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Bianca - 301 - Caminhos Do Coração - Sandra FieldAR6
Bianca - 301 - Caminhos Do Coração - Sandra FieldAR6
Caminhos do Coração
(Sandra Field)
Copyright: Sanda Field
Título original: "Out of wedlock" Publicado originalmente em 1.985 pela Mills &
Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Copyright para a língua portuguesa: 1986 Nova Cultural
Digitalização: Polyana
Revisão: Edith
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Sandra Field Caminhos do Coração
CAPÍTULO I
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tanque do jipe. Recordava-se disso porque o rapaz do posto tinha uma expressão
séria, rabugenta até, comprometendo a propaganda turística, que apresentava os
moradores daquela região como expansivos e hospitaleiros.
Nessa noite, porém, Michael não tinha outra saída senão dirigir-se para
aquele posto. Se tivesse sorte, conseguiria chegar lá antes que o maldito carro
parasse de funcionar por completo, deixando-o no meio daquele lugar deserto e
escuro. "E se o posto já estiver fechado? Já são quase oito horas!, pensou,
desanimado.
Algum tempo depois, ele vislumbrou as luzes de um vilarejo e a placa verde
que anunciava o nome do lugar: Lower Hampton. Era uma comunidade rural típica
da Nova Escócia; alguns bangalôs modernos e casas mais antigas, a igreja de
campanário branco e o conjunto de pequenas lojas. Felizmente, a placa azul,
vermelha e branca do posto ainda estava iluminada. O Mercedes entrou no pátio
cimentado com dificuldade e parou, aos solavancos.
Michael Gault desceu do carro, deixando o motor ligado, e esticou a perna
com o joelho ferido. Olhou em volta e estranhou que não houvesse ninguém por
ali,
embora as luzes internas da oficina ainda estivessem acesas. Franziu a testa e
empurrou a porta do escritório.
Viu a caixa registradora em cima do balcão e, embaixo, empilhados
cuidadosamente, pacotes de balas e de batatas fritas. Num canto, uma máquina
de
refrigerante e, no teto, uma quantidade de correias de ventilador. Notou ainda
que
nas prateleiras, colocadas em ordem, havia latas de óleo para motor, óleo de
freio e
lubrificantes.
Como Michael, durante uma boa parte de sua vida, havia dependido de
pequenos detalhes para garantir a própria sobrevivência, não pôde deixar de
reparar
na arrumação exagerada do lugar: chão e cinzeiros limpos, cesto de lixo vazio.
Uma
coisa chamou sua atenção:
a música que vinha, provavelmente, de um rádio na oficina. Uma das
sinfonias de Beethoven.
Na porta que dava acesso à garagem havia uma placa: ""Só para
funcionários". Michael não deu a mínima importância ao aviso e entrou. Desceu
dois
degraus de cimento e olhou à volta.
A primeira coisa que viu foi um par de botas gastas, com solas chapeadas,
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- Está bem, está bem. Ouça, por que não me mostra a sua capacidade,
consertando o meu carro?
- Qual é o problema?
- Se eu soubesse, não estaria aqui. É que sou um dos poucos homens que
não entende absolutamente nada de carros. Nem pretendo entender.
Aline prendeu a respiração ao vê-lo sorrir. O sorriso parecia iluminar o rosto
do desconhecido, ressaltando a boca bem-feita e o queixo determinado. A
primeira
impressão que Aline tivera dele era a de um homem comum: cabelos castanhos
claros, nenhum traço marcante, em um rosto que provavelmente não chamaria a
atenção no meio de uma multidão. Os olhos, no entanto, transmitiam um certo
magnetismo e eram azuis, do mesmo tom das hortências que seu avô cultivava
atrás
da oficina.
Subitamente, Aline sentiu os olhos, que analisava tão estranhamente, fixos no
seu rosto, o que a perturbou. Recompôs-se rapidamente e indagou:
- Onde está seu carro?
- Lá fora, na chuva. A não ser que tenha sido roubado, claro. Ela ignorou a
ironia.
- Por estes lados sempre há essa possibilidade. Vou abrir a garagem e você
pode colocar seu carro no elevador.
Puxou a corrente e a porta subiu. Michael baixou a cabeça e correu para a
chuva. Aline ouviu o ruído do motor e, antes que tivesse tempo para pensar,
Michael
estava entrando com o Mercedes negro no elevador. Ela abaixou a porta
novamente
e, com facilidade, enfiou um tubo no escapamento do carro e colocou a outra
ponta
para fora, através de um orifício na porta, para evitar que os gases se
espalhassem
dentro da oficina. Só então deu uma olhada no automóvel, que devia ter uns oito
ou
nove anos de uso, mas estava em excelentes condições.
Aline ficou apreensiva, pois nunca havia lidado com um carro
daqueles. Seria humilhante se, depois de todo seu discurso, não conseguisse
resolver o problema.
Michael abaixou o vidro da janela e perguntou:
- Quer que eu desligue?
- Ainda não. Está totalmente desregulado, não é mesmo?
Ele então lhe fez uma descrição do desempenho do carro na estrada e Aline
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- Vamos deixar a minha amiga de lado - ele disse, com calma, - Quer
dizer que não há jeito de arrumar este calhambeque a não
ser amanha?
- Isso mesmo. Mas não menospreze o carro. Ele está longe de ser um
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calhambeque. ..
Michael ignorou a resposta e perguntou:
- Ainda faltam uns setenta quilômetros até eu chegar em casa. Como vou
fazer? Vou ter de ir andando?
- Com este carro você não vai a lugar algum. Talvez eu possa encontrar
alguém para lhe dar uma carona.
- A esta hora? E no meio de uma tempestade?
Michael tinha razão. Embaraçada, Aline o observou desligar o motor e sair do
carro. Reparou então que ele usava calça de veludo escuro e uma jaqueta xadrez
sobre um pulôver preto. Roupas simples, que podiam ser compradas em qualquer
loja. O estranho foi que ela percebeu, por trás da aparência comum, uma grande
força de personalidade.
- Não sei o que você vai fazer, moço.
- Acho que vou até o hotel mais próximo,
- O quê? Fica a uns cinco quilômetros daqui e pertence aos Macallum, que
viajaram, na semana passada, para a Flórida.
- Há algum outro?
- Não, não há!
- E uma pensão? Alguma viúva simpática que aceite hóspedes
abandonados?
- Não e não. Estamos em Lower Hampton, um lugar pequeno, Ninguém
pára aqui. As pessoas só vêm de passagem. . .
- É. .. Acho que não tenho saída a não ser dormir no banco traseiro do
carro.
Aline arregalou os olhos e disse, sem pensar:
- Não precisa fazer isso. Pode ficar lá em casa. Arrependeu-se na hora da
oferta, principalmente porque ele pareceu interessado;
- Em que lugar fica?
. - Aqui, pegado ao posto. Moro com o meu avô. Ele, ao contrário de todo
mundo, ficaria encantado em hospedá-lo. Havia uma nota estranha na voz de
Michael quando falou:
- Será que ouvi bem? Está me oferecendo um lugar na sua casa?
Como, se nem me conhece?
- O que mais posso fazer? Está muito frio e eu ficaria com remorso se o
deixasse dormir aqui fora.
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- Você não acha perigoso hospedar um estranho? Posso ser um
assassino. . . ou um violentador.
- Você não leva jeito de ser nem uma coisa nem outra.
- Como a maioria das pessoas, você acha que alguém traz escrito na testa
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que é um assassino. . , Mas posso lhe assegurar que a maioria deles é gente bem
comum.
Aline queria perguntar como é que ele sabia disso, mas limitou-se a sorrir e
falou:
- De qualquer modo, você não parece um assassino.
- Acho que você confia demais nas pessoas.
Irritada com aquele comentário, ela parou de sorrir e disse bruscamente:
- Afinal, quer ou não quer ficar lá em casa?
- Mas eu nem sei seu nome!
- Aline MacCulloch.
- Aline. . . um nome suave demais para você, que devia se chamar
Cynthia ou Jackie, algo mais atrevido. Aline soa como um
suspiro ao vento.
- Ora, pare de ser grosseiro! - e fechou o capo do carro, refletindo nas
palavras daquele estranho sem saber por que elas magoavam tanto.
Um silêncio pesado pairou no ar e, então, ela sentiu mãos fortes
em seu ombro, Ficou tensa, desejando que ele a soltasse.
- Olhe para mim - pediu Michael. - Sinto muito, eu estava brincando. Mas
magoei você, não foi?
Aline afastou-se alguns passos, um tanto perturbada.
- Não foi nada, não - disse, escondendo as emoções. - Acontece que
gosto do meu nome. Por falar nisso, você ainda não me
disse o seu.
- Michael Gault.
Ela apenas fez um gesto com a cabeça, mantendo a expressão
séria.
- Vou fechar a oficina e poderemos ir para casa.
- Eu pedi desculpas, Aline MacCulloch, lembra-se?
Algo na voz dele fez com que ela estremecesse e sentisse novamente a força
extraordinária que aquele homem transmitia.
- Sim, eu me lembro. E o que quer que lhe dê por isso? Uma
medalha?
-Não, porque, pelo seu jeito, você iria me espetar a medalha em vez de
apenas prendê-la. Ouça, detesta todos os homens ou apenas não simpatizou
comigo?
Zangada, ela achou que tinha sido tola em tentar ajudá-lo. Afinal,
ele não passaria tão mal se dormisse no carro. Parecia um homem
acostumado a cuidar de si mesmo.
- Olhe, foi um dia longo, já passou da hora de fechar e eu estou cansada -
disse Aline, tirando as luvas e jogando-as num latão de óleo que servia como
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cesto
de lixo. Passou detergente nos dedos e os esfregou com força, enxaguando
depois
as mãos na mangueira enrolada na parede.
- Depois que você responder à minha pergunta, poderemos ir. Ele não
havia elevado a voz e estava encostado no Mercedes,
muito à vontade. Mas Aline não cedeu, indagou secamente:
- Está me ameaçando?
- Como pode imaginar uma coisa dessas? Só espero de você um pouco de
educação.
- Oh, perdoe-me - disse ela com a voz carregada de ironia. - Passei
muito tempo aqui e acho que acabei esquecendo as boas maneiras. Mas deixe-me
dizer-lhe uma coisa, Sr. Gault: desisti de me interessar por rapazes depois de
vir
para Lower Hâmpton. A maioria dos que aparecem aqui no posto só serve para
afugentar as mulheres.
- Então, por que não me exclui dessa maioria? - ele perguntou, atrevido.
Aline achou que aquela batalha verbal estava indo longe demais.
- Não tenho a mínima idéia sobre em que categoria eu o colocaria - disse,
enquanto secava as mãos numa toalha de papel. Em seguida, trancou as portas da
oficina.- Vai precisar de alguma coisa do carro?
- Não. obrigado - ele falou, enquanto a seguia para o escritório, onde Aline
desligou o rádio.
- Sabe que apreciei o seu gosto musical?
- Meu avô detesta o rádio, Diz que só tem propaganda e futebol. E também
não gosta muito de música erudita. Por isso prefiro escutar aqui, na oficina.
- Você sempre trabalha sozinha, mesmo quando escurece?
- Vovô está logo aí ao lado - ela respondeu, impaciente, trancando a
caixa registradora e ligando o alarme contra ladrões. - Vamos indo?
- Está bem, está bem, vou parar de fazer perguntas indiscretas. Não é isso
que você quer?
- Acertou, Sr. Gauft.
Ele saiu para a chuva e ficou segurando a porta para Aline.
- Se a vizinhança é assim tão perigosa, porque contínua neste trabalho?
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- Não há outra opção - ela respondeu em tom seco. - Vamos ter de dar
uma corrida até em casa, se não quisermos ficar encharcados.
A residência era de madeira, pequena e simples. A pintura branca da parede
estava nova, como se estivesse sido pintada recentemente, e os batentes da
porta e
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próprias mãos, sabendo que ia ter de lhe contar sobre Juliana, antes que ele
perguntasse. Devia ter visto o quadrado cheio de brinquedos no canto da
sala.
- Mas não fique preocupado. Há uma cama sobressalente no quarto da minha
filha.
Depois de um instante de silêncio, ele comentou:
- Então a criança é sua? Imaginei que devesse ser.
Ele pegou uma das mãos de Afine e acariciou de leve os dedos sem anéis.
Ela aguardou, com o corpo tenso.
- Ninguém mencionou um marido. Ele também mora aqui?
- Não,
- Você é divorciada?
- Nunca me casei.
- Sei, sei...
No tom que ele usara para proferir aquelas duas palavras não havia nada que
indicasse o que realmente pensava a respeito. Pela mente de Aline passaram,
então, os rostos das pessoas com as diversas reações que haviam tido, ao vê-la
grávida. O olhar espantado de David, as lágrimas de sua mãe, a incredulidade e o
desprezo do pai e, mais recentemente, o desdém de alguns vizinhos de Lower
Hampton, além dos comentários maldosos dos lenhadores. Abaixando os olhos,
murmurou:
- Vai precisar de mais alguma coisa antes de subir? - Um sorriso, talvez.
Espantada, ela levantou os olhos.
- - por que quer um sorriso meu?
- Você fica melhor quando sorri. Isso acontece com a maioria das pessoas.
- Você é um homem estranho. .
- O que esperava? Que eu desmaiasse de horror ao saber que você teve
uma filha sem ser casada? Ora, Aline, deixe disso! Estamos nos anos 80 e não na
Idade Média!
- Não tenho certeza se os anos 80 já chegaram a Lower
Hampton.
- Pode ser que não, Você poderia se mudar para algum lugar menos
conservador.
- Não posso. Meu avô não vai querer sair daqui, e eu preciso trabalhar.
- Então não fique se desculpando.
Ela sentiu que aquelas palavras feriam como chicotadas,
- Você não tem sequer idéia de como é a minha vida! Por isso, guarde para
si as suas soluções mágicas!
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- Bem, pelo jeito você prefere ficar mergulhada na auto-comiseração, não
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é mesmo?
- Não é isso!
- Eu a vi apenas duas vezes, Aline MacCulloch, e nas duas. . .
- Duas? - ela interrompeu.
- Uma vez, neste verão, parei aqui para reabastecer o carro. E você não me
dirigiu nem duas palavras.
Ela não se lembrava disso.
- Eu devia estar preocupada com alguma coisa - disse, encerrando o
assunto. - Bem, vou dormir. Preciso levantar cedo amanhã para abrir a oficina.
Mas
não se preocupe em também acordar cedo só por causa disso.
- Em outras palavras, você prefere que eu não faça isso, não é?
- Depende só de você - disse ela amavelmente. - Em hipótese alguma
eu tentaria influenciá-lo.
- Que nada, você bem que gostaria disso, Cynthia. .. Ou seria Jackie.
- Meu nome é Aline!
- Uma, verdadeira Aline representaria esta cena de um modo bem diferente.
Mais ou menos assim. .. Dê-me sua mão. Isso! Agora sorria e diga com
sinceridade:
"Boa noite, Michael. Espero que durma bem".
