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nota da editora
Essa era para ser uma edição felizinha, um refúgio ao final desse
ano tão difícil, A nossa Macondo. Mas na vida, assim como nas viagens
que você vai ler a seguir, nem tudo sai como planejado. Tem viagem que
termina em briga, tem mudança de destino de última hora, decepções
adolescentes, peregrinação, encontros marcantes e todo tipo de
imprevisto.
Esperamos que suas férias sejam mais calmas que as aqui relatadas
(ou não, se você gostar mesmo é da bagunça). E não esqueçam de
conferir o livro da nossa autora parceira, que foi sorteado para os
apoiadores da revista. Boa leitura e boas viagens!
Mariane Lima
som do tapa
Com sua escrita direta, envolvente, Carla Guerson coloca o dedo na
ferida e contempla medos e segredos comuns às mulheres. Solidão,
estupro, violência doméstica, perdas, maternidade, relacionamentos
abusivos, sobrecarga feminina, conflitos familiares, sexualidade,
autoimagem, dentre outros assuntos, são abordados com muita
intimidade. Suas personagens femininas são marcantes e abrangem
diferentes faixas etárias e classes sociais, apresentando uma seleção
muito rica de tipos femininos, sem nenhuma romantização, ao longo
dos 28 contos. Um verdadeiro apanhado sobre o que é ser mulher na
nossa sociedade.
diário de bordo
Fazer as malas é tarefa impossível, diz a poeta Ana Martins Marques
no livro “Risque esta palavra”. Impossível porque os biquínis, óculos
escuros e meias da pessoa que vai partir são inadequados - quase
antiquados - para aquela que vai chegar. Uma viagem muda tudo. Seja
por diversão ou questão de sobrevivência. Seja planejada meses antes
ou propiciada pelo fogo vivo em seu encalço. Seja para Barcelona,
Macondo ou Iguaba Grande.
Não é fácil escrever sobre viagens quando passamos tempo demais
sem poder colocar o pé na estrada. Nos últimos dois anos, perdemos
tanto que parece insensível falar dos roteiros que não fizemos. Das
pessoas que deixamos de conhecer, das paisagens que vimos apenas
pela internet e das comidas que não provamos. Das descobertas sobre
nós mesmos que não fizemos e dos perrengues (tão diferentes dos de
agora) que não passamos. Parece mais justo lembrar dos que viajaram
sem querer viajar, dos que tiveram que se colocar em movimento para
sobreviver, quando o privilégio passou a ser ficar em casa.
Uma viagem pode ser tantas coisas, por vezes múltiplas, por vezes
opostas. A nossa sorte é que temos a literatura para nos contar sobre
todas elas, em qualquer tempo, despertando o quentinho de uma
lembrança boa ou o amargo do que não saiu como era esperado. E,
ainda mais importante, alimentando a consciência do tanto que não
conhecemos e a empatia por vidas tão diferentes das nossas.
textos
a nossa Macondo Julia Zanotelli
às seis Michael Hübner
até mais tarde Lucia Pouchain
Bom Jesus do Galho Isabella de Andrade
excesso de convivência Cristiane Belize Bonezzi
na roda do mundo Pedro Rosario
os olhos do sertão mineiro Leandro Jabour Pazeli
refugiados Gabriela Peloso
todas as cartas de amor Marcelo Mendes
viagem ao labirinto do Paulo Luís Ferreira
Minotauro
Francisco e o fogo vivo Emerson Soliz
Iguaba Grande Saulo Guimarães
na praia Caroline Rodrigues
a nossa Macondo
Chegamos. Dali, só esperávamos o descanso. Refúgio. Fugíamos,
nós dois, da realidade que assombrava nossa rotina.
Éramos dois jovens nos corpos de idosos trabalhadores. Ele
resolveu tirar um período sabático. Seus dedos já estavam atordoados
de digitar e os teimosos cabelos brancos nascidos do estresse o
incomodavam. Eu, diagnosticada com hiperatividade cerebral e sede de
mudança, fui tentar acalmar os pensamentos.
Navegamos além-mar para as terras de Macondo. Em uma
minuciosa busca pelo Google, achamos o que viria a ser a nossa
Macondo. Não, não era a mesma de Gabriel. Era, exclusivamente, nossa.
Inspirada, claro, por ele. Chamava-se, na verdade, Tintipán. Uma
pequena e paradisíaca ilha localizada também na Colômbia.
A nossa Macondo tinha águas tranquilas e transparentes. Era
rodeada por redes úmidas e cadeiras de balanço coloridas, que
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Julia Zanotelli c
Publicitária e empreendedora que, logo cedo ou, de
madrugada, se afoga nas palavras. Ama escrever e viajar.
