Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 87

Nº 128 >> ABRIL 2017 >> R$ 12,90

1926-2017

Chuck
Berry
O Adeus ao
Pai do Rock
and Roll

Mônica
Iozzi
Questionando
o Sistema

DISCOGRAFIA
Iggy
Pop EXCLUSIVO

Criolo
Por dentro da mente do
rapper mais sensível do Brasil
(e os detalhes do novo disco,
dedicado apenas ao samba)

EDIÇÃO COM DUAS CAPAS


DIFERENTES E CONTEÚDO IDÊNTICO
O
EXCLUSIV
POR DENTRO
DA MENTE E DODE
PRIMEIRO DISCIOOLO
SAMBA DE CR

Chuck Berry
O Adeus
ao Pai do
Rock and Roll

EDIÇÃO COM DUAS CAPAS


DIFERENTES E CONTEÚDO IDÊNTICO
A MAIOR Revista de
o do MUNDO
ESTAMPA
NESTA EDIÇÃO SUGESTIVA
Eric Clapton na
cidade de Oakland,
34 Mesma Galáxia, em 1976, em
Mesmo Bando registro de Zagaris

Guardiões da Galáxia Vol. 2 busca


repetir os acertos do primeiro
filme. Por Stella Rodrigues

42 Sonhos de Samba
Sensível às dores do mundo e por
vezes incompreendido, o rapper
Criolo volta aos estúdios – desta
vez para gravar um álbum no qual
troca as picapes por cavaquinho e
percussão. Por Lucas Brêda

54 Chuck Berry 1926-2017


O adeus ao pai do rock: os passos
iniciais, a vida pessoal atribulada,
as canções indispensáveis. E MAIS:
um tributo exclusivo escrito por
Keith Richards e as passagens do
mestre pelo Brasil.

SEÇÕES
© MICHAEL ZAGARIS PHOTOGRAPHY LLC / REEL ART PRESS (ERIC CLAPTON); SERGIO BAIA/ DIVULGAÇÃO (MÔNICA IOZZI)

19 R&R
Duo Fabuloso
Paul McCartney e Elvis Costello
relembram a prolífica parceria que
realizaram nos anos 1980.
Mônica
Iozzi será
66 PORTFÓLIO
28 P&R protagonista Na Intimidade do Rock
Leandra Leal da série
Vade Retro
Michael Zagaris viveu um
A atriz comenta o novo filme, o sonho roqueiro ao fotografar
terror O Rastro, e a premiada e se tornar amigo de algumas
estreia como diretora no das maiores lendas do gênero.
documentário Divinas Divas. Por Paulo Cavalcanti
Por Stella Rodrigues
36 O Ser Livre
32 POLÍTICA NACIONAL Mônica Iozzi faz parte do “sistema”,
Mudança Necessária mas sem jamais abdicar do direito
de questioná-lo (e ela faz isso a todo
Um olhar sobre a necessidade
momento). Por Gustavo Silva
de medidas jurídicas para que a
economia não entre em colapso. Calendário [ 26] Lifestyle [51]
Por Henrique Nelson Calandra Randômicas [ 30] Arquivo RS [64]
Discografia [ 40] Guia [73]

CAPA CRIOLO Foto: Gil Inoue. Direção de Arte : Pedro Inoue. Styling : Victor Miranda. Makeup artist : Adriano Ramos. Produção : Oloko Records
CAPA CHUCK BERRY Foto: Michael Ochs Archives/ Getty Images. Foto ilustração: Sean McCabe

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 9
ROLLINGSTONE.COM.BR
FACEBOOK/ RollingStoneBrasil GPLUS.TO/rollingstonebrasil TWITTER/rollingstoneBR YOUTUBE/RollingStoneBrasil INSTAGRAM/rollingstonebrasil

ANTES DO SAMBA
Criolo no
RS BRASIL INDICA
Lollapalooza 2017 PERFIS E PÁGINAS QUE VOCÊ DEVE
ACOMPANHAR NAS REDES SOCIAIS

PC Siqueira
@pecesiqueira
“As pessoas querem decidir
e opinar sobre o que você
come, com quem você
transa, quem você ama, a
forma como ama, como se
veste, tá tudo errado.”

Skank
/Skank
“Em junho, seremos
homenageados pelo
projeto ‘Dois Lados’,
álbum que será produzido
pelo Scream & Yell com
releitura de nossos clássicos
CAPA
nas vozes de 34 artistas.”

Em
Detalhes Quando você menos esperava, http://bit.ly/2nysKDM
seus ouvidos foram agraciados Veep – Trailer
com um novo disco do Criolo.
Selina (Julia Louis-Dreyfus) está pronta para
Ouvimos o álbum todinho e
escrever mais um capítulo da carreira na
comentamos faixa a faixa.
sexta temporada da série, cujo trailer indica
que tudo continua hilário como de costume.

MILA MALUHY/ DIVULGAÇÃO (CRIOLO); LEO AVERSA/ DIVULGAÇÃO (JORGE BEN JOR); REPRODUÇÃO
COBERTURA Ed Sheeran
e seu Divide
Oba, Lá Vem Ele ganharam o
público
Estivemos no Rio de Janeiro para a
inauguração, somente para convidados, da
edição de 2017 do projeto Nivea Viva, que
homenageia Jorge Ben Jor com Skank e Céu.
O evento agora segue em turnê.

O trabalho de 1987
ganhará os palcos
GALERIA novamente ENQUETE

Sede de U2 Barulho Bom


Listamos dez coisas que você provavelmente Já saíram tantos discos interessantes
não sabia sobre The Joshua Tree, álbum que em 2017 que, mesmo ainda sendo
completa 30 anos e que a banda irlandesa Ben Jor no começo de ano, já queremos saber quais
Vivo Rio
levará para a estrada em maio. foram os melhores até agora. Vote!

10 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
CARTAS MENSAGENS DE
AMOR E ÓDIO ROLLING STONE BRASIL

CONSELHO EDITORIAL:
Nº 128

José Roberto Maluf e Luis Maluf

PUBLISHER: José Roberto Maluf

Cada um no #VOCÊNARS
@RollingStoneBrasil
EDITORA-CHEFE: Bruna Veloso
EDITORES ASSISTENTES: Paulo Cavalcanti

Seu Quadrado Nossos seguidores no


e Stella Rodrigues
REVISÃO: Marcelo Paradizo

Sou do rock, mas Karol é o Instagram fazem suas DIRETOR DE ARTE: Daniel S. B. Mangione
poder, né, mores. Vamos res- próprias fotos com
ESTAGIÁRIO: Wendell Costa Flor Cabral

peitar os gêneros. Paz. edições da revista. WWW.ROLLINGSTONE.COM.BR


EDITORA: Stella Rodrigues
Shawllyn Araujo REPÓRTER: Lucas Brêda
No Facebook da RS Brasil ESTAGIÁRIOS: Gabriel Nunes e Júlia de Camillo

Guarda-Costas DIRETOR COMERCIAL: Márcio Maffei


EXECUTIVOS DE CONTAS: Milene Rizzardi e
Francisco Netto
Eu achei um arraso essa ca- PARA ANUNCIAR: anuncie@rollingstone.com.br
pa. Vocês sempre apanham GERENTE DE CIRCULAÇÃO: Danieli Lopes
quando colocam um artista ESTAGIÁRIA: Mayara Serrano

que não é do rock, mas as GERENTE FINANCEIRO: Edison Arduino

Fé Intacta pessoas precisam entender


GERENTE DE MARKETING E PROJ.
que, de certa forma, o rap é @gilsaito73 ESPECIAIS: Leo Belling
Parabéns ao Lucas Brêda o novo rock, em termos de “Chegou a minha
ESTAGIÁRIO: Jorge Dib

pela excelente reportagem liderar uma evolução por @rollingstonebrasil. Na capa,


com a cantora Karol Conka meio da música. E a Karol a todo-poderosa que não está
[“É o Poder”, RS 127]. A está na comissão de frente prosa @karolconka tombando
ROLLING STONE BRASIL
tudo. Tem também matéria
rapper está trilhando um desse movimento. sobre as atrações do
Uma publicação da Spring Publicações Ltda.
REDAÇÃO: R. Bandeira Paulista, 726, 22º andar,
caminho que proporcionará Camila Silva @lollapaloozabr, Itaim Bibi, São Paulo, SP, CEP 04532-002,
muitos frutos. No início não São Paulo/SP @theofficialsting, Tel.: 55 11 3165-2566
PAUTAS: revista@rollingstone.com.br
acreditei no som dela, mas @evanescenceofficial e a
discografia de sir #EltonJohn,
depois que ela “carimbou” Metáforas que faz show no dia 6 de
ASSINATURAS E EDIÇÕES ANTERIORES
ASSINATURAS: www.assinerollingstone.com.br
a abertura da série Chapa
Quente [com “Tombei”] caí
Caninas abril aqui em SP. Só faltou
vir um ingresso para eu
assinaturas@rollingstone.com.br
Tels.: 11 3165-2961 / 11 3165-2944
(de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h,
nos seus encantos. Karol é A bancada evangélica [“‘Vin- ir ao #lollapaloozabr, né, exceto feriados)

uma artista completa. Com- de à Urna’”, RS 127] farejou #RollingStoneBr. Haha, EDIÇÕES ANTERIORES: poderão ser
adquiridas com o seu jornaleiro ou pelo e-mail
sonhando acordado!
prei o álbum Batuk Freak onde está o verdadeiro po- #KarolConka #Sting
colecione@rollingstone.com.br, havendo
estoque disponível, pelo preço da última
só por curiosidade (gosto de der: no legislativo. Agora não #Evanescence” edição em banca
experimentar sonoridades larga o osso nunca mais. IMPRESSÃO: Plural Indústria Gráfica
novas) e não me arrepen- Rodrigo Menezes Capital Inicial [“Os Sobre- DISTRIBUIÇÃO: Dinap Ltda. – Distribuidora
Nacional de Publicações, Rua Dr. Kenkiti
di. Matéria perfeita e que No Facebook da RS Brasil viventes”, RS 126] estava Shimomoto, nº 1678, CEP 06045-390 –
mereceu capa, pois essa ar- excelente e o artigo sobre Osasco – SP

tista ainda será muito mais Tem pra os 50 anos da criação da re- ROLLING STONE USA
do que a resposta brasileira vista também estava incrí-
para a Beyoncé. Continuem
Todo Mundo vel! No entanto, há aquele
EDITOR & PUBLISHER: Jann S. Wenner
MANAGING EDITOR: Jason Fine

me instigando a acreditar Amei a diversidade de con- momento desinteressante: DEPUTY MANAGING EDITOR: Nathan Brackett
ASSISTANT MANAGING EDITOR: Sean Woods
na força da mulher brasilei- teúdo dessa edição [RS a matéria sobre a filha de SENIOR WRITERS: David Fricke, Brian Hiatt,
Peter Travers
ra no rap. 127], as reportagens são Michael Jackson. Qual é o SENIOR EDITOR: Christian Hoard
Anderson Vieira bem trabalhadas e de ótima interesse que pode haver DESIGN DIRECTOR: Joseph Hutchinson
CREATIVE DIRECTOR: Jodi Peckman
No Facebook da RS Brasil qualidade. Parabéns pela sobre a vida luxuosa de uma VICE PRESIDENT: Timothy Walsh
edição de março, Rolling patricinha atormentada? PUBLISHER: Michael Provus
Saudosista Stone Brasil. Honestamente, há tantas
HEAD OF DIGITAL: Gus Wenner
EDITORIAL OPERATIONS DIRECTOR:
Esse [capa da RS 127] é um @saulocaesar coisas instigantes aconte- John Dragonetti
LICENSING & BUSINESS AFFAIRS: Maureen A.
retrato puro da decadência No Instagram da RS Brasil cendo no meio musical e vo- Lamberti (Executive Director), Aimee L.
musical que estamos vendo cês perdem tempo com um Schecter (Director), Katirya S. Nieves
(Coordinator)
no Brasil, realmente não tem Nem Sempre assunto banal. Algo inteira-
FILIADA AO IVC
mais nada que preste. Do mente superficial e, em últi-
ano 2000 para cá só apare-
Teremos Paris ma análise, um desperdício
Copyright © 2017 por Rolling Stone LLC. Todos os direitos
reservados. A reprodução sem permissão do conteúdo total da
revista ou de qualquer uma de suas partes é proibida. O nome

cem essas porcarias aí. Gostei muito da edição de daquelas seis páginas. Rolling Stone e o logotipo são marcas registradas por Rolling Stone
LLC, cuja licença no Brasil foi concedida à Spring Publicações Ltda.
REPRODUÇÃO

Maicon Zeferino Ramos fevereiro [RS 126]. A re- Pedro Ferreira Todos os artigos assinados são de responsabilidade de seus
autores e não refletem necessariamente a opinião da revista. É

No Facebook da RS Brasil portagem sobre o grupo Por e-mail proibida a reprodução de textos ou imagens sem a prévia
autorização dos editores.

12 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
FLASHBACK
Anos de Rolling Stone

Os Primeiros Furos
Como uma jovem revista de São Francisco conseguiu reportagens exclusivas
sobre Charles Manson e Patty Hearst, dois dos mais visados criminosos dos
Estados Unidos nos anos 1970

The Love and Terror Cult, estava sendo lançado e ele queria

T
irando o fato de serem os réus mais notórios
dos Estados Unidos no início da década de 1970, Char- promovê-lo na revista. “Tivemos de fingir ser advogados para
les Manson e Patty Hearst não tinham nada em co- conseguir entrar”, conta Felton.
mum. Ele era líder de um culto e esperava iniciar uma Ele e Dalton sentaram de frente para Manson, que tinha uma
guerra racial; ela era uma herdeira adolescente sequestrada por barba recém-feita e havia acabado de marcar um “X” na testa.
um grupo de revolucionários ineptos (a ironia é que apenas a tí- “Ele ficava tamborilando as unhas na mesa”, diz Felton. “Dava
mida Patty participou diretamente de um crime). Os dois foram para ver como conseguia ter poder sobre as pessoas.” Dalton
sensações midiáticas que geraram incontáveis horas de cobertu- sentiu que estava se conectando com um colega hippie. A certa
ra noticiosa, mas foram equipes de repórteres da Rolling Stone altura, quis perguntar “você é do signo de Escorpião, não?”, mas
que driblaram a grande imprensa, conseguindo matérias exclu- a frase acabou saindo como “você é um escorpião”. “Dez emoções
sivas e inovadoras sobre ambos. diferentes passaram pelo rosto de Manson – raiva, choque,
No desenrolar dos aconteci- 1 nfusão”, lembra Dalton. “Ele podia passar de racismo puro e
mentos, os jornalistas eleva- el a ambientalismo e declarações como ‘sou Deus’.”
ram a Rolling Stone de um Foi suficiente para convencer Felton de que esse não era
pequeno periódico jovem a hippie sendo enquadrado pela polícia, mas Dalton ainda
uma publicação que poderia acreditava em sua inocên-
influenciar discussões em cia. Ele e a esposa tinham
2
âmbito nacional. passado a semana ante-
Começou em agosto de rior morando com mem-
1969, quando Sharon Tate, bros da chamada Família
grávida, e outras quatro pes- Manson (incluindo Ly-
soas foram assassinadas na nette “Squeaky” Fromme,
mansão da atriz, em Los An- que tentou assassinar o
geles; no dia seguinte, o casal presidente norte-ame-
LaBianca foi morto em casa, ricano Gerald Ford) na
na mesma cidade. Manson, propriedade rural Spahn
que era compositor amador e Ranch, na periferia de Los
amigo de Dennis Wilson, ba- Angeles. “Era como qual-
terista do Beach Boys, logo foi quer outra comunidade
identificado como o mentor “Helter Skelter” hippie. Revirávamos lixos
dos massacres, mas muitos 1. A capa da edição de 25 de e fazíamos uma espécie
na imprensa underground o junho de 1970; 2. Manson sob de cozido. Cavalgávamos
custódia em Los Angeles, em
consideravam inocente – in- dezembro de 1969
à noite. Foi totalmente
clusive, inicialmente, a Rol- agradável”, ele recorda.
HAROLD FILAN/AP PHOTO (CHARLES MANSON); REPRODUÇÃO

ling Stone. “Ele era hippie Pouco depois da entre-


como nós”, diz o redator David Dalton. “Achei que tinha sido con- vista com Manson, Felton e Dalton falaram com o promo-
denado injustamente. Eu ficava cuspindo uma baboseira hippie, tor de Los Angeles, Aaron Stovitz, que deu detalhes sobre os
tipo ‘de que lado você está, cara? A porra do governo é corrupta!’” homicídios. “Ele pegou fotos dos assassinatos dos LaBianca”,
Dalton era um especialista em rock com conexões pessoais conta Dalton. “Vejo ‘Piggies’ e ‘Helter Skelter’ [escritos em
com Wilson. Para investigar a história de Manson, a Rolling sangue] nas paredes e na geladeira. Naquele momento, soube
Stone o uniu com o veterano repórter investigativo David Fel- que tinham feito aquilo. Os policiais de Los Angeles precisa-
ton. A revista esperava conseguir uma entrevista atrás das riam ser gênios para plantar algo assim.”
grades, planejando publicá-la com uma frase provocadora Dalton imediatamente pensou na esposa, que ainda estava
na capa: “Manson é inocente”. O líder do culto estava preso vivendo em Spahn Ranch. Ele correu até o local, persuadiu-a
em Los Angeles aguardando julgamento e havia recusado a a cavalgar até o meio do deserto e, então, explicou que esta-
maioria dos pedidos de entrevista, mas seu novo álbum, Lie: vam em perigo. “Nós nos sentíamos perfeitamente seguros

14 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
enquanto acreditávamos que ele era inocente”, diz Dalton. investigativo clássico, curioso”, diz Paul Scanlon, editor-geral da
“Agora [os membros da Família] pareciam filhos do demô- revista na época. “Nunca vi alguém cavar tão fundo como ele.”
nio. Os olhos deles tinham as pupilas dilatadas e todos pare- Enquanto a grande imprensa se contentava em simplesmen-
ciam estar afinados na mesma vibração harmônica.” O casal te ir a entrevistas coletivas, os repórteres da Rolling Stone par-
voltou ao rancho e fingiu uma briga na qual ela o acusou de tiram para uma odisseia até o outro lado dos Estados Unidos,
infidelidade. Os dois saíram intempestivamente e pediram refazendo os passos de Patty para verificar as histórias contadas
carona para voltar à cidade. “Foi como viver um filme de ter- por Scott e outras fontes. Por sua vez, o editor e publisher da Rol-
ror. A paranoia em Los Angeles era como uma linha de ener- ling Stone, Jann Wenner, planejou duas matérias de capa. “Jann
gia solta serpenteando na Pacific Coast Highway.” sabia que dependeríamos de muitas fontes anônimas”, conta
O casal se mudou para a casa de Felton em Pasadena, on- Kohn. “Isso não é problema se você é o The New York Times e
de os dois jornalistas passaram seis semana tem um monte de advogados e um
transformando suas anotações e transcriçõe histórico de tradição jornalística.
em um texto de 30 mil palavras, praticamen 1 Mas a Rolling Stone não tinha muito
te o tamanho de um pequeno livro. Felto dinheiro nem consultoria jurídica.”
lidou com a parte jornalística e Dalton a tem A primeira matéria foi escrita em
perou com prosa experimental. “Tenho um segredo. Faltava cerca de um mês
trecho no final que é uma espécie de reflexão para a publicação quando, em 18 de
filosófica, metafísica sobre tudo aquilo”, diz setembro de 1975, Patty foi detida em
Dalton. “Ainda não sei se faz sentido.” São Francisco. “Por algumas horas,
O produto final teve 21 páginas, ajudando a achamos que a história tinha acaba-
Rolling Stone a ganhar um prestigioso Natio- do, mas Jann tinha certeza de que
nal Magazine Award, o primeiro da revista. precisávamos continuar”, diz Kohn.
“Tenho um sentimento profundo sobre isso Uma capa com Rod Stewart e a na-
até hoje. E fico feliz que Manson ainda esteja morada, Britt Ekland, caiu para que a
preso”, afirma Felton. matéria com Patty Hearst pudesse ser
2 publicada antecipadamente. Guar-
quatro anos depois, das foram posicionados na gráfica em
Patty Hearst foi se- St. Louis para que os exemplares não
questrada em seu apar- vazassem antes da hora. Quando co-
tamento na cidade de meçou o burburinho de que a Rolling
Berkeley e jogada no Stone tinha a história exclusiva dos dois
porta-malas de um car- Fuga Inesperada anos de Patty como fugitiva, a revista
ro por um grupo radical 1. Patty Hearst capturada foi inundada com pedidos da imprensa.
que se autodenominava pela polícia, em 1975, A história foi destaque em todos os tele-
depois de dois anos
Exército Simbionês de foragida; 2. A reportagem
jornais naquela noite; Weir e Kohn apa-
Libertação. Em uma sé- da primeira capa da RS receram no programa Today. “Lembro
rie de cartas bizarras, o sobre o tema que gritei com [o famoso advogado da
ESL disse que libertaria família Hearst] William Kunstler, um
Patty se a família dela – dos meus heróis, ao telefone”, conta Paul
herdeira da dinastia de jornais Hearst – desse US$ 70 em comi- Scanlon. “Ele estava tentando proibir nossa publicação.”
da a cada família carente do estado da Califórnia, o que custaria Kunstler não foi o único enfurecido com a matéria. O FBI
US$ 400 milhões. A saga emocionou os Estados Unidos. Muitos tinha sido superado por dois repórteres de 20 e poucos anos e
presumiram que Patty tinha sido coagida, mas “Tania”, como o exigiu que ambos nomeassem as fontes, sob o risco de prisão
ESL a rebatizou, logo foi flagrada roubando um banco. Ela tinha (na última hora, um juiz permitiu que a dupla ficasse livre).
escolhido ficar com o grupo quando poderia ter fugido. A segunda capa planejada saiu um mês depois, focando mais
A Rolling Stone havia acabado de conseguir um grande fu- no lado da família sobre a saga, mas também estava cheia de
ro de reportagem com o artigo de Howard Kohn, ex-jornalista informações de membros do ESL que resolveram falar. Um
do Detroit Free Press, sobre Karen Silkwood, uma ativista que disse a Weir que deixaria um pacote com informações em uma
morreu em circunstâncias misteriosas depois de denunciar a cabine telefônica sob um viaduto. “Pensei: ‘Se é para atirarem
empresa de produtos químicos onde trabalhava. Kohn e seu em mim, é aqui que vão me pegar’”, lembra Weir. “Foi uma das
amigo David Weir, que tinha ligações com o underground ra- caminhadas mais assustadoras da minha vida, mas de alguma
dical da Bay Area, contataram o advogado Michael Kennedy forma entrei, saí e conseguimos nosso material.”
(cujo cliente e membro do ESL, Jack Scott, tinha atravessado Mais de quatro décadas depois, os envolvidos na história se
o país com Patty Hearst no verão de 1974). Em maio daquele lembram nitidamente dos eventos. “A imagem da Rolling Stone
ano, as autoridades haviam incendiado uma casa com a maior como notícia principal em três grandes telejornais naquela noite
parte do ESL dentro dela, um evento chocante transmitido ao me emociona”, diz Scanlon. “Patty Hearst foi um salto à frente
vivo pela TV; Patty tinha escapado, mas seu paradeiro era um em termos de credibilidade, em termos de convencer as pessoas
REPRODUÇÃO

mistério. Scott estava pronto para falar como fonte anônima, de que esta não era só uma revista de rock de São Francisco. Sin-
dando à Rolling Stone o furo da década. “Kohn era um repórter to a adrenalina correndo nas veias só de pensar”. ANDY GREENE

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 15
CINEMA DESPEDIDA EM GRANDE ESTILO PÁG. 21 | MÚSICA YZALÚ PÁG. 24

ESCAVAÇÃO
MUSICAL
Maria, Oliveira,
Góes, Sophie e
Leone gravando o
tema de abertura

TELEVISÃO

Sons Políticos
Os Dias Eram Assim retrata época por meio de história,
música e amores Por Stella Rodrigues

I
mpossível falar de série da de 1970 e 1980 se desenrola entre a é médico e está tocando a vida mesmo
Globo e época da ditadura sem lem- repressão e o movimento Diretas Já e em um período com tantas incertezas.
brar de Anos Rebeldes, um grande mostra a vida de pessoas comuns afeta- O irmão dele, Gustavo (Leone), é mais
sucesso da grade de programação do das pelo difícil contexto brasileiro. engajado e está presente nas ruas, lu-
canal nos anos 1990. Mas a associação Escrita pela dupla Angela Chaves e tando contra o regime. Alice (Sophie) é
GLOBO/SERGIO ZALIS/ DIVULGAÇÃO

acaba aí. O cenário é o mesmo, mas o Alessandra Poggi e com Sophie Char- filha do conservador Arnaldo (Antonio
enfoque de Os Dias Eram Assim, nova lotte, Caio Blat, Daniel de Oliveira, Re- Calloni), dono de uma construtora que
supersérie da emissora, é muito mais nato Góes, Gabriel Leone e Maria Ca- faz obras para o governo. Ela se apai-
na trama, deixando o drama político de sadevall no elenco, a narrativa começa xona por Renato, apesar de namorar
pano de fundo. Com direção artística em 21 de junho de 1970, no dia da final Vitor (Daniel de Oliveira), que trabalha
de Carlos Araújo, a história ambienta- da Copa do Mundo no México, que a se- com o pai dela e já é tido como pratica-
da no Rio de Janeiro entre as décadas leção brasileira venceu. Renato (Góes) mente um herdeiro [Cont. na pág. 18]

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 17
ROCK&ROLL
de chamar artistas de hoje para gra-
var esses sucessos do passado. Johnny
Hooker, por exemplo, foi encarrega-
do de dar uma nova cara para “Como
Vai Você”, de Antonio Marcos, e Tiago
Iorc foi escalado para renovar “Tempo
Perdido”, da Legião Urbana. Apesar
do esforço que há para situar o espec-
tador, a trilha acabou ganhando um ar
atemporal, na opinião de Pozas. “Tem
um pouco a cara dos anos 1970 e 1980
[as décadas representam duas fases
diferentes na trama], mas não ficamos
presos a isso”, ele conta.
Um dos destaques musi-
EM ESTÚDIO cais está logo na abertura. A
Sophie Charlotte (acima) e
Daniel de Oliveira (abaixo)
faixa “Aos Nossos Filhos”, de
gravando o tema de abertura Ivan Lins, foi regravada pe-
de Os Dias Eram Assim lo próprio elenco. Daniel de
Oliveira, Sophie Charlotte,
[Cont. da pág. 17] do negócio da famí- Gabriel Leone, Renato Góes
lia. “Vamos acompanhar a vida deles e Maria Casadevall empres-
atravessando os anos de chumbo, pas- taram a voz para a versão.
sando pela anistia política e chegando “Foi uma loucura esse con-
até a campanha pelas Diretas Já, em vite, mas topei na hora”, conta
1984, ano em que a maior parte da Oliveira, que na ocasião tinha
trama se concentrará”, conta Alessan- acabado de encerrar o trabalho
dra Poggi. “O folhetim está sempre em de gravação do primeiro dis-
primeiro plano, mas os personagens co da carreira, em São Paulo.
estão inseridos num contexto histórico “Coincidiu de ser em um mo-
importante e lutam, cada um à sua ma- mento em que eu estava muito
neira, pelos ideais em que acreditam”, nesse universo da música. É
completa Angela Chaves. sempre interessante entrar em
Para quem é fã e estudioso de histó- um estúdio para testar outra
ria, a série é um prato cheio, mesmo que linguagem.” Sophie, esposa de
tente fugir das comparações a Anos Re- de fazer trilha aqui, com remuneração Oliveira e par romântico dela na trama
beldes, colocando a política em segun- pelo Ecad [Escritório Central de Arre- (e que também canta em uma canção do
do plano. Mas quem é pesquisador de cadação e Distribuição]”. disco do marido), diz que hoje tem outra
música estará diante de um verdadeiro “Falar da trilha sonora de Os Dias relação com a faixa. “Não lembro exata-
banquete. Esse foi o caso do diretor mu- Eram Assim é falar da supersérie”, defi- mente quando a ouvi pela primeira vez,
sical Vitor Pozas, que, ao lado de Eduar- ne o diretor da produção, Carlos Araú- mas quando o [diretor] Carlinhos nos
do Queiroz, foi responsável por estudar jo. “Existe muita personalidade nela, é convidou para cantá-la na trilha eu, obvia-
as canções da era retratada (anos 1970 mente, estabeleci um outro tipo de víncu-
e 1980) e trilhar as cenas com composi- “Quanto mais ouvia, mais me lo com ela. Quanto mais ouvia, mais me
ções daquela época. O trabalho musical apaixonava e via significados na apaixonava por ela e via possibilidades e
é tão bem cuidado que esta será a pri- letra por causa do momento do significados nessa letra, por causa do mo-
meira produção das 23h da Globo a ga- Brasil na época”, diz Sophie sobre mento do Brasil na época em que a trama
nhar disco físico (um disco duplo, aliás). a canção “Aos Nossos Filhos” se passa”, analisa. “Você quer honrar essa
“Tínhamos uma sinopse e começamos a música do Ivan Lins, que foi eternizada na
pesquisar sobre essas décadas aqui e no um retrato de um momento artístico da voz da Elis Regina. Cantar, para mim, é
exterior. Fizemos listas, fomos ouvindo época, a busca de uma identidade na- uma exposição muito grande, é diferente
e selecionando as faixas”, ele conta. “A cional, algo que nos aproximasse de nós de atuar, então fiz com muito carinho.”
lista ficou enorme e fizemos um funil. mesmos. Resolvemos reverenciar esse Maria Casadevall sentiu a experiência de
GLOBO/SERGIO ZALIS/ DIVULGAÇÃO

Escolhemos dar uma cara mais rock, movimento com fonogramas originais forma semelhante: “Cantar foi uma mis-
no geral. Mas tem Novos Baianos, Se- e regravações com artistas contempo- tura de desespero e amor, mesmo, por-
cos e Molhados, essa praia de contra- râneos. Acredito que ela vá bater fundo que eu tenho uma relação com o canto
cultura”, ele conta, revelando que ainda no coração das pessoas, como bateu no de muita admiração e muito amor, mas
está em negociação para poder utilizar nosso durante o processo.” nunca consegui estudar como gostaria”,
alguns fonogramas estrangeiros. “Eles Uma das preocupações na monta- diz. “Sempre me encontro com o canto de
são sempre mais desafiadores, porque gem da trilha foi trazê-la para as novas alguma forma na minha vida, mas esse foi
lá fora eles não entendem nossa forma gerações. A solução mais eficaz foi a mais um encontro provocativo.”