Ele apertava-lhe a mão e a encarava com olhar firme.
- Ora, isso é ridículo! - replicou ela, zangada.
- Vamos, Aline, pelo menos tente. Vamos, você vai ficar surpresa! E não
vai doer nada!
Ela sabia que Michael não a soltaria enquanto não fizesse o que ele queria.
Sua memória, então, voltou ao passado, pois Michael lembrava-lhe Bob, o
preferido
de seus quatro irmãos. Bob havia duvidado que ela conseguisse andar sobre a
cerca
do jardim, há muitos anos. E tinha insistido tanto que ela resolvera tentar.
Conseguira
ir da velha macieira até o depósito, quando a mãe, horrorizada, gritou, ao vê-la
e ela, assustada, caiu. Bob a havia ajudado a se levantar, limpara a terra do
joelho
machucado e ficara orgulhoso ao ver que a irmã não chorara, nem na hora da
queda
nem depois, quando levara uma tremenda surra. ..
"Onde está aquela menina levada?", perguntou-se Aline, com uma certa
amargura. E, sentindo os olhos azuis de Michael fixos em seu rosto, pensou que
talvez aquela fosse a hora de fazê-la reaparecer.
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CAPÍTULO II
Aline sentou-se na cama, esfregando os olhos, estranhando o quarto
diferente. Algo a despertara. Eram três e quarenta e cinco. .. Juliana havia
acordado
e estava chorando. Ela pegou a criança no colo, preocupada. Há algumas semanas
Juliana chorava todas ás noites, por causa dos dentinhos que começavam a
aflorar.
As gengivas estavam vermelhas e inchadas.
Desceu com a filha e trocou-lhe as fraldas, enquanto a mamadeira
esquentava. Depois, sentou-se numa das cadeiras de balanço para dar-lhe o leite.
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- Ora, deixe disso! - ela disse, quase gritando. - Sou uma mãe solteira,
lembra-se? O que, por um estúpido conceito social, significa que sou uma
mulher
fácil, vulgar, perdida! - Irritada, imitou um comentário que ouvira na bomba de
gasolina: "Se ela fez uma vez, fará outras".
Se esperava que ele se zangasse, ficou decepcionada. Michael
disse em tom seco, lançando-lhe um olhar:
- Você não combina com o tipo de mulher que descreveu,
Aline.
- Então, tire as mãos de cima de mim!
- Nem dá a impressão de ser fácil - continuou, sem ligar para o que ela
dissera. - Na verdade, acho que você me acertaria um tapa se eu lhe desse essa
chance.
Ele ainda falava baixo e ela, espantada, repetiu, séria:
- Pedi que tirasse as mãos de cima de mim.
- - Só quando eu quiser.
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que pela violência. Aline viu-se apertada por ele contra a parede, completamente
imobilizada, e sem a menor idéia de como fora parar aí.
Reclamou, indignada:
- Ah, você não Juta limpo!
- Foi você quem começou, e não de uma maneira exatamente honesta.
Tentou chutar logo a minha perna machucada.
Michael mantinha o rosto sério, mas os olhos riam dela. Aline, tentando
mostrar-se zangada, reclamou:
- Você está me machucando!
- Acho que não. Estou apenas me certificando de que você não vai repetir o
gesto de violência.
Ela arregalou os olhos e o fitou com lábios trêmulos.
- Prometo que não.
- Pois não acredito. De qualquer modo, estou gostando desta
posição,
Aline sentiu, então, um medo muito grande. Inconscientemente, usou as
palavras que ele sugerira:
- Por favor, não. ..
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- Não o quê, Aline? Isto, por acaso? - disse, abaixando a cabeça e tocando
bem de leve seus lábios.
Não era exatamente um beijo, mas ela sentiu o coração disparar e ficou sem
fôlego com a proximidade do corpo de Michael, do peito musculoso que a
comprimia
contra a parede e das mãos fortes que a seguravam pelos cotovelos.
Subitamente, ele a largou e deu uns passos atrás.
- Sem cantadas - disse, rápido. - Por um momento, quase
me esqueci.
"Eu também. . .", pensou Aline, enquanto engolia em seco, tentando readquirir
o controle.
- Por favor, Sr. Gault, posso ir para a cama agora?
Michael começou a rir.
- Você me intriga, mocinha. Consegue ser uma gata selvagem de unhas de
tora, prestes a arranhar qualquer um que chegue perto, e, às vezes, parece estar
carregando todo o peso do mundo em seus ombros. Mas, de repente, age como
uma ingênua e percebo outra mulher escondida, que reluta em aparecer.
"A garotinha, tateando os passos em cima da cerca, apavorada e, ao mesmo
tempo, encantada", pensou ela, nostálgica.
- Psicanálise às três da madrugada, Dr. Gault? - indagou, brincando.
- Parte do meu trabalho consistia em avaliar as pessoas, e bem
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depressa.
Ela reparou no verbo que ele usara, no passado, e, apesar de estar
curiosíssima, não ia perguntar que trabalho tinha sido aquele.
- Então agora você pratica com suas ovelhas?
- Entre outras coisas. . . Boa noite. Aline MacCulloch, e durma
bem.
Ela abaixou-se e pegou Juliana no colo. O bebê reclamou e enfiou o polegar
na boca. Aline encarou Michael e respondeu, exagerando no formalismo:
- Boa noite, Michael. Durma bem. Será que se incomodaria de apagar a
luz? Se eu pedir por favor, claro.
- Com todo o prazer!
Ao subir a escada, ela chegava a sentir o calor do corpo de Michael, que
vinha alguns degraus atrás. Apesar do problema na perna, ele andava como um
gato. "Além disso, luta com a precisão e a velocidade de um gato", pensou ela,
lembrando do incidente na cozinha. Sentia dificuldade em visualizar um homem
daqueles como um criador de ovelhas. Era uma profissão monótona demais e não
combinava com ele.
Entrou no quarto de Juliana, deitou-a no berço e cobriu-a com um
cobertorzinho amarelo. Só então percebeu que havia sido seguida. Michael estava
ali, bem junto dela, o rosto nas sombras- Afine abriu a boca para protestar, mas
sentiu as mãos dele em seu rosto e os lábios junto aos seus, movendo-se como se
tivessem certeza de que iriam dar-lhe prazer.
Soltou-a, então.
- Foi só um beijo, Aline, não uma cantada. Quando for cantada, você vai
perceber a diferença. Boa noite!
Completamente confusa, ela ficou parada, enquanto ele saía. Escutou em
seguida uma porta se fechar e uma cama ranger. Depois, silêncio absoluto,
Sozinha no quarto, Aline levou os dedos aos lábios. Tinha sido um beijo tão
íntimo quanto inesperado, um beijo que a deixara fraca e incerta. Na verdade,
estava querendo mais. Os dedos se apertaram e ela fechou os olhos. "Nunca mais
deixe isso acontecer, Aline. . . nunca mais."
Juliana dormiu até mais tarde na manha seguinte, e com isso Aline também
perdeu a hora. Quando desceu com o bebê no colo, encontrou o avô, que já havia
preparado o chá e colocado o mingau no fogo. Michael, muito à vontade, passava
manteiga numa torrada.
- Bom dia, querida - disse Matthew. - Dormiu bastante, hein?
Deve ter ido se deitar tarde, ontem. . - Deixe que eu cuido da pequenina,
enquanto
você toma o café. Precisa abrir a oficina em alguns minutos.
- Juliana acordou no meio da madrugada, vovô. Por isso perdi a hora -
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poderia até matar para proteger a filha. Mas também tinha uma profunda
consciência
de que não agira corretamente privando Juliana de um pai e, às vezes, isso
atrapalhava o amor, enchendo-a de culpa e de dor. E agora, em poucas palavras,
Michael havia lhe mostrado que era um privilégio ser mãe de Juliana. De acordo
com
ele, Aline devia estar grata, não envergonhada.
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- Eu tenho mesmo sorte - ela disse baixinho. - Você está certo.
. . Oh, droga, não sei por que estou chorando! - Esfregou os olhos com as mãos e
acabou sujando o rosto de graxa.
Um sorriso brilhou nos olhos de Michael, mas Aline não percebeu o motivo
e,
imaginando que ele estivesse rindo de sua demonstração de emoção, retrucou,
aborrecida:
- Vou testar o carro e depois você poderá ir embora. Apesar de estar
consciente do olhar de Michael em suas costas.
ela logo se esqueceu de tudo pelo prazer de dirigir um Mercedes. Era como
estar sentada em casa, numa confortável poltrona, tão macio e silencioso era o
carro. Mas logo um pensamento triste a assaltou: agora. Michael podia voltar às
suas ovelhas e à sua amiga rica, a dona das luvas de pelica. E isso encheu o
coração de Aline de uma dor imensa.
Acelerou na subida, escutando com atenção o ruído do motor, mas sem sentir
a costumeira satisfação que vinha sempre associada ao serviço bem-feito.
Michael ainda estava perto das bombas quando ela voltou ao pátio. Aline saiu
do carro, retirando o forro de plástico que sempre usava para evitar manchas de
graxa no estofamento.
- Está tudo em ordem. Vou fazer as contas.
Michael a seguiu até o escritório e ficou observando-a fazer a soma das
peças e da mão-de-obra. Deu uma olhada rápida no total e puxou o talão de
cheques. Tinha a tetra inclinada, cheia de personalidade, mas quase ilegível. Ao
ver
que ela olhava para o cheque com ar de dúvida, afirmou:
- Não se preocupe, não é cheque "frio" não. . .
- Eu estava estranhando a letra, não o crédito - ela disse, zangada,
jogando as chaves sobre o balcão. - Adeus!
- Adeus, Cynthia-Jackie. . .
- Meu nome é Aline! - ela respondeu, louca da vida, sem saber por
que estava tão zangada.
- Um suspiro ao vento. . . não. isso não combina. - Levantou a mão num
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aceno e ela teve tempo de ver ainda, uma última vez. a centelha azul-celeste
brilhando nos olhos dele. Depois, sem olhar para trás, Michael entrou no
Mercedes
e foi embora.
Aline ficou quieta, parada, até o carro desaparecer de vista. Ele
não havia sugerido um novo encontro; nem mesmo dissera ter tido
. prazer em conhecê-la. Aline ficou com a sensação de ter sido apenas
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uma pequena aventura, que logo seria esquecida. Desejou que Michael
não contasse nada para a dona do Mercedes. Só de pensar que os dois iriam rir
dela, Aline ficou furiosa, com vontade de se esconder em algum canto e chorar
até
morrer. Felizmente, o sininho tocou, indicando que havia um freguês à espera na
bomba de gasolina. Ela procurou se recompor, forçou um sorriso e foi atender.
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CAPITULO III
Os dias agradáveis de outubro transcorriam sem nenhuma novidade. Aline
fazia o possível para esquecer Michael, mas não conseguia.
O avô havia simpatizado com ele e insistia em repetir cada detalhe da
conversa que os dois tinham tido. Mais que isso: estava curioso para saber o que
havia acontecido entre Michael e a neta. Aline teve de dar um basta.
- Vovô, não sei por que ele nunca se casou.. . não perguntei. Gostaria que
você esquecesse, de uma vez por todas, o assunto Michael Gault. Já estou cheia
disso!
Com as faces coradas e o olhar zangado, ela parecia muito mais
furiosa que aborrecida.
- Você está é louca da vida porque não teve mais notícias dele!
- Não estou, não senhor!
- É engraçado, mas eu poderia jurar que ele estava interessado
em você. . .
- Será que não podemos mudar de assunto?
- Claro, claro.. . eu não queria irritá-la. - Não estou irritada!
Matthew a olhou, divertido, e procurou acalmá-la.
- Claro que não está. Falando nisso, hoje à tarde aconteceu uma coisa
incrível: recebi a visita de Wayne McEvoy.
- Ah, é? E o que ele queria?
Wayne McEvoy era o exemplo local do rapaz que tinha tido sucesso na vida.
Como ele próprio gostava de contar, havia nascido num barraco à beira do rio e,
agora, morava na cidade próxima, a
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quinze quilômetros de Lower Hampton, numa enorme mansão, com uma
esposa de gostos extravagantes e caros. Mantinha o monopólio sobre as
madeireiras de toda a região, possuía uma cadeia de supermercados e tinha a
fama
de ser dono de uma porção de cortiços em Halifax. Sua reputação, entretanto,
não
era nada boa: diziam que ele não tinha nenhum escrúpulo. Era estranho que ele
tivesse feito uma visita a Matthew Stewart.
- Você não seria capaz de adivinhar o que ele desejava! Quer comprar o
posto.
- E por quê? - Aline indagou, apreensiva, tentando controlar o pânico.
- Acho que está ficando cheio de supermercados e quer diversificar. É claro
que eu disse que não topava o negócio. Ela deixou escapar um suspiro de alívio e
perguntou:
- Por quê?
- Porque, mesmo que eu não trabalhe tanto, sou dono deste posto há mais
de quarenta anos. Vendê-lo para um sujeito como .Wayne McEvoy seria a última
coisa que faria.
- Tem certeza, vovô? Será que não está dizendo isso só porque sabe que
preciso deste trabalho?
- Claro que tenho certeza, menina - e virou o rosto, a voz emocionada
como sempre acontecia quando falava sobre a esposa falecida. - Eu trouxe Bella
para esta casa há trinta e nove anos. Ela me ajudou a pagar as prestações e a
deixar a oficina do jeito que é hoje. Sempre teve fé neste negócio.
- Vovô, ela teve fé em você, isso sim.
- Concordo. De qualquer modo, não posso vendê-lo, especialmente para
uma pessoa como Wayne McEvoy.
- Que bom que você pensa assim, querido - e deu-lhe um beijo na testa.
No dia seguinte, o movimento estava fraco e Aline resolveu caminhar até o
lugarejo para pegar a correspondência no correio. Enquanto dava uma olhada nos
diversos envelopes, escutou uma voz masculina dizer:
- Oi, Aline, você é exatamente a pessoa que eu estava querendo encontrar.
Era Wayne McEvoy. Usava óculos escuros e uma capa de chuva, abotoada e
fechada com cinto. "Que ridículo! Ele está querendo parecer um agente do
Serviço
Secreto!", pensou ela com ironia.
- Será que podemos conversar um instante?
- Preciso voltar logo...
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- Não vou demorar. Por que não vamos até o meu carro? Ali poderemos
conversar melhor.
Aline sentiu uma alegria perversa ao sentar-se no banco com roupas de
trabalho. Resolveu ir direto ao assunto:
- Soube que você foi falar com o vovô sobre a compra do posto.
- É isso mesmo, estou muito interessado em fazer o negócio.
- Só que vovô não quer vender.
- Foi o que ele me disse, e é aí que você entra. Espero que consiga
persuadi-lo a mudar de idéia.
- Acho que ele não vai fazer isso, Sr. McEvoy. É muito ligado à propriedade.
Mora lá há muitos anos.
- Acho que vocês não vão deixar que a emoção prejudique um bom
negócio. Seu avô sairia lucrando muito. Ficaria rico.
