Widjane Albuquerque - A Tríade 3 - para Sempre Rocco Masari

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Capa: Designer TTENORIO


Revisão: Mariely Santos
Diagramação: Géssica Fernanda

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998.


Nenhuma parte desse livro, sem autorização prévia da autora por escrito,
poderá ser reproduzida ou transmitida, seja em quais forem os meios
empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação, ou quaisquer
outros.
Esta é uma obra fictícia, qualquer semelhança com pessoas reais vivas ou
mortas é mera coincidência.
Victoria

Bem-vinda ao Brasil!
Eu não sabia há quantos dias havia ouvido essa frase. Parecia que o
tempo tinha se estendido infinitamente até se perder em algum lugar que eu
desconhecia. No começo, eu me lembrava de tentar superar tudo o que tinha
acontecido, seguindo o melhor caminho para que minha vida pudesse
avançar.
Agora, não tinha vontade de fazer nada. Sendo sincera, nem sabia se o
absoluto vazio que eu sentia poderia ser chamado de tristeza. A saudade que
me machucava, o desespero silencioso que não me permitia me agarrar a
algo, eu também não sabia nomear.
Tudo estava diferente, e enquanto eu tentava organizar a bagunça que
era a minha vida, gostaria de poder dormir uma noite inteira. Deitar a cabeça
no travesseiro e mergulhar num mundo onde não havia dor, ou conhecimento.
Ansiava um pouco de paz, de descanso.
Só que eu não conseguia alcançar nenhum deles.
As minhas noites eram caóticas, os dias, apenas cansativos. Os
pesadelos me perseguiam, em qualquer chance que tinham. Eu me sentia
declinar mais um pouco a cada amanhecer, aprofundando o vazio, o
sentimento de solidão. Isso fez com que eu tivesse menos vontade de levantar
da cama, ou sair daqui, desta varanda.
Eu não entendia por que estava assim. Odiava não conseguir ser eu
mesma, odiava estar à mercê das memórias. Elas não deveriam ditar regras
para mim, mas, infelizmente, eu estava sendo comandada.
Como uma marionete, presa a cordões invisíveis.
— Eu queria poder deixar tudo para trás. — Respirei fundo,
observando o nascer do sol em meu refúgio.
Desde o primeiro dia, a varanda do meu quarto havia se tornado um
lugar especial. Quando a angústia me impediu de fazer outra coisa senão
chorar, eu vi o dia sobrepujar a noite, e isso me fascinou.
Talvez, por esse motivo, o amanhecer fosse o único momento em que
tudo deixava de ser tão pesado, em que meus pensamentos silenciavam a
ponto de não importar o que poderiam estar falando de mim, do que tinha
acontecido.
Era aqui, longe de todo mundo, que os porquês se tornavam
indiferentes. Quando os primeiros raios de sol tocavam o mar e a mim, a
certeza imutável de que todos os dias o sol estaria ali, não importava o que
acontecesse, fortalecia-me.
Era nessa segurança que eu me agarrava. Na crença de que algumas
coisas jamais mudariam e de que em algum momento eu conseguiria
recuperar aquele pedaço que tinha se perdido.
Aos poucos, vi quando o céu escuro começou a ser tingido de cor, a
água do mar tornando-se visível para mim em um belo tom acetinado de azul.
Azul… minha cor favorita, dos olhos do homem que eu amava e que
me machucou tão profundamente.
Ergui um pouco a cabeça, para receber o gentil toque do calor em
minha pele. O frio, por um pequeno momento, foi embora, deixando para trás
a convicção de que eu teria um novo dia para tentar outra vez.
O momento era tão íntimo e precioso que me lembrei de uma doce
melodia que sempre acalentou meu coração, pois era como uma prece que me
guiava nos dias tempestuosos.
Juntei as mãos, cantando baixinho, atravessando a dor da minha
garganta dolorida.
— O senhor me chama sobre as águas. Para um lugar desconhecido,
onde meus pés podem falhar. Ali, te encontrarei em mistério. — Tive fé de
que as lembranças me deixariam em paz. — Em oceanos profundos, minha fé
permanecerá. — Meus olhos encheram de lágrimas quando a emoção
dominou-me. — E eu te chamarei pelo seu nome.
Minha voz falhou, e as lágrimas transbordaram. Em meu interior,
busquei Jesus, meu querido amigo. Chamei por seu nome, em oração,
entregando-lhe meu coração para que o salvaguardasse de tudo o que me
afligia.
— Eu te chamarei. — Sozinha, naquele refúgio, permitindo-me
chorar. — Mantendo os meus olhos sobre as ondas, quando o mar se agitar,
minha alma descansará em seu abraço. Sua graça vence o pecado, a tua mão
me guiará.
Em meio ao pranto silencioso, um sorriso tocou meus lábios quando o
sol alcançou-me. O gelo que circulava por eu sangue derreteu um pouco,
acreditei que Deus me levaria a um lugar de confiança, em que eu não
fraquejaria. Senti, lá no fundo, que minha fé, ausente há tantos dias,
ressurgiu. Ainda que fosse tímida, ela era insistente e fiel.
De um lugar distante em minha consciência, aquela antiga Victoria
acenou. Em seus olhos, vislumbrei o amor; em seus lábios, um sorriso
singelo. Ela parecia dizer que tudo ficaria bem e que eu deveria lembrar, por
mais difícil que tudo fosse: eu não estava sozinha. Deus não me abandonou
antes e Ele não o faria agora.
Essa certeza abrandou o tumulto em minha cabeça.
Por um instante, fez-se silêncio.
Respirei fundo, abrindo meus olhos para admirar a grandiosidade do
mar a minha frente.
— Tudo pode ser recuperado, mediante a sua graça. — Sorri, levando
as mãos ao peito. — Conceda-me a graça, Senhor.
Eu não queria muita coisa, somente estar bem para meu filho e
família. Mas, para a Victoria do presente, isso era algo tão difícil.
Há muitos dias, eu já havia aceitado as minhas fraquezas, levantando
quando não queria, indo um passo de cada vez. Foi isso que sempre fiz, e que
sempre faria porque não havia outra escolha.
Eu deveria somente acreditar em meu esforço e no pleno amor que
sempre habitou meu coração. Talvez, nunca mais fosse a antiga Victoria, por
outro lado, tinha a chance de ser alguém mais forte. Por mais duro ou difícil
que fosse, podia sim dar a volta por cima.
Agora que minha vida na Inglaterra havia ficado para trás, eu tinha
uma oportunidade de recomeçar nesse novo mundo. Dependia de mim não
permitir que a angústia opressora ditasse as regras.
— Eu preciso acreditar que tudo vai ser melhor.
Enchi meus pulmões com aquele ar gelado. Era estranho admitir, mas
eu gostava de estar em minha torre e saber que, ali, nada me tocaria. Pela
primeira vez, eu tinha medo de saber o que encontraria se saísse.
Em meu país, as pessoas esqueceram que por trás do acidente, da
vergonha e da humilhação, havia um ser humano sofrendo. Eu esperava que
aqui eles não se lembrassem de mim. Queria não ter medo de sair de casa.
Ansiava não me sentir presa, mesmo que eu fosse a única responsável
por me encarcerar.
— Estou no Brasil, mamãe. — Toquei a minha barriga.
Um suave e tímido ondear deixou-me emocionada. Por que eu
acreditava estar sozinha quando nunca estive? Por que essa certeza fixou-se
de maneira tão firme em meus sentidos?
— Eu nunca estive só. — Acariciei a barriga, sentindo uma
verdadeira felicidade quando meu filho mexeu.
Pensar nele enchia-me de um bom sentimento. Era por meu
pequenino que eu insistia em levantar todos os dias, não me deixando afundar
ainda mais na melancolia e lamento do que poderia ter sido diferente.
Eu não sabia como pude deslizar tão rápido para esse lugar de medo,
achava-me forte o bastante para nunca vir aqui, mas não era. Refugiava-me
neste quarto enorme, sozinha. O meu prazer era sentar em minha cadeira e
passar o dia todo olhando para o mar.
Uma batida suave na porta chamou minha atenção. Pisquei os olhos,
um pouco sonolenta. Eu sempre tinha sono, mas não conseguia dormir.
— Filha? — A voz do meu pai soou baixa, ele nunca levantava a voz
para nada.
Na verdade, todos falavam com paciência e tranquilidade, como se eu
não fosse capaz de entender tudo o que estava acontecendo. Mas eu entendia,
sim, muito bem.
E ainda não conseguia mudar a realidade em que me encontrava.
Sabia que eles tinham medo. Quando pensaram que eu não estava prestando
atenção, escutei-os falando sobre a forma com que eu encarava a minha
varanda.
Eles acreditavam que eu passava os dias ali porque a considerava uma
possível possibilidade.
De quê? De pôr um fim àquela dor insistente e tormentosa?
perguntei-me, confusa se em algum momento deixei transparecer algo
semelhante.
— Victoria? — meu pai chamou outra vez, quando não lhe respondi.
Ultimamente, eu tinha por hábito me perder em meus devaneios.
Era tão mais fácil ficar sozinha, avaliando meus pensamentos e o
rumo que eles tomavam. Eu não achava que com ajuda encontraria uma saída
para essa apatia constante. O que descobri foi que afundar dentro da minha
própria consciência era o mais seguro, enquanto as coisas não voltassem a ser
como antes.
— Filha, venha comer. Sua médica está aqui. Hoje é dia de cuidar do
Gianne.
Sem querer, minhas lembranças foram para o dia em que Rocco e eu
falamos sobre o nome que daríamos ao nosso filho, quando eu o estivesse
carregando. Estávamos felizes, vivendo o nosso amor. Os Moors
presenciaram as nossas promessas, os planos para um futuro compartilhado.
Esperei que a costumeira dor chegasse, mas, especialmente hoje, ela
não veio. Em seu lugar, havia um intrigante vazio, recheado somente de
silêncio. Percebi que não era de todo ruim, se eu não escutasse a voz
zombadora de Susan, dizendo coisas horríveis, então, talvez, eu pudesse ficar
mais forte.
Será que as coisas funcionariam assim?
— Victoria, amor. — Um aperto suave em meu ombro e o embargo
sutil naquela voz disseram-me mais que qualquer palavra.
Meu pai e toda a minha família estavam vivendo suas vidas baseando-
se na minha. Não era o que eu queria, mas não conseguia fazê-los perceber
isso. Por mais que não fosse a minha intenção, eu não encontrava a vontade
de alardear esse assunto.
— Por favor, filha, fale comigo. — Ele veio ficar na minha frente,
ajoelhou-se. — Estou aqui, você não vai ficar sozinha.
— Eu não estou. — Toquei a barriga, então, ergui a mão para seu
rosto. — Amo você, pai.
Uma lágrima escorreu, mesmo quando ele deu um sorriso triste. Eu
deveria me importar, mas estava anestesiada.
Por que sua dor não me afetava?
— Me perdoe — pedi baixinho, e ele me abraçou.
— Vai ficar tudo bem. — Afastou-se, encarando-me. — Hoje é dia de
cuidar do Gianne — concordei.
Por mais que eu preferisse ficar sozinha, não ia descuidar do meu
bebê. Devagar, peguei as muletas, fazendo uma careta de dor quando senti a
perna ruim repuxar. Não quis fazer fisioterapia quando cheguei aqui, e isso
afetou diretamente a recuperação da minha perna.
Pouco importava.
— Venha, a médica está esperando. — Ele tentou me animar, mas não
conseguiu, por isso nem o olhei.
Na porta do quarto, Jason aguardava. Meu amado irmão. Não suportei
encará-lo.
Sentia vergonha daquela caricatura em que me transformei, de não
conseguir sair desse buraco e o pior, de ainda amar o homem que me jogou
nele. Não conseguia tirar Rocco da cabeça, os sentimentos por ele ainda
poderosos e turbulentos, amor e ódio mesclando-se em uma miscelânea de
loucura.
Baixei a cabeça, sentindo o corpo cansado. Se pudesse dormir, era
somente o que eu faria, talvez esse enjoo fosse embora e as lágrimas não
estivessem ameaçando transbordar outra vez.
— Bonequinha?
Encolhi. Eu esperei que Jason simplesmente não dissesse mais nada e
me deixasse passar, mas não. Ele puxou-me para um abraço carinhoso e
quente.
O caroço em minha garganta transformou-se em soluço. Não pude
retribuir seu abraço. Não encontrei vontade para fazê-lo.
— Você está perdida, eu sei, mas não está sozinha. — Sua voz forte
envolveu-me. — Hoje dói, e talvez amanhã continue doendo, mas, por favor,
não se feche tanto, nos permita entrar.
Seu abraço apertou, o calor foi embora. Era como se o frio estivesse
dentro de mim, circulando em minhas veias.
— Olha para mim. — Senti o toque no meu rosto. — Está nos
matando te ver assim.
— Sinto muito. — Pisquei os olhos. — Estou tão cansada.
Eu queria dizer-lhe que Rocco não saía da minha cabeça. Que eu
sentia muita falta dele. Mas não podia porque isso era um segredo e uma
enorme vergonha. Eu deveria somente odiá-lo, não é? Era consciente de que
pensar nele e amá-lo, como eu fazia, não era bom, mas não conseguia fazer
diferente.
Eu não conseguia esquecê-lo e era somente isso que eu gostaria que
acontecesse.
— Victoria…
Jason me abraçou de novo, eu fechei os olhos e me permiti descansar
em seu peito por alguns instantes.
— Você está tão gelada — ele murmurou, esfregando os meus braços
por cima da blusa de frio.
— Desculpe — minha voz soou baixa demais, fraca.
— Não peça desculpas. — Sua recusa soou feroz. — Por favor, não
peça desculpas.
— Sinto tanta vergonha de mim.
— Bonequinha…
— Por favor, traga-a até aqui. — Ouvi uma voz desconhecida, afastei-
me de Jason e ele me amparou quando cambaleei.
Tentei dar um passo, mas minhas pernas estavam bambas, o corpo
pesado.
— Eu a levarei. — Jason ergueu-me, carregando-me até o sofá.
Ele me depositou com cuidado, encolhi-me e fiquei quieta. Queria
sumir, passar despercebida, mesmo sabendo que seria impossível. Aquela
mulher estava ali por minha causa.
— Victoria? — ela chamou, sua voz parecia vir de muito longe. —
Victoria! — Ela estalou os dedos diante dos meus olhos, sacudi a cabeça. —
Olhe para mim, por favor.
Procurei seu rosto.
— O que você está sentindo? — Não respondi, era como se não fosse
comigo que ela falava.
Não a reconheci, a médica que vinha cuidar do meu filho não possuía
aqueles olhos negros tão penetrantes, ou o cabelo vermelho. Ou era a mesma
pessoa e eu nunca percebi? Acaso importava? Não, realmente não importava.
— O que você está sentindo? — Tornou a perguntar. Durante um
longo tempo, eu a encarei, não sabia como dizer-lhe, não queria que aquela
desconhecida com olhar penetrante soubesse meus segredos.
Ela parecia pronta para descobrir, mas eu não permitiria, era
vergonhoso demais.
— Não sinto nada. — Fechei os olhos, permitindo que um suspiro
cansado escapasse dos meus lábios. — Durante um tempo estava tudo bem,
agora, não.
— Você deve sentir alguma coisa — insistiu.
O que ela esperava que eu dissesse? Que me sentia sozinha e que
lutava para não acreditar nisso porque tinha meu filho e a fé de que Deus não
havia me abandonado? Essa estranha esperava que eu revelasse o segredo de
que sentia falta do pai do meu filho e que eu me odiava por isso? Ela queria
que eu dissesse que, antes de perceber, encontrei-me afundada em um vazio
que me congelava até os ossos?
Por que essa mulher acreditava que eu lhe contaria algo?
— Victoria, seja franca. Você com certeza sente algo. — Ela foi mais
firme.
— Se você acha isso, por que insiste em perguntar? Que diferença faz
nomear o que sinto? — Ela me confundia.
— Se esforce, procure algum sentimento, o que esteja mais aflorado.
Fale-me sobre ele.
Olhei para a mulher com mais atenção. Diferente da médica que vinha
para cuidar de Gianne, essa tinha um caderninho e sua atenção não estava em
minha gestação, e sim em mim. Olhei ao redor, estávamos sozinhas.
— Eu gostaria de sair daqui. Você não é minha obstetra.
— Victoria, eu sou sua médica também. — Ela modulou a voz. —
Estou aqui para ouvi-la, para conversar e ajudar a entender seus sentimentos.
Confie em mim, abra o coração, se continuar nesse ritmo, vai continuar
prejudicando o seu bebê.
Engoli em seco, de tudo que poderia dar errado comigo, a última
coisa que eu queria era que meu filho fosse prejudicado.
— Qual o seu nome? — perguntei, numa tentativa de mudar o seu
foco.
Ela colocou o caderninho de lado, depois levantou e sentou-se ao meu
lado. Assustei-me quando ela pegou minhas mãos.
— Me chamo Regina, sou uma amiga de longa data do seu pai. —
Ela sorriu. — Atuo na área da psicologia e estou aqui para te ajudar, se você
permitir.
Inclinei a cabeça, julgando que o brilho em seus olhos ao falar do meu
pai era mais do que ela queria demonstrar.
— Você gosta dele? — Lancei a pergunta à queima-roupa.
Por um instante, ela pareceu desconcertada, mas logo tratou de
reassumir o controle.
— Estou aqui por você, Victoria. — Ela baixou o tom, para algo
confidencial. — Estou aqui, como sua médica, e para tanto, tudo o que me
disser será em segredo. Minha ética profissional impede que eu revele
qualquer coisa que me diga, não importa quem pergunte, ou o quão grave
pareça.
— Não confio em você.
— Eu sei que não, mas faça um esforço, apenas desabafe, diga-me o
que não tem coragem de dizer para eles — ela incentivou. — Você precisa
liberar os sentimentos, saber como navegar sobre eles e compreendê-los. Não
guarde tudo, isso faz muito mal a você e ao bebê.
— Estou cansada. — Puxei as minhas mãos. — Eu queria poder
dormir.
— Por que está cansada?
Esfreguei meu rosto, sentindo-me desgastada.
— Não consigo dormir. — Olhei ao redor, querendo poder voltar ao
meu quarto.
— Por que não?
— Pesadelos.
— Com o quê? — perguntou, interessada.
— Não vou dizer.
Ficamos em silêncio. Para mim, estava ótimo assim, talvez ela
percebesse e fosse embora.
— Você sabe há quantos dias chegou ao Brasil? — Neguei, eu não
fazia ideia. — Você está aqui há vinte dias. Pelo que me informei, está perto
de fazer quatro meses de gravidez.
Franzi o cenho quando me lembrei do que a obstetra que veio me
visitar disse.
— Não, estou perto de fazer cinco.
— Como você sabe? — Havia um sorriso singelo nos lábios da
doutora.
— Eu sei. — Estreitei os olhos. — Aonde você quer chegar?
Olhando melhor para ela, percebi que a doutora Regina realmente se
preocupava comigo. Eu não sabia se por gostar do meu pai, ou por ser do tipo
que gostava de resgatar pessoas perdidas.
— Soube que você passa muito tempo na varanda do seu quarto —
sondou. — O que sua família acha disso?
— Disso o quê?
— De você ficar o dia todo na varanda. Por acaso, você se sente
atraída? Já questionou a quantos metros de altura estamos?
Notei que ela escolheu as palavras com cuidado.
— Não, doutora Regina, eu nunca parei para pensar nisso. Por que, eu
deveria?
— É uma altura significativa, você não tem medo?
Olhei para ela, que outra vez sustentou meu olhar. Era estranho, mas
suas perguntas estavam aflorando algo novo, que eu ainda não sabia nomear.
— Onde você quer chegar? — Ela sorriu, atenta a tudo o que eu dizia.
— Aonde você quiser. Agora, por favor, responda a minha pergunta.
— Não fico encarando o chão. Ainda não tive essa curiosidade.
Senti meu rosto esquentar, desviei o olhar. Incomodava-me que ela
pensasse besteira, mas, então, não era o que todos eles pensavam? Eu tinha
quase certeza de que sim.
— Você é uma pessoa religiosa? — Havia real interesse em sua voz.
— Já respondi isso antes. Em algum lugar.
— Tudo bem, mas, tenho certeza de que não falou para mim, então
vamos lá, diga-me, você é uma pessoa religiosa?
— Acredito em Deus acima de todas as coisas. — Olhei para ela. —
Ele me sustenta e norteia, quando nada mais é capaz.
— Como assim?
— Não vou contar para você, ou qualquer outra pessoa. Meus
segredos são apenas meus.
Fizemos silêncio, esperei que ela fosse embora para que eu pudesse
comer alguma coisa e ir para o quarto, mas a doutora Regina não parecia
disposta a colaborar comigo.
— Você ainda o ama, não é?
Minha cabeça chicoteou quando a encarei. Senti meu coração acelerar
e a boca ficar seca. Escondi as mãos para que ela não notasse o quanto
tremiam. Como ela poderia saber?
— Você ama o pai do seu filho, Victoria?
A negativa veio na ponta da língua, mas, antes que eu percebesse,
estava afirmando.
— Eu o amo demais — confessei baixinho. — Não consigo superar, e
isso faz com que eu sinta uma corda ao redor do pescoço. Envergonho-me.
Eu não deveria amá-lo como faço.
— Primeiro de tudo, um sentimento tão forte quanto o amor não pode
ser desligado com um interruptor, ou quando queremos. — Suas palavras
despertaram meu interesse. — Não é como se você pudesse simplesmente
deixar de senti-lo.
— Por um momento, eu pensei que fosse capaz. Houve uma vez que
olhei para ele e não senti que era apelativo para mim. Pensei que o amor
havia acabado ali.
Algo gritava dentro da minha cabeça para que eu ficasse calada, mas,
quando a primeira palavra saiu, as outras amontoaram em desespero,
querendo escapar também.
— Você não o tem visto, não é?
— Não, ele está na Inglaterra, e eu não quero ter contato com
absolutamente nada. Não pego o celular para não ter curiosidade de saber o
que estão falando de mim. — Olhei para as minhas mãos. — Eu pensei que
pudesse odiá-lo, eu o odeio, mas, também o amo. Eu… sou uma vergonha,
traindo-me desta forma. Estranho, mas eu pensei que seria mais fácil passar
por isso, não era para eu estar… — Parei um momento. —… desse jeito.
— Victoria, ouça-me. — Ela tocou gentilmente em meu queixo,
pedindo que eu a olhasse. — Amor e ódio são sentimentos que caminham
lado a lado, há quem diga que um é o tempero do outro e que ambos se
necessitam. Não pense que você é a única a viver tal dilema, milhões de
pessoas passam por isso. Mas todos os processos são diferentes e grandes
emoções, como estas, sempre deixam marcas.
— Por que não consigo esquecê-lo? — Não pude evitar o embargo na
voz. — Eu só queria poder esquecê-lo.
— E o que te impede?
— Saudade. — Minha voz soou tão baixa, e mesmo assim não pude
esconder a vergonha. — Antes, ele sempre estava lá, como uma sombra
silenciosa. Era mais fácil eu ignorar e acreditar que não sentia nada. Agora,
depois de todos esses dias sem contato, sem ouvir sua voz ou vê-lo, descobri
que ele faz muita falta, mas também me recuso a aceitar que sou idiota a esse
ponto.
— Você não é idiota. — Foi categórica. — Você não viveu um luto
pelo fim desse amor, e saber por quê?
Neguei.
— Porque ainda não acabou. Admitir isso, como você faz, torna tudo
mais fácil. — Ela sorriu. — Se você entende os seus sentimentos, pode tratá-
los com respeito, sejam eles quais forem. Assim, não poderá ser enganada,
tampouco enganar outrem.
— Então, o que eu farei? Sinto-me sufocar a cada dia mais.
— Você precisa sentir, viver a dor, o amor. Não escondê-lo. Se quer
superar, não deve tratá-lo como algo ausente. Eu posso perceber que ainda
está forte em você e que é tormentoso. — Ela respirou fundo. — Agora, eu
estou aqui para te ajudar a canalizar suas energias para o que te fará bem.
Vamos conversar, buscaremos entender os sentimentos para que você possa
enxergar e ouvir a si mesma.
— Ninguém pode me ajudar.
Recostei no sofá. Exausta.
— Você não pode me fazer esquecê-lo, tampouco tirá-lo da minha
cabeça e dos meus pensamentos constantes. — Respirei fundo. — Você pode
trocar meu coração, doutora Regina? Preciso de outro que seja tão bom
quanto o antigo que eu tinha.
— Vamos com calma, tudo bem? — Ela tentou sorrir. — Vamos
subir um degrau de cada vez. Apenas confie que tudo vai dar certo e que você
jamais estará sozinha.
Concordei porque era o que eu deveria fazer. Talvez, aquela mulher
fosse o que eu precisava para encarar as coisas do jeito certo e aprender o
caminho que me levaria para mais perto do que eu era.
— Doutora.
— Me chame apenas de Regina. — Ela sorriu, sua atenção toda em
mim.
— Eu gostaria de dormir, pode me ajudar com isso?
O sorriso apagou de seus lábios, um suspiro os deixou.
— Não é aconselhável que você tome qualquer tipo de remédio que
não seja vitaminas, mas, faremos assim, tente ir diminuindo o ritmo, comece
uma rotina de preparo para dormir. Se não funcionar, então, irei conversar
com sua obstetra e ver o que pode ser feito. — Ela pegou minhas mãos, eu
sabia que estavam frias. — Se precisar, me chame a qualquer hora, virei
correndo.
— Tudo bem.
— Pense sobre o que conversarmos, não guarde o que você sente, isso
vai ser pior. Não importa o quanto doa, é melhor sentir tudo para que aos
poucos deixe os sentimentos irem. — Ela me deu um olhar confiante. —
Durante esta semana, virei todos os dias, acredite, vai dar tudo certo.
Concordei, pois não me restava outra coisa a fazer.
Victoria

No silêncio do meu quarto, observei o céu estrelado e a lua iluminar o


mar com um brilho prateado. Durante o dia, o que eu conseguia vislumbrar
da minha varanda era uma profusão de cores.
Antes, não percebi o encanto que a bela vista me proporcionava,
agora, depois de conversar com a doutora Regina e de compreender que ela
tinha razão ao dizer que eu deveria sentir, as emoções atropelavam-se. No
primeiro dia foi horrível, mas, hoje, não era mais. A dor parecia amainar,
desabafar havia se tornado uma coisa muito boa.
— Menos a saudade. — Puxei o cobertor.
A cada dia, eu sentia mais e mais saudade de Rocco. Queria tê-lo por
perto nem que fosse para mandá-lo ir embora. Era estranho admitir que o
silêncio de sua ausência doía até mais que as lembranças.
Ainda que eu fosse refém dos pesadelos, e que continuasse sendo
difícil dormir, passei a compreender que não era vergonha nutrir sentimentos
por Rocco. Isso não me tornava um monstro, tampouco diminuía tudo o que
tinha acontecido. Se pudesse escolher, eu escolheria esquecê-lo para sempre,
mas, como a doutora Regina havia falado, isso não era como apertar um
botão.
Ela me deu coisas sobre as quais pensar, e minha família
proporcionou o espaço necessário. Bem, nossa conversa não saía da minha
cabeça e a aceitação que eu precisava ter sobre meus próprios sentimentos era
importante para meu processo de cura.
Parecia até mentira, mas, desde o meu primeiro e relutante encontro
com a psicóloga, passei a desejar suas visitas.
Cocei os olhos, lutando para mantê-los abertos. O céu já dava os
primeiros sinais de que amanheceria em breve, o sono estava tentando
vencer, mas era uma rotina receber o sol. Hoje, isso parecia impossível.
Levantei, cambaleando enquanto lutava com o sono. Um bocejo
arrancou-me lágrimas, senti a exaustão rastejando por meu corpo. Eu não
fazia ideia de há quantos dias não dormia, ainda tinha medo de colocar tudo a
perder se sonhasse com algo que não queria.
Em partes, eu esperava que a doutora Regina me passasse algum
calmante, mas em nenhuma das três sessões que tivemos ela fez isso. Sempre
dizia para eu relaxar e não lutar contra o sono, não importando a hora, eu
deveria deitar e dormir.
— Sinto muito, doutora — murmurei, aproximando-me da varanda.
Segurei as bordas de vidro para me firmar, a muleta estava descartada
ao meu lado. Respirei fundo, aceitando o ar da noite. Havia uma paz na
madrugada que eu não saberia descrever, o silêncio era bom, e não havia
ruídos que me impedissem de pensar.
Sem que eu quisesse, meus olhos vagaram pela torre mais próxima,
algumas luzes estavam acesas, pude ver que havia uma festa em um
apartamento mais abaixo. As pessoas dançavam, alguns casais aproveitavam
na varanda.
Desviei o olhar, sentindo-me ridícula por estar espiando. A estas
horas, não conseguia ver muita coisa da área comum, apenas as luzes bem
colocadas. Algo ali me chamou atenção.
Parecia haver um caminho traçado por luzes. Mas, aonde levariam?