18 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
ENCONTRO la, as gravações colaborativas – versões
FRUTÍFERO
Costello e
acústicas brutas (que há muito tempo
McCartney juntos circulam em bootlegs) e outras com
no estúdio uma banda completa – se destacam co-
mo uma mostra extraordinária de uma
parceria que provavelmente foi perfeita
demais para durar. “Isso me fez seguir
em frente e o fez seguir em frente”, diz
McCartney, que também se orgulha de
outras faixas de Flowers in the Dirt,
como o atípico blues-funk de “Rough
Ride”, produzido por Trevor Horn. “É o
melhor que se pode esperar. Acho que
nenhum dos dois pensou em virar uma
nova versão de Lennon-McCartney.”
Ainda assim, Costello lembra que

“Isso me fez seguir em frente


e o fez seguir em frente”, diz
McCartney sobre as recém-
-lançadas gravações

“havia uma espécie de plano para tra-


balhar junto nas sessões, para copro-
duzir as sessões” (ele também insiste
que não tinha nenhuma intenção de
imitar Lennon – embora aprender a
fazer segunda voz com os discos dos
Beatles tenha inevitavelmente influen-
ciado sua escolha de partes vocais). Só
que McCartney, determinado a ter um
álbum que se sustentasse em sua pri-
meira turnê solo sem o Wings, acabou
recrutando diversos produtores e cola-
boradores (incluindo David Gilmour) e
gerando músicas como “My Brave Face”
BOX – à la Beatles na primeira demo, e em
ritmo de reggae na segunda.
“A energia e as performances nas de-
Paul McCartney e Elvis Costello relembram prolífica mos foram melhores em alguns casos”,
parceria nos anos 1980 Por Brian Hiatt McCartney agora reconhece. “É esse o
motivo para querermos lançar: para to-

P ara paul mccartney, era uma mas ali estava eu, tentando evitar fazer das as pessoas que não compram boo-
sensação totalmente familiar. uma coisa que se parecesse demais com tlegs.” O vocal apaixonado de McCart-
Ali estava ele, fazendo dupla os Beatles!” ney na versão em piano da demo de
com um compositor de voz áspera com Essas sessões, no rústico Hog Hill “The Lovers That Never Were” é par-
raízes em Liverpool, os dois sentados Mill Studio, propriedade de McCartney ticularmente impressionante. “Essa eu
frente a frente enquanto tocavam vio- ao leste de Sussex, na Inglaterra, foram sabia que era boa enquanto estávamos
lão, completando as frases musicais e feitas para gerar músicas para o que gravando”, conta Costello, que dedilhou
letras um do outro e cantando em uma se tornou o álbum Flowers in the Dirt o piano enquanto McCartney tocava
LINDA MCCARTNEY/ © 1988 PAUL MCCARTNEY

harmonia confortável. “Era no mesmo (1989), um ponto alto do ex-beatle na- guitarra atrás dele.
método em que eu e John [Lennon] quela década. Quatro faixas, incluindo Costello ficou encantado ao saber que
compúnhamos”, conta McCartney, re- o dueto “You Want Her Too”, entraram McCartney finalmente está lançando as
lembrando as produtivas colaborações para o LP, duas foram para o disco se- gravações perdidas que fizeram juntos.
que realizou com Elvis Costello no final guinte de McCartney (Off the Ground, “Na sequência de colaboradores de Paul
dos anos 1980. “Pensei que, de certa de 1993) e o restante está nos álbuns de McCartney, sou a pessoa entre Michael
forma, ele estava sendo John, e isso era Costello – mais notavelmente o single Jackson e Kanye West e Rihanna”, ob-
bom e ruim para mim. Era uma ótima de sucesso “Veronica”. serva, dando risada. “Você não sabia isso
pessoa com quem compor, um grande No entanto, como um novo box com sobre mim. E é um fato do pop com o qual
parceiro com quem trocar figurinhas, a reedição de Flowers in the Dirt reve- provavelmente pode ganhar uma aposta.”

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 19
ROCK&ROLL
LANÇAMENTO

Father John Misty vê


Piada sem Graça
PENSATIVO
humanidade frágil e refém de Father John Misty reflete
si mesma em disco cheio de sobre a sociedade em
novas canções
sarcasmo e arranjos refinados

‘‘E mergimos semi-formados e


esperamos que quem quer que
nos receba do outro lado seja
gentil o bastante para nos atualizar”, can-
ta Josh Tillman, contemplando a chegada
de um bebê nos versos de “Pure Comedy”.
A faixa-título do terceiro e mais aguarda-
do álbum do projeto solo de Father John
Misty foi recebida como uma canção po-
lítica e pessimista. “Esse disco trata de
amor”, ele rebate, ao telefone, falando de
pijama da casa onde vive, em Los Ange-
les. “Os primeiros versos de ‘Pure Come-
dy’ são sobre amor. Sobre perceber o quão
carentes nós somos e como o mundo fica de Donald Trump o terem influenciado.
mais absurdo conforme deixamos de cui- “Entretenimento te faz “Achamos que mudamos muito e é aí
dar uns dos outros.” esquecer da vida. Arte faz que a merda começa: quando pensamos
Desde que deixou o Fleet Foxes – no você se lembrar dela” que somos tão desenvolvidos que não
qual tocou bateria por quatro anos, depois precisamos nos preocupar, tipo: ‘Nunca
de alguns discos solo como J. Tillman –, sitor ser sondado por grandes gravadoras. vai ter outro louco maléfico’.”
Father John Misty lançou Fear Fun (2012) “Me chamaram para almoçar e blá-blá- Pure Comedy funciona como uma pia-
e se firmou com o celebrado I Love You, -blá, mas não pertenço a esse lugar”, diz, da sem graça, daquelas capazes de amar-
Honeybear (2015). A presença confusa nas sem esconder o desprezo. Ele preferiu per- gar um sorriso antes mesmo de ele estar
redes sociais e os comentários recheados manecer na independente Sub Pop. completamente formado. Ou mesmo
de ironia e sarcasmo inflaram a persona de O recém-lançado terceiro disco de como uma pesada injeção de realidade.
Father John Misty, que acabou escrevendo Father John Misty tem produção e ar- “Muitas pessoas não são entretidas pelo
canções para Beyoncé e Lady Gaga. “Hold ranjos refinados e é tomado por uma que faço”, analisa, divagando sobre entre-
Up”, de Lemonade (2016), é coassinada atmosfera reflexiva. “Os seres humanos tenimento e arte. “Entretenimento é tipo
por ele, assim como “Come to Mama”, de não mudaram tanto na história”, teori- heroína, arte é cogumelo [alucinógeno].
Joanne (2016). A expectativa em torno de za, refutando que as faixas sejam polí- Entretenimento te faz esquecer da vida.
Pure Comedy cresceu a ponto de o compo- ticas, apesar de eventos como a eleição Arte faz você se lembrar dela.” LUCAS BRÊDA

AN KARR/ DIVULGAÇÃO (KORN); DIVULGAÇÃO

TURNÊ Essência Resgatada


Korn volta ao Brasil para mostrar o pesado The Serenity of Suffering

Um dos sobreviventes do que no palco parece um acontecendo no mundo.


auge radiofônico do nu demônio enlouquecido, Temos crise, incertezas e
metal, entre os últimos anos fora do contexto da ninguém sabe o que vai
da década de 1990 e meados banda é bem diferente. sair disso tudo”, diz. É o
dos anos 2000, o Korn ainda Ao telefone, fala com uma disco mais pesado do Korn
tem lenha para queimar. A voz suave e se mostra em anos, e Davis credita
banda californiana retorna reflexivo e didático. Ele e o resultado ao produtor,
ao Brasil neste mês para seus companheiros trarão Nick Raskulinecz: “Ele nos
três apresentações (São ao país a turnê do disco fez olhar para o passado.
Paulo, Espaço das Américas, The Serenity of Suffering, Resgatamos a velha paixão
19/4; Curitiba, Live Curitiba, lançado em outubro do ano pela música pesada e GIRO TRIPL
21/4; Porto Alegre, Pepsi on passado. “Este é um trabalho distorcida de 20 anos atrás. Korn passará p
Stage, 23/4). O vocalista, distópico, alinhado com A essência do Korn está de São Paulo, Curiti
Jonathan Davis, de 46 anos, tudo de estranho que vem volta”. PAULO CAVALCANTI e Porto Aleg

20 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
CINEMA

Jovens Demais
para Desistir PLANO B
Freeman, Caine e Arkin
precisam se virar para
pagar as contas

Com semideuses do cinema, da trama). Os três, cada um à sua manei- “As pessoas acham que porque eu sou ator
Despedida em Grande Estilo ra, já sofriam com problemas financeiros sou rico e não sei como é. Sei tudo sobre
é um retrato das dificuldades antes de receber a notícia bombástica. privação, vim de uma realidade simples.
práticas de envelhecer Quando Joe (Caine) presencia um as- Nasci no meio da Depressão”, crava Cai-
salto a banco, tem a ideia de que ele e os ne. “Eu também, meu pai passou 15 anos

O
pedido de “evitar política” amigos devem se libertar da exploração desempregado, a gente tinha que se virar”,
antecede a rodada de entrevistas financeira dessa entidade que ele odeia complementa Arkin. Freeman encarou as
que acontece em um quarto de e também assaltar um banco. É aí que a mesmas dificuldades, mas com o agra-
hotel em Nova York, onde estão prestes amizade deles será testada de verdade. vante de ter sofrido racismo (“uma vez
a entrar o diretor, Zach Braff, e algumas Trata-se de um remake menos azedo não me deixaram entrar no teatro onde
lendas do cinema norte-americano: os eu estava encenando uma peça”, lembra).
eternamente versáteis Morgan Freeman, “As pessoas acham que porque eu Nos 20 minutos que o trio passou com
Alan Arkin e Michael Caine. A tempera- sou ator sou rico e não sei como é. os jornalistas foi desafiador dirigir para
tura política na cidade de Donald Trump Sei tudo sobre privação, vim de uma onde ia a fala de cada um deles; e a ex-
se eleva sempre que qualquer assunto en- realidade simples”, diz Michael Caine periência de set que o diretor relata não
tra na periferia do polêmico e a ideia ali é foi muito diferente. “Acho que teria feito
debater a ternura presente no filme teo- e menos trágico de um filme de 1979, no um desserviço ao filme se os intimidasse
ricamente bastante amargo comandado qual a miséria que toma conta da vida dos demais”, conta. “Tinha que ficar fazendo
ATSUSHI NISHIJIMA/ WARNER BROS./ DIVULGAÇÃO

pelo protagonista da série Scrubs e tam- protagonistas faz tudo pender para o lado discurso motivacional para mim mesmo
bém diretor de Hora de Voltar (aviso: não do riso nervoso em vez de para uma risada antes de começar, porque eles estavam
espere nada remotamente parecido). Na sincera, como acontece na nova versão. em maior número [Braff refere-se tam-
trama, três amigos que trabalharam a vi- Braff tinha intenção de que fosse as- bém a Ann-Margret, que vive o interesse
da toda juntos recebem a notícia de que sim e o roteiro ditava isso, mas parte da romântico do personagem de Arkin, e ao
o plano de pensão da empresa não existe graça leve do filme está na interação dos hilário Christopher Lloyd, que também
mais e eles não receberão mais aposenta- três atores, companheiros de longa data integra o elenco. Eles ajudaram o trio
doria (fosse no Brasil, provavelmente não e que têm toda uma dinâmica particular. principal a instaurar o caos durante as
teria sido possível pedir para que a entre- Mas mesmo com a atitude brincalhona os filmagens]. Mas se eu não tivesse tido
vista não tomasse rumos políticos com três senhores ficam muito sérios quando a coragem de dirigi-los estaria fazendo
um tema como aposentadoria ao centro refletem a respeito da temática do longa. um desserviço a eles.” STELLA RODRIGUES

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 21
ROCK&ROLL
MÚSICA

Por
Dentro dos 1

Arquivos de 2
3

Lou Reed
Acervo pessoal do músico será
4

disponibilizado para pesquisa


pública em Nova York

E
m 2 de março, lou reed – que morreu em 5
2013 – teria completado 75 anos. O presente
de aniversário foi para a cidade natal dele, No-
va York: na data, a artista Laurie Anderson, viúva de
Reed, anunciou a aquisição, pela New York Public Li-
brary for the Performing Arts, do acervo de Lou Reed
– uma coleção pessoal e imensa de suvenires, papéis
e material audiovisual documentando a carreira dele.
Demos, recibos de turnês e documentos de gravadoras
mostram “as engrenagens da arte”, observa o curador
da NYPL, Jonathan Hiam. Laurie acrescenta: “Lou
era muito aventureiro. Você percebe isso no material”.
Os arquivos serão organizados ao longo do próximo
ano para então serem disponibilizados ao público.

1 CONTAS DE BARES e hotéis de turnês de Reed na Europa

em meados dos anos 1970. “Fiquei espantado com tanta


coisa guardada”, diz o arquivista Don Fleming. “Mostra
muito da vida dele como artista.”

2 UMA FITA cassete de demos solo gravada em 1971 na casa

dos pais, em Long Island, com músicas que posteriormente


apareceriam em álbuns como Lou Reed (1972) e Berlin (1973).

3 PASSAPORTE com o nome de batismo, Lewis Reed.

4 UMA CARTA do presidente tcheco Václav Havel. Em


7
2009, Reed se apresentou em Praga para marcar o 20º
aniversário da independência da República Tcheca.

5 EDIÇÃO LIMITADA de um walkman Sony dada a Reed para

marcar o 10º aniversário do aparelho. Levemente enferrujado


agora, o invólucro de prata foi feito sob medida pela Tiffany.

6 ANOTAÇÕES DE SESSÕES de gravação de Reed. Os

detalhados lembretes incluem apontamentos sobre ajustes


dos botões de um amplificador. Há mais de 20 pastas
somente para o álbum Ecstasy (2000).

7 UM CALEIDOSCÓPIO decorado com fotos antigas do

Velvet Underground, exemplo dos criativos presentes


dados a Reed pelos fãs ao longo das décadas.

8 UM SINGLE do The Byrds enviado por Jimmy Page, do Led

Zeppelin. Em 1968, Page e o Yardbirds tocavam ao vivo “I’m


Waiting for the Man”, do Velvet Underground. DAVID FRICKE

8
22 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br
OBSESSÕES DO MÊS
ACONTECE

Ponta de Lança POR BRUNA VELOSO


@brunavelosom

A cada edição, um
integrante da redação revela
o que tem feito sua cabeça

MA
GRA
PRO

COMPOSIÇÃO
EM DESTAQUE HAIM TIME
Sapiência quer que As irmãs da banda Haim
as letras venham em comandaram esse programa
primeiro lugar na rádio Beats 1, da Apple
Music, entre 2015 e 2016. Na
maior parte dos episódios,
Com rimas soltas e variedade manos/ Garfo no crespo, tamo se armando/ elas disputam para ver quem
sonora, RINCON SAPIÊNCIA se De turbante ou bombeta/ Vamo jogar, ga- tem a melhor playlist. Além
nhar de lambreta”. da boa curadoria, é divertido
prepara para lançar o primeiro disco ouvir as histórias das três (um
Nas entrelinhas de suas composições, Sa-

O
exemplo: quando uma delas
colombiano freddy rincón foi piência também propõe a ideia da importân- “invadiu” a casa de James
uma das grandes personalidades que cia das palavras do MC, mais do que sua ima- Murphy ao lado de Kesha).
passaram pelo Corinthians. Além de gem. Para ele, essa figura icônica do hip-hop
ter capitaneado o time alvinegro na conquista acaba ofuscada pela exploração do invólucro E
SÉRI
do Mundial de Clubes de 2000, o ex-volante mais do que a mensagem, fazendo com que
do Timão “emprestou” o sobrenome ao então os fãs passem a valorizar em primeiro lugar
aspirante a rapper Danilo Albert Ambrosio. a imagem em vez do conteúdo das canções.
“[Naquela época] eu era mais troncudo, ca- “Isso tem a ver com a maneira que as pessoas
reca e usava um brinco na orelha esquerda. consomem música hoje em dia”, acredita Sa- PLEASE LIKE ME
Sempre passava na frente de um bar quan- piência. “Antes, nossa conexão com o músico Uma espécie de Girls
do voltava da escola, e aí o pessoal falava: vinha da fita, do CD. Hoje, com a internet, australiana, só que centrada
‘Feio pra caramba! Parece até o Rincón!’”, as pessoas estão mais interessadas em saber em um rapaz que se descobre
relembra o músico, que o que o rapper represen- gay. Criada e estrelada por
Josh Thomas, a série explora
hoje atende pela alcunha “É importante você se identificar ta, quais seus hábitos e
a passagem para a vida adulta
Rincon Sapiência. Ele se com o artista, mas a qualidade vícios. É claro que é im- com drama e comédia na
declara uma “pessoa su- do MC é sua capacidade de portante você se identi- proporção certa. Quando
persticiosa” e interessada surpreender fazendo versos” ficar com o artista, mas chegar à última temporada,
em assuntos dos “planos a qualidade do MC é sua não se esqueça de deixar uma
caixinha de lenços à mão.
transcendentais”. “Acredito em astrologia, capacidade de surpreender fazendo versos.”
RENATO STOCKLER/ DIVULGAÇÃO (RINCON SAPIÊNCIA); DIVULGAÇÃO

espiritualidade, disco voador, vida após a Às vésperas de lançar Galanga Livre, pri- O
DISC
morte... Vi uma vez que sapiência significa a meiro disco cheio da carreira, Sapiência de-
sabedoria divina e humana, e achei que tinha clara ter tirado inspiração para o debute da
a ver com o tipo de conhecimento que eu bus- literatura de cordel e da MPB, assim como
co: tanto o social quanto o espiritual.” da musicalidade da Mauritânia e do Senegal,
Criado na Cohab I, no bairro de Artur países nos quais se apresentou recentemente.
Alvim, zona leste de São Paulo, Sapiência “[O disco] está um pouco mais ‘instrumenta- TAPESTRY – CAROLE KING
ostenta uma veia social em lizado’, com piano, guitarra Talvez você já seja fã desta
suas rimas. Com canções co- e bateria”, antecipa. “O rap que é uma das maiores
mo “A Coisa Tá Preta” – cuja veio dos Estados Unidos, compositoras da música
QUANDO COMEÇOU 2000
norte-americana ou talvez
letra busca ressignificar a PARA QUEM GOSTA DE Bk’, mas para se aplicar no Brasil conheça apenas um ou outro
expressão de maneira po- Tássia Reis e Rapadura é preciso incluir elementos e clássico na voz dela. De um
sitiva –, o rapper enaltece a OUÇA “Ponta de Lança (Verso valores culturais nossos, não jeito ou de outro, esse disco
negritude em versos afiados: só na letra mas na linguagem de 1971 é viciante e obrigatório
Livre)” e “Linhas de Soco” para qualquer um que aprecie
“Orgulho preto, manas e sonora.” GABRIEL NUNES
belas melodias e letras que
parecem escritas sob medida
para certas fases da vida.
A b r i l , 2 017
ROCK&ROLL
MÚSICA

Batida Orgânica
Com letras fortes e engajadas, Yzalú faz rap com bases calcadas no violão

A
musicalidade de yzalú tes nas composições da cantora.
aflorou cedo. Criada em Sendo uma pessoa com deficiên-
São Bernardo, municí- cia física, negra e moradora da
pio do ABC Paulista, a rapper periferia, Yzalú tem no rap uma
cresceu rodeada pela coleção de ferramenta empoderadora e de
vinis da mãe, uma das responsá- resistência. Seja para combater
veis por apresentar a ela nomes preconceitos raciais e sociais, se-
como Bezerra da Silva e Marvin ja para romper barreiras relacio-
Gaye. Hoje, aos 34 anos, a artis- nadas ao gênero. “Os manos só
ta, que estreou em 2016 com o ál- têm a ganhar se reconhecerem
bum Minha Bossa É Treta, evoca que a cultura [do hip-hop] tam-
um episódio significativo da sua bém é das mulheres e de todas as
juventude: o primeiro LP que pessoas marginais deste país. A
ouviu. “Foi Dignidade (1987), da cultura é mundial. Ela é também
Leci [Brandão]”, relembra. “Ain- dos transgêneros, das lésbicas,
da não era bem um despertar dos gays. É uma esfera gigante.”
musical. O que me chamou aten- Yzalú acredita que a arte e o diálo-
ção foi a capa, que tem a própria go estão entre as melhores manei-
Leci. Eu me reconheci nela, eu ras de conscientizar “pessoas que
me senti representada.” não entendem o diferente”. No en-
Yzalú começou dentro do rap tanto, assume que essa não é uma
nacional com a faixa “Mulheres tarefa simples. “Não sou feminis-
Negras”. Escrita por Eduardo, ex- ta por opção, mas por condição”,
-Facção Central, a canção anteci- crava a rapper. “De onde eu venho,

JEFFERSON VIEIRA (YZALÚ); BEN GUZMAN (NELLY FURTADO)


pou a estética sonora criada por a gente acaba sendo feminista
Yzalú em Minha Bossa É Treta: pela nossa condição social e não
letras politizadas, com arranjos pelo conhecimento acadêmico da
calcados em uma sonoridade or- coisa. É preciso sempre resistir.
gânica, ressaltada pelo violão. RESILIENTE Se eu não fosse resistente, talvez
Yzalú: “É preciso
Não à toa, representativida- sempre resistir” não estivesse trocando uma ideia
de é uma das pautas recorren- com você.” GABRIEL NUNES

LANÇAMENTO Renovação Esperada


Depois de estudar teatro Nelly então aproveitou para quando o projeto chegará ao
MUITO TRABALHO
e planejar peça sobre aprofundar o trabalho que público, já que agora ela quer Entre filantropia e
realiza na entidade WE Charity, focar na divulgação de The
Caetano Veloso, Nelly estudos, Nelly criou o
ONG com foco em crianças Ride. O disco começou a ser novo disco
Furtado retorna à música e adolescentes carentes. “Eu gestado há mais ou menos
viajei muito para a África, fui dois anos. “No final de 2018, eu
Após quase cinco anos sem para o Quênia trabalhar com completo 40 anos. Esta é minha
lançar discos, a canadense garotas, fiz vários workshops. declaração sobre os tempos
Nelly Furtado retorna com Minha filha [Nevis, de 13 anos] que estão chegando para mim
The Ride, seu sexto álbum também está envolvida nisso”, como artista e mulher”, define
de inéditas. “Eu vivo para conta. Além da filantropia, Nelly, que acaba de lançar o
a música, só não acho que Nelly se engajou em outras álbum por seu próprio selo,
preciso ficar o tempo todo atividades. “Aprendi a costurar o Nelstar. “Pipe Dreams”, o
no circo da indústria”, explica e a fazer panelas, e fiz um primeiro single, foi divulgado
a cantora sobre o período curso de escrita para teatro na no Soundcloud no fim de 2016.
distante dos estúdios. “Quando Universidade de Toronto.” Os “Gosto de novas plataformas. A
terminou meu contrato com a estudos vão render uma peça música não pode esperar para
Universal, fiquei livre para fazer sobre Caetano Veloso – no chegar às pessoas”, afirma.
o que queria, sem pressões.” entanto, não há previsão de PAULO CAVALCANTI

24 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
OPOSTOS COMPLEMENTARES EM ESTÚDIO
MÚSICA Momo lança canções mais
alegres, mas ainda com um
quê de melancolia Passado e
Futuro
Apanhador Só prepara
terceiro disco da carreira com
estética “menos dissonante e
menos combativa”

Um coqueiro e uma torre eólica. Essas


duas imagens, a princípio aleatórias e
sem qualquer relação entre si, serviram
de inspiração para o próximo disco do
Apanhador Só. Conforme relembra o
vocalista, Alexandre Kumpinski, o álbum
foi gravado ao longo de três meses em
uma construção a que ele se refere como
“Castelinho”, no Morro da Borrússia
(Osório/RS). O local dá vista para um
parque de aerogeradores. Há também
um coqueiro nos arredores da casa.
“A combinação do parque eólico e do
coqueiro serviu para moldar a estética

Balanço Lusitano tentar uma vida em Lisboa, onde vivem.


do disco”, diz o músico, que diferencia
o próximo trabalho em relação ao
antecessor, Antes Que Tu Conte Outra
(2013), por “uma postura menos
combativa e uma sonoridade menos
Com ajuda de Marcelo Camelo, dissonante e ruidosa”. “À noite, ficava
Voá é resultado da mudança para o uma luz vermelha piscando no topo
Momo valoriza groove em bairro de Alfama, na capital portuguesa dos cataventos, o que dava à paisagem
disco gravado em Portugal – não só tematicamente, mas também uma imagem bem futurista. Acho que
o álbum quer passar uma mistura de
de maneira prática: o álbum foi produ-

P
dois mundos: o lado do coqueiro, que é
enúltimo álbum de momo (co- zido e gravado por Marcelo no estúdio mais acústico, orgânico e abrasileirado;
dinome do mineiro Marcelo Fro- dele. “Quem construiu a seção rítmica e o universo das torres eólicas, que traz
ta), Cadafalso (2013) tem capa foi o Marcelo”, explica Momo. “Era uma uma coisa mais eletrônica e sintética.”
O trabalho, ainda sem título, deve ser
desfocada e em preto e branco, é inteiro preocupação nossa: os beats, os anda-
lançado entre junho e julho.
reproduzido em voz e violão e é ancorado mentos. Foi um movimento diferente do Além da temporada em Osório, onde
na languidez de faixas como “Sozinho”. O que eu vinha fazendo. Existem sambas o trio se exilou em “retiro criativo,
sucessor, Voá, quinto álbum dele, lançado e balanços assumidos. Antes, eles não gravando e compondo sem parar”,
em fevereiro, é uma resposta a esse “anti- eram explorados.” Além dos irmãos Ca- Kumpinski ressalta ainda a importância
de ter passado três anos na estrada com
go” e sombrio Momo, que vem agora cheio melo, Momo contou com a ajuda de Wa- o grupo, completado por Fernão Agra
de groove, algumas letras esperançosas e do na composição de “Nanã”. O lusitano e Felipe Zancanaro.
uma atmosfera solar. “Perdão, o meu des- Camané – para o mineiro, o “melhor “Viajar e ter contato com mundos
tino não é solidão”, canta ele logo na aber- cantor de fado” – empresta a voz à ode diferentes me desperta para o mistério
da vida”, diz Kumpinski. “Isso me traz
tura, “Esse Mar”. geográfica “Alfama”.
o entendimento de que as coisas estão
“[Thiago Camelo] es- “Por mais que tenhamos Apesar de represen- conectadas. E essa conexão geral é a
creveu essa música em alguém, a solidão é uma tar um caminho sig- tônica do disco. Ela é uma forma de ver
cima de uma melodia condição do ser humano” nificativamente mais o mundo tendo em mente que tudo faz
minha e fez pensando iluminado para Mo- parte de um mesmo processo.”
BIEL GOMES/DIVULGAÇÃO (APANHADOR SÓ); DIVULGAÇÃO

GABRIEL NUNES
em mim”, conta Momo, falando do irmão mo, Voá ainda é majoritariamente com-
do ex-Los Hermanos Marcelo, que tam- posto em tons menores, garantindo a
bém é coautor de faixas de Voá. “Essa foi presença, ainda que em segundo plano,
minha primeira parceria com o Thiago. da melancolia característica da obra do
Eu tinha acabado de voltar de Chicago, artista. “Por mais que tenhamos alguém
cheguei no Rio de Janeiro sem saber – uma esposa, um esposo –, a solidão é
muito o que fazer. Aí ele diz: ‘Meu des- uma condição do ser humano”, pondera,
tino não é a solidão’. Não é à toa que ela como se não permitisse que o momen-
inicia o disco.” Depois de uma tempora- to jubiloso lhe tirasse os pés do chão. LONGA ESTRADA
da na cidade norte-americana em 2014, “Quando a gente vai deitar à noite, so- Apanhador Só: viajando
para entender o mundo
Momo encontrou o casal Marcelo Came- mos nós com nós mesmos. Nós e nossos
lo e Mallu Magalhães e foi convencido a monstros e demônios.” LUCAS BRÊDA

