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TEORIA E POLÍTICA

Comercio Internacional e Crescimento Econômico


O comércio afeta o desenvolvimento?

Frederico G. Jayme Jr.


Dep. de Economia e Cedeplar, da UFMG

A relação entre crescimento econômico e comércio internacional (doravante comércio), tem sido objeto de
estudo nas ciências econômicas há um longo tempo. Não obstante, há, ainda hoje, pouca evidência sobre o
papel do comércio no crescimento e desenvolvimento econômicos. De fato, ainda que crescimento e volume de
comércio sejam correlacionados por Kaldor como fatos estilizados de crescimento econômico, a relação entre
estas duas variáveis ainda permanece obscura. A questão teórica central tratada neste artigo é a relação entre
comércio e crescimento, ou mais especificamente, a relação de causalidade entre comércio e desenvolvimento.
Três questões importantes serão consideradas, quais sejam, a relação estrita entre comércio crescimento; a
relação entre política comercial e crescimento (como um elemento da relação comércio/crescimento) e os
problemas de balanço de pagamentos e seus vínculos com a política macroeconômica.

Embora os efeitos do crescimento econômico de longo prazo e do progresso técnico possam ser capazes
de provocar mudanças no padrão de comércio internacional, nada há de conclusivo sobre a natureza destes
efeitos. Ademais, uma análise mais acurada do crescimento econômico requer a inclusão da totalidade de
seus determinantes, entre os quais destacam-se o estoque de capital e o investimento. Certamente, os
investimentos são os únicos elementos nos quais há consenso quanto à sua importância como
determinante do crescimento. Os efeitos do comércio sobre o investimento, em sua dimensão quantitativa e
qualitativa, permanecem um enigma.

Mais recentemente, este ponto tem sido estudado no âmbito das economias em desenvolvimento e das
economias desenvolvidas, à medida que ambas aumentaram seu grau de abertura comercial e financeira,
principalmente após a segunda metade dos anos 80, como é o caso dos países da América Latina que
adotaram programas de estabilização macroeconômica e reformas estruturais. Os fluxos de capital
retornaram a estes países, que estiveram por vários anos excluídos do mercado internacional de capitais.
Contudo, os resultados deste processo em termos de crescimento, de performance macroeconômica, assim
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como de ganhos de bem estar, foram modestos. Cumpre registrar que, apesar da estabilização
macroeconômica e do retorno ao mercado internacional de capitais, outros fatores de instabilidade se
mantiveram nas economias latino-americanas, tais como altas taxas de juros, dívidas interna e externa
crescentes, desigualdade salarial e performance macroeconômica modesta.

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Neste quadro, é inegável que a abertura não implicou crescimento econômico estável para o mundo em
desenvolvimento. Por exemplo, o desempenho da economia brasileira durante os anos 90 foi incapaz de
produzir taxas de crescimento similares às verificadas na década de 70, quando, apesar da crise econômica
mundial de 1974, o Brasil apresentou uma taxa média de crescimento anual do PIB da ordem de 7%. Contudo,
após a crise da dívida dos anos 80, a economia brasileira estagnou-se, concomitantemente ao aumento da taxa
de desemprego e da concentração da renda. E a situação permanece problemática, mesmo após a estabilização
de preços de 1994, embora tenha produzido resultados de curto prazo benéficos sobre a distribuição da renda,
em função dos seus efeitos sobre o imposto inflacionário. O modelo de crescimento econômico neoclássico
mostra que programas de liberalização deveriam aumentar o crescimento econômico, a partir dos impactos de
reformas estruturais sobre a produtividade do trabalho e sobre a produtividade total dos fatores (PTF). Entretanto,
vários estudos, com resultados distintos e às vezes divergentes, não lograram demonstrar uma relação clara
entre comércio, política comercial e crescimento econômico.

A origem da literatura teórica acerca da relação entre comércio e crescimento encontra-se na teoria das
vantagens comparativas, assim como no modelo Hecksher-Ohlin. Embora os resultados de alguns modelos
indiquem que o crescimento econômico pode ter efeitos sobre os padrões de comércio internacional, não há
evidências claras sobre a relação causal entre estas variáveis. Alguns autores tentam demonstrar que
economias abertas tendem a convergir mais rapidamente para um estado de crescimento equilibrado
(steady-state) do que economias fechadas (Sachs e Warner, 1995; Edwards, 1992, 1993, 1998; Srinivasan
and Bhagwaqti, 1999, Kruerger, 1997; Ben-David e Kimhi, 2000). Resultados encontrados por outros
autores sugerem que a abertura pode obstar o crescimento econômico, dados seus efeitos perversos sobre
a indústria nascente, ou em função de restrições de balanço de pagamento, numa abordagem que privilegia
os impactos da demanda agregada sobre a renda (Taylor,1993; McCombie and Thirlwall,1999; Blecker,
1999b; Helleiner, 1996; UNCTAD, 1995). Outros, ainda, são céticos acerca da capacidade de a abertura
estimular o crescimento econômico, mesmo discutindo tal questão a partir de metodologias similares às
utilizadas pelos defensores dos benefícios da abertura para o crescimento (Rodriguez e Rodrik, 1999;
Rodrik, 1999; Harrison e Hanson, 1999).

Modelos keynesianos de origem Kaldorianas, como o modelo de crescimento com restrição de balanço de
pagamentos de Thirlwall, encontraram um canal entre comércio e crescimento, por intermédio dos estímulos
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de demanda via exportações. Vale lembrar que, neste caso, o comércio pode representar também uma
importante restrição ao crescimento através de constrangimentos no balanço de pagamentos.

Este artigo está organizado da seguinte maneira: a segunda seção trata da visão sobre a relação entre
comércio e crescimento econômico presente na abordagem neoclássica e de crescimento endógeno. A
terceira seção apresenta os trabalhos empíricos que relacionam política comercial e crescimento,
mostrando as vantagens e fragilidades dos modelos econométricos que focalizam esta relação. A quarta
seção ocupa-se das visões alternativas sobre comércio e crescimento. Especial atenção será conferida aos
países em desenvolvimento. A quinta seção dedica-se às considerações finais.

