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NOTÍCIAS

“DESISTIR NUNCA É SOLUÇÃO.

SOBREVIVER
SE CONSEGUIMOS ENTRAR,TAMBÉM CONSEGUIMOS SAIR.”

AO SUICÍDIO
RICARDO RIBEIRO, FADISTA, UMA DE CINCO PROVAS DE VIDA

VIAGEM AOS
100 ANOS DO
PARQUE MAYER

PORQUE É
QUE GUARDAMOS
SEGREDOS?

ma-
e do Diário de Notícias n.º 55935 e não

gazine
pode ser vendida separadamente
do Jornal de Notícias n.º 11/135
Esta revista faz parte integrante
12 junho 2022 / Número 1568
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alma-
naque
O MEU OBJETO
POR Sara Dias Oliveira

ANA
MARKL
Animadora de rádio e autora
43 anos

“O Julião é capaz de ser o objeto que me


acompanha há mais tempo na vida. Foi
do meu irmão e chegou às minhas
mãos já com camadas de cola nos olhos,
tipo coriza dos peluches. Contas fei-
tas, deve ter quase 50 anos.
Durante muito tempo, sofri de nos-
talgia precoce muito aguda, tinha ver-
dadeiro pânico de perder a memória.
Aos 16, lia os meus diários de quando
tinha 13 e comovia-me muito. Hoje,
ainda guardo esses diários, algumas
cartas, mas pouco mais. A tendência
para a imaterialidade das memórias e
a cultura do destralhe provocaram-me
outro tipo de pânico: o da acumulação
de objetos. Confio no hipocampo e na
cloud para darem conta do recado.
Responder ao desafio de escolher um
objeto da minha vida é difícil, já que
me sobram poucos. Felizmente, abri o
armário e os olhitos remelados do Ju-
lião estavam a olhar para mim.
Este bom velho cãozinho não esteve
sempre no armário – até porque acre-
dito que os brinquedos têm uma vida
quando não estamos a olhar, como no
“Toy story”. Fez-me sempre compa-
nhia nos quartos das casas por onde
passei e ganhou nova vida nas mãos do
meu filho . Até ao dia em que reparei
que pequenos pedaços de espuma es-
tavam a sair da sua boca e que o meu fi-
lho se entretinha a enfiá-los meticu-
losamente pelo nariz acima. Correu
tudo bem, mas decidi que estava na
hora de o Julião se reformar.”

REINALDO RODRIGUES/GLOBAL IMAGENS

Ana Markl está nas “Manhãs da 3”,


na Antena 3, de segunda a sexta
das 7 às 10 horas. Este ano, lançou
o livro infantojuvenil “Avó, onde é
que estavas no 25 de Abril?”.

Notícias Magazine 12.06.2022 3


4
HISTÓRIA
DA SEMANA

revista portuguesa. P. 30

regressa na edição de 26 de junho.


muita história
Tentar o suicídio

Lisboa durante as décadas de ouro da


toda a esperança desaparecer. Que há

trabalho da jornalista Ana Tulha. P. 20

nhou com alguns dos protagonistas da


Um século é mesmo

aldeia boémia que iluminou a cidade de


a prova de que há mesmo vida depois de

cores depois do mais negro dos dias. Um

que o jornalista Paulo Lourenço testemu-


alegria depois da tristeza, que há coragem
não é uma sentença
Irina e Fabiana são uma prova de vida. São

depois da cobardia. Que há um arco-íris de

A celebrar 100 anos, o Parque Mayer é bem


As histórias de Ricardo, Larissa, Bernardo,

mais passado do que futuro. Foi isso mesmo


BEM-ESTAR
O NOVO MILÉNIO

COMPORTAMENTO

a quem quiser. P. 48
DOS VINHOS VERDES

GUARDAR OU CONTAR?

Nota – “Partida, Largada, Fugida”, a página de humor de Susana Romana, está de férias. A rubrica
já se encontra no SNS. P. 52
e confessa-nos tudo sobre esse

SEM CORTES NEM CICATRIZES


desse e de outros sucessos. P. 38

xeira conversou com especialistas


um segredo? A jornalista Sofia Tei-
Quando e porquê devemos revelar
Há 20 anos, a região exportava sete

mundo misterioso. Para ler e contar


milhões de litros. Hoje, seguem para

cesso de peso por via endoscópica.


mento de mais de 300%. A jornalista
o estrangeiro 33 milhões. Um cresci-

-nos essa técnica inovadora que co-


O Método Apollo permite tratar o ex-

A jornalista Catarina Silva apresenta-

meçou no privado, mas que também


Luísa Marinho descobriu os segredos

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12.06.2022 Notícias Magazine


sumário#1568

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alma-
naque
FLASH

6 12.06.2022 Notícias Magazine


Boris Johnson
resiste num mar
de desconfiança
A decisão está tomada: Boris
Johnson continua a liderar um Par-
tido Conservador em frangalhos,
mais dividido do que nunca. Sobre-
viveu a uma moção de desconfian-
ça para o afastar, depois de vários
capítulos num livro de escândalos
que bailou em torno de festas em
Downing Street em plena pande-
mia. O cartaz, às portas do Parla-
mento de Westminster, em Lon-
dres, é o retrato fiel dos protestos.
E, no meio desse pântano, há um
balão de oxigénio de um ano para o
primeiro-ministro britânico. Mas
não será o início do fim?

FOTO: Niklas Halle’n/AFP

Notícias Magazine 12.06.2022 7


alma-
naque
RAIO-X
POR Sara Dias Oliveira

O surto invulgar
da varíola dos macacos
Mais de 780 casos em 27 países não endémicos em poucos meses. Portugal
tem mais de 160 (166 na última terça-feira). Esta é a primeira vez que as cadeias
de transmissão são reportadas na Europa, sem ligações epidemiológicas conhecidas
à África Ocidental e Central. As campainhas soaram e as instituições internacionais
de saúde continuam atentas à situação. Não há mortes, há muita preocupação.

1958
VACINAR OU NÃO VACINAR?
Há especialistas que dizem que não se
justifica, há responsáveis de saúde pú-
blica que garantem que o esforço vaci-
nal não será de grande escala. O Centro
Europeu de Controlo de Doenças refere
que a inoculação de contactos de alto
risco deve ser ponderada depois da
Ano em que são descobertos, pela pri- análise da situação e caso haja vacinas
meira vez, dois surtos de uma doença contra a varíola disponíveis.
semelhante à varíola em colónias de ma-
cacos. O primeiro caso em humanos foi
reportado em 1970 na República Demo- INCUBAÇÃO E PROTEÇÃO
crática do Congo. Sete a 14 dias é, geralmente, o tempo
de incubação. As autoridades de saúde

UM VÍRUS, UMA INFEÇÃO


aconselham a evitar contacto, a não par-
tilhar objetos de uso pessoal, a lavar rou-
“É uma doença
Transmite-se de animais para humanos pa e têxteis a mais de 60 graus, absti- autolimitada
e de pessoa para pessoa por contacto nência sexual durante esse período.
próximo através de lesões, fluidos cor- As infeções confirmadas são em ho- que tem de
porais, gotículas respiratórias e mate-
riais contaminados. Febre, dores de ca-
mens entre os 19 e os 61 anos, a maioria
com menos de 40.
esperar o tempo
beça, nas costas e nos músculos, can- de resolução.
saço, aumento dos gânglios linfáticos
com o aparecimento de erupções que ALTERAÇÃO DO ADN? Esses doentes
atingem a pele e as mucosas são os sin-
tomas mais comuns. As lesões cutâneas
Há uma teoria em análise quando, nos
últimos quatro anos, se verificaram mais
devem
podem ser planas ou com uma ligeira de 40 mutações genéticas do vírus. O autoisolar-se
protuberância, com líquido claro ou biólogo Richard Neher, da Universidade
amarelado, e acabam por ulcerar e for- de Basileia, na Suíça, coloca a hipótese até que as
mar crostas que secam e caem. de uma enzima das células animais estar
a alterar o ADN do vírus. Daí as muta-
crostas e as
ções e os casos registados na Europa. pústulas
desapareçam”
ANTÓNIO LACERDA SALES
Secretário de Estado Adjunto e da Saúde

8 12.06.2022 Notícias Magazine


alma-
naque
AS HISTÓRIAS OS ROSTOS
DA SEMANA
DOS DIAS
POR Sara Sofia Gonçalves

Noiva pesca peixe


de 23 quilos na noite Cristina S. Vieira
Vice-presidente AHP

de núpcias Face à falta de mão


de obra e ao regres-
so do turismo, pede
Foi, sem dúvida, uma noite de núpcias diferente. Depois de ter dito o uma via verde à imi-
“sim”, Eliot Granville e o recém-marido, Earnie, decidiram ir pescar gração. A porta-voz
para comemorar o casamento. A festa não podia ter corrido melhor: a da Associação da
americana capturou um peixe tambor de 23 quilogramas. “O maior Hotelaria de Portu-
peixe que alguma vez apanhei”, afirmou a recém-casada à Fox News. gal fala ainda da ne-
A pescaria aconteceu na cidade texana de Port Aransas, nos Estados cessidade de redu-
Unidos. Além do tamanho, pescar o animal de grandes dimensões zir a carga fiscal.
teve um significado especial. O pai de Eliot Granville, que era aficio-
nado pela pesca, faleceu uns meses antes do casamento, tendo a cap-
tura sido vista como uma bênção. AI-DA, O ROBÔ
ULTRARREALISTA
QUE PINTOU A
Rafael Nadal
Tenista
RAINHA ISABEL II
Nem as dores cró-
nicas no pé esquer-
do o impediram de
conquistar Roland
Garros pela 14.ª
vez, após vencer
Casper Ruud. Foi o
22.º Grand Slam da
carreira.

OITO MIL ABELHAS


REMOVIDAS
DO WORLD TRADE
ORGANISMOS Preservados dentro de cristais de sal, foram desco-
bertos organismos vivos com 830 milhões de anos. CENTER
COM 830 Possivelmente os mais antigos alguma vez encon-
trados, os organismos são mais pequenos do que Thierry Breton Uma das paredes exte-
MILHÕES DE um fio de cabelo humano. Apesar de não ser a pri- Comissário europeu riores do World Trade

ANOS PRESOS
meira vez que esta descoberta acontece, há uma di- Anunciou o acordo Center foi invadida por
ferença: a amostra foi estudada através de micros- do Parlamento Eu- mais de oito mil abe-

EM CRISTAIS
cópio com luz visível e ultravioleta, não compro- ropeu relativamente lhas, obrigando à sua
metendo a vida no interior. Já estudos anteriores a carregadores de remoção. A extração foi

DE SAL utilizavam métodos invasivos, que destruíam a


vida e a fiabilidade das conclusões. Os cristais de sal
baterias. USB-C é a
entrada universal a
realizada pelo Departa-
mento de Polícia de
foram retirados da formação Browne, referente ao partir de 2024 e Nova Iorque e os pe-
período Neoproterozoico e localizada na Austrália poupará 250 mi- quenos animais foram
Central. A nova análise ajuda ainda a preparar o es- lhões de euros aos realojados num pomar
tudo das rochas que serão trazidas de Marte. consumidores. de maçãs.

10 12.06.2022 Notícias Magazine


A CULTURA

TWITTER.COM/AIDAROBO
Jorge Manuel Lopes
POR
Música

PRINCE E A URGÊNCIA
DO DIA SEGUINTE
A 30 de março de 1985, Prince estava a três semanas de
lançar o álbum “Around the world in a day”, terminado
enquanto corria palcos na triunfal e intensiva Purple Rain
Tour, uma digressão pelos Estados Unidos e Canadá
iniciada em novembro de 84 para mostrar o álbum (e o
filme) homónimo que marcou o salto quântico na sua
carreira. Entre a saída do best-seller “Purple rain” (mais de
25 milhões de exemplares vendidos até hoje) e do suces-
sor distam apenas dez meses – um pequeno pesadelo para
quem gere editoras e carreiras, o ritmo certo para a vora-
O quadro chama-se Algorithm Queen e é um retrato de gem criativa de Prince.
Isabel II, do Reino Unido, pintado por Ai-Da, um robô de De recordação pública da
inteligência artificial. Ensinar o robô humanoide a pintar, Purple Rain Tour ficou este
chegando ao resultado agora revelado, foi um trabalho de concerto captado no Carrier
vários anos de alunos de doutoramento e investigadores Dome em Syracuse, Nova
das universidades de Oxford e Birmingham, no Reino Uni- Iorque. Lançado à época
do. Ai-Da utiliza câmaras para pôr em uso vários algorit- somente em vídeo, “Prince
mos que indicam como pintar, desenhar e “copiar” ima- and the Revolution: Live”
gens. Tudo feito com o braço robótico. A máquina ultrar- (NPG/ Legacy/ Sony Music)
realista não se ficou apenas pela pintura da monarca, que conhece agora edição em CD e LP.
serviu de homenagem ao Jubileu de Platina celebrado re- Com uns meros seis álbuns editados, Prince ainda
centemente. Através da capacidade de fala, deixou tam- tocava canções (algumas, em todo o caso) na íntegra ao
bém uma mensagem: “Gostaria de agradecer a Sua Majes- vivo, com o bónus de se encontrarem novos ajustes, aden-
tade a Rainha pela dedicação e serviço que presta”. A obra das, prefácios, posfácios, anexos, divagações e traslada-
será exibida publicamente em Londres no final do ano. ções a cada apresentação em palco, criando um potencial
de novidade e descoberta permanentes. Para tal ser possí-

60
vel, muito terá contribuído a relação telepática entre o
mestre de cerimónias e os Revolution. É lugar-comum
afirmar que foi a melhor banda de Prince (a par da deriva-
ção que o acompanhou a seguir, no período “Sign o’ the
times”/“Lovesexy”) e o lugar-comum está certo: Bobby Z
na bateria, Brown Mark no baixo, Wendy Melvoin na
guitarra, Lisa Coleman e Dr. Fink nos teclados, mais
acompanhantes habituais como Eric Leeds no
saxofone e Sheila E. nas percussões, entre outros.
Servido por um som de uma clareza e força
inatacáveis, os pontos altos entre as 20 faixas de
anos depois, o americano Ted Sams “Live” são incontáveis, mas brilham um pouco
mais o arranque com “Let’s go crazy” e a
recebeu o diploma do Ensino funktástica e não menos vamos-dançar-a-
Secundário – que não foi entregue -um-passo-do-abismo “1999”; a catarse de
em 1962 devido a uma dívida de 4,50 “God” e a renovada densidade rítmica de
“Darling Nikki”; uma distendida e
euros por um livro que não devolveu. hipnótica “When doves cry” e os
Conseguiu agora o documento celestiais e apoteóticos 18 minutos de
“Purple rain”. Nesta extraordinária
original, mantido no arquivo atuação ouve-se a urgência do dia seguinte
da escola durante seis décadas. de Prince e dos Revolution. ● m

Notícias Magazine 12.06.2022 11


alma-
naque
MÁQUINA DO TEMPO
POR Sara Sofia Gonçalves

ANNE FRANK HOUSE, AMSTERDAM

FOTOS: DIREITOS RESERVADOS

12 de junho de 1942. Foi há 80 anos que Anne Frank, no dia do


13 º aniversário,
seu 13.º aniversário começou a escrever um diário
diário, confiante
de que seria o início de uma longa amizade com aquelas folhas
de papel. “Espero confiar-te tudo, como nunca pude confiar em
ninguém, e espero que venhas a ser uma grande fonte de
conforto e apoio”, lê-se no dia que abre o mais famoso
testemunho da ocupação nazi na cidade de Amesterdão. Na
mesma página, mas uns meses mais tarde, a 28 de setembro de
1942, Anne regressa a esse primeiro dia para comentar a sua
expectativa: “Até agora tens verdadeiramente sido uma grande
fonte de conforto”. O “Diário de Anne Frank” estende-se até 1 de
agosto de 1944, dia em que todos os ocupantes da casa onde
Anne, a família e outros judeus se escondiam foram presos.
Mais tarde publicada pelo pai, Otto Frank, a obra chegou ao
público pela primeira vez em 1947, celebrando agora 75 anos.

12 12.06.2022 Notícias Magazine


Cidadania Impura
Por Valter Hugo Mãe

Sobral Centeno diz


A sua obra cria em mim a De algum modo, os trabalhos de Sobral Centeno expostos por André Sousa na
ideia de haver um poder Galeria Nuno Centeno são o raio-X da sua obra. Tenho a impressão de ver por
anunciado, uma presença do infravermelhos o que vai na camada inferior de todas as telas, como um pres-
poder que talvez se aluda suposto, uma estrutura, um apontamento de alma que define o autor e o levou
exactamente para me a maturar paulatinamente até ao esplendor que lhe reconhecemos.
submeter, para me falar de O percurso pelo lado mais experimental e à deriva de Sobral Centeno, desde
logo feito pelo desenho, é a descoberta dessa fonte de seus elementos funda-
quem manda no Mundo mentais, desde os signos às formas, o que se oferece é uma certa nudez de tudo,
onde busco, afinal como aliás é comum acontecer com o desenho. A nudez do pensamento de Cen-
candidamente, ser livre. teno, sua colecção de vícios, não podia tornar-se mais clara do que com este le-
vantamento daquilo que se escondia em seu arquivo.
Há algo de profundamente delicado, vulnerável e disponível no desenho. No
caso de Centeno, há algo de comovente no que começa por ser um debate con-
tra a obra perfeita, buscando o acidente sedutor, o acaso que não é ingénuo mas
se impõe, como uma natureza que, por o ser, jamais será pura. A natureza é o ter-
ritório de todas as imperfeições, o que não impede a composição avassaladora
total. E Centeno explorou claramente essa admissão do sujo mas progride para
uma crescente relação com a ideia de rigor. Algo que não afasta a interferência
sábia do acidente, mas que parece estabelecer uma estrutura de base onde tudo
propende para a sensação de regra e até de hierarquia. A sua obra cria em mim a
ideia de haver um poder anunciado, uma presença do poder que talvez se alu-
da exactamente para me submeter, para me falar de quem manda no Mundo
onde busco, afinal candidamente, ser livre.
Falar de rigor num artista cuja obra admite a mancha enquanto explosão, a
imagem levada à sua própria destruição – num processo que parece repensar a
ansiedade geométrica anterior –, é singular. Falo de rigor no sentido em que
existe uma intencionalidade imperiosa, um domínio do quadro que já não se
compadece com a deriva de outrora. A vida toda de busca resulta numa seguran-
ça impressionante em que entendemos que tudo fabricou o alfabeto de Cente-
no. Todos os desenhos e todas as experiências levaram à criação de um conjun-
to de signos e formas que funcionam como caracteres para uma linguagem re-
corrente e própria. Na verdade, como se pressente desde o início, Centeno ca-
minha para uma escrita, ele namora a escrita, porque tudo em seu trabalho se
transforma numa linguagem que mistura o caracter com o pictograma. Indu-
bitavelmente, diz. Centeno diz. Adoro que assim seja.
“abdcious 1961-1989” está patente até 31 de julho e é de facto uma garimpa-
gem às gavetas no atelier do artista, que me lembro de ver abrir e remexer como
quem considerava ser tudo possível. Afinal, foi possível esta exposição, que é
uma verdadeira biografia de Sobral Centeno.