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 25
CALENDARIO
shows
12 | Sexta
MAIO PROPHETS OF RAGE
Vivo Rio – Rio de Janeiro (RJ)
Antes de subir ao palco do
Maximus Festival como um
dos headliners, o Prophets
of Rage fará dois shows so-
FESTIVAL PATH lo, em São Paulo/SP (Audio
Diversos locais – São Paulo (SP) Club, 9/5) e no Rio de Janei-
A quinta edição do Festival ro. O supergrupo é forma-
Path, que visa trazer expe- do por integrantes do Rage
5 | Sexta riências em educação, entre- Against the Machine (Tom
FESTIVAL MUCHO! tenimento, negócios e música, Morello, Brad Wilk e Tim
Audio Club – São Paulo (SP) acontecerá nos dias 6 e 7 de Commerford), do Public
A primeira edição do Festi- maio. Serão 20 shows, reali- Enemy (Chuck D e DJ Lord) 19 | Sexta
val Mucho! tem a proposta zados no Centro Cultural Rio e do Cypress Hill (B-Real). CHIARA CIVELLO
de romper com os tradicio- Verde ou na Praça dos Oma- Bourbon Country – Porto
nais estereótipos relacio- guás, incluindo nomes como Alegre (RS)
nados à cultura latina. Se- Terno Rei ( foto), Mahmed, A cantora italiana desem-
rão três apresentações de LaBaq, Nuven e Josi Lopes. barcará no Brasil para fazer
diferentes artistas: Kevin quatro shows, no Rio de Ja-
Johansen + The Nada (Ar- 8 | Segunda neiro/RJ (Theatro Net Rio,

LUCAS UEBEL/AGÊNCIA PREVIEW/ DIVULGAÇÃO (KAROL CONKA); BETI NIEMEYER/DIVULGAÇÃ0 (CHIARA CIVELLO); DIVULGAÇÃO
gentina), No Te Va Gustar FESTIVAL BANANADA 17/5), em Porto Alegre e São
(Uruguai) e os brasileiros do Diversos locais – Goiânia (GO) Paulo/SP (Unidades do Sesc
francisco, el hombre ( foto). O evento ocorrerá entre os SP, 25 e 26/5). Ela apresen-
dias 8 e 14 de maio, alternan- tará o repertório do disco
6 | Sábado do-se entre diferentes pontos 13 | Sábado recém-lançado Eclipse e de
STING de Goiânia, incluindo o Cen- MAXIMUS FESTIVAL Canzone (2014), no qual fez
Allianz Parque – São Paulo (SP) tro Cultural Oscar Niemeyer. Autódromo de Interlagos – São parcerias com Gilberto Gil,

NUBE ABE/ DIVULGAÇÃO (FRANCISCO, EL HOMBRE); FABIO AYROSA/ DIVULGAÇÃO (TERNO REI);
O ex-frontman do The Po- Entre as principais atrações Paulo (SP) Chico Buarque, Ana Caroli-
lice pisará em solo brasilei- estão Os Mutantes, Mano Entre as principais atrações na e Esperanza Spalding.
ro graças à turnê do álbum Brown, Céu, BaianaSystem, da edição de 2017 do Maxi-
57th & 9th (2016), o 12º solo Boogarins, Karol Conka ( fo- mus, que estarão distribuí- 23 | Terça
da carreira. Será uma única to), Liniker e os Caramelows, das entre três palcos, estão ED SHEERAN
apresentação nesta passa- Tulipa Ruiz e Carne Doce. Slayer, Pennywise, Prophets Pedreira Paulo Leminski –
gem pelo país. of Rage ( foto), Linkin Park, Curitiba (PR)
Rise Against e Rob Zombie. O cantor britânico virá ao
BADBADNOTGOOD país para divulgar o novo
Varanda Vivo Rio – Rio de COOLRITIBA disco, Divide, que foi lan-
Janeiro (RJ) Pedreira Paulo Leminski – çado recentemente e já em-
O quarteto canadense che- Curitiba (PR) placou os sucessos “Shape of
gará com a turnê do disco Criolo, Novos Baianos, Céu, You” e “Castle on the Hill”. O
IV, que foi lançado no ano Karol Conka e Clarice Fal- giro se iniciará em Curitiba
passado e é o quarto traba- cão são algumas das atra- e passará ainda pelas capi-
lho de estúdio da carreira. ções do festival, que tem a tais Rio de Janeiro/RJ (Rio
O Badbadnotgood fará dois proposta de debater a pre- Arena, 25/5), São Paulo/SP
shows por aqui, um em São servação ambiental e incen- (Allianz Parque, 28/5) e Belo
Paulo/SP (Cine Joia, 5/5) e tivar o uso consciente de re- Horizonte/MG (Esplanada
outro no Rio de Janeiro. cursos naturais. do Mineirão, 30/5).

26 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
MAIO | JUNHO
UMA SELEÇÃO DOS MELHORES EVENTOS MUSICAIS NO BRASIL

28 | Domingo 10 | Sábado
RENAISSANCE FESTIVAL JOÃO ROCK
Palácio das Artes – Belo Parque Permanente de Exposições
Horizonte (MG) – Ribeirão Preto (SP)
Clássicos da banda de rock O evento de programação
progressivo serão apresen- sempre eclética terá três
tados nesta turnê em cele- palcos, nos quais estarão
bração aos seus 50 anos de distribuídas apresentações
carreira. O grupo britânico de gente como O Rappa, NIVEA VIVA
visitará São Paulo/SP (Es- Emicida ( foto), Armandi- Praça das Fontes – Brasília (DF)
paço das Américas, 25/5), 2 | Sexta nho, Humberto Gessinger, Os dois últimos shows da
Rio de Janeiro/RJ (Vivo TROPICAL ROCK FEST 2 Nando Reis, Capital Inicial, sexta edição do projeto Ni-
Rio, 26/5), Porto Alegre/RS Tropical Butantã – São Paulo (SP) Pitty, Zé Ramalho, Lenine e vea Viva serão realizados
(Auditório Araújo Vianna, Krisiun e Ratos de Porão se- Nação Zumbi. em Brasília e em São Pau-
27/5) e Belo Horizonte. rão as atrações da segunda lo (Praça Heróis da FEB,
edição do Tropical Rock Fest. 25/6). Neste ano, Céu e
O primeiro é um dos maiores Skank se uniram a Jorge
JUNHO grupos de metal extremo em Ben Jor para celebrar a obra
atividade e o segundo se for- do cantor com uma série de
mou durante o movimento shows gratuitos por vários
punk paulista dos anos 1980, lugares do Brasil.
tendo à frente o icônico voca-
RAUL ARAGÃO/ I HATE FLASH/ DIVULGAÇÃO (STEVE VAI); LUCAS BRÊDA (JOÃO GORDO); FERNANDO PIRES (EMICIDA E FREJAT);

lista João Gordo. 18 | Domingo


FREJAT
8 | Quinta Teatro RioMar – Recife (PE)
BOYCE AVENUE O ex-vocalista do Barão Ver-
Music Hall – Belo Horizonte (MG) melho encerrará a turnê Voz e
Um grande fenômeno mu- Violão com um show em Re-
sical surgido na internet, a cife, mas antes disso passará
banda Boyce Avenue fará por Rio de Janeiro/RJ (Teatro
três shows no Brasil, nas 11 | Domingo Bradesco, 8/6), São Paulo/
cidades de Belo Horizonte, CULTURA INGLESA FESTIVAL SP (9/6, Teatro Opus), Novo
São Paulo/SP (Cine Joia, Memorial da América Latina – Hamburgo/RS (Teatro Fee-
9/6) e Rio de Janeiro/RJ São Paulo (SP) vale, 10/6), Porto Alegre/RS
1 | Quinta (Vivo Rio, 10/6). Nas apre- A principal atração da 21ª (Teatro do Bourbon Country,
STEVE VAI sentações, o grupo costuma edição do Cultura Inglesa se- 11/6), Fortaleza/CE (Teatro
LEONARDO AVERSA/ DIVULGAÇÃO (NIVEA VIVA); DIVULGAÇÃO

Clube do Congresso – Brasília (DF) intercalar as canções origi- rá a cantora britânica Charli RioMar, 16/6) e Natal/RN
O guitarrista tem seis apre- nais com covers de artistas XCX. Ela é famosa pela música (Teatro Riachuelo, 17/6).
sentações agendadas por como Adele, Oasis, Foo Fi- “Boom Clap” e pelas parcerias
aqui. A turnê começará em ghters e Kings of Leon, en- com Iggy Azalea em “Fancy”
Brasília e seguirá para Be- tre outros. e com Icona Pop em “I Love
lo Horizonte/MG (Music It”. A programação completa
Hall, 2/6), Rio de Janeiro/ do festival de música está no
RJ (Imperator, 3/6), São nosso site, assim como deta-
Paulo/SP (Tom Brasil, 4/6), lhes sobre as outras frentes do
Porto Alegre/RS (Teatro evento (que ocorrerá do dia
Araújo Vianna, 6/6) e Curi- 27 de maio a 18 de junho, com
tiba/PR (Ópera de Arame, atividades envolvendo artes vi-
7/6). suais, cinema, teatro e dança).

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 27
DOSE DUPLA filme de terror gringo, que
Leandra chega sempre tem uma boa bilhe-
aos cinemas
em dois filmes, teria. Vamos ver como o pú-
como atriz e blico reage, porque é uma
diretora temática muito brasileira,
fala da situação do sistema
Atriz está no terror de saúde no Brasil, que já é
O Rastro e estreia um filme de terror!
como diretora Parabéns pela vitória do
em Divinas Divas Divinas Divas no SXSW.
Por Stella Rodrigues Como foi participar do
festival?
Foi demais, é um festival gi-

U
ma parte do coração
de Leandra Leal, de gante, com muita coisa pra
34 anos, ainda está ver de shows, tecnologia, cine-
em Austin, no Texas, quando ma. A receptividade ao Divi-
a cantora atende o telefone nas foi impressionante. A pri-
no Rio de Janeiro para falar meira sessão estava bem cheia
sobre o terror psicológico O e as outras duas estavam lota-
Rastro, filme estrelado por ela das! A conjuntura política dos
que estreia em maio, e sobre Estados Unidos atualmente
Divinas Divas, documentário foi algo que gerou uma identi-
que chega aos cinemas em ju- ficação. A resposta do público
nho sobre a primeira geração foi muito bonita, as pessoas
de travestis do Brasil. Este ficaram superemocionadas.
trabalho marcou a estreia de- Recebemos o prêmio de voto
la na direção e foi votado pelo de um público que não tem a
público como o melhor do fes- mínima relação comigo como
tival South by Southwest (SX- atriz, que não me conhece e
SW), realizado em março na não conhece as divas [Rogé-
já citada cidade norte-ameri- ria, Jane Di Castro e Waléria,
cana. “Eu tinha tanta certeza entre outras, que se apresen-
de que não íamos ganhar que tavam no Teatro Rival, per-
voltei um dia antes de sair o tencente ao avô de Leandra,
resultado. Cheguei no Brasil e
vi [que ganhamos o prêmio]”,
conta ela, lisonjeada. Parale-
Leandra Leal Américo Leal].
O Brasil está em primeiro
lugar na lista de países
lamente, a atriz promove O “O Rastro fala do sistema de saúde no Brasil, onde mais se matam tran-
Rastro, no qual vive Leila, a que por si só é um filme de terror” sexuais e travestis. Então
esposa grávida de um médi- não tem como o filme não
co responsável por transferir que está no filme, tiveram que cadas. No filme você sente isso ser político.
pacientes de um hospital em fazer uma limpeza para ter de uma forma protegida. É um Foi muito difícil conseguir
situação de falência no Rio. condições de a gente rodar lá, gênero que te mobiliza muito, viabilizar o filme, financei-
até por segurança. Tiveram te faz sentir coisas muito for- ramente. Foi muito árduo
Vocês rodaram O Rastro que colocar aquela sujeira fal- tes. Gosto disso, ficar em casa conseguir pessoas que qui-
em um hospital que, em sa. Hospital é sempre um am- de bobeira, sozinha, e ver fil- sessem se envolver com esse
meio ao caos da saúde pú- biente que tem uma energia me de fantasma, casa abando- tema. Aí eu fui entendendo
blica no Rio de Janeiro, muito extrema, com emoções nada, trash. Isso foi uma das a dimensão do tabu que isso
vive o mesmo drama, o muito extremas, porque é um coisas que me fizeram querer ainda é no Brasil. Mas não só
Beneficência Portuguesa lugar de entrada e saída. Eu muito fazer parte desse longa. a questão de gênero, é tam-
(onde, aliás, você e várias mesma não vivi nada de punk Tem uma coisa que é fa- bém a velhice. O filme faz
pessoas da equipe do filme lá, mas estava sempre cercada lada há anos, mas ainda uma reflexão sobre envelhe-
de gente [risos]. cer, sobre amizades ao longo
DARYAN DORNELLES/ DIVULGAÇÃO

nasceram). É verdade que é verdade. O terror no


vocês viveram situações Como é sua relação com Brasil ainda está enga- da vida. Para mim, é uma
assustadoras de verdade filmes de terror? tinhando. reflexão muito bonita e po-
nos bastidores? Eu adoro! Sempre falo que Nosso cinema está amadu- sitiva. “Olha só, figuras que
O João [JC Feyer], diretor do terror gera uma oportunida- recendo em todos os lugares. tiveram tantos obstáculos,
filme, viveu algumas coisas. de de sentir medo, que é um Produção de gênero, diver- tanto preconceito, e vence-
A locação estava muito mais sentimento que você só sente sidade, é um desses sinais. ram tudo isso, respeitando o
abandonada na vida real do na vida em situações compli- O brasileiro consome muito sonho delas.”

28 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
AP PHOTO/ANDRE PENNER (NEYMAR); SILVERHUB/REX/SHUTTERSTOCK/AP IMAGES (ED SHEERAN E TONY HAWK);
MARCOS HERMES (RONALDO); JOÃO SAL/ DIVULGAÇÃO (EMICIDA E FABIANA COZZA)
Tiro Quase
Certo
Neymar não teve dúvida: assim que balançou
SHAPE (OF YOU)
Ed Sheeran não sabe dividir. Durante uma
a rede contra o Paraguai, durante um jogo participação no programa de TV italiano Che
da seleção, em São Paulo, o fanático por Tempo Che Fa, Tony Hawk “emprestou” um skate
videogames comemorou correndo para pegar ao músico, que estava lá divulgando o disco Divide
o mastro da bandeirinha lateral e fez uma pose (pegou a piada?). Segundo o skatista postou nas
para homenagear seu amado Counter-Strike redes, Sheeran nunca mais devolveu e ainda por
– Global Offensive. Pena que o gol foi anulado... cima ficou mandando fotos do skate viajando em
turnê com ele – é tudo brincadeira, claro.

OUTRO STARBOY
O ex-jogador Ronaldo e a namorada, Celina Locks,
se divertiram no Lollapalooza, em São Paulo,
assistindo ao show de The Weeknd, que apesar de NÃO VAI MORRER NEM ACABAR
estar cheio de prestígio acabou perdendo a atenção A LAB, grife do Emicida, fechou a edição mais recente da SPFW com um desfile
de todo mundo que estava perto do Fenômeno pautado pelo samba. Fabiana Cozza foi chamada para cantar um pot-pourri dos
clássicos “Acendeu a Vela”, “O Morro Não Tem Vez” e “Opinião”, que trilhou o evento.

30 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
INSTAMANIA
O MÊS DAS CELEBRIDADES NO INSTAGRAM

Céu

CARA DE UM...
O ex-baterista do Motörhead Mikkey Dee visitou o Rainbow Bar & Grill, em Los Angeles,
famoso por ter sido frequentado pelo saudoso Lemmy Kilmister, e viu pela primeira vez a
estátua que foi erguida no lugar em homenagem ao vocalista. Ele aprovou o monumento, @ceutropix
mas disse que o amigo reclamaria o local que estava iluminado demais.
“Cola no dedo tem sua dignidade? <3 <3 <3 <3”

MALAS PRONTAS
Adam Levine
Maria Gadú foi a
evento na sede do
serviço de streaming
Spotify, em São
Paulo, no qual foi
anunciada a parceria
da empresa com
o festival goiano
Bananada (ela está
no line-up)

AGARRADINHOS @adamlevine
Steven Tyler fez questão de
passar o aniversário de 69 “A cara de nojo dele era palpável...”
anos ao lado das pessoas
que ama, como a filha Liv
Tyler e o peludinho sempre
amoroso Chewbacca, com
quem ele se encontrou na
Disneylândia, em Anaheim Megan Mullally
THALES XAVIER/ DIVULGAÇÃO (MARIA GADÚ) REPRODUÇÃO

SEM RABISCO
Emma Watson ganhou um “awn” coletivo
na internet quando interrompeu uma
entrevista para avisar a jornalista (que @meganomullally
também estava aparecendo no vídeo) que
ela tinha um risco de caneta no queixo “Segredos nas gravações dos promos de
#willandgrace @seanhayes”

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 31
ARTIGO

Mudança Necessária
As bem-vindas ações contra os crimes de colarinho branco trazem consigo a
necessidade de medidas jurídicas para que a economia não entre em colapso
Por Henrique Nelson Calandra +Ilustração Lézio Júnior
taurar a ordem jurídica com a punição de capaz de nos conduzir à retomada da

O
s três últimos anos da po-
lítica brasileira ficarão marca- todos os autores, coautores e participantes moralidade pública foi revelado, surge
dos pela historiografia como envolvidos nessas atividades ilícitas servi- a necessidade de conter determinados
a era das crises institucionais. ram de pano de fundo para a declaração efeitos colaterais. Se não for realizada
Notícias diárias sobre escândalos envol- de uma guerra aos grupos mafiosos insta- nenhuma ação para reverter esse cená-
vendo políticos do alto escalão do governo lados no país. Não havia mais como supor- rio, o remédio para a cura da corrupção
e integrantes da classe empresarial fize- tar assistir ao saque das nossas riquezas e se tornará um verdadeiro veneno para
ram com que a sociedade colocasse o com- ao desprezo pela coisa pública sem uma a economia. Não haverá mérito algum
bate ao crime de colarinho branco no topo reação enérgica e exemplar. se o tratamento criado para cessar a en-
da lista de prioridades. Em contrapartida, Com a deflagração das medidas de re- fermidade causar a morte do paciente.
nesse tempo de inquéritos e processos pressão ao crime organizado, aos mol- Atualmente, o país vem enfrentando o
produzidos em larga escala, de uma forma des das operações Lava Jato, Eficiência maior índice de desemprego já registra-
jamais vista no país, já é possível perceber e a mais recente Carne Fraca, empresá- do desde o início do processo de indus-
uma série de inevitáveis efeitos colate- rios de diversos segmentos da economia trialização. Na visão de um tecnocrata,
rais na economia nacional, em especial a já foram condenados e encarcerados, o fenômeno traz uma série de prejuízos
quebra de inúmeras empresas e, por con- enquanto tantos outros respondem a para a economia, pois é criado um ciclo
seguinte, demissões em massa. É preciso inquéritos policiais ou processos crimi- no qual se destacam a inibição do consu-
agora impedir que o futuro próximo não nais. A análise dos resultados no campo mo e a retração dos setores produtivos.
venha se caracterizar pelo colapso social. do direito é altamente satisfatória e não Entretanto, do ponto de vista humanis-
O clamor pelo encrudescimento das há como negar que a maioria do povo ta, a recessão responsável pelo encolhi-
ações que visam a erradicação do crime, brasileiro há muito tempo não acredita- mento do mercado de trabalho aumen-
especialmente no que diz respeito à cor- va que a responsabilidade penal pudes- ta a fome, o desalento, a desagregação
rupção, bem como o consenso da opinião se algum dia alcançar as elites em nos- familiar, a marginalização e, como não
pública em relação à necessidade de se res- so país. Todavia, agora que o caminho poderia deixar de ser, a criminalidade,

32 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
organizada ou não. Sendo assim, nesse tivo da economia. Promover a proteção trole de Atividades Financeiras – Coaf,
contexto de gravíssima depressão eco- dos setores que geram riquezas e criam vinculado ao Ministério da Fazenda, na
nômica, o governo deve empreender to- empregos é conditio sine qua non para forma do art. 16 da Lei 9.613/98 (Lei de
dos os esforços para impedir que qual- a governabilidade. Nesse sentido, se faz Lavagem de Dinheiro). O parecer, a ser
quer ação de iniciativa estatal, ainda que necessária a criação de uma lei que te- assinado por pelo menos três especialis-
de extrema necessidade e urgência, co- nha como base a adoção de cinco medi- tas, teria a natureza de condição para o
mo as que se dedicam ao enfrentamento das fundamentais: regular exercício do direito de ação, sem o
dos crimes de colarinho branco, possa qual ficaria impedido o início de qualquer
acirrar ainda mais a crise instaurada. 1. Afastamento cautelar dos sócios relacio- procedimento administrativo ou judicial
Quando sócios de uma empresa são de- nados a atividades criminosas praticadas que tivesse por objeto crimes praticados
latados nos acordos de colaboração pre- em nome da empresa que representam; por sócios em nome das empresas por
miada ou por outro meio legal, a pessoa 2. Nomeação de um interventor designa- eles administradas.
jurídica por eles administrada sofre sérios do pelo juiz para dar prosseguimento às A prioridade de julgamento nos pro-
abalos estruturais. Independentemente atividades da empresa; cessos que apuram crimes supostamente
do conjunto probatório colhido nas in- 3. Estudo sobre o impacto econômico praticados pelos representantes legais das
vestigações contra seus administradores, decorrente de possível quebra da empre- empresas não pode ser dispensada. Em
o certo é que essas instituições, quando sa ou situação falimentar a ser elaborado casos como os atualmente expostos na
se fazem presentes na persecução pe- por uma equipe técnica que emitirá pa- mídia, o perigo da demora da realização
nal, perdem a credibilidade perante seus recer a ser considerado como condição das medidas descritas acima compreen-
clientes e investidores, afetando todos os de procedibilidade para as respectivas de o risco de a pessoa jurídica entrar em
contratos em execução, enquanto outros ações penais; estado de penúria devido às medidas ju-
deixam de ser firmados por força da inse- 4. Medidas de recuperação e inclusão diciais intercorrentes que, provavelmen-
gurança estabelecida. da empresa no mercado e em igualdade te, servirão de justificativa para o desfa-
Era o que ocorria muito comumente de condições junto ao poder público; zimento de inúmeros projetos e contratos
nos casos de crime de sonegação fiscal, 5. Prioridade de julgamento em todas as que poderiam viabilizar a continuidade
previsto no art. 1º da Lei 8.137/1990 (Lei instâncias e tribunais. de suas atividades. Se a conjuntura atual

As empresas que tiveram sócios abarcados em escândalos são vítimas


imediatas dos crimes por eles praticados, enquanto os trabalhadores,
elos mais frágeis dessa corrente, passam à situação de extrema
vulnerabilidade diante da iminência da perda do emprego
+
dos Crimes contra a Ordem Tributária, Inspirado no art. 20, parágrafo único, tem dificultado a sobrevida de entes ju-
Econômica e Relações de Consumo), da Lei 9.249/1992 (Lei de Improbidade rídicos não envolvidos em crimes, há de
até que a Suprema Corte consolidasse Administrativa), o afastamento caute- se convir que longos e exaustivos proce-
o entendimento de que o esgotamento lar dos indiciados e acusados, enquanto dimentos criminais condenam qualquer
do procedimento administrativo fiscal perdurar a persecução penal, mostra-se instituição à pena capital.
teria a natureza de condição objetiva de imprescindível ao funcionamento regu- Diante desse contexto, torna-se fun-
punibilidade, conforme o disposto na lar da empresa relacionada aos crimes damental a formação de um esforço na-
Súmula Vinculante nº 24. Nada seria que porventura tenham sido praticados cional em apoio às providências acima
mais justo do que o infortúnio recair em seu nome. A medida asseguraria a sugeridas, articulado pelo Congresso
apenas sobre os investigados. Todavia, continuidade dos negócios sem o clima em harmonia com os demais setores do
nefastos efeitos alcançam os cidadãos de insegurança que se contrapõe a qual- governo, envolvendo ainda o Ministério
honestos que também integram a pes- quer iniciativa empreendedora. Para Público e os órgãos do Poder Judiciá-
soa jurídica sob a mira da Justiça, con- exercer as mesmas funções, o juiz com- rio. Os benefícios da atuação coesa das
siderando que a derrocada dos negócios petente para o processo e julgamento, instituições seriam facilmente percebi-
da empresa representa a extinção de após prévia audiência do Ministério Pú- dos, não apenas pelos especialistas nas
uma fonte de sustento do trabalhador blico, designaria uma pessoa idônea co- áreas jurídica, empresarial e financeira
e de sua família. Enfim, as empresas mo interventor judicial, escolhida entre mas também pelo cidadão comum, que
que tiveram sócios abarcados em es- os integrantes do corpo societário. Os clama, assim como qualquer brasileiro,
cândalos são vítimas imediatas dos sócios afastados continuariam fazendo pela estabilidade da economia e pelo
crimes por eles praticados, enquanto os jus aos direitos provenientes dos lucros bem-estar social.
trabalhadores, elos mais frágeis dessa auferidos, desde que não afetados por
corrente, passam à situação de extrema eventuais medidas assecuratórias. Henrique Nelson Calandra foi de-
vulnerabilidade diante da iminência da O estudo sobre a repercussão econô- sembargador do Tribunal de Justi-
perda do emprego. mica das medidas legais em desfavor da ça de São Paulo e presidente da As-
O governo federal, por iniciativa do empresa seria então realizado por uma sociação Paulista de Magistrados
Congresso Nacional, dispõe das condi- equipe técnica constituída em caráter es- e da Associação dos Magistrados
ções para reverter o quadro degenera- pecial por membros do Conselho de Con- Brasileiros.

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 33
MESMA GALÁXIA, MESMO BANDO

DESFUNCIONAIS?
(Da esq. para a dir.) Gamora
(Zoe Saldana), Peter (Chris
Pratt), Groot, Drax (Dave
Bautista) e Rocket em cena de
Guardiões da Galáxia Vol. 2

ntre uma trilha sonora que pega no ponto


Estrelado pelo galã certo, uma árvore humanoide de fala repetitiva

boa-praça Chris Pratt,


Guardiões da Galáxia Vol. 2
traz doses maiores de todos
E e um protagonista carismático e genuinamente
engraçado, não foi nenhuma surpresa que Guar-
diões da Galáxia tenha se tornado o filme de su-
per-herói de maior bilheteria em 2014 – um ano
que teve longas de Homem-Aranha, Capitão América
MARVEL STUDIOS/ DIVULGAÇÃO

e X-Men. A Marvel lança no início de maio o volume


2 da história, que promete mais carisma, mais mixta-
os acertos do primeiro filme pes e, a melhor parte, um simpático e pequenino ar-
busto, já que Groot, o personagem em questão, morre
POR STELLA RODRIGUES e nasce de novo no final do primeiro filme.

