Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 62

RS117

NESTA EDIÇÃO
A MAIOR Revista de
Entretenimento do MUNDO
PALCO E TABLADO
Dylan investiu no
lado teatral em 1975
30 Dor Passada, Suingue Bom
Após um período pessoal turbulento,
Fernanda Abreu lança o primeiro
disco de inéditas em mais de uma
década. Por Mauro Ferreira

34 Prince 1958-2016
Os caminhos do artista visionário
que, além de exímio músico e um dos
maiores guitarristas da história, foi
um destruidor de tabus e serviu como
“Imperador do Pop”, como define
Stevie Wonder. E MAIS: a última
entrevista à Rolling Stone, concedida
dentro do complexo de Paisley Park.

54 50 ANOS DE PET SOUNDS


Emoções Duradouras
Por que o clássico dos Beach
Boys segue relevante.
Por Paulo Cavalcanti
Harmonia Falha
Mike Love, que segue à frente da
banda, finalmente dá seu parecer
sobre a fama de vilão.

58 Um Futuro no Espaço?
© ESPÓLIO DE KEN REGAN/ORMOND YARD PRESS (BOB DYLAN); VICTOR JUCA/DIVULGAÇÃO (AQUARIUS)

Milionários do setor privado


promovem uma nova busca por vida
inteligente fora da Terra.

SEÇÕES PORTFÓLIO
66
26 P&R
Espírito Cigano
A rotina de Bob Dylan na turnê
Steven Tyler Rolling Thunder Revue, pelas lentes
Os dois lados da fama e as mais de de Ken Regan. Por Paulo Cavalcanti
quatro décadas do Aerosmith, que
voltará ao Brasil em outubro. 18 ROCK & ROLL
Alta Expectativa
71 GUIA O filme brasileiro Aquarius vai a
Os CDs do Mês Cannes. Por Christian Petermann
Beyoncé, Zeca Baleiro, PJ Harvey,
Sonia Braga é a Site [12] Randômicas [28]
Autoramas, Deftones, Rico
estrela de Aquarius Cartas [13] Lifestyle [50]
Dalasam, Santana e MAIS Calendário [24] Arquivo RS [64]

CAPA Photograph by Richard Avedon © The Richard Avedon Foundation

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 11


ROLLINGSTONE.COM.BR
FACEBOOK/ RollingStoneBrasil GPLUS.TO/rollingstonebrasil TWITTER/rollingstoneBR YOUTUBE/RollingStoneBrasil INSTAGRAM/@rollingstonebrasil

CAPA RS BRASIL INDICA


PERFIS E PÁGINAS QUE VOCÊ DEVE

Digno de
ACOMPANHAR NAS REDES SOCIAIS

Mallu Magalhães

Realeza
/MalluMagalhaes
“O novo álbum da
portuguesa Raquel
Tavares traz uma
Entre Bruce Springsteen, David canção que fiz para ela.
Gilmour, Pearl Jam e tantos outros, Muito feliz de participar
é difícil dizer qual homenagem a desse lindo trabalho.”
Prince foi mais tocante. Reunimos
as melhores em uma galeria. Rachel Bloom
@RachelDoesStuff
“Obrigada por terem
visto a temporada 1 de
#CrazyExGirlfriend.
Tenho muito orgulho
dela e sou muito grata
aos nossos fãs.”

JAKOB JOERGENSEN (PRINCE); REX FEATURES VIA AP IMAGES (BLACK SABBATH); ANA LUIZA PONCIANO (CITY AND COLOUR); DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO
http://bit.ly/1SqwMq0

Prince deixou “Praia Hotel” – Naked Universe


saudade em toda O duo estreou na Rolling
a comunidade Stone Brasil o clipe rodado em
artística Salvador, na Bahia, durante as
celebrações da festa de Iemanjá.

COBERTURA
ENQUETE
Cor ao Vivo
Estivemos no show do City and Colour, projeto
do canadense Dallas Green, em São Paulo, e
mostramos como foi a performance.

Charming
Ozzy Osbourne e Liars: fome de
companhia virão se ESTÚDIO RS experiências
despedir do Brasil

Glutões de Carteirinha
Apenas o Fim No Brasil para fazer shows, a banda californiana
Com base no repertório que tem sido executado Charming Liars passou pela redação da Rolling
nos outros shows da The End Tour, perguntamos Stone para compartilhar histórias sobre a vida na
qual música do Black Sabbath os brasileiros mais Dallas Green estrada, revelar como foi trabalhar com o produtor
querem ouvir quando a banda passar por aqui, a no Cine Joia Bob Rock (Metallica) e listar os (muitos!) lugares
partir de novembro. Vote! onde pretendiam comer no país.

12 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


CARTAS MENSAGENS DE
AMOR E ÓDIO ROLLING STONE BRASIL

PUBLISHER: José Roberto Maluf


EDITORA-CHEFE: Bruna Veloso
Nº 117

EDITORES ASSISTENTES: Paulo Cavalcanti

O Bom e o Ruim Correndo Atrás


e Stella Rodrigues
REVISÃO: Marcelo Paradizo

DIRETOR DE ARTE: Daniel S. B. Mangione


Adoro a revista Rolling Stone, Com certo atraso, finalmente a EDITORA DE ARTE E LIFESTYLE: Tamara Emy
da qual sou assinante há dois Rolling Stone Brasil corrige o DESIGNER: Raphael Galassi (colaborador)

anos. Inclusive, acabei desen- erro de não dedicar uma capa a WWW.ROLLINGSTONE.COM.BR
volvendo um hábito levado a Adam Levine. Trata-se de uma EDITORA: Stella Rodrigues
REPÓRTER: Lucas Brêda
cabo sempre que o exemplar das grandes vozes surgidas na ESTAGIÁRIO: Gabriel Nunes
chega: coloco os meus fones de última década. Ele é o exemplo
DIRETOR COMERCIAL: Márcio Maffei
ouvido e vou checar as novida- máximo de um popstar. EXECUTIVOS DE CONTAS: Milene Rizzardi e
des trazidas pela revista, fa- Edvan Melo Francisco Netto
PARA ANUNCIAR: anuncie@rollingstone.com.br
zendo uma verdadeira viagem No Facebook da RS Brasil
musical que começa na capa e GERENTE DE CIRCULAÇÃO: Danieli Lopes

vai até o Hotlist. Isso fez com Distância Superada ESTAGIÁRIA: Andressa Reis

que meu repertório musical GERENTE FINANCEIRO: Edison Arduino

desse um salto gigantesco e Respeito o Maroon 5, mas daí até


Ser Igual Não
GERENTE DE MARKETING E PROJ. ESPECIAIS:
espantou de vez a velharia a banda merecer uma capa da RS Leo Belling

É Legal
ESTAGIÁRIO: Jorge Dib
saudosista à qual eu insistia vai uma enorme distância.
em me apegar. Só uma coisa Ednaldo de Carvalho Aguiar
Vai ter Adam Levine [“Sem Me- me entristece, o Calendário. No Facebook da RS Brasil
do de Reinar”, RS 116] na capa, Ele basicamente se restringe
Com Afeto
ROLLING STONE BRASIL
sim! E se vocês reclamarem ao Sul/Sudeste, como se o res- Uma publicação da Spring Publicações Ltda.
muito vai ter dois. Vocês não tante do país estivesse morto REDAÇÃO: R. Bandeira Paulista, 726, 22º andar,
Itaim Bibi, São Paulo, SP, CEP 04532-002,
cansam dessa coisa xiita de que nas calças. Isso nem de longe é Fiquei muito feliz de ler, certa Tel.: 55 11 3165-2566
só é rock se for sujo e tiver sur- verdade. Quando muito vocês vez, sobre o trabalho realizado PAUTAS: revista@rollingstone.com.br

gido há mil anos? Já teve Ramo- colocam uma coisinha aqui, pela doutora Nise da Silveira [“A ASSINATURAS E EDIÇÕES ANTERIORES
nes no mês passado, agora deixa outra acolá fora desse circuito, Cura pelo Amor”, RS 116], a tera- ASSINATURAS: www.assinerollingstone.com.br
assinaturas@rollingstone.com.br
ter Maroon 5, que coisa. Qual a quase em caráter de “cota”. Fa- pia ocupacional que desenvolveu Tels.: 11 3165-2961 / 11 3165-2944
graça se fosse igual todo mês? çam isso não: a revista é vendi- e o respeito internacional que a (de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h,
exceto feriados)
Nem estou falando isso por da no Brasil todo, então deem médica obteve, inclusive vindo EDIÇÕES ANTERIORES: poderão ser adquiridas
causa da beleza do rapaz, mas espaço a todos. Acreditem, vão do famoso psiquiatra Carl Jung. com o seu jornaleiro ou pelo e-mail colecione@
rollingstone.com.br, havendo estoque disponível,
mesmo que fosse... Só pode ter se surpreender e ainda irão Desejo que o filme estrelado por pelo preço da última edição em banca
mulher gata em capa de revista? ajudar na difusão cultural. Gloria Pires transmita que todos
IMPRESSÃO: Plural Indústria Gráfica.
Diana Amaral Otaviano Lacet os que sofrem de transtornos DISTRIBUIÇÃO: Dinap Ltda. – Distribuidora
São Paulo/SP Natal/RN mentais merecem afeto. Nacional de Publicações, Rua Dr. Kenkiti
Shimomoto, nº 1678, CEP 06045-390 – Osasco – SP
Sueli Parreira
No site da RS Brasil ROLLING STONE USA

Nota de Pesar
No Aguardo
EDITOR & PUBLISHER: Jann S. Wenner
MANAGING EDITOR: Jason Fine
A equipe da Rolling Stone Brasil meio, especialmente no campo DEPUTY MANAGING EDITOR: Nathan Brackett
ASSISTANT MANAGING EDITOR: Sean Woods
ficou profundamente abalada com cinematográfico, sua grande
Macklemore [“De Cara com a SENIOR WRITERS: David Fricke, Brian Hiatt,
a morte, em 3 de maio, de Christian paixão. Contribuía frequentemente Peter Travers
Petermann, crítico de com esta publicação Culpa”, RS 116] ainda será res- SENIOR EDITOR: Christian Hoard
cinema e colaborador (tendo, inclusive, peitado pelo grande artista que é. DESIGN DIRECTOR: Joseph Hutchinson
de longa data da textos publicados Susan Bonani CREATIVE DIRECTOR: Jodi Peckman
VICE PRESIDENT: Timothy Walsh
revista. Ele tinha 49 nesta edição) e atuou Por e-mail PUBLISHER: Michael Provus
anos e foi vítima de em veículos como HEAD OF DIGITAL: Gus Wenner
complicações de um o jornal Folha de S. EDITORIAL OPERATIONS DIRECTOR:
severo ataque de asma, Paulo, a revista Set John Dragonetti
problema com o qual
sofreu por toda a vida.
e o programa de
televisão Todo Seu, da
Errata LICENSING & BUSINESS AFFAIRS: Maureen A.
Lamberti (Executive Director), Aimee L. Schecter
(Director), Katirya S. Nieves (Coordinator)
Christian Petermann TV Gazeta. Era ainda Diferente do que diz a
tinha três décadas membro-fundador da reportagem “Uma Cruz FILIADA AO IVC
de uma brilhante Abraccine (Associação Brasileira”, da edição 115/ Copyright © 2016 por Rolling Stone LLC. Todos os direitos reservados. A
reprodução sem permissão do conteúdo total da revista ou de qualquer
carreira dedicada à Brasileira dos Críticos março, os 8% referentes ao uma de suas partes é proibida. O nome Rolling Stone e o logotipo são
crítica e à reportagem na área de de Cinema), trabalhava com a FGTS são um encargo que marcas registradas por Rolling Stone LLC, cuja licença no Brasil foi
REPRODUÇÃO

concedida à Spring Publicações Ltda.


entretenimento, sendo um dos curadoria de festivais e dava aulas cabe ao empregador.
Todos os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores e não
profissionais mais respeitados do sobre a sétima arte. refletem necessariamente a opinião da revista. É proibida a reprodução
de textos ou imagens sem a prévia autorização dos editores.

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 13


CINEMA

Olho do
Furacão
Aos 20 anos, a atriz Sophie
Turner se divide entre manter o
prazer pelo ofício e agradar aos
fãs de duas megaproduções
Por Lucas Brêda

A
bril e maio de 2016 têm sido
os dois maiores meses da carrei-
ra da atriz Sophie Turner. Pri-
meiro, ela está de volta à tela da HBO
dando vida a Sansa, uma remanescente
da desafortunada família Stark em Ga-
me of Thrones. Um mês depois, estreia
na gigante franquia X-Men com o filme
Apocalipse. “É definitivamente uma épo-
ESTREIA ca muito animadora para mim, sabe?”,
Sophie na pele diz ela, sem muita firmeza, ao telefone.
de Jean Grey em
Em seguida, emenda [Cont. na pág. 16]
ALAN MARKFIELD

X-Men: Apocalipse

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 15


ROCK&ROLL
[Cont. da pág. 15] uma frase que parece de Ian McKellen como Magneto). EM MEMÓRIA
fazer bem mais sentido: “É muito enervan- “Eu tive que trabalhar duro por esse pa-
te também, porque as duas produções têm pel”, diz Sophie, contando que fez três tes- REALIDADE
fãs muito aficionados – e você tem que estar tes para conseguir a vaga. “Não é como se
à altura das expectativas deles”. eles estivessem me mandando e-mails por- COUNTRY
“Corresponder às expectativas” e “fãs que eu tenho cabelo ruivo: ‘A h, você é rui- Morto aos 79 anos, Merle
aficionados” foram duas expressões repe- va, vai ser a Jean Grey!’” Em Los Angeles, Haggard usava a música para
tidas pela britânica pelo menos três vezes a britânica chegou como “novata” ao set de falar do homem comum
cada uma durante os quase 20 minutos filmagens, em uma situação descrita como
de conversa. E não é de estranhar: Sophie “muito intimidadora”. “Mas eu conheci to- O cantor e compositor Merle Haggard
completou duas décadas de vida no último do mundo rápido e nós saímos já na pri- marcou profundamente a música
mês de fevereiro e, ainda que sua página meira noite, fomos a um show do Drake e country norte-americana. Nascido na
cidade californiana de Oildale, o artista
do IMDb não seja das mais recheadas, ela depois a um bar. E, então, todas as noites
morreu aos 79 anos em Palo Cedro
está na premiada Ga- nós saíamos para jan- (também na Califórnia), justamente no
me of Thrones desde tar ou fazer outra coi- dia de seu aniversário, 6 de abril. Ele
2010. Já acostumada sa juntos”, conta. sofreu de complicações causadas por uma
a lidar com a cobran- Além de tudo isso, pneumonia.
Tendo tido uma juventude difícil, o
ça a cada estreia de Sophie teve que en- músico foi preso várias vezes. Nos anos
temporada da série re- carar um novo tipo 1960, se estabeleceu em Bakersfield,
cordista – já é a sexta de pressão: viver uma Califórnia, onde seu country com pegada
da produção –, a atriz personagem já repre- roqueira contrastava com o cenário pop,
comercial e romântico de Nashville. Ele
agora encara outro ti- sentada previamente
logo se tornou uma das figuras mais
po de desafio: dar vida nos quadrinhos e nos bem-sucedidas e polêmicas da música dos
a uma personagem filmes. “É complica- Estados Unidos.
dos quadrinhos em do, porque as pes- “Okie from Muskogee” (1969), uma canção
um blockbuster. soas têm noções pré- irônica que atacava a contracultura e tinha
a frase “nós não fumamos maconha em
“As duas [produ- concebidas de como Muskogee”, foi alvo de controvérsia.
ções] são muito gran- ela deveria ser fisica- As canções de Haggard falavam
des, e acho que X- mente e de como deve- de conflitos raciais, problemas dos
-Men é ainda maior”, ria se portar”, reclama trabalhadores e tribulações do cotidiano
dos desprivilegiados. Com o passar do
comenta ela. “Mas ser a atriz, que chegou a
tempo, no entanto, ele foi deixando de lado
grande em Hollywood pedir dicas a Famke e temas pesados. Gravou álbuns de western
não é algo que eu te- teve ajuda do diretor, swing, sua grande paixão, e também
nho como objetivo, Bryan Singer. “Con- trabalhou ao lado de amigos como Willie
sabe? Só escolhi dois versei com ele sobre Nelson e George Jones. PAULO CAVALCANTI
papéis que amo e, por minha preocupação
TRABALHADOR
acaso, eles são de pro- em ter que correspon- Haggard fazia
duções com muitos SOFREDORA der às expectativas, e do palco sua
Sophie na pele de
fãs.” Soando indecisa, Sansa em Game of
ele disse: ‘Você a co- segunda casa
ela acrescenta: “Acho Thrones nhece, tem o roteiro e
que ser famosa não é sabe como ela deve ser.
algo que eu escolheria Fique tranquila’.”
ser, mas vamos ver.” “Não é como se eles estivessem “Não penso em pa-
Mais do que em me mandando e-mails porque péis que vão me dar
um filme de grande eu tenho cabelo ruivo: ‘Ah, você prêmios ou fazer de
orçamento, Sophie é ruiva, vai ser a Jean Grey!’” mim uma atriz res-
está no longa derra- peitada. Por enquan-
deiro da mais recente trilogia dos famosos to, parece ser muito mais um hobby”, pon-
mutantes da Marvel, dando vida a Jean dera Sophie, transbordando a juventude QO cantor ícone do soul Billy Paul morreu
Grey, a Fênix. Ela assume o lugar da atriz atestada pela recorrente insegurança de aos 81 anos em Nova Jersey, Estados Unidos.
Mais conhecido pelo hit “Me and Mrs. Jones”,
Famke Janssen, que interpretou a per- estar sempre à altura do que esperam ele foi vítima de câncer.
sonagem em X-Men: O Filme (2000), X- dela. Porém, a britânica está crescendo:
-Men 2 (2003), X-Men: O Confronto Fi- deixou a casa dos pais para morar sozi- QConsiderado o criador da estética da
nal (2006) e X-Men: Dias de um Futuro nha, o que significou também afastar-se Tropicália, o artista gráfico baiano Rogério
Duarte morreu aos 77 anos, também de
Esquecido (2014). Sophie faz parte de uma da loba Zunni (“intérprete” da Lady, ani- câncer, em Brasília.
renovação de elenco que vem acontecendo mal de estimação de Sansa no primeiro
DIVULGAÇÃO; AP PHOTO

na franquia, encabeçada pela chegada, em ano de Game of Thrones que a atriz levou QDavid Gest, produtor musical e ex-marido
2011, de James McAvoy (assumindo o pos- para casa). “Eles não permitem animais de Liza Minnelli, foi encontrado morto em
Londres. Ele estava com 62 anos.
to que era de Patrick Stewart como Profes- onde moro”, lamenta. “Morro de saudade,
sor Xavier) e Michael Fassbender (no lugar ela é incrível!”

16 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


segundo álbum, MetaL Me-
taL (2012). “Nos shows, passa-
mos a mudar muito as músicas,
deixando-as mais fortes, elásti-
cas, improvisadas, e a essa al-
tura ganhamos um espírito de
liberdade e de agressividade do
ao vivo ao qual fomos fiéis nes-
se disco”, afirma Dinucci.
Além de soltas e “jazzísti-
cas”, as novas canções tiveram
mais influência de Juçara e
França na composição – há
também uma participação de
Siba e uma parceria de Rodri-

“Não temos a pretensão


de fazer um disco
MÚSICA perfeito, de estar tudo
certo”, diz Kiko Dinucci
EFICIENTES

Vivo e Móvel Juçara, França e


Dinucci levaram três
dias para gravar o
novo álbum
go Campos com Dinucci – e fo-
ram “contaminadas” por uma
visita da banda ao Marrocos.
“Tivemos uma experiência in-
Metá Metá une ca o guitarrista e líder do trio, O novo trabalho do Me- teressante de tocar lá na rua,
influência marroquina Kiko Dinucci. “Nossa descul- tá Metá é resultado direto do conhecer outros músicos”, co-
e agressividade dos pa era gastar menos dinheiro, caminho do grupo até aqui. menta o guitarrista, que diz
shows no terceiro mas desta vez tivemos à dis- A formação é praticamente ter começado a “brincar com
álbum da carreira posição o [estúdio] Red Bull, de uma seleção – Dinucci, por as escalas árabes”. “O som es-
em São Paulo, e até daria para exemplo, trabalhou no último tá mais sombrio, misturado.

T
rês dias foi o tempo ficar mais tempo. A ideia, con- disco de Elza Soares, a vocalis- Tem influência do deserto, mas
que o Metá Metá gastou tudo, era deixar a banda afiada ta Juçara Marçal lançou há dois ao mesmo tempo está caótico,
em estúdio para gravar e resolver tudo rápido, ao vivo, anos o aclamado Encarnado e paulistano. O Metá Metá não é
o terceiro álbum da carreira, com dois ou três takes. É uma Thiago França é um dos mais uma banda solar, de vestir uma
provisoriamente batizado de questão de desapego: não te- renomados nomes do sopro na camisa floral, beber caipirinha
MM3 e previsto para sair entre mos a pretensão de fazer um capital paulista. O trio forjou e ficar curtindo. O Metá Metá é
maio e junho. “Fazemos assim disco perfeito, de estar com tu- uma identidade intimamente de se jogar no show, de pular, de
desde o primeiro disco”, expli- do certo.” ligada aos palcos, a partir do dançar candomblé.” LUCAS BRÊDA

SÁTIRA
Sarrumor (o segundo da esq.
para a dir., no alto) volta a
LANÇAMENTO VOLTA AFIADA
gravar com o Língua
Depois de 24 anos, Com o trabalho, a banda fundadores e compositores
Língua de Trapo solta liderada pelo vocalista e Carlos Melo, Guca Domenico
compositor Laert Sarrumor quer e Ayrton Mugnaini Jr. Dentre
disco de inéditas recuperar o tempo perdido. os destaques estão “Os
“Tínhamos pensado no esquema Infernautas”, um fado que vira
RICARDO FERREIRA (LÍNGUA DE TRAPO); DIVULGAÇÃO

O Língua de Trapo foi um de crowdfunding, mas aí o rap, no qual eles ridicularizam


dos principais expoentes da pessoal da gravadora Genesis os viciados em celular e redes
chamada Vanguarda Paulista, veio com uma proposta que sociais; o canto gregoriano “Hino
movimento da década de achamos atraente”, ele revela. dos Desempregados”, que nem
1980 que juntava bom humor “O próximo passo foi chamar precisa de explicação; e “Rick
e ecletismo musical. Sempre nosso time de compositores. Wakeman Nunca Mais”, uma
dispondo de afiadas sátiras Colocamos na mesa tudo o que gozação com o rock progressivo.
nas composições, o Língua se tínhamos. Algumas canções Desta vez, a banda resolveu ficar
manteve constantemente na eram mais antigas, tiramos a longe da sátira política explícita
estrada. Porém, há 24 anos a poeira. Outras foram escritas de outrora. “Naquela época, era
trupe não soltava um disco de especialmente para o álbum.” tudo muito diferente, ainda havia
estúdio, jejum quebrado com o O Último CD da Terra e o novo esperança de mudança”, define
recente O Último CD da Terra. show têm a participação dos Sarrumor. PAULO CAVALCANTI

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 17


COMPLETA LANÇAMENTO
Segundo o
diretor, Sonia se
dedicou de corpo
e alma ao filme
Novos
Parceiros
Ex-SuperStar,
Instinto teve ajuda de
Dinho Ouro Preto e
Lampadinha em CD

Com o respaldo de gente


como Dinho Ouro Preto
e o produtor veterano
Lampadinha, a banda Instinto
sai em turnê pelo Brasil para
divulgar o seu mais recente
disco, Gravidade.
CINEMA Formado no ABC Paulista
por Thaigo Consani,
Pedro Marcon, Bruno

Alta Expectativa
Martins, Nobru Bueno e
Júlio Carvalhal, o grupo
independente foi um dos
participantes da primeira
temporada do reality de
competição SuperStar, da
Após sucesso de O Som ao repleto de discos e livros, ela enfrentará as inves- Rede Globo. Foi assim que
Redor, Kleber Mendonça Filho tidas de uma construtora que pretende demolir o teve contato com o vocalista
leva a Cannes o longa Aquarius, prédio para dar lugar a um novo empreendimento. do Capital Inicial. A partir
desse encontro, os músicos
estrelado por Sonia Braga É grande a expectativa em torno da presença dela
trocaram figurinhas e
no longa e o diretor é enfático ao descrever a rela- acabaram gravando a faixa

D
epois do retorno positivo da críti- ção com a atriz no set. “Foi totalmente incrível! O “As Aparências Enganam”,
ca e da intensa premiação que marcou melhor que posso dizer é que Sonia, hoje, é uma sob a tutela do produtor
o seu primeiro longa-metragem de grande amiga. Ela poderia ter rodado o filme sorocabano Lampadinha,
que diz que esse “foi um dos
ficção, O Som ao Redor, o cine bora, mas, além de ter participa- trabalhos mais interessantes”
pernambucano Kleber Mendon tivamente de toda a filmagem, deu que fez recentemente.
Filho testemunhará neste mês de ra perceber que ali, na hora, não Embora Gravidade seja o
maio a estreia mundial de seu tava apenas a estrela, havia um primeiro álbum da banda
sem a produção dos
segundo filme, Aquarius, como er humano por inteiro. Sonia ago-
integrantes, Consani garante
parte da seleção oficial competi- a faz parte da minha vida.” que isso não afetou o som
tiva no mais prestigiado festival Orgulhoso de competir ao lado deles. “É importante ter
de cinema do mundo, o de Can- e cineastas que muito admira, alguém com essa maturidade
nes. Mendonça Filho é bem “ínti- mo o inglês Ken Loach, o espa- musical nos auxiliando”,
constata o músico, que
mo” do evento: “Esta será a minh l Pedro Almodóvar e, em espe- destaca o quanto apreciou o
18ª ida a Cannes, mas é a cial, o holandês com trânsito fato de que o grupo teve total
primeira apenas como reali- em Hollywood Paul Verhoe- liberdade criativa durante o
zador. Desde 1999 frequento “O melhor que posso dizer ven, o brasileiro destaca processo de gravação.
a Croisette [onde acontece o é que Sonia, hoje, é uma ainda que seu novo trabalho GABRIEL NUNES
VICTOR JUCÁ/DIVULGAÇÃO (AQUARIUS); ALLAN LOUROS (INSTINTO)

festival] como crítico de grande amiga”, diz Mendonça. “infelizmente reflete muito
cinema e observador. Em
“No set não estava apenas o que está acontecendo no
a estrela, havia um ser
2005, até exibi o meu curta Brasil hoje”. “Como comecei
humano por inteiro”
Vinil Verde na Quinzena dos a escrever o roteiro há três
Realizadores, mas naquele anos e rodei no ano passado,
ano também fiz cobertura jornalística. Desta há algo de intuitivo ao captar o estado de espí-
vez, não: eu vou apenas como cineasta, e isto rito do momento. De forma semelhante ao que
é fantástico!” acontece na política, as reações de quem já as-
O filme marca o retorno ao cinema da atriz sistiu têm sido passionais.”
Sonia Braga. Ela interpreta Clara, uma escritora Resta ver a resposta que o filme terá em Can- NA ESTRADA
e jornalista aposentada, viúva, mãe de três filhos nes para determinar a estratégia de lançamen- Quinteto Instinto
sai em turnê com
adultos. Clara mora no edifício Aquarius, o úl- to por aqui. Até o fechamento desta edição, es- canções inéditas
timo de estilo antigo na beira-mar do bairro de tava definida apenas a estreia na França, em 28
Boa Viagem, no Recife. Dona de um apartamento de setembro. CHRISTIAN PETERMANN

18 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


MÚSICA

Curtindo a Fama Com o Last Shadow


NOVO RUMO
ideia mista de arrogância e sofis-
Kane e Turner: Puppets, Alex Turner ticação. Tocávamos em lugares
disco recente é aprendeu a aproveitar o com teto de ouro e coisas assim”,
mais pautado
pelo pop lado positivo do sucesso conta Turner. O álbum se tornou
californiano um favorito cult e foi indicado ao

