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Unidade: A economia e as transformações do Brasil 

durante o Segundo Reinado

Contextualização

Iniciamos os estudos relativos à disciplina História do Brasil Império, nesta Unidade,


tratando do tema: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo
Reinado; pois esse processo transformou o Brasil em vários aspectos.
Esta unidade está subdividida em 6 itens:
• A expansão cafeeira no Brasil;
• Lutas pelo fim da escravidão (1850/1888);
• Os imigrantes no Brasil;
• As colônias de parceria;
• A imigração subvencionada;
• A Guerra do Paraguai (1864-1870).
A expansão cafeeira no Brasil trouxe várias modificações na economia e para sociedade:
imigrantes europeus chegaram para substituir o negro escravizado; ferrovias foram construídas;
a urbanização cresceu; apareceram as primeiras indústrias; etc.
A luta pelo fim da escravidão, que remonta ao início da colonização portuguesa, cresceu a
partir da segunda metade do século XIX, levando ao fim da escravidão em 1888.
A Guerra do Paraguai demonstrou as contradições entre as novas nações nascidas dos
processos de independência política da América do Sul e a crescente dependência econômica
dessas nações da Inglaterra.

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A expansão cafeeira no Brasil

A expansão cafeeira no Brasil se deu a partir da segunda metade do século XIX, mas este
já era, em 1840, o principal produto de exportação da economia brasileira.
O crescimento das exportações de café foi beneficiado pelo crescimento do comércio
internacional. Essas condições favoráveis aumentaram a cotação do café que estava estagnada
havia muitos anos. Outro fator que beneficiou o comércio internacional, e o Brasil em
particular, foi o surgimento do navio a vapor que encurtou o tempo de viagem para a Europa
e os Estados Unidos, principais consumidores do café brasileiro.
A organização do comércio do café se dá em moldes bastantes distintos da produção
açucareira. Esta foi implantada no período colonial, o domínio era dos portugueses, que
dominavam o comércio e a distribuição do açúcar e com isso submetiam os produtores. Já o
café começa a ter importância econômica no período pós-abertura dos portos (1808) e pós-
independência (1822), que põe fim ao monopólio português sobre o comércio de exportação-
importação. Essas “são as datas magnas da burguesia comercial brasileira”, pois

[...] determinam o acesso dos comerciantes brasileiros


(no caso, não necessariamente nascidos no Brasil) ao setor
central de uma economia ainda colonial: o grande comércio
de importação-exportação. A partir dessas datas, a burguesia
comercial brasileira desenvolve-se rapidamente graças,
sobretudo, à consolidação e expansão das fazendas de café,
que essa burguesia organiza juntamente com a aristocracia
fundiária local.
(SILVA, 1986, p. 34)

O café que já era plantado para consumo no Brasil nos séculos anteriores, irá se tornar
importante para as exportações a partir do início do XIX. A zona pioneira foi o Vale do
Paraíba. Ela se constituiu como rota de passagem para Minas Gerais. “Nos primeiros anos da
colonização, o pequeno desenvolvimento destas paragens não possibilitara um povoamento
eficaz. A mata persistiu até o avanço dos cafezais” (DA COSTA, 1989, p. 59).
A partir do século XVIII com a exploração do ouro em Minas Gerais e a transferência da
capital da colônia para o Rio de Janeiro, intensificou-se a circulação pelo Vale do Paraíba.
“Os pousos se multiplicaram. Em torno dos pontos de parada obrigatórios das tropas que
demandavam o sertão, surgiram os primeiros núcleos de povoamento, e as lavouras avançaram
sobre a mata” (COSTA, 1989, p. 59).
O avanço se fez mais contundente a partir de 1830, período em que as matas começaram
a ser derrubadas e pequenos sitiantes são expulsos de suas terras para dar lugar a grande
propriedade. A partir daí cresce o número de escravos na região, trazidos de regiões decadentes
como Minas Gerais e Nordeste – embora o tráfico vindo da África ainda seja o principal
fornecedor. Como demonstra Sérgio Silva, na primeira metade do século XIX entraram no
Brasil entre 750 mil a 1 milhão de escravos, “isto é, entre 15 a 20.000 em média por ano.
O tráfico externo era muito importante porque a população escrava local, em razão de suas
condições de vida e de trabalho, decrescia” (SILVA, 1986, p. 34).

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Unidade: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo Reinado

No Vale do Paraíba (Rio de Janeiro e São Paulo), predominavam as plantações de


cana-de-açúcar, algodão, cereais, feijão e a criação de porcos, ou seja, a maior parte para
consumo interno.
A partir de 1830, já era observado por viajantes, como Saint-Hilaire, a substituição dos
gêneros alimentícios pelo café. Outro viajante “percorrendo caminho que em alguns aspectos
se assemelhava à rota feita por Saint-Hilaire, [...] observava o desaparecimento progressivo
das culturas alimentícias e da cana” (COSTA, 1989, p. 60).
É a partir daí que Minas Gerais começa a transformar-se em produtor de gêneros alimentícios,
substituindo regiões, como a província de São Paulo, onde predominava a produção desses
gêneros, mas que rapidamente se transformou na maior região produtora de café.
A partir da segunda metade do século XIX, o café avança para regiões interioranas da
província de São Paulo, o chamado Oeste-Paulista. A cidade de Campinas, que era importante
centro comercial, e que tinha como fundamento de sua economia a produção de cana e de
gêneros alimentícios, já em 1860 rivalizava com Bananal, cidade do Vale do Paraíba que era
o maior centro produtor de café.

Por toda parte, nas zonas cafeeiras os fazendeiros reduziram as


áreas dedicadas aos gêneros de primeira necessidade, preferindo
importá-los de outras regiões, para poderem dedicar-se mais às
plantações de café. No início da década dos cinquenta, tendo
este atingido alta cotação e estando ainda os víveres a preços
relativamente baixos, os lavradores tinham abandonado as lavouras
de milho, mandioca, feijão e arroz, dando preferência às culturas
de cana e de café, mais rendosas.
(COSTA, 1989, p. 60)

Não foi só nas províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo que o café viu crescer sua
produção. Em Minas Gerais, principalmente na Zona da Mata, dada sua proximidade com a
província do Rio de Janeiro, as plantações de café cresceram de forma exponencial.
As dificuldades de transporte acabaram se tornando fator primordial para a produção de
café em Minas Gerais, pois, como a região estava distante dos portos, era necessário um
produto que aguentasse longas jornadas de transporte para chegada aos pontos de exportação.
Os altos preços do café no mercado internacional garantiam lucro certo, mesmo o produto
estando sujeito às vicissitudes dos longos e péssimos caminhos nos quais era transportado –
milhares de sacas de café em lombo de mula.
A importância e os lucros do café cresceram a partir do surgimento das primeiras estradas
de ferro em Minas Gerais e São Paulo. A estrada de ferro União e Indústria, inaugurada em
1861, ligou Juiz de Fora ao Rio de Janeiro. A Pedro II, inaugurada em 1864, em poucos anos
atingiu as regiões de Barra do Piraí, Entre Rios e Mar de Espanha.

