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Widjane Albuquerque - A Tríade 3 - para Sempre Rocco Masari
Widjane Albuquerque - A Tríade 3 - para Sempre Rocco Masari
Widjane Albuquerque - A Tríade 3 - para Sempre Rocco Masari
Bem-vinda ao Brasil!
Eu não sabia há quantos dias havia ouvido essa frase. Parecia que o
tempo tinha se estendido infinitamente até se perder em algum lugar que eu
desconhecia. No começo, eu me lembrava de tentar superar tudo o que tinha
acontecido, seguindo o melhor caminho para que minha vida pudesse
avançar.
Agora, não tinha vontade de fazer nada. Sendo sincera, nem sabia se o
absoluto vazio que eu sentia poderia ser chamado de tristeza. A saudade que
me machucava, o desespero silencioso que não me permitia me agarrar a
algo, eu também não sabia nomear.
Tudo estava diferente, e enquanto eu tentava organizar a bagunça que
era a minha vida, gostaria de poder dormir uma noite inteira. Deitar a cabeça
no travesseiro e mergulhar num mundo onde não havia dor, ou conhecimento.
Ansiava um pouco de paz, de descanso.
Só que eu não conseguia alcançar nenhum deles.
As minhas noites eram caóticas, os dias, apenas cansativos. Os
pesadelos me perseguiam, em qualquer chance que tinham. Eu me sentia
declinar mais um pouco a cada amanhecer, aprofundando o vazio, o
sentimento de solidão. Isso fez com que eu tivesse menos vontade de levantar
da cama, ou sair daqui, desta varanda.
Eu não entendia por que estava assim. Odiava não conseguir ser eu
mesma, odiava estar à mercê das memórias. Elas não deveriam ditar regras
para mim, mas, infelizmente, eu estava sendo comandada.
Como uma marionete, presa a cordões invisíveis.
— Eu queria poder deixar tudo para trás. — Respirei fundo,
observando o nascer do sol em meu refúgio.
Desde o primeiro dia, a varanda do meu quarto havia se tornado um
lugar especial. Quando a angústia me impediu de fazer outra coisa senão
chorar, eu vi o dia sobrepujar a noite, e isso me fascinou.
Talvez, por esse motivo, o amanhecer fosse o único momento em que
tudo deixava de ser tão pesado, em que meus pensamentos silenciavam a
ponto de não importar o que poderiam estar falando de mim, do que tinha
acontecido.
Era aqui, longe de todo mundo, que os porquês se tornavam
indiferentes. Quando os primeiros raios de sol tocavam o mar e a mim, a
certeza imutável de que todos os dias o sol estaria ali, não importava o que
acontecesse, fortalecia-me.
Era nessa segurança que eu me agarrava. Na crença de que algumas
coisas jamais mudariam e de que em algum momento eu conseguiria
recuperar aquele pedaço que tinha se perdido.
Aos poucos, vi quando o céu escuro começou a ser tingido de cor, a
água do mar tornando-se visível para mim em um belo tom acetinado de azul.
Azul… minha cor favorita, dos olhos do homem que eu amava e que
me machucou tão profundamente.
Ergui um pouco a cabeça, para receber o gentil toque do calor em
minha pele. O frio, por um pequeno momento, foi embora, deixando para trás
a convicção de que eu teria um novo dia para tentar outra vez.
O momento era tão íntimo e precioso que me lembrei de uma doce
melodia que sempre acalentou meu coração, pois era como uma prece que me
guiava nos dias tempestuosos.
Juntei as mãos, cantando baixinho, atravessando a dor da minha
garganta dolorida.
— O senhor me chama sobre as águas. Para um lugar desconhecido,
onde meus pés podem falhar. Ali, te encontrarei em mistério. — Tive fé de
que as lembranças me deixariam em paz. — Em oceanos profundos, minha fé
permanecerá. — Meus olhos encheram de lágrimas quando a emoção
dominou-me. — E eu te chamarei pelo seu nome.
Minha voz falhou, e as lágrimas transbordaram. Em meu interior,
busquei Jesus, meu querido amigo. Chamei por seu nome, em oração,
entregando-lhe meu coração para que o salvaguardasse de tudo o que me
afligia.
— Eu te chamarei. — Sozinha, naquele refúgio, permitindo-me
chorar. — Mantendo os meus olhos sobre as ondas, quando o mar se agitar,
minha alma descansará em seu abraço. Sua graça vence o pecado, a tua mão
me guiará.
Em meio ao pranto silencioso, um sorriso tocou meus lábios quando o
sol alcançou-me. O gelo que circulava por eu sangue derreteu um pouco,
acreditei que Deus me levaria a um lugar de confiança, em que eu não
fraquejaria. Senti, lá no fundo, que minha fé, ausente há tantos dias,
ressurgiu. Ainda que fosse tímida, ela era insistente e fiel.
De um lugar distante em minha consciência, aquela antiga Victoria
acenou. Em seus olhos, vislumbrei o amor; em seus lábios, um sorriso
singelo. Ela parecia dizer que tudo ficaria bem e que eu deveria lembrar, por
mais difícil que tudo fosse: eu não estava sozinha. Deus não me abandonou
antes e Ele não o faria agora.
Essa certeza abrandou o tumulto em minha cabeça.
Por um instante, fez-se silêncio.
Respirei fundo, abrindo meus olhos para admirar a grandiosidade do
mar a minha frente.
— Tudo pode ser recuperado, mediante a sua graça. — Sorri, levando
as mãos ao peito. — Conceda-me a graça, Senhor.
Eu não queria muita coisa, somente estar bem para meu filho e
família. Mas, para a Victoria do presente, isso era algo tão difícil.
Há muitos dias, eu já havia aceitado as minhas fraquezas, levantando
quando não queria, indo um passo de cada vez. Foi isso que sempre fiz, e que
sempre faria porque não havia outra escolha.
Eu deveria somente acreditar em meu esforço e no pleno amor que
sempre habitou meu coração. Talvez, nunca mais fosse a antiga Victoria, por
outro lado, tinha a chance de ser alguém mais forte. Por mais duro ou difícil
que fosse, podia sim dar a volta por cima.
Agora que minha vida na Inglaterra havia ficado para trás, eu tinha
uma oportunidade de recomeçar nesse novo mundo. Dependia de mim não
permitir que a angústia opressora ditasse as regras.
— Eu preciso acreditar que tudo vai ser melhor.
Enchi meus pulmões com aquele ar gelado. Era estranho admitir, mas
eu gostava de estar em minha torre e saber que, ali, nada me tocaria. Pela
primeira vez, eu tinha medo de saber o que encontraria se saísse.
Em meu país, as pessoas esqueceram que por trás do acidente, da
vergonha e da humilhação, havia um ser humano sofrendo. Eu esperava que
aqui eles não se lembrassem de mim. Queria não ter medo de sair de casa.
Ansiava não me sentir presa, mesmo que eu fosse a única responsável
por me encarcerar.
— Estou no Brasil, mamãe. — Toquei a minha barriga.
Um suave e tímido ondear deixou-me emocionada. Por que eu
acreditava estar sozinha quando nunca estive? Por que essa certeza fixou-se
de maneira tão firme em meus sentidos?
— Eu nunca estive só. — Acariciei a barriga, sentindo uma
verdadeira felicidade quando meu filho mexeu.
Pensar nele enchia-me de um bom sentimento. Era por meu
pequenino que eu insistia em levantar todos os dias, não me deixando afundar
ainda mais na melancolia e lamento do que poderia ter sido diferente.
Eu não sabia como pude deslizar tão rápido para esse lugar de medo,
achava-me forte o bastante para nunca vir aqui, mas não era. Refugiava-me
neste quarto enorme, sozinha. O meu prazer era sentar em minha cadeira e
passar o dia todo olhando para o mar.
Uma batida suave na porta chamou minha atenção. Pisquei os olhos,
um pouco sonolenta. Eu sempre tinha sono, mas não conseguia dormir.
— Filha? — A voz do meu pai soou baixa, ele nunca levantava a voz
para nada.
Na verdade, todos falavam com paciência e tranquilidade, como se eu
não fosse capaz de entender tudo o que estava acontecendo. Mas eu entendia,
sim, muito bem.
E ainda não conseguia mudar a realidade em que me encontrava.
Sabia que eles tinham medo. Quando pensaram que eu não estava prestando
atenção, escutei-os falando sobre a forma com que eu encarava a minha
varanda.
Eles acreditavam que eu passava os dias ali porque a considerava uma
possível possibilidade.
De quê? De pôr um fim àquela dor insistente e tormentosa?
perguntei-me, confusa se em algum momento deixei transparecer algo
semelhante.
— Victoria? — meu pai chamou outra vez, quando não lhe respondi.
Ultimamente, eu tinha por hábito me perder em meus devaneios.
Era tão mais fácil ficar sozinha, avaliando meus pensamentos e o
rumo que eles tomavam. Eu não achava que com ajuda encontraria uma saída
para essa apatia constante. O que descobri foi que afundar dentro da minha
própria consciência era o mais seguro, enquanto as coisas não voltassem a ser
como antes.
— Filha, venha comer. Sua médica está aqui. Hoje é dia de cuidar do
Gianne.
Sem querer, minhas lembranças foram para o dia em que Rocco e eu
falamos sobre o nome que daríamos ao nosso filho, quando eu o estivesse
carregando. Estávamos felizes, vivendo o nosso amor. Os Moors
presenciaram as nossas promessas, os planos para um futuro compartilhado.
Esperei que a costumeira dor chegasse, mas, especialmente hoje, ela
não veio. Em seu lugar, havia um intrigante vazio, recheado somente de
silêncio. Percebi que não era de todo ruim, se eu não escutasse a voz
zombadora de Susan, dizendo coisas horríveis, então, talvez, eu pudesse ficar
mais forte.
Será que as coisas funcionariam assim?
— Victoria, amor. — Um aperto suave em meu ombro e o embargo
sutil naquela voz disseram-me mais que qualquer palavra.
Meu pai e toda a minha família estavam vivendo suas vidas baseando-
se na minha. Não era o que eu queria, mas não conseguia fazê-los perceber
isso. Por mais que não fosse a minha intenção, eu não encontrava a vontade
de alardear esse assunto.
— Por favor, filha, fale comigo. — Ele veio ficar na minha frente,
ajoelhou-se. — Estou aqui, você não vai ficar sozinha.
— Eu não estou. — Toquei a barriga, então, ergui a mão para seu
rosto. — Amo você, pai.
Uma lágrima escorreu, mesmo quando ele deu um sorriso triste. Eu
deveria me importar, mas estava anestesiada.
Por que sua dor não me afetava?
— Me perdoe — pedi baixinho, e ele me abraçou.
— Vai ficar tudo bem. — Afastou-se, encarando-me. — Hoje é dia de
cuidar do Gianne — concordei.
Por mais que eu preferisse ficar sozinha, não ia descuidar do meu
bebê. Devagar, peguei as muletas, fazendo uma careta de dor quando senti a
perna ruim repuxar. Não quis fazer fisioterapia quando cheguei aqui, e isso
afetou diretamente a recuperação da minha perna.
Pouco importava.
— Venha, a médica está esperando. — Ele tentou me animar, mas não
conseguiu, por isso nem o olhei.
Na porta do quarto, Jason aguardava. Meu amado irmão. Não suportei
encará-lo.
Sentia vergonha daquela caricatura em que me transformei, de não
conseguir sair desse buraco e o pior, de ainda amar o homem que me jogou
nele. Não conseguia tirar Rocco da cabeça, os sentimentos por ele ainda
poderosos e turbulentos, amor e ódio mesclando-se em uma miscelânea de
loucura.
Baixei a cabeça, sentindo o corpo cansado. Se pudesse dormir, era
somente o que eu faria, talvez esse enjoo fosse embora e as lágrimas não
estivessem ameaçando transbordar outra vez.
— Bonequinha?
Encolhi. Eu esperei que Jason simplesmente não dissesse mais nada e
me deixasse passar, mas não. Ele puxou-me para um abraço carinhoso e
quente.
O caroço em minha garganta transformou-se em soluço. Não pude
retribuir seu abraço. Não encontrei vontade para fazê-lo.
— Você está perdida, eu sei, mas não está sozinha. — Sua voz forte
envolveu-me. — Hoje dói, e talvez amanhã continue doendo, mas, por favor,
não se feche tanto, nos permita entrar.
Seu abraço apertou, o calor foi embora. Era como se o frio estivesse
dentro de mim, circulando em minhas veias.
— Olha para mim. — Senti o toque no meu rosto. — Está nos
matando te ver assim.
— Sinto muito. — Pisquei os olhos. — Estou tão cansada.
Eu queria dizer-lhe que Rocco não saía da minha cabeça. Que eu
sentia muita falta dele. Mas não podia porque isso era um segredo e uma
enorme vergonha. Eu deveria somente odiá-lo, não é? Era consciente de que
pensar nele e amá-lo, como eu fazia, não era bom, mas não conseguia fazer
diferente.
Eu não conseguia esquecê-lo e era somente isso que eu gostaria que
acontecesse.
— Victoria…
Jason me abraçou de novo, eu fechei os olhos e me permiti descansar
em seu peito por alguns instantes.
— Você está tão gelada — ele murmurou, esfregando os meus braços
por cima da blusa de frio.
— Desculpe — minha voz soou baixa demais, fraca.
— Não peça desculpas. — Sua recusa soou feroz. — Por favor, não
peça desculpas.
— Sinto tanta vergonha de mim.
— Bonequinha…
— Por favor, traga-a até aqui. — Ouvi uma voz desconhecida, afastei-
me de Jason e ele me amparou quando cambaleei.
Tentei dar um passo, mas minhas pernas estavam bambas, o corpo
pesado.
— Eu a levarei. — Jason ergueu-me, carregando-me até o sofá.
Ele me depositou com cuidado, encolhi-me e fiquei quieta. Queria
sumir, passar despercebida, mesmo sabendo que seria impossível. Aquela
mulher estava ali por minha causa.
— Victoria? — ela chamou, sua voz parecia vir de muito longe. —
Victoria! — Ela estalou os dedos diante dos meus olhos, sacudi a cabeça. —
Olhe para mim, por favor.
Procurei seu rosto.
— O que você está sentindo? — Não respondi, era como se não fosse
comigo que ela falava.
Não a reconheci, a médica que vinha cuidar do meu filho não possuía
aqueles olhos negros tão penetrantes, ou o cabelo vermelho. Ou era a mesma
pessoa e eu nunca percebi? Acaso importava? Não, realmente não importava.
— O que você está sentindo? — Tornou a perguntar. Durante um
longo tempo, eu a encarei, não sabia como dizer-lhe, não queria que aquela
desconhecida com olhar penetrante soubesse meus segredos.
Ela parecia pronta para descobrir, mas eu não permitiria, era
vergonhoso demais.
— Não sinto nada. — Fechei os olhos, permitindo que um suspiro
cansado escapasse dos meus lábios. — Durante um tempo estava tudo bem,
agora, não.
— Você deve sentir alguma coisa — insistiu.
O que ela esperava que eu dissesse? Que me sentia sozinha e que
lutava para não acreditar nisso porque tinha meu filho e a fé de que Deus não
havia me abandonado? Essa estranha esperava que eu revelasse o segredo de
que sentia falta do pai do meu filho e que eu me odiava por isso? Ela queria
que eu dissesse que, antes de perceber, encontrei-me afundada em um vazio
que me congelava até os ossos?
Por que essa mulher acreditava que eu lhe contaria algo?
— Victoria, seja franca. Você com certeza sente algo. — Ela foi mais
firme.
— Se você acha isso, por que insiste em perguntar? Que diferença faz
nomear o que sinto? — Ela me confundia.
— Se esforce, procure algum sentimento, o que esteja mais aflorado.
Fale-me sobre ele.
Olhei para a mulher com mais atenção. Diferente da médica que vinha
para cuidar de Gianne, essa tinha um caderninho e sua atenção não estava em
minha gestação, e sim em mim. Olhei ao redor, estávamos sozinhas.
— Eu gostaria de sair daqui. Você não é minha obstetra.
— Victoria, eu sou sua médica também. — Ela modulou a voz. —
Estou aqui para ouvi-la, para conversar e ajudar a entender seus sentimentos.
Confie em mim, abra o coração, se continuar nesse ritmo, vai continuar
prejudicando o seu bebê.
Engoli em seco, de tudo que poderia dar errado comigo, a última
coisa que eu queria era que meu filho fosse prejudicado.
— Qual o seu nome? — perguntei, numa tentativa de mudar o seu
foco.
Ela colocou o caderninho de lado, depois levantou e sentou-se ao meu
lado. Assustei-me quando ela pegou minhas mãos.
— Me chamo Regina, sou uma amiga de longa data do seu pai. —
Ela sorriu. — Atuo na área da psicologia e estou aqui para te ajudar, se você
permitir.
Inclinei a cabeça, julgando que o brilho em seus olhos ao falar do meu
pai era mais do que ela queria demonstrar.
— Você gosta dele? — Lancei a pergunta à queima-roupa.
Por um instante, ela pareceu desconcertada, mas logo tratou de
reassumir o controle.
— Estou aqui por você, Victoria. — Ela baixou o tom, para algo
confidencial. — Estou aqui, como sua médica, e para tanto, tudo o que me
disser será em segredo. Minha ética profissional impede que eu revele
qualquer coisa que me diga, não importa quem pergunte, ou o quão grave
pareça.
— Não confio em você.
— Eu sei que não, mas faça um esforço, apenas desabafe, diga-me o
que não tem coragem de dizer para eles — ela incentivou. — Você precisa
liberar os sentimentos, saber como navegar sobre eles e compreendê-los. Não
guarde tudo, isso faz muito mal a você e ao bebê.
— Estou cansada. — Puxei as minhas mãos. — Eu queria poder
dormir.
— Por que está cansada?
Esfreguei meu rosto, sentindo-me desgastada.
— Não consigo dormir. — Olhei ao redor, querendo poder voltar ao
meu quarto.
— Por que não?
— Pesadelos.
— Com o quê? — perguntou, interessada.
— Não vou dizer.
Ficamos em silêncio. Para mim, estava ótimo assim, talvez ela
percebesse e fosse embora.
— Você sabe há quantos dias chegou ao Brasil? — Neguei, eu não
fazia ideia. — Você está aqui há vinte dias. Pelo que me informei, está perto
de fazer quatro meses de gravidez.
Franzi o cenho quando me lembrei do que a obstetra que veio me
visitar disse.
— Não, estou perto de fazer cinco.
— Como você sabe? — Havia um sorriso singelo nos lábios da
doutora.
— Eu sei. — Estreitei os olhos. — Aonde você quer chegar?
Olhando melhor para ela, percebi que a doutora Regina realmente se
preocupava comigo. Eu não sabia se por gostar do meu pai, ou por ser do tipo
que gostava de resgatar pessoas perdidas.
— Soube que você passa muito tempo na varanda do seu quarto —
sondou. — O que sua família acha disso?
— Disso o quê?
— De você ficar o dia todo na varanda. Por acaso, você se sente
atraída? Já questionou a quantos metros de altura estamos?
Notei que ela escolheu as palavras com cuidado.
— Não, doutora Regina, eu nunca parei para pensar nisso. Por que, eu
deveria?
— É uma altura significativa, você não tem medo?
Olhei para ela, que outra vez sustentou meu olhar. Era estranho, mas
suas perguntas estavam aflorando algo novo, que eu ainda não sabia nomear.
— Onde você quer chegar? — Ela sorriu, atenta a tudo o que eu dizia.
— Aonde você quiser. Agora, por favor, responda a minha pergunta.
— Não fico encarando o chão. Ainda não tive essa curiosidade.
Senti meu rosto esquentar, desviei o olhar. Incomodava-me que ela
pensasse besteira, mas, então, não era o que todos eles pensavam? Eu tinha
quase certeza de que sim.
— Você é uma pessoa religiosa? — Havia real interesse em sua voz.
— Já respondi isso antes. Em algum lugar.
— Tudo bem, mas, tenho certeza de que não falou para mim, então
vamos lá, diga-me, você é uma pessoa religiosa?
— Acredito em Deus acima de todas as coisas. — Olhei para ela. —
Ele me sustenta e norteia, quando nada mais é capaz.
— Como assim?
— Não vou contar para você, ou qualquer outra pessoa. Meus
segredos são apenas meus.
Fizemos silêncio, esperei que ela fosse embora para que eu pudesse
comer alguma coisa e ir para o quarto, mas a doutora Regina não parecia
disposta a colaborar comigo.
— Você ainda o ama, não é?
Minha cabeça chicoteou quando a encarei. Senti meu coração acelerar
e a boca ficar seca. Escondi as mãos para que ela não notasse o quanto
tremiam. Como ela poderia saber?
— Você ama o pai do seu filho, Victoria?
A negativa veio na ponta da língua, mas, antes que eu percebesse,
estava afirmando.
— Eu o amo demais — confessei baixinho. — Não consigo superar, e
isso faz com que eu sinta uma corda ao redor do pescoço. Envergonho-me.
Eu não deveria amá-lo como faço.
— Primeiro de tudo, um sentimento tão forte quanto o amor não pode
ser desligado com um interruptor, ou quando queremos. — Suas palavras
despertaram meu interesse. — Não é como se você pudesse simplesmente
deixar de senti-lo.
— Por um momento, eu pensei que fosse capaz. Houve uma vez que
olhei para ele e não senti que era apelativo para mim. Pensei que o amor
havia acabado ali.
Algo gritava dentro da minha cabeça para que eu ficasse calada, mas,
quando a primeira palavra saiu, as outras amontoaram em desespero,
querendo escapar também.
— Você não o tem visto, não é?
— Não, ele está na Inglaterra, e eu não quero ter contato com
absolutamente nada. Não pego o celular para não ter curiosidade de saber o
que estão falando de mim. — Olhei para as minhas mãos. — Eu pensei que
pudesse odiá-lo, eu o odeio, mas, também o amo. Eu… sou uma vergonha,
traindo-me desta forma. Estranho, mas eu pensei que seria mais fácil passar
por isso, não era para eu estar… — Parei um momento. —… desse jeito.
— Victoria, ouça-me. — Ela tocou gentilmente em meu queixo,
pedindo que eu a olhasse. — Amor e ódio são sentimentos que caminham
lado a lado, há quem diga que um é o tempero do outro e que ambos se
necessitam. Não pense que você é a única a viver tal dilema, milhões de
pessoas passam por isso. Mas todos os processos são diferentes e grandes
emoções, como estas, sempre deixam marcas.
— Por que não consigo esquecê-lo? — Não pude evitar o embargo na
voz. — Eu só queria poder esquecê-lo.
— E o que te impede?
— Saudade. — Minha voz soou tão baixa, e mesmo assim não pude
esconder a vergonha. — Antes, ele sempre estava lá, como uma sombra
silenciosa. Era mais fácil eu ignorar e acreditar que não sentia nada. Agora,
depois de todos esses dias sem contato, sem ouvir sua voz ou vê-lo, descobri
que ele faz muita falta, mas também me recuso a aceitar que sou idiota a esse
ponto.
— Você não é idiota. — Foi categórica. — Você não viveu um luto
pelo fim desse amor, e saber por quê?
Neguei.
— Porque ainda não acabou. Admitir isso, como você faz, torna tudo
mais fácil. — Ela sorriu. — Se você entende os seus sentimentos, pode tratá-
los com respeito, sejam eles quais forem. Assim, não poderá ser enganada,
tampouco enganar outrem.
— Então, o que eu farei? Sinto-me sufocar a cada dia mais.
— Você precisa sentir, viver a dor, o amor. Não escondê-lo. Se quer
superar, não deve tratá-lo como algo ausente. Eu posso perceber que ainda
está forte em você e que é tormentoso. — Ela respirou fundo. — Agora, eu
estou aqui para te ajudar a canalizar suas energias para o que te fará bem.
Vamos conversar, buscaremos entender os sentimentos para que você possa
enxergar e ouvir a si mesma.
— Ninguém pode me ajudar.
Recostei no sofá. Exausta.
— Você não pode me fazer esquecê-lo, tampouco tirá-lo da minha
cabeça e dos meus pensamentos constantes. — Respirei fundo. — Você pode
trocar meu coração, doutora Regina? Preciso de outro que seja tão bom
quanto o antigo que eu tinha.
— Vamos com calma, tudo bem? — Ela tentou sorrir. — Vamos
subir um degrau de cada vez. Apenas confie que tudo vai dar certo e que você
jamais estará sozinha.
Concordei porque era o que eu deveria fazer. Talvez, aquela mulher
fosse o que eu precisava para encarar as coisas do jeito certo e aprender o
caminho que me levaria para mais perto do que eu era.
— Doutora.
— Me chame apenas de Regina. — Ela sorriu, sua atenção toda em
mim.
— Eu gostaria de dormir, pode me ajudar com isso?
O sorriso apagou de seus lábios, um suspiro os deixou.
— Não é aconselhável que você tome qualquer tipo de remédio que
não seja vitaminas, mas, faremos assim, tente ir diminuindo o ritmo, comece
uma rotina de preparo para dormir. Se não funcionar, então, irei conversar
com sua obstetra e ver o que pode ser feito. — Ela pegou minhas mãos, eu
sabia que estavam frias. — Se precisar, me chame a qualquer hora, virei
correndo.
— Tudo bem.
— Pense sobre o que conversarmos, não guarde o que você sente, isso
vai ser pior. Não importa o quanto doa, é melhor sentir tudo para que aos
poucos deixe os sentimentos irem. — Ela me deu um olhar confiante. —
Durante esta semana, virei todos os dias, acredite, vai dar tudo certo.
Concordei, pois não me restava outra coisa a fazer.
Victoria
***
***
Após a visita da minha obstetra, e de suas preocupações, prometi que
iria me esforçar e eu estava cumprindo minha palavra. Grande parte do meu
conforto eu devia a minha família, pois eles não faziam perguntas, apenas me
incluíam em seus mais variados assuntos.
Aos poucos, senti que me tornava parte de uma rotina legal, passei a
esperar as refeições, nas quais todos ficavam juntos; o banho de sol no
terraço da cobertura. Jason estava sempre ao meu lado, tia Laura também.
Eu sentia falta da minha avó, mas, pelo que eu soube, ela estava
surtando com a coleção outono-inverno e vários casamentos da elite carioca.
— Hoje nós teremos companhia para o almoço — meu pai falou, ele
parecia um pouco envergonhado. — Convidei Regina. Tudo bem para você,
filha?
— Tudo ótimo. — Pisquei um olho.
Eu ainda não tinha parado para pensar que eles poderiam estar
desenvolvendo algum tipo de relação, mas o fato era que, se estivessem, para
mim estava ótimo. Segundo o que eu soube, eles eram amigos de longa data,
gostavam das mesmas coisas, então, por que não?
— Pai, eu não me importo se você namorar.
— Victoria! — Ele engasgou com sua bebida. — Eu não penso, quero
dizer, eu não estou namorando ou algo do gênero. É somente que hoje está
um dia lindo, e eu a convidei porque…
— Pai, pai, tudo bem. — Segurei sua mão, pois ele parecia nervoso.
Respirou fundo, encarando-me seriamente.
— Desde a sua mãe, não tive outra mulher. Não sei me relacionar do
modo que você está pensando. — Coçou o queixo. — Somos apenas amigos,
só isso.
— Você deveria se permitir. — Apertei sua mão. — Você é jovem,
lindo, um bom partido. — Ele fez careta. — E a doutora Regina é
maravilhosa, eu gosto dela. Então, pai, eu aprovo.
Apesar de sua aparente relutância em admitir, pareceu-me aliviado.
Durante o almoço, prestei atenção em como eles se comunicavam. Meu pai
falava algo, Regina prestava atenção, seus olhos castanhos brilhando. Às
vezes, ela colocava uma mecha de seu cabelo flamejante atrás da orelha, e
meu pai acompanhava o movimento.
— Pai, você já mostrou à Regina o terraço? — perguntei, enchendo
outra taça de sorvete de chocolate. — A vista é incrível, inclusive, estou
pensando, por que não vamos todos para lá? Tem uma parte sombreada, eles
podem jogar e nós vamos conversar.
— Obrigada, Victoria, eu adoraria conhecer o terraço.
Pouco tempo depois, eu estava sentada confortavelmente em um
futon, observando meu pai, Jason e Ricardo levarem a sério uma disputa na
mesa de bilhar.
— Victoria hoje está tão diferente do que era semana passada — tia
Laura iniciou a conversa. Eu apenas concordei.
Eu tinha que estar, meus esforços não poderiam ser em vão.
— Nem parece que faz pouco tempo que começamos nossas sessões,
você é uma grata surpresa. — Regina sorriu, bebericando sua água
saborizada.
O dia estava fresco, apesar de ensolarado. Eu sentia que as coisas
estavam começando a entrar nos trilhos e isso me incentivava a continuar
seguindo o mesmo ritmo, tentando diariamente não me perder.
— Eu agradeço. Você e Tânia, minha obstetra, me muniram do que eu
precisava para iniciar o processo de mudança. — Acariciei a minha barriga.
— Meu filho precisa que eu esteja inteira para ele, é só isso que importa.
— Muito bem.
Talvez, se tia Laura não estivesse ali, ela me perguntasse sobre meus
sentimentos. Ela sempre perguntava, e a resposta continuava a mesma. A
saudade de Rocco era tão absurda que eu sentia como se me queimasse,
várias vezes me pegava pensando nele, em como estaria. A covardia era
quem não me permitia buscar informações. Eu não queria saber o que ele
estava fazendo porque temia a resposta.
— Eu vou buscar meu celular, volto já. — Tia Laura levantou-se,
assim que se afastou, a pergunta foi feita.
— Como têm sido os seus dias? — Ela sempre começava assim. — E
antes que pergunte, não estamos em uma sessão, mas estou te vendo com um
aspecto tão bom, que me animo a falar sobre isso com você.
— Estão melhores, você sabe. — Sorri verdadeiramente quando meu
pai gritou ao vencer Ricardo. — Minha família é incrível, eles nunca me
deixam sozinha.
— E está conseguindo dormir?
Fiz careta. Tirava cochilos de meia hora, várias vezes ao dia. O
relógio despertador servia como um fiel companheiro. Não dava nem tempo
de sonhar, mas também, eu não conseguia descansar o suficiente.
— Victoria, você não pode ter medo de dormir.
— Estou indo com calma, não quero perder toda a evolução que
adquiri na última semana. — Parei um momento, sentindo meu filho chutar.
— Eu só estou sendo precavida.
— Querida, você melhorou muito, e em tão pouco tempo. — Ela
pegou minhas mãos, dando um aperto firme. — Não tenha medo, você
precisa dormir.
Uma semana de tratamento era pouquíssimo tempo para constatar
uma evolução tão boa, mas eu estava tentando com muito afinco, não olhava
para trás, e quando sentia vontade de fazê-lo, simplesmente lutava contra.
Rocco era o único elo que eu não conseguia quebrar e, para ser sincera, eu
nem sabia se conseguiria.
O que eu sentia por ele era como uma tormenta que derrubava tudo a
sua volta.
— Tudo no seu tempo, doutora.
Ela fez por bem não continuar com aquele assunto, então, resolveu
mudar a pauta para algo que ainda continuava relacionado a mim.
— Quando vai voltar à fisioterapia?
— Ainda não sei. — Olhei a minha perna, ela estava cômoda apoiada
em uma almofada. — Não quero mexer nisso agora.
— Você consegue pisar no chão? — Neguei, ela sabia que não.
— Meus músculos estão atrofiados, começar a fisioterapia agora
envolveria muita dor física, então, não vou mexer nisso agora.
— Eu conheço um fisioterapeuta maravilhoso, permita-me trazê-lo
para uma avaliação, por favor?
— Diga-me, quanto desta conversa tem dedo do meu pai?
Uma risadinha foi a resposta que obtive.
— Ele acha que você me escuta mais, então, pediu para eu sondar. Ele
está preocupado porque quanto mais demorar, mais difícil vai ser sua
recuperação.
Olhei para meu pai, ele estava concentrado em sua jogada. Durante
todo esse tempo, ele não invadiu meu espaço, mas sempre me deixou saber
que estava por perto.
— Tudo bem, traga o seu fisioterapeuta. — Seus olhos brilharam.
— Por acaso, é meu filho.
— Se ele for como você, eu sei que estarei ferrada.
Sua risada chamou atenção, meu pai a olhou e, por um momento, eu
notei o deslumbre em seu rosto.
— Isso vai ser interessante. — Meneei a cabeça, levantando-me para
ir espiar minha mais nova obsessão.
O labirinto.
À noite, quando todos dormiam, me peguei encarando a serpente de
luz, exatamente como vinha fazendo nas últimas noites desde que a descobri.
Especialmente hoje, havia uma belíssima lua cheia e um céu
estrelado. Apesar do costumeiro sono, eu sabia que não ia dormir, portanto, a
ideia que surgiu há vários dias parecia cada vez mais sólida.
— Não comece. — Sentei-me na cadeira, puxando o cobertor.
Tentei relaxar e permitir que a suavidade da noite me dominasse. Não
consegui. Meus pensamentos estavam mais limpos, eu raciocinava sobre as
questões que me envolviam e não temia recaída por agora. Sentia-me
preparada para aguentar qualquer coisa, pois estava trabalhando na
positividade e nas coisas boas que eu tinha.
Eu não sabia se esse conhecimento tornava a espera por um novo dia
mais difícil, pelo simples fato de que boa parte daquela apatia horrível foi
embora. Antes eu apenas sentava na cadeira e me perdia até o dia amanhecer,
agora, cada minuto era duramente conquistado.
Eu sentia algo parecido a ansiedade, e outra vez me peguei inclinada
sobre a varanda, o olhar fixo naquele sedutor caminho de luzes.
Eu poderia esperar para ir depois, claro, não seria impossível. Mas
quanto tempo levaria até que o cansaço me vencesse?
— Eu vou. — Respirei fundo, pegando meu casaco. Vesti-o ali
mesmo, certificando-me de qual era a direção correta do labirinto.
Entre as duas torres, em uma parte mais distante.
— Ok. — Peguei as muletas e, antes de sair do meu quarto, tranquei a
porta e guardei a chave no bolso da minha roupa.
Fui em busca de Jason, com certeza ele não se importaria de ir
comigo. Quando cheguei ao quarto do meu irmão, encontrei a porta
encostada. Espiei e o avistei dormindo com a janela aberta. Parei um
momento para admirá-lo. Todos estavam exaustos, mas Jason parecia estar
no limite. Ele era um dos que sempre estiveram perto demais. Quase todos os
dias, ele agia como um vigilante silencioso, sentado no chão do meu quarto.
Agora, ele estava se permitindo descansar, porque todos acreditavam
que eu estava dormindo também.
— Brother. — Suspirei, ao vê-lo agarrado a um travesseiro, roncando
baixinho.
Saí dali tomando o cuidado de não fazer barulho. Esse seria um
momento perfeito para desistir, mas antes que pudesse realmente pensar
melhor sobre o assunto de sair sozinha de casa, eu já estava indo para o
elevador.
Levei alguns instantes encarando o painel digital, depois, apertei o
botão que considerei ser o correto. Um lado era de vidro e, enquanto eu
descia, um frio na barriga me fez tremer um pouco. Sentia-me uma
aventureira, e aquela emoção foi muito boa.
Depois de tantos dias nebulosos, o sentimento novo era gostoso
demais. Quando as portas se abriram, deparei-me com um mezanino elegante,
em tons de madeira polida. O chão brilhava como se fosse um espelho, por
um instante temi escorregar.
Atenta, coloquei as muletas para funcionar, satisfeita por estar bem
versada na locomoção.
— Boa noite — cumprimentei os dois rapazes que estavam na
recepção. — Há um labirinto ao lado da torre, é seguro visitá-lo?
— Boa noite, senhorita. — Um deles saiu detrás da bancada. — A
senhorita está se referindo ao jardim secreto das rosas, e sim, é seguro andar
pelas dependências do condomínio a qualquer hora.
— Você acha que há possibilidade de eu conseguir ir até lá?
— Agora? — Ele franziu o cenho, dando uma espiada em um dos
quatro relógios que marcavam as horas. Notei que eram os horários de
diferentes países. — São duas e meia da madrugada, senhorita, tem certeza de
que deseja ir agora?
Eu já estava aqui, não ia voltar atrás.
— Sim, se for possível, claro. — Tentei não focar minha atenção no
relógio que marcava as horas de Londres, mas foi inevitável.
O que será que Rocco estava fazendo uma hora dessas? questionei-
me, imaginando que, pelo horário, ele estaria indo trabalhar.
— Senhorita? — Sacudi a cabeça, voltando minha atenção ao rapaz.
— Pode ir tranquila, o caminho até o jardim das rosas é iluminado. — Ele
encarou as muletas. — Não é longe, mas se quiser, eu posso buscar um
carrinho para levá-la.
— Pelo que pude notar, ele fica bem no meio dessas duas torres. Se
você me indicar o caminho correto, eu posso ir sozinha.
— Será um prazer, venha comigo.
Ele foi bastante atencioso e gentil. Inclusive, andou devagar para que
eu o acompanhasse. Ao sairmos do residencial, fiquei deslumbrada com a
imponência de tudo. Era muito bonito, chique e moderno. Palmeiras
imperiais ladeavam o caminho da entrada principal, adicionado mais
elegância ao lugar.
— Não se preocupe porque não há nenhum caminho escuro na área
comum do Riserva Golf, se prestar atenção, verá que os circuitos de
caminhada são iluminados. — Ele apontou um que se iniciava assim que
chegamos à divisa entre as duas torres. E, sim, a iluminação era delicada, e
não agressiva.
Como tudo ali, parecia milimetricamente calculado para se encaixar
no lugar. Eu com certeza era a única que destoava.
— Ali fica o início do labirinto. Dá para ver a parede de cerca viva,
siga por esse trajeto e depois as luzes na entrada, elas irão te guiar até o
jardim das rosas. Há iluminação extra lá, fica ao lado da entrada, caso queira
adicionar. Há bancos de observação também.
— Obrigada, você ajudou muito.
— Pode ir passear tranquila, como falei, aqui é extremamente seguro,
você não corre qualquer risco.
— Desculpe-me, eu não perguntei seu nome. — Estendi a mão e ele a
apertou.
— Mário, eu sou o responsável pela recepção noturna.
— Prazer, Mário, eu sou Victoria. Obrigada por sua ajuda.
— Disponha. Se precisar, acione o botão vermelho ao lado do painel
de luzes extras, eu irei em seu auxílio.
— Mais uma vez, obrigada.
Segui pelo caminho, e não fui com pressa. Aproveitei cada minuto
daquela ousada liberdade. Não queria imaginar a confusão que seria, caso não
me encontrassem em casa.
— Uma aventura sem perigo, que mal há?
Não levou mais que cinco minutos para que eu chegasse onde queria.
Antes de entrar, encarei o paredão adiante. A poda da cerca viva era tão bem-
feita que ela de fato parecia um muro, era bastante alta, o que me lembrava a
visita que fiz ao labirinto de Longleat quando meus pais eram vivos.
Curiosa, dei um passo à frente, seguindo desde o início as luzes bem
colocadas que me indicariam a direção correta até o centro. Diferente do
labirinto que eu conheci na Inglaterra, este aqui tinha roseiras espalhadas
aleatoriamente. De vez em quando, eu parava para acariciar as pétalas
desabrochadas, feliz, por ter vindo aqui.
— Nem a noite consegue diminuir tanta beleza.
Sentia-me encantada com o perfume doce e suave, por isso não tive
pressa alguma de chegar ao destino. Desfrutei de cada parte do caminho,
parando aqui e ali, cheirando uma rosa, tentando notar se havia diferença nos
aromas.
Algo me dizia que eu iria me surpreender, só que não esperei que
fosse tanto. No momento em que cheguei ao centro, o choque me deixou
momentaneamente sem fala. Não havia cerca viva ali, não consegui ver o
verde, apenas rosas, uma profusão de cores magníficas.
A área parecia uma pequena clareira, a iluminação no chão era sutil e
delicada, porém, entre as flores, havia luzes também, suaves.
— Deus.
No céu, a lua iluminava ainda mais, as estrelas conferindo um cenário
tirado de um sonho. Se eu pensei que minha visita seria rápida, eu estava
enganada. Satisfeita com tamanha recompensa, sentei-me na grama, depois
deitei.
Puxei uma longa respiração, os sons da noite eram os perfeitos
compositores daquele lugar fantástico.
Fechei os olhos, apreciando a solidão, a paz. Pela primeira vez em
muito tempo, meus pensamentos silenciaram. Pensei que poderia ficar ali
para sempre, mas o som de passos chamou minha atenção.
Sentei-me, esperando para ver quem chegaria. Uma silhueta se
formou à distância no corredor do labirinto, quem estava chegando evitava a
iluminação, mantendo-se parcialmente oculto. Aos poucos, percebi que o
intruso tinha uma constituição física robusta.
Minha boca secou, a barriga deu uma cambalhota. Ele aproximou-se,
seus passos firmes. Quando pude enxergá-lo, não acreditei.
O meu tolo coração acelerou, o que senti foi mais que saudade. Era
uma chama ardente, capaz de iluminar a noite mais densa.
— Rocco.
Seu nome escapou dos meus lábios como uma prece de necessidade.
Foi então que eu soube: estava perdida.
Victoria
Ela me ama, mas fugir era mais seguro para manter seu coração
preservado. Eu disse a mim mesmo com a certeza de que não estava
enlouquecendo.
Victoria não era do tipo de mulher que se deixava levar pelo
momento, ela sempre foi consciente de suas vontades e decisões, eu que fui
tolo de cair na armadilha que eu mesmo criei.
Todos esses dias, enquanto a espionava como se fosse um criminoso,
fui me enchendo de uma necessidade que se tornou tão fundamental quanto
respirar. Eu precisava estar perto, para que de alguma forma ela pudesse
reagir, pois eu acreditava que qualquer sentimento era melhor que nada.
Seu ódio por mim talvez a tirasse daquela apatia. Mas, então,
enquanto repassava em minha memória como estávamos antes do fatídico
encontro que ela teve com Susan, no casamento de Mariah, eu percebia que
estávamos caminhando para algo.
Naquela época, eu tinha acesso a sua casa, ela já não me expulsava e
quase sempre respondia minhas mensagens. Era um avanço, e foi isso o que
me manteve firme todos esses dias.
Observar sua fragilidade, quão pequena e triste ela parecia, era por si
só uma penitência. Às vezes eu me questionava se não deveria me afastar.
Mas, então, logo descartava a ideia.
Como alguém poderia se afastar de seu coração? Ainda seria eu um
bastardo egoísta que só pensava nas próprias necessidades? Dio Santo, tudo
isso parecia tão confuso que a única coisa correta era me manter forte para
aguentar tudo que fosse necessário.
Eu sabia que poderia fazer Victoria muito feliz. Se ela me permitisse,
eu poderia construir a escada que a ajudaria a recuperar o que fora perdido.
Por sorte, nunca fui do tipo desistente, ou frágil, e nós éramos opostos, por
isso eu acreditava piamente que éramos almas gêmeas, perfeitos um para o
outro.
Encaixávamo-nos, como se fôssemos projetados para isso.
— Tudo vai dar certo. — Beijei seus cabelos, feliz, ao escutar o seu
ronco baixinho.
Victoria estava exausta, eu também, mas dormir e perder a chance de
apreciá-la parecia um pecado.
Nunca imaginei que algum dia minha vida se resumiria a uma mulher.
Não tinha vergonha de admitir que meus dias eram voltados a encarar as
paredes de vidro de seu apartamento, para pegar vislumbres de qualquer coisa
que ela pudesse estar fazendo.
Esta noite era como um presente fora da curva, que acabou por se
tornar tudo o que eu precisava para continuar firme em meu propósito de
reaver a minha família. Não importava que Antonietta me odiasse e que
certamente fosse dificultar qualquer tentativa de reaproximação entre mim e
Victoria. O que ela poderia fazer era nada, tamanha era a dor de ver amore
mio encolhida, perdida.
Esses últimos dias me deram mais certeza de que Victoria precisava
de mim, como eu precisava dela. Hoje foi a confirmação de que eu estava
certo.
— Tudo vai se ajeitar.
Eu reafirmava essa certeza vez ou outra, aliviado por estar com ela em
meus braços. Juro, aquele momento parecia um bálsamo que acalmou a
tormenta em meu interior.
Mesmo sem eu querer, meus olhos começaram a pesar. Esfreguei-os,
pois não queria dormir, mas, como aconteceu com Victoria, a exaustão
começou a dominar-me.
Ajeitei o meu agarre no corpo pequeno da minha mulher, ela encolheu
como se compreendesse o que eu queria.
— Eu te amo — murmurei, fechando os olhos e me permitindo
descansar, pela primeira vez, em muitos dias.
***
Esperei ansioso por uma resposta, não demorou muito para que ela a
enviasse.
Não havia o menor sinal de cansaço, com certeza seria mais uma noite
em claro, cogitando hipóteses e surtando.
Desta vez, Victoria não respondeu. Esperei cerca de dez minutos, a
ansiedade aumentou a ponto de me deixar sem fôlego.
— Puta que pariu, porra! — Esfreguei o rosto, olhando ao redor.
Meus olhos prenderam-se às revistas na mesa de centro. Victoria era
capa em todas elas. Peguei uma, admirando a foto antiga. Havia certa justiça
poética no fato de que agora fosse eu a ter uma revista dela.
Na verdade, eu tinha várias, algumas até repetidas que fiz questão de
deixar espalhadas por todo lugar.
— Como é linda. — Acariciei seu rosto, jurando que em breve a teria
de volta. — Acredite, amore mio, eu nunca quis tanto algo na minha vida.
Levantei do sofá quando meu celular apitou. Era a resposta que eu
estava esperando.
Concordei. Era errado invadir sua privacidade assim, mas foi a única
saída que encontrei para amenizar o desespero que me dominou poucos dias
depois que cheguei aqui e não obtive notícias.
Victoria: Um pouco.
Rocco: Sou.
Esperei por sua resposta, demorou um pouco, mas ela não me deixou
sem.
Desta vez ela não respondeu, e eu, por haver prometido, não pude
espioná-la. Então, o que me restou fazer foi deitar por ali e perder-me
observando o céu.
Victoria
Meu Deus, que anseio louco é esse que sinto quando digo a mim
mesma que não devo sentir? Sacudi a cabeça, tentando me concentrar na
conversa em que minha família insistia em me incluir.
Ricardo e Jason estavam animados, dizendo que o jogo deles havia
acabado em empate e que hoje iriam continuar após o jantar.
Essa foi a única parte que capturei da conversa. Meus pensamentos
estavam voltados para o que eu estava fazendo, se me faria bem a longo
prazo ter Rocco tão presente na minha vida, agora.
Quero muito estar com ele. Conversar. Mas eu não deveria. Droga!
Respirei fundo, tentando ignorar as mensagens que ele mandava. Desde cedo,
ele me perguntava se eu queria conversar, mas, depois de uma noite estranha
por causa da sensação de que algo faltava, eu me sentia um pouco retraída.
Será que era normal me sentir assim? Eu estava ansiosa para
encontrar a doutora Regina, mas ela não poderia vir hoje.
— Victoria?
Escutei meu nome e nem sabia quem tinha me chamado. Olhei para as
pessoas na mesa, e elas me encaravam esperando uma resposta.
— Sinto muito, eu não estava prestando atenção.
— Perguntei se você quer sair para caminhar quando acabarmos aqui
— Jason falou, e eu concordei.
— Obrigada, eu gostaria.
Já havia decidido que não ficaria mais escondida aqui dentro, então,
era melhor que começasse logo a colocar em prática os meus objetivos mais
fáceis e que não exigiam muito esforço da minha parte.
— Quando a fisioterapia começa? — Ricardo perguntou, servindo-se
de um pouco mais de chá.
— Em breve, mas estou um tanto preocupada, descuidei demais dessa
perna.
— Vai ser doloroso — meu pai falou e estendeu a mão para mim. —
Mas você deve pensar que isso é para o seu bem e que logo você estará livre
das muletas.
— Cuidado, pai. As gêmeas podem ficar magoadas. — Pisquei um
olho.
Depois que comecei a melhorar, meu pai rejuvenesceu. Na verdade,
todos estavam com aparência melhor. Por eles, mas principalmente pelo meu
filho e por mim também, eu não me importaria com a problemática confusão
que rondava meus pensamentos, acerca de Rocco.
Havia momentos em que eu mal podia esperar para vê-lo, como
ontem. Hoje, não queria falar com ele e o havia ignorado.
Não saí ilesa dessa bagunça, pois me machucava deixá-lo sem
resposta. Eu não era uma pessoa assim, por outro lado, estava reaprendendo a
aceitar meus desejos e vontades.
Hoje, só não havia acordado muito legal e foi como se desse um passo
para trás em tudo que tinha avançado.
Acho que eu só queria estar segura, chegar a um momento em que
não iria sentir estar fazendo algo errado, mesmo que não fosse errado. Era
como se não pudesse enxergar os sentimentos por Rocco de forma clara,
minha visão estava turva, e eu só tinha as minhas emoções para servir de
guia.
Quando elas se confundiam, então, eu não sabia para que lado ir.
Eu admitia que era uma enorme bagunça, mas queria
desesperadamente ter clareza para não achar que ainda ter sentimentos por
Rocco era errado.
Por que não é errado? Ou é? Franzi o cenho, olhando a minha xícara
de chá.
Precisava resgatar minha autoconfiança, acreditar em mim, nas
minhas certezas. Eu estava caminhando para alcançar esse objetivo, ter uma
dúvida ou outra não fazia mal, só me tornava cautelosa.
É isso. Sorri, sentindo-me um pouquinho aliviada. Afinal, foi como a
doutora Regina disse: eu não precisava da aprovação de ninguém, o que
estava acontecendo na minha vida, e se eu queria Rocco por perto eram
problemas meus.
Óbvio que afetava a todos, mas as decisões eram minhas.
Isso que eu estava sentindo era medo, e a única forma de superar o
medo era encarando-o de frente. Eu não ia criar um mundo perfeito, de
ilusão, tampouco fechar os olhos e fingir que nada aconteceu só para ter a
sensação de falsa segurança.
Não queria isso para mim.
Rocco foi meu porto seguro, uma base de confiança que me fazia
acreditar que tudo daria certo. Talvez o medo fosse esse: confiar nele,
acreditar e me decepcionar. Em todo caso, só iria descobrir como as coisas se
desenrolariam com o tempo e não fugindo e me escondendo como a covarde
que eu nunca fui.
Consegui avançar sobre a questão e não me sentir culpada. Eu gostava
de Rocco, queria-o por perto e aceitava isso. Agora, deveria tentar enxergar
melhor se ainda o amava ou se o que sentia era um reflexo do passado.
— Olá, boa tarde a todos. — Minha avó chegou e sentou-se ao meu
lado.
Ela não se importou se estávamos na metade do chá da tarde e já
começou a discutir com meu pai, na frente de todo mundo.
— O que aconteceu ontem foi um absurdo. Deixo aqui, bem clara, a
minha objeção a qualquer visita daquele homem à minha neta.
Com gestos comedidos, observei-a servindo-se de chá e agindo como
se sua palavra fosse lei.
Minha avó era muito arrogante e, se deixássemos, ela atropelaria
qualquer um.
— Mãe, Victoria está do seu lado, ela é maior de idade, dona de seus
próprios pensamentos e atitudes. A senhora não pode simplesmente chegar
aqui e perturbar a paz em que estávamos com suas exigências.
— Não é possível que eu seja a única que enxerga as coisas! — Havia
muita indignação em sua voz. — Laura, temos nossas diferenças, mas você
deve concordar comigo, não é?
Minha tia limpou a boca com o guardanapo e apoiou as mãos na
mesa. Eu sabia que vinha conflito apenas pelo gesto dela.
— Não concordo. — Quando minha avó abriu a boca para rebater, tia
Laura ergueu o dedo, interrompendo-a. — Não gosto de humilhar as pessoas
como você fez ontem. Geralmente o karma sempre volta e nos chuta na
bunda.
Ricardo tossiu uma risada, minha avó cruzou os braços, ficando
vermelha de raiva.
— Rocco está sofrendo as consequências de suas atitudes, e nós não
temos que ser juízes para condená-lo. Também não temos que dizer a
Victoria o que ela deve ou não fazer, pois ela não precisa da nossa aprovação
para nada.
— E aceitar um homem que não serve para ela seria inteligente? Ele
já provou que não vale nada, eu estou sendo o bom senso que vocês
obviamente não têm ao aceitar uma loucura dessas. Victoria e Rocco juntos
de novo? Eu vou vomitar! — Minha avó fez um som de escárnio.
Ouvi-la falar assim acionou algum mecanismo que havia adormecido
dentro de mim. A vontade que eu tive foi de correr para Rocco e abraçá-lo,
sentir o cheiro gostoso dele, sentir o seu calor.
Não gostei de ouvir o jeito como ele foi citado, incomodava-me
demais.
— Antonietta, minha sobrinha é capaz de tomar suas próprias
decisões, porque quando ela o faz, já pensou e repensou várias vezes. Então,
se Victoria quer ter Rocco em sua vida, a minha vontade, tampouco a sua,
Antonietta, não farão diferença. Aceite e fique em paz.
— Jamais! — Bateu a mão na mesa. — Victoria deve ficar com
alguém como Carlos.
— Você enlouqueceu, mãe?!
— Não, primos podem se casar. Carlos a adora, no começo pode
parecer estranho, mas depois não. Eles com certeza podem encontrar a
felicidade.
— Eu não estou ouvindo isso! — Levantei da mesa. — Vamos brigar
se falar bobagens como essa outra vez. Eu nunca, jamais irei olhar para
Carlos com esses olhos.
— Qualquer homem é melhor que Rocco Masari. — Ela cuspiu.
— Não é. — Respirei fundo. — Que tanto ódio é esse, vovó? Nem eu
sinto isso. Pelo amor de Deus, pare. Rocco é o pai do meu filho, sempre vai
estar na minha vida, em meu coração.
— Não precisamos dele. Carlos pode criar seu filho como se fosse
dele.
