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Se é verdade que o artista brinca de Deus no ato de criar, parece mesmo apro-
priado chamar de milagre um afro-samba-choro que é misto de maracatu, como
"Choro para McCoy", que consegue nos remeter a tantos sentimentos e lugares
distintos: a radicalidade do bebop do seu homenageado, o pianista McCoy Tyner,
que veio alimentar o free jazz (que a execução do tema emula); as big bands
que embalam confortavelmente casais na gafieira, mas que podem criar incríveis
variações melódicas; uma estrutura simples, inspirada nos sambas de roda com
refrão coletivo e respostas em solos individuais, que resulta requintadíssima; a
alternância de ritmos, do ataque afro no violão à Baden Powell na introdução, ao
maracatu da primeira parte e o choro na segunda, tendo o samba como base de
tudo numa composição que parece querer conter a música brasileira e traduzi-la
para o jazz, o nosso jazz, o samba jazz. produção musical gabriel improta

Pois bem, esse milagre meio maluco da criação musical resulta - senão ouçam produção executiva roberto de moura
- simples, alegre, fluente, acessível. Toda complexidade fica aqui, no texto do arranjos e direção musical gabriel improta, exceto em
encarte. E no sentimento, sabores e memória que provocam em cada ouvinte.
FÉRIAS NO ACRE , por joão donato e gabriel improta
Não é o único milagre deste "Milagre", o terceiro disco do guitarrista, compo- gravação joão ferraz no estúdio lontra music
sitor, arranjador e, sim, doutor Gabriel Improta, autor de alentada tese sobre o
samba jazz, o movimento da música brasileira que teve seu auge entre final dos mixagem rodrigo de castro lopes no estúdio zona litorânea
anos 1950 e início dos 60 e que tem insuspeitados ecos aqui neste CD. masterização rodrigo de castro lopes no estúdio flapc4

Vejam bem, "Milagre" não é um disco de samba jazz. É o trabalho de um misto design cássia d’elia e gérome ibri do studio mova
de (grande) músico e (dedicado) musicólogo - a união de ação e pensamento, fotografias cristina nascimento e beto
combinação raríssima - no Brasil de 2016. O que Gabriel traz do samba jazz é
alguma sonoridade, claro, alguma forma, alguns temas, até alguns músicos, mas, texto hugo sukman
principalmente, o espírito. assessoria de imprensa nani santoro e nanda dias

Para Gabriel, há uma continuidade entre o sentido (as palavras, atmosfera, a his- mídias digitais marcio massaro
tória) e o som. "Milagre", a clássica canção de Dorival Caymmi, não por acaso dá produtor audiovisual cícero cunha
nome ao disco, pois talvez seja a música que melhor represente essa ideia. O tema
é apresentado com clareza pelo violão de Gabriel, depois é desenvolvido pela revisão de textos gigi silva

flauta de Carlos Malta e pelos vocais do próprio violonista e da cantora holande- realização kalimba produções
sa Brancka e termina numa sugestiva jam session bem à maneira do samba jazz.
Agora, tente ouvir esse "Milagre" sem se remeter às palavras de Caymmi (embora
elas não sejam ditas), à história dos três pescadores em sua aventura no mar, à este disco foi gravado no rio de janeiro, em 2016
atmosfera tensa proposta pelo autor?