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Comércio e Crescimento Econômico: modelos tradicionais e recentes
Em qualquer estudo sobre comércio internacional, a teoria das vantagens comparativas é necessariamente
a primeira a ser discutida. De acordo com este modelo, o comércio permite a utilização mais eficiente dos
recursos econômicos visto que possibilita a importação de bens e serviços que, de outra forma, só poderiam
ser produzidos internamente a um custo superior. O engajamento no comércio internacional permite aos
países em desenvolvimento importar bens de capital e intermediários (cruciais para o crescimento de longo
prazo) a preços inferiores aos dos similares produzidos domesticamente.

O caso tradicional de ganhos de comércio é baseado em vantagens comparativas, a partir das quais, num
modelo estático, o país que abre sua economia apropria-se de ganhos líquidos de bem estar. Como sabido,
o modelo ricardiano explica ganhos de bem estar quando qualquer país se especializa na produção de bens
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nos quais detém uma vantagem comparativa.

O modelo ricardiano considera dois países e duas mercadorias, reduzindo todos os fatores de produção a
um único, qual seja, o trabalho. Além do mais, supõe que a produção de cada mercadoria é realizada a
partir de coeficientes técnicos fixos. Dadas estas condições, a tecnologia explica o padrão de comércio
internacional. Assumindo a hipótese de ausência de custos de transportes, o modelo estabelece como
condição de existência de comércio internacional a presença de diferenças entre os custos de oportunidade
de se produzir as duas mercadorias nos dois países. Mesmo se um país apresentar vantagem absoluta na
produção das duas mercadorias, a especialização produtiva, seguida de comércio, é preferível a uma
situação de produção autárquica. Satisfeitas as condições de comércio, quando cada país se especializa na
produção da mercadoria na qual apresenta menor custo de oportunidade e adere ao comércio internacional,
o bem estar das duas economias, assim como do economia mundial, aumenta.

O modelo básico Heckscher-Ohlin (H-O) identifica a diferença nas dotações de fatores como a causa do
comércio. Mais especificamente, e seguindo o teorema de H-O, em um modelo de dois países, cada país
exporta a mercadoria que utiliza mais intensivamente o fator produtivo mais abundante internamente.
Contudo, a sustentação da validade do modelo H-O requer algumas hipóteses essenciais muito restritivas,
cuja utilização explica a pequena capacidade de verificação empírica do modelo, em sua versão estática. A
primeira hipótese supõe que as funções de produção apresentem produtividade dos fatores positiva, porém
decrescente, e retornos constantes de escala. Os dois bens devem possuir diferentes funções de produção,
sem o que não seriam bens distintos. Esta primeira hipótese é, como sabido, básica para o argumento
neoclássico. A segunda hipótese considera que a estrutura da demanda é idêntica nos dois países. Isto
significa que, dado qualquer preço relativo, a proporção nas quais os dois bens são consumidos independe
do nível de renda (este é o caso de uma função utilidade homotética). Finalmente, a terceira hipótese exclui
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a possibilidade de reversão na intensidade do uso dos fatores.

O teorema de Stolper-Samuelson generaliza o modelo H-O (o modelo Hecksher-Ohlin-Samuelson). O


modelo Hecksher-Ohlin-Samuelson (H-O-S) analisa os efeitos do comércio internacional sobre o emprego e

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sobre a distribuição de renda. De acordo com este modelo, o comércio internacional leva a um equilíbrio
Pareto-eficiente com maior bem-estar mediante a realocação intersetorial dos recursos. Movimentos nos
preços relativos criam diferenciais intersetoriais de remuneração de fatores que estimulam o movimento de
fatores de produção até o ponto em que tais diferenciais sejam eliminados. Supondo um país no qual o
setor importador é intensivo em capital e exportador intensivo em mão-de-obra, uma reorientação da
estratégia da substituição de importações para uma estratégia voltada para exportações reduz os preços
relativos domésticos dos bens importados. Consequentemente, se a economia estiver operando sobre a
fronteira de possibilidade de produção, o produto do setor exportador aumentará concomitantemente a uma
redução do produto do setor importador. Dado que o segmento exportador é menos intensivo em capital
que o setor importador, a mudança na composição do produto aumenta a demanda agregada por trabalho e
diminui por capital. O resultado será um novo equilíbrio, no qual os salários reais aumentam e a
rentabilidade do capital cai, promovendo a redistribuição da renda da após a abertura. Assim, de acordo
com o modelo H-O-S, a liberalização comercial é uma importante política para os países em
desenvolvimento aumentarem concomitantemente sua taxa de crescimento e os salários reais.

Outro importante modelo neoclássico, que trata da relação entre comércio e crescimento, é o modelo de
Bagwhati, no qual o bem-estar de uma nação se reduz como resultado de um processo de crescimento
econômico estimulado pelo progresso tecnológico. Este resultado é conseqüência da deterioração dos
termos de troca que se segue ao crescimento. A idéia básica deste modelo está no fato de o bem-estar
declinar em seguida a um processo de incorporação de progresso tecnológico. Este efeito resulta de uma
deterioração dos termos de troca numa medida suficiente para compensar os impactos positivos do
crescimento sobre o bem-estar a preços relativos constantes. Portanto, a mudança nos termos de troca
produz um efeito sobre o consumo capaz de contribuir para uma redução do bem-estar global. Em outra
palavras, isto significa que, na presença de distorções, a abertura comercial pode ter efeitos
empobrecedores e, em conseqüência, reduzir o bem-estar da economia.

Uma síntese da teoria do comércio internacional tradicional está na tese de que o comércio internacional,
excluindo-se o caso de distorções ou falhas de mercado, conduz a uma situação de maior bem-estar,
comparativamente a uma situação de autarquia. Por isso, prescrições de política sugerem que a abertura é
sempre a melhor alternativa, visto que políticas de liberalização comercial e de capitais são capazes de aumentar
o bem-estar, num modelo estático de eficiência, ou estimular o crescimento econômico, num modelo dinâmico.
As limitações e as hipóteses restritivas da maioria destes modelos, como o H-O-S, têm como resultado sua fraca
validação empírica. Na verdade, mesmos os autores do mainstream têm ressaltado a fragilidade de tais modelos,
liderados pela Nova Teoria do Comércio Internacional, que enfatiza a natureza de funções mal comportadas,
fundadas na tradição H-O-S. Contudo, as tradições estruturalista e pós-keynesiana operam a partir de hipóteses
distintas que serão discutidas na terceira seção deste artigo. Neste ponto, é necessário enfatizar que uma
abordagem mais detalhada da relação entre comércio e crescimento tem que considerar aspectos institucionais
e os efeitos potenciais de fatores que estimulam a demanda, assim como os constrangimentos de balanço de
pagamento potencialmente associados a processos de abertura econômica.

