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Cosmologia y

Busca
incessante
A
Experimentos busca pela natureza da matéria fracamente entre si e com a matéria nor-
escura, misterioso componente mal. Como ninguém sabe exatamente
internacionais do Universo, cujo efeito gravi- quão pesadas seriam as Wimps, os ex-
tacional seria responsável por perimentos procuram novas partículas
começam a procurar manter a configuração das galáxias e dos em diferentes faixas de massa. Cada vez
partículas cada vez aglomerados de galáxias, tem produzido que a existência de Wimps com deter-
resultados inconclusivos nas últimas três minadas características é descartada,
mais leves na décadas. Vários tipos de estruturas ou a margem de procura por esse tipo de
partículas, algumas conhecidas, como partícula se torna mais estreita.
esperança de encontrar buracos negros primordiais ou neutri- Um estudo concebido pela equipe da
nos, e outras de caráter teórico já foram física Ivone Albuquerque, do Instituto
a matéria escura apontadas como candidatas a serem o de Física da Universidade de São Paulo
bloco constituinte da matéria escura, (IF-USP), acaba de restringir um pouco
que representa cerca de um quarto da mais o intervalo de massa possível das
Marcos Pivetta composição de todo o Cosmo. Nenhuma Wimps. Realizado com dados referen-
delas, no entanto, passou até agora da tes a 530 dias de observação efetuados
condição de postulante. Atualmente a pela colaboração internacional DarkSi-
proposta com mais defensores e a mais de-50, que opera um detector subterrâ-
testada em uma dezena de experimentos neo no Laboratório Nacional Gran Sas-
internacionais é das Wimps. Essa sigla, so, no centro da Itália, o trabalho não
em inglês, é usada para designar hipoté- registrou evidências da existência de
ticas partículas de massa elevada, entre partículas com massas entre 1,8 e 6 gi-
uma e milhares de vezes maior do que a gaelétrons-volt (GeV), cuja frequência
do próton, que teriam sido criadas nos de interação com o equipamento é bem
primórdios do Universo e interagiriam definida. A título de comparação, a massa

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Imagem composta de
um trecho do Universo de
tamanho equivalente ao
de 420 luas cheias em que
a matéria escura (rosa/roxo)
aparece ao redor da matéria
normal (amarelo). O fundo
negro seriam áreas vazias

de um próton é, grosso modo, de quase 1 cional sobre matéria escura realizado argentina Graciela Gelmini, da Ucla, que
GeV. Entre os experimentos que buscam na Universidade da Califórnia em Los estuda candidatos à matéria escura. “Elas
por Wimps, como o Large Underground Angeles (Ucla). se moveriam por todos lados da galáxia
Xenon (Lux) e o Cryogenic Dark Mat- A matéria escura responderia por cer- a velocidades de 300 quilômetros por
ter Search (CDMS), ambos nos Estados ca de 25% da composição do Universo – segundo (k/s).”
Unidos, apenas o Xenon100 também pro- 5% seriam formados pela matéria normal A velocidade com que a matéria escu-
curou partículas com as mesmas caracte- visível, também denominada bariônica, e ra estaria se movendo elimina algumas
rísticas das buscadas pelo DarkSide-50. aproximadamente 70% pela energia es- possibilidades e restringe os tipos de
Ainda assim, os dados desse experimento cura. A maioria dos físicos atribui à sua partículas que poderiam constituí-la. A
são bem mais abrangentes que os do Xe- existência o papel de manter a coesão maioria dos modelos cosmológicos prevê
non100, segundo Ivone. “Foi um resul- das galáxias. Essas estruturas do Univer- que a matéria escura deve ser fria, talvez
Kilo-Degree Survey Collaboration / H. Hildebrandt & B. Giblin / ESO