***

Uma batida suave em minha porta chamou minha atenção. Sentei-me,


arrumando os cabelos quando meu pai entrou.
— Sua médica chegou. — Senti um frio na barriga.
— A doutora Regina? — Não escondi a felicidade em meu tom, mas,
ele negou.
— Não desta vez, agora realmente é a obstetra.
Na primeira visita da minha psicóloga, ele mentiu para mim, mas não
o questionei. No final, foi para o meu bem e me ajudou bastante.
— Tudo bem, eu estou pronta.
Ajeitei as minhas roupas enquanto ele ia chamá-la. Não queria parecer
tão descuidada, mesmo que estivesse.
— Bom dia, querida. — A minha obstetra entrou, o sorriso acolhedor
fez eu me sentir envergonhada. Eu deveria estar na sala esperando-a, mas,
não, pela segunda vez, ela me encontrou em meu quarto, parecendo uma
pária. — Tudo bem? Como anda se sentindo?
Pigarreei. Passava tanto tempo sozinha e sem conversar que a
garganta parecia seca.
— Um pouco enjoada, dolorida.
— Dolorida? — Encarou-me, séria. — Onde?
— Nos ombros e costas. — Olhei para o meu pai, ele entendeu e saiu
do quarto, fechando a porta atrás de si. — Ainda não consigo dormir.
— Victoria, tire-me uma dúvida — Ela sentou ao meu lado. — Você
me disse em nossa primeira consulta que está tendo problemas para dormir,
mas, me explique uma coisa, como é esse problema? — Franzi o cenho, não
entendi o que ela queria dizer e isso deve ter transparecido, pois continuou:
— Você perde o sono? Ou ele simplesmente não chega?
— Mais ou menos.
— Olha, eu consigo ver o quão exausta está, dá para notar no seu
semblante. E já contei quatro bocejos. Você parece estar morrendo de sono.
Desviei o olhar, bom, eu tinha sono, muito na verdade. Mas era eu
quem me obrigava a aguentar o máximo antes de sucumbir. Se fizesse isso,
conseguia apagar e não sonhar com nada, mas aos poucos esta atitude estava
cobrando um preço.
— Eu espero ficar muito cansada. Falei com a doutora Regina sobre
isso, se eu dormir todos os dias, terei pesadelos.
— Olha, eu não quero te assustar, mas o meu papel aqui como sua
médica é tentar preservar seu estado de saúde. Victoria, você está gestante,
uma boa noite de sono é fundamental para você e o bebê.
O sentimento de culpa voltou. Mesmo considerando que eu estava
melhorando, ainda havia uma barreira que eu não conseguia transpor, e ela
ficava no inconsciente. Eu tinha certeza de que se tentasse dormir, sem estar
morta de cansaço, eu voltaria para o lugar que não queria ir.
— Deixe-me examiná-la, depois a gente vai conversar mais.
Ela tirou alguns equipamentos da bolsa e os arrumou. Depois,
começou a rotina de pré-natal.
— Você ainda está abaixo do peso. Não gosto disso. — Suspirou, a
testa franzida. — Você precisa fazer caminhada, tomar um pouco de sol.
— Tudo bem, eu vou tentar. — Acariciei a minha barriga. — Estou
melhorando, doutora, e eu farei de tudo para ficar bem.
— É muito bom ouvir isso, querida. — Sorriu. — Você está com
dezessete semanas, era para ter ganhado alguns quilos até aqui, mas desde a
nossa última consulta, você apenas perdeu. Você compreende que isso não
pode continuar?
— Eu sei. — Engoli o nó em minha garganta.
Minhas emoções estavam reagindo à expressão de descontentamento
dela, e à sua evidente preocupação. Não pude evitar me sentir negligente, eu
estava dando total ênfase ao que eu sentia, quando deveria fazer tudo que
estivesse ao meu alcance para cuidar do meu filho.
— Deite-se, vamos escutar o coração desse bebezinho com o sonar.
— Obedeci, com medo do que ela havia dito, e me culpando por estar
fazendo tudo errado.
Ela passou gel, depois começou a deslizar o aparelho por minha
barriga, para ouvir o bebê. De repente, o som forte e rápido se fez ouvir
através da pequena caixa portátil. A emoção me dominou, era felicidade.
Em momentos como este, tudo ficava em segundo plano.
— Isso, é assim que eu gosto, forte. — Lançou-me um sorriso. — Por
favor, vamos cuidar para que você chegue às quarenta semanas com
tranquilidade. Não descuide da sua dieta, coma bem, beba bastante líquido.
— Sim, doutora, eu vou fazer isso.
— Eu tenho certeza de que seu bebê vai nascer saudável, mas você
precisa ajudá-lo para que isso aconteça. — Ela me encarou, séria. — Você
está pálida, trêmula, cheia de olheiras. Levar uma gravidez requer muito do
corpo da mulher, e se você não se cuidar, temo complicações. — A doutora
segurou minha mão. — Por favor, se esforce, querida, por você, pelo seu
lindo bebê, fique forte e o ajude a ficar também.
Suas palavras mudaram algo dentro de mim, senti uma chamada de
necessidade. Era quase uma compulsão seguir o que ela me dizia para que
meu bebê ficasse forte e saudável. Eu jamais me perdoaria se algo
acontecesse com ele por minha causa.
— Eu vou me cuidar, prometo. Confie em mim, não serei negligente!
— As palavras atropelaram-se, não pude esconder o quanto eu estava ansiosa
e disposta a fazer o que fosse possível.
— Seus exames estão bons, creio que, com o suplemento vitamínico,
a anemia reincidente vai melhorar. Na próxima consulta, irei mandar
refazerem os exames de sangue. — Ela marcou seu retorno em meu cartão.
— Eu tenho certeza de que vai dar tudo certo, falta pouco para estar na
metade da gestação, logo o bebê vai começar a mexer com mais ênfase, você
vai adorar. Mas, como falei, cuide-se, não seja negligente com sua saúde.
Quando ela saiu, encolhi-me de lado. O que eu estava fazendo da
minha vida? Meu Deus, o que eu estava causando ao meu filho? A porta do
meu quarto abriu, e eu fechei os olhos.
Senti o toque suave em meu rosto.
— Bonequinha. — A voz baixa de Jason me fez buscá-lo.
Pela primeira vez, realmente parei para enxergá-lo. Havia olheiras
embaixo dos seus olhos, linhas de expressão marcavam seu rosto cansado.
Em seus olhos verdes, vislumbrei angústia.
— Brother. — Toquei seu rosto, acariciando-o. — Adoro você.
Ele fechou os olhos, aceitando o carinho.
— Sinto-me péssimo, não suporto te ver assim e não sei o que fazer
para te ajudar — falou baixinho. — Eu queria aquela sua alegria de volta,
queria que fosse como antes.
— Eu também quero, e eu vou tentar mais, vou lutar com afinco. —
Não percebi que estava chorando. — Não vou permitir que o passado e o que
aconteceu sejam mais fortes que eu.
— Eu sei que você é forte. — Ele sorriu. — Você me lembra alguém.
— Quem?
— Meu irmão caçula. Tentaram quebrá-lo de todas as formas. Mas ele
não permitiu isso, acabou se tornando alguém mais forte, ouso até dizer,
indestrutível.
— Você vai me levar para conhecer sua família quando?
— Um dia, quando você, eles e eu estivermos prontos. — Ele ficou
sério, encarando-me. — Eu amo você como amo aos meus outros irmãos.
Não importa que não seja do meu próprio sangue, sinto como se fosse, está
em meu coração a nossa conexão. Quando nos conhecemos, eu estava
vivendo em um exílio autoimposto, longe da minha família e de tudo que
aconteceu quando meu irmão foi sequestrado e meu pai morto. Mas, então, de
alguma forma você me enxergou, acolhendo-me, sem pedir nada em troca. —
Jason respirou fundo, buscando controle, chocava-me que ele estivesse
dizendo tudo aquilo. Sempre foi um homem de pouquíssimas palavras. —
Você foi minha segurança, por favor, não tire isso de mim. Já perdi tanta
gente importante, não quero perder você também.
— Jason. — Toda desajeitada, puxei-o para um abraço. — Você é
meu irmão, o escolhido do meu coração e nunca vai deixar de ser.
Eu percebi que as pessoas que me amavam talvez sofressem até mais
que eu. Não podia deixá-los viverem dessa forma. Era injusto com todos eles,
principalmente com meu filho.
— As coisas vão mudar, eu prometo, brother, as coisas irão mudar.
Que fosse por bem ou por mal, fácil ou difícil. Eu não ia ficar quieta,
esperando que milagrosamente tudo voltasse ao normal.
Jason confiou em mim. Eu não sabia exatamente como havia
acontecido, mas desenvolvemos esse laço fraternal e, para mim, ele era
inquebrável.
— Levanta da cama, vamos até o terraço da cobertura.
— Lá fora? — Engoli em seco, nervosa de sair do meu canto.
Mas, eu precisava fazer isso. Hoje, seria o terraço, amanhã, eu poderia
ir explorar os arredores das torres. Aqui era imenso e cheio de lugares para
passear sem precisar necessariamente sair dos limites do condomínio.
— Vamos, eu quero ir lá fora.
O sorriso que Jason me deu foi enorme, ele me ajudou com as muletas
e foi me guiando. Antes, eu não havia prestado atenção, mas o apartamento
era gigantesco, muito bem decorado. Luxo e riqueza gritavam em cada
detalhe.
— Tem uma piscina, e a vista é incrível. — Jason parecia animado.
— Aqui faz um calor insuportável. Laura foi um dia para a praia e voltou
parecendo um camarão.
— Eu estou ouvindo isso, Jason! — A voz indignada da minha tia
soou, virei para olhá-la, e ela sorria, os olhos brilhando ao me encarar. — Eu
não estava vermelha, apenas ao ponto do chef.
— Para mal, né? Laura, você parecia um tomate. — Jason cutucou.
Não pude evitar a risada que escapou. Realmente, o sol do Rio de
Janeiro era implacável, mas eu ainda não havia tido a oportunidade de
confrontá-lo.
Quando chegamos ao terraço, surpreendi-me com a beleza estonteante
do lugar. Daqui, eu conseguia enxergar o imenso campo de golfe, a lagoa e o
mar. O céu era tão azul que não havia nuvens.
O calor cresceu aos poucos, foi delicioso sentir-me aquecida quando
vinha sentindo tanto frio. Ergui a cabeça para receber mais daquela sensação
libertadora.
De onde estava, pude enxergar com clareza as outras três torres do
condomínio. Duas mais afastadas e menores, outra, mais próxima e da
mesma altura da que eu morava.
— Eu nunca imaginei que fosse morar em um lugar tão chique — tia
Laura falou. — Acredita que eu tenho vergonha de encontrar as pessoas? Isso
aqui ainda é muito surreal.
— Tia…
— Deixe, eu vou me adaptar. — Piscou um olho, indo recostar na
mureta.
Fui ao seu encontro e me apoiei, olhando para baixo.
— Cuidado. — Jason se aproximou, segurando meu braço. — É
incrível, não é?
— Surreal, olha todas essas cores, brother, isso aqui é muito lindo.
Ainda me chocava a riqueza daquela construção. A área comum do
condomínio era primorosa.
— Os carros têm uma entrada subterrânea, e há também carrinhos de
golfe para andar por aí.
— Inacreditável. — Estreitei os olhos, tentando ver a esta altura se o
que estava lá embaixo parecia mesmo um labirinto. Eu não sabia se era por
causa do horário, mas a torre ao lado sombreava o local, não me deixando ter
certeza.
— Jason, o que é aquilo ali? — Apontei.
— Quando estava verificando a área, vi esse jardim. — Ele recostou-
se na mureta, parecia bem relaxado.
— É um jardim?
— Sim, quando você chegar ao centro, irá se deparar com as mais
variadas espécies de rosas. Contei cerca de seis cores quando fui lá.
— Seis cores? Então é um jardim primavera? — Senti uma leveza na
barriga, depois, um pequeno chute.
Meu Gianne concordava que aquele seria o primeiro lugar que
visitaríamos quando eu tivesse coragem de sair.
— Vem, vamos entrar. Está ficando muito quente.
Pela primeira vez desde que cheguei aqui, eu almocei com a minha
família. Foi muito bom notar a felicidade em seus rostos e a descontração
com que mantinham o tema voltado às tentativas desastrosas de tia Laura se
bronzear.
— Ela viu uma mulher bronzeada e colocou na cabeça que queria
experimentar, o problema é que a pele dela parece ter outras ideias. —
Ricardo deu uma risadinha.
— Eu vou chegar lá, agora não tenho mais aquela cor de cera de vela,
não é, Victoria?
— Claro que não, a senhora está linda.
— Mesmo parecendo um flamingo rosado? — Ricardo provocou,
recebendo um tapa no ombro, todos riram, porque ela afirmou categórica que
ia continuar até o tom rosa da pele virar um belíssimo dourado, beijado pelo
sol.
Era isso que eu estava deixando de viver? A resposta foi um sonoro
sim. Então, por mais que houvesse momentos em que eu gostaria de ficar
sozinha, não ia afastá-los outra vez.
Hoje, eu sabia que foram as palavras das doutoras e suas
preocupações que me deram o alerta. Regina me fez parar para pensar e
minha obstetra também. De modos diferentes, ambas conseguiram atingir-
me.
Eu não sabia como seria o dia de amanhã, todavia, não ia ficar quieta
esperando algo que nem sabia o que era. Ia aceitar toda a ajuda possível.
Por mim, pela minha família e pela criança que eu carregava em meu
ventre.
À noite, quando todos foram dormir, eu tive medo. Passei o dia
tirando pequenos cochilos que não me permitiam sonhar, agora temia o que
os sonhos poderiam trazer.
Não queria voltar para aquele bar e ver Rocco com aquelas mulheres.
Tampouco visualizar em cenas reais tudo o que Susan tinha falado. Era
sempre tão difícil acordar, porque eu achava que estava vivendo tudo de
novo.
Outras tantas vezes, eu sentia que ia enlouquecer, sonhava que estava
caindo, e não conseguia me mexer. Era quase como se pudesse sentir o
desespero daquele acidente do qual eu não lembrava.
— Avance sobre a questão, Victoria. — Respirei fundo, prendendo o
fôlego por alguns instantes. Depois, fui soltando devagar, repeti o processo
algumas vezes.
Aos poucos, busquei o centro do meu equilíbrio e consegui encontrá-
lo.
— Já passou. Você não vai voltar para lá, porque não é o seu lugar.
Antes, eu me encolhia e sofria, agora, eu lutaria contra as garras
insidiosas do medo. Mais cedo ou mais tarde o sono e eu nos encontraríamos,
até lá, eu viveria com o que tinha.
Sentei em minha cadeira, arrastando a colcha para mim. Fazia um frio
gostoso, o vento que soprava do mar era refrescante.
— Vamos lá, bebê, para mais uma longa noite.
Um chute suave foi minha resposta. Até ontem, eu mal o sentia
mexer, parecia que eu estava tão afundada em meus próprios sentimentos que
esquecia o entorno, e que estava em um momento único da minha vida.
— Estou aqui, amor. — Empurrei o tecido que me cobria e ergui a
blusa, descobrindo a minha barriga. — Gosto das mudanças que você está
fazendo em meu corpo.
Por enquanto, apenas meus seios e a barriga cresceram, eu ainda
estava magra demais, com ossos salientes, e isso não me tornava uma grávida
bonita.
— Vou consertar as coisas, você e eu ficaremos bem. Prometo.
Ele me deu pequenos chutes. Ri baixinho, emocionada de que
estivesse me respondendo.
Estranhamente, senti-me observada, mesmo achando que era absurdo.
As pessoas ali eram ocupadas demais, pois cuidavam de suas próprias vidas.
Não tinha como alguém estar olhando para mim, porque não havia nada de
interessante para ver.
Incomodada, fui até a balaustrada, tentando enxergar alguma coisa
dos outros apartamentos da torre em frente. A cobertura ficava na mesma
altura, mas ela nunca esteve com suas luzes acesas. E eu tampouco vi
qualquer movimento nela. As cortinas estavam sempre fechadas.
— Que estranho. — Segurei no balaústre da varanda, olhando para
baixo.
O jardim labirinto chamou minha atenção, pois havia luzes que
mostravam o caminho do que parecia ser o centro. A essa distância, as luzes
pareciam uma serpente.
A curiosidade começou a rastejar por mim, e eu me afastei, voltando
para minha cadeira. Infelizmente, eu estava vivendo de acordo com os
pequenos progressos e detalhes que chamavam minha atenção.
Mas não hoje. Nada me faria sair daqui.

***
Após a visita da minha obstetra, e de suas preocupações, prometi que
iria me esforçar e eu estava cumprindo minha palavra. Grande parte do meu
conforto eu devia a minha família, pois eles não faziam perguntas, apenas me
incluíam em seus mais variados assuntos.
Aos poucos, senti que me tornava parte de uma rotina legal, passei a
esperar as refeições, nas quais todos ficavam juntos; o banho de sol no
terraço da cobertura. Jason estava sempre ao meu lado, tia Laura também.
Eu sentia falta da minha avó, mas, pelo que eu soube, ela estava
surtando com a coleção outono-inverno e vários casamentos da elite carioca.
— Hoje nós teremos companhia para o almoço — meu pai falou, ele
parecia um pouco envergonhado. — Convidei Regina. Tudo bem para você,
filha?
— Tudo ótimo. — Pisquei um olho.
Eu ainda não tinha parado para pensar que eles poderiam estar
desenvolvendo algum tipo de relação, mas o fato era que, se estivessem, para
mim estava ótimo. Segundo o que eu soube, eles eram amigos de longa data,
gostavam das mesmas coisas, então, por que não?
— Pai, eu não me importo se você namorar.
— Victoria! — Ele engasgou com sua bebida. — Eu não penso, quero
dizer, eu não estou namorando ou algo do gênero. É somente que hoje está
um dia lindo, e eu a convidei porque…
— Pai, pai, tudo bem. — Segurei sua mão, pois ele parecia nervoso.
Respirou fundo, encarando-me seriamente.
— Desde a sua mãe, não tive outra mulher. Não sei me relacionar do
modo que você está pensando. — Coçou o queixo. — Somos apenas amigos,
só isso.
— Você deveria se permitir. — Apertei sua mão. — Você é jovem,
lindo, um bom partido. — Ele fez careta. — E a doutora Regina é
maravilhosa, eu gosto dela. Então, pai, eu aprovo.
Apesar de sua aparente relutância em admitir, pareceu-me aliviado.
Durante o almoço, prestei atenção em como eles se comunicavam. Meu pai
falava algo, Regina prestava atenção, seus olhos castanhos brilhando. Às
vezes, ela colocava uma mecha de seu cabelo flamejante atrás da orelha, e
meu pai acompanhava o movimento.
— Pai, você já mostrou à Regina o terraço? — perguntei, enchendo
outra taça de sorvete de chocolate. — A vista é incrível, inclusive, estou
pensando, por que não vamos todos para lá? Tem uma parte sombreada, eles
podem jogar e nós vamos conversar.
— Obrigada, Victoria, eu adoraria conhecer o terraço.
Pouco tempo depois, eu estava sentada confortavelmente em um
futon, observando meu pai, Jason e Ricardo levarem a sério uma disputa na
mesa de bilhar.
— Victoria hoje está tão diferente do que era semana passada — tia
Laura iniciou a conversa. Eu apenas concordei.
Eu tinha que estar, meus esforços não poderiam ser em vão.
— Nem parece que faz pouco tempo que começamos nossas sessões,
você é uma grata surpresa. — Regina sorriu, bebericando sua água
saborizada.
O dia estava fresco, apesar de ensolarado. Eu sentia que as coisas
estavam começando a entrar nos trilhos e isso me incentivava a continuar
seguindo o mesmo ritmo, tentando diariamente não me perder.
— Eu agradeço. Você e Tânia, minha obstetra, me muniram do que eu
precisava para iniciar o processo de mudança. — Acariciei a minha barriga.
— Meu filho precisa que eu esteja inteira para ele, é só isso que importa.
— Muito bem.
Talvez, se tia Laura não estivesse ali, ela me perguntasse sobre meus
sentimentos. Ela sempre perguntava, e a resposta continuava a mesma. A
saudade de Rocco era tão absurda que eu sentia como se me queimasse,
várias vezes me pegava pensando nele, em como estaria. A covardia era
quem não me permitia buscar informações. Eu não queria saber o que ele
estava fazendo porque temia a resposta.
— Eu vou buscar meu celular, volto já. — Tia Laura levantou-se,
assim que se afastou, a pergunta foi feita.
— Como têm sido os seus dias? — Ela sempre começava assim. — E
antes que pergunte, não estamos em uma sessão, mas estou te vendo com um
aspecto tão bom, que me animo a falar sobre isso com você.
— Estão melhores, você sabe. — Sorri verdadeiramente quando meu
pai gritou ao vencer Ricardo. — Minha família é incrível, eles nunca me
deixam sozinha.
— E está conseguindo dormir?
Fiz careta. Tirava cochilos de meia hora, várias vezes ao dia. O
relógio despertador servia como um fiel companheiro. Não dava nem tempo
de sonhar, mas também, eu não conseguia descansar o suficiente.
— Victoria, você não pode ter medo de dormir.
— Estou indo com calma, não quero perder toda a evolução que
adquiri na última semana. — Parei um momento, sentindo meu filho chutar.
— Eu só estou sendo precavida.
— Querida, você melhorou muito, e em tão pouco tempo. — Ela
pegou minhas mãos, dando um aperto firme. — Não tenha medo, você
precisa dormir.
Uma semana de tratamento era pouquíssimo tempo para constatar
uma evolução tão boa, mas eu estava tentando com muito afinco, não olhava
para trás, e quando sentia vontade de fazê-lo, simplesmente lutava contra.
Rocco era o único elo que eu não conseguia quebrar e, para ser sincera, eu
nem sabia se conseguiria.
O que eu sentia por ele era como uma tormenta que derrubava tudo a
sua volta.
— Tudo no seu tempo, doutora.
Ela fez por bem não continuar com aquele assunto, então, resolveu
mudar a pauta para algo que ainda continuava relacionado a mim.
— Quando vai voltar à fisioterapia?
— Ainda não sei. — Olhei a minha perna, ela estava cômoda apoiada
em uma almofada. — Não quero mexer nisso agora.
— Você consegue pisar no chão? — Neguei, ela sabia que não.
— Meus músculos estão atrofiados, começar a fisioterapia agora
envolveria muita dor física, então, não vou mexer nisso agora.
— Eu conheço um fisioterapeuta maravilhoso, permita-me trazê-lo
para uma avaliação, por favor?
— Diga-me, quanto desta conversa tem dedo do meu pai?
Uma risadinha foi a resposta que obtive.
— Ele acha que você me escuta mais, então, pediu para eu sondar. Ele
está preocupado porque quanto mais demorar, mais difícil vai ser sua
recuperação.
Olhei para meu pai, ele estava concentrado em sua jogada. Durante
todo esse tempo, ele não invadiu meu espaço, mas sempre me deixou saber
que estava por perto.
— Tudo bem, traga o seu fisioterapeuta. — Seus olhos brilharam.
— Por acaso, é meu filho.
— Se ele for como você, eu sei que estarei ferrada.
Sua risada chamou atenção, meu pai a olhou e, por um momento, eu
notei o deslumbre em seu rosto.
— Isso vai ser interessante. — Meneei a cabeça, levantando-me para
ir espiar minha mais nova obsessão.
O labirinto.
À noite, quando todos dormiam, me peguei encarando a serpente de
luz, exatamente como vinha fazendo nas últimas noites desde que a descobri.
Especialmente hoje, havia uma belíssima lua cheia e um céu
estrelado. Apesar do costumeiro sono, eu sabia que não ia dormir, portanto, a
ideia que surgiu há vários dias parecia cada vez mais sólida.
— Não comece. — Sentei-me na cadeira, puxando o cobertor.
Tentei relaxar e permitir que a suavidade da noite me dominasse. Não
consegui. Meus pensamentos estavam mais limpos, eu raciocinava sobre as
questões que me envolviam e não temia recaída por agora. Sentia-me
preparada para aguentar qualquer coisa, pois estava trabalhando na
positividade e nas coisas boas que eu tinha.
Eu não sabia se esse conhecimento tornava a espera por um novo dia
mais difícil, pelo simples fato de que boa parte daquela apatia horrível foi
embora. Antes eu apenas sentava na cadeira e me perdia até o dia amanhecer,
agora, cada minuto era duramente conquistado.
Eu sentia algo parecido a ansiedade, e outra vez me peguei inclinada
sobre a varanda, o olhar fixo naquele sedutor caminho de luzes.
Eu poderia esperar para ir depois, claro, não seria impossível. Mas
quanto tempo levaria até que o cansaço me vencesse?
— Eu vou. — Respirei fundo, pegando meu casaco. Vesti-o ali
mesmo, certificando-me de qual era a direção correta do labirinto.
Entre as duas torres, em uma parte mais distante.
— Ok. — Peguei as muletas e, antes de sair do meu quarto, tranquei a
porta e guardei a chave no bolso da minha roupa.
Fui em busca de Jason, com certeza ele não se importaria de ir
comigo. Quando cheguei ao quarto do meu irmão, encontrei a porta
encostada. Espiei e o avistei dormindo com a janela aberta. Parei um
momento para admirá-lo. Todos estavam exaustos, mas Jason parecia estar
no limite. Ele era um dos que sempre estiveram perto demais. Quase todos os
dias, ele agia como um vigilante silencioso, sentado no chão do meu quarto.
Agora, ele estava se permitindo descansar, porque todos acreditavam
que eu estava dormindo também.
— Brother. — Suspirei, ao vê-lo agarrado a um travesseiro, roncando
baixinho.
Saí dali tomando o cuidado de não fazer barulho. Esse seria um
momento perfeito para desistir, mas antes que pudesse realmente pensar
melhor sobre o assunto de sair sozinha de casa, eu já estava indo para o
elevador.
Levei alguns instantes encarando o painel digital, depois, apertei o
botão que considerei ser o correto. Um lado era de vidro e, enquanto eu
descia, um frio na barriga me fez tremer um pouco. Sentia-me uma
aventureira, e aquela emoção foi muito boa.
Depois de tantos dias nebulosos, o sentimento novo era gostoso
demais. Quando as portas se abriram, deparei-me com um mezanino elegante,
em tons de madeira polida. O chão brilhava como se fosse um espelho, por
um instante temi escorregar.
Atenta, coloquei as muletas para funcionar, satisfeita por estar bem
versada na locomoção.
— Boa noite — cumprimentei os dois rapazes que estavam na
recepção. — Há um labirinto ao lado da torre, é seguro visitá-lo?
— Boa noite, senhorita. — Um deles saiu detrás da bancada. — A
senhorita está se referindo ao jardim secreto das rosas, e sim, é seguro andar
pelas dependências do condomínio a qualquer hora.
— Você acha que há possibilidade de eu conseguir ir até lá?
— Agora? — Ele franziu o cenho, dando uma espiada em um dos
quatro relógios que marcavam as horas. Notei que eram os horários de
diferentes países. — São duas e meia da madrugada, senhorita, tem certeza de
que deseja ir agora?
Eu já estava aqui, não ia voltar atrás.
— Sim, se for possível, claro. — Tentei não focar minha atenção no
relógio que marcava as horas de Londres, mas foi inevitável.
O que será que Rocco estava fazendo uma hora dessas? questionei-
me, imaginando que, pelo horário, ele estaria indo trabalhar.
— Senhorita? — Sacudi a cabeça, voltando minha atenção ao rapaz.
— Pode ir tranquila, o caminho até o jardim das rosas é iluminado. — Ele
encarou as muletas. — Não é longe, mas se quiser, eu posso buscar um
carrinho para levá-la.
— Pelo que pude notar, ele fica bem no meio dessas duas torres. Se
você me indicar o caminho correto, eu posso ir sozinha.
— Será um prazer, venha comigo.
Ele foi bastante atencioso e gentil. Inclusive, andou devagar para que
eu o acompanhasse. Ao sairmos do residencial, fiquei deslumbrada com a
imponência de tudo. Era muito bonito, chique e moderno. Palmeiras
imperiais ladeavam o caminho da entrada principal, adicionado mais
elegância ao lugar.
— Não se preocupe porque não há nenhum caminho escuro na área
comum do Riserva Golf, se prestar atenção, verá que os circuitos de
caminhada são iluminados. — Ele apontou um que se iniciava assim que
chegamos à divisa entre as duas torres. E, sim, a iluminação era delicada, e
não agressiva.
Como tudo ali, parecia milimetricamente calculado para se encaixar
no lugar. Eu com certeza era a única que destoava.
— Ali fica o início do labirinto. Dá para ver a parede de cerca viva,
siga por esse trajeto e depois as luzes na entrada, elas irão te guiar até o
jardim das rosas. Há iluminação extra lá, fica ao lado da entrada, caso queira
adicionar. Há bancos de observação também.
— Obrigada, você ajudou muito.
— Pode ir passear tranquila, como falei, aqui é extremamente seguro,
você não corre qualquer risco.
— Desculpe-me, eu não perguntei seu nome. — Estendi a mão e ele a
apertou.
— Mário, eu sou o responsável pela recepção noturna.
— Prazer, Mário, eu sou Victoria. Obrigada por sua ajuda.
— Disponha. Se precisar, acione o botão vermelho ao lado do painel
de luzes extras, eu irei em seu auxílio.
— Mais uma vez, obrigada.
Segui pelo caminho, e não fui com pressa. Aproveitei cada minuto
daquela ousada liberdade. Não queria imaginar a confusão que seria, caso não
me encontrassem em casa.
— Uma aventura sem perigo, que mal há?
Não levou mais que cinco minutos para que eu chegasse onde queria.
Antes de entrar, encarei o paredão adiante. A poda da cerca viva era tão bem-
feita que ela de fato parecia um muro, era bastante alta, o que me lembrava a
visita que fiz ao labirinto de Longleat quando meus pais eram vivos.
Curiosa, dei um passo à frente, seguindo desde o início as luzes bem
colocadas que me indicariam a direção correta até o centro. Diferente do
labirinto que eu conheci na Inglaterra, este aqui tinha roseiras espalhadas
aleatoriamente. De vez em quando, eu parava para acariciar as pétalas
desabrochadas, feliz, por ter vindo aqui.
— Nem a noite consegue diminuir tanta beleza.
Sentia-me encantada com o perfume doce e suave, por isso não tive
pressa alguma de chegar ao destino. Desfrutei de cada parte do caminho,
parando aqui e ali, cheirando uma rosa, tentando notar se havia diferença nos
aromas.
Algo me dizia que eu iria me surpreender, só que não esperei que
fosse tanto. No momento em que cheguei ao centro, o choque me deixou
momentaneamente sem fala. Não havia cerca viva ali, não consegui ver o
verde, apenas rosas, uma profusão de cores magníficas.
A área parecia uma pequena clareira, a iluminação no chão era sutil e
delicada, porém, entre as flores, havia luzes também, suaves.
— Deus.
No céu, a lua iluminava ainda mais, as estrelas conferindo um cenário
tirado de um sonho. Se eu pensei que minha visita seria rápida, eu estava
enganada. Satisfeita com tamanha recompensa, sentei-me na grama, depois
deitei.
Puxei uma longa respiração, os sons da noite eram os perfeitos
compositores daquele lugar fantástico.
Fechei os olhos, apreciando a solidão, a paz. Pela primeira vez em
muito tempo, meus pensamentos silenciaram. Pensei que poderia ficar ali
para sempre, mas o som de passos chamou minha atenção.
Sentei-me, esperando para ver quem chegaria. Uma silhueta se
formou à distância no corredor do labirinto, quem estava chegando evitava a
iluminação, mantendo-se parcialmente oculto. Aos poucos, percebi que o
intruso tinha uma constituição física robusta.
Minha boca secou, a barriga deu uma cambalhota. Ele aproximou-se,
seus passos firmes. Quando pude enxergá-lo, não acreditei.
O meu tolo coração acelerou, o que senti foi mais que saudade. Era
uma chama ardente, capaz de iluminar a noite mais densa.
— Rocco.
Seu nome escapou dos meus lábios como uma prece de necessidade.
Foi então que eu soube: estava perdida.
Victoria