O AUTOR ESCREVE DE ACORDO COM A ANTERIOR ORTOGRAFIA

Notícias Magazine 12.06.2022 13


alma-
naque

Pedro Dominguinhos
PERFIL
POR Alexandra Tavares-Teles

14 12.06.2022 Notícias Magazine


Ao trabalho, ao trabalho
Filho mais velho de um ferroviário, foi a mãe, queijeira numa
pequena empresa artesanal da família, que cedo o estimulou,
entregando-lhe a contabilidade do negócio.
PEDRO MIGUEL É doutor em Gestão pelo ISEG (UL), mestre em entendimentos” terão sido as qualidades, segun-
DE JESUS Economia Internacional e licenciado em Econo- do os amigos, que presidiram à escolha do primei-
CALADO mia, docente desde 1995 no Instituto Politécni- ro-ministro.
DOMINGUINHOS co de Setúbal (IPS), presidente da instituição en- Dirão alguns que não gosta de ouvir críticas.
tre 2014 e 2022, líder do Conselho Coordenador “Sei que há quem o diga”, refere o próprio. E sabe,
Cargo dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) também, que neste novo cargo terá de gerir “sen-
Presidente de 2018 até agora, autor ou coautor de mais de 40 sibilidades e expectativas”, sob forte escrutínio
da Comissão de publicações e de artigos em conferências inter- e pressão mediática. “Tentarei sempre perceber
Acompanhamento nacionais na área da internacionalização, “born- a justeza de quem me critica e encontrar uma ra-
do PRR -globals e empreendedorismo”, pode ler-se na zão objetiva para que isso aconteça”, promete.
nota que anunciou a nomeação, por António Cos- “A primeira imagem que tenho dele é de ser mui-
Nascimento ta, do novo presidente da Comissão Nacional de to interventivo nas reuniões”, começa por dizer
05/06/1971 Acompanhamento do Plano de Recuperação e Maria José Fernandes, atual presidente do CCISP.
(51 anos) Resiliência (PRR). Conheceram-se em 2012. “Encontrei uma pes-
Pedro Dominguinhos, 51 anos feitos há dias, é soa muito afável e cordial, bastante agregador,
Nacionalidade o segundo licenciado da família. Antes dele, só sem prescindir de opiniões muito vincadas. No
Portuguesa um tio materno teve acesso à universidade. Nas- entanto, o que sobretudo o define é a fortíssima
(Chança, Alter ceu em Chança, Alter do Chão, filho mais velho ligação à família.” Foi esse o foco do pequeno dis-
do Chão) de um ferroviário. A mãe, queijeira numa peque- curso de Maria José, no jantar de despedida do
na empresa artesanal da família, cedo o estimu- amigo, “trabalhador, íntegro e justo”, depois de
lou, entregando-lhe a contabilidade do negócio. uma última reunião como presidente. Acompa-
Se aos cinco anos, indefetível benfiquista e pra- nhado de um presente: ele, a mulher e os três fi-
ticante de futebol na rua e no clube da terra, so- lhos, pintados numa tela.
nhava ser jogador, aos dez, com a Primária feita O cuidado com os pais leva-o com frequência à
à média de duas horas de viagem por dia, em au- terra onde nasceu e de onde regressa a carregar
tocarro penoso, tomou a decisão: seria economis- no sotaque. “As minhas raízes marcam-me mui-
ta. Pedro Dominguinhos descrê de “impossí- to.” Viveu a adolescência ensombrada pela tra-
veis”. “Basta ver o meu percurso. Cheguei onde gédia da perda da única irmã, mais nova quatro
cheguei, apesar de tudo”, diz aos filhos. Aos alu- anos. Talvez por isso, um dia perfeito é um dia de
nos, a cada início de ano letivo, a mesma promes- família. E de Alentejo. Chança retempera-o. Des-
sa: “Trabalho, trabalho, trabalho”. de logo, à mesa. “Um alentejano e a comida é
“Trabalhador é uma palavra que me define”, complicado. Temos um grupo de amigos da quei-
diz. “O trabalho já me deixou triste ou zangado. jaria que se reúne com frequência”, sobretudo ao
Infeliz, nunca.” “Muito exigente”, acrescenta chegar o tempo das migas de couve com sardi-
Carlos Mata. Foi aluno – “creio que me deu 14” – nhas assadas.
e colaborador. Colega de direção no IPS. “É impa- Miguel Ramalho é um dos comensais. São ami-
rável. Um Speedy Gonzalez. É um desafio traba- gos “desde que sabem falar”. Uniu-os o tempe-
lhar com ele. Ainda não acabou um trabalho e está ramento pouco dado a travessuras. Veio depois
já a propor outro, lançando sucessivos desafios à o gosto pela música e o prazer da mesa. “Em miú-
equipa.” Pode vir daí o pior defeito, julga o pró- dos íamos à pesca e fazíamos os nossos petiscos.
prio. “A minha vontade em resolver depressa as No final, cantava-se e tocava-se. O Pedro era o dos
questões leva-me por vezes a cortar caminho. ferrinhos”, revela o cabo da GNR. Havia, porém,
ILUSTRAÇÃO: JOÃO VASCO CORREIA

Ano após ano, tenho tentado corrigir.” ainda maiores afinidades – o gosto pelo futebol,
António Costa deu-lhe a liderança da comissão a loucura pelo Benfica. Aos domingos, ouviam
que acompanhará um plano que, define Domin- “os relatos dos jogos pela rádio”. A região dera
guinhos, se quer transformador da realidade por- uma glória benfiquista: Palmeiro Antunes. Que
tuguesa. “Qualidade técnica, capacidade de con- um dia levou Eusébio a conhecer aquelas terras.
cretização, de inovação, de ir para além do que é “Foi a loucura. Todos quisemos fotografar-nos
preciso fazer, tentando mais e melhor, aliados a ao lado do ídolo.” Infelizmente, não há prova da
um talento para mobilizar equipas e conseguir visita do rei, por falta de rolo nas máquinas. ●
m

Notícias Magazine 12.06.2022 15


alma-
naque
PLANETA PORTUGAL
POR Sara Dias Oliveira

Mudou-se de Paris para a periferia, andou de bair- Pedro Burmester e Helena Sá e Costa. Deu aulas,
ro em bairro a dar aulas em lugares problemáti- gravou uma obra de António Victorino d’Almei-
cos onde poucos professores querem estar. Nes- da. Aos 21 anos, vontade de novos desafios, en-
te momento, tem 550 alunos dos 11 aos 15 anos, viou duas cartas a dois pianistas franceses. Os dois
22 turmas, numa escola da rede de educação prio- estavam interessados em receber o jovem pia-
ritária de violência controlada, em Poissy, Île-de- RICARDO VIEIRA nista. Partiu para Paris. “Precisava ver mundo
-France. E é ali que quer estar. para continuar a ser pianista.” Pediu um emprés-
“Construí uma dinâmica com alunos que não Localização timo, foi baby-sitter. Continuou a crescer na sua
querem escutar Bach, Beethoven ou Mozart.” E Poissy, França arte, fez parte do painel de jurados dos exames
conquistou-os. A música é um instrumento ver- 48º 56’ N de piano de vários conservatórios franceses. Toca
sátil numa comunidade multicultural. Trabalha 2º 3’ E a solo e a quatros mãos com o pianista japonês To-
competências como a confiança, a autoestima, (GMT+1) mohiro Hatta no duo Musicorba. Tem dado con-
o sentido de comunidade, e mostra que vale a certos pelo Mundo, em 2023, estará na Turquia
pena sonhar, “que é possível ter outras perspeti- Profissão e na China. Dá masterclasses pela Europa e pela
vas, outro futuro”. “Eles sentem que estou lá por Pianista, professor Ásia, tem sido cronista e crítico musical em rá-
eles”, refere. Há um ano em Poissy, já criou um de Música dios de Paris, revistas e jornais europeus. Em cada
coro e uma orquestra que foi convidada a tocar concerto, o mesmo desejo. “Quando toco, gosto
para a ministra da Cultura e para o ministro da Idade de sentir quem me ouve. O piano é outra forma
Educação de França. De professor contratado, 36 anos para sentir o outro que está ao pé de mim.” ● m
passou a efetivo num concurso exigente. Tirou
20, a nota máxima, foi o melhor candidato nas
provas de acesso ao ensino de segundo nível em
França. Deu tudo. “Sou muito feliz como profes-
sor em bairros sociais, estou muito contente por
O pianista
partilhar música, e o júri percebeu que eu gosto
mesmo do que faço, que o meu lugar é ali.” que dá aulas
Ricardo Vieira é natural de Santa Maria da Fei-
ra. Quando era pequeno dizia que queria ser Papa
ou presidente da República. Não era para ser im-
em bairros sociais
portante, era porque sentia que podia fazer a di- Ricardo Vieira deixou de lecionar no Conservatório
ferença. Essa vontade de querer mudar o Mun-
do nunca desapareceu. Não faz nada pela meta-
para ensinar miúdos que vivem em meios vulneráveis,
de, entrega-se por inteiro. na periferia de Paris. E continua a atuar pelo Mundo.
Aos três anos, cantava no Orfeão da Feira. A pai-
xão pela música era avassaladora. “Queria tocar
qualquer coisa, queria fazer música.” Aos cinco
anos, numas obras em casa, um trolha tocou o
“Apita o comboio” num piano elétrico que tinha
lá por casa. Ficou colado àquela “magia”. No dia
seguinte, sabia tocar a música. A mãe, Helena,
entendeu esse amor e esse jeito, a avó Adelaide
inscreveu-o na Academia de Música de Santa Ma-
ria da Feira para aprender piano. Nunca mais pa-
rou. Na primeira audição, o nervosismo nem se-
quer deu o ar da sua graça. “Sabia que a música fa-
zia parte da minha vida e que era o meu destino,
sobretudo estava feliz por estar a comunicar com
os outros de outra forma”, recorda. Aos 16 anos,
o primeiro concerto com orquestra no Teatro S.
Luiz, em Lisboa. Como solista, trabalhou com

A entrevista foi realizada através de


videochamada por Zoom

16 12.06.2022 Notícias Magazine


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alma-
naque
A SEMANA
SEMAANA
ANA
QUE
Q UE VE
VEM
EM
M
Catarina Silva


POR

A Comissão
C Europeia deve decidir a quque
co
companhia aérea serão entregues os 18 slots da
TA
TAP – que a transportadora portuguesa tem de
ceder no aeroporto Humberto Delgado em
ce
tro
troca de ajuda estatal. As low-cost Ryanair e
Ea
EasyJet são as únicas na corrida pelas 18 faixas
horárias diárias para descolar e aterrar no aero-
ho
po
porto de Lisboa. Se alguma das propostas for
SEGUNDA-FEIRA Esta é a data indicativa
escolhida, ou seja, se

DECISÃO SOBRE OS 18 SLOTS


não houver empate,
publicada pela Alcis Ad-
visers, consultora alemã os slots serão transfe-

DA TAP EM LISBOA que vai gerir o plano de ridos a 25 de julho


reestruturação da TAP para a vencedora.

A diva do samba brasi-


leiro e eterna guardiã
de uma voz quente
completa 50 anos de
carreira e junta-se ao
público que conquis-
tou em Portugal para
TERÇA-FEIRA quatro concertos de
êxitos. Começa neste

CONCERTO dia no Coliseu dos


Recreios, em Lisboa
DE ALCIONE: (onde volta a atuar dia
22). Na quarta-feira,
50 ANOS DE


sobe ao palco do Coli-

CARREIRA DA
seu Porto e quinta-
-feira é a vez do

DIVA DO SAMBA
Centro de Artes de
Águeda.

QUARTA-FEIRA
FIM DO ANO LETIVO E ARRANCA
O SÃO JOÃO DE BRAGA
É o fim do ano letivo para os alunos
dos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 10.º anos. No fi-
nal do mês, termina para os alunos
do 1.º Ciclo. Na mesma data, começa
a festa popular do São João de Braga,
que se estende até 24 de junho. E a
redação final do Orçamento do Esta-
do 2022 deverá ficar fixada neste dia.
18 12.06.2022 Notícias Magazine

QUINTA-FEIRA
JOÃO LEÃO NO MECANISMO
EUROPEU DE ESTABILIDADE?
O Conselho de Governadores
e ado es do Mecanismo
Europeu de Estabilidade
novo diretor executivo.
Meca s o
dade decide quem será o
ivo. O ex-ministro das
Finanças português João Leão é candidato.
ministro das Finanças
Concorre com o ex-ministro
luxemburguês Pierre re Gramegna, o antigo
chefe de gabinete do o comissário europeu da
Economia Marco Buti ti e o antigo secretário de
Estado das
O MEE é uma organiza- a- Finanças da
ção intergovernamental al
criada para evitar e su--
Holanda
perar crises financeiras
as Menno
na zona Euro Snel.

D

SÁBADO
ROCK IN RIO ATERRA
NO PARQUE DA BELA VISTA
SEXTA FEIRA É o início do festival Rock in Rio, no

GREVE NOS CTT


Parque da Bela Vista, em Lisboa. A Cidade
do Rock volta a abrir portas (além deste

E COMEÇAM
dia, há concertos a 19, 25 e 26 de junho),
depois da pandemia, e traz nomes como
DOMINGO
OS EXAMES Foo Fighters, Liam Gallagher, Black Eyed
Peas, Ellie Goulding, Post Malone, Anitta
CORRIDA DE SÃO JOÃO
NACIONAIS ou Jason Derulo. No mesmo dia, mas
mais a norte, em Braga, Manel Cruz
EM VILA NOVA DE GAIA
(Ornatos Violeta) atua nas Lazy Sessions
Os trabalhadores dos Guadalupe, no Parque de Guadalupe,
CTT fazem uma greve que, desde o início e até ao fim do mês,
de 24 horas neste dia,
para protestarem
recebe música todos os sábados. No dia
25 é a vez de B Fachada. Há concertos às
A Continental Corrida
contra o aumento 16 e às 18.30 horas. A entrada é livre. de São João está de vol-
salarial de 7,5 euros,
decidido unilateral- ta à estrada e vai acon-
mente pela adminis-
tração, e reclamarem
tecer na marginal de
melhores condições Vila Nova de Gaia, com
de trabalho e a admis-
são de mais pessoal. E partida e chegada na
arranca a primeira
fase dos exames
zona pedonal de Cani-
nacionais do Ensino delo. A prova principal
Secundário. Portu-
guês é a primeira
tem 15 quilómetros de
prova para os alunos distância, mas também
do 12.º ano.
há uma caminhada de
sete quilómetros para
toda a família.
Notícias Magazine 12.06.2022 19
A vida
depois do
mais sombrio

20 12.06.2022 Notícias Magazine


o dia
Houve um momento em que a esperança lhes escapou
por entre os dias, em que soçobraram de tristeza, em
que sobrou só desespero e cobardia. Mas a vida encar-
regou-se de lhes dar outra oportunidade. E eles rein-
ventaram-se, empoderaram-se, construíram uma fe-
liz serenidade de espírito. Ricardo, Larissa, Bernardo,
Irina e Fabiana são a prova de que uma tentativa
de suicídio não é uma sentença para a vida.
TEXTO Ana Tulha

Notícias Magazine 12.06.2022 21


Q
uando se obriga a recuar àqueles tempos de gaiato,
em que a vida lhe era mais cruel do que gosta de con-
tar, Ricardo Ribeiro, afamado fadista que até já foi
distinguido pelo Estado português com a Ordem
do Infante (grau de comendador), dá por ele mer-
gulhado num quadro desfocado e incompleto.
“Houve partes que apaguei completamente.” Mas
há uma memória que sobreviveu aos quase 30 anos
que se acumularam desde então, uma lembrança
que ainda assoma à consciência aqui e ali, espécie
de chaga a que recorre para “não voltar a entrar por
ali”. “O sentir que aquela era a única saída. Essa sen-
sação, de nos sentirmos encurralados, nunca mais
se perde. É das poucas coisas que não se esquecem
na vida.” Sobre os caminhos que o levaram àquele
lugar, foi-os desvendando vagarosamente ao lon-
go dos anos. A relação difícil com os pais, as dificul-
dades económicas, a perceção de que a mãe tentou
abortar três vezes quando estava grávida dele (ti-
nha apenas oito anos quando a ouviu confessá-lo
em conversa), os maus-tratos, a separação dos pais.
E outras dores em que não está sequer disposto a
remexer, mas que também o conduziram àquele
buraco negro em que desistir da vida lhe pareceu a
única saída. “Um tipo não vê solução e então usa
da cobardia.”
Ricardo tinha 12 anos, ia a caminho dos 13, vi-
via com o pai, praticou “aquela coisa”, foi desco-
berto, foram dar com ele já debilitado, “para lá de
Marraquexe”, levaram-no a correr para o hospi-
tal, “o que lá está em cima não deixou” que ele
morresse, conseguiram salvá-lo. Mas depois ain-
da teve de salvar-se dele próprio. Foi-lhe diagnos-
ticada uma depressão, passou a ser acompanha-
do na Pedopsiquiatria, depois o pai mandou-o
para um colégio interno. “E foi a melhor coisa que
me aconteceu. Conheci pessoas fantásticas, no-
meadamente um homem extraordinário, que
foi o padre Manuel Alves [diretor do colégio].” O
primeiro de uma série de “homens sábios” com
quem passou “horas infindas” a conversar e que
haveriam de ajudá-lo num percurso que tem sido
uma edificação permanente. Houve outros, que
faz questão de nomear. O pintor Rui Gomes Pe-
reira, o fadista Fernando Maurício, o músico Rabi
Abou-Khalil. Pelo meio, agarrou-se à poesia, à li-
teratura, à filosofia. E ao fado, sempre ao fado.
Mas a vida havia de tardar a acertar-se. Aos 16

22 12.06.2022 Notícias Magazine


“A sensação de nos

REINALDO RODRIGUES/GLOBAL IMAGENS


todos os que se seguem) é um bom exemplo desta
ameaça acrescida. No terceiro ano da faculdade, já
sentirmos encurra- depois de lhe ser diagnosticado um transtorno ge-
neralizado de ansiedade e de começar a tomar me-
lados nunca mais se dicação forte, viu-se enredada numa bola de neve
de que não foi capaz de sair. “Os ansiolíticos deram-
perde. É das poucas -me tanto sono que deixei de conseguir ir às aulas
e fui ficando cada vez mais triste. Além de que me
coisas que não se sentia mal por obrigar os meus pais a gastarem
imenso dinheiro em consultas no privado. Acabei
esquecem na vida” por desistir das consultas, deixei de conseguir es-
tar no Porto, voltei para Viseu, emagreci 11 quilos
Ricardo Ribeiro
Fadista num mês, só chorava.” E então veio o dia em que
deixou de querer esperar por outro dia. Só se lem-
bra de fazer umas chamadas, já mais para lá do que
para cá, e de acordar no hospital, com uma sonda.
anos, deixou a escola para ir guardar ovelhas na Esteve duas semanas internada no Hospital de
Moita. Aos 20 e poucos, morreu-lhe o pai, numa São João, no Porto, onde tinha “muito boas con-
altura em que não se falavam. Aquele sentimen- dições”. Mesmo assim, só queria sair dali para
to de culpa foi-lhe estilhaçando os dias. Para pio- fora. Por isso, começou a modelar as respostas
rar, teve uma relação amorosa fracassada. E então para que lhe dessem alta rapidamente. Erro cras-
caiu de novo nas malhas da depressão, noites a fio so. Uma semana depois, voltou a tentar o suicí-
sem dormir, medicação fortíssima, acompanha- dio, a mãe apercebeu-se, foram para as urgências,
mento psiquiátrico. Mas não mais voltou “àque- voltou a ficar internada, agora durante três se-
le lugar de querer sair do Mundo”. “E acho que nun- manas e com uma mentalidade distinta. “Dessa
ca mais vou voltar”, arrisca. A queda serviu-lhe de vez, fiz realmente tudo para estar bem. E quan-
capital impulso para dar a volta e manter-se à tona. do saí disse à minha mãe: ‘Não quero voltar ao
Somou êxitos na música, mudou o estilo de vida, que era antes. Vou renascer’.” E então começou
perdeu 50 quilos em dois anos, fez-se, afinal, maior a ir religiosamente a todas as consultas. Psiquia-
do que as agruras. E descobriu-se, por fim, em paz. tria, psicologia, psicoterapia. Criou até uma rela-
“Foi algo gradual, uma construção permanente. ção muito próxima com a psicóloga da faculda-
Isso de ter uma vida estável e feliz para mim não de, que acabaria por ser uma ajuda preciosa. “Mos-
existe. Ainda para mais na minha condição artís- trou-me que não era normal aquilo que eu era an-
tica, que é um mundo de altos e baixos. O que exis- tes. Que não estava a viver, só a sobreviver.” To-
te é um estado de serenidade de espírito. A felici- mou antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíti-
dade nada mais é do que a serenidade de espírito.” cos diários. Hoje, já só mantém uma dose míni-
ma de antipsicóticos e antidepressivos. Reins-
BARREIRA SEM RETORNO creveu-se na faculdade, tem uma boa média, um
A história inspiradora de Ricardo Ribeiro vai ao namorado que a tem “ajudado muito” em todo
encontro do que nos diz José Carlos Santos, pro- o processo. E é hoje uma pessoa muito diferente
fessor na Escola de Enfermagem de Coimbra e daquela que foi durante grande parte da vida.
relator do Plano Nacional de Prevenção do Sui- Mais dada, mais opinativa, mais aberta a novas
cídio, lançado em 2013. “Se é possível [recuperar amizades, sem medo de se expor. “Ainda tenho
inteiramente de um episódio destes]? É. As cri- ansiedade, mas enfrento-a. Já não tenho medo
ses suicidárias não são para a vida eterna. Acon- de fazer as coisas nem de dizer o que quero.”
tecem num determinado momento da vida. E há Já os motivos daquela viagem ao abismo só fica-
muitos casos de pessoas que tiveram esse tipo de riam claros com o passar dos anos. E eram, afinal,
comportamento e ultrapassaram, têm hoje uma bem mais remotos do que alguma vez pensou. O
vida estável”, salienta. Só que há um mas. “Mas facto de ter trocado o Brasil por Portugal aos cinco
uma pessoa que já teve um comportamento sui- anos, a distância da família, a solidão que lhe to-
cidário passa uma barreira muito importante que lheu os dias, a “vergonha” de falar com sotaque, a
é a capacidade de fazer mal a si própria. E disso tentativa de o mitigar para ser mais como os pares.
não há retorno. Se não conseguir lidar adequada- A princípio, ainda encontrou refúgio na escola e
mente com a razão de tal comportamento, pode no orgulho de ter boas notas. Mas, com o tempo,
voltar a recorrer a isso mais tarde.” O psicólogo foi sendo posta de lado por ser a “marrona” da tur-
holandês René Diekstra, num estudo de 1993, ma, não teve namorados como as colegas, sofreu
defendia mesmo que o risco de suicídio em pes- de bullying, fechou-se cada vez mais. Chorava por
soas que já tenham tentado pôr fim à vida ante- tudo e por nada, começou a automutilar-se, a mãe
riormente é cem vezes superior, quando compa- apercebeu-se e levou-a ao hospital. Diagnostica-
rado com o da população em geral. ram-lhe pela primeira vez uma depressão estava
A história de Larissa (nome fictício, como quase ela no oitavo ano. Mas, a dada altura, por sua pró-