Inspirada pelo tema desta edição e pelo irmão Vitor, que já
foi aqui publicado, resolveu se arriscar com um breve conto
fora da sua bolha social.
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às seis
Por enquanto não quero pensar que às seis nós nunca mais
dividiremos uma cama. Concentro-me na superfície branca que encaro;
finjo dormir desde quando, derrotados pela exaustão, nos restou
estender os corpos num mesmo lugar pela última vez, cada um virado
para uma face lívida das paredes do quarto penumbroso da pousada.
Aff! Eu deveria ter suspeitado que tudo iria por água abaixo ao me
cobrarem doze pratas por um coco na praia; sem contar o aluguel das
cadeiras com o diabo do guarda-sol. Sim, claro! O início da tragédia não
se resumiu apenas a dinheiro. Hum, um pouco. Mas e meus princípios?
Se penei para ser aprovado, aos 40 anos, num concurso público decente
e, enfim, podermos noivar, de jeito nenhum foi para ficarmos torrando
grana como esses arrivistas otários. Falta à Angelina o senso do ridículo,
astúcia para distinguir o valor das coisas. Ah, pai... Obrigado pelas lições.
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Eu insisto e digo a ela, porém parece que entra num ouvido e sai no
outro. Onde já se viu um negócio desses? Veja só: deixar os putos dos
imigrantes argentinos sapatearem um tango na minha carteira. Preferiria
mil vezes sentar-me sobre uma canga na areia e levar nossa própria
bebida numa caixinha de isopor a ter que me submeter à vexaminosa
extorsão de uns “hermanos”. Raios! Isso que dá incumbir Angelina de
tomar decisões, durante o período em que eu me exercitava com uma
corrida pela ilha.
A propósito, será que ela está viva? Faz tempo que parou de gemer e
se debater, sequer escuto sua respiração. Devo conferir? Vixe; melhor
ficar quieto na minha cá de lado... Dane-se. Não bastou o quebra-quebra
final ter se perpetuado noite afora a começar por quando cheguei de
tardinha após nos separarmos na hora do almoço em razão da segunda
discussão. Negativo! Precisei ainda varar a madrugada limpando o
vômito rosado da criatura abstêmia que deu para engolir gim puro e, em
seguida, uma garrafa de vinho tinto à medida que íamos nos atacando
com insultos tão vulgares. Nossa! Olha ali meu relógio espatifado no
chão. O que deu em mim? Até pensei em reconciliação entre uma dose e
outra de tequila, lá no centro do vilarejo, junto aos nativos que haviam
encerrado o expediente. “Ok, Angelina tem seus pontos positivos e talvez
eu tenha exagerado um bocado na sequência dos malditos eventos”,
refletia ao retornar, mas nem finquei os pés na pousada e a flagro de
conversinha com o garotão da sunga vermelha perto da piscina. Estúpida
maneira de tentar chamar atenção! Minha futura esposa dando sopa por
aí? Fiquei possesso! O sorriso matreiro dela se achando com a bola toda
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às seis Michael Hübner
serviu para eu quase fazer uma besteira maior do que arrancar a aliança
do anelar direito e atirá-la contra a assanhada. Realmente, uma mulher
vingativa é capaz de levar um homem ao buraco. Por que Angelina teve
que me seguir ao nosso quarto justo naquele instante? Furioso, perco o
controle. Logo, o pavio já estava aceso. Pelo menos, não seremos alvo
dos olhares reprovadores dos demais hóspedes. Ao servirem o café da
manhã, estarei longe daqui. Ela que se vire sozinha! Depois das infâmias
cuspidas em mim, sem falar do tapão que me deu na fuça. Eu bem era
capaz de atravessar o mar rumo ao continente nadando. Deveria haver
balsas de prontidão vinte e quatro horas e não apenas até as dezenove...
É mesmo gozada a cachola humana. Macacos comunicantes, dizia
o seu Guido na época do grupo. Era esse o nome? Mmm... Deixa pra lá.
