Você está na página 1de 13

Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

ASTROBIOLOGIA: CONCEPÇÕES DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE A VIDA NO UNIVERSO

Ícaro de Morais Monteiro (Licenciado em Ciências Biológicas, professor da rede particular de


ensino do Rio de Janeiro)
Lana Claudia de Souza Fonseca (Professora Associado I - Departamento de Teoria e
Planejamento de Ensino/Instituto de Educação - UFRRJ)

RESUMO
A Astrobiologia é o campo da ciência que estuda a origem, a evolução e a distribuição da vida
no universo. Neste trabalho objetivamos investigar as concepções alternativas de alunos do 6º
ano do ensino fundamental de uma escola municipal de Seropédica(RJ) sobre a Astrobiologia,
buscando saber como eles entendem a possibilidade de existência de vida extraterrestre.
Usamos questionários compostos por questões objetivas, discursivas e de desenho, versando
sobre vida fora da Terra, conhecimentos de Astronomia, religião e outros. A maioria dos
alunos têm conhecimentos de Astronomia e os resultados apontam que muitas de suas
concepções sobre vida extraterrestre são influenciadas pelos meios de comunicação e ficção
científica.
Palavras-chave: Astrobiologia, Educação em Ciências, Ensino de Astronomia.

Introdução
Os seres humanos observam o céu há milênios. E por todo esse tempo o consideramos
como algo insondável, regido por deuses, misterioso e mítico. Esse caráter “sagrado” do céu
foi tão marcante que até hoje as palavras “céu” e “Terra” possuem sentido de oposição dual.
Mas hoje a ciência nos mostra que essa oposição não faz sentido, pois a Terra é apenas mais
um dos incontáveis componentes do céu (no sentido de Universo). E mesmo a vida, o objeto
de estudo da Biologia, pode não ser uma característica exclusiva deste planeta.
A Astrobiologia é a ciência que tenta entender as relações entre a vida e os fenômenos
astronômicos, e como eles se influenciam mutuamente. Esse campo do conhecimento é um
potencial elemento para desenvolver uma abordagem interdisciplinar na escola, pois agrega
conhecimentos de várias disciplinas. Além disso, é um tema que desperta a curiosidade dos
alunos que, quase sempre, têm algo a falar sobre isso. Desse modo, este trabalho objetivou

2889

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

levantar algumas concepções prévias de alunos do 6º ano do Ensino Fundamental de uma


escola de Seropédica (RJ) sobre a existência de vida em outros lugares do universo.

O que é Astrobiologia?
Embora exista desde antes da década de 1940 (BLUMBERG, 2003), a Astrobiologia
(também chamada de Exobiologia, Bioastronomia ou Xenobiologia) ainda é relativamente
desconhecida como área de pesquisa científica, mesmo no meio acadêmico. Segundo a
NASA, Astrobiologia é o campo da ciência que estuda a origem, a evolução e a distribuição
da vida no universo (NASA, 2013). Em outras palavras, é a área do conhecimento que busca
estudar a vida como elemento intrínseco do contexto cósmico, e não separada deste, inferindo
ainda se existe vida em outros locais do universo, bem como o futuro da vida na Terra e onde
quer que ela possa existir. É um campo recente e interdisciplinar, o que vai contra a tendência
atual de especialização da ciência, reunindo conhecimentos e tecnologias de Biologia,
Astronomia, Geologia 1 e suas respectivas subdivisões (PAULINO-LIMA; LAGE, 2010),
onde especialistas de diferentes áreas podem interagir (RODRIGUES et al., 2012).
Cabe deixar claro de início que a moderna Astrobiologia aceita e investiga
principalmente a possibilidade de vida extraterrestre microscópica, unicelular, mas
cautelosamente considera improvável a existência de organismos multicelulares como
animais, e menos ainda seres inteligentes com civilização tecnológica (QUILLFELDT, 2010),
não devendo ser confundida, portanto, com a Ufologia. Entretanto, uma das frentes da
Astrobiologia mantêm radiotelescópios varrendo o céu à procura de sinais não naturais vindos
de estrelas distantes, projeto chamado de SETI (Search of Extraterrestrial Intelligence –
Busca por Inteligência Extraterrestre). Chamo a atenção também para o fato de que até o
momento não é conhecida qualquer evidência de vida em outros locais além da Terra.
Porém, a tecnologia das últimas décadas possibilitou que a “hipótese astrobiológica”, isto é,
que a vida possa ter surgido em outro lugar e de forma independente da terrestre, pudesse ser
testada empiricamente.
Nesse sentido, aponto a seguir alguns acontecimentos que corroboraram a viabilidade
e plausibilidade da investigação científica sobre a vida no universo: (1) a descoberta do
primeiro planeta extrassolar orbitando uma estrela de sequência principal em 1995 (MAYOR;