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Srinivasan e Bhagwati (1999), rebatendo a crítica dos que duvidam da capacidade de políticas comerciais liberais
promoverem desenvolvimento econômico, argumentaram que a teoria do comércio internacional tradicional é
aquela que, ainda hoje, fornece o melhor instrumental para se entender a relação entre comércio e crescimento.
Sustentam que a abertura comercial e o livre movimento de fatores e de tecnologia contribuem potencialmente
para o crescimento.8 Consideram equivocado criticar a relação entre comércio e crescimento proposto pela teoria
tradicional, enfatizando que esta engloba a possibilidade teórica da abertura comercial produzir, na presença de
falhas de mercado, menos bem-estar e menor crescimento. Assim, nos termos da teoria tradicional, a abertura
comercial permite aos países explorar vantagens comparativas e com isto melhorar a eficiência da alocação de
seus recursos domésticos. Além do mais, do ponto de vista dos autores em foco, os frutos da tecnologia do
conhecimento e da inovação podem ser avaliados em qualquer lugar.

Grosman e Helpman (1990), apresentam um modelo de comércio e crescimento dinâmico, de dois países com
progresso técnico endógeno. De acordo com estes autores, um entendimento abrangente do crescimento
econômico deve levar em conta a acumulação de conhecimento.9 O modelo enfatiza o papel de economias de
escala e do progresso técnico no processo de crescimento. Basicamente, trata-se de um modelo de dois países
no qual cada país dedica-se a três atividades produtivas: a produção de um bem final, a produção de uma série
variada de produtos intermediários diferenciados e, finalmente, a pesquisa e desenvolvimento (P&D).10

O modelo de Grosmam e Helpman (1990) gera uma taxa endógena de crescimento de longo prazo que
relaciona comércio e crescimento por intermédio da difusão tecnológica e do conhecimento. Seus
resultados realçam algumas características da relação entre comércio e crescimento. Primeiramente,
mostram que uma demanda relativa mais forte por bens finais do país, com vantagem comparativa em P&D,
reduz a sua participação de longo prazo no número de produtos intermediários e desacelera o crescimento
de longo prazo da economia mundial. Na ausência de vantagens comparativas em P&D, o crescimento de
longo prazo é independente da demanda relativa por bens finais.

Segundo, uma tarifa reduzida de importação ou subsídio à exportação incidente sobre bens finais diminui, em
uma situação de crescimento equilibrado, a participação do país em produtos intermediários e em P&D. Além do
mais, a taxa de crescimento de longo prazo da economia mundial somente aumentará se o país praticante da
política ativa possuir uma desvantagem comparativa em P&D. Finalmente, um pequeno subsídio em P&D nos
dois países, a uma mesma taxa, aumenta a taxa de crescimento de longo prazo da economia mundial.

Terceiro, a provisão de um subsídio para P&D em um país aumenta o crescimento de longo prazo se a
divisão do gasto entre os dois bens é constante e se a política é implementada pelo país com vantagem
comparativa em P&D. Do contrário, a taxa de crescimento de longo prazo pode crescer ou cair.

Outra importante proposição do modelo mostra que tarifas de importação podem levar a resultados ambíguos
em termos de crescimento. O resultado dependerá do nível dos coeficientes de comportamento incluídos no
modelo.

A crítica básica aos modelos que dizem respeito ao crescimento endógeno, é a de que eles conservam uma
mesma abordagem para tratar do crescimento econômico, isto é, supõem a validade da Lei de Say e o

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comportamento individual maximizador, no qual cada agente é capaz de maximizar sua satisfação
intertemporalmente. Os motores do crescimento são a poupança e as idéias (ou tecnologia), diferentemente dos
modelos baseados na demanda (demand-led) e dos modelos macro que levam em consideração as instituições,
a demanda e seus constrangimentos.

Certamente, o aspecto fundamental do crescimento é o investimento. Como Rodrik (1999) salientou, o


investimento é o motor do crescimento. Neste sentido, o investimento é tipicamente uma variável de demanda,
de maneira que os modelos neoclássicos, antigos e novos, negligenciaram a importância da demanda agregada
no crescimento das economias capitalistas. Ademais, McCombie e Thirlwall (1999) chamam a atenção para o
fato de que os novos modelos de crescimento são também modelos fechados e, mesmo os abertos, como o de
Grosman e Helpman (1990), focalizam apenas comércio e crescimento, desconsiderando os constrangimentos
de balanço de pagamentos. Instituições também são importantes para o crescimento econômico devido ao fato
de que o investimento é correlacionado com o background institucional em cada país.

Política comercial e crescimento: estudos empíricos


A literatura empírica sobre política comercial e crescimento constitui um aspecto da discussão sobre o
crescimento, desde que a política comercial seja uma tentativa de se criar uma proxy para a participação do
comércio no PIB de cada país (Frankel e Romer, 1999). O fortalecimento do processo de integração
comercial estimulou a realização de vários estudos tentando identificar as conexões dos efeitos benéficos
da liberação comercial sobre o crescimento. Entretanto, mesmo utilizando numerosos modelos, estes
estudos não alcançaram resultados robustos. Ao contrário, a experiência de alguns países em
desenvolvimento, que enfrentaram desequilíbrios macroeconômicos, após a crise da dívida, é rica em
demonstrações de que a abertura pode trazer consigo desequilíbrios macroeconômicos, entre os quais a
sobrevalorização da taxa de câmbio e déficits em conta corrente.