— Eu não vou ficar ouvindo esse absurdo. — Com a ajuda das
muletas, me afastei.
Na sala de estar, pude ouvir a discussão acalorada que se seguiu.
Fugi para o refúgio do meu quarto e tranquei a porta. Aquele era o
sinal de que eu queria ficar sozinha.
— De onde foi que a minha avó tirou essa história de juntar os netos?
— Balancei a cabeça, sentando-me na cama. — Ela enlouqueceu.
O som de mensagem chegou, e desta vez não ignorei. Abri o ícone e
lá estava, o nome dele em destaque.
Rocco: Quer conversar?
Victoria: Eu adoraria.
***
Ele colocou uma carinha triste. Nesses dias de chuva, não nos
encontramos, mas havia se tornado um vício conversar por longas horas, em
trocas de mensagens, que era um jeito quase antiquado, mas gratificante.
Victoria: A chuva não deixa. Mal consigo ver o seu prédio com tanta névoa.
Será que é normal? Parece meio assustador que o clima mude assim tão
rápido.
Rocco: Não faço ideia do que está causando tanta chuva, meu português vai
de mal a pior e eu pensei que falava um pouco, eu te disse em nosso primeiro
jantar lembra? Mas, preciso admitir que fui muito iludido nisso. Não entendo
quase nada do que é dito nos jornais. Você poderia vir aqui me ensinar, ou
eu poderia ir aí. Me convide.
Sua resposta demorou um pouco para chegar, mas quando veio, pude
sentir um pouco da solidão com a qual ele estava tendo que conviver. Aqui,
eu tinha muitas pessoas, mas Rocco, não, ele estava sozinho em um
apartamento que parecia ser bem maior que o meu.
Rocco: A última vez que eu te vi foi quatro dias atrás. Sinto sua falta,
gostaria de poder estar contigo, perto. Eu poderia prometer não dormir se
você quiser assistir um filme, até deixo ser desses romances que sangram os
olhos.
Pensei por um momento, então olhei para mim mesma e fiz careta.
Estava de pijama, descabelada, com certeza uma visão horrenda.
— Tudo bem. Talvez um encontro não seja mau, só não será agora,
nesse minuto.
Victoria: Não seja tão imediatista. Mais tarde a gente pode ir para a área
social do saguão desta torre. Você pode vir aqui?
Rocco: Ainda vou enlouquecer, então, quando isso acontecer, não reclame
se eu te roubar e levar para a minha ilha. Tenho certeza de que juntos
podemos resolver qualquer coisa. Amo você.
***
Sem dizer uma palavra, observei minha avó e pai discutirem como se
eu não estivesse presente. O dia amanhecera nublado, mas, sem chuva. O que
já era um grande avanço.
— Eu vim em missão de paz. Não quero brigar, mas você, meu filho,
não colabora. — Minha avó suspirou, parecia cansada. — Eu só quero que
Victoria saia desse apartamento e venha conhecer o meu atelier, qual o
problema?
Olhei para o meu pai, ele esfregou o cabelo. O que estava fazendo era
deixar que eu sempre escolhesse, como não falei nada, ele deve ter entendido
que eu não queria.
— Mãe, estamos ótimos. Victoria está se recuperando muito bem,
talvez precisemos que Regina nos diga se é bom sair.
— Não vai ter ninguém de fora no atelier, eu já deixei organizado.
Será bom. — Ela olhou para mim. — Minha neta, você não gostaria de
conhecer a Luxury’s?
Acho que não deve ter problema, o que poderia acontecer? Era só
uma visita não é? Mordi a unha, nervosa. Parecia que já havia se passado
uma eternidade desde que saí pela última vez.
— Mãe, vamos deixar para outro momento, eu acredito que…
— Eu quero ir — falei baixinho, mas foi o suficiente para que a
atenção de ambos se voltasse para mim. — Quero retomar meu trabalho, os
projetos. Ainda há muito o que fazer pela minha marca.
Deus, será que eu não estava indo rápido demais? Minhas mãos
começaram a tremer, mas não me deixei abalar.
— Isso é maravilhoso. — Fui abraçada por minha avó, seus olhos
brilhavam de felicidade. — Você é forte para superar tudo, puxou a mim.
Bom, eu não sabia se havia puxado a ela, mas, a cada dia sentia-me
mais dona de mim. Isso me dava confiança para sair, porque estava pronta
para encarar o mundo lá fora.
— Então vamos?
— Acho que preciso trocar de roupa. — Olhei para mim, em dúvida
do que vestir.
— Minha querida, você está linda com esse vestido longo. Ele realça
sua pequena barriga e combina com sua cor de cabelo e olhos. Você está
adorável. — Minha avó elogiou.
Nesse quesito, se Antonietta Andrade estava falando, quem era eu
para discordar?
— Então vamos. Jason… — chamei, e ele já estava pronto, ao meu
lado.
Sem ele, eu não sabia se teria tanta coragem. Juntos, descemos para a
garagem, minha respiração acelerou um pouco, mas fiz o exercício que a
doutora Regina me ensinou. Inspirei e expirei até que parasse de tremer.
Sentei junto com minha avó no banco de trás de um sedan preto,
Jason na frente com o motorista. Não demorou muito para que saíssemos do
condomínio e pegássemos uma avenida.
— Victoria, teremos um pequeno coquetel de boas-vindas.
Não acreditei no que ouvi, tampouco escondi que não gostei de saber
disso.
— Vovó, a senhora não me disse isso. — Mordi o lábio, o nervosismo
voltando.
— Não será grande coisa, você vai adorar a equipe, eles são
maravilhosos.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela pegou seu celular,
ligou para alguém e iniciou uma conversa. Eu sabia que fez isso para não me
dar chance de questionar essa recepção de boas-vindas.
Senti o celular vibrar na minha bolsa, sabia que era Rocco.
LUXURY'S
O nome era enorme, talhado em letras douradas. A logomarca era rica
em detalhes, de muito bom gosto. Tudo ali gritava luxo, riqueza e tradição. A
vitrine estava sensacional, os manequins conversavam entre si, tudo
convergindo para um maravilhoso vestido de noiva, exposto na vitrine do
meio, no primeiro andar.
Foi inevitável me sentir emocionada.
Então, essa é minha nova vida? Sorri, ansiosa para conhecê-la.
Victoria
— Está pronta, querida? — Minha avó aproximou-se e ajeitou meus
cabelos e vestido.
— Eu acho que sim. — Respirei fundo, sorrindo. Ela retribuiu.
Minha avó era uma pessoa complicada, às vezes parecia agir como se
não fosse a mulher carinhosa que sempre me tratava bem. Eu queria que ela
encontrasse esse caminho e jamais saísse dele, porque, inevitavelmente, lidar
com Antonietta Andrade não era nada fácil.
— Vamos. — Ela indicou a escada. — Jason, por favor, cuidado com
os degraus.
O tom de voz que ela usou foi cordial e eu diria amistoso. Jason deu
um sorrisinho de lado.
— Claro, não se preocupe — ele respondeu e eu fiquei satisfeita por
estarem se tratando bem.
Minha avó sabia como ignorar alguém, esse sendo mais um dos seus
traços arrogantes e difíceis de lidar. Meu brother foi atencioso comigo, teve
paciência para me ajudar a subir os degraus. Havia uma rampa de acesso,
mesmo assim, optei pela escada.
Quando chegamos ao topo, minha avó sorriu, e foi ela quem abriu as
portas duplas de madeira entalhada.
— Seja bem-vinda à Luxury´s.
Quase não tive força nas pernas para dar o primeiro passo. Tudo que
eu estava vendo parecia saído do mais fabuloso sonho que já tive.
— Deus do céu. — Olhei ao redor, entrando timidamente no
imponente salão.
Havia duas escadas belíssimas que levavam ao primeiro andar. Ao
redor, vestidos glamorosos foram posicionados com perfeição, parecia que ali
era um evento de gala.
Sensacional.
Era tão diferente do atelier da Madame Blanchet, em que tudo era
cafona e desproporcional. Desde as cores berrantes que não combinavam com
nada, até os pseudocenários que ela considerava atraentes.
Aqui as cores conversavam. A cor da madeira das molduras das
vitrines dava a impressão de que a roupa exposta era um quadro; a
iluminação era adequada, havia foco certo nas roupas mais coloridas, e, no
grande salão, onde eu estava, um lustre gigantesco e muito bonito.
— Você gostou? — Acenei, não havia encontrado minha voz,
tampouco conseguiria descrever o que eu estava sentindo ali dentro.
Era uma mistura de euforia com sonho realizado. A sensação de que
tudo havia dado certo.
— Diga alguma coisa, minha filha. — Minha avó parecia ansiosa pela
minha opinião.
Mas o que eu poderia dizer que fizesse jus àquele lugar incrível?
— É surreal — murmurei, quando a emoção começou a dominar-me.
— Parece um sonho.
A estilista que havia em mim estava em êxtase. Não havia palavra
melhor para descrever. O atelier Luxury´s era o sonho de consumo para
qualquer estilista, entusiasta, ou apreciador da moda.
— Eu fico muito feliz que tenha gostado, venha, todos estão ansiosos
para conhecê-la.
Fui levada para outro salão. Este era mais sóbrio, porém, não menos
elegante. Havia muitas pessoas, todas vestidas impecavelmente.
— Meus amigos, é com muito prazer que lhes apresento a minha neta
e estilista, Victoria — minha avó falou alto, e na hora meu nervosismo
cresceu.
Todos estavam olhando para mim.
— É um prazer. — Acenei, envergonhada.
— Venha, vou apresentar algumas pessoas.
No primeiro momento, esperei que perguntas constrangedoras
surgissem, mas não. Todos me tratavam com cordialidade, educação e
interesse por meu trabalho. O orgulho cresceu em meu peito ao perceber que
aquelas pessoas estavam realmente empolgadas por eu estar ali.
— Finalmente, estamos nos conhecendo. A sua avó fala em você o
dia inteiro. — Um homem alto, elegante e belíssimo estendeu a mão. — Sou
Nikolas, o Cool Hunter e estilista especializado em noivas daqui. — Ele
inclinou para dizer baixinho. — Antonietta não vive sem mim.
— Não seja convencido, Nikolas. — Minha avó fez cara feia.
— Por que, chefa? Eu certamente posso. — Piscou um olho, fazendo
um sorriso tocar os lábios dela. — Ela me ama.
— É um prazer, Nikolas. — Estendi a mão e ele a pegou.
Foi uma surpresa notar a relação dele com a minha avó, eu vi
claramente que era especial, pois o carinho que demonstravam era nítido para
qualquer um.
— E esse belo espécime masculino ao seu lado, tem nome? Telefone?
É solteiro?
Não pude evitar a risada que escapou, Nikolas era efusivo e
energético. Acompanhar seu ritmo era difícil.
— Ele é Jason, meu irmão. — Fiz as apresentações, e quando eles
apertaram as mãos, Nikolas deu um sorriso que eu não soube interpretar.
— Pode ser que eu tenha acabado de me apaixonar.
Jason revirou os olhos, soltando a mão do rapaz.
— Nikolas, meu irmão não compreende muito bem o português.
— A linguagem do amor é universal, querida. — Ele piscou um olho.
— Agora me deixe apresentá-la ao restante da equipe.
O jeito descontraído com que Nikolas me recebeu deixou-me tão
aliviada que consegui ficar confortável e desfrutar do momento. Fui recebida
com muito carinho, não senti nenhuma vibração negativa, pelo contrário, em
pouco tempo conhecendo as pessoas que trabalhavam com a minha avó,
percebi o quão abençoada ela era.
Todos ali trabalhavam com amor, gostavam do que estavam fazendo e
por isso a harmonia era tão grande. O lugar parecia próspero, de maneiras que
eu não saberia descrever.
— Você não conheceu todo mundo. Gaby está doente.
Franzi o cenho, esse era o nome da namorada do Carlos.
— Venha, ainda há muito para ver.
Nikolas foi o encarregado de me apresentar às pessoas. Era incrível
como ele conduzia as conversas e circulava ao redor das pessoas esbanjando
carisma.
— Você é adorado aqui — comentei, ele riu.
— Eu amo cada aspecto dessa vida. A aura de criatividade e sonhos
que essas portas abrigam recarrega as minhas energias todos os dias. Estar
aqui era um dos objetivos da minha vida.
— E conseguiu. Você é incrível, Nikolas.
— Foi uma luta, sabe? — Ele sorriu, acenando para alguém do outro
lado da sala. — Imagine o que é para um garoto de cidade pequena, negro,
gay e de família pobre sonhar com algo muito além de suas possibilidades?
Consegue mensurar o quão gratificante é para mim deitar a cabeça no
travesseiro e saber que venci? Todos os dias me congratulo por ter mudado
minha história, e então, eu também agradeço a Deus por ter colocado sua avó
no meu caminho. Ela me acolheu e deu a primeira chance quando as pessoas
somente me estigmatizavam pela cor da minha pele.
— Nikolas, você é maravilhoso, nunca duvide disso. Você venceu,
tenho certeza de que sua família é muito orgulhosa de você. Adorei que há
uma relação tão bem construída entre você e minha avó.
Ele sorriu, emocionado.
— Eu a amo e faria qualquer coisa para vê-la feliz.
Alguns minutos depois, eu precisei sentar. Nikolas não saiu do meu
lado, e isso deu a Jason certa liberdade para circular ao redor.
— Então, como está se sentindo? — Nikolas perguntou, sentando-se
ao meu lado no sofá de canto.
— Bem. Eu estava muito nervosa, mas agora, graças a você, isso
passou.
— Muito bem, queremos que se recupere logo e venha trabalhar
conosco. — Ele bebeu sua taça de champanhe. — Imagine estar ao redor de
duas estilistas no nível que você e Antonietta possuem? Deus, eu acho que
nunca estive tão ansioso para começar a criar.
— Nikolas, eu estou começando. Não me coloque no mesmo patamar
que minha avó. — Dei uma risadinha. — Eu tenho muito o que aprender com
você também.
— Isso vai ser incrível. — Ele bateu palmas delicadamente para não
fazer barulho. — Estou até com frio na barriga, tenho certeza de que vem
coisa boa por aí. — Suspirou, sonhador. — Como é bom ter expectativas, que
delícia de sensação.
Sim, eu precisava admitir que agora eu começava a sentir o mesmo
que ele. A vontade de trabalhar e voltar à rotina louca de um atelier me
deixou muito excitada. Na verdade, a visita estava se convertendo em uma
das melhores decisões que já tomei desde que cheguei ao Brasil.
As pessoas sorriam para mim, não faziam perguntas difíceis, somente
queriam saber minha opinião sobre uma coisa ou outra, relacionada à moda.
Era muito renovador.
Deus que coisa boa, muito obrigada por isso.
— É incrível não é? — Nikolas perguntou, deve ter notado meu olhar
repleto de admiração pelo atelier.
— Demais.
— Antonietta é considerada um dos nomes mais influentes no mundo
da moda, ela vem perpetuando seu nome há anos. Tudo isso aqui tem um
pouco de seu toque. Ela mesma escolhe as pessoas para trabalhar, desde os
responsáveis pela limpeza, até os altos cargos. Principalmente estagiários.
— Estagiários?
— Sim, aqui nós temos um programa de estágio consistente, com
vários cargos e possibilidade de contratação definitiva após o final do
período. Gaby é uma estagiária, sua avó tem grandes projetos para ela.
Quando você a conhecer, vai ter noção do que estou falando. A garota é
brilhante.
— Eu gostaria de conhecê-la quando tiver a oportunidade.
— Você vai, ela é tímida e um pouco medrosa, mas tem uma
criatividade fora do comum. — Nikolas sorriu, mas então, de repente ficou
sério e pegou minhas mãos. — Desejo tanto que você consiga recuperar-se de
tudo, o mundo está aos seus pés, querida. — Ele beijou minhas mãos. —
Seremos uma dupla, vamos revolucionar a alta-costura.
Eu vislumbrei tanta certeza nos olhos dele que a única coisa que pude
fazer foi concordar.
— Tem razão, vai dar tudo certo, e nós com certeza iremos
revolucionar.
— É assim que se fala, meu amor. — Abraçou-me. — Perdão, se
estou sendo invasivo, mas parece que já nos conhecemos há tanto tempo. Sua
avó não tira seu nome da boca, ela te adora.
— Tudo bem. — Ri baixinho, aceitando todo carinho que me
dispensava.
— Eu vou procurar algo para comer, você quer?
— Por enquanto, não. Agradeço, mas gostaria de ir ao banheiro.
Quando levantei, tive a vaga sensação de que estava sendo observada.
Olhei ao redor, mas não encontrei nenhum olhar estranho. As pessoas
estavam conversando animadas, entretidas, e minha avó circulava de grupo
em grupo.
— Venha, fica logo ali.
Nikolas me levou por um corredor e indicou a porta.
— Quer que eu espere?
— Não, obrigada. Pode ir, eu vou demorar.
Sim, porque era um malabarismo fazer minhas necessidades com a
perna machucada atrapalhando. Claro, agora não se comparava, eu estava
bem melhor, mas ainda assim sofria para dobrá-la. Precisava sempre ir com
calma.
Entrei no banheiro e fiz o que precisava fazer. Até que não foi tão
difícil. Eu estava lavando as mãos quando a porta abriu e fechou, eu congelei.
Mas foi ao escutar o som do clique no instante em que ela foi fechada que
realmente me senti perto do pânico.
Na última vez que algo parecido aconteceu, não foi nada agradável.
Respirei fundo, engoli o medo e me preparei para enfrentar quem estava ali.
— Não vai olhar para mim, Pequena?
Minha cabeça ergueu-se bruscamente, porque acreditei estar ouvindo
coisas. Não era possível que Rocco estivesse ali, mas eu estava enganada.
Recostado na porta estava ele, vestido com um terno preto feito sob medida,
muito elegante e arrebatador.
— Gosto de como seus olhos me devoram — murmurou, caminhando
em minha direção. — Victoria.
Cristo! Que pecado. Sua voz viajou por meu corpo como uma carícia,
o jeito lascivo que pronunciou meu nome deveria ser proibido. Meus seios
pesaram, os mamilos endurecendo sob seu olhar de fome.
Ele só parou quando invadiu meu espaço pessoal e enfiou as mãos em
meus cabelos, segurando minha cabeça, obrigando-me a encará-lo.
— Peça-me para parar, eu irei encontrar a força necessária e atenderei
a sua ordem — murmurou, esfregando o nariz em meu rosto. — Mas guarde
silêncio e eu saberei que deseja isso tanto quanto eu.
Eu só pude ofegar. Seus olhos azuis brilhavam com um fogo que me
derreteu.
— Vou contar até cinco, esse é o tempo que te darei para pensar.
Depois… — Ele deu um sorriso perverso, daqueles cheio de promessas. —
Um…
E eu senti minhas pernas amolecerem e um pulsar incômodo se
instalar no meio delas.
Diga alguma coisa! Tentei clarear os pensamentos, mas me sentia
seduzida, enredada em sua teia sensual.
— Cinco.
— Espere, você não contou…
Sua boca tomou a minha e eu engoli o seu gemido másculo. Chocada
com seu descontrole e o meu, não protestei quando ele devorou-me.
— Me beije de volta — exigiu, puxando meu cabelo para trás,
dominando-me.
Tentei apertar as coxas, minha boceta não parava de latejar. O cheiro
dele, o modo como me beijava e o seu olhar feral mexiam com meu
autocontrole.
Ele não precisou que eu lhe respondesse, seus lábios esmagaram os
meus, a língua invadindo, saboreando e exigindo o mesmo em troca.
— Compartilhe o meu desespero. — Esfregou a barba por meu rosto,
mordiscando meu queixo. — Sinta a minha necessidade por você.
Ele me puxou, colando nossos corpos e me fazendo provar sua
excitação. Não contive o gemido que escapou, meu corpo quente, lânguido.
O perfume dele estava me deixando louca, era gostoso e viciante.
— Quero você, caralho, eu estou louco, preciso de você.
Era aqui, nesse momento, que eu deveria colocar um ponto final. Não
estávamos em um lugar apropriado para o que estávamos fazendo, no
entanto, ao invés de ouvir a voz da razão, fiz o contrário.
Agarrei-me a ele e o beijei com fervor. Agora, muitas emoções
bagunçavam meu raciocínio e eu não me importava com nenhuma delas.
Queria-o, estava sedenta, depois analisaria o que estava acontecendo.
Puxei seu cabelo com força, ele riu, gemendo. Chupei sua língua, ele
me incentivou, esfregando-se em mim. Eu estava toda arrepiada, sensível,
com o corpo quente. Sua boca serpenteou por meu queixo, pescoço e foi
descendo. A língua acariciando a pele, construindo um rastro de fogo.
— Isso não muda nada. — Ofeguei, jogando a cabeça para trás
quando Rocco esfregou a barba em meu ombro e o mordeu.
— Muda tudo.
Eu o tocava com desespero, saudade. Os beijos reacendiam algo
profundamente enterrado, e que com certeza me deixaria preocupada depois.
Minhas pernas bambearam, e ele me ergueu, sentando-me na bancada, depois
se acomodou entre elas.
— Saudade do seu beijo, desse cheiro delicioso que só você tem. —
Inclinei o pescoço, ele puxou uma longa respiração — Porra, amor, que
saudade do caralho!
— Senti sua falta também — revelei, ofegante, e ardendo de
excitação. — Agora menos conversa e mais…
Ele me beijou outra vez, e a gente se misturou. Estávamos tão unidos,
abraçados um ao outro, que seu calor tocava-me por toda parte. Gemi quando
Rocco esfregou sua ereção em minha boceta, eu estava tão molhada, tão
pronta que só de pensar faltava-me ar.
— Oh, meu Deus. — Arqueei, jogando a cabeça para trás quando ele
puxou a alça do meu vestido para baixo e expôs meus seios. — Rocco…
— Eles parecem lindos e prontos para minha boca.
Foi o único aviso que recebi antes de ele lamber um mamilo
lentamente, enquanto me encarava.
— Estão maiores e com certeza mais saborosos.
Minha calcinha estava alagada, eu podia sentir minha excitação
escorrer. Rocco estava em todos os lugares, ele começou a sugar meus seios,
gemendo sem parar. Minha cabeça rodou, os pensamentos foram embora e
nada mais pareceu ter importância.
Pensei que fosse morrer quando ele mordeu o mamilo e o puxou de
leve.
— Não aguento, muito sensível.
Meu corpo todo parecia vibrar. Cada vez que ele fazia isso, eu sentia
que tudo contraía, e a vontade de ser preenchida era entristecedora de tão
forte.
— Você aguenta, sempre aguentou, agora não será diferente.
Eu não sabia que meu corpo precisava tanto disso. Rocco brincou
com meus seios, mamando gostoso, duro. Às vezes mordia, em outras
soprava, fazendo-os endurecer ainda mais.
A excitação foi tanta que minha mente turvou. Todo o meu corpo
ficou tenso quando a excitação explodiu, tentei agarrar-me à realidade,
mesmo sendo impossível.
Rocco me beijou e engoliu o pequeno gritinho de desespero que
escapou dos meus lábios quando o prazer eclipsou todo o resto. Era tão
inaceitável que ele me deixasse assim em poucos minutos.
— Calma, sinta cada instante disso. — Abraçou-me, enquanto eu
tremia toda.
Eu estava tão chocada que pudesse sentir algo assim apenas com
estímulo nos seios. Assustava-me muito que Rocco tivesse esse poder sobre
mim.
Recebi um beijo suave, carinhoso, que me fez derreter outra vez em
seus braços.
— Quero tanto ter você de volta — murmurou, encostando nossas
testas.
— Rocco…
— Pequena, por que eu deveria negar? — Seus olhos pareceram um
pouco tristes. — Amo tanto você, e antes que traga a sua gravidez à tona,
quero deixar claro que você é minha mulher, e eu iria atrás de você de todo
jeito.
— Aqui não é o lugar para termos essa conversa. — Arrumei meu
vestido, encolhendo quando o tecido roçou os meus seios.
— Nega que você me deseja com o mesmo ardor que eu te desejo? —
Alguém bateu na porta. Eu não sabia se ficava aliviada ou triste. — Victoria,
isso ainda não acabou. Não vou deixar que nos afaste.
Eu não soube o que responder. Rocco parecia um tantinho louco.
— Não adianta, a gente nasceu um para o outro. — Ele colocou a mão
em minha bochecha. — Quando a gente está próximo, o mundo perde o
sentido. Conto os dias para que possamos ficar juntos, quero te segurar
enquanto dorme, sinto tanta falta do que fazíamos. — Respirou fundo. —
Sinto falta de absolutamente tudo.
Com cuidado, ele me retirou da bancada e me colocou de pé, apoiei-
me nele para não cair.
Outra batida na porta soou, ele me beijou apressado.
— Isso é doloroso. Te deixar ir me mata um pouco a cada vez que
preciso me despedir.
— Rocco, isso não é… — Ele me deu um beijo rápido, como se fosse
para me calar. — Escuta, você não pode… — Roubou outro beijo, não me
deixando argumentar. — Me deixa falar!
— Se for dizer besteira, eu vou te beijar. — Cruzou os braços, pouco
se importando com as batidas na porta.
Balancei a cabeça, perdida em seu olhar azul, cheio de sentimento
exposto.
— Besteira! — Arqueei uma sobrancelha e ele riu, me dando um
selinho demorado e um beijo carinhoso na testa.— Todos os dias, a partir de
hoje, irei esperar para te ver. Ficarei no saguão da sua torre e só vou embora
quando o dia amanhecer. Não quero mais ficar sozinho.
Não soube como reagir a isso.
— Não se sinta pressionada, eu só quero que você saiba. Estarei te
esperando até o dia em que se sentir pronta e vir para mim.
Entregou-me as muletas e, antes de se afastar, beijou-me outra vez.
— Eu te amo, lembre-se disso.
Observei-o abrir a porta e ir embora. Desta vez, não senti repulsa ao
ouvi-lo dizer que me amava, pelo contrário, o que senti em meu coração foi
uma coisa muito boa.
Só que não menos preocupante.
Victoria
No caminho de volta para casa, eu não pude manter um diálogo
mínimo com minha avó. Enquanto ela demonstrava sua euforia por tudo ter
corrido bem, eu não parava de pensar no meu encontro com Rocco.
Ainda sentia seu toque sobre mim, sua boca nos meus seios.
Deus… Respirei fundo, dolorida por causa da constante excitação que
me dominava. Apertei um pouco as coxas, na tentativa de apaziguar o
tormento. Se antes eu sentia frio e considerava que meu corpo estava vivendo
uma era glacial no quesito sexualidade, agora, depois desse encontro, sentia-
me em chamas.
Por dentro, era como se tivesse febre. A pele estava sensível, os seios
pesados, a mente presa no beijo que só Rocco sabia dar. Eu não era essa
criatura superexcitada, nunca fui, mas Rocco Masari transformou-me nela.
Ele me fez ansiar, desejando seu toque, o sexo gostoso e tudo mais
que fazíamos juntos. Depois do acidente, eu me sentia mal ao pensar nele
assim, na verdade, eu nem pensava. Estava tão apagada que nem parecia
viver, neste momento, não.
Eu sentia o abalo do prazer e o quanto isso me fez falta.
Será que esse seria mais um sinal de que eu estava superando tudo o
que aconteceu? Franzi o cenho, duvidando de que fosse ter paz enquanto não
chegasse ao fundo desses sentimentos.
Tudo o que aconteceu e que culminou no meu acidente foi grave, mas
eu não culpava Rocco por nada além do que acontecera dentro do bar. Ele
não foi o responsável pelo acidente, quem deveria estar prestando atenção era
eu.
Ok, eu corri, numa louca tentativa de escapar da dor, e quase morri
por causa disso.
Eu não ia justificar o que Rocco fez, ele errou e ponto final. A questão
de querê-lo na minha vida não era porque ele precisava, mas porque eu
precisava dele.
Analisando o que ele me trouxe até este momento, cheguei à
conclusão de que ele me fazia bem, eu gostava de sua companhia e de como
Rocco se revelou alguém melhor, capaz de rever seus erros e aprender.
O Rocco de antigamente jamais aceitaria ser excluído. Bom, ele
parecia ter aprendido a ser paciente.
— Victoria, por favor, minha neta, não fique com a janela aberta. —
Minha avó tocou meu ombro, chamando atenção. — Aqui, no Rio de Janeiro,
sofremos muitas tentativas de assalto. Suba o seu vidro, por favor.
Obedeci, mas eu queria sentir a brisa do mar no rosto.
Quando chegamos em casa, pensei que poderia ficar na área de lazer
do apartamento, mas pesadas nuvens de chuva anunciavam que isso seria
impossível.
— Parece que não teremos um dia inteiro de sol. — Minha avó bufou.
— Não gosto de tanta umidade, o cabelo fica impossível de manter no lugar.
Eu gostava, era bem acostumada com o clima úmido de Londres.
— Eu não vou subir, vou para casa antes que a chuva caia. —
Antonietta pegou minhas mãos. — Eu preparei um quarto para você e para o
meu netinho, está ficando tão lindo. Venha comigo, fique algum tempo na
minha casa. A gente pode desenhar alguns vestidos juntas.
— Vamos combinar, vovó. — Ela sorriu, talvez fosse isso o que
quisesse ouvir. — Vai ser preciso reorganizar algumas coisas. Estou fazendo
fisioterapia duas vezes por dia.
— No final de semana, que tal?
— Vamos combinar, eu vou adorar conhecer a sua casa.
— Irei convidar Nikolas, e nós faremos uma tarde de modelagem.
Tenho um estúdio em casa, você vai adorar.
O mundo da minha avó era tudo o que sonhei, mas, depois de tantos
acontecimentos, as coisas para mim estavam fluindo mais devagar. Talvez,
por eu não estar acompanhando o ritmo, deixavam-me nervosa as tantas
coisas que ela queria fazer.
Antes do acidente, eu acho que daria conta. Era estranho, mas eu
estava bloqueada para desenhar, a sorte era que eu contava com os desenhos
que Blanchet devolvera, caso contrário, estaria sem nada.
Isso para mim era assustador, produzir sempre foi muito fácil, e hoje,
quando eu tentava imaginar algo, não acontecia nada. Era como se minha
mente estivesse em branco. Por enquanto, ninguém havia percebido, mas isso
poderia mudar.
— No final de semana então? — Ela se empolgou porque hoje era
quinta-feira.
Confesso que me deu certo nervosismo ficar sozinha com ela, minha
avó era muito efusiva com suas ideias, e eu tinha certeza de que falaria coisas
que eu não estava pronta para ouvir.
De tudo que me pressionasse, eu queria correr. Por enquanto, estava
dando certo. No quesito Rocco, eu tinha confiança de que ele ficaria dentro
do limite que eu impusesse, isso estava bom para mim também.
— Esse não, o próximo. — Testei um sorriso, não queria magoá-la.
— Combine com Nikolas, eu vou me programar.
— Victoria, você não faz nada, basta arrumar uma bolsa e ir.
— Vovó, é complicado sair da rotina, estou indo no meu ritmo, por
favor.
— Se não forçar os seus limites, vai demorar muito mais para voltar a
estar 100%.
— Estou melhorando todos os dias, não tenho pressa — falei
baixinho, ela balançou a cabeça.
— Venha comigo e se afaste daquele homem. — Sua expressão
fechou, ela de fato não suportava Rocco. — Fique na minha casa, desta forma
ele não vai chegar perto de você. Não sei por que você o perdoou, ele quase
matou você.
Balancei a cabeça, sabendo que nada do que eu dissesse a faria mudar
de ideia, todavia, isso não me impedia de tentar. Ela precisava ao menos
entender que não tinha como riscar o pai do meu filho da minha vida, ele
jamais aceitaria isso.
— Vovó, ouça o que vou dizer…
— Não venha defendê-lo para mim. — Ela cruzou os braços. — Fere
os meus ouvidos.
— Vovó — insisti. — Rocco é impulsivo, ignorante e brusco, mas
tenho certeza de que se por um momento ele imaginasse tudo o que ia
acontecer, jamais teria ido àquele bar.
— Não vamos falar sobre isso.
— Vamos, a senhora precisa entender que Rocco faz parte da minha
vida. Eu carrego um filho dele.
— Carlos pode assumir o seu filho.
Ela jogou as palavras em cima de mim de um jeito tão crédulo que me
assustei. Eu não queria acreditar que houvesse planos nessa direção
circulando na cabeça dela.
— Que loucura é essa? Carlos é meu primo, ele tem a vida amorosa
dele.
— Não tem, Carlos está solteiro, e com certeza é um homem a sua
altura.
— Isso é algum tipo de piada?
— Por que seria? — Ela estreitou os olhos. — Você e Carlos seriam a
garantia de felicidade. Nenhum dos dois seria capaz de magoar o outro.
Balancei a cabeça incrédula, ela estava mesmo falando sério. Cristo, o
que se passava na mente dela para criar uma fanfic dessa?
— Olhe, entenda, eu nunca, jamais irei ficar com Carlos — falei
suavemente. — Não crie ideias para depois não se decepcionar. Não vai rolar,
nunca, jamais.
— Você não sabe o que está falando, Carlos é o melhor partido que
você poderia ter.
— Não estou procurando um marido. — Lembrei que a doutora
Regina disse que ninguém tinha o poder de interferir em minhas decisões, e
que elas eram somente minhas para tomar.
— Esse homem não serve para você, eu acho…
Ergui um dedo, interrompendo-a. Algo que eu detestava fazer, mas
que agora era muito necessário.
— Já que Rocco e minha vida amorosa se tornaram pautas para a
senhora, então, acho que devo dizer o que penso. Primeiro, as atitudes de
Rocco me fizeram conhecê-lo integralmente, o que aconteceu trouxe para
mim a explicação de seus receios, porque hoje eu tenho medo de me
relacionar.
Não diria que ele havia passado dez anos remoendo uma traição. Eu
com certeza não levaria tanto tempo para me resolver com qualquer
particularidade que afetava minha vida tão diretamente.
— Segundo, ninguém vai tirar o meu livre arbítrio de querer ou não.
Se eu quiser me preservar, farei, se eu não quiser, farei também. As escolhas
sempre serão minhas.
— Victoria, você não pode perdoá-lo!
— Mas eu já perdoei. — Dei um sorriso. — Eu cresci e fui ensinada a
amar, em minha casa não tinha espaço para outra coisa além de amor. Foi a
minha criação que me tornou a mulher que sou. Por isso, pude perdoar a
senhora por tudo que fez a minha mãe, e tia Laura por ter escondido a
verdade de mim. Rocco me traiu, mas isso afetou apenas a mim, o acidente
não é culpa dele. Já o que a senhora fez, afetou várias pessoas, e isso também
me inclui.
— É diferente! — Sua voz alterou-se.
— Não é diferente — falei, séria. — Imploro que não seja o tipo de
pessoa que só se importa com suas próprias dores, tenha empatia pelos
sentimentos dos outros, seja acolhedora, vovó, imagine como pode fazer
diferente e faça.
— Eu jamais irei aceitar Rocco na minha casa, ou na minha família!
— É uma decisão sua, mas deixo claro que ele sempre fará parte da
minha vida, porque é o pai do meu filho. — Virei-me para abrir a porta do
carro. — Preciso ir, até breve. — Saí do carro e ela não disse nada, sua
posição era rígida, a cabeça erguida. — Amo você, não esqueça disso.
Jason já estava ali para me ajudar com as muletas. Juntos, observamos
o sedan preto se afastar.
— Eu vi Rocco no atelier. — Ele riu. — Acho que sua avó não
percebeu que ele estava lá.
— Ainda me pergunto como ele conseguiu entrar.
— Rocco nunca deixou que nada o impedisse de fazer algo. Se ele
queria, então, não importava quais obstáculos estavam no caminho. Ele os
limpava e avançava.
— Nossa, brother, você conhece bem o senhor Masari.
— Já o vi no melhor e pior momento, isso descreve muito uma
pessoa.
— Você acha que ele mudou? — perguntei, enquanto o elevador
subia. — Eu quero acreditar que ele mudou, Jason.
— Victoria, o que eu te falar pode não fazer diferença, mas eu não
seria leviano com minhas palavras. — Jason cruzou os braços, pensativo. —
Quando o acidente aconteceu, o que eu vi foi um Rocco completamente
destruído. Em todos os anos trabalhando para ele, nunca imaginei que
chegaria a encontrá-lo afundado em tamanha dor. No hospital, quando
tentamos expulsá-lo, ele lutou bravamente, enquanto chorava com medo de
não poder ficar e receber notícias suas.
— Meu Deus, eu não sabia disso. — Senti o aperto no peito, a dor dos
outros não me comprazia.
— Foram dias difíceis. Rocco pensa que eu não sabia, mas ele estava
todos os dias no hospital, durante a noite ele ficava com você, porque Carlos
convencia todos a irem para casa. Eu não caí na história. O que fiz foi
observar. Rocco estava lá, todas as noites, e quando ele saía, sempre chorava.
— Jason me olhou. — Victoria, as notícias sobre você não foram boas, eu
fiquei em pânico, mas só posso imaginar como Rocco ficou.
— Minha nossa, eu não fazia ideia.
— O Rocco que você encontrou quando acordou foi um cara
quebrado, mas que estranhamente parecia ter sido consertado. Dava para
notar no olhar dele, por isso não o ataquei como ele esperava que eu o
fizesse. — Jason balançou a cabeça. — Faz algum sentido para você?
Pensei por um momento, e sim, fazia sentido. Quando comparava o
Rocco de antes e o de agora, notava a diferença. Alguma coisa torceu dentro
do meu coração ao saber disso.
— Você não deve permitir que as pessoas opinem sobre o que é
melhor, algumas decisões só interessam a nós, ponto final.
— Obrigada por me contar. — Jason piscou um olho. — Eu achava
que nada poderia mudar Rocco, mas eu não estava aqui para vê-lo sofrer, eu
apenas conseguia vislumbrar em seus olhos a felicidade que ele não escondia
quando estávamos juntos.
Conversar com o meu brother trouxe luz para mim, e eu decidi que
não ia me esconder de Rocco ou ter medo, permitiria que as coisas fluíssem,
sem me sabotar. Devagar, testando o terreno como se fosse a primeira vez.
— Percebo que esse sorriso é bem característico de quando você
consegue desatar um nó e está muito feliz. — Jason empurrou meu ombro
levemente, e eu o provoquei.
— Deixe eu arrumar a minha vida, aí vou arrumar a sua.
— Nem comece! — Ele se apressou a entrar no apartamento assim
que as portas do elevador se abriram.
— Fuja enquanto pode, brother. — Ele estendeu o dedo médio, e eu
caí na risada.
Sentia-me feliz.
— O que aconteceu com Jason? — Meu pai se aproximou e, ao notar
minha alegria, ele sorriu. — Eu estava preocupado.
— Não fique, tudo correu muito bem. — Olhei o relógio. — Doutora
Regina chegou?
— Sim, ela e Murilo estão esperando você — respondeu, notei que
havia satisfação em sua voz.
— Deixa eu ir então, vou trocar de roupa.
Eu ainda era um tanto desajeitada com as roupas, mas consegui, sem
ajuda. Minha perna boa estava mais forte, mesmo tendo poucos dias de
fisioterapia. Agora, mais do que nunca, eu estava ansiosa para recuperar-me,
queria deixar o passado para trás e seguir em frente.
— É isso. — Olhei-me no espelho, chocada que meus olhos
estivessem tão brilhantes e bonitos.
Satisfeita, segui para a área onde faria minha sessão de fisioterapia.
Quando cheguei, doutora Regina e meu pai estavam entrosados em uma
conversa animada e Murilo só observava com um sorriso nos lábios.
— Eu apoio esse casal — falei baixinho, e ele riu.
— Eu também, minha mãe merece. — Murilo pegou as muletas e me
levou para alongar. — Hoje, faremos diferente, quero mais intensidade e
menos sessões.
— Quero deixar claro que gosto de você, mas odeio essa reabilitação.
— Fiz careta quando ele esticou minha perna. — Dói.
— Claro que dói, esses músculos estão encurtados, fazê-los voltar ao
lugar vai dar trabalho e será doloroso. Vamos começar com trinta impulsões.
— Se eu conseguir vinte, a gente comemora. — Pisquei um olho e ele
riu.
— Vamos, não seja preguiçosa, eu quero você livre das muletas em
uma semana.
— Impossível. — Ofeguei em choque, eu não ia conseguir.
— Você vai, temos tempo, agora estique as pernas, eu vou colocar
pressão.
Eu pensei que fosse morrer antes de acabar a sessão, quando ele disse
que por hoje era só, eu nem tinha energia para levantar.
— Vamos alongar.
— De novo? — resmunguei, aceitando sua ajuda, minhas pernas
tremiam, a machucada principalmente. — Vou perder a minha carteira plus
do clube sedentário.
— Com certeza vai.
Quando acabou de verdade, eu acho que fiquei uns dez minutos
largada no sofá, sem conseguir me mexer. Doía cada músculo do meu corpo,
era como se eu tivesse trabalhado o dia todo gripada.
— Até amanhã.
— Até. — Suspirei, morta.
Precisei de ajuda para levantar. Depois fui para meu quarto e tomei
um banho longo e quente, como eu adorava. Os músculos doloridos
relaxaram, e a fome veio com força total. Coloquei um vestido solto e me
apressei para fora do quarto. Ainda no corredor, senti o cheiro de café
quentinho e a boca encheu d´água.
Na sala de jantar, tia Laura estava terminando de colocar uma
belíssima mesa de chá. Um pouco mais tarde que o habitual, mas, belíssima.
— Venha, o pão está quentinho.
— Ai, tia, a manteiga vai derreter. — Sentei apressada, me servindo
do que eu queria.
Como prometido, o pão estava quentinho e crocante. Quando passei a
manteiga, ela derreteu. Nossa, minha barriga até roncou.
— Me dá um pouco desse café.
— Você não quer chá?
— Primeiro o café, o cheiro está maravilhoso.
Uma das senhoras responsáveis pelo cuidado do apartamento trouxe
uma travessa bonita com frutas cortadas.
— Rosa, muito obrigada por esse café, está uma delícia. Deus
abençoe suas mãos de fada. — Ela riu, um pouco tímida.
— É um prazer, menina Victoria.
Acho que foi a primeira vez que eu devorei muita comida. Antes, era
como se eu precisasse me obrigar, agora não. Sempre fui uma pessoa que
gostava de se aventurar pela cozinha, testar receitas novas, experimentar.
Finalmente, podia desfrutar com sinceridade de um chá da tarde brasileiro.
Se é que eu podia chamar assim o banquete que fora colocado na
mesa.
— Jason, meu filho, venha comer — tia Laura chamou, ele apareceu
correndo, com os cabelos molhados.
Todo mundo estava na mesa. A gente conversou, se provocou e foi
muito divertido. Minha barriga estava dando cambalhotas de euforia, era uma
felicidade ímpar poder estar ali, desfrutando de um momento tão incrível com
a minha família.
— Espere, sua comilona. Eu quero um pouco desse pãozinho também.
— Jason puxou o terceiro pão que eu peguei. — Não seja olho grande.
— Estou com fome e ele está quente.
— A manteiga derrete. — Jason revirou os olhos, mas abriu o pão
para besuntá-lo. — Isso é bom. — Ele sorriu. — Eu ia adorar que meu irmão
caçula experimentasse.
Prestei atenção, como ele não falou mais nada, eu sondei.
— Fale um pouco sobre ele. Como se chama?
— Heylel. — Um sorriso tomou seus lábios. — O caçula de seis
irmãos.
— Meu Deus, Jason, você tem muitos irmãos — minha tia disse, não
escondendo a curiosidade.
— Sim, Heylel é o mais especial de todos nós. — Havia saudade em
sua voz, e eu fiz uma nota mental para procurar saber mais e tentar entender o
que havia acontecido, para tentar ajudar Jason a procurar sua família.
— Fale sobre ele. — Peguei sua mão. Ele sorriu, os olhos um pouco
tristes.
— Ele é especial por muitos motivos, o mais legal é que ele tem olhos
de cores diferentes. Um azul e outro castanho.
— Isso é muito legal — falei, empolgada. — Por que você não o
convida para vir aqui? Quando você faz aniversário, Jason?
— Não vou contar. — Ele sorriu, fazendo uma careta ridícula de
deboche. — Não sou obrigado.
— Tudo bem, vou perguntar ao Rocco. — Balancei os ombros, e ele
sabia que eu havia vencido.
— Vocês realmente são irmãos. — Meu pai riu, e tia Laura
concordou.
Estava tão bom ali que eu não queria que acabasse. Mas todo mundo
tinha coisa para fazer, menos eu. Jason e eu fomos para a sala de TV, Prince
correu, quase me derrubando no processo.
— Por isso o mantive preso comigo, ele cresceu demais. — Jason fez
carinho nas orelhas do meu filhote.
— E eu acho que vai crescer mais — falei, largando-me no sofá.
— Com certeza. O que vamos assistir?
— Escolhe o filme.
Mal começou a rodar a abertura, eu apaguei.
Quando acordei, estava no meu quarto. Olhei ao redor, me sentindo
muito descansada.
— Nossa, que horas são? — Procurei o celular e o avistei em cima do
travesseiro. Peguei para conferir as horas, chocada ao notar que havia
dormido tanto tempo.
Levantei da cama, mas bastou pegar as muletas para ir ao banheiro,
que ouvi o som de mensagem nova. Um sorriso bobo tomou conta dos meus
lábios quando li o conteúdo.
Rocco: Eu vou.
Não acreditei, porque Rocco era capaz de queimar água. Por outro
lado, a curiosidade me dominou, eu queria ver os dotes dele na cozinha.
Rocco: Espaguete com molho vermelho. Tudo fica perfeito quando se tem
molho. Venha jantar comigo, tenho uma surpresa.
Não respondi, mas havia decidido que iria sim jantar com ele. Não
havia receio quanto a ficar sozinha com ele, então, eu ia encarar e fazer o que
me dava vontade.
Usei o banheiro, escovei os dentes e me olhei. Gostei do que vi, já não
estava tão pálida, ou com os ossos tão destacados, um leve tom de rosa
coloria minhas bochechas. Eu me sentia saudável.
Saí do meu quarto e encontrei com minha família na sala. Eles
estavam conversando, enquanto bebiam um vinho.
— Boa noite, filha, quer jantar agora? — meu pai perguntou assim
que me viu. — Desculpe não esperar você, mas quando fui te chamar você
estava dormindo, não quis te acordar.
— Tudo bem. — Mordi o lábio, um pouco nervosa de dizer para onde
eu ia. — Estou indo jantar com Rocco, ele vai cozinhar para mim.
Ninguém questionou, mas Jason levantou, Prince o acompanhou.
— Espere um momento, vou buscar a guia dele.
Quando se afastou, voltei minha atenção para tia Laura, Ricardo e
meu pai. Eles olhavam para mim como se esperassem mais explicações.
Bom, eu não tinha nenhuma.
— Você tem certeza? — minha tia perguntou.
— Eu tenho.
— Faça o que considerar melhor para você, minha filha, não estamos
aqui para julgar. — Ela piscou um olho. — Se estar com Rocco é o que quer,
então, tem meu apoio integral.
— Eu sempre tive seu apoio em tudo, não é?
Foi muito boa a sensação de alívio que suas palavras me deram.
— Sim, e continuará tendo.
— Óbvio que o meu também, apesar de que o pai do meu neto
desperta muitas emoções conflitantes em mim — meu pai brincou. — Tenho
que admitir que ele é bastante perseverante. É uma boa característica,
principalmente porque a sua avó vai ser bem irritante.
— Deixa ela comigo.
— Só quero que seja feliz, nada mais. — Ele levantou e me deu um
abraço. — Se precisar que eu brigue por você, irei, mas nunca serei o
responsável por cortar suas asas. Ver você de pé, consciente de suas vontades
e tomando decisões era tudo que eu queria. Então vá, minha filha, jante com
Rocco.
— Obrigada, você é incrível, eu te amo.
— Vamos? — Jason chamou, já na porta, pois o filhote estava
nervoso para sair.
— Sim. Boa noite, pessoal.
Jason, Prince e eu saímos juntos. No elevador, o filhote não parava de
tentar pular em cima de mim, o problema era que ele estava grande demais.
— Você não imagina o trabalho que deu mantê-lo longe de você. —
Jason o fez sentar, depois deu um petisco. — Esse cachorro é um rebelde, não
aceita treinamento, vive pulando nas pessoas. Tive receio de que ele te
derrubasse.
— Eu acho que eu já aguento brincar um pouco com ele.
— Ainda não, Prince está com doze quilos. Se ele pular em você,
teremos problemas.
— Não seja chato, ele é meu bebezinho, o meu filho lindo.
— É um destruidor de sapatos. Ele dorme no chão e acorda na minha
cama, acho isso uma falta de respeito — Jason reclamou, mas estava rindo
para o cachorro que o encarava interessado nos petiscos.
Ao passar pelo hall, cumprimentei os recepcionistas. Todos eram
pessoas sorridentes e legais.
— Rocco está nessa? — Jason apontou para a torre bem ao lado da
nossa.
— Sim.
Não parava de chegar mensagem no meu celular, eu sabia do
combinado de nunca ficar sem responder, mas estava fazendo uma surpresa.
— Rocco foi bem inteligente ao deixar esse celular com você.
— Ele falou que era para podermos conversar. — Balancei a cabeça.
— Falou que foi desesperador quando não conseguiu descobrir os números
daqui.
— Eu não tenho um. — Jason deu de ombros e me ajudou a subir os
três degraus que dariam acesso à torre onde ficava o apartamento de Rocco.
— Sua entrada já está autorizada?
— Não, vou avisar que estou aqui.
Peguei o celular no bolso do vestido. Quando vi, as mensagens de
Rocco eram simples pedidos para que eu não o deixasse esperando.
Sorrindo, digitei uma resposta e mesmo que parecesse tola, nada me
fazia sentir que estava agindo errado.
Victoria: Aceito jantar com você, inclusive estou aqui embaixo, esperando
que você autorize que eu suba.
Rocco: Mentira.
Victoria: Por que eu mentiria quando é bem fácil de comprovar o que estou
dizendo?
Ainda no hall, achei que aquele apartamento era maior que o meu,
quando entramos na sala, eu tive certeza.
— Rocco, aqui é lindo. — Olhei ao redor, chocada com a decoração
perfeita. — Quem decorou?
— Não sei, quando eu comprei, contratei um serviço de decoração.
Eles cuidaram de tudo.
— Fizeram um trabalho incrível. — Encarei as luzes embutidas, e os
detalhes minuciosos que davam um toque sofisticado. — É ao mesmo tempo
luxuoso e acolhedor.
— Iremos morar aqui, se você quiser. — Ele abrangeu a sala ampla.
— Nosso filho vai precisar de um lugar para correr, se você quiser
poderemos comprar uma casa, aí você pode mobiliar como quiser.
Observei sua animação, Rocco parecia um tanto nervoso e meio
tagarela. Ele nunca foi assim, o homem que conheci sempre foi muito seguro
de si, e vê-lo agir como estava agora o tornava mais humano para mim.
— Vamos com calma, estamos em uma relação amigável, sem
nomeações ou muitos planos. Tudo bem para você?
Rocco precisava saber que eu não estava saltando em outro
relacionamento com ele, a gente ia recomeçar, sem pressa e conscientes do
que estávamos criando.
— Para mim, está ótimo. Eu aceito ir devagar. — Ele sorriu e me
abraçou. — Bem devagar. — Beijou meu rosto e desceu pelo pescoço.
— Rocco. — Encolhi, arrepiando por causa de sua barba. — Você
não tem um jantar para fazer?
— Tenho.
— Então? — Coloquei as mãos em seus ombros, na intenção de
afastá-lo, mas não consegui, sua boca e língua estavam me deixando
desorientada. — E a surpresa? Rocco, por favor, concentre-se.
— Estou concentrado. — Deu uma risadinha, enquanto mordiscava
meu pescoço.
— Rocco! — Tentei soar mais firme, apesar de minha voz ter
estremecido.
— Tudo bem, tudo bem. — Ele afastou-se relutante. — Aceito não
nomear o que temos, mas eu não me privarei de tocar, abraçar ou beijar você
quando eu quiser. Apenas se você disser que não me quer. Vou respeitar isso.
— Acho justo. — Estendi a mão para selar o acordo, ele arqueou a
sobrancelha, olhando para mim.
— Acordo fechado. — Rocco pegou a minha mão, piscou um olho e a
trouxe para seus lábios, beijando-a devagar demais para meu gosto.
Pigarreei, na tentativa de barrar meus pensamentos de seguirem por
onde não deveriam.
— Então, você tinha uma surpresa?
Ele acenou e deu um assobio alto. Escutei o barulho de unhas
arranhando o chão e um latido baixinho.
— Vem aqui, amor. — Rocco baixou, e uma bolinha de pelos fofa se
enroscou em suas pernas. — Conheça Pam, nossa única filha, porque de resto
teremos apenas filhos homens, não gosto de pensar além disso.
Eu não sabia o que dizer. Estava encarando a coisinha mais fofa do
mundo. Ela tinha um lacinho rosa nas orelhas, olhos azuis e um focinho
manchado. O pelo era uma mistura de branco, cinza e preto. Era linda
demais, lembrava-me o Prince.
Não liguei para o fato de Rocco estar falando no futuro, como se
estivéssemos juntos e cheios de planos. Também não quis aprofundar no
porquê de ele estar com um cachorro muito parecido com o meu.
— Rocco, você tem certeza de que é uma boa ideia ter um cachorro?
— Queria segurá-la, mas ainda era impossível para eu me abaixar. — Me
entregue ela, deixa eu segurar?
— Sente-se no sofá. — Obedeci e ele me entregou a filhote.
— Deus, ela é muito fofa. Você a adotou?
— Não. — Ele coçou a nuca. — Eu comprei, no dia do nosso jantar,
quando eu saí. Havia um petshop no shopping e ela estava exposta sozinha
em uma espécie de gaiola. Eu a comprei.
— Você está cuidando dela desde o jantar? — Não escondi a
surpresa.