Graças a esta rede ferroviária, crescerá acentuadamente a


produção de café mineira que triplicará em um decênio passando
de 757.773 arrobas na safra 1857/58 para 2.149.354 em
1867/68. Na Província de São Paulo, observava-se o mesmo
fenômeno: a construção de ferrovias possibilitava a expansão
maior em direção ao interior.
(COSTA, 1989, p. 62)
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Esse crescimento da produção cafeeira possibilitou que a partir dos anos 1860 já se
configurasse “no Brasil uma classe de capitalistas comerciais bastante rica para aproveitar
as condições favoráveis do mercado internacional” (SILVA, 1986, p. 34). Essa burguesia
“brasileira”, por dominar o comércio de importação-exportação, acumulará capital
internamente, o que possibilitará, a partir da década de 1870, um desenvolvimento capitalista
mais acentuado, com a construção das ferrovias, o aparecimento das primeiras indústrias, o
crescimento do comércio interno, etc.
Como dito anteriormente, o trabalho escravo foi preponderante nas plantações de café.
Em São Paulo, o número de escravos era muito baixo se comparado com o nordeste ou Minas
Gerais. Como Demonstra Emília Viotti da Costa, havia em Minas Gerais 215 mil escravos e
no Rio de Janeiro 150 mil em 1823. Nas províncias da Bahia e de Pernambuco, existiam
“237.458 e 150.000 aproximadamente. São Paulo contava, apenas, 21.000” (COSTA,
1989, p. 63).
Com a chegada do café, a província de São Paulo, passados apenas 30 anos, já concentrava
55 mil escravos, num universo de 62 mil trabalhadores – conforme demonstrou relatório do
presidente da província à Assembleia Legislativa (SILVA, 1986).
Ao contrário do que ficou registrado na maior parte da historiografia brasileira, os
cafeicultores de São Paulo utilizaram em larga escala o trabalho escravo. Eles só buscaram a
substituição pelo trabalho livre quando perceberam que o término da escravidão era inevitável,
pois, com a proibição do tráfico de escravos da África para o Brasil, restou apenas o tráfico
interno; embora, como afirmado anteriormente, o número de escravos decrescia por conta
das condições de vida e de trabalho.
Essa situação é confirmada pelo esforço que os fazendeiros paulistas fizeram para importar
escravos das regiões decadentes, como Minas Gerais (mineração) e nordeste (cana-de-açúcar).
Como demonstra Emília Viotti da Costa:

Foi o café o grande responsável pelo aumento de escravos e


pela modificação das estatísticas. São Paulo passará com o Rio
e Minas a deter, em 1887, 50% da população escrava do país.
Os lavradores que avançavam pelo interior do vale fluminense e
se fixavam nas terras paulistas e mineiras, não encontravam outra
solução para o problema da mão-de-obra.
(COSTA, 198, p. 63)

Como já registrado, esses fazendeiros não tinham a menor intenção de acabar com a
escravidão. Eles estavam habituados a uma prática já centenária e não lhes ocorria “buscar
outras fórmulas numa época em que o abastecimento de escravos continuava sem obstáculos”
(COSTA, 1989, p. 63). Os vários séculos de escravidão forjaram uma mentalidade escravista,
em que o negro era visto como mais uma peça na engrenagem da produção agrícola ou de
qualquer outro trabalho manual. Mentalidade que produziu preconceitos contra os negros,
ainda existentes na sociedade brasileira contemporânea.

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Unidade: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo Reinado

O trabalho escravo ao longo de três séculos havia provado sua eficácia, portanto, não
era necessário pensar no trabalho livre, mesmo que a escravidão contrariasse, inclusive, a
Constituição de 1824, a qual declarou a igualde de todos perante a lei.

Essa contradição que a um espírito lúcido e não vinculado à visão


deformada do escravismo teria necessariamente que aparecer
como um paradoxo, uma contradição insustentável preocupava a
muito poucos nessa época. Em 1822, a sociedade não havia ainda
amadurecido para a compreensão desse contra-senso. Raros foram
aqueles que, como José Bonifácio, sentiram-se pouco à vontade
diante de uma Constituição que [...] revestia-se de fórmulas liberais
copiadas de constituições europeias, principalmente a francesa,
no que se refere às garantias dos direitos do homem e do cidadão,
ao mesmo tempo que permitia a persistência do regime servil.
(COSTA, 1989, p. 64)

A economia brasileira não mudou com a independência. A fazenda de café seguiu


o modelo típico implantado no período colonial: latifúndio monocultor com mão de obra
escrava produzindo para exportação. Por isso manteve o trabalho escravo, o que impedia a
mecanização da lavoura; ao menos enquanto os grandes proprietários puderam contar com a
abundância de escravos.
Foi só a partir de 1870, quando a escravidão dava sinais de esgotamento – pois o tráfico
havia sessado a, aproximadamente, 20 anos –, que os latifundiários buscaram definitivamente
a solução imigratória.
Nas décadas de 1870-80, o café se torna o motor do desenvolvimento capitalista brasileiro.
A produção anual ultrapassou 3 milhões de sacas. Foi nesse período que São Paulo se tornou
o centro econômico do país, ultrapassando Rio de Janeiro e Minas Gerais em conjunto.
Esse deslocamento geográfico é acompanhado de intensas mudanças. Como afirmado
anteriormente, a partir da década de 1870, o braço escravo começa a ser substituído pelo
trabalhador livre. A produção de café acentua-se, nesse período, na província de São Paulo, e dada
a falta de escravos, os fazendeiros paulistas se veem obrigados a implantar o trabalho assalariado.
A troca do escravo pelo trabalho livre acarreta a mecanização parcial das lavouras de café,
pois, além de liberar capitais, porque não era mais preciso comprar escravos, a quantidade de
trabalhadores livres e escravos não era suficiente para realizar todos os trabalhos da colheita
até o beneficiamento. A maquinaria substitui a falta de braços e ainda melhora a qualidade do
café, o que aumenta os lucros. Como demonstra Sérgio Silva:

Com o trabalho assalariado, a produção cafeeira conhece a


mecanização (pelo menos uma mecanização parcial, ao nível das
operações de beneficiamento do café). Além disso, a possibilidade
desse deslocamento é determinada pela construção de uma rede de
estradas de ferro bastante importante. Finalmente, o financiamento
e a comercialização de uma produção que atinge milhões de sacas
implica o desenvolvimento de um sistema comercial relativamente
avançado, formado por casas de exportação e uma rede bancária.
(SILVA, 1986, p. 44)

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A construção das estradas de ferro – que se multiplicaram a partir de 1860 nas províncias de São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, inclusive interligando essas províncias – foi de fundamental
importância para os cafeicultores, como demonstra Emília Viotti da Costa (1989, p. 199):

Em 1870, já podia Antônio Prado dizer na Assembleia Provincial


que enquanto, antes da construção da ferrovia, pagava-se dois mil-
réis de condução de Jundiaí a Santos, depois da inauguração da
estrada de ferro, passara o fazendeiro a pagar 460 réis por arroba.
Desta forma, em quatro milhões de arrobas que por ali passaram,
teria feito a Província uma economia de quatro mil e tantos contos.

É possível perceber, a partir da afirmação anterior, o quanto a implantação da maquinaria


e das estradas de ferro aumentaram os lucros dos fazendeiros.
A partir da década de 1880, o café se torna o motor da economia brasileira, inaugurando
uma nova fase no desenvolvimento do capitalismo nacional. O capital gerado na produção
cafeeira mudará a paisagem com a chegada de levas de imigrantes, o aparecimento das primeiras
indústrias, a dinamização do comércio, a urbanização, etc. Essas mudanças foram fundamentais
para dar fim à monarquia e inaugurar a República; porém, mais uma vez, sem grandes alterações
econômicas e sociais, pelo menos no que diz respeito à realidade da maioria trabalhadora.