- Meu avô não está interessado em enriquecer, Além disso, sempre tomou
suas próprias decisões e não é agora que vai mudar.
Durante um instante o rosto de Wayne tornou-se frio como os olhos.
- Acho que você devia se esforçar para convencê-lo, Aline. Para seu
próprio bem e pelo dele.
- O que está querendo dizer?
Ele voltou a ser novamente o homem amável.
- Nada, minha querida. Mas quero aquela propriedade, e sempre consigo o
que quero, de um jeito... ou de outro. Fale com ele. Diga que já está velho demais
para tamanha responsabilidade. Contê-lhe o que poderia comprar com
bastante
dinheiro. Um carro novo. . . sair num cruzeiro. . . O céu é o limite!
Matthew, tão cheio de curiosidade e de falta de tato, confinado por dias num
navio de cruzeiro? Aline não conseguia imaginá-lo assim e essa idéia quase a fez
cair na risada.
- Vou conversar com vovô. Só posso lhe prometer isso.
- Mas vai fazer o possível, não é mesmo? Volto a falar com vocês dentro de
alguns dias.
Aline deu-lhe adeus e saiu do carro.
Um pássaro azul cantou numa árvore próxima e o córrego espumava ao lado
da estrada. Mais calma, ela começou a raciocinar melhor sobre a conversa com
Wayne. Sob a aparente educação, tinha havido uma ameaça. Mas por que a
compra
de um pequeno posto de gasolina num vilarejo esquecido era tão importante para
Wayne McEvoy?
Aline continuou caminhando, preocupada, passando em frente das casas
simples, com os jardins bem cuidados e a floresta no
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fundo. Ia falar com o avô, mas tinha certeza de que nada adiantaria,
Durante os dias seguintes não apareceu nenhuma oportunidade de conversar
com o avô sobre a venda da oficina. O tempo havia mudado, e uma chuvinha fina
caía constantemente, piorando a ar triste do velho, que passava os dias irritado,
preso dentro de casa. Juliana também vivia resmungando, esfregando as gengivas
inchadas. Aline cuidava dos dois da melhor forma possível. Andava tão atarefada
que se esqueceu completamente de Wayne.
Certa manhã, quando estava examinando a água da bateria de um carro, uma
voz soou atrás dela:
-: Olá, Cynthia-Jackie!
O coração disparou e Aline deixou cair duas tampinhas dentro do fosso.
Virando-se, disse devagar:
- Será que não vai perder a mania de me pregar sustos, Michael Gault?
Ele sorriu, ,.
- Foram só duas vezes. Isso não chega a ser mania.
- E o que há de errado com o Mercedes desta vez?
- Eu o devolvi. Estou com o meu jipe.
Pela porta de vidro, Aline viu o veículo velho e enlameado parado no pátio.
- Oh. .. aquilo é seu?
- Todinho. É o sonho de qualquer mecânico, não é? Aposto como está
com coceira nos dedos para pôr as mãos nele.
- Para levá-lo ao ferro-velho - ela disse, maldosa.
- Ah, Aline, seja boazinha comigo. , . O que está fazendo?
- Troca de óleo e engraxamento.
- Quanto tempo vai levar?
- Mais uns dez minutos.
- E depois?
- Não há nada no momento.
- Ótimo - deu-lhe um sorriso amistoso e ela sentiu que o coração
continuava descompassado. - Vamos levar Juliana para dar uma volta? Estou
apaixonado por ela.
- Juliana está dormindo.
- Não está mais. Fui dar uma espiada. Ela está aos berros. - Ah, não!
- Enquanto você acaba o serviço, eu visto a garota. Assim ela se acalma.
- Mas está chovendo!
- Já parou.
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- Dê-me uma boa razão para irmos dar uma volta.
- Ora, pare com isso. Sei que você está contente em me ver. Antes que ela
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- Bom-dia, Srta. MacCulloch.
- Bom-dia, Sra. Darby. Quero apresentar-lhe um amigo, Michael Gault.
Juliana, é claro, a senhora já conhece.
A Sra. Darby inclinou a cabeça educadamente.
- Acho que ainda não o conhecia, Sr. Gault. Mora por aqui?
- Não, senhora. Sou de Starr River. mas acho que vamos nos encontrar
outras vezes no futuro. Será que nos dá licença? Temos muito o que fazer.
Aline ficou um pouco desapontada. Nunca conseguira encabular a Sra. Darby
com tanta eficiência, como Michael fizera.
Do armazém seguiram para o correio, onde ele enfrentou mais olhares
curiosos. Dali, seguiram para o banco. Depois de resolver o que precisava, Aline
se
juntou a ele perto da porta e nesse instante um homem entrou. Era Wayne
McEvoy.
- Ora, Aline - disse, depois de lançar um olhar sorrateiro para Michael -,
eu estava mesmo pretendendo lhe telefonar, para falar sobre aquele assunto...
- Sinto, mas não tratei de nada.
- Sei... Mas tenho certeza de que vai tratar, não é mesmo? Posso procurá-la no
começo da semana? E não vai me apresentar seu amigo?
Aline fez as apresentações, contrariada. Não havia nenhuma razão para ficar
com medo. O posto não estava à venda e Wayne tinha de aceitar o fato. Mas
sentia
o coração disparado e a garganta seca. Precisou controlar o impulso absurdo de
tirar
Juliana do colo de Michael e agarrar-se a ela, como se isso afugentasse o medo.
Depois que Wayne se despediu, ela, Michael e Juliana saíram do banco.
Então, Aline disse abruptamente:
- Vamos para casa.
- O que aconteceu?
- Não gosto dele, só isso.
- Tenho a impressão de que não é um homem de confiança. Ela não
precisou responder, porque nesse instante cruzaram com
três senhoras da igreja, que a cumprimentaram com um, aceno de cabeça e
olharam, boquiabertas, para Michael.
- Hoje à noite, a vila inteira estará sabendo que Aline MacCulloch arranjou
um novo homem. . . - comentou ela aborrecida. - Deu para perceber isso, não é
mesmo?
- Não estou ligando a mínima. - Vão dizer que dormimos juntos.
- Mas sabemos que isso não é verdade,
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- Será que não existe nada capaz de irritá-lo? - ela acabou explodindo.
- Claro que sim. Mas mexericos não me afetam.
- É fácil para você, que não mora aqui.
- Quer saber o que eu acho? Que você tem é um tremendo complexo.
- De que está falando?
- Estou me referindo a Juliana. É óbvio que algumas pessoas mais
conservadoras daqui têm dificuldade em aceitar uma mãe solteira, pois foram
educadas desse jeito. Mas aposto como você não fez nada para mudar á opinião
delas, nem procura conhecer outras, que pensam de modo diferente.
Aline sabia que havia muita verdade no que ele lhe dizia e ficou com mais
raiva ainda.
- Mas eu sou mesmo mãe solteira!
- E por que o pai de Juliana não se casou com você, Aline?
- Porque ele não me amava o bastante.
- Quem é ele? Como o conheceu?
Ela desviou o olhar para o verde e dourado da mata, mas não escutou o
farfalhar das folhas nem o assobio do vento. Na sua mente aparecia apenas o
rosto
de David: cabelos negros sempre despenteados e sorriso encantador. Não
conseguia lembrar a cor exata dos olhos nem a forma dos lábios.
- Chamava-se David Aineldáguad"águaey. Estava no segundo ano de Medicina
quando
o conheci. Eu fazia o primeiro de Engenharia e já tinha optado pela Mecânica.
Que
mais posso dizer? Conhecemo-nos em janeiro, namoramos durante a primavera e
nos apaixonamos. E no verão... fizemos amor. - Não pôde continuar: sentia um
sufoco no peito.
- Calma, Aline, não se culpe tanto. Vocês eram muito jovens e
apaixonados. O que aconteceu foi uma seqüência natural de fatos.
- Mas eu o amava!
- E depois?
- Quando descobri que estava grávida e lhe contei, ele ficou
horrorizado. Disse que só concluiria o curso dentro de três anos e que não podia
ficar amarrado a uma mulher e a uma criança. Quando me recusei a fazer
aborto, ele parou de se encontrar comigo. Nunca viu Juliana.
- Azar dele.
- Sabe, acho que todos os homens são assim. Divertem-se e depois
dispensam as mulheres. . . .
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- Pensa que a estou convidando para sair só porque desejo ir para a cama
com você? Pois saiba que em nenhuma circunstância vou forçá-la a fazer algo que
não queira.
- Na última vez, com David. . . eu queria. . .
- Na próxima vez, vai tomar mais cuidado, não é mesmo? Então a resposta
é sim ou não?
- Sim, eu vou.
- Ótimo! Venho buscá-la um pouco depois das seis.
Aline viu os olhos dele brilharem e sentiu o calor da mão máscula em seu
rosto. O coração disparou, mas o pânico abafou a emoção que começara a nascer.
Ela deu um passo atrás, segurou a alça do carrinho e disse, sem fôlego:
- Preciso ir agora.
- Até sábado, então - Michael beijou-a suavemente nos lábios e entrou
no jipe. Com um aceno de mão, partiu.
"O que será que ele quer comigo?" - Aline pensou, distraída. O que sabia
sobre aquele homem? Muito pouco, mas mesmo assim reconhecia que era
tolerante, inteligente e muito sensível. Além disso, também estava certo em
relação
a sua atitude para com o povo do vilarejo.
Ela permaneceu pensativa o resto do dia, respondendo, distraída, às
inevitáveis perguntas do avô. Contou-lhe sobre o programa de sábado à noite,
porque era ele quem ia ficar com Juliana, mas estava tão preocupada que nem
reparou que o velho respondera com malícia:
- Ora, vejam só.. . Alguém podia adivinhar que isto fosse
acontecer?
À medida que os dias passavam, ela ia ficando mais nervosa, e no sábado,
perto das seis horas, estava a ponto de explodir. Mas, no íntimo, sentia prazer
em
cuidar da aparência, o que não acontecia há meses.
Não tinha tido oportunidade de se arrumar desde o nascimento de Juliana, e
por isso estranhou a Aline que viu no espelho grande do banheiro: esguia e
elegante, olhos cintilantes, o vestido de chifon, de um tom entre malva, cinza e
azul-
claro, realçando as curvas, e uma fivela de prata valorizando os cabelos soltos
e
brilhantes.
Enquanto colocava pequenos brincos, também de prata, escutou
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vozes lá embaixo e percebeu que Michael já havia chegado. Sentíndo-se
como uma adolescente no primeiro encontro, contou até dez e desceu a escada.
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Ao
abrir a porta que dava para a cozinha, deu com Michael, que virou-se para encará-
la.
Ela prendeu a respiração ao vê-lo. O terno grafite, que lhe assentava de uma
forma
magnífica, conferia-lhe uma aparência sofisticada.
- Você está linda, Aline. .. Não é verdade, Matthew?
O avô, boquiaberto com a elegância da neta, disfarçava, enfiando fumo no
cachimbo.
- Ah, querida, você está tão parecida com sua avó. . .
Ela aproximou-se, comovida, e beijou uma lágrima que corria no rosto do
velho.
- É melhor vocês irem - ele disse, mal escondendo a emoção. - Divirta-se.
Ao sentar-se no carro de Michael, Aline sentiu-se tímida, mas ele, com
habilidade, fez com que ela falasse sobre o avô- Conversaram animadamente até
chegarem à cidade.
O teatro estava lotado e Aline sentiu-se insegura no meio daquela multidão
elegante. Mas, ao reparar que os dois estavam sendo observados com admiração,
descontraiu-se e pôde apreciar a peça. Quando o espetáculo terminou, os dois
desceram, de braços dados, as ladeiras em direção ao porto, que estava repleto
de
barcos e de onde se via o farol piscando sem parar. O restaurante ficava num
edifício de pedra, sede de uma antiga destilaria.
Influenciada pela peça e pelo aperitivo que tomava, Aline contava a Michael a
história de sua família. Falou sobre o irmão preferido, Bob, e sobre o episódio da
cerca. Tentou também enfatizar as restrições que havia sofrido quando criança e
adolescente.
- Meu pai era muito severo, e minha mãe, submissa às suas vontades. Eles
me deserdaram quando engravidei. Como David, meu pai queria que eu fizesse
um aborto, enquanto minha mãe andava pelos cantos, choramingando, dizendo que
eu tinha manchado o nome da família. Não demorou muito e fui expulsa de casa. -
Estremeceu, vendo à sua frente não o copo de vinho bem vermelho, mas o rosto
severo do pai, a imagem perfeita do homem intolerante.
- E o que fez?
Ela levantou os olhos, espantada com o tom de voz dele,
- Por que está tão zangado?
- É que não suporto pessoas de mente e moral tão estreitas. E também não
admito que o ser humano não sinta emoção e amor. Agora estou começando a
entender a origem dos seus problemas. 42
- Achei que havia feito uma coisa terrível e que estava sendo punida por
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isso, pois era assim que o mundo do meu pai funcionava. Quando Juliana nasceu,
comecei a perceber o quanto estava errada. E, quando você comentou que eu
tinha muita sorte em ter uma filha como ela, afastei de vez a idéia da punição.
Percebi que sou mesmo uma pessoa de sorte.
- Fico feliz ao ver que você finalmente parou de se culpar.
Aline estremeceu com a ternura que havia nos olhos dele. O calor das mãos
que acariciavam as suas despertava uma profunda sensação de felicidade que. por
um instante, brilhou em seu coração como uma chama viva.
Sem pressa, ele a soltou e levantou o copo para um brinde.
- À nova Aline!
Aquela conversa ia permanecer para sempre na lembrança de Aline como
uma noite mágica. Ao saírem do restaurante, andaram vagarosamente pela beira
da
praia e depois foram dançar um pouco. Caminharam sem pressa para o carro e
voltaram para casa sob o céu estrelado. Ela acabou adormecendo no ombro de
Michael, os cabelos claros caindo feito cascata no braço forte.
- Aline, acorde. .. Já chegamos.
A voz parecia vir de muito longe. Ela abriu os olhos sonolentos e sentiu,
encantada, o calor daquele corpo bonito aquecer o seu.
- Já estamos em casa?
- Você dormiu o caminho todo.
- Foi uma noite maravilhosa, Michael. Obrigada. - Virou a cabeça para
fitá-lo e, nesse instante, ganhou um beijo profundo e sensual que lhe despertou
um
desejo há muito adormecido, fazendo seu coração disparar.
"Nunca mais, Aline. . . nunca mais!", as palavras surgiram como um aviso. Ela
ficou rígida e se afastou.
- Michael, por favor. . . não.
Ele a soltou imediatamente e ela pôde ouvir-lhe a respiração entrecortada, o
que apenas serviu para aumentar seu medo,
- Desculpe-me. É que eu...
- Mas você sentiu, não sentiu, Aline? - ele a interrompeu, com voz
rouca de emoção. - Por um minuto, me desejou tanto quanto eu a desejei, não foi?
- Sim. é verdade. Mas fiquei com medo. Também senti desse jeito com
David. . .
- Comigo você não precisa ter receio algum.