1
Há variação entre os autores sobre quais áreas do conhecimento integram a Astrobiologia. Cuello (2007), por
exemplo, também inclui a Engenharia, a Química e a Filosofia. Poderíamos citar também a Oceanografia,
Glaciologia, Bioinformática, Linguística, Psicologia, Sociologia, História e outras.

2890

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

QUELOZ, 1995), desde então já foram descobertos até o momento 1791 planetas fora do
sistema solar 2; (2) a descoberta de água congelada no solo do planeta Marte (QUILLFELDT,
2010), e possivelmente água líquida sob uma camada de gelo nas luas Europa (de Júpiter) e
Encélado (de Saturno) (GRINSPOON, 2005; GREENBERG, 2008), a existência de água é
um ponto favorável ao desenvolvimento da vida como conhecemos, pois todos os seres vivos
da Terra necessitam dela para realizar suas reações metabólicas; (3) a descoberta dos
“extremófilos”, organismos (principalmente bactérias e arqueobactérias) capazes de viver e
prosperar em ambientes considerados hostis para a maioria das formas de vida, como
extremos de pH e temperatura, altas concentrações de metais pesados, doses letais de
radiação, vácuo espacial, entre outras, mostrando que a vida pode se desenvolver em uma
faixa de condições físicas e químicas muito maior do que se supunha (ROTHSCHILD;
MANCINELLI, 2001), como as encontradas em outros planetas e luas do sistema solar; (4) a
descoberta de que os principais elementos químicos componentes das células vivas, ou seja,
carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio (N), fósforo (P) e enxofre (S), os
chamados “CHONPS”, são abundantes no meio espacial, nas nebulosas e nuvens moleculares
que formam estrelas e planetas. Até mesmo substâncias orgânicas complexas, como
aminoácidos, já foram encontrados em meteoritos (CRONIN; PIZZARELLO, 1983). Isto
parece indicar que muitas das condições necessárias à vida são comuns no meio espacial, e
segundo Damineli (2010) leva a um cenário de que o universo é “biófilo”, isto é, favorável ao
desenvolvimento e manutenção da vida.
Por seu caráter interdisciplinar, existem pesquisas em Astrobiologia sendo
desenvolvidas por profissionais das mais diversas áreas. Ainda assim a maioria das pesquisas
tende a convergir para algumas frentes comuns: métodos de busca e caracterização de
exoplanetas; experimentos com moléculas orgânicas e organismos terrestres em ambientes
espaciais simulados; desenvolvimento de sondas para encontrar evidências de vida (atual ou
extinta) em planetas e luas do Sistema Solar; e a busca por sinais de comunicação inteligente
extraterrestre (SETI).

Astrobiologia, Sociedade e Ensino de Biologia


“Vida extraterrestre” é um tema que circula na sociedade, no imaginário das pessoas,
alimentado principalmente por filmes e livros de ficção científica. É comum também vermos

2
Número verificado em 18/05/2014. Para obter o número atualizado de planetas extrassolares (exoplanetas)
conhecidos, por favor, visite o sítio http://www.exoplanet.eu
2891

