Você está na página 1de 40

Revista

Brasileira de

ASTRO
NOMIA
Produzida pela Sociedade
Astronômica Brasileira
Ano 1 | Número 4

A busca por
NOVOS MUNDOS
A Astronomia no século XXI
Uma galáxia com órbitas ressonantes
A Missão Geodésica e a forma da Terra
Editorial
Esta quarta edição da Revista Brasileira de Astronomia celebra a busca
por novos mundos. É apropriado falar sobre o assunto quando
acabamos de receber a notícia de que Michel Mayor e Didier Queloz, os
descobridores do primeiro exoplaneta orbitando uma estrela “normal”,
receberam o Prêmio Nobel de Física de 2019. O prêmio foi oferecido
também ao cosmólogo James Peebles por suas importantes
contribuições ao campo da Cosmologia Observacional. É o
reconhecimento do desenvolvimento tecnológico e teórico da
Astrofísica das últimas décadas.

O prêmio serve de contraponto ao crescimento recente de teorias


conspiratórias e negacionistas como a defesa de que a Terra seria plana.
Em tempos de pós-verdade, é fundamental comemorar o avanço da
ciência e do conhecimento humano, e resistir bravamente à promoção
da ignorância como meta. Devemos sempre lutar pelo uso e
reconhecimento das evidências — e não de ideologias — como base para
o estabelecimento de políticas públicas.

Nesse contexto, a RBA vem cumprir o papel essencial de mostrar ao


público a ciência de ponta desenvolvida no país. Apresentamos aqui
astrônomos brasileiros que trabalham com dinâmica galáctica,
exoplanetas e aprendizado de máquina para a pesquisa em Astrofísica.
Precisamos lembrar: não há desenvolvimento sem ciência, e não há
ciência sem o apoio popular. Sem a ciência, só nos resta o
obscurantismo.

Thiago Signorini Gonçalves


Coordenador de Imprensa
da Sociedade Astronômica Brasileira

Esquerda
Detalhe da Nebulosa Cabeça da Bruxa, nome popular de IC 2118
(Crédito: DSS/Utkarsh Mishra).
Capa
Representação artística de um exoplaneta (Crédito: Pixabay).
Contra-Capa
Observatório de Haute-Provence, onde foram feitas as observações
que levaram à descoberta do planeta de 51 Pegasi por Michel Mayor e
Didier Queloz (Crédito: Acervo pessoal de José Dias do Nascimento).
ÍNDICE E EXPEDIENTE

Revista
Brasileira 4 A Missão Geodésica
do século XVIII
de Astronomia Sandro Rembold narra a apaixonante
produzida pela aventura dos cientistas que se dedicaram
Sociedade Astronômica Brasileira a medir a forma da Terra.

12
Conselho Editorial Alan Alves Brito,
Reinaldo Ramos de Carvalho, Lucimara
Martins, Ramachrisna Teixeira, Astronomia do Fu-
turo
Thiago Signorini Gonçalves
Editor Helio J. Rocha-Pinto
Equipe de colaboradores Hélio Dotto
Perottoni, Mylena Larrubia, Matheus Bernini Reinaldo Rosa expõe o provável cenário
Peron, Douglas Brambila dos de intensa computação que o século XXI
Santos, Maria Luiza Ubaldo de Melo
reserva para a Astronomia.
Contato secsab@sab-astro.org.br

22 Ressonâncias na
Para anunciar Fale com Rosana no email
acima ou ligue (11) 3091-8684,

galáxia NGC 7020


Seg. a Sex. 10 às 16 h.
Para submissões
Contacte um membro do conselho editorial
As ressonâncias criam fascinantes
padrões orbitais, como explica Horácio
Dottori.

28 50 anos do Projeto
LION
Presidente
Reinaldo Ramos de Carvalho A história de como astrônomos
Vice-Presidente brasileiros colaboraram com a missão
Helio J. Rocha-Pinto
Apollo é contada por Nelson Travnik.
Secretário-Geral
Ramachrisna Teixeira

32 Amundos
busca por novos
Secretário
Alan Alves Brito
Tesoureira
Lucimara Martins
Endereço
Sociedade Astronômica Brasileira José Dias do Nascimento traça um
Rua do Matão, 1226
interessante histórico acerca das
05508-090 São Paulo – SP
http://www.sab-astro.org.br especulações e da busca por outros mun-
dos.

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 3


A MISSÃO GEODÉSICA DO SÉCULO XVIII

A Missão Geodésica do século XVIII


Houve uma época em que as grandes descobertas astronômicas envolviam aventuras e viagens a locais remotos.
A Missão Geodésica foi uma dessas expedições que mudaram nossa visão sobre a Terra.
Astrônomos e Exploradores:

T
ecnologia de ponta. Essa xilia a expandir nosso conheci-
expressão quase sempre mento sobre as propriedades fí-
acompanha a pesquisa ci- sicas e químicas dos corpos ce-
entífica conduzida atual- lestes e da estrutura e origem do
mente no mundo inteiro Universo. Essa característica, po-
— e isso vale para as ciências rém, é recente. Séculos atrás, as
naturais de forma geral e para a ferramentas utilizadas no estudo
Astronomia em particular. Teles- do céu eram muito mais simples.
cópios espaciais, sondas interpla- Da mesma forma, as questões le-
netárias, detectores de ondas gra- vantadas pela comunidade cien-
vitacionais: todo um arsenal de tífica eram outras, mais simples
equipamentos modernos nos au- mas não menos importantes. E as

4 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


A MISSÃO GEODÉSICA DO SÉCULO XVIII

respostas a essas questões com tanto no mapeamento geográfico


frequência não se utilizavam de quanto nas estimativas de loca-
muito mais do que telescópios le- lização em alto-mar resultantes
ves e portáteis, utilizando lentes do desenvolvimento dessas técni-
com a qualidade ótica então dis- cas atraíam um grande interesse
ponível. governamental e, consequente-
No começo do século XVIII, os mente, recursos.
astrônomos dispunham de equi- Mas, além do potencial econô-
pamentos mecânicos para medir mico associado à navegação e à
posições aparentes dos astros, e cartografia, a astronomia seria u-
telescópios leves para uso astro- sada também para resolver uma
nômico eram comuns. Havia, ain- questão bem mais desafiadora.
da, uma mecânica celeste relati- Em seu livro Philosophiæ Natu-
vamente avançada — regida pe- ralis Principia Mathematica, Isaac
las chamadas Leis de Kepler do Newton havia proposto a exis-
movimento planetário. tência de uma “força à distância”
A astronomia era muito valori- responsável pelos fenômenos gra-
zada como ciência, em especial de- vitacionais em todas as escalas,
vido às aplicações na navegação incluindo os movimentos plane- Na página anterior
Mapa da América do Sul,
e localização geográfica. Para tais tários — a força gravitacional. Sua
publicado em Londres, em
fins, a latitude de um observador teoria atribuía tais movimentos a 1710, gravado por John
pode ser obtida diretamente a uma combinação de conservação Senex e dedicado a seu
partir da medida da altura má- da energia mecânica (garantindo amigo, e astrônomo,
Edmund Halley.
xima no céu atingida por uma um movimento continuado dos
estrela qualquer cuja localização planetas e da Lua) com a atuação
seja conhecida. A longitude é mui- da força gravitacional entre estes.
to mais difícil de obter; uma forma O conceito de uma força à distân-
possível consiste em determinar cia, no entanto, era algo inovador
o horário local de ocorrência de e gerava grande desconforto em
um dado evento astronômico (co- parte dos filósofos da época. De
mo um eclipse) e comparar com fato, ainda antes da introdução do
o horário de ocorrência desse e- conceito de força gravitacional
vento na localidade de Green- por Newton, o filósofo René Des-
wich, na Inglaterra — usada até cartes em seu Principia Philoso-
hoje como ponto de referência pa- phiae havia proposto um modelo
ra medição de longitudes. Dessa distinto para explicar os movi-
forma, obter coordenadas exatas mentos planetários, introduzindo
em Terra qualquer usando ape- o conceito de vórtices (redemoi-
nas observações astronômicas era nhos) em um meio hipotético que
factível na época, havendo equi- permearia o Universo, chamado
pamentos adequados e boas con- éter. Esses vórtices forçariam os
dições de observação. A melhoria movimentos circulares por arras-

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 5


A MISSÃO GEODÉSICA DO SÉCULO XVIII

to. Um desses vórtices estaria resolvido pela estimativa preci-


centrado na Terra, forçando o sa da forma da Terra.
movimento da Lua em torno des- Mas como determinar o forma-
ta. A comunidade científica euro- to da Terra em uma época em
peia de fato se dividiu entre os que a astronáutica e o uso de te-
defensores do modelo Cartesia- lescópios espaciais eram, ainda,
no para o Universo e os defen- inexistentes? Embora possa pare-
sores da gravitação newtoniana. cer surpreendente, o fato é que
diferentes geometrias para a Terra
impõem uma assinatura sutil nas
observações do céu. Considere
que a Terra é bastante achatada
nos polos, e que você parte do
polo norte, caminhando, em di-
reção ao equador. A superfície na
qual você caminha é quase pla-
na, devido ao achatamento da
Acima Terra. Vai ser preciso caminhar
Um esferoide alongado (em Para se testar a validade de dois muito para que você perceba al-
amarelo) ou achatado (em
modelos físicos distintos e concor- guma alteração significativa na
azul) nos polos: o formato
da Terra para Descartes e rentes, é preciso que ambos fa- direção vertical, ou seja, nas es-
Newton, fora de escala. çam previsões distintas entre si trelas que estão imediatamente
para, pelo menos, um fenômeno acima de você, no céu. Em con-
natural. E, no caso dos modelos de traste, quando estiver se aproxi-
Descartes e da gravitação newto- mando da linha do equador, um
niana, a discrepância estaria no curto percurso caminhado já re-
próprio formato do nosso plane- sulta em uma grande alteração
ta. Os vórtices de Descartes impu- na direção vertical, já que a cur-
nham um alongamento da Terra vatura abaixo dos seus pés é alta.
na direção do seu eixo de rota- Assim, a assinatura observacional
ção — ou seja, a Terra não seria de uma Terra achatada nos polos
esférica, mas sim alongada na di- é constatável desta forma: próxi-
reção dos polos. Na gravitação mo dos polos, é preciso se deslo-
newtoniana, por outro lado, a ro- car mais do que próximo ao e-
tação da Terra induziria a uma quador para uma mesma varia-
redução na aceleração gravita- ção na configuração das estrelas
cional efetiva próximo ao equa- observadas no topo do céu. Se a
dor; assim, a Terra seria achata- Terra for alongada nos polos, a
da na direção dos pólos, em con- assinatura será exatamente o o-
traste com a previsão do modelo posto: o deslocamento necessário é
cartesiano. Dessa forma, o emba- maior no equador do que nos po-
te entre essas duas teorias seria los. Um cientista interessado em