Seria verdade? Ela deveria sentir muito mais medo, pois Michael, além de
sensual, a fascinava pela inteligência, pela sensibilidade.
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- Eu não sei... - disse, confusa, endireitando o corpo. -Não sei
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mesmo.
- Quero vê-la outras vezes. Sabe disso, não é?
"Mas por quê?", ela queria gritar. "Por que vai querer me ver de novo? Para
me passar uma cantada?"
- Pode me procurar, se quiser. - Pegou a bolsa que estava no chão do
carro. - Adeus!
- Boa noite, e não adeus. Aline, não fuja de mim. Prometo não magoá-la.
- Como pode ter certeza disso? - ela gritou, mas. envergonhada,
acrescentou; - Oh, Michael, sinto muito. Não pretendia terminar assim uma
noite tão linda. Mas... por favor... não se envolva demais comigo, sim? -
tentou sorrir. - Vai perder seu tempo.
- Deixe que eu julgue isso. Telefono para você, está bem? Aline reparou
no ar determinado do rosto dele e respondeu.
mordendo o lábio:
- Está. Mas lembre-se: posso não atender.
- Vai atender, sim. - E acrescentou, divertido: - Se não quiser
falar comigo, faço Matthew lhe passar um sermão!
Ela não resistiu e começou a rir.
- Não se atreva! Depois terá de acertar as contas comigo! - Boa noite, Aline, e
se cuide... - disse ele, com um rápido beijo de
despedida.
- Você também. - Ela deu-lhe um tênue sorriso, bateu a porta do carro o
mais suavemente possível e abriu a porta da varanda. Ao entrar em casa viu que
ele
já se dirigia para a estrada. Para não fazer barulho, tirou os sapatos e subiu a
escada na ponta dos pés, com um suspiro de satisfação.
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CAPÍTULO IV
Na segunda-feira, Aline precisou enfrentar dois problemas que a deixaram
profundamente aborrecida.
Tommy havia saído para o almoço e ela estava cuidando das bombas, além
de tentar descobrir a causa do vazamento de água num belo Porsche branco. Era
um serviço cansativo e desconfortável, que a fez ficar com o macacão molhado e
o
rosto todo sujo. E. para piorar a situação, o sininho tocou no momento em que ela
localizou o problema e tentava solucioná-lo.
Aline correu para fora, preocupada com o conserto, e quase desmaiou de
susto ao deparar com o carro que acabava de estacionar junto à bomba: era o
Mercedes negro que Michael dirigia quando se conheceram. Só que dessa vez era
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Não, aquilo não podia ser verdade. Wayne estava tentando jogá-la contra
Michael. Aline esforçou-se para afastar aqueles pensamentos de sua mente. O
Michael que conhecia não podia ser um ladrão, um mentiroso. Não podia.
Aparentando mais calma, voltou à oficina e recolocou as rodas do Pontiac,
levando depois o carro para o pátio. Em seguida, guardou as ferramentas e varreu
o
chão, movendo-se o tempo todo como um autómato. Ao voltar para casa, na hora
do
jantar, ainda não decidira se ia contar ao avô sobre o telefonema de Wayne.
Tentou se comportar normalmente, enquanto dava comida a Juliana e
contava sobre as dificuldades do serviço do dia.
Mas- depois, quando o bebê estava brincando no quadrado e os dois
tomavam café, sentados nas poltronas, Matthew indagou com diplomacia:
- Há alguma coisa aborrecendo você, Aline? Está preocupada por Michael
não ter dado notícias? Tenho certeza de que ele vai aparecer. É que é um homem
muito ocupado, querida.
Nesse instante, o episódio com Mary Gibson pareceu-lhe ter acontecido há
tanto tempo que ela apenas respondeu:
- Oh, não- . . não é isso.
- Então, o que é?
Não adiantava querer esconder nada de Matthew, pois ele enxergava longe.
- Wayne McEvoy telefonou hoje à tarde. Vovô, ele fez ameaças, caso não
aceitemos vender o posto.
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Michael.
Sem pressa, Matthew ainda disse:
- Amanhã à noite? Não tem problema. E você também apareça, que é
sempre bem-vindo. Agora Aline vai falar.
- Obrigada, vovô! - ela disse, sarcástica, - Olhe, Michael, vocês
dois são ótimos. Já ajeitaram tudo para mim, não é mesmo?
- Tudo não. só uma noite. Venha antes de escurecer, para eu lhe mostrar o
lugar. Até amanhã!
Matthew olhou para a neta e disse, afastando-se;
- Acho que vou buscar mais lenha no porão.
Aline observou-o descer depressa a escada e precisou controlar o riso. Devia
estar furiosa, pois por causa dele tinha de ir visitar Michael.. . mas não estava.
CAPITULO V
No dia seguinte, o telefone tocou sets vezes na oficina. Três chamadas sobre
negócios, mas as outras três não. Aline bateu o telefone na primeira vez, pois.
tratava-se de um trote, mas nas outras duas não teve tanta sorte.
Ao voltar para terminar de consertar o farol de um Ford, reconheceu que era
extremamente vulnerável à tática usada por Wayne McEvoy. E não poderia fazer
nada para evitá-la, porque precisava do telefone por causa do serviço. Assim, em
menos de vinte e quatro horas, estava com os nervos à flor da pele e a cabeça
estourando.
Mas algo pior ainda ia acontecer. Depois do almoço, ela precisou descobrir a
causa de um vazamento de óleo no caminhão de um amigo de Matthew. Levou o
veículo para a oficina e depois desceu para o fosso. Esguichou um solvente para
limpar um pouco o óleo acumulado, antes de localizar o vazamento. A seguir,
estendeu
a mão para pegar a lâmpada, sempre dependurada num gancho.
Mas não havia nada ali. Estranhando, ela deu a volta e gritou, assustada, ao
ver Willie Budgeon no fosso, segurando a lâmpada.
- É isto que está procurando? - disse ele, com voz macia. Por causa do
compressor, Aline não o escutara chegando. Com
o coração disparado, ela ainda conseguiu dizer calmamente:
- Sim, é isso mesmo - e estendeu a mão para pegá-la.
- Você é bem fria, Aline MacCuIloch. mas acho que conheço um modo de
mudar isso - disse ele, aproximando-se mais.
- O que está querendo, Willie? Foi Wayne que o mandou, não foi? Quanto
ele está lhe pagando? Aposto que é bem pouco. Não
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se constrói uma casa como a dele pagando bem aos empregados.!
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- Acho que não. Ele estava num estado grave de desnutrição. Depois,
passou por diversos lares adotivos e começou a ter o hábito de fugir há uns
quatro
anos. Tem dez agora. Nunca conheceu algo permanente, definitivo, e por isso não
confia em quem quer que
seja.
Oh, Michael. . . Não consigo compreender como certas mães . podem
maltratar os filhos!
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- A mãe de Tim também foi maltratada. É muito mais fácil julgar do que
tentar compreender. Mas tente enxergar a coisa sob o prisma dela. Era jovem
demais, não tinha casa, emprego fixo nem experiência alguma em ser mãe. . . Só
podemos esperar que Tim se acostume aqui e que parte do mal possa ser
reparado.
O sol já havia desaparecido e estava escurecendo. Ao se dirigirem para a
casa, Michael explicou:
- Os meninos devem estar jantando; por isso você vai conhecê-los depois.
Mas venha, há uma ala da casa que é só minha.
Ao passarem pela porta da frente, uma moça saiu correndo, os cabelos ruivos
balançando.
- Michael! - ela chamou, - Ainda bem que o alcancei! Ele passou o braço
pela cinlura de Aline e apresentou:
- Mary, gostaria que conhecesse Aline MacCulloch. Aline, esta é Mary
Gibson.
As duas se cumprimentaram com um sorriso. Mary não havia reconhecido
Aline. Trocaram algumas palavras e depois a bela ruiva disse:
- Michael, não vou poder vir durante três dias na próxima semana, Se você
precisar de alguém, chame Peter Trenhoim.
- Vai fugir com o doutor?
- Antes fosse! É que minha irmã vai se casar. - Deu uma olhada no
relógio e continuou: - Mas hoje é a folga de Roger e vou me encontrar com ele.
Preciso ir. Prazer em conhecê-la, Aline. Até, Michael - e saiu correndo para o
Mercedes.
A conversa fora simples, direta, e Aline sentiu o coração mais leve. Disse,
admirada:
- Ela é linda!
- Também acho. . . mas prefiro as loiras!
- Ora, obrigada!
- Vamos indo. .. Teremos ostras, strogonoff e musse de chocolate. Que
tal?
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o
trigo maduro se dobra ao vento.
- E não vai se incomodar por não ter sido o primeiro?
- Não. Vou fazê-la minha de um modo como ele nunca fez, e vou dar-lhe
tanto prazer que você vai explodir de felicidade,
- Mas isso não acontece comigo. ..
- Quer dizer que com David não era assim?
- Não! Eu detestava! Machucava muito e eu não sentia nada diferente. Acho
que sou frígida. - Arriscou um olhar para o rosto dele e, se esperava ver
desânimo
ou desapontamento, ficou decepcionada.
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Michael parecia estar se controlando para não explodir. Ela tentou
se afastar, falando, triste; - Está zangado comigo?
- Não. O que gostaria mesmo de fazer era dar uma tremenda surra no seu
David!
- Ele não é o meu David!
- Sorte sua! Se ele a deixou desse jeito, devia mesmo ser um insensível.
Não sei como teve coragem de lhe dizer que a amava. Amar é se entregar e, pelo
jeito, ele não deu muita coisa.
- Ele me deu uma filha.
- Mas não a paixão e o esplendor que vêm juntos com a concepção de um
outro ser.
- É. . . é verdade. . .
- Será diferente comigo, porque dar prazer a você me deixará
profundamente feliz.
Ela continuava imóvel, estonteada. Seria verdade? O próprio David usara
aquela terrível palavra, "frígida", em relação a ela. Será que estava certo? Ou a
maneira dele fazer amor, de uma forma apaixonada e rude, é que estava errada?
Acabou dizendo, insegura:
- Michael, preciso pensar. Talvez você esteja certo. . .
- Está bem. Agora, que tal voltarmos à limpeza?
- Acho melhor. - Ela permaneceu calada enquanto acabavam de arrumar
a cozinha e nem reparou que Michael a observava. Ao guardar a última panela,
disse: - Acho melhor eu ir. Vovô vai ficar esperando e é melhor não chegar muito
tarde.
- Está bem. Será que posso ir vê-la dentro de um ou dois dias? Que tal
sábado à noite?
- Para mim, está ótimo. Eu também gostaria de encontrá-lo novamente.
- Estamos combinados. Vou buscar seu casaco.
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CAPÍTULO VI
Às oito da manhã seguinte, Tommy apareceu na porta da casa com uma
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isso. . .
- Preciso admitir que essas coisas dão gosto à vida.
- Vovô, vamos parar com isso? Estou falando sério. E acho bom ficar de
olho em Juliana!
Os olhos de Matthew se dirigiram automaticamente à espingarda
pendurada num gancho, na parede.
- Claro que vou ficar.
O fato de o velho não estar dando importância aos acontecimentos deixou
Aline apreensiva. Mas não adiantava ficar argumentando com ele. Olhou-o
resignada e disse:
- Acho melhor eu ir trabalhar.
Naquele dia, o telefone tocou pelo menos dez vezes. Quatro chamadas foram
do inimigo anónimo e Aline não conseguira desligar rápido o bastante para não
escutar as bobagens, o que a deixara irritada. Mas Willie não aparecera na
oficina e
não houve problemas durante a noite.
Na sexta-feira, Aline precisou ir até a vila e, ao sair do banco, ficou parada um
instante na calçada, examinando o estrato. Havia mais dinheiro em sua conta do
que
imaginava. Não era possível! Nesse instante, sentiu mãos fortes em seus braços.
Vírou-se e deparou com os olhos embaçados de Willie. Guardou rapidamente o
papel dentro do envelope e falou, seca:
- Largue-me. Nunca mais quero vê-lo.
- Vou apenas levá-la para casa, não se preocupe.
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- Não, obrigada - ela respondeu, tentando se controlar ao perceber que
ele ia fazer uma cena ali na rua. :
Willíe passou-lhe o braço pela cintura, quase levantando-a do chão, e
começou a empurrá-la em direção ao caminhão vermelho.
- Como tem passado? Nós nos divertimos muito outro dia, não foi?
Willie estava confiante demais, certo de que ela ia ceder para evitar alguma
cena. Mas Aline falou em tom alto, o suficiente para ser ouvida do outro lado da
rua:
- WilHe, não quero carona! Solte-me!
Já estava quase chegando ao caminhão e ela ficou apavorada, achando que
o truque do rapaz ia dar certo. Se entrasse no veículo, ele certamente não a
levaria
para a oficina. Firmou os pés no chão e gritou bem alto:
- Willie, largue-me!
- Algum problema, Aline?
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Viu
Willie parado lá fora. Ele certamente tentara entrar pela porta do escritório,
mas tinha
sido barrado por Toby.
- Deseja alguma coisa, Willie?
- Você pensa que é muito espertinha, não é mesmo?
- Um cachorro é muito útil. .. Afinal, quer alguma coisa?
- Nada que não possa esperar - virou-se e foi pisando duro até o carro,
deu a partida e saiu cantando pneus. E não apareceu mais.
Os dias de outono foram passando e o inverno estava para chegar.
Normalmente, Aline não gostava daquela época, mas nesse ano tudo parecia
diferente e ela não queria admitir que era por causa de Michael, que tinha se
tornado
parte importante de sua vida. Às vezes, ia visitá-lo na fazenda, mas era ele quem
aparecia mais frequentemente em Lower Hampton.
Quando Juliana adormecia, os três se sentavam à volta da mesa, jogavam
baralho, riam e conversavam. Aline gostava daquele clima. No entanto, Michael
nunca mais falara em desejo.. . ou em amor.
73
No começo, ela gostou dessa situação, mas com o passar do tempo começou
a desejar que ele a abraçasse com ternura, que a beijase como se fosse a única
mulher do mundo... Mas Michael comportava-se como um perfeito cavalheiro, um
amigo, apenas.
Havia outro fator que unía os dois: Tini, o garoto ruivo, espicialista em fugir.
Alguns dias depois de Aline ter conhecido o menino, Michael o levara até a
oficina.
Ela o ensinou como trocar pneus e procurar furos nas câmeras depois,
como trocar o óleo, com o carro sobre o fosso, Depois mostrou-lhe os segredos
do
motor. Ia explicando tudo o que fazia e, sempre que possível, deixava o garoto
ajudar.
Ficou espantada com a atenção do menino, que não perdia uma só palavra.
No começo, ele observava tudo em silêncio, mas depois a curiosidade venceu e
Tim
começou a fazer perguntas, que Aline respondia da melhor forma possível.
Explicou
o nome de cada ferramenta que usava e a sua utilidade.
No meio da tarde, resolveu arriscar uma pergunta pessoal:
- Você gosta de morar na fazenda?