— Sim, ela tem sido a minha companheira, como deve ter notado aqui
é muito grande e solitário. Ela ameniza a minha dor.
Fiz careta, deveria ser horrível mesmo ficar naquele apartamento
enorme, num país diferente, em que você não sabe o idioma direito.
— Ela é da raça Border Collie.
— Ela parece com Prince — falei, acariciando suas orelhinhas. — Ele
só não tem essas mesclas de cores.
— Bom, não tem importância, eles são nossos. — Rocco sentou ao
meu lado. — Quero nossa família junta.
Ele tocou minha barriga e nosso filho achou o momento bom para
chutar. Rocco sorriu, emocionado, os olhos azuis brilhando com uma emoção
tão latente que o fato do nosso filho mexer parecia a coisa mais incrível do
mundo.
— Deus, eu tive tanto medo de não ter a oportunidade de viver
momentos como esse. — Sorriu. — Aliás, nosso pequeno concorda comigo,
ele quer nossa família juntinha de novo.
Como se afirmasse as palavras de seu pai, senti outro chute, desta vez
mais forte.
— Esperto você. — Coloquei Pam no chão e ela correu, para morder
os pés de madeira do sofá. — E o jantar?
— Vamos. — Rocco me ajudou a levantar.
Em vez de me deixar pegar as muletas, ele me pediu para apoiar nele,
aceitei e juntos fomos para sua cozinha.
— Meu Deus do céu, essa cozinha é um sonho. — Olhei ao redor,
chocada com tamanha perfeição.
— Você gostou? — Rocco parecia bastante orgulhoso.
— Não tenho palavras.
Realmente, a cozinha era surreal de tão linda. Os móveis eram
escuros, combinando com os eletrodomésticos de inox, a ilha era feita de uma
enorme pedra de mármore preta. Havia três luminárias, bem acima da ilha.
Eu sabia que era para dar mais intimidade, caso optássemos por deixar apenas
elas acesas.
— Eu fico muito feliz que tenha gostado. — Ele apontou para o
banco. — Deixe-me ajudá-la, você vai ficar olhando enquanto eu cozinho.
— Tudo bem.
Ele me sentou no banco e foi para o outro lado da ilha, onde estava o
fogão. Observei-o pegar as panelas e colocar água para ferver. Depois ele
abriu a geladeira repleta de alimentos e ficou olhando para dentro dela.
Escondi o riso quando o vi retirar o celular do bolso e procurar por
algo. Seguindo o que havia no celular, Rocco pegou tomates, cebola e mais
alguns ingredientes.
— Primeiro, eu devo descascar a cebola.
— Rocco, começa pelo tomate, deixa a cebola por último, ela é ácida
e vai te fazer chorar. — Ele me olhou como se eu fosse doida. Mas fez como
eu disse.
Era muito fofo vê-lo todo atrapalhado na cozinha, parecia que nem
sabia cortar as coisas direito, não tinha jeito.
— Você quer ajuda? — perguntei, ele negou. — Eu posso descascar a
cebola.
— Não, você é minha convidada. Eu preparo o jantar.
Mas não demorou muito para vê-lo limpar os olhos no ombro da
camisa.
— Rocco, olha para mim — pedi e ele o fez. Lágrimas escorriam, os
olhos estavam apertados, vermelhos. — Deixa que eu corto. — Estendi a
mão. — Me entregue.
Ele respirou fundo, tossiu um pouco, mas fez como pedi. Rapidinho,
deixei a cebola picada. Rocco olhava para mim, sem acreditar.
— Prontinho, você não deveria ver se a água está fervendo?
— Sim, um instante. — Quando retirou a tampa, o vapor subiu. —
Vou colocar o espaguete.
Ele colocou o pacote inteiro, sem verificar se tinha água suficiente.
— Será que essa água vai dar, para esse tanto de massa? — Apoiei as
mãos na ilha, prestando atenção.
— Estou no controle, Pequena, vai dar certo. — Ele parecia seguro de
si.
Sua atenção se voltou para o molho. Era bem fofo vê-lo tentando
cozinhar, todo atrapalhado. Ele picou a salsa, pegou queijo, fazia tudo bem
devagar, prestando atenção à receita no celular.
— Preciso disso. — Ele me mostrou o nome.
— Tomilho — falei e ele franziu o cenho como se não entendesse.
— Milho?
— Não, se chama tomilho, é um tempero — expliquei.
Outra vez ele foi até a geladeira e ficou um tempo lá, olhando o
celular e procurando coisas.
— Rocco, você precisa olhar o espaguete — alertei, tentando ver
como estava a panela, mas ele a havia deixado tampada.
Ele lembrou-se apenas quando avisei. Correu para a panela e quando
a abriu, vimos que acontecera uma tragédia. O espaguete estava todo
grudado, a água havia quase secado, deixando a massa com aparência de
papa. Rocco fez uma careta, deixando claro não ter nenhuma vontade de
comer aquilo.
— Eu não te vi mexer a massa — falei, então, como se estivesse no
momento perfeito para as coisas começarem a desandar, o cheiro de
queimado subiu.
— O molho, caralho! — Rocco tirou a tampa da panela menor, e o
que antes era um molho de tomate em andamento, virou uma meleca preta.
Observei-o respirar fundo e olhar para mim.
— Como eu consigo administrar com tranquilidade empresas
multimilionárias e não consigo fazer a porcaria de um molho? — Sua boca
era uma linha fina de raiva. — Eu farei outro.
— A gente poderia pedir uma pizza, o que acha? — Lancei a
proposta.
Rocco me encarou por um momento e depois pareceu aliviado.
— Eu ia adorar. — Riu. — Mas fico te devendo um jantar feito por
mim.
— Eu vou esperar ansiosa.
Peguei o meu celular e digitei pizzaria na pesquisa do Google. Alguns
nomes surgiram, e a gente escolheu uma localizada no mesmo bairro em que
estávamos. Acreditei que demoraria menos. Peguei o número de telefone e
liguei.
— Você está com muita fome? — Ele acenou. — Vou pedir uma
grande.
— Peça duas.
— Tudo bem. — Quando a linha conectou, a atendente disse que eu
poderia colocar mais de um sabor em cada pizza. — Você quer de quê,
Rocco?
— Tradicional italiana. — Ele estava atento a minha conversa em um
português rápido.
— Qual seria uma tradicional italiana? — perguntei, a moça do outro
lado da linha disse que não tinha esse sabor.
— Margherita. — Rocco franziu o cenho, eu sabia que era ruim não
entender o que estava sendo dito.
Margherita fazia parte do cardápio, depois escolhi mais dois sabores,
um sendo chocolate. Passei o endereço e eles pediram cerca de meia hora
para entregar.
— Pronto, agora é só esperar.
— Vamos para a sala, eu tenho algo para você. — Rocco me pegou
nos braços.
— Eu posso andar, você sabe.
— Sei, mas se eu tenho a oportunidade de te segurar, então, não há
dúvidas de que o farei. — Sua voz estava tão suave e gostosa de ouvir.
Voltamos para a sala e ele me sentou com cuidado. Depois pegou uma
caixinha na mesa de centro e entregou-me. Meu coração deu uma acelerada,
até ri de nervoso, mas quando a abri, vi uma chave.
— A chave desse apartamento.
— Grandalhão, não precisa, eu acho que…
— Você é minha mulher. — Sorriu. — Dio santo, eu sinto falta de
como me chamava.
— Rocco, não é necessário. — Apesar de dizer isso, o gesto aqueceu
meu coração.
— Victoria, você é minha mulher. — Tornou a repetir, como se fosse
um hábito dizer isso.
— Você fala com tanta convicção que assusta. — Balancei a cabeça,
ele deu uma risadinha, inclinando para me dar um beijo carinhoso.
— Não me permito pensar diferente. — Acariciou a minha bochecha.
— Leve o tempo que for, nós iremos encontrar o caminho para estar juntos.
Baixei a cabeça, ele como sempre estava indo rápido demais e, apesar
de eu estar aqui, aceitar seus beijos e me sentir feliz ao seu lado, não estava
minimamente pronta para dizer que estávamos juntos. Acho que me apegava
à liberdade de não precisar me preocupar com relacionamentos. Gostava de
como isso fazia eu me sentir.
— Olha, Rocco, por favor, entenda…
— Okay, não estou pressionando, é só que depois dos
acontecimentos, jurei a mim mesmo deixar você saber tudo que se passa em
minha cabeça. — Ele segurou meu queixo, estava sorrindo. — Não vou
esconder como me sinto, não vou ocultar nada. Você vai saber tudo, e então,
deixo que lide com toda a informação.
— Gosto disso. — Suspirei, aliviada.
— Mas eu posso te beijar quando eu quiser? Ou devo pedir
permissão? — Seu olhar desceu para minha boca, ele deu aquele sorrisinho
de lado, provocador.
— Vou conceder um passe de vinte e quatro horas. — Pisquei um
olho e ele riu.
— Então, já vou começar a usar.
Rocco ficou sério e se inclinou em minha direção. Por um instante,
nossos olhares se prenderam, então eu suspirei e me entreguei ao doce
tormento de seus lábios. O beijo foi carinhoso, molhado e muito gostoso.
Senti meu corpo arrepiar e ficar quente, os seios pesarem. Suas mãos
vieram para o meu cabelo, segurando-me firme, dominando. Deus, era como
estar nas nuvens.
— Vamos no seu tempo — murmurou, distribuindo beijos por meu
rosto. — Estou aqui por você, te esperarei o tempo que for. Porra, eu te amo
tanto que dói. Sinto tão forte em mim, é como uma sensação que rouba meu
fôlego e me deixa tonto. Eu sei que você é a mulher da minha vida.
Respirei fundo. Voltar a estar com Rocco despindo-se de qualquer
ressalva e falando assim, tão aberto sobre seus sentimentos, dava-me uma
sensação de duplicidade. Era como se eu estivesse no passado, e ao mesmo
tempo no presente, experimentando as reações que suas palavras me
causavam.
— Não imagina o quanto desejei ter você aqui — Rocco falou,
recostando-se no sofá e me puxando para seu lado. — O único lugar que falta
mobiliar é o quarto do nosso bebê. Eu queria fazer isso com você
pessoalmente, escolher cada coisa, ficar em dúvida sobre o que levar, querer
levar tudo e você não deixar. Quero fazer tudo com você, ao seu lado.
Olhei para ele e vi seus olhos brilhando, enquanto encarava o teto.
Havia um ar sonhador que nunca percebi nele. Era bonito demais.
— Poderemos fazer isso em algum tempo. — Ele sorriu. — Meu
fisioterapeuta disse que em uma semana vai me livrar das muletas, eu não
acredito, mas ele diz que sim.
— E como está indo?
— Bem, apesar de ter câimbras quase todo dia. Essa é a parte chata.
Ficamos juntinhos, até o interfone tocar. Rocco levantou e foi receber
as pizzas. Não demorou muito, e ele chegou carregando duas caixas.
— Eu planejava arrumar a mesa, mas, como percebeu, eu não sou o
melhor dono de casa.
— Podemos comer aqui mesmo, se não for um problema. — Apontei
para a mesa de centro, era enorme e poderia servir como uma mesa baixa. —
Você me ajuda a sentar no chão? Minha perna ainda não dobra direito.
Mas, em vez de fazer isso, ele colocou as pizzas na superfície de vidro
e simplesmente arrastou a mesa até ela ficar bem na minha frente.
— Acho melhor não, você deve ficar confortável. — Sorriu. — Vou
buscar nossas bebidas.
Ele foi para a cozinha e voltou com cervejas e uma caixa de suco de
uva.
— Aqui sua taça, pode fingir que é vinho — Piscou um olho e sentou
no chão, ao lado das minhas pernas.
— Você tem ketchup? — perguntei, ele me olhou chocado.
— Não se come pizza com ketchup, é um sacrilégio — reclamou.
— Tudo bem, senhor italiano.
Ele abriu as duas caixas e lá estavam as pizzas, com aparência
deliciosa. A fome bateu forte, junto com um desejo louco de comer doce e
salgado. Para o total horror de Rocco, peguei um pedaço de Margherita e
outro de chocolate, uni as duas fatias e mordi.
— Que delícia. — Fechei os olhos, gemendo de tanto prazer. — Você
deveria experimentar.
— Eu agradeço, mas vou deixar para você.
Vi que ele estremeceu, o nojo bem claro em suas feições bonitas.
— Essa mistura é horrenda. — Ele pegou seu pedaço, mas quando
começou a comer, não olhou para mim.
— Você está com nojo? — provoquei.
— Totalmente. Para um italiano, o que você está fazendo é um
pecado.
— Desejo de grávida. — Dei de ombros. — O primeiro que tive.
O sorriso que ele deu foi tão grande que apertou meu coração, porque
ele estava feliz com uma coisa tão simples.
— Sério?
— Sim, só de pensar em cada bocado, minha boca enche d’água. —
Sorri para ele, misturando outras fatias com o chocolate.
Enquanto comemos, a gente conversou sobre nosso filho e eu prometi
que Rocco estaria comigo na próxima consulta. Estava ansiosa para mostrar à
minha médica que eu havia me esforçado, queria saber os resultados e aliviar
meu coração quanto a minha saúde.
— Victoria? — O tom de voz que Rocco usou chamou minha
atenção. Olhei para ele, esperando. — Durma aqui comigo, me deixe te
segurar outra vez em meus braços.
Ele estava me encarando sério, percebi que não fez a pergunta
levianamente, seu rosto estava expressivo com o desejo que tinha de que eu
dissesse sim.
— Por favor, eu só quero te segurar.
A verdade era que durante a noite eu ainda não havia dormido com
tranquilidade, como o fiz no jardim secreto com ele. Mesmo que desse
cochilos ao longo do dia, a noite parecia interminável, e eu sempre estava
cansada quando amanhecia.
Além de que, eu sentia falta do calor que o corpo grande de Rocco me
proporcionava. Ia dormir com ele, deixaria para pensar sobre isso depois, em
casa. Decidi ficar, mas antes ia provocar um pouco.
— Tudo bem, tenho uma proposta. — Tentei não rir.
— Aceito — ele respondeu rápido demais.
— Você não sabe o que é. — Arqueei a sobrancelha.
— Não importa, eu aceito.
— Tem certeza?
— Sim.
Juntei dois pedaços de pizza, a mesma mistura que ele mal suportou
olhar. Sorri, sentindo-me um pouco má.
Estendi para ele.
— Coma.
Rocco
***
Victoria: Oi.
***
***
Faltava pouco mais de uma hora para a tal reunião extraordinária
começar, eu estava quieto, esperando. Ainda me surpreendia o nível de
coragem de alguns diretores, e eu realmente gostaria de entender a motivação
por trás desse motim. Não era somente porque William havia acabado com o
comodismo, havia mais.
Era sempre assim.
O som da porta abrindo chamou minha atenção, depois a voz de
Dimitri me trouxe a sensação de velhos tempos, de normalidade.
— Até que enfim, você trouxe sua bunda até aqui. — Ele me abraçou.
— Como vai a missão? Estamos okay, ou fodidos?
— Okay e fodidos. — Ri de sua careta.
— Então, Victoria não está facilitando? — Balancei a cabeça, apenas
para ouvir o bastardo gargalhar. — Essa é a minha garota. Está fazendo você
sofrer e rastejar, como manda o figurino.
— O suficiente. — Cruzei os braços, recostando na mesa. — Mas eu
confesso que adoro cada pequeno avanço.
— E a gravidez? — Dimitri foi até bar.
— São duas da tarde, você vai beber?
— Você quer? — perguntou, antes de servir uma dose de vodca. —
Está frio, e eu deveria estar em casa hoje, mas não, estou aqui cuidando das
suas coisas. Eu sou um amigo do caralho, admita que sou mais importante
que William.
— E isso é uma competição?
— Claro que é.
Não pude evitar a diversão, Dimitri não batia muito bem da cabeça,
mas eu amava esse bastardo.
— Saudade dessa sua loucura.
— Louco, eu? — Dimitri me olhou com falso ultraje. — Você precisa
ver William, aquele ali sim está louco.
— O que houve?
— Não sei exatamente. — Meu amigo pareceu pensativo. — Um
sócio do pai dele ressurgiu das cinzas para reaver antigas alianças. Pelo que
ele me disse, trata-se de um figurão das Terras Altas da Escócia.
— E por que exatamente isso seria ruim?
— Muito simples: o velho tem uma neta e William está solteiro.
Dimitri não precisou dizer mais nada, compreendi o cerne da questão.
O Conde já havia deixado muito claro que nunca se casaria, eu sabia que ele
deveria estar realmente puto por alguém estar pensando em acomodá-lo.
— Rocco, William está cada vez pior. — Ele girou o dedo ao lado da
cabeça. — O Conde está louco, perturbado mesmo.
— Por causa de uma proposta de casamento? É só ele recusar.
Eu não conseguia ver o problema. William não era e nunca seria do
tipo que fazia algo por que estava sendo pressionado. Isso não funcionava
com o meu amigo. Desde que o conheci, notei que nunca gostou de ser
colocado contra a parede, pois sempre tendia a atitudes inesperadas.
A porta se abriu, e desta vez um William puto entrou.
— Ah, chegou o perturbado.
— Vai se foder, caralho!
— Nossa, que amor. — Dimitri levou uma mão ao peito. — Feriu
meus sentimentos.
William largou-se no sofá e apoiou a cabeça no encosto. O profundo
suspiro que deu deixou-me preocupado. O Conde parecia cansado.
— Como está Victoria?
— Ela está bem. — Aproximei-me. — E você?
— Irritado, nervoso, puto. — Não se deu ao trabalho de me olhar. —
Não aguento mais Carvershan me empurrando a neta dele. — Havia raiva e
um toque de revolta em seu tom de voz. — Eu por acaso sou uma
mercadoria? Pareço estar à venda?
O assunto era sério, mas Dimitri, filho da puta como era, apenas
desconsiderou isso e começou a provocar.
— Assim, com essa cara bonita, se Rocco e eu te colocarmos no site
de leilões — Não pude evitar a vontade de rir, o olhar de William era
assassino, mas não o suficiente para parar Dimitri e sua língua afiada —,
poderíamos ganhar uma grana. Veja a descrição: produto pouco usado,
resistente à queda e à prova d’água, se procurar, acho até que dá corda.
O Conde levantou num rompante e partiu para cima de Dimitri, que
fugiu, segurando o copo de vodka pela metade.
— Eu desisto de você, Dimitri. Francamente, você não bate bem da
cabeça.
— O perturbado não sou eu — rebateu, e eu apenas os observei,
parecendo duas crianças se provocando.
Dio mio, como eu senti falta desses dois.
— Tudo bem, crianças, vamos focar nos problemas. — Bati as mãos
juntas. — Soube de algo que vai interessar a vocês.
Ambos pararam as brincadeiras e prestaram atenção. Contei tudo o
que Betty havia me passado, William ouviu atento, de vez em quando dava
de ombros, demonstrando nada mais que seu usual desinteresse.
— Rocco, tem quatro diretores que nem deveriam estar aqui. São
inúteis, preguiçosos e arrogantes sem ao menos terem condições para isso. —
William cruzou os braços. — Eu peguei pesado com eles porque não tenho
paciência para incompetência, certamente deve ser esse o motivo de
quererem minha saída.
Ouvi atentamente tudo o que William relatou sobre as últimas
semanas. Ele citou os nomes dos causadores de problema. Antes eu estava
pensando em tomar medidas drásticas, mas agora essa era uma certeza.
Uma batida na porta soou e logo em seguida Betty colocou a cabeça
dentro da sala.
— Estão se organizando para começar, eu devo ir, ou espero?
— Pode ir, eu irei em seguida. — Quando ela saiu, falei para meus
amigos: — Esses idiotas almejam a presidência, mas só conseguirão chegar
ao olho da rua.
Esperei dez minutos e fui em direção à sala de reuniões. William e
Dimitri ao meu lado. Ainda no corredor, pude notar que os ânimos estavam
agitados e isso só tornava tudo melhor.
Antes de entrar na sala, ouvi:
— O senhor Masari está mais preocupado com sua vida pessoal.
Todos nós perdemos com sua negligência. — Olhei para Dimitri, ele estava
com cara de poucos amigos, já William parecia entediado.
Empurrei a porta e o silêncio reinou. Satisfeito, fui até a cadeira da
presidência e me sentei. Os meus amigos ocuparam seus lugares ao meu lado.
Eu não disse nada, esperando que continuassem, mas já sabia que a grande
maioria era adepta da covardia.
— Por favor, continue — incentivei. — Quero participar dessa
reunião que tem por objetivo anular ordens minhas.
— Senhor Masari… — James, um diretor com dez anos de empresa,
foi o primeiro a falar. — Nós apenas estamos tentando encontrar uma solução
que seja benéfica para todos.
— Indo contra minhas ordens? — Inclinei-me um pouco. — Diga-me,
no seu plano, a parte em que eu ficaria sabendo está onde?
— Bem, nós pretendíamos mostrar resultados primeiro.
— Nós quem? — Mantive minha voz calma, modulada. Não estava
dando nenhum sinal de que ele e seu grupo problematizador estavam apenas
esquentando a cadeira.
— Eu, Sanderson… — Apontou para mais dois diretores.
— Okay, estão todos demitidos. — Levantei da cadeira. — Eu acho
que vocês têm uma memória muito ruim. Primeiro, eu abomino que planejem
coisas às minhas costas, segundo, abomino que isso afete diretamente ordens
minhas. Desde quando essa empresa deixou de me pertencer? Eu criei este
conselho para dar certa liberdade, para que pudéssemos trabalhar o coletivo.
— Ergui um dedo quando Sanderson abriu a boca para falar — Soube que
querem fechar as creches, de novo.
— Senhor, se reduzirmos os custos…
— Corte os custos na sua casa, não na porra da minha empresa. Eu —
Apontei o dedo para mim mesmo e respirei fundo, porque estava perdendo a
compostura — sei o que é melhor para a empresa que eu levei ao topo. Você
subestimou a minha inteligência, acha mesmo que eu confiaria uma
corporação deste tamanho para um cara que não consegue entregar a porra de
seus relatórios no prazo?
Esperei que dissessem algo, qualquer coisa, mas não, o silêncio se
perpetuou.
— Vocês estavam acomodados, agora podem fazer isso em casa. —
Levantei. — Quem não estiver satisfeito está convidado a se retirar. Não vou
tolerar outro motim, para tanto, estou dissolvendo o conselho.
Os murmúrios explodiram ao redor. O benefício de ser detentor
integral da empresa era que, em momentos como esse, eu não precisava de
autorização. Enquanto que na minha vida pessoal eu não tinha controle
algum, ali dentro, a minha palavra era lei.
Saí da sala, sem esperar respostas. Não era uma discussão, e sim um
comunicado.
— Rápido e eficaz, como arrancar um curativo — Dimitri falou
quando voltamos para minha sala. — Preciso beber.
Peguei a garrafa e me permiti desabar no sofá, meus amigos fizeram o
mesmo. Nem me lembro da última vez que bebi com eles, sem me preocupar
com o rumo da minha vida.
— Vocês querem? — Ofereci a garrafa após tomar um longo gole.
— Quero. — Estendi a garrafa e Dimitri a pegou.
— Não vai perguntar onde eu estava com a boca?
— No máximo em uma boceta, mas como seu status atual é
domesticado, então não tem problema. — Dimitri deu um generoso gole. —
Ainda é cedo, não deveríamos beber. — Sorriu, tomando mais um pouco.
— Você é escroto sabia?
— Pelo menos não tenho essa cara de desespero. — Apontou para
mim com a garrafa. — Senhor Masari, você está feio.
— Eu não tenho cara de desespero.
— Tem, e ele — Apontou para William — está com cara de
psicopata. É, de fato, meu amigo está perturbado.
— Eu vou arrebentar a sua cara — o Conde rosnou baixinho.
— Então, você vai aceitar se casar com a neta do escocês? Como é o
nome dela mesmo?
— Não sei, e não me importa. — William pegou a garrafa. — Não me
casarei nunca.
— Vamos, é melhor irmos para o apartamento contíguo. — Levantei,
e eles me seguiram.
— Aliás, ótima ideia. Irei copiar — o Conde falou assim que
entramos.
— A cama é minha, estou exausto, trabalhando doze horas por dia. —
Dimitri afrouxou a gravata. — Mas vamos encher a cara primeiro.
Antes de começar, avisei a Betty que não passasse nenhuma ligação.
O dia para nós estava encerrado. Três horas antes do expediente.
Dio…
— Eu estava com saudades de vocês — revelei, quando o terceiro
gole de vodka desceu mais suave.
— Pronto, começou. — Dinka sacudiu a cabeça. — O que tem para
comer aqui?
— Não sei, eu só quero cair de porre. — William suspirou. — Estou
cansado.
— Então vamos beber muito? — Dinka pareceu bem animado.
— Com toda certeza do mundo — eu e o Conde respondemos juntos.
Com sorte, se me ocupasse bem, os dias passariam mais rápido.
Rocco
***
Victoria: Tentei cair nos braços de Morfeu, mas não consegui. Acho que
apenas se eu cair nos seus braços é que poderei receber a benção do deus
dos sonhos.
Parecia um tanto bobo, mas a verdade era que eu estava feliz por
sentir que podia escrever uma mensagem assim para Rocco. Não demorou
muito e a resposta chegou em forma de chamada de vídeo.
Quando a atendi, deparei-me com seus olhos azuis.
— Então, meus braços estão bem-dispostos, acho que posso segurar
você. — Sorriu, o rosto bonito sombreado com a barba por fazer. — Eu já
falei que sinto sua falta?
Ele disse. Todas as vezes que podia, ele sempre me lembrava disso.
— Bom, eu não lembro. — Um sorriso bobo tomou conta dos meus
lábios.
— Amore mio, você tem coragem de me provocar?
— Claro que eu tenho, se eu não fizer isso, quem fará? Ai. — Fiz
careta, o bebê chutou as minhas costelas. — Nossa, o seu filho acertou as
minhas costelas.
Mudei de posição, ficar de lado às vezes não era bom negócio.
— Dio mio, preciso voltar para casa.
— Sua casa é aí — provoquei, e ele estreitou os olhos.
— Minha casa é onde você estiver.
Fiquei em silêncio, porque ele sabia como me deixar sem palavras.
— Rocco, você acha que o nosso relacionamento foi turbulento? —
Mordi o lábio, olhando para seu rosto.
— Como uma perfeita tempestade que chega para aliviar um dia
quente. — Sua voz soou profunda e acalentadora. — Não nascemos para um
amor tranquilo, Pequena, o que nos dominou desde o primeiro olhar foi forte,
consumidor. Eu senti você sob a minha pele, em meu sistema. Você está em
mim.
Deus, ele sabia usar as palavras. Meu corpo se arrepiou, a certeza com
a qual ele dizia isso era de abalar as estruturas e eu já não era muito forte
quando se tratava dele.
— Estou aqui, tente dormir — disse, quando percebeu que havia me
deixado desorientada.
— Não é a mesma coisa. — Mordi o lábio.
— Estou voltando, amor, prometo que não vai demorar. Por enquanto,
vamos matando a saudade da forma que der.
Era melhor que nada.
***
***
P.S. – Revisar o desejo número seis, talvez eu deva aceitar o bebê. Ele vai acreditar
que eu sou a mãe dele. Então, posso muito bem fazer da vida do pirralho um inferno.
*Desejo revisado.
***
Dois dias.
Faz dois dias que Victoria terminou comigo, e eu me enterrei na
minha cobertura para ficar sozinho e pensar. Esse também era o tempo que eu
não conseguia dormir absolutamente nada.
Eu passava o dia todo me perguntando como alguém poderia mudar
tão rápido assim, mas, então, lembrava-me do que eu havia feito e usava isso
como justificativa. Victoria não recebeu um comunicado de que eu ia fazer
merda, por que eu deveria receber um antes de ela mudar de ideia sobre nós?
Admito que eu estava sozinho, tentando me convencer a fazer o que ela
pediu, mas simplesmente não dava.
Eu queria olhar nos olhos dela, ouvi-la falar na minha cara que não
me queria, talvez assim eu começasse a trabalhar a ideia com mais afinco.
Por enquanto, eu admirava as milhares de luzes que iluminavam a
noite londrina, estranhamente, pensava nas pessoas que estavam ali, vivendo
suas vidas pacificamente, enquanto outros lamentavam tragédias. Eu, apesar
de parecer calmo, nessa pose que expressava relaxamento, não podia evitar as
emoções turbulentas que sentia.
E, mesmo com toda raiva, não conseguia sentir coisas ruins por
Carlos. Ele foi meu amigo, ajudou-me quando mais precisei. Fez-me admirá-
lo, e acho que isso era o que mais doía, saber que ele era um cara foda. Por
outro lado, quando eu pensava em deixar Victoria ir, em fazer o que ela
queria, tudo se rebelava.
Não dava para aceitar esse término.
Quando consegui reunir coragem e lhe perguntei se ela estava mesmo
terminando comigo por mensagem, sua única resposta foi: Sinto muito.
Nunca considerei Victoria uma covarde, mas passei a considerar que
ela estivesse usando a distância que nos separava como um escudo, até
porque, enquanto estivemos juntos, ela não demonstrou em momento algum
que me deixaria.
Pelo contrário.
— Então, o que mudou? — Respirei fundo, fomentando a certeza de
que havia chegado a um ponto em que eu havia perdido o controle e
precisava de medidas mais, digamos, radicais.
Consciente de cada atitude minha, peguei o celular e liguei para o
capitão do meu iate. Ele atendeu no terceiro toque.
— Senhor Masari.
— Kostas, é um prazer — saudei. — Onde você está agora?
— Estou na costa da Itália, próximo de Savona.
— Em quantos dias você consegue chegar ao Rio de Janeiro? —
Meus planos iriam se compor a partir de sua resposta.
— Viajando a pleno vapor, com paradas apenas para abastecer,
chegaremos em doze dias.
— Perfeito, vai ser quase no mesmo tempo que eu havia planejado. —
Sorri, colocando uma mão no bolso da calça. — Leve o Eclipse para o Rio de
Janeiro, Kostas, estamos indo busca a minha mulher.
Agora, eu precisava de uma equipe inteira que desse assistência à
Victoria, afinal, ela estava grávida e precisava de todos os cuidados. Comecei
a fazer as ligações necessárias.
— Isso ainda não acabou, amore mio.
De fato, estávamos apenas começando.
Rocco
Rocco: Bom dia, amore mio, como você está? Sinto sua falta.
Victoria: Estou bem, sentindo fome. Agora passo o tempo inteiro sentindo
fome. Carlos está me ajudando com isso.
Rocco: Fico feliz em saber que ele está cuidando de você para mim. Tão
logo eu chegar, eu assumirei seus cuidados.
Rocco: Eu não me lembro de ter dito nada, então, estou feliz em discordar
dessa separação absurda. Quando eu chegar, nós vamos conversar
pessoalmente, aí sim poderemos decidir algo.
Victoria: Quando você volta?
Eu havia lhe dito que em duas semanas os gêmeos viriam para casa,
mas tudo indicava que eles poderiam vir antes. Antonella disse que, se
continuassem no ritmo de recuperação em que estavam, logo teríamos os
bebês aqui.
Minha volta para casa dependia disso somente. Mas era óbvio que eu
não ia dizer para Victoria nada dos meus planos, apenas quando estivesse
tudo pronto para levá-la a bordo do Eclipse, sem qualquer intervenção, eu
faria a minha aparição. Enquanto isso, ia controlar o meu temperamento e
manter contato, desde que ela estivesse respondendo as minhas mensagens,
estaria tudo certo.
Victoria: Boa noite para você, grandalhão. Aí já deve ser umas oito horas,
você está em casa? Sabe o que eu gostaria de saber? A data do aniversário
de Jason. Ele insiste em não dizer, mas eu sei que você sabe. Está tudo bem
por aí? Sinto sua falta.
Rocco: Oi, estou exausto, aqui está uma loucura. Eu não sei a data de
aniversário de Jason. Até mais tarde.
Victoria: Hahaha, você sabe sim, afinal, ele foi seu funcionário. Vamos lá,
não seja um grande malvado. Eu quero a data, por favor? Eu prometo que
fico te devendo uma.
Ele não respondeu, e eu não me senti mal por isso. Rocco era um
homem muito ocupado.
***
Rocco: Não vai demorar. Em breve você vai explodir, sim, na minha boca,
quando eu chupar a sua boceta até você gozar. Depois, vou te foder bem
gostoso, e você vai explodir outra vez, no meu pau. Que saudade de você,
amore mio. P.S.: Não esqueci desses peitos deliciosos, vou mamar até você
implorar que eu pare.
Rocco: O gato comeu os seus dedos? Ou você está imaginando eles ao redor
do meu pau, enquanto você me chupa? Lembra do que fizemos em Roma?
Amo a sua boca, estou duro só de pensar no que você sabe fazer.
Victoria: Qual?
Um sorriso largo tomou conta dos meus lábios, sua resposta chegou
muito rápido, e isso para mim denotava curiosidade.
Rocco: A minha barba cresceu de novo, você lembra a sensação dela
esfregando entre as suas pernas? Sabe que eu amo fazer sexo oral em você,
todos aqueles gemidos são como música para os meus ouvidos.
Rocco: Você geralmente chora quando goza muito forte, planejo uma
trepada de reconciliação memorável.
Rocco: Amore mio, não foi cheio de frescura que fiz um filho com você.
Pequena pervertida, você me segurou pelas bolas e fizemos loucuras, agora
está tímida? Você me diverte. Agora, não se preocupe com isso, e sim com o
fato de que estou chegando. Anseio por saber mais sobre esse seu
“relacionamento” com Carlos.
***
Amore mio,
Dias atrás, recebi uma mensagem sua falando que não me queria
mais e pedindo para eu me afastar. Eu vi as suas fotos na praia com Carlos,
admito que meu coração foi arrancado do peito, porque talvez houvesse
chegado o momento de eu provar que te amo a ponto de abrir mão de você,
se este fosse o seu desejo.
Mas, Pequena, como eu poderia te deixar se você me tomou e fez-me
seu irrevogavelmente? Eu não poderia viver com a consciência de que não
havia lutado por nós até o fim.
Tenho certeza absoluta de que posso te fazer feliz, mas agora preciso
que você decida. Venha para mim, espero por você no Eclipse, para que
juntos possamos conversar e entender tudo o que aconteceu.
Agora, peço que desbloqueie o meu celular, coloquei uma senha igual
a sua. Abra as mensagens e veja tudo, depois, perto de sua avó, ligue para o
seu número, o que está gravado aqui.
Perdoe-me por isso, mas não estou disposto a te perder, e não me
importo com quem terei que atropelar pelo caminho para chegar até você.
Te espero, meu amor…
Sempre seu,
RM.
Olhei para a minha avó e ela estava com sua bolsa ao lado, depois
segui as instruções de Rocco e abri as mensagens. Não levou muito tempo
para que a vontade de gritar começasse a guerrear com o choro entalado.
Não dava para acreditar no que eu estava lendo, aquele Rocco
amoroso continuava ali naquelas mensagens mesmo quando cada uma das
respostas que recebia eram frias, distantes.
Inclusive, tinham várias que diziam para ele procurar outra pessoa e
ser feliz.
—Deus. — Ofeguei, horrorizada que minha avó pudesse ter feito isso.
Uma parte de mim lutava em busca de outra explicação. Porque com
toda certeza do mundo aquela Victoria que conversava com Rocco não era
eu.
— Ligue, Bonequinha. — Jason incentivou, e eu o olhei. — Sinto
muito.
No ícone de chamadas, havia muitas em vermelho com meu nome,
sinal de que as tentativas foram várias, mas nenhuma foi atendida. Apertei em
rediscagem e olhei para minha avó, sentada no sofá em frente a mim.
O toque soou baixo dentro de sua bolsa e a primeira chamada ela
ignorou. Poderia ser coincidência, será? Tentei de novo, e de novo, até que
ela pegou o celular da bolsa num gesto furioso e o desligou.
Mas, enquanto eu observava sua expressão de pura raiva, vi que
enviava uma mensagem, quando a abri, no celular de Rocco, dizia:
Victoria: Pare de incomodar, já falei que não vou atender suas ligações.
Olhei para minha avó, esperando que de algum modo ela me dissesse
que eu estava errada, que tudo não passava de um mal-entendido. Mas ao
contrário do que eu desejava que acontecesse, ela só me olhou, em silêncio.
Inabalável como sempre.
Era triste, visto que, desde o começo de nossa relação, tentei entender
e justificar suas atitudes. Admito que eu quis tê-la por perto, sempre tive
desejo de ser a neta de alguém, conhecer o amor de uma avó e viver histórias
incríveis.
Então, para isso, precisei desconsiderar o que ela fizera com minha
mãe. Tive fé em sua mudança uma vez que, para mim, o tempo era um
remédio capaz de curar qualquer dor, e Antonietta já havia convivido tempo
demais com as suas. Meu pai, por outro lado, ainda amargava a descoberta
que as mentiras dela causaram, e foi preciso minha interferência para que ele
a aceitasse em nossas vidas.
Só que, agora, por mais doloroso que fosse, eu precisava admitir que
entendia meu pai.
— Diga algo, por favor. — Minha voz soou embargada, pisquei as
lágrimas idiotas que molhavam meus olhos.
Eu esperava qualquer palavra sua, para que de algum modo aquela
decepção não doesse tanto. Mas, não. Antonietta Andrade ergueu o queixo,
vestindo sua arrogância para simplesmente cruzar os braços e continuar me
encarando. Por um momento, não fui capaz de dizer nada, sua expressão
altiva me intimidava, ao mesmo tempo em que me levava de volta à época do
atelier. A sensação foi horrível para mim.
Balancei a cabeça, tentando acalmar os pensamentos para conseguir
encontrar minha voz.
Antonietta sabia como eu me sentia em relação a Rocco, abri meu
coração em algumas das mensagens que havíamos trocado, quando esconder
como eu me sentia se tornou impossível. No dia em que tomei coragem para
dizer que ele me fazia falta, a resposta que recebi foi:
Estou ocupado! Não posso falar agora, ligo mais tarde. Talvez.
Deus, Rocco escrevera tanto essa frase. Era quase como um copia e
cola que aumentara a minha certeza de estar acontecendo algo errado. Ele,
por mais louco que fosse, não falava assim. Então, por que começaria agora?
A resposta agora parecia simples: não era ele!
— Por que fez isso? — perguntei, era melhor sempre começar do
início. Notei que os convidados estavam se aproximando, o clima tenso e a
postura em que estávamos denunciavam que esta não era uma conversa
amistosa. — O que pretendia?
— Não ser obrigada a ver todo mundo agindo como se nada tivesse
acontecido! — Antonietta apontou o dedo para mim. — Não ter que aceitar
aquele homem. Ele te manipula! Agora mesmo, estamos a ponto de brigar
por causa dele. — Sua boca entortou com nojo. — No começo, você
sofreria, mas depois tudo ia ficar bem.
Não dava para acreditar que ela realmente achasse isso.
— Como, vovó? — Ri, incrédula com suas palavras. — Como você
pretendia fazer com que o rompimento com Rocco fosse definitivo? Ia
continuar trocando mensagens? Se passando por nós? Isso não ia funcionar.
Quando ele voltasse, a gente ia descobrir tudo.
Deus, era tudo tão vergonhoso que me causava arrepios. Como ela
tinha coragem de interferir desta forma na vida das pessoas? Agora eu
entendia o receio de Gaby, ela tinha razão.
Minha avó era uma pessoa horrível.
— Aquele homem é um imundo, ele ia te trair de novo, eu só
pretendia adiantar e te livrar de uma mágoa no futuro. Hoje você não precisa
dele para nada, nem para chegar perto do meu bisneto. Você não é mais a
pobre coitada, você não precisa dele!
— Vovó, mas e o meu filho? Você não pensa nele quando diz essas
coisas?
— Gianne não vai sentir falta de algo que nunca teve. — Ela deu de
ombros, indiferente. — Carlos será um ótimo pai.
— Você não pode estar falando sério. — Ofeguei. — Você queria o
quê? Que Rocco ficasse com alguém? A senhora ia me enviar fotos? Igual fez
com minha mãe?
— Não seria difícil. Eu acreditava que desta vez você não o perdoaria.
Suas palavras me fizeram entender que ela buscava um ponto final,
definitivo. Se Rocco houvesse ficado com outra pessoa, então, de fato, ela
conseguiria.
Mas ele não fez isso.
— Eu não acredito no que estou ouvindo. — Ri, mesmo que a minha
vontade fosse de chorar.
— Não deveria ser um trabalho difícil se aquele idiota fizesse o que
obviamente está acostumado! — Ela se aproximou, o cheiro de vinho que ela
bebera flutuando até onde eu estava. — Aquele homem não serve para você,
te traiu, é promíscuo, um sem-vergonha! Ele deve ficar longe de todos nós!
Eu já disse, o único homem bom para ser seu marido é Carlos!
— Não! — Perdi o controle da voz, o sangue esquentando com uma
raiva que há muito tempo eu não sentia. — Carlos está apaixonado, ele tem
alguém, e a senhora não sabe disso porque está preocupada demais criando
problemas para todo mundo!
Ela estreitou os olhos, desacreditando de mim. Olhei para meu primo,
com um pedido de desculpas, eu não deveria trazê-lo para a conversa.
— Você está mentindo, meu neto diria se tivesse alguém.
— Não me importo se acredita ou não, quando ele quiser, vai contar.
— Entreguei o celular a Jason. — A senhora interferiu na minha vida, o que
eu e Rocco fazemos não diz respeito a ninguém, eu sou maior de idade, eu
faço as minhas escolhas.
— E escolhe errado, igual ao seu pai! — Havia nojo em sua voz. —
Eu fiz o que achei necessário pela minha família e faria de novo.
— Você mentiu para minha mãe — gritei, a cabeça começando a
latejar. — Você a enganou e depois a mandou embora grávida, achando que
tinha sido traída e abandonada! — Solucei, vomitando as verdades que eu
preferi não trazer à tona para não a magoar. — Você tirou o meu pai de mim,
não permitiu que ele me visse crescer, que fizesse parte da minha vida! A
sorte foi que minha mãe conheceu o Michael, e ele foi incrível para nós. Mas,
então, o que você acha que teria acontecido comigo e com minha mãe? Acha
que Blanchet iria aceitar uma empregada e uma criança pequena? Eu não tive
como escapar de ter uma vida de merda, vivendo na porra de um inferno
porque você é egoísta demais para aceitar que não pode controlar a vida das
pessoas!
— Calma, minha filha. — Meu pai chegou ao meu lado, colocando a
mão no meu ombro, eu estava tremendo inteira. — Mãe, vamos conversar no
escritório, aqui não é lugar e nem hora!
— Eu sei o que é melhor para minha família — ela disse, ignorando o
convite para sair. — O que aconteceu com você foi um erro, admito, mas eu
nunca faria se soubesse.
— Você diz isso, mas continua desrespeitando as minhas decisões. —
Respirei fundo, o latejar nas têmporas aumentando. — O problema é sua
aparente boa intenção, você não se importa com quão machucada uma pessoa
pode ficar, desde que, a seu ver, suas atitudes sejam justificáveis. Isso de
interferir na vida das pessoas com certeza não é saudável, você precisa aceitar
que não pode controlar tudo.
— Eu me arrependo do que aconteceu com você, Victoria, mas não de
ter separado sua mãe do seu pai. Perdoe-me, querida, mas sua mãe não era
boa o suficiente. — Vários ofegos de choque se fizeram ouvir, o meu foi o
mais alto.
A cada minuto, mais revolta deixava-me doente, porque, pela
primeira vez, eu estava enxergando a minha avó.
— Não fale mais nada.
— Convenhamos, se sua mãe te amasse como você acredita, ela não
teria se entregado à depressão e morrido como uma incapaz. Ela sempre foi
uma mulher fraca, fácil de derrubar.
— Lava a sua boca! — berrei, ensandecida. — A minha mãe morreu
porque não aguentou tanta dor, ela morreu porque estava sofrendo, ela não
me deixou porque ela quis!
— Eu não acredito.
— Você não sabe o que diz, não entende o que é amar alguém. —
Esfreguei o rosto, fora de mim de tanta raiva. — Você fez comigo o mesmo
que fez com a minha mãe e pai. Mentiu, manipulou, brincou com meu desejo
de tê-la na minha vida. Todas as vezes que insultou meu irmão Jason, você
me magoou e depois disse que ia mudar, mas agora eu sei que não vai. Você
fala tanto de Rocco, mas pelo menos ele está lutando para não errar. A
senhora, por outro lado, erra com prazer. Isso é horrível! Você é uma pessoa
horrível.
Pela primeira vez, vi choque em sua expressão, Antonietta balançou a
cabeça, os olhos verdes, iguais aos meus, enchendo de lágrimas.
— Victoria, minha neta. — Estendeu as mãos. — Não diga isso, eu só
quero o melhor para você.
— Não! Já chega. — Dei um passo atrás. — Eu me arrependo de ter
dito que queria você na minha vida.
Apesar das palavras duras, senti a dor delas, porque eu sabia que isso
a magoaria. Mas, infelizmente, não ia retirar nada do que dissera.
— Vai me deixar por causa de Rocco? — Ela parecia incrédula,
encarando-me de olhos arregalados.
— Não por causa dele, e sim em razão de não querer conviver com
uma pessoa tão tóxica e cruel, não quero estar perto de uma réplica
melhorada de Blanchet.
Ela levou uma mão ao peito, como se eu a tivesse comparado à pior
coisa do mundo. Talvez eu tenha exagerado, mas estava cansada de sempre
dosar as palavras e me importar se ia magoar as pessoas que não faziam o
mesmo por mim.
— Você não aceita as minhas decisões, acha que sou fraca, idiota. Eu
detesto ser tratada como uma boba. — Respirei fundo. — Sempre arquei com
minhas decisões, se eu escolher errado, eu vou lidar com isso, mas não aceito
que minha vontade seja ignorada quando ela diz respeito à minha vida e à do
meu filho.
— Eu não faria mal ao Gianne. — Sua voz soou baixa.
— Sim, todas as vezes que alardeou que Rocco não precisava nem
conhecê-lo. Você não está nem aí para o que isso causaria ao meu filho!
— Mas ele teria Carlos — insistiu. — Rocco não será um bom pai,
ele não é o tipo de homem que…
— Vovó. — Meu primo se aproximou, interrompendo-a. — Eu tenho
uma mulher e eu vou ser pai do meu próprio filho, que inclusive está a
caminho. Então, por favor, não diga, nenhuma vez, que eu e Victoria
podemos ficar juntos, eu a amo, mas não para isso.
— Não minta — Antonietta vociferou. — Eu saberia se estivesse
apaixonado por outra mulher, eu sei que ama Victoria, você ficou com ela no
hospital todos os dias, você a trouxe para nós.
— Não fui eu — Carlos revelou, então me lançou um olhar carinhoso.
— Foi Rocco, ele trouxe Victoria. Primeiro na ambulância, quando o coração
dela parou e ele ficou gritando como um louco para não desistirmos,
tampouco ela; depois, ficando escondido ao seu lado, todos os dias, enquanto
lutava para fazê-la ouvi-lo. Ninguém sabe, mas quando Rocco chegava e a
tocava, o coração de Victoria sempre acelerava, a voz dele também a fazia ter
reação. Eu vi o sofrimento diário dele, o desespero que o comia vivo, o
pavor. Sei do que estou falando.
Ouvi-lo dizer isso me fez desabar em um choro compulsivo. Rocco
havia me dito partes editadas do que ele havia passado, mas, pelo ponto de
vista de Carlos, tudo parecia pior, mais visceral e dolorido.
— Ele cuidava do seu cabelo, banhava seu corpo. Aprendeu a cuidar
de você para que pudesse fazer isso quando saísse do hospital. As poucas
horas que ficavam juntos, ele falava com você, até que não aguentasse mais.
Ele nunca desistiu.
— Você mentiu para mim! — Antonietta estava desacreditada.
Enquanto eu sentia uma emoção enorme me arrepiar inteira, fazendo
o meu peito arder de saudade.
— Eu menti porque acreditei que a conexão deles era forte o
suficiente para ajudá-la, e não me arrependo. Sempre estive certo. O
desespero de Rocco a trouxe duas vezes, uma na ambulância, outra no
hospital. Ele a ama, vovó, e eu jamais poderia chegar perto de um sentimento
semelhante.
Deus! Rocco nunca desistiu de mim, ele de fato aprendeu com todos
os erros.
A sensação que tive foi de liberdade. Era como se o último cadeado
que mantinha a porta da minha gaiola fechada fosse quebrado, e eu pudesse
me livrar do medo. Talvez, eu e Rocco fôssemos feitos um para outro, a gente
combinava mesmo sendo opostos. Ele me magoou muito e conquistou o
perdão com suas ações, dia após dia.
Cada gesto pequeno e o cuidado para que de algum modo sempre
estivesse por perto me fizeram aprender a necessitá-lo.
— Jason — chamei pelo meu irmão, e ele acenou, já sabia o que eu
precisava.
— Vou levá-la para ele. — Sorriu, satisfeito.
— Por favor. — Sorri, chorando como se não pudesse controlar-me.
Quando estava prestes a sair, a minha avó me chamou. Engoli em
seco, parando para saber o que ela queria. Por mais que eu quisesse correr,
não conseguia deixá-la falando sozinha.
— Victoria, eu admito que errei, mas foi com a melhor intenção.
— Só isso que tem para me dizer? — perguntei baixinho, ela respirou
fundo.
— É o que tenho para dizer agora.
Dei-lhe as costas, mas antes de sair, não pensei direito antes de dizer:
— Eu me arrependo de ter dito que queria você na minha vida.
Quando me chamou outra vez, consegui manter o ritmo. Apressei-me
o mais rápido que pude em direção ao elevador, fechando a porta do pequeno
hall atrás de mim. Jason não disse nada, mas conseguíamos ouvir a briga que
estava acontecendo dentro do apartamento.
A voz do meu pai se sobressaía. Ele sempre foi calmo, controlado,
mas, quando perdia a paciência, era tão ignorante quanto Rocco em seu pior
momento.
— Vai dar tudo certo. — Jason segurou a minha mão. — Rocco e
você podem conversar e se entender.
— Havia tantas mensagens dizendo para ele seguir em frente, ficar
com alguém. — Balancei a cabeça. — Se ele tivesse feito isso…
— Era o que sua avó queria, porque todos sabemos que isso seria algo
sem conserto.
Respirei fundo, sentindo um mal-estar por toda essa confusão. Ainda
era ruim demais pensar que minha avó fez uso de um artifício tão baixo para
interferir no meu relacionamento com Rocco, quando isso só dizia respeito a
mim.
Estar com ele, perdoá-lo ou não, era uma decisão minha, e ninguém
tinha o direito de interferir. Eu sabia que minha família se preocupava
comigo, mas eu não precisava ser colocada em uma redoma de vidro, porque
era muito capaz de superar meus problemas por mim mesma.
— Em partes, eu até entendo sua avó — Jason disse enquanto
descíamos rumo à garagem. — O problema foi a desonestidade. Se passar por
você e por Rocco, interferindo diretamente e se mantendo escondida, foi tudo
bem sórdido.
— Esse é o problema — concordei com ele. — Ela não precisava
gostar de Rocco, ou ser forçada a fazer isso, mas, mentir, manipular? Não
gosto de me sentir uma marionete. Era assim que a madame me tratava.
Nunca gostei que comprassem brigas por mim, era eu quem deveria
resolver meus problemas, do jeito que eu pudesse. No começo, eu e Rocco
tivemos um conflito quando ele quis saber como funcionava meu acordo com
Blanchet, para que pudesse resolver, antes de eu lhe contar, a gente brigou,
porque eu não queria ser manipulada.
— Jason, tudo o que Carlos falou…
— Eu te disse que Rocco estava sempre ao seu redor. — Meu irmão
deu um sorriso. — O irritante deu um inferno de trabalho, quando soubemos
o que havia acontecido, ninguém conseguiu colocá-lo para fora do hospital.
Só Victoria pode me expulsar, ele dizia.
— Meu Deus. — Balancei a cabeça. — Rocco me faz ter raiva, mas
não dá para negar, eu o amo.
— Pois é, mesmo quando você o mandou sair, o bastardo ficou
sentado na sua porta. Realmente, é um filho da puta insistente.
Pensei em todas as vezes que ele mandou a mensagem: quer
conversar?
No começo, logo após acordar do coma, eu não queria, mas depois,
quando as coisas foram ficando melhores, passei a esperar essas benditas
mensagens, e então eu comecei a responder. Ele passou a ir à minha casa, e
os pequenos mimos que me dava, como aqueles chocolates incríveis, sempre
me faziam lembrar que ele estava ali, à distância de um chamado.
Aqui, no Brasil, ele veio sem saber o que esperar, foi paciente, se
manteve atento e me fez perceber que, acima da minha mágoa, eu sentia a sua
falta. Rocco, de fato, estava consertando os erros e, enquanto fazia isso, ia me
libertando do medo de acreditar em sua sinceridade.
Poderíamos tentar de novo, porque era isso que meu coração queria.
— Terra chamando Victoria. — Jason pegou a minha mão. —
Vamos, vai levar mais ou menos quarenta minutos para chegar lá. Avisei a
Rocco que estávamos saindo, ele com certeza está ansioso.
— Então corre, Jason.
Meu irmão deu um sorrisinho e me ajudou a entrar no carro. Apesar
de estar em um processo evolutivo excelente, eu não tinha muita estabilidade
na perna para apoiar o peso, ou dobrá-la.
— Coloque o cinto, e vamos.
Respirei fundo, ansiosa para encontrar Rocco e simplesmente abraçá-
lo.
Rocco
***
***
Eu tinha uma ideia do quão rico e influente Rocco era, mas, ainda
assim, não podia deixar de sentir-me chocada com toda a imponência daquela
casa, que parecia ter saído de uma revista de arquitetura superseleta e cara.
A grandiosidade do lugar era intimidante, não dava para evitar me
sentir um tanto deslocada, diante de tanta ostentação.
