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Editorial

Vivemos tempos sombrios. No turbilhão de informações que nos


chegam, confunde-se facilmente o certo com o errado. O tempo das
mídias sociais exige de todos, um senso crítico apurado capaz de
interpretar a informação. Mas se a Educação é fraca, como exigir que
as pessoas tenham senso crítico? Por outro lado, vivemos aqui e
agora, e é preciso fazer algo. Não se pode abandonar aqueles que
não tiveram boa formação e pensar somente no futuro daqueles que
terão a “sorte” de serem bem formados. É preciso acertar o passo;
afinal uma nação é formada por todos. Independente da
complexidade que é o tema da Educação no Brasil, é preciso mostrar
ao grande público o poder do pensar científico, e este é sim poderoso
— minimiza a influência dos discursos políticos e tem o poder
libertador de fazer do indivíduo o único responsável pela própria vida.
As redes sociais deram voz à todos que têm acesso à internet e
com isso revivemos complexos que nos assombram desde muito
tempo, como o famoso complexo de vira-lata. Mesmo na ciência! A
todo momento encontramos nas redes sociais noticias de que um
Brasileiro ganhou um prêmio em alguma área da ciência. Não há
problema em ganhar prêmios mas eles não são o objetivo final do
trabalho de pesquisa. Não cansamos de nos comparar com outras
nações numa necessidade frenética de mostrarmos que somos tão
bons ou melhores. Às vezes tem-se a impressão que estamos mais
interessados em sermos reconhecidos, ou sermos famosos, do que
aprendermos algo inédito de valor científico. Afinal, não é pra isso
que estudamos a ciência das coisas? O valor do conhecimento está
nele mesmo e não na fama alcançada por um pesquisador.
Vivemos tempos sombrios. Mas talvez estes aí estejam para que
possamos enfim exorcizar nossos demônios e entender que heróis
são figuras lendárias, não existem no mundo real. Tenhamos sempre
em mente o ideal Brechtiano — "Infeliz a nação que precisa de heróis”
—, como bandeira por um país mais ciente de suas possibilidades e
responsabilidades. Que os egos exasperados deem vez à
generosidade, construindo assim uma sociedade verdadeiramente
livre e democrática.

Reinaldo Ramos de Carvalho


Presidente da Sociedade Astronômica Brasileira

Esquerda
Lançamento do foguete Apollo XI, que levaria a primeira missão
tripulada à Lua, há 50 anos (Crédito: NASA).
Capa
NGC 4214 observada pelo Telescópio Espacial Hubble (Crédito:
NASA/ESA/Hubble Heritage Team).
ÍNDICE E EXPEDIENTE

Revista
Brasileira 4 Nossa estrela: o
Sol
de Astronomia Adriana Valio descreve a estrutura do
produzida pela
Sociedade Astronômica Brasileira
Sol e conta sobre a Sonda Solar Parker,
que estudará seu campo magnético.
Conselho Editorial Allan Alves Britto,

12
Reinaldo Ramos de Carvalho, Lucimara
Martins, Ramachrisna Teixeira, Thiago
Signorini Gonçalves
Galáxias anãs
Editor Helio J. Rocha-Pinto
Equipe de colaboradores Hélio Dotto
Gustavo Lanfranchi apresenta ao leitor
Perottoni, Maria Luiza Ubaldo Melo, um tipo de galáxia que costuma ser
Mylena Larrubia, Matheus Bernini Peron, ignorada nos livros mais populares, pois
Douglas Brambila dos Santos não se encontram no clássico Diagrama
Contato secsab@sab-astro.org.br
de Classificação de Hubble.

22 Astrobiologia
Para anunciar Fale com Rosana no email
acima ou ligue (11) 3091-8684,
Seg. a Sex. 10 às 16 h.
Para submissões
Contacte um membro do conselho editorial Douglas Galante, Fábio Rodrigues e
Márcio Avellar contam a história do
surgimento da Astrobiologia como área
de pesquisa, e sobre como ela leva à
convergência de diversas áreas.

Presidente
30 Evolução
galáxias
de
Reinaldo Ramos de Carvalho
Vice-Presidente Evoluir é um ditame da Natureza.
Helio J. Rocha-Pinto Mesmo as galáxias estão sujeitas a isso,
Secretário-Geral como explica Karín Menéndez-Delmestre.
Ramachrisna Teixeira
Secretário

38 Bônus
Allan Alves de Brito
Tesoureira
Lucimara Martins
Endereço
Sociedade Astronômica Brasileira
Uma carta celeste do século XVIII em
Rua do Matão, 1226 página dupla!
05508-090 São Paulo – SP
http://www.sab-astro.org.br

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O SOL

Nossa estrela: o Sol Em nosso ir e vir cotidiano, acostumados que estamos a caçar estrelas no
céu noturno, por vezes é comum esquecer que aquela mais próxima está a

O
oito minutos-luz de nós e que deve ser estudada durante o dia. E, de fato,
muito do que sabemos sobre as estrelas se deve ao que descobrimos sobre o
Sol.

Sol é a estrela mais pró- lhões de graus e densidade 150 ve-


xima da Terra, e como tal zes a densidade da água. O físico
serve de laboratório para alemão Hans Bethe foi o primei-
o estudo de todas as ou- ro a identificar a fonte desta ener-
tras estrelas. Na antiguidade era a- gia como proveniente de reações
dorado por muitos povos, os quais nucleares onde 4 núcleos de hi-
dependiam da sua luz e calor, e drogênio (o elemento mais abun-
ainda hoje dependemos de sua e- dante do Universo e que compõe
nergia, necessária para a fotossín- 90% do Sol) são transformados em
tese das plantas. um núcleo de hélio. Existe uma pe-
Hoje sabemos que esta energia quena diferença entre a massa de
é produzida nas profundezas do 4 hidrogênios e de 1 hélio (0,7%) e
seu interior, o núcleo solar, com esta diferença de massa, converti-
temperaturas em torno de 15 mi- da em energia seguindo a famosa

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O SOL

fervendo em uma panela. Na in-


terface, onde ocorre a mudança de
transporte de energia de radiação
para convecção, há uma grande
mudança de velocidade do plas-
ma solar. Esta fina camada é cha-
mada de tacoclina, e acredita-se
que seja o local de origem do cam-
po magnético solar.
No caminho do interior até a su-
perfície solar, isto é, um raio solar
de 700.000 km, os fotóns produzi-
dos nas reações nucleares podem
levar várias centenas de milhares
de anos. Já os neutrinos (partícu-
las muito leves que interagem
muito pouco com a matéria), que
também são produzidos nestas re-
ações, atravessam em menos de 3 Na página anterior
segundos. Ao longo do interior so- Pôr do Sol fotografado no
lar, tanto a densidade quanto a tem- Reino Unido (Crédito:
peratura caem gradativamente. A Dimitris Vetsikas/Pixabay)
temperatura na superfície do Sol é
de aproximadamente 6000 graus
Celsius.
Embora chamada de superfície
do Sol, esta não se trata de uma
relação E = m c2, é suficiente pa- superfície sólida, mas apenas du-
ra manter o nosso Sol brilhando ma camada opaca que bloqueia
por 10 bilhões de anos. O Sol tem toda radiação do interior solar. A-
hoje aproximadamente 4,6 bilhões cima desta camada encontra-se a
de anos, assim como os planetas atmosfera solar que é dividida
e todos os componentes do Siste- em três camadas: fotosfera, cro-
ma Solar. mosfera e coroa. A fotosfera, que
Toda esta energia produzida no se inicia na superfície solar apre-
núcleo, interior a 25% do raio so- senta manchas escuras em sua su-
lar, flui para a superfície do Sol, perfície, chamadas manchas sola-
primeiramente na forma de radi- res, que são de centenas a milha-
ação até aproximadamente 70% res de graus mais frias que as re-
do raio solar, e nos últimos 30% na giões ao redor. Estas manchas são
forma de convecção, como a água mais escuras justamente por se-