Ele lhe lançou um olhar áspero e disse, seco:
67
Sandra Field Caminhos do Coração
- Serve. Por que os pneus têm de estar frios quando se vai medir a
pressão?
"Não é esse o caminho", pensava Aline, enquanto dava a explicação.
Resolveu não insistir. Sentia vontade de abraçá-lo e protegê-lo de maiores
sofrimentos. Gostaria de lhe dizer que devia confiar e amar uma pessoa, e que
fugir
não iria resolver nada. Mas como, se ela também não confiava?
Quando Michael apareceu para levar o garoto embora, ela o olhou, séria, e
disse:
- Olhe, você pode vir sempre que puder.
O menino baixou os olhos e respondeu, apenas:
- Obrigado.
Aline sentiu a dificuldade que ele tivera em dizer aquela simples palavra,
mas era uma grande vitória. Animada, continuou:
- Está vendo aquele vidro perto da parede? Tem detergente. Coloque
um pouco na mão, esfregue bem e depois lave na mangueira. A maioria da graxa
vai sair.
Enquanto Tim a obedecia, ela disse em voz baixa para Michael:
- Espero que você o traga mais vezes,
- Está bem.
- Ouça, fiz alguma coisa que o tenha ofendido? - Aline perguntou séria.
74
- É claro que não! Por quê? - Michael respondeu, espantado.
Não sei. . . é que tive a impressão. . .
Claro que não há nada. Gosto demais da sua companhia. “Também da companhia
de
Matthew e de Juliana...”, ela pensou angustiada, dando-lhe um sorriso falso.
Bem, é melhor eu Voltar ao trabalho. Até logo, Tim - e, pegando uma chave de
fenda, debruçou-se sobre o motor do carro, tentando aparentar eficiência, mas
sentindo
os olhos cheios de lágrimas.
Escutou quando os dois saíram pela porta do escritório, ouviu o barulho do jipe
se afastando. Só então largou a chave e se recostou no pára-lama, quase
sufocada
numa onda de incertezas e pessimismo. "Por que eu me importo tanto com ele? O
que isso tem que ver comigo?", pensou, mas não encontrou a resposta.
Michael continuou com suas visitas amistosas. E Tim apareceu i mais duas
vezes. Na primeira, Aline ensinou-lhe um pouco das técinicas básicas da
manutenção
dos automóveis. Na segunda, deixou-o trabalhar um pouco mais, sob sua
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Sandra Field Caminhos do Coração
supervisão,
e percebeu que tinha jeito para a coisa.
Você fez um bom serviço, Tim.
Ele se virou para guardar as ferramentas e murmurou alguma coisa. Aline
sentiu uma ponta de irritação e disse, com voz áspera:
- Quando se recebe um elogio, deve-se dizer muito obrigado. Ele baixou os
olhos.
- Tá. , . obrigado.
- Meu nome é Aline. Ele retrucou, aborrecido:
- Mas eu preciso chamar a governanta lá de casa de dona Beth!
- Como não sou casada, você pode me chamar de Aline mesmo. Ele ficou
todo atrapalhado, mas Aline, determinada a não ceder,
repetiu, séria:
- Você fez um bom serviço, Tim. Ele ficou vermelho e murmurou:
- Obrigado, Aline.
Ela apertou-lhe o ombro de leve, sentindo os ossos frágeis sob
a pele.
E assim os dias iam passando. Willie não a tinha incomodado mais, e os
telefonemas haviam parado. Aline começou a achar que Wayne talvez tivesse
desistido, mas, algum tempo depois, acabou descobrindo que se enganara.
75
Conversava com Donnie Yates, um primo de Jack, enqua trocava a
bateria de seu caminhão, quando ele indagou:
- Foi uma pena o que aconteceu com o parque, não é mesmo?
- Parque? Que parque?
- Então você não ouviu falar que iam abrir um novo Parque Nacional a uns
oito quilômetros daqui? Na área do Lago da Trut?
- Bem, escutei alguma coisa, mas não prestei atenção.
- Parece que desistiram da idéia. Foi pena, pois o parque ia trazer muito
dinheiro e gerar uma porção de empregos.
Aline o olhou, espantada, fazendo imediatamente a ligação: Waj ne havia
ouvido os rumores sobre o parque e por isso queria comprar a oficina. O posto, o
único local a fornecer combustível para toda aquela área. seria uma mina de ouro.
Agora, com a desistência, ele não precisava mais assustar Matthew.
Sentiu-se aliviada, como se tirassem um peso enorme das suas costas. Na
hora do almoço, correu para casa e contou tudo ao avô; Os dois dançaram de
alegria na cozinha, para divertimento de Juliana.
Agora que não havia mais perigo, Aline queria contar tudo a
Michael, mas
estava com receio, pois havia mentido para ele. De qualquer modo, ficou
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Sandra Field Caminhos do Coração
alegre
quando o viu, à noite. Mas logo se irritou, ao notar que ele não lhe dava a menor
atenção. Só tinha olhos para juliana. E, depois que a menina foi dormir, sentou-
se
para jogar xadrez com Matthew.
Aline acomodou-se numa poltrona e ficou observando a expressão
concentrada de Michael e o modo como os dedos longos acariciavam as peças de
marfim. Furiosa, voltou a atenção para a leitura. Às onze horas, como o jogo
parecesse longe do fim. bocejou e disse;
- Vou dormir.
Matthew, concentrado, apenas resmungou um boa-noite e Michael,
com um sorriso amistoso, murmurou:
- Aline, agora vai ser sua vez de me visitar. Que tal quarta à
noite?
- Obrigada, mas não vou. Matthew levantou-se e avisou:
- Vou buscar mais lenha.
- Vovô, mas a caixa está cheia!
- Então, já que estou de pé, vou aproveitar para ir ao banheiro.
- Não precisa fingir! Eu vou mesmo dormir!
- Pelo jeito, você está louca por uma briga, não é mesmo? - e dirigiu-se
para o banheiro.
76
Sem dar atenção as palavras do avô, Aline levantou-se, dizendo:
- Boa noite, Michael.
Ele também se levantou e bloqueou-lhe a passagem. - O que há de errado
com a quarta-feira? Devo levar juliana e vovô?
Ah, então é esse o problema. . . Ciúmes! Mas os dois fazem parte da sua
família e gosto de estar com eles.
Ótimo. Então, por que não vem para cá na quarta? Está querendo brigar,
não é mesmo?
Antes que ela pudesse protestar, viu-se apertada contra o peito de
Michael e sendo beijada. Não havia ternura naquele beijo e Aline lutou com todas
as torças
contra o desejo que a invadia até que se viu correspondendo, comprimindo o
seu
corpo contra o dele, sentindo-se vibrar.
Matthew bateu a porta do banheiro e veio arrastando os chinelos o
corredor. Michael afastou-a sem pressa, os olhos cheios de paixão,
sussurrando:
Acho que na quarta você devia deixar Matthew e Juliana em casa
70
Sandra Field Caminhos do Coração
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CAPÍTULO VII
No dia seguinte, quando Aline desceu com Juliana nos braços, Matthew
estava no lugar costumeiro, em frente ao fogão. Ele resmungou um bom-dia, tirou
o
mingau do fogo e disse:
- Sabe que ele está apaixonado por você, não sabe?
- Quem é que está apaixonado por mim, vovô?
- Você sabe muito bem a quem estou me referindo! E acho que ele vai pedi-
la em casamento.
- Imagino que esteja falando de Michael.
- Claro que estou! De quem mais?
Ela encarou os olhos zangados do velho e afirmou:
- Pois bem, eu não amo Michael e se ele me pedir em casamento, coisa de
que duvido muito, vou dizer não. É isso que estava querendo saber, não é?
- Então você é mesmo uma boba!
Alíne misturou a papinha de Juliana com mais força que o necessário.
- Na verdade, vovô, eu prefiro começar o dia sem discussão.
- Mas, afinal, o que tem contra ele? É um belo rapaz, tem dinheiro, é
inteligente e joga xadrez muito bem. O que mais você quer?
- Talvez eu não queira me casar com ninguém, nem mesmo com um poço
de virtudes como Michael Gault.
- Mas é claro que quer! Vocês foram feitos um para o outro! E ele adora
Juliana. ..
- Então, ele que espere mais vinte anos e se case com minha filha.
- Mas é com você que ele quer se casar!
- Ele lhe disse isso?
- Nem precisava... Eu tenho olhos; vi vocês dois ontem à noite. , .
Aline deu um pouco de papinha para Juliana esforçando-se para não ficar
vermelha.
- Vovô, você já viveu o suficiente para saber que existe uma palavra
chamada sexo, que não tem muita relação com amor nem com casamento.
- Com pessoas como Michael Gault tem relação, sim. Só porque você foi
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Sandra Field Caminhos do Coração
enganada uma vez, não deve achar que isso sempre vai acontecer.
Uma risada.
- Vovô, ele nunca disse que me ama e também não me pediu em
casamento. Prometo que você será o primeiro a saber se ele fizer isso, mas não
fique aflito, está bem?
- Oh, está certo... Mas tenho certeza de que não vai demorar. Quer uma
torrada ou duas?
Como sempre, o avô tivera a última palavra. Aline não pôde deixar de pensar
no que ele havia dito, pois normalmente acertava suas previsões. Uma outra coisa
reforçava o que ele dissera: o ardente beijo na cozinha. Tanto isso era verdade
que
ela ficou confusa, sem saber o que vestir, quando chegou quarta-feira, pois não
queria de forma alguma ficar com uma aparência sedutora.
"Decidiu-se por uma calça jeans e um pulôver feito a mão sobre uma camisa
branca. Prendeu os cabelos num coque baixo. "Acho que está bom", pensou,
olhando-se no espelho. No entanto, o corte simples das roupas enfatizava sua
feminilidade e dava-lhe um ar gracioso.
Depois de pronta, desceu correndo a escada e Matthew a olhou sem muito
entusiasmo, comentando:
- Agora que temos Toby, você não precisa mais se preocupar com a hora.
- Não pretendo voltar tarde. Amanhã é dia de trabalho. E olhe, só para
provar que nada do que você mencionou hoje vai acontecer esta noite, aposto um
dólar!
- Se tem tanta certeza, devia apostar dez.
- Então, aposto vinte!
Jogou as notas sobre a mesa e saiu. A noite estava horrível, com
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uma chuva fina e um vento gelado. Segurando a jaqueta impermeável
contra o corpo, ela dirigiu-se, apressada, até o carro e partiu.
Aproveitou a viagem para pensar, coisa que raramente podia fazer sossegada.
Já conhecia todos os garotos que moravam na fazenda, mas se sentia mais ligada
a
Tim.
Sabia também da grande fortuna que Michael havia herdado do pai e do
problema que isso havia causado. O velho Gault parecia lhe uma versão urbana de
Wayne McEvoy, um comerciante de cidade grande, sem grandes preocupações
com
os métodos utilizados para aumentar seus lucros. O filho era o oposto. Poderia
ter
passado a vida toda viajando e se divertindo, mas resolvera apostar na
72
Sandra Field Caminhos do Coração
recuperação
de pequenos delinquentes.
Era um homem completamente diferente de David, que chegara a lhe
confidenciar que estudara Medicina só pelo dinheiro e pelo prestígio que a
carreira
oferecia.
Estava começando a nevar e ela imaginou que, se o tempo continuasse
assim, não poderia demorar muito na casa de Michael. "Melhor", pensou, "porque
quero que meu relacionamento com ele continue exatamente como está, só na
base
da amizade, sem envolver amor e casamento. Uma companhia agradável e nada
mais. Vou usar o dinheiro da aposta com vovô para comprar uma bonita blusa." E
sorriu, divertida.
Entrou pela estradinha de terra e, ao subir a colina, arregalou os olhos de
espanto, pois todas as janelas da casa estavam iluminadas.
Parou o carro e correu para a porta da casa. Bateu, aflita, mas ninguém
atendeu. Bateu de novo e nada. Será que havia acontecido alguma coisa a
Michael?
Será que estava doente? Ou ferido? Brian, o rapaz mais velho, tinha fama de
violento. . . E se ele o tivesse atacado?
Correu para a porta da frente e entrou. O vestíbulo estava do mesmo jeito de
sempre, com um vaso com crisântemos amarelos sobre a mesa, Ao longe, ouvia-se
o som de um rock. Aline parou e gritou:
- Tem alguém em casa?
Ouviu passos se aproximando da cozinha e a Sra. CoHins apareceu.
- Oh, é você, querida! Pensei que fosse alguém com notícias.
- O que aconteceu? - perguntou ela, sentindo o coração acelerado,
- Tim fugiu outra vez, aquele danadinho. O Sr. GauEt estava
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louco da vida e acho que você devia ir procurá-lo. Aposto como ele
ficará
contente com sua ajuda.
Aline sorriu, aliviada.
Está bem, Sra. CoHins,. já estou indo.
Ao correr pela frente da casa, ela vislumbrou umaluz no barracão
onde Tim havia desmontado o cortador de grama. Michael
devia estar lá. O vento gelado assobiava e a escuridão parecia encobrir
a luz que vinha do barracão. Será que Tim tivera a coragem
de fugir com um tempo daqueles?
Nesse instante, Michael saiu do barracão. Estava sozinho e, mesmo à
73
Sandra Field Caminhos do Coração
distância, pelo seu jeito Aline percebeu que não havia encontrado
o garoto.
Correu na direção dele, sentindo uma emoção nova, intensa.
guando se aproximou abraçou-o com força.
- Fiquei apavorada quando vi todas as luzes acesas, com medo de que tivesse
lhe acontecido alguma coisa. Ainda bem que não houve nada, mas... e Tim? Ainda
não o encontrou?
- Não. Não há sinal dele nem dentro de casa nem nos prédios vizinhos.
Acho que fugiu para a mata.
- Sozinho?
- Ele é um solitário.
- Será que não foi até a estrada pedir carona?
- Não. Tim não está fugindo para ir a algum lugar ou ver alguém, Aline.
Esse é o problema. Ele está simplesmente fugindo.
- Mas fugindo do quê?
- Bem que eu gostaria de saber. Você se lembra de Kevim, um dos
garotos mais velhos? Ele foi embora hoje, para viver com uma família de Halifax.
Acho que isso magoou Tim, foi mais uma demonstração de instabilidade. Agora, eu
me culpo por não lhe ter explicado por que Kevim se foi. . . Afinal, Tim estava
começando a dar sinais de confiança. Vamos ter de voltar à estaca zero...
Mas o que podemos fazer? - Você vai ficar em casa e eu vou até o rio.
Tenho uma idéia
de onde ele possa estar. - Vou com você.
- Aline, não seja teimosa!
- Michael, eu também me preocupo com ele!
- Está bem- Vamos primeiro até a casa pegar umas roupas para cie e duas
lanternas. Deixamos um aviso com Beth Collins para que, se não voltarmos dentro
de uma hora, ela deve chamar a polícia, Se Tim não estiver onde penso,
estaremos
com sérios problemas. Vamos!