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

em jornais, revistas e na internet notícias sobre a exploração de Marte por sondas em busca de
vida, localização de planetas extrassolares, descoberta de água nas luas dos planetas Júpiter e
Saturno, entre muitos outros assuntos relacionados à Astrobiologia. Langhi e Nardi (2003),
citando Bretones (1999), afirmam que é provável que grande parte das informações
veiculadas pelos professores e as concepções prévias dos alunos sobre astronomia (e
astrobiologia) tenha origem ou sejam influenciadas pela mídia. São temas que em geral
despertam a curiosidade e admiração entre os alunos (NASCIMENTO, 1990).
Entretanto, esse tipo de discussão em geral ainda se mantém longe das escolas, e
mesmo das universidades no Brasil (PAULINO-LIMA; LAGE, 2010). De fato, pesquisas
acadêmicas abordando relações entre Astrobiologia e Ensino de Ciências e Biologia ainda são
escassas 3, apesar de a maioria dos professores de ciências serem formados na área de ciências
naturais e biológicas (BRITO et al., 2011).
Desse modo, pretendemos com este trabalho ajudar a preencher esta lacuna,
investigando então como os alunos interpretam e que conhecimentos trazem, isto é, suas
concepções sobre a Astrobiologia. Espero ainda contribuir para a divulgação e popularização
deste tema como objeto de pesquisa e apropriação também pelo Ensino de Ciências e
Biologia.

As concepções alternativas
Desde o final da década de 1970, inúmeros estudos têm sido realizados sobre as ideias
que os alunos usam ao se deparar com problemas e fenômenos científicos, resultando em
muitos catálogos dessas concepções em várias áreas do conhecimento (PINTÓ; ALIBERAS;
GÓMEZ, 1996). Essas ideias, chamadas de concepções alternativas, conhecimentos prévios,
concepções espontâneas, entre outros sinônimos, podem ser vistas como raciocínios
cognitivos que os alunos trazem sobre os mais diversos fenômenos, como uma tentativa de
entender o conhecimento científico com base em suas próprias experiências cotidianas. Não
são meros “chutes”, mas sim saberes com estrutura lógica que fazem sentido dentro dos
conhecimentos e vivências daquele indivíduo.
Também não são exclusivas de alunos, da infância, nem de pessoas com pouca
instrução. Qualquer pessoa pode (e normalmente tem) concepções sobre assuntos que não

3
O Banco de Teses e Dissertações em Educação em Astronomia (disponível em: http://www.btdea.ufscar.br/),
iniciativa do professor Paulo Sergio Bretones, da UFSCAR, reúne dissertações de mestrado e teses de doutorado
defendidas no Brasil desde 1973 na área de Educação em Astronomia. Das 118 obras, apenas 5 tratam
diretamente de temas referentes à Astrobiologia.
2892

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

domina. Por exemplo, um engenheiro, um médico, ou um historiador são considerados


pessoas bem instruídas. Se lhes for feita a pergunta “Qual o planeta mais quente do Sistema
Solar?”, provavelmente eles tentarão se lembrar da ordem dos planetas a partir do Sol, ou
seja, “Mercúrio, Vênus, Terra, Marte...”, e a maioria responderá “Mercúrio”. É uma resposta
lógica (afinal, é o planeta mais próximo do Sol), formulada a partir dos conhecimentos que a
pessoa traz consigo (a ordem dos planetas, a relação entre distância e temperatura), porém é
uma resposta cientificamente errada. Não, Mercúrio não é o planeta mais quente! Embora
esteja muito próximo do Sol, ele quase não tem atmosfera, apresentando por isso uma enorme
variação da temperatura entre a noite e o dia: de -170 ºC (lado oculto do Sol) a 430 ºC (lado
iluminado pelo Sol). Já o planeta Vênus tem uma atmosfera muito densa e rica em gás
carbônico (97%), causando um efeito-estufa de tamanha proporção que as temperaturas lá
ultrapassam os 460 ºC, mais quente do que Mercúrio!
Há muitos trabalhos que investigam as concepções alternativas de alunos e professores
de todos os níveis sobre fenômenos astronômicos (LANGHI, 2011). Entretanto, o estudo das
concepções em Astrobiologia especificamente ainda é um tema de pesquisa pouco
aproveitado pelos pesquisadores em Ensino de Biologia, um reflexo da ausência desse
conteúdo na formação inicial.
Conhecer as concepções dos alunos é importante porque permite adequar o modo de
ensino a fim de amparar esses conhecimentos que, embora costumem divergir do
cientificamente aceito, podem ser caminhos para atrair o interesse dos alunos. Quanto à
Astrobiologia, não faltam concepções que podem constituir o ponto inicial para uma
abordagem crítica dessa ciência. Conforme nos aponta Oliveira (2008), a Astrobiologia,
especialmente no que diz respeito aos extraterrestres usados em todo o lado, já carrega uma
carga de concepções. Em vez de ignorar, o ensino pode muito bem utilizá-las a seu favor,
como oportunidades de incentivar e trabalhar o conhecimento científico na escola.