6 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


A MISSÃO GEODÉSICA DO SÉCULO XVIII

Acima
realizar tais medidas deveria, pre- tais recursos não foi difícil, uma Louis Godin, primeiro à
ferencialmente, deslocar-se para vez que a expedição também faria esquerda, foi o idealizador
regiões extremas — o mais pró- medições das latitudes e longitu- da Missão Geodésica, na
ximo possível tanto do equador des locais nas regiões a serem ex- qual foi acompanhado por
Bouger (no meio) e
quanto de um dos polos geográ- ploradas, gerando melhorias nos Condamine (à direita).
ficos. Em cada locação, deveria mapas de navegação. O planeja-
definir um percurso na direção mento da expedição foi realizado
norte–sul que se estendesse por ao longo de 1734 e se converteu
vários quilômetros em latitude, e em um par de expedições: uma
comparar a movimentação apa- missão secundária, franco-sueca,
rente do céu entre os dois extre- até a fronteira entre a Finlândia e
mos desse percurso. Essa movi- a Suécia, chamada missão polar, e
mentação aparente celeste pode- uma missão principal para a A-
ria ser medida através da diferen- mérica do Sul, na região da então
ça nas alturas máximas de uma Audiência de Quito, o atual Equa-
mesma estrela entre as duas lati- dor — a chamada Missão Geodé-
tudes. Finalmente, restaria medir sica. Uma vez que a Audiência de
a distância em Terra entre os dois Quito era território espanhol, a
pontos extremos de observação. Missão Geodésica se converteu em
Tudo isso estava na cabeça do uma missão conjunta franco-es-
astrônomo francês Louis Godin panhola. A equipe da Missão
quando, em dezembro de 1733, Geodésica foi composta pelos as-
propôs à Academia de Ciências trônomos Louis Godin e Pierre
Francesa uma expedição à Amé- Bouguer, o geógrafo e matemáti-
rica do Sul visando estimar o raio co Charles Marie de La Condami-
de curvatura terrestre naquela re- ne, além de instrumentadores e
gião. A Academia aprovou a expe- geógrafos franceses e espanhóis,
dição e se dedicou a angariar fun- carregando uma carga conside-
dos para financiá-la. Conseguir rável em telescópios e outros ins-

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 7


A MISSÃO GEODÉSICA DO SÉCULO XVIII

trumentos. A duração da expedi- jeto deslocado metro a metro. A


ção foi estimada em um ano mais técnica utilizada pelos membros
o intervalo de vários meses de da missão foi o da triangulação:
deslocamento de ida e volta da A- as distâncias entre os dois pontos
mérica do Sul até a França. A re- extremos de observação do céu
gião escolhida para a realização foram calculadas através das lo-
das medidas foi um par de cadei- calizações relativas de cerca de
as de montanhas que fazem par- 30 montanhas e vulcões. Os dois
te da cordilheira dos Andes, ten- extremos dessa cadeia — Quito e
do um amplo vale entre ambas, Cuenca — estavam a quase 400
que se estendia entre as cidades de quilômetros entre si, uma distân-
Quito ao norte e Cuenca ao sul. cia suficiente para se estimar com
Embora a ideia por trás do ex- segurança o movimento relativo
perimento é simples — deslocar- das estrelas no céu entre essas du-
se em linha reta na linha norte– as latitudes, mas tornava o pro-
sul e medir tanto a movimenta- cesso de triangulação demorado
ção aparente sofrida pela esfera e cansativo.
celeste quanto a extensão do pró- A expedição partiu da Europa
Abaixo prio deslocamento em Terra — em maio de 1735. Seguiu-se uma
Mapa moderno do Equador, sua execução é formidável. Em u- longa viagem marítima da Espa-
mostrando a localização das
cidades de Quito e Cuenca
ma região crivada de montanhas nha até a ilha de Martinica, e de-
(Crédito: Google Maps). e recoberta por florestas, é im- pois aos portos de Santo Domin-
possível deslocar-se e medir o tra- go (na República Dominicana) e
Cartagena de Índias (na Colôm-
bia), chegando finalmente ao Pa-
namá. Transportados por mulas,
os membros da expedição e seus
equipamentos cruzaram o Pana-
má para, já às margens do Ocea-
no Pacífico, realizarem o último
trecho marítimo até Guayaquil,
no Equador. Um último trecho no
lombo de mulas os conduziu à
cidade de Quito, onde chegaram
em junho de 1736 — mais de um
ano após a partida na França.
O complexo trabalho de medi-
ção seria realizado em duas eta-
pas: a primeira, mais demorada e
exaustiva, consistia em medir as
posições relativas das diversas
montanhas da cadeia que sepa-

8 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


A MISSÃO GEODÉSICA DO SÉCULO XVIII

Acima
ram Quito de Cuenca. Para medir tremo, as alturas extremas dos pi-
Um pequeno trecho da
as posições relativas das monta- cos escolhidos submeteram os região explorada pela
nhas, os membros da equipe ins- membros da equipe à baixa oxi- Missão Geodésica,
talavam bandeiras, fogueiras ou genação sanguínea, um fenômeno mostrando algumas das
montanhas que foram
quaisquer outros elementos de que até então desconheciam. Le-
usadas para a triangulação
destaque, e mediam a direção em tárgicos, estavam ainda sujeitos da distância entre Quito e
que esse elemento deveria ser ob- às frequentes chuvas e neblina Cuenca.
servado a partir de outras monta- que encobriam as montanhas e
nhas. A equipe acreditava que, na atrasavam a realização das ob-
ausência de contratempos, esse servações, além da destruição re-
trabalho estaria completo em a- alizada pelos fortes ventos e pe-
penas alguns meses — mas os los animais selvagens sobre os
contratempos, particularmente pontos de fumaça utilizados co-
em uma missão tão complexa e mo marcadores das posições de
audaciosa como esta, logo come- referência ideais nas diferentes
çaram a aparecer. Além de expos- montanhas. Todos esses proble-
tos a diversas doenças tropicais, mas produziram um enorme a-
como a malária, seus gastos finan- traso no cronograma original: as
ceiros se mostraram muito supe- medidas somente foram concluí-
riores aos estimados no início da das em 1739, quatro anos após o
Missão, de forma que os fundos começo da expedição.
se esgotaram rapidamente, obri- Finda essa etapa, bastava deter-
gando os astrônomos a investi- minar as latitudes relativas dos
rem seus próprios recursos. Gran- dois extremos da linha — Quito e
de parte do trabalho era executa- Cuenca. Então, novos problemas
do nas montanhas, durante vários passaram a assombrar a equipe.
dias consecutivos; além do frio ex- No mesmo ano, se inicia a Guer-

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 9


A MISSÃO GEODÉSICA DO SÉCULO XVIII

ra do Asiento entre a Grã-Breta- sentarem várias vezes da Missão.


nha e a Espanha, o que obrigou Desfalcados, os membros restan-
os membros espanhóis a se au- tes se dedicaram a colocar os e-
Ao lado quipamentos astronômicos nova-
Não existem fotografias dos mente em boas condições de uso,
telescópios utilizados na uma vez que os equipamentos e
Missão Geodésica. Esta é
uma versão mais telescópios, após serem transpor-
sofisticada, do final do tados múltiplas vezes por várias
século XIX. Na Missão, cententas de quilômetros e pas-
os telescópios eram sarem por várias montagens e
acoplados ao teto do
observatório, em vez de desmontagens, em condições va-
repousarem diretamente riáveis de umidade e temperatu-
sobre o chão, como neste ra, estavam severamente danifi-
exemplar. cados. Em cada extremo da linha
de medida foi construído um
observatório simplificado, nos
quais os telescópios foram insta-
lados e acoplados ao teto. Para a
realização das observações, o sis-
tema ótico deveria ser alinhado
com precisão na direção norte–
sul; porém, os prédios sofriam
pela expansão e contração devi-
do às variações de umidade e tem-
peratura, além de serem abala-
dos pelos frequentes terremotos
da região. Finalmente, medidas de
latitude devem ser repetidas vá-
rias vezes e são sempre sujeitas a
diversas complicações de natu-
reza observacional — incluindo o
céu encoberto por nuvens. Final-
mente, no início do ano de 1743
— após mais de três anos de ob-
servações astronômicas e impres-
sionantes quase oito anos após o
início da missão — os membros
da equipe finalmente concluíram
as observações que permitiriam
determinar o formato da Terra.
As complexas medições realiza-
das pela Missão Geodésica, quan-

10 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


A MISSÃO GEODÉSICA DO SÉCULO XVIII

do comparadas com as equi-


valentes obtidas pela Missão Po-
lar no norte da Europa, mos-
traram inequivocamente que a
Terra é um esferoide oblato —
ou seja, é levemente achatada, e
não alongada, nos polos. Dessa
forma, não apenas a teoria new-
toniana da gravitação recebia
um importante reforço experi-
mental, mas também passou-se
a se conhecer melhor a geome-
tria do planeta no qual vivemos.
A Missão Geodésica ainda re-
sultou em diversos outros avan-
ços, como descrições da cultura
e da vida natural na região, e
um mapeamento geográfico bas-
tante melhorado em relação
aos disponíveis anteriormente.
E isso só foi possível devido à
ousadia, coragem e determinação Acima
A Terra é um esferoide
de um grupo de cientistas que, levemente achatado: seu
longe de suas famílias, exploran- diâmetro é cerca de 43 km
do regiões pouco conhecidas e mais curto entre os dois
colocando-se com frequência em polos do que ao longo do
equador. Tal diferença é
condições de risco, dedicaram u- imperceptível nessa
ma fração significativa das pró- imagem, o que ilustra a
prias vidas para levantar parte grandeza do trabalho
do véu que encobre os mistérios realizado pela Missão
Geodésica. (Crédito: NASA)
da natureza e permitir que, hoje,
conheçamos melhor mundo em
que vivemos • O Raio da Terra
Sandro Barboza Rembold O raio da Terra varia de acordo com o local em que é medido.
Univ. Federal de Santa Maria Os valores médios e extremos dão uma ideia de quanto a
sandro.rembold@ufsm.br forma de nosso planeta se afasta de uma esfera perfeita.