Eu queria obrigar meu coração a não se regozijar na presença de


Rocco, não queria que minhas mãos tremessem ansiando lhe acariciar.
Desejava ser racional, implacável e firme na decisão de expulsá-lo de minha
vida, mas não conseguia. Também era vergonhoso admitir que, enquanto eu o
via aproximar-se, minha respiração acelerava, antecipando seu toque.
Não seja idiota, levante-se e vá embora! a parte racional gritou,
tentando me alertar.
Permaneci muda, admirando seu caminhar elegante, suave, quase
como um deslizar silencioso. Ele era todo grande, forte, mas seus
movimentos eram tão fluidos que me hipnotizavam. Não havia o mínimo de
dúvida, ele não estava ali para pedir permissão.
Ele sentou-se ao meu lado, perto demais.
Encaramo-nos por um longo tempo, nenhum dos dois parecia saber o
que dizer. Então ele tomou a iniciativa, ao erguer a mão e tocar meu rosto,
com reverência.
Notei que tremia, a emoção dominando-lhe.
— Amor do meu coração. — A voz rouca, com um toque de
selvageria, arrepiou-me.
Fui atingida em cheio, pois pareceu que algo dentro de mim
completava-se, fazendo-me não levar em consideração o amanhã, somente
este momento.
O aqui e agora.
Encarando-o, voltei a deitar. Um convite. Era loucura, eu sabia, mas
não pude resistir.
Nosso momento era um segredo, compartilhado apenas com as
estrelas e aquele jardim secreto, não precisava ser mais que isso. Esperei que
me acompanhasse, e quando o fez, estava tão perto, que o seu cheiro me
circulou.
Fechei os olhos, saboreando o aroma picante de seu novo perfume.
Meu corpo todo o reconheceu, e apesar das ressalvas, estar com ele ali nunca
me pareceu tão certo.
— Senti a sua falta — murmurou. O calor de seu hálito morno
acariciou meu rosto, seus lábios esfregaram-se em minha bochecha, a barba
espessa fazendo cócegas.
Era como se ele não pudesse resistir tocar-me. Antes, Rocco sempre
esteve consciente da necessidade de manter certa distância, agora, não. Ele
estava vindo para tomar, e a idiota aqui estava pronta para permitir.
— Eu também — revelei, e ele gemeu baixinho, como se algo lhe
doesse.
— Deixa eu te abraçar, necessito tanto te sentir contra mim.
Ergui um pouco, para que pudesse deitar em seu braço, e ele me
puxou para si. O calor de seu corpo me rodeou, aquecendo-me como nada
mais foi capaz nas últimas semanas. Rocco estava enorme, maior do que eu
me lembrava, mas ele tremia, o rosto enterrado em meu pescoço.
— Dio santo, temo que este momento não seja real — confessou.
Seu medo era o meu também, então, não pude evitar tocá-lo, sentindo
como seus músculos agitavam-se com o passear dos meus dedos.
Ele afastou-se um pouco, estávamos tão perto, que o senti ao meu
redor. Eu não sabia o que pensaria quando o dia amanhecesse, mas agora não
estava pronta para confrontar meus receios.
— Senti tanto a sua falta. — Beijou minha testa. — Pensei que fosse
enlouquecer.
— Rocco. — Ele fechou os olhos, estremecendo de novo.
— Diga outra vez. — Sua voz continha exigência, ele parecia à flor
da pele. — Diga meu nome.
Depois daquela conversa que tivemos no jardim do hospital, nunca
pensei que o veria ainda mais vulnerável. Eu me enganei. Rocco estava
quebrado, e não escondia isso.
— Rocco. — Acariciei sua barba delicadamente, ele suspirou. —
Você parece tão cansado.
Mais do que ver, eu podia sentir sua exaustão.
— Os dias têm sido insuportáveis. — Esfregou o nariz no meu. —
Longos, estéreis. Não há felicidade para mim. Eu não consigo dormir,
Pequena. Tenho tantos pesadelos.
— Eu também, não consigo dormir, os pesadelos me perseguem —
disse a ele, envergonhada de confiar em quem partiu meu coração. — Não
durmo há tantos dias.
— Minhas recordações não me permitem descanso e, quando eu tento
dormir para esquecer, é pior.
O seu corpo fornecia um calor gostoso, me aproximei um pouco mais,
ele gemeu, beijando meus cabelos, aconchegando-me.
— Estou exausta, Rocco. — Encolhi dentro de seu abraço. — Tão
exausta.
— Estou aqui, meu amor, não vou a lugar algum. — Sua mão
deslizou por meu braço, numa carícia reconfortante. — Deixe-me velar seu
sono, permita-me este momento, eu prometo que a protegerei.
Fechei os olhos, mas, estar com ele ali, em seus braços, empalidecia
todo o resto dos problemas. Uma euforia estranha, misteriosa, me fazia
querer ouvir sua voz, tocar-lhe.
Eu não tinha nenhum controle, na verdade, eu não sabia se queria ter e
isso era aterrorizante.
— Estou tentando te ver desde que cheguei — falou baixinho.
— Quando foi? — Busquei seus olhos.
— Estou aqui há quase um mês, cheguei no mesmo dia que você.
Uma desagradável sensação de agonia me fez querer chorar. Ambos
estávamos sofrendo, precisando um do outro. Deus, por que somos essa
bagunça?
— Mal posso acreditar que está em meus braços. Ansiei te tocar,
sentir o seu cheiro, ouvir a sua voz dizendo o meu nome. — Respirou
profundamente em meus cabelos. — Queria saber do nosso filho. Eu morri
um pouco todos os dias sem notícias.
— Sinto muito, Rocco…
Eu não sabia lidar com sua tristeza, ele estava destroçado, notava-se
tão claramente pelo embargo em sua voz. Tentei levantar, talvez, conversar
sem estar em seus braços fosse bom, mas ele não deixou.
— Deixe para me odiar amanhã — murmurou, a voz triste. — Mas,
hoje, neste momento, imploro que permaneça em meus braços e me permita
senti-la um pouco mais.
Busquei em meu coração o ódio, a raiva, mas não encontrei. A
saudade foi tanta que superou esses sentimentos, talvez, depois tudo mudasse,
mas não aconteceria agora.
— Que saudade do teu cheiro. — Ele esfregou o nariz por meus
cabelos. — Pensei que fosse enlouquecer.
— Eu senti sua falta também — revelei, não me preservando.
Por um momento, ele congelou, então se afastou um pouco para que
pudesse olhar em meu rosto. Havia choque e indisfarçável esperança. Ele
pareceu não acreditar em minhas palavras.
— Sou uma tola por sentir isso, eu sei. Mas não estou mentindo. Eu
senti muito a sua falta.
Rocco fechou os olhos, e um sorriso arrebatador tomou seus lábios.
Ele percebeu que era verdade, e sua reação fez a emoção nos dominar.
— Você não é tola, é tão somente uma criatura feita de amor.
Seu olhar me deixou presa, eu não conseguia pensar em nada, a não
ser em sua suave aproximação. Esperei seu beijo, mas Rocco se conteve,
parando a um fôlego de distância.
— Peça-me para parar e eu irei, mas, se me quiser, tome o que é seu.
Minha mão serpenteou até sua nuca e eu o puxei para mim. Um
gemido dolorido escapou de nós dois quando sua boca tomou a minha. Foi
como tocar um fio desencapado, meu corpo todo esquentou, agitando-se
cheio de eletricidade.
Senti que Rocco poderia me consumir, sua necessidade era tão forte e
devastadora quanto a minha. Não havia mágoa que pudesse superar a paixão
que nos devorava. Rocco dominou-me, beijando-me com tanta fome que
parecia sedento.
— Dio mio, se for um sonho, não permita que eu acorde —
murmurou, antes de me beijar outra vez.
Todo pensamento foi embora, tudo se resumia a ele, seu corpo forte
acolhendo o meu, e sua boca dominando a minha. Eu provava o seu sabor em
minha língua e me desesperava, porque queria mais.
— Rocco. — Ofeguei, arrepiada quando ele distribuiu beijos por meu
pescoço.
— Isso, meu amor, me chame. Estarei sempre aqui.
Ele roubou meu fôlego, levando embora o frio e toda solidão. Não me
importava se era certo ou errado, se estar aqui em seus braços me tornava
uma mulher fraca.
Nada importava.
Rocco rompeu o beijo e encostou nossas testas, eu me sentia tonta, a
respiração acelerada e trôpega.
Não dissemos nada, porque não havia palavras que fizessem jus
àquele momento. A nossa separação fora total, e isso se tornou algo horrível
de ter que lidar. Eu sabia que depois, quando pensasse friamente em tudo,
novos sentimentos aflorariam.
— Rocco, por que você não seguiu adiante?
Ele me olhou, notei que estava com um vinco entre as sobrancelhas.
— Como é possível que eu desista do meu coração? — Ele parecia
verdadeiramente chocado com a minha pergunta, como se fossem óbvios
demais seus sentimentos e eles sequer pudessem ser questionados. — Você é
minha outra metade, não posso ir para qualquer lugar sem você. É suposto
que meu destino é te seguir aonde quer que vá.
— Não pode estar falando sério. Você tem sua vida, Rocco.
— Sim. E ela está em meus braços agora. — Ele me deu um beijo
rápido.
Parecia estar aproveitando a liberdade de tocar-me, eu não me
importei, esse momento era nosso. Se fosse o último, não seria manchado
com sentimentos ruins.
— Pode levar o tempo que for. — Ele escovou meus cabelos para
trás. — Aprendi a ser um homem paciente, e desde sempre sou muito
resistente e propenso a lutar até o fim pelos meus objetivos. Você é o meu
ponto final, Victoria. O resto não importa.
— Você está diferente.
Sim, ele parecia brando, mesmo que sua aparência gritasse poder.
Confundia-me, pois não havia aquela nota de fúria em sua voz, agora, era
como se sua voz fosse proferida através da mais fina seda, pois era tão macia
que me fazia derreter.
— Eu aprendi da pior maneira a minha lição. — Buscou meus olhos.
— Agora, eu vivo por uma última chance, para fazer tudo diferente. Eu não
sei quando ela irá chegar, mas espero o tempo que for preciso.
Eu não disse nada, mas a verdade era que desejava tê-lo em minha
vida. Eram tão confusos os sinais dúbios que meu cérebro emitia. Depois de
tanto tempo sem uma única palavra, a saudade tornou-se predominante,
então, será que tê-lo de volta iria me enviar àquele estado de desconfiança?
Queria-o perto, mas não tão perto. Isso era tão estranho. Em todo
caso, eu já havia mudado as coisas, quando permiti que ele me beijasse,
tomando-me em seus braços.
— Não quero que vá embora. — Respirei fundo, dando meu pequeno
e amedrontado salto de fé. — Preciso de você.
— Dio santo, creio que adormeci e estou sonhando.
Quando abri a boca para lhe responder, ele me beijou. Parecia cada
vez mais faminto, necessitado, eu compreendia isso porque estava igual.
— Você pretende me beijar até que eu desmaie? — Ofeguei, não me
permitindo pensar no quão errado isso era.
— Então eu te sequestraria e a esconderia em minha torre, longe de
todo mundo.
— Como soube que eu estava aqui? E como conseguiu entrar neste
condomínio?
Ele apontou para a torre em frente a que eu morava.
— A cobertura é minha, comprei quando ouvi uma conversa da sua
avó ao telefone. — Ele enterrou o rosto em meu pescoço, arrepiando-me por
causa da barba grande. — Corri contra o tempo, foi a última unidade.
— Você é sempre tão preparado?
Eu sabia que sim, mas não resisti a provocá-lo.
— Apenas no que diz respeito aos assuntos da minha futura esposa.
Era certo que esse momento seria o perfeito para que eu o afastasse e
fugisse. Mas senti como se estivesse em casa, contra tudo o que eu esperei,
ou pude imaginar, estar com ele foi a melhor coisa que aconteceu desde que
cheguei aqui e comecei a lutar para sair do buraco em que me enfiei.
— Não vou dizer o que acho disso. — Sorri quando ele acariciou meu
rosto.
— Apenas confie em mim.
Não era tão fácil assim.
— Você vai ter que ir com calma. Não vou mentir para você, Rocco.
— Mudei de posição para que pudesse encará-lo melhor. — Foi uma surpresa
você estar aqui, e mais, que a vontade de correr não tenha me dominado.
Pode parecer estranho, mas agora há silêncio aqui. — Toquei a minha cabeça.
— Os meus pensamentos não estão inquietos.
Ele sorriu, pegando uma mecha do meu cabelo para esfregar entre os
dedos. O gesto carinhoso lembrou-me de bons momentos que vivemos.
— Não sei como vai ser amanhã. Eu não quero que você pense que
vamos simplesmente voltar e agir como se nada tivesse acontecido, ainda há
muito o que curar.
— Eu sei. — Colocou o cabelo atrás da minha orelha. — Mas só não
quero ficar longe de você, nem do nosso bebê.
Minha respiração travou quando ele tocou minha barriga. Sua mão
enorme, quente, parecia queimar minha pele.
— Você está tão linda, mais do que pude imaginar. — Sorriu,
admirado. — Sonho com tantas coisas para nós dois, queria poder desfrutar
de sua gravidez como desejei por tanto tempo. Saber que está tudo bem,
cuidar de suas necessidades.
— Estou bem. — Deslizei os dedos por sua barba. — Nosso filho está
crescendo, eu só preciso ganhar alguns quilos, mas estou trabalhando nisso.
Vai dar tudo certo.
— Você sente dores nas pernas? Eu li que mulheres grávidas sentem.
— Um pouco, mas mais porque minha perna boa está sobrecarregada.
— Não tive coragem de olhá-lo. — Parei a fisioterapia. Eu entrei em uma
constante de destruição. Sequer conseguia pensar.
— Perdonami, eu errei tanto com vo…
— Rocco, por favor, pare. — Toquei seus lábios. — Não quero voltar
para lá, não agora, vamos deixar o que aconteceu guardado em uma caixa,
não quero encarar nada disso agora.
— Tudo bem.
O silêncio que se seguiu não foi constrangedor. Apesar de estarmos
em cima de uma ponte frágil, Rocco estava trabalhando para que ela se
fortalecesse. Confundia-me aquele homem ponderado, tranquilo. Eu sabia
que Rocco era tudo, menos tranquilo.
Seria inevitável falar de sentimentos, só que agora eu não me sentia
pronta. Queria paz, leveza, suavidade. Depois, quando eu voltasse a confiar, a
vida seguiria seu fluxo normal.
— Quando você vai voltar para casa? — perguntei, ele sorriu.
E era tão lindo. Meu Deus, Rocco era bonito demais, chegava a doer.
— Quando amanhecer? — Ele sorriu. — Você gostaria de conhecer a
minha cobertura? Eu tenho uma jacuzzi ao ar livre, fica ao lado da piscina.
Nunca usei, quer inaugurá-la comigo?
— Tentador, mas não.
Eu estava magra demais, me sentindo feia. A cicatriz na perna ainda
parecia inflamada, vermelha e rugosa. Ela era uma linha disforme e em alto-
relevo. Eu não estava pronta para mostrar a ninguém.
— Posso ficar vendado se quiser — provocou. — Só te enxergaria
com as minhas mãos.
— Que são caminhantes e espertas. — Franzi o cenho. — Por favor,
se controle. — Afastei-me um pouco, começando a sentir desconforto. —
Quero você, mas ao mesmo tempo luto para não querer. Sinto que estou
danificada, e eu não sei. — Olhei ao redor, procurando algo que eu nem sabia
o que era. — Acho melhor eu ir embora, depois podemos conversar.
— Pequena, calma. — Ele me segurou quando perdi o apoio do braço.
— Primeiro, quero você como estiver. Segundo, prometo não dizer nenhuma
palavra a partir de agora, só me deixe te segurar um pouco mais.
Encarei-o, e ele não titubeou. Senti que falava a verdade, por isso me
permiti deitar em seus braços de novo.
— Só quero te abraçar, nada mais — murmurou em minha orelha. —
Tente dormir um pouco, tentarei afugentar seus pesadelos.
Como se suas palavras acionassem um botão, um longo bocejo
arrancou lágrimas dos meus olhos.
— Você prometeu não falar. — Ele riu. — Não posso dormir, Rocco.
— Você pode — decretou, puxando-me ainda mais para o calor de
seu corpo.
Eu estava tão apertada dentro de seu abraço que, pela primeira vez,
não lutei contra o sono. Acreditei tolamente que ele me protegeria e manteria
os pesadelos longe.
Triste que ele fosse o maior responsável por eles existirem.
— Eu te protejo. — Ouvi sua voz, mas não respondi.
Ele não poderia me proteger dos meus pesadelos, apenas eu poderia
ser a responsável por recuperar o controle. Preferi não dizer-lhe, era estranho,
mas Rocco parecia frágil, acho que até mais que eu.
Diferente do homem que tomava o que queria, e por muitas vezes agia
inconsequentemente, este Rocco usava a cautela como uma arma.
Como prometido, ele não disse nada, o calor de seu corpo aquecia-me
como nada foi capaz, isso era perturbador, pois fazia ligação com o passado
recente, em que sua pele era meu cobertor e seus braços, um refúgio seguro.
— Prometa que não irá me afastar. — Senti seus lábios deslizarem
suavemente por meus cabelos.
Talvez, ele achasse que eu estava dormindo.
— Prometo nunca te deixar ou magoar seu coração de novo, amo
tanto você. — Meus olhos arderam, porque uma parte de mim queria
acreditar, por outro lado, havia um forte sentimento de que nada daquilo seria
duradouro.
Quando um novo dia chegasse, tudo seria diferente.
— Eu prometo estar ao seu lado, lutar por você, por nós, pelo tempo
que for preciso.
Suas mãos deslizaram por minhas costas, mantive a respiração
uniforme, pois percebi que ele estava desabafando.
— Prometo sempre estar aqui, ao alcance da sua voz. Sempre que me
chamar, eu prometo te ouvir.
Senti que me apertava um pouco mais, e eu deixei. Estávamos em
uma pequena bolha, num sonho que, tão logo despertássemos, se perderia
para sempre.
— Confie seu coração a mim outra vez. — Rocco parecia entoar um
mantra, repetia baixinho, sem parar. Havia embargo em sua voz, fragilidade.
— Confie o seu coração, amor. Eu prometo que não irei decepcionar.
Um longo silêncio se seguiu, mas eu não poderia deixar que ele
acreditasse em suas próprias palavras. Não havia espaço para esse tipo de
sonho, não depois de tudo que tinha acontecido.
— Não faça promessas quando você está feliz, Rocco — Ele não
respondeu. — Porque, quando a raiva vier, você não se lembrará delas.
— Perdonami…
— Você disse que quando eu não o olhasse com asco, você saberia
que eu teria te perdoado. — Afastei-me um pouco, para que ele pudesse ver
meu rosto. — O que você está vendo agora?
A iluminação não era muita porque o local pedia algo mais ameno, no
entanto, era suficiente para que ele me enxergasse com clareza.
— O que você está vendo, Rocco?
Ele ficou me encarando por alguns instantes, então sorriu,
emocionado.
— Não vejo asco. — Acariciou minha bochecha. — Mas também não
vejo amor.
— Há um longo caminho a percorrer. — Testei um sorriso. — Estou
saindo do refúgio que criei aqui. — Toquei a cabeça. — O meu lugar seguro
não é bom porque me mantém longe de tudo. Eu não sei como vai ser, mas
todo dia eu tenho uma chance para fazer melhor. Aqui com você, comecei
sendo honesta e admitindo que senti sua falta. Mas há receios, medo.
— Eu sei.
— Então, deixe eu me curar. Não posso fazer alguém feliz se eu não
estou.
— Não me deixe de fora. — Ele pegou uma mecha do meu cabelo. —
Por favor, não me deixe de fora. Eu sei que há um enorme buraco, que a
culpa de tudo foi minha, mas, por favor, não me deixe de fora.
— Você não vai, Rocco. — Esfreguei sua barba. — Eu te disse, quero
você na minha vida, mas não crie expectativas de que tudo irá se resolver
rapidamente. Não irei me jogar nos seus braços como se nada tivesse
acontecido.
— Se você tropeçar e eu te pegar, conta?
— Não seja engraçadinho.
— Tudo bem. Eu estou mais do que pronto para fazer esse caminho
na velocidade que você impuser. — O suspiro de alívio que ele deu
acompanhou um sorriso bonito. — Agora, você ia tentar dormir um pouco, e
eu prometi não falar. Está valendo.
Eu não sabia se foi a honestidade que tornou tão fácil estar com ele,
ou a saudade que atropelou os outros sentimentos, mas, no calor de seus
braços, e na estúpida sensação de segurança, aos poucos, senti que meu corpo
relaxava.
As dores foram amenizando, os pensamentos perdendo a intensidade
e a exaustão de tantas noites insones acabou, por fim, levando a melhor.
Rocco

Ela me ama, mas fugir era mais seguro para manter seu coração
preservado. Eu disse a mim mesmo com a certeza de que não estava
enlouquecendo.
Victoria não era do tipo de mulher que se deixava levar pelo
momento, ela sempre foi consciente de suas vontades e decisões, eu que fui
tolo de cair na armadilha que eu mesmo criei.
Todos esses dias, enquanto a espionava como se fosse um criminoso,
fui me enchendo de uma necessidade que se tornou tão fundamental quanto
respirar. Eu precisava estar perto, para que de alguma forma ela pudesse
reagir, pois eu acreditava que qualquer sentimento era melhor que nada.
Seu ódio por mim talvez a tirasse daquela apatia. Mas, então,
enquanto repassava em minha memória como estávamos antes do fatídico
encontro que ela teve com Susan, no casamento de Mariah, eu percebia que
estávamos caminhando para algo.
Naquela época, eu tinha acesso a sua casa, ela já não me expulsava e
quase sempre respondia minhas mensagens. Era um avanço, e foi isso o que
me manteve firme todos esses dias.
Observar sua fragilidade, quão pequena e triste ela parecia, era por si
só uma penitência. Às vezes eu me questionava se não deveria me afastar.
Mas, então, logo descartava a ideia.
Como alguém poderia se afastar de seu coração? Ainda seria eu um
bastardo egoísta que só pensava nas próprias necessidades? Dio Santo, tudo
isso parecia tão confuso que a única coisa correta era me manter forte para
aguentar tudo que fosse necessário.
Eu sabia que poderia fazer Victoria muito feliz. Se ela me permitisse,
eu poderia construir a escada que a ajudaria a recuperar o que fora perdido.
Por sorte, nunca fui do tipo desistente, ou frágil, e nós éramos opostos, por
isso eu acreditava piamente que éramos almas gêmeas, perfeitos um para o
outro.
Encaixávamo-nos, como se fôssemos projetados para isso.
— Tudo vai dar certo. — Beijei seus cabelos, feliz, ao escutar o seu
ronco baixinho.
Victoria estava exausta, eu também, mas dormir e perder a chance de
apreciá-la parecia um pecado.
Nunca imaginei que algum dia minha vida se resumiria a uma mulher.
Não tinha vergonha de admitir que meus dias eram voltados a encarar as
paredes de vidro de seu apartamento, para pegar vislumbres de qualquer coisa
que ela pudesse estar fazendo.
Esta noite era como um presente fora da curva, que acabou por se
tornar tudo o que eu precisava para continuar firme em meu propósito de
reaver a minha família. Não importava que Antonietta me odiasse e que
certamente fosse dificultar qualquer tentativa de reaproximação entre mim e
Victoria. O que ela poderia fazer era nada, tamanha era a dor de ver amore
mio encolhida, perdida.
Esses últimos dias me deram mais certeza de que Victoria precisava
de mim, como eu precisava dela. Hoje foi a confirmação de que eu estava
certo.
— Tudo vai se ajeitar.
Eu reafirmava essa certeza vez ou outra, aliviado por estar com ela em
meus braços. Juro, aquele momento parecia um bálsamo que acalmou a
tormenta em meu interior.
Mesmo sem eu querer, meus olhos começaram a pesar. Esfreguei-os,
pois não queria dormir, mas, como aconteceu com Victoria, a exaustão
começou a dominar-me.
Ajeitei o meu agarre no corpo pequeno da minha mulher, ela encolheu
como se compreendesse o que eu queria.
— Eu te amo — murmurei, fechando os olhos e me permitindo
descansar, pela primeira vez, em muitos dias.

***

A sensação de calor me despertou. Abri os olhos para me deparar


com uma massa de cabelos castanhos que cheirava a frutas.
— Victoria. — Sorri, esfregando o rosto nos fios sedosos.
Devagar, tomei consciência do meu corpo, e dela, presa no berço dos
meus braços. O dia havia amanhecido e o sol já garantia um dia bem quente.
Infelizmente, não poderíamos ficar muito mais tempo ali, pois logo o
jardim seria completamente tomado pelos raios solares, metade dele já estava.
— Merda.
Com cuidado, tirei meus braços de Victoria e ela suspirou, mas não
despertou. Isso só me mostrou como ela estava exausta e precisando daquelas
poucas horas de sono.
Sentei, puxando as minhas pernas de onde o sol incidia. Sentia-as
pegando fogo, mesmo que estivesse de calça. Aquela cidade era um inferno
de quente, aqui fora estava insuportável, não dava para ficar nem mais um
minuto.
Por um momento, peguei o celular e vi que eram quase oito da manhã,
isso nos deu algumas horas de descanso. Sentia-me renovado, pela primeira
vez não tive pesadelo, e pelo que percebia, Victoria também não.
Eu não queria acordá-la, então, recolhi seu corpo e fui em direção ao
banco mais distante da claridade. Com sorte, teria alguns minutos a mais com
ela.
— Deus, como isso parece certo. — Beijei a testa úmida de suor.
O rosto de Victoria estava um pouco corado, devido ao calor. Percebi
que ela estava ficando desconfortável, pois começou a despertar.
Quando abriu os olhos, encarou-me por alguns instantes, havia
confusão em seu semblante.
Confesso que eu estava mais uma vez deslumbrado com a beleza de
seus olhos verdes. Na claridade, eram tão extraordinários que roubavam o
meu fôlego.
— Bom dia.
— Oi. — Ela tentou levantar, e eu a ajudei, sentando-a em meu colo.
Estava me aproveitando de cada minuto, pois não fazia ideia de
quando poderia repeti-los.
— Não acredito que eu dormi mesmo. — Victoria olhou ao redor. Eu
notei que havia um pouco de grama em seu cabelo.
Feliz, como há muito tempo não me sentia, comecei a removê-la.
Victoria me permitiu, sem dizer uma palavra.
— Você e eu. — Ela me olhou. — Apagamos. Sorte a grama estar
fofa. Mas, da próxima vez, trarei um cobertor.
Victoria tentou levantar e desta vez eu a ajudei, entregando suas
muletas. Ela parecia olhar para tudo, menos para mim, e isso fez um nó se
formar nas minhas tripas. A sensação não era nada agradável.
— Você se arrependeu? — perguntei, com medo de sua resposta.
— Não.
Soltei o fôlego, minhas mãos coçando para segurá-la.
— Então, por que você não consegue olhar para mim?
Sua boca abriu e fechou, então, ela franziu o cenho. Eu sabia que
estava pensando no que dizer, Victoria nunca foi leviana com suas palavras,
pelo menos eu não me lembrava de nenhuma vez em que tivesse sido.
— Rocco, eu achava que ficar longe de você me manteria protegida.
— Não pude esconder a expressão de desagrado. — Buscar meios para não
sentir as emoções que você trazia à tona parecia seguro, mas essa fuga me
levou a lugares que eu não gostei. Antes, eu tinha medo de que estar perto de
você me levaria de volta àquele bar.
— Não vá por aí, por favor, eu… — Ela ergueu o dedo, encerrando
meu apelo desesperado.
— As coisas que Susan me disse foram para provocar dano, ela sabia
como fazer e conseguiu. — Encolhi-me, porque a verdade era que eu tinha
trazido toda essa merda para a vida de Victoria. — Eu dei poder a ela,
porque, quando eu aceitei suas palavras como sendo a minha verdade, fechei
os olhos para quem eu era, parei de me ouvir.
— O que você quer dizer?
— Eu quero dizer que não me arrependo de estar aqui com você, de
ter dormido em seus braços e ter me entregado aos seus beijos.
Antes que ela pudesse negar, eu a abracei. Enterrei o rosto em seu
pescoço, estremecendo porque havia mais que justiça em tudo isso.
— Eu tenho medo da dor, porque eu a sinto. É tão ruim ter o coração
partido.
— Eu sei, o destino se encarregou de fazer pior comigo — murmurei.
— Estar aqui com você em meus braços parece mais que um presente, e eu
sei que não mereço, mas confesso que sou egoísta o suficiente para recusar.
Não estou indo a lugar algum, não sem você.
— Rocco, você vai lutar por alguém danificado? — A minha resposta
foi abraçá-la ainda mais apertado.
— Quero você de qualquer jeito, aos poucos, fortalecendo as partes
machucadas até que elas fiquem perfeitas de novo.
— E se não ficarem?
— Ainda estarei aqui.
Victoria suspirou e, naquele calor infernal, retribuiu meu abraço.
— Tornei-me consciente de que sou forte para lutar contra o medo,
mas a doutora Regina, minha psicóloga, me fez entender que toda ajuda é
bem-vinda. Ela me mostrou que às vezes precisamos de alguém para iluminar
o caminho.
— Ela me parece uma mulher muito sábia.
— Ela é. Com sua ajuda, dei os primeiros passos, mas ainda tenho
medo. Hoje é apenas um bom dia, como ontem foi. Mas não sei como vai ser
depois.
— Você quer dizer que pode voltar atrás, e não querer me ver?
— Não é sobre isso, mas sobre tudo.
Eu queria entendê-la, pois se conseguisse, poderia ajudar da maneira
correta.
— Estou insegura, Rocco.
— Não fique.
Ela deu um sorriso triste e se afastou. Os ombros curvados, a cabeça
baixa.
— Não posso evitar. — Olhou-me, não escondendo o quão exposta
estava, isso me compeliu a despir-me também. — Rocco, não falo nada disso
para te magoar. Eu estava pronta para aceitar que você ia seguir em frente,
tentar de algum modo reconstruir sua vida.
— Não vai acontecer. Seja sincera, você realmente acreditou que eu ia
desistir de você?
— Por um momento, talvez eu tenha acreditado que isso seria o
melhor para nós dois.
— O melhor para nós dois é ficarmos juntos, porque só assim somos
mais fortes. — Esfreguei o cabelo, nervoso, porque parecia que enquanto
dávamos um passo adiante, voltávamos dois. — Você dormiu em meus
braços, e eu só pude descansar nos seus. Não é questão de consertar ou
remediar erros. É somente porque, antes de tudo, a gente se pertence.
Entenda, você não é uma conquista, é a mulher que eu amo acima de tudo.
— Rocco…
— Por que negar? — Dei de ombros. — Não estou disposto a cometer
o mesmo erro, não vou ser omisso e não revelar meus receios, porque isso
pode me fazer parecer tolo. Eu sei que você precisa de tempo, levar as coisas
devagar, mas não estou pedindo mais que isso. Só quero caminhar ao seu
lado, aceito o que tem para me dar.
Ela não disse nada, então, eu continuei. Eu não ia esconder nada,
porque isso só tinha me ferrado.
— Não me deixe de fora.
— Você está dizendo isso com bastante frequência. — Ela sorriu,
deixando-me tonto com a beleza daquele delicado sorriso sincero.
— É medo de você esquecer e fechar a porta na minha cara.
— Rocco, não é para tanto.
O sol finalmente iluminou todo o jardim, tornando quase impossível
ficar ali.
— Olha, vamos ver como as coisas vão ficar. Devagar, eu não estou
pronta para muita coisa, então…
— Para mim, está ótimo.
Ela me olhou como se dissesse “vamos ver até onde você vai com
isso”, depois começou a caminhar em direção à saída.
Eu fui atrás, atento a qualquer tropeço que ela pudesse dar. Quando
chegamos à entrada do jardim, os caminhos para nossos apartamentos eram
diferentes.
Por um instante, Victoria parou, como se esperando o que eu faria. O
impasse durou apenas um instante, indiquei o seu caminho, e nós o seguimos.
Quando chegamos à recepção de sua torre, ela cumprimentou as
pessoas e foi para o elevador. Senti-me nervoso com a iminente despedida.
— Você falou que tentou entrar em contato, o que você fez? —
Victoria perguntou, enquanto esperávamos o elevador chegar.
— Liguei para a recepção todos os dias, pedindo para falar com você.
— Cocei a nuca, um tanto envergonhado. — Bom, eu sei que era inútil, mas
foi melhor tentar do que ficar parado. — Toquei seu rosto. — Ficar sem
notícias suas enlouqueceu-me. Pior, depois de dias tentando, não consegui
descobrir os números dos celulares daqui, isso me deixou desorientado
demais.
— Eu não tenho usado celular.
— Eu sei.
— Como você sabe? — Pareceu-me desconfiada.
— Você tem passado muito tempo na varanda do seu quarto. —
Respirei fundo. — Comprei um equipamento de observação, estou sempre te
observando.
— Isso soa assustador.
— Perdonami, mas precisei fazer uso do que tinha à disposição.
Benditas paredes de vidro.
— Você é impossível, por favor, pare de espionar. — Ela balançou a
cabeça. — Vamos agir como pessoas normais.
— Tudo vai depender. — Cruzei os braços. — Quando eu vou te ver?
— Logo. — Ela olhou para o chão. — Talvez você queira jantar hoje?
— Esperei que me encarasse.
Sua pergunta parecia um teste, a gente sabia que estar com sua família
era diferente. Para mim, seria como ir para o campo inimigo desarmado.
Neste caso, o inimigo era sua avó. A mulher me odiava, e eu havia lhe
dado munição para usar contra mim.
O elevador chegou, e eu o segurei aberto.
— Com certeza eu vou querer jantar.
— Às dezenove horas está bom para você?
— Ótimo.
— Então, eu te espero.
Ela entrou no elevador e as portas fecharam. Por um momento, não
consegui sair do lugar, porque a sensação que eu tinha era de que as coisas
não seriam tão fáceis.
Victoria
Confesso que eu não sabia descrever o que estava sentindo. Primeiro
porque, há pouco tempo atrás, não conseguia imaginar a possibilidade de
estar muito tempo no mesmo ambiente que Rocco e, com certeza, não em
seus braços.
O que mudou? Por que sua presença levou embora os pesadelos e as
ressalvas? Antes eu tinha certeza de que nós dois nunca mais ficaríamos
próximos. Havia decidido me preservar, mas essa euforia estranha que me
dominava desde que ele havia chegado ao jardim secreto eclipsava qualquer
pensamento coerente que eu tenha tido antes.
Será que foi a saudade e o tempo sem vê-lo que me fizeram perceber
que estar sem ele era pior? Ou o fato de estar tão acostumada a sua presença,
mesmo que silenciosa, criou certa dependência da rotina em que eu me
achava segura?
Em um piscar de olhos, tudo mudou. Fui para um lugar que eu
desconhecia em minha própria mente, perdi a confiança, dei poder a Susan.
— Deus, que bagunça. — Respirei fundo, enquanto o elevador subia
até a cobertura.
Eu não queria aceitar que estava criando justificativas para ter Rocco
por perto, até porque não precisava disso. Era decisão única e exclusivamente
minha.
— Admito que ouvir sua voz e sentir seu cheiro foi tranquilizador. —
Mordi o lábio, observando a paisagem que o lado de vidro do elevador
proporcionava.
Admirei o verde, o céu azul, a paz que a visão me dava.
— Me sentir feliz por ter estado com Rocco faz de mim uma pessoa
sem amor próprio? — Engoli em seco, sentindo um frio na barriga.
Era medo.
De que tudo desse errado e eu voltasse a ser a pessoa assustada que eu
me tornei depois que tudo aconteceu.
— Não, pode parar. — Respirei fundo, buscando o centro do meu
equilíbrio.
Eu era capaz de fazer tudo o que eu quisesse, o passado ficou para trás
e ele não tinha poder de ditar o que eu faria. Pelo contrário, o que aconteceu
serviu para me deixar forte e ciente de que se eu permitisse que meus
demônios assumissem, eles me levariam para longe de quem eu
verdadeiramente era.
Fechei os olhos, trabalhando a respiração por alguns instantes.
— Está tudo bem — disse a mim mesma. — Eu sou forte, posso lidar
com qualquer coisa. O medo ficou para trás, ele não tem poder sobre mim, eu
faço minhas escolhas, eu lido com as consequências.
Senti-me calma e pronta para acolher minhas decisões, sem permitir
que o medo fosse mais forte que a vontade de tentar.
— Deus, como é bom me sentir no controle. — Sorri, o coração
aquecendo.
Com certeza, haveria recaídas, mas a partir do momento que me
permiti ser ajudada pela doutora Regina, compreendi que a minha história de
vida era muito maior que as decepções que sofri, enxerguei que sou resiliente
e que era aqui que eu deveria me manter. Eu era forte sim, e nada mudaria
esse fato.
As portas do elevador abriram, e assim que pus os pés no hall, escutei
o burburinho da minha família. Não pude evitar o sorriso, a leveza que eu
sentia trazia certa alegria. Não entrei de imediato, fiquei na porta, escutando
tia Laura falar em alto e bom som que eu estava dormindo demais.
— Acho que devemos acordá-la. — Sua voz continha certa
preocupação.
— Victoria está bem — meu pai falou. — Todo mundo aqui percebeu
a mudança das últimas semanas. Minha filha não está fingindo, os seus
sorrisos são verdadeiros e ela está conosco. Se ela está dormindo, então,
vamos deixar. Sabemos que ela vem tendo dificuldade para dormir.
— Você entrou para verificar, Victor? — A voz de tia Laura
aumentou de volume. — Jason, você é um homem grande, pode muito bem
dar um chute e derrubar a porta. Coloque esses músculos para trabalhar, meu
filho.
— E me matar de medo, tia? — Entrei, pegando-os de surpresa. —
Imagine estar dormindo e ter sua porta derrubada?
Não houve respostas. Eles me encaravam como se eu tivesse outra
cabeça.
— Gente, bom dia.
— Meu Deus, você está corada. — Tia Laura arregalou os olhos. — E
descabelada. Minha filha, onde você estava? Acordei cedo, esperei você para
tomar café da manhã, como não chegou, fiquei tão preocupada.
— Eu estava no jardim secreto.
— Jardim secreto? — Ela franziu o cenho. — Que jardim secreto? —
Ela olhou para Ricardo. — Tem um jardim secreto aqui? Como eu não sabia?
— Amor, ele é secreto.
Meu pai disfarçou a risada com uma tosse. Alegrava-me demais que o
clima estivesse leve para brincadeiras e bom humor.
— Você ainda vai ter problemas por causa dessa sua língua, senhor
Andrade. — Tia Laura fez sua melhor careta brava.
Em vez de responder, Ricardo apenas riu e a abraçou, acariciando a
barriga proeminente e linda que ela ostentava.
— Provocar você é um prazer.
Ela derreteu, como sempre fazia, e ver a cena me trouxe um prazer
enorme. Sentia-me feliz por ela, e era gratificante me comprazer desse
sentimento quando ele não me afetava diretamente. Digo, talvez sim, pois tia
Laura era importante demais.
Em todo caso, era dessa sensação que eu sentia falta e nela que a
antiga Victoria era especialista. Por um tempo, o limbo me tornou dormente,
mas agora eu sentia.
Aos poucos, estava me resgatando, e isso deixava meu coração
quentinho.
— Tia, o jardim secreto se tornou uma enorme curiosidade para mim
porque eu consigo avistá-lo da minha varanda. — Ela prestou atenção, era
louca por jardins. — Bem, eu achava que era apenas um labirinto, mas não, é
um jardim com luzes posicionadas. Está na floração das rosas, tem umas seis
variações de cores. É simplesmente lindo.
— Quero ir lá conhecer. — A empolgação era nítida em seu tom de
voz. — Vamos, Ricardo?
— Primeiro, você vai comer, e depois podemos ir — ele respondeu
todo carinhoso. — Quando o sol esfriar, nós vamos.
— O sol esfriar?
— É um dizer aqui no Brasil — Ricardo explicou. — Significa mais
tarde, quando o clima estiver mais ameno. Agora, deve estar quente demais.
— Com certeza está — concordei, sentindo-me pegajosa.
Eu esperava que pudesse escapar para o meu quarto, tomar um banho
e só então continuar a conversa, mas a minha tia estava com outra ideia na
cabeça.
— Você saiu cedo ou não dormiu em casa? — ela perguntou,
desconfiada.
— Não, e sim tia. — Uma emoção diferente se enrolou na minha
barriga.
Talvez fosse euforia, eu não sabia, mas me deixava com um
sentimento de cumplicidade com Rocco, o que era bem ridículo se eu fosse
sincera.
— Você dormiu fora? — Havia choque em sua voz.
— Sim, dormi no jardim. — Sorri para a expressão de horror que
fizeram. — Pelo que soube, aqui é uma fortaleza, então não tem problema.
Peço desculpa se deixei vocês preocupados, mas está tudo bem.
— Você deveria ter esperado para ir com alguém. — Meu pai
esfregou o cabelo. — Eu poderia ter ido, era só ter me acordado.
Havia uma clara demonstração de ansiedade nos gestos do meu pai.
Ele estava com medo. Na verdade, desde o acidente, tudo que era relacionado
a mim o assustava. Eu sabia que havia uma boa razão para que ele se sentisse
assim, mas estava mais do que na hora de ele se tranquilizar.
— Pai. — Ele parou e sorriu. Sua expressão mudou e ele suspirou.
Era tão fofo, sempre que eu o chamava assim, eu o via derreter-se.
— Todos aqui estavam vivendo de acordo com as minhas
necessidades. Eu estou profundamente grata por tudo que me ofereceram
enquanto eu estava “ruim”, mas vocês estão esgotados, precisam descansar,
prometo que me sinto muito bem e que vocês podem relaxar.
Tia Laura foi a primeira a vir para mim. O sorriso em seu rosto era
lindo, os olhos brilhantes de alegria.
— Minha filha. — Ela me abraçou apertado. — Eu sabia, tinha
certeza de que você ia sair daquela tristeza. Agora eu sinto, ouvindo suas
palavras, eu sinto que a minha Victoria está encontrando o caminho para
casa.
— Sim, e eu estou tão feliz por isso. — Olhamo-nos, emocionadas. —
Em algum momento eu ia encontrar o caminho, e eu o fiz, mas foi a doutora
Regina quem me deu o start, ela me fez questionar o que eu sentia, sem ter
medo do que ia descobrir.
— Foi a melhor coisa que nos aconteceu. — Meu pai puxou-me. —
Você não sabe a felicidade que eu sinto por ver que você está melhorando. —
Ele se afastou para que pudesse segurar meu rosto. Havia tanto carinho em
seu semblante que me deixou emocionada. — Você e meu neto são tudo o
que eu tenho, por isso quero te dizer que estou aqui para tudo, estarei sempre
do seu lado. Você é meu sonho realizado, Victoria. A filha do meu amor e do
meu coração.
— Ai, pai. — Eu o abracei, rindo e chorando ao mesmo tempo. — Eu
te amo, você é incrível.
— Eu acho que nasci para ser pai e avô, estou muito ansioso e
confortável no papel. — Ele riu, e eu o acompanhei. — Vou amar tanto meu
neto, quero levá-lo para a escola, dar banho, trocar fralda e tudo mais. Ele vai
ter o mundo se quiser.
— Você vai estragar o menino e deixá-lo insuportável. — Ricardo fez
careta. — Possivelmente eu farei pior com meu filho.
— Tudo bem, farei vista grossa, pai. — Pisquei um olho, mas a tia
Laura balançou o dedo para seu marido.
— Não vai mimar meu filho e torná-lo um ser humano intragável. —
Ela jogou o cabelo para trás. — Ai de você, Ricardo Andrade.
— O que você vai fazer? — Ele se inclinou para ela. — Pequena
fêmea brava.
Eu não sabia se isso tinha sido um insulto ou se tinha algum tipo de
mensagem oculta. Mas tia Laura ofegou e seu rosto ficou vermelho.
— Bom. — Jason pigarreou. — Eu sabia que mais cedo ou tarde você
ia se encontrar, Bonequinha.
— Obrigada, brother, por estar aqui e ser esse irmão maravilhoso.
Abraçamo-nos e ele soltou um suspiro aliviado.
— Saiba que a gente está aqui. Quando precisar, não se esconda.
— Não farei mais isso, não vou afastar ninguém, e não deixarei que o
medo domine.
— É isso. — Ganhei um sorriso lindo. — Não permita que o medo, a
dificuldade ou a opinião alheia te dominem, é você quem deve ditar as regras.
É você quem deve comandar.
— Você é sempre tão sensato, brother?
Ele sorriu, todo arrogante.
— É um traço charmoso, mas quando a sensatez não funciona, aí
buscamos outros modos de nos fazer entender.
Jason mexeu as sobrancelhas e eu não pude segurar o riso. Aquele
homem na minha frente era o oposto do que conheci. Esse aqui era
brincalhão, descontraído, parecia feliz.
Na verdade, apesar de haver bastante iluminação natural por causa das
paredes de vidro, algo sombrio pairava naquela sala durante os dias passados.
Agora havia uma iluminação incrível, alguns raios de sol criavam prismas de
cores que pareciam arco-íris.
— Eu acho que o dia de hoje merece uma comemoração. — Foi
Ricardo quem propôs. — Vamos reunir a família e brindar à vida, aos
recomeços. — Ele olhou para sua mulher. — E aos felizes para sempre.
Meu pai concordou e a gente combinou tudo enquanto tomávamos
café da manhã. Confesso que adorei a ideia e não sentia que estava forçando
nada. O sentimento de tranquilidade e paz era real. Eu queria estar com
minha família e compartilhar momentos.
— Carlos confirmou. — Meu pai sorriu, desligando o telefone.
— Chame a doutora Regina — pedi e ele franziu o cenho. — Não
como médica, pai, faça o convite como amigo.
— Será um prazer. — Ele sorriu, afastando-se já com o telefone no
ouvido.
Eu já tinha percebido que havia algo no ar sempre que eles estavam
juntos, e se pudesse dar um empurrãozinho, então, não pensaria duas vezes.
Todos estavam empolgados, até Jason, que propôs um campeonato de
bilhar. Ele era o melhor, sempre ganhava. Mas os homens se empolgaram e
juntos saíram para comprar bebidas e outras coisas.
— Pedi para trazerem sorvetes e ingredientes para a sobremesa. O
jantar vai ser encomendado para oito pessoas — minha tia falou, e eu senti
algo parecido a ansiedade.
— Peça para mais um, tia. — Ela pareceu confusa. — Rocco vem.
Ela abriu e fechou a boca, não sabia o que dizer. Esperei acusação,
julgamento, mas não. Recebi um sorriso conhecedor e um abraço.
— Vou mudar o pedido.
Observei-a se afastar e não pude evitar sorrir ao pensar no quão
maravilhosa era a minha família.
Eu era sortuda demais por tê-los.
Victoria

