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Presidente da República

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Ministro da Educação
FERNANDO HADDAD

Secretário-Executivo
JOSÉ HENRIQUE PAIM FERNANDES

Secretário de Educação Básica


FRANCISCO DAS CHAGAS FERNANDES
“Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em
casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-
independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte
ele veio contando que caíra no pátio da escola um
pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito
queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez
Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido
de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as
borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá
Elpídia e queriam formar um tapete voador para
transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao
médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a
cabeça:
- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é
mesmo um caso de poesia.

Carlos Drummond de Andrade


Infância
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo,
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
Lia a história de Robinson Crusoé
Comprida história que não acaba mais
.......................................
Eu não sabia que minha história
Era mais bonita que a de Robinson Crusoé.2

Carlos Drummond de Andrade


[...] as crianças são inclinadas de modo especial a
procurar todo e qualquer lugar de trabalho onde
visivelmente transcorre a atividade sobre as coisas.
Sentem-se irresistivelmente atraídas pelo resíduo
que surge na construção, no trabalho de
jardinagem ou doméstico, na costura ou na
marcenaria. Em produtos residuais reconhecem o
rosto que o mundo das coisas volta exatamente
para elas, e para elas unicamente. Neles, elas
menos imitam as obras dos adultos do que põem
materiais de espécie muito diferente, através
daquilo que com eles aprontam no brinquedo, em
uma nova, brusca relação entre si.

Walter Benjamim
Pescadores de vida
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago
Kovadloff, levou-o para descobrir o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas,
esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram
aquelas alturas de areia, depois de muito
caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E
foi tanta a imensidão do mar e tanto o seu fulgor,
que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo,
gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!

Eduardo Galeano
Todo conhecimento [...] deve conter
um mínimo de contra-senso, como os
antigos padrões de tapete ou de frisos
ornamentais, onde sempre se pode
descobrir, nalgum ponto, um desvio
insignificante de seu curso normal. Em
outras palavras: o decisivo não é o
prosseguimento de conhecimento em
conhecimento, mas o salto que se dá
em cada um deles.

Walter Benjamin
Quem foi que disse que eu escrevo para as elites?
Quem foi que disse que eu escrevo para o bas-fond?
Eu escrevo para a Maria de Todo Dia.
Eu escrevo para o João Cara de Pão.
Para você, que está com este jornal na mão...
E de súbito descobre que a única novidade é a poesia.
O resto não passa de crônica policial-social-política.
E os jornais sempre proclamam que “a situação é crítica”!
Mas eu escrevo é para o João e a Maria
Que quase sempre estão em situação crítica!
E por isso as minhas palavras são quotidianas como o pão
nosso de cada dia
E a minha poesia é natural e simples como a água bebida
na concha da mão.

Mário Quintana
Foi aí que nasci: Nasci na sala do 3º ano, sendo
professora D. Emerenciana Barbosa, que Deus tenha.
Até então, era analfabeto e despretensioso. Lembro-
me: nesse dia de julho, o sol que descia da serra era
bravo e parado. A aula era de Geografia, e a
professora traçava no quadro-negro nomes de países
distantes. As cidades vinham surgindo na ponte dos
nomes, e Paris era uma torre ao lado de uma ponte e
de um rio, a Inglaterra não se enxergava bem no
nevoeiro, um esquimó, um condor surgiam
misteriosamente, trazendo países inteiros. Então,
nasci. De repente nasci, isto é, senti vontade de
escrever. Nunca pensara no que podia sair do papel e
do lápis, a não ser bonecos sem pescoço, com cinco
riscos representando as mãos. Nesse momento, porém,
minha mão avançou para a carteira à procura de um
objeto, achou-o, apertou-o irresistivelmente, escreveu
alguma coisa parecida com a narração de uma viagem
de Turmalinas ao Pólo Norte.

Carlos Drumonnd de Andrade


O medo de amar é o medo de ser
De a todo momento escolher
Com acerto e precisão
A melhor direção
..................................
O medo de amar é não arriscar
Esperando que façam por nós
O que é nosso dever
Recusar o poder

Beto Guedes e Fernando Brant. O medo de amar é o


medo de ser livre.

Beto Guedes
Tecendo a manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã;
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros se cruzem
os fios do sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
.......................................

João Cabral de Melo Neto

(Joseph Russafa)

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