Astronomia e Escola: anos-luz de distância...


Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), na área de “Ciências Naturais”
apresentam o eixo temático “Terra e Universo”, recomendando o estudo da Astronomia a
partir do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998). No Ensino Médio,
tradicionalmente os conteúdos de Astronomia são tratados na disciplina de Física (Gravitação
Universal, Leis de Kepler), em geral de maneira mecânica e descontextualizada, embora os
PCN do Ensino Médio (PCNEM), na área de “Ciências da Natureza, Matemática e suas
2893

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

Tecnologias”, ressaltem que os “assuntos relacionados a outras Ciências, como Geologia e


Astronomia, serão tratados em Biologia, Física e Química, no contexto interdisciplinar que
preside o ensino de cada disciplina e o do seu conjunto” (BRASIL, 1999). Além da política
nacional, vários estados, por meio de suas próprias políticas curriculares, estimulam o ensino
de Astronomia de forma mais ampla desde os primeiros anos do Ensino Fundamental (BRITO
et al., 2011; TREVISAN, 1997 Apud LANGHI & NARDI, 2003).
Embora as políticas públicas educacionais se mostrem em geral favoráveis ao ensino
de Astronomia, será que os professores estão preparados para abordar esse tema com os
alunos? Desde a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996,
apenas portadores de diploma de curso superior de Ciências Naturais, Ciências Físicas e
Biológicas, ou Licenciatura em Ciências Biológicas poderiam atuar como professores de
Ciências no Ensino Fundamental (BRITO; LEONÊS; GUIMARÃES, 2011). Dada a
multiplicidade de conteúdos abordados no ensino de ciências (que envolve temas de Biologia,
Química, Física, Geologia, Astronomia, Meteorologia, etc.) fica claro que nenhuma formação
tradicional pode fornecer aos professores os subsídios intelectuais e pedagógicos necessários
para se trabalhar de maneira efetiva todos os elementos exigidos pelos PCN.
E o livro didático, muitas vezes a única fonte de consulta e planejamento do professor,
costuma apresentar uma série de erros conceituais nos textos e imagens relacionadas à
Astronomia básica, como nos mostra o trabalho de Langhi e Nardi (2007). Esses autores
encontraram erros graves sobre estações do ano, fases da Lua, movimentos e inclinação da
Terra, características planetárias, dimensões dos astros no Sistema Solar, número de satélites
e anéis em alguns planetas, pontos cardeais, entre muitos outros.
Essas deficiências exigem o desenvolvimento de políticas e projetos que favoreçam a
atualização dos currículos dos cursos de licenciatura, bem como a formação continuada dos
professores, ou tal defasagem continuará se repetindo indefinidamente. Como nos apontam
novamente Brito, Leonês e Guimarães (2011), o fato de os professores não possuírem
formação adequada pode resultar na ocorrência de diversas situações de improviso nas aulas
de ciências das diversas áreas, especialmente no ensino de astronomia.

Procedimentos de investigação
Para investigar as concepções dos alunos sobre Astrobiologia, escolhemos usar um
questionário composto por perguntas objetivas, discursivas e de desenho. Embora apresente
certas limitações, o questionário é um dos instrumentos de coleta de dados mais utilizado nas
2894

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

pesquisas em educação, devido à praticidade de elaboração, aplicação e análise (MOREIRA;


CALEFE, 2008).
A pesquisa de campo teve por objetivo investigar como as crianças entendem a
possibilidade de existência de vida extraterrestre, bem como quais são as possíveis origens e
influências dessas concepções.
O local de investigação foi uma escola municipal da cidade de Seropédica, estado do
Rio de Janeiro, no ano de 2013. Esta escola é classificada como escola rural pelo MEC, e seu
IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) foi 4,0, considerado abaixo da média
e configurando situação de alerta (MEC, 2011).
Os sujeitos de pesquisa foram 22 alunos de uma turma do sexto ano do Ensino
Fundamental (13 meninas e 9 meninos), em uma faixa de idade de 11 a 15 anos de idade.

