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No Brasil
Contemplando certo edifício em Buenos Aires, Olavo Bilac - então em viagem oficial á
Argentina - exclamava em 1910: "Casa querida! Como tu lembras, aqui, no estrangeiro,
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todas as casas da minha vida". Referia-se à sede do Café Paulista, empresa de
comercialização fundada por Octaviano Alves de Lima na capital portenha. Notável
propagandista, Alves de Lima conseguira aumentar o consumo do café brasileiro pelos
argentinos, divulgando o slogan "Café Paulista (Brasil) - O melhor do mundo". O café
era o símbolo do Brasil no exterior.
Mas, afinal, o que estava acontecendo com o café? perguntava-se, perplexo, o homem
da rua, em fins de 1902. Não era ele o ''ouro verde'' de que tantos falavam? Que
anúncios de crise eram aqueles? Onde estava a antiga euforia, aquela impressão de
riqueza sem limites, proporcionada pelo café, e que foi a marca dos últimos decênios do
século XIX?
E, com efeito, aquilo que parecia impossível na década de 1880 estava de fato
acontecendo. A cotação internacional do café caía constantemente, enquanto as
fazendas lançavam no mercado quantidades crescentes do "ouro verde". A safra dos
anos 1901/1902 havia superado a marca de 16 milhões de sacas, para um consumo
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mundial ligeiramente superior a 15 milhões. E a cotação do produto no mercado
externo, que havia sido de 102 francos-ouro em 1885, caíra para 33 francos-ouro em
1902. De fato, desde 1893, os preços
internacionais vinham caindo sistematicamente como conseqüência dos problemas
econômicos dos Estados Unidos, nosso principal cliente, e da expansão mundial da
produção de café.
Mas durante alguns anos a queda dos preços havia sido compensada pela
desvalorização do mil-réis. Os cafeicultores recebiam menos em libras ou em francos,
mas o montante de suas rendas em moeda nacional não se alterava substancialmente.
Essa desvalorização do dinheiro era provocada pelo "encilhamento" - política de farta
emissão de papel-moeda adotada na gestão de Ruy Barbosa no Ministério da Fazenda
(1889-1891), durante o governo de Deodoro da Fonseca. Visando a aumentar a
quantidade de dinheiro em circulação, para incentivar o estabelecimento de indústrias e
possibilitar o pagamento da massa assalariada que começava a substituir os escravos,
o "encilhamento" gerou um galopante processo de inflação. Essa política caracterizou-
se também pelo estímulo oficial à constituição de sociedades por ações, o que gerou
desenfreada especulação na Bolsa de Valores. (Daí o nome "encilhamento", que se
refere ao momento em que são apertadas as selas dos cavalos antes das corridas nos
hipódromos - e o ritmo das apostas se torna frenético.) No final do século XIX, depois
de um período de euforia, as ações começaram a baixar - e muitos cafeicultores
abriram falência.
Para restaurar as finanças, o presidente Campos Salles, logo que tomou posse, em
1898, passou a aplicar uma política deflacionária, forçando a revalorização do mil-réis.
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Ora, revalorizar a moeda significava - caso a tendência baixista na cotação do café não
fosse modificada - reduzir fortemente a renda dos cafeicultores. E era o que estava
começando a acontecer, agora que a política "saneadora" de Campos Salles
apresentava seus primeiros resultados.
Em 1906, a crise atingiu seu ponto culminante. A safra de café desse ano ultrapassou
os 20 milhões de sacas, para um consumo mundial inferior a 16 milhões, enquanto os
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preços continuavam a cair. Em fevereiro, reuniram-se em Taubaté os presidentes Jorge
Tibiriçá (São Paulo), Nilo Peçanha (Rio de Janeiro) e Francisco Salles (Minas),
procurando encontrar uma saída para o impasse. Precedida de intensas pressões dos
cafeicultores sobre o presidente da República, Rodrigues Alves - que tomara posse em
1902 - para que fosse aprovado um plano de valorização do café, proposto pelo
industrial paulista Alexandre Siciliano, a reunião estabeleceu princípios que iriam
modificar inteiramente a orientação econômica do Governo federal. Rodrigues Alves,
apesar de paulista e cafeicultor, opunha-se à valorização, pois queria dar continuidade
à política deflacionária do governo anterior, de Campos Salles. No entanto, obedecendo
aos reclamos do "complexo do café", os presidentes Tibiriçá, Peçanha e Salles
firmaram acordo que representava literalmente a "salvação da lavoura". Conhecido
como Convênio de Taubaté, esse acordo fixou os seguintes princípios: a) preço mínimo
para a saca de café; b) negociação de um empréstimo externo de 15 milhões de libras
esterlinas para custear as compras de café a serem feitas pelos Governos estaduais,
com a finalidade de retirar do mercado uma parte do produto;
c) estabelecimento de um fundo para a estabilização do câmbio, impedindo assim que o
mil-réis fosse revalorizado; esse fundo seria a Caixa de Conversão; d) imposição de
uma taxa proibitiva para impedir o surgimento de novas plantações.
"Depois de alguma luta para demover os opositores do plano, o Convênio foi finalmente
aprovado pelo Congresso Nacional, não sem certa resistência de Rodrigues Alves. Tal
resistência, aliás, custou-lhe o mando político do país. Durante aquele ano ocorreria a
sucessão presidencial e os representantes dos grandes Estados rejeitaram o candidato
preferido de Rodrigues Alves, escolhendo Affonso Penna, inteiramente identificado com
a valorização do café. Empossado em novembro, Penna honraria fielmente seus
compromissos com cafeicultura.
Durante os três anos seguintes foi implantada a Caixa de Conversão e os Estados
conseguiram dos banqueiros europeus o ansiado empréstimo de 15 milhões de libras,
com o qual puderam efetuar compras maciças de café excedente. Em 1909, surgiram
os primeiros efeitos da política de valorização. Os preços internacionais do café
começaram a subir, enquanto a Caixa de Conversão conservava o câmbio
artificialmente baixo. No entanto, o país endividara-se no exterior. Os grandes bancos
europeus passaram a controlar o comércio do café. Muitas fazendas foram vendidas a
estrangeiros, pois o esquema valorizador enriqueceu apenas uma parte dos produtores.
Os principais beneficiários da nova política econômica foram basicamente os
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banqueiros internacionais e as casas comissárias, que, comprando o café na baixa e
vendendo-o na alta, auferiram lucros fabulosos. Algumas delas, aliás, tornaram-se
grandes proprietárias de fazendas. A Prado Chaves, por exemplo, adquiriu, nesse
período, catorze fazendas, vendidas a baixo preço por cafeicultores arruinados, com um
total de 3,5 milhões de pés de café.
Texto extraído da Enciclopédia "Nosso Século" da Abril Cultural