— Meu Deus. — Respirei fundo, olhando para o mar em direção ao
Eclipse, que fora ancorado a certa distância porque, de acordo ao que eu
soube, por causa de seu tamanho, ele não poderia ficar muito próximo da
costa ou encalharia.
Mordi o lábio, admitindo para mim mesma que o barco era mais
intimidante do que a casa. A visão que eu tinha agora me permitia observar
toda a extensão e elegância que ele possuía.
Era simplesmente surreal e deixava bem claro que Rocco estava em
um patamar muito diferente do meu, e da maioria das pessoas.
Por que está pensando nisso agora? perguntei-me, consciente de que
era tolice, mesmo que fosse uma tolice inevitável. Um suspiro acabou
escapando. Talvez, a beleza do pôr do sol, e de tudo ali, fosse a culpada por
me deixar um tanto desorientada.
Havia um frio na barriga que causava uma sensação de expectativa. E
isso aflorava um nervosismo estranho, que me fazia tremer inteira.
— O que foi? — Rocco enlaçou a minha cintura, beijando meu
pescoço. — Você ficou pensativa de repente. Tudo bem?
— Rocco, o quão rico você é? — Eu quis me bater assim que a
pergunta saiu.
Eu havia dito a mim mesma que não queria saber e que não me
importaria com isso. Mas, poxa, ele tinha uma ilha, uma… Ilha. Com uma
praia digna de um cenário de paraíso.
Sua risada aqueceu-me, desviando minha atenção daquele receio que
seu poder, riqueza e influência despertavam.
— Muito rico, amore mio. — Ele encostou o queixo em meu ombro.
— Podemos viver como a realeza, se assim desejarmos.
Ele estava exagerando. Tinha que estar. Mordi o lábio, observando o
horizonte, consciente do abismo que havia entre nós dois.
— Victoria…
Talvez ele tenha notado alguma coisa, porque senti seus braços me
apertarem um pouco mais.
— Eu nunca quis saber sobre essas coisas, mas, agora, não consigo
deixar de pensar. Viver como a realeza? Não sei o que dizer. — Torci as
mãos. — Isso me assusta um pouco. Somos tão diferen…
Não pude terminar, seu suspiro resignado calou-me.
— Não, nós não somos diferentes. — Ele me virou, e eu fui presa por
seu olhar azul profundo. — Tudo que tenho é seu, nosso. Da criança que você
carrega. Não me importo com nada disso, porque só tem sentido tanto poder
se eu puder compartilhá-lo com você.
— Mas… — Rocco me beijou de um jeito tão delicado que mexeu
com a minha cabeça.
De repente, eu não lembrava por que eu tinha trazido aquele assunto à
tona.
— Mas nada, eu dediquei mais de dez anos ao vício no trabalho, a
meta era ganhar dinheiro porque eu não queria outra coisa, apenas isso. —
Ele sorriu, agitando meu coração apaixonado. — Eu construí o meu império,
agora, eu tenho você para sentar no trono comigo. Te darei o mundo,
Victoria.
— Rocco…
— Vou aproveitar a vida ao seu lado, e dos nossos filhos. — Piscou
um olho.
— Filhos? — Subi minhas mãos por seu peito, repousando-as em seu
pescoço. — Plural, senhor Masari?
Havia uma felicidade ímpar em seu semblante tranquilo, era como se
ele fosse o Rocco da melhor fase de nossa história, aquele que não tinha
medo de falar o que se passava em seu coração, que não tinha receio de nada.
Era esse Rocco o responsável por me guiar pela última ponte, aquela
necessária para eu me conectar com a Victoria que sempre fui. Ele tirou a sua
culpa de qualquer coisa quando, mesmo sofrendo, não desistiu.
— Sim, quero no mínimo três. — Ele sorriu, animado. — Mas, se
você não quiser, eu estou feliz com nosso bambino, posso ser pai de apenas
um lindo garotinho.
Deus, eu não sabia lidar com esse homem. Ele era em partes bruto,
fofo, selvagem. Poderia ir de um extremo a outro, num piscar de olhos, mas,
apesar de tudo, ele me fez confiar outra vez que somente me amaria e
cuidaria do meu coração.
Como lidar com um homem assim? Minha respiração tremeu.
— Estou feliz, Pequena. — Seu olhar perdeu-se no horizonte, e eu
quase não pude aguentar a beleza estonteante dele. — Eu estou muito feliz.
A luz amarelada daquele fim de tarde refletia em seus olhos
cristalinos, as tolas borboletas em minha barriga simplesmente batiam asas,
porque era inevitável. Rocco não era somente um homem bonito, ele era
extraordinário, o homem mais lindo que já vi na vida, pessoalmente ou não.
Cada parte dele parecia desenhada por um mestre, às vezes até doía
encará-lo. Eu era bem consciente de que nunca chegaria aos seus pés, e o
pior, eu não entendia o que ele vira em mim.
Eu era… só eu. Victoria Fontaine, costureira, sem muitos atrativos e
tola sonhadora.
Deus, de onde esses pensamentos estão surgindo? Franzi o cenho,
tentando disfarçar o quão estranha me sentia.
— Eu sou grato por nosso filho existir. — Olhou-me, acariciando
minha barriga de quase sete meses. — Esse bambino foi muito desejado, ele é
amado. Meu milagre particular. Na verdade, vocês dois são tudo que mais
amo, prezo e necessito.
O sorriso meio de lado que ele deu acentuou o rosto masculino e a
barba crescida. Por um momento, precisei me lembrar de respirar.
— O que foi? — Estreitou os olhos, atento. — Você está me
encarando de um jeito diferente, algum problema?
Balancei a cabeça, não tinha sentido naqueles pensamentos, ou no
fato de que pareciam importantes as diferenças gritantes entre nós dois.
Amávamo-nos, ponto final. O resto era somente isso, resto.
— Não, está tudo bem. — Acariciei seu rosto. — E quero uma família
grande.
Aquele era um desejo antigo. Eu não sabia se era por causa do fato de
eu ser filha única, mas durante muito tempo quis ter um irmão, alguém para
dividir a minha vida, estar ao meu lado nas brincadeiras. Hoje, eu tinha o
irmão do meu coração, agradecia a Deus por ter colocado Jason na minha
vida.
— Você quer mesmo?
Oh, Deus, o sorriso. Havia tanta vontade, tanta expectativa no
semblante de Rocco que eu fiquei emocionada.
— Sim, eu quero. — Ele me abraçou, percebi que tremia. — Com
você, eu quero tudo o que sempre sonhei.
— Dio mio, não será apenas um sonho — ele prometeu, e eu acreditei.
Senti em meu coração que era verdade.
— Não será, grandalhão. — Pisquei um olho, provocando-o.
— Teremos uma mesa cheia? — perguntou, os olhos azuis e lindos
brilhando de felicidade.
— Sim, uma mesa cheia. — Rocco suspirou, encostando nossas
testas.
— Eu vou contar as horas para voltar para casa. — Suspirou,
compartilhando comigo seu sonho. — Da porta de nossa casa, escutarei a
risada de nossas crianças. Então eu vou parar um momento, fechar os olhos e
sentir a felicidade me dominar. Eu vou abrir a porta, e você e nossos filhos
correrão para os meus braços. Eu sempre vou esperar com os braços abertos.
— Rocco… — Senti o ardor das lágrimas.
Ele sorria, com os olhos fechados, sonhando com nosso futuro feliz.
— Todos os dias, segurarei o meu mundo nos braços, então saberei
que estou em paz, no meu refúgio, com minha família.
A voz dele, com aquele ar de desejo e sonho, tocava meu coração
como ninguém seria capaz. Era Rocco, e somente ele alcançava lugares
impossíveis que nem eu sabia existirem. Quando pensei que eu tinha perdido
tudo, a presença dele, de alguma forma, me fez ser forte, ele me alcançou na
escuridão, estendeu-me a mão e fez de tudo para me trazer de volta. Foi
paciente, amoroso, firme em seu propósito. Ele cuidou tanto para que eu
ficasse bem, que não percebeu o quão quebrado e precisando de cuidado
estava.
— Você vai me ajudar a realizar esse sonho não é, amore mio?
Ele pediu baixinho, humilde, com o coração nos olhos.
— Juntos, vamos realizar todos os nossos sonhos, teremos nossos
filhos, cachorros. — Ele riu. — Prometo um caos maravilhoso.
— Pequena, não me importo de ter marcas de patas no meu terno
Armani, ou que meus papéis do trabalho sejam riscados. Eu quero tudo isso,
sei que vou amar a loucura que minha vida vai se tornar.
— Louco, você é louco. — Ri de sua expressão ultrajada. — Mas,
anotado, depois não vale se arrepender.
— Prometo que não, agora… — Ele me ergueu nos braços. —
Vamos, eu quero te mostrar a nossa casa.
Ele atravessou a areia branca a passos largos, quando chegamos à
varanda da casa, pensei que ele fosse me soltar, mas não. Rocco me carregava
como se eu não pesasse nada, isso fazia com que eu me sentisse minúscula
nos braços dele.
— O Eclipse ficará ancorado a um quilômetro, a equipe vai ficar a
bordo, já deixei bem claro que não estão de férias. — Ele sorriu largamente.
— Nós estamos.
— Rocco, e as nossas malas? — Olhei para a praia, as luzes do
Eclipse já estavam acesas. — Eu não tenho roupas.
Ele parou de andar, encarando-me. Havia tanta calidez desprendendo
de suas íris azuis, que eu me sentia amada apenas com a forma com que me
olhava.
De algum modo, ele parecia em paz.
— Por que me olha assim, meu amor? — Toquei sua mandíbula
áspera. — Você é tão bonito, senhor Masari.
Ele fechou os olhos, aceitando o carinho.
— Eu não sei como eu te olho, mas, posso falar como me sinto.
— Você tem toda a minha atenção.
Pareceu que ia revelar um segredo.
— Bom, a verdade é que meu coração diz que, se eu estender os,
braços você virá para mim sem receio. Eu olho para você e vejo aquele brilho
de antes. Eu sei que você me ama.
— Rocco, é verdade, eu te amo. — Ele precisava ouvir, ter certeza
dos meus sentimentos e de que o passado tinha ficado para trás.
Apenas o futuro importava para nós dois.
— Eu sei, eu posso sentir. — Sorriu, emocionado. — Mas, também
quero que você sinta o meu amor, porque, Victoria, eu te amo com cada
respiração que exala do meu corpo.
Rocco me permitiu ficar em pé, e então ajoelhou, segurando as
minhas mãos. Ele beijou-as, olhando-me.
— Eu te amo com cada pensamento e batida do meu coração. Talvez
eu não consiga explicar o tamanho do meu sentimento, mas é tão grande, que
não cabe no meu peito. Eu acho que vivo porque você está aqui. Você
consegue entender? Sem você, nada importa, você é o meu sentido, entende?
Acenei, porém, não tinha palavras para expressar-me agora. Rocco
tinha o dom de me deixar chocada e com o cérebro em pane.
— Nós atravessamos um oceano, conseguimos chegar à terra firme.
— Sua comparação foi fofa, porque nós, literalmente, fizemos isso. — Eu sei
que cometi erros…
Não permiti que terminasse, eu já havia encontrado paz em meu
coração para tudo o que acontecera. Rocco, ainda não, e eu usaria nosso
tempo aqui para cuidar disso.
— Ouça. — Soltei minhas mãos, para segurar seu rosto. — Você
esteve ao meu lado nos momentos mais difíceis da minha vida, Rocco, foi
você o responsável por me tornar uma mulher mais forte, o que aconteceu,
talvez fosse necessário… — Ele negou, querendo se explicar. — Espere, só
um minuto. — Sorri, acariciando sua face de anjo vingador. — Eu te amo por
completo, e isso inclui tudo, passado e presente. Eu cresci com a dor, ela me
fez mais forte.
Havia orgulho em seu sorriso, mas também medo. Enquanto eu estava
pronta para seguir em frente, ele ainda carregava o trauma do que viu e
sentiu.
— Não tenha medo. — Eu o abracei. — Eu te desejo sem ressalvas.
Quero viver com você por completo, sem qualquer ponto de interrogação.
Estou inteira, aqui para você. Tudo foi superado, acredite. — Ele estremeceu,
o rosto enterrado em meu peito.
— Amo tanto você. — Sua voz soou abafada, mas eu pude entender
perfeitamente. — Eu vivo me dizendo que está tudo bem, eu quero acreditar,
mas, e se tudo isso for um sonho?
— Não é. — Ele se afastou para me olhar, havia uma ruga em sua
testa. — Não se preocupe. — Acariciei-o com gentileza, até que sua
expressão suavizou e ele sorriu. — Vamos patentear esse sorriso, tenho
certeza de que ficaremos ricos.
Rocco continuou de joelhos, encarando-me com o coração naqueles
olhos lindos.
— Eu seria capaz de fazer qualquer coisa por você, para ficar com
você. — Lágrimas se acumularam no canto dos seus olhos. Era surreal que
ele olhasse para mim com tanto amor em sua expressão. Chocava-me,
sinceramente. — Obrigado por estar aqui comigo, amore mio, por carregar
meu filho. — Ele me abraçou outra vez. — Obrigado por me aceitar como
sou.
— Eu gosto de cada parte sua, desde o humor explosivo até o jeito
que cuida das pessoas que ama. — Penteei seus cabelos para trás, estavam
grandes já, desalinhados e sexy. — Você me tomou para si, como diz que eu
fiz com você. Não pude lutar contra o que sinto, o resultado é que acho muito
melhor dormir em seus braços, do que ficar sozinha. Orgulho não serve para
nada quando te faz sofrer.
— Você vai dormir em meus braços todas as noites, para sempre.
— Para sempre é muito tempo — brinquei, antes de beijá-lo. — Mas
aceito o agora e até quando Deus permitir.
Ficamos em silêncio por um momento, o mar estava tranquilo como
nós.
— Victoria Fontaine. — Rocco pigarreou, levando uma de minhas
mãos ao seu peito. Ele parecia solene. — Aqui, diante deste mar e das
estrelas que repousam no céu, prometo te amar todos os dias enquanto eu
viver. Eu vou mudar tudo o que não te agrada, e então, serei o homem que
você espera que eu seja.
— Eu aceito que me ame, mas não que mude quem você é. Eu
aprendi que, quando amamos alguém, precisamos aceitar suas qualidades e
defeitos. Eu te quero truculento e brigão, o ogro por quem me apaixonei. Esse
é você.
— Não…
— Rocco, apenas saiba analisar as coisas, antes de explodir.
— Então, só para garantir — Ele parecia um tanto desconfiado —,
você me aceita, mesmo eu sendo um filho da puta ciumento e possessivo, que
certamente vai partir ao meio qualquer bastardo que chegar perto demais de
você?
Ele estava testando, eu sabia. No entanto, tudo o que aconteceu serviu
para expandir o meu olhar. Quando conheci Rocco, uma parte dele ainda
vivia presa ao passado, agora, não mais, e isso era muito claro para mim.
Eu sabia que ele estava mais centrado. Por outro lado, sua natureza
era mais bruta e não dava para querer transformá-lo em algo que ele não era.
Isso seria tóxico, para ambos.
— Não quero você brigando, eu temo por você. — Toquei seu rosto.
— Não quero que se machuque.
— Então, se eu prometer não me machucar, você me deixa brigar?
Ri baixinho, balançando a cabeça.
— Mudamos muito o rumo da conversa, não é? Mas, eu concordo que
se você não se machucar, pode ser um Neandertal de vez em quando.
— Porra! — ele gritou, levantando e me espremendo entre os braços.
— Você é meu número, caralho!
Antes que eu pudesse dizer algo, ele me beijou. Sua língua foi logo
invadindo, sem preliminar. Senti-me devorada, em carne viva. O jeito com
que me mantinha cativa, dominada pelo beijo enlouquecedor, era demais.
Seus lábios esmagavam os meus, ele tinha um jeito de segurar meu cabelo,
firme, com força, mas sem machucar.
Era tudo na medida certa, apenas para acender o meu desejo. Eu já
podia sentir o desconforto do clitóris pulsando, a calcinha alagada de tesão.
Por Deus, e era somente um beijo.
— Quero você! — Gemeu, rasgando a parte superior do meu vestido,
expondo meus seios pesados.
— Alguém pode ver, Rocco — tentei argumentar, mas ele me beijou
de novo. — Rocco… Vamos entrar.
— Ninguém vai ver. — Sua voz soou pecaminosa, arrepiando-me a
ponto de deixar os meus mamilos doloridos de tão duros. — Eu quero fazer
amor agora. Vamos, amore mio. Confie em mim, acha mesmo que eu iria
permitir que alguém te visse?
Olhei ao redor, negando.
— Estamos ao ar livre… — Mordi o lábio, deixando a vergonha de
lado e levantando os braços para ele retirar o vestido.
— Isso. — O jeito com que me olhou quando fiquei nua foi tão sexy.
O pequeno sorriso em seus lábios deixava-me saber que eu ia ter sexo
gostoso e quente. Só de imaginar o que ele faria, minhas pernas ficaram
bambas.
— Você é linda demais, porra, linda demais. — Ele lambeu os lábios,
encarando meus seios grandes, a barriga de grávida.
Eu não conseguia manter o olhar preso a ele, meu rosto pegou fogo.
Não dava para acreditar que eu estava nua ao ar livre. Numa praia. Meu
Deus…
— Ruborizando para mim? Que delícia.
Ele ajeitou descaradamente a ereção que pressionava sua calça. Como
é que o clima mudava tão rápido com esse homem? Agora, eu só conseguia
pensar nele dentro de mim, fodendo-me gostoso.
— Porra, não faz essa cara, que eu já estou cheio de tesão. Delizia
mia.
— Rocco!
Ele forrou o vestido longo no chão e estendeu a mão para mim.
— Vem, deita aqui. — Aceitei sua ajuda para deitar. Esperei que se
juntasse a mim, mas Rocco ficou de pé e começou a se despir. — Não tire os
olhos dos meus.
Mesmo se eu quisesse, seria impossível, olhar para ele tirando a roupa
era demais, como receber uma dose de prazer direto na veia. Ele se livrou das
roupas, deixando-me louca com sua completa nudez. Rocco era incrível,
Deus, cada parte dele era.
Não bastava ter um rosto impecável, ele precisava de um corpo
também impecável para acompanhar. Ofeguei quando ele deitou, o calor que
emanava de seu corpo aqueceu-me.
— Você parece um deus do mar.
— E você é minha. — Ele baixou a cabeça e lambeu meus seios.
A sensação foi tão profunda, que senti meu ventre contrair. A cada
dia, eu estava mais sensível, e ele sabia como explorar essa fraqueza.
— Isso é tão bom. — Minhas mãos se perderam em seus cabelos, ele
gemeu, enrolando a língua ao redor de um mamilo e o chupando depois.
Não pude evitar o grito que escapou quando ele o mordeu
delicadamente, parecia que estava me desmanchando.
— Calma, amor, não vamos nos apressar.
— Eu quero você dentro de mim, só isso.
Às vezes, eu não acreditava que ele conseguia me deixar num estado
sedento tão depressa. Eu deveria ter um pouco de controle, mas não tinha.
Aguentei tempo demais, agora, só de pensar em senti-lo em meu interior,
todos os pensamentos fugiam, e nada mais importava.
— Rocco…
Suas mãos começaram a percorrer meu corpo, ele não tinha pressa,
estava me torturando. Mordi o lábio, arqueando quando ele deslizou a
calcinha por minhas pernas. Seus beijos desceram, e ele estava lá, fazendo-
me gritar sem importar que estivéssemos fora de casa.
Sentia-me pronta para qualquer aventura.
— Rocco! — Puxei seus cabelos, ele gemeu, golpeando meu clitóris
com a língua, chupando duro, às vezes lento. Matando-me lentamente. — Por
favor…
Ele deu um último beijo molhado e barulhento na minha boceta,
depois, como se eu não estivesse implorando, foi distribuindo beijos por
minha barriga, enquanto ia subindo.
Eu estava tremendo, a brisa que vinha do mar acariciava minha
intimidade exposta e úmida. Tudo parecia trabalhar para deixar-me como um
fio desencapado, qualquer toque vibrava de prazer.
Eu ia enlouquecer.
— Ro… — Sua boca tomou a minha, e eu quase derreti.
Havia uma sugestão de sal em sua boca, a língua, que instantes atrás
me enlouquecia, agora provocava de outras maneiras.
— Sinta-me — murmurou, beijando-me de novo.
Então eu pude senti-lo esfregando-se em mim. Rocco desejava
experimentar cada momento, talvez pudéssemos depois, em outra ocasião,
agora, não.
— Estou ardendo, preciso de você — lamentei baixinho, puxando-o
para outro beijo, desesperada.
Meu clitóris pulsava tanto, que doía, eu sentia dentro de mim a
necessidade de ser preenchida, daquela picada de dor que me excitava sempre
que eu o recebia. Era tão bom.
— Calma. — Ele sorriu, quando começou me penetrar, parecia
saborear cada instante. — Delícia, Victoria, você é…
Ele gemeu, o encaixe entre nós dois era sempre apertado demais, no
limite do prazer e da dor, o suficiente para enlouquecer a ambos. Rocco
estava entrando e saindo, devagar, só para me fazer ansiar aquela demanda
louca.
— Mais rápido.
— Amore mio… — Puxei-o para mim como pude, a barriga nos
limitava um pouco, mas ele entendeu o que eu precisava.
Rocco deu um sorriso. Ajeitando o corpo, ele ergueu-me, segurando o
meu quadril, e começou a me foder como eu queria.
— Isso, isso! — Fechei os olhos, recebendo ansiosa suas investidas.
Nossos gemidos mesclavam-se com o barulho das ondas, aumentando
o prazer que o proibido causava. Eu sentia que a qualquer momento ia me
perder, não me importava de gritar, incentivando-o a me tomar mais forte.
Podia sentir a sensação sublime crescer, todo meu corpo estava
eletrizado, doendo por liberdade.
— Caralho, amor, você está pulsando ao meu redor, não vou aguentar.
O toque de seu polegar em meu clitóris foi como atear gasolina em
um incêndio, meu corpo explodiu, e eu gritei como se nunca houvesse
gozado.
— Dio mio! — Rocco gemeu, entregando-se ao seu próprio prazer,
enquanto eu lutava para lidar com a sensação que me engolia dos pés à
cabeça.
Foi tão intenso, que senti os dedos dos pés enrolando.
Ele ainda vai me matar de tanto prazer.
Victoria
A casa de Rocco era algo saído de um filme. Cada detalhe parecia ter
sido preparado com esmero e amor, eu sabia que algum especialista em
decoração fora o responsável por deixá-la tão linda, mas o que me
surpreendia era a sensação de aconchego.
— Então? Você gostou? — Rocco perguntou, coçando a cabeça,
parecia ansioso. — Quando mandei que fosse preparada, eu pensei em você.
Apesar de eu não ter estado aqui, eu disse as preferências que tinha e…
— Rocco, ela é linda, e eu adorei.
Ele sorriu, parecendo aliviado.
— Vem, me deixa te mostrar o quarto. — Ele estendeu a mão, e eu
aceitei.
Sempre faria isso, quando ele me chamasse, não importa onde eu
estivesse, eu o responderia.
Rocco me guiou em direção a um corredor amplo, eu precisei ficar
atenta, porque tudo ali chamava atenção por causa do extremo bom gosto.
Até as cores da casa pareciam combinar com o cenário praiano.
— Fecha os olhos, amore mio. — Paramos em frente a uma porta. —
Devo admitir que estou desejando ficar a maior parte do tempo na cama.
Balancei a cabeça, mas a ideia não me parecia nada ruim. Rocco não
disse mais nada, no entanto, eu buscava me concentrar nos sons que ele fazia.
O barulho de porta abrindo, depois o som das ondas chegou até mim, o cheiro
do mar também parecia bem presente.
— Vem, confia em mim, não abra os olhos agora.
Fui caminhando, levada por ele. A curiosidade era uma coisa viva
dentro de mim, mas obedeci, e esperei. Um beijo suave no ombro me
arrepiou.
— Abra os olhos, amor.
Por um breve instante, as palavras me escaparam. Eu estava diante de
uma vista que jamais esqueceria. O quarto era enorme, mas, não só isso, ele
fora projetado para que pudéssemos desfrutar da beleza da praia. A varanda
possuía portas francesas de um bom tamanho, e estando elas abertas, a visão
do mar era como um quadro.
A lua, belíssima, refletia na água escura e misteriosa. Ao longe, como
um ponto de luz, avistei o Eclipse.
— Podemos fazer desses dias aqui inesquecíveis. — Rocco me fez
encará-lo. — Apenas nós dois, vivendo nosso amor de forma egoísta.
— Eu aceito demais. — Fiquei na ponta dos pés e o beijei.
Eu estava sendo egoísta desde que pisei os pés no Eclipse. Talvez,
fosse errado sumir assim, mas eu fiz apenas o que me agradava. Minha
família fora avisada, então, pela primeira vez, não me preocupei com outra
coisa, a não ser o que me fazia feliz.
Não havia arrependimento, ou qualquer sentimento nesse caminho.
Essa foi uma das melhores decisões que já tomei na minha vida.
— Vem, tem uma jacuzzi quentinha te esperando. — Rocco piscou
um olho e me puxou em direção à varanda, mas, ao passar ao lado da cama,
estaquei, eu não estava acreditando nos meus olhos.
— Rocco, você… — Engoli a emoção. — Você trouxe o violão do
meu pai? — Olhei para ele, sem acreditar.
— Contrabandeei, na verdade. — Coçou a nuca, percebi que ele
estava um pouco vermelho. — Eu o roubei da sua casa, antes de ir para o
Brasil pela primeira vez.
— Rocco…
— Eu não ia ficar com ele para sempre, mas pegar sem pedir foi
errado, eu sei. Perdonami, amore mio.
Estava tão claro para mim que ele estava envergonhado, com toda
certeza, ele havia pegado o violão em um ato impensado. Poderia parecer
loucura, mas ter um pedaço do meu passado feliz, naquele lugar de amor,
tornava-me ainda mais forte.
Antes que Rocco pudesse pensar besteira, eu o abracei.
— Mais tarde cantarei para você. — Olhei para seu rosto, ele sorria de
um jeito lindo. — Esse violão significa muito para mim, ele remonta uma
época de felicidade. Quando meu pai Michael nos reunia, ele dizia que
sempre estaríamos juntos. De certa forma, ele estava certo.
— Nós também, amore mio, a todo momento estaremos juntos.
— Eu amo essa certeza que você tem.
— Não existe outra possibilidade, agora, vamos tomar aquele banho.
— Ele bateu na minha bunda. — Você disse que ia cantar para mim, estou
ansioso.
Não demoramos muito na jacuzzi, porque Rocco não deixou. Então,
depois de uma massagem deliciosa de água morna, tomamos um banho
divertido, porém rápido demais para o meu gosto. Agora, eu estava
confortavelmente vestida com uma camisa dele e sentada num sofá de vime,
dedilhando o violão.
— O que você gostaria que eu cantasse? — perguntei, pela terceira
vez, mas Rocco só me encarava com um meio-sorriso nos lábios.
— Gosto da sua voz, amore mio. — Rocco esticou-se no sofá, atento
a mim. — Não importa o que decida cantar.
— Você não tem nenhuma banda ou música preferida? — Testei
algumas notas, para destravar os dedos. — Então?
— Talvez eu tenha. — Arqueei a sobrancelha, ele parecia divertir-se.
— Gosto de rock até os anos noventa.
— Rock antigo? — Acenou, concordando comigo. — Scorpions, Iron
Maiden, Gun’s N Roses?
— Nirvana, Black Sabbath, Queen… — ele completou, me deixando
bem animada.
— Senhor Masari, seu gosto musical é esplendido. — Comecei a
dedilhar uma música que eu sabia tocar muito bem. — Vamos começar com
Scorpions.
Ele sorriu, balançando a cabeça. Minha atenção se voltou para o
violão, as notas flutuando num ritmo lento, harmonioso.
— Você conhece essa? — Espiei Rocco, ele estava atento, vidrado em
mim.
— Sim, amore mio, você a cantou quando estávamos no
acampamento do festival.
Sorrindo, concordei. Ele tinha uma memória excelente. Still loving
you era uma das músicas favoritas do meu pai, eu poderia cantá-la ou tocá-la
de olhos fechados. Mas, agora, quando as palavras derramaram-se dos meus
lábios, eu estava olhando para o homem da minha vida.
— Cante para mim… — Rocco soltou o fôlego, aproximando-se um
pouco mais. — Dio santo, cante para mim.
A música era uma declaração para um amor machucado, mas que
seria recuperado. A letra era um pedido de perdão, uma tentativa para que
voltassem a acreditar no amor, ou ao menos que tentassem, porque ele não
deveria ser jogado fora.
— Se nós percorrermos novamente, todo o caminho até o início —
cantei, sorrindo para Rocco.
— Eu tentaria mudar as coisas que mataram o nosso amor — ele
murmurou, com a voz rouca, a estrofe seguinte. — Amore mio… perdona…
— Eu continuo te amando… — cantei, um pouco mais alto,
interrompendo-o. — Eu continuo te amando.
— E eu preciso do seu amor.
Apaixonada por seu semblante carregado de tanto sentimento.
Quando a música terminou, ele me puxou para seu colo.
— Te amo pra caralho.
Ele me beijou, e eu esqueci que havia prometido cantar algumas
músicas, porque ele havia me mostrado que poderíamos fazer algo muito
melhor.
***
Aquela ideia de fazer um diário para nosso filho estava sendo levada
muito a sério. Rocco, sempre que tinha a oportunidade, pegava a câmera
portátil e começava a sua tarefa. Agora, ele tinha certeza absoluta de que o
bebê reconhecia a sua voz.
— Vamos lá, não me deixe com cara de bobo. — Ele conversou com
a minha barriga, porque instantes atrás Gianne estava chutando muito. —
Bambino, só porque o seu papa está filmando? Não seja assim, dá só um
chutezinho.
Ri, quando Rocco passou a mão pela minha barriga. Eu precisava
admitir que o tempo com ele estava me fazendo muito bem, na última
consulta, soubemos que eu havia ganhado peso, e que nosso bebê seguia
crescendo firme e forte.
Minha única queixa, digo, a única coisa que estava se tornando mais
presente, eram inchaços nos pés, mas o doutor disse que era normal isso
acontecer quando a gravidez estava avançada, e eu já estava no último
trimestre.
Eu não reclamava de nada, de qualquer coisa que dissesse, Rocco
fazia um evento. Por causa das dores nas costas, dependendo da posição, eu
sentia incômodo na lombar, fora isso, tudo seguia perfeito.
— Não seja tímido, mostra para a mamma que você me entende, ela
está duvidando.
— Não estou.
— Não dê ouvidos a ela — ele murmurou, a boca encostada no meu
umbigo. — Ela vai dizer que não duvida porque não quer magoar meus
sentimentos.
— Seu bobo. — Acariciei os seus cabelos. — Gianne pode estar
dormindo. — Mal terminei de falar quando o bebê me deu um cutucão nas
costelas — Isso dói um pouco. — Respirei fundo, devido a surpresa e o
incômodo.
— Vai com calma, amor, sua mamma é pequenina. — Rocco era tão
carinhoso que às vezes me deixava boba.
Olhar para ele, sendo tão dedicado e amoroso conosco, era uma
realização. Eu achava que toda mulher que vivia essa fase tão importante não
deveria se sentir sozinha. Quero dizer, gerar uma vida mexe com a gente, e
ter o apoio de quem amamos é fundamental.
— Não chuta a mamma com tanta força, ela já entendeu que você
sabe quando sou eu que estou falando.
— Ele é bruto como você.
Eu podia jurar que havia orgulho na expressão de Rocco. Ele sorria
tão abertamente, que a felicidade irradiava de si. Aos poucos, quase como se
estivesse tímido, Gianne começou a mexer. Minha barriga tremia, depois
esticava para um lado só, ou ficava muito dura.
— Isso, bambino — Rocco incentivou o bebê a mexer mais, ele não
perdia nada com a câmera.
Ficamos vários minutos assim, quando finalmente o nosso filho
acalmou, meu grandalhão mirou a câmera em meu rosto.
— Quem é o homem da sua vida? — Piscou um olho e apontou com o
polegar para si próprio.
Ri baixinho, olhando para a câmera. Eu tinha certeza de que Rocco
era o homem mais louco que existia. Cada dia ele me mostrava uma faceta
nova, e eu me apaixonava mais.
— Vamos lá, quem é o homem da sua vida? — perguntou de novo,
apontando para si mesmo. — Não seja tímida, eu prometo que não vou usar
isso contra você.
— Eu não vou produzir provas contra mim. — Dei um sorriso largo.
— Você não vai mais andar com Dimitri, ele está te levando para o
mau caminho. — Rocco mexeu as sobrancelhas. — Vamos, amore mio, não
seja má, o que custa? Fala, eu quero ouvir.
— Falar o quê? — provoquei e logo me arrependi, porque ele
mergulhou o rosto em meu pescoço e quase me matou de cócegas com a
barba. — Eu falo! Eu falo!
Tentei empurrá-lo, eu estava toda arrepiada, a barba dele era uma
tortura gostosa, que às vezes eu não aguentava.
— Muito bem. — Ele deu um sorriso vencedor, apontando a câmera
para meu rosto outra vez. — Quem é o homem da sua vida?
— Você! — Soprei um beijo.
— Vamos, fale com todas as letras, estou filmando para ter provas
quando você disser que eu sou ignorante demais e que não quer um ogro
como marido.
— Você disse que não ia usar contra mim! — Gargalhei de sua cara
de safado.
— Bom, eu menti. Agora diga.
Deus, a expressão de pura felicidade dele aquecia meu coração como
poucas coisas poderiam. Eu o amava demais, tanto que doía.
— Não me olhe assim. — Sua voz soou rouca. — Vou ficar
desconcentrado.
Lambi os lábios, eu não sabia como o estava olhando, mas, a julgar
por sua expressão, ele gostava e muito.
— Você sabe que eu te amo.
— O que custa uma declaração? — reclamou, balançando a cabeça.
— Deixe de ser egoísta, mulher! Pode falar o quanto me ama.
Comecei a rir, e por estar deitada, o fôlego me faltou. Rocco ajudou-
me a sentar, e eu cruzei as pernas, depois ajeitei o cabelo.
— Não precisa ter pressa, a bateria da câmera está cheia. — Ele
passou a mão pelo meu cabelo. — Você está linda demais, puta que pariu! Eu
não aguento.
Ele me beijou até os dedos dos meus pés curvarem e eu esquecer meu
nome. A barba fazia cócegas no meu rosto, era excitante, eu poderia ficar ali
para sempre.
— Amore mio…
— Eu te amo, Rocco. — Acariciei seu rosto. — Eu te amo demais.
Voltamos a nos beijar, e ele parecia ter esquecido que estava
gravando. Quando nos separamos, ele me encarou como se eu fosse a melhor
coisa do mundo.
— Esqueceu a sua declaração? — perguntei, brincando com seus
cabelos escuros.
Ele sorriu, ajustando a câmera outra vez.
— Está linda, com os lábios inchados dos meus beijos. — Piscou um
olho. — Agora diga, Victoria, quem você ama?
Encarei a lente, queria fazer parecer que olhava para ele. Quando
estivesse assistindo, teria essa sensação.
— Eu amo você, Rocco. — Sorri. — Amo você para sempre, com
tudo de mim. Eu te amo em meus sonhos, na minha realidade e com cada
batida do meu humilde coração. — Seu sorriso era lindo demais. Soprei um
beijo para a câmera. — Eu te amo, Rocco Masari, nunca duvide disso.
Ele largou a câmera e me abraçou, ficamos um tempo assim, porque
às vezes Rocco ficava todo sentimental, só que agora ele me permitia ver
isso. Já não mais escondia o que se passava em seu coração.
— Adoro seu cheiro — ele disse baixinho, respirando fundo — Amo
a sua voz, a textura de sua pele, a cor dos seus cabelos — Rocco encostou sua
testa na minha e suspirou, parecendo derrotado. — Sou completamente
apaixonado por seus olhos. Eu consigo ver a sinceridade que há neles, a
pureza de seu coração. Juro, amore mio, que é como se eu pudesse ver a mim
mesmo e o que desejo ser.
Afastamo-nos um pouco. Os olhos azuis estavam sombreados pelos
cílios longos e escuros. Rocco, de fato, era um homem de beleza
impressionante.
— Olhar seus olhos, amore mio, me faz o homem mais feliz do
mundo porque eu juro que posso enxergar o futuro.
— O que você vê?
— Amor, felicidade, filhos. — Rocco segurou meu rosto e, quase
solene, completou: — Eu vejo o meu lar, o lugar para onde sempre irei voltar.
Um nó se formou em minha garganta, este era um dos momentos em
que ele me fazia querer chorar. Era tão incrível que Rocco fosse o homem
mais carinhoso do mundo, e ao mesmo tempo bruto. Ele tinha um contrapeso
surreal para lidar com as coisas que importavam.
— Vamos nos casar assim que voltarmos para a civilização, tudo
bem? — Rocco beijou meus cabelos, abraçando-me. — Eu estou em processo
de transferência, vou levar a matriz da minha corporação para o Brasil, não
vou ficar longe de você mais que uns dois ou três dias por quinzena até tudo
se ajeitar.
O quê? Eu não sabia disso! Deus, sério que ele mudaria toda a sua
vida para adequar-se a minha? Ele mudar a matriz de sua empresa de país não
era como juntar uma caixa de documentos e realocá-la. Estávamos falando de
uma empresa enorme, com muitas pessoas envolvidas.
— Eu conversei com Dimitri, em cerca de um ano, creio que…
— Rocco, estarei onde você estiver — eu o interrompi. — Se sua vida
está na Inglaterra, então a minha também estará. Eu não planejava montar a
minha vida no Brasil, tudo simplesmente aconteceu.
— Mas o atelier da sua avó, eu sei que ela vai querer você por perto.
— Ele parecia já ter pensado em tudo. — Eu não me importo de mudar, eu
faria isso e muito mais para ficar com você.
— Saber disso só me faz te amar mais.
— Amore mio, não importa onde estivermos, desde que fiquemos
juntos.
— Eu sei. — Toquei seu peito. — Suas batalhas serão minhas, e
vitórias também. Juntos, entendeu?
Ele não respondeu, apenas me abraçou apertado, fazendo-me enxergar
que não importava onde estivéssemos, éramos nosso próprio lar.
***
Acordei sentindo que algo estava errado, em todos os dias aqui, nunca
senti coisa semelhante.
— Rocco? — chamei baixinho, passando a mão em seu lado da cama,
ainda havia calor.
Lá fora, o barulho da chuva estava alto, o dia estava esquisito, como
se parecesse pesado. Sonolenta, arrastei-me para fora da cama. Ultimamente,
era cada vez mais difícil levantar, a barriga estava grande demais, eu não
conseguia ver meus pés, além da total falta de centro de gravidade.
— Não me ferra! — Do corredor, pude ouvir o berro irado de Rocco.
Apressei-me em direção à sala, quando cheguei, o avistei andando de
um lado para outro. Ele falava ao telefone, parecia nervoso, agitado. De vez
em quando, esfregava os cabelos, que estavam revoltos.
— Por acaso esses idiotas pensam que eu me descuidei? — perguntou
à pessoa que estava do outro lado da linha. — Eu estou cuidando da minha
família, e isso não diz respeito a ninguém! Caralho, meu aniversário é em
breve, não posso voltar para casa agora, tenho planos com Victoria!
O que ele ouviu em resposta foi suficiente para fazê-lo socar a parede.
A expressão de Rocco era tão furiosa que em outros tempos me assustaria.
— Me destituir com ordem judicial? Isso é uma piada? — Ele
encostou a testa na parede, estava revoltado. — Alegam o quê?
Eu não deveria ficar ouvindo conversa alheia, mas estava congelada
no lugar. Sentia-me mal por Rocco estar enfrentando problemas, ele
abandonou sua vida na Inglaterra, as empresas, que eram algo que ele amava,
para nos dar esse tempo juntos.
Agora, era obrigado a ver as pessoas duvidando dele.
Isso era muito injusto.
— Negligência? Os bastardos alegam negligência? — Não pude
evitar o arrepio com a risada que Rocco deu. Não era algo que pressagiasse
boa coisa, porque deixava claro que alguém havia cruzado uma linha muito
tênue. — Eu não vou tolerar esse tipo de merda na minha empresa, será que a
última vez não bastou? Foram quantos demitidos? Cinco? — Ele balançou a
cabeça. — Não, eles não podem criar um novo conselho, de onde saiu isso?
Eu não abandonei nada!
Não pude deixar de me sentir culpada. Rocco poderia perder a
presidência da própria empresa? Será que isso ia acontecer?
Meu Deus!
— Isso é o que dá deixar ponta solta. — Bufou, mas logo em seguida
suspirou. — Estou cansado de ter que lidar com esse tipo de problema
totalmente desnecessário, por acaso você soube de alguma perda de valores?
Minhas ações caíram? — Rocco estava atento a tudo que lhe era passado, e
eu aqui, querendo saber para tentar não me sentir tão culpada. — Contratar
um CEO é uma afronta direta a mim. Vou reformular, quero as cabeças de
todos eles, sem avisos desta vez, eu quero demissões. Todos os envolvidos,
entusiastas, pessoas com a menor associação. Faça a lista, quero uma limpeza
de inúteis.
De repente, ele jogou a cabeça para trás e riu. Pude sentir a raiva dele
arrepiar os pelos do meu braço.
— Não estou me importando. — Sua voz soou baixa e mortal — Vou
colocar todos na rua, chego hoje de madrugada, e amanhã quero todas as
folhas prontas, ligue para a diretora do RH, se for preciso, passem a noite,
mas amanhã quero isso pronto. Eu mesmo irei chutá-los para fora.
Pela primeira vez, Rocco notou minha presença. Ele sorriu e me
chamou com um dedo. Até pareceria clichê o que eu diria, mas, quando me
viu, sua expressão suavizou, e a raiva nem parecia ter estado ali.
— Dormiu bem? — Abraçou-me, e eu me aconcheguei em seu peito
desnudo. — Está com fome?
— Um pouco.
Na verdade, eu estava morrendo de fome, mas não queria tirar sua
atenção da conversa.
— Dimitri, eu preciso ir. Arrume tudo. — Desligou, jogando o celular
no sofá. — Vamos para a cozinha.
Rocco me sentou no banco alto da ilha, eu fiquei atenta a ele. Desde
que chegamos aqui, ele estava se aventurando pela cozinha.
— Suas vitaminas. — Ele colocou dois comprimidos e um copo de
leite na minha frente. — Amore mio, você ouviu a conversa?
— Uma parte — falei, espiando-o pela borda do copo. — Você
pareceu bravo.
— Sinto muito por isso. — Ele veio até mim e abraçou-me por trás.
— Sinto que nossa paz seja interrompida desta forma, eu quero ficar o meu
aniversário com você. Mas, infelizmente…
— Você precisa voltar — completei.
— Preciso. — Rocco beijou meu ombro e suspirou. Eu sabia que ele
não queria ir. — Kostas trouxe os nossos celulares, eu disse que apenas se
fosse uma emergência, bem, esta é uma emergência. Você quer ligar para
casa?
— Eu quero.
— Tudo bem, só um instante.
Ele voltou para a sala, e eu fiquei ali pensando que meu ato de
egoísmo estava prestes a acabar. Sabia que, apesar de saberem que eu estava
com Rocco, deviam estar preocupados, entretanto, mesmo sabendo disso, foi
bom pensar somente em mim e nos meus desejos, sem me importar se ia
magoar outras pessoas.
Quando Rocco voltou, ele me entregou o meu aparelho.
— Jason me deu antes de partir, e, antes de desembarcamos aqui, eu
falei com seu pai, dizendo que estava tudo bem e o atualizando sobre sua
evolução na fisioterapia.
E eu pensando que estava sendo rebelde.
— Obrigada por isso. — Desbloqueei o celular, procurei o número do
meu pai e fiquei em dúvida, porque eu estava em outro país, com um telefone
do Brasil.
Rocco deve ter percebido minha confusão, pois disse:
— O roaming[7] internacional está ativado e eu editei o número do seu
pai, pode ligar normal.
Acho que não pude esconder a vergonha, era uma coisa normal para
ele, mas que para mim parecia complicada.
— Amore mio, ligue. — Rocco me abraçou outra vez, e eu fiz a
chamada.
No terceiro toque, uma voz feminina atendeu.
— Regina? — perguntei, a voz dela parecia um pouco diferente.
— Oi, querida, sou eu. — Ela tossiu um pouco. — Estou passando
por uma gripe, minha voz está horrível.
— Você está bem?
— Sim, apenas com a garganta dolorida, mas já já eu fico boa. E
você, como está?
— Muito bem. — Ri baixinho, porque Rocco podia ouvir tudo. —
Rocco e eu nos acertamos, estamos felizes e vamos nos casar.
— Isso é maravilhoso! — Dava para notar a felicidade em sua voz. —
Victor, corre aqui.
Enquanto meu pai não vinha atender, fiquei sabendo que eles dois
estavam morando juntos e planejavam um futuro. Parecia que tinha muita
novidade que eu não sabia, mas, se tinha algo a declarar, eu estava adorando
saber daquilo.
— Victoria, eu amei saber que está tão feliz. Agora eu vou passar para
o seu pai, ele tem algumas coisas para te dizer.
Olhei para Rocco, porque algo no tom de Regina me deixou um tanto
desconfortável.
— Filha?
— Oi, pai, como estão as coisas por aí?
Eu esperava que ele respondesse logo que estava tudo bem, mas a
demora acendeu um alerta em mim. Alguma coisa havia acontecido, eu
sentia.
— As coisas estão se ajeitando. — Notei cansaço e resignação sem
seu tom, isso só me deixou mais preocupada.
— Pai, não me esconda nada, aconteceu alguma com a tia Laura? Ou
com o bebê?
Minhas mãos começaram a tremer, na verdade meu corpo todo,
porque eu tinha certeza de que o fato de ele titubear significava que não eram
boas notícias.
— O que aconteceu? — Fechei os olhos, Rocco me apertou um pouco
mais, eu precisava de sua força para o que estava prestes a ouvir.
— Sua avó sofreu um enfarto e precisou ser hospitalizada.
— Não! — Ofeguei.
Nosso último encontro veio como uma enxurrada de lembranças, as
coisas que eu disse a ela…
Deus!
— Filha, sua avó é forte, ela se recuperou bem, perdoe-me por não ter
dito nada a Rocco quando ele ligou, mas eu não queria preocupar você. Na
verdade, estar aqui nem te faria bem, todo estresse foi bastante ruim para
todos nós.
— Pai, eu disse para ela…
— Pelo amor de Deus, não se culpe. — Ele me interrompeu. — Já
basta o Carlos, você também não.
— Então, ela está bem? — Apertei o telefone, o coração doendo de
arrependimento por ter sido tão dura com ela.
Na hora da raiva, eu fiz o que sempre pedia para Rocco não fazer.
Não pensei, agi movida pela decepção e rancor. Eu a feri com as minhas
palavras porque queria que se sentisse como eu me sentia.
E eu não era assim.
— Pai, se ela está bem por que você parece tão triste?
— Sua avó está reclusa, não quer receber visitas, tampouco sai do
quarto quando algum de nós tenta ir vê-la. Eu e Carlos estamos aqui, na casa
dela, mas tem dois dias que ela parou de responder. Apenas fica sentada,
olhando o jardim. Sinto muito, filha, a mulher que conheceu parece não
existir mais.
Perdi o agarre no celular. Em minha cabeça, apenas uma palavra
reverberava em meio ao caótico tormento que desatou dentro de mim.
Culpada! Eu era culpada por ter sido cruel, quando não deveria.
Bastava apenas dizer que eu iria ficar com Rocco e ir ao encontro dele, não
fazer tudo aquilo na frente das pessoas. Eu queria dar-lhe uma lição, porque
ela me deixou ter poder para isso, e minhas palavras poderiam atingi-la.
Ao invés de usar a influência que tinha para o bem, eu simplesmente
fiz o contrário e exagerei.
Devo ter feito algum som preocupante porque Rocco me encarou,
pálido e preocupado.
— Está sentindo algo? Diga-me, por favor, amore mio, você está
sentindo algo?
— Me abraça — pedi, a voz embargada.
Ele fez o que pedi, e eu chorei em seu peito. Só agora eu percebia que
Antonietta não era tão forte quanto aparentava ser. Ela usava uma armadura
para se proteger, talvez, se eu tivesse mais paciência, as coisas não teriam
chegado a esse ponto.
Mas eu agi em desacordo com meus princípios. A gente não machuca
quem ama.
— Pequena, tudo vai ficar bem. — Rocco segurou meu rosto, secando
as minhas lágrimas. — A gente vai para o Brasil, eu vou organizar tudo.
— Mas e o seu problema?
— Você em primeiro, o resto depois, se lembra?
Ele ia mesmo fazer isso, enquanto eu estava naquele limbo pavoroso
da culpa, morrendo de medo do que encontraria. Observei Rocco correndo de
um lado para outro, enquanto fazia ligações e tentava atrasar sua volta.
As coisas na Inglaterra pareciam ruins, mas ele nem cogitava a
hipótese de não ir comigo. O jatinho dele estava a postos no aeroporto de
Atenas, uma das medidas que ele havia tomado para o caso de eu precisar de
algo com urgência.
— Dimitri, preciso de quatro dias, não importa… — Rocco parou de
andar e fechou os olhos. — Amigo, quatro dias, consiga para mim, preciso
levar Victoria ao Brasil, temos problemas lá, não posso deixá-la sozinha. Não
a deixaria, na verdade. — Ele acenou para o que Dimitri havia lhe dito, então
esfregou o cabelo. — Não importa se ficará mais complicado, eu resolvo, só
me consiga quatro dias de adiamento para essa palhaçada que querem fazer
comigo. Tudo bem, eu espero.
Ele jogou o celular no sofá e veio para mim.
— Tudo vai se resolver, faremos o que for preciso para que sua avó se
recupere.
Eu não sabia se o fato de estar com o emocional abalado teve
influência, mas suas palavras me fizeram chorar de novo. O dia inteiro eu não
consegui me controlar.
— Amore mio, confie que tudo vai se resolver. — Ele me deu um
beijo rápido. — Nós precisamos ir, vamos aproveitar que a chuva passou e
vamos pegar o helicóptero do outro lado da ilha. Kostas nos aguarda, com a
lancha de transporte.
Quando ele tentou levantar, eu o segurei. Rocco me olhou em
expectativa, estava agindo assim desde que eu soube o que tinha acontecido.
Ele não saía de perto, mantendo-se atento a cada gesto meu. Todas as vezes
que percebeu que eu ia chorar, ele parou o que estava fazendo e veio me
abraçar, ficamos assim por um longo tempo.
— Eu sei que você largaria tudo para ficar ao meu lado. — Ele
acenou, mas franziu o cenho. — Rocco, eu amo saber que sou uma prioridade
na sua vida…
— Você é a prioridade — corrigiu.
— Eu sei, e, por isso, me deixe te dizer que você precisa ir para a
Inglaterra. — Ele balançou a cabeça, negando. — Amor, eu vou ver a minha
avó e depois vou te encontrar. Então, vamos procurar nossa casa, organizar o
casamento…
— A ideia de te deixar sozinha, sabendo que precisa de mim, não é
agradável — confessou, encarando-me.
Rocco era capaz de largar todas as responsabilidades, mesmo que isso
dificultasse sua vida, para não ter que me deixar. Ele fez isso quando foi para
o Brasil e estava disposto a fazer isso agora. Eu não podia pensar somente em
mim, e sim em nós.
— Eu sei, amor, mas olha, eu vou ver a minha avó, e você vai
resolver os problemas na empresa. Então, quando eu vir minha avó, prometo
que vou encontrar você.
Ficamos em silêncio, porque ambos sabíamos que seus problemas
eram enormes. Na verdade, sempre eram. Qualquer coisa envolvendo as
empresas era, se não fosse resolvida logo, apenas virava uma bola de neve.
— Você vai para a Inglaterra? — ele perguntou, me encarando sério.
— Amore mio, você vai mesmo ao meu encontro?
Sua expressão era dolorosa, como se temesse algo.
— Pequena, você não vai mudar de ideia?
— Não vou, fique tranquilo, eu vou para você assim que resolver as
coisas.
— Não quero passar meu aniversário sem você e nosso filho. — Ele
me abraçou, apertado demais. — Preciso tanto de vocês, não quero ficar
sozinho, per favore, me deixa ir para o Brasil, eu só quero ficar com você.
Diga sim, e eu vou, mando tudo pro inferno e vou com você para onde quiser
ir.
— Eu sei, grandalhão. — Obriguei-me a não titubear, Rocco ainda
tinha uma parte frágil, que, com a iminente despedida, estava se mostrando.
— E você não vai passar seu aniversário sem nós, eu vou estar lá, antes que
perceba, eu vou estar ao seu lado.
— Victoria…
— Só confie. — Segurei seu rosto amado e o puxei para um beijo
lento e carinhoso. — Eu vou estar lá, e então, nada de despedidas.
Fomos até o heliporto e, poucos minutos depois, estávamos no
aeroporto de Atenas. Rocco havia feito algumas ligações e organizado a
mudança na viagem. Primeiro, iríamos para Londres, e então eu seguiria para
o Brasil.
Durante a primeira parte da viagem, não conversamos muito, mas eu
fiquei nos braços dele, aconchegada, sentindo o seu calor gostoso e a
felicidade de saber que nosso amor estava mais forte.
Rocco já havia me dado todas as provas de amor. Eu queria que ele
pudesse sentir a mesma segurança. Eu não o abandonaria, nunca, jamais.
O alerta de que pousaríamos em breve o fez me apertar. Ele estava
balançando a cabeça, como se estivesse em desacordo com a ideia de ficar e
eu ir.
— Amore mio, não me deixe esperando muito tempo.
— Não irei, a gente vai comemorar o seu aniversário juntos. — Dei-
lhe um beijo rápido. — Vou conversar com minha avó, então correrei para
você.
— Venha para mim, ou eu irei até você.