Notícias Magazine 12.06.2022 23


pria conta e risco, resolveu deixar de tomar os com-
primidos. “Achava que já não precisava.”
“Os ansiolíticos
E ainda havia a ansiedade. “As apresentações
orais eram o terror. Passava uma semana a deco-
deram-me tanto
rar todas as palavras. Até ir ao supermercado me
deixava ansiosa. Passei a sair só mesmo para ir à
sono que deixei
escola.” Não espanta, por isso, que a entrada na de conseguir ir às
faculdade tenha sido o descalabro. No primeiro
ano, ainda se safou porque era tudo muito teóri- aulas e fui ficando
co. No segundo, com apresentações recorrentes,
a vida complicou-se, mas a covid e a possibilida-
cada vez mais triste.
de de ficar em casa adiaram o precipício. Até que
veio o terceiro ano e correu tudo mal. “Não ia às
Além disso, sentia-
aulas porque não me queria expor. E então deixei
de fazer a única coisa que sabia fazer.” Mas o pro-
-me mal por
blema de fundo, a psicopatologia depressiva e o
transtorno de ansiedade, já lá estava fazia tempo.
obrigar os meus
pais a gastarem
PERTURBAÇÕES MENTAIS EM 80% DOS CASOS
Na verdade, é frequentemente assim. Ana Matos imenso dinheiro
Pires, psiquiatra e membro da Coordenação Nacio-
nal das Políticas de Saúde Mental, recorda que, de
em consultas”
acordo com estudos internacionais, “80 a 90% dos Larissa
suicídios estão relacionados com perturbações
mentais”. Depois, há os outros casos, em que as

24 12.06.2022 Notícias Magazine


CAUSAS E PREVENÇÃO

LEONEL DE CASTRO/GLOBAL IMAGENS


tentativas de pôr termo à vida são motivadas por
circunstâncias específicas da vida pessoal, mesmo
que não haja qualquer psicopatologia de base. Foi Quando olha para as causas do suicí-
assim com Bernardo, de 20 anos, zero histórico de dio, Fausto Amaro, presidente da
problemas, um rapaz “divertido, sempre na brin- Sociedade Portuguesa de Suicidolo-
cadeira”, que entrou no curso de Medicina “cheio gia, distingue entre variáveis psicológi-
de expectativas, com uma atitude positiva”. cas (como a doença mental e a solidão)
“Só que comecei a perceber que não gostava na- e sociológicas. “Sabemos que situa-
dinha. E tinha acabado uma relação de três anos ções de desorganização e incerteza
há pouco tempo. Então foi o típico efeito bola de levam a situações de maior desespero.
neve. Ainda por cima estava a ter dificuldades em As crises económicas, por exemplo,
fazer entender à minha família que não estava a estão geralmente associadas a um
dar. E comecei a sentir-me sozinho, sem saber o aumento de situações de doença
que fazer.” Ainda recorreu à psicóloga da faculda- mental e casos de suicídio.” Mas
de, que por sua vez lhe recomendou uma psiquia- também a pobreza, o desemprego,
tra. Começou até a fazer medicação. “Mas conti- a falta de habitação digna. E se, neste
nuei a viver num clima um bocadinho negro. A caso, a solução pode passar por medi-
dada altura, já nem conseguia assistir às aulas. Ia das de apoio e proteção social, há
e começava a chorar, cabisbaixo. Não me sentia outras políticas mais imediatas ao nível
feliz. E depois tive um envolvimento com uma da prevenção do suicídio. Desde logo
rapariga que também não correu muito bem.” Até de promoção da saúde mental. Mas
que chegou o dia em que “não deu para mais”. também da “prevenção contextual do
Por sorte, aquele momento de insanidade e de- suicídio”. Ou seja, limitando-se o
sespero acabou por não ser fatal. “E a partir daí foi acesso aos meios letais. “As autar-
sempre para cima. A medicação começou a fazer quias podem ter neste ponto um papel
efeito e no segundo semestre passei a explorar muito importante.” Os próprios meios
novos cursos a que me poderia candidatar no ano de comunicação social também,
seguinte. Acabou por reencontrar na Matemáti- lembra o sociólogo. Já José Carlos
ca o entusiasmo que havia perdido. “Tive receio Santos, enfermeiro e relator do Plano
no início do ano, mas acabei por integrar-me mui- Nacional de Prevenção do Suicídio,
to bem, as pessoas são fantásticas, nunca tinha diferencia os problemas que “não
sentido tanto apoio.” Hoje, não hesita em dizer se mudam de um dia para o outro”,
que “renasceu”. “Completamente. Voltei ao que os chamados problemas estruturais
era antes.” Mas tirou daqueles dias sombrios uma (como o estigma em relação à doença
importante lição para a vida. “Não me passava mental e a baixa literacia), dos proble-
pela cabeça que uma coisa destas me pudesse mas contextuais, como é o caso da
acontecer. Mas ninguém é imune. E o que gosta- “acessibilidade a cuidados de saúde
va de dizer, a quem me possa ler, é que se algo do mental”. E nesse aspeto, entende,
género acontecer, ou se estiver para acontecer, o decreto-lei 113/2021, que promove
não desesperem. Há sempre solução, há sempre uma maior adequação e flexibilidade
perspetivas e pessoas dispostas a ajudar.” de resposta em termos regionais, bem
como as verbas do PRR previstas para
MAIS ABERTOS, MAIS PRECOCES, MAIS DRÁSTICOS a área da saúde mental, são boas notí-
Essa predisposição crescente para pedir ajuda é o cias. Mas ainda assim há motivos de
ponto positivo que Isabel Lourinho, psicóloga clí- preocupação? “Claro que, apesar de
nica e coordenadora do gabinete de apoio ao estu- a nossa taxa não ser demasiado
dante do ICBAS, destaca, na hora de fazer uma es- elevada, quando comparada com a de
pécie de raio-X à saúde mental dos estudantes com outros países, deve ser algo que nos
que se vai cruzando. Nos 16 anos que leva de tra- preocupa. Tem de ser feito um trabalho
balho em contexto universitário, tem assistido a em rede, para garantir uma proximi-
“uma mudança de paradigma”. “Recorrer aos ser- dade que aumente a identificação
viços de Psicologia já é hoje uma coisa muito mais precoce. A prioridade passa por conti-
normalizada. Chegam-me muitos alunos em que nuar a trabalhar nos fatores estruturais,
a sugestão de ir à consulta parte dos próprios cole- enquanto se aposta numa maior aces-
gas, que não têm problemas em partilhar que tam- sibilidade e identificação precoce de
bém vão. Ou mesmo dos professores, que estão sinais e sintomas. O que passa por
hoje muito mais atentos. Não tenho dúvidas de uma maior formação não só dos profis-
que há hoje um estigma muito menor.” sionais de saúde, mas de toda a comu-
Mas a evolução não se tem feito só de boas no- nidade.” Porque o primeiro passo para
tícias. “A par com um aumento da procura dos a prevenção é estarmos, todos nós,
nossos serviços, noto um aumento das situações atentos a quem nos rodeia.

Notícias Magazine 12.06.2022 25


graves, como comportamentos suicidários e con-
sumo de drogas. E também um aumento do nú-
mero de pessoas que já anteriormente, na ado-
lescência ou mesmo na infância, tiveram neces-
sidade de recorrer a consultas de Psicologia. Seja
por causa da separação dos pais, de casos de
bullying ou de um histórico de psicopatologia.”
E que explicações encontra para esta aparente
deterioração da saúde mental dos mais jovens?
O facto de recorrerem cada vez mais às consultas
explica uma parte de questão, mas é só uma peça
de um puzzle maior. “Há hoje uma pressão mui-
to grande para o sucesso, para as relações, para o
corpo perfeito. E as redes sociais vieram acentuar
isso. Nunca foi tão fácil estar conectado e por ou-
tro lado nunca vi tanta solidão e pouca confian-
ça no outro. Muitos destes jovens não têm sequer
a figura do melhor amigo, que para nós era banal.
Com alguma frequência, há pouca qualidade na
rede de pares. E depois, o facto de Portugal ser dos
países com pior equilíbrio entre o trabalho, a fa-
mília e o lazer também não ajuda. Quase que se
trabalha só para pagar as contas, há pouco tem-
po para brincar com os filhos.”
E essa falta de atenção tem um preço, por vezes
demasiado alto. Já para não falar da covid, que
veio “agravar a questão da falta de laços”. Faus-
to Amaro, presidente da Sociedade Portuguesa
de Suicidologia, reconhece que apesar de no ge-
ral se verificar, ao longo dos anos, uma ligeira di-
minuição do suicídio em Portugal, tem havido
“um aumento do suicídio na adolescência”. “As
explicações que têm sido dadas relacionam-se
essencialmente com a integração nas famílias e
na sociedade”, releva o sociólogo, em sintonia
com as explicações de Isabel Lourinho.
Irina, hoje com 27 anos, nunca soube explicar
exatamente os motivos que, ainda adolescente,
a levaram a querer desistir de tudo. Mas, à distân-
cia, não tem dúvidas de que o contexto familiar
não ajudou. Os pais divorciaram-se tinha ela três
anos, passaram eternidades em litígio nos tribu-
nais, o pai acabou por morrer durante esse pro-
cesso, tinha ela nove anos. “O meu contexto fa-
miliar ficou completamente estragado. Éramos
uma família de classe média-alta e passámos a ter
dificuldades, a minha mãe teve de arranjar dois
empregos e a relação entre ela e os meus irmãos
passou a ser muito conturbada.” Mesmo assim,
durante muito tempo, achou que estava tudo
bem. “Até que aos 13 anos, apesar de não sentir
uma tristeza específica, comecei a imaginar mui-
to o meu processo de suicídio.” E depressa pas-
sou à prática. Lembra-se de acordar nas traseiras
do prédio em que vivia, de tentar pedir ajuda, de
entrar no hospital a berrar de dores porque tinha
fraturado a coluna e de um médico ainda lhe di-
zer “bem feito”. Reencaminharam-na para um
hospital psiquiátrico, mas ela pediu por tudo para
não ficar. E não ficou.
Só que, quando voltou para casa, o estado psi-

26 12.06.2022 Notícias Magazine


“Não me passava CONTACTOS

MARIA JOÃO GALA/GLOBAL IMAGENS


pela cabeça que LINHAS DE EMERGÊNCIA

uma coisa destas Número europeu de emergência

me pudesse aconte- Se alguém está em perigo de vida,


ligue 112.

cer. Mas ninguém é Serviço de aconselhamento

imune. E o que gos- psicológico (SNS24)


Se tem sintomas de depressão ou
tava de dizer é que, pensamentos de suicídio, utilize o
Serviço de Aconselhamento Psicoló-
se algo do género gico, integrado na linha telefónica do
SNS 24, através do 808 24 24 24.
acontecer, não
desesperem” LINHAS DE APOIO

SOS Voz Amiga


Bernardo
231 544 545 / 912 802 669 / 963 524 660
(das 15.30 às 00.30 horas)

cológico em que se encontrava piorou drastica- Conversa Amiga


mente. Passou anos mergulhada numa tristeza 808 237 327 / 210 027 159
profunda, andou de psiquiatra em psiquiatra sem (das 15 às 22 horas)
nunca ter um diagnóstico exato, tomou fárma-
cos vários, tentou várias vezes pôr fim à vida, sub- Vozes Amigas de Esperança
meteu-se a dois internamentos, num deles che- de Portugal
gou a tentar fugir. Em vão. Até que, por volta dos 222 030 707
19 anos, quis começar a trabalhar. E a vida foi-lhe (das 16 às 22 horas)
sorrindo aos poucos. “Comecei a perceber que
conseguia fazer coisas, a sentir-me valorizada, a Telefone da Amizade
sentir que podia controlar o meu futuro.” Aos 222 080 707
poucos, foi deixando a medicação e as consultas, (das 16 às 23 horas)
agarrou-se ao exercício físico, empoderou-se. E,
mesmo que não saiba identificar o momento de Voz de Apoio
viragem, sabe, com certeza, que hoje nada tem 225 506 070
que ver com aquela adolescente depressiva e (das 21 às 24 horas)
sombria. “Hoje sou uma pessoa megapositiva,
superalegre. A minha grande prova dos nove foi SOS Estudante
ter ficado desempregada durante a pandemia e 915 246 060 / 239 484 020
ter conseguido dar a volta. Tirei cursos, reinven- (das 20 às 01 horas)
tei-me, estou de bem com a vida.” E por isso fez
questão de partilhar a história com a NM. “A men-
sagem que gostava de passar é que não tem de ha-
ver estigma em relação à saúde mental. Ninguém
é mais ou menos por isso. O cérebro é um órgão
como os outros todos e precisa de manutenção.”

O CASO DA COMUNIDADE LGBTI+


E se o aumento dos comportamentos suicidários
entre adolescentes é uma tendência relativamen-
te recente, há outras que se vão mantendo unifor-
mes ao longo do tempo. A do suicídio ser mais co-
mum entre os homens (na Europa, cerca de qua-
tro vezes mais), apesar de as mulheres tentarem
mais. A de a população com mais de 65 anos ser
aquela em que há maior prevalência. A de a taxa
de suicídio ser três vezes superior entre homosse-
xuais e bissexuais. Hélder Bértolo, presidente da
Opus Diversidades, dá conta disso mesmo. “Re-

Notícias Magazine 12.06.2022 27


cebemos muitos pedidos de apoio psicológico para
pessoas com ideação suicida, que dizem que não
aguentam mais. Isto acontece diariamente.” O
problema ainda é mais premente nas pessoas trans,
que, realça o dirigente, “por causa da aparência,
têm muitas vezes dificuldade em encontrar em-
prego”. Mas à associação continuam a chegar tam-
bém pedidos de ajuda de homossexuais, seja por
serem forçados a submeter-se a terapias de con-
versão, seja por serem expulsos de casa.
Fabiana, hoje prestes a completar 50 anos, nun-
ca foi. Mas nem por isso se livrou das dores de cres-
cer colada ao rótulo da homossexualidade. “Há
40 anos, crescer enquanto pessoa não-normati-
va em termos de orientação sexual, ainda por
cima numa aldeia do interior do país, era muito
diferente porque não havia informação. Eu des-
conhecia a palavra homossexual, a palavra lésbi-
ca, desconhecia a existência de uma hipótese de
vida que não fosse um casal heterossexual.” Por
isso, a primeira relação viveu-a com medo e às es-
condidas. “Tive medo do ostracismo pessoal e
esse é um medo terrível para uma adolescente.
Ainda por cima quando se trata de uma coisa tão
bonita e tão especial como é o amor.” Com 13
anos, procurou pela primeira vez informação so-
bre o assunto. Só encontrou alusões a “uma fase
da adolescência”. “Mas quando se repetiu aos 15
anos percebi que não era uma fase.” E assim, du-
rante dois anos, encontraram-se às escondidas
nas casas de banho do liceu. Até que as famílias
descobriram e as separam. “Não culpo a minha
família porque sei que foi fruto do desconheci-
mento.” Mas naquele momento viu-se sem pers-
petivas. “Na altura, o final daquela relação signi-
ficou para mim o fim da hipótese de ser feliz em
qualquer outra relação. Nesse desespero, o sui-
cídio pareceu-me a solução mais viável.”
“Na altura, o final
Valeu-lhe a irmã, que chegou a casa a tempo de
a salvar, mesmo que não se tenha livrado de pas-
daquela relação
sar uns quantos dias em coma no hospital. De-
pois, deparou-se com uma psiquiatra que have-
significou para
ria de lhe mudar a vida. “Confessei-lhe que era mim o fim da hipó-
lésbica e que isso era um problema grave. E ela
perguntou: ‘Para si ou para os outros?’. Eu res- tese de ser feliz em
pondi ‘para a sociedade’ e ela disse-me: ‘Então va-
mos ter que mudar de sociedade’.” E aquele to-
qualquer outra
que de despertar não foi automático, mas acabou
por lhe definir o resto da vida. “Adquiri as ferra-
relação. Nesse
mentas que me permitiram ter uma vida muito
positiva, contribuir ativamente para a mudan-
desespero, o suicí-
ça, ajudar a evitar que outros passassem pelo so-
frimento e isolamento que nós tivemos de pas-
dio pareceu-me a
sar.” E então começou a ler, a ler muito, a procu- solução mais viável”
rar saber mais sobre a homossexualidade, a des-
cobrir figuras de referência. Entrou pela via do Fabiana
ativismo e associativismo, envolveu-se com uma
série de grupos e movimentos de um ainda inci-
piente movimento LGBT. “Fui feliz a partir do
momento em que decidi que ia ser responsável
pela minha própria felicidade.” E, tanto anos de-

28 12.06.2022 Notícias Magazine


FACTOS & NÚMEROS

CARLOS ALBERTO/GLOBAL IMAGENS


3
Suicídios por dia em Portugal, em
média, o que se traduz numa taxa
de mortalidade por suicídio de 11,5
por 100 mil habitantes, em linha
com a média europeia.

GRUPOS DE RISCO
Em Portugal, observam-se taxas de
suicídio mais elevadas no sexo mascu-
lino, nas pessoas mais velhas e nas
zonas rurais. Em relação à distribuição
geográfica, as taxas são mais altas no
Alentejo, no Algarve e nas regiões
autónomas da Madeira e Açores.

