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A chance de vida em outras regiões do universo aumenta

o fascínio da descoberta de novos planetas

Trezentos anos antes de Cristo, na Grécia antiga, dois grandes filósofos se


colocavam em campos opostos quando o assunto era a existência de outros
mundos. Aristóteles argumentava que nosso planeta era único e, portanto, o centro
do universo. Epicuro afirmava que o cosmo era infinito e capaz de conter uma
quantidade ilimitada de mundos. A ciência se encarregou de dar razão a Epicuro. Na
semana passada, um grupo de astrônomos dos Estados Unidos anunciou ter
descoberto o primeiro sistema planetário numa região do universo diferente da
habitada pelo Sol e seus nove planetas. Situado na própria Via Láctea, ele é formado
pela estrela Upsilon Andrômeda e três planetas gigantescos. O primeiro deles é 238
vezes maior do que a Terra e rodopia como um pião enlouquecido ao redor de sua
estrela. Sua órbita é tão próxima à fornalha de Upsilon Andrômeda que, nesse
planeta, o ano equivale a apenas quatro dias terrestres. É o tempo que ele demora
para dar uma volta completa em torno da estrela. Os outros dois têm dimensões
colossais, muito maiores que as de todos os planetas do sistema solar juntos (veja
ilustração acima). "Essa descoberta abre uma nova era na exploração espacial",
disse o astrônomo Geoffrey Marcy, professor da Universidade Estadual de San
Francisco e um dos responsáveis pela novidade.

A identificação de novos planetas fora do sistema solar é uma das fronteiras mais
fascinantes da ciência neste final de milênio. Vários deles foram observados nos
últimos anos, mas até agora nenhum revelou características semelhantes às da
Terra, que pudessem abrigar formas de vida. Isso não significa que não existam.
"Nossos aparelhos não têm a capacidade de detectar planetas tão pequenos, mas é
bastante provável que eles existam em vários outros sistemas planetários", afirma o
astrônomo Peter Nisenson, do Centro de Astrofísica da Universidade Harvard. É
difícil imaginar que a Via Láctea, com um número estimado de 200 bilhões de
estrelas, seja apenas um deserto cósmico, no qual a humanidade vive em abissal
solidão. "A descoberta dos novos planetas levanta sérias questões a respeito de
nosso lugar no universo", observa o astrônomo Marcy.

Ambiente hostil - As medições feitas pela equipe de Marcy apontam que a


composição dos três novos planetas pode ser muito parecida com a de Júpiter, o
maior do sistema solar. São gigantescas esferas gasosas submetidas a temperatura
e pressões extremas e sacudidas por furacões e tempestades permanentes. Num
ambiente tão hostil, é difícil imaginar a existência de qualquer forma de vida. Mas os
pesquisadores não descartam a possibilidade de o conjunto abrigar planetas
menores, parecidos com a Terra, ou mesmo luas mais hospitaleiras, orbitando esses
gigantes. A estrela Upsilon Andrômeda está situada a 44 anos-luz da Terra. Um ano-
luz é a distância que a luz percorre em um ano. Isso significa que a luz que os
cientistas estão observando hoje partiu de Upsilon Andrômeda em 1945, o ano em
que a primeira bomba atômica explodiu em Hiroshima. Ainda assim, em escala
astronômica, é uma distância relativamente pequena (as galáxias mais distantes
estão a 12 bilhões de anos-luz).

É difícil imaginar alguma novidade que pudesse ter tantas conseqüências na história
humana quanto a eventual descoberta de vida em outros planetas. A presunção de
que a Terra era o centro do universo foi, durante milênios, o pilar de inúmeras
religiões e correntes filosóficas. Imagine o impacto que uma descoberta dessa
natureza teria, por exemplo, no judaísmo e no cristianismo. Durante milhares de
anos, essas duas religiões ensinaram que os seres humanos foram criados à
imagem e semelhança de Deus e por Ele escolhidos como filhos preferenciais. Na
doutrina cristã, a escolha divina foi levada ao extremo: para resgatar a humanidade
do pecado, Cristo, o próprio filho de Deus, tornou-se ser humano e foi sacrificado na
cruz. O que aconteceria se, de repente, os cientistas anunciassem que há centenas
ou milhares de outros planetas habitados por seres tão ou mais evoluídos que os
humanos? Que papel teriam essas criaturas na doutrina cristã? Também elas teriam
direito ao livre-arbítrio, à possibilidade de pecar e ser redimidas pela graça divina?
Ou seriam apenas um subproduto da criação, na qual só os humanos manteriam o
privilégio de espécie favorita?

Com tantas questões em jogo, é compreensível que, no passado, a religião tenha


sido um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento da astronomia. Em fevereiro de
1600, o filósofo italiano Giordano Bruno foi queimado na fogueira da Inquisição
católica depois de afirmar que outras estrelas também poderiam abrigar sistemas
planetários. Pouco depois, Galileu Galilei foi obrigado a renegar, sob a ameaça de
excomunhão, a teoria de que a Terra girava em torno do Sol, e não o contrário, como
sustentava a Igreja. Apesar disso, a identificação de novos planetas no sistema solar
foi um capítulo decisivo para a astronomia nos séculos seguintes. Urano foi
descoberto em 1781. Netuno, em 1846. Nesse meio tempo, houve espaço até para
iniciativas delirantes, como a do astrônomo Percival Lowell. Em 1894, ele construiu o
próprio laboratório no deserto do Arizona para identificar vestígios de vida que
acreditava existir em Marte. Lowell não encontrou nada, mas foi nesse observatório
que, em 1930, Clyde Tombaugh identificou Plutão, o último planeta do sistema solar.

Além dos limites - Depois disso, durante cerca de sessenta anos, os astrônomos
caçadores de planetas se envolveram numa incansável busca por novas técnicas
que lhes permitissem enxergar além dos limites do universo visível a olho nu.
"Detectar planetas fora do sistema solar é um trabalho muito difícil, já que eles
apenas refletem a luz de suas estrelas", explica o astrônomo Marcy. A radiação
emitida por eles é muito tênue, impossível de ser captada pelos telescópios
terrestres. Para driblar essa dificuldade, os pesquisadores desenvolveram um
sistema que mede a oscilação no movimento da estrela, provocada pela presença de
um planeta nas vizinhanças. Ou seja, tudo que os astrônomos conseguem é inferir a
presença do planeta, sem observá-lo diretamente. É por esse motivo que os atuais
aparelhos só detectam os planetas de grande massa, do tamanho de Júpiter. Eles
são os únicos capazes de provocar oscilações no movimento das estrelas
perceptíveis a uma distância tão grande. Desde 1995, já foram identificados dezoito
planetas assim.

A dúvida a respeito da vida fora da Terra é tão antiga quanto a própria espécie
humana. Há milhares de anos, pensadores, teólogos e cientistas se vêem às voltas
com as mesmas perguntas. Em alguma outra parte do universo a vida inteligente
floresceu como na Terra? Que aparência teriam esses seres? Em que estágio de
evolução estariam hoje? Que tipo de pergunta fariam a respeito da própria
existência? Também eles, como os humanos, se julgariam o centro e a razão de ser
do universo? Essas perguntas fazem parte das questões filosóficas essenciais, que
dizem respeito à origem do universo e aos motivos pelos quais estamos aqui. A
descoberta anunciada na semana passada está longe de responder a elas. Mas é
um passo importante nessa direção.

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