Logo depois, saíam da casa mais uma vez, a lanterna de Aline cortando a
escuridão com um facho amarelo. Michael carregava uma mochila com roupas de
Tim e uma garrafa térmica com chá quente.
- Onde acha que ele pode estar?
- Estou pensando em dois lugares: na cabana de barcos que os meninos
construíram, seguindo a margem do rio para o norte, ou na direção oposta, onde
há algumas cavernas nas pedras da margem. Tim se interessou muito pelo local
numa de nossas excursões. Permita Deus que ele não esteja
perambulando pela mata.. .
- O que você acha de a gente se separar, quando chegarmos ao rio? Você
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Sandra Field Caminhos do Coração
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Sandra Field Caminhos do Coração
margem e caindo naquelas águas agitadas e geladas, gritando sem que ninguém o
escutasse.
- Tim pode ter apenas dez anos, mas não é nada tolo. Tem tomado conta
de si há muito tempo.
Ela engoliu em seco e perguntou; Para que lado eu vou?
- Vá descendo o rio. As cavernas ficam a menos de um quilômetros, em
linha reta. Vá com cuidado, sim? Não se afaste da margem.
- Está bem. E não se preocupe, que eu vou tomar cuidado.
Michael entregou-lhe o pulôver de Tim e ela o amarrou na cintura, sob a
jaqueta. Depois, ele baixou o rosto e beijou-lhe os lábios.
- Aline, sei que está com medo, mas vai dar tudo certo. E quero que
saiba que estou contente por você estar aqui comigo.
Ela sorriu, feliz, enquanto Michael amarrava um pedaço de cordão laranja em
volta de uma árvore.
- O ponto de encontro será aqui, está bem? Boa sorte!
Decidida, Aline dirigiu o facho da lanterna rio abaixo e recomeçou a andar,
sempre perto da margem, bem devagar, passando sob galhos baixos ou dando
voltas por trás de moitas impenetráveis. A cada dois ou três minutos parava e
gritava
o nome do menino, enquanto iluminava com a lanterna os arredores. Pedia a Deus
que Michael estivesse certo em relação ao paradeiro de Tim e que ele pudesse
ser
encontrado dentro de uma hora, no máximo.
Estava caminhando há uns dez minutos quando sentiu o primeiro floco no
rosto, Levantou a lanterna, viu a neve caindo do céu negro e ficou desanimada,
pois
isso iria atrapalhar ainda mais a procura. Mas não perdeu as esperanças e
continuou
andando, chamando pelo menino. E quase foi de encontro ao rochedo que
aparecera repentinamente no meio da escuridão. Sentiu o coração disparar e
gritou:
- Tim! Tini, onde é que você está? - Mas, por mais que apurasse os
ouvidos, só escutava a queda-d'água por entre as pedras. Foi rodeando com
cuidado o rochedo e descobriu a primeira caverna. Era uma abertura em "V"
entre
duas rochas, estreita demais para esconder uma criança. Estava vazia. A segunda
ficava a uns oito metros do rio, mas era mais profunda que a primeira. Aline
sempre
tivera horror de lugares fechados, e a caverna estreita, só com um metro e meio
de
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Sandra Field Caminhos do Coração
altura, era pior que os pesadelos que tinha. Parecia conter uma presença
estranha
e perigosa.
Ela apontou o facho da lanterna lá dentro e só viu musgo seco e gravetos. -
Conseguiu pronunciar o nome do menino com dificuldade. Ele não estava lá. Uma
pilha de pedras fechava o fundo, impedindo a saída de qualquer pessoa por trás.
Desapontada e receando pelo destino do pequeno ruivinho que já havia
aprendido a amar, Aline ficou parada, perdida, sem saber o que fazer, a neve
caindo ao redor do seu corpo. Tim devia ter ido para o outro lado, para onde
Michael fora. "Ele vai encontra-lo na cabana", pensou. E resolveu voltar logo para
o ponto de encontro.
Antes de ir embora, resolveu percorrer mais uma vez as pedras com o
farotete e gritar o nome do garoto contra o vento frio. Bem lá do alto. um grito
agudo
atravessou a escuridão e Afine ficou ímóvel como uma estátua. Escutou de novo
um
grito fino, como o de um pássaro ferido. Por um momento, ficou aterrorizada.
Agarrou
a lanterna com mãos trémulas egritou com força:
- Tim! Tim!
Não havia se enganado; seu chamado havia sido respondido, lá de cima e um
pouco à direita... Aline se esqueceu da promessa feita a Michael, de não se
afastar
da margem, e foi entrando pelo
mato.
- Tim! Onde é que você está?
- Aqui em cima. . . estou aqui!
Ela estendeu a mãona direção do som, mas viu apenas pedras, grandes e
pequenas, umas sobre as outras, formando um amontoado de uns oito metros de
altura.
Então, baixou o farolete para verificar que caminho tomar para começar a
subir, bem devagar, com cuidado. Havia frestas entre as pedras e, se ela
escorregasse, certamente quebraria o tornozelo. Além disso, a lanterna
atrapalhava
e Aline morria de medo de deixá-la cair.
Estava ofegante quando chegou ao alto. Imediatamente, iluminou toda a volta
com o farolete. Viu Tim logo adiante, encolhido
84
num lugar meio fundo, cheio de pedras pontiagudas. Os cabelos vermelhos e
o casaco azul estavam salpicados de neve. Ela parou
77
Sandra Field Caminhos do Coração
respirou, aliviada.
Aproximou-se com cuidado do menino, escorregando um pouco aqui,
rodeando uma pedra ali, até o alcançar. Colocou a lanterna numa fenda e o
abraçou
com força.
- Oh, Tim, estou tão contente por ter encontrado você! Eu stava tão
preocupada que quase não o escutei responder. Está
indo bem?
Ele havia enfiado o rosto no ombro dela e tremia. Aline percebeu que estava
chorando. Segurou-o apertado, balançando o corpo para a frente e para trás,
ninando-o, murmurando baixinho no ouvido dele palavras de carinho, protegendo-o
da melhor forma que podia.
Por fim ele se acalmou e Aline pôde ver o rostinho inundado de
lagrimas.
- Pensei que você estivesse numa das cavernas, Tim.
- Eu ia ficar na caverna, mas subi para ver como era. Cai e torci o pé. . .
Não consigo andar, e foi por isso que tive de ficar
aqui.
Aline pegou a lanterna e iluminou os pés do menino, que usava
apenas ténis bem gastos.
- Qual dos dois?
- O direito, e dói muito.
Com jeito, ela examinou o tornozelo. Estava muito inchado e não dava para
perceber se estava quebrado ou não.
- Você consegue andar com ele?
- Não, eu já tentei.
Ela procurou não pensar na dor e no medo que ele devia ter sentido. Passou
a mão nos cabelos vermelhos, para tirar a neve, e depois colocou-lhe o chapéu.
- Veja, eu trouxe um pulôver para você. Tire seu casaco e coloque-o por
baixo. Assim ficará mais quentinho. Agora vamos ver se conseguimos descer até a
caverna. Talvez Michael demore muito para chegar aqui, porque ele foi até a
cabana.
- Podemos tentar descer, Aline.
- Você segura a lanterna e vai iluminando o caminho. Eu o apoio o melhor
que puder. Está bem?
Ela conseguiu levantar Tim sem muita dificuldade, mas ele não
85
conseguia sequer encostar o pé machucado no chão. Conseguiram dar dois
passos e, então, o tornozelo ferido bateu contra uma pedra. O menino deixou
escapar um gemido de dor.
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Sandra Field Caminhos do Coração
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Sandra Field Caminhos do Coração
gostaria
muito de tê-lo na fazenda. Só que você não vai poder continuar fugindo, pois é
perigoso. Além disso, arrisca também a vida de outras pessoas que se preocupam
com seu bem-estar.
Houve outro longo silêncio. O vento parecia ter diminuído e um floco de neve
veio caindo bem sobre o chapéu de Tim. Aline tilou-o, fascinada com a beleza de
uma coisa tão efémera. Então o garoto desabafou;
- Você tem um bebê. .. você não o deu para ninguém. . . não fez como a
minha mãe.
Afinal, tinham chegado ao ponto-chave da questão.
- Não, Tim, eu não dei o meu bebê porque tive muita sorte. Fui morar com o
meu avô. Posso trabalhar e ele cuida de Juliana para mim. Muitas mulheres não
têm
tanta sorte; não têm dinheiro, emprego, amigos, família, nada. Então acabam
achando que a melhor coisa a fazer é dar a criancinha. Tente não culpar sua mãe..
.
talvez ela tenha feito o melhor que podia.
- Ela não gostava de mim. .. não podia gostar, se fez uma coisa
dessas!
Aline hesitou, mas achou melhor dizer:
- Nós não sabemos, Tim. Talvez ela tenha sofrido tanto, que não
consegue amar mais ninguém, nem a si mesma, Talvez tenha achado que a
melhor coisa era dá-lo para alguém, porque assim você pelo menos teria uma
chance. . . -Provavelmente nunca vamos saber a resposta. - Hesitou outra vez,
procurando as palavras certas: - Mas há outras pessoas que podem amá-lo muito,
Tim. . . se você deixar.
- Quem, por exemplo?
- Eu ainda não o conheço muito bem, mas me importo com o que lhe
acontece. Estou contente de tê-lo encontrado. Sei também que o Michael se
preocupa e a Sra. Collins ficou apavorada quando descobriu que você havia
sumido.
- Oh... - disse Tim, encostando o rosto contra a jaqueta dela. -
Sabe, me sinto contente por você estar aqui.
Em se tratando de Tim, esse era um enorme passo à frente e Aline achou
melhor não dizer mais nada. Continuou ali, amparan-dorO apenas. Pouco depois,
verificou que ele dormia.
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Permaneceu imóvel, apenas mexendo os dedos dos pés dentro das botas para
impedir que congelassem Uma ponta de pedra lhe comprimia as costas e as
pernas doíam, mas de algum modo ela não tinha mais medo. Michael ia encontra
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Sandra Field Caminhos do Coração
los, tinha certeza. Ele nao abandonaria a busca, enquanto não os visse a salvo.
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CAPTTULO VIII
Aline estava sem relógio epor isso não tinha idéia da hora. Quase cochilava
quando escutou uma voz, que soava com ansiedade:
- Aline! Onde você está?
Ela endireitou o corpo e Tim perguntou, assustado:
- O que foi?
- É Michael. - E em voz alta respondeu: - Estamos aqui em cima! -
pegou a lanterna e dirigiu o facho para as pedras abaixo.
Escutou o barulho das botas de Michael e a respiração ofegante, enquanto
subia. Então ele apareceu no platô e a abraçou, junto com o menino.
- Oh, meu Deus, ainda bem que encontrei os dois! Quando não vi
ninguém na caverna, pensei que você também tivesse se perdido. Aline.
- Não, eu estou bem - ela disse com um suspiro de alivio, ao mesmo
tempo que acariciava o rosto dele com os dedos gelados. - E você?
- Tudo bem. E você, Tim?
O garoto estava mudo e ela explicou:
- Não sei se ele só torceu ou quebrou o tornozelo. Foi por isso que ficamos
aguardando aqui.
Michael examinou o garoto e Aline ficou olhando para seu rosto molhado,
cansado. De repente, ele a encarou e uma chama brilhou nos olhos azuis. Michael
cobriu os lábios de AHne, num beijo rápido. Depois sentou-se perto dela e falou:
- Acho que Tim apenas destroncou o tornozelo. Acho melhor nós irmos
andando. Está muito frio e quanto mais cedo pudermos levar Tim a um médico,
melhor.
- Tentei carregá-lo, mas não consegui - Aline explicou.
- Se você puder ajudar a colocá-lo nas minhas costas, eu o levarei. O pior
vai ser a descida. Daí para a frente, não vai haver problemas.
O que aconteceu nos minutos seguintes nunca mais iria sair da mente de
Aline. Era impossível colocar o menino nas costas de Michael sem machucá-lo. Um
orgulho teimoso e muito masculino impedia Tim de gritar; ele gemeu baixo duas
vezes e o rosto estava branco como a neve que caía.
Aline foi descendo na frente, segurando a lanterna para iluminar o caminho
para Michael e o ajudando sempre que podia. Completava prestando mais atenção
nos dois, acabou tropeçando umas duas vezes. Da primeira, bateu o joelho e o
cotovelo e, da segundaf raspou o rosto.
Michael escorregou quase no fim da descida e acabou caindo de pé no
chão, com um baque. Aline escutou quando ele gemeu e perguntou, preocupada:
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Sandra Field Caminhos do Coração
Por um instante, Aline imaginou que ele fosse protestar, mas Michael
simplesmente deu de ombros, abriu a porta e fez um gesto para que ela entrasse
no
aposento quente e agradável. - Sente-se, Michael, e deixe que eu tire suas
botas. Sou capaz de tirar minhas próprias botas! Tenho certeza de que sim, mas
eu
gostaria que me deixasse fazer isso. Você, Michael Gault, sabe muito bem
que
seu joelho está com problemas. Por isso, pare de fingir que tudo vai bem.
O que está querendo fazer? Será que não percebe que não sirvo nem para
carregar uma criança?
- E o que é que tem isso? Pensa que eu me importo?
- Nenhuma mulher deseja um homem incapacitado!
- Então, talvez, eu não seja como as outras mulheres. - E, quase
sem perceber que se abria, continuou; - David tinha um físico maravilhoso. Sem
dúvida, ele poderia subir e descer aquelas pedras uma dúzia de vezes, com Tim
nas costas, mas também foi capaz de dizer não à criança que havíamos
concebido.
Michael, para mim é muito mais importante sua força moral do que a física.
Você
é íntegro, responsável. . . E, além disso, conseguiu salvar
Tim.
Michael olhou-a, espantado, e um sorriso iluminou-lhe o rosto.
- Minha bela e cativante Aline, que me colocou no meu devido lugar. . .
- Bem, o seu orgulho estava ferido, não é verdade? Ficou aborrecido por
não conseguir ser o machão que gostaria... e não é por isso que estou me sentindo
melhor que você. Na realidade, estou é com os pés gelados!
Ele se sentou num banco perto da porta e reclamou:
-- Por falar em pés, você não disse que ia tirar as minhas botas?
- Oh, sim! - ela respondeu, abaixando-se e escondendo o rosto para que
Michael não percebesse o rubor nas suas faces. Desamarrou
as botas, ajudou-o a descalçá-las e depois tirou também as suas. - O
que vamos beber?
- Que tal acendermos a lareira? Depois eu sugeriria
uísque quente
com mel. O que acha?
- Parece delicioso!
Michael acendeu a lareira rapidamente e Aline ficou em trent ao rogo,
tentando se aquecer. Nesse instante, ele a interrompeu. - Você machucou o
rosto? - Raspei numa pedra, quando descíamos com Tim.
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pedir a
você para se casar comigo, sem antes esclarecer todos esses pontos.
Aline tinha a sensação de estar sendo envolvida por um torvelinho de
palavras que a prendiam, contra sua vontade.
- Michael. não posso me casar com você apenas para dar um. pai a Juliana
e um lar a Tim! Não são por esses motivos que as pessoas se casam!