800 mil
O número de pessoas que morrem
anualmente por suicídio, em todo o
Mundo, o que corresponde a aproxi-
madamente uma morte a cada 40
pois, jura que não mais voltou a sentir a tentação segundos. Os países em desenvolvi-
do suicídio. “Senti sempre que havia caminho. mento são os que registam taxas
E que o caminho estava nas minhas mãos”, diz, mais elevadas.
como quem fala de uma segunda vida.
Ana Matos Pires, psiquiatra, admite, no entan-

2.ª
to, que não lhe agrada o uso do termo “renascer”.
Porque dá uma sensação de morte e romantiza o
comportamento, o que se deve de todo evitar.
“Prefiro que se fale em ultrapassar, em reorgani-
zar-se.” E explica o que pode ser determinante Causa de morte entre os jovens
para essa reorganização. “Antes de mais, é impor- (15-34 anos) em todo o Mundo.
tante ressalvar que o suicídio é um comportamen-
to, não é uma doença. E como comportamento
que é nunca podemos falar numa causa única.
Normalmente há um gatilho, um fator desenca- MUITO MAIS TENTATIVAS
deante. Muitas vezes, é o momento que determi- Estima-se que o número de tentativas
na o acontecimento. E, da mesma maneira que é de suicídio seja 25 vezes superior ao
possível controlar os fatores de risco para o com- número de mortes por esta via.
portamento suicidário [ver caixa], se a pessoa es-
tiver devidamente suportada após esse compor-
tamento, a probabilidade de se reorganizar é enor-
me.” Ou como sublinha Ricardo Ribeiro: “Desis-
tir nunca é solução. Temos de pensar que isto é
como um tubo. E se conseguimos entrar, também
conseguimos sair por onde entrámos”. ● m

Notícias Magazine 12.06.2022 29


DO ESPLENDOR
AO ABANDONO,
A ALDEIA BOÉMIA
DENTRO DA CIDADE
CHEGA AOS 100 ANOS
Artistas idolatrados como os futebolistas de hoje, excursões
do país inteiro para assistir ao teatro de revista, restaurantes a
abarrotar, miúdos escondidos no fosso da orquestra para fintar
a proibição de assistirem aos espetáculos e longas jornadas de
diversão entre setas, tiros e pirolitos. A história do lisboeta
Parque Mayer é um manancial de episódios pitorescos,
onde não falta a luta contra a censura e o Estado Novo.

TEXTO
Paulo Lourenço

O Parque Mayer foi


ocupar um espaço
junto à Avenida da
Liberdade, que
pertenceu antes aos
jardins e espaços
adjacentes do Palácio
Mayer

30 12.06.2022 Notícias Magazine


FOTOS: DIREITOS RESERVADOS

Notícias Magazine 12.06.2022 31


N
as décadas de 1960 e 1970,
viviam-se os tempos áu-
reos da revista à portu-
guesa. Os quatro teatros
do Parque Mayer reben-
tavam pelas costuras,
com espetáculos diários,
a que assistiam ilustres fi-
guras da vida pública, ao
lado do povo anónimo.
Entre essa plateia, destacam-se os “coiós,
aqueles que tinham mais posses e paga-
vam bilhetes na fila da frente para ver as
pernas das bailarinas, que, no fim do es-
petáculo, tentavam levar a jantar”, re-
lembra Vasco Morgado, atual presiden-
te da Junta de Santo António – freguesia
de Lisboa, que tem no seu território o re-
cinto do Parque Mayer –, neto de um dos
maiores empresários de teatro nacional
e da famosa atriz Laura Alves, e filho de
outro produtor e da atriz Vera Mónica.
De presidentes da República a “coiós”,
o Parque Mayer foi ponto de encontro e
berço de carreira de muitos dos grandes
nomes do espetáculo em Portugal. É esta
a “catedral maior do teatro de revista”
que assinala quarta-feira, dia 15, os seus
100 anos de existência. Uma história que
até tem um pormenor trágico na sua ori-
gem, mas que seguiu um percurso de di-
versão, com protagonistas hoje diluídos
na memória dos tempos como os piroli- meio teatral, que sonhava criar um es- último, já em 1956, o novo Teatro ABC,
tos, as setas, as barraquinhas de tiros, ou paço dedicado ao divertimento. Mas na no espaço que fora do “Alhambra” e par-
os combates de boxe e luta livre. Já os que origem da decisão de venda terá pesado te do “Pavilhão Português”, estreando
ainda se lembram dos tempos áureos re- um acontecimento trágico: a morte por a revista “Haja saúde”.
cordam o espaço como a “aldeia dentro afogamento de um neto do proprietário
da cidade”, de boémia e animação, onde no lago que ali existia. Das bifanas à música sem fim da jukebox
se fizeram e desfizeram casamentos, Dois anos após a concretização do ne- Estamos no final da década de 1950
onde se fintou a censura do Estado Novo, gócio, a 15 de junho de 1922, foi criado o quando os quatro teatros começam a
e, sobretudo, onde cresceram e se idola- primeiro teatro, que recebeu o nome da funcionar em simultâneo. Em pleno Es-
traram gerações de atores e atrizes, en- atriz e fadista Maria Vitória, cuja morte tado Novo e quando o espaço é já uma re-
tão com uma popularidade idêntica à (poucos anos antes) criara alguma cons- ferência de diversão e atrai multidões,
que os futebolistas têm hoje. ternação. Ali se estreou a 1 de julho des- ávidas de entretenimento e espevitadas
O Parque Mayer foi ocupar um espaço se ano a revista “Lua nova”. Esta sala é a pela crítica política subtil à ditadura vi-
junto à Avenida da Liberdade, que per- única que ainda continua em atividade gente no país que ali se fazia.
tenceu antes aos jardins e espaços adja- como teatro, muito pelo caráter resilien- E é no início da década de 1960 que
centes do Palácio Mayer e foi construí- te do seu empresário Helder Freire Cos- chega ao Parque Mayer o empresário e
do em 1901 por Nicola Bigaglia e perten- ta. É preciso esperar quatro anos para, a produtor Hélder Costa, hoje com 81
ça de Adolfo de Lima Mayer. Em 1920, 8 de julho de 1926, se assistir à inaugu- anos. Das suas quase seis décadas de vi-
aquele terreno foi adquirido por Artur ração da segunda sala, o Teatro Varieda- vências naquele recinto transbordam
Brandão e vendido no ano seguinte a des, que estreou a revista “Pó de arroz”. memórias, que encerram muitas curio-
Luís Galhardo, personalidade ligada ao Seguiram-se o Capitólio, em 1926, e, por sidades para quem já não viveu os tem-

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Depois de décadas e décadas de
autênticas romarias, o Parque Mayer
é hoje um espaço quase deserto.
Aos 70 anos, Gina Pereira é uma
das resistentes. “A malta nova não quer
saber de teatros”, diz a transmontana,
há muito radicada em Lisboa

FOTOS: PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS


ral, que fazia umas bifanas, que eram Combates ensaiados que acabavam
uma especialidade”, rebobina Hélder em lutas
Costa, um dos primeiros a classificar o O Parque Mayer havia conquistado os
parque como “uma aldeia dentro da ci- lisboetas praticamente desde a sua inau-
dade”. Acrescenta que havia mesmo guração, mas atraía gente de todo o país,
gente a viver dentro do recinto e ou- sobretudo para assistir à revista à portu-
tros que só de lá saíam para ir dormir a guesa, uma categoria de comédia que só
casa. “Lembro-me do restaurante ‘Re- ali se fazia. No entanto, nas primeiras
tiro da Amadora’, que era de três irmãs, décadas, outros espetáculos chamavam
todas de Lisboa, mas que não conhe- multidões, como o fado, o boxe e os com-
ciam a cidade, porque passavam a vida bates de luta livre. Estes últimos tinham
lá. De manhã apanhavam um táxi para uma característica própria. Ao contrário
pos áureos do parque. “Estava sempre a Praça da Ribeira, onde se iam abaste- do que a maioria do público pensava,
em festa”, recorda, referindo-se aos cer, voltavam para o parque e ali fica- nem todos os combates eram “verdadei-
anos dourados das décadas de 1960 e vam”, revela. ros”, antes um espetáculo de artes, ao
1970. Hélder Costa conta que entrava Quem também começou a vida profis- estilo do atual wrestling. Contam os
ali diariamente e “às dez da manhã já sional nesses tempos por ali foi Gina Pin- mais velhos que, por vezes, o nível de
havia música a tocar ao lado do restau- to, uma transmontana que veio para Lis- entusiasmo dos que assistiam era tanto
rante do Chico Carreira, que tinha um boa para trabalhar no restaurante do tio que na saída havia quem resolvesse pôr
grande reclame luminoso, que fazia as do ex-marido, que, anos mais tarde, e já em prática alguns dos truques que ha-
delícias do público”. Num país então depois de se separar, haveria de comprar. via visto. E, de vez em quando, a coisa
muito fechado ao Mundo, tudo o que Hoje, aos 70 anos, ainda ali se mantém azedava e havia “lutas mesmo à séria”.
representasse inovação era motivo de na casa que tem o seu nome e por onde Hélder Costa já não viveu esses tem-
celebração geral. O empresário salien- passaram, e continuam a passar, muitos pos, mas lembra-se bem do apogeu do
ta o sucesso “daquelas máquinas ame- políticos, futebolistas e, claro, atores. recinto. “Era sobretudo um espaço de
ricanas, as jukeboxes, onde se punham “Na altura faziam-se excursões de todo grande diversão e de grande boémia”,
moedinhas para tocar discos” e garante o país para vir ao teatro, mas também é descreve, recordando que, “à hora do al-
que “era uma animação todo o santo preciso lembrar que não havia televi- moço, vinham os diretores dos jornais e
dia”, de tal forma, que, “às vezes, saía- sões, nem nada para as pessoas se distraí- das grandes empresas, e como havia
mos de lá com a cabeça em água”. rem”, enquadra a empresária. Atual- muita diversidade de restaurantes esta-
Mas o Mayer não se resumia aos tea- mente, o panorama é muito diferente, va sempre tudo cheio”.
tros e à música. “Havia a barraquinha porque, sublinha, “a malta nova não Carlos Cunha, artista consagrado, não
do chocolate, os sumos de uva, o Ama- quer saber de teatros”. se estreou ali, mas foi lá que passou al-

Notícias Magazine 12.06.2022 33


ORLANDO ALMEIDA/GLOBAL IMAGENS

guns dos melhores anos da carreira. segunda-feira, que era o dia de folga dos lar ao famoso recinto da avenida, que per-
“Aprendi lá muito. Já tinha feito comé- artistas, nos outros estávamos sempre corre toda a sua vida. “Entrei pela primei-
dia com o Camilo e com o Solnado, mas a trabalhar”, assinala, aludindo a tem- ra vez no Parque Mayer com dois ou três
a minha primeira revista no Parque pos que já não viveu, em que havia es- dias de vida. A minha mãe teve-me e veio
Mayer foi em 1974 e chamava-se ‘Uma petáculos diários e os atores não tinham fazer uma substituição numa peça, que
no cravo, outra na ditadura’, em que con- direito a folgas. E adiciona um porme- se chamava ‘Menina Alice o inspetor’. Eu
tracenei com o Nicolau Breyner, a Ivo- nor curioso, entre sorrisos: “A minha fi- fiquei numa alcofa no camarote da mi-
ne Silva, o Paulo Renato, entre outros.” lha mais velha foi feita no Parque Mayer. nha avó no Capitólio”, resume.
O Parque Mayer ficaria ligado indele- Tínhamos de aproveitar os intervalos O agora autarca faz parte de uma gera-
velmente à sua carreira. Foi lá que co- para namorar”. ção a que chama os “meninos do parque”
nheceu e acabou por casar com a tam- Pela história familiar, Vasco Morgado e, quando começa a desfilar memórias,
bém atriz Marina Mota. “Casámos a uma tem uma ligação ao teatro, em particu- curiosidades não faltam. “Era uma ani-

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O empresário e produtor Hélder Costa (à esquerda),
hoje com 81 anos, chegou ao Parque Mayer no
início da década de 1960. Vasco Morgado, atual
presidente da Junta de Santo António e neto de um
dos maiores empresários de teatro nacional com
o mesmo nome e da famosa atriz Laura Alves,
gostava de fazer do espaço uma escola de artes

desvenda como fintava o controlo. “Eu

PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS


via as peças no fosso da orquestra ou no
posto dos bombeiros. Outras vezes, che-
guei a ir para a caixa do ponto. Tudo isso
era uma maravilha. Os artistas metiam-
-se comigo e eu ficava feliz por estar ali
mesmo perto do palco”, assume, acres-
centando que mais tarde haveria de con-
tracenar com alguns desses que assistia
“às escondidas”.
Uma memória partilhada por Vasco
Morgado, que também viu muitas pe-
ças na mesma situação. “O meu primei-
ro beijo foi dado no fosso da orquestra”,
revela, de sorriso aberto.
Carlos Cunha guarda outras histórias,
que não hesita em partilhar: “Lembro-
-me de uma ocasião em que o Costa, que
que os participantes eram desafiados a era um cauteleiro muito conhecido no
acertar em cartas num painel. “Quem parque, tentou vender lotaria ao Rama-
conseguisse ganhava uma gasosa da lho Eanes e este respondeu-lhe, naque-
marca BB (Bem Boa). Era o melhor do le seu timbre de voz tão peculiar: ‘Eu
dia”, admite, confessando que entre o queria comprar-lhe jogo, mas não me
seu grupo de amigos havia grande com- deixam andar com dinheiro’”.
petição e os especialistas nessa arte. Da história do Parque Mayer fazem
Os tempos eram outros. Sem consolas parte as inúmeras disputas contra a cen-
ou telemóveis, era nas ruas que se fazia sura do Estado Novo. Afinal, era ali que,
a vida dos mais novos em jornadas de nas revistas, em piadas subtis se davam
brincadeira sem-fim. “Nunca sabia se umas “alfinetadas” no regime. Hélder
acabava o dia na minha cama, ou a dor- Costa Freire lembra-se bem desses tem-
mir em casa do filho de algum outro ar- pos: “O Salazar nunca viu uma revista
tista”, diz. E vem-lhe à memória uma re- na vida, mas havia um ministro que vi-
cordação que faz questão de partilhar nha cá sempre, porque andava atrás de
para ilustrar o caráter livre da juventu- uma corista. Em geral, os políticos vi-
de no que toca a diversão: “Havia no par- nham muito, uns para se divertirem, ou-
que uma mina, de onde toda a gente be- tros para controlar”.
bia, mas ninguém sabia de onde vinha a Neste jogo do “gato e do rato”, até os
água. Gerações inteiras refrescavam-se porteiros eram figuras de relevo, já que
com ela e estamos cá todos. Um dia, veio avisavam os atores e restante staff quan-
a EPAL recolher umas amostras para aná- do entrava alguém ligado ao regime.
lise e concluiu que era imprópria para “Quando havia o chamado ‘ensaio da
mação constante”, sustenta, recordan- consumo. Fecharam a mina e nunca preguiça’ os censores iam lá com as mu-
do as principais atrações que desafiavam mais ninguém matou a sede ali”. lheres, que eram muito mais atentas.
a traquinice própria dos mais jovens: Eram elas que às vezes se apercebiam de
“Havia a Aninhas dos tiros, a Adélia dos Escondidos da polícia no fosso algumas deixas e falavam ao ouvido dos
pirolitos [uma espécie de gasosa, que ti- da orquestra maridos, que depois nos interrompiam
nha um berlinde no interior], os carri- Brincar na rua era um ato de liberdade, e pediam para repetirmos para ver o que
nhos de choque, os furinhos na caixa dos a mesma que faltava a um país, por via lhes teria escapado.”
chocolates Regina, que davam brindes, da ditadura e dos “bons costumes”, de-
e até um alfarrabista, onde se compra- sígnios inquestionáveis do Estado Novo. Como Ivone Silva fintava os censores
vam bons livros. Tudo para nós era uma Às crianças era vedada a possibilidade de E, depois, salienta, “havia a Ivone Silva,
diversão”. Mas um dos passatempos pre- assistirem ao teatro. Carlos Cunha, que que decorava o papel dela e os da compa-
feridos era mesmo o jogo das setas, em desde sempre tinha aquele “bichinho” nhia inteira”. O empresário conta como

Notícias Magazine 12.06.2022 35


a famosa atriz “dizia as coisas tão depres-
sa quando os censores estavam na sala,
que estes não percebiam nada”. E, como
exemplo, partilha um episódio passado
pouco tempo antes do 25 de Abril, quan-
do a Guiné-Bissau declarou, unilateral-
mente, a independência. “O Roby Amo-
rim, um jornalista do ‘Diário de Notí-
cias’, que era muito nosso amigo, avisou-
-nos da grande bronca que aquilo ia dar.
E no dia seguinte já havia umas tiradas
sub-reptícias e as pessoas começaram a
comentar coisas do tipo ‘estás a ver como
é verdade?’. Cá fora, as coisas constavam-
-se através do boca em boca, mas lá den-
tro dizia-se o que se estava a passar.”
A verdade é que, após a revolução, o de-
clínio do espaço e da própria revista di-
tou um caminho ainda hoje presente.
Em 1999, os terrenos do Parque Mayer
foram comprados pela Bragaparques por
13 milhões de euros. Em julho de 2005,
a empresa permutou os terrenos por par-
te dos lotes municipais de Entrecampos,
onde se situava a Feira Popular. Depois,
há uma intricada batalha jurídica entre
as partes, até que, finalmente, em mar-
ço de 2021, a Câmara Municipal de Lis-
boa vence o processo legal que a opunha
à Bragaparques, resultado da disputa re-
ferente aos terrenos do Parque Mayer,
e que obrigava ao pagamento de 138 mi-
lhões de euros pela autarquia à empre-
sa. A decisão, não passível de recurso, faz
com que hoje os terrenos sejam defini-
tivamente propriedade municipal.
Batalha jurídica ultrapassada, o Parque
Mayer atual é ainda a imagem de aban- O Capitólio, que nem teia [estrutura desabafa. E o empresário destaca o pro-
dono. Certo que o teatro Capitólio já foi para fazer subir e descer os cenários] tem. jeto que existe para o seu próprio teatro,
recuperado e é hoje palco de alguns es- Aquilo é uma sala de espetáculos, não é o Maria Vitória. “Dizem que o querem
petáculos, mas longe da sua vocação his- um teatro”, vinca. Já Hélder Costa con- remodelar para uma sala com trezentos
tórica. “Deixou de ser um teatro e pas- fessa-se “desgostoso” com a situação e tal lugares. Isso não dá para fazer tea-
sou a ser uma cervejaria com palco. Só atual. “Fez-se a reabilitação do Capitó- tro de revista, no mínimo tinha de ter o
serve para concertos e festas privadas”, lio, onde eu comecei a trabalhar como dobro.”
argumenta Vasco Morgado. Júlio San- secretário. Na altura, era um edifício ma- Longe dos tempos do glamour, o recin-
tos, que durante anos foi iluminotécni- jestoso, tinha uma fachada muito boni- to degradou-se. Hoje, além do Capitólio
co do Maria Vitória, não esconde a indig- ta. Dizem que o atual teatro foi feito se- e do restaurante de Gina Pinto, não pas-
nação, quando se refere ao que ali se fez. gundo o projeto original do arquiteto sa de um parque de estacionamento ta-
“Olhar o Parque Mayer atual deixa-me Cristino da Silva, mas este foi introdu- rifado, com ar decrépito. A empresária
uma sensação de tristeza, pela forma in- zindo nuances mais modernas. Por isso, transmontana não acredita que volte o
feliz como está a ser aproveitado. Ape- a traça não foi sempre a mesma, ele foi frenesim que ali conheceu. “Gostava de
sar de todo o seu potencial e ao que es- corrigindo algumas coisas. Hoje o Capi- voltar a ver o Parque Mayer a trabalhar
tão ali a investir, estão a recuperar o quê? tólio parece um quartel de bombeiros”, em pleno, mas não acredito. Hoje temos

36 12.06.2022 Notícias Magazine


Foi no Parque Mayer que o popular ator Carlos
Cunha (à esquerda) conheceu e acabou por casar
com a também atriz Marina Mota. Júlio Santos,
que durante anos foi iluminotécnico do Maria Vitória,
apoia o projeto de Vasco Morgado: “Uma escola
superior de cultura seria a melhor maneira
de homenagear o Parque Mayer”

FOTOS: PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS

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o Capitólio com outros espetáculos, so- fez”, resume, destacando as potenciali- numa escola superior de cultura seria
bretudo bandas de música, que puxam dades do mundo do espetáculo em Por- a melhor maneira de homenagear o
muita gente, mas os jovens querem lá sa- tugal. “É preciso fazer disto uma aldeia Parque Mayer e de todos os que por lá
ber de revistas”, justifica. E recorda que, cultural. Tal como no futebol, em que passaram.”
não fosse a sua determinação em man- apostámos na formação e hoje exporta- Imaginar o centenário parque como
ter a casa aberta, o parque poderia ter aca- mos talento, com a qualidade dos con- berço de uma nova geração de atores é o
bado de vez. “Tenho noção que, quando servatórios de dança e de teatro, se tiver- sonho do autarca, agora mais confiante
os teatros encerraram, se não fosse eu, o mos estruturas construídas de raiz a pen- no atual executivo municipal, depois de
parque tinha fechado. Durante anos, sar neles, o céu é o limite”, frisa, enfati- nunca ter conseguido despertar o real
aqui dentro era só o meu restaurante.” zando que “rico é o país que tem o cofre interesse do anterior presidente da Câ-
Mas é de Vasco Morgado que vem a pro- cheio de cultura”. mara. “O engenheiro Carlos Moedas
posta aparentemente mais apelativa A ideia agrada a Júlio Santos. “Eu sou gosta deste projeto, sobretudo da sua
para o aproveitamento do espaço. “Tra- entusiasta do projeto do Vasco Morga- base, que é fazer do Parque Mayer uma
zer para aqui os conservatórios que qui- do. Montar aqui uma escola de teatro, escola de artes. Por isso, entreguei-lhe a
serem vir, ter um polo de um museu do que isto tem espaço para isso e muito proposta e ele irá agora desenvolver o
teatro dedicado ao que sempre aqui se mais. Aliás, transformar todo o recinto plano ‘Parque Mayer 2.0’”, conclui. ● m

Notícias Magazine 12.06.2022 37


O NOVO MUNDO
DOS VINHOS VERDES
Fáceis de beber, pouco alcoólicos e jovens são algumas das
características. No entanto, nos últimos anos, e sem perder
singularidade, a região tem desenvolvido novos perfis
e experimentado um grande crescimento no mercado
internacional e no enoturismo.