A
lex turner termina prêmio Mercury na Inglaterra.
o segundo martíni em Oito anos depois, o Last Sha-
um bar abafado de Nova dow Puppets está de volta com
York e se lembra das primeiras Everything You’ve Come to Ex-
visitas à cidade, há uma década. pect, mais voltado para o pop
O vocalista e guitarrista inglês californiano dos anos 1970. A
tinha 20 anos quando seu pri- dupla começou a trabalhar no
meiro grupo de sucesso, o Arctic disco quando o Arctic Monkeys
Monkeys, fez um show bastante fez uma pausa após lançar AM
comentado por lá. “David Bowie (2013). “Os outros [integrantes]
veio ao camarim”, tinham acabado de
conta. “Não sabía- “Ele gosta de ser ter bebês”, diz o can-
mos o que dizer a ele. um astro e encarar tor. “Voltaremos em
Estávamos simples- a coisa como ela algum momento.”
mente espantados.” é”, diz Miles Kane Há dois anos,
Na época, o Mon- sobre Turner Turner alarmou fãs
keys tinha acabado ao subir ao palco no
de liderar as paradas britânicas Brit Awards e divagar sobre “a
com o álbum de estreia. Só que natureza cíclica do Universo”.
Turner teve dificuldade em se “Muita gente achou que estava
adaptar à fama e não ficou feliz louco de drogas, mas não es-
com o segundo disco da banda, tava”, afirma. “Só não consigo
de 2007. Para se distanciar um fingir que ganhar um prêmio é
pouco, juntou-se ao amigo Mi- algo com que sonhei desde me-
les Kane, do Little Flames, para nino.” Kane diz que momentos
formar o Last Shadow Puppets, assim refletem a crescente con-
um projeto ambicioso que mis- fiança do vocalista na própria
turava rock de garagem, doo- fama. “Ele gosta de ser um as-
-wop, faroeste italiano e grandes tro e encarar a coisa como ela é.
orquestrações, cortesia de Owen Está mais confortável na pró-
Pallett, do Arcade Fire. “Era uma pria pele.” PATRICK DOYLE
CHRISTOPHER ANDERSON/ MAGNUM PHOTOS (ALEX TURNER); DIVULGAÇÃO

LIVRO TOPETES VERDE-AMARELOS REBELDES COM CAUSA


Integrantes das gangues
mas descobriu o ritmo ouvindo se materializou. Na obra, ele Ratz e Rebel 50’s na
Obra radiografa década de 1980
Elvis Presley, Eddie Cochran, recorda bandas pioneiras, como
trajetória do rockabilly Gene Vincent e outros pioneiros. Coke Luxe, do músico Eddy Teddy,
feito no Brasil A ideia para o livro surgiu no e Grilos Barulhentos. Também
final de 2013, quando Molinar fala das gangues, entre elas Ratz,
O rockabilly, estilo mais puro escolheu o gênero como tema do General Boys, Betty Boops e
dentro do rock and roll, só foi se trabalho de conclusão de curso na Simple Dolls (as duas últimas só de
firmar como subcultura em nosso faculdade de jornalismo. mulheres). Uma passagem
território no fim dos anos 1970. “A princípio, fiz uma interessante é o registro
E até hoje não havia um estudo grande reportagem, dos shows memoráveis
sério sobre o tema por aqui. A mas o assunto é muito que o trio Stray Cats fez no
situação muda com o lançamento abrangente”, explica. Brasil em 1990.
de Rockabilly Brasil, do curitibano Depois de três anos de “O objetivo do livro é
Eduardo Molinar. pesquisas, viagens e divulgar e difundir essa
O autor não era nascido nos anos mais de 100 entrevistas, subcultura”, afirma Molinar.
1950, quando o rockabilly surgiu, finalmente o lançamento PAULO CAVALCANTI

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 19


ROCK&ROLL OBSESSÕES DO MÊS
SEM MEDO
Duda Brack gosta da
desconstrução sonora

POR STELLA RODRIGUES

A cada edição, um
integrante da redação revela
o que tem feito sua cabeça
T
CAS
POD

Som VULTURE TV
O excelente crítico de
TV da revista New York,
Matt Zoller Seitz, ao lado

Torto
da colunista Margaret
Lyons e da editora de TV
Gazelle Emami, ambas do
blog Vulture, apresenta
discussões realmente
aprofundadas e embasadas
tado dessa mudança, porque comecei a conhecer
ACONTECE Adepta de uma estética os compositores, fui descobrindo as pessoas e me
sobre séries ou temas
televisivos em voga.
“suja”, a intérprete DUDA BRACK descobrindo também.”
investe na criação coletiva para Em 2013, Duda montou uma banda – com Ga- LIVR
OS
alcançar objetivos particulares briel Ventura na guitarra, Barbosa na bateria e
Yuri Pimentel no baixo – e passou cerca de oito
contemplação do belo é algo que meses ensaiando e desenvolvendo arranjos para,

“A não me seduz”, assume a cantora Duda em 2014, gravar o álbum com produção de Bruno
Brack, tentando explicar alguns dos as- Giorgi (que tem trabalhos com Lenine – ele é filho
pectos de É, disco de estreia dela, lançado há cerca do artista –, Cícero e Baleia no currículo). Além de
SÉRIE NAPOLITANA
Um sucesso mundial que
de um ano e que une vocais limpos e harmoniosos a banda de acompanhamento e produtor, em É Du- nunca revelou sua verdadeira
instrumentais tortos e dissonantes. “O álbum refle- da teve a ajuda de nomes como Dani Black, Carlos identidade, a escritora
te muito essa sujeira e subversão, coisas que estão Posada e César Lacerda, que forneceram canções italiana sob pseudônimo de
muito enraizadas em mim.” inéditas à cantora. Elena Ferrante faz um retrato
delicado e verdadeiro da
Aos 22 anos, Duda segue um caminho de des- “É um disco de intérprete, porque orbita em tor- amizade de vida inteira de
construção aberto por Tom Zé, des- no de uma essência que é muito mi- duas mulheres napolitanas.
trinchado pela “turma de São Paulo” “Peguei canções de nha, mas é completamente coletivo”, A leitura começa por A
(de Kiko Dinucci, que toca guitarra compositores que explica ela, que canta apenas faixas Amiga Genial, que já existe
em português no Brasil,
nos mais recentes álbuns de Juçara têm uma linha mais de outros compositores em É. “Re-
assim como o título seguinte,
Marçal e Elza Soares, Rodrigo Cam- tradicional, então eu presenta o meu encontro com os me- História do Novo Sobrenome.
pos, Passo Torto e Metá Metá, entre sentia aquilo como uma ninos, tem a assinatura e as referên-
outros) na última década e que ga- roupa que não cabia” cias deles. Por eu ser intérprete, até O
VISÃ
nhou vertente no Rio de Janeiro com minha matéria-prima é coletiva.” TELE
Ava Rocha e o álbum Ava Patrya Yndia Yracema Diferentemente de Elza Soares, Ava Rocha e
(2015). “Acho que estávamos muito de saco cheio, Juçara Marçal, Duda não tem tanta ligação com
buscando um pouco dessa subversão”, diz ela. o samba e flerta muito mais com uma sonoridade
DARYAN DORNELLES (DUDA BRACK); DIVULGAÇÃO

Duda Brack é de fora do eixo Rio-São Paulo – roqueira, ainda que equivalentemente orgânica.
nasceu no Rio Grande do Sul –, mas só se estabe- “Peguei canções de compositores que têm uma
@MIDNIGHT
leceu musicalmente quando foi morar na capital linha mais tradicional, então eu sentia aquilo
Para quem gosta de
fluminense. “O Rio foi mui- como uma roupa que não
improvisação (uma das
to importante para esse cabia, precisava buscar formas de comédia
trabalho”, conta a cantora, QUANDO COMEÇOU 2013 algo em outros lugares”, mais polêmicas) e,
cujas influências vão de PARA QUEM GOSTA DE confessa. “Se não tenho especialmente, para quem
Tom Jobim a Radiohead, Ava Rocha, Juçara Marçal, Baleia nada novo a acrescentar, gosta de estar por dentro
das tendências da internet.
passando por Ave Sangria e OUÇA “Cadafalso”, “Vaza”, “Dez Dias” eu prefiro não fazer.” O formato é de um game
Fiona Apple. “Ele foi resul- LUCAS BRÊDA show viciante, mas é
diferente de todos que
você já viu.
20 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br
ROCK&ROLL
FESTIVAL

Jogando
em Casa
Com novo disco pronto, Kaiser
Chiefs volta ao Brasil para encarar
plateia só de fãs

Momentaneamente focado na produção de um


novo disco, o Kaiser Chiefs retorna ao Brasil em
junho para tocar no encerramento da edição
2016 do festival Cultura Inglesa. Depois de
se apresentar no Lollapalooza (2013) e abrir
a excursão nacional do Foo Fighters (2015),
a banda chegará a São Paulo em condições
diferentes. “O que sentimos foi que o público
tinha ido para ver o Foo Fighters”, diz o baixista,
Simon Rix, sobre a ocasião em que abriram
para o grupo de Dave Grohl. “Quando voltamos
MÚSICA para casa, a primeira coisa que pensamos

Goiabada
foi: queremos voltar para a América do Sul.”
Quando subir ao palco do Memorial da América
Latina, no dia 12, o Kaiser Chiefs jogará em
casa: por serem a grande atração do evento,

com Queijo
os britânicos devem finalmente tocar para uma
maioria de fãs na cidade.
GRANDES AMIGOS O show no Brasil será o segundo de uma
Samuel Rosa e
série que se estende até agosto, marcando
Lô Borges estão
finalmente juntos o retorno do grupo aos palcos, depois
de finalizar a produção do sexto disco da
carreira. “Está basicamente pronto”, conta
Dois dos maiores nomes da avançou naturalmente para uma parceria Rix. Para o baixista, o próximo trabalho do
musical que deu origem a um show conjun- Kaiser Chiefs deixa a abordagem pop de lado,
música mineira, Lô Borges e sendo um “álbum maluco”, com as faixas mais
Samuel Rosa enfim registram to, já rendeu composições inéditas (incluin- “estranhas” da banda. “Nós fizemos muitas
do um hit, “Dois Rios”, gravado pelo Skank) jams. Ficamos tocando, tocando, tocando e
parceria de longa data e este mês ganha o CD/DVD Ao Vivo no Cine gravamos tudo. Depois, nos juntamos para ir
Theatro Brasil. “Eu queria que esse encontro mais a fundo no material.”

Í
cone do clube da esquina, lô borges fosse exatamente a antítese do que eu vivo Ao refletir sobre a carreira de mais de dez anos
com o Kaiser Chiefs, Rix comenta que fazer
encontrou pela primeira vez o líder do até hoje: essa coisa de a indústria fonográfica esse disco o fez se “sentir em uma nova banda”
Skank, Samuel Rosa, em uma festa no lançar discos periodicamente, fazer turnês e avisa: “O público da América do Sul vai ser o
ano de 1999. “Ele virou para mim e disse: extensas”, confessa Rosa. “Num primeiro primeiro a ouvir algumas músicas novas. Vão
‘Você regravou uma canção minha, é uma momento, não pensamos em gravar nada. ser nossos primeiros shows [depois de terminar
o álbum]. Com sorte, vocês vão amá-las e nós
alegria para mim! Desde criança que eu es- Só de uns cinco anos para cá é que conside- vamos ficar confiantes para lançá-las”. L. B.
cuto suas músicas, frequento seus shows’”, ramos efetivamente um registro.”
narra Borges, que regra- Ao Vivo no Cine Thea- RETORNO
vou a faixa do Skank “Te “As pessoas em BH criavam tro Brasil conta com Rix (ao centro) com
Ver” no disco Meu Filme uma polarização, e o Lô, participação de Milton o Kaiser Chiefs
(1996). Um já conhecia alheio a isso tudo, foi lá e Nascimento e Fernanda
a obra do outro: além de gravou uma música do Skank” Takai (deixando ainda
ter escutado Clube da mais mineiro o encontro)
Esquina (1972) desde bebê, Rosa tem como e traz no setlist clássicos de Skank e Clube
referência álbuns posteriores de Borges – A da Esquina, faixas solo de Borges e compo-
Via Láctea (1979) e Nuvem Cigana (1981) –, sições em parceria. “Montamos uma ban-
enquanto o ex-Clube da Esquina consumiu da – que não é nem o Skank, nem minha
o Skank a partir do segundo disco, Calango banda de apoio – e ensaiamos para dar uma
(1994). “Nessa festa, eu me declarei para ele”, unidade a esse repertório”, explica Borges,
comenta Rosa. “O Lô ter regravado ‘Te Ver’, expressando o duro desafio de colocar sob
WEBER PÁDUA; DANNY NORTH

de certa forma, ‘quebrou um gelo’ que havia o mesmo teto o balanço de “Te Ver” e a me-
entre a minha geração – de Pato Fu, Virna lancolia surrealista de “O Trem Azul”. Rosa
Lisi – e a dele. As pessoas em BH criavam opina: “Buscamos essa diferença, esse fres-
essa polarização, e o Lô, alheio a isso tudo, cor, outra maneira de enxergar a música. É
foi lá e gravou uma música do Skank.” o que eu acho mais legal e intrigante nesse
Em poucos meses, a relação da dupla encontro com o Lô”. LUCAS BRÊDA

22 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


CALENDARIO shows

MALIN JOHANSSON/DIVULGAÇÃO (JOSÉ GONZÁLEZ); EDUARDO VALENTE/DIVULGAÇÃO (CLARICE FALCÃO); DAVE J. HOGAN/DIVULGAÇÃO (THE VAMPS); DIVULGAÇÃO (NAZARETH); EOIN MCLOUGHLIN/DIVULGAÇÃO (KAISER CHIEFS); SEBASTIAN PATTER/DIVULGAÇÃO (NAPALM DEATH)
MAIO | JUNHO UMA SELEÇÃO DOS MELHORES EVENTOS MUSICAIS NO BRASIL

24 | Terça
MAIO NAZARETH
Área de Eventos do Shopping Vila
6 | Sexta Velha – Vila Velha (ES)
SYMPHONY X Os públicos de Vila Velha e
Sociedade Abranches – Curitiba (PR) Brasília/DF (Net Live, 25/5)
A banda norte-americana de serão os únicos a receber a ban-
rock progressivo fará um gi- da escocesa dona dos sucessos
ro curto, com três paradas. “Love Hurts”, “Where Are You 12 | Domingo
A primeira será em Curiti- Now” e “Dream On”. KAISER CHIEFS
ba, seguida por São Paulo/SP Memorial da América Latina – São
(Tom Brasil, 7/5) e Rio de Ja- Paulo (SP)
neiro/RJ (Circo Voador, 8/5). Ricky Wilson, Andrew White,
O grupo chegará ao país com Simon Rix, Nick Baines e Vi-
a turnê do disco mais recente, jay Mistry encerrarão a edição
Underworld (2015). 13 | Sexta de 2016 do Festival Cultura
CLARICE FALCÃO Inglesa com hits como “Ruby”,
Hangar Centro de Convenções – 27 | Sexta “I Predict a Riot” e “Everyday I
Belém (PA) DESTRUCTION Love You Less and Less”.
A cantora, comediante e atriz Bueiro do Rock – Teresina (PI)
fará mais um show do recém- A cultuada banda alemã de 24 | Sexta
-lançado disco Problema Meu, thrash metal desembarcará no NAPALM DEATH
mas deverá cantar também fai- país para subir ao palco de três Teatro Manauara – Manaus (AM)
xas de Monomania (2013). capitais. Antes de passar por A banda britânica de grindcore
8 | Domingo Teresina, o grupo se apresen- fará sete apresentações. A tur-
JOSÉ GONZÁLEZ 14 | Sábado tará em Brasília/DF (Clube do nê passará por Limeira (Bar da
Audio Club – São Paulo (SP) RACIONAIS MC’S Congresso, 27/5). A excursão Montanha, 21/6), Belo Horizon-
Depois de passar pelo Rio de Arena das Dunas – Natal (RN) terminará em Limeira/SP (Bar te (A Autêntica, 22/6), Rio de
Janeiro (Circo Voador, 6/5), o Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue da Montanha, 28/5). Janeiro (Teatro Odisseia, 23/6)
cantor de indie folk fará o show e DJ KL Jay realizarão uma apre- e, depois de aportar em Ma-
do disco Vestiges and Claws sentação única em Natal para di- naus, seguirá ainda para São
(2015) na capital paulista. vulgar Cores & Valores, eleito o JUNHO Paulo (Clash Club, 26/6).
Melhor Disco Nacional de 2014
12 | Quinta pela Rolling Stone Brasil. 7 | Terça
TRUCKFIGHTERS JOHN PIZZARELLI
Célula – Florianópolis (SC) Bourbon Street Music Club – São
O grupo sueco Truckfighters Paulo (SP)
retornará ao país para se apre- O renomado guitarrista e can-
sentar em São Paulo/SP (In- tor John Pizzarelli lançou no
ferno Club, 10/5), onde a aber- ano passado o disco Midnight
tura ficará por conta da banda McCartney, totalmente dedi- 28 | Terça
brasileira Macaco Bong. Em cado a canções de Paul Mc- FIFTH HARMONY
seguida, o Truckfighters via- Cartney. É com esse show que Pepsi on Stage – Porto Alegre (RS)
jará para Belo Horizonte/MG ele voltará ao Brasil, após dois A girl band que é um fenômeno
(A Autêntica, 11/5), Florianó- 21 | Sábado anos. A performance se repeti- do pop virá pela primeira vez
polis, Curitiba/PR (John Bull THE VAMPS rá no dia 8/6 no Bourbon Stre- ao país. O quinteto norte-ame-
Pub, 13/5), Brasília/DF (Ams- Tom Brasil – São Paulo (SP) et Music Club e depois seguirá ricano criado em 2012 passará
terdam Street 211, 14/5) e Rio A banda britânica de pop subirá para Porto Alegre/RS (Teatro ainda por Curitiba/PR (Expo
de Janeiro/RJ (Teatro Odis- ao palco no Brasil uma única vez Bourbon Country, 9/6), Rio de Unimed, 29/7), Rio de Janeiro/
seia, 17/5), finalizando o giro com o show da turnê Wake Up, Janeiro/RJ (Vivo Rio, 11/6) e RJ (Vivo Rio, 1/7), Brasília/DF
em Porto Alegre/RS (Obra que divulga o disco de mesmo retornará para São Paulo/SP (Net Live, 3/7) e São Paulo/SP
Club, 18/5). nome, lançado no ano passado. (Teatro Bradesco, 12/6). (Espaço das Américas, 5/7).

24 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


SEGUINDO SONHOS Não quero que meus filhos sai-
Tyler acredita que bam disso, mas só me preocupei
alguns clichês
são válidos com dinheiro quando descobri
que empresários e donos de gra-
vadoras tinham roubado quase
tudo de nós. Só pensava: “Cara,
Com shows marcados no se eu conseguir compor uma
Brasil, líder do Aerosmith música como os Kinks conse-
lista os ensinamentos guiram, como Janis Joplin, co-
adquiridos com a banda mo os Beatles, e tiver um irmão
Por Andy Greene para fazer isso comigo – Joe
Perry –, o resto virá”. Graças a

A
pesar dos rumores Deus, conseguimos isso. Agora,
de uma possível apo- temos contadores e advogados,
sentadoria do Aeros- porque quando você estoura, os
mith, a banda segue na es- abutres começam a rondar.
trada – já tem, inclusive, três Quem são seus heróis?
shows confirmados no Brasil, Há muitos, mas, na verdade,
em outubro (São Paulo, Porto qualquer pessoa que tenha so-
Alegre e Recife). Steven Tyler brevivido a um trauma. Gente
também trabalha, desde 2015, como Dave Grohl. Ele pode-
em um disco solo de country ria ter seguido o caminho do
music, e apesar das ocasionais restante do Nirvana, mas se
divergências com Joe Perry, levantou do banco da bateria
o guitarrista de sua banda, o e virou vocalista e guitarrista.
cantor não deixa de exaltar o Somos farinha do mesmo saco:
amigo: “Não importa o que Joe você não encontrará dois ca-
tenha dito recentemente sobre ras mais simples, pé no chão e
ciúmes, eu não poderia estar prestativos do que eu e David.
fazendo meu álbum solo se não Que livros você está lendo
fosse por ele”. agora?
Acabei de ler História da Mi-
Quais são as melhores e as nha Vida, do Giacomo Casa-
piores partes do sucesso? nova. Amei pra caralho. Era
Sou uma daquelas poucas pes-
soas que amam a notoriedade.
Amo ser amado por gente que
Steven Tyler eu em outra época, metade ho-
mem, metade mulher.
O que quer dizer com isso?
ama as músicas que a minha “As pessoas estão morrendo devagar. Ou ficam muito na Bom, você já ouviu o Aerosmith
banda amou o suficiente para – há muita energia feminina
internet e perdem o emprego ou estão comendo demais”
gravar. Agora, o outro lado é naquele som. Se está esperan-
que todos têm uma câmera no do que eu declare que estou
iPhone, então não dá para ir a do Super Bowl ou um quaren- anos tem sido uma das maiores saindo do armário, não é isso.
lugar algum sem tirar uma fo- tão fala que se casou ao som de alegrias da minha vida. Só estou dizendo que, com Paul
to. Tenho uma camiseta ótima “I Don’t Want to Miss a Thing”. Parece que vocês cinco per- McCartney, há muita energia
com a estampa “go fuck your Há mais de quatro décadas, ceberam que as forças que feminina na melodia. E com o
selfie” [ foda-se sua selfie], que você lidera uma banda com os atraem são maiores do John Lennon eu diria que há
uso quando vou a aeroportos. pessoas de personalidade que as que os afastam. mais energia masculina. Sem-
Parece que, em parte do forte. O que isso te ensinou Bem colocado, meu bom ho- pre achei isso.
tempo, você odeia a fama. sobre liderança? mem. Uma das maiores coisas Que regras você segue na
Depende de como acordo pela A não ser que você seja um ge- que aprendemos é “não consigo vida?
manhã. Às vezes, estou na aca- neral comandando soldados fazer isso sozinho”. Nunca po- Você é o que come. Durma
demia às 7h30, ainda não tomei que apenas seguem as ordens, deria ser o cara com quem você com um olho aberto. Siga seus
café e todo mundo que me en- só pode guiar tendo os outros está falando se não fosse por sonhos. Há muitas delas. As
DEMIS MARYANNAKIS/STAR MAX/IPX

contra fica tipo “ai, meu Deus!” como exemplo. No começo [o nós cinco sentados na cozinha pessoas estão morrendo lenta-
É como ser bicado até a morte Aerosmith] só tinha a ver com em Lake Sunapee, no verão de mente hoje. Ou ficam muito na
por galinhas, mas também há fumar muita erva, tentar acor- 1971, decidindo nos mudar pa- internet e perdem o emprego
momentos em que fico muito dar alguém [com nossa músi- ra Boston. ou estão comendo demais. Tu-
grato, como quando um menino ca] e muitas brigas no “clube do O que você entende sobre do isso vai te derrubar. É tão
de 9 anos me diz que amou um bolinha”, mas eles me ensina- dinheiro agora que não en- evidente quanto colhões em
comercial comigo no intervalo ram muito. E estar junto há 40 tendia há 40 anos? um cachorro alto.

26 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


ELA É O CARA
A diretora de comunicação de Karl
Lagerfeld, Caroline Lebar, esteve no
Brasil para o lançamento da coleção do
designer com a Riachuelo. A campanha
tem como musa a top Isabeli Fontana

LUCIANA PREZIA/GETTY IMAGES (ANITTA); LUCIANA PREZIA (CAROLINE LEBAR E ISABELI FONTANA); IAN WEST/PA WIRE (ROBERT DOWNEY JR.); REPRODUÇÃO
Rainhas da Noite LEGADO ADIANTE
Gisele Bündchen não poderia se aposentar
das passarelas sem deixar alguém à altura
A cantora Anitta (ao centro) animou a festa da Dolce & Gabbana, em São Paulo, que dela para desfilar nas próximas estações. O
homenageou a editora de moda Anna Dello Russo, da Vogue Japão. (Da esq. para a dir.) Débora escolhido foi o apresentador Jimmy Fallon,
Nascimento, Sabrina Sato, Iara Jereissati e Grazi Massafera também estiveram presentes. que arrasou na aula de catwalk

UM POR TODOS PHIFE SQUAD


Não teve briga entre Marvel e Chris Rock, André 3000, DJ D-Nice, Jarobi
DC quando o Homem de Ferro White (A Tribe Called Quest), Jack White
(Robert Downey Jr.) visitou e Dave Chappelle em estúdio? Bem que
um pequeno paciente de um poderia ser, mas esta turma improvável se
hospital em Londres que, reuniu apenas para homenagear o falecido
claramente, prefere o Batman Phife Dawg na casa de Q-Tip

28 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


INSTAMANIA
O MÊS DAS CELEBRIDADES NO INSTAGRAM

Sylvester Stallone

Ególatras
Unidos @officialslystallone
O dia em que descobrimos que Kanye West ama alguém mais,
além de Kanye West: o músico mostrou seu lado fanboy na “Duff McKagan, o lendário gigante do rock do Guns
despedida do jogador de basquete Kobe Bryant das quadras. N’ Roses, arrasou com os fãs no Coachella!”
O evento ainda teve Flea (no detalhe), do Red Hot Chili
Peppers, tocando o hino nacional
Prince George
REPRODUÇÃO (INSTAMANIA,ERUNDINA, LEO DICAPRIO, FLEA); NBA/GETTY IMAGES (KOBE BRYANT); AP PHOTO/PABLO MARTINEZ MONSIVAIS (ROSARIO DAWSON)

@kensingtonroyal
LUGAR OCUPADO “O príncipe George conheceu o presidente e a
Lideradas pela deputada do PSOL Luiza Erundina, várias primeira-dama dos Estados Unidos.”
deputadas tomaram a cadeira de Eduardo Cunha durante
uma sessão para protestar contra a manobra do presidente da
Câmara durante a votação para criar a comissão de mulheres Maisie Williams

@maisie_williams
“(11/12) Eles estavam ficando em dia com o último
episódio da 5a temporada quando entrei, e todos nós
SEPARAÇÃO DE
demos risadas nervosas enquanto tirávamos fotos e
ESTADO E DINHEIRO
assistíamos à cena do ‘shame’. Me diverti demais, todo
UNIDOS PELA CAUSA Rosario Dawson participou de
mundo estava muito empolgado. Agradeço a Mark,
Em Nova York, o ator e ativista um protesto em Washington a
Kate e cia. por nos receberem em seu apartamento.
Leonardo DiCaprio apoiou o secretário- favor de reformas que diminuam
Aproveitem o resto da 6a temporada.”
-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, durante a influência do dinheiro na política
a assinatura do trato sobre mudança norte-americana. A atriz e muitas
climática chamado de Acordo de Paris outras pessoas acabaram detidas SIGA O INSTAGRAM DA RS BRASIL
@ROLLINGSTONEBRASIL

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 29


Dor
Passada,
Suingue
Bom
Fernanda Abreu
superou uma
separação e a morte
da mãe para lançar