Sachs e Warner (1995) é um dos estudos mais citados e debatidos entre aqueles que discutem os
benefícios da liberalização comercial. A partir da construção de um indicador de abertura, os autores
aplicaram um modelo para determinar se a liberalização comercial e a implementação de reformas resultam
em melhor performance econômica. Este estudo considera que um país possui uma economia fechada se
apresenta pelo menos uma das três características seguintes: 1) barreiras não-tarifárias incidindo sobre
40% ou mais do comércio; 2) tarifa média de 40% ou mais; 3) um prêmio de 20% ou mais no mercado
paralelo de câmbio; 4) uma economia socialista; e 5) monopólio estatal na maioria das exportações. Em
contrapartida, uma economia é considerada aberta se nenhum dos itens anteriores a ela se aplica. Usando
este critério, os autores encontraram resultados indicativos de que o crescimento econômico é maior nas
economias abertas do que nas fechadas. Ademais, concluíram que economias abertas tendem a convergir
para um crescimento equilibrado mais rapidamente do que as fechadas. Para Rodriguez e Rodrik (1999), os
resultados de Sachs e Warner (1995) são fortemente influenciados por outros fatores que não a abertura,
apresentando, em conseqüência, um viés expressivo.

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Edwards (1993) analisou a relação entre política comercial e performance econômica, focalizando o
comportamento do crescimento da produtividade nos países da América Latina. Partindo da hipótese de que os
programas de liberalização comercial destes países tiveram como objetivo reduzir o viés antiexportador das
políticas comerciais, assim como transformar o comércio internacional em "motor do crescimento", o autor utilizou
uma regressão cross-section para 54 países, com o objetivo de investigar a maneira pela qual distorções
comerciais afetaram o crescimento da produtividade no período 1971-82. Suas conclusões fortalecem a visão de
que a abertura favorece o crescimento econômico. O autor utiliza o modelo neoclássico tradicional, no qual a
função de produção agregada é yt = Af (Kt,Lt), e o crescimento da Produtividade Total dos Fatores (PTF) é A/A.11
Considera que há duas fontes de crescimento da PTF (inovação doméstica e imitação estrangeira) e adverte que
economias mais abertas, particularmente no mundo em desenvolvimento, podem desfrutar de inovações
técnicas internacionais mediante a abertura de suas economias.

Edwards (1993) selecionou, ademais, um conjunto de variáveis que inclui crescimento da PTF (construiu
este indicador a partir dos resíduos das regressões de crescimento do PIB dos países considerados),
distorções comerciais, um termo de defasagem tecnológica (catch up term), capital humano, papel do
governo, instabilidade política, e taxa de inflação. Embora seu estudo tenha produzido resultados
satisfatórios, em termos da relação comércio crescimento, deixou em aberto questões remanescentes,
como a velocidade das reformas ou as conseqüências dos desequilíbrios macroeconômicos resultantes da
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apreciação da taxa de câmbio.

Bleaney (1997) examinou, utilizando dados de painel (séries temporais de vários países), um conjunto de 17
observações anuais para dez países latino-americanos e suas conclusões ressaltaram que o crescimento
econômico que se seguiu às reformas foi pífio. Usando alguns indicadores de desempenho (como a relação
entre investimento e PIB, exportações reais, taxa real de câmbio, preços ao consumidor e equilíbrio das contas
públicas) não conseguiu demonstrar que variáveis de liberalização comercial levam a uma melhor performance
econômica. Este resultado contradiz os resultados encontrados por Easterly et al. (1997), que sugerem que o
crescimento da América Latina tem apresentado um bom desempenho, após as reformas econômicas.

Harrison e Hanson (1999) salientaram que, embora alguns estudos tenham encontrado uma relação
consistente entre comércio e crescimento, outros tantos não alcançaram o mesmo resultado. De fato, estes
autores enfatizam a baixa robustez econométrica de alguns estudos, como os de Sachs e Warner (1995),
que pode ser explicada pela fragilidade das bases empíricas utilizadas, pela necessidade de se focalizar os
problemas endógenos associados à relação entre políticas de comércio e crescimento e, finalmente, pela
importância de se considerar o papel independente desempenhado pelas políticas cambial e comercial.

Alguns estudos mostraram que os benefícios produzidos pela abertura em termos de crescimento estável
são modestos, fato que se desdobra em alguns problemas de difícil solução. Enquanto estudos
comparativos internacionais, usando regressões cross-section ou dados de painel, têm sido incapazes de
definir precisamente as relações entre abertura e crescimento, estudos de caso nacionais parecem oferecer
melhores resultados, uma vez que incorporam algumas características específicas destes países, como as
variáveis institucionais ou os padrões históricos. Por exemplo, países com estratégias de desenvolvimento

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similares como México, a Argentina e o Brasil, são diferentes de países asiáticos ou de países
desenvolvidos. Consequentemente, a abertura de suas economias produz resultados diferenciados, dadas
as especificidades de suas variáveis institucionais e de algumas de suas características econômicas.
Nestas circunstâncias, as generalizações utilizadas em regressões cross section ou em dados de painel
para um grande número de países em desenvolvimento ou desenvolvidos podem obscurecer algumas
diferenças importantes. Mesmo entre países similares, no que se refere ao padrão de desenvolvimento e às
instituições, é difícil fazer generalizações, embora existam alguns fatos estilizados comuns (Taylor, 1991;
Helleiner, 1992; Ocampo e Taylor, 1998; Frenskel, 1998; Ros e Lustig, 1999).

De fato, como Frenkel (1998:01) enfatiza, "As reformas financeiras na América Latina não foram iniciativas
políticas isoladas, mas implementadas geralmente como componentes do pacote de reformas estruturais do
Consenso de Washington e em conjunto com programas de estabilização macroeconômica importantes".
Ademais, um estudo que pretende relacionar crescimento e comércio deveria considerar não somente as
iniciativas políticas constantes do Consenso de Washington, mas também a estrutura institucional e o padrão
histórico de cada país. Como Ocampo e Taylor (1998) destacaram, desvendar os efeitos do comércio nos países
em desenvolvimento não é uma tarefa simples. Certamente, a maioria dos programas de liberalização tem sido
acompanhada por pacotes de políticas de estabilização macroeconômica, bem como de liberalização financeira
implementados para permitir a entrada de capitais. Nestas condições, argumentam que é necessário rever e
criticar aquilo que as teorias dizem sobre os determinantes e resultados dos fluxos de comércio, num primeiro
momento, ao nível microeconômico, e posteriormente ao nível macroeconômico.