TEXTO
Luísa Marinho

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Notícias Magazine 12.06.2022
39
RUI MANUEL FONSECA/GLOBAL IMAGENS
M
árcio Lopes ainda se demarcada com estilo de vinho. Porque tudo do zero.” Nem sequer tinham edi-
lembra que em 2010, os estilos não param de crescer. Há quem fício para as aulas, que eram dadas numa
quando começou o se aventure a produzir grandes brancos escola secundária. “Saímos de lá ao fim
seu projeto Pequenos em barrica, com potencial de guarda, de três anos com uma escola funcional,
Rebentos, teve de ter quem elabore vinhos “fora da caixa”, com macieiras, pessegueiros, vinha ins-
paciência e persistên- com castas antigas, pouco intervencio- talada em produção, uma vacaria. Tive-
cia para dar a conhecer nados e até já se faz cerveja com o mos- mos a felicidade de moldar a escola do
os seus vinhos. “Ia ba- to da uva. São muitos os caminhos des- zero e de aprender muito, o que nos deu
ter à porta da d. Maria ta região, que não quer parar de crescer, uma boa base científica e prática.”
para vender duas cai- tanto em termos de produção, como de Depois de estudar Enologia na UTAD
xinhas de vinho, à porta do restaurante prestígio e estatuto. (Universidade de Trás-os-Montes e Alto
do sr. António para mais duas caixinhas”,
diz o enólogo. Hoje, tudo é diferente. E Nova geração de enólogos
as mudanças que ajudaram a região a António Sousa, fundador da empresa
prosperar começaram ainda antes. Apoio a Produtores de Vinho Verde e da
Desde que foi demarcada, a 18 de se- produtora ABWines, lembra-se do início
tembro de 1908, que a região dos Vinhos das grandes mudanças. Natural do Mar-
Verdes passou por diversas fases. Foi nas co de Canaveses, em criança participava
últimas duas décadas que, aos poucos, nas vindimas da família. “Costumo di-
foi definindo o perfil pelo qual é atual- zer que cresci em cima de um lagar”, ri.
mente conhecida, como produtora de “Nestas quintas tradicionais do Minho,
vinhos leves, frescos, tendencialmen- todas as famílias faziam as suas vindi-
te frisantes e com pouco teor alcoólico. mas. Para mim, significava correr de fes-
Atualmente, está muito longe de ser ta em festa, como acontecia em qualquer
apenas isso. Deste canto do noroeste de família de agricultores”, lembra.
Portugal, tradicionalmente conhecido Foi também no Marco que estudou na-
como Entre-Douro-e-Minho e onde já quela que foi a primeira escola profissio-
se produz vinho desde antes dos roma- nal de agricultura, no final dos anos 1980
nos, saem também referências “mais sé- e inícios dos anos 1990, tendo feito par-
rias”. Vinhos que fazem sucesso nos te da turma inaugural. “Tudo era novo,
mercados internacionais e são cada vez tanto para os professores como para nós.
mais premiados dentro de portas. Pegámos em três quintas que estavam
O importante é não confundir a região abandonadas há muitos anos e fizemos

RUI MANUEL FONSECA/GLOBAL IMAGENS

40 12.06.2022 Notícias Magazine


Douro) e fazer estágios no Douro, em que teve “vantagens e desvantagens”, Hospital, na sub-região Monção e Mel-
1999 entra “a sério” para a região. Uns considera. No Marco de Canaveses “só se gaço. A enóloga, natural de Monção, as-
anos antes, no início dos anos 1990 tinha podia plantar arinto e azal. Isso foi dema- sinala que na última década a região
começado a “grande convulsão” do se- siadamente constrangedor porque tirou “percebeu o potencial para se fazer bran-
tor. “Há uma profunda reestruturação. muitas das castas indígenas da região. Es- cos de grande qualidade”. Já não se pro-
As vinhas tradicionais foram converti- tava-se a impedir alguém de produzir duzem apenas “vinhos frisados e cheios
das naquilo que chamámos as ‘vinhas da loureiro ou avesso, castas que natural- de açúcar”. Ainda assim, pensa que não
CEE’, de manchas contínuas, tal como mente já lá existiam”. E o que se passou se deve abandonar completamente esse
vemos na viticultura atual”, conta. Fez- com os brancos, passou-se com os tintos, perfil tradicional, “porque há lugar para
-se uma seleção de castas, apostando-se na fase da “febre do vinhão”, recorda. todos”. O portefólio da Quinta do Hos-
em algumas em detrimento de outras, o “Quando a região tem mais de 20 castas pital reflete essa valorização, com os dois
tintas e faz quase 100% vinhão não é van- monocastas de Barão do Hospital – Al-
RUI MANUEL FONSECA/GLOBAL IMAGENS
tajoso de todo”, defende. varinho e Loureiro.
Apesar do que “correu menos bem”, a Outro produtor da sub-região, Paulo
mudança começou a dar frutos a partir Cerdeira Rodrigues, da Quinta do Re-
de 2002. De região deficitária na produ- gueiro, admite que a criação de valor “é
ção, devido à reestruturação das vinhas, um caminho que se faz em conjunto,
passou a excedentária. E porque já havia com muita resiliência”. Nestes últimos
um grande número de pequenos viti- 20 anos, “tivemos dificuldade em criar
cultores, António Sousa criou, em 2003, valor. Mas a Comissão [de Viticultura da
a empresa Apoio a Produtores de Vinho Região dos Vinhos Verdes] está atenta e
Verde, para os ajudar na burocracia e na soube comunicar que, além dos vinhos
parte técnica. Devido à viticultura mais jovens e frescos, também há vinhos com
“realista e profissional”, em 2011 acon- grande capacidade de guarda. A quinta
tece o grande salto na qualidade, sem se tem vários vinhos premiados, como o
“renegar o caráter da região”. Mas tam- Jurássico, eleito melhor branco nacio-
bém se começou a apostar nos varietais nal de 2019, pela “Revista de Vinhos”.
(monocastas), vinhos envelhecidos e Muitos produtores têm, assim, optado
em resgatar castas quase perdidas. por fazer vinhos distintos, “que digni-
São este tipo de vinhos “que valorizam ficam a região e que são altamente con-
a região”, acredita também Antonina ceituados a nível nacional e internacio-
Barbosa, diretora de enologia da Falua, nal”. O próprio mercado “começou a fi-
que desenvolve trabalho na Quinta do car mais exigente”. “Mas leva tempo,
até porque nos vinhos não há propria-
IGOR MARTINS/GLOBAL IMAGENS

Márcio Lopes (à mente uma estratégia correta, vamo-


esquerda), -nos adaptando”, revela.
Antonina Barbosa Adaptação e diferenciação foi também
(à direita) e Paulo o caminho seguido pelo portuense Már-
Cerdeira Rodrigues cio Lopes, criador dos projetos Peque-
(em cima) são nos Rebentos e Proibido (este último na
alguns dos região do Douro). Foi em 2005 que co-
enólogos que meçou a trabalhar em Melgaço com An-
estão a fazer selmo Mendes, um dos mais importan-
vinhos que tes e premiados enólogos da região, co-
valorizam a região nhecido pelas suas experiências com al-
varinho e com castas antigas. “Eu gosta-
va muito do Douro, queria fazer o vinho
do Porto e o Anselmo disse-me ‘deixe lá
o vinho do Porto, venha mas é fazer al-
varinho!’”. Depois de alguns anos a
aprender com o “mestre” e de uma ex-
periência na Austrália, regressou à re-
gião. Desde o início dos seus projetos que
nunca pensou em produzir grandes
quantidades. Quis, antes, perceber a tra-
dição e com isso fazer algo novo. “Em
2010, o vinho ainda não estava na moda,
se uma pessoa andasse com uma garra-
fa na mão na rua passava por borrachão,
agora é chique”. Os primeiros anos fo-
ram dedicados a “partir pedra, porque só

Notícias Magazine 12.06.2022 41


se vendiam as grandes marcas”, recua. quatro décadas de vida, esteve virada cura natural é muito apetecida. E a re-
“Nessa altura, ninguém me conhecia. para o mercado interno. Só nos últimos gião soube posicionar-se bem, conside-
Queria comprar uvas, mas muitos viti- anos apostou mais na inovação e no mer- ra. Hoje, produz-se “dois estilos de vi-
cultores só vendiam para grandes em- cado internacional. “Hoje em dia, não nhos”, o reconhecido jovem e leve, e, re-
presas.” Por isso, Márcio foi ficando com exportamos só aquele verde clássico. Te- presentando já 20% da produção total,
“aquilo que os outros não queriam”: vi- mos vinhos premium e super premium, vinhos com mais estrutura, monocas-
nhas de ramadas e vinhas de enforcado. envelhecidos em barrica”, detalha. Há tas, vinhos de terroir, que se posicionam
Também por isso conseguiu elaborar vi- cinco anos criaram um departamento em segmentos de valor acrescentado”.
nhos diferentes e originais. “Fazer mais de inovação do qual saíram alguns des- Também no mercado nacional tem ha-
do mesmo estava fora de questão. Não ses vinhos. Têm também uma linha de vido abertura. “Os sommeliers e os chefs
tinha recursos para concorrer com as espumantes e outra de cervejas artesa- começam a trabalhar o seu caráter gas-
grandes empresas”, diz. E esses vinhos nais [a Cervejola, em parceria com a cer- tronómico”, diz Carla Cunha, realçan-
originais já lhe permitiram distinções veja artesanal Letra]. “Este portefólio do que o “vinho verde não é um estilo,
como Enólogo Revelação do Ano, em alargado permite-nos abrir portas lá fora é uma região que produz diversidade”.
2019, pela “Revista de Vinhos”, e o pré- e cativar importações.” Tal como muitos produtores, a direto-
mio Singularidade, no mesmo ano, pela Atualmente, a adega exporta 73% da
revista “Vinho Grandes Escolhas”. O seu sua produção para 32 países. Nos últi-
vinho Ancestral pet nat (abreviatura mos seis anos, teve um crescimento de
para “pétillant naturel”, método ances- 110%. O mercado nacional estagnou,
tral de produção de vinhos espumantes) mas o consumo de vinho está a subir em
ou o Atlântico, elaborado a partir de cas- muitos países. Estados Unidos da Amé-
tas tintas tradicionais de ramadas com rica, Alemanha, Japão, Brasil são alguns
mais de 80 anos, são dois exemplos do dos mercados mais apetecíveis. “A mar-
que se pode fazer de diferente. ca Vinho Verde é muito forte no merca-
Márcio exporta parte da sua produção do externo. Por isso, há muitas empre-
para os Estados Unidos, principalmen- sas do Douro e do Alentejo a adquirir
te Califórnia, pois é um mercado com quintas na região.”
abertura ao que é diferente. “Vibram Apesar de não exportar tanto – apenas
com tudo o que é novo, e nós temos vi- 20% da sua produção –, a Adega Coope-
nhos muito diferentes dos california- rativa de Ponte de Lima tem feito igual-
nos, que são cheios de madeira.” O que mente um trabalho de valorização. “Te-
preocupa agora o enólogo é a escassez de mos acompanhado a inovação tecnoló-
mão de obra. “Daqui a dez anos não va- gica na produção, em particular da cas-
mos ter gente que trate das uvas como ta loureiro, pois é Vale do Lima onde esta
deve ser. Quem compra as uvas está a pa- melhor se expressa”, partilha Celeste
gar muito pouco, exceto em Monção e do Patrocínio, presidente da adega. A
Melgaço, a sub-região onde as uvas (Al- cooperativa dá apoio aos mais de mil as-
varinho) são mais caras. Mesmo assim, sociados, pequenos viticultores, tanto A Quinta de Santa
não deixam de ser minifúndios”, cons- em termos técnicos como nas candida- Cristina (em cima)
tata. turas ao programa europeu Vitis, que co- foi uma das
bre a reconversão da vinha. primeiras a abrir-se
“Orgulhosamente cooperativos” ao enoturismo.
Tentar criar riqueza para as famílias do Reconhecimento internacional O Monverde (ao
meio rural interior e ajudar a fixar a po- O sucesso que a região tem tido nos vá- lado) foi o primeiro
pulação são alguns dos objetivos da Ade- rios mercados “deve-se a uma conjuga- hotel vínico da
ga Cooperativa de Ponte da Barca e Ar- ção de fatores”, acredita Carla Cunha, região
cos de Valdevez. Bruno Almeida, diretor diretora de marketing da Comissão de
de Marketing e Inovação da adega, ex- Viticultura da Região dos Vinhos Ver-
plica que é importante haver uma liga- des. “O trabalho que tem sido feito ao
ção próxima com os viticultores, até por- longo das duas últimas décadas permi-
que a adega é a maior empresa do conce- tiu-nos evoluir imenso no que toca à pro-
lho de Ponte da Barca. “Estamos cientes dução e à qualidade”, aponta. Ao mes-
do papel que desempenhamos, quer eco- mo tempo, foi desenvolvida toda uma
nómico, quer do ponto de vista social e estratégia de internacionalização das
ambiental.” Nos últimos anos teve pa- marcas. Há duas décadas, a região expor-
pel ativo para a reconversão de mais 500 tava 7 milhões de litros. Hoje, exporta
hectares de vinha. Isto é ser “orgulho- 33 milhões, o que significa um cresci-
samente cooperativo”, frisa, e foi toda mento de mais de 300%.
essa aposta que permitiu o crescimento Outra das razões para o sucesso é o fac-
nos últimos 20 anos. to de o perfil dos vinhos ser uma tendên-
Fundada em 1963, nas suas primeiras cia mundial: brancos e frescos. “A fres-

42 12.06.2022 Notícias Magazine


ra acredita que o futuro passa pela valo- programa anual para promoção enotu- NÚMEROS
rização. Mercados como os Estados Uni- rística.
dos, Canadá ou Brasil são alguns dos Uma das primeiras quintas que abriu

9
principais, representando 20 % das ex- de forma estruturada foi a de Santa Cris-
portações. Outros 20% vão para a Ale- tina, em Celorico de Basto, onde já os te-
manha, mas os mercados mais “pre- travós de Mónica Pinto faziam vinho.
mium” são os paises nórdicos e o Japão. Apenas em 2004 se lançaram com rótu-
lo próprio. “O meu pai começou a apos-
Quintas de portas abertas tar no engarrafamento”, conta Mónica,
Dar-se a conhecer lá fora é uma mais-va- agora também responsável pela empre-
lia para o enoturismo da região, “que tem sa. “Foi em 2015 que comecei a ajudá-lo
sabido aproveitar o fluxo turístico do e a perceber o negócio do vinho. Achei sub-regiões: Amarante, Ave,
Porto e do Norte”, realça Carla Cunha. que para projetar a marca tínhamos de Baião, Basto, Cávado, Lima,
As quintas estão estruturadas na Rota sair fora da caixa. Outras regiões esta- Monção-Melgaço, Paiva e
dos Vinhos Verdes e a comissão tem um vam a evoluir no enoturismo, como o Sousa.
Douro, mesmo aqui ao lado. Nós não.”
PEDRO GRANADEIRO/GLOBAL IMAGENS

Começaram assim por abrir portas a vi-

70 871 102
sitas, mostrando a quinta, a adega e fa-
zendo provas.
No mesmo ano de 2015, a Quinta da
Lixa abre o primeiro hotel vínico da Rota
dos Vinhos Verdes, o Monverde Wine de litros produzidos de bran-
Experience Hotel, na Quinta de Sangui- cos, tintos e rosados (2021-
nhedo. “A nossa necessidade prendeu- -2022)
-se com o crescimento da atividade agrí-
cola, vitivinícola e dos mercados inter-
nacionais”, justifica Miguel Ribeiro, di-
retor geral do hotel. Sempre que tinham
visitantes, acabavam por ter de tratar do 32 722 090
alojamento. Foi quando pensaram em de litros exportados em 2021
desenvolver uma atividade de enoturis-
mo estruturada.

160 229 218


Estar ao lado do Douro ajudou a abrir a
região aos turistas. Mas com o grande re-
conhecimento internacional, os Verdes
valem cada vez mais por si. ●m
de metros quadrados foi
ARTUR MACHADO/GLOBAL IMAGENS

a área de vinha declarada


em 2020

Dados da Comissão de
Viticultura da Região dos
Vinhos Verdes

Notícias Magazine 12.06.2022 43


ILUSTRAÇÃO: ADOBE STOCK COM ALTERAÇÕES

O que se põe SEMENTES, FERTILIZANTES, ADUBOS


Os campos precisam de solo fértil, raios

na terra,
de Sol e outros produtos para que as se-
mentes lançadas à terra nasçam e deem
fruto. A agricultura é feita desta fibra e

o que chega
das graças e maravilhas da Natureza.
Há, porém, outros “ingredientes” que
aumentam a produtividade das culturas
– batatas, cebolas, cenouras, tomates,

ao nosso prato
alfaces, laranjas, maçãs – para que nun-
ca nos falte alimento. Os fertilizantes são
um exemplo. Feitos de materiais sinté-
ticos produzidos em laboratório para for-
necer nutrientes essenciais ao desen-
Quais os produtos que se aplicam na agricultura? volvimento do que é semeado na terra.
O uso de pesticidas é controlado? Já ouviste falar Mas, atenção, fertilizante e adubo não
em segurança alimentar? são a mesma coisa. O adubo é feito de
material orgânico, tem substâncias que
POR Sara Dias Oliveira se encontram na Natureza. O fertilizan-
te é produzido artificialmente. Entretan-
to, com o avanço da tecnologia, surgem
novos produtos como os bioestimulan-
O assunto é sério porque é sério o que o pacto no que chega ao prato. É um ca- tes de plantas, feitos de extratos de ele-
nosso corpo ingere, mastiga, processa. minho com várias etapas. E, no fim de mentos naturais, como algas do mar.
É uma questão de saúde pública. Por tudo, queremos que a comida que che-
isso, convém escavar e ir à raiz para per- ga à mesa seja segura sem sequer pen- MINERAIS E ORGÂNICOS
ceber como tudo se interliga. O que se sarmos nisso. Caso contrário, é um pro- Há dois tipos de fertilizantes consoante
semeia nos campos é tratado na cozi- blema. Um alimento não seguro é impró- a matéria-prima usada. Os minerais fei-
nha. O que se usa na agricultura tem im- prio para consumo e faz mal à saúde. tos com um ou mais nutrientes das pró-