E
m meados de 2008, fer-
o primeiro disco de nanda Abreu finalizava a
turnê do CD e DVD MTV ao
inéditas em mais Vivo quando começou a sen-
tir necessidade de gerar outro disco.
de uma década Na época, a cantora e compositora
carioca jamais poderia imaginar que
demoraria oito anos para dar à luz o
oitavo álbum da carreira solo, inicia-
POR MAURO FERREIRA da em 1990. O começo de uma crise
no casamento com o artista gráfico
Luiz Stein, a entrada da mãe em co-
ma por causa de um tumor no cé-
rebro e a adaptação lenta e gradual
do mercado fonográfico ao mun-
do digital adiaram e atrapalharam
30
Fernanda Abreu
a conclusão do disco. Primei- vivo da MTV teve caráter revisio-
ro álbum de Fernanda em dez nista, Fernanda não apresentava
anos, Amor Geral chega enfim ao repertório inédito desde Na Paz,
mundo neste mês de maio, após a álbum de 2004.
resolução da série de turbulências Fawcett é nome decisivo na dis-
na vida pessoal da artista. Oficia- cografia solo da cantora, estando
lizada em 1983, a união com Stein presente desde o primeiro álbum
não resistiu à crise detectada em feito por ela após o desligamento
2008 e acabou em 2011, em sepa- da Blitz. No segundo trabalho so-
ração comunicada oficialmente lo, SLA 2 – Be Sample (1992), criou
apenas em 2012. “Em um casa- com ela e Carlos Laufer “Rio 40º
mento de 28 anos, você leva anos Graus”, hino da “cidade maravilha,
se separando”, pondera a artista. purgatório da beleza e do caos”.
Enquanto o relacionamento com SLA 2 foi um dos primeiros discos
Stein ruía, a mãe dela, Vera Ma- brasileiros a mergulhar fundo no
rina, passou longos seis anos em universo da música eletrônica e a
coma até morrer, em 2014. “Eu vivi propagar com orgulho já no título o
o luto de ver minha mãe em coma uso do sample como ferramenta de
durante esse tempo todo e de ver criação. Dois anos antes, em 1990,
meu casamento acabar, tendo que Fernanda já experimentara uma
dar atenção às minhas duas filhas. linguagem brasileira para a dan-
A minha vida pessoal demandou ce music ao mixá-la com a disco
muito de mim”, diz a cantora, music dos anos 1970 em SLA Ra-
que se inspirou na dura jornada dical Dance Disco Club. Em 1996,
da mãe para compor “Antídoto”, ela caiu no suingue do samba-
única música que assina sozinha -funk, absorveu o veneno da lata e
em Amor Geral. se transformou na “garota carioca
A caminho dos 55 anos de idade, suingue sangue bom”, epíteto que a
a serem festejados em 8 de setem- acompanha até hoje.
bro, a carioca Fernanda Sampaio de La- músicos contemporâneos, como Donati- Mãe de duas filhas, Sofia e Alice, Fer-
cerda Abreu fala de maneira segura dentro nho e Qinho, e se reconectou com antigos nanda se porta atualmente como uma “jo-
do estúdio caseiro que mantém no Jardim colaboradores, caso de Fausto Fawcett, vem senhora” carioca de suingue sangue
Botânico, oásis de paz e música entranhado parceiro da artista na composição da fai- bom. Sempre abriu espaço para conversas
em abastado bairro da zona sul do Rio de xa-título de Amor Geral, assinada também francas com as filhas e fez questão de es-
Janeiro. Afinal, Fernanda viveu a fase na- por Wladimir Gasper. Como o projeto ao tar perto delas para falar sobre qualquer
babesca do mercado do disco ao ser proje- que fosse o assunto. Purga o sofrimento
tada nacionalmente na década de 1980 co- de quase toda mãe, às voltas com o caos
mo integrante da Blitz, banda que invadiu da cidade abatida por balas perdidas que
a praia da MPB no verão de 1982, abrindo
as portas da indústria para o pop-rock bra-
Amor ao Funk ceifam vidas diariamente. Sofia, que faz
24 anos em junho, anda de ônibus. Alice,
sileiro. Discos de ouro e turnês milioná- de 16 anos, também. E às vezes cisma de
A artista sai em defesa do gênero
rias faziam parte do pacote. “Sou de uma sair a pé à noite pelo Rio, para preocupa-
época em que era possível fazer um nome Sei que tem um monte de funk que, para ção de Fernanda. Mas tudo é negociado.
nacional como eu consegui fazer. Por isso, muita gente, é difícil digerir. Tem o funk “Também sou uma mãe supertradicional.
continuei trabalhando e estive sempre me da putaria, do proibidão. Tem o funk mal Quando eu posso, levo e busco. Ou combi-
feito. Mas as pessoas veem como se todo
movimentando nestes dez anos que sepa- no com outras mães. Alice e Sofia também
funk se resumisse a isso. E mesmo o cara
ram Amor Geral do disco ao vivo da MTV.” do proibidão fala sobre o que ele está andam de Uber, usam aplicativo de táxi.
NA DUPLA ANTERIOR: GIOVANNI BIANCO. NESTA PÁGINA: DIVULGAÇÃO

Agora, o mundo da música é outro. A vivendo e sobre o que está se passando em Elas ficam gritando por liberdade. Nessa
artista também é outra. “A gente viu des- determinada parte da cidade. A questão idade, os jovens acham que podem tudo, e
moronar um modelo de negócio e ficou é que o preconceito contra o funk embute é fundamental que a gente esteja presente
racismo e está diretamente ligado a
todo mundo apreensivo”, ela pontua. “Hoje esse racismo. Os caras são pretos. E tem
como mãe. Vi minhas filhas crescerem de
estamos todos, artistas e consumidores, à essa coisa da classe média brasileira de fato, isso foi muito importante para mim. E
mercê de quem controla as plataformas di- determinar o que é bom gosto. A MPB é o aqui em casa ninguém é dono da verdade.
gitais. O único lugar onde o dinheiro ainda bom gosto, o fino da bossa. No entanto, a Sempre teve diálogo, reflexão, olhar crítico.
música brasileira é muito rica, tem muita
parece entrar fácil é no mercado musical Mudar de ideia nunca foi problema.”
coisa bacana acontecendo. Tem muito funk
do agronegócio. Até hoje eu me pergunto: horroroso, mas também tem muita gente
‘Por que gravar um disco de dez músicas’?”

A
chata pra caralho tentando fazer MPB e pós a separação de luiz stein,
A resposta pode estar no ímpeto de cria- não decola. O samba conseguiu se livrar do Fernanda Abreu se envolveu mu-
ção que move a artista. “É um estímulo preconceito e demorou muito para obter sical e afetivamente com Tuto
respeito, os caras apanhavam e tudo. Pelo
interno de emoção e de afeto”, Fernanda visto, ainda vai demorar para o funk também Ferraz, baterista do Grooveria,
conceitua. Impelida pela vontade de com- conseguir esse respeito. FERNANDA ABREU coletivo paulistano. A união amorosa per-
por e gravar, a artista abriu parcerias com manece, e a musical está exposta na ficha

32 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


1 2 ceria com Gabriel Moura e Jovi
Joviniano que traz também a as-
sinatura ilustre do DJ e produtor
norte-americano Afrika Bam-
baataa. “O pop brasileiro ficou
muito MPB nos últimos anos.
Entrou numa onda lo-fi, com
muito ukelele, muito violãozi-
nho. Está muito assim hoje: ou
muito MPB ou muito indie. Eu
queria voltar ao disco com um
negócio mais poderoso, um som
mais vigoroso, mais porrada”,
Fernanda avisa.
Defensora do funk desde a
explosão do gênero na década
3 de 1990, ela ainda detecta pre-
conceito no estilo hoje domesti-
cado pela indústria fonográfica
SANGUE FORTE com o toque pop que dá o tom
(Na outra pág.) Fernanda (a
segunda da dir. para a esq.) em
do som de estrelas como Anitta
1982, junto à Blitz. 1. Com as filhas, casamento e da entrada da e Ludmilla. “Eu percebo que o funk cario-
Alice e Sofi a. “Em casa ninguém é mãe em coma. Antes, porém, ca já vem com preconceito embutido em si.
dono da verdade”, diz a cantora;
2. O companheiro, Tuto Ferraz, Fernanda já absorvera fortes A própria expressão ‘funk carioca’ vem com
também trabalhou no novo disco; pancadas na vida pessoal esse adendo do preconceito. Mas o funk ca-
3. Na adolescência sem ir para o divã. A mais rioca é a música eletrônica brasileira. Eu às
violenta lhe foi dada quando vezes fico chateada de perceber que as pes-
técnica de Amor Geral. Ferraz é omou consciência de que a soas ficam tentando se livrar dele. A Anitta,
parceiro dela em “Valsa do De- mãe, então com 38 anos, ti- por exemplo, é boa, tem musicalidade e não
sejo” e toca bateria, percussão e teclados nha um tumor na cabeça. “Aquilo foi um precisa forçar a barra para dizer que é pop e
em seis das dez músicas do disco. choque na minha vida. A partir dali, eu fi- que não é mais funk.”
O título do álbum extrapola a paixão quei mais forte.”
de Fernanda por Ferraz. “O amor parece Expiado o sofrimento, a força da criação

S
em a proteção da indústria fo-
banal, mas atualmente representa a ban- musical voltou a se manifestar para valer a nográfica dos tempos idos, Fernan-
deira da resistência”, ela declara. “Love partir de 2013. As dez músicas de Amor Ge- da Abreu virou também uma mulher
is the new money. O que é a vida senão o ral foram compostas nos últimos três anos. de negócios. Bancou e administrou,
encontro? Qual a graça da vida senão as As dores estão lá, entranhadas no DNA de sozinha, a produção executiva de Amor Ge-
outras pessoas? Nesse disco, eu tomo po- um disco dançante, calcado nos subgraves e ral, disco formatado por sete produtores.
sição política em favor do amor. Mais do repleto de canções autobiográficas. Do time formado por Liminha, Rodrigo
que nunca, é preciso exercitar essa pala- Amor Geral reaviva a identidade mu- Campello, Sérgio Santos, Tuto Ferraz, Wla-
vra chamada tolerância. Uma palavra que sical de Fernanda sem copiar fórmulas e dimir Gasper e a dupla T.R.U.E. (formada
parece ingênua, porque o sons de discos anterio- por Qinho e Gui Marques), somente Limi-
capitalismo trouxe cinis- res. “Quando eu gravo nha já atuava como produtor musical na
mo para o mundo, para as um álbum, busco sempre década de 1980, quando o Brasil conheceu
religiões. Por exemplo: as apresentar alguma no- a voz e o rosto da cantora, mas não o som,
pessoas precisam entender “Love is the vidade dentro da minha já que na seminal banda Blitz Fernanda era
que já há novos modelos de trajetória. Neste eu quis somente vocalista, sem poder de criação no
família. É fundamental fa- new money. enfatizar uma assinatura repertório (ela se derrete, no entanto, pelo
lar de liberdade.” grande dos subgraves que líder do grupo, Evandro Mesquita: “Ele é
Fernanda parece ter O que é a estão no trap, no dub, no um fofo. Sempre nos falamos”).
construído o próprio mun- funk, no surdo do samba Concluídas as gravações de Amor Geral,
do com base no amor que vida senão e no pop R&B”, ela enu- a cantora acertou com a gravadora multi-
prega de forma ampla e mera. “Ouvi e pesquisei nacional Sony Music a distribuição do ál-
irrestrita. “A separação o encontro? muita coisa. No disco bum. Antenada com os rumos da indústria,
do Stein foi dolorosa. O tem um pouco de house, ela pediu ênfase na divulgação no mundo
luto da minha mãe, tam- Qual a graça algo de charme, tem soul digital. “Nunca se ouviu tanta música e
bém. O que me segurou e tem também funk ca- nunca foi tão difícil fazer negócio com ela”,
foi o amor”, reitera a ar- da vida senão rioca feito na contramão Fernanda conclui, sem saudosismo.
ARQUIVO PESSOAL

tista. A segurança foi re- do funk pop que se ouve


forçada com a decisão de as outras hoje nas rádios.” www.rollingstone.com.br
Conheça a discografia completa
fazer análise em 2008, o Fernanda está falando
primeiro ano da crise no pessoas?” da faixa “Tambor”, par-
de Fernanda Abreu.

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 33


1958 2016

Prince
Astro do rock, senhor do funk, provocador, gênio:
como o artista criou um universo inigualável e
repleto de adoradores – mas, no fim, se foi sozinho

Por Joe Levy

N
o dia 14 de abril, uma quinta-feira, mais ou me-
nos às 18h, uma SUV preta estacionou na frente do tea-
tro Fox, em Atlanta, Estados Unidos. Faltava uma hora
para o show, mas Prince não precisava de muita prepa-
ração – essa era a oitava parada da turnê Piano and a
Microphone, uma série de apresentações fora do comum (quase sempre
duas por noite) que mostrava um dos maiores artistas do mundo redu-
zindo a escala de sua performance a um recital íntimo. “Ele só passou o
som durante alguns minutos”, Lucy Freas, a produtora que organizou es-
se evento, conta à Rolling Stone. Como era hábito dele havia mais de uma
década – não importava se estivesse tocando sozinho para um teatro com
4.600 lugares ou com uma numerosa banda para uma arena com capa-
cidade para 20 mil pessoas –, os shows eram organizados de última hora.
Lucy tinha recebido um e-mail com o título “Prince” alguns dias antes.
A equipe dele estava procurando uma produtora independente. Será que
ela estava interessada? Dez minutos depois, já estava ao telefone.

Rol l i ng S t on e Br a s i l

34
REI DA GUITARRA
Prince no início
de 1985, na turnê
Purple Rain
Esses shows de Atlanta haviam si- sempre foi – inquieto e deliberado com no quadril que possivelmente vinham
do marcados originalmente para o sua arte e imagem, tendo desafiado as de 30 anos atrás, devido a lesões ad-
dia 7 de abril, com ingressos à venda normas binárias de gênero. A canção quiridas durante a turnê Purple Rain.
nove dias antes (muito mais tempo fala a respeito do desejo de transcen- Ele parecia frágil, mas de bom hu-
do que as 32 horas que o Sony Cen- der – de agarrar um momento de gló- mor, na noite seguinte, sábado, 16 de
tre, em Toronto, Canadá, teve para ria capaz de transformar o que é im- abril, de acordo com quem esteve em
comercializar entradas para um show Rock permanente em algo eterno – e Prince uma festa dançante no complexo de
em março). Os ingressos para o teatro Quente incorporou a letra, marcando cada Paisley Park, onde Prince vivia. Exi-
Fox esgotaram imediatamente, mas verso com uma estocada vocal. biu uma guitarra nova, mas deixou no
um problema de saúde obrigou Prin- RS 394 No show das 22h, o terceiro e último estojo – “Ultimamente, não consigo
ce a adiar Atlanta por uma semana; (Abril/1983) bis começou com “Sometimes It Snows tocar guitarra”, disse, de acordo com o
quando ele chegou naquela in April”, de Parade (1986), uma relato de Jon Bream, que cobre Prince
noite, ainda não estava pas- eulogia para o personagem Ch- há muito tempo no jornal Minneapo-
sando bem. “Não se preocupe”, ristopher Tracy, que Prince in- lis Star Tribune –, e divertiu os 300
o coordenador da turnê disse. terpretou no filme Sob o Luar presentes com sua versão de “O Bife”
“Ninguém vai saber. Ele vai se da Primavera. “Sometimes I em um piano roxo novo. “Esperem
apresentar, e vai dar tudo de si.” wish life was never ending” (“Às alguns dias antes de desperdiçarem
Quando subiu ao palco para vezes eu queria que a vida não suas preces”, ele lhes disse.
o primeiro show, ele parecia à tivesse fim”), diz o refrão. “All Na quinta-feira seguinte, dia 21 de
vontade, cumprimentando os good things, they say, will never abril, de manhã, Prince foi encontra-
fãs da frente antes de se sen- last” (“Todas as coisas boas, di- do em um elevador em Paisley Park.
tar ao piano e dar início a uma zem, nunca vão durar”). O show Fontes dizem que ele estava morando
versão de “Little Red Corvet- terminou com “Purple Rain”. sozinho em um apartamento no 20 an-
te”, incluindo trechos de “Dirty Prince incluiu pequenos tre- dar nos fundos do complexo de 6 mil
Mind” e o tema da turma do Prince tinha 24 anos chos de “The Beautiful Ones” e metros quadrados, desde que demoliu
Charlie Brown. Foram 80 minutos de quando fez sua “Diamonds and Pearls”, então retomou a casa onde vivia, ali perto, em 2005,
hipnotizar. O piano foi o primeiro ins- primeira capa para a
Rolling Stone norte-
a música de 1984 que anunciou sua as- mais ou menos na época de seu segun-
trumento de Prince – o pai dele, John americana, em censão ao status de superastro. O pú- do divórcio. A última vez que foi vis-
Nelson, tinha tentado ganhar a vida 1983. Foi na época blico se juntou a ele no famoso falsete to vivo foi por volta das 20h da noite
em que “Little Red
como pianista de jazz. (“[Meu pai] não Corvette” estava sem palavras no fim, batendo palmas. anterior. Uma ligação para o serviço
me ensinou isso”, ele brincou a certa começando a E foi assim que o show acabou. de emergência foi feita às 9h43 da ma-
altura, durante uma elaboração brin- decolar, mas ele já Três semanas antes – depois de nhã, mas os atendentes médicos não
tinha toda uma aura
calhona de “O Bife”. “Eu aprendi sozi- de mistério ao redor apresentações em Montreal e Toronto puderam reavivá-lo e Prince foi decla-
nho.”) Em alguns momentos, parecia de si – em parte por –, ele organizou festas após os shows rado morto às 10h07. Tinha 57 anos.
que as músicas estavam ganhando causa da decisão
de não falar com a
em clubes locais. No Everleigh, em To- Em Minneapolis, naquela noite, as
forma pela primeira vez. Em outros – imprensa. “Rumores ronto, uma jam session ocorreu tarde ruas ao redor do First Avenue, o clube
principalmente no segundo show, no começaram a se da noite. “Eram 3h ou 3h30 da ma- onde as cenas de show do filme Purple
espalhar, e agora é o
qual ele tocou uma versão dinâmica silêncio dele que os nhã”, diz o produtor Rubin Fogel. “Ele Rain foram feitas, foram fechadas en-
de “Black Sweat”, de 3121 (2006) –, alimenta”, escreveu tinha chegado em um jatinho parti- quanto milhares de pessoas se reuni-
soavam perfeitas, com a voz dele e os Debby Miller, que cular. Só podia levantar voo às 6h por ram para dançar e cantar as músicas
falou com todo
ritmos comandados por sua mão es- mundo da equipe, causa do horário do aeroporto. Então, de Prince. Essa gente não estava sozi-
querda preenchendo todo o espaço. exceto o próprio resolveu tocar.” nha. Dançaram em Los Angeles e no
Assim como aconteceu com vários Prince. A cantora
Vanity apareceu na
Em Atlanta, não teve festa. Ele foi Brooklyn, em Nova York, onde Spike
NA DUPLA ANTERIOR: THE LIFE PICTURE COLLECTION/GETTY IMAGES; REPRODUÇÃO

artistas visionários, houve um perío- capa com ele – ela direto para o aeroporto e, por volta da Lee abriu a porta da garagem de sua
do na carreira de Prince – quase toda morreu em fevereiro 1h da manhã, uma ligação de emergên- produtora, a 40 Acres and a Mule, e
de 2016, também
a década de 1980 – no qual a música aos 57 anos cia foi feita do avião. O Dassault Falcon um DJ tocou canções de Prince em
dele parecia viver no futuro. Talvez 900, de 1988, estava a menos de uma alto volume madrugada afora.
por causa disso, alguns momentos no hora de Minneapolis, mas pousou em As pessoas estavam reunidas para
teatro Fox agora soem como premoni- Moline, Illinois. Apesar de o motivo ter representar a música que sempre falou
ções. No show das 19h, ele fez uma co- sido atribuído a uma gripe – a mesma do sentido de comunidade – as utopias
ver de “A Case of You”, de Joni Mitchell, causa dada para o cancelamento dos da liberdade musical e sexual que ele
há muito tempo uma de suas artistas shows em Atlanta na semana anterior chamou de Uptown, Paisley Park ou
preferidas. Em 2015, Joni foi encon- –, há relatos de que Prince foi suposta- Erotic City. Ele foi a maior figura ilusó-
trada sozinha e inconsciente em casa, mente tratado devido a uma overdose ria do rock, sendo que a ilusão era que
em Los Angeles, depois de sofrer um de medicamentos controlados, pos- ele seria capaz de se transformar em
aneurisma cerebral. (De lá para cá, ela sivelmente o analgésico Percocet, em qualquer coisa que pudesse ser um as-
se recuperou parcialmente.) Também um hospital local, e foi embora porque tro do rock. “Am I black or white, am I
tocou “Heroes”, de David Bowie, uma não havia quarto particular dispo- straight or gay?” (“Sou negro ou bran-
homenagem a um artista que havia nível. Os shows dinâmicos que fazia co, sou hétero ou gay?”), perguntou
morrido apenas três meses antes, e tinham exigido um preço a ser pago – em uma música. A única resposta era
que tinha sido – como o próprio Prince fontes dizem que ele tinha problemas sim. Ele mudava a voz de masculina

36 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


1 2

para feminina e se cobria de mistério e interligadas, e essa união era consa- CALOR HUMANO 1985. “Ela é assim o tempo todo. Meu
de roupas de corte impecável (quando grada pela música dele. 1. A imagem de pai é sereno de verdade; precisa de mú-
Prince sempre teve
resolvia usar roupa), vendendo fanta- Com a partida de Prince, o públi- apelo sexual, como
sica para ficar animado.” Maluquice e
sia em sua música e em sua imagem. co o homenageou em Minneapolis, ele mostrou na serenidade formariam uma das várias
Essas fantasias eram sexuais de modo em Los Angeles e no Brooklyn da apresentação de contradições que o artista incorporou
“Get Off” no Video
ultrajante e apaixonadamente religio- única maneira que fazia sentido: Music Awards, em ao longo da vida.
sas, às vezes ao mesmo tempo. O rock dançando pelas ruas. 1991; 2. No Grammy, A música se manifestou ainda na
and roll sempre cruzou o sagrado e o em 2004, ele voltou infância. “Quando ele tinha 3 ou 4
a ser assunto por
profano, mas ele elevou o padrão ao rince rogers nelson anos, nós íamos à loja de departamen-

P
causa de sua música
apocalíptico e ao pornográfico. nasceu no dia 7 de junho ao cantar ao lado tos e ele pulava em cima de qualquer
de Beyoncé; 3. Com
Mais do que qualquer outro astro de 1958, no Hospital a segunda esposa,
instrumento que estivesse ali. Quase
da década de 1980, Prince trouxe os Mount Sinai, em Min- Manuela Testolini, de sempre piano e órgão. Eu tinha que fi-
sonhos do passado do rock and roll neapolis. Desde o início, quem se divorciou car procurando por ele, e era lá que ele
em 2006
KEVORK DJANSEZIAN; AP PHOTO/KEVORK DJANSEZIAN; KEVORK DJANSEZIAN

para o presente: vestiu o casaco de carregou as esperanças e o peso dos so- estava”, Mattie declarou ao jornal Min-
Jimi Hendrix, usou o bigode de Little nhos de seu pai. John Nelson foi líder neapolis Star Tribune, em 1984. Aos 5
Richard, dominou os passos de dança de um grupo chamado Prince Rogers anos, a mãe o levou para ver o pai se
de James Brown e fez tudo isso por Trio. “Eu coloquei o nome de Prince no apresentar. Era um espetáculo burles-
cima de batidas de bateria eletrônica, meu filho porque queria que ele fizesse co. Enquanto as dançarinas faziam a
mostrando como os impulsos da his- tudo o que eu quis fazer”, John disse parte delas, o teatro vibrava com ani-
tória podiam ser transformados no em certa ocasião. A mãe dele, Mattie mação. “A partir de então, eu quis ser
som do futuro. “Dearly beloved, we Shaw, era uma vocalista que lembrava músico”, Prince disse mais tarde. Eros
are gathered here today to get through o tom amargurado de Billie Holiday. e a música estavam fundidos, e o poder
this thing called life” (“Caros amados, Ela tinha cantado com o trio de John, da combinação se fixou na mente dele.
estamos aqui reunidos hoje para pas- mas parou depois que eles se casaram Tanto a mãe quanto o pai eram ad-
sar por esta coisa chamada vida”), ele – o casal já tinha cinco filhos de rela- ventistas do sétimo dia rígidos; Prince
entoou no início de Purple Rain. In- cionamentos passados. Mattie era 17 depois diria que o que ele mais tirou da
dependentemente de as pessoas que anos mais nova do que John, e os dois religião foi “a experiência do coral”. Ele
estavam escutando serem negras ou tinham personalidades bem diferen- declarou a Chris Rock, na MTV, em
brancas, independentemente de se- tes. “Minha mãe é o meu lado maluco”, 1997, que a mensagem da igreja “era
rem heterossexuais ou gays, estavam Prince declarou à Rolling Stone, em baseada em medo”, mas que ele conse-

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 37


guiu absorver muito da Bíblia adven- fora?”, afirmou à Rolling Stone em Prince acabou indo morar na casa de
tista: a Igreja Adventista se concentra 1990. “Daí eu ficaria só comigo, e teria Cymone. A Soul Explosion ensaiava no
no Livro do Apocalipse e no caos imi- que me defender. É por isso que preci- porão. “Tínhamos uma filosofia de que
nente que vai preceder o retorno de so me proteger.” enquanto todas as outras pessoas esta-
Cristo. Prince iniciaria o álbum que Prince era tímido em público, mas vam jantando peru e assistindo a jogos
deu uma reviravolta em sua carreira, agia como moleque com os amigos. de futebol americano e fazendo todas
1999, com uma música que transfor- Do Jeito Na escola, era um aluno desinteres- essas coisas, a gente precisava ensaiar”,
mou o apocalipse em comemoração. E Dele sado. Música e esporte eram suas relembra o baixista. “Vamos ser supe-
seu maior disco tirou o título da revista paixões. James Harris III (que depois rastros, e se vamos ser superastros pre-
adventista Signs of the Times. RS 429 ficou conhecido como Jimmy Jam) cisamos ensaiar.” A música tinha que
Quando Prince tinha por volta de 8 (Agosto/1984) o conheceu em uma aula de música parar às 22h, mas Prince acabou se
anos, seus pais se separaram. no penúltimo ano do ensino mudando do quarto de Cymone para o
Ele mais tarde viria a se lem- médio. “Assim que o professor porão, onde podia baixar o som da gui-
brar de discussões constantes, saía da sala, a gente começava a tarra e tocar até as 4h da manhã. Esses
sendo que a carreira musical improvisar”, conta Jimmy Jam. hábitos noturnos de fazer música per-
do pai era ponto de atrito. Ele “O que ele tocava no teclado era maneceriam pelo resto da vida.
“se sentia magoado por nunca fantástico – coisas que eu nem Quando tinha 16 anos, ele já com-
ter tido uma chance, devido podia sonhar em fazer, e eu me punha as próprias músicas. O grupo
ao fato de ter mulher e filhos considerava um tecladista bem se transformou em Grand Central
e tal”, Prince declarou. “Acho bom.” Prince foi selecionado (com Morris Day na bateria), depois
que a música foi o que separou para o time de basquete no fi- Champagne. Uma gravação demo fez
meus pais.” John saiu da casa nal do ensino fundamental e no com que Chris Moon, que cuidava de
deles no norte de Minneapolis 10 ano do ensino médio, apesar um estúdio local, prestasse atenção
e se mudou para um aparta- de não ter muito mais do que em Prince. Quando o resto da banda ia
mento no centro. Deixou para 1,50 metro. “Ele era um ótimo almoçar do outro lado da rua, Prince
trás o piano, e foi aí que Prince real- Para sua segunda jogador. Chegava à quadra e as meni- ficava. “Olho da sala de controle para
mente se sentiu atraído pelo instru- capa na revista, nas começavam a gritar. Tinha um ca- o estúdio, e ele está tocando bateria”,
ele novamente se
mento. “Eu tive uma aula de piano e recusou a falar. E belão enorme, e se você tinha cabelão conta Moon. “Daí eu vejo quando ele
duas aulas de violão quando criança”, mais: saiu no meio naquele tempo tinha vantagem.” se levanta e começa a tocar um pouco
da sessão de fotos de piano. E daí ele para e pega o baixo.”
contou ao jornal Star Tribune. “Era para a reportagem,