tado surpreendente”, comenta a física, so giram a uma velocidade tão elevada morna. “A existência de matéria escura
que coordena a participação brasileira que, se fossem compostas apenas pela quente foi descartada por observações
na colaboração internacional, que reú- matéria normal, teriam se despedaçado cosmológicas”, explica o físico Rogério
ne cerca de 150 pesquisadores de oito muito tempo atrás. Somente a gravida- Rosenfeld, do Instituto de Física Teórica
países. “Nosso detector do DarkSide-50, de gerada pela parte visível do Cosmo da Universidade Estadual Paulista (IFT-
que fica na Itália, ainda é pequeno e não não é suficiente para manter unidas as -Unesp). O conceito de matéria escura
foi pensado para registrar partículas tão galáxias. Logo, é necessário que exista fria ou quente está associado à veloci-
leves. Normalmente estamos procurando alguma forma de matéria que não in- dade dessas misteriosas partículas. A
por Wimps com massas entre 10 e 100 teraja com a luz e que tenha um efeito matéria escura quente se movimentaria
GeV.” Os resultados foram detalhados em gravitacional muito maior que o da parte a velocidades relativísticas, próximas à
um trabalho publicado pela colaboração visível dos conjuntos de galáxias. Essa da luz, de cerca de 300 mil k/s, enquan-
internacional em 20 de fevereiro no ar- forma ganhou o nome genérico de ma- to a fria se deslocaria a uma velocidade
Xiv, repositório de artigos científicos, e téria escura. “As partículas de matéria muito menor. “Mas, se a matéria escura
apresentados em um encontro interna- escura passam por nós”, supõe a física se deslocasse a velocidades relativís-

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ticas, a matéria bariônica não teria se “Os dados reforçam a ideia de que a ma-
unido e originado a distribuição de ga- téria escura é fria.” O levantamento ma-
láxias e de aglomerados de galáxias que peou imagens de 26 milhões de galáxias
conhecemos”, comenta Rosenfeld, que Em 1998, um visíveis no hemisfério Sul, em torno das
participa do Dark Energy Survey (DES), quais há halos de matéria escura. Os da-
levantamento internacional que mapeia grupo italiano dos observacionais do Cosmo não visam
as estruturas visíveis do Universo, como identificar possíveis partículas que pos-
galáxias e estrelas.
anunciou ter sam ser constituintes da matéria escura,
Em janeiro deste ano, um grupo de pes- encontrado mas fornecem alguns parâmetros impor-
quisadores do DES publicou na versão tantes para orientar essa busca. Segun-
on-line do periódico científico Monthly a matéria do Rosenfeld, estudos recentes sugerem
Notices of the Royal Astronomical Society que a menor massa possível da matéria
o maior mapa da ocorrência da matéria escura, mas escura morna compatível com a distri-
com o emprego da técnica de lentes gra- buição conhecida de matéria visível no
vitacionais fracas. Esse método permite
a descoberta Cosmo seria cerca de um milhão de ve-
inferir a presença da matéria escura por nunca foi zes menor do que a do próton, da ordem
meio de uma pequena distorção que ela de 5 mil elétrons-volt (eV). As Wimps
causa na trajetória da luz de galáxias dis- confirmada não poderiam ser tão leves assim, mas
tantes. “Vimos a deformação causada nas os neutrinos estéreis, um tipo hipotéti-
imagens desses objetos”, detalha a física co de partícula elementar, poderiam ter
Flávia Sobreira, da Universidade Estadual massas tão pequenas. O problema é que
de Campinas (Unicamp), que participa também não há indícios da existência
do DES e é uma das autoras do trabalho. desse tipo de neutrinos. A procura pela
essência da matéria escura se concentra
então praticamente na busca por Wimps.
Detector do
experimento INTERAÇÃO COM DUAS FORÇAS
DarkSide-50,
na Itália,
Os modelos cosmológicos dominantes
que procura preveem que, se as Wimps forem os
partículas constituintes da matéria escura, a mas-
do tipo Wimp sa dessas partículas seria equivalente à
de pelo menos 100 prótons. O problema
é que os físicos procuram há mais de 20
anos por partículas em torno dessa faixa
de massa e não encontraram nada. Mais
recentemente alguns modelos passaram
a considerar a possibilidade de que a
matéria escura poderia ser constituída
de Wimps com massas mais leves, de
menos de 10 GeV. Alguns experimentos,
como o DarkSide-50, que foi concebido
para tentar descobrir Wimps com mas-
sas acima de 10 GeV, começaram então

fotos 1 A. Brigatti / INFN-MI 2 Dag Larsen / IceCube / NSF 3 Carlos H. Faham


a buscar partículas que pudessem se en-
caixar nessa definição. As teorias mais
aceitas sobre as Wimps preveem que
essas partículas devem interagir entre
si e com a matéria normal por meio de
apenas duas das quatro forças da física:
a gravidade e a força nuclear fraca (liga-
da a processos de decaimento do núcleo
atômico). Elas não sentiriam nenhum
efeito do eletromagnetismo e da força
nuclear forte.
Em operação desde 2013, o DarkSi-
de-50 conta com um detector composto
por uma câmara que abriga 50 quilos de
argônio líquido. Ao lado do xenônio e, às
1 vezes, do germânio, esse elemento é um