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prias plantas. Os orgânicos feitos a par- de extrema importância. A Direção-Ge- DO CAMPO AO PRATO
tir de matérias-primas de origem indus- ral de Alimentação e Veterinária coorde- O sistema internacional de Análise de
trial, vegetal ou animal com pelo menos na os controlos oficiais de resíduos de Perigos e Controlo de Pontos Críticos
um nutriente das plantas. Ambos melho- pesticidas em géneros alimentícios e ali- tem como objetivo evitar potenciais ris-
ram as condições físicas, químicas e bio- mentos para animais de origem vegetal. cos que podem causar danos aos con-
lógicas do solo. sumidores, de maneira a garantir que ali-
SUSTENTABILIDADE E SEGURANÇA mentos não seguros não sejam coloca-
DEZASSETE, NO MÍNIMO A balança entre o aumento da popula- dos à disposição. É um sistema que se
A ciência garante que as plantas preci- ção e a produção agrícola é difícil de baseia na aplicação de princípios técni-
sam de pelo menos 17 elementos para equilibrar. Por outro lado, a escassez de cos e científicos na produção e manipu-
brotar da terra, uns são macronutrientes alimentos é um problema complexo que lação de géneros alimentícios desde o
– como o fósforo, potássio e magnésio – a guerra na Ucrânia veio realçar. E, no campo até ao prato.
e outros micronutrientes – como o ferro meio de tudo isso, há um bem maior que
e o zinco. se chama segurança alimentar. O que BACTÉRIAS, FUNGOS, PARASITAS
comemos é seguro? O que consumimos Os maiores perigos na área alimentar
E OS PESTICIDAS? cumpre normas de higiene, de produ- estão identificados. Há os perigos bio-
A agricultura não é um modelo perfeito, ção, transporte e armazenamento? O lógicos que são bactérias, vírus e pa-
tem os seus inimigos, as pragas são um controlo químico e microbiológico é bem rasitas patogénicos. Há os perigos quí-
adversário perigoso. Os pesticidas exis- feito? Tudo isto tem de estar em cima da micos, os pesticidas, os antibióticos,
tem para isso. Ou seja, impedem, des- mesa. Tudo isto exige o máximo cuida- os aditivos alimentares tóxicos, as tin-
troem, repelem ou mitigam as pragas que do. A capacidade que um país tem de tas, as toxinas do marisco, as partícu-
se atrevem a ameaçar o que queremos ser autossustentável nos bens alimen- las dos materiais de embalagens. E há
no prato. São substâncias ou misturas, tares que produz, no que coloca no seu ainda os perigos físicos, palpáveis,
são inseticidas que eliminam insetos, são prato, também é importante. E, a rebo- como os fragmentos de vidro, metal,
fungicidas que eliminam fungos, são ro- que de tudo isto, surgem as preocupa- plástico ou madeira, bem como espi-
denticidas que matam ratos. São tão po- ções pela produção mais sustentável, nhas, cascas, areia, pedras, agulhas,
derosos que podem eliminar outros or- mais respeitadora da Natureza. Até por- ou outros materiais estranhos em ali-
ganismos, são tóxicos que podem ma- que será preciso produzir mais em me- mentos. É um assunto muito sério, por-
tar humanos. Daí que o seu controlo seja nos espaço. tanto. ●
m

Notícias Magazine 12.06.2022 45


“TANTO ERA VAIDOSA E GOSTAVA
QUANDO EU ERA PEQUENIN@

DE PÔR OS VESTIDOS E SAPATOS


DA MINHA MÃE, COMO GOSTAVA
DE JOGAR FUTEBOL COM OS
RAPAZES. ACHO QUE PASSEI
VÁRIAS FASES”

MATILDE REYMÃO
“uma infância muito feliz e, sobretu-
do, muito livre e divertida”. “Tenho a
sorte de ter irmãos e guardo muito

DE MENINA CERTINHA
boas recordações de nos juntarmos to-
dos em casa dos nossos avós e passar-
mos dias inteiros a brincar e a partilhar

ÀS REBELDIAS DA FICÇÃO
tudo.” Por ser a filha mais velha, a atriz
e modelo teve que ser “o exemplo”.
“Era muito certinha e não dei muitos
problemas aos meus pais.”
Sem nunca planear muito, Matilde
Reymão viu surgir o primeiro trabalho
Foi na moda que Matil- na moda quando tinha 15 anos. Reco-
de Reymão, de 22 anos, nhece que “foi mesmo bom sair da
se estreou, antes de se afir- zona de conforto, crescer e começar a
mar na representação. Atual- trabalhar tão cedo”. A oportunidade
mente, pode ser vista como a rebel- da representação surgiu depois, apre-
de e problemática Melissa em “Para sentando-a a um “novo amor”. Atual-
sempre”, na TVI, ou como a despo- mente, sente que é a profissão que a
jada Luísa em “Por ti”, na SIC, so- preenche. Luísa em “Por ti” é o papel
mando oportunidades que, em mais recente e aquele com o qual
criança, nem lhe passavam pela mais se identifica, pelas semelhan-
cabeça. “Nunca imaginei que fos- ças que partilha com a personagem:
se possível ser atriz”, confessa. “Somos espíritos livres, sorriden-
Matilde diz que sempre foi tes, positivas, com uma ligação à
“muito criativa”. “Gostava de Natureza e muito descontraídas. Te-
fantasia e de brincar ao faz de nho aprendido muito com ela, com a
conta”, recorda. Nessa altura, sua leveza de espírito”. E também já
“era uma menina muito descon- vai pensando nas férias, até porque
traída”. “Tanto era vaidosa e gostava “gravar uma novela é um processo
de pôr os vestidos e sapatos da minha intenso”. “Preciso de descansar
mãe, como gostava de jogar futebol para me focar no futuro, quando
com os rapazes. Acho que passei várias regressar”, remata, ávida de via-
fases.” Na memória, guarda ainda jar como tanto aprecia. ●m
SARA OLIVEIRA
46 12.06.2022 Notícias Magazine
Foram quatro missões da Sea Watch, uma organização não-gover-
namental, que salvaram, em apenas 24 horas, um total de 222 pes-
soas em perigo no mar Mediterrâneo. O resgate dos migrantes, que
MEDITERRÂNEO
À volta do Mundo

se encontravam em botes de borracha ou pequenos barcos de ma-


NAVIO “SEA WATCH” deira, aconteceu após aviso da rede ativista Alarm Phone, que aten-
RESGATA 222 MIGRANTES de chamadas de migrantes em dificuldades. O destino das embarca-
EM 24 HORAS ções debilitadas seria a ilha italiana de Lampedusa.

CHRIS GRODOTZKI
960 MILHÕES DE EUROS
CANADÁ INDEMNIZA
POVO INDÍGENA EM

JEFF MCINTOSH/THE CANADIAN PRESS

HÁ UM MUNDO (E UM FUTURO)
ENTRE O REAL E O VIRTUAL
A palavra metaverso foi utilizada pela pri-
meira vez em 1992 no livro de ficção cien-
tífica “Snow crash”. O conceito que tenta
criar um espaço de vida real dentro do
“digital” não está, porém, restrito à ficção
científica. Até já existe. Descobre o pre-
sente e o futuro deste mundo entre o real
e o virtual visitando o site do tag.

O Canadá vai indemnizar


uma comunidade indígena O WORLD PRESS
do país, pagando 960 mi- CARTOON ESTÁ NAS
lhões de euros como com- CALDAS DA RAINHA
pensação pelo roubo de
terras que aconteceu no Desde 28 de maio, o Centro
início do século XX. Em Cultural e Congressos das
1910, o governo canadia- Caldas da Rainha tem as por-
no confiscou metade das tas a abertas à 17.ª edição da
terras da Nação Siksika, grande exposição do World
um dos mais de 600 povos Press Cartoon 2022. O gran-
nativos do país, para ven- de prémio foi atribuído a “An-
dê-las aos colonos. Serão gela Merkel”, do argentino
agora compensados pela Matias Tolsá, uma caricatura
tag.jn.pt

atitude, classificada pelo da carismática líder alemã. A


atual primeiro-ministro, exposição decorre até ao dia
Justin Trudeau, como “in- 28 de agosto e tem entrada li-
digna”. vre. Obtém mais informação
em tag.jn.pt.

Notícias Magazine 12.06.2022 47


PSICOLOGIA
POR Sofia Teixeira

A vida secreta
dos segredos
Há um mundo interior que partilhamos com os demais
e outro que guardamos só para nós. Porque é que
guardamos segredos e o que é que isso nos faz? Quando
e porquê devemos contá-los? Há bons motivos para ter

U
segredos, mas também há bons motivos para os partilhar.

ma parte significativa das 100 mil Nos últimos anos, Michael Slepian, investiga-
pessoas que trabalharam no Proje- dor da Universidade de Columbia, em Nova Ior-
to Manhattan, que resultou na cria- que, fez vários estudos e inquéritos em torno do
ção da bomba nuclear, não fazia a secretismo no quotidiano que envolveram mais
mínima ideia do propósito do seu de dez mil pessoas. Concluiu que 97% de nós tem
trabalho. A receita original da mis- pelo menos um segredo significativo em qual-
tura de 11 ervas e especiarias do quer momento da vida, embora a média sejam 13.
Kentucky Fried Chicken permane- A lista dos milhares de segredos que lhe con-
ce guardada num cofre em Louisvil- fidenciaram resultou na identificação de 38 ca-
le. E uma parte significativa das pes- tegorias típicas, sendo algumas delas a traição,
soas que de alguma forma traem os parceiros, hábitos de consumo de substâncias, atividades
amigos ou colegas não lhes revela. As guerras, os ilegais, experiências traumáticas, ter violado
negócios e as relações pessoais explicam a maio- a confiança de alguém, ambições profissionais
ria dos segredos que se guardam. E uma coisa é
certa: toda a gente os tem.
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48 12.06.2022 Notícias Magazine


ou de negócios e problemas de saúde.
E porque mantemos segredos? Bom, eles cum-
prem quase sempre a mesma função: proteger
quem os guarda. “Se os outros não souberem a
verdade, eles não podem estigmatizar-nos, ficar
com raiva de nós, desapontados ou mandar-nos
para a prisão. Além disso, também podem dar
uma vantagem estratégica: quando sabemos al- ximos. Podemos ver essa “TER SEGREDOS É
guma coisa que os outros ainda não sabem, te- fronteira como se fosse a
IMPORTANTE PARA
mos mais tempo para agir”, explica Andreas Wis- nossa pele relacional.”
meijer, professor e investigador em ciências com- NÓS – PORQUE NOS
portamentais da Universidade de Tilburg, que se Carregar o fardo DEFINEM – E PARA AS
tem dedicado a estudar a psicologia dos segredos. O que as pessoas sentem NOSSAS RELAÇÕES –
As relações entre pessoas implicam que saibam que é preciso esconder das PORQUE NOS PERMITE
coisas umas sobre as outras. É por isso que, geral- outras muda com o tem- GERI-LAS”
mente, quanto mais se sabe sobre alguém, maior po. No século passado
é a relação de intimidade. Mas se é verdade que eram frequentes os casos Paulo Vitória
as autorrevelações promovem as relações próxi- de crianças nascidas com Psicólogo clínico e professor
mas, também é verdade que as podem destruir. deficiência escondidas em na Faculdade de Ciências da Saúde
Dizer tudo o que se pensa ou sente pode arrasar instituições desde a nas- da Universidade da Beira Interior
uma relação e magoar muito profundamente os cença, por vergonha das
outros. famílias. Já neste, muitos
A sinceridade também deve ter limites e há in- adolescentes homossexuais optavam – e alguns
formações que devem ficar onde pertencem: no ainda optam – por “ficar no armário”, para não li-
nosso mundo interior. “Ter segredos é importan- darem com as consequências sociais e familiares
te para nós – porque nos definem – e para as nos- da sua orientação afetiva e sexual. Assim, aquilo
sas relações – porque nos permite geri-las”, de- que se esconde e aquilo que se revela é, em pri-
fende Paulo Vitória, psicólogo clínico e profes- meiro lugar, condicionado pelo tempo e pelo es-
sor na Faculdade de Ciências da Saúde da Univer- paço que se habita.
sidade da Beira Interior. “Algumas coisas devem Depois, há as diferenças individuais. Por ques-
ser guardadas só para nós. Todos temos direito tões de personalidade, uns têm mais tendência
aos nossos segredos que ficam numa esfera de in- para guardar segredos do que outros, explica An-
timidade individual, do lado de cá da fronteira dreas Wismeijer: os neuróticos (pessoas emocio-
que nos separa dos outros, mesmo dos mais pró- nalmente mais instáveis e reativas a situações

Notícias Magazine 12.06.2022 49


PSICOLOGIA

negativas), os socialmente ansiosos e quem têm ção, ruminação e insónia, “OS PRINCIPAIS
baixa autoestima. “São características que fazem é aconselhável expressá-
SEGREDOS NA ADO-
com que as pessoas se sintam mais preocupadas -lo de alguma forma.”
com a forma como os outros reagem a elas, por- A questão é que, geral- LESCÊNCIA ESTÃO
tanto, tendem a manter mais informações em mente, quando mais inco- RELACIONADOS COM
segredo com receio de serem rejeitadas social- moda o segredo, menor é A VIDA AMOROSA E
mente.” a possibilidade de o contar SEXUAL, BEM COMO
Acontece que ao mesmo tempo que nos prote- sem que isso tenha tam- COM A EXPERIMEN-
gem, os segredos também podem ter um impac- bém um impacto negati-
TAÇÃO OU O
to negativo na nossa saúde. “Podem gerar culpa, vo. A alternativa, defende
conflitos internos e interpessoais e muita ansie- Wismeijer, é enveredar CONSUMO DE
dade. A ansiedade está ligada com outros proble- por outras formas de ex- SUBSTÂNCIAS”
mas de saúde mental, como problemas de sono pressão. “Podemos optar Rute Agulhas
e depressões. Comporta também um risco para por não revelar o segredo Psicóloga clínica e de justiça
a saúde física, pois relaciona-se com alergias, en- às pessoas envolvidas –
fraquecimento do sistema imunitário e proble- por exemplo, não confes-
mas cardiovasculares, além do abuso de substân- sar uma traição ao parceiro –, mas escrever isso
cias”, explica o psicólogo Paulo Vitória. numa carta que nunca se enviará ou escrever
Este eventual impacto negativo, revelam os es- num diário, ou dizer a um amigo de confiança,
tudos de Andreas Wismeijer, não se prende com para se aliviar esse fardo.” Ou, como acrescenta
o segredo em si, mas com a forma como nos rela- Paulo Vitória, “quando um segredo pesado não
cionamos como ele. “Há muitos casos em que eles pode ser partilhado com as pessoas do nosso pe-
geram sentimentos positivos muito poderosos queno mundo familiar e pessoal, isso é um bom
e, nessas situações, podem ser benéficos”, diz o motivo para consultar um psicólogo”.
professor e investigador da Universidade de Til-
burg. “Mas quando se tem um segredo emocio- Guardar ou contar?
nalmente pesado, daqueles que geram preocupa- A educação emocional que nos permite distinguir
o que esconder e o que contar deve começar na in-
fância. E cabe aos adultos ensinar as crianças a dis-

50 12.06.2022 Notícias Magazine


tinguir os segredos “bons”, que se podem ter, dos
segredos “maus”, que se devem contar, para evi-
tar o silêncio, por exemplo, em situações de abu-
so sexual ou bullying. A psicóloga clínica e de jus-
tiça Rute Agulhas considera que os adultos conti-
nuam (erradamente) a ensinar às crianças que os
segredos são para guardar e explica que a melhor
forma de ajudar uma criança pequena a distinguir te dos jovens antecipa críticas e proibições da par-
os segredos bons dos segredos maus “é relacioná- te dos pais, pelo que optam por esconder”.
-los com as emoções, com aquilo que sentem”. Para que uma coisa e outra não sejam segredos,
E exemplifica aquilo que pode ser uma explica- a psicóloga realça que é importante “que os pais
ção simples e muito clara à criança: “Imagina que cultivem com os filhos, desde sempre, uma co-
o teu amigo vai fazer anos e estás a preparar-lhe municação clara e aberta, sabendo escutar sem
uma surpresa! Guardas segredo sobre a prenda e criticar desde logo. Se esse canal de comunicação
a surpresa. E como te sentes? (...) É um segredo estiver criado, mais facilmente os jovens con-
que te faz sentir bem e que podes guardar. Agora fiam nos pais e partilham com eles as suas vivên-
imagina que um colega te bate e empurra no re- cias, sejam elas positivas ou negativas”.
creio e diz que não podes contar a ninguém. Como Há outra grande questão que os segredos nos co-
te sentes? (...) Se te sentes triste, zangado, com locam: saber guardá-los quando nos são confia-
medo, se o teu corpo fica diferente, mais duro, o dos pelos outros. Que vontade é esta que temos
coração bate mais depressa então, esse é um mau de partilhar os segredos alheios? O nosso ego não
segredo. É um segredo que não deves guardar: de- nos ajuda, sentimo-nos especiais quando sabe-
ves pedir ajuda a um adulto de confiança”. mos alguma coisa que os outros não sabem e que-
Como mantermos ou não mantermos segre- remos mostrar isso. O nosso cérebro também não
dos depende da reação esperada, há pessoas com nos ajuda, quando tentamos suprimir um pensa-
quem é mais fácil partilhá-los: aquelas que sabe- mento, ele tende a fixar-se na nossa mente com
mos que não nos vão excluir e que não se vão zan- mais força. Finalmente, porque somos seres so-
gar. Isso é particularmente visível nas relações ciais, “os segredos geralmente são histórias im-
entre os adolescentes e os pais. “Os principais se- portantes e, muitas vezes, alguém que conhece-
gredos nesta fase do desenvolvimento estão re- mos está envolvido. Isso torna difícil guardá-lo:
lacionados com a vida amorosa e sexual, bem queremos partilhá-lo com os outros para ouvir
como com a experimentação ou o consumo de seus pensamentos sobre toda a situação”, frisa
substâncias”, salienta Rute Agulhas. A vida amo- Andreas Wismeijer. E é por isso que aconselha:
rosa e sexual porque “continua ainda a ser um “Pode ser útil controlar a curiosidade excessiva
tema tabu em muitas famílias”, o consumo de ál- sobre os segredos dos outros. Muitas vezes, o me-
cool ou outras substâncias porque “a maior par- lhor é nem os conhecer em primeiro lugar”. ● m