O dia passou com tranquilidade, apesar dos preparativos para o jantar.


Todo mundo estava empolgado, eu inclusive.
Agora, enquanto esperava as pessoas chegarem, eu me divertia vendo
os rapazes ajeitando a área de lazer e provocando-se mutuamente.
— Aqui, beba isso. — Aceitei o copo que Ricardo me estendeu. — O
dia foi bem quente.
— O clima daqui me deixa confusa. Em um dia está frio, no outro
esquenta a ponto de ser insuportável. — Bebi o líquido gelado e refrescante,
satisfeita pelo conforto que ele trouxe para mim.
— Você não está acostumada com essa intensidade de calor que
temos aqui no Brasil. Nesta época, é pura sorte que tenhamos noites
agradáveis. — Ele sentou ao meu lado, abrindo uma latinha de cerveja. —
Acredito que por estarmos de frente para o mar, tenhamos essa brisa
refrescante, apesar do dia ter sido tão quente.
— Me surpreende que às sete da manhã o sol já esteja intenso —
falei, sorvendo outro gole da água saborizada.
— Ainda pode piorar, acredite. — Ele riu. — O Rio de Janeiro pode
chegar à quarenta graus tranquilamente.
— Você está brincando, não é?
— Pior que não. — Levantou, indo se juntar a Jason e meu pai, que
agora estavam discutindo os benefícios de ter um refrigerador de cerveja em
casa.
— Homens…
Por volta das seis, Regina chegou. Assim que a vi, fiquei louca para
conversar sobre o que aconteceu na noite passada. Juro que não tinha
intenção de convidá-la e fazer uma sessão de terapia, mas parecia impossível
não compartilhar com ela e saber sua opinião.
— Bem-vinda, doutora. — Dei-lhe um abraço.
— Obrigada pelo convite. — Sorriu, os cabelos vermelhos e
cacheados brilhavam, emoldurando-lhe o rosto. — Eu trouxe isso para você,
seu pai disse que você é viciada.
Peguei a sacola bonita e, quando abri, vi uma enorme caixa de
chocolates.
— Muito obrigada, eu amo. — Sorri, abraçando-lhe outra vez.
Quando nos afastamos, ela me encarou por um momento, depois
sorriu, como se houvesse notado algo muito bom.
— Venha, Regina, sente-se comigo — meu pai a chamou. O jeito
como eles agiam ao redor um do outro era diferente.
Havia sim um clima, eu não estava ficando louca.
Pouco tempo depois, minha avó chegou com Carlos. Ela veio até mim
e beijou-me, depois sentou ao meu lado.
— Me perdoe por não estar com você vinte e quatro horas por dia,
mas tomei para mim a tarefa de cuidar dos seus interesses profissionais,
enquanto você não pode. — Acariciou meu rosto. — Você parece bem,
querida.
— Depois que comecei as sessões com a doutora Regina, melhorei
bastante.
— Isso é maravilhoso. — Ela olhou para a minha psicóloga. —
Obrigada, significa muito para mim que Victoria fique bem.
— Fico feliz em ajudar.
Mesmo sem querer, havíamos formado grupos de conversas paralelas.
Carlos, meu pai, Ricardo e Jason estavam discutindo sobre carros. Minha tia
e Regina estavam falando sobre maternidade e eu estava com a minha avó,
ouvindo-a falar sobre a nova coleção.
— Tenho planos incríveis para nós. Quero te levar para conhecer o
atelier e depois discutir sobre o primeiro desfile que iremos fazer juntas. —
Os olhos da minha avó brilhavam de empolgação. — Deixe-me saber quando
estiver pronta para voltar a produzir, quero encaixar um vestido com sua
assinatura no encerramento da semana de moda de São Paulo.
— Vovó, calma. A senhora precisa respirar.
— Eu sei. — Ela deu uma risadinha. — Não será para agora, pode
ficar tranquila, estou pensando em fazer isso na segunda edição anual, pois
para a primeira está muito em cima da hora.
— Tudo bem, tem bastante tempo daqui para lá.
Nossa conversa girou em torno das novidades para aquele ano, o hit
da moda estava voltado para criações dos anos 1990. Como, por exemplo,
botas de cano alongadas, pantalonas e franjas.
— Pretendo inovar, quero modelos que tragam à passarela toda leveza
das franjas, entretanto, em um novo conceito de textura e acabamento.
— Tenho certeza de que a senhora vai criar algo maravilhoso.
Minha avó sorriu, ela gostava de receber elogios e ser o centro das
atenções. Bom, para mim, no quesito moda, ela era uma autoridade e não
havia como deixar a admiração longe, afinal, eu tinha Antonietta Andrade
como uma referência.
Até as sete da noite, permanecemos na sala. De vez em quando, eu
olhava para o relógio, nervosa porque sabia que Rocco nunca se atrasava. Na
última vez em que ele o fez, bom, tudo aconteceu.
Não vá por esse caminho. Eu disse a mim mesma, com medo de
fraquejar e permitir que pensamentos autodestrutivos me dominassem.
— Preciso de um pouco de ar, se a senhora não se importar, eu vou
um momento para a varanda. — Levantei, mas antes de sair, espiei o horário
no delicado relógio de parede que havia na sala.
19h10.
Por um instante, fechei os olhos, respirando fundo. Depois fui para a
varanda. Olhei para o enorme prédio ao lado, a cobertura estava escura, por
isso não pude notar se havia alguém ou não.
— Você parece decepcionada.
— Ah, não. — Testei um sorriso, para disfarçar o nó na garganta. —
Pensei que não fosse vir aqui, Carlos.
Ele deu um sorriso carismático. Então, respirou fundo, como se
estivesse decidindo algo.
— Conheci alguém — confidenciou, se aproximando. — Estou
apaixonado.
— Isso é incrível. Por que não a trouxe?
Em vez de responder, ele deu uma olhada na nossa avó. Ela estava em
uma conversa aparentemente acalorada com meu pai.
— Ela é funcionária do atelier, tem medo de perder o emprego.
A história do meu pai e mãe me veio à mente. Eu não sabia se Carlos
tinha conhecimento, mas talvez ele não fizesse mal em preservar sua garota.
— Óbvio que não vou escondê-la, já deixei claro que muito em breve
irei anunciar que estamos juntos. Vovó terá que aceitar.
— Conta comigo para qualquer coisa. — Estendi a mão, mas ele me
puxou para um abraço.
— Com certeza pedirei ajuda se precisar — murmurou. — Não quero
que a minha mulher se sinta indesejada, e me surpreenderia se a dona
Antonietta agisse diferente.
— Você não espera que ela aceite?
— Não sonho tão alto. Ela não vai aceitar, mas eu estou bem com
isso, Gabriela que não. Ela teme que nossa avó acabe com sua carreira.
Apesar de acreditar que depois de cometer tantos erros Antonietta
Andrade não tornaria a repeti-los, não dava para invalidar os medos de
alguém. Era óbvio que Gabriela sabia muito bem com quem estava lidando,
por isso estava sendo cautelosa.
— Não a empurre, Carlos, deixe-a ter bastante confiança.
— Não irei, por outro lado, não posso deixar que o medo a domine.
— Ele sorriu, afastando-se um pouco. — Gaby deve compreender que estou
ao seu lado e que posso tomar suas dores todas as vezes que forem
necessárias.
— Você está certo. — Olhei novamente para a cobertura do prédio ao
lado.
— Parece que temos um novo convidado.
Virei-me e mal pude acreditar quando avistei Rocco ali, na sala. Um
sorriso tolo tomou conta dos meus lábios, o alívio que senti foi tão grande
que soltei o fôlego de uma vez.
— Desculpe-me o atraso. — Em uma mão, ele carregava uma sacola
com a logo de um empório de vinhos, na outra, um ursinho pequeno e fofo.
— Perdi-me ao voltar para cá.
— Bem-vindo, Rocco, por favor, fique à vontade — meu pai o
cumprimentou. — Obrigado pelo vinho. — Agradeceu ao receber a sacola.
Aproximei-me, e ele sorriu, vindo em minha direção para encontrar-
me no meio do caminho.
— Trouxe para nosso filho. — Estendeu o delicado ursinho azul. Meu
coração aqueceu ao ver a pequena gravatinha que o enfeitava.
Era tão delicado e meigo.
— É lindo, obrigada.
Rocco estava de tirar o fôlego. Não importava que sua barba estivesse
enorme e o cabelo sem corte, nada parecia capaz de diminuir a beleza
estonteante que ele possuía. Desde o corpo poderosamente constituído, até os
traços masculinos e elegantes. Chegava a ser injusto.
E foi aqui, nesse precioso momento, que senti toda a agitação que ele
me provocava. Eu era consciente dele, e não mais imune como achei que
seria.
Rocco Masari voltou a ser apelativo para mim, atraía-me como um
imã, e isso era assustador, porque parecia que eu estava mais uma vez
enredada em sua teia de charme e carisma.
Não, Victoria, agora você está consciente, não tem nenhum grama de
ilusão. Você sabe quem é Rocco. Eu disse a mim mesma e só então pude
respirar melhor.
Querer tê-lo por perto não era o mesmo que me jogar em seus braços.
Havia um abismo aí e, agora, eu e ele estávamos ambos de cada lado.
— Você está bem? — perguntou, franzindo o cenho.
— Estou. — Sorri, porque entendi que eu estava no controle.
— Vamos, o jantar está pronto — tia Laura chamou, mas quando
começamos a ir para a outra sala, minha avó disse:
— Não posso acreditar que estejam agindo como se nada houvesse
acontecido! Como se esse homem… — Apontou para Rocco —… não fosse
o responsável por quase nos fazer perder Victoria.
— Mãe, não é o momento…
— Victor, se a sua filha não consegue trilhar um caminho que não
seja autodestrutivo, você deve interferir. — Ela olhava para Rocco com ódio.
— Victoria não tem consciência do quão errado é permitir que esse homem
se aproxime. Ele pode manipulá-la, mas não o fará comigo. Não aceito que
ele fique aqui. — Veio para perto de nós e indicou a porta. — Por favor,
queira se retirar. Este é um jantar de família, e você obviamente não faz parte
da família.
O clima pesou e ficou horrível. Senti vergonha pela humilhação,
porque na vida eu não teria coragem de fazer algo do tipo. Olhei para Rocco,
mas ele parecia tranquilo, havia placidez em seus olhos azuis. Confundiu-me,
pois eu sempre conseguia enxergar a turbulência que havia por trás de suas
íris.
— Senhora Andrade — ele começou —, eu entendo e aceito suas
palavras, seu sentimento é válido e eu não o menosprezo. No entanto, eu e
Victoria teremos um filho juntos, a boa convivência será necessária e
fundamental para que nosso bebê se sinta feliz. — Rocco estava calmo,
falando tão tranquilo que nem parecia ele. — Por mais que queira, não há
possibilidade de me manter afastado, então, quanto antes aceitar minha
presença na vida de sua neta, melhor será para todos os envolvidos, e isso a
inclui.
— Você acha que só porque eles agem como se nada houvesse
acontecido eu farei o mesmo? — Cada palavra foi dita através dos dentes
trincados. — Eu não me farei de desentendida, não vou sentar à mesa e ser
obrigada a olhar para sua cara!
— Vovó, por favor. — Estendi a mão para ela. — Eu o convidei.
Deus, eu estava morta de vergonha. Parecia haver um elefante na sala
tamanho o constrangimento.
— Não importa. Você é tola, menina. — Ela abanou a mão. — Esse
homem não vai sossegar enquanto não te reconquistar. Você é o troféu dele, e
te ter de volta irá amenizar o sentimento de culpa que ele carrega desde que
tudo aconteceu.
— Senhora Andrade, se a minha presença a incomoda tanto, eu irei.
— Rocco olhou para mim e sorriu. — Até breve, Pequena.
— Não, Rocco — meu pai falou, porque eu não sabia onde minha voz
estava. — Você foi convidado pela minha filha, e eu reitero o convite, por
favor, jante conosco.
— Isso é um absurdo!
— Mãe, venha comigo. — Ele a pegou pela mão e a conduziu para o
escritório. A porta, quando fechou, serviu como um estalo para a realidade.
— Eu acho que podemos esperar Victor e Antonietta na sala de jantar
— Ricardo chamou, e Rocco veio para o meu lado.
— Você precisa de ajuda? — ofereceu, e eu o encarei. Rocco parecia
bem, não era como se houvesse acabado de ser expulso.
— Estou bem.
Sentamos lado a lado na mesa, e quem iniciou o assunto foi Ricardo.
Ele conduziu a conversa, dando um jeito para que todos interagissem. Jason
estava ao lado de Rocco e, de vez em quando, eles trocavam algumas
palavras.
Um vinho foi servido para os homens. Regina, tia Laura e eu ficamos
com a água saborizada de frutas vermelhas e limão siciliano. Aos poucos e
com maestria, Ricardo fez com que o clima se tornasse descontraído, dava
quase para fingir que nada havia acontecido.
Quando meu pai voltou, ele não estava sozinho e isso me aliviou
muito. Ele sentou na cabeceira da mesa, ao meu lado, e minha avó, na outra
ponta.
Ela não disse nada, tampouco olhou para Rocco. Apenas se
concentrou em seu vinho.
— Estou morrendo de fome, gente. — Tia Laura foi a primeira a se
servir, eu em seguida. — Bom apetite a todos.
Eu tinha certeza de que estava saboroso, mas para mim o gosto era de
sapato. Eu sabia que colocar Rocco e minha avó no mesmo ambiente seria
um problema, se antes ela mal o suportava, agora estava muito pior.
— Está tudo bem. — Rocco tocou meu joelho. — Não se preocupe,
sua avó não está errada. Sei que ela me odeia, e eu estar aqui a fere de alguma
forma.
— Em todo caso, desculpe.
Um pequeno sorriso tocou seus lábios, ele parecia bem com a
situação.
— Victoria, palavras duras não me afetam. — Deu de ombros. — Se
elas não forem proferidas por você, são apenas palavras. Não me importo.
Deixe sua avó dizer o que pensa de mim, sempre que quiser.
— Quem é você, e o que fez com Rocco Masari? — brinquei, mas ele
ficou sério.
E eu pude enxergar claramente a dor que ele sentia.
— Eu aprendi, acredite. A lição foi cruel, muito bem explicativa. Uma
mudança de vida.
— Tudo bem. Não vamos por esse caminho.
Nós tentamos, e eu não sabia o que minha avó e pai haviam
conversado, mas, assim que o jantar terminou, ela cumprimentou a todos —
menos Rocco — e foi embora com Carlos.
Apesar de sentir que havia certa estranheza no clima, a animação dos
homens quando chegamos à área da piscina melhorou muito.
Eles foram para a mesa de bilhar e cada um pegou uma cerveja no
pequeno frigobar que meu pai colocara ali. Eu, Regina e tia Laura nos
sentamos no sofá confortável.
— Jason não vai ganhar hoje — Ricardo falou. — Rocco, você vai
jogar?
— Eu irei. — Observei cada um escolher o seu taco e depois
decidirem quem ia começar.
— Eles fazem uma competição de tudo. — Tia Laura suspirou,
acariciando a barriga. — Pelo menos não estão medindo os paus.
— Tia!
— Tem razão — Regina brincou. — Homens tendem a esses
comportamentos, mas, não se enganem, as mulheres também.
O jogo começou e eles ficaram concentrados. De vez em quando, eu
pegava Rocco me olhando e ele sempre dava uma piscadela quando eu era
atraída pelo seu magnetismo.
— Meninas, eu vou ao banheiro. — Minha tia levantou, saindo em
seguida.
Quando ficamos a sós, a doutora Regina olhou-me sorrindo.
— Vejo por que não conseguiu esquecê-lo — ela disse, pegando-me
de surpresa, porque apesar de querer, eu não ia levantar o assunto e fazer do
momento uma sessão. — Ele não permite.
— O quê?
— Ele não permite que você o esqueça. — Ela recostou no sofá. —
Vocês agem ao redor um do outro como se estivessem em uma dança tácita.
Mas ele trabalha para manter sua atenção focada nele.
— Não sei o que dizer.
— Não precisa dizer nada. — Doutora Regina suspirou. — Você não
precisa da aprovação de ninguém para tomar suas decisões. Mesmo que você
tente, sempre irá desagradar alguém e é pior quando acaba fazendo isso a si
mesma. O público geralmente nunca fica satisfeito, você faz algo que agrada
uma parte, aquela que não gosta se pronuncia. Então você muda, e o jogo se
inverte, quem queria mudança fica feliz, mas quem estava feliz antes já não
fica porque você mudou. Você deve fazer o que te faz feliz, porque no final, é
somente isso que importa.
Como sempre, ela tinha razão e me fazia questionar. Antes eu não me
sentia confortável em aceitar que considerava Rocco importante, na minha
cabeça isso era uma traição a mim mesma.
Agora, estava tranquila quanto a isso, pois não havia a possibilidade
de excluir Rocco da minha vida. Nós teríamos um filho, uma parte dele
sempre estaria comigo.
— Pensar sobre os meus sentimentos em relação a ele fez girar uma
chave. Antes, enquanto eu pensava, sentia como se fosse um enorme erro,
não queria aceitar que estivesse com saudade e lutava contra esse sentimento.
Odiá-lo parecia fácil.
— Odiar é mais fácil que amar, Victoria. — Franzi o cenho diante de
suas palavras. — Mas o amor e o ódio são opostos perfeitos, um existe por
causa do outro. Pense neles como os lados de uma mesma moeda.
— Depois de passar tantos dias sem vê-lo, sem ter uma notícia sequer,
parecia que eu estava sufocando. Você sabe, eu não queria admitir para mim
mesma que a saudade me atormentava.
— Dizem que na saudade o amor floresce ou acaba. — Ela piscou um
olho. — Diga-me, você esperava odiá-lo para sempre?
— Não sei se para sempre, mas pelo menos não esperava que fosse
sentir sua falta. Pior, que eu fosse me entregar à compreensão de que
precisava tê-lo na minha vida, nem que fosse como um amigo.
— Às vezes, o que nos falta é inteligência emocional para
compreender os sentimentos. As pessoas não gostam de dissecar emoções
que estão relacionadas a um trauma, porque podem se surpreender. Mas
como se curar e recuperar o controle da própria vida, se você agir com medo
do que está aqui? — Ela apontou para a própria cabeça. — E aqui? — Tocou
no peito, acima do coração. — No final das contas, você vai ter percorrido
um longo caminho para voltar ao mesmo lugar.
— Acho que é sobre isso mesmo. — Cruzei os braços, pensativa. —
Antes de você chegar, eu estava desviando deliberadamente de tudo que
considerei ruim. Não queria encarar nada do que sentia e me permiti afundar.
Mas, depois, quando comecei a pensar, parece que tudo foi fazendo sentido.
Minha mente limpou, sabe?
— Sim, eu compreendo.
A risada dos homens chamou nossa atenção, Ricardo estava contente
por estar com melhor pontuação.
— Quando achar que vai ter recaída, e se deixar dominar pelo medo e
pelos pensamentos ruins, reafirme a confiança em si mesma. Como te
ensinei.
— Eu faço isso, e tem me ajudado muito.
— Isso. Trabalhe a respiração e busque seu equilíbrio até encontrá-lo.
Acho que eu nunca poderia agradecer à doutora Regina o suficiente.
Ela me muniu para que eu pudesse resgatar a Victoria que fora aprisionada.
— Obrigada por ter sido tão sensível e insistido. — Estendi a mão e
ela a pegou. — Eu não sabia que precisava tanto de ajuda.
— Não se engane achando que nós encerramos. — O aperto sutil que
recebi em minha mão falou mais que suas palavras. — Há um longo caminho
a percorrer.
— Eu sei.
— Ótimo, mas não será hoje e nem com o vinho começando a fazer
efeito.
— Você é demais. — Balancei a cabeça, feliz com a grata surpresa
que a doutora Regina foi em minha vida.
— Obrigada. — Ela pegou sua taça. — Ele não tira os olhos de você,
pelo que pude perceber, está em último lugar no jogo.
Olhei para Rocco e o peguei me encarando, quando deveria estar
concentrado em sua tacada.
— Desse jeito não dá para jogar — Ricardo reclamou. — Desista,
Rocco.
— Tudo bem, estou saindo. — Ele colocou o taco no suporte e veio
em minha direção.
— Eu vou procurar Laura, ela está demorando muito. — Regina
levantou quando Rocco sentou do meu lado.
Como se adivinhasse que o pai estava perto, o bebê começou a
movimentar-se.
— Nossa. — Mudei a posição, inclinando-me para trás. — Oi, meu
amor. — Acariciei a barriga.
— Posso? — Rocco estendeu a mão, e eu acenei.
Ele tocou minha barriga e fechou os olhos, concentrado em sentir
nosso filho. Os movimentos do bebê eram suaves, mas senti-lo era
reconfortante. Parecia uma afirmação do quão forte eu era, e ele também.
— Dio santo, é maravilhoso.
Um sorriso emocionado foi o único aviso que tive antes de ele abrir os
olhos e me impactar com aquele azul cristalino, alagado de lágrimas.
— Parece um sonho, ter vocês aqui — murmurou, a voz embargada.
— Um sonho tão bonito.
— Estamos bem, Rocco. Eu e o nosso filho estamos bem.
— Eu sei. — O sorriso aumentou, e ele limpou rapidamente a lágrima
que escorreu. — Mas, como falei mais cedo, tudo isso é um presente para
mim. Obrigado por ter me convidado, é ruim ficar sozinho o dia todo.
— Minha fisioterapia vai começar.
— Isso é ótimo. — Ele olhou para a minha perna, mas eu estava com
uma calça folgada, óbvio que não ia permitir que as pessoas vissem minha
cicatriz, mesmo considerando-a importante.
— Pretendo dar uma volta pela área de lazer, você poderia aproveitar
para sair um pouco também.
— Você precisa de um celular. — Ele mexeu no bolso. — Tome, tem
meu número. Quando não conseguir dormir, manda uma mensagem para
mim.
— Eu tenho um celular, apenas não uso.
— Esse será apenas para conversarmos.
— Você é extravagante, Rocco.
— Sou.
Encaramo-nos por alguns instantes, e apesar de considerar que ele
estar ali era bom, o surgimento de uma pontada de conflito interno começou a
incomodar.
— O que foi, Victoria?
— Parecemos um clichê. — Ele franziu o cenho. — Faz-me parecer
tola que eu desconsidere o potencial de dano que você pode me causar.
— Você acredita que o sofrimento é um bom pagamento para erros
cometidos?
— Não. — Fui sincera. — Mas isso aqui entre nós dois precisa estar
bem claro, não quero me sentir pressionada.
— A gente se acertou, eu sei disso. — Ele se aproximou e baixou o
tom, sua mão ainda repousava em minha barriga, delicada. — Minha
presença em sua vida não significa prisão, ou sentimento de culpa. Acredito
que, desta vez, vamos precisar do tempo, ele irá se incumbir de te dar o que
precisa para me aceitar de volta ou não.
— Rocco…
— Você me quer na sua vida, eu te quero na minha. Amo você mais
que tudo e posso esperar, eu disse isso, não foi? — Concordei. — Então, não
há com o que se preocupar, estarei aqui como seu amigo.
— Isso parece bom.
Confesso que eu não acreditava nesse lance de amizade, Rocco disse
várias vezes que um lobo velho não aprende truques novos. Ele mudou, isso
era nítido, mas continuava sendo o mesmo homem. O que poderia acontecer
se ele se sentisse encurralado? E se ele chegasse a ponto de querer algo que
eu não estava pronta para dar?
Senti que minha respiração perdia o ritmo, os pensamentos
começaram a se atropelar, e eu quis me afastar dele.
— Fique tranquila, não estamos fazendo nada. Respire devagar. —
Rocco me puxou para mais perto dele.
Aceitei ir porque não queria que as pessoas percebessem que eu
estava provavelmente em pânico por Rocco estar ali. Não queria levantar o
sinal de alerta, até porque quem começou isso tudo fui eu.
— Não fique criando questionamentos, as coisas vão acontecer sem
atropelo, do seu jeito. Aos poucos vamos estabelecer uma comunicação sem
ruído, você não vai se preocupar ou temer.
— O que aconteceu no jardim…
— Ficará bem guardado em meu coração — ele prometeu, e eu me
permiti confiar. — Não vou usar o que aconteceu ali como base para te
pressionar. Eu sei que estávamos movidos por necessidades particulares a
cada um, agora vamos fazer tudo com calma.
— Obrigada, Rocco, acho que preciso dessa calmaria.
— Vai dar tudo certo.
Era apenas nisso que eu ia pensar, porque se começasse a analisar
demais, não fazia ideia de onde isso nos levaria.
Rocco