Resultados e Discussão
O primeiro bloco do questionário era composto por duas questões: (1)Você já ouviu
falar ou leu alguma coisa sobre Astrobiologia?, e (2) Se você respondeu sim, o que você sabe
sobre isso?. Apenas 3 alunos responderam que sim à primeira pergunta, mas nenhum
conseguiu responder corretamente à segunda. Imagino que eles inferiram a relação entre o
prefixo astro e a astronomia e por isso deram respostas muito vagas, citando planetas e
estrelas. Esse termo ainda é relativamente desconhecido, embora os avanços da astrobiologia
sejam comumente divulgados inclusive na TV aberta.
O segundo bloco trazia as seguintes perguntas: (3) Você á ouviu falar na possibilidade
de existir vida fora do planeta Terra, em outros planetas e estrelas distantes?, e (4) Se você
respondeu sim à pergunta anterior, onde você ouviu falar sobre isso? Dos 22 alunos, 15
responderam que sim. Apesar do termo Astrobiologia não ser comum, o principal objeto de
estudo é conhecido por eles. Quanto à fonte dessa informação, dos 15 alunos, 11 responderam
que foi pela televisão que eles tomaram conhecimento sobre a possibilidade de vida
extraterrestre. Esses dados confirmam a posição de Langhi e Nardi (2003) e Bretones (1999)
sobre a responsabilidade da mídia nas concepções de Astronomia dos alunos.
O próximo bloco objetivava conhecer a opinião direta dos alunos sobre a possibilidade
de existirem outros planetas com vida no universo. As seguintes perguntas foram feitas: (5)
Na sua opinião, a Terra é o único planeta com vida no universo? e (6) Se a resposta anterior
for não, por que você acha que podem existir outros planetas habitados por seres vivos?
Doze alunos responderam que acreditam que a Terra não é o único planeta onde a vida se
2895

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

desenvolveu. Entre as justificativas para a pergunta 6, destaco um aluno que respondeu 4


“Porque a possibilidade de vida que tem em nosso planeta então também tem em outros
planetas(sic).”, baseando sua opinião no fato de a Terra ser um planeta que possui seres vivos
e, por isso, outros planetas também poderiam ter. Outro aluno respondeu “Existem outras
‘gaxicias’(sic)”(creio que ele tentou escrever a palavra galáxias), se referindo às milhões de
galáxias que compõem o universo além da nossa. Outro aluno ainda citou o programa
Fantástico, que certas vezes exibe reportagens e até pequenas séries sobre Astronomia.
Também foi mencionada a possibilidade de vida no planeta Marte, que vem alimentando a
imaginação de leigos e astrônomos há muito tempo. Essas respostas mostram que esse
conhecimento circula entre eles e pode ser um ponto de partida para abordar a Astrobiologia
de forma crítica e interdisciplinar no ensino de Ciências.
Entre os alunos que não acreditam na possibilidade de vida extraterrestre, alguns
apontaram como justificativa a ausência de evidências encontradas pelos cientistas, como
escreveram dois alunos: “Porque os cientistas pesquisão sobre outras vidas em outros
planetas mais não acharam nada até hoje (sic)”. e “As pesquisas mostra que não (sic)”. De
fato, até o presente momento nunca foi encontrada qualquer evidência científica que confirme
a existência de vida em outros locais do universo. É interessante notar que esses alunos não
apenas duvidam, mas também apresentaram o motivo científico de sua descrença.
O Bloco seguinte investigava se o aluno possuía algum conhecimento sobre
Astronomia, e de onde provinha tal conhecimento. As perguntas foram: (7) Você já aprendeu
alguma coisa sobre Astronomia? e (8) Se você respondeu sim à questão anterior, onde você
aprendeu sobre Astronomia? Do total de 22 alunos, 18 responderam que já haviam aprendido
algo sobre Astronomia. A escola foi apontada por 14 alunos como o local de aprendizado,
seguida da internet, com 11 indicações, programas de TV, com 10, filmes com 9, e livros com
7 (cada aluno podia indicar mais de uma fonte).
Chamo a atenção aqui para a escola, pois segundo Dias e Rita (2008) a maioria dos
alunos da rede pública conclui o ciclo básico de ensino sem conhecimentos de Astronomia
que são pertinentes à sua formação. Porém, como já foi apontado, os PCN do Ensino
Fundamental encorajam o aproveitamento da grande variedade de conteúdos teóricos das
disciplinas científicas (a Astronomia inclusive) com todo o seu acúmulo de conhecimentos
tecnológicos pelos professores durante seu planejamento (LANGHI; NARDI, 2003). Esses

