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TEM ALGUÉM
Zonas habitáveis
na Via Láctea
Há quem diga que a maior descoberta
científica de todos os tempos seria a resposta
afirmativa ao intrigante questionamento:
‘Há vida em outros planetas?’ A notável expansão
dos conhecimentos sobre o sistema solar
reavivou essa pergunta: conhecem-se,
hoje, mais de 350 planetas extrassolares
na Via Láctea. Estariam eles em zonas habitáveis?
Ou a Terra é o único planeta com vida na galáxia?
Nas próximas páginas, veremos
o que a ciência tem a dizer sobre o tema.
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G E O C I Ê N C I A S
Flavia Requeijo
estrela ao aproximar-se
ou afastar-se
de um referencial
(no caso, a Terra)
Figura 3. Representação
da Via Láctea e da localização
JPL/NASA
do Sistema Solar
NASA
um terço da distância Sol-Mercúrio. Nesses casos, sistema solar onde se encontram os cometas. Isso
estima-se que o planeta ganhe rotação síncrona, poderia alterar a órbita desses objetos e levá-los a
mantendo sempre a mesma face voltada para a es- colidir com a Terra.
trela. Os geocientistas ainda não conseguem prever Menos de 5% das estrelas da Via Láctea estão
como seria o comportamento da atmosfera de pla- em órbitas dotadas de condições favoráveis à ma
netas nessas condições. A figura 2 compara as mas- nutenção da vida, como o Sol.
sas de vários tipos de estrelas.
Poderia a vida surgir e desenvolver-se em um
planeta que tivesse uma face mergulhada na escu
ridão e outra em claridade constante?
Três sistemas
Para determinar se um exoplaneta pode oferecer
condições adequadas para existência de água no
No braço de Órion estado líquido, é necessário produzir um modelo
de como ele ‘funciona’. Consideremos um planeta
O Sol é apenas uma das estrelas entre as 100 bi- semelhante à Terra. Os estudos do sistema Terra
lhões delas presentes na Via Láctea. A maioria das buscam compreender como seus diversos compo
estrelas concentra-se em um ‘disco’ com estruturas nentes interagem para determinar o clima global,
denominadas braços espirais. O Sol está no bra- sob influência da dinâmica interna.
ço de Órion (figura 3), a aproximadamente 30 mil A geologia considera que o sistema Terra é sub-
anos-luz do centro da Via Láctea (cada ano-luz dividido em três sistemas: i) climático; ii) das placas
equivale a 9,5 trilhões de km). tectônicas; iii) do geodínamo interno. As interações
O sistema solar demora 225 milhões de anos para dos geossistemas terrestres têm como fontes de
realizar uma rotação ao redor do centro galáctico e energia o Sol e o calor interno da Terra (figura 4).
já teria completado 20 voltas desde sua formação. Os processos do sistema clima estão diretamente
O movimento de rotação do Sol acontece em um ligados ao estabelecimento da zona habitável. Os
raio de ‘corrotação’ em que a velocidade angular fatores que determinam as condições gerais do sis-
das estrelas da região equivale à dos braços espirais tema clima e condicionam o desenvolvimento de
– em outras palavras, nossa estrela gira em torno vida são: i) a radiação proveniente da estrela central
do centro da galáxia com a mesma velocidade da- (a fonte de energia do sistema); ii) a forma da órbita
quelas que habitam o braço de Órion. Isso faz com do planeta ao redor da estrela; iii) a inclinação do
que o sistema solar não atravesse com frequência eixo de rotação em relação ao plano orbital. Visan-
os braços da Via Láctea, onde há intensa formação do a entender tantas interações, elaboram-se e exe-
estelar e maior incidência de supernovas (o que nos cutam-se modelos teóricos do sistema Terra, na
exporia a radiações de altas energias). forma de simulações numéricas. O resultado das
A passagem do Sol através dos braços espirais simulações é comparado aos dados observados, e
também perturbaria a nuvem de Oort, região do assim se aprimoram os modelos.
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Figura 4. Componentes do sistema Terra
Baseado em Press et al. Para Entender a Terra. Porto Alegre: Bookman, 2006
sedimentos, que são movimentados pelos agentes
de erosão;
iii) a composição química da atmosfera – as rela-
ções entre dióxido de carbono atmosférico, intem-
perismo e clima determinam a existência de água
líquida. O elemento químico carbono, fundamental
para a vida, é a base das moléculas orgânicas. Na
fotossíntese, plantas e micro-organismos usam ener-
gia solar para converter gás carbônico atmosférico
em carboidratos. O processo libera moléculas de
oxigênio (O2), posteriormente consumidas pelos
Importante característica que determinará a seres vivos na respiração, processo que reintroduz
presença de água líquida é a temperatura média gás carbônico no ar.
