadeiro colapso da dependência está apenas no início. Os conflitos
familiares são o viés da busca a tais substâncias, pois, por mais que se
fale na importância do diálogo familiar, ainda pouco acontece.
Constatou-se como o consumo de drogas está próximo de nossos
lares e que é facilmente visualizado e percebeu-se a inércia em que se
encontra a família no trato com a dependência.
Atenta-se para o fato de vivermos a era das especificidades. Poucas
ações, tanto na esfera pública como nas iniciativas da sociedade civil, são
voltadas para a visão do todo que envolve a família e, principalmente,

111
quanto ao comprometimento de seus membros com a dependência
química.
Esta pesquisa é um passo singular na contribuição para uma
releitura das políticas públicas atuais nessa área.

Referências
BARTH, Wilmar Luiz. O homem pós-moderno, religião e ética.
Teocomunicação, Porto Alegre, v. 37, n. 155, 2007.
GROSSI, M. Pesquisa participante. 1981. Disponível em: <http://
giselacastr.vilabol.uol.com.br/pesquisapart.htm>. Acesso em: 10 jan.
2012.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Dependência
química. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 9 jan. 2012.
LEMOS, Tadeu. Aspectos psicossociais da dependência química. In:
MELO, Maria Taís de. Prevenção à dependência química. 2. ed. Palmas:
Unitins, 2011. p. 31-35.
MEDEIROS, Simone Regina. Síntese da visão sistêmica da família. In:
______. Curso de prevenção à dependência química. Joinville: TJ, 2011.
MENEZES, Sueli. Adolescência e drogas I. Disponível em: <http://adroga.
casadia.org/prevencao/adolescencia-drogas-i.htm>. Acesso em: 6 jan.
2012.
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa participante e pesquisa ação:
alternativas de pesquisa ou pesquisa alternativa. 2001. Disponível em:
<http://jarry.sites.uol.com.br/pesquisaparticipdef.htm>. Acesso em: 4
jan. 2012.
SANTOS, Maurício. Metodologia da pesquisa ação. 2009. Disponível
em: <http://profmau.blogspot.com/2009/06/pesquisa-participante-e-
pesquisa-acao.html>. Acesso em: 6 jan. 2012.

112
RELATÓRIO DO POLO DE CRICIÚMA – SC

Elizabeth Magdalena de Stefani


Fernanda Ortolan da Luz
Maria de Lourdes Bitencourt
Rosa Maria Pacheco Pandini

Resumo
Nos dias atuais, a palavra “droga” automaticamente é associada
às substâncias que alteram o sistema nervoso, levando o indivíduo
a sensações de prazer ou desprazer e parte dos consumidores do uso
ao abuso da substância até chegar à dependência. O abuso de drogas
atualmente perpassa classes e instâncias sociais e relaciona-se com
doenças e delinquências, entre outros problemas. Esta pesquisa teve
como objetivos caracterizar o perfil e o nível de conhecimento da
comunidade do município de Içara - SC em relação à dependência química;
contribuir para a informação e a conscientização sobre o avanço do uso
de drogas lícitas e ilícitas, incentivando a comunidade a se inteirar sobre
o assunto, rompendo paradigmas referentes ao consumo da substância.
Esta pesquisa combinou abordagens quantitativas e qualitativas. Os
instrumentos de coleta de dados foram as entrevistas semiestruturadas.
Os resultados evidenciaram que a maioria da população tem acesso
às informações sobre o assunto, tem conhecimento sobre as drogas,
inclusive sobre as consequências do uso da substância. A comunidade
em geral conhece os programas que oferecem tratamento aos usuários
de drogas. Os entrevistados consideram que as drogas estão destruindo
as famílias e apontam como razão a desestruturação familiar, más
influências e curiosidades. Concluíram que a droga hoje é um problema
social e todos precisam se envolver para uma vida mais saudável e a
educação é o melhor caminho para trabalhar a prevenção.

Palavras-chave: drogas, prevenção, uso, abuso, dependência.