Raio equatorial 6378,1, km


Raio polar 6356,7 km
Raio máximo 6384,4 km, no pico Chimborazo, Equador
Raio mínimo 6352,8 km, no Oceano Ártico

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 11


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

Astronomia do Futuro
Ciência de Dados e Tecnologia da Informação
Cada vez mais as grandes descobertas em Astronomia requerem manipular e
analisar gigantescos cubos de dados (Data Cubes), o que implica uma nova
forma de fazer ciência.

D
e acordo com alguns im- dos (trata-se do quarto paradig-
portantes cientistas con- ma reconhecido pela comunida-
temporâneos, a ciência no de científica como Data-Intensive
Século XXI está vivenci- Scientific Discovery ou, simples-
ando uma nova mudan- mente, Data Science).
ça de paradigma. Este no- A emergência deste novo para-
vo paradigma sugere que as pró- digma foi anunciada, por volta
ximas mais importantes desco- de 2010, por James Nicholas Gray,
bertas científicas estão (e estarão cientista da computação laurea-
cada vez mais) fortemente condi- do com o prêmio Alan Turing, um
cionadas ao uso intensivo de da- dos mais importantes da área. A

12 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

para confirmá-las ou não. Neste


paradigma, por exemplo, vamos
encontrar muitas pessoas inteli-
gentes a soltar objetos das mãos,
logo acima do solo, para concluir,
após inúmeros experimentos, que
tais objetos eram atraídos pela
Terra (fosse ela considerada esfé-
rica ou não!).
Algumas centenas de anos a-
trás, surgiu um segundo paradig-
ma relacionado ao advento de te-
orias capazes de explicar e gene-
ralizar observações e experimen-
tos empíricos. Os cientistas estabe-
leceram leis científicas sob forma
matemática: por exemplo, a Lei da
Gravitação de Newton para expli-
car a queda dos objetos atraídos
pela Terra.
Há algumas décadas, com o sur-
gimento dos computadores, esta-
beleceu-se o terceiro paradigma.
Ou seja, com o poder da matemá-
tica computacional, os cientistas
começaram a elaborar e aplicar
simulações numéricas para veri-
ficar teorias relativas a fenôme-
ideia de paradigma indica como o nos complexos. É o caso, por e-
avanço do conhecimento científi- xemplo, da simulação de N cor-
co evolui ao longo da história. Pa- pos que, na Astronomia, possibi-
ra entender como chegamos ao litou o amadurecimento da Cos-
quarto paradigma, vamos revisar mologia ao permitir entender, via
rapidamente a evolução da Ciência. modelos e simulação, como se for-
Segundo James Gray, o primei- mam as grandes estruturas do U-
ro paradigma apareceu milhares niverso compostas por superaglo-
de anos atrás. É a Era do Empi- merados de galáxias.
rismo, quando a metodologia es- Portanto, três paradigmas se se-
tava, exclusivamente, baseada na guiram: ciência empírica, ciência
observação de fenômenos, levan- teórica e ciência condicionada à
do cientistas a suposições que e- simulação computacional.
ram verificadas experimentalmente Nos últimos anos, os cientistas

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 13


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

reconheceram a emergência do paradigma para definir um bom


quarto paradigma devido à ex- roteiro de filme.
plosão na produção e armazena- A principal fonte de geração de
mento de dados conhecido como dados digitais com características
Big Data. No século XXI já foram de Big Data forma um conjunto
criados no mundo cerca de 4 ZB de dispositivos eletrônicos conec-
de dados digitais (quatro zetta- tados à internet, denominado por
bytes = 4 × 1021 bytes). Esse nú- Kevin Ashton, em 1999, pelo no-
mero é extraordinariamente gran- me de a “Internet das Coisas” (ou
de pois corresponde à mesma or- IoT, do termo em inglês, Internet
dem de grandeza da quantidade of Things).
de estrelas que existe no univer- No contexto da IoT, a busca por
so visível. Uma quantidade um informação ou conhecimento no-
pouco menor corresponde à to- vo, seja trabalhando com simula-
dos os grãos de areia que com- ções, sensores de medição ou da-
põem todas as praias e desertos dos já publicados, se baseia em
do nosso planeta. Experimente grandes quantidades de dados que
contar uma quantidade de grãos são, para o cérebro humano, muito
que caiba na palma da sua mão difíceis de armazenar, manipular,
e você terá a percepção do que é analisar e compreender. É nesse
Abaixo
Diagrama conceitual, o Big Data. contexto que a aprendizagem de
mostrando as diversas O Big Data vem impactando, não máquina (conhecida como Machi-
relações entre os processos só a descoberta de conhecimento ne Learning) é uma das engrena-
do quarto paradigma da científico, mas também, de forma gens fundamentais no processo de
ciência. Os equipamentos e
instrumentação (Internet contundente, as decisões de em- extração de informação a partir do
das Coisas, IoT) fornecem o presas, governos e áreas da saúde, Big Data.
grande volume de dados definindo como, quando e por que A aprendizagem de máquina, no
(Big Data), que deve ser o usuário interage com o sistema contexto do quarto paradigma,
analisado na nuvem (Cloud
Computing) por técnicas de composto por bilhões de disposi- consiste no treinamento de um
mineração de dados (Data tivos conectados pela internet. A- computador para reconhecimento
Mining), de modo a gerar tualmente, até a indústria cine- de padrões seguindo os princípios
novos conhecimentos. matográfica se baseia no quarto da estatística computacional e da
inteligência artificial.
Na prática, refere-se
a examinar dados
que já foram coleta-
dos — utilizando di-
versos tipos de algo-
ritmos, normalmen-
te de forma auto-
mática, — a fim de
gerar novas informa-

14 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

ções e encontrar padrões. No cam- Para saber mais


po da análise de Big Data é cha-
mada de Mineração de Dados (do • O quarto paradigma, descobertas científicas na era da e-sci-
termo em inglês, Data Mining). ence; T. Hey , S. Tansley & K. Tolle (2011), Oficina de Textos
O debate sobre o advento de um
quarto paradigma, como impulsi- • Statistics, Data Mining, and Machine Learning in Astronomy;
onado por James Gray, permane- Z. Ivezic, et al. (2019), Princeton Univ. Press
ce aberto. Na evolução das meto-
• Bayesian Models for Astrophysical Data; J. M. Hilbe, R. S. de
dologias para busca de conheci-
Souza & E. O. Ishida (2017), Cambridge Univ. Press
mento científico, trata-se de um
método complementar às aborda- • Astronomy in the Big Data Era; Zhang, Y. and Zhao, Y., 2015,
gens tradicionais, ainda obvia- Data Science Journal, 14, p.11
mente necessárias, indispensável
devido à emergência do Big Da- • Internet das Coisas; S.L. Stevan Jr. (2018), Saraiva
ta. De qualquer forma, a ciência
do século XXI estará cada vez peração desde 1990, fez mais de
mais focada na mineração de da- 1,3 milhão de observações trans-
dos que, por sua qualidade e cres- mitindo cerca de 20 GB de dados
cimento exponencial, condicio- brutos toda semana, o que é no-
nam — como nunca antes — o tável para um telescópio inédito
processo que possibilita o avanço projetado na década de setenta. O
do conhecimento científico. ALMA (Atacama Large Millimet-
A astronomia contemporânea é er Array), em funcionamento no
por excelência uma ciência de Big Chile, adiciona cerca de 2 TB de da-
Data. Assim sendo, na astrono- dos a seus arquivos todos os dias.
mia no século XXI — que estará Geralmente, cada geração de ob-
cada vez mais baseada nos con- servatórios é pelo menos dez ve-
ceitos de IoT, Big Data e Data Min- zes mais sensível que a anterior,
ing — todo astrônomo será (ou de- seja por causa da melhoria da tec-
penderá diretamente) de um cien- nologia ou porque a missão é sim-
tista de dados para fazer desco- plesmente maior. Dependendo do
bertas científicas importantes. Es- tempo de duração de uma nova
se cenário de causa e efeito está missão, ela pode detectar centenas
atrelado, cada vez mais, à tecno- de vezes mais fontes astronômi-
logia da informação com destaque cas do que as missões anteriores
para aquelas chamadas de com- no mesmo comprimento de onda.
putação em nuvem (Cloud Compu- Nesse sentido, o equivalente a um
ting). diluvio de dados está prestes a
Observatórios astronômicos ge- ocorrer.
ram uma quantidade impressio- O LSST (Grande Telescópio de
nante de dados. Por exemplo, o Pesquisa Sinóptica), um telescó-
Telescópio Espacial Hubble, em o- pio óptico atualmente em cons-