Lutas pelo fim da escravidão (1850/1888)

Para iniciar a análise das lutas pelo fim da escravidão no Brasil, é necessário buscarmos
as origens dessa resistência. A maioria dos historiadores tem analisado essas lutas na
América, porém, como afirma José C. Curto (2005, p. 68): “o fenômeno da resistência à
escravidão não tem suas origens nas Américas, mas em terras africanas, dando assim início
a um processo histórico que transcendeu as partes constituintes do mundo atlântico”.
A historiografia tradicional criou visões distorcidas da escravidão e da resistência a ela. Os
novos estudos, como o citado anteriormente, demonstram que os africanos nunca aceitaram
o trabalho servil e que, desde sua terra natal, resistiram a tal processo.
Clovis Moura contribuiu para a superação da visão tradicional sobre a escravidão e o
escravo. Ele afirma que essa historiografia dá pouca ou nenhuma importância “ao papel do
escravo como participante do processo contraditório de lutas e reajustes que caracterizou o
sistema escravista”. O autor demonstra que, apesar de ser tratado como coisa (mercadoria
ou força produtiva), o escravo era também ser. “Por mais desumana que fosse a escravidão,
ele não perdia, pelo menos totalmente, a sua interioridade humana. E isto era suficiente para
que, ao querer negar-se como escravo, criasse movimentos e atitudes de negação ao sistema”
(MOURA, 1987, p. 7-8).
A historiografia tradicional tratou o escravo como um ser passivo e, por isso, definiu a passagem
do trabalho servil para o livre como parte do próprio sistema, ou seja, esses estudos negam a
participação do escravo na luta pelo fim da escravidão. “No entanto, bem outra foi a verdade,
O Escravo do Brasil nunca foi o elemento passivo como é apresentado” (MOURA, 1987, p. 9).
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Para melhor compreender a resistência negra à escravidão, precisamos voltar no tempo. Já


em 1740, o Rei de Portugal definia o quilombo como habitação de negro fugitivo. Segundo
Clóvis Moura, havia quilombos por todo o Brasil, o que demonstra, por si só, a resistência dos
negros à escravidão.
O autor ressalta, também, a importância de resgatarmos a consciência que os negros
tinham do processo escravista. Ele utiliza como exemplo a revolta na fazenda Santana,
Ilhéus/Bahia, em 1789. Os negros dominaram a fazenda, mataram o mestre de açúcar e
ficaram parados por dois anos. Reivindicavam, entre outras coisas, “redução da jornada e
melhores condições de trabalho, controle das ferramentas do engenho, terreno para suas
hortas, um barco para facilitar a venda em Salvador do excedente das suas plantações,
[...] que os nomes indicados para feitores teriam de ser aprovados por eles” (MOURA,
1987, p. 73).
As análises tradicionais não dão conta de explicar tais reivindicações, pois, em geral, partem
da concepção de que os negros não tinham consciência de sua situação. Segundo Clóvis
Moura (1987, p. 76):
[...] esses cativos estavam dando um salto qualitativo no processo
de conhecimento do seu nível de exploração, pois não mais se
colocavam como escravos, mas como cidadãos, reivindicando
direitos idênticos aos trabalhadores assalariados atuais. Era,
portanto, uma proposta de transformação do próprio conteúdo
das relações de classe e da forma de apropriação da produção
no processo de trabalho. Esta ponte estabelecida na consciência
desses escravos com sua situação estrutural é uma demonstração de
que, em circunstâncias especiais, os velhos conceitos consagrados
sobre as limitações do escravo no processo de conhecimento,
muitos deles repetidos por simples mimetismo científico, não são
suficientes para interpretarem a realidade emergente.

Essa revolta foi derrotada, mas o que importa para nossa análise é perceber a consciência
que os escravos tinham da sua condição e como lutavam para superá-la.
Nesse caso particular, os escravos comportaram-se não como
elementos alienados, mas como seres que não apenas adquiriram
um certo grau de consciência social que negava o estatuto
escravocrata, como também transmitiam de geração a geração
esse grau de consciência crítica.
(MOURA, 1987, p. 77)

Essa interpretação é fundamental para o estudo da abolição da escravidão no Brasil, pois


demonstra a participação dos negros nesse processo.
O abolicionismo é fruto das mudanças sociais e econômicas que aconteceram no império
brasileiro a partir da independência, que se aprofundaram com a expansão cafeeira. A partir
dos anos 1850, com o fim do tráfico, começam a chegar os primeiros imigrantes, processo
que se intensifica na década de 1870, criando um mercado de trabalhadores livres.
O país passa por uma certa modernização: vias férreas são construídas; a urbanização cresce;
aparecem as primeiras indústrias; desenvolve-se o comércio, etc. “Ao lado dos representantes
desses vários níveis da produção colocavam-se os professores, advogados, médicos, engenheiros
e funcionários que apareciam em número crescente” (COSTA, 1989, p. 440).
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O fim do tráfico e a imigração apontavam para a superação do trabalho servil e a adoção do
serviço assalariado. Os fazendeiros foram percebendo que o trabalho livre lhes permitia aplicar
capital em outros setores: “Não mais convinha mantê-lo imobilizado em escravos, mercadoria
que se depreciava a olhos vistos e estava fadada a desaparecer” (COSTA, 1989, p. 441).
As novas categorias profissionais formaram uma camada intermediária, que se colocava
entre fazendeiros e escravos e que impulsionou o abolicionismo, pois não tinha ligações diretas
com a escravidão. Os caifases eram em sua maioria oriundos dessa camada intermediária:
jornalistas, tipógrafos, cocheiros, estudantes de direito, etc.
Os caifases, liderados por Antônio Bento, a partir da década de 1880, impacientes com o
andamento do processo abolicionista, radicalizaram as atividades. Segundo Emília Viotti da
Costa (1989, p. 442), nesse período: “A campanha passava do campo teórico doutrinário,
jornalístico e jurídico, característico da primeira fase do abolicionismo paulista, para o campo
da luta direta. Promoviam-se fugas de escravos das fazendas, agitações e desordens”.
A influência dos operários foi fundamental para a radicalização do setor dos abolicionistas,
que passa a defender a participação do negro no processo. “A tipografia do Redenção, jornal
mantido” pelos caifases, constituíra-se num verdadeiro núcleo revolucionário, onde se reuniam
os membros da Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios, na maioria ‘operários pretos’”
(COSTA, 1989, p. 442).
Entretanto, é preciso lembrar que a ala radical dos abolicionistas não era maioria no
movimento, nem muito menos a mais influente. Eles “não tinham força deliberante, ou mesmo
significativa, no parlamento. A grande força política do abolicionismo era moderada e muitas
vezes conservadora” (MOURA, 1987, p. 83).
O abolicionismo tão cultuado pela historiografia tradicional não era unânime. Havia
divisões: de um lado, moderados e conservadores, que de tudo fizeram para que os negros
não participassem do processo; e de outro, os radicais, que defendiam e incentivavam a
participação dos negros na sua emancipação.
Joaquim Nabuco, considerado pela historiografia tradicional o maior expoente do abolicionismo,
era um moderado. Ele afirmou que: “A propaganda abolicionista, com efeito, não se dirige aos
escravos. Seria uma covardia, inepta e criminosa, e, além disso um suicídio político para o partido
abolicionista, incitar à insurreição, ou ao crime, homens sem defesa” (NABUCO, 2000, p. 12).
Segundo Clóvis Moura (1987, p. 80), entre os moderados e conservadores predominou a
visão do negro “como ‘bárbaro e selvagem’ e, por isto mesmo, sem capacidade de executar
ações políticas contra o estatuto que o oprimia”. As lideranças abolicionistas viam a questão
do fim da escravidão como simples substituição da mão-de-obra.
E esta mão-de-obra que devia ser substituída não podia, por isto
mesmo, ter papel decisório nesse processo. Se isto tivesse acontecido,
o programa abolicionista seria bem outro, a solução diferente e
a situação do ex-escravos também. O negro devia ser excluído,
como agente histórico, pelos próprios abolicionistas. Esta atitude
tem continuidade nos nossos dias, com o discurso liberal, que não
aceita as lutas dos escravos como um fato político, mas como
simples manifestação de homens que, “mantidos até hoje ao nível
de animais”, jamais poderiam participar do processo de mudança
no qual eram os principais interessados.
(MOURA, 1987, p. 81)