Atolados no frenesi urbano, mal sobram oportunidades para nos
curtirmos. Trabalho, engarrafamento, supermercado, reunião de
condomínio encolhem a vida à brevidade de um suspiro. Viemos
descansar treze dias neste paraíso e nem transcorrida razoável parcela
das férias aprontamos o quê? Um barraco! Tsc, tsc, tsc. De qualquer
modo, não sou o único culpado. A bruxa estava solta. O incidente na
praia de manhãzinha, apesar da zanga e do sabão dado por mim na
Angelina, jamais se compara ao escândalo no restaurante. Jesus Cristo;
impossível almoçar sentindo tanta raiva. E olha que o prato com frutos
do mar estava atraente, viu. Droga! Angelina desejava o quê? Que
permanecêssemos naquela mesa empesteada pela fumaça do charuto
do perdedor balofo, sentado colado na gente? De jeito nenhum! Tudo
bem, eu sei. O Aconchego do Estivador era nosso cantinho predileto,
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às seis Michael Hübner
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às seis Michael Hübner
Michael Hübner c
Se dedica a colecionar experiências. Agitado & curioso,
levanta a pedra, se for o caso, para verificar o que há por
baixo. Escreve narrativas, quando não está distraído demais
com os infinitos encantos da vida.
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até mais tarde Lucia Pouchain
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até mais tarde Lucia Pouchain
Lucia Pouchain c o
Nascida em Niterói, Rio de Janeiro, passou metade de sua
vida em Brasília - onde se formou em Desenho Industrial
(Programação Visual) pela UnB - e a outra metade em
Salvador, Florianópolis e Nova Friburgo, onde vive
atualmente. Deixou um pouco de seu trabalho nas cidades
onde viveu e, em Nova Friburgo, além do design, passou a se
dedicar também a escrita. O design gráfico e a escrita
trabalhados com paixão, em duas vertentes: o uso da
imagem para transmitir uma mensagem e o uso da
mensagem para construir uma imagem. Autora da novela
"Até que consigas nadar".
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E ninguém me dizia.
Uma falta de jeito. Tudo baixinho. A morte é o silêncio.
Evitei olhar nos olhos pra não pedir muita explicação. Como
queriam, eu me fingi poupada. Perdida entre uma coleção de bonecas
coloridas que me ajudavam a fingir brincar. Eu gostava de pintar o cabelo
delas. Linhas finas e compridas preenchidas por uma cor individual para
cada personalidade. O corpinho sempre igual. Os peitos redondos e
pontudos que não lembravam em nada os peitos meus ou os de minha
mãe. Em algumas histórias eu deitava as bonecas juntas. E os bonecos
fariam outra coisa qualquer do lado de fora.
Minha mãe viajou para o enterro e eu dormi na vizinha, que fez
cachorro-quente com muito molho pra me agradar. Rolei na cama a
noite toda. Aquele calor seco de verão sem água que nunca deixa a gente
suar. A vó me assombrou sem saber no quarto. Menos por maldade, mais
pra reivindicar minha ausência. Será que um corpo físico também
conseguiria escapar depois de mergulhar num buraco tão fundo? Vai ver
que é melhor largar o peso e virar assombração.
A vó tava lá e, no outro dia, não tava. Nesse choque meio
inexplicável que nos pega quando interrompe a vida. Como se todas
aquelas imagens – a vó acenando da cerca, a cor verde da sandália de
trança, o cabelo sempre atrapalhado pelo vento – nunca tivessem
existido. E como a gente distingue a memória real da lembrança
inventada? Ninguém me dizia nada. E eu seguia pelo canto inventando a
morte, acho que minha mãe não sabia me dizer. O vô nunca mais
colocou uma cerca nova, nem na sede, muito menos no pasto. A mãe
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Bom Jesus do Galho Isabella de Andrade
disse que duas vacas fugiram por uma abertura velha. Elas também vão
fugir aos pouquinhos, todas elas. Mas a vida dos lugares não se
interrompe assim tão abrupta, ela escapa devagar, pingando pelo canto
da mão.
A barriga cheia pela comida engolida em ansiedade e uma vontade
doida de vomitar. O braço arranhado pelas próprias unhas, que buscam
na pele um espaço para não se sentirem tão só. Os rabiscos fazem mapa,
se embrenhando entre rios de estrias de um corpo que, na ausência,
cresceu rápido demais.
O cabelo repuxado pela ansiedade da espera, a mãe, imaginada, um
retrato perto da janela atrás do sofá. Os dentes faltando um pedaço de
tanto arrastarem a própria fúria. A blusa amassada pelas mãos suadas,
firmes, inquietas. Um pedaço de boca sangrando pela mordida do dente
trincado, que nunca ninguém arruma porque é caro demais pra qualquer
um pagar.
Um chumaço de cabelo cortado em tesoura sem ponta.
Os pés inchados de apertarem o próprio corpo no carpete antigo,
rasgado. O pescoço dolorido de tentar sustentar algum eixo vazio,
olhando pra cá, procurando de lá. A mão cansada de tanto esfregar a
própria perna. O estômago inchado de morder os biscoitos duros, a
goiabada mole, o pão macio, a fruta azeda, a língua amarga. A garganta
ardendo refluxo na rapidez de devorar um lugar vazio. A testa vermelha e
marcada em unhas sem lixa. As costas curvadas de aguentar a culpa. A
boca intacta.