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 15


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

em 2022, somando a contínua pro-


dução de dados das observações
em andamento, essa carga poderá
ultrapassar em 2025 a marca de
500 petabytes. Até 2030, além do
SKA, outros projetos de porte gi-
gantesco, onde alguns contam com
a participação direta do Brasil, tam-
bém serão concluídos e ativados.
Após essa data, considerando que
um número significativo de no-
vos telescópios espaciais já em o-
peração, a astronomia estará de
fato imersa no diluvio de dados
Acima
O Grande Telescópio de trução no Chile, previsto para en- que ultrapassará, de forma mui-
Varredura Sinóptica (LSST), trar em operação em 2022, fará i- to rápida, a marca de 1.1 exaby-
quando pronto, será capaz magens do céu inteiro a cada pou- tes de dados úteis. Os dados úteis
de mapear o céu inteiro em
cas noites. O seu desempenho ob- são aqueles a serem extraídos de
poucas noites, permitindo o
monitoramento de 35 bil- servacional permitirá realizar o forma automática da inundação
hões de corpos celestes. levantamento de mais de 35 bi- de dados brutos que, na lingua-
(Crédito: LSST/NSF/AURA). lhões de objetos. Será tão sensível gem técnica, é chamado de Data
que gerará 10 milhões de alertas Lake. Os valores de dados úteis
por noite em fontes novas ou podem ser inferidos a partir das
transitórias, resultando num ar- estimativas de geração de dados
quivo com mais de 40 petabytes de prevista por cada instrumento na
dados após uma década de funcio- condição de plena operacionali-
namento. Na janela da radioastro- dade. Na nova abordagem de Da-
nomia, o sistema SKA (Square ta Lake até 25% dos dados brutos
Kilometer Array), quando operaci- do Big Data podem ser descarta-
onal em 2027, será o telescópio dos por diversas razões de pré-
mais sensível do mundo, capaz de processamento, qualidade ou pri-
detectar, se existirem, estações de oridade.
radar a até 50 anos-luz de distân- Esses projetos ambiciosos tes-
cia. Em apenas dois anos de ativi- tarão a capacidade dos astrôno-
dade, será capaz de produzir cerca mos de manipular dados dentro
de 1 exabyte de dados. do escopo do quarto paradigma.
A quantidade de dados úteis ge- As imagens serão processadas au-
rados a partir de observações as- tomaticamente — por isso os da-
tronômicas relacionadas a gran- dos precisarão ser reduzidos pa-
des projetos, pode chegar a mais ra um tamanho gerenciável ou
de 110 petabytes em 2020. Com o transformados em um produto
início do funcionamento do LSST acabado. Por razões como esta,

16 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

os novos observatórios estão am- maior de dados todos os dias.


pliando o poder computacional, Portanto, mesmo com a aprendi-
exigindo instalações capazes de zagem de máquina sofisticada, a
processar centenas de terabytes ciência cidadã e a computação em
por dia. Os arquivos resultantes nuvem bem estruturada, tudo in-
disponíveis na nuvem conterão 1 dica que em alguns casos, levará
milhão de vezes mais informa- anos para descobrir todos os si-
ções do aquele que hoje pode ser nais ocultos e relevantes enterra-
armazenado no seu disco de dos nos arquivos.
backup típico de 1 TB. A boa notícia é que a tecnologia
O dilúvio de dados fará da as- da informação vem evoluindo de
tronomia uma ciência mais cola- forma espantosa e totalmente
borativa e aberta do que nunca. em ressonância com a ciência de
Graças às soluções de IoT e da com- dados. No LSST, por exemplo, o sis-
putação em nuvem, comunidades tema alertará os astrônomos
robustas de treinamento para a- quase imediatamente quando um
nalisar dados serão formadas pro- evento for detectado para permi-
piciando a participação dos cida- tir observações rápidas de acom-
dãos na descoberta cientifica. Es- panhamento por outros instru-
ta solução, conhecida como ciên- mentos. A notícia não tão boa é
cia cidadã (citizen-science ou e-Sci- que até 10 milhões desses even-
ence), já está operacional desde 2009 tos transientes são possíveis a ca-
(são exemplos os projetos Galaxy da noite. Com taxas de detecção
Zoo, para classificação morfológica automática sempre crescendo, a
de galáxias, e o Einstein@home mineração de dados também de-
que permite que qualquer pessoa verá ser 100% automatizada. Isto
use o tempo ocioso do seu compu- é, dado o enorme fluxo de infor-
tador para ajudar a procurar on- mações que o LSST fornecerá, em
das gravitacionais colidindo com algum momento não será possível
buracos negros). que os cientistas analisem direta-
A astronomia participativa on- mente até mesmo uma fração re-
line é um exemplo que incorpora presentativa dos dados úteis. Em
a ciência cidadã ao quarto pa- vez disso, eles dependerão cada
radigma, requisitando a ajuda do vez mais da manipulação hábil
público na pesquisa científica do de algoritmos para examinar os
século XXI, já condicionada à mi- relacionamentos na totalidade de
neração intensiva de dados na um conjunto de dados. Nesse con-
busca do conhecimento. texto, os melhores insights serão
Descobertas na era do Big Data obtidos a partir das melhores per-
mudam a maneira como a ciência guntas a serem formuladas sobre
é feita. Os astrônomos estão cole- as principais propriedades e re-
tando uma quantidade cada vez lações entre todos esses dados.

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 17


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

Tecnologia da Informação ferramentas específicas que fo-


A quantidade de dados envol- ram desenvolvidas para Big Data.
vidos força-nos a uma mudança Dentro deste paradigma de com-
de paradigma ao lidar com arqui- putação em nuvem para a astro-
vos de dados astronômicos. A ma- nomia de Big Data emergem de
neira usual de "baixar" os dados, mãos dadas a astroinformática e
para que os usuários neles traba- a astroestatística. Um exemplo é
lhem, precisa evoluir para uma a espectroscopia de múltiplos ob-
nova maneira de trabalhar, na jetos envolvendo milhares de da-
qual os usuários podem enviar dos para análise através de algo-
seu código de processamento pa- ritmos automáticos. Devido a es-
ra os dados, executá-lo nos servi- sa quantidade cada vez maior de
ços de computação e armazena- dados, é muito difícil realizar um
mento fornecidos diretamente pe- estudo profundo de objetos indivi-
lo centro onde os dados residem. duais. As abordagens da astroesta-
O sistema de informação deverá, tística na seleção e na análise de
portanto, fornecer uma infraes- grupos é portanto fundamental
trutura para executar interfaces para a mineração da informação
e software de valor agregado so- no ambiente virtual. A astroinfor-
bre os dados. Dessa forma, a mai- mática permite que as soluções
oria do novos projetos observa- de VO fiquem cada vez mais fá-
cionais adotarão protocolos de ob- ceis de usar, mesmo com o cres-
servatório virtual (VO) já exis- cimento continuo de múltiplos
tentes (TAP, ADQL, UWS, VOSpace, dados.
SAMP entre outros) para construir Esta é uma nova era em que os
a infraestrutura de gerenciamen- objetivos científicos impulsionam
to de arquivos de dados. A ado- desenvolvimentos e soluções téc-
ção da tecnologia VO desde o iní- nicas. Soluções da astroinformá-
cio também garantirá a interope- tica, motivadas pelas demandas
rabilidade total do arquivo com da astroestatística do Big Data, de-
outros aplicativos e arquivos de verão facilitar a verificação da
dados compatíveis com VO. qualidade dos dados, selecionan-
O paradigma de Observatório do e disponibilizando de forma
Virtual (VO) concentra seus servi- rápida e precisa os dados úteis pa-
ços e soluções nas definições e na ra a analise integrada de forma
criação da infraestrutura geral pa- múltipla e recorrente até que o co-
ra trabalhar facilmente com da- nhecimento novo venha a emergir
dos astrofísicos distribuídos. Com do fundo do lago.
base nessa infraestrutura de in-
Big Data & Data Mining
formação múltipla e heterogênea,
os dados agora tornam-se mais a- Muitos autores tentam definir
cessíveis e utilizáveis graças às Big Data a partir das proprieda-

18 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

des que todo conjunto de dados térios de prioridade ou defeito).


pode apresentar: volume, varie- Data mining é a prática de exami-
dade e valor. Considerando a ta- nar Big Data já coletado — utili-
xa de dados envolvida na sua pro- zando diversos tipos de algoritmos,
dução, transmissão, aquisição e ma- normalmente de forma automá-
nipulação também acrescenta-se tica —, a fim de gerar novas in-
um quarto V: a velocidade em formações, encontrar padrões e a-
bytes por unidade de tempo. Des- gregar soluções e conhecimento ao
sa forma, Big Data são dados com problema proposto. A mineração
grande volume, alta variedade, de dados é, portanto, a base para
com discriminação de valor e al- uma integração com métodos mais
tas velocidades. Qualquer tentati- avançados, que envolvem desde as
Abaixo
va de quantificar cada uma des- ferramentas mais básicas — como
O Big Data proveniente das
sas propriedades causará polêmi- regressões e árvores de decisão — observações astronômicas
ca. Mas por uma questão didáti- até modelagens mais complexas trará inúmeras questões e
ca para a astronomia vamos apre- com elevado nível de otimização conhecimentos novos que
só poderão ser abordados
sentar aqui valores e argumen- de análise, utilizando também mé-
pelo cientista de dados que
tos quantitativos típicos que ser- todos de aprendizagem de máqui- está emergindo na era da
vem de referencia: na supervisionados, não-supervi- IoT.
• Volumes superiores a 10 TB;
• Velocidades superiores a 1 TB/h;
• Variedade: essa propriedade pode
abranger simplesmente a diversi-
dade de atributos e instancias de
um arquivo, bem como a quanti-
dade de arquivos e a sua hetero-
geneidade (tipo estruturado, não-es-
truturado ou semiestruturado) e
ainda proveniente de múltiplas
fontes e apresentados em múlti-
plos formatos. No caso mais sim-
ples, a variedade é apresentada
num cubo de dados (data cube)
contendo centenas ou milhares
de instancias em cada dimensão.
• Valor: alguns atributos e instân-
cias podem ser mais importantes
que outros tornando o dado he-
terogêneo em prioridade. Pode
também conter parte do dado
com baixa qualidade (descartado
como ruído, dispensável por cri-