A
um péssimo aluno, porque quando obrigando a primeira banda foi Moon queria alguém para adicionar
um professor tentava me ensinar a to- publicação a usar formada quando música a letras em que estava traba-
uma imagem feita
car coisas ruins, eu começava a tocar para a edição do Prince tinha 14 anos, lhando. Propôs uma parceria e acabou
minhas próprias músicas.” Quando ano anterior chamada inicialmen- dando as chaves do lugar a Prince. Ele
chegou ao ensino médio, já dominava te Phoenix e depois levou seis meses para dominar o estú-
teclado, guitarra, baixo e bateria. Soul Explosion. Prince tocava guitarra dio o suficiente para conduzir as ses-
Pouco depois do divórcio, a mãe e seu amigo André Simon Anderson sões de gravação de suas aventuras de
dele voltou a se casar e Prince foi (que mais tarde ficou conhecido como banda de um homem só.
morar com o pai. A união não durou André Cymone) tocava baixo. Quando Moon tocou uma fita demo para
muito tempo. Quando Prince tinha tia Olivia cansou do barulho da banda, Owen Husney, um produtor de Min-
por volta de 13 anos, o pai o expulsou
de casa depois de tê-lo encontrado
com uma garota. Anos mais tarde,
Prince lembrou-se de ter ligado para Púrpura e Tropical
ele de um telefone público, imploran- O cantor esteve no Brasil somente uma vez
do para voltar, mas John recusou.
“Eu fiquei lá chorando na cabine tele- Prince foi uma das pediu a paz no Golfo
fônica durante duas horas”, declarou atrações escaladas para Prince durante o show Pérsico. Posteriormente,
no Rock in Rio
à Rolling Stone em 1985. “Foi a últi- a segunda edição do foram reveladas as
ma vez que eu chorei.” Rock in Rio, em 1991. O excentricidades exigidas
show que realizou no dia para sua participação
Prince foi morar com uma tia, Oli- 24 de janeiro daquele no evento: Prince havia
via. Esses exílios domésticos criaram ano foi espetacular, requisitado 200 toalhas
um anseio e uma raiva que se desdo- em um palco pelo qual e que seu camarim
braram em sua carreira: ele construía haviam passado naquele tivesse a reconhecida cor
mesmo dia Santana, púrpura. O astro chegou
uma comunidade na música que fazia
Laura Finocchiaro e a ser anunciado para o
e na banda que o acompanhava, mas o veterano Serguei. festival Back2Black, na
então desligava integrantes sempre Prince se apresentou mostrou versões de Quando tocou “Take edição realizada no Rio
que achava necessário; o mais fre- acompanhado pela New “Dr. Feelgood (Love Is Me with You”, atacou de Janeiro em setembro
REPRODUÇÃO

quente era gravar álbuns sozinho. Ele Power Generation e, a Serious Business)” o ditador iraquiano de 2011, mas cancelou a
além dos sucessos da e “Ain’t No Way”, Saddam Hussein apresentação.
era o único com quem podia contar. própria carreira, ainda de Aretha Franklin. (morto em 2006) e PAULO CAVALCANTI
“E se todo mundo ao meu redor cair

38 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


fizesse sucesso. Prince (1979) era ao
mesmo tempo contido e expansivo.
Em vez dos metais típicos de R&B,
usava teclado e guitarra pungentes, e
a música fazia um aceno na direção do
pop pós-punk do Cars ou do Blondie.
O single “I Wanna Be Your Lover” che-
gou ao topo da parada R&B e alcan-
çou a 11ª posição na parada geral, com
500 mil cópias vendidas.
O álbum seguinte, Dirty Mind
(1980), celebrava prazeres orgiásticos,
desde transar a noite inteira até fazer
um ménage à trois, transar com uma
noiva a caminho do casamento, tran-
sar com desconhecidos e transar com
a irmã. Não havia nada que não era
possível fazer, segundo essas canções.
A música seguia polimorfa: teclados
gélidos de new wave eram aquecidos
por guitarras funk, e apesar de algu-
mas melodias terem um classicismo
da década de 1960 o som era absolu-
tamente novo – tão despido que era
quase dub. Na capa do álbum, Prince
vestia um trench coat por cima de uma
calcinha de biquíni preta. A que públi-
neapolis. “A maior parte dos artistas escutava a estação de rádio de rock DE NOVO NO TOPO co ele estava tentando agradar? Ne-
tinha som derivativo. E aquilo não era KQRS de Minneapolis e tocava covers Em fevereiro de gro? Branco? Masculino? Feminino?
2007, Prince fez
assim”, Husney diz. “Ele estava ten- de Carole King no ensino médio. Ele uma apresentação
Essa iria se tornar a dinâmica cen-
tando criar algo novo. Quando escutei conhecia os dois mundos, e sabia que embasbacante no tral do pop dos anos 1980, à medida
aquela vozinha vulnerável em falsete, havia mais poder em controlar os dois, intervalo do que Prince, Michael Jackson e Ma-
Super Bowl
fiquei tipo: ‘Quero proteger essa pes- não um só. Então, redigiu uma lista de donna usavam música e imagem para
soa’.” Ele passou a ser o empresário artistas que o inspiravam: Fleetwood atravessar barreiras de raça e gênero
de Prince e levantou US$ 50 mil para Mac, Jimi Hendrix, Eric Clapton, Rol- de maneiras que eletrizavam e uniam
que o artista pudesse ter instrumentos ling Stones. A Warner pode ter achado públicos. Mas, com Dirty Mind, Prin-
novos e um lugar para morar. Então, que estava contratando um garoto que ce foi o primeiro a chegar. O álbum
criou um press kit rebuscado para era capaz de cantar e produzir seu pró- alcançou a 45ª posição na parada,
apresentá-lo ao mercado. prio trabalho, como Stevie Wonder – mas seu impacto foi muito maior do
A Warner ofereceu um contrato de coisa que já seria bem notável. Prince que isso. O crítico Robert Christgau
três álbuns e assinou com Prince, aos estava avisando à empresa que isso era diria que ele foi “o primeiro artista
19 anos, em 1977. A gravadora que- apenas um ponto de partida. comercialmente viável em uma déca-
ria que ele colaborasse com Maurice Não foi um começo suave. De acor- da a tomar para si o elevado patamar
White, do Earth, Wind and Fire. “A do com o livro Prince: Inside the Mu- visionário de John Lennon, Bob Dylan
tinta nem tinha secado no contrato da sic and the Masks (Prince: Por Dentro e Jimi Hendrix”.
Warner Bros., e ele disse: ‘Ninguém vai da Música e das Máscaras), de Ronin Essa visão não podia ser resumida
produzir o meu álbum’”, Husney conta. Ro, o álbum de estreia do artista, For em um álbum por ano. Ele iria pre-
Uma sessão de gravação foi providen- You (1978), consumiu US$ 170 mil, cisar de mais. Depois que a turnê de
ciada para que Prince pudesse provar quase três vezes o orçamento inicial. Dirty Mind terminou, em abril de
que não precisava de ajuda. “Ele gra- A música exalava uma nova perspec- 1981, Prince quis criar uma banda de
vou uma faixa de guitarra e fez tudo tiva, mas parecia sufocada, como se funk e foi conversar com o grupo de
certinho”, Lenny Waronker, que tra- um homem tivesse se isolado com Minneapolis Flyte Tyme – que incluía
balhava na Warner, lembrou. “Daí ele aqueles sons por tempo demais, coisa Jimmy Jam no teclado e Terry Lewis
gravou a bateria... uau. Dava para ver – que tinha de fato acontecido. Apesar no baixo – com uma ideia: ele iria
a guitarra estava perfeita, o tempo era de o single “Soft and Wet” ter chegado compor, produzir e apresentar o ma-
AP PHOTO/CHRIS O’MEARA

bom, era nítido que era fácil para ele.” ao número 12 na parada de R&B, as terial, eles iriam cantar e fazer turnê
Quando Waronker saiu do estúdio, vendas do álbum foram péssimas, e com ele. Prince chamou a banda nova
Prince disse a ele: “Não faça com que quando Prince montou uma banda a de Time e registrou as seis músicas
eu soe como um artista negro”. Na in- Warner não quis gastar dinheiro para do álbum de estreia em duas sema-
fância, Prince pegava um ônibus para colocá-la na estrada. nas. Depois, em dez dias, em agosto,
ir à escola em um subúrbio branco, Ele precisava que o álbum seguinte gravou seu próprio quarto álbum,

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 39


Controversy. O lançamento em ou- Daí vieram as músicas de Prince que bum seguinte acabaria sendo o mais
tubro coincidiu com um convite inte- se tornaram sucessos enormes para colaborativo que ele já tinha feito.
ressante: os Rolling Stones queriam Chaka Khan (“I Feel for You”, 1984), Purple Rain (1984) não seria ape-
que Prince abrisse as apresentações Sheena Easton (“Sugar Walls”, 1984) e nas um álbum. Prince queria fazer
deles no Memorial Coliseum, em Los Bangles (“Manic Monday”, 1986). um filme também. William Blinn,
Angeles, para um público de 100 mil Prince tinha ido atrás de tudo isso, que escreveu o primeiro esboço da-
pessoas, nos dias 9 e 11 daquele mês. Prince Fala, mas de acordo com seus próprios ter- quilo que iria se tornar o roteiro de
Prince abriu o primeiro show – Finalmente mos. Ninguém poderia prever que ele Purple Rain, lembrou-se de como a
que trazia ainda George Thorogood e iria fazer sucesso com singles sobre o história tomou forma quando Prince
J. Geils Band no line-up – às 14h. “Ele RS 456 fim dos tempos ou sobre uma mulher se sentou ao piano para tocar para
apareceu com o trench coat e a calci- (Setembro/1985) com apetite sexual voraz, nem que se- ele algumas músicas de seu pai e co-
nha de biquíni”, conta o líder ria capaz de aumentar a força meçou a falar dele. “Foi como se ele
da J. Geils, Peter Wolf. “Quan- de sua fama em estágio inicial estivesse desvendando seu próprio
do o casaco abriu, o público ao se recusar a dar entrevistas. mistério – uma busca sincera para
não entendeu muito bem. As No entanto, foi exatamente o compreender a si mesmo. Ele econo-
pessoas começaram a berrar, que aconteceu com 1999. Ele mizou todo o dinheiro que gastaria
jogar coisas.” Prince não pô- começou a trabalhar no álbum com psiquiatras e colocou no filme.”
de terminar o show. Dois dias no estúdio caseiro de Min- O diretor Albert Magnoli passou
depois, as coisas foram ainda neapolis que ele chamava de um mês em Minneapolis, convivendo
piores, e Prince se retirou no Uptown, então passou para o com Prince, a banda dele, a Time e a
meio de uma canção. Sunset Sound, em Los Ange- Vanity 6. Ele reescreveu o roteiro para
Foi a última vez que ele les, e gravou tanto material que se concentrar na rivalidade musical
abriu um show para qualquer insistiu para a Warner lançar entre a Revolution e a Time, e no dra-
pessoa. Depois disso, cons- um disco duplo. A gravadora – ma doméstico que o personagem de
truiu seu próprio mundo. entusiasmada com um hit que Prince, Kid, enfrentava em casa. Os
Depois de aparecer
na capa duas vezes Prince tinha criado para a Time, “777- estúdios de Hollywood não se interes-
rince começou a tra- sem conceder 9311” – concordou. O álbum chegou saram, e os empresários de Prince re-

P
entrevistas, Prince
balhar em seu quinto se abriu em uma em outubro de 1982, e quando ele saiu correram ao diretor da Warner Bros.,
álbum, 1999, no come- longa conversa. em turnê para promovê-lo a Vanity 6 e Mo Ostin, que deu um adiantamento
ço de 1982. Estava com O disco que havia a Time foram as bandas de abertura. de US$ 2 milhões a ser descontado
acabado de lançar,
23 anos e dava início Around the World O universo dele estava se formatando. dos futuros lucros. Foi uma iniciativa
a um período dourado: nos três anos in a Day, estava Os shows eram feitos de êxtase. Ele astuta. Com orçamento de US$ 7,2
seguintes, parecia que cada momento com vendas abaixo era um herói da guitarra capaz de dan- milhões, o filme Purple Rain arreca-
do esperado.
que ele passava acordado rendia uma “No começo, çar feito James Brown, de erguer-se de dou US$ 68 milhões. O álbum chegou
música, e toda música fazia sucesso. eu costumava um espacate e correr para o teclado ao número 1 da parada e ficou lá du-
provocar os
Agora ele tinha três grupos: sua pró- jornalistas, porque para mandar ver em mais um solo. rante 24 semanas; acabou vendendo
pria banda, Revolution; a Time; e um queria que eles se E, na primavera de 1983, as rádios e a mais de 10 milhões de cópias.
trio feminino que usava lingerie e que preocupassem com MTV adotaram “Little Red Corvette” Prince tinha compreendido, do
a música”, ele disse
ele chamava de Vanity 6. Não demo- a Neal Karlen. “Não – sua ode a uma garota veloz que guar- mesmo jeito que James Brown quando
rou muito para ele também começar vivo no passado. dava camisinhas (algumas delas usa- gravou Live at the Apollo, em 1962, que
a criar músicas para a baterista e per- Não coloco meus das) no bolso –, iniciando um período se mais gente pudesse experimentar a
discos antigos para
cussionista Sheila E., com quem teve tocar justamente de grandes vendagens para Prince. força de seu show ao vivo, mais pessoas
um relacionamento amoroso. Era in- por essa razão” O artista queria um público em iriam reconhecer como seus dons eram
cansável, às vezes trabalhava três dias massa tão expansivo quanto sua visão raros. O filme deu a ele a fama pela
direto sem dormir. “Eu preciso comer? para a música. Michael Jackson, que qual ansiava. E, como o sucesso insano
Eu gostaria de não precisar comer”, ele tinha lançado Thriller um mês depois do álbum mostrou, mais uma vez foi
divagou na Rolling Stone, em 1985. de 1999, era um rival. Mas “Michael de acordo com seus próprios termos.
No final de 1985, ele tinha feito 15 não era a maior prioridade para ani- “When Doves Cry” era a música pop
álbuns em sete anos – sete com seu quilar”, Wendy Melvoin, guitarrista da mais desconcertante a ter chegado ao
próprio nome, três com a Time, dois de Revolution, disse. “Era todo mundo.” topo da parada até então – não tinha
Sheila E., um da Vanity 6, um da Apol- A Revolution, banda de diferentes baixo, e em vez disso era carregada por
lonia 6 e um da Family. Esses álbuns raças e gêneros que Prince tinha re- uma guitarra com som “estrangulado”,
renderam 13 hits no Top 20. O som de unido, foi o primeiro passo: “O sonho com a batida de sempre da bateria ele-
Minneapolis – aquela mistura de funk, dele era que nós fôssemos Fleetwood trônica Linn, que era a marca regis-
pop e rock conduzida por sintetizado- Mac misturado com Sly and the Fa- trada de Prince, e teclado. E “Purple
res que Prince inaugurou – estava em mily Stone”, disse Lisa Coleman, que Rain”, que chegou à segunda posição,
todo lugar, principalmente depois que tocava teclado. Já Prince afirmou: “Eu mostrou como ele era diferente de Mi-
Jimmy Jam e Terry Lewis, que Prince queria comunidade mais do que qual- chael Jackson – o Rei do Pop precisou
REPRODUÇÃO

tinha demitido da Time, começaram a quer outra coisa”. Improvisos durante de Eddie Van Halen para tocar guitar-
produzir uma série de hits para artis- passagens de som estavam começan- ra em “Beat It”, seu passaporte para o
tas como S.O.S. Band e Janet Jackson. do a render ideias para músicas. O ál- rock. O solo que escancarava a balada

40 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


1 2

rock de Prince era dele mesmo. filme Sob o Luar da Primavera, que o POLÊMICO E nos subúrbios de Minneapolis.
A maratona de shows Purple Rain próprio Prince dirigiu. INFORMAL Em 1987, ele apresentou um álbum
começou em novembro de 1984. “Eu Os dois álbuns anteriores tinham 1. Ele causou cru chamado The Funk Bible à Warner
controvérsia ao usar
realmente não pude comparar a na- chegado ao primeiro lugar da parada; a palavra “escravo” Bros.; então, teve uma visão no meio
da a não ser com os Beatles”, diz Alan Parade só foi até o terceiro lugar e pa- no rosto, em 1996, de uma madrugada que o convenceu
após descobrir
Leeds, responsável pelas turnês de rou por ali, apesar de ter tido um single que estava preso
de que o álbum era raivoso demais pa-
Prince na época. Mas as multidões na primeira posição, “Kiss”. Quando ao contrato com a ra ser lançado. Pediu à gravadora pa-
embevecidas também marcaram o ele disse à Warner que o próximo disco gravadora Warner; ra destruir as mais de 400 mil cópias
2. O cantor em um
final do período de ouro. As coisas ja- seria triplo, a gravadora recusou. Ele jogo de basquete daquele que passaria a ser conhecido
mais seriam as mesmas. sempre tinha feito tudo o que queria nos Estados como The Black Album. Em troca, ele
até aquele momento, mas perdeu a Unidos, em 3 de lhes ofereceu uma coleção otimista
março de 2016,
m abril de 1985, prin- briga. E então se formou uma contra- do ponto de vista espiritual e musical,

E
um mês e meio
ce anunciou que iria dar dição que não tinha como se desfazer: antes de morrer Lovesexy (1988), mas queria que todas
um tempo dos palcos o álbum que iria se revelar como seu as músicas fossem agrupadas em uma
e lançou seu sétimo ál- melhor trabalho também foi a prova de faixa contínua no CD, para controlar
bum, Around the World que o poder dele não era mais absoluto. a experiência de escutá-lo. Não con-
in a Day. Ele proibiu que a Warner Ele reduziu o projeto para um dis- seguiu entrar na lista dos dez mais na
promovesse um single ou que fizesse co duplo: Sign ‘O’ the Times. Continha parada de sucesso – foi a primeira vez
ações de marketing em lojas de discos. pop idílico, como “Starfish and Cof- que isso aconteceu desde 1981, quan-
Assim Prince deu início a um período fee” e “The Ballad of Dorothy Parker”; do saiu Controversy. Pior, a turnê Lo-
de reclusão, que na verdade nunca ter- funks animados, como “Housequake” vesexy – a primeira nos Estados Uni-
minou. Depois que Around the World e “Hot Thing”; e um trio de músicas dos em três anos – perdeu dinheiro.
in a Day caiu da 1a posição da parada que formaram sua exploração mais Irritado com o fato de a Warner
com rapidez, ele cedeu e permitiu que a terna do romance e das questões de não permitir que ele lançasse a mú-
Warner se concentrasse em “Raspber- gênero: “If I Was Your Girlfriend”, sica que queria no ritmo que queria,
ry Beret” como single e videoclipe – a “Strange Relationship” e “I Could Ne- ele trocou o nome por um símbolo,
AP PHOTO/RICHARD DREW; AP PHOTO/MARCIO JOSE SANCHEZ

faixa alcançou o número 2 da parada. ver Take the Place of Your Man”. O acreditando que seu novo persona-
Fora isso, a conexão dele com a ban- álbum se mantém como uma das me- gem enigmático não estaria atrelado
da começou a se fragmentar. Ele tinha lhores produções da década de 1980, ao contrato de gravação de Prince.
elevado Wendy e Lisa ao status de es- mas Prince já não era mais imbatível. Quando descobriu que não havia co-
trelas, um reconhecimento das habili- Sign ‘O’ the Times chegou ao sexto lu- mo se libertar do contrato, começou a
dades e das contribuições delas, e um gar da parada e poderia ter recebido o escrever a palavra “escravo” no rosto.
sinal bem-vindo de que ele era capaz empurrão de uma turnê, mas o artista Passou a ser ridicularizado. “Você é o
de tratar mulheres como algo mais se recusou a levar a produção que ti- único escravo que é dono do latifún-
do que meros objetos sexuais. Mas nha montado na Europa para os Es- dio”, o executivo Alan Leeds lhe dis-
elas queriam dar mais contribuições tados Unidos. Em vez disso, preferiu se. Mas, à sua maneira estabanada,
criativas, e acabaram indo embora fazer um filme de show, gravado prin- Prince foi um revolucionário. A rela-
em 1986, depois do álbum seguinte, cipalmente em um estúdio no recém- ção entre gravadoras e artistas mu-
Parade, a trilha sonora do desastroso -construído complexo de Paisley Park, dou drasticamente na era digital, e as

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 41


preocupações de Prince a respeito de março, ele entrou para o Hall da Fa- sentação majestosa no intervalo do
como controlar sua música agora são ma do Rock and Roll, em uma ceri- Super Bowl, em 2007 –, em que ele
moeda corrente. mônia em Nova York. O ponto alto da voltou a estar no topo. Também houve
Em 1996, ele colocou fim no con- noite ocorreu durante uma versão de caos, em grande parte gerado por ele
trato com a Warner. Devia ter sido “While My Guitar Gently Weeps”, de mesmo. Seu selo, Paisley Park, foi à fa-
uma época de comemoração, mas foi George Harrison, que foi introduzido lência em 1994 e houve demissões no
marcada por estresse e tragédia. No As Mulheres postumamente naquela noite como complexo em 1996. No momento de
Valentine’s Day, ele tinha se casado de Prince artista solo. A canção foi cantada por sua morte, tinha deixado de operar em
com Mayte Garcia, uma de suas dan- Jeff Lynne e Tom Petty, que conhe- tempo integral. Já não havia mais téc-
çarinas de palco, e o casal esperava RS 472 ciam Harrison bem. Mas o momento nicos de som sempre a postos para o
um bebê. Prince passou o primeiro (Abril/1986) final pertenceu a Prince. Foi uma cena caso de ele sentir a necessidade de gra-
semestre trabalhando em dois marcante – ele se firmou como var no meio da noite, e, aliás, também
projetos, o último álbum para deus da guitarra e arrematou não havia seguranças. Eram Prince,
a Warner (Chaos and Disor- a música de uma honra solene seu assistente e alguém para cuidar do
der) e uma coleção de três CDs com algo mais eletrizante. O prédio e administrá-lo.
que anunciaria sua liberdade jeito como ele tocou foi lírico, Em 19 de abril, Prince foi ao Dakota
(Emancipation). De acordo mas cheio de força ao fazer Jazz Club, no centro de Minneapolis,
com Alex Hahn, biógrafo do sua guitarra gemer e pavonear para ver a cantora de jazz e R&B Lizz
cantor, no dia 21 de abril – durante quase três minutos. Wright. Ficou durante toda a apresen-
exatamente 20 anos antes de “Eles ensaiaram um punhado tação, incluindo o bis, uma raridade
sua morte –, depois do que pa- de vezes”, diz Paul Shaffer, di- para ele, e saiu com passos gingados,
receu ser uma de suas mara- retor musical das introduções com a bengala em cima do ombro.
tonas de três dias de trabalho do Hall da Fama. “A cada vez, Dois dias depois, estava morto. Há
sem parar, Mayte o encontrou dava para ver que ele iria fazer especulações de que os problemas no
desmaiado no estúdio de Pais- o lugar vir abaixo. Mas Prince quadril levaram ao abuso de analgé-
O astro lançou
ley Park. Foi levado para o hospital, várias cantoras e deixou uma coisinha reservada para a sicos. Dizem que fez uma cirurgia de
mas, quando retomou a consciência, musicistas ao longo performance de fato.” A certa altura, correção no quadril em 2010. No mo-
da carreira. Em sua
não quis ficar internado. quarta capa, ele ele mudou de marcha tão rápido que mento da conclusão desta reportagem,
No mês de outubro seguinte, o ca- apareceu com duas pareceu que estava trocando acordes os resultados da autópsia de Prince
sal passou por uma perda inimagi- de suas protegidas: consigo mesmo, um duelo de guitarra ainda não tinham sido divulgados.
Wendy e Lisa, da
nável: o filho que os dois esperavam banda Revolution, de um homem só. Atrás dele, o filho de No dia 23 de abril, um evento em
nasceu com uma doença genética ra- que o acompanhou. Harrison, Dhani, tocava violão e irra- memória de Prince – que teve o cor-
ra e morreu em uma semana. Sofren- Depois, elas diava alegria. po cremado – aconteceu em Paisley
se separaram
do, Prince se recusou a falar sobre o dele para seguir Pouco depois de entrar para o Hall Park. “Foi silencioso e sombrio”, con-
que havia ocorrido em uma entrevis- juntas como uma da Fama, Prince deu início a uma tur- ta Sheila E. “As luzes eram fracas.
dupla pop
ta com Oprah Winfrey apenas alguns nê com 89 shows nos Estados Unidos Velas queimavam. Exatamente como
dias depois da morte da criança. “A e lançou um álbum novo pela Colum- Prince teria feito. A música dele to-
nossa família existe. É só o início.” bia, Musicology. Agora estava usando cava baixinho. Tinha pouca gente, e
Mas esse desejo não iria se realizar. O a indústria fonográfica a seu favor. ninguém estava acreditando. Achá-
casal se separou em 1999. Lançou álbuns ao vivo e raridades por vamos que ele iria entrar na sala e
meio de seu site na internet e aprovei- nos cumprimentar.”
m 2004, prince pôde tou a força das grandes gravadoras Mas se ele nos cumprimentar agora

E voltar a um lugar do qual


não desfrutava havia
mais de uma década: era
o centro das atenções,
e mais uma vez devido à música. No
dia 8 de fevereiro ele abriu a cerimô-
nia de entrega dos prêmios Grammy,
quando lhe convinha. Ele funciona-
va como um astro pop moderno, ga-
nhando dinheiro estável na estrada e
buscando renda onde fosse possível.
Prince se casou novamente em
2001, com Manuela Testolini, no mes-
mo ano em que se tornou testemunha
vai ser por meio de sua música. Pelo
que se sabe, existe um cofre cheio de
material que nunca foi lançado – um
número inimaginável de músicas e
apresentações ao vivo, apesar de seu
destino não estar claro. Na verdade,
não importa. Já existe o suficiente –
em Los Angeles, apresentando um de Jeová. A fé durou mais do que o uma quantidade estarrecedora. É dito
medley de “Purple Rain”, “Baby I’m a casamento. Eles se divorciaram em que houve uma época em que ele fazia
Star” e “Let’s Go Crazy” com Beyoncé, 2006, pouco depois de ele demolir a uma música – pelo menos uma – to-
lançando ainda um pouco do hit dela casa que dividiam em Minneapolis. dos os dias, como se fosse guiado por
“Crazy in Love”. Durante cinco minu- Fez de Paisley Park sua residência, isso aquele verso em “1999” a respeito de
tos, foi o retorno de Purple Rain, com quando não alugava mansões em Los como o tempo está chegando ao fim
24 milhões de pessoas assistindo, ma- Angeles por US$ 70 mil mensais. para todos nós. E está mesmo. Mas a
ravilhadas, enquanto ele demonstrava Houve momentos – como a apre- música não para.
seu domínio do palco. O Grammy de-
REPRODUÇÃO

moraria mais seis anos para conseguir www.rollingstone.com.br Reportagem adicional por
Obscuridade e relação ruim com a
igualar o número de espectadores. web: o que será da obra de Prince? David Browne, Patrick Doyle
Cinco semanas depois, no dia 15 de e Andy Greene

42 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


Tributos
Sheila E. Stevie
Wonder
U
m amigo me deu um pôster do
primeiro álbum do Prince. Eu fiquei