Por conseguinte, enquanto alguns estudos têm encontrado uma relação entre abertura e crescimento,
muitos outros a negaram. Diante disto, é possível afirmar que a abertura está longe de garantir crescimento
de longo prazo. Ao contrário, a experiência da América Latina parece demonstrar que a abertura conduz à
vulnerabilidade externa e a níveis mais baixos de crescimento econômico. Talvez, a única relação robusta
encontrada pelos estudos sobre liberalização comercial é a existência de uma forte correlação entre
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abertura e desigualdade de renda.

Como Rodrik (1999) destacou, na Coréia do Sul, Cingapura e Formosa (países tidos como exemplos de
estratégia de crescimento econômico para fora), a acumulação de capital físico foi o mais importante
determinante do crescimento econômico. Não bastasse, a construção de um sistema financeiro forte, com a
ajuda governamental, desempenhou um papel fundamental na estratégia de crescimento sustentado de
longo prazo. O mesmo pode ser dito da Industrialização por Substituição de Importação (ISI) que precedeu
a estratégia de desenvolvimento orientada para fora. Tais considerações mostram que as estratégias de
investimento e outras características, como estabilidade macroeconômica e equilíbrio externo, foram
essenciais para garantir o crescimento daqueles países. Por sua vez, a história de numerosos países como
Argentina, Brasil, México e Chile revela com nitidez que entre os mais importantes constrangimentos do
crescimento econômico de longo prazo estável está o desequilíbrio externo, tanto no que se refere às
transações correntes quanto à conta de capital do balanço de pagamentos.

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Na contabilidade das transações correntes, o déficit estrutural no balanço de serviços tende a impedir a
estabilidade do crescimento econômico. Já em relação à conta de capital, o problema está referido aos fluxos de
curto prazo de capitais especulativos, assim como ao comportamento e ao padrão do endividamento externo de
longo prazo. Com referência ao conjunto do balanço de pagamentos, a volatilidade das reservas internacionais
aparece como outro foco de instabilidade. Assim, comércio e crescimento estão relacionados a constrangimentos
de balanço de pagamentos, nos quais as variáveis de demanda do balanço de contas correntes desempenham
papel relevante. Dadas tais características e constrangimentos, a abertura comercial e financeira não aumenta
necessariamente o crescimento econômico.

Outros modelos foram construídos para identificar a relação de causalidade entre comércio crescimento,
utilizando, para tanto, variáveis instrumentais. Frankel e Romer (1999) construíram um modelo, no qual as
características geográficas dos países constituem elementos que têm importantes efeitos sobre o comércio e
que, ao mesmo tempo, não estão correlacionados à renda. Como estes autores enfatizam, talvez a maior
dificuldade para explicar empiricamente a relação entre comércio e crescimento é que a participação do país no
comércio internacional pode ser endogenamente determinada. Uma das maneiras de evitar tal endogeneidade é
testar a política comercial como uma proxy desta participação.14 Entretanto, como Rodriguez e Rodrik (1999)
enfatizam, esta tentativa parece frágil uma vez que a maior parte das variáveis utilizadas no modelo em foco são
correlacionadas com a política macroeconômica, do mesmo modo que com outras variáveis. O objetivo do artigo
de Frankel e Romer (1999) é propor um instrumental alternativo para o tratamento do comércio, tentando medir
seus impactos sobre crescimento, sem os problemas acima mencionados. Neste sentido, os autores utilizam
características geográficas como variáveis instrumentais para estimar o impacto do comércio sobre a renda e
sobre o crescimento e tomam como indicador de comércio internacional a participação do fluxo total de comércio
(valor das exportações somado ao valor das importações) no PIB.

As variáveis instrumentais consideradas no estudo de Frankel e Romer são o comércio internacional,


comércio interno e a renda como variável dependente. Por seu turno, o comércio internacional é tratado
como uma função da proximidade geográfica de um país com os demais. A idéia de trabalhar com estas
variáveis instrumentais pretende evitar a endogeneidade que outras variáveis proxies poderiam ter sobre a
renda. Intuitivamente, países menores podem fortalecer sua participação no comércio internacional,
simplesmente porque possuem menores possibilidades de aumentar o comércio interno. É por esta razão
que os autores levam em consideração tanto o comércio internacional como o tamanho dos países.

Os resultados básicos do modelo de Frankel e Romer demonstram uma relação entre comércio e renda
economicamente significante, uma vez que o volume do comércio dos países não é determinado exogenamente.

Este problema é tratado focalizando-se o componente do comércio explicado por fatores geográficos. Alguns
países comerciam mais intensamente porque estão próximos a países populosos e outros comerciam menos,
dado o seu isolamento geográfico. Fatores geográficos não estão influenciados por renda ou pela política
governamental e não há provavelmente um canal de ligação direto entre seus impactos e a interação entre
residentes de um país e de outro, e vice-versa. Em conseqüência, a variação de comércio explicada por

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variáveis geográficas serve como experimento natural para identificação dos efeitos do comércio. Os resultados
do estudo sugerem também que o comércio interno do país aumenta a renda.

Uma vez mais, constata-se o fato de que, tanto a liberalização comercial quanto a liberalização da conta de
capital, realizadas por intermédio de política comercial ou de regras para a movimentação de capital,
parecem dar sustentação aos modelos de comércio e crescimento pelo lado da oferta (supply side oriented).
Neste caso, a política comercial tem de se tornar um meio para permitir maior abertura, em oposição a
políticas intervencionistas de comércio, tais como as associadas às estratégias de crescimento por
substituição de importações. Neste quadro, a idéia básica está na crença de que, apesar da presença de
algumas distorções, maior inserção internacional implica maior crescimento. A próxima sessão discute uma
visão teórica distinta, construída a partir de uma outra abordagem, na qual as fontes primárias de
crescimento são os investimentos.