Notícias Magazine 12.06.2022 51


bem-
estar
OBESIDADE
POR Catarina Silva

DIREITOS RESERVADOS

CARLOS ALBERTO/GLOBAL IMAGENS

Tratar o excesso de peso


sem cortes ou cicatrizes
A técnica inovadora, que se faz por via endoscópica, não implica incisões
e a recuperação é mais rápida. O Método Apollo permite tratar doentes
obesos que antes não tinham solução. Estreou-se no privado,
mas também se encontra no SNS. E está a disseminar-se.
52 12.06.2022 Notícias Magazine
“Quando me falaram da técnica por endoscopia Rita chegou a pesar 130 Saúde ter considerado a obesidade a epidemia
fiquei tão contente. E quem me vir, neste verão, quilos. Desde que ini- do século XXI. “Os números estão a crescer e a
quando for para a praia, não tenho uma única ci- ciou o processo no San- previsão é que em 2030 metade da população
catriz.” Rita Vicente, 24 anos, faz as contas num ta Maria, que culminou dos Estados Unidos seja obesa. Isto tem que ser
ápice, para quem chegou a pesar 130 quilos, os na redução de estôma- combatido, a obesidade acarreta grandes custos
números importam e deixam marcas. Já perdeu go, perdeu 54 quilos para os sistemas de saúde e tem um grande peso
54 quilos desde que começou uma luta contra a na qualidade de vida destes doentes.” A doença
obesidade, 20 dos quais depois de ser submetida está associada a uma série de comorbilidades,
ao tratamento de redução do estômago por en- desde a hipertensão à diabetes, além do risco au-
doscopia, sem cortes nem cicatrizes, o Método mentado de múltiplos cancros. Um doente obe-
Apollo, técnica inovadora que chegou a Portugal so vive, em média, menos dez anos do que uma
em 2019 – estreou-se no privado, mas também pessoa não obesa.
já está no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Foi, Mas, afinal, em que é que consiste a nova técni-
aliás, o SNS que abriu as portas a Rita para a trans- ca? É feita pela boca, como uma endoscopia nor-
formação de uma vida. mal, e através do endoscópio fazem-se suturas,
Foi aos seis anos que começou a ganhar peso, à cosendo as paredes do estômago, numa espécie
conta da ansiedade de quem estava a entrar para de pregas. “Passamos pontos ao longo da curva-
a escola e começava a comer “compulsivamen- tura do estômago, o que leva a uma redução do vo-
te”. Nunca mais conseguiu pôr travão, com epi- lume. Na sua forma final, permite que o estôma-
sódios de bullying pelo meio e num caminho que go fique com 30% a 40% da sua capacidade ini-
só viria a piorar no Ensino Secundário. Aos 18 cial.” Com menos espaço para receber alimentos,
anos, engravidou de gémeas. E, a somar à gravi- come-se menos, a saciedade é mais prolongada e
dez, no pós-parto engordou 20 quilos em dois isso leva a uma perda de peso ao longo do tempo
meses. “A autoestima foi descendo, não me sen- (porque exige tempo, não há milagres).
tia bem, não encontrava roupa, a mobilidade já Por ser menos invasiva do que as cirurgias mais
estava muito difícil, não tinha resistência. Um convencionais – e sem cortes no estômago como
dia, estava a tomar banho e deparei-me com di- acontece com o sleeve e o bypass –, as vantagens
ficuldades em lavar-me e pensei ‘isto tem que são muitas. “Não há incisões no abdómen, o que
mudar’.” leva a menos dor no pós-operatório, à ausência
Pediu à médica de família para ser referenciada de cicatrizes, menos complicações, uma recupe-
para consulta de obesidade, já tinha ouvido falar ração mais rápida.” Dura cerca de 45 minutos, é
de cirurgias, mas não quis ganhar muita esperan- usada anestesia geral e, por regra, os doentes têm
ça. Mais de um ano de espera haveria de valer a alta no dia a seguir à intervenção. Tal como acon-
pena: em fevereiro de 2021 foi à primeira consul- teceu com Rita, que continua a ser acompanha-
ta no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. E a vida da no Santa Maria. “Já passaram seis meses e sin-
dava uma cambalhota. Começou a ser seguida to-me muito bem. Estou com 76 quilos. Agora é
em endocrinologia, psicologia, nutrição. Sem manter o peso, a dieta, o exercício. Isto é uma luta
metas definidas, foi seguindo os planos à risca, para a vida. Mas este procedimento foi a melhor
entre atividade física e alimentação, chegou a se- coisa que me aconteceu. Já consigo correr atrás
tembro com 35 quilos perdidos. E foi aí que o Mé- das minhas filhas, tenho mais resistência, é mui-
todo Apollo entrou na equação. “Um método me- to bom.”
nos invasivo, com menos riscos, era uma opor-
tunidade maravilhosa. A 10 de dezembro fui ope- Dos pré-obesos aos super obesos
rada e saí do hospital no dia a seguir. O pós-ope- A verdade é que os resultados desta técnica no
ratório foi super tranquilo, foi espetacular.” Santa Maria têm superado as expectativas. O ex-
pectável é que a perda de peso global ronde os
A dar passos no SNS 20% a 25%. E se focarmos só no excesso de peso,
Em Portugal, o Santa Maria foi o primeiro hos- as estimativas apontam para uma perda na or-
pital público a realizar esta intervenção menos dem dos 55% ao fim de um ano. Segundo o mé-
invasiva para o tratamento da obesidade de for- dico, “já há casos que, em três e seis meses, con-
ma regular. Arrancou em setembro e, segundo seguiram uma perda do excesso de peso na or-
Bernardo Conde Maria, médico de cirurgia ge- dem dos 50%”.
ral, o hospital que criou a Unidade de Cirurgia Aqui, o método permitiu dar uma nova espe-
Endoluminal está perto dos 80 doentes opera- rança a muitos doentes, alguns que nem cum-
dos – e todos estão a perder peso. Um marco im- priam critérios para cirurgia mais invasiva. “A
portante depois de a Organização Mundial da nossa indicação inicial é para doentes com Índi-

Notícias Magazine 12.06.2022 53


bem-
estar
OBESIDADE

ce de Massa Corporal (IMC) inferior a 40. É uma


nova arma para doentes que estão a caminhar NÚMEROS
para a obesidade mórbida, porque conseguimos

20% a 25%
intervir precocemente e evitar que cheguem a
esses níveis.” Mas o hospital já alargou o leque
também a super obesos, inclusive alguns que já
tinham sido submetidos a cirurgia bariátrica e
que, depois da perda, voltaram a ganhar peso.
Aliás, é este último critério que o Hospital de
São João, no Porto, que está prestes a estrear-se
nesta técnica (deverá avançar nos próximos me- Os doentes submetidos ao tratamento
ses), vai usar. Numa abordagem diferente, aqui, da obesidade por endoscopia conseguem,
o Método Apollo servirá de ponte para outras ci- em média, uma perda de peso entre 20%
rurgias convencionais. “Vai ser proposto a doen- e 25%. Sendo que no primeiro mês perdem
tes que não tenham condições cirúrgicas ou que logo 10% do peso corporal. Com isso, tam-
tenham alto risco cirúrgico, com IMC superior a bém há melhorias significativas das doenças
45. Sendo a cirurgia altamente complexa, usa- associadas à obesidade, como a diabetes
mos esta técnica primeiro, que permite perder ou a hipertensão, chegando mesmo a haver
algum peso e diminuir os riscos para avançar para a sua resolução.
cirurgia. Temos dezenas de doentes super obe-

70%
sos que não podiam ser operados até então por-
que não havia segurança”, explica Marco Silva,
gastrenterologista e coordenador de Endoscopia
do Centro de Responsabilidade Integrado de Obe-
sidade no São João, que já tem pelo menos 11
doentes sinalizados para a nova técnica, que, ape-
sar de todas as vantagens, não tem tão bons re- O Método Apollo permite uma redução de
sultados como as cirurgias convencionais. 70% do volume do estômago, ou seja, reduz
três quartos do seu tamanho, o que potencia
Há três anos no privado uma perda de peso eficaz.
Ainda antes do SNS, a técnica estreou-se em Por-

3%
tugal em 2019, no setor privado, pelas mãos do
médico espanhol López-Nava. O gastrenterolo-
gista Leonel Ricardo – atualmente na Clínica de
Carcavelos, do grupo Joaquim Chaves Saúde –
fez parte da equipa pioneira em terras lusas e des-
de então já usou o Método Apollo em mais de 200
doentes. “O procedimento surgiu há cerca de 12
anos, desenvolvido por uma empresa norte-ame-
ricana e tem vindo a ser cada vez mais utilizado Nos casos de obesidade mórbida, apenas
a nível mundial”, diz o médico, que sublinha que 3% das pessoas consegue perder peso só
já muitos doentes lhe chegam referenciados pelo com alterações do estilo de vida e alimenta-
médico de família, “o que mostra que há maior res. Por muito eficaz que seja o acompanha-
conhecimento desta técnica pela comunidade mento e por muito que os doentes adiram
médica”. às mudanças, só isso não é suficiente.
No privado, garante, é o preço – cerca de 9 mil
euros, incluindo o acompanhamento – o maior

1,5 milhões
travão. Ainda assim, como a técnica pode ser usa-
da em doentes com IMC entre 30 e 40, ou seja,
obesidade de grau I e II, “permite a uma série de
pessoas que antes não tinha solução ter acesso a
tratamento”. Uma coisa é certa, não se acorda A obesidade continua a crescer em Portugal
magro do dia para a noite: “A redução do estôma- e os dados mais recentes mostram que meta-
go é uma grande ajuda, mas é a mudança de com- de da população (53%) tem excesso de peso
portamentos que depois vai ditar resultados a e 1,5 milhões de pessoas são obesas.
longo prazo”. ●m

54 12.06.2022 Notícias Magazine


A vida como ela é
Por Margarida Rebelo Pinto

Fazer anos
Encarar a passagem inexo- Há pessoas que adoram fazer anos e outras que nem por isso. E depois, há pes-
soas que nunca sabem se gostam ou não de festejar a data. Nunca liguei a efe-
rável do tempo com graça e mérides, sou aquele tipo de pessoa que passa a noite de 31 de dezembro a dor-
leveza é perceber que os mir, ou num avião a atravessar o Atlântico. Sempre me irritou o folclore da con-
pequenos sinais nas costas tagem decrescente, das passas engolidas à pressa e dos votos de feliz Ano Novo
que se entendem até ao final de janeiro. No entanto, citando um amigo próxi-
das mãos aparecem à mo, quando me queixei de dobrar a curva do meio século, “mais vale fazer do
mesma velocidade com que que não fazer”. O mesmo amigo que me disse, “não te preocupes, porque uma
a pele das mesmas se torna senhora nunca passa dos 50 anos”. Oxalá mais homens pensem assim, numa
sociedade tiranizada pelo mito da juventude eterna, na qual vemos com fre-
fina como papel. quência crianças vestidas de adultas saracoteando as ancas no TikTok e mulhe-
res maduras vestidas de teenagers a fazer as mesmas figuras no mesmo TikTok.
Fazer anos a partir de uma certa idade é sempre um bocadinho constrangedor,
porque às tantas uma pessoa sente-se vagamente ridícula: à pergunta “quan-
tos fazes?” vem aquele comentário carregado de boas intenções, “pois olha que
estás lindamente para a tua idade”. A pessoa encolhe os ombros, enquanto co-
gita com os seus botões se o vestido escolhido para a ocasião tem o dom de a fa-
zer parecer mais nova, ou apenas lhe dá um ar jovial, o que já é espetacular.
Contudo, quando olho para as mulheres com mais de 50 e para os homens da
mesma faixa etária, sou levada a pensar que nós temos mais sorte do que eles.
Podemos pôr um bocadinho de botox sem ficarmos ridículas, é normal pintar-
mos o cabelo, só se o cabeleireiro for muito mau é que ficamos pirosas. Já os ho-
mens, com botox perdem o charme e ficam esquisitos, e se lhes dá para pintar
as melenas, então é uma desgraça. Nós colocamos extensões para dar volume
ao cabelo e achamos normal, mas se nos aparece um tipo à frente com um capa-
chinho, desatamos a correr e só paramos em Madrid. E temos mil e um truques
para disfarçar as rugas e os sinais da idade: antiolheiras milagrosos, ampolas que
esticam a pele, pestanas postiças, artimanhas que nos homens seriam, no mí-
nimo, bizarras. Já conheci um bonitão igual ao Alain Delon que me fez gelar o
sangue no instante em que suspeitei que usava rímel. E usava mesmo.
Encarar a passagem inexorável do tempo com graça e leveza é perceber que os
pequenos sinais nas costas das mãos aparecem à mesma velocidade com que a
pele das mesmas se torna fina como papel. É ir para a praia com um chapéu de
abas largas que nos tape o pescoço e o colo, é aceitar que gostamos de dormir ce-
do e de acordar com os passarinhos. E se nos impingirem um bolo, que venha
sem dezenas de velas espetadas que dão uma trabalheira a acender e só o bafo
de um dragão enfurecido tem capacidade para apagar. Apesar de não resistir ao
ritual de morder uma vela debaixo da mesa para pedir um desejo, já o faço com
algum cuidado, não vá dar um jeito às costas numa manobra mais arriscada, ou
desejar por algo que se pode tornar num problema. Citando Santa Teresa D’Ávi-
la, são mais derramadas lágrimas pelas súplicas atendidas do que pelas não aten-
didas. Os ingleses é que estão certos, quando dizem “age is a matter of mind, if
you don’t mind it doesn’t matter”.

Notícias Magazine 12.06.2022 55


esti-
los
RECEITAS DA ÉPOCA
POR Ana Bravo
Nutricionista, autora e blogger (Nutrição com Coração)

TODOS OS MESES, AS MINHAS RECEITAS


TÊM UM ALIMENTO EM DESTAQUE. HAMBÚRGUERES
EM JUNHO SÃO AS ERVILHAS
DE ERVILHAS
Com os santos populares à porta, aqui vai uma rima.
A minha sugestão vegetariana traz cor e alegria à romaria.

HISTÓRIA INGREDIENTES PREPARAÇÃO


A ervilheira é uma planta trepa-
deira. As ervilhas são as semen- Três unidades 1 colher de sopa ❶ Coloquei uma colher de sopa de
tes ou grãos que se encontram de azeite azeite, o alho e a cebola num tacho.
dentro das vagens que têm a 1 dente de alho picado Levei ao lume e assim que a cebola fi-
mesma designação. Acredita-se 1/2 cebola picada cou translúcida, envolvi as ervilhas
que a ervilha verde faz parte da
40 minutos 2 chávenas de ervilhas que cozinharam até amolecerem
alimentação humana desde o
século XVIII. Existem dois tipos q.b. salsa fresca (pode adicionar água quente aos pou-
de ervilha fresca que podem ser 2 colheres de sopa cos, se necessário). ❷ Depois de arre-
consumidos: a ervilha-torta, da de farinha de arroz fecer, esmaguei as ervilhas com um
qual são usados tanto o grão Fácil 1 iogurte natural esmagador de legumes e adicionei fa-
como a vagem, e a ervilha-de-
1 colher de chá rinha e salsa (a massa obtida deve ter
-debulhar, da qual se consomem
apenas os grãos. Esta planta de sementes de chia uma consistência moldável, se for
também é popular por ter sido 1 colher de chá necessário adicione um pouco mais
usada nas experiências que de sumo de limão de farinha). ❸ Moldei três hambúr-
deram origem às “Leis de Men- 1 colher de café gueres que cozinhei num grelhador
del”, que determinam as regras
de paprica que já estava bem quente. ❹ Preparei
da transmissão de diversas
características genéticas. 1 colher de chá o molho de iogurte misturando as se-
de azeite mentes de chia, o restante azeite, o
q.b. tomate-cereja sumo de limão e a paprica. ❺ Servi
para servir com tomate-cereja.

56 12.06.2022 Notícias Magazine


IDEIAS
POR Sara Dias Oliveira

FOTOS: PEDRO GRANADEIRO/GLOBAL IMAGENS

COMIDA COM VOZ E AFETO cogumelos, folhadinhos de alheira com


noz e compota de laranja inspirados
num cálice de Siza Vieira, lagosta fingi-
“Paparicos para amigos” é a alma da Azeitonita, projeto de duas da, bife Wellington. Comida com dis-
amigas que fazem e vendem doces e salgados. No menu, rabo curso e com sentido. E há ocasiões que
de boi, manjericos e até um jogo do galo feito de bolachas. não passam em branco, bolachas unis-
sexo para o Dia da Mulher, biscoitos de
amor para o Dia dos Namorados com fra-
A comida funcionou sempre como o pre- uma voz porque invoca memórias, nar- ses de autores de língua portuguesa,
texto para juntar o grupo de amigos de rativa, sentido de comunidade. A comi- como Sophia de Mello Breyner e Herber-
longa data, desde a adolescência, à vol- da como veículo de presença, de afeto, to Helder. O Dia do Orgulho LGBT tam-
ta da mesa. Veio a pandemia, veio o afas- de juntar pessoas”, explica Cláudia. “Há bém será assinalado. “Vamos celebrar e
tamento, veio a ideia. Ana Costa, Nita sempre um discurso à volta da comida”, queremos estar nessa discussão”, adian-
para os amigos, arquiteta, cozinheira de acrescenta. Como o jogo do galo, a mais ta Cláudia.
mão cheia, e Cláudia Figueiredo, com recente novidade, para comemorar o Dia “Entregamos cuidado, calor, afeição,
formação em Turismo, freelancer na Mundial da Criança. Um jogo que se aconchego”, garantem as duas amigas.
área da comunicação, sentiram sauda- come, uma bolacha que se joga. Quem Porque é isso que a comida significa e é
des desse tempo, desses momentos, des- ganha, à melhor de três, come as bola- tudo isso que os amigos representam.
sa partilha. chas de manteiga, há peças a mais para Há embalagens que parecem maquetas
E o negócio nasceu. Azeitonita, junção quem perde, e uma mensagem na em- da arquiteta-cozinheira e as encomen-
de azeitona e Nita, surgiu num dia com balagem para lembrar que brincar é um das podem ser feitas via site ou redes so-
significado para as duas amigas, no 25 de direito dos mais novos. ciais, com preços a partir de seis euros. A
Abril do ano passado, com o slogan que A oferta é variada. Manjericos doces, comida pode ser levantada em casa de
é a essência do projeto “paparicos para empadas de cozido à portu- Ana, no centro do Porto, ou
amigos” e com um cupcake com feitio guesa que homenageiam por serviço especial de en-
de cravo. “Foi uma forma bonita de co- “O senhor Ventura” de Mi- tregas no Grande Porto e
meçar”, recorda Cláudia Figueiredo. guel Torga, rabo de boi, arredores com uma taxa
Azeitonita tem doces e salgados casei- paella, tarte de mojito fluo- de 2,5 a 4 euros. Tudo
ros. Ana cozinha, Cláudia trata das foto- rescente, pavlova, maca- pensado porque a co-
grafias, da comunicação, das redes so- rons, bavaroise de leite mida é amor. Muito
ciais. “A comida, para nós, merece ter condensado, tarteletes de amor. ● m

Notícias Magazine 12.06.2022 57


esti-
los
BOAS INFLUÊNCIAS
POR Catarina Silva

AO RITMO DE
UM DOS MAIORES
TIKTOKERS DO PAÍS
Perfume, rotina de pele, óculos de sol, sapatilhas
ou relógio, são seis os essenciais do influencer
Bruno Almeida, os produtos sem os quais não
passa e que usa todos os dias, religiosamente.

APPLE
Relógio Apple Watch
O meu pai sempre usou relógios. E por
isso sempre gostei de relógios. Gosto
de sentir aquele peso no pulso. Não uso
anéis, colares, pulseiras, só mesmo
o relógio. Tenho usado o Apple Watch,
SKINCARE para receber as minhas notificações
Skincare diária no pulso, para estar sempre atento
Já faço skincare às minhas redes sociais. E só tiro o
desde os meus 16 relógio mesmo para dormir e tomar
anos, mais ou banho. De resto, estou sempre com ele
menos. E é uma e já não consigo viver sem o relógio.
coisa que faço
todos os dias, não
falho. Nem que
esteja de férias, LOUBOUTIN
uso os meus Sapatilhas
produtos. A única marca de sapatilhas
Gosto de tratar da que utilizo é a Louboutin.
minha pele, gosto Não consigo sair com
de tratar de mim. sapatilhas de outras marcas.
Dos pés para cima, visto-me
mais simples, mas as
sapatilhas têm que se destacar
no outfit. Gosto de brilhantes,
gosto de picos, gosto de glitter
nas sapatilhas. Dá-me uma
imagem um bocado diferente.
Perguntam-me muitas vezes
onde compro, que sapatilhas
são, as pessoas gostam.

58 12.06.2022 Notícias Magazine


PERFIL
FENÓMENO
DE MILHÕES
NO TIKTOK
Foi o primeiro influencia-
dor digital a atingir a
marca de um milhão de
seguidores no TikTok em
Portugal – hoje já vai nos
3,5 milhões – e é um
verdadeiro fenómeno
na rede social chinesa
que conquistou terreno
no nosso país. Entre os
conteúdos de comédia
e entretenimento, é aí
que Bruno Almeida, 26
anos, que procura seguir
as tendências da rede,
se move. Atualmente,
está a estudar Marketing
e Comunicação, uma
paixão assumida.

DOLCE & GABBANA


Óculos de sol
É a minha imagem de
marca, não consigo
andar sem óculos de
sol, mesmo no inverno,
mesmo quando não há
sol, preciso dos óculos.
Neste caso, apaixonei- DIOR
-me por estes, da Dolce Perfume Sauvage
& Gabbana, são um Uso todos os dias,
APPLE bocado fora da caixa e não consigo sair de
AirPods dão nas vistas. Gosto casa sem ele. Se sair
Não saio de casa sem os meus deles, já não saio de de casa, já estiver no
AirPods. Música para mim é vida, casa sem estes óculos. carro e me lembrar que
acordo de manhã e ponho a E muita gente já me não pus perfume, volto
coluna a dar música. Saio de casa conhece por estes para trás para pôr. Não
e ponho os airpods a dar música. óculos de sol. me sinto eu mesmo
Vou dormir e ponho música. Não sem o meu perfume.
há um dia que passe na minha
vida sem ouvir música.