34 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
Guardiões da Galáxia Vol. 2 foca na de Quill são as ferramentas de base para narrativo exponencialmente maior”, diz,
busca pelos pais do protagonista, Peter a construção da história. Mas Gunn é um e ainda provoca: “Tem uma parte que vai
Quill (Chris Pratt). Agora, ele e os compa- curador muito particular para determi- explodir a cabeça de alguns artistas, de
nheiros Groot (voz de Vin Diesel), Gamo- nar quais músicas devem entrar. “Come- tão fundamental que é a presença da can-
ra (Zoe Saldana), Drax (Dave Bautista), ço com a lista das que gostaria de usar ção para o desenrolar da cena. Mal posso
Rocket (voz de Bradley Cooper) e Yondu e depois vejo o que cabe, porque o mais esperar para ver a reação de vocês”.
(Michael Rooker) formam uma família importante é a história. Vou escrevendo De forma geral, Guardiões é uma
que viaja unida pela galáxia. A história se o roteiro e pensando no que se encaixa franquia de super-heróis diferente das
passa poucos meses depois dos aconteci- ali. Tem muita música boa no mundo, a outras e agrada mesmo a quem não
mentos do primeiro volume, uma decisão dificuldade é encontrar aquela que cabe tem paciência para aranhas radioativas
que não foi tomada de cara, mas da qual perfeitamente”, diz. Essa curadoria apu- e poderes mutantes em geral. Esse foi
o diretor, James Gunn, se orgulha. “A rada não deixa espaço nem para suges- também um dos fatores que levaram
princípio não teríamos Groot como be- tões do próprio elenco, conforme conta Zoe Saldana a mais esse ambiente es-
bê no segundo filme, mas depois vimos Chris Pratt. “É a especialidade de James”, pacial (ela também estrela Avatar e
que não teria cabimento”, diz ele em um crava. “Apesar de eu ser muito ligado a Star Trek). “Eu passei tanto tempo fu-
quarto de hotel de Los Angeles, onde a música, não sou bom em fazer curado- gindo dos papéis que eram os que mais
equipe recebeu a imprensa para falar so- ria, não teria a habilidade de escolher a apareciam, sabe? Era sempre para ser

“NO VOLUME 2, A MÚSICA TEM UM VALOR NARRATIVO EXPONENCIALMENTE


MAIOR DO QUE NO PRIMEIRO”, DIZ O PROTAGONISTA, CHRIS PRATT
1 2 3
NA MISSÃO
1. Quill e Drax:
cada vez mais
STEVE COHN/INVISION FOR BH TILT/AP IMAGES (JAMES GUNN); CHUCK ZLOTNICK/ MARVEL/ DIVULGAÇÃO (1); MARVEL STUDIOS/ DIVULGAÇÃO (2, 3 E 4)

unidos; 2.
Rocket ainda
quebrando
tudo; 3.
Gamora terá
novos desafios;
4. O adorável
bebê Groot.
(No detalhe) O
diretor James
4 Gunn

bre o trabalho. Groot foi um dos a namorada de alguém, por


personagens mais queridos de exemplo, e não era isso que eu
Guardiões e a versão Júnior de- queria”, reflete. “E eu amo fic-
le, que aparece dançando ao som ção científica. Acho que é um
de Michael Jackson nos créditos gênero subestimado, é preciso
do filme, provocou uma verdadei muita criatividade para in-
avalanche de mensagens nas re ventar universos. Mas não é
sociais do diretor – a cena é a p considerado intelectual, o que
dele. Gunn, aliás, não consegue falar e p ay ist per eita, como James faz. Ele é o eu acho que é a maior bobagem.” Essa
redes sociais sem mencionar o carinho dos mestre, achou aqueles hits adormecidos paixão pelo espaço e por mulheres mais
brasileiros. “São as melhores pessoas!”, que batem forte naquele ponto fraco de fortes é algo que a atriz passou para os
diz. “Depois dos norte-americanos e bri- absolutamente todo mundo”, diz sobre filhos gêmeos, Bowie e Cy, de 2 anos,
tânicos, só dá os brasileiros tuitando para a obra de 2014. “Agora temos um pou- que estão chorando do outro lado da
mim. Estou até aprendendo um pouco de co mais de dinheiro e podemos ter, tipo, porta e partem o coração dos jornalis-
português de tanto que tenho lido coisas Fleetwood Mac. Mas ele continua sendo tas enquanto clamam pela mãe. “Eles
de brasileiros no Twitter”, ri ele, que ao um curador musical incrível e, sim, a tri- estão obcecados com meninas super-
contrário de muitos diretores está sempre lha tem um papel de importância única -heróis e não existem tantos brinque-
atento ao feedback que recebe online. nesses filmes. Adoro quando a música é dos desses, lembrancinhas de festa,
Ele só não levou em conta as sugestões parte da narrativa, não é só trilha, algo bonecos de heroínas e tal. Dizem que
que recebe para a mixtape que vai pautar que você coloca ali artificialmente, para é porque não vende. Mas venderia se
esse segundo filme. Assim como no pri- acompanhar uma emoção ou sentimen- começássemos a comprar essas coisas
meiro volume, a fita cassete e o walkman to. No Volume 2, a música tem um valor para nossos meninos também.”

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 35
O Ser
Livre
Prestes a estrear como protagonista na série
Vade Retro, Mônica Iozzi fez a carreira se
equilibrando em uma corda bamba diante de
olhos julgadores: trabalha para uma grande
corporação, mas emite opiniões contrárias
a ela; faz parte do dito “sistema”, enquanto
se recusa a seguir seus mandamentos. E é
justamente por isso que ela é tão magnética
para o grande público
tem diante de si um bolo de cenoura com cobertura,

A
história vem da infância, mas
dá pistas sobre a figura adulta. “Nin- um cappuccino (“com chantili”, faz questão de ressal-
guém enchia muito o meu saco, não. tar baixinho no pedido ao garçom) e uma água, e que
Se inventavam um apelido pra mim, esbanja uma simpatia pincelada por sorrisos e risadas
eu inventava um muito pior em dez constantes – comportamento que poucas pessoas te-
segundos”, relembra Mônica Iozzi sobre os tempos riam motivos para demonstrar após saírem de consul-
de escola. Rapidamente, as mãos da atriz ganham tas médicas motivadas por uma sinusite, como foi o
movimentos efusivos: “Lembra que tinha aquela coi- caso naquela tarde.
sa na escola quando alguém falava alguma coisa pa- Mas essa calma é a realidade enquanto conversa-
ra o outro e todo mundo fazia ‘NÓÓÓÓ!’? Ou falava mos em um café em Perdizes, bairro de São Paulo
alguma coisa idiota e todo mundo ‘EEEEEER!’? Eu onde Mônica mora – pelo menos quando se encontra
era a rainha de falar as coisas e todo mundo fazer na cidade. Diante das câmeras, ela dá vazão a uma
‘NÓÓÓÓÓ’ [risos]. Eu era esse serzinho na escola”. versão mais exagerada de si: do serzinho já adulto
O pensamento rápido e espontâneo hoje repousa que, com sacadas espertas aliadas a uma certa do-
SERGIO BAIA/ DIVULGAÇÃO

tranquilo na cabeça de uma mulher de 35 anos que se de desfaçatez, conquistou o grande público como

Por Gustavo Silva

37
Mônica Iozzi

repórter em Brasília no extinto CQC dos as considerariam contraditórias, Charles Dickens, no Teatro Municipal
à comentarista do Big Brother Brasil, antagônicas ou sem sentido – como ter de Ribeirão Preto. “Nem tinha uma fala
passando pela espontaneidade gritan- ideias progressistas ligadas à esquer- só minha, fiz vários papéis, mas foi uma
te, sincera e espalhafatosa em meses à da política e não ser petista? Como ser felicidade surreal escutar as palmas.
frente do Vídeo Show, o autorreferente engajada politicamente e ser artista Chorei de emoção.”
programa da Globo. global, parte de uma classe tão pouco Até prestou vestibular para cursos
Além da presença na TV aberta, dada a manifestações do tipo? Como diversos, como letras, filosofia e biolo-
reduzida desde que deixou a atração ser uma das maiores personalidades gia (“a maioria das coisas foi para dei-
vespertina global no começo de 2016, públicas da atualidade e manter uma xar minha mãe tranquila”), mas estava
Mônica também faz muito barulho no aura de gente como a gente? obstinada a seguir a carreira artística.
universo digital. Entre Facebook, Twit- Em seu segundo ano de vestibulares,
ter e Instagram, a soma de suas contas Mônica passou em artes cênicas na

‘‘N
unca gostei de mate-
totaliza mais de 6 milhões de segui- mática, nunca gostei de Unicamp, curso que ingressou com as
dores. Em 2016, com suas mensagens química, mas é muito ressalvas que muitas mães ainda fazem
de 140 caracteres, ela conquistou uma estranho, porque eu para quem busca uma carreira artísti-
honraria particular, mas não muito amava física – como alguém gosta de ca. “Ela disse ‘mamãe te apoia’, mas fez
surpreendente entre os que a acompa- física, mas não gosta de matemática?”, uma piadinha: ‘Tô preocupada com a
nham: foi considerada a terceira maior questiona Mônica Iozzi, novamente minha velhice. Tenho uma filha que é
influenciadora política do Brasil no lembrando da escola e refletindo sobre professora primária e a outra vai ser
Twitter, de acordo com le- atriz de teatro. Vocês não
vantamento feito pela con- vão ter dinheiro para me
sultoria Stilingue. sustentar, vou ter que viver
Juntos, as redes sociais
“Não é porque estamos num asilo público, fodeu”,
e os trabalhos de Mônica
revelam vários traços da
neste sistema que não lembra Mônica.
A universidade tinha
menina que deixou Ri- podemos questioná-lo” tudo para fazer parte de
beirão Preto (SP) rumo mais alguns anos da vida
a Campinas, onde ela se da então recém-gradua-
graduou em artes cênicas na Uni- uma das aparentes contradições em da, que vivia em São Paulo e já tinha
camp, e que assume, a partir do dia seus anos formativos. Filha mais nova experiência com peças na companhia
20 de abril, o papel de protagonista na de uma mãe dona de casa e de um pai de teatro Os Satyros e como vendedora
série Vade Retro, trama de Fernanda eletricista, teve sua epifania artística na Livraria Cultura. Mônica tinha pla-
Young e Alexandre Machado com di- aos 11 anos, naquele que chama de “o nos de iniciar um projeto de mestrado
reção artística de Mauro Mendonça dia mais feliz da minha vida”: subiu a na USP sobre teatro grego contempo-
Filho. Mais interessante: todas essas um palco pela primeira vez, para apre- râneo. Mas, então, veio o concurso do
facetas se acomodam graciosamente sentar, entre dezenas de crianças, uma CQC, que convocava mulheres a tentar
em tempos que julgamentos apressa- montagem de Oliver Twist, clássico de uma vaga no programa. “Eu estava de-
sempregada, e sempre gostei muito de
política e gostava muito do ambiente
anárquico do programa”, conta Môni-
Tá no Ar ca sobre o caminho que a levou direto
à televisão e a Brasília.
Como serão os próximos meses de trabalho de Mônica Iozzi De 2009 a 2013, a atriz entrou de ca-
Enquanto você assiste a e conta histórias paralelas em dois espetáculos de beça na capital da política brasileira – e
Vade Retro, Mônica Iozzi de quatro mulheres. Por teatro e, dependendo não gostou do que viu. “É muito mais
estará trabalhando – algo volta de setembro, outro da resposta do público a pesado do que as pessoas imaginam,
que será uma constante filme, Divina Comédia, Vade Retro, a Globo, com
a coisa é mais feia e mais suja do que
ao longo do ano. Em gravado há dois anos (“a quem ainda tem mais dois
abril, a atriz começa a pós-produção dele é muito anos de contrato, pode chega à mídia”, revela, com um grau de
preparação de um novo complicada”, diz Mônica), convocá-la para gravar indignação na voz ausente em suas to-
filme, Mulheres Alteradas, deve chegar aos cinemas. uma segunda temporada madas no CQC. “O Congresso é um bal-
baseado nas tirinhas da Ao lado de um amigo da série. Fora isso, sobram cão de negócios – tirando pouquíssimas
argentina Maitena. “É roteirista, a artista ainda as participações em
uma coisa meio [Pedro] começa a desenvolver o eventos corporativos. Mas, pessoas que estão lá que eu admiro e
Almodóvar, Mulheres à argumento de um longa, nesse caso, tudo depende que são grandes heróis, porque eles são
Beira de um Ataque de cuja ideia surgiu depois de quem convida. “Me uma minoria e que lutam por projetos
Nervos. Tem muita ironia, de ver Eu, Daniel Blake. chamaram pra apresentar que realmente são bons para a popula-
é inteligente e tem um quê “Mas esse é um projeto um evento da Odebrecht”,
ção e não vão passar. Você admira, tor-
feminista”, ela explica sobre para daqui a quatro, cinco ela conta, emendando com
a produção, que ainda anos”, avisa. Tem mais: uma expressão zombeteira: ce, mas fala: ‘Eu não teria essa força’. É
não tem diretor definido ela ainda está envolvida “Eu não fui...” G. S. um balcão de negócios.”
De lá para cá, a vida sofreu uma série

38 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
1
de reviravoltas – ou, como ela gosta de 2 ter meu grupo de circo, um
frisar, “minha vida é muito louca”. Can- galpão para ensaiar teatro e
sada do ambiente implacável de Brasí- me apresentar na frente da
lia (“eu não aguentava mais fazer políti- fábrica da Volkswagen. Eu
ca”) e disposta a voltar a atuar, Mônica posso fazer isso. Mas, quan-
deixou o CQC e, pouco depois, recebeu do você vai para um lado
um convite de Jorge Fernando para muito extremado, você acaba
integrar o elenco de uma nova novela se isolando do resto do mun-
na Globo, Alto Astral. Porém, antes do do. Conheço muita gente
começo das gravações, foi assim – é um trabalho lindo
convocada por Boninho, e necessário. Mas eu parti-
o todo-poderoso da emis- cularmente queria falar com
sora no entretenimento, mais gente. Não é porque vi-
para ser uma espécie de vemos neste sistema que não
“ombudsman irônica” do podemos questioná-lo. Mas
Big Brother Brasil. você simplesmente escolher
O fato de ganhar liber- ficar fora dele, e viver em um
dade para ser espontâ- ambiente que você considera
3
nea diante das câmeras ideal... é uma escolha e tudo
– um dos motivos que 4 bem! Eu prefiro estar dentro
fizeram com que, ao lado dele e questionar, porque é
de Otaviano Costa, desse novo fôlego onde a maioria esmagadora
e um ar divertido a um combalido de nós vive.”
Vídeo Show – lhe trouxe reconheci- Ainda que, como ela pró-
mento direto. Ela foi a atriz na Globo pria define, esteja “mais co-
que mais recebeu cartas de fãs em medida de dois anos para cá”
2015. Se a fama veio com aspectos in- nos comentários, Mônica se-
convenientes, como a necessidade de gue emitindo opiniões fortes
(recusar a) lidar com questões de sua sobre questões sociais e con-
vida privada com a mídia, por outro Mulher de Fases trárias aos projetos do atual governo –
lado ser uma figura pública ampliou 1. Mostrando a veia artística desde o basta entrar em suas redes sociais para
berço; 2. Na pele da bondosa Celeste,
a voz de Mônica. “Gosto da ideia de protagonista da série Vade Retro, que saber o que se passa na cabeça dela. Ela
que muitas pessoas vejam o meu tra- estreia neste mês; 3. Ao lado de Otaviano é assim, e assim é sua profissão. “A arte
balho”, ela reflete, depois de pensar Costa na despedida de sua temporada no tem um poder político muito forte. Seja
Vídeo Show; 4. No extinto CQC
alguns segundos. “Gosto da ideia de na televisão, seja no teatro, querendo ou
saber que estou me comunicando não, mesmo que você não se manifeste
GLOBO/RAMÓN VASCONCELOS/ DIVULGAÇÃO (2); GLOBO/ESTEVAM AVELLAR (3); ARQUIVO PESSOAL (1 E 4)

com muita gente, pessoas de áreas e forma apenas por manchetes do JN...”, diretamente, os atores são seres políti-
classes sociais totalmente diferentes.” escreveu em seu Twitter em março do cos – porque tudo é político, e o que a
ano passado em meio às manifestações gente expõe é isso.”
populares. Como então conciliar visões Arte e política se misturam particu-

A
comunicação de mônica
por suas redes sociais é li- pessoais contrárias àquelas implícitas larmente bem na televisão. Ainda não
vre de censuras, amarras e na cobertura da empresa da qual se faz sabemos como será o equilíbrio dos
– com exceção de um úni- parte? Ideologia e carreira seguem ca- elementos em Vade Retro, o próximo
co caso, que julga ter exagerado quando minhos paralelos e conflitantes? trabalho de Mônica Iozzi no meio. Mas
escreveu no Twitter “para que uma bala “Direta ou indiretamente, todos nós ela, que é do tipo que devora tempora-
perdida encontre o Eduardo Cunha” – trabalhamos para grandes empresas. das inteiras de séries em poucos dias,
de arrependimentos. Em certa circuns- No final das contas, oito caras são os consegue traçar paralelos entre a ficção
tância, por um post no Instagram, no donos do mundo”, ela reflete, em tom e a realidade. “Paralelos?! É House of
qual discordava da decisão de Gilmar sereno. “Independentemente do lugar Cards!”, diz sem titubear sobre nossa
Mendes em conceder habeas corpus ao em que eu trabalhe, sempre vou dar mi- política e a série na qual Kevin Spacey
médico Roger Abdelmassih, foi proces- nha opinião, contrária ou não. Eu nun- dá vida a um inescrupuloso presidente
sada e condenada a pagar R$ 30 mil ao ca recebi nenhum tipo de retaliação por dos Estados Unidos. “Não sei quem se
ministro do Supremo Tribunal Federal, nada. Eu sou livre lá dentro para fazer o inspirou em quem: se ele [Spacey] no
que alegou que a atriz “extrapolou os li- que eu quiser, para falar o que quiser.” Temer ou o Temer nele.” Ela arremata a
mites de seu direito de expressão”. A análise da questão segue, e ul- análise com uma lembrança da ficção:
Nem mesmo a Globo escapou de suas trapassa as barreiras globais. “É de- “Tem um momento na série que ele se
palavras. “Meu Deus! Que momento licado, sabe? Querendo ou não, este vira para a câmera e diz: ‘Eu acabo de
triste vivemos. Como estamos equivo- é o sistema em que a gente vive. Na chegar à presidência sem ter recebido
cados, cegos. Somos um povo que se in- época da faculdade, eu achava que ia nenhum voto’”. A vida imita a arte.

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 39
DISCOGRAFIA
IGGY POP

INCONTROLÁVEL REBELDE
O padrinho do punk comemora 70 anos e quase cinco décadas dedicadas à música Por Paulo Cavalcanti

N
ascido em 21 de persona de Osterberg: o ini-
abril de 1947 em mitável frontman Iggy Pop.
Muskegon, Michi- O Stooges gravou três ál-
gan, James Newell buns essenciais e foi primor-
Osterberg Jr. era um rapaz dial para que florescessem a
fã dos Rolling Stones e de sonoridade e a estética do
bandas de garagem. Ele punk. A banda terminou
aprendeu a tocar bateria em 1973, enquanto Iggy se
na adolescência, começan- afundava na heroína. Fo-
do a carreira em grupos ram quatro anos sem discos
de rhythm and blues, en- até que o fã David Bowie
tre eles The Iguanas e The resgatasse o pioneiro.
Prime Movers. Mas, depois Começando com The
de descobrir o The Doors e Idiot, Iggy Pop se lançou
o The Velvet Underground, em uma carreira solo que
as metas dele mudaram do gerou álbuns clássicos e
PARCERIA
VENCEDORA balanço do R&B para o ba- curiosidades. Nesta disco-
Iggy e Bowie
juntos no
rulho e a transgressão do grafia, vemos que o músico
começo da rock. Nasceu, então, o The nunca estagnou do ponto
década de 1990
Stooges, assim como a nova de vista artístico.

The Idiot Lust for Life New Values Soldier +++ Party +++
+++++ +++++ +++½ Arista 1980 Arista 1981
RCA 1977 RCA 1977 Arista 1979 David Bowie e James Como já entrega o título,
Iggy foi saudado como Lust for Life continuava a No final da década de Williamson, guitarrista Iggy queria festa. E,
o autêntico padrinho do nova e primorosa fase do 1970, o punk original aos do Stooges, deveriam também, finalmente gravar
punk, fazendo o que hoje artista. O álbum também poucos se diluía. Iggy se ter produzido o LP, um disco comercial. Para
é chamado de protopunk. foi produzido por Bowie mostrava antenado com mas não chegaram a tanto, a gravadora Arista
A chegada de The Idiot e de certa forma reflete as mudanças, explorando um acordo. Meio sem convidou Tommy Boyce,
rumo, Iggy pediu uma ex-colaborador do The
MEDIAPUNCH/REX/SHUTTERSTOCK/AP PHOTO

celebrava esse status. Com sua “trilogia de Berlim”, caminhos que apontavam
ajuda de David Bowie como tanto no formato sonoro para a new wave. Em New mão a convidados Monkees, para ajudar no
produtor, Iggy veio com quanto na temática das Values, o Iggy “maluco” como o baixista Glen projeto. Longe do proto-
menos guitarras ardidas canções. Em Lust for Life, começava a ceder a Matlock (Sex Pistols) e punk e das letras sinistras,
e um novo estilo vocal, Iggy fala da vida louca uma nova persona, um o guitarrista Ivan Král Iggy veio com uma fornada
agora mais empostado. na faixa-título e expõe pouco mais madura e (Patty Smith). Soldier de faixas pop, que, se não
O resultado foi marcante, a alma na balada soul também eclética. “Billy Is é menos pesado e mais se tornaram clássicas,
realçando as duradouras “Turn Blue”. Mas nada a Runaway” e “How Do Ya contido, mas tem Iggy em pelo menos são divertidas,
“China Girl” (sucesso na voz bate “The Passenger”, Fix a Broken Part” são bons boa forma nas estranhas como “Happy Man”,
de Bowie anos mais tarde) tratado máximo sobre a exemplos da consistência “Dog Food” e “I’m a “Pumpin’ for Jill” e “Rock
e “Sister Midnight”. efemeridade. do álbum. Conservative”. and Roll Party”.

40 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
Zombie Blah-Blah-Blah Instinct +++ Brick by Brick American
Birdhouse +++ +++½ A&M 1988 +++½ Caesar +++½
Animal 1982 A&M 1986 Aqui, o cantor voltou Virgin 1990 Virgin 1993
Depois do desvio de rota Reunido com David Bowie, ao rock básico e ao Depois de um período de O subestimado American
em Party, Iggy voltou a Iggy gravou um de seus punk com a ajuda irrelevância, Iggy voltou Caesar transborda
fazer músicas excêntricas. álbuns mais populares do guitarrista Steve revigorado neste LP com urgência, com o cantor
Em Zombie Birdhouse, o e acessíveis, graças à Jones (Sex Pistols). a produção focada e falando sobre as
principal colaborador dele cover de sucesso “Real Infelizmente a produção econômica de Don Was. contradições e os perigos
foi Chris Stein (Blondie), que Wild Child (Wild One)” tipicamente exagerada O artista também voltou dos Estados Unidos. Iggy
criou uma base com toques (Johnny O’Keefe), canção dos anos 1980 emperra a falar de decadência e gravou com a banda
de música eletrônica e hard contagiante com batida um pouco o resultado da vida em sociedade, que tocava com ele na
rock. “Pain and Suffering” techno que fez parte da final. Pelo menos a faixa tecendo comentários estrada, exibindo vigor
e “Platonic” se destacam trilha dos filmes Uma Noite “Cold Metal” tornou-se pontuais em “Neon em “Plastic and Concrete”
neste obscuro trabalho. de Aventuras e O Pestinha cultuada entre os fãs. Forest” e “Butt Town”. e “Hate”.

Naughty Little Avenue B +++


Doggie +++ Virgin 1999
Virgin 1996 Curioso desvio na trajetória
Sucedendo dois álbuns musical de Iggy, Avenue
mais sérios, Iggy retomou B é uma mistura de jazz
uma temática mais e poesia – no estilo dele,
descontraída em Naughty é claro. O álbum também
Little Doggie. Ele exagera trouxe canções peculiares,
no sexismo em “Pussy como “No Shit” e “Nazi
Walk” e celebra prazeres Girlfriend”, mas “Shakin’ All
como fumar maconha em Over”, do pioneiro do rock
“Innocent World”. As bases CAOS CONTROLADO inglês Johnny Kidd & the
são sólidas e as faixas Iggy durante uma apresentação Pirates, recoloca as coisas
apresentam bons refrãos. junto ao Stooges no festival South by nos eixos.
Southwest, no Texas, em 2007

Beat ‘Em Up Skull Ring Préliminaires Après +++ Post Pop


+++ +++½ +++ Thousand Mile Inc Depression
Virgin 2001 Virgin 2003 Astralwerks 2009 2012 +++½
Depois da placidez Os irmãos Ron e Scott Aqui o artista resolveu virar Nesta sequência de Loma/Universal 2016
pseudo-hipster de Avenue Asheton, do Stooges, crooner, interpretando Préliminaires, Iggy seguiu O novo retorno de Iggy ao
B, as guitarras voltaram acertaram as diferenças canções francesas e flertando com o espírito rock é uma colaboração
em Beat ’Em Up. O disco com Iggy e tocaram, dentre standards. Ele soa como musical francês, enfiando dele com Josh Homme, do
JACK PLUNKETT/DAPD/AP PHOTO

chega a soar como uma outras, nas faixas “Loser” um Leonard Cohen depois no meio alguns standards Queens of the Stone Age,
paródia dos Stooges. e “Dead Rock Star”. Outra de ter tomado umas doses da música mundial. que produziu o trabalho e
Iggy reclama de tudo e surpresa foi a participação a mais. Mas ninguém pode Aqui, ele escolheu, tocou vários instrumentos.
de todos em faixas como do Green Day em “Private duvidar da sinceridade dele. dentre outras, “Michelle” Trata-se de um registro
“Mask” e “Weasels”. Em Hell” e “Supermarket”, Iggy até interpretou “How (Beatles), “La Vie en Rose” cheio de texturas e faixas
“V.I.P.”, ele fala dos altos e unindo diferentes gerações Insensitive” (“Insensatez”), (Édith Piaf) e “Only the fortes, como “Gardenia” e
baixos da fama. do punk. de Tom Jobim. Lonely” (Frank Sinatra). “German Days”.

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 41
de
Samba
Sem deixar de lado sua visão de mundo
sensível – e por vezes incompreendida –,
Criolo troca as picapes pelo cavaquinho
em um trabalho dedicado ao mais
brasileiro dos gêneros musicais

Por Lucas Brêda


Fotos: Gil Inoue

42 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br
rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 43
C r iolo

‘‘A
1 2
cho que eu prefiro ao
contrário”, opina Daniel
Ganjaman, sentado com
um computador aberto à
sua frente, explicando um arranjo para
um time de percussionistas no estúdio
paulistano El Rocha. O amplo cômodo
carrega o mesmo clima harmonioso da
pacata esquina onde fica o local, no bair-
ro de Pinheiros. Ganjaman trabalha em
mais um disco coproduzido por
ele e pelo renomado baixista 3
Marcelo Cabral. Juntos, os dois
forjaram a identidade sonora
que, contemplando uma série de
composições inspiradas de Crio-
SEMPRE PERTO DAS RAÍZES
lo, resultou em Nó na Orelha 1. Criolo em um período pré-Nó Na Orelha, com
(2011), disco divisor de águas na uma camiseta da Rinha dos MCs, ao lado do
carreira do rapper. Desde então DJ Dandan; 2. Com Dandan e o DJ Marco, que
comandou as picapes na recente turnê de Ainda
a parceria Criolo-Ganjaman-Ca Há Tempo; 3. Em 1978, aos três anos, com os
bral tem sido uma constante pais e o irmão mais velho, Clayton, na primeira
Mas a situação no último mês d casa da família em São Paulo, na Favela das
Imbuias, antes da mudança para o Grajaú
março era um tanto diferente: em
vez de picapes, havia uma sér

‘‘É
de instrumentos de percussão; n
lugar de guitarra e teclado, cava- “Sempre tem um samba nos meus dis- assim”, criolo anuncia,
quinho e violão de sete cordas, além de cos”, justifica, em conversa posterior ao antes de levantar da cadei-
dois músicos em instrumentos de sopro. ensaio, no estúdio já vazio e silencioso. ra e buscar um tamborim,
Ali, eles levantavam o repertório da pró- “Eu nunca penso: ‘Vou gravar um disco’, para então começar a ba-
xima empreitada de Kleber Cavalcante tá ligado? Não é porque eu tenho uma tucar e caminhar lentamente enquanto

NA DUPLA ANTERIOR: DIREÇÃO DE ARTE : PEDRO INOUE. STYLING : VICTOR MIRANDA. MAKEUP ARTIST : ADRIANO RAMOS. PRODUÇÃO : OLOKO RECORDS.
Gomes, o Criolo: um álbum composto ideia na cabeça que eu vou parar todo fala. “Não sei tocar nenhum instrumento,
apenas de sambas. mundo e forçar a fazer um álbum. Eu mas penso todos eles na minha cabeça. Aí
Posicionado exatamente entre os dois espero que esse sentimento inunde as o Rabello puxa algum acorde e eu [can-
produtores, e de frente para os outros pessoas que estão do meu lado. Desde tando]: ‘É o boca fofa’. Um ‘boca fofa’ é
instrumentistas, ele tem o sem- uma figura mentirosa. Aí veio o
blante sereno. Veste uma camise- [gancho] ‘língua felina, menina,
ta vermelha folgada, estampada amor’. Mas homem também é
por uma ilustração de Notorious “Para mim, fazer rap fofoqueiro, então: ‘Língua felina,
B.I.G., sobreposta por um mole- menino ou menina, amor ou de-
tom da LAB, marca de Emicida sempre foi algo meio samor’. Só que aí você pensa: se
e Fióti. Criolo contempla uma
pasta com letras e anotações. “O
solitário. No samba tem você tá falando do linguarudo,
você também tá sendo lingua-
tempo fechou na favela, tem fera
engolindo fera”, versa melodica-
muita gente. E o samba é rudo. Como eu vou contar isso
ficando de fora? Aí, o Rabello
mente o rapper/cantor, erguendo universal, é o Big Ben da chamou, e eu: ‘Logo percebi pelo
os braços, depois de uma intro- tamanho do caixão, que o veló-
dução afiada de flauta e trombo- música brasileira, até quem rio do linguarudo chegou/ E foi
ne. A música, única não inédita
não gosta sente alguma ficar no benzimento, na oração,
NESTA PÁGINA: OTAVIO SOUSA/ DIVULGAÇÃO (2); ARQUIVO PESSOAL

no projeto, é uma cocomposição família sofre independente do


de Ricardo Rabello, companhei- coisa”, afirma o rapper irmão/ Quando eu me vi, estava
ro de Criolo na roda Pagode da 27 nessa situação: um linguarudo
e principal parceiro dele na com- abraçado em outro no caixão’. Eu
posição de sambas. Rabello está falando da vida do defunto. Mas
presente na sessão de estúdio, coman- quando a gente se conheceu [há mais de isso é em fração de segundo, é o que te pu-
dando o cavaquinho. O rapper fala pouco, sete anos] eu venho mostrando sambas xa, e vai indo. São muitos anos escreven-
mas exerce liderança definitiva quando se para eles. Uns dois anos atrás comecei do rap, convivendo com a palavra.” Criolo
inclina ao microfone para cantar, injetan- a fazer mais ainda e, recentemente, veio explica sua música com pureza, ainda que
do o sentimento que determina por onde muito forte isso, de querer escrever ou- nem sempre o ouvinte consiga captar suas
cada canção vai caminhar. tras coisas. Tenho minhas vontades, mas mensagens de cara. (Talvez por isso ele te-
É geralmente assim, sem imposições é naturalmente que aquilo vai tomando nha se tornado meme com a fala “Alguém
verbais e completamente apoiado na todo mundo, até chegar o momento: ‘Va- nos ajude a entender”, em entrevista ao
espontaneidade, que Criolo funciona. mos juntar tudo, ver o que tem’.” ator Lázaro Ramos no programa Espelho,