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O SOL

rem mais frias e são regiões de al- cima da fotosfera, a temperatura


ta concentração de campo mag- aumenta até dezenas de milha-
nético. res de graus, é a cromosfera. Esta
Galileo Galilei, assim como Schei- camada recebe este nome, do gre-
ner e Fabricius, foi quem observou go “cromo”, cor, por ter uma to-
pela primeira vez as manchas es- nalidade avermelhada ou rosa du-
curas na superfície do Sol em 1610 rante eclipses totais do Sol.
utilizando a imagem do Sol pro- A última camada da atmosfera
jetada através de uma luneta. Com solar é a coroa, com temperatu-
isso mostrou que a superfície so- ras altíssimas de milhões de graus,
lar não era imaculada. Suas idei- porém muito rarefeita, que é vis-
as foram publicadas em 1613, sob ta no visível somente durante e-
o título de Istoria e Dimostrazio- clipses totais do Sol, ou então em
ni intorno alle Macchie Solari. imagens de raios X obtidas por sa-
A fotosfera solar vai até mais télites. Este fenômeno de aumento
ou menos 300 km acima da su- de temperatura de 6000 a milhões
Abaixo perfície solar e a temperatura cai de graus, ainda não está totalmen-
Estrutura do interior e
atmosfera solar com suas conforme a altitude aumenta até te explicado. O mecanismo mais
respectivas camadas. uns 4800 graus Celsius. Porém a- aceito atualmente é que o aqueci-
mento coronal resulte de micro-
explosões que ocorrem continu-
amente na superfície solar.
É na atmosfera solar que ocor-
rem os fenômenos relacionados
à atividade solar cuja fonte de e-
nergia é o campo magnético. Ho-
je sabemos que toda a atividade
solar passa por ciclos periódicos
de 11 anos. Em épocas de máxi-
ma atividade solar, vemos mui-
tas manchas na superfície do Sol
e ocorrem muitas explosões e e-
jeções de massa da atmosfera so-
lar. Já em períodos de mínimo,
raramente se observam estes fe-
nômenos.
Explosões solares são os fenô-
menos mais energéticos do Sis-
tema Solar, quando subitamen-
te ocorre a liberação de energia
magnética que acelera partícu-

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O SOL

Acima
las até velocidades relativísticas Embora a maioria das ejeções Esquerda: Imagem em luz
e produz radiação em todo o es- de massa sejam arremessadas em visível do Sol. Direita:
pectro eletromagnético. Apesar de outras direções, algumas são lança- Ampliação de uma mancha
a energia liberada em uma gran- das para a Terra. Neste caso partí- solar com a Terra em escala
para comparação das
de explosão ser equivalente a de culas energéticas e campos mag- dimensões.
milhões de bombas atômicas, é a- néticos podem nos acertar e acar-
penas alguns centésimos da ener- retar vários danos à nossa socie-
gia produzida no interior solar dade altamente tecnológica. Como
pelas reações termonucleares. exemplos, podem ser citados as
Já as ejeções de massa, com e- tempestades geomagnéticas, os a-
nergia equivalente à das explo- pagões, as interferências em sinais
sões, são fenômenos, em princí- de satélites como GPS, interrupção
pio independentes, onde grandes de sinais de telecomunicações, pa-
quantidades de massa (aproxima- nes em satélites em geral e bússo-
damente um bilhão de toneladas) las, além das belas auroras bore-
do plasma da coroa solar são arre- ais e austrais (no hemisfério norte
messadas para o meio interplane- e sul, respectivamente). Também
tário. Estas bolhas de plasma são podem ocorrer altas doses de rai-
também envoltas em campos os X para tripulantes de aviões de
magnéticos e atravessam o meio caça, ou passageiros de voos co-
interplanetário com velocidades merciais transpolares. Para astro-
que variam de centenas de mi- nautas fora da proteção de naves
lhares a milhões de km/h. espaciais, a dose de raios X pode

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O SOL

ser fatal. terrupções de sinais de telecomu-


Todos estes efeitos da ativida- nicações, GPS e outros.
de solar em nosso planeta são co- No Brasil tempos o programa
nhecidos como Clima Espacial e, Estudo e Monitoramento Brasilei-
atualmente, é uma área de pes- ro do Clima Espacial (EMBRACE)
quisa bastante profícua. Devido do Instituto Nacional de Pesquisas
aos prejuízos causados pela ativi- Espaciais (INPE) em São José dos
dade solar que pode atingir bi- Campos. Porém, a previsão de cli-
lhões de dólares quando um sa- ma espacial primeiramente requer
télite deixa de funcionar, por e- um profundo conhecimento da a-
xemplo, grande ênfase na pre- tividade solar, e para tanto, são
Abaixo visão do Clima Espacial tem sido necessários estudos contínuos do
Capa do livro de Galileo
Galilei sobre manchas feita, com o objetivo de minimi- Sol. O Centro de Rádio Astronomia
solares. zar as perdas causadas pelas in- e Astrofísica Mackenzie (CRAAM)
da Universidade Presbiteriana Ma-
ckenzie, em São Paulo, há mais
de meio século tem se dedicado ao
estudo da atividade solar e moni-
toramento da ionosfera terrestre.
Mas a atividade solar atinge ape-
nas os dispositivos tecnológicos?
Existem indícios, embora menos e-
videntes, que o clima na terra tam-
bém sofre alterações causadas por
esta atividade. Durante a primeira
metade do século XVII quase não
houve manchas no Sol, este perí-
odo de quase 70 anos é conhecido
como o Mínimo de Maunder. Co-
incidentemente, ocorreram tem-
peraturas bem abaixo da média
na Europa registradas em pinturas
da época mostrando os rios Tâ-
misa em Londres e Sena em Paris
congelados com pessoas patinan-
do em sua superfície. Anéis de ár-
vores e registros de gelo corrobo-
ram as baixas temperaturas da é-
poca. Aparentemente, o fluxo solar
total varia com a atividade solar,
aumentando uma pequena fração

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O SOL

conforme a atividade solar au- as que observamos hoje no Sol. Imagem do eclipse Acima total do
menta e isto aumenta a tempe- Nestes casos, a radiação ultravio- Sol de 2009, fotografado das
ratura aqui na Terra. leta produzida por estas explo- Ilhas Marschal por
Acredita-se que o Sol era bem sões ameaçaria a vida na Terra, pesquisadores da Brno
mais ativo no passado, há dois bi- uma vez que a camada de ozônio University of Technology. A
imagem evidencia a
lhões e pouco de anos atrás quan- ainda não existia. Portanto, uma estrutura da coroa solar.
do a vida terrestre era composta possibilidade é que a vida multi- (Crédito: Miloslav
apenas por organismos unicelula- celular se desenvolveu debaixo Druckmüller, Peter Aniol,
res. Sabemos disso pela observa- d’água, em lagos ou a pouca pro- Vojtech Rušin, Ľubomír
Klocok, Karel Martišek,
ção de jovens estrelas do tipo solar. fundidade em oceanos. Há 2,2 bi- Martin Dietzel.
As explosões produzidas por es- lhões de anos atrás, as algas azuis Reproduzida com permissão
tas estrelas chegam a ser milha- (organismos multicelulares) foram dos autores )
res de vezes mais intensas do que capazes de produzir oxigênio em

Para saber mais


Veja o livro Nossa Estrela: o Sol de Adriana V. R. Silva, Ed. Livraria da Física, 2006.