113
Apresentação
O presente trabalho constituiu-se não somente de um estudo
científico sobre a dependência química, mas um mecanismo para a
sistematização dos conteúdos apreendidos no curso de Serviço Social.
As acadêmicas desenvolveram seu trabalho no município de Içara,
localizado no extremo sul de Santa Catarina. O estágio curricular não foi
direcionado a um grupo específico, mas a toda a comunidade. Teve como
norte a pesquisa qualitativa e quantitativa. O estudo procurou caracterizar
e visualizar informações a respeito da dependência química por meio
de coleta de dados quantitativos em relação ao grau de entendimento
da comunidade sobre o uso das drogas e também se é conhecedora dos
serviços existentes em seu município. É complexo compreender o ser
humano, assim se estruturou uma interação com a comunidade para
verificar junto a ela estratégias de ações preventivas.

Problematização
Um dos problemas enfrentados hoje é o avanço do uso de
drogas, tornando-se um problema social. Essa realidade é visualizada
em todos os ambientes sociais, dentro das famílias onde medicamentos
são administrados sem orientação médica, em escolas, ruas, grupos de
amigos, ambientes de trabalho, enfim todos estamos expostos a essa
problemática.
Segundo Braun (2007), droga é todo agente químico que
afeta processos do organismo vivo, são substâncias descritas como
desencadeadoras de sensações agradáveis e/ou diminuidoras das
sensações desagradáveis.
Informações a respeito do uso abusivo das drogas são transmitidas
por intermédio dos meios de comunicação, escolas, família, igreja, entre
outros meios, mas, mesmo assim, o consumo continua aumentando.

Pergunta da pesquisa
Qual o perfil do usuário e quais os conhecimentos que a comunidade
içarense tem sobre dependência química?

114
Objetivos

Objetivo geral
Caracterizar o perfil sócio, econômico e cultural e o nível de
conhecimento em relação à dependência química dos cidadãos do
município de Içara.

Objetivos específicos
• Constatar a existência de serviços (públicos ou privados) que
trabalham com a dependência química no município de Içara.
• Fortalecer a rede de atenção aos dependentes químicos e aos
familiares.
• Analisar as alternativas que a comunidade recomenda no intuito
de trabalhar o combate ao uso das drogas.
• Conhecer, sistematizar e divulgar iniciativas, ações e campanhas
de prevenção do uso indevido de drogas, com finalidade de
ampliar sua abrangência e eficácia.

Justificativa
O consumo de substâncias psicoativas é um fenômeno civilizatório, ou
seja, sempre ocorreu em todas as culturas o uso de substâncias que alteram
os estados de consciência (BUCHER, 1992; MASUR, 1986). No entanto as
características do consumo se modificaram significativamente nas últimas
décadas, colocando em risco a vida de muitas pessoas, tornando-se mais um
dos fatores a espelhar o sistema e seu ciclo da sociedade de consumo.
No Brasil, os serviços de saúde, de maneira geral, padecem da falta de
mecanismos e de critérios de avaliação, tanto no que diz respeito às políticas
de saúde, quanto à implementação de programas e serviços de prevenção.
A dependência química (DQ) tem sido a causa de modificações
dos valores da vida, como organização, confiança, pontualidade, diálogo,
dignidade, responsabilidade, dedicação, respeito, discernimento, disciplina,
bem como dificuldade em lidar com a complexidade da vida.
A proposta deste relatório se embasa na importância da produção e
da difusão do conhecimento já que são iniciativas como esta que podem
acelerar o desenvolvimento humano e social, como forma de combate e
prevenção às situações desencadeadoras da dependência química.
115
Revisão bibliográfica
Segundo a definição da OMS (2009), droga é qualquer substância não
produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais
de seus sistemas, ocasionando alterações em seu funcionamento.
Toda droga tem seus efeitos, porém eles não se manifestam da mesma
maneira em todos os organismos, especialmente porque cada droga tem sua
contraindicação.
Há dois grandes grupos de drogas, que não as agrupam segundo as
suas características, mas segundo convenções e exigências sociais: o grupo
das drogas lícitas e o grupo das drogas ilícitas.
As drogas são substâncias capazes de produzir alterações nas sensações
físicas, psíquicas e emocionais. Assim, energéticos, café, refrigerantes,
chocolates, entre muitos outros alimentos, contêm substâncias que podem
ser consideradas drogas, pois alteram de alguma maneira as sensações de
quem as ingere. Elas, porém, se ingeridas em quantidade moderada não
representam nenhuma ameaça para o ser humano. Se, no entanto, são
demasiadamente utilizadas por alguém, podem causar uma leve dependência
e problemas de saúde futuros.
Elas são utilizadas para diversos fins desde a antiguidade. Podem ser
utilizadas para curar doenças ou obter prazer. Entre as drogas lícitas, estão os
medicamentos em geral (os quais só são permitidos sob prescrição médica, o
álcool e o cigarro, além dos alimentos já citados). Já entre as principais drogas
ilícitas, estão a maconha, a cocaína, o ecstasy, o crack, a heroína etc. Existem
ainda outras substâncias que causam dependência, mas que são vendidas
livremente para outros fins, como a cola de sapateiro e o hypnol. Há diversas
outras drogas que também são utilizadas da mesma maneira e algumas delas
ainda nem são conhecidas pelo Ministério da Saúde e pelas autoridades
judiciais.
Drogas lícitas são aquelas permitidas por lei, as quais são compradas
praticamente de maneira livre, e seu comércio é legal. Drogas ilícitas são
aquelas em que a comercialização é proibida pela justiça. Elas também são
conhecidas como “drogas pesadas” e causam forte dependência.
Uma droga não é por si só boa ou má. Existem substâncias que são
usadas com a finalidade de produzir efeitos benéficos, como o tratamento de
doenças, e são consideradas medicamentos. A diferença entre um remédio e
um veneno pode ser simplesmente a dose utilizada.
Embora a descrição clínica da dependência química seja o primeiro
passo para o seu diagnóstico, a determinação da natureza dos processos