44 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
do Canal Brasil. Quando se presta aten- cas do repertório. “Não era esse o mapa
ção ao discurso na entrevista, percebe-se
que a fala de Criolo não é vazia – muito
Sons da música”, diz, indicando que Criolo se
excedeu em uma estrofe. Quando o violão
pelo contrário, tem todo sentido.)
As 11 faixas do álbum – previsto para
Diversos puxa novamente a lamuriosa introdução,
o rapper volta a soltar a voz, tomando cui-
o fim de abril e sem título definido até o Criolo vem do rap, mas dado para manter a dedicação e ao mes-
fechamento desta edição – vêm para ex- sempre buscou conexões com mo tempo não desvirtuar o tal “mapa”. A
pandir os sambas que Criolo gravou no outros gêneros musicais concentração é refletida no desempenho:
passado: “Linha de Frente” (Nó na Ore- uma harmonia vocal típica de samba-
“Me chamo Criolo e meu berço é o
lha), “Fermento pra Massa” (Convoque rap, mas não há limites para a minha
-canção, sem a imposição de intérpretes
Seu Buda, 2014) e “Até Amanhã” (single poesia”, canta o artista em uma clássicos como Jamelão ou Roberto da
da coletânea de 2016 Se Assoprar Posso versão de “Cálice”, clássico de Chico Silva, mas com uma pegada singela pouco
Acender de Novo, com artistas contem- Buarque – depois o próprio autor explorada por Criolo anteriormente.
porâneos interpretando músicas inédi- respondeu com uma performance, Às pessoas próximas que encontrava
incluindo um rap e o refrão criado
tas de Adoniran Barbosa). São canções por Criolo. Um álbum inteiro sem durante a feitura do disco, Criolo repe-
sentimentais e urbanas, confissões ou nenhum rap pode ser novidade tia: “Ouviu as músicas? Tá ficando p-e-
causos que funcionam como interseção para Kleber Cavalcante Gomes, mas -s-a-d-o”. A empolgação, apesar de sutil,
entre o imediatismo do hip-hop e as ale- ele já se aventurou diversas vezes evidencia o caráter do projeto, muito mais
longe do gênero, não apenas na
gorias do samba, carregados do espírito discografia regular como também em
a realização de um desejo de longa data
cronista de “Freguês da Meia-Noite” ou do que uma empreitada comercial ou ar-
“Não Existe Amor em SP”. 1 tisticamente ambiciosa. “Ele é nego veio,
“O rap me ensinou a lidar com meus né? É difícil tirar um sorriso do homem”,
sentimentos, então a rima vem daquele comenta Criolo, falando da reação do pai
jeito, mas [desta vez] mistura com o que ao ouvir os sambas. “Mas ele está acom-
vem do meu pai, que ama Martinho da panhando tudo, e está vibrando junto. É
Vila, tem vinil do Moreira da Silva em como se fosse um sonho dele também.”
casa”, explica o rapper, que inclusive par- Quando não está em turnê, Criolo se
ticipou de duas músicas do mais recente divide entre um apartamento no centro
disco de Martinho, De Bem com a Vida e a casa dos pais no Grajaú, o distrito
(2016), e promoveu o encontro do pai com 2 mais populoso de São Paulo (quase meio
o ídolo. “Meu pai foi metalúrgico, joga- milhão de habitantes), no extremo sul da
va futebol na várzea e sempre gostou de cidade. “Minha rotina é simples: acordar,
samba. Não sabe tocar nem cantar, mas, pensar em música, resolver alguma coisa
no possível, quando sobrava um dinheiri- relacionada a música, comer. Aí, se está
nho, comprava um vinil. Já foi surreal o com o pai, dá atenção a ele, se está com a
convite, mas meu pai ficou feliz demais, mãe, ajuda em alguma coisa, se tiver um
conheceu o ídolo da vida.” sobrinho... Então, volta para algum ba-
Além da influência paterna, Criolo fre- gulho de música. Depois é comer um ne-
quenta o Pagode da 27, do qual integra a gocinho e quando vai ver está lembrando
ala de compositores, um incremento à sua daquela outra música antes de dormir”,
agenda de rinhas e eventos de hip-hop narra. Criolo costuma ir para a cama an-
1. Criolo e Tulipa Ruiz no Festival
desde o fim da década passada. “Não pos- Sarará de 2016, em BH, uma das várias tes das 21h e acordar entre 5h30 e 7h to-
so falar por todos, mas fazer rap sempre performances conjuntas; 2. Selfie com dos os dias. Diz nunca ter usado nenhum
Martinho da Vila, com quem trabalhou
foi algo meio solitário para mim. Era al- no disco De Bem Com a Vida (2016)
tipo de droga ilícita. Também não bebe.
go muito novo e ninguém queria ouvir a “É que dá a impressão que sim, né?”,
FERNANDA BOMBONATO / QU4RTO STUDIO/ DIVULGAÇÃ0 (1); ARQUIVO PESSOAL

gente. Você com 12 anos de idade, aquele participações em outros projetos. Em


ele ri. “Muitas pessoas chegam para
sofrimento, aquela fome, ver gente mor- 2011, quando começava a ganhar os mim e para o Dandan [que também não
rendo enquanto ia para a escola. Eu fica- holofotes, por exemplo, apareceu na usa drogas], veem uma pessoa calma, e
va: ‘Pai, por quê?’ Então, era eu comigo MTV ao lado de Tulipa Ruiz, cantando quando eu subo no palco é bum! Nin-
mesmo, só mostrando aos poucos e para a balada “Só Sei Dançar com Você”. guém acredita que é o seu natural. Não
E não parou: fez shows com Milton
pessoas do bairro. E também não tinha Nascimento em 2014 e dividiu o palco vou falar que não gosto porque eu nunca
dinheiro para comprar equipamento”, ele com Ney Matogrosso, entre outros. experimentei. O que vou dizer? Vou men-
relembra. “No samba tem muita gente. Em 2015, entrou em turnê com Ivete tir, criar um personagem, uma cena? Isso
É o cara do rebolo, o cara do cavaco, do Sangalo, recriando a obra de Tim é zoado, mano. Eu tive um problema de
Maia, e soltou a voz em “O Tambor”,
violão. E o samba é universal, é o Big Ben uma das mais inspiradas faixas do
droga: ver meus amigos morrerem ou so-
da música brasileira, até quem não gosta recente disco de Arthur Verocai, No frerem por causa de droga.”
sente alguma coisa.” Voo do Urubu. Mesmo antes de lançar Criolo é centrado desde que se entende

D
o novo álbum, ele já teve confirmada por gente. Era aluno “nota C” na escola,
urante o ensaio no el participação no Rock in Rio 2017, mas nunca seguiu um caminho diferente
em um show-tributo ao samba, ao
Rocha, Marcelo Cabral inter- lado de nomes como Jorge Aragão, daquele aprovado pelos pais, que se mu-
rompe a performance de uma Alcione e Martinho da Vila. L .B. daram para o Grajaú quando ele tinha
das canções mais melancóli- menos de 5 anos. “O que era sair da favela

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 45
C r iolo

BÁSICO PARA A MULTIDÃO


Criolo durante uma importante parada da
turnê Ainda Há Tempo, no Lollapalooza
2017. Depois de anos se apresentando com
banda, o relançamento do álbum de estreia
o fez voltar ao formato essencial de DJ/MC,
mesmo em apresentações de grande escala

ali? Ir para uma casinha de bloco. usado por ele na primeira fase
Sair da casa de pau e ir para a de da carreira, já era comum entre
bloco”, afirma. “Como um barra- “Existia a classe que podia os interessados por hip-hop. Por
co era geminado no outro, eu ou- anos, ele foi colecionando bases
via música do Brasil inteiro.” ir ao teatro e a outra que instrumentais feitas por amigos
Os pais do artista, dona Vilani
e seu Cleon, saíram de Fortaleza varria o teatro”, diz dona DJs. Integrou também o gru-
po Pacto Latino nos anos 1990
para tentar a vida em São Pau-
lo no começo dos anos 1970.
Vilani, mãe de Criolo. antes de gravar o debute Ainda
Há Tempo (2006), pérola lo-fi
“Sempre tivemos muito gosto “Morávamos em um em que ele rima rispidamente
por arte, mas não tínhamos por mais de uma hora. O disco
oportunidade. Existiam duas barraco entre dois córregos, saiu com míseras 500 cópias e
classes: uma que podia frequen-
tar o teatro e outra que varria o
mas na nossa casa nunca sequer ganhou show de divulga-
ção – as masters foram deleta-
teatro. Moramos em um barraco
de madeira, entre dois córregos,
faltou música nem leitura” das por acidente meses depois.
Paralelamente, Criolo tentou
mas na nossa casa nunca faltou terminar a faculdade de artes e de
música nem leitura”, conta Vi- pedagogia, plano que recorren-
lani, que escreve poemas e é professora cia: “Tinha dois mundos: um com todo temente deixava de lado pela falta de di-
de filosofia. Os livros e a veia intelectual mundo sorrindo e se ajudando, mas você nheiro. Atuou como professor e educador
e artística da mãe, que fez os três anos de não entendia por que, no caminho da es- social de crianças e adolescentes por mais
ensino médio na mesma classe do filho, cola, tinha dois defuntos. Como você vai de dez anos, depois de ter exercido diver-
estão essencialmente presentes na perso- explicar o cheiro de sangue que entra no sas funções, de caixa a vendedor de porta
na musical de Criolo. “Era uma criação cérebro de uma criança de 5 ou 6 anos?” em porta. Em 2006, ele e o DJ Dandan

S
simples, talvez o diferencial é que não co- fundaram a Rinha dos MCs, que acontece
brávamos nota na escola e demos aber- abotage lançou o clipe de até hoje (organizada apenas por Dandan)
tura para conversa. Lembro-me uma vez “Um Bom Lugar” na virada do e marcou um momento de ebulição do rap
MILA MALUHY/ DIVULGAÇÃO

de ele contar que foi a uma quermesse e século, reunindo nomes como na cidade, junto à Batalha do Santa Cruz,
uma pessoa foi assassinada. Ele era mui- Helião, do RZO, e, curiosa- fomentando nomes que apareceriam na-
to novinho e chegou contando, sentindo mente, Criolo, convidado que aparece cionalmente alguns anos mais tarde. “Ali
a dor, narrando aquilo com compaixão”, de maneira discreta sentado no entor- em 2008, você tinha Emicida, Flora Ma-
ela relembra. O músico demonstra senti- no de uma mesa com algumas cervejas. tos, Projota, todo mundo ganhando aten-
mentos semelhantes ao resgatar a infân- Àquela altura, o nome Criolo Doido, ção”, explica Dandan, citando alguns dos

46 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
que passaram pelos encontros de rimas. las músicas”, confessa o produtor. “Eu fui
“E, na minha perspectiva, senti que o Kle-
ber via aquela galera toda virando e ele,
Mundo para fazer um disco de rap e ele veio cheio
de canções – e canções incríveis. ‘Subirus-
que estava há ‘milianos’, não acontecendo,
sabe? Ele falou: ‘Acho que já contribuí o
Visual doistiozin’ era um rap, mas meio canção;
‘Linha de Frente’ era um samba; ‘Samba
suficiente, vou parar’.” O rapper já fez trabalhos Sambei’ era um reggae. Também tinha
Espécie de braço direito de Criolo, como ator – o próximo projeto ‘Freguês da Meia-Noite’ e ‘Bogotá’.”
Dandan o acompanha até hoje em to- é um terror dirigido por “Quando juntou todo mundo, eu fa-
dos os shows. A força da amizade entre Andrucha Waddington lei: ‘Mano, vocês deram a oportunidade
eles é facilmente detectável: Dandan é Quando lançar o disco de sambas, da minha vida’. Eu cheguei cantando
o único a chamar o amigo pelo nome de Criolo terá a mesma quantidade de tudo para eles”, Criolo relembra. O pro-
batismo. “A poética e o jeito de conversar álbuns que tem de participações em cesso no estúdio gerou “Mariô”, parce-
com as ruas de uma maneira mais inte- filmes. O primeiro projeto foi antes ria com o guitarrista Kiko Dinucci, que
mesmo de Nó na Orelha (2011). Ele
lectual do Kleber são únicos. Nós só pre- estrelou o filme de baixo orçamento
na época trabalhava no primeiro álbum
cisávamos de alguém para nos ajudar”, Profissão MC, que saiu em 2009 (e do Metá Metá. Os outros dois integran-
acrescenta. “Fazíamos absolutamente hoje está no YouTube), dirigido por tes do trio, a vocalista, Juçara Marçal,
tudo: produção, marcar show, montar Alessandro Buzo e Toni Nogueira e e o saxofonista, Thiago França, tam-
palco, tudo. E normalmente era aquilo: também com atuação de Dandan. bém contribuíram para as gravações de
Criolo vive um rapper com problemas
o máximo de um showzinho da hora era financeiros e cuja namorada está Criolo, e, com a participação de Rodri-
mil contos. Aqueles mil contos sofridos grávida. Já em 2012, ele teve uma go Campos, Nó na Orelha acabou aglu-
– e isso quando ia bem.” Criolo chegou a participação discreta como um tinando alguns dos principais nomes de
participar do programa Manos e Minas, uma cena devota à música brasileira,
da TV Cultura e, logo depois, subiu em então emergente em São Paulo.
um palco disposto a encerrar a carreira “Era um disco que apontava para vá-
no hip-hop, gerando uma calorosa apre- rios lados, mas que tinha Criolo como fio
sentação de despedida registrada em ví- condutor. Era ele quem tinha a pluralida-
deo e que pode ser vista no YouTube. de artística que possibilitava circular por

C
todos esses territórios, toda essa diversi-
riolo estava conversando dade que a gente aplicou no Nó na Orelha.
com amigos entre os cama- Criolo na pele do personagem E, olha, te confesso: foi do meio para o fim
Dandão, contracenando com Laura
rins da versão paulistana do Neiva no filme Jonas
que eu percebi que estava ficando baca-
Lollapalooza, em março, quan- na”, remonta Ganjaman. “Lembro que, na
do avistou uma criança, tão jovem que dos presidiários de Luz nas Trevas, mixagem, eu pensava assim: ou o público
não parecia saber falar. Ele imediatamen- continuação do clássico O Bandido do Criolo, do rap, vai renegar isso ou eles
te se agachou para emendar uma série de da Luz Vermelha (1968), com Ney vão abraçar – e aí vão ser angariados ou-
mungangas e conquistar a atenção receo- Matogrosso como protagonista. tros públicos, isso vai ficar ainda maior.
A primeira grande contribuição
sa da menina. A cena por si só poderia jus- cinematográfica do rapper, no E foi o que aconteceu. Mesmo assim, eu
tificar o apelido de “Doido” que o rapper entanto, aconteceu com Tudo não imaginava que ia tomar as propor-
levava no nome, mas serviu mais para Que Aprendemos Juntos (2015), ções que tomou.” Além de Ricardo Costa,
escancarar a dimensão da personalida- que narra a história da Orquestra a empresária do rapper (e ex-esposa de
Sinfônica de Heliópolis, maior
de dele. Criolo pode parecer um menino favela de São Paulo. Com Lázaro
Ganjaman), Beatriz Berjeaut, acreditou
expansivo, cheio de energia e curiosida- Ramos no papel principal, o longa na obra a ponto de editá-la e lançá-la sob
de, ou um ancião recluso, que acumula e tem direção de Sérgio Machado o selo Oloko Records, que continua abar-
divide conhecimento – e às vezes as duas e traz Criolo – também na trilha cando os trabalhos do artista.
coisas ao mesmo tempo. sonora – na pele de um traficante A princípio, Nó na Orelha não tinha
(o elenco ainda conta com Rappin’
“Como todo bom artista, todo artista Hood interpretando a si mesmo). No pretensões comerciais, mas as coisas mu-
completo, ele é um cara bem maluco, sa- mesmo ano, foi lançado Jonas, em daram quase de imediato. “Não Existe
cou?”, opina Daniel Ganjaman, minutos que o personagem de Criolo tem um Amor em SP” foi hit instantâneo na in-
depois de a interação com a menina acon- caso com a de Laura Neiva. O filme ternet, enquanto a MTV colocava em al-
baseado em disparidades sociais
tecer. “Ele tem um olhar para o mundo tem participação dos rappers Rincon
ta rotação o clipe de “Subirusdoistiozin”
que é muito diferente. É o cara que está Sapiência e Karol Conka. A produção, e incluía entrevistas e performances de
sempre flutuando. Eu e o Cabral, quando anteriormente chamada Jonas e a Criolo na programação. No VMB de 2011,
LUCIANA BENADUCE FIGUEIREDO/ DIVULGAÇÃO

trabalhamos juntos, somos as pessoas que Baleia, tem toques de suspense, se ele recebeu o maior número de indicações
o puxamos, tentamos entender e configu- passa no Carnaval e, assim como os (cinco), levando os prêmios de Revelação,
trabalhos audiovisuais anteriores
rar aquilo num disco, num show.” de Criolo – entre eles os clipes de Melhor Disco e Melhor Música, e se apre-
A união de Ganjaman e Criolo aconte- “Subirusdoistiozin” e “Freguês da sentando ao lado (e a pedido) de Caetano
ceu em 2010, quando Ricardo Costa, do Meia-Noite” –, retrata a cidade de Veloso. O trabalho foi também o melhor
centro artístico Matilha Cultural, decidiu São Paulo. A próxima empreitada do ano na lista da Rolling Stone Brasil –
dele é o terror O Juízo, previsto para
financiar um álbum do Criolo, a ser pro- outubro, com Fernanda Montenegro
segundo as contas de Ganjaman, ganhou
duzido por Marcelo Cabral, que convocou e dirigido por Andrucha Waddington. um total de 46 prêmios naquele ano.
Ganjaman para ajudá-lo. “Me deu uma L .B. “Freguês da Meia-Noite” foi regra-
certa ‘tela azul’ quando ele mostrou aque- vada por Ney Matogrosso; Criolo foi

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 47
C r iolo
VISÃO DA DOR
“A pobreza machuca,
deixa uma marca na sua
alma para a vida toda”

GIL INOUE

48 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
P
parar em uma turnê na Europa. Mais ouco mais de dez pessoas que transmitia o evento, deixando a re-
que um clássico contemporâneo, Nó na ocupam a van de Criolo a ca- pórter desconcertada. “Mano, não sei se
Orelha – ao lado das primeiras mixta- minho do Lollapalooza, no eu deveria ter falado isso para ela”, confes-
pes de Emicida – injetou a diversidade Autódromo de Interlagos. sou, inseguro, minutos depois, notando a
e o discurso renovado de que o hip-hop Ele é o artista brasileiro mais bem po- desconexão entre a postura evidentemen-
nacional necessitava naquele momento. sicionado no line-up. A repercussão de te reflexiva e o ambiente festivo.
Criolo e Emicida ainda se uniram em uma manchete sensacionalista de um Mas não é de agora que Criolo, inega-
um DVD ao vivo em 2013, solidificando portal online, que “acusava” o rapper de velmente parte da restrita linha de fren-
um legado de expansão no rap que hoje “levar a periferia ao Lolla, com ingresso te do hip-hop nacional, está muito mais
é ainda mais evidente, seja com o suces- a R$ 920”, incomoda as pessoas próxi- conectado com de onde veio do que com
so fashion de Emicida, “ocupando” a São mas a ele, mas sequer parece rondar a onde está. O rapper já eternizou o bairro
Paulo Fashion Week com a LAB, seja figura pacífica e equilibrada do rapper. paulistano onde cresceu, o Grajaú (“Gra-
com um disco de sambas de Criolo. Enquanto o veículo cruza a pista do jauéx”), transformou em hino a cidade
A exposição veio acompanhada de al- Autódromo, Criolo, até então pouco co- natal (“Não Existe Amor em SP”) e deu
guns percalços, como a acusação de plá- municativo, vira-se de costas. “Mano, dimensão nacional à realidade de sua vi-
gio em “Linha de Frente” por Armando tá ligado essas arquibancadas?”, apon- zinhança, em rimas dos dois celebrados
Fernandes Aguiar, o Mamão, compositor ta, falando de lado e em voz tão baixa álbuns desta década e na marginalizada
de “Tristeza Pé no Chão”, de Clara Nunes. que parece não querer ser escutado. “É obra como Criolo Doido.
Foi só depois de uma ligação pessoal de assim: eu já trampei aqui por uns três Em frente a dezenas de milhares de
Criolo que Mamão recuou na questão. anos em época de corrida, para empresa pessoas no Lollapalooza – assim como
“Fiquei meio assim, chateado, né, mano?”, terceirizada. Eram 12 horas, das 7h às de 10 mil do festival Bananada de 2015
confessa o rapper. “Uma vida to- ou de quase 50 mil no João Rock
da aí e agora eu estou roubando de 2016 –, Criolo fez um show
alguém? Isso não existe na mi- intenso, para enterrar as descon-
nha cabeça, na minha vida. Só “Como todo bom artista, fianças acerca da força da mais
recente turnê dele, focada nos
disse que, se ele achava aquilo
mesmo, tudo bem, e falei: ‘Vo- todo artista completo, raps de Ainda Há Tempo (que
cê não me conhece, não sabe da
minha caminhada’. Mas foi uma
o Criolo é um cara bem foi refeito e relançado em 2016) e
conceitualmente reduzida ao for-
grande surpresa. O que eu ganho maluco, sacou?”, opina mato básico DJ/MC, sem banda.
plagiando alguém?” Na performance de “Sucri-
A dinâmica com Cabral e Gan- o produtor Daniel lhos”, ele encara Dandan nos
jaman gerou outra empreitada
bem-sucedida de Criolo, o ál-
Ganjaman. “Ele tem um olhos, para então cantar: “Saber
a hora de parar é para homem
bum Convoque Seu Buda (2014),
substancialmente mais afiado e
olhar para o mundo que é sábio”. A frase, que sintetiza o
sentimento do Criolo pré-Nó na
político em termos de letra, além muito diferente” Orelha, ajuda a explicar por que
de trazer a hilária “Cartão de Vi- ele não tira os pés do chão – não
sita” (com refrão na voz de Tulipa dos palcos, mas das ruas do Gra-
Ruiz), cujo verso citando o episó- jaú –, assim como o verso favorito
dio da conversa com Lázaro Ramos exibiu 19h, R$ 25 [o cachê]. Nesse dia esquece- de dona Vilani (“Não se corromper, para
um jogo de cintura até então desconheci- ram de levar a janta para o nosso setor. nós, já é vitória”, de “É o Teste”).
do na personalidade do músico. Eu vi de longe, e achei uma caixa com Para quem poderia ter abreviado a vi-
Ao fim de um encontro no estúdio El dois pedaços de pizza jogada naquela da artística prematuramente, uma con-
Rocha, Criolo aparece com um iPhone arquibancada. Estava com tanta fome quista imensa pode adquirir a mesma
em mãos, depois de checar dois nomes que nem queria saber se alguém tinha importância de uma pequena: manter de
de pessoas importantes em sua trajetória cuspido ou feito alguma coisa. Tem uns pé uma carreira. “A pobreza é consequên-
e que ele havia deixado de citar durante bagulhos que a gente não esquece. Es- cia de alguém que criou um sistema que
uma das entrevistas. “Anota aí, eles fo- tou até com os olhos cheios de lágrimas.” oprime. Lidar com isso, a gente se adapta,
ram muito importantes”, pede (são eles Se há uma característica que precede a aprende, busca melhoria. O que dói é sa-
o MC Rodrigo Nonato, da Oficina da presença de Criolo é a humildade. Não há ber que isso foi criado por um da sua mes-
Rima, e o MC Yob). Quando relembra a espaço para falar da dimensão do segun- ma espécie e é alimentado todo dia, en-
própria história, o rapper é um poço de do show da carreira no megafestival e ele tende? Isso te fere”, reflete Criolo. “Se você
gratidão – até por isso não encerra um soa desconfortável com qualquer papari- passar a vida vendo quatro tipos de cores,
show sem agradecer a Dandan, Ganja- co ou comentário que de alguma forma para você, só existem aquelas quatro co-
man e Cabral. “Pela maneira como você infle sua figura. Chega a ser paradoxal o res. E muitos que conseguem pular esses
fala, eles acreditaram muito no seu tra- cuidado do gerente de turnês para a van bloqueios e misturar essas cores são ceifa-
balho”, sugiro. “Eles acreditaram”, con- não ser “descoberta” no meio do público, dos no decorrer natural da vida, devido às
corda Criolo, antes de fazer uma pausa aglomerado na entrada do Autódromo. mazelas sociais. A pobreza machuca, ela
para um raríssimo momento de reconhe- Horas depois, já no camarim, ele contaria deixa uma marca na sua alma para a vida
cimento próprio. “Mas acho que eu tenho uma versão resumida da memória sobre a toda. E dói saber que isso tudo foi criado
alguma coisa também, né, mano?” pizza em uma entrevista ao canal de TV por alguém da sua espécie.”

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 49
POR STELLA RODRIGUES

GAME

FUGAMANIA
DESAFIADORAS E DIVERTIDAS,
SALAS DE JOGO DE ESCAPE SE
ESPALHAM PELO PAÍS

www.rollingstone.com.br
Conheça outras salas de
Escape pelo Brasil.

A PUZZLE ROOM
s regras são geralmen-
te parecidas. Uma hora de
duração em uma sala fe-
chada com estranhos (ou Com filiais em Curitiba, Santo André e São Paulo, a Puzzle Room
com amigos) e o desafio de ma- é uma das empresas que estão atuando nesse filão no Brasil.
tar uma série de charadas para Seguindo a ideia de salas temáticas, oferece jogos com propostas
poder destrancar a sala e sair e quebra-cabeças diferentes para serem resolvidos. A CSI:
Operação Rússia, na capital paranaense, tem como premissa a
dela. Pode parecer um pesade- história de que Dimitri Ivanovic, um ex-agente da KGB envolvido
lo claustrofóbico para alguns, com espionagem militar nos anos 1970, desaparece, e a missão
mas é uma forma de entrete- dos jogadores é descobrir aonde ele foi parar. O prazo é de 60
nimento com cada vez mais minutos, depois disso os monitores encerram a brincadeira. Em
São Paulo, há também salas como a Universo Inverso (à dir.), onde
adeptos. A brincadeira nasceu
tudo está de cabeça para baixo, e a Carandiru (acima).
na internet e ao longo dos anos
vem ganhando a realidade. No Rua Visconde de Nacar,
Brasil, inclusive, já há sites de 743, Centro
Curitiba (PR)
DIVULGAÇÃO

reviews, como o Escape Addic- Entre R$ 299 e R$ 614 por sala


PARANÁ

ted. E o número de salas por (41) 4101-2032


aqui não para de crescer. WWW.PUZZLEROOM.COM.BR

51
r ol l i n g
ston e
br a sil
CHAVE MESTRA
Entusiastas da arqueologia realmente existe e cabe ao
e fãs de tramas sobre grupo analisar o perigoso
terrorismo têm diversão artefato que ela carrega.
garantida no Chave Mestra. Mas a equipe é atacada por
A casa conta com três salas terroristas e está dada a
temáticas. Em uma delas, largada: é preciso desvendar
uma famosa arqueóloga todos os mistérios em uma
desapareceu e a equipe hora para escapar da cilada.
contrata um detetive para
saber o que aconteceu
com ela. Na segunda, você
investiga um perigoso
terrorista que quer o fim do
mundo quando é sequestrado,
junto de sua equipe, por
um torturador chamado
O Açougueiro. Na última
e mais interessante, uma
famosa arqueóloga descobriu
que a Caixa de Pandora

ESCAPE60
A marca que começou a
disseminar os escapes no Brasil
já está em seis cidades. Na
unidade paulistana, no bairro
TRAMA DE FILME de Moema, há seis salas em
As salas PS: Tenha Medo atividade atualmente. Entre as
(acima) e Escape Kitchen, na opções de desativar uma bomba,
qual dois times competem fugir de uma bomba atômica,
roubar um cassino, preparar o
antídoto para um veneno, fugir
de ser assassinado cruelmente e
desviar de espíritos vingativos,
SEM MEDO
SÃO PAULO
é impossível não se sentir em Na sala Claustrofobia a
um blockbuster de Hollywood equipe joga no escuro
em plena zona sul de São Paulo.
Vale destacar que a sala Escape

STELLA RODRIGUES (ESCAPE HOTEL); MONARCH.B.PHOTOGRAPHY/ DIVULGAÇÃO (CHAVE MESTRA); DIVULGAÇÃO


Kitchen (na qual é preciso
Alameda dos Jurupis, preparar o antídoto, mas ele só Avenida Cristóvão
1479, Moema será suficiente para metade dos Colombo, 446, Floresta RIO GRANDE DO SUL
São Paulo (SP) jogadores) tem o diferencial de Porto Alegre (RS)
R$ 79 por pessoa colocar duas equipes competindo R$ 49,90 por pessoa
(11) 5042-0064 entre si, sendo que só uma (51) 3508-5502
WWW.ESCAPE60.COM.BR conseguirá fugir. WWW.CHAVEMESTRA.NET

VIAGEM

ESCAPANDO
Depois do sucesso online dos salas da Ásia quando montou
O Escape jogos de escape nos anos uma no país dele inspirado
Hotel, em
1990, o mundo foi descobrindo na própria atuação como

PELO
Los Angeles
aos poucos que tinha muito coordenador de trabalho de
mais graça brincar ao vivo. equipe. A onda do escape
A febre mesmo começou foi tão forte em Budapeste

GLOBO
no Japão (onde mais?), que a cidade sediou este
sendo que Tóquio é sede de ano o primeiro campeonato
empresas como a Real Escape mundial. Os Estados Unidos
Game, que oferece salas em não ficam atrás na mania. Em
ACREDITE: EXISTE GENTE QUE
inglês e chinês, de tão alta Los Angeles, bem no coração
que é a demanda turística da Hollywood Boulevard,
FAZ ATÉ TURISMO DE ESCAPE, OU internacional pelos jogos foi inaugurado no ano
da cidade. O húngaro Attila passado o que é considerado
SEJA, VIAJA PARA TODO CANTO
Gyurkovics, dono do ParaPark, o maior empreendimento
SÓ PARA CONHECER SALAS que hoje tem franquias no desse tipo, o Escape Hotel,
mundo todo, alega que ele que traz dez experiências
NOVAS AO REDOR DO MUNDO não sabia da existência das de imersão diferentes.