— Isso deveria ser uma ameaça? — Tentei brincar, para que ele não
ficasse tão sério e melancólico. Não teve o efeito desejado.
— Eu correria atrás de você quantas vezes fossem necessárias, não
tem orgulho aqui, não, senhora Masari.
— Isso soa tão chique. — Bati os cílios e ele riu, sem vontade. —
Vamos lá, se anime, quando menos esperar, eu e minha barriga enorme
estaremos batendo na sua porta.
— Preparar para o pouso.
Ajeitamo-nos na poltrona, e Rocco pegou minha mão, entrelaçando
nossos dedos. Pouco tempo depois, o jatinho estava pronto para o
desembarque dele.
— Sem despedidas. — Ele tocou meus lábios. — Vamos nos ver em
breve, amore mio.
Eu o puxei para um beijo e, no pequeno interlúdio, uma parte de mim
ficou com ele, e uma dele comigo.
— Caralho, eu já sinto saudade — disse baixinho, esfregando o nariz
em meu pescoço. — O jatinho vai ficar a seu dispor no Brasil, deixei tudo
acertado. — Ele me encarou sério. — Venha para mim, Victoria, eu estarei te
esperando.
Ele não me deixou dizer mais nada, apenas levantou e foi embora,
sem olhar para trás. Quando o jatinho decolou de novo, eu sentia no peito o
aperto da saudade.
A sensação era horrível.
Eu não soube quantas horas durou o voo, mas, quando cheguei ao
Brasil, estava exausta, terrivelmente cansada e dolorida. Apesar de todo
conforto que eu tive, a tensão do que eu encontraria não me deixou sossegada
nenhum minuto.
O médico estava comigo e ele disse que eu não deveria ficar tão
estressada, isso não faria nenhum bem a mim ou ao bebê, o problema era que
não dava para ligar e desligar uma coisa dessas, enquanto eu não visse com
meus próprios olhos que estava tudo bem, eu não ficaria tranquila.
— Filha! — Fui recebida por meu pai, senti-me um tanto confusa por
causa da bagunça no horário. — Deus, como sua barriga cresceu. — Ele fez
um carinho e o bebê mexeu um pouco. — Eu fiquei tão preocupado quando a
chamada caiu, agradeça a Rocco por avisar que você estava bem. — Meu pai
olhou ao redor. — Onde ele está?
Contei mais ou menos o que eu compreendi do problema de Rocco, e
meu pai concordou comigo, que ele ir resolver foi a coisa mais inteligente a
ser feita. Porque quando o assunto envolvia muito dinheiro, sempre ficava
mais complicado.
— O aniversário de Rocco é no final de semana, eu tenho que estar lá
em quatro dias.
— Então, vamos logo. Eu tenho esperança de que você vai conseguir
fazer sua avó reagir.
Eu queria muito que desse certo, ou jamais me perdoaria.
— Onde está Jason? — Olhei ao redor, procurando-o.
— Ele está com a sua avó. Pode parecer loucura, mas ele é o único
que não se intimida com a apatia dela. Ele a faz comer e reagir às vezes,
quando brigam.
A informação de algum modo aqueceu meu coração. Eu sabia que
meu irmão era a melhor pessoa, e ele a cada dia só comprovava isso.
— Meu irmão é demais.
— Sim, ele é, agora vamos. Sua avó está em Petrópolis, e é um longo
caminho daqui até lá.
***
***
Isso de ter que ficar na festa era uma coisa que deveria ser facultativa.
Eu não queria cumprimentar ninguém, ou posar para fotos e vídeos. O único
desejo deste homem recém-casado era levar sua esposa embora.
— Parabéns, idiota. — Dimitri bateu no meu ombro, ele estava
sorrindo, parecendo feliz. — E pensar que você quase estragou o próprio
casamento porque estava todo estressadinho.
— Você sabia e não me contou? — Esmurrei de leve seu estômago e
ele riu.
— Claro que eu sabia, na verdade, todo mundo sabia, menos você. —
O bastardo parecia muito satisfeito.
Logo foi a vez de William se aproximar. Primeiro ele me olhou
solene, um brilho de contentamento marcava seus traços. O leve sorriso
estava singelo, como se ele houvesse se livrado de uma carga muito pesada.
— Irmão — Esticou o braço, e eu o segurei, gostávamos daquele
cumprimento —, desejo mais dias de pura felicidade. Por um momento, sinto
como se sua realização fosse a minha.
— Obrigado, meu irmão. — Pigarreei para clarear a garganta e
desfazer esse nó de emoção.
Sabendo o que ele já havia passado, suas palavras tinham muito
significado.
— Vocês são de tirar o fôlego quando estão juntos. — Victoria
suspirou do meu lado, então, sem qualquer aviso, nós três a puxamos para um
abraço.
— Meu Deus, eu preciso respirar — protestou, rindo — Vão estragar
meu cabelo.
— Você pertence à Tríade, Victoria Fontaine — Dimitri exclamou e
bati nele. — Você é nossa para cuidar, sendo mulher do idiota do Rocco e
nossa irmãzinha.
— Juramos sempre protegê-la e estar do seu lado, somos uma família
agora — William completou a ideia.
— Sim, somos uma família! — Victoria confirmou suas palavras,
alegrando ainda mais meu coração. — Eu amo família grande.
Quando nos afastamos, ela estava com os olhos úmidos. Minha
esposa era uma criatura sentimental, mas especialmente hoje eu estava igual.
— Eu posso falar com você?
Na mesma hora, meu corpo ficou tenso, porque já era hábito eu e
Antonietta quebrarmos o protocolo da boa educação. Mesmo assim, coloquei
um sorriso nos lábios e virei para cumprimentá-la.
— Rocco. — Sua voz soou firme. Ela estava no mínimo magnífica
trajando um vestido luxuoso e uma bengala que realçava sua pose magistral.
— Antonietta. — Acenei, tentando não parecer agressivo. — Espero
que você esteja bem.
Ela me encarou por alguns instantes, depois, um sorriso delicado
tocou o canto dos seus lábios. Ela nunca havia sorrido para mim, e ver que
estava disposta e aberta fez-me sentir muito bem.
— Eu estou, obrigada. — Ela soltou o fôlego, parecia cansada. —
Primeiro, gostaria de pedir o seu perdão por ter sido uma perfeita cadela
pretensiosa, eu tive meus motivos, que agora não vêm ao caso. De todas as
formas, eu quero poder consertar meus erros e recomeçar sem deixar
bagagem pendurada.
Certamente eu não escutei direito porra nenhuma do que ela acabara
de dizer. Antonietta não havia acabado de pedir desculpas, havia?
— Posso entender seu choque, mas gostaria de dizer que meu pedido
é autêntico, com o tempo vou te provar, agora ouça. — Ela respirou fundo.
— Eu não poderia sonhar com um homem melhor para cuidar da minha neta,
sei que você usará tudo o que estiver em seu poder para protegê-la contra
qualquer coisa que possa vir em sua direção. Aprecio isso, e você tem meu
respeito, além, é claro, da minha benção para ser o marido que minha neta
merece que você seja.
— Porra! — Balancei a cabeça. — Obrigado, quero que se sinta
muito bem-vinda para conviver conosco.
— Saliento que seu linguajar é terrível. — Arqueou a sobrancelha,
preparando-se para partir. — Feliz aniversário, garoto, eu posso dizer que
tudo foi feito com muito amor. — Sorriu, os olhos, tão bonitos quanto os da
minha esposa, brilhando. — E você merece.
Ela foi se afastando devagar, usando a bengala para apoiar-se.
— Viu, amor? — Victoria me abraçou. — Ela estava louca para te
pedir perdão. As coisas estão nos devidos lugares.
— Sim. — Puxei-a pela cintura e dei-lhe um beijo rápido, não queria
que ninguém se aproximasse agora. Estava cansado de ter que a dividir com
as outras pessoas. — Eu já te disse que você é a noiva mais linda do mundo?
— Uhmm, não sei, você disse? — brincou. — Eu não lembro.
— Então me deixe refrescar a sua memória — falei em seu ouvido. —
Você é a noiva mais linda do mundo, mas, agora mesmo, eu gostaria de estar
sozinho com você, em um quarto. Meu pau está doendo para ser acolhido na
sua boceta.
— Rocco!
— Diga que não sentiu falta.
— Estamos em público, não fale essas coisas. — Ofegou, apertando
meus braços.
— Por quê? Você não gosta?
— Eu adoro, esse é o problema, não quero que percebam que estou
excitada.
— Amore mio, por que não saímos logo? Quero a minha esposa só
para mim.
Sua risadinha me deixou ainda mais duro, era quase uma tortura que
eu tivesse que ficar ali tirando fotos, enquanto preferia estar fazendo outra
coisa com a minha mulher.
— Precisamos de um álbum de casamento, esse é o tipo de recordação
que a gente mostrará em cada natal, no futuro. Nossos filhos irão correr,
porque alegarão que isso é uma coisa enfadonha e chata.
— Dio, eu quero muito viver tudo isso. — Esfreguei meu nariz no
dela — O vídeo, iremos obrigar todo mundo a assistir, em almoços de
domingo, festas de bodas, e tudo mais que for feito por nós dois.
— Acho muito justo.
Victoria puxou minha nuca e me beijou, nossas línguas se tocaram
quase com timidez, mas para mim era muito fácil explodir em um desejo
feroz, por isso angulei nossas cabeças para aprofundar o beijo, tomando o que
ela me dava naquele momento.
Hoje era um dos dias mais felizes da minha vida, o melhor
aniversário, porque eu havia ganhado o presente mais incrível de todos.
— Me deixe roubar a noiva, Rocco. — Laura se aproximou. —
Vamos fazer as fotos das garotas.
— Não demore muito a me devolvê-la, ou eu vou fazer um escândalo.
— Tentei soar ameaçador, mas Laura apenas deu risada. — A propósito,
Laura, você está linda.
Sua barriga avantajada, por causa da gravidez, a deixava com uma
aura radiante.
— Obrigada, você está muito bonito também, agora, me deixe levar
Victoria. — Antes de se afastar, amore mio soprou um beijo.
Devo ter suspirado porque Victoria soltou uma risadinha feliz. Eu
pude ver outra vez aquele mesmo olhar do começo de nossa história, aquela
inocência de uma pessoa sonhadora.
Não sabia que sentia tanta saudade desse olhar até vê-lo de novo.
— Por que você está com essa cara, grandalhão? — Sua pergunta me
pegou de surpresa.
Mas eu não tinha problema para responder.
— Estou feliz, amor, porque o jeito que você me olha me faz
relembrar o nosso começo. — Acariciei sua bochecha. — Pensei que nunca
mais veria esse olhar destinado a mim.
— Seu bobo, superamos, não é? — O sorriso dela roubou meu fôlego
— Você tem uma mulher que te ama muito, apenas lide com isso.
Victoria afastou-se, e eu fiquei parado, olhando-a enquanto ela se
juntava ao grupo de mulheres.
— Finalmente estou vendo a garota que descongelou seu coração de
pedra. — Sorri, porque gostei de ver meu instrutor de guerra ali, afinal, ele
esteve ao meu lado nos anos mais obscuros da minha vida. — Quando recebi
o convite, eu tive que vir e ver com meus olhos para acreditar. Apesar de que
eu tinha uma ideia de que você havia “caído”, não pensei que fosse tanto.
Parabéns, Rocco, desejo-te felicidade.
David Conelly, também conhecido clandestinamente como Dark, era
um homem endurecido pelas circunstâncias. Ex-militar de elite, se aposentou
e abriu o próprio negócio quando percebeu que no exército tinha muita
corrupção. Eu poderia dizer que ele foi o responsável por canalizar o ódio
que eu sentia após a desilusão que sofri, que me ensinou a transformar raiva
em força bruta e vontade.
— Obrigado! — Estendi a mão, mas ele me puxou para um abraço.
— Estou muito feliz pelo homem que vejo, você é um orgulho para
mim, filho.
Afastamo-nos, e eu não pude evitar o sorriso de satisfação. Era muito
bom receber um elogio de Dark, pois ele era duro demais para dispensar
qualquer gentileza.
— Agora, preciso de uma informação. — Ele ficou sério, e em tom
confidencial disse: — Quem é aquela mulher com a bengala?
Fiz careta, ele só podia estar brincando.
— Então? — insistiu, deixando bem claro o interesse.
— Aquela ali é a avó da minha mulher — Apontei para Antonietta. —
Mas vai munido de armamento pesado, aquela ali é uma fera.
— Essas são as melhores, acredite em mim. — Dark gargalhou, já se
afastando.
Fiquei alguns instantes sozinho, apenas olhando ao redor. As
mulheres estavam se divertindo enquanto tiravam fotos. Minha mãe tinha um
sorriso enorme nos lábios, a felicidade dela radiava, de minha nonna e
Antonella, também. Vê-las assim deixava-me feliz demais.
Mais adiante, em um lugar mais reservado, Antonietta e Dark estavam
tendo uma conversa acalorada.
— Boa sorte, amigo. — Sorri, mesmo que fosse estranho pensar neles
dois juntos, porque ambos eram bastante difíceis.
Mas então, quem era eu para dizer algo?
***
— Vamos embora, amore mio. — Abracei minha esposa por trás e ela
riu baixinho.
Já havíamos extrapolado demais. Dançamos, brindamos,
cumprimentamos toda a nossa família e amigos, não tinha mais motivo para
ficarmos ali, eu queria minha esposa somente para mim, já havia aguentado
demais.
Se quisessem me chamar de egoísta, que chamassem, eu não negaria.
— Vamos, estou com os pés doendo.
Depois de muitas despedidas, abraços e felicitações, eu vi que meu
Bentley estava pronto para ir. Ainda me chocava que eu não tivesse
percebido que estavam planejando isso, porque nada foi deixado de fora, o
meu casamento foi simplesmente fantástico.
Irretocável.
Não íamos viajar, mas tínhamos a cobertura preparada para nos
receber. Mamma e Antonella pensaram em tudo. Quando eu soube para onde
iríamos, admito que fiquei receoso, mas Victoria disse-me que aquele era
somente um lugar.
— Pronta para viver os anos mais felizes, senhora Masari? — Abri a
porta do Bentley, ajudando-a a entrar.
— Prontíssima.
Murdoch seria o motorista, então eu fui na parte de trás, com a minha
mulher. Quando finalmente o carro partiu, pude respirar aliviado, em breve,
estaríamos a sós.
— Grandalhão, estava pensando, nós somos estranhos.
— Por que diz isso? — Franzi o cenho, encarando-a.
— Fizemos três viagens que poderiam muito bem ser uma lua de mel,
e quando nos casamos e deveríamos viajar, não vamos. Juro que eu não
aguentaria. Seu filho está pesado demais.
— Eu prometo uma massagem relaxante.
— Sua boca… — Ela apontou para baixo. — Aqui, vai ser a melhor
massagem do mundo.
Victoria teve a coragem de bater os cílios, toda inocente, depois de
tamanha provocação.
— Você vai ver só. — Precisei ajeitar as calças, estava duro e
dolorido, louco para ter minha mulher nua na minha cama.
— Vamos fazer amor a noite toda. — Victoria ronronou em meu
ouvido, na hora senti o meu pau pulsar, endurecendo ainda mais. — Quero
tanto você.
Foi muito difícil me controlar, arrependi-me de ter vindo com
motorista, se estivéssemos sozinhos, Victoria não ia me provocar a esse ponto
sem represália. Ela sabia os limites e havia ultrapassado todos eles.
— Amore mio, quando eu te pegar…
Notei sua respiração ofegante, a pele avermelhada. Eu sabia que, se a
tocasse, encontraria a prova de sua excitação, conhecia a minha mulher e as
mudanças magníficas pelas quais seu corpo estava passando.
A sensibilidade que a gravidez lhe trouxe quase me enlouqueceu na
ilha. Cada toque parecia intensificado, e eu queria muito poder mergulhar
nela, de todas as formas possíveis.
— Chegamos, senhor — Murdoch avisou e nós praticamente
corremos.
Quando as portas do elevador abriram no hall da cobertura,
começamos a nos beijar. Contive-me o máximo que pude, porque sabia que
quando a tocasse não pararia.
— Me ame, Rocco, por favor — implorou e eu atendi seus desejos,
sempre cuidadoso com seu estado, sempre idolatrando seu corpo, reverente
com o presente que me foi dado.
Quando nos unimos, eu não pude dizer o nível de arrebatamento que
senti. Eu fui além de tudo, e como todas as vezes antes desta, em que eu falei
exatamente a mesma coisa, agora eu ratificava: nunca era igual, com Victoria
cada vez que fazíamos amor era melhor que a anterior.
— Por Deus, é sempre perfeito! — Minha esposa gemeu em seu
prazer, eu tive que concordar enquanto me derramava dentro dela.
Eu não teria palavras para descrever o que eu sentia. Não era somente
amor, desejo, prazer. Era uma mistura de tudo, só que maior, e tão intenso
que roubava o meu fôlego. Talvez, para muita gente, fosse um exagero, mas
eu jurava que podia sentir o prazer de Victoria, tamanha a conexão que nos
unia.
Não havia pressa, era a primeira noite oficialmente casados, eu queria
amar cada parte dela outra vez.
— Minha esposa — murmurei, penetrando-a devagar.
Victoria estava em meus braços, deitada de lado, recebendo-me em
seu corpo. A cada gemido baixinho, incentivo ou suspiro, meu corpo reagia.
Lá fora, os pálidos raios de sol nos banhavam na cama. Ela queria que
eu fosse mais rápido, desejava gozar, mas eu estava indo devagar, lento
demais.
— Me beija — ela pediu, oferecendo os lábios, engoli seus suspiros
num beijo doce e ao mesmo tempo ardente.
Devagar, acariciei o clitóris inchado, ela gemeu, quase chorando, e
não tardou a alcançar o prazer.
— Oh, Deus, eu te amo. — Victoria gemeu, quando me sentiu gozar.
Desta vez, não me mexi nenhum centímetro, quando puxei o cobertor,
ela riu, aconchegando-se ainda mais em meus braços.
— Deveríamos tomar um banho — ela disse, e respondi com um
resmungo.
Nada me faria levantar agora, eu estava no melhor lugar do mundo,
segurando o que tinha de mais precioso. Sonolento, peguei o controle das
cortinas, logo o quarto estava mergulhado na mais absoluta escuridão.
— Esse com certeza foi o melhor de todos os meus aniversários —
Bocejei, aconchegando Victoria ainda mais.
Meu braço servia de travesseiro para ela, enquanto a mão repousava
protetoramente em sua barriga.
— Eu te amo, pequena senhora Masari. — Sorri de puro deleite, antes
de deixar o cansaço me tomar. — O melhor aniversário da minha vida.
Tornei a repetir, porque com toda certeza Victoria superou e muito
todas as surpresas que eu já tinha lhe feito.
Rocco
Minhas pálpebras pesavam como chumbo, por isso foi preciso esforço
da minha parte para conseguir abrir os olhos. Ainda estava me sentindo
estranha e, por mais consciente que eu me encontrasse, era como se alguém
tivesse me colocado em câmera lenta.
As ideias estavam demorando a se formar, eu sentia como se
houvesse dormido demais. Pisquei os olhos, feliz por perceber que Rocco
estava por perto.
— Olá. — Sorriu, acariciando meu rosto e pescoço.
Não pude deixar de perceber um toque de serenidade em suas feições.
Isso me deixou aliviada.
— Oi. — Não dissemos nada por alguns instantes, na verdade, eu não
sabia o que dizer. Então, talvez, começar com coisas simples ajudasse. —
Tudo bem?
Antes que eu pudesse fazer o mesmo com a sua, ele pegou minha
mão, primeiro beijando o dorso, depois passeando com ela por seu rosto. O
gesto me fez perceber que não estava tudo bem.
— Converse comigo — incentivei, sentindo-me um pouco melhor.
— Mais uma vez, eu fui negligente…
— Rocco, pare. — Não permiti que ele continuasse. — Você
realmente não pode assumir uma culpa que não é sua. Chega, você não tem
responsabilidade no que aconteceu.
— Ela havia ameaçado… — Ele fez uma careta dolorosa.
— Rocco, não se culpe por tudo que me acontece, quem ia imaginar
que Camille faria isso? Portanto, volto a dizer, se ela tivesse ido até a nossa
casa, eu a teria deixado entrar.
— Dio santo, pare, não consigo imaginar vocês duas na nossa casa.
— Tudo bem, eu paro, mas, você precisa entender que não foi sua
culpa.
O que aconteceu foi simplesmente horrível, mas não vou ficar
pensando no que poderia ter sido pior. Isso com certeza não ia me fazer bem,
nem ao meu filho. O que eu precisava era canalizar todas as minhas energias
na etapa final da minha gravidez.
Só isso.
— Ela era obcecada por mim, Victoria. — Rocco me olhou, havia
pesar em seu semblante, medo também. — Você se tornou um alvo. Só de
pensar no que poderia ter acontecido, parece que meu coração vai parar.
— Ambos fomos vítimas. — Toquei seu rosto, preferindo ser direta.
— Eu fiquei apavorado. — Sua voz quebrou, o cansaço e o medo tão
nítidos que ele não conseguiria esconder de mim. — Você passou mal, teve
um pequeno colapso por causa do estresse, sua pressão subiu um pouco, sua
médica não considerou um sinal de problema sério, mas você me conhece. —
Ele coçou a nuca. — Estamos no hospital.
— Claro que estamos. — Ri, tentando amenizar a situação.
Rocco às vezes me preocupava, ele parecia sentir tudo intenso
demais. Ainda no começo do nosso relacionamento, lembrava-me de ter
escutado o médico da família dizer que, se Rocco não desacelerasse, ele
poderia ter um enfarto. Igual ao seu pai. Então por isso precisávamos ir com
calma, e não pirar com coisas que não aconteceram.
Eu estava aqui, viva e respirando, era isso que importava, não era?
— Vamos somente relaxar e conversar, ok? — Bati na cama ao meu
lado. — Vem aqui, quero meu marido perto de mim.
Ele sorriu, todas as vezes em que eu o chamava assim, notava como
ficava orgulhoso. Rocco não cansava de dizer o quanto amava estar casado,
Dimitri e William o irritavam com isso, mas eu sabia que estavam felizes
pelo amigo.
Eles eram como irmãos. Um sempre estaria ali, para ajudar o outro.
— Grandalhão, agora está tudo bem, não é? — perguntei assim que
ele se acomodou ao meu lado, passando os braços a minha volta.
— Sim, amore mio, você e nosso filho estão bem. — Apertou-me um
pouco. — Você tem dois curativos onde foi cortada, não precisou suturar, foi
superficial. Você precisa relaxar, ficar sossegada e pronto.
— Estou feliz porque passou, nunca mais quero viver nada parecido.
— Você não vai! — A ferocidade com que Rocco proferiu as palavras
mexeu comigo.
Eu sabia que ele era capaz de qualquer coisa para me manter segura,
esse homem me amava com tanta loucura que às vezes eu pensava que era
impossível, mas como havia prometido nos votos de casamento, ele me
provava todos os dias que, sim, poderia me amar mais.
— Rocco, o que houve com ela? — Eu não deveria querer saber, mas,
antes que pudesse evitar, já tinha feito a pergunta.
— Está sob jurisdição das autoridades. Eles provavelmente irão
enviá-la para um manicômio. — Houve um breve silêncio. — Não importa
para onde ela vai, eu irei cuidar para que apodreça por lá.
Um tempo atrás, eu cheguei a pensar que jamais gostaria de ser alvo
da raiva de Rocco. Todo mundo já sabia que ele era intenso, mas, desde que
voltamos, ele piorou. E isso me preocupava porque ele já havia me tornado o
centro de sua vida, então, o que faria se considerasse que eu corria risco?
Ele surtaria com toda certeza.
— O que você vai fazer com Betty?
Eu não podia deixar de me preocupar, afinal, ela era inocente em tudo
aquilo. Qual culpa tinha dos desejos de sua filha? Betty era uma fofa,
dedicada ao trabalho e tinha um bom coração, eu vi como ela ficou com o
ocorrido, estava arrasada, destruída.
Entretanto, isso não ia amenizar as consequências para Betty. Rocco
não ia aceitar continuar trabalhando com ela, disso eu tinha certeza.
— Já mandei Dimitri preparar a papelada, irei oferecer aposentadoria,
com todos os benefícios. — Senti-me feliz por ele ter uma alternativa
aceitável. — Eu sei que ela é inocente, mas não vou suportar olhar para ela
sabendo de quem é mãe.
— E ela não poderia ir para uma filial? — sondei. — Os rapazes não
gostariam de ter uma secretária supereficiente?
— Amore mio, entenda, a tríade é uma unidade. Meus amigos não
iriam aceitá-la. E, se te faz sentir melhor, faltava pouco menos de cinco anos
para ela se aposentar, eu vou somente adiantar o processo.
— Eu só quero que você não seja rude com ela, Betty não tem culpa
de nada.
— Eu sei, mas isso não muda como me sinto. Deixá-la na empresa
não é algo negociável.
Tudo bem, eu não ia me meter nesse assunto porque ele sabia melhor
do que eu como lidar com essas questões. Por outro lado, fiz questão de
deixar claro que Betty não merecia ser tratada como se fosse culpada de algo,
porque ela não era.
— Concordo e aceito — eu disse e Rocco beijou meu cabelo.
— Eu já falei com a sua família, os sites de fofoca estão em
polvorosa. Talvez eles revivam outros assuntos…
— Tudo bem, podem fazer o que quiserem, não me importo.
Passei tempo demais refém do lugar em que a mídia me colocou após
o acidente. Hoje, não permitiria que o sentimento de inferioridade se
infiltrasse outra vez. Eu era linda, forte, maravilhosa. Ninguém ia me fazer
pensar o contrário.
— Amore mio, eu não quero que você se sinta mal, se por acaso
alguma coisa do passado surgir.
— Eu estou bem, Rocco, acredite em mim. — Acariciei seu peito. —
Eu queria estar em casa.
Rocco acenou, mas disse:
— Um dia em observação é mais que justo. Falei com Josef.
— O que o médico da família tem a ver com eu receber alta? Ele não
é obstetra que eu saiba.
— Mas é diretor do hospital e entendeu que um dia de observação não
vai fazer mal a ninguém.
— Mas eu estou bem.
E não era mentira, pois não estava sentindo nenhum mal-estar
presente. Talvez, um pouco de sono, mas, fora isso, não sentia dores, ou
formigamento, nada preocupante para uma mulher grávida.
— Quero ir para casa, Rocco.
— Amo você, sabia? — ele disse, sorrindo.
— Você está desviando o assunto.
— É tão óbvio assim? — Arqueou a sobrancelha. — Não crie
problemas, okay? Eu sei que odeia hospitais, mas é excesso de cuidado, da
minha parte.
— Rocco…
— Você vai me obrigar a aceitar seu parto em casa.
Pude sentir seu estremecimento, só de falar em parto, ele tinha pavor.
Realmente, ele acreditou que conseguiria me fazer mudar de ideia.
— Você precisa de repouso, foi o que o médico disse. Até saber que
estava tudo bem, eu morri de medo de que nosso filho pudesse nascer antes
da hora. — Ele segurou minha mão e começou a beijar as pontas dos meus
dedos. Parecia mais preocupado que eu, que era quem ia ter um bebê.
— Rocco, você sabe que uma gestação pode ir até quarenta e duas
semanas, e eu vou sentir quando a hora chegar, toda mulher sabe.
— Não se estiver inconsciente. — Ele me olhou feio. — Você me deu
um susto enorme.
— Estou bem, eu juro, estou sentindo. — Sorri. — Quando acordei,
eu admito que estava meio desorientada, mas a agora, não, estou ótima.
Posso, inclusive, ir para casa e voltar aos meus afazeres, que no momento se
resumem a ver se as coisas do nosso bebê estão prontas.
Ele me olhou por um tempo, então acenou.
— Antes de eu falar com Josef, e dizer que estamos prontos para ir,
façamos um pequeno teste. — Concordei. — Se você se sair bem, então, eu
falo com ele, senão, ficaremos hoje aqui.
— Tudo bem, você precisa ter certeza de que estou ótima, eu sei que
estou, então, estou pronta. O que faremos?
— Quanto é 35x97? — Ele sorriu, encarando-me.
— O quê? — A pergunta me pegou de surpresa, era sem pé nem
cabeça.
Aonde ele queria chegar? Isso por acaso era uma piada?
— Se você responder, eu saberei que está bem, e poderemos ir.
Senão, vamos passar a noite aqui em observação.
— Eu odeio hospital. — Cruzei os braços, ele só podia estar
brincando.
— Eu também, mas um grito ali da porta e eu vou ter uma equipe de
médicos aqui. Isso tranquiliza meu coração. Estou esperando a resposta. —
Ele sorriu.
— Não tenho dedos suficientes para contar, já me perdi ali, no trinta e
cinco. — Eu o olhei e não escondi a cara feia. — Você sabe quanto é?
— Claro que sim. — Sua risadinha me deu esperança de que ele
estava relaxando. — Três mil trezentos e noventa e cinco.
Eu soube disfarçar bem o choque, não era possível que ele soubesse
fazer uma conta desse tamanho sem ajuda de calculadora.
— Muito fácil, você deve ter dito uma conta que já sabe, responda
essa… — Pensei em uma bem difícil. — 59x186? Lembrando que se você
errar, vamos para casa.
Sacudi os ombros, pronta para ir embora. Ele não ia responder.
— Dez mil novecentos e setenta e quatro. — Ele riu. —
Possivelmente eu sou especialista em cálculo financeiro e tenha estudado o
método matemático japonês durante alguns anos.
Meu queixo deve ter batido no chão, eu não sabia que Rocco era um
nerd. Ele não tinha cara de nerd e nem agia como um.
— Você está brincando comigo? — Ele deu uma risadinha. — Você
disse qualquer número, tenho certeza.
A diversão em seu rosto era clara, ele me entregou o celular, e eu
calculei a primeira conta, estava certo. Calculei a segunda e estava certo.
Ainda assim não acreditei.
— É, nós vamos passar a noite aqui. — Ele ficou sério. — A vontade
que tenho é de te trancar em casa.
Eu ri, porque a ideia dele era absurda.
— Não vou cair nessa de “grandalhão, vou dar apenas um passeio”.
— Ele bufou, parecendo contrariado.
— Então, você quer me trancar em casa? — perguntei, e ele acenou.
Até parece.
— Tudo bem, se isso te fizer feliz, eu ficarei trancada em casa. —
Esperei para ver sua reação, mas ele teve a cara de pau de rir. — Eu iria fugir,
você sabe.
— Eu sei.
— Então? — Arqueei a sobrancelha. — Eu não vou ficar com medo
de sair, por causa do aconteceu, não vou parar a minha vida, eu não vou
deixar que o ocorrido afete a minha vida assim.
— Tudo bem, amore mio, mas eu acho que talvez uns dias no campo
sejam bons para todos nós. — Rocco balançou a cabeça. — O que aconteceu
foi assustador demais.
— Eu adoraria ir para o campo, ar fresco vai fazer bem para nós.
Com certeza o ocorrido deve ter deixado toda a família de cabelos em
pé. Sair da cidade, só por um curto período, seria ótimo.
— Sabia que ia gostar da ideia, por isso resolvi aceitar o convite de
William e ir para uns dias no campo, claro, se o médico te autorizar, nosso
filho não tiver perigo de nascer e você se sentir bem.
— Rocco, falta no mínimo duas semanas para o Gianne nascer. Isso é
bastante tempo.
Empolguei-me, porque eu não conhecia muita coisa no interior. Nem
lembrava como tinha sido a visita quando minha mãe me levara à casa da tia
Laura.
— Eu quero ir, uns dias no campo seriam ótimos, e pode ficar
tranquilo, nosso filho não vai nascer.
— Sei. — Ele não estava muito convencido.
— Então, quando nós vamos?
— Você é tão apressada, eu não deveria ter dito nada. Amanhã a
gente conversa mais.
— Rocco, quem mais William convidou? — perguntei, ele fez careta.
— Todo mundo! — Dimitri invadiu o quarto sem qualquer aviso. —
Eu já estou com minhas malas no carro, e uma parte já foi na frente. Garota,
você não cansa de me dar susto? — reclamou, beijando o topo da minha
cabeça — Pelo menos a vida desse idiota deixou de ser enfadonha, você sabia
que ele reclamava até dos diálogos que tinha nos eventos? Tudo chato,
Dimitri, chato pra caralho.
— Você é tão mau-caráter, ouvindo atrás da porta! — Rocco
resmungou.
Eu amava vê-los juntos.
— Óbvio, foi somente para ter certeza de que não estavam fazendo
nenhuma coisa obscena.
— Dimitri! — Já deveria estar acostumada, mas ele sempre tinha o
hábito de me chocar com seu vocabulário sem filtro.
— Não me culpe, você é casada com um libertino. — Apontou com o
polegar para Rocco.
— Eu não sou um libertino! — Rocco protestou.
— Não é mais.
— Dio mio, eu vou matá-lo.
— Vai nada, agora, cadê os papéis da alta? Estamos indo para
Westlhern hoje. A propósito, vocês falam alto, Rocco principalmente, o que
me lembra: já fizeram o quarto íntimo? Como vão gemer com um bebê por
perto?
— Meu Deus, Dimitri, isso não é da sua conta! — Cobri o rosto,
mortificada, com certeza eu devia estar vermelha como um tomate maduro, a
julgar pelo calor que sentia no rosto.
— Cala a sua fodida boca! — Rocco levantou, mas Dimitri
continuava rindo.
Ele tinha um humor estranho, às vezes era bem distorcido, e então,
sarcástico. Dimitri era uma incógnita.
— Vamos lá, chame o médico para ver se podemos ir! Estou ansioso
para ter um momento com meus amigos. Ele não liga mais para mim depois
que se casou. — Fez um bico, apontando para Rocco, que só revirou os
olhos, como se estivesse acostumado.
Por prevenção, e insistência de Rocco, acabei ficando no hospital,
entretanto, após receber os policiais responsáveis pelo caso, e prestar o meu
depoimento, recebi alta. Tudo estava ótimo, eu não tinha nenhum sinal de que
iria parir em breve, pelo menos foi o que ouvimos do médico.
— Eu acho que deveríamos ficar em casa — Rocco disse enquanto
fechava a mala que levaria nossas coisas. — A temporada de chuva começou,
acho melhor ficarmos.
Enquanto eu seguia entusiasmada para conhecer Westlhern, Rocco
amanheceu paranoico. Ele estava falando em desistir desde que acordei.
— Rocco, está todo mundo lá. Eu quero ir, talvez, essa seja a última
viagem que faremos antes do Gianne nascer. Vamos ficar somente uns dias, e
o ar do campo vai ser ótimo.
— Você jura que não está sentindo nada?
— Eu não estou. — Beijei os dedos, jurando. — Eu tenho os mesmos
incômodos de sempre, nada de diferente.
— Tudo bem, vamos combinar o seguinte. — Ele segurou meu rosto.
— Se você sentir qualquer coisa, por menor que seja, vai me dizer, certo?
— Combinado.
— O solar de William fica a cerca de uma hora, não é tão longe e, se
você precisar de algo, voltaremos correndo.
— Perfeito.
Eu estava muito ansiosa, louca para conhecer a cidade em que
William viveu sua história de amor. Talvez, o fato de ele nos convidar para ir
lá significasse que pudesse estar se curando. Eu desejava muito vê-lo feliz,
amando alguém e sendo retribuído. William merecia toda a facilidade do
mundo, ele só precisava se permitir.
Conforme a paisagem ia mudando da cidade para o campo, o
encantamento foi tomando conta. Em alguns momentos, me lembrei dos
Moors e do quão maravilhoso foi ficar lá, agora, aqui, eu esperava que fosse
também, porque era maravilhoso colecionar boas recordações.
A vista era de tirar o fôlego, os campos de colheita e lavanda eram tão
incríveis que me senti em uma cena de filme, por um instante, fechei os olhos
e respirei fundo.
O cheiro de terra, lavanda e natureza me abraçou.
Nós passamos por uma cidadezinha pitoresca, na qual as casas
pareciam antigas e pastores de ovelhas seguiam pela estrada de terra com
pequenos grupos de animais. Ali, era como voltar no tempo, mesmo que
claramente pudéssemos ver o toque de modernidade nas lojas e restaurantes.
— Chegamos, amore mio — Rocco avisou, e eu o olhei.
Quando eu soube do convite para conhecer o solar de William, eu
esperava um casarão antigo, no estilo mais elisabetano de casa de campo,
com no máximo dois andares, iguais ao que tínhamos visto ao longo do
caminho.
Mas, não, de solar ali não tinha nada.
— Rocco, isso é um castelo. — Ele estava rindo de mim e isso foi
revoltante. — Rocco, é um castelo com torre!
— Sim, amore mio, William tem um castelo. — A risada do meu
marido só fez com que eu me sentisse mais idiota.
— Quantos anos esse lugar tem? Uns cem? — Olhei para a grande e
imponente fachada.
Era realmente surreal, fantástico.
— Quatrocentos, agora vem comigo. — Ele abriu a porta do carro,
saiu e estendeu a mão. Eu estava tão chocada, porque, olhando ao redor, eu
percebi que percorremos uns cinco minutos de carro desde a entrada dos
portões.
Tudo isso era a propriedade.
— William é um conde, amore mio, ele vem de uma família muito
antiga e tradicional.
— Estamos falando da realeza britânica? William é da realeza? — Eu
não queria, mas eu estava, sim, parecendo uma idiota. — Eu pensei que era
uma piada entre vocês, chamá-lo de conde, e não porque ele fosse um conde
de verdade.
— Não fique tão impressionada, William está pouco se lixando, o que
sei é que em algum ponto da história houve um casamento real na família
dele, o que quer dizer que ele tem literalmente sangue azul.
— Ótimo, devo fazer uma reverência?
A risada de Rocco me deixou com borboletas na barriga, ele estava
feliz, e isso era tudo para mim.
— Venha, William é meu irmão engomadinho, não precisa se
preocupar, eu ainda posso esmurrar a cara dele. Para mim, ele não tem
nenhum título de nobreza, é somente o pé no saco de cabelo comprido. Por
falar nele… — Rocco apontou para algo atrás de mim.
Meu Deus! Arregalei os olhos quando William surgiu cavalgando em
um garanhão negro gigantesco. Ele trajava uma calça de montaria, botas e
uma blusa de manga folgada. Os cabelos, maiores do que eu me lembrava,
estavam puxados para trás.
— Bonequinha. — Sorriu, desmontando e vindo me abraçar. — Até
que enfim vocês chegaram.
— Victoria não sabe se deve fazer uma reverência ou não! — Rocco
disse, rindo. Eu bati nele.
— Rocco! Não seja um fofoqueiro.
— Não resisti, amore mio, sua carinha é tão fofa.
— Pare com isso — ralhei, voltando minha atenção para William. —
Pensei que te chamavam de conde por conta de alguma coisa particular entre
vocês. Droga, eu deveria ter pesquisado antes. — Não consegui segurar o
nervosismo, eu estava mesmo com cara de idiota. — Acreditei que era apenas
alguma brincadeira ultrapassada, entende? Digo, eu sei que temos títulos de
nobreza aqui na Inglaterra, mas é que você é tão você, William, eu nunca
esperei que fosse de fato uma pessoa…
— Bonequinha, calma, eu apenas herdei um título e um monte de
coisa velha. Não se preocupe porque eu ainda sou o mesmo William! — Ele
segurou as minhas mãos. — Agora me diga, como está se sentindo? Lamento
muito que tenha passado por algo tão ruim.
William esquadrinhava meu rosto, buscando algo que comprovasse
que eu estava bem. Bom, eu compreendia a preocupação, mas já havia
deixado claro que meu lema era seguir em frente.
Agora não faria diferente.
— Eu estou bem, não vou deixar que o ocorrido me deixe paranoica e
medrosa. Eu quero mesmo esquecer, fingir que não aconteceu.
— Tudo bem, mas, se sentir que deve conversar, estou aqui caso
precise.
— Eu sei.
— Então… — Ele abriu os braços. — Bem-vinda a Raven.
Eu não tinha palavras para começar a descrever a beleza do lugar. Na
sala tinham quadros maravilhosos, o estilo da construção em pedra era de
tirar o fôlego, além do que, tudo brilhava impecavelmente.
— É incrível — murmurei, encantada, olhando ao redor.
— Espere para ver o seu quarto, é o mesmo em que a rainha Vitória
dormiu em sua visita a Westlhern no ano de 1852.
Tudo ali era grandioso, com o quarto não foi diferente. Inclusive, a
decoração estava preservada, entretanto, havia o toque de modernidade que a
tecnologia trouxe.
— Uma cama de dossel. — Ri, boba, acariciando o colchão macio. —
Queria pular nela.
— Nem pensar! — Rocco negou, enquanto colocava nossa mala no
canto.
— Fiquem à vontade, por favor, vocês são minha família. — William
saiu fechando a porta atrás de si.
— Estou em um castelo! — Balancei a cabeça, encostando-me à
cama. — Se alguém perguntar onde William mora, a resposta seria chocante.
Que tal um castelo com milhares de quartos e metros quadrados?
— Quanta simplicidade — Rocco resmungou, vindo para perto de
mim. — Hora da massagem da minha esposa.
Uma das melhores coisas sobre o meu marido era o cuidado que ele
tinha comigo. Desde que o sexo se tornou doloroso para mim, ele descobriu
novas formas de me tocar. Primeiro, começava pelos pés e ia subindo. Era tão
excitante. Suas mãos espalhavam o óleo perfumado, massageando-me com
cuidado e paciência.
— Está bem assim? — murmurou, passando as mãos por minhas
pernas, raspando em minha virilha, provocando.
Rocco era o tipo de pessoa que, quando se propunha a fazer algo, era
sempre bem-feito.
— Está perfeito. — Suspirei e ele continuou sua massagem até me
deixar ofegando de prazer.
Ele cuidou de todo o meu corpo, fazendo-me gozar até ver estrelas.
— Oh, Deus! Rocco, como eu te amo.
***
***
Ainda não dava para acreditar no que eu tinha feito. Acho que, após a
adrenalina baixar, a realidade bateu tão pesada que eu me peguei emudecido
de choque e fascínio. Ainda estava dentro daquele carro, em precárias
condições, mas Victoria estava bem, e meu filho era a coisa mais linda do
mundo.
— Eu te trouxe ao mundo. — As palavras saíram roucas, carregadas
de uma emoção tão potente que não tinha explicação.
Eu tinha certeza, sem sombra de dúvida, de que essa fora a minha
maior conquista. De tudo o que já havia realizado na vida, trazer meu filho ao
mundo foi o ápice do que eu pensei ser capaz de fazer.
— Dio santo, você é perfeito.
Gianne abriu a boca, como se bocejasse, eu ri baixinho. Ele era lindo
demais, uma incomparável obra de arte. Talvez, apenas Victoria se
equiparasse, porque nenhuma outra pessoa, além dela e deste minúsculo bebê
em meus braços, puderam me deixar em um nível estratosférico de
encantamento.
Qualquer som que saísse de sua pequenina boca, ou dos movimentos
aleatórios que fazia, era tão maravilhoso que eu tinha certeza de que jamais
cansaria de olhar.
— Rocco, as luzes da ambulância estão se aproximando. — Jason
colocou o rosto dentro do carro. — Não sei como será para remover os dois.
Ele olhou para Victoria, o sorriso em seus lábios era algo que eu
nunca tinha visto. Jason estava arrebatado, como eu.
Talvez, todos nós estivéssemos.
— Não sou a favor de usar motosserra para cortar a árvore, eu acho
melhor ir na força bruta mesmo, não quero assustá-los.
— Concordo plenamente. — Voltei a olhar para o Gianne, o peito
sacudindo de tanto sentimento. — Você e sua mãe são o meu amor.
— Me deixe vê-lo — Jason pediu, esticando-se.
— Você está todo molhado, tenha cuidado — avisei, mostrando o
bebê. — Fique aí mesmo, veja ele de longe. Quando estiver seco e em um
ambiente seguro, eu te deixo até segurar.
Jason nem parecia me ouvir. Ele só tinha olhos para Gianne. Confuso,
percebi lágrimas se acumulando até escorrerem por seu rosto. Ele tentou
limpá-lo com brusquidão, mas até sua respiração soava trêmula, enquanto
parecia lutar para se controlar.
Era como se ele não quisesse que ninguém percebesse seu estado
emocional.
— Eu perdi tudo na minha vida — Jason confidenciou, limpando os
olhos com o antebraço.
Não adiantou, porque o choro estava lá, como um reflexo de
memórias muito dolorosas.
— Durante anos, eu lutei para ficar o mais distante possível das
pessoas, porque não suportava perder mais ninguém. Mas Victoria enxergou
algo em mim, quando eu mesmo não podia ver nada. — Ele me olhou. — Ela
me deu tudo, Rocco. Graças a Victoria, eu posso aceitar os sentimentos que
tenho por meus irmãos e por esta família também. Eu a amo, e a este bebê
também, apesar de não termos o mesmo sangue, nos escolhemos.
Eu compreendia cada uma das palavras que ouvira. Eu sabia o que era
não ter perspectiva de certas coisas, e de repente, ver um mundo de
possibilidades se abrir diante dos seus olhos.
Victoria acolheu Jason quando ele menos esperava, ela o tratava como
um irmão, porque era isso o que ele era.
— Eu sei como se sente, brother — falei baixinho, e ele riu. —
Somos uma família grande e barulhenta.
Jason respirou fundo, controlando-se.
— Okay, chega disso. — Um sorrisinho cínico ergueu o canto da
minha boca, se ele queria assim, por mim tudo bem. — Fique com eles que
eu vou trabalhar em uma forma de remover aquela árvore, quero ver se
Dimitri serve nem que seja para segurar a lanterna na direção certa.
— Como ele está?
— Tem lama até dentro das orelhas. — Jason balançou a cabeça. — O
bastardo teria se afogado, mas eu e Dark o pegamos. Agora, preciso ir, há
muito trabalho pela frente.
Quando ele fechou a porta, meu mundo resumiu-se ao que eu tinha
dentro daquele carro. Victoria estava exausta e Gianne começava a se agitar.
Precisei mudar a sua posição, ajustando-o na curva do braço para que eu
pudesse o balançar suavemente.
— Eu te amo tanto, bambino — disse, como se ele pudesse me
compreender. — Você foi muito desejado, eu tentei muito engravidar a sua
mãe, até conseguir. Te segurar em meus braços é a coisa mais incrível que já
fiz.
— Rocco?
— Sim. amore mio. — Surpreendi-me por encontrá-la de olho
abertos. — Pensei que estivesse dormindo.
— Eu só estava cochilando. — Sorriu, depois um longo suspiro a
deixou. — Você se lembra daquela aula sobre amamentação? — Acenei. —
Ele deveria estar no peito.
— Vamos tentar? — perguntei, e ela acenou, tentando erguer-se um
pouco.
— Minhas pernas estão tremendo. Não tenho força para nada.
Com toda certeza, depois de tanto esforço, ela estar tão disposta era
incrível.
— Segure nosso filho. — Entreguei o pacote bravo a ela e trabalhei
com cuidado para mudar de lugar no espaço apertado. Quando consegui,
encostei-me no porta-malas, trazendo Victoria para os meus braços. Ela
ficou numa posição parcialmente sentada, usando-me como apoio.
— Vamos lá. — Ela expôs os seios, mudando o jeito que segurava o
bebê.
— Lembre-se de que ele deve pegar o mamilo todo, não apenas o
bico, porque senão você vai se machucar.
— Não lembro direito como é a pega da amamentação, mas vamos
tentar. — Victoria apertou o mamilo e encolheu, parecia doloroso. — Assim,
vamos, amor.
Na terceira tentativa, Gianne o segurou e começou a sugar. Ele
reclamava, fazendo pequenos sons que eram fofos demais.
— Obrigado por tanto, Victoria. — Abracei os dois, enquanto gravava
o momento para sempre em minha memória.
Ela me olhou, e mesmo naquela luz precária, eu pude enxergar tanto
amor que me deixou abalado. Era como se ela pudesse ver o que ninguém
poderia, e isso me deixava ainda mais dependente do amor e da vida que ela
me dava.
— Eu te amo, Rocco — sussurrou.
Eu a beijei. Suave, gentil, cheio de todos os bons sentimentos que
cresciam a cada dia em meu coração.
— Você e nosso filho são a minha vida — disse, acariciando seu
rosto.
Por mais que não houvesse demorado para a ambulância chegar,
levando em consideração o tempo ruim, eu comecei a me sentir um tanto
ansioso, pelo fato de Victoria estar sangrando.
Apesar de a médica dizer que era normal, não consegui ficar calmo.
— Senhor Masari, ouça. — A médica parou um momento. — Esse é
o primeiro sangramento depois da gravidez, confie em mim quando digo que
é normal. O parto foi um sucesso e está de parabéns, pelo que pude avaliar, a
vagina da sua esposa está em perfeito estado.
— Então, ela sangrar não quer dizer que eu fiz algo de errado?
Talvez eu pudesse respirar direito.
— Tem mulheres que molham um lençol em seu primeiro
sangramento após o parto normal. Está tudo bem, sua mulher está ótima.
Agora, precisamos chegar à maternidade para dar continuidade aos
procedimentos.
Absorvi as informações, avaliando-as. Preferi acreditar no que a
médica dizia, depois, se eu descobrisse que ela tinha mentido, teríamos sérios
problemas.
— Vamos aproveitar que a chuva passou para transferir sua esposa
para a ambulância — a médica avisou.
Fiquei em cima da médica enquanto ela mexia em Victoria. Eu estava
gostando, a mulher estava sendo bem cuidadosa em cada manuseio, e minha
mulher não reclamou de nada.
— Senhora Masari, vamos para a ambulância.
— Tudo bem. — Victoria tentou apoiar-se, mas tombou de lado. —
Me sinto tonta.
— Vem, amor, eu te carrego. — Meu filho já estava protegido dentro
da ambulância. Com todo cuidado, eu a peguei nos braços, estranhando a
falta da barriga volumosa e do peso que eu estava acostumado.
— Posso me acostumar com isso — ela brincou.
— Fique à vontade. — Beijei sua testa.
Pouco tempo depois, estávamos prontos para seguir, quando entramos
em movimento, eu me senti aliviado. Agora sim, Victoria teria assistência,
porque lá, na luz branca e forte, eu havia me assustado muito com a
quantidade de sangue em seu vestido.
— Tudo bem? — Victoria perguntou, fechando os olhos — Estou
tonta, é estranho.
— Amor, tem certeza de que é só tontura? Você sente algo mais? Não
me esconda nada, per favore. — Peguei sua mão. — Você não deveria ter
tido nosso filho nessas condições.
A médica bufou, revirando os olhos, ela parecia irritada com alguma
coisa.
— Estou com vontade de tomar um banho, mas também quero
dormir, segurar meu filho, abraçar você. — Os olhos dela brilharam, um
sorriso enorme iluminou seu rosto. — Você foi perfeito, fez meu parto
direitinho. Sabia que você seria incrível. — Entrelacei nossos dedos, a
confiança dela em mim deixava-me arrebatado.
— Apesar do medo, essa foi a experiência mais extraordinária que eu
já tive.
— Você segurou nosso filho com tanta confiança, estou muito
orgulhosa de você, Rocco.
— Eu… — Pigarreei, não queria demonstrar tamanha emoção na
frente daqueles estranhos. — Eu acho que vocês dois foram feitos para estar
em meus braços, por isso. — Sorri, emocionado. — Aqui parece o lugar
ideal, na verdade, eu tenho certeza de que é.
— Eu também, acho.
Ao lado da minha esposa e filho, a viagem até Londres não pareceu
tão longa.
***
***
Nunca pensei que diria isso, mas Rocco estava sendo responsável por
me manter na linha. Quero dizer, ele se afastava sempre que as coisas
esquentavam.
Quarenta dias após o meu parto, eu sentia que ia enlouquecer a
qualquer momento. Observar Rocco passeando pelo quarto, só de cueca,
enquanto ladrava ordens ao telefone não era saudável.
Eu mal conseguia racionar, porque o queria, com todas as minhas
forças.
A ginecologista que estava me acompanhando disse que o puerpério é
variável, entre quarenta e cinco e sessenta dias.
Eu ficarei com os quarenta e cinco! Respirei fundo, quando Rocco
parou e esfregou os cabelos. Pelo que me contou, ele estava fechando algum
contrato enorme com um novo sheik, mas não estava sendo nada fácil.
— Estou negociando a construção inteira, não parte dela. — Ele
estreitou os olhos. — Não, eu não vou pegar nada pela metade, posso
comprar o terreno, sem problema… — Ele sorriu. — Isso seria o ideal, quero
expandir a franquia de resorts.
Parei de entender o que ele estava falando, porque meus olhos se
perderam em seu corpo. Não era porque ele era meu marido, mas Rocco fora
abençoado em cada parte. Ele não tinha um dedo do pé feio, era magnífico
desde os cabelos.
Não me culpava por meu corpo ansiar o dele, mesmo estando com
medo de ter uma relação sexual, eu sentia falta.
Será que isso é normal? questionei-me, lutando para não comê-lo
com os olhos.
— Meu Deus. — Suspirei baixinho, deitando de bruços.
Pela primeira vez durante a noite, Gianne estava dormindo no berço.
Se ele estivesse acordado, eu ficaria ocupada, e não pensando em coisa que
ainda não podia fazer.
Meu corpo ansiava pelo de Rocco de um jeito insano, que ficava cada
vez mais difícil de controlar. As memórias de nós dois juntos insistiam em
ficar dando voltas em minha cabeça.
— Ohh. — Fechei os olhos, apertando o rosto contra o travesseiro.
O clitóris pulsava devagar e isso só aumentava a vontade de sentir
Rocco dentro de mim.
Pense em outra coisa. Tentei levar os meus pensamentos para uma
zona segura, como, por exemplo, meu atelier. Eu tinha uma coleção em
andamento, fila de espera e muitos currículos para avaliar.
