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Sobre Vivência

A palavra sobrevivênvia junta está relacionada ao ato ou efeito de sobreviver, de continuar a viver ou a
existir, já separada se diz do que se experimenta vivendo, vivenciando.

Junta ou separada, ela está relacionada a vida de Ana, pois tudo o que viveu e experimentou vivendo foi
um verdadeiro ato de sobreVivência...

Naquela primavera decidiu que algo deveria mudar, pois o inverno havia sido longo demais e insistia em
permanecer. Anos de um relacionamento frio, sem amor e compreensão a fizeram morrer por dentro.

Lembrou-se de como era. Como um jasmim recém desabrochado, exalava perfume e frescor por onde
passava. No rosto, um sorriso radiante como o sol da manhã aquecia qualquer coração frio. O brilho que
carregava nos olhos eram de vida que pulsava. Toda essa luz fora se apagando aos poucos e a causa tinha
nome e sobrenome, Maurício Dantê.

Maurício era o tipo bem visto pelo sociedade. Responsável, batalhador e simpático com todos. Era o
perfil ideal para ser o sonho de qualquer mulher. Ao menos, era assim que deveria ser aos olhos alheios
e, de Ana.

Ambos se esbarraram em uma festa da cidade e após troca de olhares e uma conversa descontraída,
apaixonaram-se em questão de minutos. Trocaram telefones e a partir dali, o desejo de conversar e ser
ver crescia a cada dia mais. Não demorou muito, decidiram por viver juntos.

No decorrer dos dias, aos olhos de Ana, Maurício era perfeito, o homem ideal para esposo. Atencioso ao
ponto de fazer de tudo para passar o máximo de tempo do seu dia junto dela. Ana se sentia amada e
protegida.

Porém, ao passar dos dias, Ana percebeu que a presença de Maurício era intensa. Ele a acompanhava
para todo lugar, acompanhava-a na conversa com as amigas, as redes sociais, na casa dos pais, no
mercado...

Ana passou a se sentir precionada s sem ar. Maurício era agora como uma sombra, não mais um anjo da
guarda. Notou que não tinha mais nenhuma privacidade, foi perdendo amigas, familiares e a alegria que
possuia. Aquele fresco e perfumado jasmim murchava a cada dia.

Tentou conversar e falar sobre a falta de espaço, mas o fato deixou Maurício alterado e mais possessivo,
chegando a machucá-la no braço, segurando-a enquanto conversavam.

Ana sentia agora ansiedade e dores de cabeça constantes. Aquele desejo de tê-lo por perto agora era
contrário, queria tê-lo longe para poder respirar um pouco. Passou a se sentir parte da mobília, de casa
já não mais saia, visitas não recebia.

Como se não bastasse, Maurício passou a querer controlar as roupas que Ana usava, mesmo saindo
somente com ele. Ela tentou resistir, mas ele tentou outra estratégia. Passou a baixar a autoestima dela
procurando em seu corpo defeitos inexistentes. Fato que a fez abandonar as roupas curtas e justas,
passando a usar roupas largas. Descuidou também da beleza, não mais cuidava dos cabelos nem da pele.
Maquiagem já não fazia mais parte de seu look, tudo fora abandonado dentro das gavetas e lá
esquecidos.

Os dias agora eram todos cinzas. Ana perdera sua identidade, não era mais uma mulher, era um corpo
que perambulava de um lado para o outro na casa que permanecia escura e com cortinas fechadas. Era
uma dama reclusa. Os passáros lá fora cantavam um canto funebre.

Nada mais tinha vida ao redor de Ana. Maurício permanecia sempre vigiando, com cobranças,
desconfianças e pressão. Sentia-se atormentada, exausta, foi adoecendo.

Adoeceu a ponto de ficar esquizofrênica. Sentia medo, ouvia coisas. Pediu ajuda para a única pessoa
mais próxima dela, Maurício. Viu ali também uma oportunidade de ir para uma clínica, fugir daquele
ambiente onde sentia medo de permanecer agora. Mas a única coisa que ouviu, foi que tudo aquilo era
coisa da cabeça dela, que a forma de ser contribuia para que ficasse doente. Que deveria sair mais com
ele, sorrir mais. Sair como? Sorrir como? Se a companhia dele agora só a atormentava. Tratava-a ora
como criança, ora como uma inválida.

Abusava agora de medicamentos, porém a dor que sentia era na alma. Não ia se curar com eles, mas a
sensação de não sentir a confortava. A doença era um relacionamento tóxico, possessivo, um amor
doentiu.

Tentou orientar Maurício a procurar tratamento, que seu amor o fazia mal, não era saudável. Mas
aquela postura que ele possuia quando o conheceu permanecia em sua face, a perfeição estampada, o
caos estava dentro. Não obteve sucesso. Passou a odiar os romances que lera na adolescência. A vida
real lhe fora cruel e o amor era uma ilusão.

Em uma noite de segunda -feira Maurício precisou ficar até mais tarde no escritório. Ligou para Ana e a
comunicou. Fosse em um casamento feliz, Ana sentiria-se triste dainte das horas de solidão, por outro
lado, sentiu-se como se um sopro de felicidade invadisse sua alma.

Pela primeira vez durante muito tempo, sentou-se em frente ao espelho e passou a olhar-se fixamente
por alguns minutos. Notou sua aparência descuidada e seus olhos sem brilho.

Cansada do que a vida fizera de si, ou, do que ela fizera de si durante a vida, pensou em dar um alivio
para toda a sua dor e, desta vez o remédio seria em dose única.

Planejou todos os detalhes para que nada saisse errado, colocaria um ponto final na situação que tanto a
atormentava.

Aquela seria a noite ideal. Levantou-se dali e foi à cozinha.

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