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RESUMO
A Astrobiologia é o campo da ciência que estuda a origem, a evolução e a distribuição da vida
no universo. Neste trabalho objetivamos investigar as concepções alternativas de alunos do 6º
ano do ensino fundamental de uma escola municipal de Seropédica(RJ) sobre a Astrobiologia,
buscando saber como eles entendem a possibilidade de existência de vida extraterrestre.
Usamos questionários compostos por questões objetivas, discursivas e de desenho, versando
sobre vida fora da Terra, conhecimentos de Astronomia, religião e outros. A maioria dos
alunos têm conhecimentos de Astronomia e os resultados apontam que muitas de suas
concepções sobre vida extraterrestre são influenciadas pelos meios de comunicação e ficção
científica.
Palavras-chave: Astrobiologia, Educação em Ciências, Ensino de Astronomia.
Introdução
Os seres humanos observam o céu há milênios. E por todo esse tempo o consideramos
como algo insondável, regido por deuses, misterioso e mítico. Esse caráter “sagrado” do céu
foi tão marcante que até hoje as palavras “céu” e “Terra” possuem sentido de oposição dual.
Mas hoje a ciência nos mostra que essa oposição não faz sentido, pois a Terra é apenas mais
um dos incontáveis componentes do céu (no sentido de Universo). E mesmo a vida, o objeto
de estudo da Biologia, pode não ser uma característica exclusiva deste planeta.
A Astrobiologia é a ciência que tenta entender as relações entre a vida e os fenômenos
astronômicos, e como eles se influenciam mutuamente. Esse campo do conhecimento é um
potencial elemento para desenvolver uma abordagem interdisciplinar na escola, pois agrega
conhecimentos de várias disciplinas. Além disso, é um tema que desperta a curiosidade dos
alunos que, quase sempre, têm algo a falar sobre isso. Desse modo, este trabalho objetivou
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O que é Astrobiologia?
Embora exista desde antes da década de 1940 (BLUMBERG, 2003), a Astrobiologia
(também chamada de Exobiologia, Bioastronomia ou Xenobiologia) ainda é relativamente
desconhecida como área de pesquisa científica, mesmo no meio acadêmico. Segundo a
NASA, Astrobiologia é o campo da ciência que estuda a origem, a evolução e a distribuição
da vida no universo (NASA, 2013). Em outras palavras, é a área do conhecimento que busca
estudar a vida como elemento intrínseco do contexto cósmico, e não separada deste, inferindo
ainda se existe vida em outros locais do universo, bem como o futuro da vida na Terra e onde
quer que ela possa existir. É um campo recente e interdisciplinar, o que vai contra a tendência
atual de especialização da ciência, reunindo conhecimentos e tecnologias de Biologia,
Astronomia, Geologia 1 e suas respectivas subdivisões (PAULINO-LIMA; LAGE, 2010),
onde especialistas de diferentes áreas podem interagir (RODRIGUES et al., 2012).
Cabe deixar claro de início que a moderna Astrobiologia aceita e investiga
principalmente a possibilidade de vida extraterrestre microscópica, unicelular, mas
cautelosamente considera improvável a existência de organismos multicelulares como
animais, e menos ainda seres inteligentes com civilização tecnológica (QUILLFELDT, 2010),
não devendo ser confundida, portanto, com a Ufologia. Entretanto, uma das frentes da
Astrobiologia mantêm radiotelescópios varrendo o céu à procura de sinais não naturais vindos
de estrelas distantes, projeto chamado de SETI (Search of Extraterrestrial Intelligence –
Busca por Inteligência Extraterrestre). Chamo a atenção também para o fato de que até o
momento não é conhecida qualquer evidência de vida em outros locais além da Terra.
Porém, a tecnologia das últimas décadas possibilitou que a “hipótese astrobiológica”, isto é,
que a vida possa ter surgido em outro lugar e de forma independente da terrestre, pudesse ser
testada empiricamente.