Rocco havia colocado sua equipe nisso e minha avó estava
trabalhando também. Quando Gianne estivesse maior, eu ia começar a
trabalhar pesado. Eu achava que com uns seis meses, eu sentiria confiança
para levá-lo comigo ao atelier. Então, seguiria com meu sonho.
Isso, continue com essa linha de pensamento que tudo vai dar certo.
Mas, então, Rocco subiu na cama, deitando em minhas costas.
— Você pensou que eu não via o jeito que me olhava? — disse em
meu ouvido, e isso foi como jogar gasolina numa fogueira.
Senti sua ereção pressionando a minha bunda, não pude evitar gemer
de prazer. Acreditava que somente eu estava tendo dias de superexcitação,
mas, não, Rocco estava tão pirado quanto eu.
— Dormir ao seu lado se tornou uma tortura. — Mordeu minha
orelha, esfregando-se em mim. — Você acha que é fácil? Eu quero te comer
todinha.
— Então come. — Gemi baixinho.
Rocco me virou e devorou num beijo frenético, cheio de necessidade.
Ele estava tão quente, duro, pressionando meu corpo contra o colchão.
Sentia-me embriagada por seu cheiro.
— Entregue-se para mim — ele pediu, a voz engrossada de desejo. —
Per favore, confie que não te machucaria.
— Eu confio em você. — Arqueei, seus dentes raspavam meu
pescoço, enlouquecendo-me. — Faça o que quiser.
Senti o ar frio beijar minha pele quando ele levantou para pegar algo,
então, estava de volta, inflamando meu corpo com o calor que desprendia do
seu. Minha boceta pulsava de dor, a pele arrepiada, supersensível.
— Eu sempre quis te tomar assim — declarou, rasgando minha
camisola.
Deus, o jeito com que me olhava, era… era… Engoli em seco,
excitação molhando a minha calcinha.
— Hoje vou cumprir uma promessa que te fiz tanto tempo atrás.
Suas mãos e boca estavam em todas as partes, Rocco me provocou,
deixando-me insana.
— Você vai atingir outro nível de prazer, esse será um de descoberta
— prometeu.
Suas palavras me deixaram um tanto confusa, mas a essas alturas eu
não me importava de fazer amor, afinal, eram apenas cinco dias antes do
puerpério que fora recomendado, o que poderia dar errado?
— Rocco! — soltei um gritinho, quando ele me virou bruscamente.
— Você não achou que eu iria descumprir ordens médicas, não é? —
Riu, mordiscando minha orelha. Arrepiei ainda mais, tanto que meus
mamilos doeram. — Eu vou te tomar em outro lugar, amore mio.
Tremi inteira de apreensão quando suas mãos acariciaram minha
bunda.
— Não sei. — Minha voz saiu trêmula. — Eu não acho que seja uma
boa ideia.
Escutei sua risada e logo sua língua estava lá, naquele canto secreto.
Primeiro eu perdi a força nos braços, depois meu cérebro derreteu, e eu nem
pude ter tempo para vergonha.
O prazer era constrangedor, eu não acreditava que Rocco estava com
o rosto enfiado ali, me lambendo.
— Eu tenho desejo de comer o seu cuzinho. — Ele bateu na minha
bunda. — Que delícia.
— Rocco! — Meu rosto esquentou, o jeito cru de falar me deixou
escandalizada e excitada, tudo ao mesmo tempo.
Era tão intenso e chocante que, depois de ter feito tanta coisa com ele,
Rocco ainda pudesse me deixar assim.
Eu não pararia para pensar e nem me recriminaria por isso, eu havia
me casado com um pervertido, não era como se ele tivesse limites.
— Relaxa, você vai gostar.
Ele massageou meu clitóris, enquanto continuava me lambendo onde
nunca pensei que deixaria. Em algum momento, o bom senso deu adeus, e eu
gemi com a sensação arrebatadora.
— Deus… Rocco! — Agarrei os lençóis, há muito além do limite. —
Não pare, por favor, não pare.
Eu sentia uma dolorosa pulsação no clitóris, se ele continuasse eu ia
gozar assim mesmo, sem penetração, e não me importava.
— Isso, Pequena, apenas se jogue.
Ele molhou ali, eu senti escorrer. Rocco aproveitou e espalhou um
líquido pela boceta. Meu clitóris ficou tão escorregadio que, quando ele o
esfregou, eu quase saltei fora da minha pele, a sensação beirava a crueldade.
— Vou gozar assim. — Sorri, esperando que ele me desse isso.
— Não assim. — Riu, e eu o senti pressionar o dedo. — Que cuzinho
apertado, delizia mia, vou te foder tanto.
Meu corpo ficou um pouco tenso, mas não doeu como eu havia
pensado. Aos poucos, relaxei, e quando fiz isso, o prazer aumentou. Eu ia
gozar, sim, desse jeito.
— Calma, me deixe relaxar um pouco aqui, ou você não vai aguentar.
— Quero gozar.
— Claro que você quer. — Ele riu de um jeito que causou frisson, até
a voz dele estava diferente.
Rocco conhecia os limites do meu corpo, sabia exatamente em que
momento eu gozaria, e por isso, torturava, eu não sabia quantas vezes tinha
ficado perto de gozar sem que ele me deixasse alcançar o prazer. A qualquer
momento, eu ia explodir, estava além de qualquer sanidade.
— Por favor, por favor… — Chorei, arquejando, a excitação
pingando.
Suas mãos não paravam, ele era paciente demais, quando eu queria
tudo menos isso.
— Isso, engole os meus dedos, deliciosa.
O seu jeito de falar era combustível, porque só me fazia querê-lo
ainda mais, naquele estado de devassidão. Só que ele parou de me dar prazer,
e quando lamentei, foi que o senti pressionar de verdade.
— Me sinta, devagar… — Ofeguei. — Isso, me deixe entrar.
Fiquei tensa, por mais excitada que estivesse, era inevitável não ficar.
Rocco estava penetrando-me com o pau, naquele lugar… Minha nossa, seus
dedos não se comparavam.
Eu estava com medo.
— Relaxe, eu vou cuidar de você.
Outra vez, senti o líquido frio tocar minha intimidade, e isso o ajudou
a escorregar um pouco dentro.
— Perfeita, a visão que tenho. — Sua voz soou apertada, como se
para ele também fosse uma tortura.
— Rocco… — Abri um pouco mais as pernas, ele encaixou melhor.
Sua atenção voltou para meu clitóris.
O prazer voltou mais forte, e isso me ajudou a relaxar mais. A pressão
que eu sentia na bunda, a leve ardência, o pulsar e o formigamento no clitóris
se misturaram, criando uma sensação nova, arrebatadora, e que me fez perder
a cabeça.
— Calma, amor, me deixe entrar, relaxe para mim.
Fechei os olhos, tentando me concentrar em tudo o que eu sentia. O
prazer cresceu, permitindo que ele entrasse mais um pouco.
— Vou morrer. — Mordi o lábio, com o arrepio gostoso que subiu
por minha coluna.
Aquela penetração doía, e ao mesmo tempo era boa. Sentia-me
maravilhosa e assustada, tudo ao mesmo tempo.
— Me aceite. — A voz de Rocco soou desesperada. — Oh, porra, que
visão.
A sensação era, ela era… Eu não conseguia descrever, todas as
minhas terminações nervosas pareciam estar concentradas no mesmo lugar.
— Caralho — resmungou, afundando mais um pouco. — Você acaba
comigo, amore mio.
Pareceu uma vida o tempo que Rocco levou para acalmar, acariciar e
excitar meu corpo. Ele não tinha pressa, ia entrando devagar, cada polegada
por vez, mas sem nunca deixar meu prazer esmorecer. Ele sabia como fazer,
porque empurrava, então recuava um pouco e voltava a empurrar.
Ele ia medindo minha aceitação, e quando percebeu que dava, entrou
completamente.
— Oh, Deus, Rocco! — Olhei para ele, e o safado piscou um olho.
— Entrou todinho. — Sua expressão de puro deleite foi a minha
ruína. — Muitas primeiras vezes, amore mio. — Ele se curvou sobre mim e
lambeu a minha coluna.
— Isso é tão bom. — Empinei a bunda e ele gemeu baixo.
Rocco enrolou meu cabelo no punho e disse:
— Se masturbe. — Obedeci, ansiosa, gritando de prazer quando a
sensação foi demais. — Agora vamos viajar.
A viagem mais louca e prazerosa. Nunca pensei que gostaria de sexo
anal, mas agora admitia em choque que tê-lo penetrando minha bunda
enquanto eu me masturbava deu-me o orgasmo mais forte que já senti.
Nunca pensei que dor e prazer estavam tão firmemente entrelaçados,
que, quando se uniam, tornavam tudo mais intenso. Eu não me oporia a
repetições futuras.
Mesmo que eu não conseguisse sentir as minhas pernas depois.
— Como pode estar tão disposto depois de tudo o que fizemos? —
resmunguei acabada, enquanto ele estava rindo e passeando com nosso bebê
pelo quarto. — Rocco, eu não sinto meu corpo.
Ele somente piscou o olho, todo despenteado, após um banho rápido.
Gianne acordou assim que nós voltamos do banheiro.
— Você precisa de descanso, eu estava faminto por você.
Eu não negava que, nos dias seguintes, fiquei com essa noite na
cabeça, eu queria repetir, mas Rocco estava preparando algo.
Somente depois eu soube, ele estava esperando meu resguardo acabar.
Então fizemos a festa, e eu tive tudo. Rocco me virou do avesso, não teve
medo ou repreensões. Rolamos na cama até quase amanhecer o dia,
aproveitando os momentos de sono do nosso filho.
— Você foi devidamente comida, amore mio.
Caímos na cama, após um banho gostoso.
— Amo o seu corpo. — Rocco beijou meu cabelo.
Ainda estava com alguns quilos da gestação e isso parecia deixar meu
grandalhão ainda mais desejoso.
— Obrigada por ser o melhor marido do mundo.
— É meu prazer.
Acariciou a minha bunda, enquanto eu suspirava, aconchegada em
seus braços, com lençóis frios beijando a minha pele nua.
Eu não tinha mais nada para pedir, porque Deus, em sua infinita
bondade e misericórdia, cumpriu toda promessa de uma vida digna.
Agora, eu só agradecia, e fazia isso assim que meus olhos se abriam,
porque hoje eu tinha muito mais do que havia pedido, e por mais que alguns
problemas surgissem, eu sabia que, juntos, Rocco e eu poderíamos resolver.
Ele era meu sonho, e nosso filho, a realização do que planejamos juntos.
Eu amava cada amanhecer, porque ele trazia uma nova oportunidade
de ser feliz, e eu era muito, tanto que tentava de alguma forma contagiar a
minha família.
Até aqueles que pareciam estar entrando em épocas difíceis, como
William. Há dias, venho percebendo que ele não estava legal, e isso tem me
deixado bastante preocupada.
Eu não tive coragem de perguntar, então, esperei passar alguns dias, e
fiquei de olho, esperando que ele melhorasse, mas isso não aconteceu.
— O que está acontecendo com o Conde? Ele anda tão cabisbaixo. —
Olhei para Rocco, estávamos assistindo ao pôr do sol, em nosso lugar
especial.
— O aniversário dele está chegando. Em outros tempos, ele já teria
ido embora, mas, por causa do Gianne, ele está reticente. Não quer se afastar.
Não acreditei que o padrinho do meu filho estava perto de viver uma
data difícil e ninguém tinha me contado isso. No ano anterior, eu estava
ocupada com meus problemas, mas agora queria cuidar disso.
— Por que não me contou, senhor Masari? — Rocco deu de ombros.
— Eu e Dimitri estamos acostumados, a época crítica nunca é o
aniversário dele e sim o de Isabela.
Eu lembrava muito bem como William reagiu da última vez. Foi uma
vertente de autodestruição horrível. Não queria vê-lo sofrendo daquele jeito
outra vez.
— Quando é? — Talvez, pudéssemos fazer algo, e ele não se sentiria
tão mal.
— Amanhã.
— O quê? — Franzi o cenho. — Mas amanhã Gianne completa dois
meses.
— E só por isso William não sumiu ainda.
— Rocco, não podemos deixá-lo sozinho. — Precisávamos planejar
algo.
Amanhã seria um dia cheio, porque eu tinha muito trabalho. Ainda
não estava saindo de casa, mas estava desenhando para as equipes dos ateliês
do Brasil e daqui. Eu precisaria fazer ligações, estávamos querendo fechar
com um fornecedor, e minha avó disse que eu seria a responsável pela
negociação.
— Okay, eu tenho algumas coisas para fazer, mas consigo organizar
algo especial para ele.
— William vem dormir aqui hoje, eu convidei, com a desculpa de que
precisamos de ajuda com Gianne. — Rocco deu um sorriso cínico. — Eu me
lembro de ter dito: quero ficar com Victoria um pouco, ajude-me com o
pequeno morcego.
— Você não chamou meu filho de morcego! — Bati em seu ombro,
ele deu risada.
— Gianne não dorme durante a noite — declarou um fato, porque era
muito raro meu bebê dormir a noite toda, nesses quase dois meses, conto nos
dedos de uma das mãos as vezes em que o fez. — É o morceguinho do papai.
— Não acredito que você disse isso.
— Amore mio, não se chateie, pense que podemos aproveitar. — Ele
enterrou o rosto em meu pescoço. — Lembra a primeira vez que nosso filho
dormiu um pouco mais? Eu comi o seu cuzinho.
— Rocco!
— Então, eu quero fazer outra surpresa.
— Você é um pervertido boca suja. — Passei as mãos por seu
pescoço, ele me puxou para seu colo. — Mas eu vejo vantagem nessa fala.
Não fazia muito tempo que nossa vida sexual tinha voltado, a gente às
vezes fazia umas coisas loucas, mas Rocco agora tinha umas ideias que, só de
pensar, borboletas dançavam na minha barriga.
— O que você quer fazer?
— Espere e verá. — Piscou um olho, e eu derreti.
A curiosidade já me matando.
No dia seguinte, ao terminar de cuidar de Gianne, pedi para Jason ir
passear com ele pelo jardim. Aproveitaria para fazer as ligações para os
fornecedores. Graças a Deus, o lançamento do projeto da nova coleção foi
um sucesso, a crítica especializada amou os croquis, e eu fui escolhida para
desenhar o vestido que encerraria a semana de moda de Paris.
Minha avó participava de todos os processos, e para mim era uma
honra ter Antonietta Andrade como a minha madrinha. Ela e sua experiência
faziam a diferença, tanto que, quando Dimitri me mostrou o prospecto do
meu atelier, e das coleções, eu quase caí para trás.
O valor era muito alto.
Antes, quando trabalhava para Blanchet, eu não fazia ideia de como
as coisas funcionavam, estava reclusa à minha área. Muito diferente de agora.
Todavia, eu aprendi com Blanchet como não tratar meus funcionários, e era
gostoso ver que minha equipe cuidadosamente selecionada trabalhava feliz.
Quando terminei as ligações relacionadas ao atelier, fiz as
confirmações do almoço de William. A cozinheira daqui de casa garantiu que
dava para fazer, e eu confiei cegamente nela porque a mulher era
simplesmente a melhor.
Estava tão louca, correndo de um lado para o outro, nos preparativos
da recepção de William, que quando chegou o buquê de rosas, eu me
desorientei completamente.
Como das outras vezes, havia belíssimas rosas coloridas e, em meio à
profusão de cores delicadas, quatro rosas negras, um pouco mais abertas que
as do buquê anterior.
Eu sabia que no cartão estaria escrito o número quatro, mas eu o
procurei e não vi. Isso me deixou, de certa forma, mais aliviada. Talvez,
aquele fosse um mero erro da floricultura, que deve ter anotado o número de
buquês e deixado lá sem querer.
— É isso. — Sorri, prestando mais atenção e notando que as flores
eram lindas demais, cheirosas.
Entretanto, ao avaliar melhor, percebi que as rosas coloridas estavam
menos desabrochadas que as do mês passado, era como se elas estivessem se
fechando. Enquanto as negras abriam.
— Mas, por quê?
Eu ainda não tinha uma resposta, também não ia parar para procurar.
— Mariana, jogue essas flores no lixo. — Entreguei o buquê à
governanta da casa. — E se chegar mais alguma, não deixe que seja entregue
na frente de Rocco.
Meu marido era paranoico demais para coisas como essa.
— Sim, senhora, eu mesma irei jogá-las.
— Por favor, diga-me, os seguranças não acharam nada suspeito? —
Ela negou. — Tem certeza?
— Senhora, eles reportam para o seu irmão, eu não tenho acesso.
— Ah, me desculpe. — Testei um sorriso.
— Tudo bem. — Mariana acenou, caminhando em direção à porta do
escritório, quando a abriu, parou, olhando-me. — Senhora, são apenas flores,
não se preocupe.
— Tem razão.
Quando fiquei sozinha, tirei um tempo para pensar sobre isso e
cheguei à conclusão de que não ia dar muita atenção, mesmo que eu tivesse
que me forçar a isso.
Era o melhor.
Não deixei que ninguém notasse que eu estava tensa, Rocco, por outro
lado, não parava de me encarar.
— A festa de William está animada — comentei, ele não disse nada.
— O que foi, grandalhão?
— Eu quem deveria perguntar, aconteceu algo enquanto estive fora?
Engoli em seco, colocando o sorriso no lugar.
— O mesmo de sempre.
— Victoria… — Pelo tom de voz, percebi o ar intimidante.
— Grandalhão, o que você está pensando? — Apoiei as mãos em seu
peito. — Está tudo bem.
— Você não esconderia de mim se alguma coisa a preocupasse, não
é?
Não queria mentir, por isso, o abracei. Rocco era o tipo de pessoa que
surtava quando as coisas saíam do trilho. Tudo estava indo tão bem, que eu
não queria estragar isso.
Fechei os olhos quando ele passou os braços a minha volta. O calor de
seu corpo grande era tão bom, fazia com que eu me sentisse protegida. Eu
sabia que Rocco se colocaria na frente e agiria como um escudo para me
defender.
Ele já fazia isso, na verdade. A minha equipe de seguranças era
incrível, os carros eram blindados, na nossa casa a segurança era de ponta, no
atelier também.
Não há com o que se preocupar, disse a mim mesma.
— Por que você está tremendo? — Ele abaixou a cabeça, e eu o
beijei.
Não tinha uma resposta para sua pergunta. Foi Rocco quem se
afastou, ele me encarou de um jeito que fez um caroço se formar em minha
garganta.
Forcei um sorriso.
— Eu preciso ir ao banheiro, volto logo. — Antes de sair, fiquei na
ponta dos pés e o beijei de novo. — Eu te amo, não demoro.
— Estarei aqui esperando.
Mal tive tempo de virar antes de as lágrimas escorrerem, a sorte era
que todo mundo estava no jardim, e William, o aniversariante, parecia bem
feliz. Ele não soltava Gianne, os dois haviam se tornado uma dupla e tanto.
Refugiei-me no escritório e me permiti chorar. Por mais que eu
dissesse a mim mesma para não ficar dando muita atenção a essas malditas
rosas, a angústia que apertava meu peito dizia que isso seria impossível.
Eu estava com medo, essa era a verdade.
— Meu Deus, o Senhor nunca me deu benção pela metade. — Juntei
as mãos, abalada demais para voltar para a minha família agora. — Eu sei
que eu devo acreditar que, no final, tudo vai dar certo, mas eu estou com
medo.
E não queria perder a paz da minha casa, tampouco a felicidade.
Rocco estava tão feliz, ele saía para trabalhar com um sorriso, e voltava
fazendo festa. Todos os dias, o amor crescia na minha família.
— Seja forte, Victoria — ordenei a mim mesma, não permitindo que
nada me abalasse.
Não soube quanto tempo levou, mas consegui controlar-me, depois
coloquei um sorriso nos lábios. Rocco não desgrudava de mim, Jason
também não. Quando eu precisava sair, tinha muitos seguranças armados.
— Chega! — Dei tapinhas em meu rosto para tentar expulsar a
repentina palidez. — Vá para sua família e seja feliz com eles.
Foi o que fiz, mas, quando cheguei às portas francesas que davam
acesso ao jardim, eu parei um momento para observá-los. A emoção me
engoliu. Estávamos no outono, e havia um pouco de frio, mas hoje,
especialmente, o dia estava lindo.
Todos estavam reunidos. Minha grande, barulhenta e amada família.
Sorri ao ver Rocco jogar a cabeça para trás e gargalhar de algo que
David dissera, William somente balançava a cabeça. Minha avó e a nonna
estavam juntas, a mãe de Rocco segurava Gianne com tanto carinho.
Antonella e Connor embalavam seus bebês. Tia Laura e Ricardo estavam ali
também, com o bebê deles.
— Eu mereço essa felicidade. — Funguei baixinho. — Lutei tanto, eu
mereço isso, não é?
O silêncio foi minha resposta. Escondida deles, observei uma nuvem
encobrir o sol e escurecer a tarde ensolarada.
Durante alguns instantes, só pude ouvir minha própria respiração,
buscando equilíbrio. Paz de espírito.
Eu não queria sentir essa coisa ruim dentro do peito.
— Bonequinha? — Limpei os olhos apressada, mas quando o olhei,
Dimitri franziu o cenho, o sorriso que tinha nos lábios morrendo. — O que
aconteceu? — Veio para mim e segurou meu rosto. — Você esteve
chorando? — Havia mais que preocupação em sua voz.
Ele estar ali pareceu providencial. Engoli o caroço na garganta,
respirei fundo. Eu só precisava me controlar para conversar com ele sobre um
assunto que já vinha circulando a minha cabeça há uns dias.
— Dimitri, se eu pedir sigilo de advogado, você me dará? —
perguntei, ele deu um passo atrás, confusão foi uma expressão fácil de
perceber. — Você me dará?
Primeiro, ele respirou fundo, então acenou. Mas, pela sua cara, vi que
não gostou do rumo da conversa.
— O que você quer?
— Venha comigo.
Juntos fomos para o escritório de Rocco, lá, eu tranquei a porta, não
queria ser interrompida.
— O que precisa, Bonequinha? — Dimitri se inclinou para frente,
seus olhos azuis pregados em mim. Eu me senti analisada, e não foi uma
coisa agradável.
— Já estamos em sigilo? Tudo o que eu disser aqui será mantido em
segredo?
— Sim, eu estou aqui como seu advogado, pode falar.
— Eu quero fazer meu testamento — disse firme, fazendo-o arregalar
os olhos. — E eu quero sigilo absoluto, entre cliente e advogado. Rocco não
pode saber.
Ele deu um aceno duro, mas pude notar que não estava confortável.
— Por que quer fazer um testamento? — Dimitri questionou com voz
baixa, estava inclinado para frente enquanto me encarava, tentando captar a
verdade por trás das minhas palavras.
Não consegui olhar para ele, mas tentei responder o mais
tranquilamente possível.
— Todo mundo que tem algo a deixar faz testamento, eu preciso do
meu.
Dimitri não falou nada, apenas estreitou os olhos, juntando as mãos.
Aquela era a pior forma de avaliar uma pessoa, ele parecia até cruel.
— Quem está te ameaçando? — disparou à queima-roupa, meu
coração falhou uma batida, porque eu não sabia de ameaça nenhuma.
Não existia nada concreto, era só medo. Se eu contasse que tinha
recebido buquês estranhos, com números, isso me faria parecer louca.
— Ninguém, Dimitri. — Suspirei. — Não tem ninguém.
— Mentira! — acusou, esfregando o cabelo. — Acha que eu sou o
terror dos tribunais por quê? Sei quando alguém está mentindo, consigo
detectar mesmo nos mais profissionais onde a mentira se esconde, e você,
minha linda boneca, mente.
Suas palavras me fizeram encolher, porque eu acreditava que não
havia ameaça, mas isso não queria dizer que eu não me sentia ameaçada, a
cada vez que recebia as rosas.
— Você não entende, não há ameaça, não há uma direção a olhar, há
apenas o fato de que eu recebo buquês de rosas.
— O quê? Rosas?
Eu me senti envergonhada enquanto confirmava com um menear de
cabeça.
— Está vendo? Não há ameaça. — Respirei fundo. — É somente que
eu me sinto estranha por recebê-las. — Abracei-me. — Você, por acaso, já
viu o tamanho da minha segurança? — Balancei a cabeça. — Jason não me
deixa sair sem ele, e Rocco, na grande maioria das vezes, está comigo. O que
eu vou fazer? Surtar e levar todo mundo para o buraco? Me recuso a acabar
com a paz que todos nós temos.
— E sua paz? — Apontou o dedo. — Você parece que não tem mais.
Olhe para mim, Victoria, me encare quando eu estiver falando algo tão
importante com você.
Quando eu o olhei, meu corpo começou a tremer. Ainda tentei
disfarçar um soluço tossindo, mas o choro veio tão forte que engasguei.
— Govno! Você está em pânico. Me conte tudo agora mesmo.
Contei tudo, explicando como o primeiro buquê havia chegado, e
sobre as rosas negras. Falei dos números e tudo mais. Dimitri surtou, gritando
comigo.
— Você precisa conversar com Rocco, porra, ele precisa saber.
— Não vou bagunçar a minha casa, tampouco a felicidade que estou
vivendo.
— Victoria, Rocco é o seu marido, ele tem que saber!
— Lembre-se de que você está aqui como advogado, não meu amigo.
— Sequei as lágrimas, mantendo a postura firme. — Você vai fazer a sua
parte, Dimitri, e eu não vou me preocupar com você contando isso a ninguém
porque sei que jamais quebraria a confiança que há entre nós.
Ele deu-me as costas e socou a parede, depois xingou em sua língua
materna. Estava furioso, mas controlou-se e sentou na cadeira atrás da mesa.
— Diga-me, vamos esboçar a merda deste testamento que, eu tenho
certeza, não será usado pelos próximos cinquenta anos.
Engoli em seco, acenando.
— Vou me basear naqueles valores que você me mostrou, tudo bem?
— Ele acenou, mas não disse nada. — Quero deixar quatro milhões para
Jason, eu quero estabilidade para ele. Caso não queira mais ser segurança. —
Dimitri me olhou, os olhos azuis revoltados por estar fazendo aquilo. — O
Emporium La Fontaine será dividido meio a meio para meu filho e tia Laura,
meus croquis também quero que sejam divididos meio a meio entre minha
avó e Tia Laura. Porém, terá um croqui especial, esse é para você entregar a
Rocco.
Dimitri anotava tudo em uma pequena folha, ele estava com cara de
ódio, escrevia com tanta força que, em um determinado momento, chegou a
rasgar o papel.
— Irei fazer esse caralho sob sigilo profissional, mas saiba que não
vou ficar de braços cruzados, sua segurança vai aumentar, prepara-se. Rocco,
quando souber, vai te fazer pagar por ser idiota e carregar esse peso todo
sozinha.
— Não é ser idiota, meu amigo. — Abracei-o. — Isso é dar paz a
minha família, eu não acho que seja nada demais essas rosas. Camille está
presa, então quem poderia ter algo contra mim?
Dimitri não respondeu, ele apenas me abraçou bem apertado.
— Você pegou Rocco de jeito, Victoria, ele precisa de você. Todos
nós precisamos. Não seja tola, apenas compartilhe o que te preocupa. Você
não está sozinha.
— Nunca fui tão feliz, Dimitri, não vou permitir que nada atrapalhe
isso. Obrigada pelo seu silêncio, eu peço isso como sua cliente, por favor, não
quebre minha confiança. — Repeti, sabendo que ele jamais a quebraria.
Ele guardou o papel e saiu apressado. Fiquei por ali um momento, me
refazendo. Voltei para a festa e em vários momentos me perdi admirando a
família incrível que eu tinha.
Quando o mês de dezembro chegou, o buquê não veio na data
esperada. Passei o dia inteiro em expectativa mas nada chegou. Isso me
deixou tão feliz, que Rocco não entendeu o porquê de eu estar assim.
— Nosso filho está completando três meses, e ele é totalmente
saudável. — Abracei Rocco e ele me girou. — Eu te amo, sabia?
— É mesmo?
— Claro que sim. — Mordisquei seu queixo barbeado. — Eu amo
você inteiro.
— Continue provocando, já já eu vou estar enterrado até as bolas na
sua boceta.
Ri de sua ousadia, Rocco era o meu pervertido. Eu adorava que ele de
repente transformava um diálogo inocente em uma cantada safada.
— Eu não vou reclamar. — Bati em sua bunda e corri, porta afora.
Ele me perseguiu, e eu amei.
O meu coração estava leve e cheio de felicidade.
Mas, para a minha total tristeza, cinco dias depois, Mariana trouxe o
maldito buquê. As rosas negras estavam lá, só que agora tinham apenas três.
— Meu Deus…
Finalmente compreendi, isso se tratava de uma contagem regressiva.
Mas de quê?
Victoria
Desde que nosso filho nasceu, Rocco passou a sorrir com os olhos.
Era uma coisa tão bonita de se ver que eu me pegava suspirando feito uma
idiota. Notava-se o quão feliz ele estava, pois, até nos momentos em que era
um pervertido, havia uma leveza em sua expressão que não estava lá antes.
— Sabe, amore mio, você ficou com uns peitos… — deixou a frase
no ar.
Balancei a cabeça, sentindo meu rosto esquentar. Será que isso nunca
ia mudar?
— Dio mio, você ainda fica vermelha. — Ele enterrou o rosto entre
meus seios. — Eu amo isso.
— Claro, seu grandessíssimo pervertido.
— Isso, eu sou grande mesmo. — Ronronou, satisfeito.
— Vou ensinar meu filho a não ser um pervertido.
— Não seja louca. — Rocco pareceu ultrajado. — Ele deve ser
educado, diferente de mim que sou um bruto, mas, no quarto, ele tem que ser
um pervertido. Nesse quesito, Gianne será uma cópia minha.
— Gianne já é uma cópia sua.
— Não, ele tem os seus olhos.
— Não sabemos — provoquei, mesmo sabendo que as chances eram
boas de ele ter. — A cor ainda está indefinida. Entre azul e verde. Quem
sabe?
— Eu enxergo seus olhos nele, ponto e basta! — Rocco me beijou. —
Os olhos mais lindos do mundo, da mulher que eu amo.
Ele levantou, e eu pensei que fosse sair, mas, em vez disso, ele tirou a
cueca e sentou no sofá, me olhando com um sorriso enorme, enquanto fazia
carícias em si mesmo.
— Amore mio, por que você não vem aqui? — chamou-me com um
dedo. — Senta aqui no meu colo, tenho uma brincadeira que vai te fazer feliz.
— E o que seria?
— Vem que eu te mostro.
Levantei da cama e fui para ele. No caminho, removi a camisola,
lentamente, provocando. Meu corpo estava voltando ao que era, mas, em
nenhum momento do processo, Rocco fez eu me sentir insegura, pelo
contrário, graças ao meu marido, a minha autoestima vivia nas alturas.
Ele era o meu maior incentivador, e eu passei a trabalhar isso por mim
mesma.
— Senta aqui, sua gostosa do caralho. — Apontou para seu pau
grande, brilhando com o pré-sêmen na ponta. — Quero esses peitos na minha
cara — resmungou, lambendo os lábios.
Só de olhar para ele, eu senti o clitóris pulsar. Rocco era gostoso
demais, olhar para ele vestido era uma delícia, imagine nu. Só isso bastava
para eu querer viajar com ele pelo mundo do prazer.
— Você está pronta para mim, amore mio? — Parei em sua frente,
para responder sua pergunta, levei minha mão até o meio das minhas pernas.
— Mulher, não provoque.
— Veja se eu estou pronta. — Trouxe meus dedos molhados para os
lábios dele. Rocco lambeu tudo, sem tirar os olhos de mim. — Sem
preliminar.
Só queria senti-lo dentro de mim e pronto.
— Então vem, sou todo seu.
Gemi alto, quando fui sentando no pau dele. Rocco me preenchia de
um jeito incrível.
— Pequena, você me toma por inteiro. — Ele ofegou, fazendo-me
suspirar. — Por que sinto que há mais aqui, amore mio? — disse, quando
rebolei devagar, sentindo-o dentro de mim.
Puxei o ar, meu corpo formigava enquanto eu seguia um ritmo lento,
quase preguiçoso. Queria morrer de prazer, gravá-lo em mim de todas as
formas, como nunca o fiz, ou talvez já houvesse feito.
Eu só queria provar cada sensação, passeando por cada uma delas
devagar, não havia pressa, pelo menos não hoje.
— Sempre há mais, Rocco, com nós dois sempre houve. — Encostei
nossas testas. — Juntos criamos fogo, meu amor, juntos criamos furacões.
— Maledizione — rosnou, enfiando as mãos no meu cabelo, seu
agarre quase doloroso. — Criamos o que caralho quisermos, agora vamos
criar um terremoto. — Rocco ergueu-se como se eu não pesasse nada,
instantes depois eu sentia seu peso gostoso em cima de mim, e a maciez da
cama. — Agora sinta como um homem de verdade fode sua mulher, mas
principalmente, sinta como ele a ama.
Entreguei-me ao meu marido de todas as formas que ele desejou e eu
também. Meu coração, às vezes pesado, ficava leve e dividido em partes
quase iguais. Por isso eu tentava demonstrar com meu corpo o quanto eu o
amava.
Com palavras, já não havia mais o que eu pudesse dizer.
— Seja meu, Rocco — implorei, quando o prazer me engoliu.
— Eu já sou seu.
Ele disse, beijando meus olhos, enquanto me fodia com selvageria. Eu
tinha certeza de que, lá no fundo, ele sentia algo fora do lugar. Estávamos
ligados de várias maneiras, não dava para explicar nossa conexão.
— Tudo bem, amore mio — murmurou, me apertando, seu próprio
corpo tremendo. — Tudo bem. — Agarrei-me a ele, conseguindo com muito
esforço não chorar por causa daquele peso no coração.
Em vez disso, sorri porque me agarrei ao amor que transbordava.
Apaixonada por ele, ainda mais do que era possível, acariciei o seu rosto com
as pontas dos dedos. Rocco tinha uma beleza tão surreal, que causava uma
coisa boa olhá-lo. Mas ele era cheio de defeitos que o tornavam real.
Eu, que convivia com ele, sabia de todos os seus pontos fracos e
fortes, eram justamente as falhas que o tornavam perfeito.
Para mim.
— Eu te amo, Rocco — disse, puxando sua nuca, entregando-me a
um beijo doce, cheio de sentimento, e mais um tanto de segredos que ainda
não tinham sido revelados.
— O que está acontecendo? — ele questionou, afastando-se. —
Victoria?
Eu poderia falar, mas, então, em vez de ser apenas eu preocupada,
seríamos nós dois. Dimitri havia dado um jeito, e sem revelar o que eu havia
lhe contado, aumentou a minha segurança.
Isso me tranquilizou, e o fato de eu estar com o testamento pronto.
Inclusive, pude incluir uma carta.
— Nada. — Sorri, beijando-o outra vez. — Não está acontecendo
nada.
Fizemos silêncio por um longo tempo, até que ele começou a puxar
assunto, e a palavra filho surgiu.
— Amore mio, eu quero ter a oportunidade de acompanhar toda a sua
gravidez. — Ele fez uma carinha de que esse era um ótimo argumento.
Em partes era, mas…
— Desta vez, você estará em um hospital para ter nostro bambino![12]
— Rocco, nem nasceram os primeiros dentes do Gianne e você já
quer outro filho? Pelo amor de Deus, eu ainda nem perdi todos os quilos que
ganhei, e o nosso combinado? Não tente refazer as regras, você vai perder.
Ele riu da minha cara, dizendo que bastava eu dizer sim e pronto.
— Depois do primeiro, os outros vêm em fila pequena.
Ele até parecia visualizar a cena e gostar muito.
— Apenas pare de tomar esse anticoncepcional que sua médica
receitou e já te mostro como falo a verdade, eu acho que você deveria parar
de tomar, ele por acaso não está fazendo mal?
— Não me fez mal porque é diferente dos tradicionais. — Ri baixinho
de sua cara desapontada. Mas, então, aquele sentimento nostálgico de amor
puro me engoliu.
Não importava como, eu só queria que ele fosse feliz.
— Rocco, você é um marido sem igual, poderia fazer qualquer mulher
feliz, sabia?
— Não quero fazer qualquer mulher feliz, eu só quero fazer você
feliz.
— Isso você já faz. — Deitei em cima dele, suas mãos vieram para a
minha bunda automaticamente, enquanto eu o admirava. — Mesmo assim,
grandalhão, sendo um homem jovem, deve saber que se alguma coisa…
— Não comece! — ele me interrompeu, virando-se para me tirar de
cima.
Rocco levantou, e eu percebi que estava bravo. Ele nunca perdia o
controle comigo, não depois daquela vez no bar.
— Rocco, é só uma conversa, não precisa ficar chateado. Eu só estou
dizendo que você é um marido dos sonhos, e que…
— Cale-se, Victoria! — gritou, caminhando até a varanda, onde se
apoiou de braços cruzados, me ignorando.
Levantei também, indo atrás dele. Precisava que me escutasse.
— Grandalhão. — Toquei suas costas. — Tudo bem? — Ele não
respondeu. — Rocco, olha para mim — chamei com carinho, mas ainda
assim ele não respondeu.
Ficamos em silêncio, beijei suas costas, acariciando-o até que
começou a falar.
— Você não entende, Victoria, simplesmente não entende. — Sua voz
aflita me rasgou ao meio, quando iniciei o assunto, não era isso que
pretendia. — Eu sei o que é temer a perda, eu sei o que é viver com a porra
do medo me impedindo de respirar direito. Eu vivi isso, esqueceu?
— Rocco, desculpa, eu não…
— Eu sei o que é pensar que acabou, não posso imaginar essa
possibilidade.
— Tudo bem, esquece o que falei.
— Não, se você quer saber como me sinto, então eu te direi. —
Virou-se e eu nunca o vi tão assombrado em toda a minha vida. Era como se
estivesse vendo algo terrível. — Eu sou homem de uma mulher só, fodi com
quem quis enquanto não tinha meu coração preso, agora não conseguiria. Eu
sou seu, apenas lide com isso.
Suas palavras me fizeram tremer, eu não queria magoá-lo de jeito
nenhum.
— Vamos dormir, em breve nosso filho acorda e então teremos que
cuidar dele.
Aquela foi a primeira vez que Rocco me deu as costas várias vezes
seguidas.
— Não fica assim, eu não queria que você se chateasse.
— Não é chatear, é relembrar todo o pesadelo que estava sendo
esquecido. — Ele deve ter notado minha tristeza, pois me puxou para seus
braços. — Você é minha, e eu não quero mais ninguém. Não tem mais o que
pensar, morre aqui qualquer possibilidade, você não vai me deixar.
— Não vou.
— Bom, pois eu não te deixaria ir! Juro para você que seria um ex-
marido da pior espécie.
Pouco tempo depois, Gianne acordou chorando e Rocco foi buscá-lo.
Eu ainda não havia conseguido digerir todos os sentimentos que a conversa
com ele me despertou. Pelo menos ele parecia menos irritado quando voltou
com o bebê nos braços.
— Olha, amore mio, ele está procurando comida aqui. — Rocco deu
risada, quando percebeu Gianne de boca aberta, procurando peito na curva de
seu braço.
— Ele está com fome. — Recebi o meu bebê esfomeado.
— Quero ver quando a farra acabar. — Rocco cruzou os braços,
balançando a cabeça. — Esses peitos voltarão a ser só meus.
— Você vive arrumando motivos para meter a boca nos meus peitos!
— Lembrei, divertida, enquanto acariciava os cabelos negros e macios do
meu bebê. — Você quer outro filho, então esses peitos aqui ainda não serão
seus.
— Eu sempre posso ter meu turno, amore mio, já ouvi falar que leite
fortalece os ossos.
— Nem vem, seu tarado, nem vem!
Ficamos os três na cama, juntos, eu e Rocco brincamos com nosso
bebê gorducho que quase nos matou de amor quando começou a dar
risadinhas por causa da barba de seu papai.
— Você é o melhor pai do mundo, Rocco. — Sorri, admirando-o. —
Você é tão amoroso e dedicado, eu não poderia deixar meu filho em melhores
mãos.
— Deixar? — Parou, olhando-me. Nem eu sabia de onde isso tinha
saído, por isso logo tratei de corrigir.
— Quando eu estiver com muito trabalho, você vai ficar com ele, ou o
William, Dimitri, Jason. — Ri baixinho, mas não fui acompanhada, Rocco
ainda me encarava.
— Sem babás?
— Talvez, apenas uma ajuda de vez em quando. Não uma babá para
fazer o papel de mãe.
— Sim, senhora — anuiu, deitando-se. — Vamos deixar ele aqui
hoje, certo? Quero vocês dois aqui, onde minhas mãos possam tocá-los.
— Tudo bem.
Nós dormirmos com o Gianne, e eu confesso que me senti muito bem.
Nesse momento, entendi porque muitos pais não conseguem desapegar de ter
seus filhos na cama enquanto eles são bebês.
A sensação de dormir tocando um pedaço do paraíso não tinha preço.
***
***
25 de dezembro de 2015
Natal
Eu adorava o Natal, porque o sentimento de confraternização e de
ajudar o próximo dominava todos os lugares. Também era época de ver a
família reunida, de pedir perdão e perdoar. De selar a paz consigo e buscar
nunca mais cometer os mesmos erros.
O que muitas pessoas faziam no período de Natal deveria ser feito o
ano todo. Praticar a caridade e ser benevolente não deveria acontecer somente
no Natal, pois honrar o sacrifício que Deus fez por todos nós era algo que
precisava ser feito diariamente.
Boas ações eram para o ano todo, dizer eu te amo era para o ano todo,
sorrir era para o ano todo.
Eu sabia que Rocco tinha muitas organizações na lista de doações que
fazia, mas eu queria fazer a minha parte, então, montei uma equipe para
distribuir agasalhos, comida quente para quem precisava e brinquedos para as
crianças. Esse era o primeiro Natal que eu podia fazer isso, e a satisfação que
me trouxe aqueceu meu coração.
Com essa parte em andamento, minha atenção voltou-se para a minha
casa. Rocco e eu iríamos receber a família, parecia que aqui havia se tornado
o lugar de todos se reunirem.
A árvore de Natal estava cheia de presentes, a lareira com as meias, e
tudo mais. Cada lugar foi decorado com muito amor.
Por volta das dezoito horas, eu estava pronta para receber a minha
família e cada pessoa que ia chegando trazia consigo bons sentimentos.
Dimitri veio acompanhado de três mulheres, sua mãe, irmã e uma
jovem belíssima. William, quando apareceu, chocou a todos por estar com o
cabelo mais curto, na altura do pescoço, antes estava quase no meio das
costas.
— Eu pensei que você nunca ia cortar o cabelo, Rapunzel — Dimitri
provocou.
— Teu cu. — O Conde mostrou-lhe o dedo médio. Mas tinha um
sorriso nos lábios.
— Ai, doeu.
Caímos na risada, Dimitri era uma criatura impossível.
— Vamos, entrem, Rocco está esperando na outra sala.
Eles entraram, enquanto eu ia receber meu pai. Ele tinha vindo com
Regina e ambos formavam um casal de tirar o fôlego. Ela com seus cabelos
pintados de vermelho e sorriso fácil, ele, com a expressão sempre serena.
Combinavam.
— Bem-vindos. — Abracei meu pai e depois sua noiva. — Saudade
de você, doutora.
— Minha querida, eu também. Você está linda.
Meu pai estava muito elegante, ele ia se casar em breve e Regina
ostentava seu anel feliz da vida. Pouco tempo depois, minha avó chegou com
o marido, ela e David estavam mais que assumidos, inclusive usavam
alianças.
— Que maravilha ter vocês aqui. — Abracei-a e depois a David. Ele,
com o jeitão truculento, havia conquistado a minha avó. E ela foi bem difícil.
Pelo menos eu acreditava que sim.
Quando todos chegaram, eu voltei para a sala de recepção. Da porta
de entrada, avistei Rocco e parei um momento para admirá-lo.
Esse homem rouba o meu fôlego. Suspirei, observando-o conversar
com os amigos. Ele usava com um suéter vermelho, eu nunca o tinha visto
com essa cor e adorei. Rocco ficava incrível com qualquer coisa que vestisse,
era elegante por natureza.
Tudo ali parecia um sonho, ver todos conversando, felizes e
sorridentes, era o melhor presente do mundo. Eu amava aquelas pessoas, elas
significavam tudo para mim, principalmente o meu marido e filho.
Depois do jantar, nos fomos para perto da árvore, foi uma bagunça
boa e divertida porque Dimitri, Rocco e Antonella eram bagunceiros. Eles
queriam adivinhar o que tinha nas caixas e sempre diziam que o presente era
para eles.
— Agora eu. — William levantou. — Primeiro, meu afilhado.
— Ainda não aceitei isso — Dimitri falou, cruzando os braços. — Eu
sou o mais velho, era para eu ser padrinho desse menino, eu juro, não engoli
essa história.
— Claro, você engoliu lama quando desmaiou — Rocco alfinetou, e
Lara, a garota que viera junto com a família de Dimitri, tossiu uma risada. —
E depois sumiu, William ficou e ainda me ajudou no parto.
— Você não sabe brincar.
Minha avó, a mãe de Dimitri e a de Rocco deram risadas, mas nem
isso fez o russo parar as piadas.
— Rocco, isso aqui é para Gianne. — William entregou um envelope.
— Óbvio, para quando ele crescer.
Rocco abriu e nos mostrou. Era uma propriedade aos arredores de
Westlhern.
— Obrigado, meu irmão. — Ambos se abraçaram enquanto o
felizardo do meu filho estava ocupado babando o mordedor.
— Para você, Rocco, eu trouxe isso. — Ele entregou uma caixa. — É
daquela safra especial, encontrei um para você e para você, Dimitri.
— Pensei que eu ia ser deixado de lado pelo casalzinho — falou, mas
estava rindo, quando abraçou William.
— Victoria, esse aqui é o seu. — Ele me entregou um envelope
pequeno, quando abri, encontrei uma foto de um cavalo.
— William, é sério? — Olhei para foto do belíssimo animal, ainda
filhote. — Eu não sei andar de cavalo.
— É uma égua. — Ele sorriu. — Muito valiosa para mim, pois é a
primeira filha da égua com a qual presenteei minha Isabela. — Eu o abracei,
emocionada com o gesto dele.
— Muito obrigada.
O Conde era uma pessoa muito especial para mim e vê-lo permitindo-
se viver livre das correntes do passado deixa-me feliz porque ele merecia
muito. Apesar de ele considerar o contrário, eu sabia que seria capaz de fazer
qualquer mulher feliz, bastava que ele permitisse.
Com o clima carregado de boas sensações, entreguei os meus
presentes. Para meu filho, um ursinho e um CD de músicas que eu havia
gravado para ele. Para William, Dimitri e Rocco, eu havia mandado fazer um
quadro com uma imagem da tríade, em desenho.
Para Jason, eu encomendara um medalhão com uma foto nossa, e as
palavras “irmãos para sempre” circulando-a.
Todos receberam presentes.
Inclusive meu marido, mas, para ele, ainda havia mais, e eu só ia
entregar mais tarde.
Queria só ver sua reação, por isso, quando percebi que Gianne estava
sonolento, me despedi das pessoas e fui colocar o bebê para dormir. Depois
fui para o meu quarto. Tomei um banho relâmpago, vestindo um conjunto de
sutiã e calcinha fio dental, me perfumei toda, soltando os cabelos.
Olhei-me no espelho e gostei do que vi. Por último, peguei o presente
de Rocco e o coloquei entre os seios. Eu havia descoberto que ele estava
desejando um novo relógio, mas, quando pesquisei, descobri que tinha fila de
espera porque se tratava de uma série especial, de poucos exemplares. Não só
isso, eles eram confeccionados manualmente e levava cerca de um mês para
cada relógio ficar pronto.
Rocco havia me dito que levaria um ano para conseguir adquirir,
porque ele havia perdido o prazo para ficar entre os primeiros da lista.
Com a ajuda necessária, descobri que a esposa do responsável pela
produção dos relógios estava na minha lista de espera. Entrei em contato com
ela, pedi um favor em troca de outro.
Consegui o relógio de Rocco e ela o vestido para o casamento da
filha.
— Espero que goste, grandalhão. — Recostei na cama, quando ouvi a
porta abrindo.
— Puta que pariu — meu marido rosnou quando me viu. — Que
gostosa! Vou te comer tanto!
Ele arrancou o suéter, num piscar de olhos estava nu, acariciado o pau
duro.
— Não sei nem por onde começar. — Ele me olhou de cima a baixo,
para provocar, eu dei um giro. — Caralho. — Ouvi como puxou a respiração
com força.
— Vem aqui, está faltando eu te dar um presente.
— Você? — Ele sorriu, devasso.
— Não, eu já sou sua.
— Puta merda, Victoria, vou foder todos os seus buracos hoje.
— Então vem — chamei com o dedo.
Quando ele chegou perto, balancei os peitos, e ele viu o relógio que
tanto queria.
— Meu Rölex Submariner! — Ele me encarou, o sorriso enorme.
— Pega ele.
Convidei e nem precisei chamar de novo, os dedos caminhantes do
meu marido exploraram bem o recheio do meu decote. Rocco me arrastou
para uma maré de prazer tão grande que nem deitamos na cama. Nem vi
onde ele colocou o relógio, só sabia que, quando dei por mim, estava em seus
braços, ele me empurrou contra a parede.
— Vou te foder assim. — Rasgou a minha calcinha. — Agora, me
abrace com as pernas.
Obedeci e sequer tive tempo de pensar, ele me penetrou. O grito de
prazer foi engolido por sua boca. Rocco me beijou com força enquanto me
fodia, o senti bater fundo. E não parou, ele bombeou com força, acertando
todos os lugares certos, que me deixavam louca, desejosa, queimando de
prazer.
— Rocco, não para, não para! — Gemi, puxando seu cabelo com
força, machucando-o.
— Gosta assim, não é? — Deu uma rebolada que quase me fez ver
estrelas, acabei gritando, foi demais. — Meu pau, sua boceta, dupla perfeita!
Hoje, amore mio, vou te mostrar uns truques novos, você já está pervertida o
suficiente.
Eu acho que fui revirada ao avesso, delirei e, quando não aguentava
mais, ele sussurrou no meu ouvido:
— Eu ainda nem gozei, Pequena.
Eu me vi quase desmaiando de prazer, não sabia o que Rocco tinha
tomado, mas quando descobrisse, esconderia e só lhe entregaria pequenas
doses em dias pré-determinados.
— Não consigo sentir minhas pernas. — Minha voz saiu abafada pelo
colchão. — Não sinto meu corpo.
Ainda ouvi sua risada antes de adormecer, não me lembrava de ter
tomado banho e nem de ter amamentado, só sabia que havia acordado com o
Gianne muito bem agarrado aos meus seios. Enquanto Rocco me olhava com
cara de cachorro bem alimentado.
Grande safado!
***
RVG 69FM
***
Deus,
Dai-me a serenidade para aceitar as coisas que eu não posso mudar.
Coragem para mudar as coisas que eu possa…
***
— O Senhor é o meu pastor; nada me faltará… Em verdes pastos, me
faz descansar, e para águas tranquilas me guia em paz. Restaura-me o vigor
e conduz-me nos caminhos da justiça por amor do seu Nome…
Victoria acreditava, ela amava a Deus e agradecia todos os dias a vida
que ele lhe dera. Ela dizia que era feliz, que não tinha mais nada para pedir.
E ele a levou.
— Prepararás um banquete para mim na presença dos meus
inimigos; me honrarás. A felicidade e a misericórdia certamente me
acompanharão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor
por dias sem-fim.
Ao longe, eu podia ouvir o eco das palavras que acabavam de ser
proferidas, em mim, habitava somente silêncio e uma profunda apatia que vez
ou outra era quebrada por ataques de fúria contra Deus.
Eu estava diante de muitas pessoas. Meu corpo seguia rígido, os olhos
constantemente molhados pelas lágrimas que anos atrás era difícil derramar.
Dentro do meu peito, tentei compreender como meu coração ainda poderia
bater.
Sabia que ainda respirava porque era automático. Se eu pudesse, não
faria isso, e simplesmente pararia.
— E Deus disse…
Ouvia fragmentos do que era dito, meu cérebro se recusava a
funcionar direito, a realidade? Eu não queria que funcionasse, assim talvez eu
não lembrasse.
—… Estará ao lado de meu pai, ainda hoje.
Tentei puxar um pouco de ar, não consegui. Programado para suprir
meu corpo apenas com o essencial. Não enxergava as pessoas por perto,
somente aquele caixão branco, cheio de flores.
Era como se uma grande parede de concreto tivesse se erguido diante
de mim. Eu não faria nada para derrubá-la.
— Victoria Fontaine…
A dor veio de novo.
Fechei os olhos, apertando os punhos para aquilo que sempre estaria
ao meu lado. Dissociei, não queria ouvir mais nada, também, não queria ir
embora.
Porque não poderia deixá-la. Talvez, ela ainda pudesse voltar e…
dizer que tudo fora um pesadelo, que ficaríamos juntos de novo.
Deus, por favor, que seja um pesadelo, eu preciso acordar.
—… Agora ela descansa em paz, na glória do Senhor.
Um pequeno gemido escapou antes que eu pudesse detê-lo. Às vezes,
meu corpo insistia em querer curvar, e eu o mantinha erguido. Não para
mostrar que eu era forte, não era isso, era somente para não a decepcionar
mais uma vez.
Eu havia prometido que lhe daria uma vida feliz. Eu não fiz isso.
—… Que o amado Pai a receba em seu precioso abraço, que ele a
guie até sua nova morada pois a benção das boas ações santificam o homem.
Oremos por sua alma.
Todos fecharam os olhos, menos eu.
Não queria ter que abençoar a alma da minha esposa, eu queria tê-la
aqui para não ter que fazer isso. E não o fiz.
Em algum momento, eu ia acordar e a encontraria sorrindo, em seus
olhos…
Solucei, ao imaginar que veria amor em seus olhos, e que eles
brilhariam como duas estrelas.
Eu os amo e sinto tanta saudade. Por que eu não posso acordar?