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excesso de convivência
Tomávamos café do lado de fora da van. Cada um com seu silêncio.
Ele observava os carros depois da esquina. Eu acariciava o cachorro,
sentada no degrau. A rua estava deserta, exceto por uma senhora parada
à beira da calçada, em frente a uma casa antiga, como que vigiando a
entrada à espera de alguém. O latido do cachorro rompeu os silêncios e
despertou a mulher:
— O dia está lindo para um piquenique, não é? Fazia dias que não
podia fazer minha caminhada, com tanta chuva. Vocês vivem mesmo aí
dentro? Devem ser muito unidos. Como eu e meu falecido marido.
Adorávamos passear juntos, éramos inseparáveis.
Eu observava meus próprios dedos roçando a asa da xícara, então
não posso afirmar qual foi a reação de Lúcio ao comentário dela, mas
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excesso de convivência Cristiane Belize Bonezzi
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excesso de convivência Cristiane Belize Bonezzi
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excesso de convivência Cristiane Belize Bonezzi
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na roda do mundo
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na roda do mundo Pedro Rosario
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na roda do mundo Pedro Rosario
Pedro Rosário c
Formado em Letras e Teatro, trabalha como professor de
Literatura para adolescentes. Capixaba, mas já nem se
lembra mais da cor da água do mar. Hoje vive numa chácara
em Itapira, no interior paulista, com seus gatos, esposa,
enteado e filha. Escreve para ver se se perde. Acabou se
encontrando.
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os olhos do sertão mineiro Leandro Jabour Pazeli
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os olhos do sertão mineiro Leandro Jabour Pazeli
ouso perguntar se Dona Anita sabe que ela já foi capa de uma das
revistas mais importantes do mundo. Mas para ela, a National
Geographic não é tão importante, nem a sua própria imagem. Talvez por
vê-lo todo dia, ela não reconheça que seu rosto é o sertão. E o sertão é o
mundo. E o café é doce. Na cidade, açúcar faz mal. No sertão, a cidade
faz mal. A verdade me atinge como uma cachoeira. É forte, pesada,
refrescante e deliciosa. Tudo tem sido tão falso, e eu tenho estado tão
triste. Por que tristeza se a lenha queima no fogão, as paredes são tão
finas, o café é doce e Dona Anita vive? O que são meus sofrimentos? Me
dê a cura pra essa ferida, Dona Anita, ou apenas a benza. Mostre-me
como preencher esse vazio interminável. A plenitude está nessas
paredes de barro, a cura nesse café doce, e há uma resposta nos sulcos
da sua pele e uma verdade nos seus olhos que trazem lágrimas aos
meus. Esse vazio é a cidade. Porque o mundo é o sertão e apenas ele. Há
verdade no mundo e Dona Anita sabe. Ela me pede que eu volte um dia.
Fique, Dona Anita, eu estou voltando.
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refugiados
No meu país existe guerra. Guerra que não se vê na TV, guerra que
não tem nome próprio, guerra de submundo. Aqui tem fome, miséria,
desabrigo e a incerteza de sobreviver mais um mês, uma semana, ou até
amanhã. No meu país filhos perderam pais, mães perderam filhos,
maridos perderam esposas e nós todos perdemos liberdade. Aqui há
homens maus, que espalham terror, escravizam nossas filhas,
sequestram nossos filhos, cortam-lhes as cabeças e exibem-nas como
troféus. A troco de poder. A troco de liderança. Na minha terra não há
mais nada do que uma vez houve; não há mais praças e parquinhos, não
há mais prédios nem empregos. O chão está manchado de sangue, o céu
encoberto por fumaça, entulhos cobrem o caminho. Não há mais sonhos
para perseguir, só do que fugir. Explosão, caos, silêncio e luto. Nas ruas,
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refugiados Gabriela Peloso
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refugiados Gabriela Peloso
teto. Não queremos tomar o que é seu, estamos satisfeitos com o que
sobrar.
Não nos querem na nossa terra, não nos querem noutras terras. Não
temos lugar nesse mundo. Por que renega-nos um pedaço de chão,
Senhor?
S’il vous plait, Monsier Président, prego, Signor Presidente, please,
Mister President, deixe-nos entrar!