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Em "Passarim", obra-prima da fase ecológica de Tom Jobim, a clareza da exe-
cução violonística de Gabriel resulta da mesma forma, o pássaro voando apenas
através da música. Em "Eu vim da Bahia", de Gilberto Gil, o suingue do violão no
samba traz todo o sentido da saudade de um samba de roda ancestral proposto
na letra.
A essência do samba jazz, no disco todo em espírito, está de corpo presente lite-
ralmente em pelo menos dois momentos. "Férias no Acre" é um tema inédito de
João Donato, da época do samba jazz (safra 1966), esquecida esses anos todos
apesar de sua evidente qualidade e do estilo cristalino do autor. Gabriel a resgata
com participação de Donato ao piano - é um capítulo na história do samba jazz.
Ainda mais cristalino, o samba jazz está na essência do lindo tema do próprio
Gabriel, "Bossa lunar", uma música que traz duas referências fundamentais do
movimento: os pequenos grupos de sopro de jazz do final dos anos 50, que têm
como símbolo máximo os discos de Miles Davis com arranjos de Gil Evans, e as
orquestras brasileiras de gafieira, cuja presença do trombone tão pessoal de Raul
de Souza só torna tudo mais evidente.
Nessa busca pelo sentido na música sem letra, Gabriel chegou evidentemente em
Egberto Gismonti, compositor que mesmo no auge do cancionismo radical (os
anos 1970) optou por seguir um trabalho de música brasileira fora do formato can-
ção. No choro "7 anéis", Gabriel exercita sua técnica violonística e abre espaço
para o desenvolvimento dos outros músicos do conjunto - é notável, por exemplo,
o solo do baterista Rafael Barata, evidente herdeiro dos grandes bateristas do
samba jazz, como Edison Machado, Dom Um Romão.
Incomum caso de músico e intelectual, Gabriel Improta quis com este disco unir
ação e pensamento, como no âmbito estritamente musical o samba jazz fazia.
Como diante de um milagre, a música ocupa todas as dimensões do ser, ambicio-
na a totalidade, volta à sua origem: a de ser a mais pura expressão do sentimento
humano.

Hugo Sukman

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10. ARROCHO ION MUNIZ
1. PASSARIM TOM JOBIM klbbr1600010 | 3'42''
jobim music | klbbr1600001 | 3'47''
gabriel improta violão
gabriel improta violão rodrigo villa contrabaixo acústico
rodrigo villa contrabaixo acústico rafael barata bateria
rafael barata bateria marcelo martins flauta

2. CHORO PARA MCCOY GABRIEL IMPROTA


klbbr1600002 | 4'35''

gabriel improta violão, guitarra e piano


rodrigo villa contrabaixo elétrico
rafael barata bateria
marcos suzano percussão
marcelo martins sax tenor e flauta solos
fabiano segalote trombone
dirceu leite sax alto, tenor e flauta

3. MILAGRE DORIVAL CAYMMI


rosa morena edições | klbbr1600003 | 5'36''

gabriel improta violão e voz de fundo


rodrigo villa contrabaixo elétrico
rafael barata bateria
marcos suzano percussão
brancka voz feminina

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7. HERR ANDREAS NA MACUMBA GABRIEL IMPROTA
klbbr1600007 | 3'44'' 4. EU VIM DA BAHIA GILBERTO GIL
gege edições | klbbr1600004 | 5'34''
gabriel improta violão e guitarra
rodrigo villa contrabaixo elétrico gabriel improta violão
rafael barata bateria rodrigo villa contrabaixo elétrico
marcos suzano percussão rafael barata bateria
dirceu leite clarinete e clarone marcos suzano percussão
marcelo martins flauta

8. FÉRIAS NO ACRE JOÃO DONATO


klbbr1600008 | 4'32'' 5. 7 ANÉIS EGBERTO GISMONTI

participação especial joão donato piano branquinho tapajós edições | klbbr1600005 | 6'05''

gabriel improta guitarra gabriel improta violão


rodrigo villa contrabaixo elétrico rodrigo villa contrabaixo acústico
xande figueiredo bateria rafael barata bateria
marcos suzano percussão marcos suzano percussão
carlos malta sax barítono e soprano

9. BOSSA LUNAR GABRIEL IMPROTA


klbbr1600009 | 4'09'' 6. ROSA E CRAVO GABRIEL IMPROTA
klbbr1600006 | 5'23''
participação especial raul de souza trombone
gabriel improta violão e guitarra gabriel improta violão, guitarra e voz
rodrigo villa contrabaixo acústico rodrigo villa contrabaixo elétrico
rafael barata bateria rafael barata bateria

marcos suzano percussão marcos suzano percussão

dirceu leite sax tenor e soprano dirceu leite flauta, clarinete e clarone

fabiano segalote trombone

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