EMBRACE — Estudo e Monitoramento Brasileiro do Clima Espacial


http://www2.inpe.br/climaespacial/portal/pt/

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O SOL

abundância suficiente para criar a NASA, em homenagem ao físico


camada de ozônio. Felizmente, solar Eugene Parker (responsável
hoje a camada de ozônio nos pro- por desenvolver a teoria do vento
tege da radiação UV das explosões solar e da forma espiral do campo
solares, assim como nossa mag- magnético solar no meio interpla-
Abaixo netosfera nos protege das partí- netário). Será a sonda que mais se
Enorme ejeção de matéria culas energéticas do Sol e da Ga- aproximará do Sol, ficando a ape-
coronal , registrada em 4 de láxia. nas 9 raios solares de distância. Os
janeiro de 2002 pelo con-
sórcio SOHO/LASCO Com o objetivo de melhor en- principais objetivos desta missão
(Crédito: Solar Dynamics tender o Sol, em 2018 foi lançada são:
Observatory/NASA/ESA). a sonda Parker Solar Probe da ⁕ desvendar a fonte de energia do

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O SOL

aquecimento da coroa e da acele-


ração do vento solar;
⁕ determinar a estrutura e dinâ-
mica dos campos magnéticos na
fonte do vento solar;
⁕ determinar quais mecanismos
aceleram e transportam as partí-
culas energéticas.
O Sol certamente é um dos te-
mas mais quentes do momento e
os físicos solares estão animados
com as descobertas das próximas
décadas! •
Adriana Valio
Centro de Rádio Astronomia e
Astrofísica Mackenzie
avalio@craam.mackenzie.br

Acima
Concepção artística da
sonda Solar Parker diante
de uma imagem do Sol em
raios X. (Crédito: NASA)

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GALÁXIAS ANÃS

Galáxias anãs É verdade! Existem galáxias anãs, ao lado das quais a Via Láctea pareceria
um monstro. E nessas galáxias anãs pode residir o segredo sobre como as
galáxias se formam. Quer saber mais? Dê uma lida nesse artigo.

A
s galáxias anãs, embora dantes no Universo e fundamen-
tenham pequenas dimen- tais em estudos de cosmologia, so-
sões, baixas massas, es- bre matéria escura, formação de
trutura simples e serem galáxias, produção de elementos
difíceis de observar, são químicos, formação de estrelas,
de extrema importância entre muitos outros. A história so-
em várias áreas da astronomia. bre o que sabemos delas, porém,
Elas são as galáxias mais abun- é ainda bem recente.

1122 | REVISTA
REVI STA BRASILEIRA
BRASI LEI RADEDEASTRONOMIA
ASTRON OM I|AJUL-SET 2012019
| J U L-SET 9
GALÁXIAS ANÃS

Classificação propostos por Immanuel Kant em


Até cem anos atrás, considera- 1775? Segundo este, seria natural i-
va-se que a Via Láctea fosse todo maginar que as nebulosas fossem
o universo conhecido. Os astrôno- sistemas estelares similares à Galá-
mos buscavam nessa época ape- xia, que observados a grandes dis-
nas estimar a dimensão da Galá- tâncias apresentariam o aspecto
xia calculando a distância das es- nebuloso e difuso descrito. Somente
trelas observáveis e fazendo um na década de 1920, com a determi-
mapeamento destas. Nessa bus- nação da distância de uma estrela Na página anterior
ca foram encontrados objetos com variável, observada por E. Hubble, IC 1613, uma galáxia anã
características visuais que os dis- no sistema de Andrômeda, é que se que orbita ao redor da Via
tinguiam das estrelas: eles apre- chegou à conclusão de que esse sis- Láctea. Imagem capturada
sentavam um aspecto nebuloso e tema só poderia ser outra galáxia. com a OmegaCAM do VLT
(Crédito: ESO/VST)
esfumaçado. Eles foram chamados Tal como Andrômeda, várias outras
de nebulosas. Surgiu então, entre nebulosas eram, de fato, outras Abaixo
os astrônomos, uma discussão so- galáxias, tão grandes e exuberan- Imagem da Galáxia
bre a natureza desses objetos. Se- tes como a nossa e muito afastadas Irregular Anã NGC 1140, a
60 milhões de anos-luz na
riam eles corpos celestes na nos- de nós. Essas novas galáxias apre- constelação de Erídano
sa Galáxia ou os universos-ilhas sentavam uma grande variedade (Crédito: NASA/Hubble)

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GALÁXIAS ANÃS

pecialmente no disco. As es-


pirais barradas, além dessas
duas estruturas, apresentam
uma barra ligando os braços
do disco ao bojo.
Somente mais tarde foi es-
tabelecida uma nova catego-
ria de galáxias: as anãs. Co-
mo é definida, porém, uma
galáxia anã? De uma manei-
ra geral todas elas possuem
características similares: a
massa total é muito menor
que a da nossa Galáxia (en-
tre mil e cem mil vezes), as
dimensões são pequenas (rai-
os aproximadamente mil a
dez mil vezes menor) e os
Acima de formas e diferenças nas propri- brilhos também são bem mais fra-
Esquema da Classificação edades observadas. Como, então, cos. A partir disso, alguns critérios
de Hubble, também entender e estudar esses objetos? foram estabelecidos para a classi-
conhecido como Diagrama
de Diapasão ou Diagrama Hubble propôs um sistema sim- ficação de uma galáxia como anã:
de Forquilha. A haste é ples para classificação de galáxias. ela deve possuir dimensões de um
ocupada galáxias elípticas, Ele as dividiu em três tipos: elípti- aglomerado estelar, conter um
enquanto as duas pontas cas, espirais e espirais barradas. As halo de matéria escura, possuir
contém as galáxias espirais
com e sem barra. (Crédito: galáxias elípticas possuem forma- estrelas com diversas faixas de
WikiCommons) to esférico, sem qualquer outro idades e ter tido enriquecimento
componente, estrelas majoritaria- químico. Mesmo com um critério
mente velhas, quase nenhum gás e estabelecido para sua classifica-
quase nenhuma formação estelar. ção, o estudo dessas galáxias não
As espirais são caracterizadas pela é simples. Por serem objetos ex-
presença de duas grandes estru- tremamente fracos, a sua detec-
turas, um bojo central aproxima- ção é muito difícil, principalmente
damente esférico e um disco com quando estão afastadas de nós.
braços espirais. Possuem estrelas Por isso, além de observações,
antigas e novas, grande fração de estudos teóricos são fundamen-
gás e formação estelar ativa, es- tais para entendê-las.
Relembre
Tratamos sobre a estrutura de uma galáxia espiral, a Via Láctea,
na Revista Brasileira de Astronomia, n.o 1.

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GALÁXIAS ANÃS

Modelos teóricos de
formação
Uma ferramenta importante
em estudos teóricos é a utilização
de simulações computacionais que
permitem testar a teoria e com-
parar os resultados com observa-
ções. Um dos modelos mais utili-
zados nos estudos de galáxias é
o modelo cosmológico de forma-
ção de estruturas, que procura
explicar a evolução do universo a
partir dos instantes iniciais e pro-
por um cenário para a formação
e evolução de grandes estruturas
como galáxias e aglomerados de
galáxias. Os resultados dessas si-
mulações sugerem que as galáxias
anãs são as primeiras galáxias a
serem formadas. No início da evo-
lução do universo variações de
densidade na distribuição de maté-
ria escura criam regiões relativa-
mente pequenas (em escala galác-
tica) de alta densidade que exer-
cem atração gravitacional na ma-
téria ao seu redor. O gás então co-
meça a se concentrar formando
protogaláxias, com dimensões e
massas semelhantes às de galá-
xias anãs.
Após a formação da protoga-
láxia, o gás continua colapsando Acima
para a região central criando nu- gindo e se fundindo umas com as Formação hierárquica de
vens de gás chamadas de regiões outras gerando grandes galáxias galáxias: as grandes estru-
de formação estelar onde estre- como a Via Láctea e Andrômeda e turas galácticas se formam
a partir da aglutinação de
las de diferentes massas e tama- outras evoluindo isoladamente estruturas menores
nhos surgem. A galáxia anã está, até a época atual. (Crédito: Gemini
então, formada. A partir desse Observatory)
ponto, as galáxias anãs continuam
evoluindo, com algumas intera-