global, que depende de variáveis como albedo, taxas
de intemperismo e composição química da atmos-
fera. Vejamos brevemente cada um desses tópicos:
i) o albedo – razão entre a quantidade de radiação
Gás carbônico
que o planeta recebe e a quantidade de radiação
emitida em certo intervalo de tempo. Na Terra, a
na atmosfera
quantidade de luz recebida do Sol varia de ponto a O gás carbônico representa apenas 0,036% das mo-
ponto, pois a inclinação dos raios solares altera-se léculas de nossa atmosfera, mas exerce grande in
segundo a latitude. É também desigual a quantidade fluência no ambiente (figura 5). Juntamente com
de energia refletida pela superfície terrestre: em o vapor de água e o metano, é um gás do efeito es-
regiões cobertas por neve ou com grande quanti- tufa. Esses gases mantêm as temperaturas da su
dade de nuvens, o albedo excede 80%, enquanto perfície em níveis adequados à nossa sobrevivên-
em zonas que apresentam rochas ou solos escuros, cia. Se eles não existissem, as temperaturas seriam
pode ficar abaixo de 10%; altas de dia e baixíssimas à noite.
ii) o intemperismo – compreende processos que Quando plantas e animais morrem, a decompo-
provocam a decomposição mecânica, química ou sição da matéria orgânica libera gás carbônico para
bioquímica das rochas expostas ao tempo. São efei a atmosfera. Parte desse gás pode permanecer soter-
tos permanentes que produzem materiais totalmen- rada, dando origem a carvão mineral, petróleo e gás
te distintos entre si e da rocha original: os solos, natural, ou pode ainda ser transportada para o fundo
dos oceanos, onde pode formar rochas sedimenta-
res, como calcário (CaCO3). O carbono fixado em re-
Figura 5. Ciclo do carbono, mostrando reservatórios e fluxos de gás servatórios geológicos pode retornar à atmosfera tan-
carbônico entre eles. A sigla GtC equivale a 1 bilhão de toneladas de carbono
to pelas erupções vulcânicas quanto pelo intemperis-
mo de rochas que7.contenham
Figura. A presença dacarbonato
planária de cálcio.
Antes do aparecimento
Geoplana quagga em áreasda de
espécie humana na
intervenção
humana,
história da mas
Terra, não emlongos
houve matas próximas,
períodos em que
parece indicar que o ser humano
o planeta foi mais quente ou mais frio do que as
influenciou sua distribuição geográfica
médias atuais. As causas desses fenômenos e das
implicações do gás carbônico introduzido na at-
mosfera pela queima de combustíveis fósseis ainda
geram intensos debates.
Embora o tema ultrapasse o escopo deste artigo,
convém registrar que o intemperismo e a concentra-
Fonte: GSFC/NASA
Uma superterra maio de 2007, não será possível afirmar que esse
planeta abriga formas de vida. O primeiro exopla-
Uma vez definidas as taxas de intemperismo e con- neta em zona habitável seria uma ‘superterra’, com
centração de gás carbônico na atmosfera, bem co- massa oito vezes superior à terrestre, em órbita ao
mo calculadas a luminosidade estelar, a distância redor da estrela anã vermelha Gliese 581, a cerca
estrela-planeta e a massa do planeta por meio de de 20 anos-luz do Sol.
técnicas astronômicas, os geocientistas podem es- Será mesmo a Terra o único planeta habitável da
timar a variação da temperatura média global do galáxia?
planeta. Os resultados serão favoráveis à vida caso O fato de não encontrarmos tão facilmente ou-
as temperaturas permitam a existência de água em tros mundos potencialmente habitáveis talvez deves-
estado líquido e permaneçam estáveis por bilhões se incentivar os humanos a querer preservar o nos-
de anos. so planeta, até onde for possível, algo que parece ser
Mas, mesmo que os cálculos revelem um planeta tão raro: um conjunto de condições muito específi-
extrassolar em zona habitável, como anunciado em cas que tem, por ora, permitido nossa existência.
Os autores deste artigo fazem pesquisas em geologia, geociências e astronomia. WARD P.; BROWNLEE, D. Sós no universo?
Requeijo, astrônoma, desenvolve estudos sobre a inserção de temas Por que a vida inteligente é improvável fora
do planeta Terra. São Paulo: Campus (2000).
de astronomia na educação básica, e Carneiro, geólogo, sobre o uso de recursos
didáticos no ensino de geologia e na divulgação das ciências da Terra. Na internet:
SAGAN, C. Nós estamos aqui:
Ambos publicaram livros ou capítulos de livros e têm trabalhos publicados O pálido ponto azul (versão legendada)
em revistas científicas do Brasil e do exterior. http://www.youtube.com/watch?v=EjpSa7umAd8
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