Talvez eu nunca mais conseguisse me acostumar a me despedir de


Victoria. Por fora, mantinha a fachada de tranquilidade, mas por dentro,
estava sentindo como se fosse explodir.
A necessidade de cuidar dela era mais primordial que qualquer outra.
Tudo empalidecia quando eu comparava. Victoria e meu filho eram a
prioridade da minha vida, e a distância entre nós machucava demais.
Em outros tempos, eu consideraria impossível colocar uma mulher
acima do meu trabalho. Mas, aqui estava eu, em outro país, confiando meus
negócios aos melhores amigos que eu tinha. William e Dimitri estavam
responsáveis por segurar as pontas para mim, ou o máximo que conseguissem
antes que minha presença fosse exigida.
Desde o acidente de Victoria, eu não vinha sendo o melhor
empresário do mundo. Tornei-me relapso, preocupado e com problemas de
concentração. Agora, já sentia um pouco mais de controle, afinal, não me
restara muita coisa para fazer nesse tempo aqui. Entre espiar Victoria,
descarregar o estresse em um saco de pancadas e me sentir sozinho, dominei
o meu temperamento.
Pelo menos, eu acreditava que havia conseguido, até ser diretamente
confrontado por Antonietta.
— Merda. — Cocei o cabelo, largando-me no sofá da gigantesca e
solitária sala.
A noite foi ótima, eu sentia que havia dado um passo na direção de
Victoria. Por outro lado, apesar de acreditar que as coisas estavam se
ajeitando, a sensação de que amore mio estava distante me sufocava.
Ela estava comigo e ao mesmo não. Os sinais que me enviava eram
dúbios, complexos.
— Porra, amore mio. — Esfreguei o peito, sentindo quase dor física.
Era para eu estar com ela agora, desfrutando da gravidez, ao seu lado.
Infelizmente, quando os pensamentos começavam a ir por esse caminho, a
ansiedade começava a tomar de conta, e eu tinha certeza de que meu controle
sequer existia.
Nesse ponto, eu voltava à estaca zero, porque a realidade era que
mesmo tendo passado por inúmeras mudanças difíceis, que foram
responsáveis por alterar a visão que eu tinha de muita coisa, eu continuava
sendo Rocco Masari, apenas com um diferencial: não agia mais por impulso.
No entanto, só conhecia um jeito de parar a onda crescente de
pensamentos loucos e memórias ruins. Fui para o quarto vazio em que escolhi
para colocar o saco de pancadas.
Desta vez não fiz os preparativos para começar o treino. O primeiro
soco reverberou por meu braço, então, eu comecei a descarregar a raiva que
começou desde o momento que precisei voltar para esta droga de lugar.
O calor irritava, a solidão também, mas, por pior que eu me sentisse,
aceitava que as coisas estavam melhores. Infelizmente, isso não amenizava o
quão péssimo, rejeitado e estúpido eu me sentia.
— Porra! — Ataquei o saco de pancadas como se ele fosse o
responsável por tudo que eu estava sentindo.
Somente quando meus pensamentos silenciaram e a dor tomou conta
das minhas mãos e braços, percebi o sangue. Os nódulos dos dedos estavam
rasgados, ardiam como o inferno, mas me senti acalmar.
Uma vez, William disse para mim que a dor era apenas uma porta,
hoje eu acreditava, porque antes nunca pensei muito sobre as necessidades do
meu amigo, e no quão profundamente enterrado em sua agonia ele estava
para precisar do sofrimento físico para poder viver.
Como William, passei a necessitar dessa aflição física para me
acalmar. Na presença de Victoria, tudo ficava tranquilo, sem ela, era como se
eu me perdesse. A realidade era que, nessa história, eu precisava mais dela do
que ela de mim. Sem Victoria, eu viveria pela metade, somente ela me fazia
sentir inteiro. Apenas com ela eu iria permanecer completo.
— Dio mio. — Respirei fundo, as mãos trêmulas.
Eu não poderia jamais voltar à vida como era antes, sequer me
permitia pensar nessa possibilidade. Eu traria Victoria de volta, não por um
capricho, como Antonietta tão cegamente acreditava, e sim por necessidade.
Victoria me transformou em um homem que nunca imaginei me tornar,
dependente de uma vida ao seu lado, do amor que construímos e da
felicidade.
Sem ela, nada disso seria possível.
— Amore mio. — Fui até a janela e observei as luzes acesas na área
da piscina.
Eles ainda estavam lá, reunidos, divertindo-se.
Admito que a noite toda foi uma grata surpresa, no entanto, aqui
estava eu, sozinho. Ao mesmo tempo perto e longe da minha mulher.
— Quanto mais disso teremos que suportar? — Sacudi a cabeça, indo
até a geladeira pegar gelo para as mãos.
Por um longo tempo, olhei para a água ensanguentada da pequena
bacia em que eu havia enfiado as mãos. Uma letargia estranha começou a
tomar conta e eu me arrastei até o banheiro.
Vivia nesses rompantes de raiva e tristeza. Duvidava da minha
sanidade, da calma que eu erroneamente acreditava ter.
Era horrível pôr em xeque sua própria certeza. Nunca fui um homem
de duvidar de mim, de ter inseguranças, mas agora estava cheio dessas coisas.
Sentia-me fraco, estranho em minha própria pele.
— Merda. — Sacudi os ombros, ansiando livrar-me dessas sensações
ruins e reassumir o controle da minha vida.
Por enquanto, estava indo conforme a correnteza e esperando o dia
em que ia assumir todo o controle outra vez. Neste momento, não podia fazer
muita coisa, a não ser dar a Victoria o tempo que ela precisava para se sentir
segura sobre mim — sobre nós.
— Você está indo bem — incentivei-me, acreditava que estava no
caminho certo para ter minha mulher de volta.
Essa certeza não melhorou como eu me sentia agora, mas era isso que
eu tinha.
A noite estava quente, e apesar de o apartamento ter sistema de ar-
condicionado, não o liguei. Optei por um banho gelado, isso aliviaria as dores
nos músculos. Debaixo da água gelada e com as mãos apoiadas na parede,
fechei meus olhos, permitindo que a água levasse embora minha dor.
Em outros tempos, talvez eu sentisse delicadas mãos deslizando por
minhas costas, beijos aqui e ali.
— Amore mio.
Respirei fundo, entregue à pura nostalgia. Sabia que se Victoria
estivesse ali, ao primeiro toque que ela me desse, um sorriso idiota tomaria
meus lábios. Minhas mãos ansiariam por tocá-la, e aqui mesmo, nos
entregaríamos ao amor.
Quase pude sentir seu toque gentil, carinhoso. Mas, ao abrir os olhos,
vi que estava sozinho.
A decepção doeu.
— Não funciono muito bem sem você, Victoria.
Os beijos que ela me permitiu roubar foram como um fôlego de vida
para mim. Eu andava meio morto, vivendo por pequenos momentos em que a
espiava em segredo. Antes, cada minuto parecia pior que o anterior, agora,
nem tanto. O pouco que ela me deu já significou muito para mim.
O que eu sentia por Victoria era amor puro e simples. Vontade de
estar perto, de ter liberdade para beijá-la na frente das pessoas, de tocá-la sem
parecer que estava cometendo um crime. No começo de nossa história,
Victoria se entregou ao nosso relacionamento e eu, em vez de fazer
exatamente o mesmo, mantive uma minúscula parte reservada, por causa
disso, arrastei minha mulher para a lama do meu passado, corrompi sua
confiança em si mesma e a inocência que primeiro me encantou. Destruí o
seu coração com meu egoísmo, e agora, queria consertar tudo com o meu
amor.
As coisas não poderiam ser como foram, mas eu não me importava de
agora ser eu a me jogar de cabeça, sem reservas. Se eu me batesse no chão,
foda-se, a minha vida tinha sido moldada assim, através de riscos.
Victoria estava confusa sobre nós, e eu não enxergava o amor que tão
claramente havia em seus olhos não muito tempo atrás.
— Eu tenho amor para nós dois. — Encostei a testa na parede do box.
— E eu acredito que será suficiente para você perceber que sou o homem que
você merece.
Um pouco mais aliviado, saí do box e me sequei no banheiro mesmo,
depois vesti uma cueca boxer preta. Não coloquei roupas, o calor ali era
insuportável. Fui em busca do celular, o encontrei na sala, jogado no sofá.
Assim que o peguei, vi que tinha uma mensagem de Victoria. Por um
momento, não acreditei, tanto que desabei no sofá, porque senti um frio na
barriga de ansiedade.
— Dio mio. — Empurrei o cabelo para trás, estava caindo no olho.
Não esperava que fosse ter essa reação com uma simples mensagem.
O que eu estava me tornando? Aliás, o que eu havia me tornado?

Victoria: Tudo ok? Suas luzes estão apagadas.

Um sorriso idiota tomou conta dos meus lábios, realmente, eu não


havia acendido as luzes, e no quarto com o saco de pancadas, foi a claridade
de fora que serviu de iluminação. A cozinha onde peguei o gelo ficava do
outro lado do apartamento, não havia possibilidade da luz que liguei lá
clarear o suficiente para que ela notasse.
Sentindo-me feliz, escrevi uma resposta.

Rocco: Mais ou menos, aqui é enorme, silencioso, triste. Sinto-me sozinho.

Esperei ansioso por uma resposta, não demorou muito para que ela a
enviasse.

Victoria: Sinto muito, por que não tenta descansar? Dorme um


pouco.

Rocco: Você sabe que não posso. Não consigo dormir.

Não havia o menor sinal de cansaço, com certeza seria mais uma noite
em claro, cogitando hipóteses e surtando.
Desta vez, Victoria não respondeu. Esperei cerca de dez minutos, a
ansiedade aumentou a ponto de me deixar sem fôlego.
— Puta que pariu, porra! — Esfreguei o rosto, olhando ao redor.
Meus olhos prenderam-se às revistas na mesa de centro. Victoria era
capa em todas elas. Peguei uma, admirando a foto antiga. Havia certa justiça
poética no fato de que agora fosse eu a ter uma revista dela.
Na verdade, eu tinha várias, algumas até repetidas que fiz questão de
deixar espalhadas por todo lugar.
— Como é linda. — Acariciei seu rosto, jurando que em breve a teria
de volta. — Acredite, amore mio, eu nunca quis tanto algo na minha vida.
Levantei do sofá quando meu celular apitou. Era a resposta que eu
estava esperando.

Victoria: Você falou que me espionava, como você faz?

Rocco: Você está na sua varanda?

Victoria: Sim, já me despedi do pessoal. Jason e Ricardo estão empenhados


no jogo deles. Acho que a noite vai ser longa.

Corri para a área de lazer da cobertura, onde ficava a piscina e a


jacuzzi. Eu havia instalado o meu equipamento para espioná-la em um lugar
bem estratégico e escondido.
Ainda com as luzes apagadas, olhei para Victoria através do
telescópio, ela estava olhando para o meu apartamento. Sorri quando a luz do
celular acendeu e ela começou a digitar uma mensagem, eu fiz o mesmo.

Rocco: Eu vejo você, Pequena.

Voltei a espiar. Victoria ergueu a cabeça, eu tinha certeza de que ela


estava tentando me encontrar.

Victoria: Onde está?

Acendi a luz e me posicionei na varanda. Estávamos longe, mas dava


para ver. Pelo menos eu acreditava que sim. Ergui a mão com o celular, e ela
fez o mesmo.

Rocco: Você consegue me ver?

Victoria: Um pouco pelo olho direito, com o esquerdo


não vejo muito com nitidez a essa distância.
Agora, pare de me espionar, isso é assustador.
Nós não vamos ficar sem comunicação,
então não precisa disso.

Concordei. Era errado invadir sua privacidade assim, mas foi a única
saída que encontrei para amenizar o desespero que me dominou poucos dias
depois que cheguei aqui e não obtive notícias.

Rocco: Irei tirar o telescópio daqui, prometo.

Ela demorou a responder, e a vontade de espiar foi enorme. Controlei-


me, porque eu havia prometido a ela que pararia.
Victoria: Para observar as estrelas, seu telescópio é bom?

Rocco: Um dos melhores. Sobre observar as estrelas,


não tenho vontade, você tem?

Victoria: Um pouco.

Estreitei os olhos, quando uma ideia surgiu. Talvez, eu pudesse


trabalhar com sua curiosidade para atraí-la até aqui. Queria ficar sozinho com
ela, em um ambiente confortável. O jardim secreto foi incrível, mas porra,
estávamos no chão.

Rocco: Você poderia vir observar as estrelas aqui, comigo.


Victoria: Você é sempre tão impaciente?

Rocco: Sou.

Esperei por sua resposta, demorou um pouco, mas ela não me deixou
sem.

Victoria: O que eu encontraria se fosse aí?

Rocco: Venha descobrir.

Victoria: Irei pensar sobre isso.

Um meio-sorriso tomou conta dos meus lábios. A possibilidade de ela


ao menos considerar minha proposta significava um enorme avanço.
Meu peito aqueceu de esperança. Agora, o que restava era provocar.

Rocco: Eu garanto que você vai adorar.

Desta vez ela não respondeu, e eu, por haver prometido, não pude
espioná-la. Então, o que me restou fazer foi deitar por ali e perder-me
observando o céu.
Victoria
Meu Deus, que anseio louco é esse que sinto quando digo a mim
mesma que não devo sentir? Sacudi a cabeça, tentando me concentrar na
conversa em que minha família insistia em me incluir.
Ricardo e Jason estavam animados, dizendo que o jogo deles havia
acabado em empate e que hoje iriam continuar após o jantar.
Essa foi a única parte que capturei da conversa. Meus pensamentos
estavam voltados para o que eu estava fazendo, se me faria bem a longo
prazo ter Rocco tão presente na minha vida, agora.
Quero muito estar com ele. Conversar. Mas eu não deveria. Droga!
Respirei fundo, tentando ignorar as mensagens que ele mandava. Desde cedo,
ele me perguntava se eu queria conversar, mas, depois de uma noite estranha
por causa da sensação de que algo faltava, eu me sentia um pouco retraída.
Será que era normal me sentir assim? Eu estava ansiosa para
encontrar a doutora Regina, mas ela não poderia vir hoje.
— Victoria?
Escutei meu nome e nem sabia quem tinha me chamado. Olhei para as
pessoas na mesa, e elas me encaravam esperando uma resposta.
— Sinto muito, eu não estava prestando atenção.
— Perguntei se você quer sair para caminhar quando acabarmos aqui
— Jason falou, e eu concordei.
— Obrigada, eu gostaria.
Já havia decidido que não ficaria mais escondida aqui dentro, então,
era melhor que começasse logo a colocar em prática os meus objetivos mais
fáceis e que não exigiam muito esforço da minha parte.
— Quando a fisioterapia começa? — Ricardo perguntou, servindo-se
de um pouco mais de chá.
— Em breve, mas estou um tanto preocupada, descuidei demais dessa
perna.
— Vai ser doloroso — meu pai falou e estendeu a mão para mim. —
Mas você deve pensar que isso é para o seu bem e que logo você estará livre
das muletas.
— Cuidado, pai. As gêmeas podem ficar magoadas. — Pisquei um
olho.
Depois que comecei a melhorar, meu pai rejuvenesceu. Na verdade,
todos estavam com aparência melhor. Por eles, mas principalmente pelo meu
filho e por mim também, eu não me importaria com a problemática confusão
que rondava meus pensamentos, acerca de Rocco.
Havia momentos em que eu mal podia esperar para vê-lo, como
ontem. Hoje, não queria falar com ele e o havia ignorado.
Não saí ilesa dessa bagunça, pois me machucava deixá-lo sem
resposta. Eu não era uma pessoa assim, por outro lado, estava reaprendendo a
aceitar meus desejos e vontades.
Hoje, só não havia acordado muito legal e foi como se desse um passo
para trás em tudo que tinha avançado.
Acho que eu só queria estar segura, chegar a um momento em que
não iria sentir estar fazendo algo errado, mesmo que não fosse errado. Era
como se não pudesse enxergar os sentimentos por Rocco de forma clara,
minha visão estava turva, e eu só tinha as minhas emoções para servir de
guia.
Quando elas se confundiam, então, eu não sabia para que lado ir.
Eu admitia que era uma enorme bagunça, mas queria
desesperadamente ter clareza para não achar que ainda ter sentimentos por
Rocco era errado.
Por que não é errado? Ou é? Franzi o cenho, olhando a minha xícara
de chá.
Precisava resgatar minha autoconfiança, acreditar em mim, nas
minhas certezas. Eu estava caminhando para alcançar esse objetivo, ter uma
dúvida ou outra não fazia mal, só me tornava cautelosa.
É isso. Sorri, sentindo-me um pouquinho aliviada. Afinal, foi como a
doutora Regina disse: eu não precisava da aprovação de ninguém, o que
estava acontecendo na minha vida, e se eu queria Rocco por perto eram
problemas meus.
Óbvio que afetava a todos, mas as decisões eram minhas.
Isso que eu estava sentindo era medo, e a única forma de superar o
medo era encarando-o de frente. Eu não ia criar um mundo perfeito, de
ilusão, tampouco fechar os olhos e fingir que nada aconteceu só para ter a
sensação de falsa segurança.
Não queria isso para mim.
Rocco foi meu porto seguro, uma base de confiança que me fazia
acreditar que tudo daria certo. Talvez o medo fosse esse: confiar nele,
acreditar e me decepcionar. Em todo caso, só iria descobrir como as coisas se
desenrolariam com o tempo e não fugindo e me escondendo como a covarde
que eu nunca fui.
Consegui avançar sobre a questão e não me sentir culpada. Eu gostava
de Rocco, queria-o por perto e aceitava isso. Agora, deveria tentar enxergar
melhor se ainda o amava ou se o que sentia era um reflexo do passado.
— Olá, boa tarde a todos. — Minha avó chegou e sentou-se ao meu
lado.
Ela não se importou se estávamos na metade do chá da tarde e já
começou a discutir com meu pai, na frente de todo mundo.
— O que aconteceu ontem foi um absurdo. Deixo aqui, bem clara, a
minha objeção a qualquer visita daquele homem à minha neta.
Com gestos comedidos, observei-a servindo-se de chá e agindo como
se sua palavra fosse lei.
Minha avó era muito arrogante e, se deixássemos, ela atropelaria
qualquer um.
— Mãe, Victoria está do seu lado, ela é maior de idade, dona de seus
próprios pensamentos e atitudes. A senhora não pode simplesmente chegar
aqui e perturbar a paz em que estávamos com suas exigências.
— Não é possível que eu seja a única que enxerga as coisas! — Havia
muita indignação em sua voz. — Laura, temos nossas diferenças, mas você
deve concordar comigo, não é?
Minha tia limpou a boca com o guardanapo e apoiou as mãos na
mesa. Eu sabia que vinha conflito apenas pelo gesto dela.
— Não concordo. — Quando minha avó abriu a boca para rebater, tia
Laura ergueu o dedo, interrompendo-a. — Não gosto de humilhar as pessoas
como você fez ontem. Geralmente o karma sempre volta e nos chuta na
bunda.
Ricardo tossiu uma risada, minha avó cruzou os braços, ficando
vermelha de raiva.
— Rocco está sofrendo as consequências de suas atitudes, e nós não
temos que ser juízes para condená-lo. Também não temos que dizer a
Victoria o que ela deve ou não fazer, pois ela não precisa da nossa aprovação
para nada.
— E aceitar um homem que não serve para ela seria inteligente? Ele
já provou que não vale nada, eu estou sendo o bom senso que vocês
obviamente não têm ao aceitar uma loucura dessas. Victoria e Rocco juntos
de novo? Eu vou vomitar! — Minha avó fez um som de escárnio.
Ouvi-la falar assim acionou algum mecanismo que havia adormecido
dentro de mim. A vontade que eu tive foi de correr para Rocco e abraçá-lo,
sentir o cheiro gostoso dele, sentir o seu calor.
Não gostei de ouvir o jeito como ele foi citado, incomodava-me
demais.
— Antonietta, minha sobrinha é capaz de tomar suas próprias
decisões, porque quando ela o faz, já pensou e repensou várias vezes. Então,
se Victoria quer ter Rocco em sua vida, a minha vontade, tampouco a sua,
Antonietta, não farão diferença. Aceite e fique em paz.
— Jamais! — Bateu a mão na mesa. — Victoria deve ficar com
alguém como Carlos.
— Você enlouqueceu, mãe?!
— Não, primos podem se casar. Carlos a adora, no começo pode
parecer estranho, mas depois não. Eles com certeza podem encontrar a
felicidade.
— Eu não estou ouvindo isso! — Levantei da mesa. — Vamos brigar
se falar bobagens como essa outra vez. Eu nunca, jamais irei olhar para
Carlos com esses olhos.
— Qualquer homem é melhor que Rocco Masari. — Ela cuspiu.
— Não é. — Respirei fundo. — Que tanto ódio é esse, vovó? Nem eu
sinto isso. Pelo amor de Deus, pare. Rocco é o pai do meu filho, sempre vai
estar na minha vida, em meu coração.
— Não precisamos dele. Carlos pode criar seu filho como se fosse
dele.
— Eu não vou ficar ouvindo esse absurdo. — Com a ajuda das
muletas, me afastei.
Na sala de estar, pude ouvir a discussão acalorada que se seguiu.
Fugi para o refúgio do meu quarto e tranquei a porta. Aquele era o
sinal de que eu queria ficar sozinha.
— De onde foi que a minha avó tirou essa história de juntar os netos?
— Balancei a cabeça, sentando-me na cama. — Ela enlouqueceu.
O som de mensagem chegou, e desta vez não ignorei. Abri o ícone e
lá estava, o nome dele em destaque.
Rocco: Quer conversar?

Não precisei pensar para enviar uma resposta.

Victoria: Eu adoraria.

***

Ao longo da semana, muitas mudanças ocorreram. Comecei a


fisioterapia, e estranhamente, desde o dia que minha avó chegou cuspindo
demandas em cima de mim, não parava de chover. Meu passeio daquele dia
com Jason havia sido cancelado, e desde então, não havia como sair de casa.
Na Inglaterra, o clima não mudava assim tão bruscamente, o que aconteceu
aqui me chocou, a cidade estava alagada, não dava nem para abrir as janelas.
Não fazia ideia de como Murilo, meu fisioterapeuta, conseguia
chegar, tampouco Regina. Quando a questionei, ela disse que morava com
seu filho aqui na Barra da Tijuca, e que não era longe.
Saber disso tirou minha preocupação, eu não queria que ela ou seu
filho tivessem problemas por minha causa. Graças aos cuidados que vinha
recebendo, já notava diferença na minha postura e na perna que passou a doer
menos quando eu a movimentava.
Nesses poucos dias de dedicação e trabalho intenso, eu percebi que
minha saúde estava melhor. Os cochilos durante a tarde estavam mais longos,
porque eu estava esgotada com as duas sessões diárias de fisioterapia. Por
outro lado, as noites continuavam insones.
Mas agora eu não temia pesadelos, sentia-me pronta para encarar
qualquer coisa, ou quase isso. A doutora Regina me ajudou a trabalhar um
pouco melhor na confusão que eram meus pensamentos, ela incentivou-me a
agir em conformidade ao que eu sentia e disse que se, por acaso, ainda não
estivesse pronta para dar qualquer passo, era só reavaliar como isso me
afetava.
Para ela, eu estava no caminho certo, e isso me deixava muito feliz.
Ouvi o som de mensagem no meu celular e na hora senti frio na
barriga. Um sorriso tomou conta dos meus lábios, quando eu mal pude ir
rápido o suficiente ver o que era.
Rocco: Saudade, quero te ver.

Ele colocou uma carinha triste. Nesses dias de chuva, não nos
encontramos, mas havia se tornado um vício conversar por longas horas, em
trocas de mensagens, que era um jeito quase antiquado, mas gratificante.

Victoria: A chuva não deixa. Mal consigo ver o seu prédio com tanta névoa.
Será que é normal? Parece meio assustador que o clima mude assim tão
rápido.

Por opção minha, dispensamos as chamadas de vídeo, porém,


chegamos ao consenso de que nunca deixaríamos uma mensagem sem
resposta. Gostei disso, mesmo que já o tivesse feito muitas vezes.
— As pessoas mudam. — Bati na cama, chamando meu cachorro. —
Venha aqui, amor.
Prince subiu na minha cama e deitou no meu travesseiro. Ele nem
ligava para mim, desde que chegamos aqui, ele tinha muitas pessoas para
mimá-lo.
— Não seja ingrato, eu que te adotei. Você é meu filho. — Fiz
carinho em suas orelhas, e ele nem se importou. Preferia dormir na cama e no
friozinho do ar-condicionado.
Atenta à resposta de Rocco, meu sorriso alargou quando ele a enviou.

Rocco: Não faço ideia do que está causando tanta chuva, meu português vai
de mal a pior e eu pensei que falava um pouco, eu te disse em nosso primeiro
jantar lembra? Mas, preciso admitir que fui muito iludido nisso. Não entendo
quase nada do que é dito nos jornais. Você poderia vir aqui me ensinar, ou
eu poderia ir aí. Me convide.

Victoria: Você sabe que eu estou gostando de como nos comunicamos, à


moda antiga com toque de modernidade. Imagine se fosse com longas cartas
escritas à mão?

Rocco: Talvez fosse melhor, eu teria que ir entregar.


Victoria: Você é muito esperto.

Sua resposta demorou um pouco para chegar, mas quando veio, pude
sentir um pouco da solidão com a qual ele estava tendo que conviver. Aqui,
eu tinha muitas pessoas, mas Rocco, não, ele estava sozinho em um
apartamento que parecia ser bem maior que o meu.

Rocco: A última vez que eu te vi foi quatro dias atrás. Sinto sua falta,
gostaria de poder estar contigo, perto. Eu poderia prometer não dormir se
você quiser assistir um filme, até deixo ser desses romances que sangram os
olhos.

Eu não sabia o que responder, e era em momentos como esse que eu


queria voltar atrás no nosso acordo. Reli sua mensagem e mais um nó desatou
em meu coração. Rocco deixava sua carência explícita, não se importava de
ocultar de mim suas fraquezas, estava sempre tão aberto a revelar o que
sentia, por vezes, assustando-me no processo.
Era tudo muito intenso.

Rocco: Prometemos nunca deixar uma mensagem sem resposta. Estou


esperando com a minha porta aberta, diga sim, e eu irei te encontrar.

Pensei por um momento, então olhei para mim mesma e fiz careta.
Estava de pijama, descabelada, com certeza uma visão horrenda.
— Tudo bem. Talvez um encontro não seja mau, só não será agora,
nesse minuto.

Victoria: Não seja tão imediatista. Mais tarde a gente pode ir para a área
social do saguão desta torre. Você pode vir aqui?

Rocco: Posso ir agora!

Victoria: São 02h30 da manhã, não vou sair agora.

Rocco: Qual o problema? Eu te encontrei no


jardim secreto no meio da noite, o seu
caminho é mais curto que o meu. Você só precisa
descer o elevador.

Victoria: Grandalhão, mais tarde.

Só depois de enviar a mensagem dei-me conta da forma como o


chamei. Engoli em seco, uma parte de mim não queria enviar o sinal errado,
enquanto a outra, pouco se importava, afinal, já havia acendido um letreiro
quando o aceitei de volta na minha vida e comecei a conversar durante toda a
noite.

Rocco: Você me chamou de grandalhão, estou absorvendo isso.

Victoria: Tente descansar, até mais tarde.

Rocco: Ainda vou enlouquecer, então, quando isso acontecer, não reclame
se eu te roubar e levar para a minha ilha. Tenho certeza de que juntos
podemos resolver qualquer coisa. Amo você.

Eu não deveria sentir borboletas na barriga, mas senti. Peguei-me


sorrindo para o teto, como a idiota que com certeza eu era, só que agora a
única diferença era que eu não me importava.
— Deus, isso vai ser um problema.

***

Sem dizer uma palavra, observei minha avó e pai discutirem como se
eu não estivesse presente. O dia amanhecera nublado, mas, sem chuva. O que
já era um grande avanço.
— Eu vim em missão de paz. Não quero brigar, mas você, meu filho,
não colabora. — Minha avó suspirou, parecia cansada. — Eu só quero que
Victoria saia desse apartamento e venha conhecer o meu atelier, qual o
problema?
Olhei para o meu pai, ele esfregou o cabelo. O que estava fazendo era
deixar que eu sempre escolhesse, como não falei nada, ele deve ter entendido
que eu não queria.
— Mãe, estamos ótimos. Victoria está se recuperando muito bem,
talvez precisemos que Regina nos diga se é bom sair.
— Não vai ter ninguém de fora no atelier, eu já deixei organizado.
Será bom. — Ela olhou para mim. — Minha neta, você não gostaria de
conhecer a Luxury’s?
Acho que não deve ter problema, o que poderia acontecer? Era só
uma visita não é? Mordi a unha, nervosa. Parecia que já havia se passado
uma eternidade desde que saí pela última vez.
— Mãe, vamos deixar para outro momento, eu acredito que…
— Eu quero ir — falei baixinho, mas foi o suficiente para que a
atenção de ambos se voltasse para mim. — Quero retomar meu trabalho, os
projetos. Ainda há muito o que fazer pela minha marca.
Deus, será que eu não estava indo rápido demais? Minhas mãos
começaram a tremer, mas não me deixei abalar.
— Isso é maravilhoso. — Fui abraçada por minha avó, seus olhos
brilhavam de felicidade. — Você é forte para superar tudo, puxou a mim.
Bom, eu não sabia se havia puxado a ela, mas, a cada dia sentia-me
mais dona de mim. Isso me dava confiança para sair, porque estava pronta
para encarar o mundo lá fora.
— Então vamos?
— Acho que preciso trocar de roupa. — Olhei para mim, em dúvida
do que vestir.
— Minha querida, você está linda com esse vestido longo. Ele realça
sua pequena barriga e combina com sua cor de cabelo e olhos. Você está
adorável. — Minha avó elogiou.
Nesse quesito, se Antonietta Andrade estava falando, quem era eu
para discordar?
— Então vamos. Jason… — chamei, e ele já estava pronto, ao meu
lado.
Sem ele, eu não sabia se teria tanta coragem. Juntos, descemos para a
garagem, minha respiração acelerou um pouco, mas fiz o exercício que a
doutora Regina me ensinou. Inspirei e expirei até que parasse de tremer.
Sentei junto com minha avó no banco de trás de um sedan preto,
Jason na frente com o motorista. Não demorou muito para que saíssemos do
condomínio e pegássemos uma avenida.
— Victoria, teremos um pequeno coquetel de boas-vindas.
Não acreditei no que ouvi, tampouco escondi que não gostei de saber
disso.
— Vovó, a senhora não me disse isso. — Mordi o lábio, o nervosismo
voltando.
— Não será grande coisa, você vai adorar a equipe, eles são
maravilhosos.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela pegou seu celular,
ligou para alguém e iniciou uma conversa. Eu sabia que fez isso para não me
dar chance de questionar essa recepção de boas-vindas.
Senti o celular vibrar na minha bolsa, sabia que era Rocco.

Rocco: Bom dia, o que está fazendo?

Antes de responder, olhei para a minha avó e ela sorria, falando


apressadamente com alguém. Acreditei que ela falava francês, e isso me fez
cogitar que estivesse falado com Jean Pierre.
Lembrar-me dele me deu calafrios. Não sabia explicar, mas desde
nosso último encontro, eu não conseguia me sentir confortável sequer
ouvindo seu nome.

Victoria: Bom dia, estou a caminho do atelier da minha avó. Hoje me


pareceu um bom dia para sair. Estou com medo, mas preciso fazer isso.