Comércio Internacional e Crescimento na tradição Keynesiana15


As tradições estruturalista e pós-keynesiana analisam comércio e crescimento por meio do crescimento
liderado pelas exportações (export led growth), da estratégia de substituição de importações e das
restrições de balanço de pagamentos. A tradição pós-keynesiana, estimulada por Harrod, Domar, e Kaldor
demonstra a importância dos multiplicadores do investimento e da componente externa da demanda
agregada, como determinantes do crescimento econômico de longo prazo. Os estruturalistas, por seu turno,
também orientados pela demanda (demand-pull) do crescimento econômico, enfatizam a importância dos
déficits de conta corrente e dos aspectos financeiros da conta de capital.

Chenery e Bruno (1962) apresentaram um modelo de dois hiatos, que ressalta papel dos hiatos externos e
de poupança na limitação do econômico de longo prazo. Os modelos de três hiatos sofisticaram este tipo de
modelo (Taylor, 1994). Taylor (1991, 1993) construiu também um modelo estruturalista estilizado
relacionando comércio e crescimento.

No modelo de dois hiatos, tanto o hiato de poupança doméstica, quanto o hiato externo explicam o desempenho
de crescimento dos países. Nestas condições, a política econômica pode enfrentar tais hiatos, com o objetivo de
flexibilizar alguns dos constrangimentos colocados para o crescimento econômico de longo prazo. Por seu turno,
a abordagem estruturalista adequa-se bem ao caso das economias em desenvolvimento, nas quais estes hiatos
são particularmente problemáticos. Para os fins deste artigo, o hiato externo é o mais importante, visto que o que
se pretende analisar são os efeitos do comércio sobre o crescimento econômico.

Um aspecto importante do modelo de dois hiatos a ser ressaltado está no fato de este modelo negligenciar
o papel dos preços relativos na determinação da performance exportadora. De fato, nesta abordagem, o
hiato externo depende unicamente do efeito-renda. Considerando um pequeno país e a vigência da
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condição Marshal-Lerner, há uma extensa literatura mostrando que o efeito-preço é secundário nas
equações de comércio, de modo que mudanças nos preços não implicam grandes impactos sobre as
exportações17. Por esta razão, esta abordagem supõe que a competitividade é a componente mais

10
importante entre as variáveis que afetam as contas correntes nacionais, principalmente no caso dos países
desenvolvidos. Países que possuem vantagens absolutas em muitos bens geralmente são capazes de
crescer mais rapidamente que seus competidores. Como Blecker (1992) salientou, os déficits comerciais
dos Estados Unidos são um bom exemplo da maior importância da competitividade e da elasticidade-renda
das importações, relativamente aos movimentos de preços relativos. De fato, evidências empíricas mostram
que alterações na taxa de câmbio não produzem ganhos de competitividade industrial, tampouco levam a
ajustamentos na balança comercial no longo prazo.

A literatura pós-keynesiana encontra no modelo de crescimento liderado pelas exportações de Kaldor o


ponto de partida para a explicação teórica e empírica da relação entre comércio, crescimento e restrições de
balanço de pagamentos. Partindo da construção teórica Kaldoriana, Thirwall (1979) aplicou o modelo de
crescimento econômico com restrição de balanço de pagamentos a economias industrializadas.
Posteriormente, aplicou este mesmo modelo levando em consideração os efeitos dos fluxos de capital. Este
expediente tornou o modelo mais adequado às economias em desenvolvimento. A idéia básica do modelo
de Thirwall é a possibilidade de se explicar diferenças entre o crescimento de longo prazo entre os países
através de uma abordagem que leva em consideração a demanda efetiva. Mais especificamente, e nas
palavras do autor, "as taxas de crescimento econômico entre países diferem porque o crescimento da
demanda é diferente entre países" (Thirwall, 1979, p.51), e o constrangimento de demanda mais importante
é o balanço de pagamentos. O modelo de Thirwall é simples e admite que o crescimento econômico de
longo prazo dependerá da relação entre as elasticidades-renda das importações e das exportações,
considerando-se válida a condição Marshall-Lerner e os preços relativos dos bens comercializados
constantes. Neste modelo, o comércio afeta diretamente o crescimento, influenciando a demanda por bens
finais e, indiretamente, mediante sua influência no investimento.

Kaldor (1970) desenvolveu um modelo de crescimento liderado pelas exportações (export-led), construído a
partir da noção de causalidade cumulativa, levando em consideração o fato de as exportações serem o
componente principal da demanda.

O modelo de Kaldor enfatiza o papel da taxa de crescimento da demanda externa no crescimento do


18
produto. Uma característica dos modelo keynesianos é o fato de a taxa de crescimento autônomo da
19
demanda ser o determinante da taxa de crescimento do produto. O modelo apresentado chama a atenção
para a circunstância de políticas expansionistas de demanda terem efeitos cumulativos, uma vez que
quanto maior for a taxa de crescimento do produto, mais rápida será a taxa de crescimento da
produtividade. Do mesmo modo, quanto mais acelerado for o crescimento da produtividade, menor será a
taxa de crescimento dos custos unitários e, por conseqüência, mais rápida a taxa de crescimento das
exportações. Esta característica contribui para explicar as disparidades de renda entre países desenvolvidos
e subdesenvolvidos, considerando-se que a causalidade cumulativa acima mencionada pode operar de
maneira oposta, em situações de restrição de balanço de pagamentos e de alta elasticidade-renda da
demanda vis-à-vis à elasticidade-renda das exportações. Este é o caso dos países subdesenvolvidos, nos
quais os constrangimentos de balanço de pagamentos conduzem a obstáculos ao crescimento econômico.

11
De fato, há um círculo vicioso, no qual quanto menor for o crescimento do produto, menor será o
crescimento da produtividade e, quanto menor for o crescimento da produtividade, maior será o aumento
dos custos unitários e, por conseqüência, mais reduzidas as taxas de crescimento das exportações.