116
biopsicossociais, a origem, a manutenção e a reinstalação dessa condição,
associada ao conhecimento das ações e os efeitos das diferentes drogas
psicotrópicas, é que garantirão a eficácia do tratamento e das abordagens
preventivas.

Metodologia
A proposta deste trabalho de combate à dependência química
esteve pautada na perspectiva de verificação sobre a dependência química
no município de Içara – SC, com uma população de 59.616 habitantes. A
população para o estudo foi de 100 entrevistas. A pesquisa também se
constitui em uma ação orientada pela coleta de dados e por subsidiar
a elaboração de políticas públicas para o setor e projetos de intervenção
na forma de ações extensionistas. Para a coleta de dados, o município foi
dividido em quatro grandes regiões: central, Presidente Vargas, Vila Nova e
Balneário Rincão. Essa divisão é a utilizada pela Secretaria de Saúde.
A proposta se caracterizou por uma análise voltada para os serviços
de atenção à dependência química. A pesquisa foi realizada por acadêmicas
de Serviço Social. Os entrevistados assinaram o termo de consentimento
livre e esclarecido, a fim de garantir os procedimentos de ética exigidos em
pesquisas que envolvem seres humanos. Os dados das entrevistas foram
tabulados e analisados e receberam um tratamento qualitativo por meio de
análise do conteúdo.
Para Leopardi (2002, p. 119), na pesquisa qualitativa, “tenta-se
compreender um problema da perspectiva dos sujeitos que o vivenciam, ou
seja, parte de sua vida [...] atenta-se, portanto, ao contexto social no qual o
evento ocorre”.
Quanto aos procedimentos técnicos, desenvolveu-se uma pesquisa-
ação, como complementação, pois se destina a identificar situações sociais
e propor soluções para os problemas encontrados. Segundo Leopardi (2002,
p. 128),

O foco da pesquisa-ação é dirigido aos grupos,


instituições, coletividade de pequeno porte. A
pesquisa-ação é uma estratégia, ou variedades
de pesquisa, que pode agregar vários métodos,
técnicas ou abordagens usadas na pesquisa social
para captar informações úteis a partir de uma
estrutura coletiva, participativa e ativa, sendo,
portanto, concebida de um modo aberto e flexível.

117
Resultados e discussões
Em relação ao perfil dos entrevistados, foram considerados vários
fatores, como: faixa etária, sexo, escolaridade, renda familiar, estado
civil, quantidade de filhos, moradia, meios de transporte e o acesso à
comunicação.
A faixa etária de maior número de entrevistas foi de 15 a 35 anos,
perfazendo um total de 54%, e, em sua maioria, do sexo feminino. Quanto
à escolaridade, a grande maioria tem nível médio completo, seguido de
profissionais com pós-graduação.
A maioria dos entrevistados é casada, 42% têm até dois filhos, e
83% possuem moradia própria. Quanto aos meios de transportes, 68%
possuem transporte próprio e apenas 4% utilizam transporte coletivo.
Em relação aos meios de comunicação, praticamente todos os
entrevistados têm acesso a informações através de algum meio de
comunicação.
Em relação às profissões, encontramos, a partir da realização das
entrevistas, profissionais das mais variadas áreas. A pesquisa não teve
como objeto de estudo um grupo específico e sim foi realizada com a
população em geral. Entre todas, algumas apareceram em maior número,
16% professores, 11% do lar, 7% aposentados, seguido de autônomo,
técnico de enfermagem, serviços gerais, costureira, estudante...
Quanto à diferença entre uso, abuso e dependência, 81% dos
entrevistados responderam que sabem a diferença, 87% relataram que
recebem informações sobre drogas, e 85% recebem através dos meios
de comunicação.