Gabriela Peloso c
Escritora de Taubaté, São Paulo, formada em Comunicação
Social. Nascida no ano de 95, aficionada por cultura pop,
cinema, televisão e livros. Trabalha com em escrita criativa,
artigos de opinião, crônicas e análises cinematográficas.
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Querida Antía,
Foi por amor. Tudo. Foi tudo por amor. Você me pergunta o que eu
entendo por esse sentimento e eu respondo: tudo o que eu fiz, tudo o
que eu sou. É aprender a baixar a tampa do vaso. É ser decidido,
solidário, saber ouvir. É ser domesticado, é ser castrado. É morder sem as
presas. É morrer por você ou o impulso de me colocar entre você e o tiro.
É o espaço que se reduz entre mim e a minha máscara. Eu quase virei ela,
Antía, a máscara. E você vem me dizer que isso não é amor? Se não te
transforma, se não te faz renascer, aí sim, não é amor. Se não for vida ou
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dizer assim mesmo, porque hoje sou um território livre, apesar de à beira
do abismo. Eu fui, cheguei, me perdi e fui forçado a me encontrar, a
encontrar meu próprio espaço. Você, como sempre, não quis se
comprometer. Tudo era minha responsabilidade, o que é justo, porque
deveríamos sempre ser indivíduos, apesar de um casal. Mas o problema
é que você também se tornou minha responsabilidade, principalmente
depois que você me disse que eu tinha que me encontrar para te dar, não
lembro a expressão que você usou, mas o que vem a mente é a palavra
"estabilidade". Eu tinha que me virar, sim, mas também tinha que me
virar por você. Eu acreditei que era isso que queria fazer. Afinal, isso era
amor. Perder-me, me encontrar, me transformar, ser o outro de mim.
Você quer detalhes, Antía? Ou você já conhece essa história? A que você
conhece é a sua versão ou a minha versão sob a sua égide. Ou sob sua
sombra. Detalhes:
2005, uma passagem de Brasília para Barcelona. Uma recepção
fria, que relevei (jetlag, distância, não sei, mas justifiquei de alguma
maneira). Uma conversa difícil, mais para você do que para mim: diga-
me que você veio porque quis, não por mim – você dizia. Eu prometi que
sim. Um hostel, recomendado por você. Um quarto sem janelas. Por que
não sua casa? Eu entendi: era por mim, para o meu bem. Por nós,
também. Fortalecidos individualmente, seríamos um casal melhor. Mas
foi aí que tudo desandou, porque você não estava disposta a fazer sua
parte, Antía. Você queria que eu construísse uma vida para mim apenas
para te acolher. Mas eu vejo a situação assim hoje. Antes, eu entendia
tudo isso como minha missão, meu papel. Era todo meu horizonte, criar
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uma vida para você, do nada, sem a ajuda de ninguém. Seu orgulho,
você dizia, e eu era também responsável pelo seu orgulho. Tínhamos que
provar para sua família de milionários que não precisávamos deles, não
precisávamos de ninguém. Mas o ônus era todo meu. Se o projeto
falhasse, seu projeto, como falhou, você seria reintegrada à sua fortuna.
A filha pródiga. Eu, Antía, eu não teria, como não tive, onde cair morto.
Antes tivesse morrido, Antía. Mas eu sobrevivi. Estou aqui. Tenho
sobrevivido. Você, como era de se esperar, voltou para sua família,
depois de sua pequena aventura com o Latino Americano, com a pessoa
marrom e, sim, pobre. Eu lembro bem das conversas em que seus pais te
diziam para ter cuidado, e também da sua revolta liberal contra seus
pais, contra a vidinha limitada de sua família. O seu papinho a favor das
minorias, dos imigrantes, dos negros, de tudo, tudo que não era você. É
fácil, Antía. É fácil se não é você. É só discurso. O discurso certo. Viver
isso como uma turista deve ser lindo, eu imagino. Uma aventura. Um
aprendizado. Além de tudo, você ainda adquiriu a autoridade moral para
falar do assunto. Afinal, você dividia sua vida com um imigrante, é
casada, ou melhor, se juntou a um imigrante, brasileiro, “de cor”, como
vocês adoravam dizer naquela época. Todos os problemas com dinheiro,
com sua família, com tudo isso, enfim, construíram o seu caráter, Antía.
Mas foi às minhas custas. Era a minha vida.
Eu precisava ter falado com você, ter falado sobre mim. O problema
é que eu sou uma folha em branco, pronto para ser preenchido por
ânsias, carências, desejos, sonhos alheios. Eu me deixo preencher.
Deixava-me. Eu deixei você me inundar com seu mundo, me deixei
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transformar por seu desejo. Eu precisava ter dito quem sou, como sou.