4
Transcreverei as respostas dos alunos mantendo a grafia original, sem nenhuma correção ortográfica ou
gramatical.
2896

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

mesmos autores destacam que um dos grandes desafios do professor de ciências ao trabalhar o
tema Astronomia se deve à precariedade de sua formação nessa área. O professor de ciências,
muitas vezes um licenciado em Ciências Biológicas, sai da graduação sem estar preparado
para trabalhar um dos grandes eixos no qual os PCN estruturam o ensino fundamental, o eixo
Terra e Universo (BRASIL, 1998). Portanto, devemos ter atenção ao analisar esses dados.
Embora boa parte da turma afirme ter algum contato anterior com Astronomia proveniente da
própria escola, isso não significa necessariamente que essa aprendizagem se deu de maneira
eficiente e significativa.
Chegamos ao bloco que analisa a possível influência da Religião sobre as concepções
dos alunos. Foram feitas as seguintes perguntas: (9) Você tem religião? Qual?; (10) Quantas
vezes você frequenta sua religião por semana?; (11) A doutrina da sua religião fala alguma
coisa sobre a possibilidade de existir vida em outros planetas?; e (12) Se a resposta anterior
for sim, o que sua religião fala sobre isso?
Antes de mostrar os resultados, cabe uma justificativa para a inclusão de um bloco
específico para a religião nesta pesquisa. A religião é também um campo de produção de
conhecimento, e muitos alunos usam o prisma do conhecimento religioso para entender o
mundo, inclusive para entender o conhecimento científico (FONSECA, 2005). Várias
religiões adotam posições sobre a existência ou não de vida extraterrestre. Por exemplo, a
filosofia espírita Kardecista assume que existem vários planetas habitados no universo, ainda
que por formas de vida bem diferentes das que a Astrobiologia busca. Já a Igreja Católica tem
uma posição mais próxima à ciência, e no início deste ano organizou sua segunda semana
temática sobre Astrobiologia (a primeira foi em 2009), reunindo alguns dos maiores cientistas
do mundo nessa área, embora essa posição não seja bem divulgada entre seus fiéis. Quanto às
religiões classificadas, de forma geral, como evangélicas, há várias posições diferentes,
refletindo a multiplicidade de denominações. Há desde aquelas que aceitam como parte da
criação de Deus, até as que negam totalmente a possibilidade de vida em outros locais do
universo.
Isto posto, podemos continuar analisando os dados. Dos 22 alunos, 20 declararam
seguir uma religião, e 18 frequentam seus locais de culto pelo menos uma vez por semana. A
maior parte desses alunos (11) afirmou pertencer a denominações Evangélicas, o que já era
esperado visto que o município de Seropédica vem experimentando um crescimento da
população evangélica, correspondendo a 44% dos habitantes (ALVES, 2013).