O modelo acima mencionado tem uma relação estreita com o modelo de dois hiatos, interagindo, também,
com o modelo de crescimento econômico com restrição de balanço de pagamentos. De fato, este modelo é
um caso particular de modelos de hiato, uma vez que uma das restrições básicas ao crescimento é o hiato
externo, definido pelas restrições de balanço de pagamentos. Thirlwall (1979) desenvolveu seu modelo
baseado no modelo de Kaldor e lançou luz sobre o crescimento econômico restringido pelo balanço de
pagamentos, a partir de uma versão tipicamente fundamentada no efeito da demanda sobre o crescimento
20
econômico (demand-led).

É importante salientar o debate relativo às características export-led dos modelos pós-keynesianos/


kaldorianos. De fato, à primeira vista, o modelo pós-keynesiano de comércio e crescimento é apenas um
modelo export-led. Esta característica, entretanto, precisa ser qualificada, com o objetivo de evitar
confusões com as estratégias neoclássicas de crescimento orientadas para o exterior (outward-oriented),
em oposição a estratégias orientadas para dentro (inward-oriented). Vale lembrar que as elasticidades-
renda das importações são centrais na abordagem pós-keynesiana.

Certamente, a simples adoção de uma estratégia de crescimento export-led pode, também, levar a
restrições de balanço de pagamentos no crescimento de longo prazo, se a elasticidade-renda das
importações permanecer inalterada. A razão para isto é simples: uma estratégia de crescimento export-led
não implica necessariamente um padrão de crescimento de longo prazo estável devido ao papel das
importações. De fato, se a elasticidade-renda das importações é alta, o crescimento de curto prazo pode ser
alcançado à custa da redução do saldo do balanço de conta corrente, desde que a renda interna aumente e
que as importações cresçam proporcionalmente mais que o crescimento da renda. Elasticidades-renda das
importações altas impedem, por conseguinte, que a renda cresça sem produzir constrangimentos de
balanço de pagamentos. Neste caso, uma estratégia de crescimento tipicamente export-led pode falhar e o
processo cumulativo não funcionar. Ao contrário, pode funcionar na direção oposta, gerando um círculo
21
vicioso, que associa baixa produtividade a crescimento reduzido. Jayme Jr. (2001a) demonstra que a
elasticidade-renda das importações no Brasil, no período 1955-98, mostrou-se estável. Esta característica,
no entanto, não torna desnecessária uma teoria alternativa que leve em consideração o papel central da
elasticidade-renda das importações no relaxamento da rigidez da balança comercial.

A tradição pós-keynesiana mostra, portanto, o caso de crescimento export-led, considerando, também, a


importância da elasticidade-renda das importações. Oferece, deste modo, a possibilidade de se estabelecer
uma conexão com a tradição estruturalista. A inovação de ambas as abordagens (a estruturalista e a pós-
keynesiana) está em enfatizar não somente o papel das exportações, no sentido das suas características
demand-pull, mas também a importância da presença de uma base estrutural para evitar uma elevada
vulnerabilidade externa. Esta pode freqüentemente conduzir a obstáculos ao crescimento econômico,
mediante déficits no balanço de transações correntes e problemas no balanço de capital derivados do

12
comportamento particularmente instável dos fluxos de capital. O aspecto importante a ser destacado no
modelo kaldoriano de tradição keynesiana é o estabelecimento do princípio keynesiano clássico da
demanda efetiva no longo prazo. Em geral, o modelo kaldoriano implica também na conclusão de que o
balanço de pagamentos é o constrangimento central para a garantia do crescimento econômico. Assim,
processos de crescimento export-led têm a vantagem de atenuar os constrangimentos de balanço de
pagamentos, oferecendo as divisas estrangeiras necessárias para realizar as importações essenciais.
Todavia, como enfatizado anteriormente, levam em consideração o importante efeito da elasticidade-renda
das importações para o relaxamento das restrições de balanço de pagamento.

Em contraste com o ponto de vista neoclássico, modelos nas tradições pós-keynesiana/kaldoriana e


estruturalista não só enfatizam o papel da demanda efetiva e do balanço de pagamentos, mas também
mostram que políticas governamentais de administração da demanda são cruciais para o crescimento
econômico. Constrangimentos do balanço de pagamentos, por seu turno, exercem efeito negativo sobre o
crescimento econômico.

Considerações finais
Este artigo explora criticamente as relações entre comércio e crescimento. Em outras palavras, e mais
especificamente, examina se o comércio afeta o desenvolvimento. Os argumentos apresentados pretenderam
salientar que, no plano teórico, este ponto é, no mínimo, ambíguo. Como foi discutido, a teoria clássica do
comércio internacional é insuficiente para defini-la com clareza. De fato, a teoria ricardiana das vantagens
comparativas trabalha com ganhos de comércio internacional estáticos, não relacionados diretamente ao
crescimento econômico. Do mesmo modo, a versão dinâmica da abordagem ricardiana apresentada por Findlay
(1984) não chega a um resultado inequívoco no que se refere aos benefícios do comércio. Ao contrário, abre a
possibilidade de o comércio ser entendido como prejudicial ao crescimento econômico. Por sua vez, também o
modelo H-O-S revela-se inconclusivo, quando se trata de definir os efeitos do comércio internacional sobre o
crescimento econômico, visto que suas hipóteses são fortes e restritivas.

Por seu turno, os modernos modelos abertos de crescimento endógeno e a Nova Teoria do Comércio não
lograram obter resultados seguros relacionando abertura e crescimento. Certamente, os teóricos da Nova
Teoria Internacional defendem a tese de que a liberdade comercial é uma alternativa melhor que o
intervencionismo. Isto, porque, do seu ponto de vista, o intervencionismo produz falhas de ausência de
mercado e estimula processos de retaliação, elementos geradores de impedimentos ao crescimento
econômico. Entretanto, seu esforço para definir uma relação clara entre comércio internacional e
crescimento produziu resultados limitados. Vale lembrar, o quanto é difícil explicar que a abertura ao
comércio pode estimular o crescimento, por intermédio de seus efeitos sobre a produtividade total dos
fatores.

Por outra rota de investigação, as teorias do comércio e crescimento pós-keynesiana e estruturalista


enfatizam a importância das restrições de balanço de pagamentos para o crescimento econômico de longo
prazo, construindo modelos de crescimento demand-led. Ambas estas abordagens sublinham o significado

13
do investimento como um elemento nuclear para a garantia do crescimento econômico. Ademais, ressaltam
que o comércio pode impedir o crescimento de longo prazo, por via de seus efeitos perversos sobre as
transações correntes.