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GALÁXIAS ANÃS

Anãs no Grupo Local sas propriedades levou a uma di-


Do ponto de vista observacio- visão de tipos de galáxias anãs,
nal, as galáxias mais próximas são que pode ser resumido em duas
aquelas sobre as quais há um mai- classes. As galáxias de uma das
or número de informações. No classes apresentam um formato
Grupo Local são observadas duas esférico, nenhum gás, ausência de
grandes galáxias espirais, Andrô- formação de estrelas, grande quan-
meda e a Via Láctea, cercadas por tidade de estrelas com idades su-
quase cinquenta galáxias meno- periores a dez bilhões de anos e
res que as orbitam, algumas isola- pouco enriquecimento químico.
damente outras sofrendo atração Fazem parte desse grupo as esfe-
gravitacional de um dos grandes roidais anãs, as elípticas anãs e as
sistemas. Há sinais claros, por e- recentemente descobertas anãs
xemplo, de interação da galáxia a- ultrafracas. Em contraste, as anãs
nã Sagittarius com a Via Láctea e e- com alta taxa de formação de es-
vidências de que as Nuvens de Ma- trelas, grande fração de gás, sem
galhães estão a caminho de se fun- forma definida, pouca quantida-
direm com a Galáxia, conforme pre- de de estrelas antigas e alta fra-
visto pelos modelos cosmológicos. ção de estrelas com idades infe-
Entretanto, há também galáxias riores a um bilhão de anos, fazem
satélites mais afastadas, como Ce- parte da outra classe. Entre essas
tus e Tucana, que parecem não in- encontram-se as compactas azuis,
teragir nem com a Via Láctea, nem as irregulares anãs e as galáxias H
com Andrômeda. Acredita-se que II. Há ainda as chamadas galáxias
esses pequenos sistemas estelares de tipo transicional, objetos que
isolados possam ser os remanes- apresentam características inter-
centes dos blocos que deram ori- mediárias entre esses dois tipos.
gem às duas grandes galáxias. So- As primeiras galáxias esferoi-
mente estudos detalhados das anãs dais anãs, Sculptor e Fornax, foram
no Grupo Local podem esclarecer descobertas em 1938 por Harlow
como foi a sua formação e evolu- Shapley, ao identificar em placas
ção e dos grandes sistemas estela- fotográficas sistemas estelares es-
res que dominam o Grupo. tendidos e extremamente fracos,
Nas últimas décadas foi possí- diferentes dos até então conheci-
vel determinar com precisão em dos. Posteriormente foram identi-
galáxias anãs locais abundâncias ficadas outras esferoidais como
de uma grande quantidade de e- Ursa Minor em 1955, Carina em
lementos químicos, idades estela- 1977 e Sagittarius em 1994. Após
res, as massas das galáxias, a quan- a descoberta inicial, os astrôno-
tidade de matéria escura e diver- mos imaginaram que as esferoidais
sas outras grandezas. O estudo des- anãs fossem sistemas simples, si-

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GALÁXIAS ANÃS

milares a grupos de estrelas dentro estrelas com idades superiores a


da Galáxia. Com o passar do tempo, dez bilhões de anos, os detalhes de
observações detalhadas alteraram como as estrelas foram formadas
esse cenário de forma drástica. A- são diferentes de uma galáxia para
tualmente, sabe-se que essas galá- outra. Alguns sistemas, como Draco,
xias, apesar de possuírem uma es- Ursa Minor e Sextans formaram to-
trutura simples, tiveram uma evo- das suas estrelas durante três a sete Abaixo
lução complexa. bilhões de anos enquanto outros, Galáxia esferoidal anã
Fornax, imagem composta
Apesar de todas as esferoidais como Fornax, formaram estrelas de dados do Digitized Sky
anãs apresentarem uma fração de continuamente até pouco tempo Survey 2.

REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019 | 17


GALÁXIAS ANÃS

atrás. Já em Carina, a formação de te nos primeiros milhões de anos


estrelas ocorreu em episódios sepa- para, em seguida, permanecer a-
rados por períodos sem atividade, proximadamente constante, nor-
ou seja, são encontrados nessa ga- malmente abaixo do valor solar.
láxia grupos de estrelas com idades O mesmo padrão é observado na
médias bem diferentes. Os motivos Via Láctea, porém em um ritmo
dessas diferenças e o porquê da in- acelerado, quando comparado às
terrupção ou do término da for- anãs, e com valores finais mais
mação das estrelas ainda não são altos. De maneira geral, em todas
totalmente conhecidos. Acredita- as esferoidais anãs a maior parte
se que os movimentos de gás den- das estrelas têm em média entre 10
tro da galáxia, para fora ou den- e 1000 vezes menos quantidade de
tro dela tenham uma grande in- ferro (comparado ao hidrogênio)
fluência. Gás que cai na galáxia fa- que o Sol.
vorece a formação de novas es- Quase todas as anãs irregulares,
trelas, enquanto gás jogado para por outro lado, estão formando
fora diminui ou cessa o apareci- estrelas atualmente em uma taxa
mento de estrelas. de moderada para alta. Algumas,
As diferenças na formação es- apesar de pequenas e com baixas
telar de cada galáxia se refletem massas, formam mais estrelas que
nas suas estrelas e nas suas pro- a Via Láctea atualmente. Entre-
priedades químicas. A época em tanto, essa formação ocorre em
que cada estrela é formada de- surtos, ou seja, há períodos curtos
fine sua idade e são as estrelas de milhões de anos quando a taxa
que produzem a maior parte dos de formação de estrelas é alta e
elementos químicos de uma ga- longos períodos em que nada a-
láxia. As altíssimas temperaturas contece. Essa característica leva a
e densidades no centro das estre- um padrão particular nas propri-
las são suficientes para que nú- edades químicas. As estrelas das
cleos de átomos leves, como hi- irregulares anãs possuem em mé-
drogênio, hélio, carbono, se unam dia menor quantidade de oxigê-
e formem elementos mais pesa- nio que o Sol, mas maiores do que
dos como oxigênio, silício, magné- a média das esferoidais. Mesmo
sio, entre outros. Como resultado formando uma grande quantidade
desse processo, elementos quími- de estrelas em cada episódio de
cos mais complexos são gerados formação estelar a evolução desse
e sua quantidade aumenta com o tipo de galáxia é lenta, devido aos
tempo, ou seja, a galáxia sofre um longos episódios de calmaria. Um
enriquecimento químico. Nas es- reflexo desse processo aparece na
feroidais anãs a quantidade de fer- maneira como a quantidade de o-
ro cresce contínua e rapidamen- xigênio aumenta com o tempo. Ao

18 | REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019


GALÁXIAS ANÃS

contrário das esferoidais anãs, es- evolução. As irregulares anãs, com


se aumento não é contínuo, ele a- muito gás e alta taxa de formação
contece em etapas, chegando a va- estelar seriam o estágio inicial da
lores aproximadamente dez vezes evolução, quando a galáxia esta-
menores que o observado no Sol. ria no começo da sua formação
Outra diferença entre essas ga- ainda transformando seu gás em
láxias é a quantidade de gás esti- estrelas. Com a passagem do tem-
mada em cada tipo. As irregulares po esse gás vai sendo consumido
possuem até 90% da sua massa vi- e o número de estrelas aumentan-
sível em forma de gás, enquanto do. Efeitos internos e externos con-
nas esferoidais nenhum gás foi de- tribuem para a diminuição da
tectado. A grande quantidade de quantidade de gás até a sua exaus-
gás nas primeiras explica a alta ta- tão. Nesse ponto, o sistema passa a
xa de formação estelar e ausência ter as principais características de
de estrelas novas nas outra é de- uma esferoidal anã: ausência de
vido a não haver mais gás dispo- gás, estrelas antigas e nenhuma
nível para formá-las. A ausência formação de novas estrelas. Du-
de gás é uma característica parti- rante a evolução, quando a galá-
cular das esferoidais anãs, porém xia possui propriedades interme-
ainda não se sabe com certeza co- diárias (gás, estrelas, formação es-
mo esse gás foi consumido. A sim- telar moderada) ela se assemelha
ples transformação de gás em es- às galáxias de tipo transicional.
trelas não é suficiente para consu- Assim, faz sentido pensar em um
mi-lo por completo; é necessário cenário em que as galáxias irre-
um ou mais processos físicos para gulares representem a fase jovem;
que isso aconteça. Há um consen- as transicionais, a fase intermediá-
so de que o conteúdo gasoso des- ria; e as esferoidais anãs, a fase fi-
sas galáxias tenha, em algum mo- nal da evolução de um único tipo
mento da sua evolução, sido jo- de galáxia. Somente estudos indi-
gado ou puxado para fora do sis- viduais e minuciosos de cada um
tema, entretanto, astrônomos ain- desses tipos de galáxia poderá con-
da buscam entender como isso o- firmar ou refutar essa hipótese •
corre.
As propriedades gerais dos di- Gustavo Amaral Lanfranchi
ferentes tipos de anãs levaram à Universidade Cruzeiro do Sul
hipótese de que poderia haver u- gustavo.lanfranchi@unicsul.br
ma conexão entre esses tipos de
galáxia, ou seja, todas elas fariam
parte de uma único tipo de galá-
xia, mas estariam sendo observa-
das em estágios diferentes da sua

REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019 | 19


GALÁXIAS ANÃS

20 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | JUL-SET 201 9


Página dupla
Mapa que representa a
distribuição tridimensional
do Grupo Local e nossa
vizinhança extragaláctica. O
centro das esferas é
posicionado no centro da
Via Láctea. A escala de
distâncias está marcada em
anos­luz. Barras verticais
azuis dão uma noção da
distância dos objetos
situados acima do plano
da Via Láctea; as barras
prolongam-se até este
plano, marcando com um
ponto azul claro a
distância projetada. Duas
galáxias espirais
dominam a distribuição
de massa do Grupo Local:
a Via Láctea e M 31
(Andrômeda), cada qual
cercada por uma corte de
galáxias anãs
(Crédito: Antonio
Ciccolella/WikiCommons)
ASTROBIOLOGIA

Astrobiologia
Uma ciência convergente
Muita gente tem-se interessado pela busca de vida fora da Terra. Esse tópico

A
instigou a imaginação da humanidade desde a antiguidade, mas só
atualmente temos condição de estudá-lo com todo o rigor científico.

astrobiologia, na visão como ela o fará no futuro?”. A


atual, é entendida como
astrobiologia propõe uma abor-
um campo de pesquisa dagem convergente de diferen-
dedicado a estudar a o-
tes disciplinas, baseada nas téc-
rigem, evolução, distri-
nicas e rigor da ciência moderna
buição e futuro da vida, seja na
para essas questões, as quais são
Terra ou fora dela. Dessa forma,
apenas o início para uma melhor
algumas das principais pergun- compreensão do fenômeno da vi-
tas que os astrobiólogos tentamda no Universo e vêm sendo fei-
responder são: “Como a vida se o-
tas pela humanidade há milê-
riginou e evoluiu na Terra?”, “E-
nios.
xiste vida em outros planetas?” eO termo astrobiologia vem sen-
“Como a vida se adaptou a um do usado em diferentes contextos,
planeta em constante mudança e desde a década de 40. Seu primei-

22 | REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019


ASTROBIOLOGIA

ro registro na língua por- nos até o surgimento dos multice-


tuguesa data de 1958, quan- lulares. Assim, um dos principais
do o biólogo paulista Flá- objetos de estudo da astrobiolo-
vio Augusto Pereira escre- gia são micro-organismos, como
veu um livro intitulado In- as bactérias, arqueias e leveduras,
trodução à Astrobiologia. especialmente as resistentes a am-
Antes do termo astrobiolo- bientes extremos, os extremófilos.
gia se consolidar, diversos Da corrida espacial à
grupos e associações já vi-
nham utilizando os termos astrobiologia moderna
exobiologia, bioastronomia O avanço da tecnologia, ao longo
e cosmobiologia que, apesar da história da humanidade per-
de estarem hoje caindo em mitiu estudos mais detalhados so-
desuso, ainda são encontra- bre o nosso planeta, aumentando
dos, com significados muito nosso conhecimento sobre os pro-
similares ao da atual astro- cessos naturais, fato que aconte-
biologia. O termo astrobo- ceu em diversas áreas da ciência, Na página anterior
tânica também foi usado incluindo a astrobiologia. Representação artística de
uma estrela anã M rodeada
ao longo da história, uma Se, na Grécia antiga, as discus- por planetas; alguns podem
vez que se acreditava, no i- sões sobre possibilidade de vida estar na Zona Habitável,
nício do século XX, que as fora da Terra foram pautadas em onde a água poderia existir
plantas seriam as formas pressuposições filosóficas, uma vez em forma líquida sobre a
superfície planetária
de vida mais resistentes e as que pouco se conhecia sobre ou- (Crédito: NASA)
candidatas mais prováveis tros planetas, a invenção dos teles-
a habitarem outros planetas. cópios permitiu os primeiros estu-
Para compreender a ori- dos científicos e sistemáticos sobre
gem da vida e possibilidade de vi- esses corpos. Ainda que muito ru-
da extraterrestre é necessário o dimentares se comparados ao que
uso de um exemplo bem conheci- temos hoje, esses estudos foram
do como comparação. Dessa ma- essenciais para incentivar novas
neira, a astrobiologia se baseia for- gerações de cientistas e invento-
temente na compreensão da vida res a avançarem no tema.
na Terra. Essa abordagem tam- Ao compararmos os registros
bém nos direciona na busca de de observações do planeta Marte
quais organismos são mais pro- tomadas ao longo do tempo, é i-
pícios a existirem em outros am- negável notar como o avanço tec-
bientes e como detectá-los. Sabe-- nológico possibilitou novas desco-
se que os primeiros organismos a bertas e o aumento de nosso co-
surgirem em nosso planeta foram nhecimento.
os unicelulares, que permanece- Nessa direção, a astrobiologia
ram dominantes por bilhões de a- moderna foi um avanço a partir

REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019 | 23


ASTROBIOLOGIA

as duas potências econômicas do


pós-Segunda Guerra Mundial: Es-
tados Unidos e União Soviética.
Essa disputa se manifestou, entre
outros aspectos, na dominação
tecnológica, e talvez seu maior e-
xemplo seja a Corrida Espacial.
Um de seus expoentes foi a che-
gada do homem na Lua, há exa-
tos 50 anos, com Neil Armstrong,
Buzz Aldrin e Michael Collins, em
feito que impressionou o mundo
na época.
Durante esse processo de cor-
rida espacial, surgiu a preocupa-
ção com os danos causados pelo
ambiente espacial aos astronau-
tas e cosmonautas, dando origem
à medicina espacial. Mas, adicio-
nalmente, a NASA concluiu que
seria de extremo interesse reali-
zar “investigações sobre o efeito
do ambiente espacial em organis-
mos vivos, incluindo a busca por
vida extraterrestre”. Na verdade,
o interesse pela resposta de orga-
nismos vivos em condições espa-
ciais e pela possibilidade de vida
fora da Terra foi impulsionado
pelo medo da contaminação cru-
zada: havia a preocupação que,
caso existisse vida fora da Terra,
essa pudesse ser trazida para a
Terra, trazendo doenças catastró-
Acima da exobiologia que, por sua vez, ficas, ao mesmo tempo em que se
Diferentes registros de não pode ser entendida de for- procurava evitar a contaminação
observações de Marte ao ma desconectada da história da de outros planetas e corpos celes-
longo do tempo (Crédito:
WikiCommons) humanidade no século XX. A se- tes com organismos da Terra. Des-
gunda metade daquele século foi de o princípio da corrida espacial
marcada pela Guerra Fria, dispu- e até os dias de hoje, a proteção
ta por hegemonia e poder entre planetária é uma das principais