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 19


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

sionados e híbridos. Inclui também lizando o Python destaco aqui o


as técnicas de aprendizagem pro- AstroML desenvolvido por Zeljko
funda com Redes Neurais (em ge- Ivezic e colaboradores em 2012.
ral, recorrentes e convulacionais) Como um toolkit para minera-
que são chamadas de deep learn- ção e ciência de dados em astro-
ing. Nestes casos, o propósito cos- nomia, AstroML reúne mais de
tuma ser análises preditivas e pres- 100 algoritmos que possibilitam
critivas, que conduzem os indiví- explorar com detalhe dados astro-
duos a tomarem suas decisões de nômicos para responder pergun-
forma mais rápida, automatizada e tas fundamentais da astrofísica e
precisa (ou otimizada). da cosmologia. Um bom manejo
Uma das primeiras soluções fo- das principais técnicas aplicadas
cadas em data mining, para fins aos melhores dados disponíveis
de exemplificação, foi o software podem (e devem) remeter a pes-
Weka. Criado nos anos 90 e manti- quisa na direção de encontrar res-
do até os dias atuais, Weka é um postas não só para perguntas es-
toolkit de algoritmos de machine pecíficas da astrofísica, como tam-
learning e estatística computacio- bém na direção das principais per-
nal. O propósito do software em guntas da astronomia contempo-
sua concepção foi permitir que o rânea: Qual é a natureza das ma-
usuário não precisasse conhecer téria e energia escuras? Como evo-
linguagens de programação para luem as galáxias em seu ambien-
fazer o pré-processamento dos da- te? Como a detecção de ondas gra-
dos (organizá-los) e assim aplicar vitacionais pode ajudar a expli-
diversos algoritmos prontos em car a natureza de singularidades
seus próprios dados. Dentro do cósmicas e a fase de inflação do
mesmo paradigma também há o universo?
Orange Toolkit. Para programado- Considere essas questões atre-
res, os recursos de data mining são ladas à idade do universo. Há um
ampliados nos ambientes elabora- século, poderíamos dizer apenas
dos para as linguagens Python (sci- que o universo era muito antigo.
kit) e R. Todas as bibliotecas do Não havia como encontrar um nú-
Python e R podem ser utilizadas mero preciso para essa idade. A-
de forma muito prática e produ- gora, graças à análise de mapas
tiva em diversos ambientes de de- detalhados que mostram o eco fra-
senvolvimento integrado (IDE) co da radiação cósmica de fundo
dentre os quais de se destaca o emitida muito próxima da origem
Jupyter. Na astronomia a lingua- do Universo, sabemos que o este
gem R, com destaque para abor- tem 13,82 bilhões de anos, com
dagem estatística Bayesiana, é u- um desvio de 10 milhões de anos.
ma referencia. Como exemplo do É fascinante a precisão desse co-
Data mining em Astronomia uti- nhecimento.

20 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


ASTRONOMIA E CIÊNCIA DE DADOS

Daqui a duas décadas já sere- Acima


As barras representam o
mos capazes de observar cerca crescimento do volume de
de mais de um milhão de sistemas dados ao longo da história
estelares. Portanto, graças à astro- da ciência identificando
nomia do quarto paradigma, ao cada um dos quatro
paradigmas.
longo deste novo século, talvez es-
taremos aptos a responder a mais
instigante entre todas as pergun-
tas: estamos sós neste universo?
Enquanto isso, nossos telescópios
continuarão a observar o univer-
so, com milhões de dispositivos
inteligentes e milhares de cientis-
tas de dados, conectados ao redor
do mundo, procurando incansa-
velmente por essas e outras res-
postas •

Reinaldo Rosa
Inst. Nac. de Pesquisas Espaciais
reinaldo.rosa@inpe.br

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 21


AS RESSONÂNCIAS E A GALÁXIA NGC 7020

As ressonâncias
e o fascinante caso da galáxia NGC 7020
As ressonâncias são responsáveis pelo aparecimento de curiosos e,
frequentemente, inusitados fenômenos orbitais. Na Astronomia, elas são
encontradas desde escalas subplanetárias até galácticas.

A
natureza mostra oscila- ça externa, que tem uma frequê-
ções e vibrações em todos ncia regular, interage com a fre-
os níveis e dimensões. quência elástica, interna, restituti-
As copas das arvores os- va de um objeto para causar uma
cilam sob a ação dos ven- falha. O exemplo clássico disso é
tos. Estruturas que parecem rígi- o copo de cristal que se quebra
das, como prédios e pontes, têm quando o canto atinge sua fre-
frequências próprias de oscilação quência ressonante. As duas auto-
que podem ser ativadas em cir- frequências interagem e podem
cunstâncias especiais por ventos causar uma deformação plástica
ou outras perturbações. Quando is- permanente.
to acontece se diz que o sistema Filmes e livros de física de am-
entrou em ressonância. pla difusão citam o caso da ponte
A ressonância é um fenômeno pênsil de Tacoma Narrows, no
físico que ocorre quando uma for- Estado de Washington, USA, que

22 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


AS RESSONÂNCIAS E A GALÁXIA NGC 7020

colapsou sob persistentes ventos efeito cumulativo dos sucessivos


de 65 km/h, que a fizeram oscilar "puxões" agirá no sentido de am-
e sofrer torção na sua frequência plificar a oscilação e tenderá a ti-
própria. Presentemente, diversos rar o planeta menor da sua traje- Na página anterior
especialistas sugerem que por ser tória. Esse fenômeno aconteceu NGC 7020 no centro duma
o vento um fenômeno aleatório, com os asteroides troianos, gran- imagem do Digital Sky
sem nenhum padrão senoidal, tal de grupo de objetos que dividem Survey 2, com
aproximadamente 1 grau
desastre não pode ser atribuído à a órbita do planeta Júpiter em tor- quadrado no céu. As duas
ressonância, mas a um fenômeno no do Sol, agrupando-se a 60° à estrelas brilhantes, à
estudado na oscilação das assas frente e atrás do planeta. Netuno direita, são, HD 201020 e HD
dos aviões chamado de flutter ae- e Plutão caracterizam um exem- 200751 (Crédito: DSS2)

rodinâmico. A ponte Rio-Niterói plo de ressonância entre planetas, Abaixo


dá-nos uma ideia desta interação, em que o primeiro orbita três ve- Lei de rotação dos planetas
atingindo sua frequência de res- zes em torno do Sol a cada duas do Sistema solar. Todo
sonância com ventos de 52 km/h, voltas de Plutão. sistema cuja massa está
majoritariamente
no sentido norte-sul ou sul-norte. concentrada na estrela
Nestas condições, a ponte oscila central, rota com o mesmo
verticalmente com uma amplitu- padrão. A distância média
de da ordem de 30 cm. ao Sol é representada em
Unidades Astronômicas
Em sistemas planetários, a res- (UA), sendo 1 UA igual à
sonância ocorre quando corpos em distância da Terra ao Sol
órbita exercem influência gravita-
cional mútua e periódica, estan-
do estes períodos relacionados por
uma razão de pequenos números
inteiros. Geralmente esse relacio-
namento ocorre entre pares de ob-
jetos. O princípio físico por trás da
ressonância orbital é conceitual-
mente semelhante ao fenômeno
descrito acima. No caso gravitacio-
nal, um planeta massivo agirá so-
bre um corpo menor, afastando-o
ligeiramente da sua órbita. Quan- Os satélites dos grandes plane-
do ambos se distanciam novamen- tas também apresentam ressonân-
te, a força da estrela central ten- cias. As luas de Júpiter: Ganime-
derá a restituí-lo à posição origi- des, Europa e Io, encontram-se
nal, o que produzirá uma oscila- em ressonância orbital 1:2:4.
ção do planeta menor em sua tra- Um evento curioso que pode-
jetória. Se esta oscilação tem uma mos observar, mês a mês, é que a
frequência semelhante a dos en- Lua nos oferece sempre a mes-
contros com o planeta massivo o ma face. Isto acontece porque o

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 23


AS RESSONÂNCIAS E A GALÁXIA NGC 7020

vidas por pesquisadores da Uni-


versidade de Chicago e da Uni-
versidade de Berkeley mostraram
que esta configuração é extrema-
mente estável e os planetas po-
dem ficar confinados por um bi-
lhão de anos ou mais.
Outro caso notável é constituí-
do pelos sete planetas do sistema
TRAPPIST-1 que estão confinados
na cadeia de ressonâncias mais
longa já descoberta, com o perío-
do orbital de cada planeta for-
mando proporções simples com
os dos seus vizinhos. Para cada 2
órbitas do planeta mais externo,
o seguinte orbita 3 vezes, o pró-
ximo 4, depois 6, 9 e 15 e o mais
próximo da estrela central, 24
Acima vezes.
NGC 1300 é um exemplo de seu período orbital coincide com Os períodos orbitais dos plane-
galáxia espiral com barra. o de rotação em torno do seu ei- tas em torno de uma estrela de
Barra e braços são a
manifestação de uma onda
xo, eles estão em ressonância 1:1. massa muito maior, crescem com
de densidade que circula Todos os satélites dos grandes a distância de acordo com a ter-
sobre o disco estelar com planetas apresentam um compor- ceira Lei de Kepler. Esta vincula,
velocidade angular tamento semelhante. Esta configu- em proporção direta, o período de
constante. No extremo da
barra a perturbação tem a
ração não é casual, ela foi mol- rotação P com o raio da órbita D,
mesma velocidade que o dada pela ação da força de maré tal que P2 = k D3.
disco; na parte interna rota do planeta sobre o seu satélite Contrariamente ao comporta-
mais devagar e na externa por bilhões de anos. mento da velocidade dos plane-
mais rápido que o disco.
Nos últimos 25 anos têm-se dete- tas em torno de uma estrela, a ve-
tado milhares de sistemas planetá- locidade de rotação das galáxias,
rios extrassolares. Alguns deles a- gigantescos sistemas com bilhões
presentam ressonâncias notáveis. de estrelas, segue um padrão to-
Os 4 planetas do sistema Kepler talmente distinto. As galáxias espi-
223, que orbitam próximos da es- rais possuem um disco de estrelas
trela central, possuem órbitas res- permeadas por gás e poeira, que
sonantes. A cada três órbitas do roda ao redor do centro da galá-
planeta mais externo, o segundo xia. Neste disco se destacam estru-
orbita quatro vezes, o terceiro seis turas muito brilhantes em forma
vezes e o mais interno oito vezes. de braços espirais, que podem a-
Simulações numéricas desenvol- presentar uma subestrutura cen-