A
tipo: “Ai, meu Deus, ele é lindo”. Co- música de prince era tão pi-
loquei ao lado da minha cama com colchão toresca que até eu conseguia
de água. Eu olhava para ele e dizia: “Um dia enxergá-la. Eu também era ca-
vou conhecer você”. Daí eu vi Prince tocar. Ele paz de sentir aquela “Purple Rain”. As
estava vestido com um trench coat, fio-dental canções dele eram vigorosas assim, as
e polainas. Mais tarde fui apresentada a ele, imagens eram fortes assim. Acho que eu
e aquilo era praticamente o que ele vestia no me identificava com o jeito como Prince
dia a dia. Perguntei: “Tem certeza que você via as coisas porque nós dois fomos cria-
vai usar isso na rua?” Eu nunca tinha visto dos no Meio-Oeste, onde conhecemos
um homem se vestir daquele jeito. Ele era todo tipo de gente e tivemos um enorme
meu guitarrista preferido no mundo. Foi por espectro com o qual aprender. Nós dois
isso que me apaixonei. Estávamos tocando fomos criados ouvindo blues, rock and
“Purple Rain” na turnê Sign ‘O’ the Times. Eu roll, jazz e gospel, e encontramos o valor
estava com os olhos fechados, em um paraíso, nisso tudo. Na última vez em que Prince e
à beira do choro. Abri os olhos e ele me pediu eu nos falamos, conversamos sobre como
em casamento. Eu meio que disse “sim”, e nós precisávamos consertar este mundo. To-
continuamos tocando. Ficamos amigos pri- da essa besteirada de retomar o país e de
meiro, depois nos apaixonamos, depois nos “Make America Great Again” – a América
distanciamos. Daí ficamos como irmãos. Eu BOA RELAÇÃO sempre foi grande. A gente só precisa im-
o chamava de “Honey” ou “Baby”. Ele era meu Com a ex-amante e pedir que as pessoas encham a cabeça de
amiga Sheila E. em um
amigo. A música era a vida dele, e ele vivia e show em 2007
mentiras e de preconceito e que se abram
morria por ela. Esse é o legado de Prince. para as possibilidades. Prince era tão ins-
pirado, e tão inspirador. Ele era bondoso,

Se Michael Jackson era o


Lenny Kravitz Rei do Pop, então Prince
deveria ser o Imperador

P
rince abriu a minha imaginação a memória. Ele costumava acabar comigo na
e me mostrou aonde eu queria ir co- sinuca: tinha a mesma atitude que tinha no disciplinado e sabia para onde queria ir.
mo artista. Lá estava um sujeito afro- palco, simplesmente vinha para cima de vo- Era capaz de fazer grandes transições. Se
-americano como eu, tocando guitarra como cê. Uma vez, quando eu estava namorando [a Michael Jackson era o Rei do Pop, Prince
eu queria tocar. E ele tocava quase todos os modelo] Vanessa Paradis, eu a levei ao apar- deveria ser o Imperador. Ele lutava por
instrumentos nos álbuns. A música, o clima, tamento dele em Paris. Acho que ficamos sua liberdade artística. Não permitia que
as cores, o cabelo – eu era adolescente e tudo lá das 11h da noite até umas 6h da manhã. ninguém nem nada ficasse no caminho
aquilo era fantástico para mim. Por meio da Prince perguntou se ela queria jogar sinuca, dele. Ao seguir seu próprio trajeto, levou
arte, ele dizia: “Você é capaz de fazer isso. Foi achando que iria acabar com ela. E ela aca- a música a um lugar completamente di-
assim que eu fiz. Agora você faz do seu jeito”. bou com ele. É uma lembrança maravilhosa. ferente, como os Beatles fizeram. Queria
Anos depois, pude conhecê-lo como amigo. Ele sabia ser incrivelmente engraçado. Eu mudar o jeito como as coisas eram, como
Nós nos encontramos pelo mundo todo: Pa- me lembro de assistir a um especial do Chris Marvin Gaye fez. Quando você faz isso,
ris, Nova York, Amsterdã, Minneapolis, Mia- Rock na casa dele, e a gente deu muita risa- tem que ser muito seguro de si. Esse espí-
mi – qualquer lugar em que ele por acaso es- da. Em outra ocasião, passei um tempo com rito que o movia nos deu um reservatório
tivesse. Eu o visitava em Paisley Park, que era ele e Dave Chappelle. Ele adorava ter pessoas incrível de música. Ele adorava funk, por
um lugar incrível. Era tipo Willy Wonka e a talentosas ao redor, fossem músicos, artistas, isso precisava mesmo saber como deixar
Fábrica de Chocolate – um grande complexo dançarinos ou comediantes. Era uma pessoa as coisas animadas. Adorava jazz, por is-
que simplesmente era o mundo dele. A gente amorosa. Se gostava de você, gostava de ver- so precisava dissecar o que fazia as coisas
AP PHOTO/MARK J. TERRILL

ia para o estúdio e ficava tocando, e ele filma- dade, e te tratava de um jeito lindo. Às vezes, fluírem de verdade. Se Prince queria fa-
va e gravava. Quando terminávamos, ele me ele sumia. Tinha tempos que eu passava um lar de amor e sexo, ele entrava de cabe-
entregava uma fita cassete. Dizia: “Isso aqui é ano sem ter notícias dele, daí ele aparecia ça – bem fundo. E ele fazia a gente ver e
só para você, eu fiquei com a fita master e vou quando você menos esperava. sentir tudo com ele. Aliás, estou tentando
guardá-la trancada”. Nem tudo é comercial. Ainda não me recuperei. De verdade, descobrir qual dos meus filhos foi gerado
Tem a ver com a arte, com o momento, com sinto que uma parte de mim morreu. porque eu estava escutando Prince.

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 43


A Última Visita
CENAS DE UMA ENTREVISTA ÍNTIMA COM PRINCE EM 2014
Por Brian Hiatt

E
m teoria, trata-se
de uma visão trivial, PRAZER SIMPLES
nada com o que se Fã de esportes,
o cantor aparece
emocionar: nada mais em junho de 2014
do que um homem de assistindo a uma
partida de tênis
55 anos em seu local de trabalho em no estádio Roland
Minneapolis, examinando a biblio- Garros, em Paris
teca do Windows Media Player em
um computador Dell grandalhão.
Um telefone igualmente banal com
várias linhas está ao lado, perto de
uma vela, água mineral e algum
creme aparentemente caro. Uma
máquina de xerox antiga e enorme
se avulta por cima da mesa de tra-
balho; uma janela na outra ponta
da sala dá vista para árvores sem
folhas e uma estrada vazia coberta
de neve. É cedo na noite do dia 25
de janeiro de 2014, um sábado, em
Chanhassen, Minnesota.
O escritório fica no 20 andar do
complexo de 6 mil metros quadra-
dos de Paisley Park. O sujeito aco-
modado ao teclado é o dono de tu-
do; mandou construir o lugar nos
anos 1980. E Prince, sendo Prince,
é fascinante de se observar fazen-
do praticamente qualquer coisa.
Quanto mais banal a atividade
– clicar com o mouse, digamos –,
mais estranho parece. Prince tem
um grande cabelo afro e está ves-
tido em camadas de tecido escuro,
com um colete por cima de uma
camisa de manga comprida, calça
social preta acinzentada e saltos
altos que se acendem a cada passo.
Obviamente, usa maquiagem – ba-
se, delineador, provavelmente mais
coisas. O bigode fino, aparado com
precisão, estende-se logo acima dos
lábios em um semicírculo.
AP PHOTO/MICHEL SPINGLER

Bem do jeito dele, sem avisar com


antecedência, Prince me convida
para ir até lá e fazer a reportagem
que temos a intenção de publicar
como sua sétima capa na Rolling
Stone norte-americana. Passo sete

44 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


horas em Paisley Park, e ele concede John Bonham, se apresenta toda
duas entrevistas longas, simpáticas alegre: “Oi, eu sou Hannah!” Prince
e de muita reflexão. Fui instruído a dá risada, sem ser desagradável, e a
não falar palavrões nem perguntar imita, com voz estridente, enquan-
sobre o passado; apesar de eu ter to estende a mão para um cumpri-
acabado desrespeitando ambas as mento firme e profissional: “Oi, eu
regras, ele me convida para me jun- sou Prince”. Na verdade, a voz dele
tar a ele na estrada mais adiante. quando fala normalmente é profun-
Mas, no final, recusa-se a fazer um da, suave a calmante, como a de um
ensaio fotográfico e, em vez disso, locutor de rádio em uma estação de
oferece imagens prontas e pesadas soft jazz.
nos retoques. A ideia da capa vai por Enquanto caminhamos, ele não
água abaixo. Eu sigo em frente com demonstra sinais da comentada
a minha reportagem, achando que operação nos dois lados do quadril
podemos guardar o material para – não manca, não usa bengala, não
nossa próxima capa com Prince. parece desconfortável. Seus olhos
Naquela noite, Prince não apa- castanhos estão alertas, e ele pensa
renta a idade que tem – não aparen- rápido – agora, olhando em retros-
ta nenhuma idade em particular, pecto, é quase impossível combinar
na verdade. Está muito magro, mas a postura dele com os boatos póstu-
não parece frágil – é um vegano rí- mos de que era viciado em opiáceos.
gido que, de acordo com ele mesmo, agenda, e não tenho nenhum tipo de EM DUPLA Prince afirma que não sente o
às vezes não come nada (“Passei lon- obrigação contratual. Não sei se na (Do topo, a tempo passar e que a mortalidade
partir da esq.) Os
gos períodos sem comida, sem água história existiu algum músico que quatro últimos não entra em seus pensamentos:
também – precisam me lembrar de foi tão autossuficiente assim, sem discos de Prince, “Não penso sobre ‘partida’”. Em vez
beber água porque eu sempre me amarras. Tenho contas gigantescas, lançados em pares: disso, ele mergulha no momento,
Plectrumelectrum
esqueço de fazer isso”). Ele também folhas de pagamento grandes, por e Art Official dedicado a um futuro criativo que,
não dorme o suficiente e evita o se- isso preciso fazer turnês. Mas não Age, de 2014, e acredita, será longo e brilhante. A
xo: um dos artistas mais sensuais há mais necessidade de gravar.” Ele HITnRUN Phase One pausa entre álbuns parece ter si-
e HITnRUN Phase
e delirantes que já viveu – aquele traça uma conexão direta entre je- Two, de 2015 do saudável para ele, assim como
que cantou “Jack U Off”, “Gett Off” juar, ser celibatário e sua abstinên- a presença jovial, entusiasmada e
e “Do Me, Baby” – afirma que é ce- cia de gravações. “Depois de quatro quase adoradora das integrantes do
libatário. Seus motivos são tanto dias, você não quer mais comida. 3rdEyeGirl. Pela primeira vez em
religiosos quanto relacionados à (...) É a mesma coisa com a música. anos, ele está abrindo Paisley Park
“energia” (“A fome se transforma em Eu tive que ver como era parar de a fãs para eventos espontâneos. Há
outra coisa”, diz), apesar de ele man- fazer álbuns. E daí você fala: ‘A h, uma conversa sobre fazer um desses
ter relacionamentos próximos com espere um minuto, não sinto mais shows na noite da minha visita, mas
várias jovens cantoras e composito- necessidade de fazer isso’.” a ideia evapora sem aviso prévio.
ras. Prince é, nesse estágio da vida, Prince me leva ao escritório para No caminho para o andar de cima,
uma espécie de monge musical ale- tocar faixas de Plectrumelectrum, o Prince passa por um corredor deco-
gre. “Eu sou música”, afirma. Tocar álbum que finalmente iria romper rado com uma linha do tempo foto-
é o maior e talvez único prazer que seu jejum de gravações. Ele esco- gráfica de sua carreira – tem o Prin-
tem, mas ele anda sendo um asceta lheu entre mais ou menos 100 mú- ce “Batdance”, o Prince “Escravo”, o
até nessa frente ultimamente, gra- sicas gravadas em um dos estúdios Prince “Vingativo” e até a capa da Rol-
vando menos do que nunca, espe- no andar de baixo, com a banda de ling Stone de 1985 (ele observa que se
rando quatro anos entre álbuns. apoio recém-formada, 3rdEyeGirl recusou a fazer uma sessão de fotos,
Prince é famoso por ter se liber- – o grupo mais roqueiro que ele já por isso usamos um still do vídeo de
tado de seu contrato de gravação juntou. “Tudo gravado ao vivo, sem “Raspberry Beret” que, na opinião de-
com a Warner Bros. em 1996, e pa- adições”, revela. “Você simplesmen- le, fez seus dentes ficarem esquisitos).
rece que demorou anos até ele per- te faz até conseguir o take de que “Tem espaço para Purple Rain ou o
ceber que sua liberdade se estendia gosta” (o álbum demora mais oito Super Bowl aqui”, ele observa a res-
a não lançar música. “Eu compo- meses para sair, e é acompanha- peito de um espaço vazio, balbucian-
nho mais do que gravo agora, e do por um LP mais tradicional de do algo sobre algum dia transformar
também toco ao vivo muito mais Prince, chamado Art Official Age). Paisley Park em um museu. O lugar
do que gravo”, conta. “Costumava Prince e eu nos encontramos já se parece um pouco com uma ins-
gravar algo todos os dias. Sempre pela primeira vez alguns minutos tituição dessas: um espaço enorme,
brinco que preciso fazer desintoxi- antes, quando ele sai de um espaço escuro e quase vazio com uma equipe
cação de estúdio.” de ensaio com as moças da banda. de funcionários discreta.
REPRODUÇÃO

“Sou uma pessoa que vive mui- Hannah Welton, a baterista, uma Paramos em um mural no qual
to no momento. Faço o que parece garota animada de 23 anos que pa- uma imagem de Prince, com os
gostoso no momento... Não tenho rece Carrie Underwood e toca como braços e as pernas abertas, se po-

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 45


siciona sobre imagens de suas in- de canções novas que mais tar- fica ser homem, mas, então, o que vo-
fluências e dos artistas que ele, por de entraria para Art Official Age cê sabe a respeito do que significa ser
sua vez, influenciou. Ele me testa, e pede licença para sair da sala mulher? Você sabe escutar? A maior
assegurando-se de que sou capaz de quando chega à balada lacrimo- parte dos homens não sabe escutar.”
reconhecer Chaka Khan e Sly and sa “Breakdown”. A letra com tema Pergunto à guitarrista do 3rdEye-
the Family Stone, ao mesmo tempo de fim de relacionamento parece Girl, Donna Grantis, que tem metade
que me dá uma folga por ter deixa- Entrando nos especialmente pessoal: “I used to da cabeça raspada e toca feito Jimi
do passar Tower of Power e Grand Anos 1990 throw the party every New Year’s Hendrix, a respeito de suas influên-
Funk Railroad. Eve/ First one intoxicated, last one cias. “Prince”, ela responde, na lata.
Prince coloca Plectrumelectrum RS 589 to leave/ Waking up in places that O marido dela, um roqueiro agradá-
para tocar em seu escritório. Em (Outubro/1990) you would never believe/ Give me vel chamado Trevor Guy, veio junto
um apoio em um canto há back the time, you can keep e acabou trabalhando bem perto de
um violão português cente- the memories” (“Eu sempre Prince, cumprindo algumas funções
nário com o corpo em forma dava festas de Ano-Novo/ O administrativas. (Prince acredita
de lágrima. Uma lente te- primeiro a ficar intoxicado, o que artistas não devem ter empre-
leobjetiva Canon sem câme- último a ir embora/ Acorda- sários: “Você tem que ser adulto, ser
ra acoplada se encontra em va em lugares que você não capaz de se administrar”.) Josh, ma-
cima de livros de fotografias: iria acreditar/ Me devolva rido de Hannah, cantor de R&B que
A Hollywood de Vanity Fair; o tempo, pode ficar com as se tornou produtor, também passou
Palácios de Nápoles. As pa- lembranças”). Depois, ele a fazer parte da família de Paisley
redes do escritório são pin- confirma que a música vem Park e trabalhou em alguns dos últi-
tadas com um céu azul, com de um lugar “sensível... nu”: mos álbuns de Prince. Todos moram
as palavras “dream style” (al- “Você poderia tocá-lo e iria em um hotel próximo há um ano e
go como “estilo onírico”, em doer no mesmo instante”. meio e ficam pelo menos seis dias por
português) em uma delas. semana em Paisley Park. Passam a
Um ano depois de
Pendurado em outra parede há um impressão de serem integrantes de

A
“Batdance” ter se ntes de prince se
relógio com a capa do álbum dele de tornado o quarto acomodar para uma um culto benéfico. “É meio parecido
número 1 de Prince
2007, Planet Earth – o único mar- nas paradas, ele
entrevista, há mais com uma realidade alternativa”, diz
cador de tempo que vejo em qual- voltou a aparecer na um teste. Eu bato Donna. “Estar aqui é um universo
quer lugar de Paisley Park. RS. Na época estava um papo com as in- alternativo, porque estamos nesta
trabalhando no
Nos intervalos entre as faixas, filme Graffiti Bridge tegrantes do 3rdEyeGirl em um bolha maravilhosa de fazer música o
Prince lamenta a situação da in- e fazendo turnê átrio cavernoso, onde o tapete pre- dia inteiro. Eu não faço a menor ideia
dústria fonográfica, que, para ele, para promover a to é decorado com o antigo símbolo da data nem do dia da semana.”
trilha sonora
está preocupada com tudo, menos de Prince e as palavras “NPG Music Enquanto conversamos, dou uma
música. “Estão tentando encontrar Club”, com a motocicleta de Purple olhada por cima do ombro e perce-
a personalidade primeiro”, diz. “E é Rain em exibição. Nós nos reuni- bo que Prince, em algum momento,
melhor ainda se conseguem algum mos em um sofá roxo todo puído, e materializou-se atrás de mim e ficou
escândalo ou um reality show ou elas explicam suas origens impro- escutando a conversa em silêncio. Ele
uma gravação pornográfica. E fa- váveis. A baixista, Ida Nielsen, uma assente com a cabeça e mais uma vez
zem tudo isso com muita arte. Es- dinamarquesa taciturna, chegou se afasta. A banda e eu vamos para a
tão ganhando pontos com Justin primeiro e se juntou à banda funk cozinha industrial, onde nos servem
Bieber agora!” de Prince, a mais recente encarna- o jantar, e logo sou convocado à sala
Ele coloca uma das músicas mais ção da New Power Generation, com de controle no Estúdio A do comple-
pop do álbum para tocar, a doce a qual ele ainda toca. Prince me xo, onde Prince está sentado à mesa
e antiquada “Stopthistrain”, com conta como ela derrotou um anti- de mixagem. “Esta sala foi construí-
vocal da baterista do 3rdEyeGirl, go colega de banda dele que fez um da em 1987, e a primeira gravação
Hannah, e do marido dela, Josh. teste para voltar a tocar com o ar- que eu fiz aqui foi Lovesexy”, ele re-
Sugiro, com delicadeza, que a mú- tista: “Ela era oito vezes melhor do lembra. “Nunca conseguimos fazer
sica pode se dar melhor nas para- que ele, e era nova”. esta sala funcionar como nenhum
das se ninguém souber da conexão Prince queria especificamente dos meus estúdios caseiros nem as
com Prince. Ele concorda. “Esse uma banda feminina e foi procurar mesas turbinadas que eu usava em
é um tipo de bênção e também de as integrantes no YouTube – em 2010, Los Angeles quando tinha contrato
maldição hoje em dia. O fato de eu tinha descoberto Ida no MySpace. com uma gravadora. É aconchegan-
estar competindo com [minhas] “Estamos no aspecto feminino ago- te e íntima de verdade – eu só queria
músicas mais antigas. E não conhe- ra”, ele diz. “É onde a sociedade está. que soasse igual ao que se passa na
ço ninguém que tenha de fazer isso. Vamos ter uma mulher presidente minha cabeça. E mexi infinitamente
Sempre tocam a faixa mais nova de em breve. Os homens foram o mais nas coisas aqui... Suponho que vou
Beyoncé. Mas eu vou ao programa longe possível, certo? (...) Eu aprendo continuar brincando – ou que outra
REPRODUÇÃO

da Oprah e querem que eu toque as com as mulheres muito mais rápido geração vai fazer isso.”
coisas das quais se lembram.” do que com os homens. (...) A certa al- Conversamos sobre muitas coisas,
Ele termina mostrando um par tura, você tem que saber o que signi- e a proibição dele de falar sobre o

46 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


passado se revela levemente flexível. dito ainda mais nas coisas em que MESTRE “Vou fazer com que você acorde com
INSTRUMENTISTA
Ele faz questão de observar que sua acreditava na época – simplesmente a força da mente.” Em uma obser-
Em 2011,
reputação como manipulador por se expandiu.” Apesar de continuar escolhendo ser vação possivelmente relacionada,
trás das bandas Time e até Vanity sendo profundamente cristão, ele chamado de Prince diz que não tem certeza se al-
6 foi exagerada. “Era tudo colabo- também passou tempo estudando TAFKAP – The Artist gum dia vai voltar a se casar. “Essa é
Formely Known
rativo”, garante. “Não é só a minha o que parece ser uma interpreta- as Prince –, em outra coisa que depende de Deus. De
visão. Uma coisa é perguntar ‘sabe o ção afrocêntrica da história, além cima do piano em qualquer forma, é tudo magnetismo
show no Hop Farm
que ficaria legal?’ e visualizar... Mas de física do som, algumas ideias Festival, depois
– algo iria me puxar para a gravidade
daí você tem que ir lá e encontrar as orientais (chacras são “ciência”, diz) de ter tocado o dela, e eu não seria capaz de escapar.”
pessoas. Morris Day [da Time] é tão e uma seleção de teorias de cons- instrumento Fazemos um intervalo e vamos
bom quanto qualquer baterista de piração indiscutíveis. Tem ideias a para a boate vazia de Paisley Park,
funk. E Vanity? Ninguém era capaz respeito do assassinato de JFK (“O onde o 3rdEyeGirl está a postos no
de falar como ela.” Ele é mais passio- carro anda mais devagar – por que palco. “Posso te levar lá e tocar es-
nal e lúcido quando fala de música: não acelera?); aids (“Está crescendo sa guitarra para você”, Prince tinha
“‘Rock Steady’, de Aretha Franklin, em algumas comunidades e não es- prometido antes. “E o que você vai
‘Cold Sweat’, de James [Brown], tá crescendo em outras – qualquer ouvir é sexo. Vai ouvir algo para o
todos os álbuns da Stax, Ike e Tina primata seria capaz de deduzir por que vão lhe faltar os adjetivos, como
Turner – nós não demos valor a na- quê”); e os rastros de aviões que são acontece quando você conhece a me-
da disso, achando que a música seria conhecidos em alguns círculos como lhor das mulheres.” Ele quer provar
sempre assim. Aquilo simplesmente “chemtrails”, ou rastros químicos que o 3rdEyeGirl é capaz de ativar
era norma para nós”. (“Pense em onde eles aparecem, por os meus chacras, por isso me coloca
Há digressões frequentes, às ve- que aparecem, com que frequência e em uma banqueta no palco a menos
zes difíceis de acompanhar: ele em que épocas específicas do ano”). de 1 metro dele. Pega uma guitarra
CAP/MEDIAPUNCH/IPX

parece partir de seu estudo da Bí- A certa altura, o telefone toca: é a Vox personalizada – a marca que
blia, que começou a sério quando jovem cantora e compositora britâni- alguns dos guitarristas de James
se tornou testemunha de Jeová sob ca Delilah. A voz de Prince de repen- Brown usavam. “Você vai começar a
a orientação do baixista Larry Gra- te fica ainda mais profunda. “Eu sei vibrar em um segundo”, ele me diz,
ham. “Tudo se expandiu”, diz. “Acre- que é tarde aí”, ele ronrona no bocal. e faz a banda começar a tocar “Stra-

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 47


tus”, uma fusão instrumental fogosa Jackson. “Não quero falar sobre isso. você, e quero que você entenda.”
da década de 1970, arrasando nos Estou próximo demais.” Ele prosse- Conversamos sobre aposentado-
solos que traçam arcos ascendentes gue: “Michael é apenas um de muitos ria. “Não sei o que é isso. Tem sempre
infinitos. Ele me avisou sobre ficar que passou por aquela porta – Amy alguma maneira de servir... Eu me
arrepiado, e cumpriu. Winehouse e outros. Estamos todos sinto como se estivesse dando aula
Depois, a banda faz uma sessão de conectados, certo, somos todos ir- em uma escola, mas também como
fotos no Estúdio C – uma imagem é Pegando mãos e irmãs, e no minuto em que se fosse aluno em uma delas. Eu nun-
para a capa de “Stopthistrain”, um Fogo compreendermos isso, não seremos ca senti que tivesse um emprego – is-
single que nunca chega a ser lançado. capazes de deixar ninguém da nossa so faz sentido? Então, essas palavras,
Prince desaparece durante um tem- RS 949 família cair. Foi por isso que eu liguei emprego e aposentadoria...”
po e então retorna com um MacBook (Maio/2004) para Chris Brown. Todos nós preci- Ele tenta explicar por que é ca-
que mostra Delilah ao vivo no samos ser capazes de estender paz de se imaginar tocando em
Skype – ele mostra a sessão a mão e simplesmente conser- idade avançada, com um desvio es-
de fotos a ela pela webcam. tar as coisas. Não há nada que tonteante para o misticismo sob a
Já passa da meia-noite quan- seja imperdoável.” perspectiva das irmãs Wachowski.
do retomamos a conversa. Ele Ele parece estar aludindo a “A expectativa de vida está ficando
menciona um desejo de ser- problemas passados próprios, mais longa”, afirma. “Uma das ra-
vir de mentor a Chris Brown, então pergunto se ele alguma zões é que as pessoas estão apren-
diz que o convidou a visitar vez agiu de modo autodestru- dendo mais a respeito de tudo, en-
Paisley Park. Observo que al- tivo. Suas sobrancelhas dispa- tão o cérebro faz mais conexões. No
gumas pessoas consideram o ram para o alto. “Autodestru- final, vamos estar em modo cerebral
que Brown fez com Rihanna tivo? Quer dizer... por acaso eterno, porque vamos ser capazes
imperdoável. Ele fica chocado. eu pareço autodestrutivo?” Is- de abranger a eternidade na men-
“Imperdoável? Minha nossa. so o leva a um discurso sobre te. Muita gente não é capaz de fazer
É aí que a gente vai conferir o motivo de ele evitar falar do isso. Se não pode pensar para trás
Em 2004, Prince
o mestre, Cristo. (...) Você já perdoou estava novamente passado. “As pessoas perguntam ‘por eternamente, não pode pensar para
alguém de um jeito insano?” Eu sa- por cima: que você mudou de nome?’ e isto, a frente eternamente. Todo o mundo
cudo a cabeça. “É a melhor sensação comemorou 20 aquilo e mais isso. Estou aqui neste costuma pensar sobre um começo,
anos de Purple
do mundo, e totalmente desmantela Rain, se apresentou momento, fazendo o que estou fazen- um Big Bang. Se você eliminar esse
a pose da pessoa.” com Beyoncé no do neste momento, e todas as coisas acontecimento, então pode começar
Prince fala mais sobre servir de Grammy e entrou a ver o que é a eternidade. Lembra
para o Hall da Fama
que eu fiz desembocaram nisto. E
mentor e ajudar colegas, então me do Rock and Roll não tem nenhum outro lugar em que em Matrix, quando dizem que a
pergunto em voz alta se ele poderia eu preferia estar neste momento. única coisa que tem fim teve come-
ter previsto o destino de Michael Quero estar aqui conversando com ço, e vice-versa?”

S
ão quase 2h da manhã
e Prince encerra a noite.
Ele me acompanha até as
Para Não Esquecer profundidades de Paisley
Assistir a Prince ao vivo era uma experiência única Park, com os sapatos bri-
lhando no escuro, para que eu pegue
Em setembro de palco. Apesar de a o meu casaco e a minha bolsa. En-
2013, cobri para a duração estipulada Com a guitarrista, quanto caminhamos, escuto pombas
Rolling Stone Brasil para a apresentação Donna Grantis, e a
baixista, Ida Nielsen, chorando – pombas de verdade que
o North Sea Jazz dele ser de apenas
Festival, na ilha de uma hora, o astro
da banda 3rdEyeGirl, vivem em uma gaiola em algum lu-
em Curaçao
Curaçao. O público permaneceu gar do porão. Quando visto o casaco,
do evento teve tocando por quase Prince me convida para me juntar à
a oportunidade o triplo do tempo. banda em Londres. O zíper prende
de assistir a uma Foi uma sensação
apresentação única ouvir ao vivo quando eu o subo. “Porra”, eu solto, e
eletrizante de hits como “Purple meu anfitrião parece chocado.
Prince. Algo irônico: Rain”, “1999”, “Little “Eu pedi para não falar palavrão”,
o astro nem estava Red Corvette”, ele diz.
inicialmente “Kiss”, “When
Peço desculpas. Prince me olha
escalado para Doves Cry” e “Sign
o festival – foi o’ the Times”. nos olhos e me dá um abraço aper-
anunciado na última Algo para ficar na tado. Como prometido, eu fico des-
REPRODUÇÃO; JACSON VOGEL

hora para substituir memória, e que as mantelado com o perdão instantâ-


Usher. No dia 31 de novas gerações neo dele. Ainda sou capaz de sentir
setembro, por volta infelizmente não
das 23h, Prince terão a chance de aquele abraço quando caminho do
e sua numerosa presenciar. lado de fora, onde a luz brilha sobre
banda subiram ao PAULO CAVALCANTI a camada imaculada de neve que
acaba de cair.