Um minuto apenas e tudo seria diferente, eu acho. Eu sou assim, é o que
eu deveria ter falado. Mas não falei, até porque não sabia bem como eu
era, o que eu era. Talvez não fosse, naquela época. É verdade, só depois
de tudo é que deveríamos ter feito, o que somos ou éramos, quando é
tarde demais. Perspectiva, Antía. No meio da confusão, apenas me
deixei. Era confortável para mim também. Não dava medo ou trabalho.
Mas havia a sombra, sempre ela. A sombra. Ela crescia na medida em eu
dizia sim. Dizia sim e fazia avultar a sombra do que eu deveria ter sido.
Marcelo Mendes t o
Doutor em Literatura Comparada pela Universidade de
Auckland (NZ), com trabalho sobre Machado de Assis e Jorge
Luis Borges. Mora em Brasília, onde é pesquisador
independente, revisor e editor de texto e ainda isolado
social. Publicou o livro “Poesia Brasileira e Outras Histórias”
(Design, 2010), além de várias artigos em revistas
acadêmicas de todo mundo. Foi finalista do prêmio Luiz
Vilela de Literatura (MG) em 2004, além de ter sido
selecionado para o prêmio Elisabete Anderle de Literatura e
Cultura (SC) em 2009.
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viagem ao labirinto do
Minotauro
Eram 9h17 de uma quinta-feira bastante nublada; temperatura, 18º
graus; qualidade do ar, regular. Estava meio friozinho, mas bom; o ar era
úmido, assim, mais ou menos pegajoso. Ele acabara de descer no
terminal rodoviário, Tietê de São Paulo. Numa mão, a fatídica mala,
daquelas de papelão duro, com fechadura, na outra, um papel com um
endereço escrito, era o endereço da Dona Lilica. Nas costas, a mochila
com seus teréns, atada pelos ombros. No coração, anseios mil, no chão
viu uma nota de cem reais, mas preferiu não se vexar, pois, como lhe
disseram lá no Nordeste, São Paulo é assim mesmo, dinheiro corre pelo
meio-fio das ruas. O conveniente seria acomodar-se primeiro, depois iria
à luta.
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cintura o facão, que por não estar tão longe do chão passava pela areia
traçando uma risca onde diziam: “por aqui passou Francisco”. Tinha um
cavalo, que mais parecia um jumentinho, chamado Pipi. Francisco e Pipi,
a curiosa cavalaria de Caravelas, eram como Alexandre e Bucéfalo, com a
diferença de que Francisco não era assim tão grande, ao menos não na
estatura.
Certa feita, voltava Francisco de uma caçada com dois tatus no
lombo de Pipi, havia sido um dia razoavelmente bom de caça. Pisavam
mansinho no chão da mata, quando reparam que acima de suas
cabeças, os micos corriam em desenfreada pelas árvores, pulando em
alvoroço, derrubando tudo quanto era tipo de folha, coquinho, o que
fosse, uma arruaça danada. Passados os micos veio logo um vento forte
assoprando as árvores com um bafo quente insuportável. Pois nessa
hora, Francisco olhou para trás e reparou que queimando tudo, e rápido
como um furacão, vinha um fogo. Não era uma tocha, mas uma bola viva
de fogo que vinha em sua direção. Sem pensar duas vezes, Francisco
montou em Pipi, esporeou o cavalo e saiu em disparada pelo meio da
mata rumo à praia, com o fogo em seu rastro.
Corriam os dois e o fogo seguia reto atrás deles. Ia levando árvore,
bicho, terra, mato, tudo que aparecesse em seu caminho. Francisco teve
a ideia de desviar, afinal de contas, o fogo devia apenas estar fazendo
seu trabalho seguindo em frente e ele que calhou de entrar no caminho
de quem não deveria.
Qual não foi sua surpresa ao perceber que assim que cavalo e
cavaleiro viraram, o perseguidor tomou a mesma direção. A questão
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Francisco e o fogo vivo Emerson Soliz
devia ser pessoal. O fogo não comia a mata, mas comia a risca de seu
facão. Desesperado, conseguiu sair da mata, o fogo em seu encalço.
Francisco só queria se salvar e o outro, sabe-se lá qual era sua vontade.
Na corrida desembestada, chegou a Caravelas. O povo todo saía das
janelas para olhar aquele espetáculo curioso. As mulheres se benziam e
os homens gritavam “Corre, Francisco, que o fogo vivo te pega”. O pároco
da cidade achou que esse era um castigo. Aquela cidade há muito vivia
em pecado e o céu escolheu o pior de seus pecadores para pagar pela
alma dos moradores de Caravela.