24 | REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019


ASTROBIOLOGIA

preocupações dos programas de se, fomentando a curiosidade po-


exploração espacial. pular. É preciso considerar, tam-
Surgiu, como consequência desses bém, os impactos sociais e cultu-
interesses e preocupações, o pro- rais da busca de vida fora da Ter-
grama de exobiologia da NASA, as- ra. Esse tema, debatido por sécu-
sim batizada para ser diferencia- los tanto nas culturas ocidentais
da da biologia convencional. Ins- como orientais, rendeu livros ci-
tituída na década de 60, essa nova entíficos e de ficção, motivou a cri-
área não foi, entretanto, um con- ação de novos e sofisticados ins-
senso na comunidade científica trumentos de pesquisa, influenci-
norte-americana. Ramos mais tra- ou religiões e correntes filosóficas.
dicionais, como a biologia evoluti- Atualmente está mais presente que
va, por exemplo, já haviam tido o nunca nas artes, filmes e livros. A
financiamento abalado pelo sur- vida extraterrestre se tornou um
gimento da biologia molecular (a- fenômeno cultural em nossa soci-
pós a descrição da estrutura do edade, atraindo enorme interesse
DNA por James Watson e Francis da população de todo o mundo.
Crick em 1953), e sentiram-se no- No entanto, a exobiologia, ape-
vamente ameaçados na competi- sar de atraente, levantou muitas
ção por financiamento governa- críticas. Em especial, ela foi des-
mental. crita como uma ciência sem um Abaixo
Na abordagem
A exobiologia conseguiu se con- objeto de estudo, uma vez que se astrobiológica, a vida no
solidar pelo interesse do gover- propunha a estudar vida fora da planeta é vista como
no nessas pesquisas e pelo apoio Terra, que não sabíamos se exis- integrada aos diferentes
fenômenos planetários e
de nomes fortes na ciência dos Es- tia. Além disso, após cerca de 50 astrofísicos, em constante
tados Unidos, como o de Joshua anos de existência, a exobiologia interação (Crédito: Douglas
Lederberg, prêmio Nobel de Me- não havia encontrado nenhuma Galante).
dicina em 1958 por seus trabalhos
em genética e criador do termo e-
xobiologia para descrever a busca
científica de vida fora da Terra.
Desde o começo da corrida es-
pacial, os cientistas e, particular-
mente, a NASA, fizeram uso do
grande apelo deste tema para jus-
tificar, frente à população, os gas-
tos bilionários das missões espa-
ciais. O reconhecido trabalho de di-
vulgação científica que a NASA de-
senvolveu serviu e serve até ho-
je para manter ativo esse interes-

REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019 | 25


ASTROBIOLOGIA

evidência de vida extraterrestre. que a astrobiologia foi criada co-


Com o avanço das pesquisas es- mo uma consequência direta do
paciais e as sucessivas dificulda- avanço tecnológico e da conquis-
des nas missões de busca de vida ta do espaço, mas também é resul-
fora da Terra, a NASA optou por tado das condições políticas, so-
mudar o enfoque de exo para as- ciais e financeiras, como todas as
trobiologia, criando assim uma ci- áreas da atividade humana. Atu-
ência com um objeto de estudo almente, estabelece-se como uma
mais palpável: a vida na Terra e área de pesquisa sólida, princi-
no Universo. Percebe-se então palmente pela ampliação de seu

Abordagem e temas
escopo e por ter evoluído para se tratados pela
tornar uma ferramenta de inte-
gração muito eficiente. Certamen- Astrobiologia
te uma das principais caracterís- De forma geral, a astrobiologia
ticas da astrobiologia é sua capa- se propõe a entender a vida por
cidade de reunir profissionais de um ponto de vista bastante am-
diferentes áreas em um enfoque plo, considerando as diversas in-
convergente sobre problemas ci- terações com o corpo planetário
entíficos extremamente comple- que a abriga e com seu ambiente
xos, mas essenciais para compre- astrofísico. Essas interações são
endermos o fenômeno da vida no intrinsecamente dinâmicas, ou se-
Universo. ja, mudam com o tempo, e assim

26 | REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019


ASTROBIOLOGIA

a vida segue a evolução do plane- ferentes áreas, como astrônomos,


ta e do Universo, mas, ao mesmo cientistas planetários, químicos,
tempo, também altera seu ambi- geólogos, biólogos, e muitas ou-
ente, em um ciclo extremamente tras, incluindo as Engenharias e
complexo. até mesmo as Ciências Humanas.
A compreensão da vida no Uni- Só seremos capazes de encontrar
verso — sua origem, evolução e vida em outros planetas, seja do
eventual término, é um tema que Sistema Solar ou fora dele, se for-
requer necessariamente a con- mos capazes de integrar nossos
tribuição de pesquisadores de di- conhecimentos, de maneira a de-

Página dupla
cifrarmos os sinais sutis e com- trobiologia se mostra como uma A vida em um planeta como
plexos da vida. Apesar do paradig- poderosa ferramenta, criando a a Terra está intimamente
ligada à evolução física e
ma científico-acadêmico contem- linguagem e a oportunidade de química de seu ambiente
porâneo criar pesquisadores e a- transpor barreiras acadêmicas e astrofísico (Crédito: Projeto
lunos cada vez mais especializa- de conectar a história da vida, na Conexões Cósmicas/
dos em seus respectivos temas de Terra e no Universo, como um con- Augusto Damineli, arte de
Paulo Roberto F. Santiago).
estudo, se quisermos realmente tínuo com os processos astrofísicos.
compreender a vida nesse grande Astrobiologia no Brasil
contexto é necessário que criemos
estratégias para aumentar a co- Apesar de a astrobiologia, em
municação e colaboração entre as sua roupagem moderna, ser relati-
áreas. E é nesse ponto que a as- vamente recente no Brasil, estu-

REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019 | 27


ASTROBIOLOGIA

Acima dos em suas diferentes subáreas logia, na Casa da Ciência da UFRJ,


Representação artística da
sonda Cassini ao redor de vêm sendo realizados no país háque reuniu pesquisadores de dife-
Saturno. A missão Cassini décadas. Já nos anos 1980, Ricar-
rentes áreas de atuação e permi-
tinha, entre seus objetivos, do C. Ferreira, então professor do
tiu a criação dos primeiros grupos
revelar dados acerca do Dept. o de Química da UFPE, tra-
de pesquisa interdisciplinares na
potencial para existência
de vida nas luas do sistema balhava com química prebiótica área. Diversos projetos de pesqui-
saturniano (Crédito: NASA) e origem da vida. A busca de vida
sa foram criados após essa data, e
fora da Terra foi estudada no fi-
os primeiros doutorados tendo a
nal dos anos 1980 e início de 1990,
astrobiologia como tema central
do ponto de vista histórico, por E-
foram defendidos por Douglas Ga-
duardo Dorneles Barcelos em seulante (2009), em Astronomia (USP),
mestrado e doutorado na USP, sob
e Ivan Paulino-Lima (2010), em Ci-
orientação de Shozo Motoyama. ências Biológicas (UFRJ). Em 2010
Antes disso, em 1958, o biólogo Flá -
foi iniciada a instalação do Labo-
vio Pereira, formado em Histo- ratório de Astrobiologia, na USP,
ŕ ia Natural pela USP e professor
em um esforço multi-institucional
do ensino médio, havia escrito um
para estudar a biodiversidade de
livro intitulado Introdução à As-
nosso planeta e compreender suas
trobiologia, em que compilava conexões com os sistemas plane-
grande parte do que se acredita-
tários.
va na época sobre a existência de
Em 2011, tivemos a criação do
vida fora da Terra. Apesar de ser
Núcleo de Pesquisa em Astrobi-
escrito antes das missões de ex-
ologia, financiado principalmen-
ploração espacial, o livro já traz
te pela USP e Fapesp, que realizou
conceitos até hoje usados, como a
a primeira escola internacional
zona de habitabilidade estelar, à
de astrobiologia no país, além de
que ele se referia como ecosfera.
possibilitar nossa associação co-
A astrobiologia começou a se ins-
mo parceiro internacional do Insti-
titucionalizar no Brasil a partir
tuto de Astrobiologia da NASA e da
de 2006, com a organização do IRede Europeia de Associações de
Workshop Brasileiro de Astrobio- Astrobiologia. Em 2017 foi fun-

28 | REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019


ASTROBIOLOGIA

dada a Sociedade Brasileira de As- como uma área de pesquisa cien-


trobiologia, que, em 2019, conta tífica reconhecida e capaz de pro-
com cerca de 100 associados. Com o duzir resultados de interesse aca-
objetivo de congregar a comunida- dêmico e social •
de, a sociedade vem organizando
reuniões anuais em um esforço de Douglas Galante
facilitar a comunicação entre pes- Labor. Nacional de Luz Síncroton
quisadores de diferentes áreas, bem douglas.galante@lnls.br
como de auxiliar a formação de Fabio Rodrigues
alunos por meio da organização farod@iq.usp.br
de minicursos e eventos parale- Universidade de São Paulo
los em temas de interesse. Esses
esforços estão permitindo que o Márcio G. B. Avellar
Brasil se torne um importante e mgb.avellar@iag.usp.br Abaixo
atuante membro da comunidade ci- Universidade de Sâo Paulo Participantes da Reunião
entífica internacional, com o inter- Anual da Sociedade
Brasileira de Astrobiologia
câmbio de alunos, pesquisadores e em 2018 (Crédito: Arquivo
conhecimento, garantindo, com o pessoal de Douglas
tempo, a fixação da astrobiologia Galante).

REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019 | 29


EVOLUÇÃO DE GALÁXIAS

Evolução de Galáxias Mesmo um sistema tão grande e complexo como uma galáxia evolui,
especialmente quando possui galáxias vizinhas com as quais interage,
trocando gás e estrelas. Eventualmente algumas podem ser fundir. Embora as

I
escalas de tempo para esses processos sejam grandes, não se engane: é um
fenômeno bem comum!

nstantes após o Big Bang, o Uni- combustível básico que alimenta


verso era um meio extrema- até hoje a formação de estrelas
mente quente e denso — as em galáxias — gás de hidrogênio.
partículas elementais navega- Nossa Galáxia, a Via Láctea, é
vam o espaço a velocidades tais, um sistema composto principal-
que mesmo as colisões fracassavam mente de estrelas, com gás e po-
em gerar produtos estáveis. Po- eira ocupando em baixas quan-
rém, apenas segundos depois, a tidades o espaço entre estas. De
temperatura no Universo caiu o um modo geral podemos dizer
suficiente para possibilitar a for- que na Via Láctea o gás e poeira
mação dos primeiros átomos es- se concentram num disco fino on-
táveis de hidrogênio a partir da de ativamente se formam novas
combinação de um elétron e um gerações de estrelas, que no cen-
próton. Nesse momento criou-se o tro do sistema se encontra um es-

30 | REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019


EVOLUÇÃO DE GALÁXIAS

rando que é pouco provável que


a nuvem de gás original fosse ab-
solutamente estática, supomos que
a nuvem tinha uma leve rotação,
o que fez com que o colapso levas-
se o material na direção central
formando logo um disco em ro-
tação. As primeiras gerações de es-
trelas, formadas a partir de um gás
mais pristino — principalmente
hidrogênio com pouca contribui-
ção de elementos mais pesados —–
formaram grupos estelares (cha-
mados de aglomerados estelares)
com órbitas radiais, girando ao re-
dor do centro da galáxia, eviden- Na página anterior
ciando a cinemática inicial da nu- Representação artística do
vem em colapso. Gerações poste- céu noturno durante a
riores de estrelas se formaram a colisão futura entre a Via
Láctea e a Galáxia de
partir do gás uma vez este estava Andromeda (Crédito:
já no disco. Por um lado a cine- Dimitris Vetsikas/Pixabay)
mática do gás no disco impôs ór-
bitas planares às estrelas que dele
se formaram e, por outro, como o
gás já estava um tanto enrique-
cido pela expulsão de elementos
mais pesados pelas primeiras ge-
feroide protuberante composto rações de estrelas, as estrelas no
por estrelas relativamente velhas disco são caracterizadas por uma
e que aglomerados de estrelas an- metalicidade maior. Esse modelo
tigas se movimentam ao redor de formação, denominado mono-
da Galáxia seguindo órbitas radi- lítico, explica a formação de uma
ais. Mas, como é que o que come- galáxia a partir de uma única nu-
çou como apenas uma nuvem de vem de gás. A formação da protu-
gás chegou a ser o sistema com- berância central, chamada de bo-
plexo no qual residimos hoje? jo, teria ocorrido devido à migra-
Bilhões de anos atrás a Via Lác-
tea era apenas uma nuvem de gás Para saber mais
protogaláctica — principalmen-
te hidrogênio e pouco hélio — que Metalicidade é uma grandeza usada pelos astrônomos para
representar a proporção da massa total de um objeto celeste
sofreu um colapso inicial. Conside- composta por elementos químicos mais pesados que o hélio.

REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019 | 31


EVOLUÇÃO DE GALÁXIAS

Acima ção de grandes regiões de forma- observamos que nas proximida-


Mapa infravermelho da ção estelar num disco primitivo des da Via Láctea existem traços
Via Láctea, mostrando 9 em direção ao centro, resultando e destroços de galáxias menores
novos satélites
encontrados nos dados do numa população medianamente que foram engolidas pela nossa
Dark Energy Survey, entre antiga, com idades entre as dos a- — sendo o mais notável desses a
galáxias anãs e glomerados estelares que ocupam Corrente Estelar de Sagittarius.
aglomerados globulares o halo da galáxia e as das estrelas Observamos também duas peque-
(Crédito: S. Koposov, V.
Belokurov, 2MASS survey) jovens do disco. Com a maior par- nas galáxias já presas no nosso
te do combustível localizada no campo gravitacional, orbitando
disco, novas gerações de estrelas lentamente o centro da Via Lác-
continuam se formando aí, e isso tea: a Grande e a Pequena Nuvem
estabelece um gradiente em me- de Magalhães. As estrelas que as
talicidade com respeito às regiões compõem vão aos poucos fazer
de ocupadas por estrelas mais ve- parte da Via Láctea. Essas obser-
lhas (bojo, halo); isto é, a metali- vações locais, junto com a consta-
cidade média da galáxia decresce tação de que as interações entre
à medida que nos afastamos do galáxias são frequentes, indicam
plano galáctico. que as galáxias passam com fre-
Ainda que esse modelo de for- quência por eventos de fusão de
mação de galáxias reproduza mui- maior ou menor porte.
tas das propriedades globais da Via Interações e fusões podem trans-
Láctea, observamos desvios que e- formar fortemente uma galáxia
xigem um aprimoramento de nos- numa escala de tempo de cente-
so entendimento de como as ga- nas de milhões de anos… Parece
láxias se formam. Primeiramente, longo, mas isso é curto no contex-

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EVOLUÇÃO DE GALÁXIAS

to dos bilhões de anos que carac- galáxia velha. Pense numa Fonte
terizam a idade das galáxias! Uma da Juventude cósmica!
colisão ou até apenas uma passa-
gem próxima entre galáxias pode
levar à modificação do formato
das galáxias envolvidas. Quando
uma galáxia se aproxima de outra
(mesmo quando não entram em
contato direto), as estrelas das pe-
riferias sentem uma atração gravi-
tacional forte que pode levar a uma
mudança na forma global das ga-
láxias envolvidas, formando es-
truturas que denominamos cau-
das ou pontes de maré, que evi-
denciam parte do material arran-
cado no encontro. Essas estruturas Acima
podem persistir por centenas de No caso das colisões ditas de Simulação do desmonte
milhões de anos antes de se dissi- maior porte — quando as galá- gravitacional da galáxia
parem no meio intergaláctico. Ou- xias participantes têm tamanhos anã Sagittarius por efeito
da força de maré da Via
tras estruturas de longa vida, co- semelhantes — os efeitos são a- Láctea (Crédito:
mo barras e braços espirais são inda maiores e mais intensos. Na David Law)
também o resultado de tais intera- presença de grande quantidade
ções entre galáxias. de gás, intensos surtos de forma-
Em caso de uma colisão de pe- ção estelar são gerados numa es-
queno porte, quando uma galáxia cala global. Imagens no ultravio-
menor funde-se com uma galáxia leta e no óptico capturam a emis-
maior, o evento pode gerar um são das estrelas novas e traçam
surto de formação estelar local na um sistema fortemente mistura-
galáxia maior. A combinação de do. Numa escala de centenas de
uma nova entrada de gás (trazido milhões de anos (algo rápido com-
potencialmente pela galáxia me- parado à idade do universo, mas
nor) e as forças geradas pela inte- muito devagar na escala huma-
ração levam à compressão do no- na!) o sistema passa por uma ver-
vo combustível e à formação de dadeira dança entre duas galáxias:
novas gerações de estrelas. Isso os formatos das galáxias indivi-
pode ter um impacto incrível nu- duais se desfazem aos poucos, dei-
ma galáxia velha, pobre em gás: xando compridos rastros e corren-
uma interação com uma galáxia tes de estrelas e gerando grandes
rica em gás pode literalmente re- episódios de formação estelar, até
juvenescer a população estelar da o sistema se estabelecer numa ú-