Notícias Magazine 12.06.2022 59


esti-
los
MODA
POR Sara Sofia Gonçalves

NUM JANTAR OU NA PRAIA, A PERNA SEMPRE À MOSTRA


“São uma das grandes tendências
que podemos encontrar não só
OSCAR DE LA RENTA
7945 euros

nas passarelas como em várias


coleções.” Os vestidos com gran-
des aberturas – ou rachas, como
são conhecidas – fazem as hon-
ras de uma noite de festa ou de
uma ida à praia. “Não são ex-
clusivos das passadeiras ver-
melhas ou de eventos so-
ciais”, nota Liliana Olivei-
ra, profissional da Moodi-
magem.
A versatilidade desta peça
é a principal vantagem apon-
tada e a adaptação da moda
das grandes aberturas ao dia
314,75 euros
MÔNOT
1531 euros

GUESS BY MARCIANO
a dia e a looks casuais está
vincada nas ruas e nas fo-
tografias das redes so-
ciais. Num contexto
mais descontraído, a
stylist sublinha que
deve ser tido em
atenção o tipo de
corte e o tecido.
Quanto a com-
plementos,
também a
versatilida-
de cumpre
o seu pa-
DESIGUAL
99,95 euros

pel. Podem
ser utilizados
“com sandálias rasas,
de salto alto ou até mesmo
com sapatilhas em looks mais
descontraídos”.
Mas Liliana Oliveira lembra que há
certos conselhos a seguir. “Se se tra-
de linho ou cetim. A variedade e a
versatilidade são os pontos fortes dos
São compridos, curtos, justos, largos,

vestidos com grandes aberturas, que


realçam a sensualidade e a ousadia.

tar de um vestido acetinado e justo


com abertura na lateral, aconselharia
a usar umas sandálias de salto alto
fino e elegantes.” Para completar,
apostar em “acessórios mais delica-
dos e minimalistas” é a chave para o
sucesso do conjunto. “Num vestido
PULL AND BEAR
25,99 euros

de linho aberto de lado, apostaria


num look mais de praia, com umas
sandálias rasas e uma cesta em ráfia.”
E nesta tendência não são apenas
os vestidos compridos que brilham.
“Existem várias versões, desde os
‘maxidresses’ a vestidos mais curtos,
justos ou largos, acetinados ou em li-
nho, com cortes simétricos e assimé-
tricos.” A variedade é muita e adaptá-
vel ao gosto e à silhueta. ● m

60 12.06.2022 Notícias Magazine


BELEZA ➋ ➎

POR Sara Sofia Gonçalves
es
➊ ➌

PÉS SAUDÁVEIS
Á NO VERÃO, mais velhos. As verrugas são mais fre-
quentes nas crianças e os pais “devem

PÉS SAUDÁVEIS TODO O ANO inspecionar os pés com frequência, dado


ser uma patologia vírica com alto poten-
cial de contágio”.
Deixar os problemas avançar e visitar um especialista A acrescentar à vigilância e cuidados de
só quando as dores aparecem é um dos grandes erros. higiene, a rotina fundamental é a hidra-
Até porque são vários os riscos quando chega o calor. tação, “tendo o cuidado de não aplicar
creme entre os dedos que já representam
um ambiente húmido por natureza”. No
O que têm em comum verrugas, mico- que, ao aparecimento de qualquer sinal tempo de calor, Cristina Carvalho acon-
ses, unhas encravadas, fungos na pele, que possa indicar um dos problemas de selha cremes com baixa concentração de
gretas e bolhas? São todos problemas que saúde referidos, “deve ser logo realiza- ureia, “ajudando a evitar a presença de
assustam qualquer pessoa que queira da uma avaliação por um profissional de fissuras nos calcanhares”. A escolha do
pensar num verão com os pés descober- saúde”, dado que “pode ter repercussões calçado também importa e deve ser ade-
tos. Apesar de acontecerem durante graves”. quado ao tamanho do pé (sem apertar).
todo o ano, a prevalência dessas situa- E como prevenir alguns desses pesade- “Deve-se ter ainda especial atenção à
ções aumenta “durante as épocas de los da saúde dos pés? Não andar descal- existência de tiras ou costuras nas meias,
maior calor”. Quem o explica é a podo- ço em locais públicos e desinfetar o cal- pois serão zonas de elevada fricção que
logista Cristina Carvalho, que salienta çado são duas dicas referidas por Cristi- promovem o aparecimento de flictenas
“o aumento da transpiração, associada na Carvalho. Estar atento é outra medi- (bolhas).”
por vezes ao odor”, como o principal fa- da relevante, sendo necessário “verifi- Segundo a profissional, o maior pro-
tor que leva a população a recorrer ao car com regularidade a alteração na cor blema no cuidado com os pés é o atraso
profissional da saúde dos pés. e no descolamento das unhas”. Quando no tratamento, uma vez que os pacien-
A especialista da CUF e professora con- existem patologias crónicas, como a dia- tes “recorrerem a cuidados especializa-
vidada da licenciatura em Podologia da betes, alterações vasculares ou ósseas, a dos apenas quando existe dor” – o que
Escola Superior de Saúde da Cruz Ver- vigilância deve ser redobrada. pode representar um estádio já avança-
melha Portuguesa, em Lisboa, alerta E os problemas não afetam apenas os do das patologias. ●m

➊ B A B É Creme reparador (10% de ureia) 9,70 euros ➋ B E A U T Y P R O Meia de tratamento com infusão de colagénio 5,95 euros
➌ E Q U I V A L E N Z A Creme nutritivo 5,95 euros ➍ A K I L E I N E Esfoliante para pés secos 9,39 euros ➎ L’ O C C I TA N E Creme de manteiga
de karité 24 euros ➏ O B O T I C Á R I O Creme hidratante 8,99 euros ➐ M A R Y K A Y Conjunto de pedicure 34 euros

Notícias Magazine 12.06.2022 61


esti-
los
CONSUMO
POR Sara Sofia Gonçalves

FOLKLORE
Cesta de piquenique
37 euros

DA CESTA AO GUARDA-SOL,
UM VERÃO RECHEADO
DE CLASSE
São vários os produtos que facilitam um dia na praia ou no campo.
Desde o transporte, ao conforto e à proteção, estes utensílios estão prontos
para o acompanhar nos passeios de verão. E sempre com muito requinte.

O calor convida a passeios. Seja na praia rão a levar tudo com muito estilo. Há mofadas, toalhas, mantas e esteiras são
ou no campo, um dia fora de casa exige também que transportar a comida. Por as aliadas perfeitas para aproveitar um
alguma preparação. Mas escolher obje- isso, nada melhor do que escolher uma dia de verão deitado na Natureza. Aju-
tos úteis não tem de significar que se- geleira que parece uma mochila ou uma da optar por versões que trazem fivelas
jam aborrecidos. Há cestas, talheres, cesta de piquenique, a relembrar verões incluídas, pois facilitam o transporte.
mantas e até guarda-sóis que apresen- de outros tempos. Por último, o calor convida ao conví-
tam um desenho moderno e bonito, Para comer e beber, não basta levar os vio na praia ou no campo, mas o Sol não
sempre aliado à utilidade. alimentos. Talheres, conjuntos de re- pode ser ignorado. O guarda-sol é fun-
Para começar, é essencial escolher feição, copos dobráveis, garrafas reuti- damental, mas pode ser prático e ele-
onde tudo irá ser transportado. Há di- lizáveis. A loiça para passeio é variada e gante. Agora, com tudo pronto, basta
versas opções de tamanho, cor e padrões sempre com muita cor. sair de casa, estender a toalha e aprovei-
de sacos de praia ou passeio que ajuda- Também importante é o conforto. Al- tar o verão. ●m

EL CORTE INGLÉS
Conjunto de
LEFTIES piquenique de
Conjunto de praia porcelana
17,99 euros 16,95 euros

LANIDOR
Almofada
19,90 euros

62 12.06.2022 Notícias Magazine


CONSULTÓRIO
SHEIN
Guarda-sol
FINANÇAS PESSOAIS
9,25 euros Carina
POR
Meireles *

Como ir de férias quando


a família é numerosa

Tenho uma família numerosa, como posso organi-


zar melhor as férias e ainda poupar dinheiro?
Helena Mota, Odemira

LIGHT IN FIRE
Kit de refeição
30,78 euros Ter uma família numerosa é sinónimo de mais despesas.
No entanto, quando bem geridas e organizadas, também
no que toca a férias, é possível ter tudo sob controlo.
Para a ajudar na organização e preparação das férias,
deixo algumas dicas:
1. Criar um orçamento
A primeira coisa a fazer é criar um orçamento específico
para as férias, para que tenha tudo organizado. Deve
estar preparada para despesas imprevistas, principal-
mente com crianças. Se num dia gastar mais do que o
previsto, deve compensar no dia seguinte. Deve ter a
certeza de quanto quer e pode gastar nas férias e nunca
MAISONS DU MONDE esquecer os detalhes, como alojamentos, transportes,
Tapete com bolsa
de transporte refeições, excursões, etc.. Tudo conta...

A NM TEM UM ESPAÇO PARA QUESTÕES DOS LEITORES NAS ÁREAS DE DIREITO, JARDINAGEM, SAÚDE E FINANÇAS PESSOAIS.
29,99 euros 2. Juntar primeiro
Uma das principais ideias a ter em conta deve ser juntar
dinheiro para ir de férias e evitar fazer um crédito, pois

AS PERGUNTAS PARA O CONSULTÓRIO DEVEM SER ENVIADAS PARA O EMAIL MAGAZINE@NOTICIASMAGAZINE.PT.


regressará a casa e a preocupação em pagar as férias irá
continuar. Pode aproveitar, por exemplo, uma parte do
que receber (se for o caso) do IRS, uma parte do subsídio
de férias, etc..
3. Planear com tempo
O tempo é um amigo importante que deve andar de mão
dada com a organização. Dessa forma, encontrará a
melhor opção no mercado e a mais ajustada às suas
necessidades. Não se esqueça que planear com tempo
PAT C H & C O ajuda a evitar o stress. E peça a opinião da família para
Puff de praia que as decisões surjam em conjunto, envolvendo inclu-
47 euros sivamente as crianças, para também elas perceberem a
importância do processo. Planear com tempo também
poderá ajudar a conseguir preços mais em conta.
4. Faça férias cá dentro
Conhece bem o nosso país? Então pode pesquisar sítios
T H E H E AT I N G A N D maravilhosos e usufruir em família de umas férias
PLUMBING
Manta de descansadas e em conta. Para isso utilize as dicas anterio-
piquenique res e compare preços, por exemplo através de sites como
158,58 euros Booking, Trivago, Airbnb, onde pode encontrar soluções
muito interessantes. Assim, poderá ter umas férias bem
organizadas em família e ainda poupar dinheiro.
Boas férias!

* Especialista em finanças pessoais e empresariais

Notícias Magazine 12.06.2022 63


esti-
los
TENDÊNCIAS
POR Sara Oliveira

MODERNOS
NO DEQUE CALZEDONIA
OU NO AREAL 25,90 euros

Calções mais estreitos e curtos


é o que dita a moda praia para
os homens neste verão. Modelos
pedem cor, seguindo a “tendência
dopamina”, e não faltam opções
sustentáveis a ter em conta.

Quando o calor aperta e as horas livres apon-


tam à praia, há que ter o vestuário certo para a STONE ISLAND
160 euros
ocasião e desfilar estilo junto à piscina ou à bei-
ra-mar. No campo masculino, o consultor de
imagem Guilherme Castro Ramos sublinha
que “os calções mais estreitos e curtos, com
costura debrum em contraste, com inspiração
mais retro”, vestem bem os homens que gos-
tam de seguir as tendências.
As cores acompanham os ditames gerais e a
“corrente dopamina” influencia a oferta e con-
sequente escolha do consumidor. “Nota-se
uma grande aposta em tons fluorescentes,
como azuis, amarelos, laranjas, verdes”, frisa o VERSACE
250 euros
especialista. Quanto aos tecidos, Guilherme
Castro Ramos adianta que “surgem com um
acabamento metálico de alto brilho, visível
quando o sol incide sobre os calções”, como é o
caso de algumas propostas da marca Stone Is-
land. “Este modelo tem um efeito divertido de-
baixo de água”, acrescenta.
Trazidas de estações anteriores – o que justifi-
ca ir ao fundo do armário –, as estampagens flo- VILEBREQUIN
rais continuam em voga. “Encontram-se folha- 210 euros
gem [como as de palmeiras], cocos, ananases e
outras frutas, e animais, cada vez mais aceites INTIMISSIMI
39,90 euros
por homens mais tradicionais, mas num mode-
lo mais largo e comprido”, reconhece. O espe-
cialista em moda masculina não tem dúvidas
que essas apostas “são o par perfeito para com-
binar com uma camisa de linho”.
Numa altura em que a sustentabilidade é
uma premissa da maioria, o consultor tira da
prateleira uma sugestão da Prada produzida
com “tecido re-nylon feito de plástico reciclado
dos oceanos”.
Mais simples ou extravagantes q.b., todos ga-
rantem modernidade, frescura e conforto, na GANT
59 euros
hora de desfrutar do areal ou relaxar no deque,
antes ou depois de mergulhar. ● m

64 12.06.2022 Notícias Magazine


HORÓSCOPO
Isabel Guimarães
POR
Astróloga — ISAR/CAP
ANIVERSÁRIO
13 a 19 de junho

Carneiro Balança
21.03 a 20.04 23.09 a 23.10
Os investimentos precisam de ser anali- Evite ser vago. Há que aprofundar temas
sados com atenção. Procure várias opi- que sejam importantes para os seus obje-
niões. A pressão poderá intensificar-se, tivos. Tendência para restruturar aspetos
principalmente nas questões imobiliá- na vida social e na carreira. Promova
rias e familiares. conversas mais profundas.

Touro Escorpião
21.04 a 21.05 24.10 a 22.11 Mary-Kate Olsen
A vida familiar poderá exigir atenção es- Altura em que pode sentir alguma nos- Atriz, 35 anos
pecial com alguns dos membros. Deter- talgia e até mesmo sentir-se afastado da
minados desafios ameaçam alterar o dia sua realidade. Esse aspeto poderá abalar Mary-Kate Olsen é uma
a dia. Evite agir de forma agressiva. Ten- um pouco a sua vitalidade e sentir que de atriz, designer de moda,
te entender as suas causas. alguma forma está a perder a firmeza. produtora e modelo.
Nasceu a 13 de junho
de 1986 nos Estados
Gémeos Sagitário Unidos. De signo solar
22.05 a 20.06 23.11 a 21.12 Gémeos com ascen-
Os resultados do que tem investido, in- Semana de emoções. Evite tomar deci- dente em Leão, possui
cluindo nos relacionamentos, trazem sões sérias, pois poderá não estar com a uma forte personalida-
boas notícias. No entanto, poderá ter objetividade de que precisa. É muito pro- de, que procura diversi-
tendência para culpar o outro. Precisa de vável que esteja sobrecarregado de tare- ficar nos múltiplos ta-
se responsabilizar pelas suas ações. fas e não tenha paciência para detalhes. lentos ligados à ima-
gem. A sua criatividade
leva à autorrealização e
Caranguejo Capricórnio à busca constante de
21.06 a 22.07 22.12 a 20.01 novas aventuras.
Há decisões que precisam de ser toma- Poderá ter necessidade de observar aspe-
das. Tenha cuidado, pois outros poderão tos emocionais, dando atenção ao que
manipulá-lo, sabotando as melhores de- sente e às memórias que poderá mani-
cisões. Tendência para provocar confron- festar. Mas precisa de ter cautela nessa
tos ideológicos com pessoas influentes. viagem ao passado. P L A N E TA S
A fase lunar cheia de
Leão Aquário Sagitário com o regente
23.07 a 23.08 21.01 a 18.02 em Carneiro, que se en-
Procure refletir e observar com atenção Tendência para sentir uma forte necessi- contra em conjunção a
os seus sentimentos. Não se deixe sabo- dade de viajar ou até mesmo de progra- Quíron, pode trazer me-
tar pelo medo. Altura de viver o prazer mar algo diferente. A busca por causas mórias que se intensifi-
da vida e de enriquecer os seus principais que ajudem a entender os seus efeitos cam, levando à perda
valores. Permita-se a viver algo novo. pode levar a interesses novos. de objetividade. O in-
gresso de Mercúrio no
signo de Gémeos ativa
Virgem Peixes a mente, podendo des-
24.08 a 22.09 19.02 a 20.03 pertar algo ou, inclusi-
Questões emocionais profundas poderão As emoções podem estar mais acentua- vamente, fazê-lo tomar
ter de ser reanalisadas. A vida afetiva das e, assim, terá dificuldade em comu- decisões sem refletir
ameaça ser afetada por essas tendências. nicar o que sente. A emoção e a razão po- nas consequências. É
É importante promover diálogos. Expo- dem provocar cortes e separações. Pro- necessário evitar preci-
nha o que tem sentido e escute o outro. mova diálogos e escute o outro. pitações.

Notícias Magazine 12.06.2022 65


Uma criança salva Levante-se o Réu
Por Rui Cardoso Martins

Emojis muito emotivos, coroas de rei, sím- — Então diga-me aqui uma coisa. Dentro
bolos de terror edipiano no telemóvel, care- destas videochamadas que existiram entre
tas e medo. De súbito, em 2020, a salvação. o miúdo e o pai, e continuam a existir, é nor-
O especialista clínico falou da época em que mal o uso daquelas brincadeiras que agora se
um rapazinho – num golpe individual ines- usam, daqueles bonecos, imagens?
perado da pandemia, esse camartelo de ne- — Sim, sim, daquelas coisas... Os ícones.
vroses que a todos caiu em cima – foi resga- — Os ícones a fantasiar, digamos assim, a
tado pelo isolamento forçado do Mundo. pessoa. É normal haver essa interacção en-
— Podemos dizer que foi salvo pelo confi- tre o pai e o filho?
namento. — O pai e o filho a mandarem ícones de...?
O especialista calcava as palavras, como um — Sim, brincadeiras... colocar uma coroa?...
gato fixa as unhas no tapete para não ser le- — Não sei de nada, nunca o ouvi falar so-
vado onde não quer. Repetiu que o rapazi- bre isso.
nho ficou em casa sem estar com o pai, foi se- Dantes, o rapazinho tinha muito medo dos
parado do pai e isso fez-lhe muito bem. Por- tribunais, agora não fala nisso. O psicólogo
quê?, perguntou a juíza. soube que ele viera ali e que isso fora muito
— Porque nesse período ficou contido e isso muito bem encaixado.
ajudou muito a uma segurança. E do ponto de — E olhem que eu estava preocupado por
vista do desenvolvimento não foi só ao nível o miúdo vir cá, não houve qualquer tipo de
emocional, também foi ao nível cognitivo. consequência.
Houve, de alguma forma, uma capacidade — Esse medo dos tribunais terá sido no
acrescida, que foi desenvolvendo. auge do outro julgamento?
Silêncio. A juíza virou-se para o advogado — Sim. Foi noutro tempo. Não teve nada a
de defesa.
de ver com este.
— O senhor doutor deseja alguma coisa? Houve portanto mais julgamentos no in-
—C Com a devida vénia, sotora... fernozinho familiar.
O ad
advogado de defesa do pai, simpaticamen- O especialista clínico levantou-se, respi-
te ves
vestido de corvo, procurava desmascarar rou fundo e saiu na sua camisa branca. Vie-
a acus
acusação, como se fosse uma farsa inventa- ram testemunhas do pai. Uma colega de tra-
da pela
pe mãe e pelo menor. Isto é, nunca hou- balho viu-o no dia de anos dela, a telefonar
ve vio
violência doméstica do pai contra o filho. ao filho. É possível que trocassem símbolos
— Sotor, já aqui falámos de uma video- no telemóvel, por exemplo uma coroa de rei.
cha
chamada a que nunca assistiu. Não sabe “se foi antes ou depois da agressão,
— Não, nunca assisti. porque nunca soube de qualquer agressão”,
— Promoveu alguma videochamada o pai da criança “é exactamente o oposto!”.
eentre o menor e o pai? Claro que ficava triste, mas nunca ouviu o
— Não. Também nunca quis, porque pai gritar ameaçar o miúdo, proibindo-o de
isso iria prejudicar a relação que tenho desligar o telefone. Era o pai que sofria, não
com o menor. Eu nunca falo do pai ao era o filho. O pai queria falar, só que o filho
menor. Eu omito. A figura paterna não desligava segundos depois.
a imponho. — Uma vez, depois do telefonema, vi que
— Então falam das coisas do dia a dia ele tinha uma lágrima.
do menor? No meio dos ricos e dos pobres, das misé-
— E fazemos outro tipo de trabalho. rias e loucuras do confinamento, uma saída:
Não passa só por interrogatório, passa parece que uma criança foi salva.
por outro tipo de actividades que se fa-
zem... e nessas actividades a reacção
acaba por ser projectiva, percebe? O AUTOR ESCREVE DE ACORDO COM A ANTERIOR ORTOGRAFIA

66 12.06.2022 Notícias Magazine

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