Gráfico 1 – Acesso à informação sobre drogas


Fonte: Dados da pesquisa
118
Gráfico 2 – Meios de acesso à informação sobre drogas
Fonte: Dados da pesquisa

Observa-se que todas as pessoas entrevistadas possuem televisão,


e a grande maioria tem telefone fixo, celular e acesso à internet. Na
sociedade contemporânea, a mídia constitui um dos fatores fundamentais
na formação do que se denomina opinião pública. Atualmente, a maior
fonte de informação das pessoas são os meios de comunicação, e a maioria
delas acredita no que vê, lê ou ouve na televisão, nas revistas e nos jornais.
Ficou evidente que existe uma contradição, pois os entrevistados
relatam que uma das dificuldades para enfrentar o problema das drogas
seria a falta de informação, porém a maioria menciona receber informações
sobre drogas e afirma que essa informação vem por meio dos veículos de
comunicação.
Tendo em vista a contradição, a informação não está sendo passada
de uma forma clara e objetiva, reafirmando que os trabalhos preventivos
realizados através da mídia não estão alcançando os seus objetivos,
demonstrando que o foco das campanhas de publicidade em relação à
prevenção deveria ser repensado.
Quanto aos programas que a comunidade conhece, 68% responderam
que conhecem alguns serviços em sua comunidade, 31% afirmaram que
desconhecem qualquer serviço, e 1% não soube responder.
Os programas mais conhecidos pela comunidade são os serviços
ofertados pelo CAPS – Centros de Apoio Psicossocial, PROERD e o serviço
desenvolvido por uma comunidade terapêutica (Desafio Jovem), conforme
demonstram os gráficos expostos na sequência.

119
Gráfico 3 – Programas de atendimento
Fonte: Dados da pesquisa

Quais são os programas na sua comunidade?

Gráfico 4 – Programas de atendimento


Fonte: Dados da pesquisa

Em relação às drogas mais consumidas, segundo os entrevistados,


a mais utilizada no bairro é a maconha. Muitos citaram as drogas lícitas.
Portanto, observa-se que as pessoas já estão vendo cigarros, álcool
e medicamentos como drogas que causam dependência, conforme
evidencia o gráfico a seguir.
120
Gráfico 5 – Drogas
Fonte: Dados da pesquisa

Em relação ao que levaria uma pessoa ao uso da droga, vários


fatores foram levantados. Entre os mais citados, estão má influência,
desestrutura familiar, curiosidade e falta de informação. Para Klajner
(2004), os fatores que influenciam no avanço do uso de drogas são:
experimentação pela curiosidade, opinião dos amigos, que é importante
para adolescentes, facilidade de se adquirir a droga. Relata também que a
estrutura familiar não assegura que os jovens não façam uso de drogas, e
que a curiosidade é o que leva à primeira experiência ao uso de drogas.
Foi citada também a fuga da realidade, quando a pessoa não
aceita sua condição social, seus problemas familiares, sua timidez, baixa
autoestima, entre outras razões. Assim muitos acabam abusando das
drogas para esquecer os problemas e melhorar seu estado de espírito.
Porém a solução é temporária e acaba se tornando pior quando passa o
efeito da droga.
No questionamento se existe fiscalização para venda de drogas
lícitas em seu bairro, e quem fiscaliza, 55% disseram que não há
fiscalização. E das pessoas que citaram que há fiscalização, 35% disseram
que a polícia é quem fiscaliza. O restante citou o proprietário de
estabelecimentos, Conselho Tutelar, entre outros.