Chegando à praia, pensou que o melhor era se jogar no mar. Pulou
do lombo de Pipi e se jogou nas águas, tendo seu fiel companheiro,
desesperado, seguindo seu caminho. Mergulhou e nadou por longos
metros achando que assim se livrava do Fogo Vivo. Mas como as forças
da natureza agem em conjunto, logo vieram ondas que levaram cavaleiro
e cavalo de volta para a terra, onde o fogo, paciente, aguardava pelos
dois.
Mal tiveram tempo de recompor as forças, pois o perseguidor
implacável vinha no seu encalço. Os tatus, que continuavam no lombo
de Pipi, já estavam bem mais que assados. Com seu facão, Francisco
tirou uma parte e jogou no fogo, para tentar amansá-lo, mas nem isso
adiantou. Serviu foi como combustível e o pobre do Pipi teve que se
esforçar ainda mais para não perder seu rabo chamuscado pelo fogo.
Correram tanto que saíram de Caravelas, viajaram por toda a costa
da Bahia com o fogo atrás deles. Passaram por Itapetinga, passaram por
Ilhéus, por Ipiaú e nada do fogo arrefecer. Dos telégrafos, os prefeitos
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Francisco e o fogo vivo Emerson Soliz
avisavam para o povo tomar cuidado que vinha passando, como cometa,
um homem num cavalo deixando uma risca de facão pra ser comida pela
bola de fogo que os seguia.
Quando chegaram a Valença, grande era o cordão de moradores
esperando pelo espetáculo. Havia pipoca, e as crianças se divertiam
tomando suco e vendo aquela cena absurda que desde longe chamava
atenção. Homens da cidade se reuniam e apostavam até onde iam
aqueles dois e em que cidade o Fogo os alcançaria, se é que lhes
alcançaria.
Já cansados de fugir pela costa, adentraram ambos Bahia adentro
e, sempre subindo, já chegavam na Caatinga. E foi Santo Amaro,
Candeias, Feira de Santana com o fogo no rastro. Francisco ia comendo
pedaço de tatu assado e dividindo com Pipi. Numa noite, quando nem o
fogo tinha mais forças para correr — afinal ninguém é de ferro, nem
mesmo o Fogo Vivo — passavam os três por um caminho escuro. Era a
fazenda onde morava Ana.
Desde alguns dias, quando soubera da perseguição que um moço
sofria no lombo de seu cavalo, entrara em tremenda comoção. Acontece,
que quando ainda era bem pequena, antes de seus olhos amendoados
adquirirem o olhar de mulher, antes de seus cabelos castanhos
crescerem e se tornarem os mais bonitos de todo estado, uma luz veio
lhe dizer que um dia traria alguém especial. Ele seria como nos livros que
ela lia, teria um cavalo branco e uma espada, que por onde passasse
todos saberiam a quem pertencia. Ana juntou rapidamente os fatos e
percebeu que seu destino havia chegado.
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Francisco e o fogo vivo Emerson Soliz
Emerson Soliz co
Natural de São Paulo, atualmente com 25 anos. Ama
realismo mágico e Vinicius de Moraes. Estudante de história
tentando se aventurar pela escrita.
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Iguaba Grande
A minha mãe sempre dizia não. Posso engolir Bubbaloo? Não. Posso
ouvir Mamonas no walkman? Não. Posso pilotar um Fokker 100? Não.
"Mas, mãe...", eu dizia e era inútil. O que me faltava de liberdade sobrava
nela de convicção.
Acontece que o Botafogo tinha vencido o Criciúma por 1 a 0, era Dia
das Crianças e, principalmente, ela gostava muito do Tio Pedro. "Se eu
não devolvê-lo inteirinho, pago um Palio à senhora", ele disse, ao
volante.
Quando a porta de correr da Topic azul-marinho fechou, ele baixou
os óculos escuros da testa e gritou: "E aí, Raça Negra ou Jovem Guarda?".
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molho. Até que suspirou vencido, xingou algo bem alto e voltou:
“Esqueci a chave na Penha”.
A comoção foi geral. Os Três Estranhos se entreolharam atônitos,
enquanto Carol, Ju e Mari se mostravam chocadas. Ridículas. Tina até
desviou os olhos do livro por um momento (e, logo depois, voltou). Já
Cabeça começou a contar da vez em que dirigiu o Toyota do avô de
Araruama a Niterói num fim de ano. Mais por pena do que por interesse,
a Lu do 3º ano ouvia ele atenta.
Ela se ajoelhou no banco da frente, se virou e me olhou nos olhos.