2897

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

Quanto à possível influência da religião sobre as concepções, todos os alunos


afirmaram que suas respectivas religiões não emitem nenhuma recomendação quanto à
existência ou não de vida fora do planeta Terra. Acreditamos que esse resultado
possivelmente se deva à faixa etária dos sujeitos (11 a 15 anos), e que uma futura pesquisa
semelhante feita com alunos mais velhos poderia encontrar um resultado diferente.
Finalmente chegamos ao último bloco, no qual pedi que os alunos fizessem um
desenho: (13) Se existissem seres vivos em outros planetas, como você imagina que eles
seriam? Use o espaço abaixo para desenhá-los!
Como já foi dito, as formas de vida que a maioria dos astrobiólogos se propõe a buscar
são organismos microscópicos, devido a sua resistência e adaptabilidade ambiental. Porém, o
cinema, a ficção científica, a televisão e a mídia em geral têm tradicionalmente representado a
vida extraterrestre de forma distorcida. Seres macroscópicos, humanoides, formando
civilizações avançadas e muitas vezes com intenções bélicas são exemplos dessa distorção. A
temática extraterrestre apresentada dessa forma parece atrair as pessoas, e prova disso são os
vários filmes de ficção científica com extraterrestres que figuram entre os grandes sucessos de
bilheteira (OLIVEIRA, 2008).
Os desenhos obtidos parecem refletir este cenário: de um total de 22 desenhos, 14
tinham estrutura humanoide, isto é, com braços, pernas, cabeça e tronco; 21 apresentavam
olhos, boca, nariz, orelhas ou cabelos, mesmo quando a estrutura não era humanoide; e 11
tinham alguma característica estereotipada, como antenas, capacete, trajes espaciais ou armas.
Pudemos identificar em muitos desenhos o “tipo padrão de ET”, com corpo magro, cabeça
desproporcional, olhos grandes e oblíquos, mostrando novamente a influência da ficção
científica veiculada nos meios de comunicação sobre as concepções prévias dos alunos
(BRETONES, 1999).

Considerações Finais
As concepções alternativas que aqui apresentamos apontam que o tema vida
extraterrestre de fato está presente entre os alunos, ainda que sem conotação científica. O
papel da televisão como principal fonte de informação sobre o tema nos faz refletir sobre a
presença e a qualidade do ensino de Astronomia na escola.
Também merecem destaque as possibilidades interdisciplinares que a Astrobiologia
representa ao interconectar saberes de Biologia, Astronomia, Física e outras, permitindo que
os alunos construam novos significados a partir do diálogo entre diferentes áreas. Mas um
2898

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

aproveitamento realmente efetivo exige investimentos em formação inicial e continuada em


Astronomia para os professores.
Por fim, o estudo científico da vida extraterrestre traz consigo muitas questões que
ainda precisam ser exploradas no ensino de Ciências e Biologia. Por exemplo, que estratégias
didático-pedagógicas podem ser elaboradas a partir desse campo de estudo? Como introduzir
esses conteúdos nas licenciaturas, bem como na formação continuada de professores? De que
maneira os livros didáticos abordam este assunto? Como trabalhar a Astrobiologia de maneira
interdisciplinar? Esperamos que pesquisas futuras forneçam mais detalhes sobre essas e outras
questões.
Referências Bibliográficas

ALVES, J. E. D. Até onde vai o piso da queda dos católicos no Rio de Janeiro: o caso de
Seropédica. Aparte Inclusão Social em Debate, 2013. Disponível em:
<http://www.ie.ufrj.br/aparte/>. Acesso em: 15 jul. 2013.

BLUMBERG, B. S. The NASA astrobiology institute: early history and organization.


Astrobiology, v. 3, n. 3, p. 463-470, 2003.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:


Ensino Fundamental. Brasília: Ministério da Educação, 1998.

BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais:


Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

BRETONES, P. S. Disciplinas introdutórias de Astronomia nos cursos superiores do


Brasil. Campinas: Unicamp, 1999. 200 f. Dissertação (Mestrado em Geociências) –Programa
de Pós-graduação em Geociências, Área de Educação Aplicada às Geociências, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 1999.

BRITO, P. E.; LEONÊS, A. S.; GUIMARÃES, E. M. Reflexões do Ensino de Astronomia


segundo os PCN e as Diretrizes Curriculares da Secretaria de Educação do Distrito Federal
em Planaltina DF. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM
CIÊNCIAS, 8., 2011, Campinas. Anais... Campinas: ABRAPEC, 2011.