48 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


4

CONSUMO

ESCURIDÃ
VERSÁTIL
Não im
o obj 5

50 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


ESTÃO SUJEITOS A ALTERAÇÃO. FOTOS: DIVULGAÇÃO

10

1. Speaker AEROBULL • £ 1.200 • WWW.FIREBOX.COM;


2. Bola de basquete em edição limitada do time Toronto
Raptors com a marca esportiva Spalding e a grife do rapper
Drake, OVO • C$ 49,99 • SHOP.REALSPORTS.CA; 3. Box
AMY WINEHOUSE – THE COLLECTION, com oito LPs • US$
199,98 • WWW.URBANOUTFITTERS.COM; 4. Vitrola portátil
Keepsake CROSLEY • R$ 749 • WWW.WALMART.COM.BR;
5. Luva KARL LAGERFELD para RIACHUELO, em couro •
R$ 119,90 WWW.RIACHUELO.COM.BR; 6. Bicicleta Urban
Black FOFFA • R$ 3.980 • WWW.GALLERIST.COM.BR; 7.
Bolsa FENDI • R$ 12.440 • (11) 4873-5592; 8. Tênis Classic
Leather REEBOK • R$ 279,99 • WWW.REEBOK.COM.BR;
. Champanhe DOM PÉRIGNON P2 Segunda Plenitude 1998
• R$ 2.200 • (11) 3062-8388; 10. Abridor de garrafa Lips
BLACK SCALE X HOUSE OF WAR • US$ 50 • BLACK-SCALE.
COM; 11. Guitarra SE Signature Marty Friedman Black PRS •
R$ 4.900 • WWW.BARRAMUSIC.COM.BR; 12. Nano Drone
SKEYE • US$ 59 • WWW.AMAZON.COM

11

12

M a io, 2016 br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 51


5

52 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


9

10

1. Hoverboard BULL MOTORS Original Balance Scooter Bull X1 •


R$ 3.194,10 • WWW.SUBMARINO.COM.BR; 2. Fone de ouvido MARSHALL • R$
470 • WWW.FARFETCH.COM/BR; 3. Visor de realidade virtual IMMERSE (para
12 telefones com iOS e Android) • £ 20,99 • WWW.FIREBOX.COM;
4. Amplificador Classic T GIANNINI • PREÇO SOB CONSULTA •
WWW.GIANNINI.COM.BR; 5. Câmera compacta GOPRO HERO Session™ •
R$ 1.999 • PT.GOPRO.COM; 6. Relógio edição limitada do skatista Pedro
Barros G-SHOCK • R$ 549 • WWW.GSHOCKBRASIL.COM; 7. Capa para iPad
GIVENCHY • R$ 2.260 • WWW.FARFETCH.COM/BR; 8. Mochilinha Rouge
Obsession MIU MIU • R$ 4.100 • (11) 3552-1040; 9. Tênis PUMA Fierce •
R$ 599,90 • SHOP.BRASIL.PUMA.COM; 10. Central de mídia Chromecast
2 GOOGLE, que reproduz conteúdo de aplicativos google via streaming em
televisores com HDMI • R$ 399 • GOOGLE.COM/CHROMECAST; 11. Aircross 1.6
Shine Automático CITROËN • À PARTIR DE R$ 50.490 • 0800-0118088;
12. Perfume Aromatics in Black CLINIQUE • R$ 305 • WWW.CLINIQUE.COM.BR

11
Beach Boys Pet Sounds

LIÇÃO DE CASA
Em foto de 1964, Brian Wilson
(ao piano) mostra uma nova
composição para a banda.
Junto a ele estão (da esq. para
a dir.) Al Jardine, Mike Love,
Dennis Wilson e Carl Wilson

Emoções Duradouras
Lançado há 50 anos, Pet Sounds, dos Beach Boys, é redescoberto pelas
novas gerações e segue como um dos trabalhos mais inspiradores do rock

A
Lançado no dia 16 de maio de 1966, Pet
presença de pet sounds (1966) é obrigató- Sounds a princípio confundiu críticos e fãs.
ria em listas de maiores discos de todos os tem- Não era a unanimidade e a referência que vi-
pos. Na mais recente votação feita pela Rolling ria a se tornar, já que ninguém esperava que
nascesse da banda um disco tão melancólico
Stone norte-americana, publicada em uma edi- e com uma atmosfera sonora barroca. O LP
ção especial lançada no Brasil em 2014, a obra dos Beach contrastava vigorosamente com as canções
sobre surfe, carros e dias ensolarados que
Boys apareceu em segundo lugar, atrás apenas de Sgt. tornaram o quinteto liderado por Brian Wil-
Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles. Na- son a banda número 1 dos Estados Unidos.
turalmente, listas são subjetivas e sujeitas a contestações. Emocionalmente instável, Brian sofreu um
colapso nervoso no final de 1964 dentro de
Mas, enquanto outros álbuns clássicos permanecem temáti- um avião. Desistiu de excursionar e passou a
ca e esteticamente presos ao período em que foram criados, se dedicar apenas a criar dentro do estúdio.
Aos poucos, a música que fazia começou a
a experiência única de ouvir Pet Sounds transcende o tempo.
DIVULGAÇÃO

ficar mais refinada, como pode ser compro-


vado em The Beach Boys Today! (março de
Por Paulo Cavalcanti 1965). Brian se inspirava no ídolo, o produtor

54 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


Phil Spector, e transformava o estúdio em RECONHECÍVEL
um instrumento extra, tendo como parceiros A icônica capa do álbum
os músicos contratados que, juntos, eram co-
nhecidos como The Wrecking Crew – profis- (Deus), temendo que não repercutisse
sionais virtuosos como Hal Blaine (bateria), bem. Destacando o vocal angelical de
Tommy Tedesco (guitarra), Carol Kaye (bai- Carl Wilson, “God Only Knows” re-
xo) e Steve Douglas (saxofone), entre diversos presenta a busca pela redenção espi-
outros. Esses artistas experientes, com for- ritual. É verdadeiramente o trabalho
mação em jazz, eram versáteis e conseguiam de um homem – Brian Wilson – no
traduzir em acordes as complexas ideias que auge de seu poder criativo.
Brian tinha em mente. Brian começou a gravar o álbum
No final de 1965, por sugestão do guitar- enquanto os Beach Boys estavam em
rista Al Jardine, Brian criou uma versão so- turnê na Europa e no Japão. Quan-
fisticada para a canção folk “Sloop John B”. A do os músicos voltaram, ouviram as
faixa marcou o começo do ciclo da gravação faixas e registraram as complexas
do álbum que mais tarde seria batizado co- harmonias vocais. Todos ficaram
mo Pet Sounds. Acatando o conselho de um surpresos com as melodias e com os
amigo, Brian também passou a trabalhar no arranjos intrincados. Mas Mike Love
projeto com o jovem publicitário Tony Asher,
que investigava as emoções latentes do mú-
sico e escrevia letras com base nelas.
Pet Sounds a princípio confundiu
críticos e fãs. Não era a unanimidade e
D
epois de se impressionar
com Rubber Soul (1965),
dos Beatles, Brian decla-
a referência que se tornou posteriormente
rou que queria gravar “o maior reclamou – achou que o primo estava “es-
mente. No retrato pincelado por essas can-
disco de todos os tempos”. Embora não tenha ções, jovens adultos emancipados têm a tragando a fórmula”. A Capitol Records
sido planejado como um álbum conceitual, a sorte de conquistarem as melhores coisastambém não gostou do disco; os executivos
sequência de canções de Pet Sounds resume do mundo, mas no final perdem tudo aqui-o viam como depressivo e pouco comercial.
a jornada temporal e psicológica de um ho- A empresa não fez muito para promovê-lo.
lo pelo que ansiavam, ficando velhos, sozi-
mem, do deslumbramento juvenil até a ma- nhos e de mãos vazias. “You Still Believe Pet Sounds não vendeu mal nos Estados
turidade. O protagonista é obviamente um Unidos, chegando à décima posição das pa-
in Me”, “I Know There’s an Answer”, “Don’t
alter ego para Brian. Na época, ele tinha 24 Talk (Put Your Head on My Shoulder)”, radas, mas foi uma decepção se comparado
anos e enfrentava problemas no casamento, “Here Today”, “I’m Waiting for the Day”,às vendas dos álbuns anteriores dos Beach
se chocava com os colegas de banda e se afas- Boys. Já na Inglaterra a situação foi diferen-
“That’s Not Me” e “I Just Wasn’t Made for
tava dos amigos. Em Pet Sounds, o narrador These Times” introduzem sentimentos co- te: o LP atingiu o Top 3, pousando no segun-
insiste nas parceiras erradas e decepciona do lugar. Antes de o álbum chegar às lojas,
mo a perda da inocência, culpa, rejeição,
aquelas que seriam as pessoas certas; anseia Bruce Johnston, que entrou para os Beach
solidão e inadequação. As instrumentais e
por um relacionamento supostamente ideal, Boys em 1965, levou uma cópia para Londres
cinematográficas “Let’s Go Away for Awhi-
mas não vê o valor que existe mesmo nas coi- e, em uma lendária festa em um hotel, mos-
le” e “Pet Sounds” oferecem um respiro em
sas imperfeitas. Enquanto isso, ele embarca meio a tantos turbilhões emocionais. Mastrou o trabalho em primeira mão para a aris-
em uma jornada quixotesca para saber o por- a joia de Pet Sounds é “God Only Knows”,tocracia do rock inglês. Os Beatles estavam
quê de tamanha inquietude emocional. lá e se sentiram criativamente ameaçados.
que abre o lado B do LP e saiu em um sin-
FRANCOIS DUHAMEL/ROADSIDE ATTRACTIONS VIA AP/DIVULGAÇÃO (PAUL DANO); REPRODUÇÃO

“Wouldn’t It Be Nice” e “Caroline, No” Revolver e Sgt. Pepper’s não seriam possíveis
gle junto a “Wouldn’t It Be Nice”. Brian, de
abrem e fecham Pet Sounds, respectiva- sem as inovações gestadas em Pet Sounds.
início, teve receio de usar a palavra “God”
O ano de 1966 foi de ouro
para a banda de Brian Wilson,
Os Dois Lados da Moeda que ainda conseguiu colocar em
primeiro lugar a inovadora e psi-
codélica “Good Vibrations”. Em
Filme mostra bastidores de Pet Sounds e conta como Brian Wilson se perdeu na própria mente
1967, Brian tentou se superar com
Love and Mercy deveria ter Brian Wilson na época da o projeto do disco Smile e falhou.
estreado nos cinemas criação e gravação de Pet Dano vive o Devido a vários fatores – entre eles,
brasileiros em outubro do Sounds e John Cusack jovem Brian o abuso de drogas –, o líder perdeu a
ano passado. Devido a interpreta o líder do grupo sanidade, se isolou e se afastou do gru-
fatores mercadológicos, o californiano nos anos 1980,
lançamento em tela grande em sua fase madura e po que ajudou a fundar. Os Beach Boys
foi cancelado – o longa catatônica, quando era seguiram pela década de 1960 fazendo
dirigido por Bill Pohlad dominado pelo psiquiatra música interessante, antes de se transfor-
chega agora em DVD, com Eugene Landy (Paul marem em ícones da nostalgia. Já o perene
o equivocado título The Giamatti). Essencial e
Beach Boys – Uma História perturbador, o filme mostra
Pet Sounds segue redescoberto pelas novas
de Sucesso (Sony,++++). o limite existente entre a gerações. Mas, olhando em retrospecto, o ál-
Paul Dano vive o jovem loucura e a genialidade. P.C. bum também marcou a despedida dos dias
dos Beach Boys debaixo do calor do sol.

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 55


Beach Boys Mike Love
MEDITATIVO
Mike Love em sua
casa, em Lake Tahoe: o
boné é indispensável

56 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


Harmonia Falha
Apesar das polêmicas, é Mike Love quem mantém a chama
dos Beach Boys acesa na estrada Por Erik Hedegaard

M
ike love, de 75 anos, sobe as escadas de sua enorme bonés. Até Jackie não gosta: “Eu pergunto:
‘Não dá para deixar em casa?’”, ela brinca.
mansão em Lake Tahoe, nos Estados Unidos, e abre um Bem, Love é careca, então tem um motivo
armário recheado de camisas extravagantes e uma infi- para usar boné. Mas são as outras coisas que
nidade de bonés, a maioria deles com o nome da banda o incomodam. “Eu nunca falei metade do
que é atribuído a mim”, garante. “Acham que
da qual ele é o principal vocalista, os Beach Boys. Durante as últimas eu sou um cara que se levanta de manhã e fa-
cinco décadas, o cantor passou por incontáveis países com várias ver- la: ‘Bem, tenho trabalho a fazer. Como posso
sões do grupo, que hoje inclui apenas ele como membro fundador (Bruce ser escroto hoje?’”
Foi principalmente o complexo relacio-
Johnston, que entrou em 1965, também faz parte da atual formação). namento com Brian Wilson que fez dele
um vilão junto aos fãs e à imprensa. Os dois
Não interessa o tamanho da casa de espe- palhaço, demônio, egoísta, encrenqueiro e crescerem juntos, mas com o tempo viraram
táculos: para Love, todos devem ouvir sobre espírito de porco. Love às vezes ri do veneno antagonistas. Quando as pessoas falam dos
as garotas da Califórnia. “Meu primo Brian que lhe é destinado, mas nesse momento ele Beach Boys, pensam em Brian. Love rara-
[Wilson] adorava o estúdio. Já eu gosto mes- se vira para Jackie, sua esposa há 21 anos, e mente é mencionado, o que o deixa ressen-
mo é de me apresentar ao vivo”, afirma. “De- questiona: “O que eu fiz? Por que sou o vilão? tido. Além disso, é preciso reconhecer que
vo ter cantado ‘Fun, Fun, Fun’ mais de 6 mil Como cheguei a esse ponto?” deve ter sido difícil para alguém pragmático
vezes. Quebramos recordes de público, toca- Para os detratores, tudo começou no es- como Love aturar Brian no pico do uso de
mos para avós, filhos e netos.” A versão dos túdio em 1966, quando Love não escondia o drogas e da loucura, achando que suas can-
Beach Boys comandada por Love faz valer o fato de não gostar de Pet Sounds, a obra-pri- ções estariam causando incêndios em Los
dinheiro dos fãs – os integrantes enfileiram ma de Brian. “Quem vai ouvir essa porcaria? Angeles. Ou quando Brian atuava como um
40 canções em duas horas, terminando o set Um cachorro?”, ele supostamente teria dito, ditador perfeccionista dentro do estúdio. Ou
com “Fun, Fun, Fun”, conduzida pelo barí- embora negue até hoje. “Isso é bobagem. To- mesmo quando o primo descartou de vez as
tono nasal de Love, sempre essencial às har- dos nós demos duro naquele álbum”, afirma. canções falando de surfe.
monias da banda. O público sai feliz, embora No ano seguinte, ele criticou tanto o expe- Apesar da imagem bélica, Love procura se
com uma sensação agridoce de nostalgia.
Nos anos 1960, os Beach Boys se torna-
ram os menestréis de um verão que pare- “Eu nunca falei metade do que é
cia não ter fim. Mas em 1983 o baterista,
Dennis Wilson, morreu afogado, depois
de horas de bebedeira intensa. Carl
atribuído a mim”, garante Love
Wilson se foi em 1998, em decorrência de rimental Smile que abalou a fé de Brian. O manter em paz, pelo menos consigo mesmo.
um câncer no pulmão. Al Jardine permane- projeto foi arquivado por 37 anos. Love pro- O artista é adepto da meditação transcen-
ceu trabalhando, mas sempre discreto. Brian cessou o primo inúmeras vezes, alegando dental, criada pelo guru hindu Maharishi
Wilson, o líder e gênio visionário, criador das que o ajudou a escrever vários clássicos dos Mahesh Yogi – Love esteve presente na fa-
maravilhosas harmonias e melodias da ban- Beach Boys sem ter sido creditado por isso. mosa viagem que os Beatles fizeram à Índia
da, abusou das drogas e tornou-se mental e Outras pistas relacionadas à má fama do em 1968 e até ganhou uma música de pre-
emocionalmente instável a partir do final dos músico: Love foi responsável pela insípida sente de aniversário gravada pelo Fab Four
anos 1960; mas, de forma notável, conseguiu “Kokomo” (1988), que passa longe da maes- (“Happy Birthday, Mike Love”). Ele acorda
nos últimos 20 anos equilibrar a vida fami- tria de Brian, mas se tornou o maior hit dos todos os dias às 7h da manhã e medita, além
liar e profissional. Já Mike Love seguiu em Beach Boys. Nos anos 1980, ele doou US$ 5 de ser vegetariano.
forma, exatamente como nos velhos tempos: mil para ajudar Tipper Gore na cruzada pe- Em breve, Love vai ter a chance de mos-
um frontman que gosta de entreter o públi- la censura da música pop (que resultou na trar sua versão dos fatos. No meio deste ano,
co e contar piadas, o contraponto ao primo inclusão de um selo obrigatório em capas logo após as comemorações de 50 anos de
introvertido Brian – ambos necessários ao de discos, avisando quando há conteúdo ex- Pet Sounds, ele lançará a autobiografia Good
trabalho que levou ao auge da banda. plícito nas músicas). E, claro, ainda tem os Vibrations: My Life as a Beach Boy, escri-
Ainda assim, Love é considerado um dos ta com ajuda de James S. Hirsch. “Existem
BRYCE DUFFY

sujeitos mais vis da história do rock. Essa www.rollingstone.com.br muitas coisas que eu não compartilhei an-
Leia mais sobre os Beach Boys e os 50
é uma opinião geral há décadas e ele não anos de lançamento de Pet Sounds.
tes”, afirma. “Estou ansioso para abrir mi-
consegue se livrar dela. Já foi chamado de nha vida neste livro.”

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 57


Um Futuro
no Espaço?
O bilionário russo Yuri Milner e seus
cientistas renegados encabeçam
a busca por extraterrestres
mais avançada da história

POR MARK ADAMS

S
e o primeiro trimestre de 2016 de uma colisão entre dois buracos negros ocorrida
servir de parâmetro, este ano poderá há cerca de 1 bilhão de anos, que confirma o último
se tornar o equivalente histórico a 1491 e mais obscuro princípio da teoria da relatividade
em termos de descobertas espaciais. O de Einstein, e abre uma janela que em breve poderá
volume de notícias “cósmicas” até mea- nos dar um vislumbre sobre a criação do Universo.
dos de fevereiro foi proporcional ao que se espera no Enquanto isso, em uma área protegida nos Apa-
período de um ano. A empresa de aeronáutica Blue laches, onde celulares e wi-fi são proibidos para
Origin, do CEO da Amazon Jeff Bezos, deu um minimizar interferências de rádio, uma equipe de
enorme salto em direção à nova Era dos Descobri- astrofísicos e programadores da Universidade da
mentos ao lançar e aterrissar um foguete que já ha- Califórnia-Berkeley (UC-Berkeley) estrearam uma
via feito uma viagem de ida e volta para a estratos- nova forma de exploração interestelar no telescópio
fera – um momento revolucionário no setor privado Robert C. Byrd, em Green Bank, West Virginia. O
de exploração espacial. Dois pesquisadores deram projeto de US$ 100 milhões e dez anos de dura-
o pontapé inicial em uma frenética “caça ao plane- ção, batizado de Breakthrough Listen, será “a mais
ta” ao demonstrar que um corpo celeste enorme e meticulosa, abrangente e avançada busca por vida
até agora indetectável pode estar à espreita nos li- inteligente em outros planetas já conduzida”, afir-
mites do nosso sistema solar. O cosmólogo Stephen ma Andrew Siemion, diretor do centro de pesquisa
Hawking propôs que um progresso científico tão SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence, ou
acelerado tem efeitos imprevisíveis, que, parado- Busca por Inteligência Extraterrestre), de Berkeley.
xalmente, podem levar à extinção da vida na Terra O objetivo é detectar qualquer evidência de tecno-
dentro de cerca de mil anos. “Mas até lá já estare- logia distante, tal como comunicação por rádio ou
mos espalhados pelo espaço e por outras estrelas, um pico concentrado de energia. Se tiver sucesso, o
então um desastre na Terra não significaria o fim projeto Breakthrough Listen responderá à pergun-
da raça humana”, ele completa. Cientistas anuncia- ta filosófica e existencial que atormenta a humani-
ram ter detectado ondas gravitacionais, evidência dade há milênios: estamos sozinhos no Universo?

58 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br
rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 59
UM FUTURO NO ESPAÇO?

A autodepreciação é um pré-requisito es- um planeta no qual poderia haver vida como mos um E.T., significa que o Universo está
sencial para quem trabalha naquele que é o a nossa”, afirma Seth Shostak, astrônomo repleto de vida”, afirma Werthimer, “mas, se
campo da pesquisa científica que mais sofre sênior e diretor do Instituto SETI, que não estivermos sozinhos, é bom tomarmos conta
com frequentes associações a discos voado- tem fins lucrativos. “Mesmo que somente um da preciosa vida deste planeta”.
res e pedidos de “Leve-me ao seu líder”. “Em em 1 milhão de planetas seja ideal para de-

A
festas, sempre acabo participando de conver- senvolver vida inteligente, existe 1 trilhão de nova corrida espacial está
sas sobre [a série de televisão] Alienígenas planetas na galáxia. Isso significaria 1 milhão sendo liderada em grande parte
do Passado e as pirâmides”, conta Siemion, de mundos com vida inteligente.” por bilionários como Yuri Milner,
resignado. Ele tem 35 anos – é jovem para Yuri Milner, um empresário russo de fala que cresceram observando as es-
alguém desse campo do SETI, cujo último mansa cujo nome é uma homenagem a Yuri trelas antes de conquistarem suas fortunas
pico aconteceu na era entre o lançamento do Gagarin, o primeiro homem a viajar pelo es- tecnológicas na Terra. Viagens sustentáveis
livro Cosmos (1980), de Carl Sagan, e o fecha- paço, financia o Breakthrough Listen. Como para a estratosfera e além, que há apenas
mento de um projeto da Nasa que era como o muitos fãs do projeto SETI, Milner leu A Vida uma geração foram o sonho fracassado do
próprio SETI, em 1993, por cortes orçamen- Inteligente no Universo, de Carl Sagan, quan- programa Ônibus Espacial, que custou US$
tários. Não fosse por sua cabeça raspada, Sie-
mion poderia se passar por um universitário
do campus vizinho, ao chegar para o almoço SEGUNDO O ASTRÔNOMO SETH SHOSTAK,
em um restaurante rústico típico de Berkeley
usando um agasalho de zíper e levando uma “ESTIMATIVAS RECENTES ESTABELECEM QUE UMA
mochila jogada no ombro. EM CADA DEZ ESTRELAS TEM UM PLANETA NO
Dados estatísticos, e a Lei dos Grandes Nú-
meros em especial: é isso que separa a busca
QUAL PODERIA HAVER VIDA COMO A NOSSA”
por vida extraterrestre e as teorias de conspi-
ração de séries fictícias como Arquivo X. Os do criança. Após conquistar um Ph.D. em fí- 200 bilhões, são agora uma realidade graças
cientistas agora estimam que a Via Láctea sica, ele fez sua fortuna investindo em empre- à acirrada competição entre empresas como
tenha pelo menos 200 bilhões de estrelas, e sas como o Facebook. Agora, aos 54 anos, e a Blue Origin e a SpaceX, de Elon Musk (a
que o Universo tenha até 100 bilhões de ga- como muitos homens ricos na meia-idade, ele SpaceX, que constrói foguetes muito mais
láxias. Até 50 bilhões dos planetas da nossa está pensando sobre qual será o seu legado. potentes do que os de sua concorrente, con-
galáxia podem estar numa área chamada por Em conjunto com outros empresários como seguiu aterrissar um veículo reutilizável em
astrofísicos de “Zona Cachinhos Dourados”, Mark Zuckerberg e Sergey Brin, ele fundou dezembro). A Virgin Galactic, de Richard
uma região cuja temperatura não é quente o Breakthrough Prize, que dá como prêmio Branson, e sua rival menos espalhafatosa, a
demais ou gelada demais para abrigar vida, quantias na casa dos milhões a cientistas e XCOR, já aceitam reservas para seus primei-
o que a torna potencialmente habitável. No matemáticos. O Breakthrough Listen é uma ros voos turísticos suborbitais. Paul Allen, o
ano passado, astrônomos encontraram evi- missão para alcançar o que Milner descreveu cofundador da Microsoft – que antes de Mil-
dências de água salobra em Marte e localiza- como “um evento de baixa probabilidade, po- ner era o mais conhecido benfeitor do SETI
ram um exoplaneta bem afastado – batizado rém de alto impacto”. O unicórnio do mundo –, espera construir o maior avião do mundo,
de Kepler 452b – tão parecido com a Terra da ciência. uma nave-mãe projetada para lançar fogue-
que os dois planetas poderiam ser primos. “A resposta é interessante de qualquer jei- tes a 9 mil metros de altura.
Em abril, foi anunciada a descoberta de três to”, afirma Dan Werthimer, que na posição O destino dos sonhos de qualquer nerd es-
outros planetas habitáveis há 40 anos-luz da de cientista-chefe do SETI em Berkeley com- pacial é, certamente, Marte. A Nasa espera já
Terra, segundo cientistas da Bélgica. “As esti- plementa a confiança jovial de Siemion com ter uma equipe lá na década de 2030. Elon
mativas mais recentes estabelecem que apro- um otimismo inabalado por 40 anos infrutí- Musk, um obcecado assumido por Marte,
ximadamente uma em cada dez estrelas tem feros de busca por alienígenas. “Se encontrar- cuja empresa SpaceX fez várias parcerias

COMUNICAÇÃO PERDIDA
Cientistas cogitam a para a transmissão de rádio de rádio omnidirecionais por cientistas do SETI acreditam que
possibilidade de encontrar AM/FM) também serviriam acidente”, afirma Werthimer. “A o mais próximo que qualquer
para enviar mensagens por esta altura, a série I Love Lucy já pesquisador já chegou de alguma
mensagens enviadas sem
NA DUPLA ANTERIOR: T. PYLE/JPL-CALTECH/NASA

toda a galáxia. Qualquer vida passou por milhares de estrelas.” transmissão como essa foi um
destino certo pelo espaço inteligente aprenderia, em Uma possibilidade mais tentadora potente sinal de 72 segundos,
tese, a tirar proveito das muitas é a de que alguma entidade detectado no observatório da
Há cerca de 60 anos os cientistas aplicações dessas radiações. longínqua tenha enviado um sinal Universidade Ohio State em 1977,
perceberam que, uma vez Poderosos radiotelescópios proposital com o intuito de iniciar que aparentava ter origem na
que as leis da física pareciam talvez sejam capazes de captar um contato com a Terra. “Nós constelação de Sagitário. Apesar de
aplicar-se a todo o Universo, as o que os cientistas chamam de temos oxigênio [respirável] na inúmeras tentativas, ninguém teve
diferentes concentrações de “vazamentos”, nos quais sinais nossa atmosfera há 500 milhões sucesso em observá-lo novamente.
radiação eletromagnética que os de algum artefato tecnológico de de anos, talvez eles já tenham Uma “solicitação de amizade”
seres humanos descobriram ser alguma civilização distante possam percebido isso e presumido que intergaláctica emitida através do
excelentes meios de comunicação ter escapado para o espaço sideral. possa haver vida neste planeta”, Cosmos pode ainda estar por aí,
(tais como as ondas utilizadas “O planeta Terra emite esses sinais continua Werthimer. Alguns esperando para ser aceita. M.A.