— Minha neta? — Um toque gentil em meu ombro chamou minha


atenção.
— Desculpe, eu estava distraída.
Esperando a resposta de Rocco a minha mensagem.
— Eu te chamei três vezes. — Ela estreitou os olhos. — Bom, isso
não importa. Tenho algo para falar com você. Jason, o seu amigo, ele fala
português?
— Não que eu saiba.
— Você fala Jason? — minha avó perguntou, ele virou-se, com o
cenho franzido. Certeza que havia entendido apenas seu nome. — Você
entende o que eu digo?
Ele pediu desculpa em inglês, eu traduzi para ele o que minha avó
havia dito.
— Ele não entende, qual o problema?
— Privacidade para falar. — Ela virou-se para mim. — Não acho
adequado que um empregado se comporte como se fosse da família. Ele
come na mesa, dorme em um dos quartos. Ele é um empregado.
— O quê? — Eu achei que não tinha ouvido direito. — A senhora
está falando sério?
Olhei para Jason, ele estava em silêncio, olhando para frente.
Agradeci que ele não soubesse o que era dito.
— Eu não acho certo, sua amizade com esse segurança. — Deu de
ombros. — Você deveria ter uma relação profissional com ele, e o colocar no
devido lugar. Fazer as refeições na cozinha com os outros empregados e
mudar para a dependência que há na área de serviço. É confortável.
Sua voz estava uniforme, imperturbável. Ela não se importava de
fazer uma declaração preconceituosa e desnecessária, pior, aproveitando-se
do fato de Jason não compreender para falar isso na frente dele.
— Não diga mais nada. — Ergui a mão quando ela deu a entender que
ia continuar falando. — Vamos deixar uma coisa bem clara, vovó, e eu
espero que seja a primeira e última vez que a senhora se refere ao Jason desta
forma.
Ela me encarou, e eu vi que estava sem acreditar no tom de voz
impresso em minha fala.
— Primeiro de tudo, ele é meu irmão, não me importo se a senhora
aceita ou não, isso não vai mudar nada. Eu o amo e jamais o tratarei com
menos carinho, atenção e cuidado do que ele merece. Segundo, se Jason for
comer na cozinha, então precisarei de um lugar também, porque eu vou com
ele. Eu sou a família dele, e ele faz parte da minha, se a senhora o magoar
como parece gostar de fazer com as pessoas, teremos problemas porque eu
estou chegando ao limite do tolerável com esse comportamento seu.
— Só por que eu disse o que penso?
— Não, porque a senhora tem o hábito de humilhar as pessoas sem se
importar com como elas se sentem. Fez isso com minha mãe, tia, Rocco e
agora Jason. Que fique claro, vovó, eu não sou esse tipo de pessoa e não
suporto conviver com situações como essa, sabe por quê? Eu mesma vivi
sendo humilhada por muito tempo e não irei mais aceitar que a senhora faça
com os outros o que fizeram comigo.
Ela ofegou, mas concordou.
— Sugiro que tenha mais cuidado quando tratar as pessoas, pois agora
mesmo não estou com muita disposição para dar voltas em um assunto que
nem deveria ter sido levantado. — Olhei para Jason. — Talvez, seja melhor
voltarmos.
— Não, eu entendi. Desculpe-me.
O restante do caminho foi feito em silêncio. Lá no fundo, me senti
culpada por meu tom de voz ter sido um pouco brusco, todavia, não me
arrependia de nenhuma palavra. Até hoje, pelo que eu entendi, minha avó
sempre fez tudo que desejou, em certos quesitos, alguém tinha que lhe impor
limites.
— Chegamos — ela anunciou, e só então a realidade de que eu estava
indo conhecer o atelier de uma estilista de fama mundial me alcançou.
Minhas pernas viraram borracha quente, senti-me dormente de tanto
nervosismo. Quando a porta do carro foi aberta, o pânico rastejou. Eu não
fazia ideia de como iriam me receber, será que me olhariam com pena?
Eles saberiam do que aconteceu em Londres? Engoli o nó em minha
garganta, porque não fazia ideia de como agir. Temia fazer alguma besteira,
cometer uma gafe. Antes entrava pela porta dos fundos de um atelier de alta-
costura, agora, estava entrando pela porta da frente, e com status de herdeira.
Jesus Cristo, eu não estava nada bem. Era mais apavorante do que
pensei. As entrevistas e toda loucura que se seguiu em Londres, após eu ter
sido descoberta, não se comparavam a estar aqui, nesse lugar.
— Tudo bem, Bonequinha? — Jason perguntou, estendendo a mão
para me ajudar a sair.
— Estou muito nervosa. — Respirei fundo. — Muito nervosa mesmo.
— Não precisa, vai dar tudo certo.
— Faz tempo que não vejo pessoas diferentes, e se eu fizer alguma
besteira?
— Não vai fazer, e se fizer, qual o problema? — Ele piscou o olho. —
Você não deve nada a essas pessoas. Agora vem, eu sei que você quer
conhecer o atelier da sua avó.
— Você me conhece. — Aceitei sua ajuda para sair do carro.

LUXURY'S
O nome era enorme, talhado em letras douradas. A logomarca era rica
em detalhes, de muito bom gosto. Tudo ali gritava luxo, riqueza e tradição. A
vitrine estava sensacional, os manequins conversavam entre si, tudo
convergindo para um maravilhoso vestido de noiva, exposto na vitrine do
meio, no primeiro andar.
Foi inevitável me sentir emocionada.
Então, essa é minha nova vida? Sorri, ansiosa para conhecê-la.
Victoria
— Está pronta, querida? — Minha avó aproximou-se e ajeitou meus
cabelos e vestido.
— Eu acho que sim. — Respirei fundo, sorrindo. Ela retribuiu.
Minha avó era uma pessoa complicada, às vezes parecia agir como se
não fosse a mulher carinhosa que sempre me tratava bem. Eu queria que ela
encontrasse esse caminho e jamais saísse dele, porque, inevitavelmente, lidar
com Antonietta Andrade não era nada fácil.
— Vamos. — Ela indicou a escada. — Jason, por favor, cuidado com
os degraus.
O tom de voz que ela usou foi cordial e eu diria amistoso. Jason deu
um sorrisinho de lado.
— Claro, não se preocupe — ele respondeu e eu fiquei satisfeita por
estarem se tratando bem.
Minha avó sabia como ignorar alguém, esse sendo mais um dos seus
traços arrogantes e difíceis de lidar. Meu brother foi atencioso comigo, teve
paciência para me ajudar a subir os degraus. Havia uma rampa de acesso,
mesmo assim, optei pela escada.
Quando chegamos ao topo, minha avó sorriu, e foi ela quem abriu as
portas duplas de madeira entalhada.
— Seja bem-vinda à Luxury´s.
Quase não tive força nas pernas para dar o primeiro passo. Tudo que
eu estava vendo parecia saído do mais fabuloso sonho que já tive.
— Deus do céu. — Olhei ao redor, entrando timidamente no
imponente salão.
Havia duas escadas belíssimas que levavam ao primeiro andar. Ao
redor, vestidos glamorosos foram posicionados com perfeição, parecia que ali
era um evento de gala.
Sensacional.
Era tão diferente do atelier da Madame Blanchet, em que tudo era
cafona e desproporcional. Desde as cores berrantes que não combinavam com
nada, até os pseudocenários que ela considerava atraentes.
Aqui as cores conversavam. A cor da madeira das molduras das
vitrines dava a impressão de que a roupa exposta era um quadro; a
iluminação era adequada, havia foco certo nas roupas mais coloridas, e, no
grande salão, onde eu estava, um lustre gigantesco e muito bonito.
— Você gostou? — Acenei, não havia encontrado minha voz,
tampouco conseguiria descrever o que eu estava sentindo ali dentro.
Era uma mistura de euforia com sonho realizado. A sensação de que
tudo havia dado certo.
— Diga alguma coisa, minha filha. — Minha avó parecia ansiosa pela
minha opinião.
Mas o que eu poderia dizer que fizesse jus àquele lugar incrível?
— É surreal — murmurei, quando a emoção começou a dominar-me.
— Parece um sonho.
A estilista que havia em mim estava em êxtase. Não havia palavra
melhor para descrever. O atelier Luxury´s era o sonho de consumo para
qualquer estilista, entusiasta, ou apreciador da moda.
— Eu fico muito feliz que tenha gostado, venha, todos estão ansiosos
para conhecê-la.
Fui levada para outro salão. Este era mais sóbrio, porém, não menos
elegante. Havia muitas pessoas, todas vestidas impecavelmente.
— Meus amigos, é com muito prazer que lhes apresento a minha neta
e estilista, Victoria — minha avó falou alto, e na hora meu nervosismo
cresceu.
Todos estavam olhando para mim.
— É um prazer. — Acenei, envergonhada.
— Venha, vou apresentar algumas pessoas.
No primeiro momento, esperei que perguntas constrangedoras
surgissem, mas não. Todos me tratavam com cordialidade, educação e
interesse por meu trabalho. O orgulho cresceu em meu peito ao perceber que
aquelas pessoas estavam realmente empolgadas por eu estar ali.
— Finalmente, estamos nos conhecendo. A sua avó fala em você o
dia inteiro. — Um homem alto, elegante e belíssimo estendeu a mão. — Sou
Nikolas, o Cool Hunter e estilista especializado em noivas daqui. — Ele
inclinou para dizer baixinho. — Antonietta não vive sem mim.
— Não seja convencido, Nikolas. — Minha avó fez cara feia.
— Por que, chefa? Eu certamente posso. — Piscou um olho, fazendo
um sorriso tocar os lábios dela. — Ela me ama.
— É um prazer, Nikolas. — Estendi a mão e ele a pegou.
Foi uma surpresa notar a relação dele com a minha avó, eu vi
claramente que era especial, pois o carinho que demonstravam era nítido para
qualquer um.
— E esse belo espécime masculino ao seu lado, tem nome? Telefone?
É solteiro?
Não pude evitar a risada que escapou, Nikolas era efusivo e
energético. Acompanhar seu ritmo era difícil.
— Ele é Jason, meu irmão. — Fiz as apresentações, e quando eles
apertaram as mãos, Nikolas deu um sorriso que eu não soube interpretar.
— Pode ser que eu tenha acabado de me apaixonar.
Jason revirou os olhos, soltando a mão do rapaz.
— Nikolas, meu irmão não compreende muito bem o português.
— A linguagem do amor é universal, querida. — Ele piscou um olho.
— Agora me deixe apresentá-la ao restante da equipe.
O jeito descontraído com que Nikolas me recebeu deixou-me tão
aliviada que consegui ficar confortável e desfrutar do momento. Fui recebida
com muito carinho, não senti nenhuma vibração negativa, pelo contrário, em
pouco tempo conhecendo as pessoas que trabalhavam com a minha avó,
percebi o quão abençoada ela era.
Todos ali trabalhavam com amor, gostavam do que estavam fazendo e
por isso a harmonia era tão grande. O lugar parecia próspero, de maneiras que
eu não saberia descrever.
— Você não conheceu todo mundo. Gaby está doente.
Franzi o cenho, esse era o nome da namorada do Carlos.
— Venha, ainda há muito para ver.
Nikolas foi o encarregado de me apresentar às pessoas. Era incrível
como ele conduzia as conversas e circulava ao redor das pessoas esbanjando
carisma.
— Você é adorado aqui — comentei, ele riu.
— Eu amo cada aspecto dessa vida. A aura de criatividade e sonhos
que essas portas abrigam recarrega as minhas energias todos os dias. Estar
aqui era um dos objetivos da minha vida.
— E conseguiu. Você é incrível, Nikolas.
— Foi uma luta, sabe? — Ele sorriu, acenando para alguém do outro
lado da sala. — Imagine o que é para um garoto de cidade pequena, negro,
gay e de família pobre sonhar com algo muito além de suas possibilidades?
Consegue mensurar o quão gratificante é para mim deitar a cabeça no
travesseiro e saber que venci? Todos os dias me congratulo por ter mudado
minha história, e então, eu também agradeço a Deus por ter colocado sua avó
no meu caminho. Ela me acolheu e deu a primeira chance quando as pessoas
somente me estigmatizavam pela cor da minha pele.
— Nikolas, você é maravilhoso, nunca duvide disso. Você venceu,
tenho certeza de que sua família é muito orgulhosa de você. Adorei que há
uma relação tão bem construída entre você e minha avó.
Ele sorriu, emocionado.
— Eu a amo e faria qualquer coisa para vê-la feliz.
Alguns minutos depois, eu precisei sentar. Nikolas não saiu do meu
lado, e isso deu a Jason certa liberdade para circular ao redor.
— Então, como está se sentindo? — Nikolas perguntou, sentando-se
ao meu lado no sofá de canto.
— Bem. Eu estava muito nervosa, mas agora, graças a você, isso
passou.
— Muito bem, queremos que se recupere logo e venha trabalhar
conosco. — Ele bebeu sua taça de champanhe. — Imagine estar ao redor de
duas estilistas no nível que você e Antonietta possuem? Deus, eu acho que
nunca estive tão ansioso para começar a criar.
— Nikolas, eu estou começando. Não me coloque no mesmo patamar
que minha avó. — Dei uma risadinha. — Eu tenho muito o que aprender com
você também.
— Isso vai ser incrível. — Ele bateu palmas delicadamente para não
fazer barulho. — Estou até com frio na barriga, tenho certeza de que vem
coisa boa por aí. — Suspirou, sonhador. — Como é bom ter expectativas, que
delícia de sensação.
Sim, eu precisava admitir que agora eu começava a sentir o mesmo
que ele. A vontade de trabalhar e voltar à rotina louca de um atelier me
deixou muito excitada. Na verdade, a visita estava se convertendo em uma
das melhores decisões que já tomei desde que cheguei ao Brasil.
As pessoas sorriam para mim, não faziam perguntas difíceis, somente
queriam saber minha opinião sobre uma coisa ou outra, relacionada à moda.
Era muito renovador.
Deus que coisa boa, muito obrigada por isso.
— É incrível não é? — Nikolas perguntou, deve ter notado meu olhar
repleto de admiração pelo atelier.
— Demais.
— Antonietta é considerada um dos nomes mais influentes no mundo
da moda, ela vem perpetuando seu nome há anos. Tudo isso aqui tem um
pouco de seu toque. Ela mesma escolhe as pessoas para trabalhar, desde os
responsáveis pela limpeza, até os altos cargos. Principalmente estagiários.
— Estagiários?
— Sim, aqui nós temos um programa de estágio consistente, com
vários cargos e possibilidade de contratação definitiva após o final do
período. Gaby é uma estagiária, sua avó tem grandes projetos para ela.
Quando você a conhecer, vai ter noção do que estou falando. A garota é
brilhante.
— Eu gostaria de conhecê-la quando tiver a oportunidade.
— Você vai, ela é tímida e um pouco medrosa, mas tem uma
criatividade fora do comum. — Nikolas sorriu, mas então, de repente ficou
sério e pegou minhas mãos. — Desejo tanto que você consiga recuperar-se de
tudo, o mundo está aos seus pés, querida. — Ele beijou minhas mãos. —
Seremos uma dupla, vamos revolucionar a alta-costura.
Eu vislumbrei tanta certeza nos olhos dele que a única coisa que pude
fazer foi concordar.
— Tem razão, vai dar tudo certo, e nós com certeza iremos
revolucionar.
— É assim que se fala, meu amor. — Abraçou-me. — Perdão, se
estou sendo invasivo, mas parece que já nos conhecemos há tanto tempo. Sua
avó não tira seu nome da boca, ela te adora.
— Tudo bem. — Ri baixinho, aceitando todo carinho que me
dispensava.
— Eu vou procurar algo para comer, você quer?
— Por enquanto, não. Agradeço, mas gostaria de ir ao banheiro.
Quando levantei, tive a vaga sensação de que estava sendo observada.
Olhei ao redor, mas não encontrei nenhum olhar estranho. As pessoas
estavam conversando animadas, entretidas, e minha avó circulava de grupo
em grupo.
— Venha, fica logo ali.
Nikolas me levou por um corredor e indicou a porta.
— Quer que eu espere?
— Não, obrigada. Pode ir, eu vou demorar.
Sim, porque era um malabarismo fazer minhas necessidades com a
perna machucada atrapalhando. Claro, agora não se comparava, eu estava
bem melhor, mas ainda assim sofria para dobrá-la. Precisava sempre ir com
calma.
Entrei no banheiro e fiz o que precisava fazer. Até que não foi tão
difícil. Eu estava lavando as mãos quando a porta abriu e fechou, eu congelei.
Mas foi ao escutar o som do clique no instante em que ela foi fechada que
realmente me senti perto do pânico.
Na última vez que algo parecido aconteceu, não foi nada agradável.
Respirei fundo, engoli o medo e me preparei para enfrentar quem estava ali.
— Não vai olhar para mim, Pequena?
Minha cabeça ergueu-se bruscamente, porque acreditei estar ouvindo
coisas. Não era possível que Rocco estivesse ali, mas eu estava enganada.
Recostado na porta estava ele, vestido com um terno preto feito sob medida,
muito elegante e arrebatador.
— Gosto de como seus olhos me devoram — murmurou, caminhando
em minha direção. — Victoria.
Cristo! Que pecado. Sua voz viajou por meu corpo como uma carícia,
o jeito lascivo que pronunciou meu nome deveria ser proibido. Meus seios
pesaram, os mamilos endurecendo sob seu olhar de fome.
Ele só parou quando invadiu meu espaço pessoal e enfiou as mãos em
meus cabelos, segurando minha cabeça, obrigando-me a encará-lo.
— Peça-me para parar, eu irei encontrar a força necessária e atenderei
a sua ordem — murmurou, esfregando o nariz em meu rosto. — Mas guarde
silêncio e eu saberei que deseja isso tanto quanto eu.
Eu só pude ofegar. Seus olhos azuis brilhavam com um fogo que me
derreteu.
— Vou contar até cinco, esse é o tempo que te darei para pensar.
Depois… — Ele deu um sorriso perverso, daqueles cheio de promessas. —
Um…
E eu senti minhas pernas amolecerem e um pulsar incômodo se
instalar no meio delas.
Diga alguma coisa! Tentei clarear os pensamentos, mas me sentia
seduzida, enredada em sua teia sensual.
— Cinco.
— Espere, você não contou…
Sua boca tomou a minha e eu engoli o seu gemido másculo. Chocada
com seu descontrole e o meu, não protestei quando ele devorou-me.
— Me beije de volta — exigiu, puxando meu cabelo para trás,
dominando-me.
Tentei apertar as coxas, minha boceta não parava de latejar. O cheiro
dele, o modo como me beijava e o seu olhar feral mexiam com meu
autocontrole.
Ele não precisou que eu lhe respondesse, seus lábios esmagaram os
meus, a língua invadindo, saboreando e exigindo o mesmo em troca.
— Compartilhe o meu desespero. — Esfregou a barba por meu rosto,
mordiscando meu queixo. — Sinta a minha necessidade por você.
Ele me puxou, colando nossos corpos e me fazendo provar sua
excitação. Não contive o gemido que escapou, meu corpo quente, lânguido.
O perfume dele estava me deixando louca, era gostoso e viciante.
— Quero você, caralho, eu estou louco, preciso de você.
Era aqui, nesse momento, que eu deveria colocar um ponto final. Não
estávamos em um lugar apropriado para o que estávamos fazendo, no
entanto, ao invés de ouvir a voz da razão, fiz o contrário.
Agarrei-me a ele e o beijei com fervor. Agora, muitas emoções
bagunçavam meu raciocínio e eu não me importava com nenhuma delas.
Queria-o, estava sedenta, depois analisaria o que estava acontecendo.
Puxei seu cabelo com força, ele riu, gemendo. Chupei sua língua, ele
me incentivou, esfregando-se em mim. Eu estava toda arrepiada, sensível,
com o corpo quente. Sua boca serpenteou por meu queixo, pescoço e foi
descendo. A língua acariciando a pele, construindo um rastro de fogo.
— Isso não muda nada. — Ofeguei, jogando a cabeça para trás
quando Rocco esfregou a barba em meu ombro e o mordeu.
— Muda tudo.
Eu o tocava com desespero, saudade. Os beijos reacendiam algo
profundamente enterrado, e que com certeza me deixaria preocupada depois.
Minhas pernas bambearam, e ele me ergueu, sentando-me na bancada, depois
se acomodou entre elas.
— Saudade do seu beijo, desse cheiro delicioso que só você tem. —
Inclinei o pescoço, ele puxou uma longa respiração — Porra, amor, que
saudade do caralho!
— Senti sua falta também — revelei, ofegante, e ardendo de
excitação. — Agora menos conversa e mais…
Ele me beijou outra vez, e a gente se misturou. Estávamos tão unidos,
abraçados um ao outro, que seu calor tocava-me por toda parte. Gemi quando
Rocco esfregou sua ereção em minha boceta, eu estava tão molhada, tão
pronta que só de pensar faltava-me ar.
— Oh, meu Deus. — Arqueei, jogando a cabeça para trás quando ele
puxou a alça do meu vestido para baixo e expôs meus seios. — Rocco…
— Eles parecem lindos e prontos para minha boca.
Foi o único aviso que recebi antes de ele lamber um mamilo
lentamente, enquanto me encarava.
— Estão maiores e com certeza mais saborosos.
Minha calcinha estava alagada, eu podia sentir minha excitação
escorrer. Rocco estava em todos os lugares, ele começou a sugar meus seios,
gemendo sem parar. Minha cabeça rodou, os pensamentos foram embora e
nada mais pareceu ter importância.
Pensei que fosse morrer quando ele mordeu o mamilo e o puxou de
leve.
— Não aguento, muito sensível.
Meu corpo todo parecia vibrar. Cada vez que ele fazia isso, eu sentia
que tudo contraía, e a vontade de ser preenchida era entristecedora de tão
forte.
— Você aguenta, sempre aguentou, agora não será diferente.
Eu não sabia que meu corpo precisava tanto disso. Rocco brincou
com meus seios, mamando gostoso, duro. Às vezes mordia, em outras
soprava, fazendo-os endurecer ainda mais.
A excitação foi tanta que minha mente turvou. Todo o meu corpo
ficou tenso quando a excitação explodiu, tentei agarrar-me à realidade,
mesmo sendo impossível.
Rocco me beijou e engoliu o pequeno gritinho de desespero que
escapou dos meus lábios quando o prazer eclipsou todo o resto. Era tão
inaceitável que ele me deixasse assim em poucos minutos.
— Calma, sinta cada instante disso. — Abraçou-me, enquanto eu
tremia toda.
Eu estava tão chocada que pudesse sentir algo assim apenas com
estímulo nos seios. Assustava-me muito que Rocco tivesse esse poder sobre
mim.
Recebi um beijo suave, carinhoso, que me fez derreter outra vez em
seus braços.
— Quero tanto ter você de volta — murmurou, encostando nossas
testas.
— Rocco…
— Pequena, por que eu deveria negar? — Seus olhos pareceram um
pouco tristes. — Amo tanto você, e antes que traga a sua gravidez à tona,
quero deixar claro que você é minha mulher, e eu iria atrás de você de todo
jeito.
— Aqui não é o lugar para termos essa conversa. — Arrumei meu
vestido, encolhendo quando o tecido roçou os meus seios.
— Nega que você me deseja com o mesmo ardor que eu te desejo? —
Alguém bateu na porta. Eu não sabia se ficava aliviada ou triste. — Victoria,
isso ainda não acabou. Não vou deixar que nos afaste.
Eu não soube o que responder. Rocco parecia um tantinho louco.
— Não adianta, a gente nasceu um para o outro. — Ele colocou a mão
em minha bochecha. — Quando a gente está próximo, o mundo perde o
sentido. Conto os dias para que possamos ficar juntos, quero te segurar
enquanto dorme, sinto tanta falta do que fazíamos. — Respirou fundo. —
Sinto falta de absolutamente tudo.
Com cuidado, ele me retirou da bancada e me colocou de pé, apoiei-
me nele para não cair.
Outra batida na porta soou, ele me beijou apressado.
— Isso é doloroso. Te deixar ir me mata um pouco a cada vez que
preciso me despedir.
— Rocco, isso não é… — Ele me deu um beijo rápido, como se fosse
para me calar. — Escuta, você não pode… — Roubou outro beijo, não me
deixando argumentar. — Me deixa falar!
— Se for dizer besteira, eu vou te beijar. — Cruzou os braços, pouco
se importando com as batidas na porta.
Balancei a cabeça, perdida em seu olhar azul, cheio de sentimento
exposto.
— Besteira! — Arqueei uma sobrancelha e ele riu, me dando um
selinho demorado e um beijo carinhoso na testa.— Todos os dias, a partir de
hoje, irei esperar para te ver. Ficarei no saguão da sua torre e só vou embora
quando o dia amanhecer. Não quero mais ficar sozinho.
Não soube como reagir a isso.
— Não se sinta pressionada, eu só quero que você saiba. Estarei te
esperando até o dia em que se sentir pronta e vir para mim.
Entregou-me as muletas e, antes de se afastar, beijou-me outra vez.
— Eu te amo, lembre-se disso.
Observei-o abrir a porta e ir embora. Desta vez, não senti repulsa ao
ouvi-lo dizer que me amava, pelo contrário, o que senti em meu coração foi
uma coisa muito boa.
Só que não menos preocupante.
Victoria
No caminho de volta para casa, eu não pude manter um diálogo
mínimo com minha avó. Enquanto ela demonstrava sua euforia por tudo ter
corrido bem, eu não parava de pensar no meu encontro com Rocco.
Ainda sentia seu toque sobre mim, sua boca nos meus seios.
Deus… Respirei fundo, dolorida por causa da constante excitação que
me dominava. Apertei um pouco as coxas, na tentativa de apaziguar o
tormento. Se antes eu sentia frio e considerava que meu corpo estava vivendo
uma era glacial no quesito sexualidade, agora, depois desse encontro, sentia-
me em chamas.
Por dentro, era como se tivesse febre. A pele estava sensível, os seios
pesados, a mente presa no beijo que só Rocco sabia dar. Eu não era essa
criatura superexcitada, nunca fui, mas Rocco Masari transformou-me nela.
Ele me fez ansiar, desejando seu toque, o sexo gostoso e tudo mais
que fazíamos juntos. Depois do acidente, eu me sentia mal ao pensar nele
assim, na verdade, eu nem pensava. Estava tão apagada que nem parecia
viver, neste momento, não.
Eu sentia o abalo do prazer e o quanto isso me fez falta.
Será que esse seria mais um sinal de que eu estava superando tudo o
que aconteceu? Franzi o cenho, duvidando de que fosse ter paz enquanto não
chegasse ao fundo desses sentimentos.
Tudo o que aconteceu e que culminou no meu acidente foi grave, mas
eu não culpava Rocco por nada além do que acontecera dentro do bar. Ele
não foi o responsável pelo acidente, quem deveria estar prestando atenção era
eu.
Ok, eu corri, numa louca tentativa de escapar da dor, e quase morri
por causa disso.
Eu não ia justificar o que Rocco fez, ele errou e ponto final. A questão
de querê-lo na minha vida não era porque ele precisava, mas porque eu
precisava dele.
Analisando o que ele me trouxe até este momento, cheguei à
conclusão de que ele me fazia bem, eu gostava de sua companhia e de como
Rocco se revelou alguém melhor, capaz de rever seus erros e aprender.
O Rocco de antigamente jamais aceitaria ser excluído. Bom, ele
parecia ter aprendido a ser paciente.
— Victoria, por favor, minha neta, não fique com a janela aberta. —
Minha avó tocou meu ombro, chamando atenção. — Aqui, no Rio de Janeiro,
sofremos muitas tentativas de assalto. Suba o seu vidro, por favor.
Obedeci, mas eu queria sentir a brisa do mar no rosto.
Quando chegamos em casa, pensei que poderia ficar na área de lazer
do apartamento, mas pesadas nuvens de chuva anunciavam que isso seria
impossível.
— Parece que não teremos um dia inteiro de sol. — Minha avó bufou.
— Não gosto de tanta umidade, o cabelo fica impossível de manter no lugar.
Eu gostava, era bem acostumada com o clima úmido de Londres.
— Eu não vou subir, vou para casa antes que a chuva caia. —
Antonietta pegou minhas mãos. — Eu preparei um quarto para você e para o
meu netinho, está ficando tão lindo. Venha comigo, fique algum tempo na
minha casa. A gente pode desenhar alguns vestidos juntas.
— Vamos combinar, vovó. — Ela sorriu, talvez fosse isso o que
quisesse ouvir. — Vai ser preciso reorganizar algumas coisas. Estou fazendo
fisioterapia duas vezes por dia.
— No final de semana, que tal?
— Vamos combinar, eu vou adorar conhecer a sua casa.
— Irei convidar Nikolas, e nós faremos uma tarde de modelagem.
Tenho um estúdio em casa, você vai adorar.
O mundo da minha avó era tudo o que sonhei, mas, depois de tantos
acontecimentos, as coisas para mim estavam fluindo mais devagar. Talvez,
por eu não estar acompanhando o ritmo, deixavam-me nervosa as tantas
coisas que ela queria fazer.
Antes do acidente, eu acho que daria conta. Era estranho, mas eu
estava bloqueada para desenhar, a sorte era que eu contava com os desenhos
que Blanchet devolvera, caso contrário, estaria sem nada.
Isso para mim era assustador, produzir sempre foi muito fácil, e hoje,
quando eu tentava imaginar algo, não acontecia nada. Era como se minha
mente estivesse em branco. Por enquanto, ninguém havia percebido, mas isso
poderia mudar.
— No final de semana então? — Ela se empolgou porque hoje era
quinta-feira.
Confesso que me deu certo nervosismo ficar sozinha com ela, minha
avó era muito efusiva com suas ideias, e eu tinha certeza de que falaria coisas
que eu não estava pronta para ouvir.
De tudo que me pressionasse, eu queria correr. Por enquanto, estava
dando certo. No quesito Rocco, eu tinha confiança de que ele ficaria dentro
do limite que eu impusesse, isso estava bom para mim também.
— Esse não, o próximo. — Testei um sorriso, não queria magoá-la.
— Combine com Nikolas, eu vou me programar.
— Victoria, você não faz nada, basta arrumar uma bolsa e ir.
— Vovó, é complicado sair da rotina, estou indo no meu ritmo, por
favor.
— Se não forçar os seus limites, vai demorar muito mais para voltar a
estar 100%.
— Estou melhorando todos os dias, não tenho pressa — falei
baixinho, ela balançou a cabeça.
— Venha comigo e se afaste daquele homem. — Sua expressão
fechou, ela de fato não suportava Rocco. — Fique na minha casa, desta forma
ele não vai chegar perto de você. Não sei por que você o perdoou, ele quase
matou você.
Balancei a cabeça, sabendo que nada do que eu dissesse a faria mudar
de ideia, todavia, isso não me impedia de tentar. Ela precisava ao menos
entender que não tinha como riscar o pai do meu filho da minha vida, ele
jamais aceitaria isso.
— Vovó, ouça o que vou dizer…
— Não venha defendê-lo para mim. — Ela cruzou os braços. — Fere
os meus ouvidos.
— Vovó — insisti. — Rocco é impulsivo, ignorante e brusco, mas
tenho certeza de que se por um momento ele imaginasse tudo o que ia
acontecer, jamais teria ido àquele bar.
— Não vamos falar sobre isso.
— Vamos, a senhora precisa entender que Rocco faz parte da minha
vida. Eu carrego um filho dele.
— Carlos pode assumir o seu filho.
Ela jogou as palavras em cima de mim de um jeito tão crédulo que me
assustei. Eu não queria acreditar que houvesse planos nessa direção
circulando na cabeça dela.
— Que loucura é essa? Carlos é meu primo, ele tem a vida amorosa
dele.
— Não tem, Carlos está solteiro, e com certeza é um homem a sua
altura.
— Isso é algum tipo de piada?
— Por que seria? — Ela estreitou os olhos. — Você e Carlos seriam a
garantia de felicidade. Nenhum dos dois seria capaz de magoar o outro.
Balancei a cabeça incrédula, ela estava mesmo falando sério. Cristo, o
que se passava na mente dela para criar uma fanfic dessa?
— Olhe, entenda, eu nunca, jamais irei ficar com Carlos — falei
suavemente. — Não crie ideias para depois não se decepcionar. Não vai rolar,
nunca, jamais.
— Você não sabe o que está falando, Carlos é o melhor partido que
você poderia ter.
— Não estou procurando um marido. — Lembrei que a doutora
Regina disse que ninguém tinha o poder de interferir em minhas decisões, e
que elas eram somente minhas para tomar.
— Esse homem não serve para você, eu acho…
Ergui um dedo, interrompendo-a. Algo que eu detestava fazer, mas
que agora era muito necessário.
— Já que Rocco e minha vida amorosa se tornaram pautas para a
senhora, então, acho que devo dizer o que penso. Primeiro, as atitudes de
Rocco me fizeram conhecê-lo integralmente, o que aconteceu trouxe para
mim a explicação de seus receios, porque hoje eu tenho medo de me
relacionar.
Não diria que ele havia passado dez anos remoendo uma traição. Eu
com certeza não levaria tanto tempo para me resolver com qualquer
particularidade que afetava minha vida tão diretamente.
— Segundo, ninguém vai tirar o meu livre arbítrio de querer ou não.
Se eu quiser me preservar, farei, se eu não quiser, farei também. As escolhas
sempre serão minhas.
— Victoria, você não pode perdoá-lo!
— Mas eu já perdoei. — Dei um sorriso. — Eu cresci e fui ensinada a
amar, em minha casa não tinha espaço para outra coisa além de amor. Foi a
minha criação que me tornou a mulher que sou. Por isso, pude perdoar a
senhora por tudo que fez a minha mãe, e tia Laura por ter escondido a
verdade de mim. Rocco me traiu, mas isso afetou apenas a mim, o acidente
não é culpa dele. Já o que a senhora fez, afetou várias pessoas, e isso também
me inclui.
— É diferente! — Sua voz alterou-se.
— Não é diferente — falei, séria. — Imploro que não seja o tipo de
pessoa que só se importa com suas próprias dores, tenha empatia pelos
sentimentos dos outros, seja acolhedora, vovó, imagine como pode fazer
diferente e faça.
— Eu jamais irei aceitar Rocco na minha casa, ou na minha família!
— É uma decisão sua, mas deixo claro que ele sempre fará parte da
minha vida, porque é o pai do meu filho. — Virei-me para abrir a porta do
carro. — Preciso ir, até breve. — Saí do carro e ela não disse nada, sua
posição era rígida, a cabeça erguida. — Amo você, não esqueça disso.
Jason já estava ali para me ajudar com as muletas. Juntos, observamos
o sedan preto se afastar.
— Eu vi Rocco no atelier. — Ele riu. — Acho que sua avó não
percebeu que ele estava lá.
— Ainda me pergunto como ele conseguiu entrar.
— Rocco nunca deixou que nada o impedisse de fazer algo. Se ele
queria, então, não importava quais obstáculos estavam no caminho. Ele os
limpava e avançava.
— Nossa, brother, você conhece bem o senhor Masari.
— Já o vi no melhor e pior momento, isso descreve muito uma
pessoa.
— Você acha que ele mudou? — perguntei, enquanto o elevador
subia. — Eu quero acreditar que ele mudou, Jason.
— Victoria, o que eu te falar pode não fazer diferença, mas eu não
seria leviano com minhas palavras. — Jason cruzou os braços, pensativo. —
Quando o acidente aconteceu, o que eu vi foi um Rocco completamente
destruído. Em todos os anos trabalhando para ele, nunca imaginei que
chegaria a encontrá-lo afundado em tamanha dor. No hospital, quando
tentamos expulsá-lo, ele lutou bravamente, enquanto chorava com medo de
não poder ficar e receber notícias suas.
— Meu Deus, eu não sabia disso. — Senti o aperto no peito, a dor dos
outros não me comprazia.
— Foram dias difíceis. Rocco pensa que eu não sabia, mas ele estava
todos os dias no hospital, durante a noite ele ficava com você, porque Carlos
convencia todos a irem para casa. Eu não caí na história. O que fiz foi
observar. Rocco estava lá, todas as noites, e quando ele saía, sempre chorava.
— Jason me olhou. — Victoria, as notícias sobre você não foram boas, eu
fiquei em pânico, mas só posso imaginar como Rocco ficou.
— Minha nossa, eu não fazia ideia.
— O Rocco que você encontrou quando acordou foi um cara
quebrado, mas que estranhamente parecia ter sido consertado. Dava para
notar no olhar dele, por isso não o ataquei como ele esperava que eu o
fizesse. — Jason balançou a cabeça. — Faz algum sentido para você?
Pensei por um momento, e sim, fazia sentido. Quando comparava o
Rocco de antes e o de agora, notava a diferença. Alguma coisa torceu dentro
do meu coração ao saber disso.
— Você não deve permitir que as pessoas opinem sobre o que é
melhor, algumas decisões só interessam a nós, ponto final.
— Obrigada por me contar. — Jason piscou um olho. — Eu achava
que nada poderia mudar Rocco, mas eu não estava aqui para vê-lo sofrer, eu
apenas conseguia vislumbrar em seus olhos a felicidade que ele não escondia
quando estávamos juntos.
Conversar com o meu brother trouxe luz para mim, e eu decidi que
não ia me esconder de Rocco ou ter medo, permitiria que as coisas fluíssem,
sem me sabotar. Devagar, testando o terreno como se fosse a primeira vez.
— Percebo que esse sorriso é bem característico de quando você
consegue desatar um nó e está muito feliz. — Jason empurrou meu ombro
levemente, e eu o provoquei.
— Deixe eu arrumar a minha vida, aí vou arrumar a sua.
— Nem comece! — Ele se apressou a entrar no apartamento assim
que as portas do elevador se abriram.
— Fuja enquanto pode, brother. — Ele estendeu o dedo médio, e eu
caí na risada.
Sentia-me feliz.
— O que aconteceu com Jason? — Meu pai se aproximou e, ao notar
minha alegria, ele sorriu. — Eu estava preocupado.
— Não fique, tudo correu muito bem. — Olhei o relógio. — Doutora
Regina chegou?
— Sim, ela e Murilo estão esperando você — respondeu, notei que
havia satisfação em sua voz.
— Deixa eu ir então, vou trocar de roupa.
Eu ainda era um tanto desajeitada com as roupas, mas consegui, sem
ajuda. Minha perna boa estava mais forte, mesmo tendo poucos dias de
fisioterapia. Agora, mais do que nunca, eu estava ansiosa para recuperar-me,
queria deixar o passado para trás e seguir em frente.
— É isso. — Olhei-me no espelho, chocada que meus olhos
estivessem tão brilhantes e bonitos.
Satisfeita, segui para a área onde faria minha sessão de fisioterapia.
Quando cheguei, doutora Regina e meu pai estavam entrosados em uma
conversa animada e Murilo só observava com um sorriso nos lábios.
— Eu apoio esse casal — falei baixinho, e ele riu.
— Eu também, minha mãe merece. — Murilo pegou as muletas e me
levou para alongar. — Hoje, faremos diferente, quero mais intensidade e
menos sessões.
— Quero deixar claro que gosto de você, mas odeio essa reabilitação.
— Fiz careta quando ele esticou minha perna. — Dói.
— Claro que dói, esses músculos estão encurtados, fazê-los voltar ao
lugar vai dar trabalho e será doloroso. Vamos começar com trinta impulsões.
— Se eu conseguir vinte, a gente comemora. — Pisquei um olho e ele
riu.
— Vamos, não seja preguiçosa, eu quero você livre das muletas em
uma semana.
— Impossível. — Ofeguei em choque, eu não ia conseguir.
— Você vai, temos tempo, agora estique as pernas, eu vou colocar
pressão.
Eu pensei que fosse morrer antes de acabar a sessão, quando ele disse
que por hoje era só, eu nem tinha energia para levantar.
— Vamos alongar.
— De novo? — resmunguei, aceitando sua ajuda, minhas pernas
tremiam, a machucada principalmente. — Vou perder a minha carteira plus
do clube sedentário.
— Com certeza vai.
Quando acabou de verdade, eu acho que fiquei uns dez minutos
largada no sofá, sem conseguir me mexer. Doía cada músculo do meu corpo,
era como se eu tivesse trabalhado o dia todo gripada.
— Até amanhã.
— Até. — Suspirei, morta.
Precisei de ajuda para levantar. Depois fui para meu quarto e tomei
um banho longo e quente, como eu adorava. Os músculos doloridos
relaxaram, e a fome veio com força total. Coloquei um vestido solto e me
apressei para fora do quarto. Ainda no corredor, senti o cheiro de café
quentinho e a boca encheu d´água.
Na sala de jantar, tia Laura estava terminando de colocar uma
belíssima mesa de chá. Um pouco mais tarde que o habitual, mas, belíssima.
— Venha, o pão está quentinho.
— Ai, tia, a manteiga vai derreter. — Sentei apressada, me servindo
do que eu queria.
Como prometido, o pão estava quentinho e crocante. Quando passei a
manteiga, ela derreteu. Nossa, minha barriga até roncou.
— Me dá um pouco desse café.
— Você não quer chá?
— Primeiro o café, o cheiro está maravilhoso.
Uma das senhoras responsáveis pelo cuidado do apartamento trouxe
uma travessa bonita com frutas cortadas.
— Rosa, muito obrigada por esse café, está uma delícia. Deus
abençoe suas mãos de fada. — Ela riu, um pouco tímida.
— É um prazer, menina Victoria.
Acho que foi a primeira vez que eu devorei muita comida. Antes, era
como se eu precisasse me obrigar, agora não. Sempre fui uma pessoa que
gostava de se aventurar pela cozinha, testar receitas novas, experimentar.
Finalmente, podia desfrutar com sinceridade de um chá da tarde brasileiro.
Se é que eu podia chamar assim o banquete que fora colocado na
mesa.
— Jason, meu filho, venha comer — tia Laura chamou, ele apareceu
correndo, com os cabelos molhados.
Todo mundo estava na mesa. A gente conversou, se provocou e foi
muito divertido. Minha barriga estava dando cambalhotas de euforia, era uma
felicidade ímpar poder estar ali, desfrutando de um momento tão incrível com
a minha família.
— Espere, sua comilona. Eu quero um pouco desse pãozinho também.
— Jason puxou o terceiro pão que eu peguei. — Não seja olho grande.
— Estou com fome e ele está quente.
— A manteiga derrete. — Jason revirou os olhos, mas abriu o pão
para besuntá-lo. — Isso é bom. — Ele sorriu. — Eu ia adorar que meu irmão
caçula experimentasse.
Prestei atenção, como ele não falou mais nada, eu sondei.
— Fale um pouco sobre ele. Como se chama?
— Heylel. — Um sorriso tomou seus lábios. — O caçula de seis
irmãos.
— Meu Deus, Jason, você tem muitos irmãos — minha tia disse, não
escondendo a curiosidade.
— Sim, Heylel é o mais especial de todos nós. — Havia saudade em
sua voz, e eu fiz uma nota mental para procurar saber mais e tentar entender o
que havia acontecido, para tentar ajudar Jason a procurar sua família.
— Fale sobre ele. — Peguei sua mão. Ele sorriu, os olhos um pouco
tristes.
— Ele é especial por muitos motivos, o mais legal é que ele tem olhos
de cores diferentes. Um azul e outro castanho.
— Isso é muito legal — falei, empolgada. — Por que você não o
convida para vir aqui? Quando você faz aniversário, Jason?
— Não vou contar. — Ele sorriu, fazendo uma careta ridícula de
deboche. — Não sou obrigado.
— Tudo bem, vou perguntar ao Rocco. — Balancei os ombros, e ele
sabia que eu havia vencido.
— Vocês realmente são irmãos. — Meu pai riu, e tia Laura
concordou.
Estava tão bom ali que eu não queria que acabasse. Mas todo mundo
tinha coisa para fazer, menos eu. Jason e eu fomos para a sala de TV, Prince
correu, quase me derrubando no processo.
— Por isso o mantive preso comigo, ele cresceu demais. — Jason fez
carinho nas orelhas do meu filhote.
— E eu acho que vai crescer mais — falei, largando-me no sofá.
— Com certeza. O que vamos assistir?
— Escolhe o filme.
Mal começou a rodar a abertura, eu apaguei.
Quando acordei, estava no meu quarto. Olhei ao redor, me sentindo
muito descansada.
— Nossa, que horas são? — Procurei o celular e o avistei em cima do
travesseiro. Peguei para conferir as horas, chocada ao notar que havia
dormido tanto tempo.
Levantei da cama, mas bastou pegar as muletas para ir ao banheiro,
que ouvi o som de mensagem nova. Um sorriso bobo tomou conta dos meus
lábios quando li o conteúdo.