"Será que a gente consegue voltar antes de anoitecer?", me perguntou.
Era uma gracinha assim, assustada. "Com certeza", respondi seguro.
"Que bom", disse aliviada. "Tenho medo de estrada à noite", confessou.
Estava fascinado. “Pô, me amarro”, falei sem pensar. Por razões óbvias, a
conversa não seguiu adiante.
Tio Pedro parou num Mister Pizza e nos mandou descer. Os peixes
betta no meu estômago tinham virado uma manada de elefantes
africanos. A Carol comentou com a Ju que muçarela estava escrita com
cedilha e as duas riram feito as hienas do Rei Leão. Ridículas.
Quando Tio Pedro voltou do banheiro e viu a chave da casa em cima
da mesa, olhou para o Gêmeo Nº2, disse "filho da puta" e riu.
A calabresa estava demais. Xuxa e Gremlin devoravam famintos,
mas os gêmeos monitoravam mesmo as garfadas do Faustão. Quando
ele pegou o último pedaço, começaram a sussurrar "mil, mil, mil...". Aos
poucos, todos começamos a repetir “mil, mil, mil...”, batendo com os
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as cartas à mesa com Tina. "Quer jogar?", perguntou. "É o quê?", quis
saber. "Blackjack", ela devolveu.
Do nada, estávamos em um salão de Las Vegas. Um letreiro de neon
na parede brilhava BLACKJACK e o Axl piscou para mim enquanto
tomava um Negroni com a Cher. Repousei meu Dry Martini sobre o
carpete verde, que contrastava com as luvas brancas e a piteira vermelha
de Tina. O jeito que o cigarro acendia e apagava em sua boca era sexy.
Não demorou mais que um segundo para que eu estivesse de volta
a mim. Quer dizer, à Iguaba Grande. Cabeça distribui as cartas e começa
o jogo. É uma figura repugnante. Além do exagero do atributo que o
apelida, está trocando de voz. O bigode ralo é mais evidente por conta
do aparelho nos dentes. Sem camisa, fica ainda mais magricela e tem o
que minha mãe costuma chamar de suor forte. Mesmo assim, jura que já
saiu com a Carol e a Ju. A Carol pode até ser, mas a Ju é impossível. Ela é
esnobe demais. Duvido.
Pega uma, duas, três cartas. Na quarta, bate com a mão aberta na
testa cheia de espinhas e diz “parei”. É a vez de Tina. Ela pega seu jogo
com a duas mãos e o segura em frente ao rosto. Vejo suas coxas grossas
por entre as frestas da mesa. “Passo”, diz com sua voz rouca de Camila
Pitanga.
Eu tenho um tesão absurdo nas coxas grossas da Tina.
BLACKJACK, brilha um neon dentro da minha cabeça. Tenho um
sete de paus, um três de copas e preciso de um ás. Tina crava em mim
seus olhos, que me queimam igual água-viva. Há grãos de sal nos seus
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na praia
Terminou de passar o batom. Vestia um biquini preto de cós alto,
escolhido para tapar a marca da cesariana, e uma saída de praia
colorida. Pegou a bolsa, também de praia, e saiu trancando a porta.
Deixou a chave na portaria do hotel. Caminhou uma quadra e já
estava na avenida em frente ao mar. Enquanto esperava o semáforo dar
passagem, observou os prédios emoldurando a orla em curva, a areia
clara e as palmeiras altas. Buscou os óculos escuros na bolsa quando
percebeu o sol a sua frente. Ainda era cedo e ele aquecia aos poucos a
pele. Os carros pararam uns ao lado dos outros, conduzidos por pessoas
que ela julgou estarem indo ao trabalho. Os olhos na estrada, mas as
mentes em algum outro lugar. Números, documentos, agendas. Ela ficou
feliz por ter sobrado aquele espaço dentre os compromissos da viagem
de trabalho para poder aproveitar um pouco a praia.
Na areia, sentou-se em uma das muitas cadeiras já dispostas para
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Caroline Rodrigues c
Tradutora e escritora. Nasceu em São Sebastião do Caí/RS,
em 1977, e atualmente mora em São Leopoldo/RS. Egressa
do Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, tem
contos publicados em antologias da editora, publica textos
em seu blog, na Revista Parêntese e no blog da Escritor
Brasileiro. É autora do livro de contos Sempre tem uma
cachoeira, da Editora Metamorfose.
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Caroline Rodrigues
expediente
edição
Mariane Lima
revisão
Caroline Rodrigues
autora convidada
Marina Navarro Lins
contato
subtextos@escritorbrasileiro.com.br
um projeto de
ofc
ofc