Isso aqui não é real, Victoria está me esperando, ela tem que estar. Não é?
Esse pensamento e certeza não me deixavam, porque essa realidade aqui não
poderia ser a minha.
Era impensável que fosse.
Por trás dos meus óculos escuros, eu encarava o caixão fechado.
Esperando uma intervenção divina, que não vinha.
Somente a frieza de mais um dia horrível, que ia esvaziando minha
própria alma. Todas aquelas pessoas estavam pedindo pela alma de Victoria.
Eu não podia pedir pela alma da minha esposa, eu sequer poderia
pedir pela minha. Agora, não queria que Deus abençoasse nada, eu não queria
porra nenhuma.
O que me era mais caro foi arrancando de mim, ter fé não fez
diferença nenhuma, Deus nem olhou para meu desespero, agora eu não queria
nem pronunciar seu Nome.
Não, não era isso. Eu queria acordar, queria sair daqui e voltar para
minha família, para minha vida.
Por favor, por favor, me deixe acordar.
—… Por fim, que o Senhor traga conforto a seus entes queridos, mas
saibam que é privilégio de poucos estar ao lado de Deus, Amém.
O caixão começou a ser baixado e o céu chorou minha dor, a chuva
fina tornou-se forte. O choro de negação, até então contido, foi despejado.
Eu me lembrava de que, quando cheguei em casa, destroçado pela
minha perda, todos já sabiam o que acontecera, no momento do anúncio, os
gritos de negação ecoaram pelas paredes. Depois, no velório, o choro
silencioso foi constante, porque ninguém pôde se despedir tocando-lhe a face,
como eu fiz. Uma profunda apatia comeu a todos, que se mantinham presos a
lamúrias e soluços baixos.
Porém, agora, nada se comparava. Porque era aqui, a última
despedida.
Meu corpo inteiro tremeu, mas não me movi. Pessoas choravam alto,
alguns apenas soluçavam. As rosas brancas, uma a uma, iam sendo
despejadas, e o caixão já nem era visto.
Quando a primeira pá de terra foi jogada em cima da minha esposa
amada, eu senti como se houvesse sido golpeado. Meus joelhos curvaram, e
eu desabei ali, na frente de todos. Aos pés da sepultura, observei minha
esposa sendo enterrada ao lado de seus pais.
Eu senti tudo, e já não podia me conter.
— Rocco, não faça isso — Ouvi alguém pedindo, em seguida
delicadas mãos tocaram as minhas — Meu filho, não faça isso.
Proferi um lamento ferido, descobri que já não conseguia esconder.
Na fraqueza de meu corpo, não consegui mostrar força, na forma como
escavava a terra, não consegui esconder minha condição.
Alguém ajoelhou do meu lado, fui abraçado, mas não conseguia parar
de negar e puxar a terra.
— Irmão. — Era William compartilhando minha dor.
— Ela não pode ficar aqui sozinha, Will. Está frio, chovendo, ela não
pode ficar sozinha.
O Conde me mostrou que seus olhos vermelhos e inchados eram a
prova de seu desapego à máscara que sempre manteve no lugar.
Ele chorava esta perda. Toda Londres chorava.
— Ela não ficará, não a deixaremos sozinha. — Dimitri ajoelhou ao
meu lado, prometendo.
Eu assisti, impotente, quando a última pá de terra foi despejada. A
chuva intensificou, tornando-se uma tempestade. As pessoas correram para se
proteger, mas eu fiquei.
— Me deixem com ela, sozinho, eu e ela.
— Irmão… — Dimitri começou, mas eu ergui a mão.
— Somente eu e ela.
Eles me deixaram sofrer, afastaram-se de mim. A família também fez
isso.
Olhar para eles se tornou insuportável, ver a pena que sentiam era
ainda pior. No prazo de um dia, comecei a odiar a todos.
— E agora, Victoria? Diga-me, o que farei? — Cravei os dedos na
terra. — Você disse que nunca me deixaria, você prometeu que
envelheceríamos juntos, e agora? — Tentei não gritar, mas era a vontade que
eu tinha. — Você me fez seu, então me deu a maior felicidade do mundo, eu
estava feliz, sabia? E agora? — Escavei a terra fofa, escura, úmida de chuva.
— Como você pôde me deixar? Maldição, como você pôde me deixar, sem
ao menos esperar que eu fosse junto com você? Eu não acredito nisso, porra,
eu não acredito! Eu odeio tudo isso, odeio! — Ofeguei, lutando para não
gritar como um louco, estava enfurecido demais. — Eu odeio você por me
fazer te amar e me deixar. Eu te odeio, entendeu? Odeio!
Coloquei as mãos na cabeça, numa tentativa de entender ou parar
aquele turbilhão que me engolia. Puxei os cabelos com força, revoltado
demais com tudo aquilo.
— Eu te odeio por não estar aqui para me acordar desse pesadelo, eu
te odeio! Odeio, odeio, odeio…
A mentira era tão flagrante que ela rompeu o que restava de qualquer
controle que eu pudesse achar que tinha. Chorei feito um condenado,
sacudindo o corpo tamanho era o desespero.
— Perdonami, amore mio, eu não te odeio. — Solucei, negando o que
havia dito antes. — Eu te amo tanto, mas tanto que agora não sei o que fazer,
eu falei besteira, e não tenho mais você para dizer que estou errado. Eu não
quero voltar à vida de antes, não quero viver sem você, o que eu vou fazer?
Joguei a cabeça para trás, a chuva lavando minhas lágrimas, mas não
a minha alma daquela visão de toda violência gravada no corpo da minha
mulher.
— Eu te avisei que você iria perdê-la.
Olhei para Jean Pierre, de pé, me encarando. Eu nem consegui
levantar, pouco me importava que ele me visse ali, no chão, completamente
arruinado.
— Eu disse que você não poderia cuidar dela da forma correta, você
não me ouviu.
Acenei, concordando, ele tinha toda razão. Eu concordava com ele, de
joelhos, na sepultura da minha esposa, eu concordava com ele.
— Victoria está em um lugar melhor, longe de você e de sua loucura!
— Ele suspirou, tinha uma expressão cansada, triste.
— Jean Pierre — pronunciei seu nome correto, ele deu de ombros.
— Victoria deveria ter conquistado o mundo, havia coisas grandes
esperando por ela… — Ele esfregou o rosto. — Você vai conviver com suas
falhas e aprender que às vezes dinheiro e poder não significam nada. — Jean
Pierre me deu as costas. — Victoria está em um bom lugar agora.
Desviei o rosto, não conseguia encarar as verdades que ele jogara na
minha cara. Talvez ele tivesse razão, e Victoria estivesse em um lugar bom,
mas por que tinha que ser tão longe de mim?
Será que, por ser uma pessoa tão cínica e desacreditada, eu nunca
poderia encontrá-la de novo?
Onde está a misericórdia de Deus nisso? perguntei-me, desolado.
Seria esse o castigo por ter dito que o amor não era importante?
Não houve respostas para a pergunta, e eu fiquei ali, submisso diante
daquela lápide e do sorriso gentil na foto, apenas existindo com o que restava
de mim.
18 de dezembro de 2015
Eu sei que devem estar confusos e tristes, mas peço que não briguem
com Deus por Ele ter me levado. Podem chorar se quiserem, eu sei que dói
perder alguém, mas também, se quiserem se lembrar de todos os momentos
incríveis que vivemos juntos e quiserem sorrir com as boas memórias, fiquem
à vontade, eu sei que iria adorar.
Não se sintam mal caso não queiram falar sobre mim, mas, se
quiserem, pensem em todas as alegrias que compartilhamos. Eu sei que
vocês irão sentir a minha falta, mas não se percam, fiquem juntos e eu sei
que um dará força ao outro. Somos uma grande e barulhenta família.
Se a saudade for grande, e vocês chorarem, eu sei que não poderei
enxugar suas lágrimas, mas um amigo o fará por mim porque a gente sempre
deve levantar quem precisa.
Cuidem do meu filho, não o deixem esquecer que foi profundamente
amado por sua mãe. Eu espero que vocês me guardem na memória, mas, que
não sofram. Amo todos vocês e espero que cultivem todas as sementes de
amor, companheirismo, amizade e bondade que eu deixei.
E, Rocco, meu amado grandalhão, não tenha raiva do mundo, as
coisas acontecem porque precisam acontecer. Eu quero que você siga em
frente, sabendo que eu te amei com todas as partes do meu coração.
Por favor, crie uma nova jornada.
Agora sorriam para mim e me guardem em seus corações, em vossas
memórias como uma lembrança que os fará feliz.
Com todo amor, saudade e gratidão,
Victoria F. Masari
Meu filho ouvia a música gravada para ele, mas eu sentia como se
fosse para mim também, e a letra era o que eu diria para ela. Ouvi-la
cantando me fez reviver memórias, foi como uma descoberta e um novo meio
de me torturar.
— Dio mio… bambino.
Balancei a cabeça, arrastando-me para a cama, ao deitar, puxei meu
filho para meus braços e encolhi ao seu redor, como num casulo. De olhos
fechados, escutei a voz do meu amor cantar para nós.
— Quem poderia seguir em frente depois de ter o tipo de amor que eu
tive? — Limpei uma lágrima. — Ninguém, amore mio, não depois de perdê-
lo como eu te perdi.
Essa era a verdade do meu coração, porque de algum modo, para
mim, faltava o alimento que sustentava a minha vida.
***
Perder alguém que era mais valioso para você que sua própria vida
pode desencadear conflitos tão profundos que, por um momento, eles te
fazem esquecer-se de si próprio.
Eu nem me reconhecia mais. Apesar de estar com meu filho, era
consciente de que vivia com um pé dentro do abismo da loucura, e com o
outro bem na borda. Durante todas essas semanas, não me importei com as
consequências, aliás, ainda não me importava, pelo menos não comigo.
— Ainda nem acredito que você se foi, Pequena! — Encostei a testa
na parede do banheiro, a água fria escorria por minhas costas, eu nem sentia o
quão congelante deveria estar.
Há muito tempo, eu seguia dormente para dores físicas ou
desconfortos, só tinha necessidade de violência, desespero e sofrimento.
Quão bom pode ser um homem desejoso por solidão e dor?
— Não resta muito mais do seu homem, amore mio. — Dei de
ombros.
Não resta mesmo. O que havia sobrado não dava para contar em uma
das mãos, sobraria muito espaço. E mesmo assim, sob qualquer pretexto,
talvez, Victoria fosse a única a aceitar o homem que me tornei.
Havia pouquíssimo amor dentro de mim, tudo se concentrava na
pequena criança que dormia no quarto. Eu não me importava de parecer
fraco, já tinha passado disso fazia tanto tempo que já nem lembrava mais.
— Amore mio, quando encontrarei paz?
Segundo após segundo tentei criar alguma barreira protetora, mas tão
logo cada pequeno e frágil tijolo ia sendo colocado, tudo desabava como se
nada fosse. Eu era uma bomba-relógio, cheio de gatilhos.
Às vezes eu nem sabia por que eu estava chorando, se era por causa
do ódio de não ter podido fazer nada, ou pelo fato de ter perdido tudo. Eu era
uma grande bagunça misturada com ressentimento, mas que a cada dia
tentava.
Eu estava com meu filho, éramos só nós dois, e isso parecia bom. O
apartamento estava limpo, eu cuidava de Gianne em cada momento do dia.
Enquanto ele permanecia acordado, eu não pensava em nada, mas quando ele
dormia…
Quando ele dormia… tudo voltava.
Todo esforço que eu empenhava era por ele, porque quando fiz sua
mãe se apaixonar por mim, e aceitar-me em sua vida, eu prometi-lhe um
amor diferente e especial. Mas, acima de tudo, quando ela me deu Gianne, o
filho que eu tanto esperei e amei, eu prometi cuidar dos dois.
Eu não pude cuidar de Victoria como deveria, mas seria condenado se
não reparasse os erros que cometi com meu filho, e o cuidasse com o melhor
que havia em mim.
— Estamos juntos, só nós dois, Victoria — disse para ela. — Eu
venho tentando, não é fácil, eu tropeço muito, mas ele segue sendo a minha
força.
Será que ela poderia me ouvir? Porque eu não sabia se algum dia
perderia o hábito de conversar assim. Por vezes, até esperava uma resposta,
isso era tão idiota.
— Gianne ainda chora durante a noite, mas ele tem diminuído isso a
cada dia. Em breve, talvez, ele não precise mais ouvi-la cantando. —
Suspirei. — Acho que apenas eu precisarei. — Balancei a cabeça. — Isso me
conforta, porque se eu fechar os olhos, eu imagino que você está ao meu lado,
cantando para mim.
Desanimado, saí do banho sem ao menos me secar. Preferi parar um
momento na frente do espelho e encarar-me. Eu havia mudado, outra vez.
Não estava sujo, somente, apagado. Era como se minha cor fosse cinza.
Podia ver as bochechas mais encovadas, as linhas de cansaço ao redor
da boca. Por um instante, tentei suavizar a expressão, mas não consegui. Eu
tinha envelhecido muito, o homem do ano passado, que viveu em seu
aniversário o melhor dia de sua vida, hoje não tinha o que comemorar.
— Nosso aniversário de casamento, amore mio.
Girei a aliança no dedo, sentindo-a pesada. Hoje, diferente dos dias
anteriores, parecia pior. O telefone tocou o dia inteiro, eu não me dei ao
trabalho de atender.
O que eles me diriam? Feliz aniversário e sinto muito?
O som de algo caindo no quarto me fez correr, Gianne havia
empurrado o livro que estava na cabeceira e sorria para mim.
— Você não gosta mesmo da minha comida, então eu tenho que
estudar. — Eu o coloquei de volta na cama, procurando me vestir às pressas.
— Hoje, eu farei algo simples e vamos assistir o casamento do papa, você
ainda estava na barriga da sua mãe. — Gianne fez uns barulhos fofos com a
boca, como se me respondesse. — Sim, ela estava linda, sabia? E me
assustou pra caralho, porque eu pensei que ela não iria.
Cruzei os braços, um sentimento nostálgico me invadindo.
— Fizeram um casamento surpresa e eu quase fugi, porque não sabia.
— Gianne deu uma risada fofa. — Como eu não fui avisado do meu próprio
casamento?
Gianne quebrou o clima quando fez suas necessidades e eu precisei
limpá-lo, depois lhe dei um banho caprichado, e o vesti com um macacão de
ursinho.
Hoje, parecia que ia chover.
— Agora vamos, eu preciso preparar o seu jantar.
Seguindo a receita do livro, eu jurei que conseguiria fazer uma sopa.
Cortei tudo bem pequeno, sob o olhar atento do meu filho, que estava pleno
em sua cadeirinha, esperando a refeição.
— Talvez não tenha ficado tão ruim. — Provei o caldo, e não tinha
gosto de nada. — E se eu bater tudo isso? Será que fica melhor? O que você
acha?
Gianne bateu as mãos na cadeirinha, ele estava com fome e pouco se
importava com o processo. Ele queria sua comida e ponto final.
— Okay, adiante.
Misturei tudo no liquidificador, quando provei, o sabor tinha
melhorado significativamente.
— Vamos jantar.
Arrumei a mesa para dois, e enquanto eu comia, eu o alimentava.
Gianne estava numa fase de comer uma parte e cuspir a outra, precisava-se de
muita paciência para fazer a introdução alimentar de maneira correta.
Cuidar dele me fez perceber que havia um universo inteiro de
aprendizado e era isso que eu consumia no último mês, informação. Eu lia
tudo o que podia, assistia vídeos ou aulas online.
Tudo o que fosse necessário, eu pedia e entregavam aqui. Continuava
isolado, e me ocupava com a vida do meu filho.
— Você está satisfeito? — Mordi um pão, obrigando-me a engoli-lo
junto com a sopa. — Você quer mais? — Ele me cuspiu, e eu soube que não.
— Eu também acabei.
Juntos fomos para a sala, agora estava tudo limpo, cheiroso. Eu
mesmo fiz isso, por mim e por meu filho. Eu já havia deixado o vídeo do
casamento pronto, e quando o coloquei, Gianne começou a rir, bater em mim
e babar meu rosto.
Ele gostava de puxar a minha barba, ou meus cabelos.
— Eu não estava chorando, isso foi a minha alergia a flores —
balbuciei, porque no vídeo as lágrimas não paravam de escorrer. — Mas,
vamos admitir, sua mãe estava linda. Talvez, eu tenha derramado umas duas
lágrimas, em todo caso a culpa não é minha.
— Mamama. — Ele bateu palma, quando Victoria caminhou para o
altar, conduzida por Victor.
— Sim, e você estava na barriga dela, olhe. — Apontei. — Aquela
melancia era você.
Assistimos ao meu casamento quatro vezes, depois, quando ia
começar a passar os vídeos da ilha, Gianne ficou impaciente, querendo descer
do sofá. Eu permiti que ele fosse explorar, ainda não estava andando, mas era
fera em engatinhar. Quando chegava onde queria, ficava em pé e tentava
pegar o que não alcançava.
— Aí é perigoso. — Ele havia subido no aparador que ficava próximo
à janela. — Não pode.
Eu o peguei nos braços e me aproximei da janela fechada por causa da
chuva. Gianne bateu no vidro, divertindo-se com as gotas que escorriam.
— Sua mãe adorava a chuva — murmurei, lutando para a voz não
embargar. Estava cansado de chorar, queria ser mais forte. — Ela amava, na
verdade.
Meu filho ria, feliz, enquanto eu observava as gotas escorrerem pelo
vidro e implorava em silêncio que aquela dor no peito fosse embora, mas a
maldita nunca ia.
— Eu não posso trazer sua mãe de volta, bambino. — Como se
entendesse o que eu sentia, Gianne espalmou a mão pequenina no meu rosto,
encarando-me com os olhos de sua mãe. — Mas eu posso te encher com todo
amor que me resta.
Algum tempo atrás, eu pensei que comemoraria o meu aniversário de
trinta e quatro anos e o primeiro ano de casado ao lado da minha esposa e
meu filho. Mas, não, e enquanto observava o mundo lá fora, tinha a certeza
de que o mundo ia sempre continuar seguindo adiante.
Victoria disse naquela carta que eu deveria criar uma nova jornada.
— Você acha que eu consigo? — Olhei para Gianne e ele encostou a
cabeça em meu peito.
Ficamos abraçados por muito, muito tempo.
Eu ainda não sabia se poderia voltar a ter uma vida fora daqui, porque
voltar para o mundo significava deixar Victoria para trás, e eu achava que
jamais estaria disposto a isso.
— Eu nem saberia por onde começar.
Estava reaprendendo a viver, porque havia colado de modo precário
os cacos do meu coração, e seguia dia após dia fazendo todo possível para
que Gianne sentisse o quão amado e desejado ele sempre foi.
— Você não vai poder ficar aqui para sempre. Você precisa sair, ver o
mundo, as coisas.
Ele não fez qualquer som, foi então que eu percebi que, pela primeira
vez, meu filho havia dormido sem precisar ouvir sua mãe cantar.
— Eu poderia ficar aqui para sempre, mas você, não. — Fechei os
olhos. — Você tem tanta coisa para viver, conhecer. Sei que não se importa
com o quão ruim eu pareço, você me ama assim, mas eu preciso fazer mais
por você, eu preciso fazer.
— Adoro suas mãos, Rocco, elas são grandes, macias.
Olhei para a tela, Victoria sorria. Ao fundo, a praia de Aiakos
Makaria.
— Olhe para as minhas mãos agora, amore mio — murmurei,
avistando as cicatrizes e calos de todas as vezes que eu me machuquei.
Quando eu queria sentir mais, feria meu corpo. Por um tempo, foi
bom arrebentar tudo o que tinha pela frente. Desde que peguei Gianne, nunca
mais fiz algo parecido, temia assustá-lo.
Eu o havia tirado da proteção da família, não iria colocá-lo em risco
por causa da minha total falta de controle.
— Tudo bem, vamos para cama.
Depois que o deitei, fui para o closet. Tudo o que havia de Victoria
estava em uma parte fechada, que eu me recusava a olhar. Na limpeza que fiz
no apartamento, recolhi suas coisas e escondi, estava ocultando os gatilhos
que poderiam causar-me.
Agora, encarava o que restava das minhas coisas, tudo o que tinha
cor, joguei no lixo. Victoria amava as cores, eu as odiava. Principalmente
azul, a cor preferida dela.
Aborrecido, por estar pensando em sair, quando antes a ideia parecia
ridícula, voltei para a sala, parando em frente à TV e admirando quem ainda
tinha meu coração. Ela sorria para mim, como sempre o fazia.
— Quem pode me culpar por não aceitar sua morte? Quem pode me
culpar por sentir que a qualquer momento eu vou acordar e te encontrar ao
meu lado na cama? — perguntei a ela.
— Rocco, você é tão bonito. — Ela suspirou.
— Homens não são bonitos, amore mio — o Rocco do passado
respondeu.
Pela sua voz, dava para perceber o quão feliz era.
— Bobo, eu te amo. — Seu rosto suavizou, expressava o sentimento.
— Eu também te amo, Pequena, como o sol ama as manhãs…
—… Como as flores amam a brisa, como a brisa ama acariciar sua
pele. — Respirei fundo, declarando-me junto com o Rocco de meses atrás. —
Como meus lábios amam os teus.
Isso, Rocco, tome sua dose de sofrimento, engula a sua dor.
Engasgue-se com elas.
Rocco
***
XIV.XII.MCMXCI
V.IX.MMXIV
XIII.VII.MMXV
VI.IX.MMXV
XXIV.III.MMXVI
***
Eu deveria ter ido buscar meu filho, mas a energia que circulava em
meu corpo agora era densa e obscura demais. Não o queria perto de algo tão
ruim.
Não havia somente o sentimento de perda em relação à Victoria,
havia também a negligência. Eu não havia procurado os culpados por tê-la
arrancado de mim, porque vivi por tempo demais afundado em comiseração.
Poderia continuar no ciclo louco, mas, agora, pretendia descobrir tudo o que
acontecera.
Quando cheguei ao apartamento, senti aquela onda de agonia, o
silêncio agora estava pior, sem meu filho.
— Merda.
Deixei o quadro no sofá, e ali mesmo comecei a andar de um lado
para o outro, pensando na conversa com Rafael.
Ele estava tentando puxar o fio que desenrolaria todo o problema. Até
agora, as suas considerações foram pontuais, porque de fato, tudo o que ele
falou tinha lógica, não havia o menor sentido no que os sequestradores
fizeram, eles tinham uma mina de ouro nas mãos, e sequer tentaram
renegociar após a merda que eu fiz.
Era como se quisessem um pretexto para eu ter certeza de que a morte
dela fora em parte culpa minha.
— Eles sabiam que eu iria atrás dela, eles sabiam.
Respirei fundo, tentando controlar a fúria crescente. Mas era
impossível, porque cada vez que eu pensava mais sobre o assunto, sentia que
ficava pior.
O que aconteceu para que a elite de Victoria ficasse doente? Justo
quando ela ia precisar. Todas as vezes que ela havia saído, eles estavam
presentes. Por tudo o que eu vi, no dia em que toda essa tragédia aconteceu,
os sequestradores estavam bem preparados, era como se soubessem o
momento certo de atacar.
Então, por que parar as negociações? Depois de todo esforço
empenhado em capturar Victoria, por que não ir até o fim e receber dinheiro?
— Pensa, Rocco, pensa! — Parei um momento, concentrando-me.
Tentei me distanciar emocionalmente, para ser lógico e entender.
Primeiro: o objetivo final de um sequestro é o dinheiro do resgate;
Segundo: eles sabiam que eu estava disposto a pagar;
Terceiro: eles também sabiam que a polícia estaria envolvida porque
do jeito que tudo aconteceu seria impossível que não estivessem;
Quarto: não fazia o menor sentido eles desistirem do dinheiro.
Pensar nisso me fez voltar ao primeiro tópico. O objetivo final era
sempre o dinheiro.
— A não ser que esse não fosse o objetivo final, mas então, qual
seria?
Jogue a isca…
Por um momento, não consegui pensar com clareza e a confusão
voltou. Há muito tempo, eu parei de tentar criar alternativas que pudessem
evitar o que aconteceu, em meu delírio, eu imaginava que Victoria chegaria a
qualquer momento e tudo voltaria a ser como antes.
Fantasiei sobre isso e prometi a Deus que faria qualquer coisa se
acontecesse. O passar dos dias me mostrou que Victoria jamais voltaria, e
que eu teria que conviver com a perda. Era por isso que agora eu não iria
recriar as esperanças, porque sabia que me perderia de novo.
E eu não poderia, por causa do meu filho.
Meu corpo começou a tremer, e eu peguei um cigarro. Tive
dificuldade para acender, porque minhas mãos pareciam incontroláveis.
— Caralho. — Dei um longo trago, mas não consegui me acalmar. —
Tem algo errado.
Andei de um lado para o outro, suando, o coração prestes a saltar fora
do peito.
— Eu preciso descobrir o que é.
Eu sentia como se estivesse com febre, havia certa irrealidade no
apartamento, era como se eu não estivesse ali, e ao mesmo tempo sim. Já
havia sentido isso antes, em menor intensidade, agora, meu corpo parecia
formigar por causa dos tremores e palpitações.
Quando o cigarro acabou, acendi outro. Voltando a andar de um lado
para outro, tentando juntar as peças desse quebra-cabeça.
— Por que pararam de negociar? — Cruzei os braços, enquanto a
perna batucava sem parar. — Por que não quiseram o dinheiro?
Achei que a qualquer momento fosse enlouquecer. O apartamento
estava se fechando ao meu redor, senti-me sufocado, tonto.
— Preciso de ajuda, não consigo ter foco para pensar com clareza.
Arranquei a gravata, arquejando, com falta de ar.
— Porra, o que diabos está acontecendo comigo? — Apoiei-me no
encosto do sofá, respirando fundo, porque não conseguia puxar oxigênio
suficiente.
Fechei os olhos, lutando contra os pontos pretos que piscavam diante
dos meus olhos, sentia meu corpo estranho, como se fosse leve demais.
***
***
O pavor era tão transparente nos olhos de Mariana que eu senti prazer.
Pensar que ela foi capaz de planejar contra Victoria mexia comigo de
um jeito completamente novo, eu nunca senti tanto ódio por uma pessoa.
— Eu vou perguntar só uma vez — Heylel disse, a voz trazendo o
som de algo terrível.
Não porque ele falasse alto, mas porque era carente de qualquer
emoção.
— De onde eu venho, traidores nunca têm bom destino, agora, diga o
maldito nome da pessoa com quem você se comunicava!
Olhei para Jason, e sua expressão era algo que nunca vi. Destilava
ódio, os olhos saltados de raiva.
— Você entrou na minha casa — falei para Mariana. — Victoria
gostava de você, ela te confiou nosso filho. — Travei o maxilar, queria eu
mesmo estar segurando-a. — Você conspirou contra minha esposa enquanto
vivia debaixo do meu teto.
Jason se aproximou dela, Heylel a segurava de modo que ela não
conseguia se mover.
— Você alimentou uma fera que não pode conter — Jason sussurrou
tão baixo que suas palavras flutuavam como uma carícia, Mariana chorava,
totalmente apavorada. — Eu só queria viver em paz, mas você… — Ele
balançou a cabeça — Você não deixou.
O jeito com que Jason falou com ela foi assustador. Aos poucos ele
foi ficando calmo, e isso de algum modo deixou Mariana ainda mais
assustada.
— Eu vou gritar.
— Grite o quanto puder, não fará a menor diferença, ninguém virá
para ajudá-la.
Segurei o queixo dela um pouco mais forte, obrigando-a me encarar.
— Sabe o quão difícil é para mim olhar para sua cara? — As palavras
saíram rasgando. — Tenho vontade de te fazer sentir o que minha Victoria
sentiu, Mariana, você está prestes a descobrir do que sou capaz.
Ela era a primeira pessoa envolvida no sequestro que teve a má sorte
de cair em minhas mãos e eu estava sedento demais para pegar qualquer um
deles.
— Senhor, eu não tive culpa! Minha filha, ela… — Um novo fluxo de
lágrimas escorreu por sua bochecha. — Ela foi levada, para tê-la de volta, eu
precisava ajudar.
— Conte tudo o que sabe! — Ela concordou.
— Minhas ordens eram para monitorar os passos de Victoria e contar
tudo. Quando ela me falou que pretendia visitar o senhor, eu cuidei para que
os seguranças adoecessem. Era só isso, entregar as encomendas também fazia
parte, inclusive… — Mariana ficou pálida, calando-se.
— Fale! — Jason gritou, assustando-a.
— Queriam o bebê também. — Ela gaguejou. — As ordens eram para
que eu garantisse que Gianne estivesse junto com Victoria, mas eu não podia
permitir, eu não deixei que fosse junto.
— Você sabia que ela seria levada! Você fodidamente sabia!
Mal consegui conter todo o ódio que senti.
Dio santo, como eu pude errar tanto?
— Senhor, tudo estava programado para o momento em que a
Victoria saísse de casa, o dia não foi escolhido, eles já estavam preparados há
muito tempo. Bastava que a elite não estivesse com ela.
Foda-se. Tudo acontecendo debaixo do meu nariz e eu não notei.
— Para quê as fotos?! — Dark perguntou, aproximando-se, uma
pistola estava em sua mão. — Não minta para mim. — Ela acenou, em sua
situação não havia muito o que fazer.
— Eu recebi um telefonema com as instruções, então só precisei tirar
as fotos e enviar para o e-mail.
— O telefone era descartável, sem retorno de ID — Cyper falou,
ainda concentrado na tela. — Por isso não consigo rastrear.
— Um nome? — Dark me empurrou, apontando a arma para ela. —
Quero um nome agora!
— Não sei, por favor, já falei tudo.
Dark destravou a pistola, em seguida atirou para cima, depois mirou
entre os olhos dela.
— Um nome!
— Zeki Tabor — ela gritou.
— Turco? — Drake franziu o cenho, logo me olhou. — O que você
tem com os turcos?
— Eu não tenho nada.
— Para eles, o nome é importante pelo significado — Jason falou,
indo em direção à mesa. — Este nome significa que quem o possui tem sua
casa fortificada porque é esperto. Isso parece um código.
Ele balançou a cabeça, depois pegou o vidro com a rosa e o quebrou.
Sua mão tremia quando recolheu a rosa por entre os cacos.
Quando ele a cheirou, empalideceu.
— Deus…
— Aldeia de Halfeti! — Cyper gritou, virando o computador, uma
pequena clareira de rosas negras abrangia toda a tela. — Fica na Turquia e o
dono é Zeki Tabor.
Ao ouvir esta nova informação, Jason enlouqueceu e começou a
gritar, socando a parede de um jeito descontrolado, parecia louco, totalmente
fora de si. Cada palavra que ele dizia era desconhecida, eu não entendia nada,
mas compreendi que ele estava aterrorizado.
Heylel correu para ele e o puxou para seus braços. Jason lutou,
golpeando o irmão na face, surtado em seu redemoinho de violência.
Ouvi os sussurros que Heylel dizia, não compreendi, mas ele estava
acalmando-o.
— Ela não pode ter ido para lá, ela não pode!
— Jason, o que está acontecendo? — Ajoelhei-me na frente dele,
segurando seu rosto. — Converse comigo.
O medo de Jason era tão cru que incrementava o meu, deixando-me
apavorado, se seu olhar assombrado fosse indício, eu não sabia se estava
preparado para ouvir o que ele tinha a dizer.
— Eu venho de lá… — Seu olhar estava perdido e a respiração,
acelerada. — Minha família, todos na aldeia foram massacrados. Minha mãe
e irmã foram mortas na minha frente porque elas lutaram. — Ele balançou a
cabeça, as lágrimas pingando. — As outras mulheres foram levadas para
serem vendidas. Algumas foram estupradas até não suportarem mais. Eu vi,
eu não pude lutar por elas.
— Do quê você está falando? — Dark perguntou.
— De tráfico humano. Anos depois, eu voltei para a minha aldeia
com meus irmãos e nós acabamos com tudo, eu não deixei nenhum maldito
respirando. Mas as mulheres, Deus, elas foram tão profundamente quebradas
que não falavam, eram apenas sombras. Silenciosas, com olhares perdidos,
desejando a morte. Elas encaravam as minhas facas como se elas fossem um
adorado amante.
Cambaleei, sem acreditar nos meus ouvidos. Eu não podia acreditar
que a minha Victoria, que a minha pequenina esposa, pudesse estar num
lugar desses.
— Eles eram especialistas, não se importavam com a dificuldade para
levar as mulheres, quando eram escolhidas, nada mais importava.
Mariana chorava num canto, eu queria matá-la.
— Tirem essa mulher da minha frente, levem-na para as docas. —
Olhei para ela. — Sua vida depende do desenrolar dessa história, você ajudou
esses malditos, agora comece a rezar. Você vai precisar.
— Jason, preciso que você fique firme, nós vamos encontrar nossa
princesa! — Dark não conseguiu esconder o medo em sua voz.
— O problema é: onde ela estará? E o pior: quanto tempo iremos
levar para encontrá-la? — Jason abaixou a cabeça. — A essas alturas,
Victoria já deve estar perdida para sempre.
O medo era uma coisa viva dentro de mim, mas eu me obriguei a ficar
firme. Não me importava como eu ia encontrar Victoria, desde que ela
estivesse viva, eu lutaria pelo que sobrasse dela.
— Preciso falar com Hunter — Jason disse e seu irmão o soltou.
Atento, observei quando Heylel estendeu o telefone.
Meu coração estava na mão, porque todos os cenários possíveis eram
aterrorizantes.
— Hunter, sou eu… — Jason fechou os olhos, quando a chamada foi
atendida — Seu irmão.
Ele ouviu por um momento o que lhe era dito, de vez em quando
acenava.
— Quero que todas as dívidas do livro sejam saldadas. — Heylel deu
o primeiro quase sorriso. — Solicito o Ricto…
Quando desligou, ele estendeu o braço para seu irmão. Na troca de
olhares, eu soube que aquilo significava muita coisa.
— Em breve, lavarei a terra com sangue.
Jason se afastou, seu irmão indo com ele.
Observei, paralisado, eles sumirem porta afora. Eu não fazia ideia do
que aquilo tudo significava, mas eu ia descobrir.
— Vamos sair, preciso ver meu filho.
Dentro do carro, todos seguíamos em silêncio, por isso o som do meu
telefone tocando foi estrondoso.
— Dimitri? — Olhei para Jason, ele estava atento. — Um instante.
Coloquei o telefone no viva-voz, para que todos pudessem ouvir.
— Pode falar, estamos ouvindo.
— O corpo que enterramos não é de Victoria. — Fechei os olhos. —
Todos nós fomos enganados.
Naquele instante, tudo virou caos.
***
Antes, eu acreditava que não estava louco, mas agora eu tinha certeza
de que sim. Cada minuto do meu dia era horrível, infinitas vezes pior que
antes, porque eu não conseguia parar de pensar no quão burro eu fui.
Demorei demais para sair do mar de autopiedade, eu parei de me
ouvir, de sentir. Eu sempre tive tanta certeza de que meu coração diria a
verdade, e mesmo assim eu não acreditei, porque a razão havia se chocado
contra mim.
Eu vi o corpo, o classifiquei como fato, porque estava dentro de todo
o plano que havia sido traçado.
Ele foi o gran finale da manipulação. E eu, que me considerava tão
inteligente, caí.
Por opção, não contei o que descobri à família, com certeza eles
enlouqueceriam como eu, sentindo-se de mãos e pés atados. Agora, não podia
fazer coisa alguma, apenas esperar, e cada minuto era torturante.
Cyper estava buscando informações sobre Halfeti, e o que ele
descobriu até agora foi que estamos lidando com uma poderosa organização
criminosa, com tentáculos espalhados pelo mundo todo. Eles atuavam em
tráfico humano, de órgãos, armas e drogas. Prostituição, mercado negro de
artes e assassinato em grande escala.
O que Jason contou sobre seu passado ainda se incluía como um dos
modos em que eles atuavam. Dizimavam aldeias inteiras, vilarejos, cidadelas.
E, por terem contatos com pessoas de alto escalão, eram protegidos pela
polícia.
— Amore mio. — Balancei a cabeça, sentindo o desespero engolir-
me. — Onde você está?
— Nós vamos encontrá-la — Jason jurou, aproximando-se. — A
Turquia está sendo vasculhada, Hunter está pessoalmente liderando.
— Eu demorei demais, Jason. — Balancei a cabeça. — Eu demorei
demais.
— Nós vamos encontrá-la, a Ordem está envolvida.
— Não entendo o que isso pode significar — eu disse, sentindo um
frio na barriga de mal-estar. Eu precisava saber onde Victoria estava, e cada
minuto, longe desse objetivo, acabava comigo.
— Rocco. — Jason suspirou, olhando para a floresta escura do outro
lado do complexo de treinamento. — Eu era chamado de Phanton, minha
habilidade principal era rastreamento e execução. A minha marca, o tiro
limpo na testa. — Ele encolheu os ombros — Eu sou um dos irmãos da
Ordem, afastado, mas, ainda assim, um membro.
— Eu nunca ouvi falar.
— Porque ela não é para pessoas como você, Rocco. — Ele cruzou os
braços. — A Ordem é a sombra dentro das sombras, o equilíbrio do caos.
— Suponho que Rafael seja um membro.
— Não apenas um membro, mas o líder, ele é o Senhor da Ordem, o
caçador principal.
— Deus, Jason! Rafael é um empresário, como pode ser o líder dessa
Ordem?
— Todos nós temos vidas fora da Ordem, mas ela é a parte que
escondemos. Por causa do tipo de atuação, seria muito perigoso que
revelássemos a nossa identidade.
— Mas e quando vocês precisam caçar? As pessoas não vão saber
quem são?
— Nunca restam sobreviventes para contar, apenas quando
encontramos vítimas, mas elas geralmente estão do nosso lado. — Ele
desviou o olhar. — A Ordem só atua em coisa barra-pesada, estou falando de
coisas bem pesadas mesmo, o que aconteceu na minha aldeia foi uma destas
coisas. No geral, o submundo sabe que existimos, mas não quem somos, os
nossos atos são o que importa.
— Isso soa interessante.
— Sim, quando Hunter ou Rafael, nosso líder, concede sua atenção
para qualquer coisa, um julgamento é feito, e sob suas ordens, a sentença é
executada. A Ordem mantém a constância das coisas para que continuem
fluindo em harmonia.
— Agora entendi por que Rafael teve acesso a tantas informações e
por que ele disse que iria vingá-lo. Ele jamais deixaria que algo do tipo
acontecesse a um de seus irmãos.
— Eu sou o mais velho, nosso pai me escolheu para liderar, mas
aconteceram coisas e Hunter assumiu. — Jason parecia bem satisfeito. — Foi
a melhor coisa que nosso pai fez, deixá-lo como líder. Rafael tem uma
vontade de aço, quando ele se dispõe a fazer algo, ele faz.
— E Heylel?
— Bom, ele é um tanto pior.
De algum modo, saber essas coisas me deixou um pouco mais
confiante. Mesmo assim, apavorava-me que Victoria pudesse estar nas mãos
de criminosos tão cruéis.
— Estou com medo — revelei, virando-me para ver meu filho brincar
com Heylel. Digo, o gigante não estava brincando, somente deixava Gianne
riscá-lo com canetas. — Por que ele é assim?
— A história dele não é minha para contar, mas as chances de
encontrarmos quem procuramos, com ele estando ao nosso lado, são muito
maiores. Heylel não deixa nenhum assunto inacabado, e ele está aqui. Confie,
vamos encontrar Victoria. — Ele me olhou antes de sair. — De um jeito ou
de outro.
Ao passo que Gianne parecia divertir-se, Heylel não esboçava
qualquer reação, estava de olhos fechados, parecia meditar.
Eu o invejava, queria essa calma toda. A meu ver, o mundo poderia
explodir e ele não esboçaria qualquer reação.
— Antonietta perguntou se temos novidades, eu não contei para ela
sobre o corpo. — Dark suspirou. — Eu não sei como ela vai reagir.
De onde estávamos, observei Heylel atender ao telefone. Pela
primeira vez, eu vi a expressão sempre tão neutra demonstrar raiva.
Ele disse algo e guardou o celular. Depois pegou meu filho e veio em
minha direção.
— Preciso voltar para casa, aconteceu algo. — Peguei Gianne. —
Quando precisarem de mim, eu voltarei.
Ele foi embora, e o que nos restou foi esperar.
Os dias passaram com uma lentidão horrível. Minha vida resumiu-se
outra vez a encarar o telefone e esperar por notícias. O submundo estava em
silêncio, porque havia um alerta de que a Ordem estava procurando algo. Um
dos contatos de Dark disse para ficar quieto, ele não sabia que estávamos do
mesmo lado.
Era difícil passar por cada dia, eu havia entrado em um estado tão
caótico que precisei deixar meu filho com a minha mãe. Ele não podia ficar
em um lugar carregado de estresse.
Era somente um bebê, precisava de paz, tranquilidade e dias com
rotina. Aqui, nós não tínhamos nada disso.
Dimitri voltou a cuidar das minhas coisas, ele estava tendo que lidar
com uma carga de trabalho imensa, porque William continuava desaparecido,
eu deveria tentar ajuda-lo, mas não tinha condições, meu foco era só um.
Victoria.
— Onde você está? — Bati na parede, buscando um pouco de dor
para não cair no ciclo.
Já senti as mãos tremendo, o peito queimando com a falta de ar. Os
sintomas, a cada dia, só pioravam.
— Uma semana! — Jason respirou fundo, lutando para se manter são.
— Uma maldita semana que não temos notícias. Soube que Rafael está com
problemas. Droga, estamos fodidos!
— Não suporto mais esperar. — Comecei a andar de um lado para
outro, a mão latejando de dor. — Cada dia é pior.
Desde ontem, não conseguia enxergar muito bem pelo olho esquerdo.
Eu sabia que isso era o prenúncio de uma crise pesada de enxaqueca, e isso
só me deixava mais irritado.
Eu passei a ansiar com tanto fervor colocar as mãos nas pessoas que
estavam com Victoria que, às vezes, eu agarrava o vazio. Eu me perdia no
desejo insano de saber para onde ir.
— Falta uma maldita peça. — Jason ergueu a cabeça, fechando os
olhos. — Quando eu a encontrar…
— O que eu desejo fazer com eles. — Bati o indicador na cabeça. —
Eu vejo tão real, os farei pagar por cada dia longe da minha mulher.
Eu nunca deixei aquele lado ruim completamente solto, mas agora
nada me impediria de fazer isso, quando o momento chegasse…
— Preciso de uma distração, Dark.
— Lá fora.
***
***
***
***
***
***
***
***
— Eu chamei todos aqui porque é importante. — Ouvi a voz de
Rocco subir um tom.
— Não importa o que diga, eu continuarei, não vou desistir de lutar
por meu neto.
— Victor, cala a boca. — Minha avó usou um tom que eu nunca tinha
ouvido. Ela parecia brava, e ao mesmo tempo cansada.
— O que você quer que eu faça? Ele enlouqueceu.
Fechei os olhos, sentindo a dor do meu pai.
Eu estava do lado de fora do escritório, ouvindo tudo o que se passava
lá dentro. Rocco convocou todos para virem até nossa casa. Minha avó estava
com Gianne, ambos sorriam enquanto os outros pareciam viver em uma
corda tensa.
Em breve, eu poderia abraçá-los como o fiz com meu filho e minha
avó no aeroporto. Em breve, eu poderia tirar a tristeza que tão facilmente era
notável em suas vozes.
— Meu filho, apenas a deixe descansar, Victoria se foi, a deixe ir.
Engoli um soluço quando ouvi a voz da minha amada tia, a mãe de
que precisei por anos.
— Impossível — Rocco respondeu, meu pai gritou e eu vi que era a
hora.
Respirei fundo e andei até a entrada do escritório.
Fiquei parada na porta, as mãos trêmulas. Minha família parecia
quebrada. Rocco sorriu, olhando para mim. Aos poucos, meus entes queridos
começaram a virar.
— Não é verdade… — Meu pai engasgou, caminhando em minha
direção, ele parou em minha frente. Ergueu uma das mãos para me tocar, mas
pareceu desistir, pois a deixou cair.
— Me toque, pai, estou aqui. — Peguei sua mão fria, colocando-a em
meu rosto. — Pode me sentir? Eu sou real.
Deixei minha própria mão cair e esperei. Primeiro ele fechou os
olhos, depois suas lágrimas começaram a cair em um fluxo constante. Sem
dizer nada, ele me abraçou.
— Minha filha.
Recebi tantos abraços emocionados que não poderia contar. Tia Laura
quase me partiu ao meio, tamanha a força com que me apertava. Dimitri
estava com uma expressão dura, mas quando me abraçou, ele chorou
também. Eu não sabia o que havia acontecido, mas ele deu um suspiro de
alívio tão profundo que me deixou preocupada.
— Tudo bem? — Acariciei seu rosto, ele acenou.
— Agora está — disse, afastando-se para eu poder abraçar as outras
pessoas.
Minha sogra e Antonella me acolheram em um abraço duplo. Só
faltava William me dar o abraço que eu queria, mas ele se manteve calado e
distante.
— Querido? — Eu me aproximei dele, o Conde foi o único que não
chegou perto de mim. — William, não vai me abraçar também?
Ele fez um som baixinho, de alguém ferido. Seu rosto uma máscara
de sofrimento e angústia. Aproximei-me ainda mais, ele se afastou, me
rejeitando.
— William? — Abri os braços para ele, esperando.
— Não posso! — Negou, deixando transparecer uma dor tão intensa
que eu não soube como ele se mantinha em pé.
Não houve o que eu pudesse fazer, ele simplesmente virou as costas e
saiu apressado, parecendo ainda pior do que quando o vi em seu apartamento,
tempos atrás.
— William está vivendo no passado, amore mio. — Rocco me
abraçou. — Deixe que ele respire, que assimile sua volta. Então ele lhe dará o
abraço que negou agora.
Eu esperava do fundo do meu coração que Deus olhasse por ele logo,
o Conde precisava ter seu próprio milagre, porque eu acreditava de verdade
que o pior ainda poderia acontecer. Eu nunca vi tamanha desolação nos olhos
dele, nunca o notei tão abatido.
Nós ficamos juntos, e por minha vontade, ninguém tocou no assunto
da minha “morte”. Talvez, por um logo tempo, aquele fosse um tabu, eu
ainda não me sentia preparada para compartilhar com todos eles o que vivi
durante os meses longe.
— Já chega, agora todos vão caminhando para suas próprias casas.
— Meu Deus, Rocco! — Engasguei, observando-o ir expulsando as
pessoas carinhosamente.
— Amanhã estaremos aqui, venham almoçar ou tomar um café. Não
importa. — Ele abanou a mão. — Mas agora eu preciso da minha mulher e
filho, na minha cama.
Meu pai protestou e me espremeu em um abração apertado, depois ele
e Rocco tiveram um momento que culminou em um abração apertado e
batidas firmes nas costas.
— Quando o sol nascer, estarei batendo na porta — ele avisou antes
de ir.
Todos prometeram voltar. Inclusive Dimitri que, ao me abraçar,
beliscou meu braço.
— Aaai. — Alisei o lugar, sem acreditar que ele havia feito isso.
— Só testando para ver se não era um fantasma — brincou, deixando
Rocco ultrajado. Não me segurei e caí na risada, vendo meu amigo sair
fugindo do meu marido e de seus punhos.
— Vou matá-lo qualquer dia desses. — Rocco me abraçou. — Agora,
vamos para a cama.
Gritei quando ele me pegou nos braços, morri de medo porque estava
com Gianne.
— Pequeno aventureiro. — Ri, encantada com tanta fofura.
— Mamma!
Foi divertido colocar Gianne na cama. Ele protestou, não quis vestir o
pijama, tampouco dormir. Rocco nos observou divertindo-se, enquanto eu
lutava contra a vontade de ferro do meu pequeno Masari.
— Ele puxou a você, cheio de vontade. — Sorri, olhando para Rocco.
Finalmente Gianne adormeceu, ele já estava ficando bravo porque o
dia fora longo e ele com certeza tinha ficado cansado. Se eu me lembrava
bem, logo mais ele começaria a chorar, pois já havia passado da hora de ele
dormir fazia tempo.
— DNA forte, amore mio. Ele vai dar trabalho, é muito simpático,
coitadas das garotas que caírem na lábia.
— Rocco Masari, não comece. — Deitei ao lado dele e o puxei, mas,
ao tocar em seu braço, notei que se retraiu. — O que foi?
— Nada.
Pareceu-me que ele sentia dor.
— Rocco!
— Okay, tudo bem, eu sou apenas um ser humano, amore mio — ele
disse, encabulado. — Sangro, choro e me machuco como qualquer pessoa.
— Me mostra.
Rocco nunca foi adepto de roupas na cama, agora estava de calça e
com uma blusa de mangas compridas. Ele se sentou e, com bastante cuidado,
removeu a parte de cima do pijama. Quando eu me aproximei do lugar em
que ele havia sentido dor, vi uma linha de pontos.
A ferida era bem longa.
— Você está machucado. — Toquei-a com cuidado, ela aparentava
ser bem dolorosa.
— Isso é besteira, estou cuidando, não se preocupe. — Ele riu.
Em seus braços, havia vários arranhões e cortes. A pele estava cheia
de hematomas. Nada comparado ao corte, esse sim me deixou bastante
nervosa.
— O que significam esses números? — Passei os dedos pela tatuagem
em seu antebraço. Eram cinco fileiras de algarismos romanos perfeitamente
trabalhados.
— Datas.
Olhei para ele, admirada com o sorriso lindo e feliz que ele ostentava.
— Então? — Arqueei a sobrancelha, esperando.
— O quê?
— Não vai me dizer? Eu não sei ler todos esses algarismos romanos.
Ele apontou para a primeira linha.
— Quatorze de dezembro de 1991, quando você nasceu. — Ele
sorriu. — Este é cinco de setembro de 2014, quando eu te conheci.
Era a data do casamento de Antonella. Deus, eu não estava
acreditando.
— Rocco…
— Aqui, treze de julho de 2015, quando você me disse sim.
Esse foi o dia do nosso casamento, o aniversário dele. Apesar de eu
estar sorrindo como uma idiota, senti uma emoção tão grande que não pude
evitar a queimadura das lágrimas.
— Seis de setembro de 2015, quando você realizou o meu sonho.
— O nascimento do nosso filho — eu disse, a voz embargada com
aquele sentimento maravilhoso que ele me proporcionava.
Eu só queria não ser essa bagunça emocional. Mas Rocco não
deixava, tudo que ele fazia me deixava derretendo de tanto amor.
— Vinte e quatro de março de 2016, quando eu te perdi. — Ele traçou
a linha escura abaixo da última linha. — Como eu fiquei sem você.
— Sinto muito. — Joguei meus braços a sua volta, apertando-o, e
Rocco retribuiu como se me consolasse, quando na verdade quem precisava
de consolo era ele.
Eu não conseguia nem imaginar como ele devia ter ficado. Rocco não
me contou com detalhes. Ele não queria que eu soubesse.
Então eu só poderia supor, pela sua cara, e pela forma como Dimitri
pareceu aliviado ao me ver.
— Você está em casa agora, e é isso que importa — Rocco disse,
puxando-me ainda mais para seus braços.
— Eu te amo, Rocco.
— Eu te amo, Victoria, mais do que palavras poderiam dizer.
Victoria
— Victoria, eu não acho que você deve estar aqui, deveríamos estar
em casa, ou cuidando de coisas mais importantes.
— Me ouça, meu amor. — Rocco imediatamente calou-se.
Era incrível, mas, quando eu abria a boca para falar, ele parava,
concentrando-se em mim. Não interessava o que ele estivesse fazendo, Rocco
dedicava toda sua atenção ao que eu lhe dizia, sendo importante ou não.
— Blanchet precisa de alguém, e ela só tem a mim.
Acariciei seu rosto bonito, agora com a barba aparada, ele parecia
saído de uma capa de revista. Nos dias que se seguiram ao meu retorno, a
gente se dedicou a cuidar da saúde e recuperar o tempo perdido.
Descobri, ou melhor, Dimitri me confidenciou que Rocco sofria com
ataques de pânico e ansiedade. Com jeitinho, consegui com que ele
procurasse ajuda, e já contamos com mais de duas semanas sem crises.
— Ela precisa de alguém que lhe oferte carinho, atenção. Me deixa
fazer isso? — Sorri, e ele suspirou.
— O que você quiser, amore mio. — Rocco me encarou por alguns
instantes. — Dio santo, o que você fez comigo? — Parecia desesperado.
— Eu te amo, grandalhão, é isso que eu faço.
Beijei-lhe os lábios com gentileza, feliz por estar conseguindo aos
poucos recuperar mais e mais do que eu era. A cada dia, eu conseguia deixar
o que aconteceu para trás, mesmo sabendo que seria um processo que levaria
tempo, a cada novo amanhecer, com minha família, eu me sentia mais forte.
O único problema, agora, era eu não conseguir ter relações com
Rocco. Era difícil esquecer o que vi no Inquisidor, a forma como um corpo
poderia ser brutalizado deixou-me um tanto assustada para as questões
íntimas.
Eu percebia os olhares cheios de paixão que Rocco me dava, mas, em
nenhum momento, ele forçou a barra, pelo contrário, ele cuidava com muito
carinho da minha saúde mental.
Poderia parecer besteira, mas todos os dias ele dormia vestido e com
Gianne no nosso meio. Ele mesmo o colocava. Quando entrava no banheiro e
eu estava no banho, ele saía de fininho, fechando a porta. Foram essas
demonstrações de cuidado e amor que me mostraram o abismo que separava
o que eu vivi com aquele homem, do que eu vivia agora.
Rocco era perfeito em cada aspecto, por isso, aos poucos, ele me
mostrou que eu não deveria ter medo de nada. Suas atitudes deram-me a
confiança necessária para eu me sentir confortável.
Eu estava preparando a nossa segunda primeira vez, e eu tinha certeza
de que seria muito especial.