Ele colocou a bebida sobre a lareira e se aproximou de Aline. Enrolou as
mangas do robe, segurou-lhe as mãos e fez com que ela se levantasse. Depois
perguntou:
- E por que é que as pessoas se casam? Ela sentia o coração acelerado.
- As pessoas se casam porque estào apaixonadas. Mas.
- Exatamente. Eu te amo e estou quase certo de que você também me
ama. Mas, por causa do que aconteceu com David, tem medo de admitir isso.
Imagina que, se disser "eu te amo", vou sumir numa nuvem de fumaça.
- Isso é ridículo! Será que não lhe ocorreu que posso estar apaixonada por
você?
- Agora há pouco, quando estava brigando comigo por causa do meu
joelho, não me parecia completamente desinteressada. . .
- Eu estava zangada, só isso! - e em vão tentava livrar as mãos.
Claro que estava zangada, mas justamente porque se preocupa comigo.
- Está certo, eu me preocupo com você. Mas isso não é o mesmo que estar
loucamente apaixonada.
- Mas não deixa de ser um bom começo - ele por fim soltou-lhe as mãos
enfiando as suas por dentro da manga do roupão para acariciar-lhe os ombros
nus.
- Você se lembra do dia em que nos despedimos no carro e lhe pedi para que me
beijasse como se estivesse apaixonada? Vamos fazer de novo. Ponha seus braços
ao redor do meu pescoço e finja que me ama. . .
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Perturbada demais com a situação, ela respondeu, arisca:
- E para quê? Só para provar que. . . que eu o desejo? .....- Isso mesmo.
- Mas isso não é amor!
- É sim, se houver emoções envolvidas. Você acabou de dizer que confia
em mim, que se preocupa comigo, que me deseja... será que tudo isso
não significa "eu te amo"?
- Mas o que é isso, afinal? Um tratado científico sobre o amor? - Aline,
coloque os braços à volta do meu pescoço e me beije ele insistiu, sério. Só que
ela continuava em dúvida, sentindo-se
encurralada.
- Eu disse que você devia fingir que me ama, mas parece que mi verdade
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me odeia, . .
- Vou tentar fazer o melhor possível - ela disse, caçoando.
No entanto, o beijo que se seguiu revirou o mundo de ambos. Michael devia
ter percebido que ela estava nua sob o robe e que não estava em situação de
impedir-lhe as carícias. Deitou-a no tapete, o robe aberto, e suavemente colocou
duas mechas de-cabelos sedosos sobre os seios, dizendo com voz rouca:
- Você não imagina como eu desejei fazer isto. . .
Tudo estava acontecendo rápido demais e ela, insegura, falou baixinho:
- Michael.
Sentia uma emoção deliciosa, mas ao mesmo tempo o antigo temor
recomeçava a surgir. O corpo de Michael agora comprimia o seu contra o tapete,
como David fizera há tanto tempo. . . e depois daquilo ela sentira só dor e
tristeza.
Repetiu, confusa:
- Michael, por favor. . .
Ele devia ter entendido mal, pois abriu mais o robe e deitou-se sobre ela,
fazendo com que Aline sentisse quanto era desejada. Ela agarrou-lhe os ombros e
escutou-o dizer:
- Eu te amo, minha bela Aline.
Ela o empurrou com toda a força e gritou:
- Não! Por favor, não!
Ele gelou.
- O que foi? Eu a machuquei?
- Não, não é isso. . . só quero que pare. . . - dito isso, sentou-se e fechou o
robe até o pescoço.
- Aline, eu te amo. . .
Ela cobriu as orelhas com as mãos.
- Não diga essas palavras! Eu não quero ouvir! Com força, ele baixou-lhe
as mãos.
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- Mas vai escutar, sim!
- Você só está usando essas palavras para conseguir o que quer.
- Não estou entendendo o que quer dizer.
- Você quer o meu corpo, me deseja, e pensa que vai conseguir isso com
belas palavras. Acho que, se disser que me ama, vou cair de costas e me
entregarei. Você não me ama, só me deseja, só me quer na sua cama!
- Isso não é verdade, Aline. Eu te amo e, como você deve saber, o desejo
faz parte do amor.
Aline tremia de raiva.
- Vocês, homens, são todos iguais e os odeio!
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coisa que quero é magoar ou assustar você e. infelizmente, foi isso que fiz esta
noite, não foi? Olhe, é melhor entrar. Beth tem horror de vento encanado.
Aline usou a única arma que tinha à mão.
- E não vou mais ver Tim? Michael deu de ombros, indiferente.
- Se ele quiser ir para a oficina, pedirei a Bob Parker para levá-lo. Adeus,
Aline.
Ele havia dito adeus e não boa-noite. Com o coração apertado,
ela murmurou:
- Adeus. - e entrou, fechando a porta com cuidado. Beth Collins vinha
se aproximando e avisou, alegre:
- Sua cama já está pronta, querida. Você deve estar morta de cansaço. Tim,
coitadinho, já pegou no sono, mas me pediu para lhe
dar boa-noite.
Aquela foi a última gota: o rude e introvertido Tim havia se preocupado
em lhe mandar um recado. Aline estremeceu.
- Acho que vou direto para a cama, estou mesmo muito cansada. Preciso
me levantar cedo para chegar a tempo ao trabalho. Pode-me indicar o caminho,
Beth?
- Querida, siga este corredor. É a segunda porta à direita. Tem certeza de
que nào quer comer nem beber nada?
Só em pensar nisso, Aline ficou enjoada e disse apenas:
- Não, obrigada. Beth. Boa noite.
- Boa noite, querida. Durma bem,
Ela entrou no quarto e fechou a porta. Despiu-se e atirou-se na cama,
pegando no sono imediatamente, deixando-se envolver numa nuvem de
esquecimento.
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CAPITULO IX
O despertador tocou, tirando Aline de um pesadelo. Com o coração aos pulos,
ela sentou-se na cama. Pouco a pouco foi se recordando de onde estava e por quê,
mas a lembrança se fez amargurada. Levantou-se e abriu a cortina. Não nevava
mais e algumas estrelas ainda brilhavam, mas a leste já havia um leve clarão,
indicando que mais um dia ia nascer. Era tempo de se pôr a caminho.
Ela arrumou a cama e se vestiu depressa. Desceu silenciosamente, calçou as
botas perto da porta da frente e saiu. A ala de Michael estava às escuras.
Limpou a neve dos dois pára-brisas, ligou o motor e partiu imediatamente,
mesmo sabendo que, com aquele tempo frio, isso não era recomendável. Mas era
muito melhor do que correr o risco de encontrar Michael novamente.
Dirigiu com cuidado durante todo o percurso e chegou em casa na hora que
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- Então, pelo jeito, também vou ficar sem vê-lo - disse Matthew,
aborrecido. - Eu já estava bolando certas jogadas para o próximo jogo de
xadrez.
..
Um tanto perturbada, Aline acabou pedindo:
- Vovô, será que podemos mudar de assunto?
- Bem, pelo menos você não é indiferente a ele, e isso já vale
alguma coisa.
- Lá fora dez carros me esperam. Preciso colocar neles pneus próprios
para a neve. Por isso, avozinho, não vou poder ficar conversando. Até depois.
Os dias foram passando e Aline continuou se dedicando exclusivamente ao
trabalho e à família. Antes de conhecer Michael, aquilo parecia normal, mas agora
sentia um vazio imenso. Queria ver Michael segurando Juliana no colo,
conversando
com o avô, caminhando
pelo gramado.. . Mas o pior era que queria sentir de novo seus
abraços e seus beijos.
No entanto estava naquela situação por sua própria culpa. Não podia se
queixar. Devia estar satisfeita por ele não ter insistido, importunando-a
com um
amor que não desejava, mas não estava. Sentia-se terrivelmente infeliz e as
olheiras, o ar tristonho e os raros sorrisos demonstravam isso.
Uns dez días depois do salvamento de Tim, Bob Parker lhe telefonou.
- Aline? Preciso ir até Halifax e queria saber se posso deixar Tim com você.
Na volta eu o pego, lá pelas cinco horas. Ele está louco para vê-la.
- Tudo bem, pode trazê-lo. . - Tem certeza?
- Claro, estou com saudade dele. Diga-lhe para vir com roupas velhas.
- Isso nunca é problema com Tim - comentou Bob, rindo. - Então, até
mais.
Chegaram depois de uma hora. Tim foi logo entrando na oficina e falando:
- Aline, o que está fazendo?
Ela o abraçou, emocionada, e foi explicando, debruçada sobre o motor de um
Pontiac
- O carro precisa de uma bateria nova. Você me ajuda a tirar a velha?
Aline passou o dia numa enorme confusão de sentimentos. Tim ainda
demonstrava atitudes agressivas, mas de modo geral estava muito mais aberto e
era
óbvio que a conversa que os dois tinham tido no dia da fuga havia surtido efeito.
Chegou a contar algumas piadas, segurou Juliana no colo na hora do almoço e
tomou partido de Matthew numa discussão sobre pneus radiais.
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Aline estava comovida com a mudança e ficou angustiada ao lembrar que ele
não seria adotado por ela e por Michael exclusivamente por sua culpa. Sentiu-se
horrível ao se despedir do garoto, à tarde. Acabou chorando à noite e no dia
seguinte ainda teve de escutar Matthew reclamar:
- Acho que isso está indo longe demais. Você está sumindo a olhos vistos!
Pegue o telefone e diga-lhe que quer vê-lo!
- É ele que não quer me ver, vovô. Por favor, passe o açúcar. Matthew fez o
que ela pedia, enquanto resmungava baixinho contra as mulheres em geral e Aline
em particular.
Depois do café, ela foi trabalhar, esperando que ninguém a perturbasse,
100
senão explodiria em lágrimas. No meio da manhã, estava no
escritório somando uma nota quando viu um carro encostar perto da bomba.
Tommy
correu para atender e, quando o motorista saiu, de costas para ela, Aline quase
desmaiou de susto. Era alto, ombros largos, usava uma camisa xadrez vermelha e
tinha vindo! O dia sombrio ficou até mais claro e ela nem se incomodou por estar
toda desarrumada. O importante era que Michael estava ali.
Ele se virou. Aline reparou então que o homem era bem mais moço que
Michael e que tinha olhos escuros.
Deixou a nota sobre o balcão e correu para o banheiro, onde se trancou e
chorou à vontade.
A vida continuava. . . Dali a pouco, ela já estava resolvendo um problema de
válvula. "Aline, por que não pára de se enganar? Está apaixonada por Michael.
Tem
que estar, senão por que fica imaginando vê-lo num estranho?"
O rapaz nem era tão parecido assim; sua imaginação é que funcionara mais
do que devia. "Eu amo Michael", pensou, assustada. "Estive sempre fingindo que
não, mas a verdade é que o amo."
Entretanto, conforme o dia foi passando, a onda de emoção se acalmou.
Sabia que não tinha motivos para ficar com medo, porque Michael era bem
diferente
de David. Para Michael, amor representava compromisso, e compromisso
representava casamento.
Simples e claro.
Com a testa franzida, Aline tentava resolver seu problema emocional. Michael
encarava o sexo como expressão do amor que sentia por ela, uma coisa bonita e
natural e, na teoria, ela também pensava assim, embora na prática o repelisse
como
se fosse uma
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virgem ultrajada.
Lembrou-se da sensação que tivera com as carícias de Michael.
Provavelmente, fazer amor com ele seria algo diferente, divino.. . mas como podia
adivinhar? E se fosse mesmo frígida, como David dizia? Como poderia dividir uma
cama com Michael se fosse incapaz de corresponder aos desejos dele?
Como não adiantasse se lamentar, ela pôs sua atenção nas tarefas que tinha
de realizar.
No dia seguinte, quando acordou, sabia exatamente o que fazer. Satisfeita
com a decisão, mas ao mesmo tempo com receio, foi para -a oficina, disse a
Tommy
que fosse arrumar as latas de óleo num display do lado de fora e pegou o
telefone,
discando o número de
Michael.
Esperava encontrá-lo em casa, mas ninguém atendeu. Então procurou
101
na lista o número da fazenda e discou novamente. Logo ouviu a voz de
Beth Collíns.
- Aqui é Aline MacCulloch, Sra. Collins. Posso falar com Mi-chael?
- Bem, acho que ele está por aqui. Um minuto que vou procurar, querida.
Oh, ei-lo... É Aline, Sr. Gault, Quer talar com o senhor.
- Michael. .. sou eu, Aline. Estava pensando... será que posso vê-lo. .. esta
noite?
Ouvia as vozes dos meninos ao fundo e a Sra. Collins pedindo silêncio.
Michael indagou, seco.
- Por quê?
- Eu preferia não falar por telefone, mas gostaria muito de conversar
com você. Se não for possível hoje, poderíamos marcar para amanhã ou qualquer
outra noite.
- Não, esta noite está bem. A que horas?
- Que tal às oito?
- Õtimo. Venha direto para a minha ala.
- Está bem. Obrigada, Michael.
- Até logo, então.
Aline colocou o fone vagarosamente no gancho, desanimada. A voz dele
soava sem emoção, era como se estivessem falando sobre negócios. Não parecia
nem de longe um homem apaixonado.
Para se distrair, escreveu a carta que mandava aos pais a cada dois meses.
Tinha dificuldade em fazer isso, mas achava importante manter aberto um canal
de
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CAPÍTULO X
O medo parecia dar asas a seus pés, e Aline corria como vento pelo caminho
por onde tinham vindo. Milagrosamente, conseguiu manter o equilíbrio mesmo ao
saltar as poças de águas geladas, sentindo-se completamente indefesa na
estrada.
No entanto, se entrasse pelo mato não iria conseguir correr tão depressa. E o
pior é
que não havia árvore que a pudesse esconder.
Ouviu gritos e o som de uma porta de carro bater. Arriscou, então, um olhar
para trás e viu Wayne dirigindo o Lincoln em direção ao barraco e Willie entrando
no caminhão. Estava claro que era ele quem viria atrás dela.
Correu ainda mais depressa. Tinha de sair da estrada, senão corria o risco de
ser apanhada a qualquer momento, com facilidade. Saltou a valeta, coisa que
normalmente nem se atreveria a fazer, e começou a correr pelo terreno cheio de
tocos e mato alto. Olhou mais uma vez para trás e viu que Willie havia parado o
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- Hoje à noite?
- É isso mesmo. Marcamos um encontro, não foi?
- Claro. Já pedi a Matthew para cuidar de Juliana. Agora vá para o carro,
Aline.
Desta vez ela obedeceu sem protestar. Segurou o braço de Matthew e o
levou para fora. Escutaram o barulho de um carro que se
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aproximava. O avô voltou e avisou Michael que Wayne já vinha chegando,
depois segurou a mão da neta e disse-.
- Venha depressa. O carro está mais adiante, depois da curva.
Michael quis que ficasse escondido.
Aline correu, embora sentisse curiosidade em saber o que aconteceria.