24 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


AS RESSONÂNCIAS E A GALÁXIA NGC 7020

tral em forma de barra com um pouco mais próximas nos braços


bojo esférico mais interno. Quali- e se espalham em forma mais tê-
tativamente, à medida que nos a- nue entre os braços. Ou seja, são
fastamos do centro, a velocidade ondas de compressão (como as
de rotação das galáxias espirais do som) que viajam através do
cresce quase linearmente na re- disco, com velocidade angular Ωp
gião mais interna para depois per- constante, e causam uma acumu-
manecer aproximadamente cons- lação de estrelas, gás e poeira na
tante até a periferia do disco. O ân- sua crista, que leva em geral à for-
gulo percorrido por unidade de mação de novas estrelas. A onda Abaixo
tempo, ou velocidade angular Ω, é temporariamente sustentada pe- Um exemplo da rotação das
permanece aproximadamente cons- la força de sua própria gravida- galaxias é a curva de
tante na parte central (como a ro- de, mas acaba se absorvendo ou rotação da galáxia espiral
NGC 4631 (em vermelho),
da de um carro) e cai posterior- sendo absorvida pelas ressonân- em comparação com os
mente com uma lei inversa à dis- cias orbitais, locais onde as osci- dados observacionais que a
tância. A forma e a intensidade lações estelares aleatórias têm a vinculam (em azul).
da curva de rotação em função mesma frequência da onda ou Diferentemente dos
sistemas planetários, a
da distância determina as resso- um múltiplo inteiro dela. massa das galáxias não está
nâncias que irão se estabelecer Como a velocidade angular da concentrada. A curva
sob a influência de uma particu- perturbação é constante e a do permite calcular a
lar perturbação. disco diminui de dentro para fora, distribuição da matéria no
espaço da galáxia. Note que
É geralmente aceito que os bra- existe um círculo do disco no qual a distância até o centro da
ços espirais das galáxias são on- ambas coincidem, isto é, Ω = Ωp, galáxia está apresentada em
das de densidade. Uma onda de Este círculo é chamado de círculo duas escalas: em quilopar-
densidade é uma abreviação pa- de corrotação. Nas galáxias bar- secs (kpc) e em
distância angular
ra descrever como as estrelas de radas, o círculo de corrotação projetada no céu (em
uma galáxia são agrupadas um está localizado no extremo da minutos de arco).

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 25


AS RESSONÂNCIAS E A GALÁXIA NGC 7020

(fe). Ela depende da distribuição


da massa do disco, da forma e
massa da barra e da sua veloci-
dade. As ressonâncias do disco,
chamadas ressonâncias de Lind-
blad, ocorrem nos círculos nos
quais fe é um múltiplo inteiro da
diferença Ω – Ωp.
A galáxia NGC 7020, objeto do
nosso interesse, é única no uni-
verso local. Ela apresenta uma es-
trutura hexagonal alongada cen-
tral, com duas concentrações de
estrelas em vértices opostos, ape-
lidados de alças, perfeitamente
simétricas em relação ao centro,
com uma separação de 45 mil a-
nos-luz entre elas. Cada uma das
alças contém mais estrelas que o
grande aglomerado globular Ome-
ga Centauri. Esta imensa corrente
estelar de milhões de estrelas
dança com extraordinária harmo-
Acima nia, em uma órbita hexagonal per-
Uma fotografia da galáxia barra. feita que demora entre 500 mi-
NGC 7020. Distingue-se Como as estrelas no interior do lhões e um bilhão de anos em ser
fortemente a estrutura
hexagonal elongada, círculo de corrotação rodam com percorrida.
extraordinariamente velocidade angular maior que Ωp, O disco da NGC 7020 está in-
simétrica, com dois um observador curioso, sentado clinado em relação ao plano do
aglomerados estelares nos no extremo da barra, veria estas céu; quando retificamos esta proj-
extremos, separados por
aproximadamente 45 mil estrelas circularem no sentido da eção, notamos que a verdadeira
anos-luz. rotação do disco, porém com a forma do hexágono se parece mais
sua velocidade angular diminuí- com uma figura regular de lados
da de Ωp. Contrariamente, veria iguais. Diversas explicações para
as estrelas situadas além da corro- este curioso fenômeno surgiram
tação circularem no sentido con- ao longo das três últimas décadas.
trário ao da rotação do disco. No Porém, os pesquisadores E. Atha-
conjunto, o observador veria as nassoula do Observatório de Mar-
estrelas do seu entorno circula- selha, P. Patsis de Atenas e Ch. Sko-
rem ao seu redor, no sentido con- kus de Patras na Grécia, mostra-
trário ao do disco, com uma fre- ram que órbitas hexagonais per-
quência denominada epicíclica feitamente simétricas podem ser

26 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


AS RESSONÂNCIAS E A GALÁXIA NGC 7020

obtidas pela ação de uma barra


tridimensional com uma massa
igual a ⅛ da massa do disco es-
telar e um ajuste fino em sua for-
ma e velocidade de rotação. Elas
correspondem a uma ressonân-
cia 6:1 e, curiosamente, são instá-
veis. As simulações numéricas fo-
ram produzidas com um modelo
híbrido, lançando partículas com
energias e posições diversas num
potencial gravitacional teórico e
fixo. Isto significa que o potencial
não é alterado pela quantidade
de estrelas que se introduzem nu-
ma dada órbita, como acontece-
ria na realidade.
Existe, portanto, uma tensão não
resolvida entre o fato de ter uma
massa em estrelas tão grande cir-
culando num anel hexagonal ins- Acima
tável, por um tempo tão longo. Esta imagem em falsa cor,
mostra como seria a visão
Finalizamos este pequeno ar- frontal do disco da NGC
tigo com a seguinte pergunta: Co- 7020. As curvas superpostas
mo podem o sutil equilíbro e o representam níveis de
extraordinário sincronismo orbi- mesmo brilho, chamados de
isofotas. A estrutura
tal desta gigantesca corrente es- quadrada central constitui
telar manter-se inalterado por um uma barra fraca, que seria o
período de tempo tão longo? É al- ente organizador das
go que as futuras gerações de as- órbitas hexagonais. O sutil
equilíbrio entre distribuição
trônomos buscarão responder • de massa e características
da perturbação fazem da
Horacio Dottori NGC 7020 um exemplar
Univ. Fed. do Rio Grande do Sul único no universo local.
dottori@ufrgs.br

Rubén Díaz
Gemini Observatory
rdiaz@gemini.edu

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 27


O BRASIL NO PROGRAMA LION

50 anos da ida à Lua


e a participação brasileira no programa LION
No último dia 20 de julho, o mundo celebrou 50 anos da descida do primeiro
homem à superfície da Lua. Cerca de 600 milhões de telespectadores puderam
assisti-la ao vivo na primeira transmissão internacional por satélite. Passado
meio século, a grande maioria dos astrônomos desconhecem que o Brasil
desenvolveu intensa atividade em um programa de apoio à missão Apollo.

O
Programa LION — "Lu- ciam na superfície do nosso saté-
nar International Ob- lite. A justificativa para tais ob-
servers Network” — do servaçõs era óbvia: os astronau-
JPL/NASA e Smithsonian tas, quando em solo lunar, não
Institute, foi criado em poderiam correr risco de depa-
1968, em apoio ao Projeto Apol- rar-se com eventuais e inespera-
lo, quando a Dr.a Barbara Mid- dos fenômenos, cuja causa sequer
dlehurst, da Universidade do Ari- tinha à época uma explicação sa-
zona, visitou vários países soli- tisfatória. Isso ficou patente quan-
citando colaboração para obser- do, em julho de 1968, a NASA pu-
vações durante o Projeto Apollo blicou o excelente Chronological
dos chamados TLPs, “Transient Catalog of Reported Lunar Events
Lunar Phenomena”, que aconte- da própria Barbara Middlehurst,

28 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


O BRASIL NO PROGRAMA LION

Jaylei M. Burley do Goddard Space seletivos, azul, verde e vermelho


Flight Center, Patrick Moore do da serie Wratten da Kodak en-
Armagh Planetarium e Barbara contráveis no mercado e monta-
L. Welther do Smithsonian Astro- dos no que se chamou Moon
physical Observatory. Através de Blinck cuja confecção era bastan-
uma pesquisa histórica em 253 pu- te simples. Quando os astronau-
blicações diversas, esses autores tas estavam próximos uma alunis-
identificaram a ocorrência de 579 sagem, as observações requeriam
eventos até 19/10/1967. prioridade, e tínhamos uma auto-
Em janeiro de 1968, em visita rização da Western Union Interna-
ao Observatório Nacional do Rio tional, Inc. para o envio de tele-
de Janeiro, Barbara Middlehurst grama e cabograma diretamen-
solicitou ao Astrônomo-Chefe, Ro- te para o Smithsonian Observatory.
naldo R. de Freitas Mourão, a co-
Participação Brasileira
laboração dos astrônomos brasi-
leiros no Programa LION. Mou- O Programa LION teve início
rão aceitou, assumiu a coordena- no Brasil com duas importantes Na página anterior
ção e, como primeira iniciativa, con- observações para a Missão Apollo Neil Armstrong caminha so-
bre a superfície da Lua, du-
vidou os cinco mais experientes 8, cinco para a Missão Apollo 10,
rante a missão Apollo 11
astrônomos em observação lunar trinta e quatro para a Apollo 11, (Crédito: NASA).
e planetária: Jean Nicolini, de São dezesseis para a Apollo 12 e seis
Paulo; Rubens de Azevedo, do Ce- para a Apollo 13. A maioria dos
ará; Nelson Travnik, de Minas
Gerais; Claudio Pamplona, do Ce- Eventos lunares observados pelos
ará; e José M. Luis da Silva, do Pa-
raná. Após os cinco escolhidos,
membros do Programa LION
foram selecionados mais 18 as- Blink
trônomos profissionais e amado- Súbito brilho em um acidente lunar, como um flash fotográfico
res num total de 23. Todos foram
então capacitados para a obser- Bright
vação de diversos fenômenos (veja Brilho anormal do acidente lunar
o quadro ao lado).
Aos observadores foram exigi- Dimming
dos familiaridade com a observa- Obscurecimento sensível de uma região do disco lunar
ção visual, bons mapas lunares, bi-
Pulsation
bliografia e instrumento com boa
Aparente pulsação luminosa no disco lunar
resolução óptica. Na ocorrência
de algum TLP, procurar-se-ia sen- Spectrum
do possível, confirmação de ou- Raias espectrais que indicassem escapamento de gases
tro observador. Também era exi- através do espectroscópio ou mesmo visualmente através de
gida a observação em três compri- filtros seletivos.
mentos de onda através de filtros

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 29


O BRASIL NO PROGRAMA LION

negativa. Se confirmássemos a o-
corrência de algum TLP, a obser-
vação seria relatada como posi-
tiva. O modelo dos gabaritos de
observação fornecidos pela NASA
eram preenchidos e a ela envia-
dos. Todas as observações brasi-
leiras de TLPs como de outros pa-
íses foram publicadas pelo Smith-
sonian Institution Center for Short-
-lived Phenomena. O exame des-
sas publicações mostrou que na
participação de 13 países, o Bra-
sil ao lado dos Estados Unidos, foi
o país com o maior número de
observadores e registro de TLP.