Nesse sentido, aponto a seguir alguns acontecimentos que corroboraram a viabilidade
e plausibilidade da investigação científica sobre a vida no universo: (1) a descoberta do
primeiro planeta extrassolar orbitando uma estrela de sequência principal em 1995 (MAYOR;
1
Há variação entre os autores sobre quais áreas do conhecimento integram a Astrobiologia. Cuello (2007), por
exemplo, também inclui a Engenharia, a Química e a Filosofia. Poderíamos citar também a Oceanografia,
Glaciologia, Bioinformática, Linguística, Psicologia, Sociologia, História e outras.
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QUELOZ, 1995), desde então já foram descobertos até o momento 1791 planetas fora do
sistema solar 2; (2) a descoberta de água congelada no solo do planeta Marte (QUILLFELDT,
2010), e possivelmente água líquida sob uma camada de gelo nas luas Europa (de Júpiter) e
Encélado (de Saturno) (GRINSPOON, 2005; GREENBERG, 2008), a existência de água é
um ponto favorável ao desenvolvimento da vida como conhecemos, pois todos os seres vivos
da Terra necessitam dela para realizar suas reações metabólicas; (3) a descoberta dos
“extremófilos”, organismos (principalmente bactérias e arqueobactérias) capazes de viver e
prosperar em ambientes considerados hostis para a maioria das formas de vida, como
extremos de pH e temperatura, altas concentrações de metais pesados, doses letais de
radiação, vácuo espacial, entre outras, mostrando que a vida pode se desenvolver em uma
faixa de condições físicas e químicas muito maior do que se supunha (ROTHSCHILD;
MANCINELLI, 2001), como as encontradas em outros planetas e luas do sistema solar; (4) a
descoberta de que os principais elementos químicos componentes das células vivas, ou seja,
carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio (N), fósforo (P) e enxofre (S), os
chamados “CHONPS”, são abundantes no meio espacial, nas nebulosas e nuvens moleculares
que formam estrelas e planetas. Até mesmo substâncias orgânicas complexas, como
aminoácidos, já foram encontrados em meteoritos (CRONIN; PIZZARELLO, 1983). Isto
parece indicar que muitas das condições necessárias à vida são comuns no meio espacial, e
segundo Damineli (2010) leva a um cenário de que o universo é “biófilo”, isto é, favorável ao
desenvolvimento e manutenção da vida.
Por seu caráter interdisciplinar, existem pesquisas em Astrobiologia sendo
desenvolvidas por profissionais das mais diversas áreas. Ainda assim a maioria das pesquisas
tende a convergir para algumas frentes comuns: métodos de busca e caracterização de
exoplanetas; experimentos com moléculas orgânicas e organismos terrestres em ambientes
espaciais simulados; desenvolvimento de sondas para encontrar evidências de vida (atual ou
extinta) em planetas e luas do Sistema Solar; e a busca por sinais de comunicação inteligente
extraterrestre (SETI).
2
Número verificado em 18/05/2014. Para obter o número atualizado de planetas extrassolares (exoplanetas)
conhecidos, por favor, visite o sítio http://www.exoplanet.eu
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em jornais, revistas e na internet notícias sobre a exploração de Marte por sondas em busca de
vida, localização de planetas extrassolares, descoberta de água nas luas dos planetas Júpiter e
Saturno, entre muitos outros assuntos relacionados à Astrobiologia. Langhi e Nardi (2003),
citando Bretones (1999), afirmam que é provável que grande parte das informações
veiculadas pelos professores e as concepções prévias dos alunos sobre astronomia (e
astrobiologia) tenha origem ou sejam influenciadas pela mídia. São temas que em geral
despertam a curiosidade e admiração entre os alunos (NASCIMENTO, 1990).
Entretanto, esse tipo de discussão em geral ainda se mantém longe das escolas, e
mesmo das universidades no Brasil (PAULINO-LIMA; LAGE, 2010). De fato, pesquisas
acadêmicas abordando relações entre Astrobiologia e Ensino de Ciências e Biologia ainda são
escassas 3, apesar de a maioria dos professores de ciências serem formados na área de ciências
naturais e biológicas (BRITO et al., 2011).
Desse modo, pretendemos com este trabalho ajudar a preencher esta lacuna,
investigando então como os alunos interpretam e que conhecimentos trazem, isto é, suas
concepções sobre a Astrobiologia. Espero ainda contribuir para a divulgação e popularização
deste tema como objeto de pesquisa e apropriação também pelo Ensino de Ciências e
Biologia.