Rocco: Quer jantar comigo, aqui?

Victoria: Quem vai cozinhar?

Brinquei, esperando que ele entrasse no espírito da coisa. Eu nem


sabia quantas vezes ele já havia me convidado para jantar, ou conhecer seu
apartamento. Todas as vezes que eu disse não pareceram instigá-lo a
continuar tentando.

Rocco: Eu vou.

Não acreditei, porque Rocco era capaz de queimar água. Por outro
lado, a curiosidade me dominou, eu queria ver os dotes dele na cozinha.

Victoria: E o que pretende fazer? Sou exigente.

Finalizei com um emoji bonitinho de sorriso. Estava numa vibe tão


boa, que quis fazê-lo sentir-se como eu. Saber um pouco de como Rocco
ficou, sob a ótica de outra pessoa, me ajudou a entender que havia base para
sua mudança.
Parecia que o sofrimento havia extinguido a agressividade que Rocco
possuía, ou talvez ele só estivesse muito cansado para confrontos. Por isso
toda essa brandura, paciência e aceitação.

Rocco: Farei uma pasta italiana.

Victoria: Sério? Qual?

Rocco: Espaguete com molho vermelho. Tudo fica perfeito quando se tem
molho. Venha jantar comigo, tenho uma surpresa.
Não respondi, mas havia decidido que iria sim jantar com ele. Não
havia receio quanto a ficar sozinha com ele, então, eu ia encarar e fazer o que
me dava vontade.
Usei o banheiro, escovei os dentes e me olhei. Gostei do que vi, já não
estava tão pálida, ou com os ossos tão destacados, um leve tom de rosa
coloria minhas bochechas. Eu me sentia saudável.
Saí do meu quarto e encontrei com minha família na sala. Eles
estavam conversando, enquanto bebiam um vinho.
— Boa noite, filha, quer jantar agora? — meu pai perguntou assim
que me viu. — Desculpe não esperar você, mas quando fui te chamar você
estava dormindo, não quis te acordar.
— Tudo bem. — Mordi o lábio, um pouco nervosa de dizer para onde
eu ia. — Estou indo jantar com Rocco, ele vai cozinhar para mim.
Ninguém questionou, mas Jason levantou, Prince o acompanhou.
— Espere um momento, vou buscar a guia dele.
Quando se afastou, voltei minha atenção para tia Laura, Ricardo e
meu pai. Eles olhavam para mim como se esperassem mais explicações.
Bom, eu não tinha nenhuma.
— Você tem certeza? — minha tia perguntou.
— Eu tenho.
— Faça o que considerar melhor para você, minha filha, não estamos
aqui para julgar. — Ela piscou um olho. — Se estar com Rocco é o que quer,
então, tem meu apoio integral.
— Eu sempre tive seu apoio em tudo, não é?
Foi muito boa a sensação de alívio que suas palavras me deram.
— Sim, e continuará tendo.
— Óbvio que o meu também, apesar de que o pai do meu neto
desperta muitas emoções conflitantes em mim — meu pai brincou. — Tenho
que admitir que ele é bastante perseverante. É uma boa característica,
principalmente porque a sua avó vai ser bem irritante.
— Deixa ela comigo.
— Só quero que seja feliz, nada mais. — Ele levantou e me deu um
abraço. — Se precisar que eu brigue por você, irei, mas nunca serei o
responsável por cortar suas asas. Ver você de pé, consciente de suas vontades
e tomando decisões era tudo que eu queria. Então vá, minha filha, jante com
Rocco.
— Obrigada, você é incrível, eu te amo.
— Vamos? — Jason chamou, já na porta, pois o filhote estava
nervoso para sair.
— Sim. Boa noite, pessoal.
Jason, Prince e eu saímos juntos. No elevador, o filhote não parava de
tentar pular em cima de mim, o problema era que ele estava grande demais.
— Você não imagina o trabalho que deu mantê-lo longe de você. —
Jason o fez sentar, depois deu um petisco. — Esse cachorro é um rebelde, não
aceita treinamento, vive pulando nas pessoas. Tive receio de que ele te
derrubasse.
— Eu acho que eu já aguento brincar um pouco com ele.
— Ainda não, Prince está com doze quilos. Se ele pular em você,
teremos problemas.
— Não seja chato, ele é meu bebezinho, o meu filho lindo.
— É um destruidor de sapatos. Ele dorme no chão e acorda na minha
cama, acho isso uma falta de respeito — Jason reclamou, mas estava rindo
para o cachorro que o encarava interessado nos petiscos.
Ao passar pelo hall, cumprimentei os recepcionistas. Todos eram
pessoas sorridentes e legais.
— Rocco está nessa? — Jason apontou para a torre bem ao lado da
nossa.
— Sim.
Não parava de chegar mensagem no meu celular, eu sabia do
combinado de nunca ficar sem responder, mas estava fazendo uma surpresa.
— Rocco foi bem inteligente ao deixar esse celular com você.
— Ele falou que era para podermos conversar. — Balancei a cabeça.
— Falou que foi desesperador quando não conseguiu descobrir os números
daqui.
— Eu não tenho um. — Jason deu de ombros e me ajudou a subir os
três degraus que dariam acesso à torre onde ficava o apartamento de Rocco.
— Sua entrada já está autorizada?
— Não, vou avisar que estou aqui.
Peguei o celular no bolso do vestido. Quando vi, as mensagens de
Rocco eram simples pedidos para que eu não o deixasse esperando.
Sorrindo, digitei uma resposta e mesmo que parecesse tola, nada me
fazia sentir que estava agindo errado.

Victoria: Aceito jantar com você, inclusive estou aqui embaixo, esperando
que você autorize que eu suba.

Rocco: Mentira.

Victoria: Por que eu mentiria quando é bem fácil de comprovar o que estou
dizendo?

Digitei a resposta e esperei. Jason arqueou uma sobrancelha quando o


telefone da recepção tocou, logo uma conversa em inglês se desenrolou. O
rapaz ao telefone olhou para mim e sorriu.
— O senhor Masari está descendo.
— Não seria mais fácil ele apenas autorizar a sua entrada? — Jason
questionou, mas nós esperamos.
Pouco tempo depois, as portas do elevador se abriram e Rocco
praticamente correu em minha direção.
Ele trajava uma calça folgada de algodão e uma camisa regata.
Mesmo com o clima chuvoso, para nós, a cidade do Rio de Janeiro ainda era
quente.
— Porra, você está mesmo aqui. — Ele sorriu, aproximando-se com
os braços estendidos para mim.
Prince tomou a frente, rosnando como se fosse atacá-lo. Estranhei sua
reação, geralmente o meu filhote era dócil com quase todo mundo. Até agora,
apenas a minha avó estava em sua lista de desafetos.
— Pulguento, não precisa ficar nervoso, é o papai! — Rocco me fez
rir com essa declaração.
— Talvez chamá-lo de pulguento não ajude a sua causa — provoquei.
— Ele é meu filho também. — Rocco cruzou os braços. — Não vai
rosnar para mim.
— Ele é ciumento com Victoria, estou tentando treiná-lo, mas é um
rebelde — Jason alertou. — Não tente tocá-lo, ele pode morder.
Rocco e Prince se encararam por alguns instantes, então, quando o
filhote começou a latir, Rocco deu um sorriso.
— O nome disso é solidão, sei como resolver o problema desse
garoto. — Olhou para Jason. — Segure-o, estou pegando Victoria.
Fui erguida como se não pesasse nada, Rocco teve o cuidado de pegar
as muletas e me apoiar com cuidado por causa da perna.
— Eu posso andar.
— Sei, mas me permita correr antes que você desista.
— Rocco, não vou desistir.
— Estou garantindo isso.
Apenas quando as portas do elevador se fecharam, ele me colocou no
chão, mas não se afastou, pelo contrário, segurou meu rosto e beijou-me antes
que qualquer pensamento se formasse em minha cabeça.
Confesso que ele me deixou meio tonta. O jeito com que tomava a
minha boca fazia parecer que não nos víamos há séculos.
— Delícia de mulher — falou baixinho, mordiscando meu lábio
inferior.
— Okay, preciso respirar.
Rocco me manteve pertinho. Quando as portas se abriram, ele saiu
primeiro e estendeu a mão.
— Venha.
Havia muita simbologia no gesto. No momento que eu tomasse sua
mão e aceitasse entrar em sua “casa”, algumas coisas mudariam.
Eu acho que estava pronta para descobrir o que aconteceria.
— Obrigada, Rocco. — Aceitei sua mão e ele olhou para a união de
nossos dedos.
Quando seus olhos pousaram em mim outra vez, tive a impressão de
que estavam úmidos. Por outro lado, o enorme sorriso em seus lábios falava
apenas sobre uma coisa:
Felicidade.
Victoria

Ainda no hall, achei que aquele apartamento era maior que o meu,
quando entramos na sala, eu tive certeza.
— Rocco, aqui é lindo. — Olhei ao redor, chocada com a decoração
perfeita. — Quem decorou?
— Não sei, quando eu comprei, contratei um serviço de decoração.
Eles cuidaram de tudo.
— Fizeram um trabalho incrível. — Encarei as luzes embutidas, e os
detalhes minuciosos que davam um toque sofisticado. — É ao mesmo tempo
luxuoso e acolhedor.
— Iremos morar aqui, se você quiser. — Ele abrangeu a sala ampla.
— Nosso filho vai precisar de um lugar para correr, se você quiser
poderemos comprar uma casa, aí você pode mobiliar como quiser.
Observei sua animação, Rocco parecia um tanto nervoso e meio
tagarela. Ele nunca foi assim, o homem que conheci sempre foi muito seguro
de si, e vê-lo agir como estava agora o tornava mais humano para mim.
— Vamos com calma, estamos em uma relação amigável, sem
nomeações ou muitos planos. Tudo bem para você?
Rocco precisava saber que eu não estava saltando em outro
relacionamento com ele, a gente ia recomeçar, sem pressa e conscientes do
que estávamos criando.
— Para mim, está ótimo. Eu aceito ir devagar. — Ele sorriu e me
abraçou. — Bem devagar. — Beijou meu rosto e desceu pelo pescoço.
— Rocco. — Encolhi, arrepiando por causa de sua barba. — Você
não tem um jantar para fazer?
— Tenho.
— Então? — Coloquei as mãos em seus ombros, na intenção de
afastá-lo, mas não consegui, sua boca e língua estavam me deixando
desorientada. — E a surpresa? Rocco, por favor, concentre-se.
— Estou concentrado. — Deu uma risadinha, enquanto mordiscava
meu pescoço.
— Rocco! — Tentei soar mais firme, apesar de minha voz ter
estremecido.
— Tudo bem, tudo bem. — Ele afastou-se relutante. — Aceito não
nomear o que temos, mas eu não me privarei de tocar, abraçar ou beijar você
quando eu quiser. Apenas se você disser que não me quer. Vou respeitar isso.
— Acho justo. — Estendi a mão para selar o acordo, ele arqueou a
sobrancelha, olhando para mim.
— Acordo fechado. — Rocco pegou a minha mão, piscou um olho e a
trouxe para seus lábios, beijando-a devagar demais para meu gosto.
Pigarreei, na tentativa de barrar meus pensamentos de seguirem por
onde não deveriam.
— Então, você tinha uma surpresa?
Ele acenou e deu um assobio alto. Escutei o barulho de unhas
arranhando o chão e um latido baixinho.
— Vem aqui, amor. — Rocco baixou, e uma bolinha de pelos fofa se
enroscou em suas pernas. — Conheça Pam, nossa única filha, porque de resto
teremos apenas filhos homens, não gosto de pensar além disso.
Eu não sabia o que dizer. Estava encarando a coisinha mais fofa do
mundo. Ela tinha um lacinho rosa nas orelhas, olhos azuis e um focinho
manchado. O pelo era uma mistura de branco, cinza e preto. Era linda
demais, lembrava-me o Prince.
Não liguei para o fato de Rocco estar falando no futuro, como se
estivéssemos juntos e cheios de planos. Também não quis aprofundar no
porquê de ele estar com um cachorro muito parecido com o meu.
— Rocco, você tem certeza de que é uma boa ideia ter um cachorro?
— Queria segurá-la, mas ainda era impossível para eu me abaixar. — Me
entregue ela, deixa eu segurar?
— Sente-se no sofá. — Obedeci e ele me entregou a filhote.
— Deus, ela é muito fofa. Você a adotou?
— Não. — Ele coçou a nuca. — Eu comprei, no dia do nosso jantar,
quando eu saí. Havia um petshop no shopping e ela estava exposta sozinha
em uma espécie de gaiola. Eu a comprei.
— Você está cuidando dela desde o jantar? — Não escondi a
surpresa.
— Sim, ela tem sido a minha companheira, como deve ter notado aqui
é muito grande e solitário. Ela ameniza a minha dor.
Fiz careta, deveria ser horrível mesmo ficar naquele apartamento
enorme, num país diferente, em que você não sabe o idioma direito.
— Ela é da raça Border Collie.
— Ela parece com Prince — falei, acariciando suas orelhinhas. — Ele
só não tem essas mesclas de cores.
— Bom, não tem importância, eles são nossos. — Rocco sentou ao
meu lado. — Quero nossa família junta.
Ele tocou minha barriga e nosso filho achou o momento bom para
chutar. Rocco sorriu, emocionado, os olhos azuis brilhando com uma emoção
tão latente que o fato do nosso filho mexer parecia a coisa mais incrível do
mundo.
— Deus, eu tive tanto medo de não ter a oportunidade de viver
momentos como esse. — Sorriu. — Aliás, nosso pequeno concorda comigo,
ele quer nossa família juntinha de novo.
Como se afirmasse as palavras de seu pai, senti outro chute, desta vez
mais forte.
— Esperto você. — Coloquei Pam no chão e ela correu, para morder
os pés de madeira do sofá. — E o jantar?
— Vamos. — Rocco me ajudou a levantar.
Em vez de me deixar pegar as muletas, ele me pediu para apoiar nele,
aceitei e juntos fomos para sua cozinha.
— Meu Deus do céu, essa cozinha é um sonho. — Olhei ao redor,
chocada com tamanha perfeição.
— Você gostou? — Rocco parecia bastante orgulhoso.
— Não tenho palavras.
Realmente, a cozinha era surreal de tão linda. Os móveis eram
escuros, combinando com os eletrodomésticos de inox, a ilha era feita de uma
enorme pedra de mármore preta. Havia três luminárias, bem acima da ilha.
Eu sabia que era para dar mais intimidade, caso optássemos por deixar apenas
elas acesas.
— Eu fico muito feliz que tenha gostado. — Ele apontou para o
banco. — Deixe-me ajudá-la, você vai ficar olhando enquanto eu cozinho.
— Tudo bem.
Ele me sentou no banco e foi para o outro lado da ilha, onde estava o
fogão. Observei-o pegar as panelas e colocar água para ferver. Depois ele
abriu a geladeira repleta de alimentos e ficou olhando para dentro dela.
Escondi o riso quando o vi retirar o celular do bolso e procurar por
algo. Seguindo o que havia no celular, Rocco pegou tomates, cebola e mais
alguns ingredientes.
— Primeiro, eu devo descascar a cebola.
— Rocco, começa pelo tomate, deixa a cebola por último, ela é ácida
e vai te fazer chorar. — Ele me olhou como se eu fosse doida. Mas fez como
eu disse.
Era muito fofo vê-lo todo atrapalhado na cozinha, parecia que nem
sabia cortar as coisas direito, não tinha jeito.
— Você quer ajuda? — perguntei, ele negou. — Eu posso descascar a
cebola.
— Não, você é minha convidada. Eu preparo o jantar.
Mas não demorou muito para vê-lo limpar os olhos no ombro da
camisa.
— Rocco, olha para mim — pedi e ele o fez. Lágrimas escorriam, os
olhos estavam apertados, vermelhos. — Deixa que eu corto. — Estendi a
mão. — Me entregue.
Ele respirou fundo, tossiu um pouco, mas fez como pedi. Rapidinho,
deixei a cebola picada. Rocco olhava para mim, sem acreditar.
— Prontinho, você não deveria ver se a água está fervendo?
— Sim, um instante. — Quando retirou a tampa, o vapor subiu. —
Vou colocar o espaguete.
Ele colocou o pacote inteiro, sem verificar se tinha água suficiente.
— Será que essa água vai dar, para esse tanto de massa? — Apoiei as
mãos na ilha, prestando atenção.
— Estou no controle, Pequena, vai dar certo. — Ele parecia seguro de
si.
Sua atenção se voltou para o molho. Era bem fofo vê-lo tentando
cozinhar, todo atrapalhado. Ele picou a salsa, pegou queijo, fazia tudo bem
devagar, prestando atenção à receita no celular.
— Preciso disso. — Ele me mostrou o nome.
— Tomilho — falei e ele franziu o cenho como se não entendesse.
— Milho?
— Não, se chama tomilho, é um tempero — expliquei.
Outra vez ele foi até a geladeira e ficou um tempo lá, olhando o
celular e procurando coisas.
— Rocco, você precisa olhar o espaguete — alertei, tentando ver
como estava a panela, mas ele a havia deixado tampada.
Ele lembrou-se apenas quando avisei. Correu para a panela e quando
a abriu, vimos que acontecera uma tragédia. O espaguete estava todo
grudado, a água havia quase secado, deixando a massa com aparência de
papa. Rocco fez uma careta, deixando claro não ter nenhuma vontade de
comer aquilo.
— Eu não te vi mexer a massa — falei, então, como se estivesse no
momento perfeito para as coisas começarem a desandar, o cheiro de
queimado subiu.
— O molho, caralho! — Rocco tirou a tampa da panela menor, e o
que antes era um molho de tomate em andamento, virou uma meleca preta.
Observei-o respirar fundo e olhar para mim.
— Como eu consigo administrar com tranquilidade empresas
multimilionárias e não consigo fazer a porcaria de um molho? — Sua boca
era uma linha fina de raiva. — Eu farei outro.
— A gente poderia pedir uma pizza, o que acha? — Lancei a
proposta.
Rocco me encarou por um momento e depois pareceu aliviado.
— Eu ia adorar. — Riu. — Mas fico te devendo um jantar feito por
mim.
— Eu vou esperar ansiosa.
Peguei o meu celular e digitei pizzaria na pesquisa do Google. Alguns
nomes surgiram, e a gente escolheu uma localizada no mesmo bairro em que
estávamos. Acreditei que demoraria menos. Peguei o número de telefone e
liguei.
— Você está com muita fome? — Ele acenou. — Vou pedir uma
grande.
— Peça duas.
— Tudo bem. — Quando a linha conectou, a atendente disse que eu
poderia colocar mais de um sabor em cada pizza. — Você quer de quê,
Rocco?
— Tradicional italiana. — Ele estava atento a minha conversa em um
português rápido.
— Qual seria uma tradicional italiana? — perguntei, a moça do outro
lado da linha disse que não tinha esse sabor.
— Margherita. — Rocco franziu o cenho, eu sabia que era ruim não
entender o que estava sendo dito.
Margherita fazia parte do cardápio, depois escolhi mais dois sabores,
um sendo chocolate. Passei o endereço e eles pediram cerca de meia hora
para entregar.
— Pronto, agora é só esperar.
— Vamos para a sala, eu tenho algo para você. — Rocco me pegou
nos braços.
— Eu posso andar, você sabe.
— Sei, mas se eu tenho a oportunidade de te segurar, então, não há
dúvidas de que o farei. — Sua voz estava tão suave e gostosa de ouvir.
Voltamos para a sala e ele me sentou com cuidado. Depois pegou uma
caixinha na mesa de centro e entregou-me. Meu coração deu uma acelerada,
até ri de nervoso, mas quando a abri, vi uma chave.
— A chave desse apartamento.
— Grandalhão, não precisa, eu acho que…
— Você é minha mulher. — Sorriu. — Dio santo, eu sinto falta de
como me chamava.
— Rocco, não é necessário. — Apesar de dizer isso, o gesto aqueceu
meu coração.
— Victoria, você é minha mulher. — Tornou a repetir, como se fosse
um hábito dizer isso.
— Você fala com tanta convicção que assusta. — Balancei a cabeça,
ele deu uma risadinha, inclinando para me dar um beijo carinhoso.
— Não me permito pensar diferente. — Acariciou a minha bochecha.
— Leve o tempo que for, nós iremos encontrar o caminho para estar juntos.
Baixei a cabeça, ele como sempre estava indo rápido demais e, apesar
de eu estar aqui, aceitar seus beijos e me sentir feliz ao seu lado, não estava
minimamente pronta para dizer que estávamos juntos. Acho que me apegava
à liberdade de não precisar me preocupar com relacionamentos. Gostava de
como isso fazia eu me sentir.
— Olha, Rocco, por favor, entenda…
— Okay, não estou pressionando, é só que depois dos
acontecimentos, jurei a mim mesmo deixar você saber tudo que se passa em
minha cabeça. — Ele segurou meu queixo, estava sorrindo. — Não vou
esconder como me sinto, não vou ocultar nada. Você vai saber tudo, e então,
deixo que lide com toda a informação.
— Gosto disso. — Suspirei, aliviada.
— Mas eu posso te beijar quando eu quiser? Ou devo pedir
permissão? — Seu olhar desceu para minha boca, ele deu aquele sorrisinho
de lado, provocador.
— Vou conceder um passe de vinte e quatro horas. — Pisquei um
olho e ele riu.
— Então, já vou começar a usar.
Rocco ficou sério e se inclinou em minha direção. Por um instante,
nossos olhares se prenderam, então eu suspirei e me entreguei ao doce
tormento de seus lábios. O beijo foi carinhoso, molhado e muito gostoso.
Senti meu corpo arrepiar e ficar quente, os seios pesarem. Suas mãos
vieram para o meu cabelo, segurando-me firme, dominando. Deus, era como
estar nas nuvens.
— Vamos no seu tempo — murmurou, distribuindo beijos por meu
rosto. — Estou aqui por você, te esperarei o tempo que for. Porra, eu te amo
tanto que dói. Sinto tão forte em mim, é como uma sensação que rouba meu
fôlego e me deixa tonto. Eu sei que você é a mulher da minha vida.
Respirei fundo. Voltar a estar com Rocco despindo-se de qualquer
ressalva e falando assim, tão aberto sobre seus sentimentos, dava-me uma
sensação de duplicidade. Era como se eu estivesse no passado, e ao mesmo
tempo no presente, experimentando as reações que suas palavras me
causavam.
— Não imagina o quanto desejei ter você aqui — Rocco falou,
recostando-se no sofá e me puxando para seu lado. — O único lugar que falta
mobiliar é o quarto do nosso bebê. Eu queria fazer isso com você
pessoalmente, escolher cada coisa, ficar em dúvida sobre o que levar, querer
levar tudo e você não deixar. Quero fazer tudo com você, ao seu lado.
Olhei para ele e vi seus olhos brilhando, enquanto encarava o teto.
Havia um ar sonhador que nunca percebi nele. Era bonito demais.
— Poderemos fazer isso em algum tempo. — Ele sorriu. — Meu
fisioterapeuta disse que em uma semana vai me livrar das muletas, eu não
acredito, mas ele diz que sim.
— E como está indo?
— Bem, apesar de ter câimbras quase todo dia. Essa é a parte chata.
Ficamos juntinhos, até o interfone tocar. Rocco levantou e foi receber
as pizzas. Não demorou muito, e ele chegou carregando duas caixas.
— Eu planejava arrumar a mesa, mas, como percebeu, eu não sou o
melhor dono de casa.
— Podemos comer aqui mesmo, se não for um problema. — Apontei
para a mesa de centro, era enorme e poderia servir como uma mesa baixa. —
Você me ajuda a sentar no chão? Minha perna ainda não dobra direito.
Mas, em vez de fazer isso, ele colocou as pizzas na superfície de vidro
e simplesmente arrastou a mesa até ela ficar bem na minha frente.
— Acho melhor não, você deve ficar confortável. — Sorriu. — Vou
buscar nossas bebidas.
Ele foi para a cozinha e voltou com cervejas e uma caixa de suco de
uva.
— Aqui sua taça, pode fingir que é vinho — Piscou um olho e sentou
no chão, ao lado das minhas pernas.
— Você tem ketchup? — perguntei, ele me olhou chocado.
— Não se come pizza com ketchup, é um sacrilégio — reclamou.
— Tudo bem, senhor italiano.
Ele abriu as duas caixas e lá estavam as pizzas, com aparência
deliciosa. A fome bateu forte, junto com um desejo louco de comer doce e
salgado. Para o total horror de Rocco, peguei um pedaço de Margherita e
outro de chocolate, uni as duas fatias e mordi.
— Que delícia. — Fechei os olhos, gemendo de tanto prazer. — Você
deveria experimentar.
— Eu agradeço, mas vou deixar para você.
Vi que ele estremeceu, o nojo bem claro em suas feições bonitas.
— Essa mistura é horrenda. — Ele pegou seu pedaço, mas quando
começou a comer, não olhou para mim.
— Você está com nojo? — provoquei.
— Totalmente. Para um italiano, o que você está fazendo é um
pecado.
— Desejo de grávida. — Dei de ombros. — O primeiro que tive.
O sorriso que ele deu foi tão grande que apertou meu coração, porque
ele estava feliz com uma coisa tão simples.
— Sério?
— Sim, só de pensar em cada bocado, minha boca enche d’água. —
Sorri para ele, misturando outras fatias com o chocolate.
Enquanto comemos, a gente conversou sobre nosso filho e eu prometi
que Rocco estaria comigo na próxima consulta. Estava ansiosa para mostrar à
minha médica que eu havia me esforçado, queria saber os resultados e aliviar
meu coração quanto a minha saúde.
— Victoria? — O tom de voz que Rocco usou chamou minha
atenção. Olhei para ele, esperando. — Durma aqui comigo, me deixe te
segurar outra vez em meus braços.
Ele estava me encarando sério, percebi que não fez a pergunta
levianamente, seu rosto estava expressivo com o desejo que tinha de que eu
dissesse sim.
— Por favor, eu só quero te segurar.
A verdade era que durante a noite eu ainda não havia dormido com
tranquilidade, como o fiz no jardim secreto com ele. Mesmo que desse
cochilos ao longo do dia, a noite parecia interminável, e eu sempre estava
cansada quando amanhecia.
Além de que, eu sentia falta do calor que o corpo grande de Rocco me
proporcionava. Ia dormir com ele, deixaria para pensar sobre isso depois, em
casa. Decidi ficar, mas antes ia provocar um pouco.
— Tudo bem, tenho uma proposta. — Tentei não rir.
— Aceito — ele respondeu rápido demais.
— Você não sabe o que é. — Arqueei a sobrancelha.
— Não importa, eu aceito.
— Tem certeza?
— Sim.
Juntei dois pedaços de pizza, a mesma mistura que ele mal suportou
olhar. Sorri, sentindo-me um pouco má.
Estendi para ele.
— Coma.
Rocco