Resultados
Ao final do Programa, no dia
Acima registros concentrou-se em aci- 18/11/1971, o coordenador, Ro-
Imagem da Lua, com
dentes que apresentaram brilho naldo Mourão, enviou oficio ao
destaque para os três sítios
onde ocorreram os anormal, sugerindo a presença de Observatório Astronômico Flam-
principais eventos lunares materiais luminescentes ou fosfo- marion de Matias Barbosa, MG, a
observados pelos rescentes. As normas estabeleci- mim dirigido, solicitando a elabo-
brasileiros membros do
das no Programa LION era que as ração de um levantamento e re-
Programa LION.
observações dos acidentes sele- latório das três observações mais
cionados contivessem um relato importantes que tínhamos feito.
minucioso da observação. No ca- Juntamente com meu colega Ser-
so de nada ser constatado, era gio Vianna, empreendemos a difícil
preciso relatar como observação tarefa de compilar os resultados

Três principais eventos lunares observados


• Obscurecimento na cratera Peirce observado por Claudio Pamplona e Jackson Barbosa em
11/04/1970 em Fortaleza (CE)
• Avermelhamento na cratera Censorinus observado por Jean Nicolini em 12/04/1970 em São
Paulo (SP)
• Bruma luminescente em Ptolemaeus observada por Nelson Travnik e Sergio Vianna em 14/04/1970
em Matias Barbosa, MG.É importante apontar que em Alphonsus, cratera contígua a Ptolemaeus, N. A.
Kosyrev e V. I. Ezerski do Observatório de Pulkovo, Rússia, em 2/3 de novembro de 1958 obtiveram
um espectrograma mostrando exalação gasosa, comprovando que a Lua guarda ainda resquícios de
uma atividade interna.

30 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


O BRASIL NO PROGRAMA LION

que foram publicados pe-


la Universidade do Sertão,
no convênio FPI, em 1972.
Nessa avaliação nos apoia-
mos no Chronological Ca-
talog of Reported Lunar
Events já mencionado e no
Quelques Objets Remarqua-
bles de la Surface Lunaire
da Société Astronomique
de France. As três que con-
sideramos as mais impor-
tantes estão apresentadas
no quadro da página ante-
rior.

Os eventos lunares
nos dias atuais
Passada a euforia da
conquista lunar e o encer-
ramento do Programa LION,
as observações lunares de-
cresceram bastante. Contu-
do, nos últimos anos, face
o interesse das grandes na-
ções em instalar bases lu-
nares, o monitoramento de
nosso satélite foi retomado, espe- mente, um clarão enorme de um Acima
cialmente devido ao grande nú- impacto na Lua sugeriu que o me- Região da superfície lunar
que destaca as crateras
mero de impactos de meteorói- teoróide poderia ter algo ao redor
Alphonsus, Ptolemaeus e Al-
des que vem sendo registrados. de 400 quilos; o que seria mais do bategnius. A cratera
Nos anos 2011 e 2012, somente a que suficiente para destruir uma Alphonsus, além de chamar
NASA flagrou 61 impactos. Astrô- base lunar! • a atenção por ter uma base
bastante fraturada, é
nomos amadores utilizando lon- famosa por apresentar
gas filmagens com câmeras com Nelson Travnik
fenômenos lunares
sensores CCD, têm conseguido Observ. Astron. de Piracicaba transientes. (Crédito: LRO/
nelson-travnik@hotmail.com NASA).
também registrar muitos impac-
tos. Esses registros estão intima-
mente ligados à segurança das
futuras bases e já vem sendo so-
licitados pelas agências espaciais
dos países envolvidos. Recente-

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 31


EXOPLANETAS

Exoplanetas
e a busca por novos mundos
Já há séculos a humanidade vem especulando acerca da existência de outros
mundos. Atualmente, estamos vivendo a era em que eles enfim começam a ser
descobertos!

P lanetas que orbitem estre-


las distantes, muito além
do nosso Sistema Solar, foi
por séculos um tema exclu-
sivo de estudos teóricos e de ficção
científica. Esses ditos novos mun-
mos desenvolveram métodos ob-
servacionais de muito sucesso na
detecção indireta desses outros
mundos, também conhecidos co-
mo exoplanetas.
Um exoplaneta, ou planeta ex-
dos deveriam ser relativamente trassolar, é um planeta localiza-
minúsculos quando comparados do fora do Sistema Solar, orbi-
com suas estrelas-mãe e, por isso, tando uma estrela típica ou uma
parecia quase impossível que anã marrom, que é um corpo ce-
algum método observacional as- leste cujo tamanho está entre o
trofísico pudesse detectar algum de um planeta gigante, como Jú-
outro planeta a anos-luz de dis- piter, e o de uma pequena estre-
tância da Terra. No entanto, nas la. Estrelas pequenas são aquelas
últimas três décadas, os astrôno- não tão grandes o suficiente para

32 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


EXOPLANETAS

iniciar a fusão do hidrogênio em "Portanto, existem incontáveis


seu núcleo; por isso mesmo pos- sóis e um número infinito de Na página anterior
suem baixa luminosidade, já que mundos orbitando em torno de- Representação artística de
Kepler-62f, uma
a luminosidade cresce quando a les, como os sete mundos que
"superterra" em órbita ao
massa aumenta. De um modo ge- orbitam nosso próprio Sol". redor de uma estrela menor
ral, atualmente dizemos que qual- e mais fria que o sol,
quer objeto que tenha massa da A Gravura Flammarion, de artista situada a 1200 anos-luz da
Terra, na direção da
ordem da massa planetária (isto desconhecido, é assim nomeada
constelação da Lira
é, menor que algumas dezenas de porque sua primeira aparição do- (Crédito: NASA Ames/JPL-
vezes a massa de Júpiter) e que cumentada foi o livro L'atmosphè- Caltech/Tim Pyle).
orbita uma estrela ou uma anã re: météorologie populaire de Ca-
Abaixo
marrom é definido como um e- mille Flammarion, de 1888. Nessa
Busto de Epicuro, filósofo
xoplaneta. figura, um jovem viajante coloca grego que viveu por volta
a cabeça através da borda do fir- de 342 a 270 a.C.
Uma questão antiga
mamento na intenção
Embora tenha permanecido por de desvendar um uni-
muito tempo sem comprovação, verso repleto de novos
a ideia acerca da existência de ou- mundos. Ela foi usada
tros mundos é uma questão re- como uma ilustração
lativamente antiga. Ainda na Anti- metafórica das buscas
guidade, Epicuro, em sua Carta a científicas e místicas
Heródoto, declarou sua firme cren- por conhecimento e,
ça em um número infinito de ou- frequentemente, este
tros mundos, afirmando que: jovem viajante é asso-
ciado a Giordano Bru-
"Não é apenas o número de á- no e seu olhar voltado
tomos, mas também o número para mundos distantes.
de mundos que é infinito no No século XVII, em seu
Universo. Existe um número ensaio Entretiens sur la
infinito de mundos semelhan- pluralité des mondes, o
tes ao nosso e um número in- escritor e cientista
finito de mundos diferentes". francês Fontenelle, de-
clarou:
Muito mais tarde, no século
XVI, o filósofo italiano Giordano "As estrelas fixas são muitos ou-
Bruno no seu manuscrito Sobre o tros sóis, cada um dos quais
universo infinito e os mundos, de ilumina um mundo".
1584, inspirado no heliocentris-
mo copernicano e baseado em um Este livro é a obra mais famosa de
ponto de vista filosófico sem de- Fontenelle, sendo considerada um
monstração física, foi o primeiro dos primeiros grandes escritos da
a afirmar que: era do Iluminismo. Por volta da

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 33


EXOPLANETAS

mesma época, instrumentos de ob- tida a uma corrida científica pa-


Acima
Estátua de Giordano Bruno servação estavam sendo ampla- ra a primeira detecção de um
em Roma. mente desenvolvidos na Europa. planeta ao redor de uma estrela
Foi quando Huygens, matemático, fora do Sistema Solar. Neste pe-
Acima à direita
físico e astrônomo holandês, teve ríodo, aconteceram várias reivin-
Representação do modelo
heliocêntro no livro De a ideia de observar planetas dis- dicações de deteções de exopla-
revolutionibus orbium tantes com tais instrumentos. Sua netas, mas nenhuma foi confir-
coelestium, de Copérnico. campanha foi um sucesso e ele mada. Somente no final do sécu-
descobriu os anéis de Saturno e lo XX, a precisão em espectrosco-
sua maior lua, Titã, em 1655. pia e o progresso da astronomia
A chegada do século XIX inau- espacial, juntamente com o pro-
gura uma nova disciplina cientí- cessamento de imagens abriram
fica que seria hoje denominada de caminho para verdadeiras desco-
ciências planetárias. Esta nova a- bertas confirmadas nesse campo
bordagem combinava o desenvol- da astronomia.
vimento de instrumentação de me- Em 1992, os astrônomos rela-
dição e observação, de forma a le- taram a detecção de um exopla-
var a ciência da astronomia para neta ao redor de uma estrela mor-
fronteiras distantes. Seria larga- ta, o pulsar PSR1257+12, situado a
mente aceita neste período a ló- 2000 anos-luz de distância. Três
gica de que uma vez que as es- anos depois, a comunidade cien-
trelas são sóis distantes e o Sol tífica recebia a notícia da detec-
tem planetas, então, provavelmen- ção do primeiro exoplaneta em
te, as outras estrelas também de- órbita de uma estrela do tipo so-
vem ter planetas. Seria dada a par- lar. A descoberta fez parte da dis-