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Unidade: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo Reinado

O pensamento e as ações dos abolicionistas moderados e conservadores em relação a


sociedade brasileira e ao negro ficam mais evidentes na passagem que segue da obra de
Joaquim Nabuco, O ideal abolicionista:

Compare-se com o Brasil atual da escravidão o ideal de Pátria que nós,


Abolicionistas, sustentamos: um país onde todos sejam livres; onde,
atraída pela franqueza das nossas instituições e pela liberdade do nosso
regímen, a imigração europeia traga, sem cessar, para os trópicos uma
corrente de sangue caucásico vivaz, enérgico e sadio, que possamos
absorver sem perigo, em vez dessa onda chinesa, com que a grande
propriedade aspira a viciar e corromper ainda mais a nossa raça; um país
que de alguma forma trabalhe originalmente para a obra da humanidade
e para o adiantamento da América do Sul.

O pensamento das lideranças abolicionistas era fortemente marcado pelo racismo, era
preciso trazer o “sangue caucásico vivaz” para melhorar a raça brasileira, já que, segundo
Nabuco (2000, p. 59), “Cada ventre escravo dava ao senhor três ou quatro crias que ele
reduzia dinheiro; essas por sua vez multiplicavam-se, e assim os vícios do sangue africano
acabavam por entrar na circulação geral do país”.
Agora é preciso resgatar o que foi dito anteriormente. A abolição da escravidão foi fruto
da rebeldia negra, que desde a África resistiu a esse processo. O negro foi agente histórico da
abolição, mas o processo foi distorcido pelo movimento abolicionista do final do século XIX,
que “somente se manifestará organizada e politicamente, quando o sistema escravista entre
em sua crise irrecuperável do final do século XIX. É exatamente a este movimento tardio que
se deseja dar o mérito pela Abolição” (MOURA, 1987, p. 81).
O mérito creditado às lideranças abolicionistas moderadas e conservadoras esconde a
real participação dos negros na luta pela sua emancipação e os coloca em segundo plano,
legitimando as teses que afirmam a passividade dos negros – teses essas que criam toda uma
gama de preconceitos em relação aos escravos negros e seus descendentes.
O resultado da abolição, com a promulgação da lei Áurea em 1888, acabou confirmando
essa visão distorcida das lutas contra a escravidão. Passou-se a imagem de que a libertação dos
escravos foi obra de homens brancos benevolentes, que se comoveram com a condição do
negro escravizado. Na verdade, como afirma Emília Viotti da Costa (1989, p. 475):

Realizada no plano político parlamentar pelas categorias


dominantes, mais interessadas em libertar a sociedade do ônus da
escravidão, do que em resolver o problema do negro, a Abolição
significou apenas uma etapa jurídica na emancipação do escravo
que a partir de então foi abandonado à sua própria sorte e se viu
obrigado a conquistar por si sua emancipação real.

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Os imigrantes no Brasil

Numa sociedade como a brasileira, que teve em sua formação o trabalho escravo como
base da produção, era muito difícil pensar em trabalho livre e, muito mais complicado ainda,
pensar na emancipação do negro escravizado, dando-lhe a oportunidade de exercer o trabalho
livre e assalariado. Para as classes dominantes brasileiras, acostumadas ao trabalho escravo, a
única forma de fomentar a adoção do trabalho livre era trazendo imigrantes europeus.
Havia um preconceito latente em relação aos negros, estes eram vistos como mera força
de trabalho. Para os dominantes, os negros eram preguiçosos e só trabalhavam sob vigilância,
ameaçados pelo uso da violência. Como afirma Emílio Viotti da Costa (1989, p. 99):

Desde a época da Independência, todas as vezes em que se agitou


a questão da emancipação dos escravos, veio à baila o problema
da necessidade de braços para a lavoura. Tradicionalmente
dependentes do trabalho escravo, as classes senhoriais não
encontravam alternativa, a não ser o recurso à mão-de-obra
estrangeira: à imigração. Emancipação e imigração ficavam, dessa
forma, intimamente relacionadas.

A fixação de colonos europeus no Brasil começou a ser tentada por D. João VI no período
em que a corte portuguesa esteve por aqui. Essa experiência passou por algumas fases:
tentativas de formação de colônias de pequenos proprietários; colônias de parcerias; e, por
fim, a imigração subvencionada.
As tentativas de formação de colônias de pequenos proprietários não evoluíram, pois deviam
produzir gêneros de primeira necessidade, mas, geralmente, foram colocadas em terras de
péssima qualidade – as melhores eram destinadas à produção para exportação – e, também,
estavam em regiões distantes dos centros consumidores, o que dificultava o escoamento da
produção. Foram realizadas tentativas desse tipo no primeiro reinado e no início do segundo,
mas, na maioria dos casos, passaram a produzir apenas para subsistência.

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Unidade: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo Reinado

As colônias de parceria

Com as investidas da Inglaterra contra o tráfico de escravos a partir de 1831, com o acordo
firmado com o Brasil – mas que não vingou – e, principalmente, em 1845, com a aprovação
da lei Abeerden pelo Parlamento britânico, as classes dominantes brasileiras, ou parte delas,
começaram a perceber a necessidade de promover alguma forma de substituir o trabalho escravo.
As principais discussões giraram em torno da responsabilidade pela imigração: ela deveria
ser promovida e patrocinada pelo Estado ou por particulares? Num primeiro momento, vingou
a segunda alternativa. Foi o fazendeiro e muitas vezes ministro e senador, Nicolau de Campos
Vergueiro, quem promoveu a primeira experiência de fixação de colonos para substituição do
escravo – começava a se formar as colônias de parceria.
Já em 1840, mesmo antes de cessar definitivamente o tráfico, Vergueiro introduziu os
primeiros portugueses como colonos. “Em dezembro daquele ano, estava reunido o primeiro
grupo mandado a vir a sua custa. Meses após, entretanto, se havia dispersado” (COSTA,
1989, p. 112).
Vergueiro continuou tentando, constituiu uma sociedade, a Vergueiro e Cia, e, em 1847,
conseguiu subvenção do governo imperial, levando para sua fazenda em Ibicaba colonos suíços
e alemães. Porém, nos anos seguintes, não conseguiu novas subvenções do governo imperial
e passou a recorrer ao governo da província de São Paulo, conseguindo “ajuda de vinte e
cinco contos, obrigando-se, por sua vez, a importar quinhentos colonos por ano” (COSTA,
1989, p. 112).
O sistema Vergueiro empolgou outros fazendeiros que, com o crescimento da lavoura e a
finalização do tráfico de escravos, viam na imigração a solução para produção cafeeira. Eles
pressionavam o presidente da província para a concessão de empréstimos que financiassem a
imigração. Durante a década de 1850, esse processo ganhou força, incentivando a chegada
de milhares de imigrantes europeus para trabalhar nas fazendas paulistas. Porém, como
demonstra Emília Viotti da Costa (1989, p. 114), “O sistema de parceria, entretanto, iria
dentro em breve revelar suas fraquezas”.
O sistema funcionava da seguinte forma: os colonos eram recrutados em países europeus;
tinham suas despesas de viagens pagas pelos importadores, que obtinham financiamento do
governo provincial; em geral, compravam as ferramentas e os gêneros de primeira necessidade
nas próprias fazendas; e tinham que pagar juros de 6% sobre esses adiantamentos.
Quanto ao trabalho, cada família de colono recebia determinada quantidade de pés de café
que deveriam cuidar, sendo facultado a eles a produção de gêneros alimentícios para sustento
próprio. Em caso de sobra, caberia ao fazendeiro a metade. “Vendido o café, obrigava-se” o
fazendeiro “a entregar ao colono metade do lucro líquido, deduzidas todas as despesas com o
beneficiamento, transporte, comissão de venda, impostos etc.” (COSTA, 1989, p. 114).
Esse sistema, que podia parecer bom para os dois lados, logo mostrou suas Fragilidades.
“Nessa época [década de 1950], entretanto, as condições de parceria vieram à tona em uma
revolta de colonos em Ibicaba. Fazendeiros e parceiros já agora manifestavam por toda a parte
seu descontentamento e decepção” (COSTA, 1989, p. 116).