52
r ol l i n g
ston e
br a sil
BEBIDA

PARA APRECIAR COMO UM RAPPER


SOFISTICADA MARCA DE CHAMPANHE DE JAY Z CHEGA AO BRASIL

P
oucos matrimônios têm sido tão dura-
douros e felizes quanto o dos espumantes e BORBULHAS SALGADAS
os videoclipes de rapper. Ao lado dos carrões A bebida é muito
e de bailarinas em plena forma, a bebida é cobiçada, mas é para
uma constante na vida e na arte dos músicos e poucos bolsos
é ostentada livremente nos clipes. O líquido que
antes era associado apenas a celebrações e ao
Réveillon também ganha cada vez mais espaço
nas festas dos brasileiros.
Mais um indício desse sucesso foi a chega-
da, em março, da premiada marca francesa de
champanhe Armand de Brignac, que já foi elei-
ta a melhor do mundo e que desde 2014 pertence
ao rapper Jay Z – na época, a bebida passou a ser
a favorita do marido da Beyoncé, então ele sim-
plesmente foi lá e comprou a empresa.
Trazida para cá pela Domno Importadora, a
bebida está à venda nas versões Blanc de Blanc,
Brut Rosé e Gold, e é produzida de forma artesa-
nal pela tradicional família Cattier na lendária
região de Champagne, na França.
Os champanhes Armand de Brignac são feitos
apenas com a primeira e mais recente porção da
prensa de uvas e cada garrafa é finalizada com uma
dosagem única do melhor vinho de base da colhei-
ta, envelhecido por um ano em carvalho francês ARMAND DE
CYRILLE GEORGE JERUSALMI/ DIVULGAÇÃO (ARMAND DE BRIGNAC, FOTO GRANDE); DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO

BRIGNAC – ARMAND DE ARMAND DE


novo. Toda essa atenção aos detalhes é essencial
BLANC DE BRIGNAC – BRIGNAC –
para garantir a qualidade superior do produto. BLANC BRUT ROSÉ GOLD
WWW.FAMIGLIAVALDUGA.COM.BR R$ 8.004,90 R$ 5.393,59 R$ 3.419,57

TECNOLOGIA a preços cada vez menos


convidativos. Mas tem algumas
plano, que é de uso pessoal e
intransferível.

CINECLUBE
alternativas para quem enjoa O plano básico custa R$ 79,90
de ficar só em casa curtindo e permite ir ao cinema de
serviços de streaming. Com a segunda a quarta (salas Imax

EM VERSÃO
proposta de deixar salgada só a e vip não estão inclusas). No
pipoca com manteiga, a startup pacote padrão, dá para ir ao
PrimePass oferece um cinema todos os dias, mas as

MODERNA
cartão (acompanhado salas Imax e vip ainda ficam
de aplicativo) que de fora. Ele sai por R$ 99,90.
permite que o usuário Já quem for vip pode ir a
assista a um filme por qualquer sala, em qualquer dia,
APLICATIVO PRIMEPASS CRIA dia no cinema por uma mas a mensalidade encarece
O aplicativo do
mensalidade fixa. PrimePass é gratuito e bastante ( R$ 189,90). Ainda
PACOTES PARA O CLIENTE IR AO São três opções de está disponível para iOS assim, se o serviço for utilizado
CINEMA TODO DIA plano e o cliente pode e Android em sua totalidade (ou seja,
ver um filme a cada 24 no caso de o cliente cinéfilo
Faz tempo que ir ao cinema é horas sem pagar nada a mais mapa que mostra onde estão realmente conseguir frequentar
uma atividade quase de luxo, por isso em mais de 2.500 os cinemas mais próximos). as poltronas de cinema todos
especialmente nas grandes salas de redes como Cinemark, A reserva é feita pelo app e os dias), estamos falando de
capitais e nos conglomerados Kinoplex, Espaço Itaú e UCI em não tem taxa de conveniência 30 sessões, o que significa que
multiplex, com ingressos todo o Brasil (o app tem um ou para manter o cartão do cada filme custa menos de R$ 7.

53
r ol l i n g
ston e
br a sil
Chuck
Berry
1 9 2 6 -2 0 1 7
O músico foi o verdadeiro pai do rock,
um modelo para os heróis da guitarra
e o construtor da inventiva linguagem
poética que ainda inspira rebeldes dos
quatro cantos do planeta

POR PAULO CAVALCANTI

E
m 1986, quando chuck berry celebrou 60 anos, o discípulo
Keith Richards decidiu homenagear o mestre servindo como men-
tor do documentário Chuck Berry – O Mito do Rock, dirigido por
Taylor Hackford. Morando por várias semanas na mesma proprie-
dade que Berry, Richards aturou a rabugice e a teimosia do artista. O gui-
tarrista dos Rolling Stones tinha como missão mostrar que o pioneiro ainda
era o músico vital que ajudou a criar o rock and roll nos anos 1950. Mas
quando chegou a grande noite do show para o filme, no Fox Theather, em St.
Louis, o homem estragou o trabalho do stone. Mudou o tom e os arranjos
das canções e tocou guitarra de qualquer jeito. Parecia que Richards se pre-
ocupava mais com as canções de Chuck Berry do que o próprio compositor.
No final, Richards estava jogado em um canto, totalmente esgotado. “Em
apenas uma noite, ele me deu mais dor de cabeça do que o Mick [Jagger] me
deu em uma vida inteira”, disse. Depois, afirmou com um tom resignado:
“Mas também não consigo deixar de amá-lo”.

54 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br
O Mestre
Berry no palco em 1974,
quando já havia se tornado
um ícone para bandas como
Rolling Stones e The Animals
Chuck
Berry
1926-2017

Como Keith Richards percebeu, 1 2


Chuck Berry era complexo e cheio de
contradições. Ele parecia confirmar o
lema: aprecie a música, mas não ne-
cessariamente o homem por trás dela.
O guitarrista, que morreu no dia 18 de
março, aos 90 anos, de causas natu-
rais, em Wentzville (Missouri), ainda
projeta uma sombra enorme. Na déca-
da de 1950, quando o rock surgiu, inú-
meros músicos inovadores poderiam
clamar ter dado origem ao estilo. Elvis
Presley sem dúvida foi o rei, um arqué-
tipo seguido por décadas. O garoto de 4 3
Memphis personificou a imagem de
rebeldia do novo e excitante estilo mu-
sical. O som que fazia também era rico
e inovador. Mas Elvis não era compo-
sitor nem um músico virtuoso. Ele de-
As Glórias
pendia do instinto e de ajuda externa 1. Na década de 1960, com suas
para criar a música revolucionária pela melhores companheiras; 2. Em
8 de outubro de 1987, ganhando
qual ficou famoso. sua estrela na Calçada da Fama
Então, se Elvis foi o rei, Chuck Berry em Hollywood; 3. Recebendo u
pode ser considerado, com toda a justiça, Grammy especial pelo conjunt
da obra, em 1984; 4. Um jovem
o pai do rock. O rock and roll surgiu de Berry na capa do disco Bio (197

NA DUPLA ANTERIOR: REX FEATURES VIA AP IMAGES. NESTA PÁGINA: REX FEATURES VIA AP IMAGES (1); AP PHOTO/MARK TERRILL (2); AP PHOTO (3); REPRODUÇÃO
uma trombada de elementos retirados

NA DÉCADA DE 1950, QUANDO O ROCK SURGIU,


muitos músicos poderiam clamar ter dado origem ao estilo. Mas,
se Elvis foi o rei, não há dúvidas da paternidade: Chuck Berry

das raízes da música branca e negra. Mais letras mais evocativas da história da branco de Michigan, fazia experiên-
velho que seus companheiros roqueiros música popular. cias bem-sucedidas juntando o western
de Memphis, Berry já tinha em seu DNA Mas, apesar de aplicado, Berry era in- swing (a música country com balanço)
o blues, o rhythm and blues e o jazz. Co- quieto e viveu uma adolescência tumul- ao rhythm and blues.
mo Elvis, era uma esponja musical. E, a tuada. Teve inúmeros empregos, passou Com esses exemplos em mente, Berry
exemplo do colega Ray Charles, ele era três anos preso em um reformatório de- começou a tocar de forma profissional
um afro-americano adepto da country pois de participar de um roubo de carro nos clubes de St. Louis. O som dele não
music. Também aprendeu muito ao ouvir e se casou ainda jovem. era nem jazz nem blues, era algo total-
Nat King Cole, seu cantor favorito. mente diferente. Ele então rumou para
O garoto nascido Charles Edward Chicago, a fim de buscar uma oportuni-

C
huck berry desenvolveu
Anderson Berry no dia 18 de outubro de seu estilo de tocar guitarra dade na Chess Records, que gravava len-
1926, em St. Louis (Missouri), era fruto ouvindo os mestres do jazz e das do blues, como Muddy Waters, Bo
de uma família de classe média numero- da country music. Casado, ti- Diddley e Willie Dixon. Os executivos
sa. A família Berry tinha em mente que nha uma família para sustentar e não Phil e Leonard Chess gostaram do som
seus filhos também poderiam fazer par- sabia se deveria levar a carreira musical e da imagem do aspirante a astro. Em
te do sonho americano. Educação era a sério. Felizmente, ele tomou a decisão julho de 1955, Berry lançou pela compa-
primordial. O menino Chuck, em parti- certa quando viu várias coisas aconte- nhia seu primeiro single, “Maybellene”.
cular, se interessou por poesia e música cendo. Em 1951, o cantor e saxofonista Quem recebe o crédito por ter cria-
clássica. A dicção era algo importante Jackie Brenston, acompanhado pelo do o termo rock and roll foi o DJ Alan
para ele. Por toda a vida, buscou falar de The Kings of Rhythm, banda do jovem Freed. Quando “Maybellene” saiu,
maneira clara, sem gírias incompreen- Ike Turner, gravou “Rocket 88”, uma Freed conheceu Berry e o ajudou a di-
síveis. O domínio da língua inglesa, mis- das primeiras manifestações do que vulgar a canção, que chegou ao quinto
turado ao gosto pela estrutura poética, viria a ser chamado de rock and roll. lugar da parada, tornando Berry conhe-
no futuro o ajudaria a criar algumas das Paralelamente, Bill Haley, um músico cido. Mas o sucesso imediato cobrou um

56 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
Sempre com Ela
Berry em 2011. A foto foi usada em uma
reportagem da Rolling Stone EUA para
falar sobre o novo disco dele, Chuck,
semanas antes da morte do artista

preço: Berry teve que ceder parceria de andava como um pato. cil dizer o que ele de fato foi capaz de
composição a Freed e a Russ Frato, ten- Em 1959, porém, tudo começou a aprender, ou mesmo dizer o que acon-
do que também dividir os royalties com desabar. O artista havia aberto em St. teceu de verdade. Ele foi encurralado
eles. Ainda assim, Alan Freed não pode Louis um novo empreendimento inter- no episódio com Janice, ou, como al-
ser considerado um vilão na história de -racial, chamado Club Bandstand. gumas pessoas descreveram, agiu de
Berry. Ele seguiu tocando os lançamen- Entre os funcionários que contratou maneira diabólica?
tos do guitarrista, colocando-o em seus estava uma garota chamada Janice Es- Em dezembro de 1987, Berry foi acu-
filmes e também escalando-o nos me- calanti, que iria trabalhar na chapela- sado de agressão em um incidente no
gashows que promovia. Foi com Freed, ria do clube. Segundo Berry, ela teria Gramercy Park Hotel, em Nova York.
no entanto, que Chuck Berry sentiu pela dito que tinha 20 anos. Ele relatou que O que se sabe é que ele socou o rosto
primeira vez o gosto de ser passado para a demitiu por faltar regularmente ao de uma mulher, causando “lacerações
trás nos negócios. trabalho. Logo depois, Janice foi detida na boca, ocasionando a necessidade de
De 1955 a 1959, Chuck Berry foi um por prostituição; para piorar, na verda- cinco pontos, dois dentes prejudicados
dos maiores astros do planeta. As cria- de ela tinha 14 anos, e afirmou ter tido e contusões na face”. Berry nunca falou
ções dele, como “Roll Over Beethoven”, relações sexuais com Berry. sobre o assunto, embora em 1988 ele te-
“Carol”, “Brown Eyed Handsome Man”, Ele acabou indo a julgamento, ocor- nha se declarado culpado por uma acu-
“You Can’t Catch Me”, “School Day”, rido em 1962. O júri foi marcado por sação de agressão mais leve e pagado
“Too Much Monkey Business”, “Back um tom racista, com o juiz chamando uma fiança de US$ 250.
in the U.S.A.”, “Little Queenie”, “Mem- Berry de “crioulo”. A pena acabou sen- Naquele mesmo ano, o guitarrista
phis, Tennessee”, “Bye Bye Johnny” e do definida em um ano e meio de de- comprou o Southern Air Restaurant,
“Johnny B. Goode”, estavam em todos tenção em uma prisão federal. Quando perto de St. Louis. Foi acusado de ins-
os cantos. Nada melhor que essas can- saiu de lá, ele virou um sujeito descon- talar câmeras nos banheiros femininos,
ções para mostrar o que era ser um ado- fiado e pouco generoso. Carl Perkins, o tendo secretamente gravado mulheres
lescente crescendo em meio a um tem- mestre do rockabilly, falou em 1988 à – algumas bem jovens – em variados
po de incerteza, mas sem deixar de lado Rolling Stone: “Nunca vi um homem estados de nudez. Também foram re-
as coisas boas da juventude. Cheias de tão mudado. Antes, ele era um cara veladas fotos de Berry posando nu com
bom humor e atenção aos detalhes, as descontraído. Quando tocamos juntos jovens mulheres brancas. Ele processou
faixas dele logo se tornariam parte da na Inglaterra em 1964, ele estava frio, a revista que as publicou, dizendo que
cultura pop norte-americana. Ao vivo, distante e amargo. Sem dúvida, foi re- as imagens tinham sido roubadas. Pou-
DANNY CLINCH

Berry também era uma sensação, ar- sultado da prisão”. co depois, diversas mulheres que foram
rancando sorrisos quando executava o Foi uma queda da qual ele nunca se gravadas no incidente dos banheiros
lendário “duck walk”, a dança na qual recuperou inteiramente. Porém, é difí- processaram o músico. O caso acabou

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 57
Chuck
Berry
1926-2017

1 2 3

fora da justiça, em acordos que totali- inspirado. Diversos shows pareciam

A
pós voltar à liberdade,
zaram quase US$ 1,2 milhão. em 1964, Chuck Berry notou um concurso de amadores.
Aventuras sexuais por parte de ro- que o mundo da música ha- No começo dos anos 1970, um jovem e
queiros não eram incomuns, nem por- via mudado, e a favor dele. ainda desconhecido Bruce Springsteen
nografia caseira. Mas algumas das ima- Todo mundo que importava – Beatles, foi jogado nessa fogueira ao ser contra-
gens que escaparam da coleção pessoal Rolling Stones, Bob Dylan, Beach tado para acompanhar o pioneiro no
de Berry eram bem peculiares. Um ví- Boys, The Animals – reconhecia que palco. Hoje ele ri, mas diz que na época
deo mostrava uma jovem nua em uma Berry havia sido a maior influência do foi um sufoco. “Ele veio até a gente ape-
banheira enquanto ele urinava na boca som que faziam. Nesse retorno, Berry nas cinco minutos antes de a apresen-
dela. Quando Berry terminou, ela pediu gravou boas canções como “Nadine” e tação começar”, lembrou Springsteen.
por um beijo. “Baby, não posso beijar vo- “No Particular Place to Go”. O interesse “A porta abriu e lá veio ele sozinho, com
cê”, ele disse. “Você cheira a mijo.” pelo trabalho em estúdio, no entanto, um estojo de guitarra na mão.” Nervoso,
O tratamento que Berry dava às mu- foi ficando cada vez menor, e as grava- Springsteen perguntou: “Bem, Chuck, o
lheres foi o aspecto mais problemático ções se tornaram esporádicas. Para ele, que vamos tocar?” O veterano respon-
da vida dele. Nos dias que se seguiram o dinheiro vinha das apresentações ao deu apenas: “Músicas do Chuck Berry”.
à sua morte, as estudiosas Catheri- vivo. Berry passou a se concentrar nes- O modus operandi das apresentações

A PRISÃO, EM 1962, TRANSFORMOU O


guitarrista. “Nunca vi um homem tão mudado”, relembrou
Carl Perkins. “Ele estava frio, distante e amargo”
AP PHOTO/RON FREHM (1); AP PHOTO/MARK DUNCAN (2); AP PHOTO/KAYE (3)
ne Strong e Emma Rush escreveram: se outro aspecto da carreira, que lhe de Berry era tocar por uma hora (ou
“Muitas vezes nos conectamos à músi- trouxe visibilidade, popularidade – e menos), sem bis ou pedidos especiais.
ca porque nos identificamos com algo mais polêmica. O guitarrista não que- E o artista exigia pagamento adianta-
nela, e consequentemente com as pes- ria mais ter banda fixa. Abstêmio, fala- do, em espécie, de preferência em notas
soas que a criam. Reconhecer os delitos va que seus antigos companheiros mu- usadas. Ele dizia que era o melhor jei-
dessas pessoas pode diminuir o prazer sicais estavam sempre bêbados. Assim, to de controlar as finanças, já que ha-
que sentimos com a música... No en- começou a trabalhar com músicos que via sido passado para trás muitas vezes
tanto, ao mesmo tempo, é moralmente eram contratados na cidade da apre- antes. Mesmo com as excentricidades
indispensável incluir o lado sombrio de sentação. Mas nada de introduções ou e sempre colocando os promotores dos
Berry em textos históricos, obituários ensaios. Os instrumentistas chegavam shows em apuros, Berry era muito re-
ou mesmo na discussão da música que e Berry apenas falava: “Olhem para as quisitado, especialmente na Inglaterra.
ele fez. Excluir esses fatos passa a men- minhas pernas. Quando eu as levantar, Um dos shows dele na terra da rainha
sagem de que o abuso de garotas e de vocês começam a tocar”. A banda ti- em 1972, no Lanchester Arts Festival,
mulheres não tem importância e que nha que adivinhar o que iria acontecer. em Coventry, foi gravado. O resulta-
pode ser superado ou até justificado Muitas vezes o resultado passava longe do saiu no álbum The London Chuck
diante da excelência musical”. do desejado, com Berry cada vez menos Berry Sessions. No setlist estava “My

58 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
4 5

Ding-a-Ling”, uma brincadeira em re- Com Outros Grandes sobre a sociedade norte-americana e, é
ferência ao próprio pênis que não deve- claro, discorreu muito sobre música.
1. Um drinque entre dois ícones: Eric
ria ser levada a sério. Mas a gravadora Clapton e Berry em 1994; 2. Em 1995, Bruce
Nas últimas três décadas, o patrimô-
do músico lançou a faixa como single. Springsteen tocou “Johnny B. Goode” com nio de Chuck Berry cresceu. Ele se sen-
Surpreendentemente, ela alcançou o o mestre no Hall da Fama do Rock; 3. Com tia confortável no papel de patriarca do
a atriz e cantora Anita Gillette, o cantor
primeiro lugar nos Estados Unidos e na Tony Bennett e o jazzista Lionel Hampton, rock. Recebeu inúmeras honrarias. Em
Inglaterra. Apesar de a crítica achar a em 1981; 4. Ao lado de outra lenda dos 1986, fez parte da primeira turma a en-
faixa um ponto baixo da carreira dele, primórdios do rock, Jerry Lee Lewis, em trar para o Hall da Fama do Rock and
1986; 5. O parceiro Johnnie Johnson, que
Berry defendia a canção. “Muita gente morreu em abril de 2005, ajudou Berry a Roll. A última grande entrevista que
gostou dessa faixa. Ainda gostam. E formatar hits como “Roll Over Beethoven” e concedeu foi em 2010, para a Rolling
“No Particular Place to Go”
eu gosto dela porque essa musiquinha Stone EUA, em texto assinado por Neil
deixou minha carteira gorda e feliz! [ri- Strauss. “Sou milionário, mas corto a
sos]”, ele declarou em entrevista à revis- nunca era perdido. Na prisão, ele escre- grama”, falou na ocasião.
ta inglesa Q, em 1987. veu Chuck Berry – The Autobiography, Mesmo com a idade avançada, ele
Dinheiro parecia ser uma obsessão que saiu em 1987 pela Harmony Books. nunca se aposentou de maneira oficial
para Berry. Ele fez fortuna na década de Os detratores comentaram que o livro – por pouco, não morreu na estrada.
1970. Mas em 1979 foi acusado pela re- realmente só poderia ter sido escrito E, surpreendentemente, com um dis-
ceita federal norte-americana de sonegar pelo músico, já que ele seria muito pão- co inédito prestes a ser lançado. Chuck
impostos. Ele se declarou culpado. Teve -duro para pagar alguém para fazer Berry se foi, mas, enquanto músicos de
que ficar quatro meses atrás das grades, a obra por ele. De qualquer maneira, bar e bandas de garagem estiverem imi-
na Lompoc Prison Camp, na Califórnia, essa autobiografia é essencial para se tando os riffs que ele criou há mais de
além de prestar mil horas de serviços aprofundar em seu legado artístico. O 60 anos e continuarem bradando “Go,
comunitários. “Sou um homem melhor”, Berry escritor era tão talentoso quanto Johnny, Go!”, ele seguirá vivo.
falou depois sobre a experiência. o Berry letrista. Ele aproveitou o espaço
Ainda bem que, para Berry, o tempo para falar tudo o que sentia e pensava Com informações de Mikal Gilmore

A Palavra Final
AP PHOTO/G. PAUL BURNETT (4); AP PHOTO/HO (5); REPRODUÇÃO

Há quase 40 anos Chuck Berry não lançava um álbum de estúdio. Com Chuck, ele acerta as contas com o passado

O último álbum de estúdio de nada de invenções. Berry nos anos 1950, (Enchiladas)” é uma divertida
Chuck Berry foi Rock It (1979). Blues, rock básico e desde cedo deixou de mistura de country com música
Ninguém mais acreditava em jazz acelerado sempre ser apresentada ao latina. “She Still Loves You” é a
um novo trabalho do músico até foram as fontes vivo por ele. Adepto surpresa, um rock psicodélico
que, em 2010, ele revelou a Neil principais do som da livre iniciativa, o no qual a guitarra do músico
Strauss, na Rolling Stone, que de Berry e o padrão guitarrista não gostou exala lisergia. “Eyes of Man”, o
estava gravando. Semanas antes segue aqui. Ele revisita de ver a canção encerramento, é a palavra final
da morte dele, foi anunciado o passado. “Lady B. associada à ditadura dele sobre a vida, uma canção
que o álbum Chuck, o primeiro Goode” é o que o título sugere, estatal de Fidel Castro. Jurou com tom bíblico na qual Berry
de inéditas em quase 40 anos, uma atualização da imortal que iria refazê-la e aqui está ela, adverte sobre as armadilhas que
estaria em junho nas lojas. Como “Johnny B. Goode”. A caribenha com uma cara nova, rebatizada cercam a alma do ser humano. É
o single “Big Boys” deixou claro, “Havana Moon”, gravada por de “Jamaica Moon”. Já “3/4 Time uma bela despedida. P.C.

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 59
Chuck
Berry
1926-2017

“O avô de todos nós”


O guitarrista dos Rolling Stones, fã de Chuck Berry (e ocasional saco de
pancadas dele), explica como o músico criou os padrões para a guitarra no rock
POR KEITH RICHARDS

huck berry uma vez me deixou com um olho ro- no trabalho dele. Foi quando estava na gravadora Chess, to-

C xo. Depois de vê-lo tocando em Nova York, eu fui até cando no estúdio com os caras certos – Willie Dixon (baixo)
o camarim. A guitarra dele estava no estojo, em um e Johnnie Johnson (piano). Eu sempre uso a palavra “exu-
canto. Eu queria dar uma olhada, por interesse pro- berante” quando ouço os discos deles. Era tudo notável – a
fissional, e comecei a mexer nas cordas. Chuck entrou e me deu produção, o som, a energia. Depois dessa época, ele sempre
uma porrada no olho esquerdo. Mas percebi que a culpa foi mi- parecia estar em busca de algo. O tempo que passou na pri-
nha. Se eu entrasse no meu camarim e visse alguém mexendo são só atrapalhou. Ele retornou como um homem diferente.
na minha guitarra, teria todo o direito de dar um soco no cara, Chuck era incrivelmente versátil. Podia tocar de tudo.
sabe? Apenas fui pego no pulo. Aprendeu muito sobre a guitar-
Ele também fazia coisas como ra com os caras do jazz – Charlie
me expulsar do palco. Vejo isso co- Christian e definitivamente T-
mo um cumprimento, uma espécie -Bone Walker, no conceito de do-
de sinal de respeito. Senão, ele nem brar as notas – e estava ligado nos
se importaria comigo. Chuck era compositores de standards. Era
um canalha, mas debaixo daquele um grande fã do Nat King Cole
jeito brusco existia um cara calo- Trio. Também gostava de música
roso. Só que ele não dava o braço country. O som de Chuck é uma
a torcer. Às vezes, sentávamos para incrível mistura de tudo feito na
ensaiar e percebíamos na hora que América. Tem também elemen-
tínhamos uma sintonia. O senti- tos de música espanhola, além de
mento se tornava bonito, algo to- coisas de Nova Orleans.
talmente diferente. Quando os Rolling Stones toca-
Chuck foi o avô de todos nós. vam nos clubes ingleses, no reper-
Mesmo que você seja um guitar- tório tinha só blues e Chuck Berry,
rista e ache que Chuck Berry não que, para mim, não é tão diferen-
foi a sua maior influência, certa- DISCÍPULO E MESTRE te. Adorávamos tocar “Around
mente ele influenciou o guitar- Richards e Berry em and Around”. A música dele não
1980, no Studio 54,
rista que inspirou você. Ele é a em Nova York é tão simples como parece. E você
pura essência do rock and roll. O sempre pode torná-la ainda mais
jeito como se mexia e a exuberân- interessante. A batida de suingue
cia dos ritmos que criava eram de jazz que ele usava dava um to-
de deixar qualquer um de boca “Chuck é a pura essência do rock que diferente. Este é o significado
aberta. Ele usava o braço inteiro and roll. O jeito como se mexia e a do rock and roll: ele pulsa.
para tocar, incluindo o ombro e o exuberância dos ritmos que criava Em 1986, quando filmávamos
cotovelo. A maioria de nós usa só Chuck Berry – O Mito do Rock,
o pulso; ainda estou praticando o
deixavam todos de boca aberta” eu fiquei hospedado na casa dele
lance com o ombro. Os guitarris- no Berry Park. Foi um sonho de
tas fazem caretas quando tocam infância que se tornou realidade
as notas complicadas. Chuck apenas sorria. – eu estou morando na casa de Chuck, montando uma banda
E as composições dele, cara? “Too Much Monkey Business”? com ele! Cada dia era uma aventura. Um dia, eu acordei às
“Jo Jo Gunne”, “School Days”, “Back in the U.S.A.”? “Memphis, 3h da manhã e lá estava ele com uma enorme máquina lim-
Tennessee” é intocável. Tem uma beleza própria, uma ternura pando o carpete: “Isso tem que ser feito!”
intrigante. Existe realidade nela – é uma história pungente –, Quando recebi a ligação informando que ele havia partido,
com uma bela sequência de acordes, tocada de forma brilhante. não foi algo tão inesperado. Mas tive o mesmo sentimento es-
As músicas de Chuck eram aqueles momentos de encanto que tranho que tive quando Buddy Holly morreu, em 1959. Eu es-
você raramente consegue capturar em uma gravação. Mas o tava na escola e todo mundo reagiu com horror. Foi o mesmo
AP PHOTO/VANN

danado conseguia. E tudo isso em apenas dois minutos e meio. agora. Me atingiu de um jeito mais duro do que eu esperava.
Quando você é apenas um guitarrista iniciante, a música Mas Chuck segurou as pontas até o final. Essa é outra coisa
de Chuck o leva até a estratosfera. Tem um período de ouro dele que eu pretendo imitar.