34 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


EXOPLANETAS

puta entre grupos de astrônomos


suíços e americanos. O planeta em
questão seria um gigante gasoso
semelhante a Júpiter que orbita-
va sua estrela central com um pe-
ríodo orbital bem curto e numa
distância menor que a órbita de
Mercúrio em relação ao Sol. Esse
novo mundo foi detectado em
torno da estrela solar 51 Pegasi e
situava-se a 50 anos-luz da Terra.
Desde então, a taxa de desco-
berta de exoplanetas aumentou ra-
pidamente graças ao desenvolvi-
mento de técnicas de detecção em
observatórios terrestres e espaciais.
Em setembro de 2019, a conta-
gem de exoplanetas detectados e
confirmados é de 4057. Estes, no
entanto, não são planetas verda-
deiramente semelhantes à Terra massa tiver um planeta e menor Acima
em termos de tamanho, tempera- for o diâmetro de sua órbita, mai- Gravura Flammarion, de
tura, composição química e água or o efeito gravitacional sobre a artista desconhecido,
no estado líquido, de forma a a- estrela que o abriga. A configu- reproduzida pela primeira
vez no livro L'atmosphère:
brigar a vida. Nesta corrida cien- ração física desta técnica resultou météorologie populaire, de
tífica, ainda nos falta encontrar em que a maioria dos planetas 1888.
um análogo real da Terra. descobertos com esse método são
exoplanetas que têm massa grande e
As técnicas para
estão bem próximos de suas es-
encontrar exoplanetas trelas. Esses planetas são denomi-
A técnica de caça de planetas nados jupíteres quentes.
mais bem-sucedida até hoje tem Uma outra técnica bem impor-
sido a variação de velocidade ra- tante é a de microlente. Nesta téc-
dial, também chamada de oscila- nica, uma microlente gravitacio-
ção Doppler. Os astrônomos que nal ocorre quando uma estrela
usam esse método procuram por passa diretamente à frente de uma
variações nas posições das linhas estrela de fundo, observada a par-
espectrais no espectro de luz de tir da Terra. O campo gravitacio-
uma estrela. São verdadeiros "pu- nal da estrela em primeiro plano
xões" causados pela força gravita- age como uma lente, ampliando
cional dos planetas em órbita em a luz da estrela em segundo pla-
torno de suas estrelas. Quanto mais no. Se a estrela da "lente" tem um

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 35


EXOPLANETAS

planeta em sua órbita, essa mas- mais de 150000 estrelas, e foi ca-
sa adicional aumenta a amplia- paz de detectar mundos do ta-
ção do brilho de maneira reve- manho da Terra em órbita nas
ladora. zonas habitáveis de estrelas do tipo
O método de trânsito, outra téc- solar. O sucessor do Kepler foi o
nica popular, procura pela dimi- satélite TESS (Transiting Exoplanet
nuição periódica no brilho de uma Survey Satellite).
estrela quando um planeta pas- TESS foi lançado em 18 de abril
sa em órbita à frente da estrela, de 2018 no topo de um foguete
eclipsando-a quando vista a par- Falcon. Este satélite é, também,
tir da Terra. Ao medir o tempo um telescópio espacial e faz parte
entre dois eclipses, podemos esti- do programa Explorers, da NASA.
mar as órbitas e as massas de Foi projetado para procurar exo-
seus planetas, além da tempera- planetas usando o método de trân-
tura da superfície. sito em uma área 400 vezes maior
Alguns satélites espe- que a coberta pela missão Kepler.
cializados foram construí- Os principais alvos da missão
dos para operar esta téc- TESS são as estrelas mais bri-
nica. Entre 2006 e 2013, lhantes, que também são as mais
o satélite CoRoT obser- próximas da Terra. TESS é lidera-
vou milhares de estre- do pelo Massachusetts Institute of
las. CoRoT (sigla em fran- Technology (MIT) e conta com
cês para Convecção, Ro- financiamento inicial da Google.
tação e Trânsito) foi u- Seus dados nos permitirão saber
ma missão baseada em mais sobre massa, tamanho, den-
um telescópio espacial sidade e órbita de um grande nú-
com dois objetivos: pro- mero de pequenos planetas, in-
curar por planetas ex- cluindo uma amostra de planetas
trassolares com períodos rochosos nas zonas habitáveis de
orbitais curtos, particu- suas estrelas hospedeiras. Ele
larmente os de tamanho também indicará quais são as es-
terrestre, e realizar me- trelas mais interessantes para uma
dições sobre oscilações posterior caracterização detalha-
Acima estelares. Essa missão foi lidera- da das atmosferas de seus exopla-
Primeira página da edição da pela Agência Espacial Francesa netas descobertos, que será reali-
de 1701 do livro de Bernard
(CNES), em conjunto com a Agência zada pelo Telescópio Espacial Ja-
le Bovier de Fontenelle
Entretiens sur pluralité des Espacial Europeia (ESA), além de mes Webb, bem como por outros
mondes. outros parceiros internacionais, grandes telescópios terrestres e es-
entre os quais o Brasil. Em 2009, paciais do futuro.
a missão Kepler da NASA usou o Para a próxima década, os eu-
método de trânsito para encon- ropeus preparam a missão PLATO
trar exoplanetas. Ela monitorou (PLAnetary Transits and Oscillat-

36 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


EXOPLANETAS

Ao lado
Representação artística do
telescópio TESS em órbita
da Terra (Crédito: NASA).

ions of stars), de cujo consórcio no- trofísica observacional, que os as-


vamente o Brasil fará parte. PLATO trônomos contarão com a deter-
será um telescópio espacial da A- minação da composição atmos-
gência Espacial Europeia com lan- férica dos exoplanetas do tama-
çamento previsto para 2026. O prin- nho da Terra. Através dessas eta-
cipal objetivo da missão PLATO é pas possivelmente teremos, enfim,
procurar trânsitos planetários em acesso a respostas concretas sobre
um milhão de estrelas para desco- a procura por sinais indicadores de
brir e caracterizar seus planetas vida em mundos longínquos •
extrassolares rochosos. A ênfase
da missão será os planetas seme- José Dias do Nascimento
lhantes à Terra que estejam na zo- Univ. Fed. do Rio Grande do Norte
na habitável ao redor da estrela. jdonascimento@fisica.ufrn.br
Um objetivo secundário da mis-
são são as medições de oscilações
estelares, que permitirá estimar a Durante a
idade das estrelas e de seus exo- redação deste artigo,
recebemos a notícia que o Prêmio
planetas, constituindo-se no verda-
Nobel de Física de 2019 foi concedido ao
deiro diferencial desta missão.
suíços Michel Mayor e Didier Queloz por sua
Com base no progresso feito até
incrível descoberta feita em 1995. Foi a primeira
agora, a comunidade internacional detecção de um planeta ao redor de uma estrela
especializada acredita que, nos distante semelhante ao nosso Sol — uma façanha na
próximos anos, teremos um ca- investigação científica moderna. A estrela, chamada
tálogo dos primeiros planetas ver- 51 Pegasi, fica a 50,45 anos-luz de distância, na
dadeiramente semelhantes à Ter- direção da constelação do Pégaso. Em 2006, o Prof.
ra e isto será resultado da combi- Michel Mayor recebeu o titulo de Doutor Honoris
nação de técnicas de velocidade Causa da UFRN e teve artigos científicos
radial e métodos de trânsito. Se- assinados com pesquisadores da
UFRN, incluindo este autor.
rá também nesta década, de tan-
tos avanços instrumentais da as-

REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019 | 37


EXOPLANETAS

Principais métodos de detecção de exoplanetas

Trânsitos planetários Velocidade radial


Trânsito planetário refere-se ao método que Também conhecido como espectroscopia
detecta a variação luminosa causada pela Doppler. Mede-se variações da velocidade que
passagem de um planeta quando transita uma estrela se afasta ou se aproxima de nós.
diante da sua estrela hospedeira. É Tais variações devem-se ao efeito do
principalmente utilizado pelos telescópio exoplaneta sobre a estrela. A velocidade radial
Espaciais, como CoRoT, KEPLER, TESS, etc. pode ser deduzida por pelo efeito Doppler nas
linhas espectrais. Este método pode ser usado
para confirmar as descobertas feitas pelo
método de trânsito. Quando ambos métodos
são combinados, a massa do planeta pode ser
estimada com boa precisão.

Microlentes Imageamento direto


Relaciona-se a um efeito físico que acontece Planetas que orbitam longe o suficiente das
quando os campos gravitacionais de uma estrelas podem ser observados através de uma
estrela com planeta modifica a luz proveniente pequena parcela da luz que refletem.
de uma estrela distante do fundo do céu. Nesta Tecnicamente podemos dizer que os planetas
configuração acontece a formação de são detectados através de sua emissão
microlentes gravitacionais. A grande vantagem térmica. Este método fornece pouca
das microlentes gravitacionais é sua informação sobre o sistema e, às vezes, são
possibilidade de revelar planetas terrestres de necessárias observações em vários
baixa massa. comprimentos de onda para distinguir o
planetas de possíveis anãs marrons.

38 | REVISTA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA | OUT-DEZ 2019


Acima à esquerda
NGC 2264, a "Nebulosa da
Árvore de Natal" (Crédito:
ESO).

Acima à direita
NGC 248, a "Nebulosa Papai
Noel" (Crédito: NASA, ESA,
STScI, K. Sandstrom e
SMIDGE team).

Acima
Aglomerado aberto M 44,
conhecido desde a
antiguidade como o
"Presépio" (Crédito: DSS2/
Giuseppe Donatiello).

GALERIA
Alguns objetos astronômicos foram popularmente nomeados com referências natalinas
Todos os direitos reservados

Você também pode gostar