16
Por que o descontentamento dos fazendeiros? Eles estavam acostumados com o trabalhador
escravo e não mudaram essa visão de uma hora para outra. Como os contratos não estabeleciam
quais trabalhos deveriam ser realizados pelos colonos, os proprietários de terra tinham para si
que os trabalhadores deveriam obediência cega a eles e, portanto, estavam obrigados a fazer
o que fosse mandado.
Acontece que a maioria dos colonos entendia que seu trabalho se resumia a plantação e a
colheita do café, embora os fazendeiros ordenassem realizar muitos outros trabalhos, como:
cercamentos, carpina, beneficiamento do café, ensacamento, etc.
Além disso, os fazendeiros reclamavam que as famílias cuidavam de poucos pés de café,
quando muito, davam conta de 1.500 e, em alguns casos, não chegavam a 500. Como dito
anteriormente, acostumados a mentalidade escravistas, os fazendeiros comparavam o trabalho
dos colonos com o dos escravos – estes chegavam a cuidar de 3.500 pés de café, além de
realizarem os demais trabalhos demandados na fazenda. Para os fazendeiros, “os colonos eram
indisciplinados, desordeiros, preguiçosos, dados ao vício da bebida, violentos e avessos a cumprir
certas tarefas quando não se achassem especificadas em contrato” (COSTA, 1989, p. 117).
O processo de resistência dos colonos europeus aprofundou a mentalidade escravista,
levando os fazendeiros a afirmarem que eles “não se adaptavam aos trabalhos árduos que
exigia a cultura do café” (COSTA, 1989, p. 117-118).
O descontentamento dos colonos também era grande. Eles se queixavam de que os
proprietários entregavam-lhes os pés de café mais novos, que ainda não estavam produzindo,
ou então os mais velhos de produção menor. Os mais produtivos eram deixados aos cuidados
dos escravos, pois assim os fazendeiros lucravam mais.

Outro motivo de descontentamento era o sistema de contas


feitos para deduzir sua parcela de lucro sobre a produção obtida.
Consideravam desonestos os cálculos de conversão de moeda
e da contagem dos juros que corriam sobre os adiantamentos.
Reclamavam contra o peso das dívidas que os sobrecarregava já
ao chegar à fazenda, em virtude dos preços da viagem e transporte
até à sede, agravadas com o correr do tempo.
(COSTA, 1989, p. 118)

O problema das dívidas era um dos mais sérios, pois, além de chegar endividado, o colono
recebia baixos adiantamentos, o que o obrigava a fazer suas compras no armazém da fazenda,
aumentando suas dívidas. Esse sistema foi considerado uma forma de escravidão, afinal,
enquanto não pagasse suas dívidas o colono não podia deixar a fazenda. Associado aos maus
tratos, esse cenário era tão grave que foi denunciado por autoridades alemãs e suíças, que
vistoriaram as condições de vida dos colonos, chegando ao ponto desses países proibirem a
imigração para o Brasil.
As várias revoltas ocorridas entre os anos de 1853-1857 levaram ao descontentamento
geral e ao fim do sistema de parceria, mas o problema do abastecimento de mão de obra
continuava. Até 1870 os fazendeiros de café, principalmente os de São Paulo, conseguiram
abastecer-se de escravos importados do nordeste de Minas Gerais, mas todos sabiam que esse
sistema não duraria muito tempo e era necessário encontrar uma solução definitiva, e ela veio
com a adoção do sistema de imigração subvencionada pelo Estado.

17
Unidade: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo Reinado

A imigração subvencionada

Aos poucos, o sistema de parceria foi abandonado, os imigrantes que continuaram nas
fazendas foram sendo pagos pelo sistema de locação de serviços. Esse sistema consistia em
pagamento de “um preço fixo por alqueire de café colhido ou estabelecia-se uma remuneração
mensal ao colono: um salário fixado previamente” (COSTA, 1989, p. 138); entretanto, era
um sistema ainda precário e “desacreditaram, momentaneamente, as tentativas de substituir o
trabalho escravo pelo livre nas fazendas de café” (COSTA, 1989, 153).
O fracasso do sistema de parceria e de locação levou a revalorização do escravo.
Os  cafeicultores paulistas, até a década de 1870, recorreram, principalmente, ao nordeste
para importar escravos:

Dez anos depois de cessado o tráfico, a lavoura cafeeira ainda se


apoiava, na sua quase totalidade, no braço escravo. Estes foram
deslocados de outras atividades para a lavoura de café. Reduziu-
se o plantio de gêneros de primeira necessidade. Buscou-se em
outras províncias a mão-de-obra necessária. Os escravos vindos
de outras áreas: das províncias do Norte ou do Sul, entravam em
massa nas zonas cafeeiras.
(COSTA, 1989, p. 159)

Como dito anteriormente, só quando não foi mais possível abastecer as fazendas de
escravos, os cafeicultores paulistas recorreram definitivamente ao trabalho livre.
A partir daí, implantaram o sistema assalariado. Os trabalhadores recrutados na Europa já
não chegavam endividados no Brasil, pois o Estado brasileiro ou provincial pagava as despesas
de viagem. Um contrato de trabalho era elaborado previamente, no qual era estabelecido
“o pagamento de um salário base proporcional ao número de pés de café atribuídos ao
trabalhador” e sua família. “A esse salário base juntava-se uma soma variável [...] em função
da colheita” (SILVA, 1986, p. 45).
Esse contrato previa ainda que as famílias de trabalhadores deveriam executar “trabalhos
exteriores à plantação (por exemplo: participar nos trabalhos de beneficiamento, ensacamento
e carregamento da produção). O preço da jornada de trabalho fora da plantação era fixado no
contrato” (SILVA, 1986, p. 45).
Outra questão importante para a renovação do trabalho do imigrante era a concessão
de um pedaço de terra para que as famílias de trabalhadores pudessem produzir
gêneros  de subsistência – que podiam ser produzidos, também, de forma intercalada,
ou seja, entre os pés de café –; os principais alimentos produzidos eram a mandioca, o
milho e o feijão preto.
De fato o sistema assalariado contribuiu para a efetivação do trabalhador livre nas plantações
de café; porém, não se deve sobrestimar o processo: os imigrantes recebiam salários baixíssimos,
afinal os fazendeiros buscavam a maior lucratividade possível, mas também porque durante
muitos anos o trabalho livre conviveu lado a lado com o trabalho escravo. “A permanência do
sistema escravista contribuía por si só para o aviltamento dos salários” (COSTA, 1989, p. 139).

18
A imigração para o Brasil só se intensificou a partir da década de 1870, pois a Europa
atravessou uma grave crise econômica e, também, por conta da unificação italiana. Esta se
deu em 1870 sob a liderança do norte da Itália, mais industrializado do que o sul. Foi do sul,
região mais atrasada do ponto de vista do desenvolvimento capitalista, que veio a maior parte
dos imigrantes para o Brasil.