60 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
Visita Constante
Em um período de pouco mais de 20 anos, Chuck Berry veio ao Brasil seis
vezes, sempre tocando os clássicos e agindo de maneira excêntrica
POR PAULO CAVALCANTI

público brasileiro teve oportunidades de mento. O cantor e fã Marcelo Nova, líder do Camisa de Vê-

O sobra para ver Chuck Berry no palco. Ele não se nus, foi acionado. A preciosa Gibson modelo Chet Atkins de
apresentou em nosso país quando estava no auge propriedade de Nova foi emprestada ao lendário pai do rock
da carreira, na década de 1950 e em meados dos and roll, que antes de voltar para casa agradeceu ao proprie-
anos 1960. Mas, ainda que tenha demorado para vir, a espera tário, elogiou e entregou o instrumento intacto.
valeu a pena. O cantor gostou tanto da recepção que come- Berry se mostrava pouco exigente se comparado aos astros
çou a bater cartão por aqui. do rock que vieram depois dele. O único “luxo” do qual fazia
A estreia no país, em setembro de 1993, foi com toda a pom- questão eram cigarros mentolados. Era um homem de poucas
pa, como parte do line-up do ex- palavras, evitava pessoas que não
tinto Free Jazz Festival. E não foi tinham relação com o negócio das
apenas Berry, que na época tinha turnês e não concedia entrevistas –
POR AQUI no Brasil, sempre preferiu perma-
63 anos, quem fez o debute aqui. No HSBC Brasil,
O amigo e contemporâneo Little em São Paulo, necer longe da imprensa. Mas, se
Richard dividiu o holofote com o em 18 de junho no geral evitava socializar, foi cari-
de 2008
guitarrista. Os shows de ambos nhoso e atencioso com cadeirantes
(com Richard abrindo para Berry) que participavam de um evento
aconteceram no Rio de Janeiro, no no mesmo dia no Pacaembu. Até
Hotel Nacional, e em São Paulo, no permitiu ser fotografado com inte-
extinto Palace. Cada um tocou por grantes do grupo.
cerca de uma hora e ambos os lo- Berry retornou ao Brasil em
cais foram pequenos para receber a maio de 2002 para se apresen-
turma que tomou todos os espaços tar exclusivamente no rodeio de
dançando e cantando ao som dos Jaguariúna, cidade do interior
clássicos das duas lendas do rock. paulista. Foi um show anima-
Em São Paulo, havia uma de- do, com todos os clássicos. Ele só
manda maior pelos shows. A so- veio novamente ao país em junho
lução foi fazer uma apresentação de 2008. Foram apresentações
extra no Estádio do Pacaembu no HSBC Brasil (São Paulo), no
(naquele tempo, ainda eram per- Teatro Guaíra (Curitiba), no Vivo
mitidos eventos do tipo no local). Rio (Rio de Janeiro) e no Pepsi on
O palco foi montado no grama- Stage (Porto Alegre). Junto veio o
do e o público foi acomodado em Berry era pouco exigente se filho Charles Berry Jr. para ajudar
uma das partes da arquibancada. comparado aos outros astros do na guitarra. Durante “Reelin’ and
O repertório de Berry foi pratica- rock. O único “luxo” do qual fazia Rockin’”, Berry convidou várias
mente o mesmo das duas apresen- garotas para subir ao palco e dan-
tações realizadas um pouco antes,
questão eram cigarros mentolados çar enquanto ele tocava.
incluindo as duradouras “Johnny Em agosto de 2009, o guitar-
B. Goode”, “Rock and Roll Mu- rista veio para se apresentar, de
sic”, “Roll Over Beethoven”, a latina “Hey, Pedro” e a infame forma rotineira, na antiga Via Funchal (São Paulo), no Che-
“My Ding-a-Ling”. Ele executou o duck walk apenas uma vez, vrolet Hall (Belo Horizonte), no Siará Hall (Fortaleza) e no
mas foi o suficiente para que o público vibrasse. O baixista que Teatro do Bourbon Country (Porto Alegre). No ano seguinte,
Berry trouxe não funcionava apenas como músico: ele era uma em maio de 2010, veio novamente. Ele voltou a cidades em
espécie de faz-tudo, servindo até como motorista para o can- que havia tocado antes – Porto Alegre (Teatro do Bourbon
tor. Na bateria, estava o brasileiro Carlos Bala, um instrumen- Country), Rio de Janeiro (Vivo Rio) e São Paulo (HSBC Bra-
tista refinado e com influência de jazz. sil). Inesperadamente, foi anunciado que ele retornaria ao
Nessa primeira passagem pelo Brasil, Berry alimentou o país em abril de 2013, desta vez em um show exclusivo. O lo-
folclore que existia em torno dele. Como era de hábito, nem cal escolhido foi o Teatro Positivo, em Curitiba. O pioneiro se
mesmo se deu ao trabalho de trazer a guitarra na bagagem. despediu do Brasil já debilitado e tocando em marcha lenta,
JOZZU

Os produtores tiveram que se virar para conseguir o instru- mas com o habitual carisma.

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 61
Chuck
Berry
1926-2017

A Essência de Chuck Berry


Os hinos, os hits e as peculiaridades que definiram o som da
guitarra dentro do rock e influenciaram gerações de músicos

Maybellene 1955 rock and roll, fazendo


A guitarra característica nascer uma nova era.
do rock and roll dá
seus primeiros passos. Too Much Monkey
O single de estreia de Business 1956
Chuck Berry aperfeiçoou Aqui temos um verdadeiro
a junção dele de música catálogo de tribulações
caipira, blues urbano e modernas: trabalho,
jazz envenenado, tirando compras, namoro, escola
seu groove de “Ida Red”, e guerra. Berry disse
western swing gravado que poderia escrever
em 1938 por Bob Wills and mais uma centena de
His Texas Playboys. São versos sobre coisas que
dois minutos maníacos amolam o ser humano.
reunindo o vernáculo da
cultura automobilística,
gíria hipster e solos de
Brown Eyed
guitarra acelerados. Uma Handsome Man 1956
obra-prima. Berry fez esta canção
depois que excursionou
por áreas da Califórnia
Wee Wee Hours habitadas por latinos O NASCIMENTO DO ESTILO
1955 e negros. “Eu não vi (A partir de cima, no sentido horário) Berry e
Levou uma hora para muitos olhos azuis por lá”, seu “duck walk” em 1980; as capas originais
Berry escrever “Wee dos singles “Roll Over Beethoven”, “Sweet
afirmou. O que ele viu foi Little Sixteen” e “No Particular Place to Go”;
Wee Hours”, o blues que um latino bonitão sendo o compacto de “Sweet Little Sixteen”
foi escolhido para ser o preso por vadiagem.
lado B de “Maybellene”. Como resposta,
Ele se inspirou em uma escreveu uma
mulher chamada Margie, das mais marotas
pela qual se apaixonou alegorias raciais da
quando tocava em bailes história do rock.
do Exército.
Havana Moon
Thirty Days (To 1956
Come Back Home) Esta história de um
1955 homem em Cuba
O bom humor do artista sentindo falta da
sobressai nesta faixa, na namorada tem
AP PHOTO (CHUCK BERRY); ERIC WHITE (SWEET LITTLE SIXTEEN); REPRODUÇÃO
qual ele dá 30 dias para raízes em “Calypso
a amante voltar para Blues”, de Nat King com esta apaixonada frase “Hail, hail rock and Brian Wilson declarou:
casa – caso contrário, ele Cole, canção que Berry declaração dos poderes roll” marca a canção “Chuck me ensinou a
promete levar o caso às tocava no Cosmopolitan de transformação do rock. de forma definitiva. escrever rock and roll”.
Nações Unidas. O solo é Club, em St. Louis. Ele Não à toa, foi regravada
um dos mais marcantes da tentou compor sua por tudo quanto é banda, Sweet Little Sixteen Johnny B. Goode
carreira do guitarrista. própria canção latina e dos Beatles ao REO 1958 1958
o resultado foi uma de Speedwagon. Este clássico celebra Foi o primeiro hit do
Roll Over suas gravações mais
o poder do rock and gênero a falar sobre o
Beethoven 1956 devastadoras.
School Days 1957 roll – é uma ode a uma estrelato no rock and
Este hino é um carinhoso Berry tinha 30 anos fã de 16 anos e a várias roll. Berry disse à Rolling
afago de Berry para Rock & Roll Music quando escreveu “School cidades dos Estados Stone em 1972 que o
a irmã Lucy, que vivia 1957 Days”, mas sua evocação Unidos. Os Beach Boys personagem-título
tocando música clássica “O rock and roll me da vida colegial ajudou a criaram uma nova letra era “mais ou menos”
no piano da família e aceitou e me deu estabelecer o rock como para a mesma base e a baseado nele mesmo.
não dava chance para dinheiro”, disse Berry. um retrato da juventude chamaram de “Surfin’ A introdução se tornou
ele praticar. A canção, “Segui esse caminho norte-americana. U.S.A.” Berry ameaçou uma assinatura sonora
sacaneando Beethoven porque queria ter meu Os detalhes da letra processar e ganhou o que foi copiada por muita
e Tchaikovsky, se tornou próprio lar.” Ele celebrou vieram das memórias crédito de composição. gente, especialmente
um hino de batalha do a música que amava do músico. A imortal Depois da morte dele, Keith Richards.

62 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
Carol 1958 drive-ins, hambúrgueres após a Invasão Britânica,
Para compor “Carol”,
Berry observou a filha
e cidades de Nova
York a Los Angeles.
em 1964. “Ele fazia letras
inteligentes enquanto o
pessoal ficava só no ‘Oh,
Grandes Discos
de uma mulher com a
qual ele estava tendo um Memphis, baby, eu te amo’”, disse Joias de Berry, de um clássico dos anos
relacionamento. Francine Tennessee 1959 John Lennon. 1950 a uma pérola esquecida dos 1970
Gillium, assistente do Gravada de forma caseira,
cantor, tomava conta da com Berry posteriormente You Never Can Tell
CHUCK BERRY IS ON TOP 1959
garota e o músico ouviu acrescentando os 1964 Apesar de ter sido lançado como um
as duas conversando instrumentos no estúdio, Mesmo estando preso, álbum de estúdio, este título é quase
sobre as tribulações da “Memphis, Tennessee” acusado de ter tido uma coletânea, com diversos hits
vida de adolescente. foi inspirada em “Long relações sexuais com lançados como singles – “Almost
A letra captura toda a Distance Call”, do amigo uma garota de 14 anos, Grown”, “Johnny B. Goode”, “Carol”,
intriga e emoção de um Muddy Waters. É um Berry escreveu esta letra “Sweet Little Rock & Roller”, “Roll
jovem amor. lamento sobre um homem sobre um “casamento Over Beethoven” e “Around and
que sente saudades da adolescente”. A guitarra Around”. Também tem coisas menos conhecidas, mas
Around and Around filhinha de 6 anos, e um quase não aparece de qualidade, como “Jo Jo Gunne” e “Blues for
1958 dos momentos mais – saxofone e piano Hawaiians”. Já “Anthony Boy” foi escrita a pedido de
O lado B de “Johnny B. vívidos do músico em é que se destacam. Phil Chess como um tributo aos ítalo-americanos.
Goode” conta a história termos de letra. Foi redescoberta de
de uma festa de arromba forma memorável em
ST. LOUIS TO LIVERPOOL 1964
que durou a noite toda Let It Rock 1960 1994 em uma cena
Lançado com título feito para servir
e no final teve que ser Berry conta uma história do filme Pulp Fiction:
como chamariz para o público inglês,
interrompida pela polícia. na qual os trabalhadores Tempo de Violência.
este álbum é um verdadeiro tributo à
O solo de guitarra nasceu em uma linha de trem liberdade, apresentando as
de uma jam de duas quase acabam mortos, em Promised Land 1964 magníficas “You Never Can Tell” e
horas que ele e a banda um frenesi que dura um Uma parábola sobre a “Promised Land”, canções que ele
fizeram antes de uma minuto e 43 segundos. Ao era dos direitos civis, gravou logo depois de sair da prisão.
apresentação. “Foi quase vivo, ele a estendia por “Promised Land” foi O disco também trouxe as instrumentais “Night Beat” e
um show antes do show”, dez minutos. escrita por Berry quando “Liverpool Drive”. Em “Brenda Lee”, ele homenageava
contou Berry. estava na prisão. O a pioneira do rock. Berry excursionou pela Inglaterra e
Come On 1961 problema era acertar o pela Europa para promover o trabalho.
Almost Grown 1959 A namorada se foi, o carro itinerário entre as cidades
A letra deste rock parece não funciona e ele recebe descritas na letra. “As CHUCK BERRY IN MEMPHIS 1967
já antecipar a rebeldia ligações por engano. A instituições penais não O guitarrista saiu da gravadora Chess
de “My Generation”, canção traz um dos mais ofereciam nenhum tipo de e assinou com a Mercury, tendo
do The Who: “Não nos inventivos arranjos de mapa, já que tinham medo recebido um adiantamento de US$
amole, nos deixe em paz/ Berry, com baixo, piano, que servissem para rotas 60 mil. Foram cinco álbuns em três
Afinal, já somos quase sax e bateria em ritmo de fuga”, contou. anos. Este aqui, no qual é
adultos”. O apoio vocal é sincopado. Martha, a acompanhado pela sessão de metais
feito pelos companheiros mãe do artista, pode Tulane 1970 da banda do American Sound Studio
da Chess Records Etta ser ouvida no refrão. No final dos anos 1960, e pelo pessoal do Memphis Horns, é o melhor deles,
James e The Moonglows, Berry tentou chegar ao com as canções envoltas na sonoridade perene do
um grupo que incluía Nadine 1964 mercado hippie e até blues e do soul sulista. “Back to Memphis”, a melhor da
Marvin Gaye, na época Berry nunca fez um gravou, em 1967, um LP tracklist, é uma súplica de uma pessoa que quer sair do
com apenas 20 anos. uso tão brincalhão da ao vivo acompanhado frio do norte e voltar ao conforto do sul.
linguagem quanto aqui, pela Steve Miller Blues
Little Queenie 1959 descrevendo a procura Band. “Tulane” – sobre um BACK HOME 1970
Com uma guitarra que por uma perfeição que casal que gerencia uma O retorno de Berry à Chess tem uma
ecoa “Johnny B. Goode” está fora de alcance. loja alternativa e acaba base funk, que dá pulsação a faixas
e a expressão “Go! Na música, um homem sendo preso por posse de como a instrumental “Gun”. O som
Go!” sendo usada no vê aquela que acha que drogas – é uma simpática característico do álbum se deve à
refrão, “Little Queenie” será sua futura noiva em tentativa dele de se tarimba do baixista Phil Upchurch e
mostra como Berry um Cadillac cor de café. manter atualizado com os dos músicos de estúdio que Berry
sabia variar os temas “Eu nunca vi um Cadillac novos tempos. contratou para o trabalho. A história
dentro de um mesmo cor de café”, disse Bruce dos traficantes azarados de “Tulane” segue em “Have
contexto. A letra mistura Springsteen no filme Reelin’ and Rockin’ Mercy Judge”. Berry estava tentando um estilo de
ousadia romântica Chuck Berry – O Mito 1972 guitarra chorosa de blues desde 1955 e finalmente
com introspecção e do Rock, “mas graças a Originalmente o lado B consegue o efeito neste álbum.
dúvidas sobre si. Berry posso visualizar de “Sweet Little Sixteen”,
como seria um”. esta é uma das grandes ROCK IT 1979
Back in the USA 1959 canções de boogie-woogie O músico já havia escrito várias
Em 1959, Berry No Particular Place de Berry, com piano respostas veladas à injustiça social,
excursionou pela Austrália to Go 1964 proeminente e versos que mas aqui aprofundou o assunto. “I
e testemunhou o quanto Esta história sobre vão se repetindo, mas Never Thought” é sobre como as
a população aborígene frustração adolescente sempre acrescentando coisas mudaram no país. Em
era maltratada. Quando foi o primeiro single de uma nova informação. “Wuden’t Me”, o nosso herói escapa
voltou para casa, criou Berry a se beneficiar da Uma versão ao vivo se de uma prisão na região do Delta do
este tributo à liberdade visibilidade renovada dele tornou hit em 1972. rio Mississippi e pega carona com um caminhoneiro,
REPRODUÇÃO

e à diversidade que que revela ser um neonazista. O pianista Johnnie


existiam em seu país, e Textos: Brian Hiatt, David Browne, Hank Shteamer, Johnson capricha no boogie e Berry toca riffs com o
falou de arranha-céus, Joe Levy, Jon Dolan, Kory Grow poder de uma bomba atômica.

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 63
ARQUIVO RS

Uma viagem pelos arquivos da revista Rolling Stone

RS 352 – S ET E M B RO , 1981

64 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
DISCO DO MÊS
Sucesso Póstumo Stevie Nicks +++
Bella Donna Modern
Especial analisava o revival do The Doors e do vocalista, Jim Morrison este álbum
prova que a
osemary Breslin apontava sacerdotisa

C
inco décadas atrás,
o single “Light My ara o fato de a retoma- loira do Fleet-
Fire”, do The Doors, ter começado em 1979, wood Mac po-
iniciava sua escalada rumo uando o cineasta Francis de também se
ao posto de um dos maiores rd Coppola usou a faixa sustentar em carreira solo.
hits da história do rock and The End” em Apocalypse Com o precioso apoio do pro-
roll. O quarteto california- w. Depois, houve ainda a dutor Jimmy Iovine, Stevie
no provocou uma revolução ublicação da biografia de Nicks mostra um lado mais
na música entre 1967, com orrison, o best-seller No duro e emocionalmente dire-
o lançamento do álbum e Here Gets Out Alive, de to comparado ao que ela faz
de estreia, e 1971, quando nny Sugerman e Jerry em sua banda titular. Embo-
morreu o carismático vo- opkins. Havia se torna- ra Bella Donna esteja banha-
calista, Jim Morrison, aos o corriqueiro ver jovens do por uma poesia difícil de
27 anos. O mistério sobre ando camisetas com o penetrar, a base sonora da
a partida do cantor, su- sto do frontman – muita cantora mudou: em vez do
postamente devido a uma nte, inclusive, promovia folk etéreo, ela agora envere-
overdose de heroína, só fez crescer o mito em excurs es para visitar o túmulo de Morrison da por um rock com mais
torno dele. Tempos mais tarde, no início dos no cemitério Père Lachaise, em Paris. Além energia. Junto aos animados
anos 1980, o The Doors havia voltado com tu- do relato de Rosemary (incluindo depoimen- vocais, a produção com peso
do. As reedições dos álbuns vendiam milhões tos de Bryn Bridenthal, vice-presidente da extra ajuda a aliviar o fardo
de cópias. Para contextualizar a ressurreição gravadora Ektra, e de John Densmore, ba- de algumas letras fracas. Mas
de Morrison, os editores da Rolling Stone terista do Doors), o pacote tinha ensaios do a disparidade existente entre
cunharam uma das mais famosas chama- biógrafo Jerry Hopkins e do jornalista Paul o som e a mensagem nos dei-
das de capa da história da publicação: “Ele é Williams, que dissecavam a figura única e a xa intrigados: como uma pes-
quente, ele é sexy, ele está morto”. A repórter música de Jim Morrison. soa tão descolada como Ste-
vie Nicks pode ao mesmo
“A BANDA É MAIOR HOJE DO QUE ERA QUANDO tempo ser tão ingênua em
termos de composição?
MORRISON ESTAVA VIVO” BRYN BRIDENTHAL STEPHEN HOLDEN

Guerra Branda
Estreava Gallipoli, filme que revelou o
talento do jovem Mel Gibson Festa New Wave
The Go Go’s deixava passado punk para fazer sucesso nas rádios
O crítico Michael Sragow comentava o drama
de guerra Gallipoli, filme dirigido por Peter
O quinteto feminino integrantes antes de
Weir e que tornou Mel Gibson conhecido. O
The Go Go’s foi um das elas rumarem para o
ator interpretava Frank Dunne, um rapaz que,
grandes sensações som alegre e dançante
junto ao amigo Archy Hamilton (Mark Lee),
do pop no começo da new wave. Belinda
se alista no Exército australiano durante a
dos anos 1980. Em também lembrou dos
Primeira Guerra Mundial.
1981, a banda formada primórdios, quando
Eles acabam sendo
por Belinda Carlisle a banda costumava
enviados para a
(vocal), Jane Wiedlin se apresentar em
Turquia e participam
(guitarra), Charlotte um clube chamado
da Batalha de As integrantes do
Caffey (guitarra), Masque. “Não
Gallipoli, uma das mais The Go Go’s
Gina Schock (bateria) sabíamos tocar os
sangrentas do conflito.
e Kathy Valentine instrumentos, então
filme ajudou a deslanch
(baixo) estava em alta estúdio em Los Angeles. o show devia ser bom”,
a carreira de Gibson.
com o sucesso do single “O clima era de alto-astral brincou, se referindo à fiel
Mas Sragow achou
“Our Lips Are Sealed”. e parecia até uma ‘festa base de seguidores que o
que o diretor não foi
O LP de estreia, Beauty do pijama’. As garotas grupo conquistou à época.
direto ao ponto neste
and the Beat, seguia estão entusiasmadas Já a guitarrista Jane
DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO

longa antiguerra: “O
o mesmo caminho com tudo que vem reforçava: “Eu sempre
problema com Gallipol
vitorioso. O jornalista acontecendo”, descreveu acreditei na nossa banda,
é que ele tem muitas
Chris Morris conversou Morris, relembrando embora alguns achassem
abstrações e poucos
com a banda em um o passado punk das que era tudo piada”.
cadáveres cobertos Gibson na
por moscas”. linha de frente

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | 65
Pausa no Peso
Jimmy Page em 1977, durante
apresentação do Led Zeppelin
no festival Day on the Green, em
Oakland, Califórnia. “Naquela
época, Jimmy não largava o
cigarro”, recorda Michael Zagaris
PORTFÓLIO

NA
INTIMIDADE
DO ROCK
Com uma extensa e variada carreira,
o fotógrafo Michael Zagaris se
notabilizou por retratar algumas das
maiores lendas da música

N
o hall da fama dos grandes fo-
tógrafos do rock, o norte-americano
Michael Zagaris merece um lugar
especial. Ele começou a tirar fotos
na adolescência com uma câmera Brownie e,
a princípio, não pensava nessa atividade como
profissão. No final da década de 1960, ele era
um estudante de direito com um emprego no
escritório da candidatura de Robert F. Ken-
nedy, ajudando a escrever os discursos do po-
lítico. Quando Kennedy foi assassinado, em 6
de junho de 1968, Zagaris perdeu o eixo – ele
© MICHAEL ZAGARIS PHOTOGRAPHY LLC / REEL ART PRESS

estava no local, no Ambassador Hotel, em Los


Angeles, quando o crime ocorreu. Abalado,
abandonou a faculdade e entrou de cabeça na
contracultura. “Depois que Bobby foi assassi-
nado, pensei: ‘Pra mim, já deu’”, conta Zagaris
em entrevista por telefone.

POR PAULO CAVALCANTI

67
Produç ão Edi t or i a l: Ta m a r a E m y
Mic hae l Zagar i s
Foi assim que ele trocou
uma carreira nos bastidores
da política por uma vida ba-
seada na música e na foto-
grafia. “Era o limiar de uma
revolução. Anos mais tarde,
encontrei o George Harrison e
ele me disse: ‘Enquanto vivía-
mos o dia a dia, não percebía-
mos que estávamos mudando
o mundo”, afirma. Zagaris,
de 72 anos, segue trabalhan-
do, mas gosta de relembrar
os velhos tempos. É o que ele
faz no livro Total Excess: Pho-
tographs by Michael Zagaris,
lançado nos Estados Unidos e
que compila uma parte de seu
trabalho fotográfico.
Nativo de São Francis-
co, Zagaris pôde vivenciar
e registrar o epicentro da
revolução psicodélica do fi-
nal dos anos 1960. Na dé-
cada seguinte, passou pela
fase dos shows em estádios
e testemunhou os excessos
dos gigantes do rock. Tam-
bém se infiltrou no universo
punk. “Eu frequentava todos
os shows que aconteciam em
São Francisco, principal-
mente no Fillmore. Fotogra-
fava por hobby”, relembra.
Eric Clapton, recém-egresso
do Cream, incentivou Zaga-
ris depois de ver fotos suas
feitas pelo rapaz. A partir
daí, não demorou para que o
fotógrafo se profissionalizas-
se e seu trabalho começasse
a aparecer em grandes publi-
cações, incluindo a Rolling
Stone EUA. Stone Glitter
Na rotina próxima das O vocalista Mick Jagger é
bandas, ele ficou amigo de visto em Vancouver, Canadá,
em 1972. “Musicalmente, esta
muitos músicos. “Eu ia para foi a melhor fase dos Rolling
a balada com o Jim Morrison Stones”, comenta o fotógrafo
[The Doors]. Uma vez, ele até
vomitou em cima de mim!
© MICHAEL ZAGARIS PHOTOGRAPHY LLC / REEL ART PRESS

Também aprontava mui-


to com o Keith Moon [The
Who]”, conta, rindo. Zagaris
sempre é questionado sobre
“Eu ia para a balada com
como era caminhar entre
lendas, e entende o fascínio
o Jim Morrison. Uma
que as figuras míticas que ele
fotografou ainda exercem, vez, ele até vomitou
não só para aqueles que vi-
veram a época mas também em cima de mim!”
para as novas gerações. No
entanto, [Cont. na pág. 70]

68 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
1 2

Momentos Preciosos
1. Rod Stewart durante um show do The Faces no Oakland Coliseum,
em 1972: “Eles eram os caras mais festeiros e bebuns do mundo”;
2. Patti Smith em São Francisco, em 1975, no The Boarding House.
“Patti tem um grande senso teatral. Quando pedi para fazer a foto, ela
pegou o chapéu e sorriu”, diz Zagaris; 3. Pete Townshend – segundo o
fotógrafo, “sempre sério e concentrado” – na passagem de som antes
de uma apresentação do The Who no Oakland Coliseum, em 1976

3
© MICHAEL ZAGARIS PHOTOGRAPHY LLC / REEL ART PRESS

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 69
Mic hae l Zagar i s
1 2

Imagens Verdadeiras
1. Bob Dylan fotografado em 1975,
no Kezar Stadium, em São Francisco;
2. Um flagrante de Etta James no
palco do The Boarding House, em São
Francisco, em 1974. “Etta cantava o
que vivia”, define Zagaris

[Cont. da pág. 68] pondera:


“Éramos apenas jovens fa- “Éramos apenas jovens
lando sobre música, mulhe-
res, drogas. Estávamos aber- falando sobre música,
tos a tudo”.
Zagaris continua moran-
do em sua cidade natal, na
mulheres, drogas.
região de Haight-Ashbury, a
Meca do movimento hippie
Estávamos abertos a tudo”
durante a década de 1960.
“O pessoal do Grateful Dead
é meu vizinho. Aqui ainda dá
para achar erva boa e bara-
PASSADO VIBRANTE
ta”, diz. Livro compila grandes momentos do trabalho de Michael Zagaris junto a lendas do rock
O fotógrafo conta que um
dos sonhos dele é conhecer o Total Excess: Photographs excesso de oferta é essencial
© MICHAEL ZAGARIS PHOTOGRAPHY LLC / REEL ART PRESS

by Michael Zagaris (Reel Art para quem é apaixonado por


Brasil. Quase esteve aqui em
Press) pode ser encontrado música, mas que não é algo
2016 durante as Olimpía- à venda em sites e livrarias necessariamente interessante
das no Rio de Janeiro, mas com catálogo importado. para o trabalho dele. “São
a agenda profissional não Segundo Zagaris, foi artistas em demasia. Você não
permitiu. Hoje, ele ganha a emocionante compilar as consegue nem saber quem
imagens, especialmente vale a pena ser fotografado.”
vida fotografando o futebol agora que ele não trabalha Também diz que antes era mais
profissional norte-america- mais com música. “O rock fácil circular pelos bastidores
no. “Acompanhar o futebol já não é o grande negócio dos shows: “Se você tivesse
mantém minha mente e meu de antes. Tudo é disperso. uns baseados no bolso,
Por causa da internet, tudo entrava. Hoje, não dá nem para
corpo ativos. É também um
acontece muito rapidamente”, passar pela primeira barreira
jeito de permanecer ao lado argumenta. Ele acredita que o de segurança”. P.C.
dos jovens.