60 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


1 2 Essas são as perguntas fundamentais desde
o início da Revolução Científica, há cerca de
500, 600 anos.”
O lado menos filosófico da questão é quan-
do os terráqueos vão lançar sua ofensiva ao
espaço. “Se vai acontecer em 2030 ou 2050
ou 2080 eu não sei, mas este será o século no
qual a humanidade avançará pela galáxia”,
continua Worden.
A estimativa mais recente da Nasa é que
uma viagem para Marte poderá levar até um
ano, e necessitará de várias vezes a quantida-
de de comida, água e combustível utilizada
nas viagens de três dias para a Lua. Há 25
3 anos o custo estimado de uma missão para
Marte era de US$ 400 bilhões, porém, se a
carga for reduzida drasticamente, o custo
também diminuirá.
Mas Worden aponta para uma tecnologia
que promete carregar a humanidade até as
estrelas: a inteligência artificial. “Você envia-
ria alguma espécie de essência de si mesmo,
como um avatar. Seria como colonizar ter-
ritórios para além do sistema solar usando
máquinas”, define. Outro cenário popular
entre futuristas imagina a criação de son-
das de Von Neumann – máquinas autorre-
plicantes que visitariam planetas distantes,
localizariam os ingredientes necessários
para fabricar cópias mais avançadas de si
mesmas e repetiriam o processo ao avançar
para os pontos mais distantes do espaço si-
deral. Worden também identifica potencial
na biologia sintética, que transformaria
matérias-primas de mundos distantes em
necessidades físicas, como comida e abrigo.
“Aí tudo o que seria preciso transmitir seria
informação. E informação viaja à velocidade
com a Nasa, prometeu não disponibilizar EXPLORADORES MODERNOS da luz”, conclui.
NRAO/AUI/NSF (1); TOM JAMIESON/“THE NEW YORK TIMES”/REDUX (2); AP PHOTO/BEBETO MATTHEWS (3)

serviços de sua companhia ao público antes 1. O telescópio Robert C. Byrd busca sinais de rádio Assim como viagens como a descrita aci-
enviados por outras formas de vida; 2. Dan Werthimer
de aterrissar uma espaçonave no Planeta é o cientista-chefe no projeto SETI; 3. O investidor
ma, o trabalho do SETI até agora tem sido
Vermelho. O polêmico projeto Mars One, se- russo Yuri Milner e o cosmólogo Stephen Hawking principalmente especulativo – a única cer-
diado na Holanda, alegou que mais de 200 teza é que ninguém encontrou provas con-
mil pessoas já se candidataram para sua via- base aérea de Moffet, próxima a Mountain cretas da existência de vida extraterrestre.
gem só de ida, e de estadia permanente, com View, na Califórnia. Ele explica por que acre- Como o Universo em si, a lista de possíveis
desembarque previsto para o ano de 2027. dita que aqueles que trabalham com capital empecilhos é infinita. Partindo do princípio
“Os órgãos governamentais tendem a de risco serão os futuros líderes em explora- da existência de civilizações distantes, elas
não se envolver em empreitadas abstratas, ção espacial. “As pessoas sempre perguntam podem ter começado muito à nossa frente, e
e compromissos espaciais a longo prazo são por que o Vale do Silício é diferente. A melhor nesse caso uma missão interestelar pode ter
caros”, diz Pete Worden, ex-diretor do Cen- resposta que eu ouvi diz que lá é um lugar on- passado despercebida pelos neandertais. Um
tro de Pesquisa Ames da Nasa. Ele anunciou de o fracasso não é um problema. Ele não só E.T. pode já ter passado por aqui, nos obser-
sua saída da Nasa em fevereiro ao declarar é bem visto, como é esperado.” vado sob uma Primeira Diretriz como a da
que queria “correr atrás de alguns sonhos Worden foi professor de astronomia e ge- equipe da Enterprise, de Star Trek, sem po-
antigos no setor privado”. Pouco tempo de- neral da Força Aérea norte-americana. Ele der interferir. Edward Snowden sugeriu que
pois, Yuri Milner o nomeou diretor da Fun- diz haver dois lados da questão sobre a vida alienígenas poderiam até fazer uso de técni-
dação Breakthrough Prize, que supervisiona no Universo: um acadêmico e outro estraté- cas avançadas de criptografia que disfarça-
o Breakthrough Listen. Worden veste uma gico. Em primeiro lugar, o que há lá fora? “O riam seus sinais, fazendo-os indistinguíveis
velha camiseta azul da Nasa enquanto cha- que é vida, qual a sua origem, onde mais ela para nós.
coalha o gelo dentro de um copo plástico no está e qual o seu futuro? Qual é a origem e Elon Musk vê um possível lado negro nes-
restaurante Tee Minus One Bar & Grill, na a estrutura do Universo? Como ele começou? se silêncio cósmico, e reitera a advertência de

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 61


UM FUTURO NO ESPAÇO?

Stephen Hawking. “Se considerarmos o nos-


so nível tecnológico, alguma coisa estranha VIAGEM DISTANTE
Richard Branson mostra
deve acontecer com as civilizações, e eu digo o novo veículo da Virgin
estranha no sentido ruim”, Musk declarou Galactic, destinado ao
turismo espacial
em uma entrevista recente à revista Aeon. Po-
de haver uma razão perturbadora pela qual
nenhum extraterrestre tenha nos contatado
nos 13,8 bilhões de anos desde o Big Bang: os
avanços tecnológicos que permitirão a explo-
ração da galáxia pelos seres humanos, como a
inteligência autorreplicante, poderão vir a ser
os gênios que se viram contra seus mestres.
“Pode ser que existam muitas civilizações de
um planeta só, já extintas”, completa Musk.
Worden tem uma explicação mais otimis-
ta: “A resposta mais provável é que não pro-
curamos o bastante”.
O investimento de Milner no Break-
through Listen será empregado em três
frentes: o aluguel de radiotelescópios enviados para os computadores pessoais de alienígenas hipotéticas). A partir daí, en-
para observação em West Virginia e na milhões de voluntários, nos quais são proces- tenderíamos “sua descrição científica do
Austrália, assim como do telescópio ótico sados enquanto as máquinas estão em modo mundo” e talvez até a cultura desses seres.
do Observatório Lick da Universidade da de repouso, e então transmitidos para Berke- Um pouco menos empolgante seria uma
Califórnia; a contratação de jovens cientis- ley. A desvantagem de pegar carona na pes- experiência bem conhecida por arqueólo-
tas que até recentemente se afastavam do quisa de outros cientistas é que Werthimer gos, que ao recolher provas fragmentadas
projeto SETI, pois a falta de financiamen- e sua equipe raramente têm controle sobre a “conseguem reconstruir partes, mas nunca
to indicava suicídio profissional; e, talvez decisão de para onde apontar o telescópio. O o mundo completo de uma civilização”, diz
a mais importante, a construção de novas Breakthrough Listen os colocará no volante, Vakoch. É provável que tenhamos que nos
tecnologias para processar o tsunami de com dinheiro para dez anos de combustível. conformar com “uma vaga compreensão
dados inéditos que inundarão o projeto.
Essa responsabilidade cairá sobre os om-
bros de Dan Werthimer, em Berkeley. Aos 61 “SE VAI ACONTECER EM 2030 OU 2080, EU NÃO SEI,
anos, ele é o tipo de acadêmico que calouros
deslumbrados esperam encontrar, mas rara- MAS ESTE SERÁ O SÉCULO NO QUAL A HUMANIDADE
mente encontram: de barba benfeita, entu- AVANÇARÁ PELA GALÁXIA”, DIZ PETE WORDEN,
siasmo contagiante, respeitado em sua área
e talentoso em explicar ideias complicadas, EX-DIRETOR DE UM NÚCLEO DA NASA
ele estampa sua “nerdice” com orgulho, ves-
tindo por debaixo da manga um relógio cujos do que parte da mensagem quer dizer”.

Q
uando cristóvão colombo em-
ponteiros são mãos que fazem o sinal de vida barcou a caminho da Índia em E até mesmo esse entendimento raso é
longa e próspera enquanto orbitam o rosto 1492, ele levou consigo um intér- um tiro no escuro. Logo antes de anunciar
de Spock. Seu papel como cientista-chefe no prete cujas habilidades não ser- o projeto entre os nomes proeminentes da
mundo do SETI, se transportado para o uni- viram para traduzir o que diziam os nativos astrofísica – inclusive Stephen Hawking –
verso de James Bond, seria quase igual a uma Taínos que a caravana encontrou ao aportar em Londres, no meio do ano passado, Mil-
parte M e três partes Q. “Eu tento descobrir no Caribe. Os cientistas do Breakthrough ner conduziu uma pesquisa com sua equipe.
algum problema interessante na astronomia Listen gostam de se comparar à expedição de A estimativa deles foi a de que o Breakth-
que eu poderia resolver construindo algu- Colombo, porém almejam estar melhor pre- rough Listen tem 1% de chance de sucesso.
ma engenhoca, porque o que eu sei fazer é parados. Em conjunto com o Breakthrough Enfrentando tais probabilidades, não faria
construir engenhocas”, define Werthimer. Listen, Yuri Milner reservou US$ 1 milhão mais sentido esperar até que os seres hu-
A oficina da equipe dele no Campbell Hall, em recompensas para a formulação de men- manos tenham construído telescópios em
o prédio de astronomia da Universidade de sagens que possam ser enviadas para uma Marte e estejam enviando sondas ciborgues
Berkeley, parece uma assistência técnica de civilização recém-descoberta. para as profundezas da Via Láctea?
home theaters de ponta, onde prateleiras de Douglas Vakoch, um psicólogo clínico “Você poderia ter dito ao Cristóvão Co-
madeira estão repletas de placas de memória que preside o METI (Messaging for Ex- lombo: ‘Provavelmente você vai chegar à
AP PHOTO/MARK J. TERRILL

e de outros componentes eletrônicos. traterrestrial Intelligence), afirma que em Índia, é só esperar 500 anos pela chegada
Há anos Werthimer lidera o projeto SE- condições ideais qualquer sinal recebido dos aviões’”, rebate Werthimer, enquan-
TI@home, uma rede peer-to-peer originada pela Terra conteria informações comuns to mexe no seu relógio de Star Trek. “Nós
na época do Napster. Dados observacionais a todas as civilizações, como a matemá- nunca vamos responder a essas perguntas
brutos recolhidos em segundo plano duran- tica simples (uma sequência de números na ponta do lápis. A única maneira de en-
te as observações de outros astrônomos são primos é o Velo de Ouro das transmissões contrar é sair procurando.”

62 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


ARQUIVO RS

64 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


RS 737 – JUNHO, 1996

UMA V I A G E M P E L O S A R Q U I VO S D A R E V I S T A ROLLING STONE


DISCO DO MÊS
Mudança de Conceito
Ao lançar o controvertido Load, o Metallica renovava de vez o som e o visual
Patti Smith ++++
Gone Again Arista
é difícil ima-
ginar como se-

A
té metade da década de 1990, o me- as mudanças. “Eu não entendo essa coisa de ficar ria o papel da
tallica tocava um thrash metal urgente e estagnado”, falou com firmeza o vocalista e guitar- mulher dentro
era praticamente unanimidade entre críti- rista, James Hetfield. O músico também reclamava do rock sem a
cos e fãs. A situação mudou quando o quarteto lan- dos fãs que se achavam “donos” do Metallica: “Per- presença de
çou o disco Load (1996). O álbum foi um grande guntam: ‘Por que vocês não fazem outro Master of Patti Smith – ela o formatou nos
sucesso, atingindo rapidamente o Puppets?’ Mas nós já fizemos!” Eles quatro álbuns que lançou entre
primeiro lugar nas paradas nor- se preparavam ainda para debutar 1975 e 1979. Mas logo depois
te-americanas. No entanto, vários no festival Lollapalooza e rebatiam desse período a imprevisível sa-
antigos seguidores rejeitaram o os puristas que achavam que o cerdotisa do punk se casou com
trabalho, mais comercial e acessí- Metallica não deveria estar em um Fred “Sonic” Smith, ex-guitar-
vel – muitos alegavam que o quar- evento “indie”. “Não é pela exposi- rista do MC5, e virou dona de
teto tinha “se vendido”. Houve po- ção ou pelo dinheiro”, garantiu o ex- casa em Detroit. Nesse meio-
lêmica também sobre o novo visual -baixista Jason Newsted. -tempo, ela lançou apenas um
dos integrantes, que agora estavam O ex-baixista Cliff Burton, que disco (Dream of Life, em 1988).
de cabelos curtos (como aparecem morreu na Suécia em um aciden- Então, em 1994, Fred morreu.
na capa da revista, em foto de An- te no ônibus da banda em 1986, Gone Again marca o luto de Pat-
ton Corbijn). também foi lembrado. “Cliff foi um ti. É também o álbum mais fo-
Antes de todo o falatório aflorar, mártir”, comentou o baterista, Lars cado e direto que a artista já fez,
o crítico David Fricke foi até um Ulrich. “Para os fãs, ele representa livre de qualquer desculpa para
estúdio de gravação em Nova York um elo com um passado que já não autocomiseração. A faixa-título
acompanhar o processo de finaliza- existe depois de todas as mudanças é uma das derradeiras colabora-
ção do trabalho. A banda assumia que tivemos nestes anos.” ções dela com o falecido marido
e faz com que o fatalismo da si-
“NO MOMENTO EM QUE VOCÊ PARA tuação soe ainda mais desafia-
dor. O trabalho mais terno da
DE EXPLORAR AS COISAS, PODE SE carreira de Patti, Gone Again
não é sobre tristeza, mas sim so-
SENTAR E MORRER” – LARS ULRICH bre resiliência. TOM CARSON

Punk Total
Era lançado o livro Mate-Me Por Favor
Mate-Me Por Favor – A História sem Censura do
Adrenalina de Sobra
Punk (capa original abaixo), lançado em 1996, Campeão de bilheteria, o filme A Rocha juntava Nicolas Cage e Sean Connery
tornou-se uma das referências definitivas sobre
os primórdios do punk norte-americano e seus Na edição, o crítico Peter
personagens. “A essa Travers destacou A Rocha,
altura, talvez nós não dirigido por Michael Bay e
precisássemos de estrelado por Nicolas Cage
mais um relato sobre e Sean Connery. “Não faz
rock and roll e heroína. sentido ser esnobe em
Mas Mate-Me por relação a A Rocha, senão
Favor é sobre muito você vai perder toda a
mais do que isso”, ação explosiva e diversão
FRANK MASI/DIVULGAÇÃO (A ROCHA); REPRODUÇÃO

escreveu o crítico Fred caótica do filme”, afirmou.


Schruers. Ele ressaltou No longa, a dupla principal Desafios
as virtudes da obra, se une para confrontar mortais para
cujos relatos foram renegados que mantêm Connery e Cage
compilados por Legs reféns na ilha de Alcatraz,
McNeil e Gillian McCain. em São Francisco. Para achava que os dois pareciam transparecem quando vemos
A dupla conta histórias Travers, o filme valia a pena estar se divertindo e que o os dois formando uma relação
de bastidores, nem principalmente por causa alto-astral que exibiam nas de cumplicidade, ao mesmo
sempre edificantes, sobre Dee Dee Ramone, Patti da química existente entre telas era contagiante. “O tempo que se esquivam de
Smith, Iggy Pop, Lou Reed e muitos outros ícones. os protagonistas. O crítico humor e o coração do filme balas e bombas”, relatou.
“É uma história oral honesta, detalhada, suja,
fascinante e sem censura”, descreveu Schruers.

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 65


CARA PINTADA
“Eu queria que as pessoas vissem os meus olhos”,
contou Dylan ao fotógrafo Ken Regan sobre ter
maquiado o rosto de branco

66 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br
PORTFÓLIO

Espírito
Cigano
O fotógrafo KEN REGAN
registrou o lado teatral de
Bob Dylan na turnê Rolling
Thunder Revue, em 1975
POR PAULO CAVALCANTI

rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 67
Ken Regan

A
rolling thunder revue,
turnê de Bob Dylan iniciada
em 1975, tinha uma atmos-
fera meio cigana, meio cir-
cense. Para participar da série de shows, o
astro convidou Joan Baez, Roger McGuinn
(The Byrds), Ramblin’ Jack Elliott e Bob
Neuwirth, que ficou encarregado de liderar
a banda de apoio. Uma peça indispensável
para a excursão, porém, não era músico.
Dylan trouxe a bordo o fotógrafo Ken Regan,
conhecido pelo trabalho junto a grandes no-
mes das esferas política, musical e esportiva,
para registrar as apresentações. Regan, que
morreu em 2012, se juntou à trupe para cli-
car não só os palcos mas também o clima sui
generis dos bastidores, onde Dylan recebia
amigos e celebridades. São de Regan as fotos
impressas nestas páginas.
A primeira parte da Rolling Thunder Re-
vue começou no War Memorial Auditorium,
em Plymouth, Massachusetts, em 30 de ou-
tubro de 1975, terminando no dia 8 de de-
zembro, no Madison Square Garden, em No-
va York. Houve ainda um segundo segmento,
que rodou os Estados Unidos entre abril
(Lakeland Civic Center, Lakeland) e maio de
1976 (Salt Palace, Salt Lake City). No geral,
Dylan optou por locais pequenos – muitas
vezes nem havia um aviso prévio de que ele
estaria naquele determinado lugar.
Havia todo um elemento teatral: o bar-
do aparecia maquiado, com o rosto branco,
echarpes e um chapéu adornado por flores.
Uma das razões para esse lado mais per-
formático era que, paralelamente à turnê,
Dylan dirigia Renaldo and Clara, um filme
com trechos das apresentações misturadas
a partes dramatizadas e improvisadas. De-
le participaram Sara, na época esposa de 1
Dylan, o poeta beat Allen Ginsberg e o ator
2
Harry Dean Stanton, entre outros. Com qua-
tro horas de duração, o longa só estreou dois
anos depois, em 1978, e foi massacrado pela
crítica. Mais tarde, Dylan editou a produção
para duas horas e a tornou mais palatável,
concentrando-se nos segmentos musicais.
Se a aventura paralela de Renaldo and
TODAS AS IMAGENS © ESPÓLIO DE KEN REGAN/ORMOND YARD PRESS

Clara se revelou como uma decepção, nin-


guém reclamou do que rolou no palco. No
começo de 1975, Dylan havia lançado o vis-
ceral Blood on the Tracks. Ele executou vá-
rias canções do álbum, a exemplo de “Tan-
gled Up in Blue”, “Idiot Wind” e “Simple
Twist of Fate”. Além disso, preparou versões
totalmente renovadas para clássicos como
“Blowing in the Wind” e “It’s All Over Now,
Baby Blue”. No hiato entre o primeiro e o se-
gundo segmento da Thunder Rolling Revue,
Dylan lançou ainda o aclamado Desire (ja-
neiro de 1976). Era mais um capítulo incom-
parável na história do artista, que em 24 de
maio de 2016 completa 75 anos.

68 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


CARAVANA ARTÍSTICA
1. Dylan em New Haven, Connecticut. A foto não foi planejada: o cantor se virou
e Regan fez o registro; 2. Dylan e a fã confessa Patti Smith batendo um animado
papo em Greenwich Village, em Nova York; 3. Joan Baez e outros membros da
equipe com o cantor em um restaurante, em Plymouth, Massachusetts; 4. No
camarim, supervisionando o material da turnê; 5. Em Lowell, Massachusetts,
visitando o túmulo do poeta beat Jack Kerouac; 6. Ao lado do boxeador
Muhammad Ali nos camarins do Madison Square Garden, em Nova York

3
6

4
5

Recorte Preciso
Livro mostra seleção dos cliques feitos pelo
fotógrafo durante a maratona de shows

O livro Rolling Thunder: parte foi publicada ao


Photographs by Ken longo dos anos. Seria
Regan (Ormond Yard impossível colocar tudo o
Press) acabou de ser que foi coletado naqueles
disponibilizado em shows em apenas um
edição limitada nos livro, mas a obra cumpre
Estados Unidos. Regan a função de mostrar
fotografou mais de 14 de forma eficiente este
mil imagens da turnê, fascinante recorte da
mas apenas uma ínfima carreira de Bob Dylan.

M a io, 2016
Guia
Cantor e compositor
maranhense segue
LIVROS | HQs..................................... Pág. 76

FILMES ................................................. Pág. 78

BLU-RAY | DVDs ............................. Pág. 80

HOTLIST ................................................ Pág. 82

prolífico e com prazer em


fazer música diversificada

+++½ Zeca Baleiro


Era Domingo Som Livre
POR JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR
aos 50 anos de idade e quase
20 de carreira, Zeca Baleiro
chega ao décimo álbum de es-
túdio com um cenário a seu
favor dentre os astros da MPB
que se consolidaram a partir
do final da década de 1990.
Enquanto Chico César fracio-
na seu tempo entre a música
e a atuação política (inclusive
assumindo cargos públicos)
e Moska investe em conexões
latinas e na faceta de apresen-
tador de tevê, Baleiro demons-
tra enorme satisfação em dar
prazer sonoro à sua audiência
– cativa e sempre crescente.
A tática para permanecer
excitado e excitando após es-
se tempo de estrada passou
por montar o próprio universo
criativo, com direito a um selo
para lançar discos alternati-
vos (seus e de outros artistas),
e pela aposta em um processo
de gravação incapaz de deixá-
-lo entediado. Em Era Domin-
go, Baleiro repete o expediente
inusitado de O Disco do Ano
(2012) e entrega cada faixa do
álbum para um produtor di-
ferente. Como seus registros
são quase sempre plurais em
ritmos e linguagens, a opção
acaba contribuindo para a
multiplicidade estética almeja-
da. Cada faixa foi programada
para soar diferente da anterior,
e ele consegue isso.

ILUSTRAÇÃO: RENATO CUNHA rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 71


GUIA NOVOS CDS
Do time de produtores fa-
zem parte os músicos titulares
da banda-base de Baleiro (o
Momentos de Dor e Resistência
guitarrista Tuco Marcondes Estrela faz o mais contundente disco da carreira, com canções sobre infidelidade e racismo
encarrega-se da faixa-título e
primeiro single; o tecladista +++++ Beyoncé Lemonade Sony
Adriano Magoo cuida do exce- lançado de surpresa em uma
lente jazz cigano “Ultimamente noite de sábado, a princípio atra-
Nada”), outros músicos que já vés do site Tidal, Lemonade é so-
passaram pela trupe dele (Éri- bre discordância emocional e dis-
co Theobaldo, hoje tocando no solução marital. É também a de-
Aldo, assina “Desesperança”) e claração pessoal mais impactante
novos colaboradores. Em uma da mais respeitada e criativa artista do universo
das canções mais poderosas pop. Em todas as canções, ela passeia por sentimen-
de Era Domingo, “Homem Só”, tos como mágoa e infidelidade. É música com dor e
Marcelo Lobato traz seu know- fúria. Ela repete a mensagem “você me traiu e vai
-how d’O Rappa para ajudar pagar” inúmeras vezes e ainda gravou “Daddy Les-
Baleiro a narrar a angústia sons”, uma canção country sobre como o pai dela a
de um cidadão que se sente “a ensinou a resolver seus problemas usando uma ar-
multidão sem alma multipli- ma. Com tantos dramas expostos, é fácil acreditar
cando multidões”, como diz o quando ela lamenta a noite em que colocou uma
refrão (reforçado pela belíssi- aliança no dedo. A cantora começa suplicante com
ma voz de Ellen Oléria). Já em “Pray You Can Hear Me” e na sequência explode
“Deserta”, parceria com o con- com “Hold Up”. Em “Sorry”, quando ela rosna “chu-
golês Lokua Kanza, quem as- pe minhas bolas, estou cheia”, fica a impressão de
sume os botões é a dupla sônica que o marido Jay Z deve estar passando por maus
do Skank: o tecladista, Henri- momentos. “Freedom” e “Formation” têm lado his-
que Portugal, e o baterista, Ha- tórico, conectando a dor pessoal dela ao drama dos
roldo Ferretti. negros na América. Em resumo, Lemonade é a rai-
Mesmo soando menos galho- nha mostrando o dedo do meio. ROB SHEFFIELD
feiro do que em registros ante-
riores, Baleiro ainda tem muito
bom humor para dar. Quando mental que o artista segue o blo-
vai nessa linha “alto-astral qua- co fúnebre de Nelson Cavaqui-
se zoeira”, como no ska “Ela Pa- nho. A morte é assunto de várias
rou no Sinal”, entrega a fórmula das 14 músicas cantadas por
mágica do vigor. O mundo se Fróes com guitarras, cuícas e me-
divide e se digladia lá fora, mas tais que se desviam da cadência
Baleiro não perde a predisposi- Romulo Fróes ++++ do samba. Clássico gravado com Gwen Stefani +++
ção para gozar. Parafraseando o Rei Vadio – As Canções de a voz de Criolo, “Luz Negra” é o This Is What the Truth
refrão da meio surf music, meio Nelson Cavaquinho Selo Sesc ápice da desconstrução, enquan- Feels Like Universal
western “Desejo de Matar” (que Músico paulistano reinventa o to Ná Ozzetti dá voz aos versos Distante do caminho solo há dez
cita até Charles Bronson, ator universo fúnebre de sambista criados por Nuno Ramos para o anos, cantora abre o coração
da franquia cinematográfica samba-choro “Caminhando”. No
que dá nome à canção), o ouvin- romulo fróes tem lançado final, Fróes transita pelo universo o terceiro disco solo da vo-
te cai feito um pato em seu papo discos pautados por ruídos e dis- mórbido de Cavaquinho longe da calista do No Doubt aponta pa-
sonso. E cai extasiado. sonâncias. É nessa rota experi- reverência. MAURO FERREIRA ra a maturidade enquanto ver-
sa sobre a montanha-russa de
emoções da vida, tendo como
RS OUVIU pano de fundo o fim do casa-
mento dela com Gavin Rossda-
Igor Prado é reconhecido por disco de blues com padrão internacional
le. A abertura fica com o elec-
Q O cantor e guitarrista paulistano Participam do trabalho músicos tropop “Misery”, uma narrativa
Igor Prado é hoje um dos grandes norte-americanos, como Mud sobre a dor que vem atrelada
expoentes brasileiros do blues. Morganfield (filho de Muddy ao fim de um relacionamento.
Ao lado dos músicos da Igor Prado Waters), Kim Wilson (vocalista do
“Make Me Like You” soa como
Band, ele lançou no ano passado Fabulous Thunderbirds) e J.J.
JONNY RUZZO; PEDRO AUGUSTO

Way Down South (independente , Jackson. Uma das grandes a banda de origem de Gwen,
+++) e agora colhe os frutos da influências de Prado, o cantor e com letra que é uma carta de
boa repercussão do disco, gaitista Lynwood Slim, que amor ao novo namorado dela, o
especialmente fora do país: foi morreu em 2014, participou de cantor country Blake Shelton.
Prado revive o
indicado ao Blues Music Awards, a “Baby Won’t You Jump with Me”
som do sul dos
mais importante premiação do (de Lowell Fulson) e “You Better
Já músicas como “Asking 4 It” e
Estados Unidos
estilo nos Estados Unidos. Believe It” (Paul Gayten). “Naughty” têm rap na medida.
ANDRÉ ALOI