As concepções alternativas
Desde o final da década de 1970, inúmeros estudos têm sido realizados sobre as ideias
que os alunos usam ao se deparar com problemas e fenômenos científicos, resultando em
muitos catálogos dessas concepções em várias áreas do conhecimento (PINTÓ; ALIBERAS;
GÓMEZ, 1996). Essas ideias, chamadas de concepções alternativas, conhecimentos prévios,
concepções espontâneas, entre outros sinônimos, podem ser vistas como raciocínios
cognitivos que os alunos trazem sobre os mais diversos fenômenos, como uma tentativa de
entender o conhecimento científico com base em suas próprias experiências cotidianas. Não
são meros “chutes”, mas sim saberes com estrutura lógica que fazem sentido dentro dos
conhecimentos e vivências daquele indivíduo.
Também não são exclusivas de alunos, da infância, nem de pessoas com pouca
instrução. Qualquer pessoa pode (e normalmente tem) concepções sobre assuntos que não
3
O Banco de Teses e Dissertações em Educação em Astronomia (disponível em: http://www.btdea.ufscar.br/),
iniciativa do professor Paulo Sergio Bretones, da UFSCAR, reúne dissertações de mestrado e teses de doutorado
defendidas no Brasil desde 1973 na área de Educação em Astronomia. Das 118 obras, apenas 5 tratam
diretamente de temas referentes à Astrobiologia.
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Procedimentos de investigação
Para investigar as concepções dos alunos sobre Astrobiologia, escolhemos usar um
questionário composto por perguntas objetivas, discursivas e de desenho. Embora apresente
certas limitações, o questionário é um dos instrumentos de coleta de dados mais utilizado nas
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Resultados e Discussão
O primeiro bloco do questionário era composto por duas questões: (1)Você já ouviu
falar ou leu alguma coisa sobre Astrobiologia?, e (2) Se você respondeu sim, o que você sabe
sobre isso?. Apenas 3 alunos responderam que sim à primeira pergunta, mas nenhum
conseguiu responder corretamente à segunda. Imagino que eles inferiram a relação entre o
prefixo astro e a astronomia e por isso deram respostas muito vagas, citando planetas e
estrelas. Esse termo ainda é relativamente desconhecido, embora os avanços da astrobiologia
sejam comumente divulgados inclusive na TV aberta.
O segundo bloco trazia as seguintes perguntas: (3) Você á ouviu falar na possibilidade
de existir vida fora do planeta Terra, em outros planetas e estrelas distantes?, e (4) Se você
respondeu sim à pergunta anterior, onde você ouviu falar sobre isso? Dos 22 alunos, 15
responderam que sim. Apesar do termo Astrobiologia não ser comum, o principal objeto de
estudo é conhecido por eles. Quanto à fonte dessa informação, dos 15 alunos, 11 responderam
que foi pela televisão que eles tomaram conhecimento sobre a possibilidade de vida
extraterrestre. Esses dados confirmam a posição de Langhi e Nardi (2003) e Bretones (1999)
sobre a responsabilidade da mídia nas concepções de Astronomia dos alunos.
O próximo bloco objetivava conhecer a opinião direta dos alunos sobre a possibilidade
de existirem outros planetas com vida no universo. As seguintes perguntas foram feitas: (5)
Na sua opinião, a Terra é o único planeta com vida no universo? e (6) Se a resposta anterior
for não, por que você acha que podem existir outros planetas habitados por seres vivos?
Doze alunos responderam que acreditam que a Terra não é o único planeta onde a vida se
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Transcreverei as respostas dos alunos mantendo a grafia original, sem nenhuma correção ortográfica ou
gramatical.
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mesmos autores destacam que um dos grandes desafios do professor de ciências ao trabalhar o
tema Astronomia se deve à precariedade de sua formação nessa área. O professor de ciências,
muitas vezes um licenciado em Ciências Biológicas, sai da graduação sem estar preparado
para trabalhar um dos grandes eixos no qual os PCN estruturam o ensino fundamental, o eixo
Terra e Universo (BRASIL, 1998). Portanto, devemos ter atenção ao analisar esses dados.