Refletir sobre abertura econômica sem considerar os contextos histórico e institucional dos países é
desprovido de sentido, dado que tais elementos constituem pontos fundamentais no debate sobre as
relações entre abertura e crescimento. Nesta direção, é importante registrar que o balanço de pagamentos é
um elemento essencial para qualquer teoria de crescimento econômico, representando uma importante
variável para se delimitar o nível ótimo de abertura que deve estar associado a uma economia específica.
Países de grandes dimensões tendem a ser mais fechados, ao passo que a eleição da melhor estratégia de
crescimento para uma nação depende da taxa de câmbio, da dinâmica inflacionária, dos constrangimentos
fiscais, assim como do ambiente internacional. Esta perspectiva sugere que há diferentes e variadas
prescrições de política relacionando política comercial e crescimento, ou abertura e crescimento. Por
conseguinte, é importante considerar os aspectos institucionais particulares de cada país. Mesmo se
aceitarmos que o argumento de Thirlwall apresente a importância do comércio para o crescimento, não é
possível deixar de lado que prescrições de política podem ser distintas e específicas para cada país. Por
exemplo, estratégias de crescimento export-led ou por substituição de importações podem ser eficientes
para uns países e, ao contrário, ineficientes para outros.

Uma limitação importante na visão keynesiana/kaldoriana sobre comércio e crescimento está no fato de sua
base carecer de fundamentos microeconômicos. A tradição keynesiana enfatiza o investimento como o
motor do crescimento. Entretanto, não discute mais de perto a questão da mudança tecnológica e suas
relações com crescimento. Seu elemento nuclear concentra-se nos aspectos macroeconômicos do
crescimento e em suas relações com o comércio. Do mesmo modo, este artigo restringe sua análise aos
aspectos macroeconômicos do comércio e crescimento, levando em conta seus constrangimentos externos,
assim como os limites da abertura como instrumento de promoção de crescimento econômico. A análise
desta questão, incorporando fundamentos microeconômicos, vem sendo realizada pela literatura neo-
schum-peteriana e estudos adicionais conectando esta corrente de pensamento às tradições pós-key-
nesiana e estruturalista devem ser levados adiante em uma tentativa de produzir uma síntese.

14
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16
Notas

1
O autor agradece os comentários de Janine Berg, Will Milberg, Fabiana Santos, Anwar Shaikh e Chris Weller eximindo-os de
quaisquer erros remanescentes.
2
A primeira onda de reformas diz respeito aos conhecidos programas de liberalização do Cone Sul. Para uma avaliação recente destes
programas ver Frenkel (1998). Para uma revisão crítica das reformas estruturais nos países em desenvolvimento ver Taylor (1997).
3
Thirlwall (1979) e McCombie e Thirlwall (1994,1997).
4
Este item está baseado no segundo item de Jayme Jr (2001b).
5
Para uma versão dinâmica do modelo ricardiano ver Findlay (1984).
6
Com reversão na intensidade do uso de fatores é impossível escolher sem ambigüidades a combinação de mercadorias para todas
as razões entre preços de fatores.
7
Uma explanação completa do modelo de Hecksher-Ohlin-Samuelson está fora dos objetivos deste artigo. Uma versão sofisticada
deste modelo pode ser encontrado em Gandolfo (1994).
8
As fontes do crescimento são o aumento dos insumos de produção, melhoria na eficiência da alocação dos fatores entre atividades e
a inovação que cria novos produtos e novos usos para produtos existentes e aumenta, em conseqüência, a produtividade dos fatores.
9
É preciso lembrar que as economias de escala são um dos mais importantes argumentos de sustentação da Nova Teoria do
Comércio Internacional. Helpman e Krugman (1985), Krugman (1990).
10
Para uma exposição detalhada do modelo ver Grossman e Helpman (1990).
11 A
Onde Yt é o produto total no tempo t, A é a tecnologia, Kt e Lt são, respectivamente, capital e trabalho. /A é o crescimento da
tecnologia no tempo.
12
Ver também Edwards (1998) para novos resultados incluindo mais países, assim como Easterly et al. (1997) para relações positivas
entre reformas estruturais e crescimento, utilizando informações estatísticas de países latino americanos.
13
Ver Milberg (1997), e Dale e Lee (1996) entre outros para os EUA e Ros e Lusting (1999), e Harrison e Hanson (1999) para o
México.
14
Ver Sachs e Warner (1995), Edwards (1993), Edwards (1998), Easterly et all (1997), Dollar (1992).
15
Este item está baseado em Jayme Jr. (2001b).
16
A condição de Marshall-Lerner afirma que uma desvalorização cambial partindo de uma balança comercial equilibrada irá melhorar a
Balança Comercial se a soma das elasticidades-preço da demanda e de exportações e importações for maior do que a unidade.
Ademais, supõe que as elasticidades-preços da oferta de bens exportáveis e importáveis seja infinito. Para o caso de países com
pequena participação individual no comércio internacional, como o Brasil e os demais da América Latina, em geral esta condição é
válida. Esta condição, no entanto, não leva em consideração eventuais efeitos da desvalorização sobre a renda nacional.
17
Ver Blacker (1992), McCombie e Thirlwail (1994), e Fargerber (1996) para uma avaliação deste ponto.
18
Este modelo é que resultará no modelo de Thirwall de crescimento econômico restringido por balanço de pagamentos. Este modelo,
após algumas hipóteses, observa que g=(1/π)x onde π é a elasticidade renda das importações, g a taxa de crescimento da economia e
x a taxa de crescimento das exportações.
19
No modelo keynesiano o nível do gasto autônomo determina o nível do produto, mais que as taxas de crescimento.
20
Uma exposição detalhada do modelo de Thirlwall pode ser encontrado em Thirlwall (1979).
21
A qual leva a elementos de rigidez no balança comercial. Este é um fato estilizado típico nos países da América Latina dos anos
1990. Ver Curado (2001).

17

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