121
Gráfico 6 – Órgãos de fiscalização
Fonte: Dados da pesquisa

Quanto à liberação da maconha, 69% posicionam-se contra a


liberação. Entre algumas colocações sobre a não liberação da maconha,
citaram o aumento da procura e a facilidade de acesso à droga, sendo já
consumida em grande escala sem a liberação. Houve alguns entrevistados
que se posicionaram a favor, ressaltando que diminuiria o tráfico e que
existem drogas lícitas, como o cigarro e o álcool que já são liberadas,
mesmo causado grandes problemas ao usuário.

Gráfico 7 – Liberação da maconha no Brasil


Fonte: Dados da pesquisa
122
Em relação à prevenção e ao combate ao uso das drogas, várias
repostas foram ressaltadas. Consideramos que a efetiva prevenção é fruto
do comprometimento, da cooperação e da parceria entre os diferentes
segmentos da sociedade e dos órgãos governamentais, fundamentada
na filosofia da responsabilidade compartilhada.

Gráfico 8 – Sugestões de ações preventivas


Fonte: Dados da pesquisa

A prevenção é uma questão muito delicada, tendo em vista que


há muita informação hoje nos meios de comunicação, escolas etc.,
porém foi citado em larga escala que se deve aumentar as informações,
palestras e se investir mais na educação das crianças e dos jovens, entre
outras soluções.
Segundo Caetano e Drumond (2004, p. 44), a prevenção se faz
pela atenção e pela informação:

Quando pais, jovens e professores se informam,


estão praticando a prevenção. Ler bons livros,

123
participar de palestras e seminários, acompanhar o
assunto nos noticiários de TV e revistas, de modo
crítico, tudo ajuda a entender o problema das
drogas. Contudo, quando existe uma dificuldade, é
conversando dentro de casa que se pode conseguir
uma melhor chance para seu reconhecimento.

Considerações finais
Por meio deste estudo, foi possível caracterizar o perfil sócio,
econômico e cultural e o nível de conhecimento da população içarence
em relação à dependência química. Espera-se que este estudo tenha
contribuído para a construção de novos conhecimentos entre os
entrevistados sobre a problemática da dependência química que é hoje
um problema social inerente a todos nós.
Em relação aos programas voltados à dependência química
existentes no município, ressaltamos que Içara dispõe de uma rede
estruturada, contudo esses serviços ainda são insuficientes para atender
à demanda. Trabalhar com a prevenção é difícil, necessitamos de
profissionais especializados e maior envolvimento da comunidade.
Na análise das alternativas apontadas como estratégias de
prevenção, a população faz muita referência à necessidade de mais
informação (palestras, reuniões nas comunidades), educação por meio
do trabalho sistemático em sala de aula. A fiscalização deveria ser mais
atuante, e deveria ter mais clínicas direcionadas ao tratamento, pois as
vagas disponibilizadas hoje à população são insuficientes. Certamente
os trabalhos devem ser intensificados nas comunidades, existindo
uma aproximação dos trabalhadores da área da saúde, da educação
e da assistência social, na realidade da comunidade. É fundamental a
democratização das discussões, é preciso perceber que a participação
da sociedade é um fator determinante para o sucesso de qualquer
iniciativa.
Sabemos hoje que, para ocorrerem transformações, as ações
preventivas devem ser pautadas em princípios éticos, buscando a
promoção de valores voltados à saúde física e mental, individual e
coletiva. Toda ação preventiva deve ser planejada.
Ressaltamos também que as campanhas educacionais e
preventivas precisam ser claras, atualizadas e com embasamento

124
científico, considerando sempre as especificidades do público-alvo e as
diferenças culturais.
Conclui-se que é essencial a participação de todos os atores sociais,
possibilitando que se tornem multiplicadores, com objetivo de ampliar,
articular e fortalecer as redes de atenção à Dependência Química, visando
ao desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar e multiprofissional.

Referências
BRAUN, Ivan Mário. Dependência química. São Paulo: Cortez, 2007.
BUCHER, R. Drogas: o que é preciso saber para prevenir. São Paulo:
FUSSESP, 1992.
CAETANO, Marina Canal; DRUMOND, Hélio. Drogas. 2. ed. São Paulo:
Loyola, 2004.
LEOPARDI, Maria Tereza. Metodologia da pesquisa na Saúde. 2. ed.
Santa Maria: Palotti, 2002.
KLAJNER, Henrique. Prevenção de distúrbios comportamentais na saúde
física e mental. São Paulo: Marco Zero, 2004.
MASUR, J. O que é toxicomania. São Paulo: Brasiliense, 1986.

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