Embora boa parte da turma afirme ter algum contato anterior com Astronomia proveniente da
própria escola, isso não significa necessariamente que essa aprendizagem se deu de maneira
eficiente e significativa.
Chegamos ao bloco que analisa a possível influência da Religião sobre as concepções
dos alunos. Foram feitas as seguintes perguntas: (9) Você tem religião? Qual?; (10) Quantas
vezes você frequenta sua religião por semana?; (11) A doutrina da sua religião fala alguma
coisa sobre a possibilidade de existir vida em outros planetas?; e (12) Se a resposta anterior
for sim, o que sua religião fala sobre isso?
Antes de mostrar os resultados, cabe uma justificativa para a inclusão de um bloco
específico para a religião nesta pesquisa. A religião é também um campo de produção de
conhecimento, e muitos alunos usam o prisma do conhecimento religioso para entender o
mundo, inclusive para entender o conhecimento científico (FONSECA, 2005). Várias
religiões adotam posições sobre a existência ou não de vida extraterrestre. Por exemplo, a
filosofia espírita Kardecista assume que existem vários planetas habitados no universo, ainda
que por formas de vida bem diferentes das que a Astrobiologia busca. Já a Igreja Católica tem
uma posição mais próxima à ciência, e no início deste ano organizou sua segunda semana
temática sobre Astrobiologia (a primeira foi em 2009), reunindo alguns dos maiores cientistas
do mundo nessa área, embora essa posição não seja bem divulgada entre seus fiéis. Quanto às
religiões classificadas, de forma geral, como evangélicas, há várias posições diferentes,
refletindo a multiplicidade de denominações. Há desde aquelas que aceitam como parte da
criação de Deus, até as que negam totalmente a possibilidade de vida em outros locais do
universo.
Isto posto, podemos continuar analisando os dados. Dos 22 alunos, 20 declararam
seguir uma religião, e 18 frequentam seus locais de culto pelo menos uma vez por semana. A
maior parte desses alunos (11) afirmou pertencer a denominações Evangélicas, o que já era
esperado visto que o município de Seropédica vem experimentando um crescimento da
população evangélica, correspondendo a 44% dos habitantes (ALVES, 2013).
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Considerações Finais
As concepções alternativas que aqui apresentamos apontam que o tema vida
extraterrestre de fato está presente entre os alunos, ainda que sem conotação científica. O
papel da televisão como principal fonte de informação sobre o tema nos faz refletir sobre a
presença e a qualidade do ensino de Astronomia na escola.
Também merecem destaque as possibilidades interdisciplinares que a Astrobiologia
representa ao interconectar saberes de Biologia, Astronomia, Física e outras, permitindo que
os alunos construam novos significados a partir do diálogo entre diferentes áreas. Mas um
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ALVES, J. E. D. Até onde vai o piso da queda dos católicos no Rio de Janeiro: o caso de
Seropédica. Aparte Inclusão Social em Debate, 2013. Disponível em:
<http://www.ie.ufrj.br/aparte/>. Acesso em: 15 jul. 2013.
CRONIN, J. R.; PIZZARELLO, S. Amino Acids in Meteorites. Adv. Space. Res., v. 3, n.9, p.
5-18, 1983
DAMINELI, A. Procura de Vida Fora da Terra. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 27, n. Especial: p.
641-646, 2010.
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FONSECA, L. C. S. Religião Popular: o que a escola pública tem a ver com isso? Pistas
para repensar o ensino de ciências. Niterói: UFF, 2005. 246 f. Tese (Doutorado em
Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
GREENBERG, R. Unmasking Europa: The search for life on Jupiter ocean moon. New
York: Springer, 2008.
LANGHI, R.; NARDI, R. Ensino de astronomia: erros conceituais mais comuns presentes em
livros didáticos de ciências. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 24, n. 1, pp. 87-111, 2007.
OLIVEIRA, C. Astrobiologia para o século XXI. Ciência Hoje – Portugal. Mar. 2008.
Disponível em: < http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=25347&op=all >. Acesso em: 22
jul. 2013.
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QUILLFELDT, J. A. Astrobiologia: água e vida no sistema solar e além. Cad. Bras. Ens.
Fís., v. 27, n. Especial, p. 685-697, 2010.
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