Os trabalhadores italianos, sobretudo os do Mezzogiorno, vieram,


então, por dezenas de milhares em cada ano, povoar as terras de
São Paulo. Eles constituíram a grande maioria (cerca de 65%) dos
imigrantes que chegaram ao Brasil nos dois últimos decênios do
século XIX.
(SILVA, 1986, p. 38)

A Guerra do Paraguai (1864-1870)

A Guerra do Paraguai, ou da Tríplice Aliança, foi um conflito que tinha de um lado Brasil,
Argentina e Uruguai e do outro o Paraguai. Começou em dezembro de 1864 e terminou em
1870. Segundo Francisco Doratioto (2002, p. 23), “A Guerra do Paraguai foi, na verdade,
resultado do processo de construção dos estados nacionais no Rio da Prata e, ao mesmo
tempo, marco nas suas consolidações”.
A Espanha criou em 1776 o vice-reino do Rio da Prata, que aglutinava a maior parte do
território da américa do sul dominada por essa nação. A independência dessa região se deu
sob a liderança de Buenos Aires, que possuía uma forte burguesia mercantil, que intencionava
criar uma grande nação aglutinando toda a região sob sua hegemonia.
Entretanto, as classes dominantes do interior não aceitaram passivamente a liderança da
burguesia mercantil de Buenos Aires: “Estas reagiram e, no Paraguai em 1811, foi derrotada
a coluna militar comandada por Manuel Belgramo, enviada por Buenos Aires para submetê-
lo” (DORATIOTO, 2002, p. 24). Apesar da declaração formal de independência do Paraguai
datar de 1842, pode se considerar que esse país já era independente desde 1811.
Após a independência, o Paraguai foi governado, até 1840, por José Gaspar Rodriguez
de Francia. Ele conseguiu que o Congresso Geral Paraguaio reunido em 1813 lhe outorgasse
o título de Ditador Perpétuo. O país guarani mantinha boas relações com o Brasil, sendo
este o primeiro a reconhecer sua independência em 1844. Francia buscou entendimentos
com o Brasil através do cônsul Manuel Correa da Câmara, que ficou em Assunção, capital
do Paraguai, entre 1824-1829, para definição da fronteira entre os dois países. O presidente
paraguaio pleiteava a delimitação com base no

19
Unidade: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo Reinado

[...] Tratado de Santo Idelfonso, de 1777, e recusou o critério,


desejado pelo Rio de Janeiro, do uti possidetis. Por este, caberia
a cada país o território que efetivamente estivesse ocupado por
ocasião da independência, e assim seriam brasileiras as terras
decorrentes do expansionismo colonial português. As relações
brasileiro-paraguaias deterioraram-se rapidamente, a ponto de
Francia expulsar o cônsul em 1829.
(DORATIOTO, 2002, p. 24)

Até 1840, o presidente paraguaio manteve o país isolado dos demais países da América do
Sul, principalmente de Buenos Aires, como forma de manter a independência. A economia
paraguaia tinha como principais produtos de exportação o tabaco, a erva mate e a madeira.
A nação guarani vivia um drama, pois, pela falta de saída para o mar, para exportar, precisava
ter livre navegação nos rios do Prata, que passam por Buenos Aires.
A burguesia mercantil de Buenos Aires não aceitou fazer acordo com Francia para que ele
exportasse o tabaco via a cidade portenha, pois desejavam dominar o comércio de exportação
e importação da região. Como a Argentina ainda não era um país unificado, as exportações
paraguaias se davam a partir da “província argentina de Corrientes, por meio do porto da Villa
del Pilar, e com o Brasil, pela Villa de Itapúa” (DORATIOTO, 2002, p. 25).
O Paraguai era um país pobre, onde encontrar recursos para o desenvolvimento da nação?
Francia, no período em que governou, confiscou os bens das classes dominantes espanholas
e crioulas e da Igreja Católica. Segundo Doratioto (2002, p. 25):

A Igreja, por sua vez, teve as ordens religiosas expulsas do país


e houve a secularização de seus bens, com terras e escravos que
lhe pertenciam, sendo transferidos para o Estado. Essa medida
foi uma reação do Ditador Perpétuo à ordem do papa Leão XII,
em 1824, de que arcebispos e bispos da América apoiassem os
esforços de Fernando VII, rei da Espanha, para restabelecer sua
autoridade sobre as antigas colônias.

O Estado passou a controlar toda a economia, monopolizando o comércio da erva mate, do


tabaco e da madeira. Com isso, Francia fortaleceu o poder econômico do Estado paraguaio.
Poder este aumentado com o controle do comércio exterior. “Francia descartou a burguesia
mercantilista dos lucros que a exportação podia dar e foi o Estado que passou a lucrar”
(CHIAVENATO, 1998, p. 15).
Francia morreu em 20 de setembro de 1840 e foi substituído pelo advogado Carlos Antônio
Lopez, primeiro presidente constitucional do Paraguai. Ele promoveu uma certa modernização
no país, sem utilizar financiamento Inglês: utilizou os capitais gerados pelos confiscos realizados
por Francia, assim como aqueles gerados pelo monopólio do comércio exterior pelo Estado.
Para realizar essa modernização, “ele trouxe do exterior os técnicos que o país precisava para
implantar as bases do desenvolvimento industrial” (CHIAVENATO, 1998, p. 23). Anos mais
tarde, em 1862, ao assumir a presidência do Paraguai, seu filho, Francisco Solano Lopez,
utilizou os mesmos métodos, como demonstra Doratioto (2002, p. 29-30):

20
Na Inglaterra, Solano López entrou em contato com a Blyth &
Co, à época uma das companhias mais avançadas do mundo
em tecnologia. Por intermédio dessa companhia, o Paraguai
passou a comprar armamento, a enviar jovens paraguaios para
nela receberem treinamento, e ainda recrutou, entre 1850 e
1870, uns 250 técnicos europeus, dos quais duzentos ingleses,
para modernizar o país. Destes, William K. Whytehead tornou-
se engenheiro-chefe do Estado paraguaio e, no Exército
guarani, William Stewart tornou-se cirurgião chefe e, George
Thompson, engenheiro-chefe.

Para Chiavenato, a Guerra do Paraguai foi fomentada pela Inglaterra para impedir que a
nação guarani se tornasse um potencial concorrente e, também, para que o mercado paraguaio
se abrisse para os britânicos. Já Doratioto, afirma que essa guerra se deu por desconhecimento
dos governantes paraguaios que, fechados ao exterior, não tinham informações diplomáticas
suficientes para entender as relações com seus vizinhos e com a Inglaterra. Além disso, para o
autor, Francisco Solano López era um ditador ambicioso e sem visão da política internacional.
É preciso fazer uma ponderação em relação às posições desses dois autores. Sem dúvida a
política desenvolvida por Francia e Carlos Antônio López colocou o Paraguai numa situação
econômica de desenvolvimento capitalista diferente dos demais países da América do Sul –
enquanto estes estavam totalmente subordinados aos interesses britânicos, o Paraguai buscava
um desenvolvimento autônomo –; porém, é difícil aceitar a posição de Chiavenato, de que o
país guarani havia alcançado um alto desenvolvimento tecnológico a ponto de competir com
a Inglaterra. Por outro lado, a posição de Doratioto também não se sustenta por inteira, pois
o próprio autor demonstra, como na citação anterior, que de fato o Paraguai buscou técnicos
ingleses de outras nacionalidades para desenvolver tecnologicamente o país.
Relacionando as duas posições, podemos tirar melhores conclusões. De fato, como
veremos mais a frente, a Inglaterra exerceu influência sobre os países que compuseram a
Tríplice Aliança, o que nos leva a afirmar que o país britânico tinha interesses na guerra, o
que confirma em parte a tese de Chiavenato e contraria a tese de Doratioto. Porém, a guerra
não aconteceu por ordem da Inglaterra, como afirma Chiavenato, Brasil e Argentina tinham
interesses conflitantes com o Paraguai, principalmente em relação à questão das fronteiras e
da navegação nos rios do Prata – o que confirma, em parte, a tese de Doratioto.
A partir dos anos 1840, o Paraguai, por necessidade, passou a participar dos assuntos
platinos, intensificando essa participação a partir dos anos 1860. Na Argentina, Buenos Aires
conseguiu submeter as demais regiões, centralizando o governo; porém, as províncias de
Entre Rios e Corrientes ainda resistiam ao domínio de Buenos Aires:

Para combater o recém-nascido governo central, a oposição


argentina procurou articular-se com as forças platinas contrárias a
Buenos Aires. Uma dessas forças eram os blancos, que estavam no
poder no Uruguai, onde os opositores à ditadura de Rosas, como
o próprio Mitre, estiveram exilados sob a proteção dos colorados.
(CORATIOTO, 2002, p. 45-46)

21
Unidade: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo Reinado

Bartolomé Mitre foi o líder que comandou a centralização política na Argentina, tornando-
se presidente do país.
O Uruguai era presidido por Bernardo Berro do partido Blanco. Este se opôs a centralização
liderada por Buenos Aires e aliou-se às províncias de Corrientes e Entre Rios e ao Paraguai.
Tanto as províncias argentinas como o país guarani utilizavam o porto de Montevidéu para
escoamento de sua produção.
O presidente uruguaio ainda buscou enfraquecer a hegemonia brasileira sobre seu país.
Em 1861, não renovou o Tratado de Comércio e Navegação de outubro de 1851, com isso,
eliminou “os privilégios comerciais do Império, e fechou à livre navegação os rios Cebollate,
Tacuru e Olimar”. Ele ainda empenhou as rendas alfandegárias, que haviam sido hipotecadas
ao Brasil com o tratado de 1851, para a Inglaterra e a França, “como garantia de pagamento
dos prejuízos causados aos cidadãos daqueles países europeus nas guerras civis uruguaias”
(DORATIOTO, 2002, p. 45).
O presidente Berro tomou medidas que afetaram as relações com os estancieiros gaúchos
que tinham negócios no Uruguai. Ele “instituiu o imposto sobre as exportações de gado em
pé para o Rio Grande”, pois entendia que, mesmo os produtores sendo brasileiros, como
o gado era produzido em seu país, ao ser exportado deveria pagar imposto de exportação.
Bernardo Berro “tomou, ainda, medidas no sentido de evitar em seu país o uso de mão-
de-obra escrava por fazendeiros brasileiros”, pois esse trabalho barateava a “produção de
charque em prejuízo dos produtores orientais desse tipo de carne, que tinham custos maiores
decorrentes da utilização do trabalho livre” (DORATIOTO, 2002, p. 45).
Brasil e Argentina passaram a desejar a queda de Bernardo Berro. O primeiro porque, depondo
esse governo, atenderia aos reclamos dos estancieiros gaúchos e poderia negociar a definição
da fronteira entre os dois países. Já para o segundo, a derrota de Bernardo Berro significaria a
consolidação do Estado argentino unitário, o que permitiria “enfrentar o Paraguai e os federalistas
de Corrientes e Entre Rios, caso se aliassem a Solano López” (DORATIOTO, 2002, p. 46).
A invasão colorada, liderada por Venâncio Flores, no Uruguai, em abril de 1864, acelerou
a aproximação desse país com o Paraguai. Sentindo-se ameaçado tanto pela Argentina como
pelo Brasil, Bernardo Berro buscou auxilio no país Guarani, que não aceitou uma aliança
contra os dois maiores países da América do Sul, mas comprometeu-se a auxiliar o Uruguai
caso ele fosse atacado.
A guerra civil uruguaia precipitou o desentendimento final entre Brasil e Argentina contra
o Uruguai. Os primeiros, associados à Inglaterra, tentaram formalizar um acordo entre os
blancos e os colorados, para colocar fim à guerra civil. Chegaram a definir o acordo entre
o novo presidente uruguaio, Aguirre, e Venâncio Flores. As negociações foram conduzidas
por três negociadores: o conselheiro José Antônio Saraivo, brasileiro; o chanceler argentino,
Rufino de Elizalde; e o representante britânico em Buenos Aires, Edward Thorton.

22
Os três negociadores chegaram ao acampamento de Flores em 16 de junho de 1864 e
conseguiram estabelecer um armistício, o presidente Aguirre

[...] aceitou as exigências formais de Flores – basicamente a de que


seus atos (nomeações de patentes militares, gastos, etc.) fossem
ratificados pelo governo – e aquela contida em carta reservada,
pela qual esse caudilho exigia a mudança do ministério, afastando
titulares blancos radicais e incorporando políticos colorados.
Quando todos consideravam a paz um fato consumado, Aguirre
recuou e afirmou que somente consideraria a possibilidade de
alterar o ministério após a desmobilização das forças coloradas.
(DORATIOTO, 2002, p. 55)

As negociações serviram para aproximar Brasil e Argentina, que perceberam que nenhum
dos dois países tinha intenção de anexar o Uruguai.
Com o recuo, Aguirre perdeu a confiança de brasileiros, argentinos e ingleses, que
passaram a confiar em Flores. O Brasil tentou comprometer a Argentina para que os dois
países invadissem o Uruguai para botar fim à guerra civil. O governo portenho não aceitou,
mas deixou o Brasil livre para realizar a operação de guerra.
O governo brasileiro, através de Saraiva, apresentou em 4 de agosto de 1864 um ultimato
à Aguirre, “dando-se prazo de seis dias para o atendimento das exigências, do contrário
tropas brasileiras entrariam no Uruguai para garantir os direitos dos súditos do Império ali
residentes”. Aguirre não aceitou o ultimato, “pois estava seguro de contar com a mediação e,
mesmo, apoio militar do Paraguai” (DORATIOTO, 2002, p. 58).
O governo uruguaio, na tentativa de convencer Solano López das intenções de anexação
do Uruguai pelo Brasil, enviou cópia do ultimato para o presidente paraguaio:

No dia 30 de agosto, Assunção protestou contra qualquer ocupação


do território uruguaio por forças de mar e terra do Império, a
qual seria “atentatória do equilíbrio dos Estados do Prata”, de
interesse paraguaio, e afirmou não assumir a responsabilidade
pelas consequências de qualquer ato brasileiro).
(DORATIOTO, 2002, p. 59

A essa altura dos acontecimentos, Solano López estava convencido de que Brasil e Argentina
desejavam a anexação do Uruguai e de que o próximo seria seu país.
Tropas brasileiras invadiram o Uruguai em 12 de outubro de 1864, ocupando a vila de Melo
e a vila de Salto. Em 1º de dezembro, cercaram a cidade de Paissandu. “As tropas brasileiras
seguiram para Montevidéu em meados de janeiro de 1865” (DORATIOTO, 2002, p. 65). Não
foi preciso lutar, Aguirre foi deposto e o governo entregue a Venâncio Flores.
Antes da deposição de Aguirre, o representante uruguaio em Assunção solicitou auxílio do
Paraguai. Solano Lopez argumentou que não tinha um comunicado oficial e que, por isso, não
se comprometia a ajudar o governo uruguaio. O representante brasileiro no Paraguai, Viana
de Lima, entendeu que a recusa de Solano López em ajudar Aguirre era uma demonstração de
que o presidente do país guarani não desejava a guerra.