Depois de alguns minutos alcançaram o carro escondido atrás de uma alta moita
de
capim. Matthew entrou, fechando a porta sem ruído, e Aline fez o mesmo. A
espingarda estava mesmo no banco dee trás.
- E agora - ela disse -. quero saber direitinho o que aconteceu. Como é
que vocês chegaram até aqui tão rápido e por que
Wayne vem voltando?
Matthew se acomodou no banco e tirou o cachimbo do bolso.
enchendo-o com calma.
- Bem, parece que você telefonou a Michael hoje cedo. . .
- , telefonei, Mas o que é que isso tem a ver?
- Acho que o deixou curioso e ele apareceu na oficina, procurando-a. Só
que você não estava e Tommy só sabia que tinha ido até o Correio. Sua demora
nos
deixou preocupados. Michael procurou-a na cidade e descobriu que você tinha
saído há mais de meia hora. Puxa, como ficou nervoso! Depois o telefone tocou.
Era
Wayne, dizendo que bastava eu assinar os documentos para a venda da oficina
que
você seria devolvida sã e salva. - Matthew acendeu um fósforo e puxou uma
baforada do cachimbo. - Imagine o que
senti.
- Posso imaginar. . . Então o que fez?
- Tirei o chocalho da mão de Juliana e ela começou a berrar. Disse a
Wayne para esperar, pois a menina tinha caído e se machucado. Então contei a
Michael o que estava acontecendo e ele sugeriu que eu pedisse tempo a Wayne.
Combinei encontrá-lo na encruzilhada de New Hampton, na hora do almoço. Ele
achou ruim, pois queria me ver imediatamente, mas insisti que era impossível.
102
Sandra Field Caminhos do Coração
- E depois?
- Acho que a sorte nos ajudou. Quando Michael ia se dirigindo para a
oficina, viu o carro de Wayne passando nesta estradinha, Claro que não sabia que
era Wayne, mas reparou porque não era o tipo de carro que costuma percorrer
uma
estradinha de lenhadores. Comentou comigo e, pela descrição, reconheci o
veículo.
Levamos Juliana para a casa de Emma Darby e viemos para cá. Wayne vem vindo
para pegá-la, mas terá uma bela surpresa, não acha?
- Bem feito. Ele me assustou demais quando ameaçou Juliana.
Fiquei apavorada.
- Michael vai cuidar dele, pode deixar. Que sujeito! Ainda bem que ele
estava do meu lado, pois eu não saberia o que fazer se tivesse de enfrentar
Wayne. Michael está furioso por sua causa, por
saber que você correu perigo. Não consigo descobrir porque não secasa
com ele, Aline.
- Vovô, eu. . .
- Eu sei. . . você sofreu muito uma vez. Nunca fala sobre o pai de Juliana, e
por isso imagino que ele não servia. Mas não deve julgar o resto da humanidade
por aquele homem, especialmente Mi chael. Ele seria bom para você! - a emoção
tomou conta da voz do avô. - É uma coisa ótima casar com a pessoa certa. Foi
assim comigo durante mais de trinta anos. A solidão quase mata quando o
companheiro se vai, mas eu não trocaria aqueles anos todos por nada neste
mundo.
- Oh, vovô. . . - ela disse, comovida. - Mas, se eu me casasse, você ia
ficar sozinho outra vez.
- Eu dou um jeito. Já dei antes. . . Ia valer a pena, só para vê-la bem.
- Sou feliz vivendo com você. querido. Matthew baixou o vidro da janela e
disse;
- Psiu. . . parece que Wayne está indo embora. . .
Logo depois Michael apareceu e entrou no banco de trás do velho carrinho,
enquanto Aline dizia: - Você parece muitíssimo satisfeito.
- Bem, agora vamos livrar Juliana das garras de Emma Darby! - ele disse,
rindo.
- Talvez seja o contrário. . . mas afinal o que houve? E Willie? - Wayne
está levando Willie de volta ao acampamento. Provavelmente inventarão uma
história para explicar o olho roxo.
- Michael. não seja misterioso. . . o que foi que disse aos dois? Ele ficou
sério.
- Primeiro, eu sabia que não existia o tal cúmplice que iria judiar de
103
Sandra Field Caminhos do Coração
Juliana, que era tudo invenção. Em segundo lugar, deixei bem claro a Wayne que
ele nunca vai ser dono da oficina e que, se houver o menor problema no futuro, um
relatório detalhado do que houve hoje vai ser encaminhado à polícia. Você não vai
mais ser incomodada por Wayne McEvoy, isso eu garanto.
Aline ficou olhando para Michael, impressionada.
- Tática de guerra, não é?
- Pode-se dizer que sim - disse ele com um ar maroto. - Mas funcionou,
não foi?
- E o caminhão de Wiflie?
- Vão ter de vir pegar mais tarde. O moço não está em condições de guiar.
Aline precisou disfarçar um sorriso ao ver a cara de satisfação
que ele fazia.
- Agora preciso voltar para a fazenda. Matthew, se você der marcha a ré,
vai poder manobrar em frente ao barraco.
Aquela era a oportunidade para Aline indagar o que Michael tinha ido fazer na
oficina, mas não teve coragem. Matthew ia escutar tudo e ela ainda estava com o
plano daquela noite na cabeça. Estava começando a imaginar se ia ter coragem de
ir até o fim. O que parecia uma ótima idéia às oito da manhã, agora parecia uma
enorme loucura.
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CAPITULO XI
Matthew deixou Michael no pátio da oficina, onde o jipe estava estacionado.
- Obrigado, Matthew. Até logo, Aline, vejo você à noite - e se foi.
O velho não esperou vê-lo partir. Tocou em frente e parou na casa dos Darby,
dizendo:
- Eu trouxe Juliana para cá. Agora você vai buscá-la.
- Ora, muito obrigada, , . - Chegara o momento de enfrentar Emma, a
mulher que sempre a desprezara. Enchendo-se de coragem. Aline atravessou o
jardim bem cuidado e bateu na porta.
O Sr. Darby abriu e a recebeu com um sorriso.
- Entre. Que menininha mais engraçadinha. . . Emma está frocando as
fraldas.
Juliana, deitada de costas na mesa da cozinha, balbuciava sons ininteligíveis.
A Sra. Darby não estava imune aos seus encantos: apresentava o rosto iluminado
por um sorriso. Ao encarar Aline, ruborizou-se e disse, meio seca:
- Já de volta?
- Sra. Darby, muito obrigada por tomar conta dela. Foi muita bondade.
- Foi um prazer. Já fazia muito tempo que eu não cuidava de um bebê e
fiquei contente por ver que não perdi a prática. - Depois acrescentou, com um ar
importante: - No verão, você deve trazê-la a uma reunião do nosso Clube de
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Jardinagem.
Consciente da honra que recebia, ela disse, baixo:
- Muito obrigada, isso seria ótimo. - Mas já imaginava a bagunça
114
que Juliana iria fazer numa reunião só de senhoras. Entretanto, o verão
ainda estava longe e muita coisa podia acontecer até lá. Lembrou-se então do
compromisso com Michael e do que podia
suceder, ..
Com palavras de amabilidade, ela e os Darby se despediram e Matlhew
levou as duas para casa. Havia trabalho acumulado e AAline logo vestiu o
macacão, dirigindo-se para a oficina.
Na hora do jantar, muito nervosa, não conseguiu comer quase nada. Depois
colocou Juliana na cama, tomou um bom banho e se vestiu. Já tinha decidido o que
usar: saia verde e blusa de seda creme. Por baixo, um conjunto de lingerie bem
extravagante. Deixou os cabelos soltos e, para disfarçar a palidez do rosto, usou
bastante blush, o que não apagou o pânico diante do que tinha a enfrentar. Vestiu
o
casaquinho que formava conjunto com a saia e desceu.
Esforçando-se para manter a diplomacia, Matthew não lhe perguntou por que
ia sair nem a que horas estaria de volta. De olho num livro sobre criação de
ovelhas,
recomendou:
- Dirija com cuidado, está bem? Está levando a chave? Ela beijou-lhe os
cabelos rebeldes, achando que combinavam muito bem com a personalidade do
avô. -Estou sim. Não espere por mim.
O percurso até a fazenda de Michael foi rápido demais. Aline preferia que
levasse o dobro do tempo. Quando chegou, parou o carro ao lado do jipe e desceu.
Sentia o coração descompassado. As luzes do andar térreo da ala de Michael
estavam acesas e ela começou a andar naquela direção.
A porta da frente da casa se abriu repentinamente e um garotinho
ruivo saiu correndo.
- Aline! Adivinhe uma coisa!
- O quê?
- Encontrei o manual de instruções do cortador de grama e o
engraxei todinho! Quer ver?
Se ela quisesse realmente ser honesta teria dito não, pois estava preocupada
em ensaiar o que iria dizer a Michael. Apesar disso, percebeu que Tim a esperara
e
não queria apagar o brilho de orgulho dos olhos do menino.
- Claro - respondeu. - Está no barracão?
105
Sandra Field Caminhos do Coração
- Está no mesmo lugar. O Sr. Gault me deixou ficar com a chave, enquanto
eu estiver trabalhando com o cortador. Disse que era minha responsabilidade.
O cortador, agora sobre folhas de jornal, no chão do barracão,
115
estava impecável e até mesmo Aline teria sentido pena de usá-lo nu gramado.
Tim ajoelhou-se ao lado do aparelho.
- Eu reapertei todas as porcas e parafusos e engraxei os eixos. Dê uma
olhada. . .
- Na primavera ele vai funcionar com perfeição. Você fez u belo trabalho,
Tim.
- O Sr. Gault disse que vou poder cortar grama com ele no verão. Disse que
posso ficar na fazenda, que não vou ter de embora, como Kevin.
Aquela noite ia ser decisiva e determinaria se ela também ficar em Valley
View e se Tim iria fazer parte de sua vida, como Julíana. Com a garganta
apertada,
disse:
- Estou muito contente, querido. Agora preciso ir. Obrigada por ter me
mostrado o belo serviço que fez.
- Vou trancar o barracão - ele informou, sério, tirando do bolso uma chave
presa ao cinto por um barbante.
Depois de deixar Tim na porta da frente da casa, Aline seguiu adiante até a
ala de Michael. Bateu, mas ele não atendeu logo. Ela ia levantar a mão para bater
de novo quando a porta se abriu.
- Olá, Michael. .. - Entre.
Ele não sorria e os olhos azuis estavam sérios.
- Desculpe o atraso. Tim quis me mostrar o que tinha feito com o cortador
de grama e fui até o barracão com ele...
- Sei.
O que havia acontecido com o homem risonho daquela manhã? Não havia
nem sinal dele.
- Posso ir para a sala?
- Claro. Dê-me seu casaco. Quer uma bebida?
- Sim, por favor.
Michael pendurou o casaco, acompanhou-a até a sala e desapareceu na
cozinha. Aline estava muito nervosa e inquieta. Ficou mexendo nos enfeites até
vê-
lo voltar e lhe entregar o copo com a bebida que havia pedido. Então ele indagou,
com voz séria:
- Aline, por que veio?
O discurso que ela havia decorado tão cuidadosamente sumiu da memória.
106
Sandra Field Caminhos do Coração
- Eu,..
- Deve ter uma razão. Não posso acreditar que esta seja apenas uma visita
social, não depois do modo como nos separamos há duas semanas.
Ela sentiu um lampejo de raiva e passou ao ataque: 116
Por que foi à oficina hoje cedo?
- Primeiro responda à minha pergunta. Ela engoliu em seco e disse de uma
vez.:
- Michael, quero fazer amor com você. Houve um instante de silêncio pesado
e depois ele largou o copo.
- O que foi que disse?
- Foi isso mesmo que entendeu. . . - ela confirmou, tomando
um gole grande da bebida.
- Posso ao menos saber o que há por trás de tão estranho pedido? Como
deve se lembrar, da última vez que tentei fazer amor,
você se mostrou. ..
- Oh, pare com isso! Não está tornando as coisas mais fáceis. . .
- Que tipo de jogo é esse, Aline?
- Não é um jogo! - disse ela, apertando com força o copo nas mãos, -
Nunca falei tão sério na vida!
- Então pode me explicar o motivo dessa atitude?
Ela juntou toda sua coragem, largou o copo, se aproximou e segurou-lhe as
mãos.
- Você ainda me ama. Michael? Ainda quer se casar comigo?
- Nada disso mudou.
Ela havia transposto a primeira barreira. Deu um sorriso tímido.
- Ontem descobri uma coisa. Cheguei à conclusão que também
o amo.
Inconscientemente, ela havia esperado que depois disso Michael a tomasse
nos braços. Mas ele apenas apertou-lhe as mãos, murmurando:
- Seus dedos estão gelados. .. você está nervosa?
- Estou apavorada! - Foi um alívio poder admitir aquilo, e de repente as
palavras saíram aos borbotões. - Senti muito a sua falta nestes últimos dias.
Ontem, um homem apareceu para abastecer o carro e achei que era você. Quando
percebi meu engano, quase morri de tanto chorar. .. e foi assim que descobri que
o
amo.
Michael parecia meio confuso com a história, mas seu rosto estava se
suavizando e uma luz brilhava nos olhos azuis.
- Repita isso. . . a última parte.
- Eu o amo.
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Sandra Field Caminhos do Coração
melhores.
- Impossível! Diga-me. . . por que foi à oficina hoje de manhã?
- Porque não aguentei ficar esperando em casa para saber o que
você queria.
- Então por que estava tão distante na hora em que cheguei aqui?
- Achei que você fosse me dizer que não queria maís me ver e que tudo
estava acabado entre nós.
- Ah, se eu fizesse isso, seria horrível, pois teria de suportar as reclamações
de vovô o resto da vida! - E riu, bem-humorada,
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- Andei pensando em acrescentar mais uma ala nos fundos da casa. Será que
Matthew também gostaria de vir morar aqui?
- Também? - ela indagou, fingindo inocência.
- Junto com você. E Juliana. Quer se casar comigo. Aline?
- Sim, quero.
- E eu gostaria de adotar Juliana.
- Sim.
- E Tim.
- Sim.
- E ter mais dois filhos nossos?
Ela riu.
- ísto já está ficando monótono! Mas sim, novamente. Tem cer
teza que também quer o vovô?
- Se ele quiser vir.
- Acho que sim. Ele estava lendo um livro sobre criação de
ovelhas hoje, quando saí de casa.
- Então, quantos seremos? - perguntou Michael. - Cinco,
não é? - Do jeito que estamos indo. logo, logo, vamos ser seis. .
- Amanhã mesmo vou tratar dos papéis, Aline.
- Acho que agora devíamos telefonar para vovô.
Michael puxou-a, abraaçando-a com força, de modo que os cabelos brilhantes
de Aline cobriram-lhe o peito.
- Acho melhor lhe mostrar como as coisas podem ser ainda
melhores. . .
Ela se entregou às carícias dele, agora sem medo, e descobriu que tudo
realmente podia mesmo ser muito melhor. Já passava da meia-noite quando Aline
telefonou a Matthew, convidando-o para o casamento...
FIM
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