— Não quero que você vá, ficar com ela pode te trazer lembranças
ruins, eu me preocupo. — Ele ajustou Gianne no colo, nosso filho estava
impossível.
— Grandalhão, eu estou bem.
E a cada dia mais forte, primeiramente por ele, e depois pela
gigantesca corrente de apoio que ele criou para mim.
— Eu preciso ir, vou ficar um pouco com ela, depois…
— Vamos ver os detalhes da festa do nosso filho.
Depois de muita conversa, decidimos fazer um aniversário de um ano
do nosso bebê. Seria atrasado, mas a gente ia desconsiderar esse detalhe.
— Tudo bem, podemos fazer isso. — Dei um beijo nele e outro no
meu filho. — Amor, não fique tão preocupado.
— Impossível, você está me contrariando. — Ele fez uma careta. —
Bambino, sua mãe ainda vai me enlouquecer. — Gianne deu uma risada,
mordendo o pai.
— Rocco, você é tão fofo! — Juntei-me ao meu filho no ataque, e
mordi Rocco no queixo.
— Eu tenho trinta e quatro anos, não sou fofo — resmungou,
apontando para Gianne. — Ele é fofo, eu não. — Ele bateu na minha bunda, e
desta vez não fiquei tensa. Na verdade, derreti em cima dele.
— Você é tão cheiroso, amo seu perfume. — Esfreguei o nariz em seu
pescoço, ele pigarreou, sabia que o clima estava esquentando.
— Uma hora, tudo bem? — ele disse, carrancudo. — Vou ficar aqui,
esperando, não passe de uma hora, ou eu juro que vou atrás de você.
Sorri, concordando, porém o que eu queria mesmo era apertar aquele
homem incrível que não mediu limites para ir até onde eu estava.
Eu não sabia os detalhes exatos de como tudo aconteceu, como disse
antes, isso era um tabu para a família. Eu também não sabia o que aconteceu
com o monstro.
Rocco não me contava nada sobre isso. Para ser sincera, eu não queria
nem saber, a única coisa da qual fiz questão de participar foi do processo de
reconhecimento do corpo de Camille, para dar a ela um enterro digno.
— Uma hora, amore mio.
— Certo. — Dei-lhe um beijo rápido, saindo do carro.
Eu segui com Murdoch para a clínica. Jason não veio comigo porque
estava com Maddie. Os pais dela chegariam hoje para buscá-la, e mesmo
tendo feito a ponte, Jason não me parecia muito bem com a ideia de deixá-la
ir.
Eles não se desgrudavam.
— Murdoch, obrigada por vir. — Ele abriu a porta da recepção, havia
um sorriso em seus lábios.
— É um prazer, senhora.
Uma mulher uniformizada me recebeu, ela parecia bem simpática e
atenta.
— Seja bem-vinda, senhora Masari, eu me chamo Nora, serei sua
guia. — Estendeu a mão e nos cumprimentamos.
— Obrigada. — Sorri, feliz em perceber que até as pessoas do local
transmitiam certa paz.
A minha vida estava uma loucura. Depois que foi anunciado que eu
estava viva, não tinha um dia que não recebêssemos convites para entrevistas.
As minhas idas ao hospital para fazer os check-ups foram turbulentas, pois
precisávamos atravessar um mar de fotógrafos e repórteres acampados em
nossa porta.
A mídia explodiu as especulações do meu caso como uma bomba
atômica, eu pude ver fragmentos de como Rocco tinha ficado, da família, até
ele entrar com o jurídico e ameaçar processar todos, alegando que a alta
exposição poderia comprometer a minha recuperação.
Eu estava bem, mas percebi que ele não queria que eu visse como ele
havia ficado, então, eu não procurava saber, mesmo querendo muito. Eu ia
respeitar a decisão dele, porque acreditava que se um dia ele se sentisse
pronto, me contaria.
A verdade era que Rocco estava louco com minha saúde, quer dizer,
a família toda estava, mesmo que eu demonstrasse estar muito bem.
— Por favor, senhora Masari, venha comigo, a doutora Ella está
esperando para recebê-la.
Caminhamos pelos ambientes e me surpreendi com a delicadeza do
lugar. Não parecia uma clínica de repouso, e sim um lar de verdade. Em
algumas salas, as gargalhadas eram tão bonitas que contagiavam.
— Hoje é o dia da mímica, eles não se aguentam. — A minha guia
deu uma risadinha, enquanto ia me contando um pouco sobre a rotina.
A voz dela parecia com a de um contador de história, suave e
hipnotizante.
— Aqui parece bom — Murdoch falou baixinho. Eu concordei.
— Venha, temos uma atividade em grupo sendo desenvolvida agora.
Nora nos guiou para um ambiente que tinha janelas francesas. As
pessoas estavam sentadas em tapetes, em posição de lótus.
— Aqui nós trabalhamos com meditação, descobrimos que a longo
prazo eles se tornam menos ansiosos.
— Isso é incrível — murmurei, admirada.
Nora me contou mais sobre as atividades terapêuticas que eles
desenvolviam na Casa. Umas das coisas que me encantou foi que eles faziam
terapias de acordo com a necessidade de cada paciente.
O sistema não era bagunçado, e sim especializado, com parâmetros
altíssimos. E isso nem era o melhor, e sim o fato de o carinho e amor serem
tão visíveis.
Dava para ver na carinha dos pacientes, o sorriso de felicidade.
— Olhe aqui. — Paramos em uma porta e, quando ela se abriu, meus
olhos enterneceram ante a visão. — Estes aqui sofrem com Alzheimer, por
isso fazemos uma reabilitação que se concentre na conservação das memórias
por meio de atividades naturais. Esse grupo teve quase 80% de perda de
memória, nos testes que fizemos, a grande maioria está na casa dos oito a dez
anos, por isso as bonecas e os carrinhos. Naquele outro grupo, acreditam que
estão nos anos sessenta. Veja. — Ela apontou para um canto, e eu senti meu
coração derreter.
— Estão paquerando? — Murdoch perguntou, o riso em sua voz.
— Sim, eles são jovens, estão na idade para isso. — Nora piscou um
olho, sorrindo.
Eu me senti tão feliz por ver que havia escolhido o lugar certo para
Madame, que não pude evitar o suspiro aliviado. Ver a forma como cada uma
daquelas pessoas era tratada aquecia meu coração.
— Vamos, a doutora esta à sua espera.
Caminhamos mais um pouco, passando de um ambiente a outro. Tudo
era colorido, vivo, cheio de detalhes. Uma plaquinha com letras coloridas
identificava a área dos consultórios, cerca de cinco portas depois, chegamos
ao nosso destino.
Nora deu uma batidinha, abrindo a porta em seguida.
— A senhora Masari está aqui.
— Mande-a entrar, por favor.
Nós nos despedimos, e eu entrei na sala.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Victoria. — A Doutora Ella
Daves levantou de sua cadeira, estendendo a mão para mim. — Muito feliz
que esteja bem.
— Obrigada, perdoe-me por não ter vindo antes, minha vida ainda
está entrando nos eixos.
— Imagino. — Sorriu, indicando a cadeira. — Por favor, sente-se.
Entreguei a bolsa enorme que eu carregava para Murdoch, ele fez
uma careta, mas aceitou, sentando-se no sofá do outro lado da sala.
— Como ela está? — Engoli em seco, apreensiva pela primeira vez
desde que cheguei. — Como a Madame tem se comportado?
— Bom, por onde começar. — Doutora Ella folheou alguns papéis.
— Primeiro, gostaria de dizer que estou pessoalmente cuidando da
readaptação de Madame Blanchet. Cada dia tem sido um avanço, creio que
ainda falta muito para conseguir recuperar algo sólido, porém estamos no
caminho certo.
— Obrigada, mas como sabe que ela está melhorando?
— Uma das nossas enfermeiras descobriu que Madame gosta de
abraços apertados, e não suporta que homens cheguem perto. Apesar de não
falar, e não se mover muito, sua respiração ficava alterada, desta forma
descobrimos o que gosta ou não. Se ela gosta, suspira, senão, ofega ansiosa.
É a forma que ela encontrou para dizer sim e não. Estou trabalhando nisso.
— Por favor, me conte tudo. — Inclinei para frente, prestando
atenção em tudo.
— Quando chegou aqui, o seu estado de saúde geral estava bem
debilitado, mas, quanto a isso, devo salientar que ela está recuperada
completamente, todas as suas amostras de sangue estão satisfatórias, o maior
problema de fato continua sendo sua mente.
— O que poderíamos fazer? Não importam os custos, apenas me diga
se existe a chance de ela voltar a ser como era antes.
— Infelizmente, eu temo que a resposta seja não. Ela está perdida
dentro de sua própria mente, a atividade cerebral está reduzida, as sinapses
seguem em atividade, mas não como deveria ser. É como se houvesse um
bloqueio.
— O que isso quer dizer?
— Colocando em termos simples, ela não projeta os pensamentos.
Sua mente é uma grande e constante tela em branco. Compreendemos que o
medo é uma reação instintiva e inconsciente do trauma. De alguma forma, o
cérebro avisa para se proteger, porém, o corpo não colabora. Madame está
presa dentro de si própria, e isso, dependendo da causa, talvez seja o melhor.
— Como está sendo a reabilitação dela? Vi que vocês especificam as
terapias de acordo com as necessidades de cada paciente.
A todo custo, engoli o nó imenso que estava entalado em minha
garganta. Eu sabia o que havia quebrado Blanchet, e sinceramente eu achava
que era melhor ela não lembrar mesmo.
— Nós lhe contamos histórias.
— Como? — Franzi o cenho, não entendendo direito.
— Contamos histórias infantis, de aventura, sem muita problemática.
Nós a ajudamos a criar algo só dela, com o que poderia ser aceitável para seu
estado.
— Então, está dizendo que vocês a ajudam a criar sonhos? — Sorri,
emocionada demais.
— Sim, nós a ajudamos a sonhar, criando fantasias.
— Isso é incrível.
— Sim, é. Semana passada ela curvou a boca em um quase sorriso.
Suas noites melhoraram, até diminuímos os remédios para dormir. — A
doutora ergueu-se e me chamou. — Vamos, ela está tomando banho de sol
em nosso jardim primavera. Por ora, tudo o que eu disse é o que precisa
saber, lhe manterei informada caso algo mude.
— Faça isso, eu agradeço.
Caminhamos até o outro lado da grande casa de repouso Dreams to
Dream: A Life to live.
Considerada a melhor do país, por ter um método incrível de
tratamento. De fato, eu vi com meus próprios olhos que eles não apenas
cuidavam dos pacientes, mas também davam motivos para sonhar.
Era um trabalho belíssimo e humanizado.
— Olhe, ali está ela. — Indicou, apontando para algo mais adiante.
Estreitei os olhos por causa do sol, mas consegui ver onde ela estava.
— Madame adora ficar aqui, quando não está fazendo algum
tratamento, é aqui que ela fica.
O jardim era lindíssimo. Havia flores diversas, árvores, borboletas e
pássaros. Alguns cachorros pequenos e gatos dividiam a atenção com a
beleza do lugar.
— Fale pausadamente, com suavidade. Qualquer agitação fora do
comum e ela não estará bem por vários dias — Fui instruída.
— Obrigada, eu vou ter cuidado.
— Vá, qualquer coisa, peça para que me chamem.
Acenei, caminhando em direção à mulher na cadeira de rodas.
Murdoch trouxe a minha bolsa. Nela, havia um presente que eu torcia para
que a Madame gostasse.
Quando eu fiquei pertinho, parei porque não sabia como agir. Estava
sem saber como iniciar esse novo relacionamento.
Que Deus me ajude. Pensei, sentando-me no banco ao lado de sua
cadeira. Por um tempo, fiquei olhando para frente como ela, não disse nada.
Então, decidi começar pelo início.
— Olá, eu me chamo Victoria.
Sabia que ela não me responderia, então, eu repousei a minha mão
sobre a dela. Notei que ela começou a tremer levemente, então suspirou,
algumas lágrimas escapando dos seus olhos.
— Você não está sozinha — falei bem devagar.
Ela continuava olhando para frente, como se estivesse visualizando
algo particular, mas as lágrimas não paravam de escorrer.
— Você nunca estará sozinha, Madame, eu prometo que você tem a
mim, eu vou cuidar de você. Serei sua família. — Pensei ter ouvido um
soluço, mas acreditei que tivesse sido meu. — Não se preocupe, eu sempre
vou estar aqui para você.
Decidi arriscar e me aproximei devagar, até conseguir abraçá-la.
Sua resposta foi me presentear com um suspiro suave. Isso significava
que ela havia gostado.
— Não importa o que tenha acontecido, o passado deve ficar no
passado. Vivemos um recomeço, escrevemos uma nova história.
Fiquei bastante tempo com meus braços a sua volta, e sua reação me
tranquilizou, pois eu queria que ela confiasse em mim para acreditar que eu
jamais a abandonaria.
— Eu trouxe um presente para você. — Testei um sorriso, mesmo que
ela não houvesse olhado para mim.
Peguei dentro da minha bolsa a boneca de pano que eu havia feito.
Essa foi a ideia que uma das auxiliadoras deu, após uma ligação
minha para saber o estado de Blanchet.
A boneca era bem simples, a intenção, não.
Com cuidado, coloquei-a em seu colo. Esperei pelo que pareceu uma
eternidade até que, aos poucos, o olhar de Blanchet desceu.
Ela olhou por um longo tempo para a boneca, quando pensei em pegá-
la de volta e tentar outra coisa, ela a segurou, erguendo-a até o peito.
Blanchet fechou os olhos, abraçando a boneca com força. A cena me
deixou emocionada, e para que ela não me visse chorar, levantei, para fazer a
outra coisa que parecia boa para ela.
— Que tal se eu pentear seus cabelos? — perguntei, já pegando a
escova macia que eu trouxe. — Você tem cabelos lindos, sabia?
Soltei os grampos que prendiam as longas mechas e com cuidado
comecei a penteá-las. Blanchet suspirava contente. Aos poucos, fui ficando
feliz também.
O que fiz para tê-la de volta valeu a pena.
— Soube que gosta que lhe contem histórias… — Sorri. — Permita-
me contar-lhe a minha favorita. É a história de um grande amor.
Blanchet suspirou de novo e eu quis chorar.
— Era uma vez…
***
Saí da casa de repouso com os olhos rasos d'água. Assim que Rocco
me viu, ele me abraçou apertado.
Eu desabei em seus braços.
— O que foi, meu amor? — Sua voz soava aflita, quase desesperada.
— Rocco, por que é tão difícil para as pessoas amarem umas às
outras? — Sua testa enrugou de confusão. — Por que as pessoas amam tão
pouco? Por que elas precisam muitas vezes sofrer para entender que na
verdade o segredo para a felicidade está nas coisas simples?
— Amore mio…
— Eu nunca poderia deixá-la, entende? Blanchet faz parte da minha
história.
— Tudo bem, Pequena, não iremos deixá-la.
— Prometa para mim — implorei porque sabia que meu marido era
duro para muitas coisas que aconteceram comigo no passado.
— Eu prometo.
— Obrigada. — Eu o abracei ainda mais apertado.
— Agora pare o choro. — Rocco me animou, empurrando seu nariz
no meu. — Sorria para seu marido. — Sorri, fazendo bico, e ele me beijou
apaixonado. — Essa boca pede um beijo, mas eu pedirei tudo em troca.
— Eu te darei.
Ele me beijou, e eu senti que estava pronta. Meu corpo estremeceu em
seus braços, completamente tomado por ele.
Só por ele.
Rocco Masari, o meu melhor amigo, marido e amante.
O primeiro e único amor da minha vida.
Rocco
Desde que conheci Victoria, eu soube que ela era diferente.
Infelizmente, eu cometi muitos erros, até entender que não havia qualquer
engano.
Era ela a mulher que tinha quase 100% de amor em sua fórmula.
Saber que era minha esposa, e que me amava, deixava-me estúpido de tanta
felicidade, porque eu sabia que havia conquistado algo raro, que nem todo
dinheiro do mundo poderia comprar.
Não era somente eu que sentia isso, as pessoas que estavam em nossas
vidas também foram afetadas por ela.
Blanchet, apesar de não entender, era a prova viva de que Victoria
preferia o perdão, não só isso, ela também se preocupava, cuidava e se
importava.
Como eu disse antes, Victoria adorava coisas quebradas porque ela
tinha algo especial e ajudava a consertar.
— Eu te amo, Pequena. — Apertei meus braços a sua volta.
— Eu também te amo, grandalhão — respondeu, aconchegada em
mim.
— Mamma… — Gianne fez uns barulhos e a baba escorreu livre,
percebi que ele não gostava de dividir Victoria.
Era ciumento, e sempre chorava, berrando de raiva. Agora, ele
começou a morder, ontem quase arrancou um pedaço do meu nariz.
— Mamma! — gritou, vermelho.
Aí estava, ele querendo atenção e irritado porque eu a estava
abraçando. Ele já havia jogado o copo de água em mim, agora estava batendo
no suporte da cadeirinha, os braços e pernas sacudindo sem parar.
— Oi, meu amor. — Victoria me soltou e se esticou para limpar a
baba do nosso pequeno. — Você tem que dividir, bebezinho da mamãe —
brincou, muito próxima para o que era saudável, instantes depois Gianne
agarrou seus cabelos e puxou, colando sua boca no rosto dela, babando tudo
para depois morder.
— Ei, não morda a mamma — reclamei e Victoria ria, tentando se
soltar, mas o aperto do nosso filho era forte demais. — Não faça isso,
Gianne!
Murdoch começou a rir no banco da frente.
— Ele está afiando os dentes — Victoria brincou.
— Solta a mamma, Gianne. — Tentei desenrolar seus dedos do
cabelo, mas ele puxava e mordia Victoria com tanta força, que tremia.
— Cuidado para não machucar os dedos dele — Victoria avisou,
rindo, sem me ajudar em nada.
— Gianne Masari — esbravejei e ele parou, encarando-me com os
olhos imensos e verdes, como os de sua mãe. — Solta o cabelo da mamma
agora!
Fazendo um bico de choro, ele soltou. Seus olhinhos foram enchendo
de lágrimas, e eu me senti um péssimo pai.
— Oh, meu amor, não chore — Victoria o mimou, esfregando seu
nariz no dele. — A mamãe te ama, pode morder, mas dói, sabia?
Instantes depois meu filho gargalhou. Até me assustei. Esse garoto era
um manipulador. Igual ao pai! Meu peito estufou de orgulho.
Minha cópia fiel.
Por incrível que parecesse, após o episódio de birra, Gianne dormiu.
Eu e Victoria aproveitamos para contratar os serviços necessários para a festa
dele.
Nós optamos por algo mais familiar, porque a intenção era ter
Victoria no aniversário de um ano do nosso filho, para que no futuro ele visse
as fotos e se lembrasse desse momento.
Eu queria fazer parecer que ela nunca se fora.
— Gianne vai adorar o tema da festa. — Victoria acomodou-se ao
meu lado, nós estávamos voltando para casa.
Quando passávamos próximo ao centro cultural de Londres, o carro
parou em um sinal vermelho. Eu não soube por que fui atraído para algo do
outro lado da rua, mas quando dei por mim, estava encarando o grupo de
ciganos acampados.
Uma cigana estava me olhando, digo, ela olhava como se pudesse me
ver através do vidro fechado.
Na hora, eu senti meu coração acelerar, mas ao contrário das outras
vezes, em que me disseram coisas horríveis, agora ela apenas sorriu,
acenando.
Eu senti que aquilo era uma coisa boa.
Dio santo. Respirei aliviado, quase sem acreditar no quão afetado eu
ainda estava.
— O que foi, grandalhão? — Victoria me olhou, e eu beijei seus
lábios sem dizer por que eu sentia como se não pudesse sustentar meu peso,
mesmo estando sentado.
— Não foi nada, está tudo bem.
Ela me avaliou, depois balançou a cabeça.
— Se uma festa te deixa nervoso, podemos desistir.
— A ideia foi minha, esqueceu?
Victoria sorriu, aquiescendo. Ela não precisava se preocupar com
isso, eu me encarreguei de deixar claro que queria uma lista com todas as
pessoas que iriam trabalhar na festa, meu pessoal também estaria envolvido.
Isso significava que a minha família estaria segura.
Cerca de dez dias depois, eu pude comprovar que nunca mais seria o
mesmo. Apesar de estarmos apenas em família, a aglomeração me deixou
nervoso, e eu cuidei de sempre manter Victoria no meu campo de visão,
enquanto Jason cuidava do meu filho.
Ele precisava se ocupar, pois estava insuportável desde que Maddie
voltou para casa.
— Rocco, isso está incrível. — Victoria me abraçou, admirando nosso
filho correndo de um lado para outro com sua roupa de Minion.
— Eu não quero que se estenda por muito tempo. — Sorri para ela,
tentando amenizar o meu estresse.
— Tudo bem, só falta William chegar, você acha que ele vem?
Eu não poderia dizer com certeza. William não nos atendia, ele estava
isolado em sua casa, fingindo que não existíamos. Eu sabia o quanto Victoria
estava triste por isso, mas eu não podia fazer nada, a não ser, é claro, partir a
cabeça do meu amigo bastardo.
— Deixa o Conde se adaptar à ideia de ter você aqui de volta — eu
disse, beijando a ponta de seu nariz. — Tudo bem?
— Tudo bem. — Ela ficou nas pontas dos pés e me deu um beijo
rápido.
Depois se afastou. Eu fiquei parado, observando como era fácil para
ela interagir. Victoria parecia estar superando bem o que aconteceu, mas
ainda existiam algumas barreiras, que eu não sabia como ultrapassar.
Queria fazer amor com a minha mulher, mas não tinha coragem de
avançar, depois de perceber que ela não se sentia confortável. Ademais, eu
poderia esperar quanto tempo fosse preciso, desde que eu pudesse acordar
com ela todos os dias, qualquer coisa parecia insignificante.
— Deus me livre de ter essa cara de idiota por causa de uma mulher.
— Dimitri bateu no meu ombro. — Você precisa limpar a baba, está
escorrendo no peito já.
— Fica na sua. — Ergui o dedo médio, mas isso para Dimitri era
coisa pequena.
O bastardo se divertia irritando os outros e eu parecia ser o alvo
favorito.
— Notícia de William? — perguntei, bebericando um coquetel de
vinho.
Fraquíssimo, devo acrescentar.
— Está trabalhando com se fosse um tirano, saímos na porrada ontem.
Eu disse umas verdades que ele precisava ouvir.
— O que você disse?
— Que ele era um pau no cu por ter se afastado, e que eu deveria ser
o padrinho do Gianne já que sou eu quem está com ele.
— Você não vai esquecer isso, não é?
— Claro que não, somente quando você me der um de seus filhos. —
Ele sorriu, fazendo careta para a bebida. — Que negócio horrível, não tem
álcool.
— Dimitri, você tem problema.
— Não tanto quanto você, amigo, o mais louco aqui é você, monstro
descompensando. — Saiu, indo em busca de alguém para importunar.
A meu ver, as coisas estavam indo bem. Victoria estava sorrindo e
meu filho parecia feliz brincando com Jason. Não faltava nada, digo, William
não havia chegado e com certeza não viria, mas, apesar disso, eu sentia que
as coisas estavam como deveriam ser.
— Vamos tirar as fotos? — Victoria chamou, Gianne estava em seus
braços.
— Sim.
Circulamos ao redor das mesas, tirando várias fotos com cada
membro da família ou amigo importante. Gianne se mostrou muito simpático
no começo, mas depois ele começou a ficar puto, e nós precisamos correr, ou
não conseguiríamos cantar os parabéns com ele.
Estava quase no horário que ele dormia, na rotina que nós impusemos
com muito sacrifício.
— Me deixe ir lavar as mãos dele. — Jason o pegou dos meus braços.
— Volto logo.
Quando ele saiu, Victoria me abraçou. Ela não disse nada, mas nós já
havíamos esperado tempo demais. William não viria.
Só faltava ele para que minha família estivesse de fato toda reunida.
Victoria
Felicidade.
Era um sentimento tão bom, e eu o encontrava em abundância dentro
de mim. Ver minha família e amigos desfrutando de um momento tão
importante comigo era meu bálsamo. No dia em que Gianne fez um ano, eu
chorei tanto que o monstro me deu a oportunidade que eu precisava.
Agora eu estava aqui, podendo viver com meu filho e as pessoas que
eu amava esse momento. Toda emoção que me dominou, desde que comecei
a ver as coisas da festa serem organizadas mais cedo, foi sepultando o que
restava de qualquer receio.
A última barreira que eu ainda tinha ruiu, quando vi meu marido
arrumado para me receber. Ainda hoje, entregaria meu corpo a ele, porque
todo o resto eu já havia dado em suas mãos. Eu queria voltar a ser sua
mulher, no mais básico e primitivo sentido da palavra.
— Amore mio. — Rocco me abraçou por trás. — Alguém chegou e
está à sua procura.
— Quem?
Rocco me virou bem devagar, quando eu fiquei de frente para a
entrada da minha casa, avistei a única pessoa que não me deu uma única
palavra desde que voltei.
— William… — Eu me emocionei, pois ele veio, mesmo quando
tínhamos certeza de que não viria.
Notei que ele parecia um pouco tenso, como se não estivesse
confortável. Eu não fui ao encontro dele, deixei que viesse em minha direção
e na de Rocco.
Ele parou diante de nós.
— Será que eu… — falou baixinho, então parou e respirou fundo. —
Será que eu poderia te dar aquele abraço agora?
Praticamente me joguei em seus braços e ele me apertou.
— Perdoe-me, eu senti raiva… — William tremeu, confessando. —
Eu senti inveja porque eu queria ter meu próprio milagre e nunca o tive.
— Eu sinto muito, mas, não desanime — falei para ele. — Te digo
por experiência própria.
— Obrigado, mas ainda não estou sabendo lidar com tudo, entretanto,
não queria te magoar nem perder o aniversário do meu afilhado. Ser um tutor
é um dever de honra. Sinto-me privilegiado por terem me escolhido, mesmo
que eu tenha cometido muitos erros desde que você… quando tudo
aconteceu.
— Bobo! — Acariciei seu cabelo comprido de novo. — Você faz
parte dessa família louca.
— Nossa, Rapunzel, como você está linda. — Dimitri chegou,
cortando o clima.
Rocco deu uma risada, o Conde balançou a cabeça.
Agora sim a festa estava completa.
Foi tudo perfeito e digno de um sonho. Nos parabéns, Gianne bateu
palmas, ele sorria tanto que os seus olhos eram duas frestinhas no rosto
gordo.
Respirei fundo, sentindo que o ciclo anterior fora devidamente
fechado e que outro se iniciava.
Por volta das oito da noite, Gianne já estava caindo de sono, apesar de
toda energia que ele demonstrou meia hora trás. Os convidados estavam
começando a ir embora, Rocco, sutilmente, havia deixado claro que todos
deveriam ir para suas casas.
Ele não convidou ninguém para ficar.
— Amor, não faz isso. — Eu morria de vergonha, mas ele somente
dava de ombros, e não se importava. — Eu vou subir, Gianne ainda precisa
de um banho.
— Você quer que eu cuide disso? — Ele ofereceu, mas eu neguei,
precisava subir primeiro, eu tinha planos para nós dois.
— Eu vou. Somente peça desculpas por mim. — Ele inclinou para
beijar a mim e ao nosso filho
— Boa noite, bambino.
— Papa — Gianne resmungou, segurando o cabelo de Rocco e o
mordendo. Quando soltou, a baba escorreu pela bochecha dele.
— Ele pensa que sou um mordedor! — Rocco limpou o rosto, mas
havia diversão em seus olhos. — Vá, eu não vou demorar.
— Grandalhão, não expulse ninguém, por favor.
— Está bem.
Mas eu não acreditei. Ele fazia isso quando estava impaciente para
esvaziar a casa.
Subi para o quarto do Gianne e precisei correr para dar banho e o
arrumar. Quando terminei de vestir o pijama, ele já estava profundamente
adormecido.
— Bons sonhos, meu amor. — Acariciei os seus cabelos negros.
Antes de sair, ajustei a temperatura do quarto e o deixei, com a porta
entreaberta.
Quando passei pelo quarto de Jason, vi que ele estava sentado em sua
cama, com a cabeça entre as mãos. O jeito com que estava curvado para
frente deixou transparecer o quão desolado parecia.
— Brother, o que houve? — Quando Jason ergueu a cabeça, eu soube
exatamente do que se tratava. — O que está esperando para ir atrás dela, meu
irmão? — questionei, tomando suas mãos para beijá-las. — Não perca mais
tempo.
— Eu…
— Maddie precisa de você, e agora vejo, você também precisa dela.
Vamos lá, já demorou demais para você ir atrás dela.
Ele ficou em pé e me abraçou.
— Estou com um medo do caralho, mas não paro de pensar nela.
Sinto falta de tê-la comigo.
— Então, vai logo. — Ele me deu um beijo na bochecha.
— Obrigado, você tem razão, vou buscar minha mulher. Não vou
negar o que sinto, eu… — Suspirou. — Acho que mereço essa chance.
— Isso, corra. Se sair agora, ainda dá tempo de chegar antes do
amanhecer.
— Eu te amo, Bonequinha.
— Eu também te amo, brother.
Saí do quarto do meu irmão enquanto ele corria para o closet, para
arrumar uma bolsa.
Ao chegar ao meu quarto, senti um frio na barriga, porque eu queria
surpreender Rocco e estava nervosa.
— Vamos lá. — Respirei fundo, correndo para o banheiro porque eu
tinha pouco tempo.
Com certeza, Rocco ia expulsar a família.
Tomei um banho rápido e me perfumei toda. Escolhi a camisola
perfeita e me senti confiante de que estaria atraente para ele. Meu corpo ainda
estava magro, mas ele não ia se importar.
— Okay, tudo bem.
A porta do quarto abriu e eu me enfiei nas cobertas. De olhos
fechados, eu esperei, a ansiedade causando estragos.
— Dio mio, como eu amo minha mulher.
Escutei sua voz e o som que ele fazia ao tirar as roupas, depois ouvi o
barulho do chuveiro e me preparei. Já estava desfrutando de cada etapa da
minha excitação, havia certa saudade de me sentir mulher, de explorar meus
desejos.
Eu queria Rocco, queria que ele me fodesse gostoso e me fizesse
gozar até ver estrelas.
— Deus. — Suspirei, acendendo a luz de cabeceira e me ajoelhando
na cama para esperá-lo.
Rocco
Permiti que a água escorresse pelo meu corpo, enquanto implorava
que minha ereção acalmasse.
Não foi fácil ver Victoria naquele vestido colado, que acentuava a
curva da sua bunda perfeita. Eu me sentia aturdido pela dor de desejar minha
esposa, sabendo que não poderia tê-la ainda.
— Dio santo. — Segurei o pau, massageando-me suavemente. Eu
estava tão duro que doía.
Vinha me negando até o menor prazer, porque queria esperar por ela.
Mas era tão difícil porque eu estava morrendo de fome, queria devorá-la.
— Merda. — Respirei fundo, desistindo mais uma vez da ideia de me
aliviar.
Fiz isso porque notei que ela estava acordada por causa da parca luz
que acendeu no quarto, e não queria que pensasse besteira se me visse.
Durante todo esse tempo, eu a tranquilizei, sabia que ainda levaria tempo para
me aceitar.
Bom, eu esperaria o tempo que fosse, pois já tinha esperado mais de
sete meses.
— É isso. — Sequei-me, depois vesti uma calça de pijama. A porcaria
irritava, eu não suportava dormir com roupas, mas não queria que Victoria
pensasse que eu estava me insinuando.
Antes de sair do closet, apaguei a luz, quando voltei para o quarto, eu
mal pude acreditar nos meus olhos.
— Porra! — Engasguei, se antes eu estava sofrendo de desejo, agora
eu estava quase me curvando a ele. — Amore mio?
Meio hipnotizado, caminhei até a beirada da cama, Victoria estava
linda de cabelos soltos, vestindo apenas uma camisola branca transparente, a
calcinha, pelo que notei, era pequenina.
Acho que perdi a capacidade de raciocinar porque eu me livrei da
calça e me acariciei na frente dela.
— Isso, caralho. — Gemi, encarando-a. Sem um pingo de vergonha,
me masturbei mais forte. Eu estava tão duro, que não ia demorar muito a
gozar, se ela me desse uma chupada, eu não aguentaria.
— Rocco… — ela chamou meu nome, a voz pesada, rouca.
Victoria começou a engatinhar em minha direção, eu pensei que fosse
morrer de tanto tesão.
— Dê-me isso, por favor. — Não me envergonhei por implorar, eu
estava necessitado demais daquela mulher, ansiava cada toque dela.
Não esperava me emocionar tanto, mas sentir sua boca em minha
pele, além de ser o ápice do prazer, atingia uma parte ainda mais profunda,
meus olhos arderam por um momento.
Tê-la outra vez também fazia parte dos meus sonhos mais ousados.
Eu a puxei para mim, tomando seu corpo com minha boca, fazendo-a gritar
de prazer.
— Primeiro você — disse, esfregando o nariz em sua boceta quente.
Eu puxei a calcinha de lado e chupei com força o clitóris, sentindo-a
apertar meus dedos enterrados na vulva melada.
Victoria gemeu, abrindo-se ainda mais para mim.
— Dentro, Rocco, por favor, eu preciso!
Puxei a calcinha e a penetrei com uma investida só.
Senti-a tremer à minha volta, apertando-me tão forte que eu delirei.
— Caralho, que saudade da porra! — Ofeguei, puxando até a ponta e
socando tudo de novo.
— Não para. — Ela arranhou meu peito.
E eu dei o que precisávamos. Victoria me abraçou com as pernas e eu
a fodi com força, ainda que minha posse fosse dura, cada parte do que eu lhe
dava continha amor. Ela sentiu, porque mesmo me arranhando, ela me fazia
carinho.
Agora seria assim, depois, a gente poderia ir com calma. A saudade
aqui não permitia mais do que a loucura aceitava.
— Assim, Rocco, assim mesmo. — Victoria fechou os olhos, quando
eu molhei o polegar e massageei seu clitóris.
Senti-a me apertar, a boceta tremendo. Ela ia gozar. Eu também.
— Isso, que boceta gostosa!
Beijei sua boca quando ela começou a gritar, gozando. Victoria
gostava de palavras sujas.
Meu corpo arrepiou e senti as bolas doerem, quando gozei também,
enterrado todinho dentro dela. Ela tomava tudo de mim, e eu faria o mesmo,
porque só ela conseguia suprir as minhas demandas.
— Juro, amore mio. — Ofeguei, respirando em sua boca. — Te fazer
feliz, todos os dias.
Eu ainda pulsava dentro dela. Nos braços da única mulher que amei,
eu me senti completo de novo.
— Felizes para sempre, amore mio? — perguntei, puxando-a para
mim.
— Sim, meu amor, para sempre.
E eu senti que desta vez era a mais pura verdade. Nós havíamos
encontrado o nosso final feliz.
E eu viveria até o último dia da minha vida acreditando que nenhum
outro homem amou tanto uma mulher.
Victoria
14 de Dezembro de 2016
Senti o deslizar suave dos lábios de Rocco por minhas costas. Não
pude evitar o sorriso preguiçoso que se desenhou em meus lábios, a sensação
que eu tinha era gostosa demais, a paciência com que meu marido
despertava-me deixava claro que aquele era o meu bom-dia de aniversário.
Não que ele fosse muito diferente em dias normais, não era isso. A
verdade era que, desde que ele havia me encontrado, dois meses atrás, e
devolvido a minha vida, Rocco sempre acordava primeiro e fazia questão de
estar ao meu lado quando eu despertava. Era como se esse fosse seu modo de
dizer que estava tudo bem, que eu estava segura e que nada iria acontecer.
— Feliz aniversário, amore mio — ele murmurou, dando uma
mordidinha na minha bunda. — Você tem muita carne aqui, Deus me
abençoou muito.
Ri de sua bobagem, aos poucos eu estava recuperando tudo o que
havia perdido, em meu corpo não havia mais as marcas tão presentes da
desnutrição, nem manchas de hematomas. Apenas no meu pulso, por causa
das correntes usadas no poço. Algumas cicatrizes seriam permanentes, mas,
igual àquela que havia em minha perna, essas aqui significaram vitória.
— Você foi abençoado? — brinquei, lutando contra o gemido quando
sua língua começou a brincar comigo.
— Claro, você é minha, isso significa que esse seu corpo maravilhoso
também é meu. — O calor dele esquentou as minhas costas. — Consegue
perceber como só olhar o arco dessa bunda linda me deixa?
Ele esfregou o pau entre as bochechas, suas mãos apertavam a minha
bunda, massageando, depois ele subiu a massagem por minhas costas,
fazendo-me arrepiar com a lascívia.
— Quem quer um sexo gostoso de aniversário? — Rocco murmurou
em meu ouvido, mordiscando o lóbulo da minha orelha.
— Com certeza, eu quero… — Respirei fundo, sentindo-me pulsar e
ficar molhada. —… Começar meu quarto de século em grande estilo.
— Abre as pernas só um pouquinho mais, eu vou começar bem
devagar.
— Rocco, sem torturas hoje — lamentei, obedecendo.
Desde que consegui ultrapassar o último obstáculo, e pude entregar-
me a ele completamente de novo, fazíamos amor quase todos os dias. Depois
daquela primeira vez louca, ele passou a me tomar sem pressa, sempre ele
percorria cada parte do meu corpo, beijando, lambendo, fazendo-me chorar
de tanto prazer, enquanto implorava para gozar.
Era como se assim me dissesse que não havia pressa para nada, e que
ele adorava todas as nuances da nossa intimidade.
— Quem disse que eu te torturo? — Ele riu. — Só porque eu adoro o
seu corpo devagar, como se eu tivesse todo o tempo do mundo?
Mordiscou minha bunda de novo, depois me virou como se eu fosse
uma boneca.
— Assim, agora me dá essa bocetinha que eu vou me fartar.
— Rocco… — Respirei fundo, observando-o apoiar minhas coxas em
seus ombros e me expor para seu prazer.
Ele não me avisou, e eu só tive tempo de cobrir a boca antes de gritar
quando ele abocanhou meu clitóris e o sugou com força. Meu corpo inteiro
sacudiu, em choque pelo prazer surreal que espiralou por cada terminação
nervosa. Mal conseguia controlar a respiração, ou aquela sensação de estar
sendo consumida.
Minhas pernas tremiam, os pensamentos abandonaram-se, era como
estar no céu e ao mesmo no inferno, o prazer beirava o insuportável.
— Por favor, mais devagar, Rocco! — Ofeguei, puxando seu cabelo,
ele havia deixado a barba crescer de propósito, para me matar no dia do meu
aniversário.
— Você aguenta. — Riu, arreganhando meu clitóris e o golpeando
com a língua endurecida. — Diga-me, você gosta disso? Quer que eu pare?
Arqueei, quando ele me penetrou com um dedo, começando um vai e
vem lento, que sincronizava com a mamada gostosa que ele dava em minha
boceta. Outro dedo se juntou ao primeiro, e depois um terceiro, eu quase
desfaleci quando tocou meu ponto especial, senti que queimava, minha
respiração falhando, ele estava me virando do avesso.
Formigava, tremia, doendo com aquela construção que seria capaz de
me nocautear. Abri a boca para gritar, mas Rocco colocou dois dedos nela e
eu os chupei, quando explodi como fogos de artifício.
— Que gozada, me molhou todo. — A voz dele me fez tremer,
quando o olhei, Rocco crescia sobre mim, o pau duro, orgulhoso.
Ele estava realmente molhado, e não parecia se importar com isso.
— Agora, vamos para o segundo round.
Havia um sorriso de pura satisfação masculina, ele esfregou o pau nas
minhas dobras molhadas, satisfeito por me fazer vibrar com cada golpezinho
em meu clitóris inchado e sensível.
— Sente como é gostoso quando nos conectamos assim. — Ele
gemeu, a voz rouca, embrutecida pelo prazer. — Dio santo, nunca vou me
acostumar.
Ele me penetrava devagar, fazendo-me sentir cada centímetro de seu
comprimento. Rocco sabia exatamente como eu gostava, e eu sabia que
quando faltasse pouco, ele empurraria com força, fazendo-me experimentar o
encaixe apertado e dolorido.
Era tão bom.
— Gosta assim, não é? — Ele enterrou-se até o fim, dando-me aquele
sorriso pecaminoso, devasso.
— Eu amo. — Estendi as mãos, passando as unhas por seu peito forte,
levemente peludo. — Vem, grandalhão, me fode gostoso.
— Amore mio, não provoca, eu quero pelo menos uma hora aqui…
A babá eletrônica nos avisou que tínhamos no máximo quinze
minutos porque nosso filho começou a fazer barulho. Rocco fez uma careta,
mas então ele ajustou o agarre em mim, segurando nos meus quadris.
— Vamos na velocidade máxima, se masturbe enquanto eu te fodo.
Tremi inteira, ele piscou um olho e começou a me foder rápido, duro,
com força. Só tive tempo de engolir o lamento e fazer como ele havia
mandado. Parecia que eu ia fragmentar, cada vez que ele puxava e batia de
volta, rápido demais para que eu pudesse pensar. Sentia-me massageada por
dentro, ele sabia todos os meus lugares secretos e mexia os quadris para
atingir cada um deles.
— Não pare! — ordenou, quando percebeu que eu ia tirar os dedos do
meu clitóris.
Sentia-me queimando, os líquidos escorrendo e me deixando tão
escorregadia que o barulho que fazíamos era obsceno.
— Delícia de boceta, me deixando todo molhado. — Ele rosnou. —
Meu pau está brilhando.
— Rocco, por favor, mais forte, eu vou gozar — implorei, brincando
com meu mamilo, apertando-o um pouco.
— Que visão do caralho, gostosa.
Rocco apertou minha cintura e perdeu o controle, eu sabia que ele
estava perto de gozar, e por isso me entreguei ao prazer que já me afogava.
Não precisei dizer nada, ele sentiu quando minhas paredes internas vibraram
ao redor do pau teso.
Ele fez uma careta de sofrimento, arqueando-se todo, o corpo duro, os
músculos saltados enquanto gozava dentro de mim. Senti-o pulsar, alagando-
me com seu prazer.
Deus, ele era tão perfeito. Como que podia? Rocco conseguia me
arrebatar até nos momentos de mais pura vulnerabilidade, como agora. Ele
me deixava saber o quão entregue ele estava ali comigo.
— Amore mio. — Ele ofegou, desabando em cima de mim. — Feliz
aniversário.
Eu o abracei, e nos breves instantes que usamos para acalmar nossos
corações, o choro do nosso filho soou alto e forte.
— Ele é um pequeno empata-fodinha — Rocco murmurou, o rosto
enterrado na curva do meu pescoço. — Eu vou buscá-lo, antes que ele tente
saltar do berço.
Rocco levantou e correu para o banheiro, depois de se limpar, ele se
apressou para o quarto do nosso bebê. Aproveitei para levantar e tomar um
banho rápido. Quando voltei para o quarto, meu marido e filho me esperavam
na cama.
Gianne estava com os cabelos escuros bagunçados e a carinha de
sono. Ele sorriu ao me ver e estendeu os braços para mim.
— Mamma.
Eu o peguei, ajeitando-me na cama com meus amores.
— Bom dia, bambino. — Cheirei o pescoço dele e quase derreti com
o perfume gostoso de bebê.
— Vou buscar a mamadeira dele, eu já deixei pronta.
Sorri para o homem mais incrível do mundo, quando ele saiu do
quarto, voltei a atenção para meu filho. Olhar para ele era o mesmo que
encarar Rocco, apesar de os olhos de Gianne serem exatamente como os
meus, ele lembrava Rocco, os traços, os cabelos. Nas fotos que minha sogra
havia me mostrado, era como estar diante de uma pequena cópia.
Já sabia que, quando ele estivesse adulto, ambos seriam muitos
parecidos.
— Você vai arrebatar uns corações por aí, não é? — Comecei a tirar
sua roupa, para trocar sua fralda. — Eu tenho certeza, mas eu vou te ensinar
que o amor é uma boa coisa e que não precisa ter medo. Você vai crescer,
observando como seus pais se amam e vai perceber como isso é bom.
— Mamma, papa. — Gianne segurou meus cabelos, sorrindo e me
deixando louca de amor. — Amooo, mooo.
Ele tinha dentinhos pequenos, quando sorria, as covinhas apareciam.
Era lindo, perfeito.
— Você é o amor da minha vida todinha. — Beijei sua barriguinha.
— E eu? — Rocco entrou no quarto, com a mamadeira na mão.
— Você também, grandalhão, vocês dois são os amores da minha
vida toda.
Rocco sorriu, pegando nosso filho e o aninhando ao peito, para dar a
mamadeira. Observei os dois juntos, tal qual ele fazia quando eu estava
amamentando, agora era minha vez de observar a interação pai e filho.
A conexão entre Rocco e Gianne era surreal, ambos se encaravam,
admirando-se. Para mim, era nítida a adoração que o meu marido tinha pelo
nosso filho, tanto que aquecia meu coração com um sentimento bom, mas tão
bom que transbordava.
Rocco me olhou, e talvez tenha percebido o quão emocionada eu
estava.
— Vem aqui, Pequena — ele me chamou, e eu me aninhei ao seu
lado, enquanto o observava alimentar nosso filho. — Tudo o que eu mais
queria era ter vocês na proteção dos meus braços. — Rocco suspirou. — Para
mim, tê-los aqui significa tudo para mim.
Apesar do sorriso carinhoso, os olhos do meu amado estavam úmidos.
Eu sabia que ele havia atravessado um enorme caminho cheio de pedras e
espinhos. E apesar de ele não me contar exatamente o quão difícil foi, eu
sabia que ele havia sido machucado demais, estava em seus olhos, no medo
que eu enxergava quando ele chamava por mim e eu demorava a responder.
— Eu te amo tanto, Rocco. — Acariciei sua barba, inclinando-me
para beijá-lo. — Você é o homem mais incrível e forte que eu conheço, te
amo muito, muito mesmo.
— Eu sou forte porque tenho vocês aqui, seguros comigo. — Sorriu.
— Sem vocês, não passo de um alguém perdido, que não sabe nem classificar
as emoções. Sou inútil sem você, amore mio.
— Grandalhão…
— Tudo bem, chega, não é dia para lamentar nada. — Ele ergueu a
cabeça como se buscasse controlar-se. — Vamos comemorar seu aniversário,
a família toda estará aqui, não consegui expulsá-los dessa vez.
— Você fez disso um hábito, eles não se importam mais. — Ri
baixinho, Gianne estava mordendo o bico da mamadeira.
— Vou roubar vocês e morar em um lugar que não vou contar a
ninguém. — Rocco bufou, eu dei uma risada alta e fui acompanhada pelo
meu filho. — Estou falando sério, tenho uma vila na Itália e poderemos viver
na costa da Sicília. Não terei que ver minha casa sendo invadida todos os dias
pela multidão da nossa família.
— E você ainda quer mais filhos — provoquei.
— Então, eu quero, com certeza. — Ele piscou o olho. — Mas eu
quero também poder ficar somente com vocês.
— Amor, você sabe que eles iriam nos encontrar em qualquer lugar.
Ele concordou, e o assunto morreu. Às vezes eu não tinha certeza se
Rocco falava sério ou se estava apenas brincando.
Mais tarde, conforme a família foi chegando para passar o dia, Rocco
se mostrou muito feliz, ele estava divertindo-se com os amigos e com meu
pai. Depois do almoço, eu precisei subir com Gianne para ele tirar a soneca,
acabei dormindo também, e quando desci, já de noite, um jantar belíssimo
estava me esperando.
A família toda estava por ali, e diferente do ano passado, eu não sentia
nenhuma rusga que tirasse o brilho de emoção daquele dia.
Era o meu aniversário, e eu estava rodeada pelas pessoas que eu mais
amava. Até Jason, que estava tentando se entender com Maddie, apareceu
para me prestigiar.
— Brother. — Eu o abracei e ele riu.
— Bonequinha, você pensou que eu não viria?
Havia um brilho de diversão em seus olhos, ele parecia inclusive mais
jovem.
— Já sei, vai dizer que está estampado na minha cara que eu estou
apaixonado? — Acenei. — Rocco já disse isso assim que cheguei. O bastardo
do seu marido gosta de dizer que eu estou prestes a ser enlaçado, o que ele
não sabe é que eu já fui.
— Como está Maddie?
— Bem, recuperando-se. — Ele franziu o cenho, como se lembrasse
de algo. — Ainda resta um longo caminho, mas ela confia em mim
cegamente, e não teme se entregar ao que estamos construindo, ela me ama.
Dá para acreditar?
— Claro, você é incrível. — Ele balançou a cabeça.
— Não sei, não, mas admito que seria capaz de fazer qualquer coisa
para vê-la feliz.
— Isso é muito bom, Maddie precisa de alguém como você, forte,
companheiro e apaixonado. Eu sei que vocês serão muito felizes juntos.
Sua resposta foi um sorriso, depois, ele foi atacado pelos cachorros e
correu com eles para fora de casa.
Voltei minha atenção para a minha avó, ela estava sorrindo para
David, ele dizia algo em seu ouvido. Observei como eles parecia entrosados,
a cada dia, eu notava que eles se faziam muito bem, e que eram perfeitos um
para o outro.
— Filha? — Um toque suave em meu ombro chamou minha atenção,
era tia Laura sorrindo, segurando um bilhete. — Rocco pediu para te
entregar.
De fato, olhando ao redor, não o avistei. Tampouco meu filho, que foi
entregue a William assim que eu desci.
— Obrigada, tia.
Desdobrei o papel, e com a letra bonita de Rocco, li:
Te espero no nosso lugar especial. Venha para nós, amore mio.
Lá fora, o pôr do sol se iniciava, e eu corri, sem dizer a ninguém para
onde iria. Quando cheguei, avistei Rocco sentado no banco com nosso filho
no colo, sentei-me ao seu lado.
— Amore mio. — Ele sorriu, colocando Gianne sentado no banco.
Depois, Rocco se inclinou, pegando uma caixa belíssima, de madeira
entalhada e com uma pedra preciosa incrustada no topo. — Seu presente de
aniversário.
Ele estendeu-me a caixa, ela não era muito pequena, parecia-me maior
que uma caixa de sapato tradicional.
— É linda, Rocco.
— Abra — incentivou, e eu obedeci.
A primeira coisa que avistei foi a miniatura do Coliseu de Roma,
depois a foto restaurada de Rocco, a que eu havia arrancado da porta do meu
guarda-roupa.
— Eu te disse que guardaria as nossas lembranças — ele murmurou, e
eu não segurei o choro emocionado. — Mas também tomei a liberdade de
adicionar outras tantas.
A pulseira de identificação que Gianne recebeu na maternidade, a
primeira roupa que ele usou para vir para casa e uma foto dele sorrindo em
seu aniversário de um ano, o que eu não estava. Esses itens faziam parte das
lembranças que ele havia adicionado.
Havia um CD também, e fotos nossas.
— Você se lembra disso? — Ergui a tirinha com as fotos que tiramos
na cabine de Roma.
— Sim, amore mio, eu lembro de tudo, inclusive do que senti.
Olhei para Rocco, ele estava sorrindo, encarando-me.
— Eu juntei nessa caixa as suas e as minhas memórias, dos momentos
que mais nos fizeram felizes, e que foram marcantes. — Ele apontou para o
CD. — Você deixou para nosso filho, mas você não sabe o quão necessário
ele foi na minha vida quando tudo… — Seus olhos se encheram de lágrimas.
— Quando tudo esteve tão difícil.
— Grandalhão…
— Nessa caixa, eu guardei o nosso amor, e o protegi, agora estou
compartilhando com você, para que juntos possamos enchê-la com novas
lembranças, de uma vida longa e feliz.
Eu não tinha palavras para descrever o que eu senti, o homem diante
de mim era o mais lindo, incrível e perfeito do mundo. Rocco não escondia
sua vulnerabilidade, tampouco o quão importante era nosso amor para ele.
— Eu te amo tanto. — Solucei baixinho, ele sorriu, erguendo a mão
para limpar as minhas lágrimas, e só então, eu pude reparar que ele havia
adicionado uma nova tatuagem às que já tinha.
Segurei seu pulso, e abaixo daquela faixa escura que marcava o final
das datas em algarismos romanos, havia uma nova data.
— Que data é essa? — Acariciei a pele avermelhada, ele deve ter feito
durante a tarde.
VII.X.MMXVI
— Sete de outubro de 2016 — traduziu e na hora eu soube. — O dia
em que eu te encontrei de novo.
Tendo apenas o cuidado de não machucar meu filho, pulei em cima de
Rocco e o beijei. Ele me segurou em meio a uma risada emocionada. Nos
braços um do outro, desfrutamos de um pôr do sol mágico.
Na intimidade de nossas bocas, pude provar o sal de suas lágrimas de
felicidade.
Eu tinha absolutamente tudo o que precisava ao alcance dos meus
braços.
Rocco
Abril, 2021.
E viveram Felizes
para Sempre...
Fim!
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Final
Victoria
Rocco
Victoria
Rocco
Epílogo
Victoria
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Outros livros da Autora
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[1] Não, pelo amor de Deus, não faça isso, estou prestes a…
[2] Latim - Que sua alma apodreça no inferno.
[3] Teste criado pela anestesista inglesa, Dra. Virgínia Apgar. Método utilizado para avaliar o ajuste
imediato de um recém-nascido à vida extrauterina, avaliando suas condições de vitalidade conforme
tabela.
[4] Graças a Deus.
[5] Amor do papai.
[6] Pavimento de bordo de um navio, especialmente os descobertos.
[7] Serviço utilizado quando o usuário de uma linha telefônica precisa fazer uma chamada de outro
país.
[8] Traje de cerimônia masculino, sendo também conhecido como Black tie.
[9] Parque localizado no centro de Londres.
[10] Minha linda flor.
[11] Merda, em russo.
[12] Nosso filho.
[13] Manter-se em um ciclo de constante repetição.
[14] Porra.
[15] Não, por favor.
[16] Meu amor?
[17] Sim, sou eu.