72 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.
Seguindo Firmes na Missão
Tradicional banda dos anos 1990 troca os integrantes, mas mantém sonoridade sólida
+++ Autoramas O Futuro dos Autoramas Hearts Bleed Blue
ter perdido dois inte- ri. Érika Martins, uma das novidades da for- Pet Shop Boys +++
grantes e ganhado três antes mação, dá sua melhor contribuição cantando Super Sony
da feitura do sexto álbum de “Rolo Compressor”, do gaúcho Pedro Veríssi- Dupla inglesa traz como novidade
estúdio não diminuiu mo á Fred Cast o titular das aquetas na fa- canção com som brasileiro
conexão aixista Melvin
mas com us papéis com lá se vão mais de 30 anos des-
to que o novo trabalho o – mas deram de que o Pet Shop Boys lançou o
po carioca foi bancado nte peso ao Au- primeiro álbum, Please, em mar-
nanciamento coletivo, as nas apre- ço de 1986. Super mostra que
de que a confiança no tações ao vivo. Neil Tennant e Chris Lowe ainda
criado por Gabriel Thom alguém teve têm uma ou outra carta na man-
é grande. O cantor e g dúvidas sobre o ga. “Twenty-Something” surpre-
tarrista destila seu ven uturo das tan- ende por trazer o característico
na inquisitiva “O que as vezes cha- som de teclado estridente e pela
Você Quer” e em “Prob ada “maior batida minimalista do tecnobre-
Seu”, que pode ser lida a de rock inde- ga paraense. Não ficou ridículo –
um expurgo após a trau ente do Bra- a faixa inclusive tem algo de me-
ca partida do baterista o novo registro lancólico e hipnótico. As demais
lhau e da baixista Flávi a para confir- canções de Super, como “The Pop
ar que não há Kids” e “The Inner Sanctum”, são
FASE QUARTETO da a temer. agradáveis, mas soam rotineiras.
A banda hoje: (da esq. para a dir.)
Castro, Érika, Thomaz e Ribeiro JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR PAULO CAVALCANTI

RELANÇAMENTO
LP clássico do rapper Sabotage ganha nova edição em vinil

QUma das figuras mais


carismáticas do rap brasileiro, o
(2001), pelo selo Cosa Nostra, o
mesmo do Racionais MC’s. Faixas
PJ Harvey ++++
Ed Motta +++½ paulistano Mauro Mateus dos como “Um Bom Lugar”, “Na Zona The Hope Six Demolition
Perpetual Gateways Lab 344 Santos, o Sabotage, teve uma Sul” e “Respeito É pra Quem Project Universal
Cantor sintetiza seu conhecimento carreira breve, porém impactante. Tem” definiram a mensagem do Ao relatar guerra e desigualdades,
musical em nova safra de faixas Descoberto pelo RZO, o rapper da Sabota, como era conhecido. britânica se supera mais uma vez
favela do Canão começou Depois, ele atuou e fez parte da
participando de shows do grupo, trilha sonora dos filmes O
com devoção às suas influên- até que lançou seu ) e Carandiru não poderia ter havido um
cias, Ed Motta resgata em Perpe- álbum, Rap É Trabalhou sucessor mais adequado para Let
tual Gateways o conceito do LP Compromisso m o Sepultura e England Shake (2011), o disco
coletivo
dividido em dois lados. O lado A, Instituto e anterior de PJ Harvey. Naquele
chamado por ele de “Soul Gate”, esteve trabalho, a britânica mergu-
FELIPE DINIZ/DIVULGAÇÃO; GAL OPPIDO/DIVULGAÇÃO/SOMATÓRIA DO BARULHO

começa com “Captain’s Refusal” presente em lhou em registros dos horrores


e “Hypochondriac’s Fun”, que inúmeros da guerra para compor; desta
discos de rap.
exalam uma mistura classuda de vez, ela foi a campo (visitou Wa-
o início de
rock e funk e remetem ao Stee- 3, foi shington, nos Estados Unidos,
ly Dan, grande referência para brutalmente assassinado Kosovo e Afeganistão) para ver
Motta. Já no lado B, batizado e atingiu o status de lenda. Rap não apenas as consequências de
como “Jazz Gate”, Motta toma É Compromisso virou artigo conflitos armados mas também
raro e agora ganha uma
a banda pelas mãos e parte em reedição pelo selo Somatória do as desigualdades encontradas na
uma viagem por intrincados ca- Barulho. O áudio foi maioria das metrópoles do mun-
minhos que desaguam no spirit remasterizado, mantendo a arte do. O resultado é mais melódico
jazz e no fusion, até o final apo- original e ganhando fotos e palatável do ponto de vista so-
inéditas de Sabotage, além de
teótico com “Overblown Over- noro, mas tão pungente quanto
remixes dos DJs Nuts e Primo,
weight”. Ouvidas as dez faixas, morto em 2008. Pode ser o anterior em termos de escrita.
tem-se a impressão de que ele Sabotage na Em sua ânsia por expurgar a dor
adquirido pelo site www.
Galeria do Rock,
veio amadurecendo para culmi- em São Paulo somatoriadobarulho.com. que sente ao testemunhar a dor
nar na música refinada que fez EDUARDO RIBAS
dos outros, Polly Jean se supera
neste trabalho. ITAMAR MONTALVÃO mais uma vez. BRUNA VELOSO

M a io, 2016 rollingstone.com.br | Rol l i ng S t on e Br a s i l | 73


GUIA NOVOS CDS

À Procura do Lugar ao Sol


Artista carioca lança álbum bem produzido e com diversos hits em potencial
++++ Mahmundi Mahmundi StereoMono
nenhuma análise do ál- Deftones +++½
bum de estreia da cantora, Gore Warner
guitarrista e baterista cario- Ícones do metal alternativo
ca Marcela Vale, de 29 anos, revivem temores em disco sombrio
escapará das comparações à
obra de Marina Lima. “existe um novo e estranho
Mahmundi, codinome que ela usa desde o co- demônio acordando dentro de
meço da década, convive bem com a sombra, mim”, canta Chino Moreno no
já devidamente delineada nos EPs Efeito das oitavo álbum do Deftones. Go-
Cores (2012) e Setembro (2013). A conexão en- re leva o metal experimental da
tre as duas se dá pela combinação de elemen- banda a um patamar ainda mais
tos analógicos e eletrônicos e pelo interesse sinistro e desolador. Os guin-
tanto pelo pop descarado quanto pelas bala- chos de Moreno são distorci-
das esparsas. Metade das dez faixas do disco, dos, e petardos como “Doomed
cuja produção é da própria artista, já havia User” e a faixa-título chegam
sido lançada. Mas as novas versões são mais banhados em dissonância. Até
sofisticadas, com nítida melhora no registro a balada “Phantom Bride”, com
vocal (vide “Quase Sempre”). Tão sedutoras participação do guitarrista Jer-
quanto as recauchutadas “Calor do Amor” e ry Cantrell, do Alice in Chains,
“Desaguar”, “Eterno Verão” e “Meu Amor” têm termina com um desespero an-
potencial para ampliar a plateia de Marcela. gustiante. Os integrantes do
Resta saber se ela emplacará música em aber- Deftones continuam a provar
RELACIONADAS tura de novela ou encontrará espaço nas FMs, que são mestres em se expressar
Mahmundi não escapa algo que foi fundamental para o sucesso de com uma mistura de introspec-
de comparações a
Marina Lima Marina. Melhor não contar com os tais caqui- ção e antagonismo. BRANDON GEIST
nhos do Velho Mundo. JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR

ESTREIA
Rico Dalasam insere sons indianos e do Oriente Médio no rap

Q Em Orgunga (independente, resquícios da disco music e do Charles Bradley +++


+++½), Rico Dalasam parece groove dos anos 1970, “Nortes” o Changes Daptone
Santana +++½ ter cruzado o oceano e aportado
na Índia. As inusitadas texturas
ratifica como cantor e não apenas
como MC. “A cada vez que você
Sem inventar, soulman segue
Santana IV Sony de flautas e acordes distorcidos, diz adeus, você se torna mais revivendo a música negra retrô
Guitarrista convoca músicos da que se assemelham ao som livre”, ele versa em “Relógios”,
formação clássica da banda do tambura, situam a cruzada faixa com guitarra e bateria bem não tem nada de desonesto
temperada com sintetizadores e marcadas. Letras espertas e
neste novo lançamento de Char-
beats que sopram da capoeira. muitas vezes irônicas narram a
carlos santana reúne aqui É fácil imaginar que algumas ascensão de Dalasam na música, le Bradley, de 67 anos. O tercei-
boa parte da formação clás- faixas, como “Vambora”, ao passo que contos amorosos ro álbum do veterano soulman,
sica dos tempos do festival de poderiam muito bem se encaixar endossam o significado de que imitava James Brown antes
Woodstock (1969), incluindo em uma coreografia de filmes “orgunga”, expressão criada pelo de ser descoberto, é composto de
bollywoodianos. O representante artista e que sintetiza orgulho
o baterista Michael Shrieve, o do chamado movimento negro e gay. ANDRÉ ALOI
dor, motivação e perseverança. A
cantor e organista Gregg Rolie queer rap aposta base sonora segue sem segredos:
e o percussionista Michael Ca- também em timbres Dalasam chega traz réplicas bem construídas de
de brasilidade
HENRIQUE GRANDI (RICO DALASAM); DIVULGAÇÃO

rabello, somando ainda o guitar- para renovar soul clássico dos anos 1960 e do
contemporânea,
rista Neal Schon, que entraria funk dos anos 1970 com toques
mas com aspirações
em Santana III (1971) e depois monumentais. de blaxpoitation. A já muito di-
fundaria o Journey. O soul e o Em “Dalasam”, vulgada cover de “Changes”, ba-
jazz latino percussivo dos tem- “Milimili” e “Esse lada de 1972 do Black Sabbath, é
pos de glória são retomados co- Close Eu Dei” ele se irrepreensível e o ataque de me-
expressa com ainda
mo se o tempo não tivesse passa- mais desenvoltura tais de “Change for the World” é
do. Mas o grande prazer é poder em comparação inspirador. O único problema de
ouvir os solos de Santana sem a ao primeiro EP, Changes é que Bradley parece
distração de participação de co- Modo Diverso. Com estar andando por um mapa tra-
legas celebridades. DAVID FRICKE çado por outras pessoas. JOE LEVY

74 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br M a io, 2016


Mr. Mercedes +++½
Livros | HQs Iron Maiden – Run
Stephen King Suma de Letras ESPELHO MEU to the Hills +++½
Mestre revela nova faceta e cai em Reed em 1975, em um Mick Wall Generale
momento teatral
intrincada trama policial Saga da Donzela de Ferro é
do horror contada com rigor e competência
puro e simples lançada ori-
ao suspense ginalmente em
psicológico, 2004, esta bio-
passando pela grafia teve a au-
fantasia e até torização dos
mesmo pelo integrantes do
drama, os li- Maiden – a in-
vros de Stephen King já explo- trodução, in-
raram diversos gêneros. Mas, clusive, foi escrita pelo baixista
segundo o próprio autor, esta é e líder, Steve Harris. Mick Wall,
a primeira vez em que ele se o biógrafo do rock pesado por
aventura pela trama policial. excelência, executa o esperado
Pois é isso o que Mr. Mercedes é:
um relato clássico de investiga-
ção de crime (ganhou a edição
Mente Complexa bom trabalho de sempre. As in-
vestigações dele sobre o começo
da banda e os detalhes de como
de 2015 do Edgar Award, dedi- Obra desvenda caráter polêmico do cantor e compositor o Maiden revolucionou o rock
cado a obras policiais e de sus- pesado inglês a partir do início
pense, na categoria Melhor Ro- ++++ Transformer: A História Completa da década de 1980 já seriam su-
mance). O parentesco com tra- de Lou Reed Victor Bockris Aleph ficientes para recomendar a
balhos passados do autor se re- esta biografia é uma imersão profun- obra. Mas, de certa forma, esta
vela em “cacoetes” de linguagem da na personalidade do cantor e composi- é a história de Harris e de como
e nas personalidades dos anta- tor nova-iorquino que esteve à frente do ele, com imaginação e mão de
gonistas. O detetive aposentado Velvet Underground, banda que revolucio- ferro, vem mantendo a banda
que investiga por conta própria nou o rock nos anos 1960 e deu ao estilo no primeiro escalão do rock. O
um caso que não conseguiu so- camadas de marginalidade e transgressão. inconveniente é que o livro não
lucionar é pessimista e depri- O autor, Victor Bockris, traça um perfil que foi atualizado. PAULO CAVALCANTI
mido; o jovem serial killer que parte da puberdade de Reed, cujos desvios
deseja atormentá-lo até levá-lo psiquiátricos foram tratados em terríveis sessões de eletro- Magnéticos 90 +++
ao suicídio é perverso, ao passo choque. Ele também explora aspectos como o vício em dro- Gabriel Thomaz e Daniel Juca
que também se revela frágil e gas e as relações homossexuais do artista – fatos que, anos Edições Ideal
inseguro, sendo seu perfil psi- mais tarde, Reed iria renegar. Após a dissolução do Velvet, De forma leve, músico usa formato
cológico o que o livro tem de o músico empreendeu vitoriosa carreira solo, encerrada de HQ para falar do rock noventista
mais interessante. Na monta- com o lançamento, ao lado do Metallica, do criticado Lulu neste simpá-
gem das peças da investigação, (2011). Mas ele deixou, entre tantos outros, álbuns como tico e didático
King acaba revelando sua falta Transformer (1972), Berlin (1973) e New York (1989), ver- livro, Gabriel
de intimidade com o gênero. O dadeiras obras-primas. Amado por uns e detestado por Thomaz (voca-

KOREAN CENTRAL NEWS AGENCY/KOREA NEWS SERVICE VIA AP IMAGES (KIM JONG-IL); DIVULGAÇÃO
suspense do final, contudo, é outros, o certo é que Lou Reed é um dos mais interessantes lista do Autora-
muito bem engendrado. e polêmicos personagens da história do rock, o que, por si mas) e o ilus-
JAIME BIAGGIO só, torna esse livro obrigatório. CRISTIANO BASTOS trador Daniel Juca recordam
como foi o surgimento e a con-
solidação da cena do rock brasi-
leiro na década de 1990. Tho-
FATO REAL maz conta que na época, quan-
Surpreendente história de sequestro na Coreia do Norte ganha reportagem detalhista do fazia parte do Little Quail
and the Mad Birds, antes de o
QUma Produção de Kim Jong-il do ditador (que era um cinéfilo
formato digital tomar conta, as
(Record, +++½), de Paul Fischer, doente) e até mesmo virou cult
mostra que a Coreia do Norte com uma versão bizarra da história bandas independentes tinham
é, de fato, coisa de cinema. Por de Godzilla. Paul Fischer (também que mostrar o trabalho através
isso mesmo, Kim Jong-il, filho produtor de cinema) entrevistou de fitas cassete. Além de narrar
do líder Kim Il-sung, resolveu, vários envolvidos e tentou ser sua própria trajetória, o autor
quando comandava o ministério fiel aos fatos, mas é inegável que
da propaganda no final dos anos teve de preencher lacunas e supor
contextualiza a atuação de vá-
1970, sequestrar os dois maiores certas conversas e ações. No fim, rios colegas que se tornaram
astros das telonas da vizinha o que importa é que a escrita icônicos (Los Hermanos, Rai-
Coreia do Sul: a atriz Choi Eun-hee é envolvente e cheia de dados mundos, Planet Hemp) e tam-
e o ex-marido dela, o diretor Shin históricos, provando que muitas
O ditador bém recorda nomes que hoje
Sang-ok. Para tentar se livrar do vezes o mundo parece mesmo coreano brinca
martírio, a dupla realmente fez comandado por malucos. são objeto de culto para muitos
de cineasta
alguns títulos sob o comando ANDRÉ RODRIGUES fãs (Acabou la Tequila, Mickey
Junkies e outros). P.C.

76 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.
Filmes nais e socioculturais que ainda
pautam a cidade no tempo pre-
sente. Há ali um bom média-me-
tragem sobre como o Rio da épo-
ca do Brasil Colônia construiu o
Rio do presente. Infelizmente,
do século 20 em diante o filme
começa a correr, a ponto de virar
apenas um emaranhado de pon-
tas soltas. Decisões narrativas
esdrúxulas, como a de identificar
alguns dos depoimentos e não
outros, só reforçam a impressão
de inconsistência. JAIME BIAGGIO

PRESTES A Pais & Filhas ++½


EXPLODIR Com Russell Crowe e Amanda
Clooney e O’Connell Seyfried Dirigido por Gabriele Muccino
em situação letal
Drama familiar edificante é
valorizado pelos bons atores

Investimento Arriscado
Filme consegue prender a atenção até perder a objetividade em tramas confusas
+++ Jogo do Dinheiro Com George Clooney e Julia Roberts Dirigido por Jodie Foster
Crowe e a
o fictício money monster, um popular prendendo a respiração. Na sala de controle pequena Kylie

RAN MENDELSON/DIVULGAÇÃO (NATALIE PORTMAN); JUSTIN LUBIN/DIVULGAÇÃO (PAIS & FILHAS); DIVULGAÇÃO
programa de televisão especializado em cobrir está Patty Fenn (Julia Roberts), a diretora do
o mercado financeiro, tem como apresentador programa, que tenta reverter a perigosa situa- neste filme coproduzido pe-
Lee Gates (George Clooney), que entre dicas ção. Logo é revelado que o ato desesperado de lo astro Russell Crowe, ele in-
sobre investimento banca o showman engraça- Kyle tem implicações ainda mais abrangentes terpreta um escritor vencedor
dinho. Um dia, um rapaz chamado Kyle (Jack e sinistras. A diretora Jodie Foster mantém a do prêmio Pulitzer que, na Nova
O’Connell) invade o estúdio e ameaça Gates tensão psicológica ao extremo e, como filme de York dos anos 1980, enfrenta a
com um revólver, colocando nele um colete ação, Jogo do Dinheiro funciona. O problema é viuvez, tem que tomar conta da
repleto de explosivos. Kyle teria perdido tudo a lição de moral que o longa tenta passar. É mais educação da filha pré-adolescen-
o que tinha seguindo os conselhos de Gates. uma visão dos liberais de Hollywood sobre como te (a novata Kylie Rogers, em óti-
Toda a ação é transmitida ao vivo, com os Es- os megainvestidores vilanescos metem a mão na ma interpretação) e ainda encara
tados Unidos e o resto do mundo assistindo e poupança dos pobres incautos. PAULO CAVALCANTI uma doença psiconeurológica.
Vinte e cinco anos depois, a filha,
agora adulta (interpretada por
De Amor e de Trevas rias de Oz, homônimo do filme. São Sebastião do Rio Amanda Seyfried) estuda psico-
+++ A história se detém na relação de Janeiro: A Formação logia, é assistente social e evita
Com Natalie Portman e Gilad de Fania com o marido escritor de uma Cidade ++½ se envolver com homens além do
Kahana Dirigido por Natalie Portman (Gilad Kahana) e em especial Dirigido por Juliana de Carvalho sexo. Indo e vindo no tempo, Pais
Atriz estreia na direção com com Oz adolescente (Amir Tes- Documentário tenta resumir a & Filhas é uma história de dores
trabalho bastante pessoal sler), entre os anos de 1945 e história da Cidade Maravilhosa e apelo emocional, que se segura
o primeiro longa dirigido 1947 durante a oficialização um documentário de apenas por um bom tempo pelo talento
pela atriz Natalie Po omo nação pela uma hora e meia com o intui- do elenco (Jane Fonda, Diane
premiada com o Os talie carrega o to de dar conta de 450 anos da Kruger), mas é derrubado pela
Cisne Negro (2010) personagem nas história de uma cidade? Parece pieguice novelesca do diretor ita-
sado e pessoal: um Pena que a jorna- ambicioso demais – e é. A dire- liano Gabriele Muccino. C. P.
histórico rodado na amática dela, na tora estreante Juliana
dade natal dela, Jer nda metade do de Carvalho lança mão A orla carioca
salém, e inteiramen , seja um cres- de recursos eficientes, radiografada em
São Sebastião
falado em hebraic e processo de de- como as recriações
Ela interpreta Fan ssão, que, mes- computadorizadas do
a mãe que seria in mo bem captado Rio do passado e, na
piração para o filh em cenas oníri- primeira metade do
famoso, o escrito cas, acaba por filme, traz uma narra-
Amos Oz. O roteir tornar a obra tiva relativamente bem
escrito pela própri densa em um estruturada e capaz de
Natalie na tela
Natalie, baseia-se e por trás dela ntido negativo. estabelecer elos com
no livro de memó- CHRISTIAN PETERMANN aspectos organizacio-

78 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.
Filme Noir Vol. 5 Black Sabbath +++½
++++ MESTRE ETERNO
Frank Zappa em Versátil
Versátil retrato feito nos Mario Bava, cultuado mestre
Caixa junta mais clássicos do anos 1970 italiano do horror, é homenageado
cinema feito entre as sombras
black sab-
chegando à bath (1963), o
quinta edição, filme que dá
o projeto se- nome a estes
gue resgatan- dois DVDs e
do produções que junta pro-
que definem a duções dirigi-
essência do ci- das por Mario
nema noir. Ci- Bava, se tornou lendário por ter
dade Nua (1948), de Jules Das- batizado em 1969 a banda de Oz-
sin, mostra a rotina do departa- zy Osbourne e Tony Iommi. Na
mento de polícia de Nova York verdade, Black Sabbath é uma
na procura por um criminoso
em uma cidade caótica. Pânico
nas Ruas (1950), de Elia Kazan,
Tesouro Resgatado versão remontada de Três Más-
caras do Terror, que Bava havia
realizado originalmente na Itá-
tem premissa semelhante ao re- Filme-concerto do guitarrista ganha lançamento lia. Para atingir os mercados dos
tratar a urgência da caçada a um Estados Unidos e da Inglaterra, o
bandido (Jack Palance) conta-
++++ Frank Zappa Roxy: The Movie Eagle/Som Livre longa ganhou uma nova trilha
minado com um vírus que ame- em 1973, frank zappa se encontrava sonora e diálogos em inglês. Aqui
aça dar início a uma epidemia imerso no jazz rock e no jazz fusion. Dos estão disponibilizadas as duas
pela cidade. Realismo cru pon- dias 8 a 10 de dezembro daquele ano, ele se versões. Os Vampiros (1956) e Os
tua O Sádico Selvagem (1958), apresentou com o grupo que o acompa- Horrores do Castelo de Nurem-
um tour de force de Don Siegel nhava, o The Mothers of Invention, no Ro- berg (1972) são as outras produ-
acompanhando os passos de um xy Theater (Hollywood). Os shows foram ções presentes no lançamento, e
psicopata e seu mentor para rea- gravados, mas devido a uma série de pro- os extras incluem uma rara en-
ver um carregamento de drogas. blemas técnicos Zappa arquivou tudo. trevista com o cineasta. P.C.
Esse trio é de primeira, mas não Uma parte do áudio saiu em Roxy & Elsewhere (1974), mas
se deve menosprezar os outros só agora o material em vídeo ganhou registro oficial e res- Victor Frankenstein
filmes que completam o pacote: taurado digitalmente para que o melhor daquelas três noites ++½
Cidade Tenebrosa (1954, de An- pudesse ser visto pelo público. Entre os integrantes da for- Fox
dré de Toth), Cidade do Vício mação do Mothers na época estavam o tecladista George História baseada em clássico conto
(1955, de Phil Karlson) e A Cida- Duke, o vocalista e saxofonista Napoleon Murphy Brock e a não acerta quase nada
de que Não Dorme (1953, de percussionista Ruth Underwood. Ao lado de Zappa, eles fracasso de
John H. Auer). Há ainda o extra executaram “Inca Roads”, “I’m the Slime” e “Penguin in Bon- crítica e bilhe-
Uma Carta para Elia, docu- dage”, para citar apenas algumas faixas marcantes daquele teria, Victor
mentário de Martin Scorsese período. Roxy: The Movie não foi apenas o registro de um Frankenstein
sobre sua paixão pelo cinema de encontro de virtuosos – Zappa se superou na guitarra, mas logo mostra o
Elia Kazan. HAMILTON ROSA JÚNIOR dava para ver que ele e a banda se divertiram. PAULO CAVALCANTI que há de erra-
do em sua
GAMES construção: o
filme parece ter sido feito de for-

Saudosismo na Hora Certa


O lançamento nacional My Night Job revive em nova plataforma os games no estilo arcade
ma análoga à aberração constitu-
ída de retalhos nascida da pena
de Mary Shelley. Em uma tenta-
tiva de modernização, mistura-se
Q Resultado da fusão entre filmes uma linearidade de fases, elenco de peso (James McAvoy,
AP PHOTO (FRANK ZAPPA); DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO

de terror trash dos anos 1980 com são ao todo 26 áreas a serem Daniel Radcliffe), novos e fracos
os games do gênero arcade, My exploradas. Com gráficos de
Night Job (Webcore Games, +++½) 16-bits e jogabilidade que elementos na narrativa e um esti-
chega em maio ao PlayStation 4 e segue os moldes das versões lo visual de encher os olhos, que
comprova que os gráficos pixelados mais antigas da franquia acaba sendo a parte mais atraen-
ainda são capazes de cativar os Metal Slug, My Night Job é te da obra. Porém, não deu certo
jogadores. Desenvolvido por Bruno um tributo aos
saudosos jogos
para o doutor Frankenstein e não
Speranzoni, Philip Mangione e
pela Webcore Games, o jogo é o jogador precisa lutar contra de fliperama, do dá certo na produção, que, como
ambientado em um velho casarão inúmeros seres demoníacos tempo em que ter fica claro no making of, também
mal-assombrado. Na pele de que habitam o local, tendo iciais gravadas nas tinha boas intenções, mas criou
Reggie – um homem contratado como armamento somente eiras posições era o um monstro que serve apenas co-
para resgatar algumas pessoas os objetos encontrados pelos todo gamer.
que estão perdidas lá dentro –, cômodos. Embora não siga GABRIEL NUNES
mo revisionismo sem propósito.
STELLA RODRIGUES

80 +++++ Clássico | ++++ Excelente | +++ Bom | ++ Regular | + Ruim Rankings supervisionados pelos editores da Rolling Stone.
HOTLIST N O S S A S M Ú S I C A S , D I S C O S E V Í D E O S FAVO R I T O S D O M Ê S

www.rollingstone.com.br Ouça as músicas e assista aos vídeos apresentados nesta página

1. “Um Preto Zica”


Racionais MC’s e
KondZilla
Videoclipe
Primeiro vídeo de uma trilogia,
“Um Preto Zica” é uma parceria
entre o grupo e o famoso diretor
de clipes de funk ostentação
KondZilla, que também fez o
2. “Fire and Water” – Paul
roteiro. O vídeo traz os quatro Stanley e Ace Frehley Clipe
integrantes do Racionais O Kiss não ficou para trás na onda das
abordando temáticas típicas do reuniões históricas. A parceria entre Frehley
grupo com a contundência que e Stanley, ambos da formação original da
lhes é peculiar: um retrato urbano, banda, em “Fire and Water” – cover do Free
envolvendo polícia, um “dedo- que está no novo disco de Frehley – marca
duro” e a inerente questão racial. a primeira vez que eles se encontram em 14
anos (ou desde que o Kiss tocou nos Jogos
Olímpicos de Inverno de 2002).

5. Doutor Estranho
Trailer
Com precisão cirúrgica, Benedict
Cumberbatch conquistou a
mesma admiração dos fãs de
HQs que havia conseguido dos
admiradores do detetive Sherlock
Holmes. O “novo” herói da Marvel
promete continuar o reinado da
editora de quadrinhos no universo
das telonas.

4. Guns N’ Roses no Coachella Aziz Ansari Clipe


Kanye West é ótimo em gerar
Vídeo burburinho e o comediante Aziz
Os dois fins de semana do Coachella foram pautados por vídeos Ansari é melhor ainda em traçar
e mais vídeos dos shows do Guns, com Axl Rose, Slash e Duff comentários em cima dele. Aqui,
McKagan reunidos e os fãs, justificadamente, enlouquecidos. Ansari simplesmente criou seu próprio
Mais tarde, o Coachella liberou
não estava presente poder ver
como “Welcome to the Jungle

6. “Burn the Witch” –


Radiohead Clipe
O sumiço das redes sociais do
Radiohead indicou que o grupo iria
aprontar. A confirmação veio na forma
do stop-motion mais sinistro que você
já viu, inspirado pelo filme britânico O
Homem de Palha, de 1973 .

82 | Rol l i ng S t on e Br a s i l | rollingstone.com.br

Você também pode gostar