23
Unidade: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo Reinado

Porém, Solano López estava convencido de que o Brasil pretendia anexar o Uruguai, o que
prejudicaria seus interesses no Prata. Em 11 de novembro, o presidente paraguaio ordenou o
aprisionamento do navio Marquês de Olinda, que se dirigia ao Mato Grosso. O navio pertencia
“à Companhia de Navegação por Vapor do Alto Paraguai. A companhia era subsidiada pelo
governo imperial para manter uma linha regular ligando Montevidéu a Cuiabá” (DORATIOTO,
2002, p. 66).
É importante lembrar que a única forma de comunicação entre o Rio de Janeiro e o Mato
Grosso era o rio Paraguai, que passava por Assunção e era controlado pelo país guarani.
O navio Marquês de Olinda levava para o Mato Grosso o novo presidente daquela província.
Entretanto, Solano López entendia que esse navio não poderia passar por Assunção, já que o
Brasil havia declarado guerra ao Uruguai, mesmo com os protestos paraguaios.
Solano López achava que o Marquês de Olinda levava armas para o Mato Grosso,
porém, ao vistoriar o navio, as autoridades paraguaias perceberam que ele levava apenas
correspondências e dinheiro. A tripulação do barco brasileiro foi liberada e chegou em meados
de janeiro à Buenos Aires, permanecendo como prisioneiro o coronel Carneiro de Campos e
oficiais que o acompanhavam (DORATIOTO, 2002, p. 67).
As autoridades brasileiras protestaram, mas Solano López não deu atenção e rompeu
relações com o Brasil, proibindo a navegação no Rio Paraguai de navios brasileiros.
A guerra era eminente. Solano López iniciou a invasão do Brasil pelo Mato Grosso e pelo
Rio Grande do Sul em dezembro de 1864. Ele pretendia tomar rapidamente essas províncias
para obrigar o Brasil a negociar em bases mais favoráveis ao Paraguai as questões das fronteiras
e da livre navegação nos rios do Prata.
O presidente paraguaio acreditava na inferioridade do exército brasileiro, o que ficou
demonstrado com a dificuldade de o império organizar suas forças para invadir o Uruguai.
A crença de Solano López se dava também pelo tamanho dos exércitos: enquanto o Paraguai
contava com 77 mil soldados, o Brasil contava apenas com 18 mil; esses números levaram
Solano López a acreditar na possibilidade de uma guerra rápida, que obrigaria o Brasil a
negociar com o Paraguai.
O presidente paraguaio não levou em consideração o tamanho da população dos países
envolvidos na guerra. O Paraguai tinha uma população de 400 mil habitantes, enquanto que
a Argentina tinha 1,7 milhão, o Brasil 9,1 milhões e o Uruguai 250 mil. Se, no princípio,
as forças paraguaias eram superiores, com o passar do tempo, os países da Tríplice Aliança
conseguiram organizar forças muito maiores.

Entre dezembro de 1864 e meados de setembro de 1865, o


Paraguai esteve na ofensiva militar, ao invadir o território brasileiro
e o argentino. Solano López planejou uma guerra relâmpago que,
se bem sucedida, resultaria em novo equilíbrio de poder no Prata.
O plano, porém, foi frustrado por um conjunto de fatores. As
forças invasoras de Corrientes e do Rio Grande do Sul não se
aproveitaram adequadamente do fator surpresa; os blancos saíram
do poder no Uruguai e, em Corrientes e Entre Rios, a população
não aderiu à força invasora.
(DORATIOTO, 2002, p. 97)

24
Nos anos que se seguiram, até o final da guerra em 1870, as tropas da Tríplice
Aliança avançaram para dentro do Paraguai, impondo uma derrota desastrosa ao país
guarani. A maioria dos historiadores afirma que, aproximadamente, 75% da população
masculina paraguaia foi morta na guerra. A infraestrutura e as indústrias paraguaias
foram totalmente destruídas.
Aqui é preciso resgatar a situação dos países beligerantes antes e depois da guerra. Como
afirmado anteriormente, o Paraguai buscou um desenvolvimento autônomo, por isso, antes da
guerra, não havia solicitado nenhum empréstimo do exterior e as terras e a produção estavam
nas mãos do Estado. Ao término da guerra, capitalistas ingleses se apossaram de terras no
Paraguai, o comércio desse país foi dominado pelos britânicos e, já em 1871, foi concedido
o primeiro empréstimo inglês ao governo paraguaio. Além disso, o Brasil definiu as fronteiras
com o Paraguai como desejava e a Argentina apossou-se de grande parte do Chaco paraguaio.
Brasil, Argentina e Uruguai já estavam endividados com os ingleses antes da guerra;
entretanto, com a guerra e após ela, as dívidas desses países aumentaram de forma exponencial.
Até 1864, o Uruguai tinha feito empréstimos no valor de 1 milhão de libras esterlinas, “Assim
que terminou a guerra, em 1871, negociou o segundo, por 3.500.000 libras esterlinas”. A
Argentina, desde 1824, mantinha o mesmo empréstimo, também no valor de 1 milhão de
libras esterlinas, “Mas a partir de 1865 (segundo ano do conflito com o Paraguai) e até 1876,
negociou oito empréstimos em um total de 18.747.884 libras esterlinas”. O Brasil, até 1865,
havia obtido empréstimos no valor de 12 milhões de libras esterlinas – só no ano de 1865
emprestou mais 6 milhões –, “Depois da guerra, em 1871, negociou um empréstimo de três
milhões de libras esterlinas; em 1875, outro no valor de 5.301.200” (AMAYO, 1995, p. 264).
Sem dúvidas, a Guerra do Paraguai está diretamente ligada à consolidação dos Estados
nacionais na América do Sul; mas isso não isenta a participação da Inglaterra no conflito.
Como afirma Henrique Amayo (1995, p. 265):

[...] é conhecido que o ministro britânico em Buenos Aires, Edward


Thornton, participou ativamente no conflito a ponto de ter sido
assessor do Governo da Argentina. Foi tanta a sua importância,
que participava das reuniões do Gabinete da República Argentina,
onde se decidia o curso da guerra. Ali se sentava, como símbolo
de confiança, junto ao presidente Mitre. Em outras palavras, o
ouvido do presidente ficava totalmente a seu alcance. Além disso,
participou ativamente do processo de organização do acordo de
aliança entre Argentina e Brasil contra o Paraguai. Evidentemente,
Thornton não teria assim atuado sem o apoio, pelo menos
implícito, do Foreign Office britânico.

O grande derrotado foi o Paraguai, porém os vencedores da guerra nada tiveram a


comemorar. É verdade que Brasil e Argentina definiram as fronteiras com o Paraguai como
desejavam e o Uruguai manteve sua independência política; entretanto, os três países
aumentaram sua dependência econômica em relação ao governo inglês, o que comprometeu
o desenvolvimento capitalista dessas nações.

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Unidade: A economia e as transformações do Brasil durante o Segundo Reinado

Material Complementar

Sites:
Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta Unidade, leia os textos
disponibilizados nos links abaixo:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002006000100007&script=sci_arttext
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0103-40141995000200015&script=sci_arttext
http://goo.gl/k8WRl5
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01881998000100013&script=sci_arttext

Vídeos:
Processo Abolicionista no Brasil:
https://www.youtube.com/watch?v=YMA_xzcNjMY

Filmes:
Indicamos ainda os filmes: Amstad; Cafundó; Quilombo; Besouro.

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