70 | R ol l i n g S t o n e B r a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017
1

2 Do Punk à New Wave


1. O grupo Blondie posando dentro do jardim botânico Conservatory
of Flowers, em São Francisco, em 1977: “Eles estavam em uma turnê
com Iggy Pop e David Bowie, tocando no auditório do Berkeley City
College. Debbie [Harry] é uma das mulheres mais deslumbrantes que eu
já fotografei”; 2. “Eu estava acompanhando uma turnê do Iggy Pop e fiz
esta foto no terminal [do aeroporto de Los Angeles, em 1979]. Com ele,
não tem cerimônia”; 3. Contato de fotos de um show dos Stones
© MICHAEL ZAGARIS PHOTOGRAPHY LLC / REEL ART PRESS

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 71
Guia
Em disco triplo,
cantor folk segue
LIVROS | HQs................................... Pág. 76

FILMES ................................................. Pág. 78

BLU-RAY | DVDs ........................... Pág. 80

HOTLIST.............................................. Pág. 82

reinventando a obra
de Frank Sinatra
++++½ Bob Dylan
Triplicate Sony
POR MIKAL GILMORE

depois de
Shadows in
the Night
(2015) e Fal-
len Angels
(2016), Bob
Dylan chega ao terceiro traba-
lho focando em canções grava-
das por Frank Sinatra, stan-
dards escritos por nomes
como Irving Berlin, Jerome
Kern, Hoagy Carmichael, Ri-
chard Rodgers e Oscar Ham-
merstein II. Quando as can-
ções desta era, imortalizadas
nos palcos da Broadway e nas
telas de Hollywood, foram es-
magadas na metade da déca-
da de 1950 pelo rock, pela cou-
ntry music, pelo rhythm and
blues e pelo rockabilly, alguns
reagiram como se os bárbaros
tivessem tomado conta do pla-
neta. Sinatra foi um deles. O
próprio Dylan uma vez co-
mentou as críticas que sofria
dos artistas veteranos: “Os
compositores profissionais são
coisa do passado. Hoje, qual-
quer um pode gravar suas pró-
prias músicas”.
O músico então sentiu que
era missão dele fazer alguns
reparos em relação ao esti-
lo de música que esteve em
voga na primeira metade
do século 20. Com os dois
álbuns anteriores, ele usou
apenas um quinteto básico
de rock. Nada de sessão de
cordas ou o som de big band,
embora ele utilize alguns
metais discretamente aqui
e ali. Mas o som se mostra

ILUSTRAÇÃO: ROBERTO PARADA rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 73


GUIA NOVOS CDS
pleno e cheio de texturas,
com Donnie Herron na steel
guitar e Tony Garnier no
baixo sendo o ponto focal. O
A Essência da Melancolia
Com melodias certeiras, músicos britânicos ainda tratam das dores do mundo
repertório também foi esco-
lhido cuidadosamente e de
+++½ Depeche Mode Spirit Sony
uma forma significativa. por quase qua- ouça a balada “Fail” e especial-
Embora algumas canções, tro décadas, o mente “Poison Heart”, cantada
como a abertura (“I Guess Depeche Mode por Gahan com um tom de de-
I’ll Have to Change My tem se apoia- sesperança. Às vezes, eles for-
Plans”), sejam mais anima- do em sinis- çam na polêmica, como em
das e outras faixas tenham tras medita- “Where’s the Revolution”.
um jeito de blues mais tran- ções a respeito das próprias Nessa mistura eficiente de
quilo (“That Old Feeling”, limitações. Spirit, o 14º álbum teclados techno com gui-
“The Best Is Yet to Come”), da banda formada por Dave tarras com timbres de
a maior parte das faixas de Gahan, Martin Gore e Andy blues, é fácil ser seduzido
Triplicate é formada por Fletcher, é também uma elegia por Spirit. O disco é um
baladas desoladas. “I Could tristonha e repleta de lamenta- belo aperitivo para os fãs,
Have Told You”, “Here’s That ções em relação ao que vem especialmente os brasilei-
Rainy Day”, “Once Upon a acontecendo no mundo. Quase ros; simultaneamente ao
Time” e “September of My todas as canções comentam a lançamento do álbum, a
Years” são ruminações sobre morte da decência humana, e banda confirmou que irá se
perda e passagem do tempo, isto é feito de maneira bela – apresentar no Brasil em
temas que agora se mostram março do ano que vem, de-
centrais na obra de Dylan. (Da esq. para a dir.): Andy Fletcher, pois de uma ausência de
Nelas, o bardo acentua a Dave Gahan e Martin Gore 24 anos. KORY GROW
devastação emocional com
uma beleza dolorida.
Dylan fecha Triplicate Mesquita, se esforçou con-
com “Why Was I Born”, es- vocando vários convidados.
crita por Kern e Hammers- A banda que sacudiu o ro-
tein II em 1929. É o tipo de ck brasileiro nos anos 1980
canção confessional que se se empenha em capturar a
tornou ultrapassada quando estética dos velhos tempos
apareceu o estilo de compo- Blitz +++ na cinematográfica “Chacal Thundercat +++½
sição mais moderno pratica- Aventuras II Deck Blues”. O Paralamas do Su- Drunk Brainfeeder
do por Dylan e outros. Mas o Banda apela para a nostalgia em cesso injeta groove em “Nu Ex-baixista do Suicidal
cantor não é alheio à rejeição simpático CD de inéditas na Ilha” e Alice Caymmi co- Tendencies lança ótimo solo
e autoanálise contida na fai- loca a voz no drama brega
xa. Ele entende o triunfo de nesta tentativa de bisar “Noku Pardal”. Entre erros e achar hoje um baixista
sobreviver em meio à escuri- a temática e a atmosfera re- acertos, a banda radiografa mais incensado do que este
dão. E é somente na sobrevi- pleta de frescor do divisor de o bom humor do pop cario- californiano de 32 anos é ta-
vência que você finalmente águas As Aventuras da Blitz ca, algo cada vez mais rare- refa difícil. Em seu currícu-
descobre por que nasceu. 1 (1982), o líder, Evandro feito. PAULO CAVALCANTI lo, Stephen Bruner, o Thun-
dercat, exibe gravações com
Erykah Badu, Kendrick La-
RS OUVIU mar e Kamasi Washington,
O jazz é a força motriz dos lançamentos do Mani Padme Trio e de Mario Adnet fora uma década tocando no
Suicidal Tendencies. Mas o
QFormado por Yaniel QO compositor, que o ouvinte encontra neste
MARIA BIRBA/ DIVULGAÇÃO (MANI PADME TRIO); DIVULGAÇÃO

Matos no piano, Sidiel arranjador, violonista e terceiro álbum solo pode ser
Vieira no baixo acústico produtor Mario Adnet já
e Ricardo Mosca na resgatou a obra de Tom ainda mais surpreendente do
bateria, o Mani Padme Jobim, Moacir Santos, que a folha corrida. As faixas
Trio aparece com Vôo Heitor Villa-Lobos e na levada de funk e R&B às
(independente, +++), o outros mestres da vezes lembram hits dos anos
terceiro álbum deles. O música brasileira. Em
1970 e 1980. Não por acaso,
trio de jazz paulista irá Mani Padme Trio: Saudade Maravilhosa
lançar o trabalho no jazz brasileiro (independente, +++), Michael McDonald (Doobie
Teatro do Sesc ele junta jazz e samba Brothers) e Kenny Loggins
Pompeia, no dia 13 composições do brasileira: “Cais” (Milton em temas como “Viver dão canja em “Show You the
deste mês. pianista, Matos, Vôo Nascimento e Ronaldo de Amor” (Ronaldo Way”. E “Them Changes”,
Diferentemente dos traz duas criações de Bastos) e “Rosa Bastos e Toninho Horta),
dois primeiros registros, Sidiel Vieira e dois Morena” (Dorival “Chorojazz” e lançada primeiro em um EP,
que continham apenas clássicos da música Caymmi). “Ancestral”. em 2015, ganha nova chance
de brilhar. JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR

74 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.
Alternativa Eletrônica
Mesmo ainda pop, cantora vasculha o lado experimental em mixtape
EM MUTAÇÃO
Charli XCX
quer fazer
tudo diferente

+++ Charli XCX Number 1 Angel Warner


a cantora britâ- no PC Music – incluindo Danny L
nica Charli XCX, Harle, A.G. Cook e Sophie –, cujo si-
que em junho se mulacro de pop music mais parece
apresentará no Bra- piada sobre consumismo. Em Num-
sil, começou a car- ber 1 Angel, as batidas não são abrasi-
reira com uma pega- vas e os vocais de Charli, apesar de
da pop. Após a estreia, True Romance distorcidos de uma forma desorien-
(2013), ela reinventou a new wave dos tadora, não soam incongruentes. O
anos 1980 sob o viés da EDM em Su- som mudou, mas os temas seguem
cker (2014). Mais tarde, Charli pegou básicos: são canções falando sobre
um desvio pela rota da vanguarda. carros e sexo, com uma ansiedade
No EP Vroom Vroom e no single “Af- nas letras que dá um ar nostálgico às
ter the Afterparty”, ambos de 2016, faixas. Nesta mistura de ruídos géli-
ela já dava sinais de mudança. Agora, dos e letras quentes, estes petardos
nesta terceira mixtape – as outras fo- sexuais de Charli avançam como se
ram Heartbreaks and Earthquakes e fizessem parte de um reboot musical
Super Ultra, ambas de 2012 –, Charli sacana de Blade Runner – O Caçador
se associa a produtores do selo londri- de Androides. CHRISTHOPER R. WEINGARTEN

SAX
Esdras Nogueira lança
segundo CD solo

The Jesus and Mary The Pretty Reckless Drake ++++


Chain +++½ +++ More Life Republic/Universal
Damage and Joy Artificial Plastic Who You Selling For Razor & Tie Canadense expande o leque e
Banda de irmãos escoceses não Cantora e atriz se concentra na entrega disco com alto-astral
abandona o mau humor gótico música e mostra evolução
drake comentou que mo-
depois de 30 anos trafe- taylor momsen, modelo e re Life é mais uma playlist
gando por territórios som- ex-atriz da série Gossip Girl, do que um álbum. Ele tem
Nogueira mostra
brios, The Jesus and Mary agora prefere dedicar-se razão: as faixas do novo re- outra face
Chain ainda segue como somente à música. A no- gistro dele parecem ter sido
guardião do poder do rock va incursão do The Pretty escolhidas a dedo, soando QEncarregado do sax
gótico e das guitarras baru- Reckless, banda liderada expressivas, emocionais e barítono e de boa parte do
lhentas. Só mesmo os irmãos por ela, é um trabalho mais diversificadas. O artista é carisma do Móveis Coloniais
de Acaju, Esdras Nogueira
William e Jim Reid conse- consistente e introspectivo. um visionário, um onívo-
lançou seu primeiro disco
guem fazer uma música com Neste terceiro álbum, o gru- ro musical com um imenso instrumental em 2014
um teor tão carrancudo. O po passeia por diversos gê- apetite disposto a devorar (Capivara), prestando
primeiro álbum de estúdio neros, texturas e influências, tudo que vê pela frente. Mo- tributo a Hermeto Pascoal.
dos músicos escoceses des- indo do hard rock de “Oh My re Life é uma animada cole- Agora, em NaBarriguda
CÉLIO MACIEL/ DIVULGAÇÃO (ESDRAS NOGUEIRA); DIVULGAÇÃO

(independente , +++), ele


de Munki (1998) tem péro- God” ao blues de “Back to ção de 22 faixas, reunindo interpreta temas próprios e
las mórbidas como “Simian the River”. Taylor ainda pa- grime britânico (“No Long de outros nomes, como
Split” (“Eu matei Kurt Co- rece carregar a vontade de Talk”), dancehall caribenho Egberto Gismonti (“Lôro”)
bain/Dei um tiro na cabeça ser Joan Jett, o que é bom. (“Blem”), house sul-africa- e Cartola (“O Mundo É um
Moinho”). O trombonista
dele”) e “Mood Rider”, que Isso não quer dizer que Who no (“Get It Together”) e até
Bocato toca em três faixas,
tem o mantra “mate todo You Selling For seja apenas um pastiche de Earth, Wind entre elas o ska “Chá de
mundo que é descolado”. ousadia. O disco tem mú- & Fire (“Glow”). Apesar de Bananeira”, que parece um
Mas o ponto alto é “Black sicas meio chatinhas, como aberto a todas as influências, rascunho de canção do
and Blues”, com a participa- “Bedroom Window” e “Mad este é um trabalho altamen- Móveis. Já em “Olha o Boi”,
o saxofonista mostra
ção de Sky Ferreira – a musa Love”, que carece de um final te pessoal. O disco mostra suingue ao se aproximar
canta junto com os irmãos, mais apoteótico. Mesmo as- Drake indo além, diferente- dos sons do Pará.
mas se recusa a deixá-los sim, essa vigorosa mistura es- mente de Views, lançado no JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR

animados. ROB SHEFFIELD tá acima da média. ÉRICO FUCKS ano passado. R.S.

A b r i l , 2 017 rollingstone.com.br | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | 75
Livros | HQs
Presença Inevitável HQ
Icônico músico inglês é revisitado em fato e verso Obra sobre Billie Holiday
ganha edição brasileira
+++½ +++
avid Gravidade
owie – ero
ma Vida lexandre
m Canções uarnieri
ob Sheffield ditora Penalux
obo Livros

não interessa qual faceta de david bowie tem um ape-


lo maior para você: o alienígena transgressor do começo dos
anos 1970; o decadente chique que se exilou em Berlim na
segunda metade daquela década; o novo romântico dançante
e cheio de estilo da década de 1980; ou então o visionário que
“anunciou”, por meio de sua arte, a própria morte em janeiro
Q Os traços em preto e
de 2016 – todas essas personas estão vivas nas palavras de branco de José Muñoz e o
Rob Sheffield em David Bowie – Uma Vida em Canções. O roteiro com ares de film noir
editor contribuinte da Rolling Stone EUA conta que teve a de Carlos Sampayo são um
ESTILO vida pautada pela obra do artista inglês e usa toda a expertise veículo perfeito para narrar a
ETERNO história de uma das mais
Bowie
de jornalista e fã nesta obra. O carioca Alexandre Guarnie- brilhantes e atormentadas
em uma ri também foi tocado e influenciado pelo trabalho de Bowie. cantoras de jazz de todos os
de suas Em Gravidade Zero, o autor e poeta revive o icônico Major tempos. Billie Holiday
últimas (Editora Mino, ++++)
imagens Tom, personagem de canções como “Space Oddity” e “Ashes
finalmente chega ao mercado
to Ashes”. Nos poemas que elaborou para o livro, Guarnieri
em português do Brasil – a
imagina, com um olhar próprio, a trajetória do astronauta obra foi lançada pela dupla
perdido no espaço. PAULO CAVALCANTI argentina em 1991 – em
edição de luxo, com bonito
acabamento e capa dura. A
A Situação Humana Ninfeias Negras Cosa Nostra no trajetória de dores (abuso
sexual, vício em drogas) e
+++ +++ Brasil +++½ glórias (o reconhecimento
Aldous Huxley Michel Bussi Arqueiro Leandro Demori artístico) ganha as páginas
Biblioteca Azul/Globo Livros Romance policial sobre o Companhia das Letras tendo como subtexto um
universo das artes segura o leitor Livro narra a história de mafioso jornalista que recebe a
Observações feitas pelo autor
que se refugiou no Brasil incumbência de escrever uma
nos anos 1950 continuam atuais o cenário matéria sobre o aniversário de
em 1959, al- real que ins- tomm aso 30 anos da morte de Billie, em
dous Huxley, pirou algu- Buscetta foi uma era pré-internet. Os
responsável mas das mais um dos no- episódios de racismo e
rejeição pulam do papel para
por As Portas valiosas telas mes mais in- os olhos do leitor com uma
da Percepção, do pintor fames da má- dor cortante. Pena que a
estava apre- Claude Mo- fia siciliana. tradução do importante texto
ensivo com a net é man- Responsável introdutório do crítico de jazz
Francis Marmande tenha
situação chado por um assassinato pela delação
saído, por vezes, um tanto
mundial. Naquele ano, ele es- que acontece junto das nin- que implodiu centenas de es- truncada. BRUNA VELOSO
teve na Universidade de Santa feias, as flores aquáticas tão quemas criminosos e opera-
Barbara, Estados Unidos, para admiradas e registradas pelo ções ilegais, Don Masino, co-
debater diversas questões so- gênio impressionista. A mi- mo também era conhecido, sil se tornasse ponto central da
ciais e ambientais. A palestra núscula comunidade france- expôs as vísceras da máfia Co- rota que levava heroína para os
foi registrada em A Situação sa de Giverny vê surgir uma sa Nostra aos olhos da Justiça Estados Unidos, onde também
Humana, que, após duas dé- dupla de investigadores com e da opinião pública. Buscetta morou. A narrativa de Lean-
cadas fora de catálogo, volta às perfis opostos que vão verifi- viveu por aqui em três perío- dro Demori, bem fundamen-
lojas em uma bela edição. Hu- car o ocorrido. Seria um cri- dos, em intervalos que foram tada em documentos e depoi-
xley aborda problemas atuais e me motivado por adultério? dos anos 1950 até os 1980. Na mentos, dá a dimensão do que
preocupantes, como a deterio- Ou pela ganância do merca- década de 1970, chegou a ser esse criminoso significou para
DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO

ração do planeta e o naciona- do de colecionadores de arte? preso e torturado pelo Dops, a Cosa Nostra – tanto para a
lismo exacerbado. O escritor O autor best-seller Michel em Santa Catarina, em uma ascensão quanto para o declí-
reflete sobre essas questões e Bussi não inova na forma de diligência comandada pelo de- nio do grupo, em meio a uma
sugere soluções, transbordan- narrar, mas controla com legado Sérgio Paranhos guerra brutal em que sangue
do inquietude e sabedoria. maestria o envolvente ritmo Fleury. O italiano foi o respon- se pagava com mais sangue.
CAIO DELCOLLI da trama. JULIO IBELLI sável por fazer com que o Bra- MAURÍCIO DUARTE

76 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.
Filmes nasceu na primeira colônia
humana a povoar o Planeta

Poesia da Vermelho. Devido à sua con-


dição física, ele supostamente
não poderia resistir na atmos-

Vida fera da Terra, mas, bancado


por um milionário (Gary Old-
man), ele realiza uma opera-
ção e retorna ao nosso planeta
para conhecer Tulsa e tentar
reencontrar o pai astronauta.
A presença de Butterfield e
Britt eleva o filme. Mas o di-
retor, Peter Chelsom, cai nos
clichês. Não tem meio-termo:
quando os amantes se beijam
NA OBSERVAÇÃO
Driver como Paterson:
na gravidade zero, a cena pode
colhendo matéria-prima despertar encanto ou um esta-
do de coma diabético – e o que
De forma contemplativa, filme busca mostrar encanto na trivialidade ocorre aqui é a segunda opção.
DAVID FEAR
+++½Paterson Com Adam Driver e Golshifteh Farahani Dirigido por Jim Jarmusch
nada de extraordinário acontece a pa- conhecimento fora da minúscula comunida- Vida +++
terson, poeta da classe trabalhadora inter- de em que vivem. Mas Jarmusch se enfronha Com Jake Gyllenhaal e
pretado por Adam Driver neste meditativo em um universo de utopias e sentimentos Rebecca Ferguson
drama ambientado em uma cidade também sem a pressa cada vez mais exigida nos dias Dirigido por Daniel Espinosa
chamada Paterson, em Nova Jersey. Ele acor- de hoje. Paterson, o homem, observa silen- Ficção científica explora terror
da sempre no mesmo horário, evita telefones ciosamente as crianças e os vizinhos e depois sem grandes pretensões
celulares e computadores, não vê televisão e escreve o que sente. Essa poesia arrancada
trabalha dirigindo um ônibus. Seus poemas da banalidade pode enervar espectadores
“deveriam pertencer ao mundo”, diz a espo- ansiosos por ação, mas é justamente essa
sa, Laura (Golshifteh Farahani), que associa delicadeza perdida que Jarmusch pretende
a ambição dele a um desejo próprio: o de se reverenciar. O foco é a importância de per-
tornar cantora de música country. Não se sa- ceber e comungar o que nos torna humanos:
be se esses dois sonhadores alcançarão o re- a amizade e o amor. HAMILTON ROSA JÚNIOR
Gyllenhaal e Rebecca
encrencados em Vida

O Dia do Atentado tantas esferas da investiga- O Espaço entre Nós outra ameaça que vem do
++½ ção que é difícil não perma- ++½ espaço (mais precisamente
Com Mark Wahlberg e John necer incrédulo ao ver como Com Asa Butterfield e de Marte) invade os cinemas.
Goodman Dirigido por Peter Berg o sujeito consegue passar Britt Robertson Na Estação Espacial Interna-

SONY PICTURES/ DIVULGAÇÃO (VIDA); JACK ENGLISH/ DIVULGAÇÃO (O ESPAÇO ENTRE NÓS); DIVULGAÇÃO
Rumoroso ataque é mostrado por cima do FBI e da CIA, Dirigido por Peter Chelsom cional, astronautas recolhem
com reforço de herói inverossímil sempre chegando a locais Apesar de boas ideias, romance amostras do que parece ser
este thriller recria o decisivos para a solução do engasga em situações óbvias a primeira comprovação de
atentado à Maratona de caso antes de todo mundo. O gardner (asa butterfield) vida inteligente em outro pla-
Boston, ocorrido em 15 de filme é bem produzido, como é um rapaz de 16 anos que pas- neta. No início, a espécie lem-
abril de 2013. Na ocasião, é usual para uma obra dessa sa o tempo estudando robótica bra uma planta microscópica.
três pessoas foram mortas e magnitude, mas a patriotada e tem como melhor amiga Tul- Mas ao ser manipulada ela
centenas ficaram feridas. O armada por Berg no decor- sa (Britt Robertson). O proble- cresce monstruosamente e
longa avança na investiga- rer da narrativa é um tanto ma é que ela mora no Colora- começa a atacar os humanos.
ção e na caça aos autores do cons rangedora H.R. J. do e ele em Marte. Gardner A história para por aí. Sem as
crime. A missão real t metáforas maternas de Alien
esforço coletivo mais Butterfield e Britt ou personagens bem desen-
plexo do que o que vem vivem romance volvidos, Vida aposta em
em O Espaço
tela. Para facilitar a e entre Nós. causar medo de forma cons-
junto ao público, Pe Wahlberg (à tante. E consegue. A ação não
Berg, diretor e roteiri esq.) na caça aos para, elencando uma sequên-
terroristas em O
ta, concentra a opera Dia do Atentado cia arrepiante atrás da outra
ção no personagem até chegar a um dos finais
de Tommy Saunders, mais impactantes dos últimos
policial fictício vivido tempos. Em Vida, o negócio é
por Mark Wahlberg. correr para escapar da morte.
Ele se intromete em ANDRÉ RODRIGUES

78 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.
O Nascimento de
uma Nação +++
Fox
Envolto em polêmicas, longa
narra rebelião de escravos
o título
deste filme
é o mesmo
da produ-
ção de 1915
dirigida por
D.W. Griffi-
Contato th, mas não
se trata de um remake ou um
reboot. É a história real de
Imediato EXPECTATIVA
Amy Adams e Jeremy Renner
tentam se comunicar com aliens
Nat Turner (Nate Parker), es-
cravo que iniciou uma rebe-
lião na Virgínia em 1831. O
Elogiada produção injeta mistério e inteligência no gênero “filme de ET” filme ganhava elogios em fes-
tivais quando voltou à tona a
+++½ A Chegada Sony história de que, em 1999,
o diretor canadense de- Banks (Amy Adams) é apontada como chefe Parker, que também dirige, e
nis Villeneuve já havia feito da equipe que tentará se comunicar com os vi- o corroteirista Jean McGian-
belos filmes, como Incên- sitantes. Ela se depara, contudo, com uma lin- ni Celestin foram acusados
dios (2010) e Os Suspeitos guagem tão complexa que deixa superpotên- de estupro (Parker foi absol-
(2013). Mas A Chegada, que cias militares em alerta. Louise precisa ser vido e Celestin condenado).
concorreu a oito estatuetas cautelosa, acertar tons, intensidades e limpar Por isso, a produção naufra-
no último Oscar, eleva o tra- as arestas da barreira linguística, além de lidar gou. À parte os problemas
balho dele a um novo patamar e deixa os ciné- com a impaciência e intemperança de líderes judiciais, o filme conta uma
filos na expectativa para ver o que o diretor mundiais. O meticuloso exercício que presen- história importante. P.C.
fará em Blade Runner 2049. O que intriga ciamos aqui vai contra uma escola cinemato-
nessa história da aproximação entre humanos gráfica que trata a ficção como se fosse dese- Elis +++
e extraterrestres é a maneira como é mostrado nho animado. Com mais mistério e menos Paris Filmes
o nosso despreparo para aceitar o novo. Com a ação, A Chegada resgata a inteligência no gê- Vida e carreira da Pimentinha é
inesperada chegada de naves à Terra, Louise nero “filme de ET”. HAMILTON ROSA JÚNIOR apresentada de forma irregular
nesta ci-
nebiografia
Gregory Porter de Elis Re-
+++½ CLÁSSICO gina, An-
Live in Berlin Universal Filme é registro sóbrio sobre a pena de morte dreia Horta
Cantor junta jazz, gospel e blues dá o sangue
em show gravado na Alemanha Hoje praticamente de conduta vigente em no papel da
o cantor e desconhecida, Susan Hollywood aos poucos ia icônica can-
Hayward foi uma das grandes sendo alterado. Assim, temas
compositor tora que mudou os parâme-
estrelas do cinema nas polêmicos e cenas explícitas
Gregory décadas de 1940 e 1950. começavam a ser levados à tros da MPB e morreu em
Porter é um Ela ganhou um Oscar de tela. O filme ainda é um dos 1982, aos 32 anos. As duas
raro nome Melhor Atriz por sua intensa mais marcantes registros horas que o diretor Hugo
contempo- atuação em Eu Quero Viver! cinematográficos contra a Prata teve à sua disposição
(Classicline , ++++). Nesta pena capital. PAULO CAVALCANTI
râneo que produção de 1958 dirigida não foram suficientes para
ainda res- por Robert Wise e baseada colocar na tela uma vida tão
gata as raízes ancestrais da em fatos reais, Susan vive intensa e complexa quanto a
música negra norte-ameri- Barbara Graham, prostituta da Pimentinha. A primeira
e ex-presidiária acusada de
cana. Nesta apresentação, parte, detalhando o começo
assassinato. Apesar de jurar
realizada na capital alemã inocência, ela é sentenciada e a consagração dela, é cor-
em 2016, ele interpreta, de a morrer na câmara de gás. reta. Mas quando o longa
maneira intimista, canções Baseado nas cartas escritas avança para os anos finais de
próprias (“Don’t Be a Fool”, pela própria Barbara e em Elis a narrativa se torna con-
artigos de jornal publicados
“In Fashion”), covers (“Papa na época em que aconteceu fusa, sem mostrar para o te-
Susan recebe
Was a Rolling Stone”, do The o rumoroso caso, Eu Quero a última lespectador quais foram os
REPRODUÇÃO

Temptations) e números tra- Viver! surgiu nos dias comunhão demônios que tomaram con-
dicionais do cancioneiro de em que o rígido código ta da cantora e causaram o
seu país (“Work Song”). P.C. fim da vida dela. P.C.

80 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.
HOTLISTN O S S A S M Ú S I C A S , D I S C O S E V Í D E O S FAVO R I T O S D O M Ê S

www.rollingstone.com.br Ouça as músicas e assista aos vídeos apresentados nesta página

1. Homem-Aranha: 2. “Liability” – Lorde Áudio


De Volta ao Lar Depois de fazer
seu aguardado
Trailer retorno com
O segundo trailer do filme levantou o vídeo de
de novo a grande crítica que se faz ao “Green Light”,
processo de divulgação de blockbusters. primeiro single
Com dois minutos e meio, o vídeo é bem do novo disco,
completo em descrever a saga que será Melodrama,
vivida pelo herói (interpretado por Tom Lorde divulgou
Holland) e mostrar as relações dele com esta belíssima
o melhor amigo (que faz a função do faixa, também composta ao lado do
“olhar do espectador”, dando a deixa “senhor Lena Dunham”/guitarrista do fun.,
para o protagonista apresentar tudo que Jack Antonoff. A balada de voz e piano
precisa) e com o mentor, Tony Stark/ traz uma reflexão bastante pessoal e em
Homem de Ferro (Robert Downey terceira pessoa, mostrando que este disco
Jr). Mas é exagero dizer que o vídeo deverá ser muito mais focado na própria
dá spoilers do filme todo, conforme Lorde do que em dramas geracionais,
gritaram pela internet os fãs mais aflitos. como foi Pure Heroine.

3. “Baiana” – Emicida
4. American Gods Trailer Videoclipe
O canal Starz ainda não tem muita reputação na Enquanto quase todo mundo pulava Carnaval sem
produção de séries “sérias”, mas isso deve mudar qualquer preocupação na cabeça, Emicida estava
com esta adaptação do livro de 2001 de Neil trabalhando no clipe desta faixa, que tem participação
Gaiman. O trailer é tão impactante, pesado e cheio de Caetano Veloso. Ele foi até Salvador rodar as
de sangue quanto se espera. Este promete. imagens e codirigiu o clipe ao lado de Moysah.

5. Her-Story 6. “Bird 7. It: A Coisa


Madonna Vídeo Song” Sean Trailer
Muita gente teve algo a dizer Lennon Áudio Quem tem medo de
sobre o dia internacional Atenção ao encontro palhaço, não veja. Sério.
da luta da mulher, em 8 de de gerações Mas quem gosta de terror
março, mas poucos têm inusitado: Sean com aquela clássica
uma plateia tão cativa, Lennon revelou pegada oitentista já
quando se trata desse essa música que deve reservar um dia do
assunto, quanto Madonna. compôs ao lado da feriado de 7 de setembro
A cantora postou o curta amiga Carrie Fisher para assistir à adaptação
no Facebook e o descreveu e que gravou com do livro de Stephen
como “um filme Willow Smith depois King. Você tem um
dedicado a todas as da morte da atriz encontro marcado com o
REPRODUÇÃO

mulheres lutando veterana, no fim do perturbador Pennywise


por liberdade”. ano passado. (Bill Skarsgård).

82 | R ol l i n g S t o n e Br a s i l | rollingstone.com.br A b r i l , 2 017

Você também pode gostar