CRONIN, J. R.; PIZZARELLO, S. Amino Acids in Meteorites. Adv. Space. Res., v. 3, n.9, p.
5-18, 1983

CUELLO, M. A. Recursos didácticos para comunicar aspectos metodológicos y conceptuales


tanto de la exploración planetaria como de la astrobiología. Rev. Eureka. Enseñ. Divul.
Cien., v.4, n.3, pp.476-488, 2007.

DAMINELI, A. Procura de Vida Fora da Terra. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 27, n. Especial: p.
641-646, 2010.

2899

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

DIAS, C. A. C. M.; RITA, J. R. S. Inserção da astronomia como disciplina curricular do


ensino médio. Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia, n. 6, p. 55-65,
2008.

FONSECA, L. C. S. Religião Popular: o que a escola pública tem a ver com isso? Pistas
para repensar o ensino de ciências. Niterói: UFF, 2005. 246 f. Tese (Doutorado em
Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.

GREENBERG, R. Unmasking Europa: The search for life on Jupiter ocean moon. New
York: Springer, 2008.

GRINSPOON, D. Planetas Solitários: A filosofia natural da vida alienígena. São Paulo:


Editora Globo, 2005.

LANGHI, R.; NARDI, R. Um estudo exploratório para inserção da astronomia na Formação


de professores dos anos iniciais do ensino Fundamental. In: ENCONTRO NACIONAL DE
PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 4., 2003, Bauru. Anais ... Bauru: ABRAPEC,
2003.

LANGHI, R.; NARDI, R. Ensino de astronomia: erros conceituais mais comuns presentes em
livros didáticos de ciências. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 24, n. 1, pp. 87-111, 2007.

LANGHI, R. Educação em astronomia: da revisão bibliográfica sobre concepções alternativas


à necessidade de uma ação nacional. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 28, n. 2, pp. 373-399, 2011.

MAYOR, M.; QUELOZ, D. A. A Jupiter-mass companion to a solar-type star. Nature, n.


378, p. 355-359, 1995.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Ideb e seus componentes. Ideb 2011. Brasília, 2011.


Disponível em: < www.portalideb.com.br/escola/172097>. Acesso em: 2 set. 2013.

MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador.


2.ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.
NASA. Nasa Astrobiology Institute – NAI. About Astrobiology. Ago. 2012. Disponível em:
<https://astrobiology.nasa.gov/about-astrobiology/>. Acesso em 26. Jun. 2013.

NASCIMENTO, S. S. Um curso de gravitação para professores do primeiro grau. São


Paulo: USP, 1990. 246 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pós-Graduação em
Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990.

OLIVEIRA, C. Astrobiologia para o século XXI. Ciência Hoje – Portugal. Mar. 2008.
Disponível em: < http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=25347&op=all >. Acesso em: 22
jul. 2013.

PAULINO-LIMA, I. G.; LAGE, C. A. S. Astrobiologia: definição, aplicações, perspectivas e


panorama brasileiro. Bol. Soc. Astron. Bras., v. 29, n. 1, p. 14-21, 2010.

2900

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

PINTÓ, R.; ALIBERAS, J.; GÓMEZ, R. Tres enfoques de la investigación sobre


concepciones alternativas. Enseñanza de las Ciencias, v.2, n.14, p. 221-232, 1996.

QUILLFELDT, J. A. Astrobiologia: água e vida no sistema solar e além. Cad. Bras. Ens.
Fís., v. 27, n. Especial, p. 685-697, 2010.

RODRIGUES, F. et al. Astrobiology in Brazil: early history and perspectives. International


Journal of Astrobiology, v. 11, n. 4, p. 189-202, 2012.

ROTHSCHILD L. J.; MANCINELLI R. L. Life in extreme environments. Nature, n. 409, p.


1092-1101, 2001.

TREVISAN, R. H. Assessoria na avaliação do conteúdo de Astronomia dos livros de Ciências


do primeiro grau. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v.14, n.1, p.7-16, 1997.

2901

SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

Você também pode gostar