REVI STA BRASI LEI RA DE ASTRON OM I A | J U L-SET 2019 | 33


EVOLUÇÃO DE GALÁXIAS

Acima nica galáxia resultante. As estru- ma, uma fusão de grande porte
Mosaico de imagens turas de disco nas galáxias origi- transforma galáxias ricas em gás
observadas pelo Telescópio
Espacial Hubble, que nais podem ser completamente em uma grande galáxia massiva
mostram galáxias em destruídas dando passo a um for- pobre em gás e com pouca possi-
processo de interação e mato final mais parecido com um bilidade de formar novas estre-
fusão (Crédito: NASA) esferoide único. Uma tal fusão las. Sem outras interações, o des-
transforma o formato, a massa es- tino da galáxia resultante de tal
telar e a metalicidade do sistema espectacular evento é um lento
de forma drástica. Depois de um envelhecimento. Vale notar que a
tal evento, que em apenas cente- galáxia mais próxima da Via Lác-
nas de milhões de anos sugou a tea, Andrômeda, está em trajetó-
grande proporção de gás disponí- ria direta para encontrar com a
vel para formar estrelas novas, o Via Láctea. Embora não estaremos
sistema apenas progride evoluin- aqui para aproveitar a paisagem
do passivamente à medida que as noturna que tal evento gerará, a
estrelas geradas pela fusão enve- colisão entre estas galáxias leva-
lhecem com o tempo. Desta for- rá à produção de grandes surtos de

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EVOLUÇÃO DE GALÁXIAS

formação estelar e a uma drástica controversa, mas a preponderân-


mudança no formato de nossa ga- cia de interações entre galáxias
láxia-lar: o sistema estelar final será aponta a que as galáxias maiores
mais parecido com uma galáxia gi- nos centros dos ambientes mais
gante esferoidal do que com o dis- densos são o resultado da múlti-
co que hoje nos acolhe. plas fusões de galáxias que leva-
A probabilidade de uma galá- ram à construção de gigantescas
xia participar de uma colisão de- concentrações de estrelas .
pende fortemente de seu ambien- Até agora apenas mencionamos
te. Embora o universo seja homo- a componente estelar das galáxias.
gêneo de forma global na escala Porém, é atualmente bem estabe-
de bilhões de anos luz, em esca- lecido que no centro de todas as
las menores existem regiões com galáxias massivas — incluindo a
mais galáxias do que outras. Es- nossa Via Láctea – há um buraco
tudos no universo local mostram negro gigantesco, chamado de bu-
que as propriedades das galáxias raco negro supermassivo. Curiosa-
estão intrinsecamente vinculadas mente, a massa do buraco negro
à densidade numérica no ambien- supermassivo está intimamente
te local (i.e., quantidade de galá- relacionada à massa estelar da ga-
xias vizinhas). Um exemplo clás- láxia: os maiores buracos negros se
sico é a posição preferencial de ga- hospedam nas maiores galáxias.
láxias passivas com pouco gás, Ainda é uma questão em aberto
baixa formação estelar e uma po- como é que o buraco negro, no
pulação estelar velha nas regiões centro de uma galáxia, ocupando
mais densas ou, equivalentemen- um pequeno espaço de menos de
te a ausência nestas regiões de ga- alguns anos-luz de diâmetro, tem
láxias ativas com muito gás, altas conhecimento da quantidade de Abaixo
taxas de formação estelar e uma estrelas distribuídas nas escalas de Esquema evolutivo que
explicaria a formação de
população estelar jovem. A ori- dezenas de milhares de anos-luz: LIRGs e ULIRGs a partir da
gem física dessa relação ainda é como sabe um buraco negro em interação entre galáxias.

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EVOLUÇÃO DE GALÁXIAS

qual tipo de galáxia que ele vive? um processo intenso de formação


Observações de galáxias de alta de estrelas em toda a galáxia. Du-
massa permitiram aos astrônomos rante este evento, o gás se deslo-
convergir em um modelo evoluti- ca até o centro, por um lado de-
vo que indica que uma galáxia de sencadeando intensos episódios
grande massa é o resultado de u- de formação estelar e por outro
ma colossal colisão entre duas ga- alimentando um buraco negro su-
láxias ricas em gás, alguns bilhões permassivo no centro. À medida
de anos atrás: o gás nas galáxias que a massa estelar na galáxia au-
participantes da colisão fornece o menta, também aumenta a mas-
combustível necessário para for- sa do buraco negro central, que fi-
mar estrelas e as forças exercidas nalmente torna-se grande o sufici-
pela colisão fornecem a compres- ente para gerar ventos energéti-
são necessária para desencadear cos que expelem o gás, levando ao

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EVOLUÇÃO DE GALÁXIAS

fim toda atividade de formação es- teve que percorrer uma enorme
telar. Isso aponta a uma evolução distância e portanto levou muito
em conjunto (ou co-evolução) das tempo para chegar até nós. Isso
estrelas numa galáxia e o buraco significa que a luz que observa-
negro no centro desta. mos hoje mostra-nos essas galá-
São muitas as perguntas que xias como eram há muito tempo.
ainda permanecem em aberto no Desta forma estudar galáxias mui-
campo de evolução de galáxias o to distantes nos permite investigar
que faz com que este seja um cam- seus estágios primitivos. Portanto,
po muito ativo em pesquisa. Es- ainda que a caracterização do Uni-
tudos detalhados de nossa galáxia verso local nos permita estabelecer
e seus satélites permitem explo- a diversidade em propriedades as-
rar muitos aspectos relacionados trofísicas existentes em galáxias, pa-
com a evolução química de uma ra desenvolver um modelo com-
galáxia, com a evolução de galáxi- pleto sobre os processos que for- Na página anterior
as via fusões menores, entre ou- mam e transformam galáxias é ne- Diagrama HR construído
tros. Porém, ainda servindo de re- cessário estudá-las tanto no univer- por observações do
ferência principal para entender so próximo como no distante. Para experimento SINGS. As
cores das galáxias foram
a formação e evolução de galáxi- isso desenvolvemos tecnologias compostas por três canais
as, sabemos que a Via Láctea é ape- que nos permitem construir teles- RGB, cada qual
nas uma das centenas de bilhões cópios para estudar galáxias cada correspondente a um
de galáxias que povoam o univer- vez mais distantes, assim como comprimeiro de onda, a
saber: IRAC 3.6 μm (azul),
so. Levantamentos observacionais explorar em cada vez maior de- IRAC 8 μm (verde) e MIPS 24
revelam uma grande diversidade talhe as galáxias próximas. A ex- μm (vermelho). Composição
em galáxias, com morfologias e ta- ploração continua! • feita por Karl D. Gordon
xas de formação estelar completa- (Crédito: Spitzer).

mente diferentes da nossa Galá- Karín Menéndez-Delmestre


xia. Para desenvolver um modelo Univ. Fed. do Rio de Janeiro
completo sobre a formação e evo- kmd@astro.ufrj.br
lução de galáxias precisamos consi-
derar a ampla diversidade nas ca-
racterísticas de galáxias que ob-
servamos. Mas a exploração das
galáxias não se limita apenas às
galáxias próximas a nós! O estudo
de galáxias a grandes distâncias
cosmológicas é crucial para apro-
fundar nosso entendimento da e-
volução de galáxias. Consideran-
do que a velocidade da luz é cons-
tante, a luz de galáxias longínquas

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Esquerda
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Mapa celeste criado em 1670 pelo cartógrafo
holandês Frederik de Wit.
Contracapa
Uma pequena galáxia espiral é flagrada enre duas
elípticas gigantes, no Grupo Compacto de Hickson
90 (Crédito: NASA, ESA e R. Sharples)
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