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O observatório
IceCube, perto do polo
Sul, estuda possíveis
interações entre
Wimps e neutrinos

dos mais empregados em experimen-


tos subterrâneos na busca por Wimps.
O equipamento seria capaz de detectar
os flashes de luz produzidos pelos cho-
ques das partículas de matéria com o
núcleo desses elementos. “O xenônio
é mais usado, mas o argônio custa 400
vezes menos e possibilita construir de-
tectores mais baratos”, comenta Ivone.
Até 2021, o projeto DarkSide, que é coor-
denado pelo Instituto Nacional de Física
Nuclear da Itália e pela Universidade de
Princeton, nos Estados Unidos, planeja 2

instalar um novo detector, mais potente,


contendo 20 toneladas de argônio. estudar neutrinos, um tipo de partícula que seria a matéria escura. Os pesqui-
A opção por instalar esses equipamen- elementar quase sem massa produzido sadores italianos teriam registrado um
tos embaixo da terra é uma forma de em eventos astronômicos de alta energia. sinal sazonal, cujo pico máximo apare-
evitar que sinais associados à matéria O projeto dispõe de uma rede de detec- ceria por volta do início de junho, em
escura sejam confundidos com contami- tores subterrâneos espalhados pelo inte- seu detector baseado em cristais de io-
nações vindas do espaço ou da atmosfera. rior de um bloco de 1 quilômetro cúbico deto de sódio ativados pelo metal tálio,
Apenas em um lugar do mundo, cerca de gelo na Antártida, próximo ao polo uma tecnologia diferente da empregada
de 1.400 metros abaixo das montanhas Sul. O IceCube seria capaz de detectar na maioria dos experimentos. O sinal
do Gran Sasso, na Itália, há seis experi- neutrinos produzidos em possíveis inte- oscilaria em razão das características
mentos independentes de grupos dife- rações de Wimps no Sol. Por ora, como da órbita da Terra, que atravessaria um
rentes que buscam partículas candidatas todos os demais experimentos, nada de “vento” de matéria escura, em direções
à matéria escura: Xenon100, Sabre, Da- significativo foi encontrado. opostas, dependendo da época do ano,
ma, Cresst, Cosinus, além do DarkSide. Até hoje, o experimento Dama foi o enquanto gira em torno do Sol.
A procura por Wimps também pode que produziu a notícia mais espetacular Ninguém, no entanto, jamais conse-
ocorrer de forma indireta. Esse é o ca- sobre a matéria escura. Em 1998, físicos guiu reproduzir os resultados do Dama,
so do projeto IceCube, coordenado pela da Universidade de Roma Tor Vergata que, com novos detectores, continua fun-
Universidade de Winsconsin-Madison, anunciaram que tinham descoberto uma cionando até hoje. O físico Nelson Carlin
dos Estados Unidos, e projetado para Wimp, com massa em torno de 10 GeV, Filho, do IF-USP, participa de um expe-
rimento sul-coreano, o Cosine-100, que
começou a tomar dados em setembro de
2016. A iniciativa usa a mesma tecnologia
de detecção do Dama e tentará confir-
mar ou refutar os resultados do projeto
italiano.“Teremos de esperar dois anos
para começar a ter os primeiros resul-
tados”, comenta Carlin Filho. n

Projetos
1. Detecção direta de matéria escura e o experimento Dark-
Side (n. 16/09084-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa –
Regular; Pesquisadora responsável Ivone Albuquerque
(USP); Investimento R$ 102.060,36.
2. Procura da matéria escura: Wimps e fótons escuros
(n. 17/02952-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regu-
Tanque do lar; Pesquisador responsável Nelson Carlin Filho USP);
experimento Lux, Investimento R$ 155.820,64.
que usa detector
com xenônio líquido Artigo científico
para procurar pela AGNES, P. et al. Low-mass dark matter search with the
matéria escura DarkSide-50 experiment. ArXiv. On-line. 20 fev. 2018.

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