Só de olhar para o chocolate pingando, meu estômago embrulhou. O


cheiro causava-me repulsa, eu não era muito dos doces, talvez, apenas
daquele cupcake que Victoria fazia. Nada além disso.
A barganha era bem simples, nada difícil de fazer, se não fosse o nojo
arrepiando-me inteiro.
— Vamos, Rocco, coma — Victoria incentivou, trazendo a pizza para
perto de mim.
Inclinei-me para trás, sentindo ânsia. Mal pude encará-la comendo,
apesar da felicidade de saber que era seu primeiro desejo de grávida.
Victoria deu um sorriso e se afastou, ia colocar a pizza de volta na
caixa. Sacudi os ombros. Outra vez, respirei fundo e peguei suas mãos.
Ela deu o tipo de sorriso que os homens deveriam temer em uma
mulher. Fiz careta, mas mordi a porcaria e mastiguei. Meu estômago deu uma
guinada tão forte que precisei pegar a cerveja para empurrar aquele bolo de
massa horrível goela abaixo.
Estremeci, torcendo a boca, pronto para morder outra vez.
— Já chega. — Ela tentou afastar, mas eu peguei de sua mão. —
Rocco, não precisa, já chega. Você não está com uma cor legal.
Não a olhei, me concentrei em comer e o fiz apressado, bebendo a
cerveja para amenizar. Para mim, estava intragável. Longe do meu paladar e
gostos culinários.
Quando terminei, fechei os olhos por um momento, concentrando-me
em deixar na minha barriga. Bebi um pouco mais de cerveja, depois o suco
dela para tirar o gosto da minha boca.
— Para que fique registrado, nunca mais irei comer pizza Margherita.
Virou uma abominação para mim. — Fiz careta, e ela riu. — Você está sendo
malvada de propósito.
Mas, ao invés de me ouvir, ela continuou comendo, até mais do que
deveria.
— Não está ruim, você está exagerando. — Victoria recostou-se no
sofá. — Qualquer dia, vamos repetir. Foi você quem falou sobre fazer as
coisas juntos, ou não?
— Tem razão, eu encaro. — Cruzei os braços e ela ficou me olhando
por um momento.
— Você mudou bastante, Rocco.
— Isso te incomoda? — Engoli em seco. — Bom, eu não tinha muito
o que fazer, entre ficar te observando e perambular por esse apartamento, eu
descarregava minhas frustrações no saco de pancadas que mandei instalarem.
Eu devo ter ganhado alguns quilos. Desculpe se minha aparência mudou.
— Rocco, pare, por favor. — Ela ergueu a mão. — Você continua tão
bonito quanto sempre foi.
Victoria acariciou minha barba, por um momento seu olhar ficou
perdido, como se ela pensasse em algo, depois, um sorriso lindo tomou seus
lábios, aquecendo-me por inteiro.
Dio mio, o amor que eu sentia por ela era maior que eu, que a minha
vida e tudo o que eu possuía. Era exatamente como William dissera uma vez,
nada era mais importante que tê-la aqui, linda, saudável, grávida do meu
filho. Sem ela, era como se as coisas perdessem o sentido, eu não tinha
vontade de nada, nem de viver.
Agora, ao seu lado, uma paz tão profunda me dominava que todos os
problemas pareciam simples. Aceitar suas demandas era tão fácil porque o
que ela queria era muito pouco: tempo, ir devagar, testar o terreno antes de
entregar o coração de novo.
Deus, eu daria o mundo a ela, tudo o que quisesse.
— Você mudou. — Ela sorriu. — De certa forma, continua sendo o
mesmo Rocco, mas eu vejo que há algo diferente.
— Não tenho medo de me entregar, estou livre de qualquer receio. —
Peguei sua mão, beijando-a. — Não queria que as coisas acontecessem
daquele jeito, mas eu aprendi, amargando dor e medo, que eu precisava me
entregar por inteiro.
— Isso é incrível, Rocco. — Ela ajeitou a postura, olhando ao redor.
— Eu vou reconquistar sua confiança, e então, poderemos ficar juntos
de novo. Para sempre.
— Gosto desse pensamento. — Ela sorriu, mas então, de repente
ficou séria, e começou a engolir sem parar, como se sua boca estivesse cheia
de saliva. — Onde fica o banheiro?
Uma palidez estranha começou a tomar conta de sua pele, os lábios
ficaram brancos.
— Rocco, eu vou vomitar.
Não perguntei mais nada, peguei-a nos braços e corri. Só deu tempo
de chegar ao lavabo da sala e colocar Victoria no chão antes de ela ajoelhar
de qualquer jeito e enfiar a cabeça no vaso. O som de vômito foi alto e
horrível.
— Por favor, vá embora. — Expulsou-me quando ajoelhei ao seu
lado.
— Sabe que não vou — falei calmo, juntando seus cabelos para não
se sujarem e acariciando suas costas numa tentativa de aliviar o mal-estar. —
Tudo bem, amor, estou aqui.
Fiquei ao seu lado durante todo o processo de expurgação daquela
comida que ela havia considerado deliciosa. Depois, quando finalmente ela
colocou tudo para fora, notei que estava tão trêmula que mal podia segurar-
se.
— Vem, Pequena. — Peguei-a com cuidado, ajudando-a a limpar o
rosto e a boca.
Victoria estava toda trêmula, respirando devagar como se não
quisesse provocar o estômago sensível.
— Aqui, escove os dentes.
Esperei que terminasse, e então a levei para o quarto.
— Eu vou cuidar de você, era o que deveria ter feito desde o começo.
— Beijei sua testa.
— Rocco, minha perna — choramingou, apertando a coxa. — Eu não
me abaixei com cuidado, mas não queria vomitar o seu banheiro todo,
esqueci da perna. — Ela encolheu-se. — Meu Deus, isso dói demais.
— Deixe-me ver. — Tentei puxar o vestido para expor suas pernas,
mas ela não deixou.
— Só consiga gelo para mim, eu resolvo isso. Por favor.
Corri até a cozinha e peguei o que ela precisava. Voltei para o quarto
com o gelo dentro de uma bolsa especial. Eu a usava quando sentia que havia
exagerado nos exercícios.
— Obrigada. — Ela estendeu a mão.
— Eu vou fazer isso. — Sentei ao seu lado. — Só gelo não vai
adiantar, na verdade, o seu músculo deve ser alongado. Permita-me.
Segurei sua perna e a estiquei devagar, Victoria estava tentando não
permitir que o vestido escorregasse. Eu sabia que estava escondendo sua
cicatriz.
— Rocco, pare…
Pela primeira vez notei receio em sua voz, medo talvez.
— Não quero que veja minha cicatriz. — Ela tentou dobrar a perna,
mas a câimbra piorou, notei por causa do grito que ela não conseguiu conter.
Sob protestos, comecei a massagear o nó muscular, alongando sua
perna e tentando relaxar o músculo. Ela mordeu o lábio com tanta força que o
cortou, inclinei-me, capturando algumas gotas de sangue.
— Calma, vamos devagar. — Voltei a massagear sua perna, por baixo
do vestido. — Confie em mim, sei o que estou fazendo, apenas relaxe, tudo
bem?
Ela acenou, e eu comecei a erguer a barra do vestido. Quando estava
pertinho de expor sua coxa, esperei sua autorização. Suspirando, Victoria fez
que sim com a cabeça.
Precisei de toda calma do mundo para não mostrar a minha
indignação quando vi a cicatriz. Talvez, eu não tenha conseguido disfarçar
rápido o suficiente o desgosto, pois Victoria tentou cobrir as pernas.
— Está tudo bem. — Segurei suas mãos, baixando até poder depositar
uma fileira de beijos na enorme e sinuosa cicatriz. — Você continua perfeita,
irretocável. Isso aqui é uma marca do quão forte é. Eu me orgulho tanto de
você, amore mio.
Deixei que ela enxergasse a verdade em minhas palavras, quando o
fez, ganhei um sorriso doce e aliviado.
Mesmo que fosse sim uma marca de sua vitória, para mim era um
soco na cara porque me lembrava do quão asqueroso eu fui. O responsável
por aquela cicatriz estar ali era eu.
— Vou massagear sua perna, aliviar a câimbra e depois nós vamos
dormir.
Um suspiro delicado foi sua única resposta. Comecei o meu trabalho e
fui o mais cuidadoso possível. Em alguns pontos, havia pequenos nós
musculares, tensões que seriam dolorosas para desmanchar. Levou bastante
tempo, mas era um prazer tão grande poder estar ajudando-a de alguma forma
que eu poderia ficar a noite toda aliviando suas dores.
— Isso é tão bom. — Seus olhos estavam fechados. — Não sinto mais
dor. Obrigada, grandalhão. — Sorriu, colocando as mãos na barriga. —
Gianne está dando boa-noite. Vem. — Ela estendeu a mão, e eu entreguei-lhe
a minha.
Com gentileza, ela repousou minha mão onde o nosso bebê estava
chutando. Dio mio, eu achava que nunca me acostumaria, era uma sensação
tão ímpar poder sentir meu filho, fruto de um amor tão grande que não
poderia ser explicado.
— Converse com ele — Victoria incentivou. — Deixe-o se acostumar
com sua voz.
Suas palavras fizeram meu coração aquecer a tal ponto que não me
importei por ficar emocionado na frente dela.
— Tudo bem. — Pigarreei, deitando a cabeça em sua barriga.
Abri a boca para conversar com meu filho amado, mas não fazia ideia
do que dizer.
— Eu não sei o que falar. — Ri, emocionado, os olhos ardendo com
lágrimas de gratidão, por ter a oportunidade de estar aqui com eles, fora de
qualquer risco.
— Só fale o que seu coração te disser.
A emoção foi tanta que um nó se formou em minha garganta. Por um
momento, fechei os olhos e somente desfrutei, depois, mais calmo, disse tudo
que estava em meu coração.
— Eu amo tanto você, meu filho. — Minha voz embargou, Victoria
acariciou minha cabeça. — Você é um pedaço do que sonhei, eu quero tanto
te segurar em meus braços. Você vai sentir o meu amor te tocar, eu prometo
sempre estar com você, em cada passo do caminho, eu nunca vou te deixar.
Quero que você conte comigo, que eu seja o seu melhor amigo.
— Ah, Rocco…
Ergui a cabeça para encarar os olhos lacrimosos da minha mulher. Ela
estava sorrindo, mas a emoção transbordava.
— Eu prometo, amor, vou cuidar de vocês dois até meu último fôlego.
— Vai dar tudo certo, estamos aqui. — Ela tocou minha barba. — Eu
tenho medo de me entregar de novo, mas eu sei que vai passar. Confia em
mim?
— Sí, amore mio. — Distribuí beijos por sua barriga enquanto uma
lágrima após outra deslizava por minha face. — Confio minha vida e minha
felicidade em suas mãos.
Não dissemos mais nada, apenas desfrutamos de estar nos braços um
do outro pelo que pareceram horas.
Era engraçado como havia momentos em que as palavras não eram
necessárias, e este era um deles. No fim, eu sabia que ainda existiam feridas a
serem curadas, mas juntos nós conseguiríamos tudo.
— Grandalhão, está acordado?
— Eu pensei que você estivesse dormindo. — Ergui a cabeça,
esperando encontrá-la no mínimo sonolenta. — O que foi?
— Preciso de um banho, não consigo tirar a sensação de estar
vomitada. — Fez careta. — Vou em casa e volto logo.
Não, se ela fosse, certeza que não voltaria. Alguma coisa poderia
impedi-la.
— Veste uma camisa minha, vai parecer um vestido mesmo. — Ela
era meu lugar favorito. Eu estava em paz, acreditando que dormiríamos
juntos. — Fica comigo, não me deixe sozinho esta noite. Eu só consigo ficar
inteiro com você ao meu lado, me permita ser completo, por favor.
— Rocco, eu não vou a lugar algum. — Ela franziu a testa. — Só vou
tomar banho e trocar de roupa.
— Fica — pedi baixinho. — Fica comigo.
Desajeitado, puxei-a para um abraço apertado. O medo começando a
crescer e me engolir. Sempre que nos despedíamos, levávamos vários dias
para nos encontrarmos.
— Não me perdoo pelo que aconteceu, quando penso no que poderia
ter perdido. — Sem querer, apertei-a ainda mais, e talvez Victoria tenha
notado minha angústia, pois retribuiu o abraço. — Às vezes parece que estou
sonhando. Depois do acidente, do seu estado. — Minha voz falhou. —
Vocês são meu milagre.
— Rocco, estamos aqui. — Ela acariciou minhas costas, não pude
evitar o estremecimento. — Todos os dias luto para esquecer o que passou,
cada dia sinto que estou conseguindo avançar. Eu quero voltar a ficar inteira e
vou conseguir, mas antes preciso deixar tudo que me faz mal ir. Faça isso
também, por você e por nosso filho.
Nossos olhares ficaram presos, Victoria não parou de acariciar o meu
rosto, pois eu buscava seu carinho.
— Você me faz bem. — Ela encostou seus lábios nos meus, dando-
me um beijo suave. — Gosto de estar nos seus braços. Agora me diz, onde
posso tomar banho?
Victoria era a pessoa mais sensível que eu conhecia. Eu sabia que ela
havia mudado de assunto de propósito, e isso só comprovava o quão amorosa
ela continuava sendo.
— Ali, naquela porta. — Apontei para o outro lado do quarto. —
Quer ajuda?
Ela revirou os olhos e foi para o banheiro sozinha. Senti-me tão feliz
por ela ficar, que nem poderia descrever. Satisfeito, caminhei até o closet e,
ao abrir uma das gavetas, encontrei uma camisa velha que ainda não sabia
por que havia jogado na mala que tinha trazido.
Oportunamente, lembrei-me da primeira vez que dormíramos juntos e
de tudo o que havia acontecido.
— Porra. — Balancei a cabeça, ao imaginar o tamanho da turbulência
que enfrentamos.
Entrei no banheiro, com a intenção de deixar a camisa e a cueca que
tinha pegado e depois sair, mas minha atenção foi atraída para o box. Como
da primeira vez, o vapor apenas deixava que eu vislumbrasse sua figura, não
pude resistir e encostei a testa ali, rendido àquela mulher.
— Eu sou todo seu, Victoria.
— Rocco, não faz isso. — Ela encostou a palma da mão no vidro,
coloquei a minha logo acima da sua.
— Você me domina, estou em suas pequenas mãos. Cuida do meu
coração de novo e entrega o seu aos meus cuidados. Antes, você me pediu
para cuidar de você e eu não fiz isso como deveria, ambos sofremos. Juro que
a lição foi mais que aprendida, jamais irei te machucar de novo, acredita em
mim. Faz tanto tempo que desejo poder te dizer isso.
Ela não respondeu, mas abriu a porta do box. Peguei a toalha e a abri,
recebendo seu corpo pequeno em um abraço apertado.
— Eu te amo, Pequena — falei em seu ouvido. — Eu te amo muito.
Não parei para pensar na beleza que estava seu corpo. A barriga
crescida, os seios maiores. Dio santo, ela estava perfeita, muito além do que
eu fui capaz de imaginar.
— Incline o pescoço, amor — pedi baixinho, e ela fez como pedi.
Devagar, respirei seu cheiro delicioso. Meu corpo todo respondeu,
excitando-se ao senti-la em meus braços, quente e molhada. Lambi a água
que escorreu em seu pescoço, esfregando o nariz quando a vi arrepiar.
— Estou com tanta sede, amore mio — Passei a língua por seu ombro
e pescoço, sorvendo as gotículas de água de sua pele. — Desejo você.
O jeito que ela me olhou foi lento e sensual.
Rocco

Lambi a umidade na pele de Victoria e ela suspirou, fechando os


olhos. Sua resposta agitava meu sangue, deixando-me quente e cheio de
tesão. Olhar para ela e vê-la mordendo o lábio, gemendo com meu toque, era
como uma injeção de necessidade em meu sistema.
Victoria soltou a toalha e eu não pude evitar o gemido que escapou
dos meus lábios. Seu corpo estava diferente, a barriga avantajada, os seios
maiores coroados por mamilos escurecidos, que faziam um inferno com
minha libido.
— Amo seu corpo de grávida. — Passei as mãos por sua barriga
linda. — Dio, você está perfeita demais.
— Rocco…
O jeito que ela disse meu nome tornou ainda mais difícil controlar a
vontade de tomá-la nos braços e fazer amor ali mesmo.
— Estou aqui, Pequena. — Rocei a barba por seu pescoço, ela
estremeceu. — Você gosta da minha língua passeando por seu corpo?
Esfreguei a ereção em sua bunda, do jeito que eu gostava, sem um
pingo de vergonha. Devasso como eu era e sempre seria.
— Gosto muito. — Os seios subiram e desceram com a profunda
respiração que ela tomou.
Usei o momento como um convite, permiti que minhas mãos
escorregassem por sua barriga, até a boceta úmida. Ao primeiro toque,
Victoria deu um pulo, olhei para ela através do espelho. Seus olhos estavam
apertados, ela mordia os lábios, mas estranhamente não pude descrever se ela
estava sentindo prazer.
— Amor, abre os olhos, por favor.
Esperei que obedecesse e só então busquei encará-la. Se possível, a
diferença entre nós dois pareceu maior, enquanto ela continuava delicada,
pequenina e linda, eu estava com uma aparência agressiva. A barba grande e
o corpo muito maior que o dela acabavam por nos colocar como figuras
opostas.
— Gosto desse contraste — ela disse, engolindo em seco. — Gosto
muito, Rocco.
— Eu também.
Porque, de certa forma, éramos perfeitos juntos, a gente se encaixava
como peças de um quebra-cabeças. De olho em sua reação, toquei o seu
clitóris gentilmente, esfreguei o dedo, num movimento suave, apenas com
uma leve pressão.
Victoria fechou os olhos, mas a testa franziu, ela gemeu, mas parecia
nervosa.
— O que foi? — perguntei, mordiscando seu ombro, orelha.
— Não estou pronta ainda.
Não precisei de mais informação que isso, peguei a toalha descartada
e a cobri, abraçando-a por cima do tecido felpudo. Victoria permitiu que seu
corpo apoiasse no meu e não pude esconder a prova do meu desejo ardente
por ela, no entanto, desejava que o momento não se tornasse algo
constrangedor, por isso continuei beijando seu ombro.
— Você é tão cheirosa — murmurei, respirando o cheiro adocicado
que sempre associaria a ela. — Não se preocupe com nada, estamos no
caminho certo.
Notei que suspirou aliviada, e me alegrou que houvesse dito que não
estava pronta antes que pudesse fazer algo e se arrepender. A última coisa
que eu queria era andar para trás, e quando eu disse que ia esperar o tempo
que fosse preciso, referia-me a tudo.
Eu era um bastardo sortudo por ela estar me deixando chegar perto
poucos meses depois de toda tragédia. Ter medo de tudo que envolvia o
relacionamento entre nós era natural, ela ainda estava frágil demais, não
precisava de demanda alguma, apenas de companheirismo e de saber que eu
estava aqui, aceitando o que ela pudesse dar.
Comecei a secar seu corpo, apenas uma desculpa para deslizar minhas
mãos mesmo que houvesse um tecido no meio.
Ela riu quando bati em sua bunda.
— Gostosa. — Peguei a camisa. — Agora erga os braços para mim.
— Sabe que eu posso me vestir sozinha. — Ela arqueou a
sobrancelha, mas fez como pedi.
— E você acha que eu ia perder essa chance? — Balancei a cabeça,
satisfeito quando o tecido bateu em suas coxas. — Pronta para a cama?
Ela virou, colocando as mãos no meu pescoço. Ficou olhando para
mim por tempo demais. Engoli em seco, mergulhando no verde incrível de
seus olhos, e um pouco desconfiado com a sua encarada persistente.
— Essa barba, vai deixar crescer mais?
— Não estava preocupado com minha aparência, mantive o foco e
concentração em outra coisa muito importante. — Dei de ombros, arrepiando
quando ela puxou as pontas dos meus cabelos. — Sei que estou bem diferente
do homem que conheceu, desculpe, vou cuidar disso.
— Grandalhão, você continua de tirar o fôlego. — Ela deu um sorriso
tão doce que senti uma cambalhota na barriga. — Nunca vi sua barba tão
grande, mas se você quiser, eu posso fazê-la. Se preferir manter, então, eu
acho que posso deixar ela com uma aparência cuidada. Meu pai me ensinou.
Ele gostava de ter eu ou minha mãe mexendo em seu rosto.
— Eu sempre fiz minha barba praticamente todos os dias. — Ela
esfregou meu queixo. — Tenho um crescimento acentuado.
— Se você deixar, vai parecer aqueles lenhadores. Vai ficar lindo.
— Eu não pretendo. — Não pude evitar o riso. — Você está querendo
melhorar minha autoestima, amore mio?
— Você não precisa de mim para isso, basta se olhar no espelho —
ela provocou, puxando-me para um beijo rápido. — Então, quer que eu faça
sua barba ou vai deixar assim?
Estávamos em um clima tão gostoso, agradável, que eu poderia ficar
ali para sempre com ela em meus braços.
— Rocco, decide, eu não aguento muito tempo em pé.
— Eu quero.
Sentei na tampa do vaso e indiquei para Victoria o estojo com o kit de
barbear que eu gostava de usar desde que aprendi como fazê-lo. Consistia em
uma navalha, lâminas de reposição, esponja, espuma de barbear e uma loção,
porque devido a frequência com que eu o fazia, sempre estava com a pele do
rosto irritada.
— Antes de começarmos, diga-me de zero a dez, quanto ainda tem
raiva de mim?
Ela me olhou como se eu tivesse perguntando algum absurdo, cruzei
os braços, me fingindo de desentendido.
— Raiva nenhuma.
— Ufa. — Soltei um suspiro dramático. — Não gostaria de deixar
uma mulher com hormônios loucos segurando uma navalha perto da minha
jugular. — Pisquei o olho e ela riu.
— Rocco Masari, você não existe.
— Sou um fantasma, vou invadir sua cama todas as noites.
— Muito esperto esse fantasma.
Victoria balançou a cabeça, abrindo o estojo e começando a preparar
os itens. Claro que eu a deixaria me barbear mesmo que ela não soubesse,
qualquer chance de tê-la perto de mim valia a pena. Mas ela estava
manuseando a navalha com tranquilidade, sabia o que estava fazendo.
— Agora fique bem quietinho, para eu não te cortar — pediu, quando
terminou de aplicar a espuma. — Vamos lá.
O jeito carinhoso com que me tocava deixou-me emocionado. Era tão
estranho que eu fosse dominado por sentimentos dessa natureza. Em partes,
deixava-me confuso, porque ainda havia um longo caminho a percorrer e eu
precisava descobrir o quão profundo eu estava entregue.
Conscientemente, não conseguiria medir o tamanho do amor que
sentia por Victoria, era grande demais, fazia-me pensar que se eu estivesse
em uma posição de escolher entre a minha vida ou a dela, com certeza seria a
dela.
— Erga a cabeça só um pouco — incentivou baixinho, concentrando-
se em começar na área da garganta. — Sua espuma de barbear é cheirosa.
Não tirei os olhos dela enquanto fazia o trabalho de remover a minha
barba. Victoria era a coisa mais linda que eu tive a chance de ver em toda a
minha vida, poderia ficar olhando para ela por horas e nunca me cansar.
Enquanto ela fazia minha barba, acariciei seus quadris, depois
repousei minhas mãos em seu ventre arredondado, onde meu filho crescia.
O filho que tanto sonhei ter. Meu primogênito e sucessor. Fruto de um
amor enorme.
— Estamos indo bem, não vai demorar muito.
— Não estou apressado.
— Não fale, fique quieto.
O deslizar da lâmina era suave e até rítmico. Sua mão tão leve que eu
mal a sentia.
— Cante para mim, amor — pedi, fechando os olhos, entregue a ela.
Victoria começou a cantarolar baixinho, nem prestei atenção na
música, apenas em sua voz de anjo.
Dio mio, como poderia uma pessoa ter tantas qualidades? Não sabia
de nada que ela fizesse malfeito, sempre que se habilitava, fazia com
perfeição. Eu a admirava tanto, sua garra e força de vontade davam-me um
orgulho gigantesco.
Victoria era especial, não só porque era brilhante em muitas coisas,
mas porque tinha um coração essencialmente bondoso.
— Estou quase terminando.
Ficamos ali por mais alguns minutos. Desfrutando da completa paz
que o momento nos trouxe.
— Pronto, agora só falta limpar os resquícios de espuma. — Victoria
passou a toalha por meu rosto, e eu senti o toque suave em meu rosto.
Quando terminou, ela me deu um beijo nos lábios. — Olhe e veja se gostou.
Levantei e confesso que, assim que encarei meu reflexo no espelho,
estranhei. Talvez, sem a barba as olheiras ficassem em evidência, porque lá
estavam os círculos arroxeados debaixo dos meus olhos.
— Você gostou? — Victoria perguntou enquanto limpava a navalha e
usava o descarte correto da lâmina usada.
— Está impecável. — Passei a mão pelo rosto, gostando da sensação.
— Como dizem aqui no Brasil, você é um gatinho, Rocco.
Franzi o cenho ao compreender o diminutivo.
— Amore mio, tenho quase cem quilos, não pode usar termos que me
associem a coisas pequenas.
O olhar que ela me deu foi suave, e o mais interessante foi que o ar de
riso que preencheu o banheiro me cativou, tudo com ela era tão natural, leve.
Porra, eu amava tudo isso.
— Me beija — pedi e ela me puxou pela nuca.
Entregamo-nos ao momento e compartilhamos o que ambos
ofertavam. Cada vez que ela me permitia chegar perto e tomá-la nos braços,
ou que atendia a um simples pedido meu, eu queria gritar em agradecimento.
A merda que fiz foi colossal, e o que Victoria me dava era mais do que eu
merecia, porém, era tudo o que eu necessitava para continuar vivo.
— Sou louco pelo seu cheiro. — Deslizei o nariz por seu rosto,
esfregando meu queixo em seu ombro. — Amo tudo sobre você.
Voltamos a nos beijar com a mesma paixão de antes do acidente.
Pude senti-la como antigamente, toda entregue. Nossos gemidos confundiam-
se, a língua macia deslizava sobre a minha, aumentando o desejo latente que
me fazia doer por ela. Eu necessitava de suas carícias, de sentir suas mãos por
meu corpo, apaziguando a louca paixão que me consumia mais e mais.
— Amore mio. — Precisei me afastar, ambos precisávamos respirar,
mesmo que eu acreditasse ser capaz de beijá-la até meu derradeiro suspiro. —
Conte-me um segredo.
Ela sorriu quando encostei minha testa na dela, isso era o mais longe
que eu conseguia ir.
— Eu acho que posso me apaixonar por você outra vez.
Victoria

Rocco olhava para mim como se não acreditasse no que acabara de


ouvir.
— Você poderia repetir? — ele pediu, muito atento a mim.
Seus olhos azuis brilhavam com uma umidade muito suspeita, que ele
não conseguia, ou talvez não quisesse, disfarçar. Admito que dava certo
nervosismo revelar coisas que ainda eram segredos meus.
Por muito tempo, me culpei por não conseguir esquecê-lo, por desejar
estar ao seu lado, por sentir saudade. Precisei perdoar a mim mesma, aceitar
que nossa história era maior que o medo, ou qualquer receio. Sabia que
teríamos momentos em que as dúvidas poderiam surgir, mas agora não era
um deles.
Engraçado como o perdão e a aceitação que dei a mim mesma me
ajudaram a seguir em frente. Rocco também precisava disso, e eu não me
referia a eu perdoá-lo, e sim a ele mesmo se perdoar.
— Eu acho que posso me apaixonar por você outra vez.
Ele abriu e fechou a boca, como se não aceitasse o que eu dizia. Era
cedo demais para ele? Acho que sim, mas eu sentia em meu coração que
havia encontrado o caminho certo para a liberdade.
— Você está falando sério? — Sacudiu a cabeça, a esperança gritando
em seus olhos. — Você pode me amar, enquanto eu me odeio?
— Eu não esqueci nada, Rocco, tampouco algum dia o farei. — Sorri
para sua careta linda. — Mas encontrei o caminho do perdão. Precisei disso
para aceitar que você estava no meu coração, faça o mesmo.
— Não consigo, odeio-me por ter te prejudicado tanto. — Ele ergueu
a cabeça. — Não esperava que você me amasse, ou chegasse perto disso, tão
cedo. Esperava que seu ódio pudesse ser a penitência que eu precisava para
seguir vivendo com o arrependimento que me corrói a cada respiração que
dou.
— Remoer não vai nos ajudar. — Toquei seu rosto. — Aceite que
você errou, aprendeu e está pronto para fazer diferente. Se perdoe, e vamos
seguir nossos caminhos.
Talvez esse aqui fosse o nosso recomeço. Eu não disse a ele, mas
acreditava nisso do fundo do meu coração. Rocco tentou disfarçar, mas pude
notar que ele não conseguia conviver numa boa com o que havia acontecido.
Ele era seu maior carrasco e continuaria se punindo enquanto não
aceitasse que precisava seguir em frente, como eu estava lutando todos os
dias para fazer.
— Não pense que sou tola, Rocco, porque eu não sou. — Sorri
quando ele me olhou assustado. — Estou aqui porque eu quero e não por sua
insistência. Não há nenhuma veia manipulada em mim, quero estar com você,
gosto de como me faz sentir.
— Mas, Victoria…
— Você está tentando me convencer de que não devo querer você?
— Não é isso. — Ele passou a mão nos cabelos, estava nervoso. —
Só que estou lutando contra o pavor de que você saia daqui e mude de ideia.
Não quero acreditar que posso ter esperança de ter a minha família de volta
agora. Eu estava preparado para lidar com ódio, não com… amor.
— Rocco…
— Eu não sei como me sentir. — Ele parecia perdido e me abraçou
apertado, como se eu fosse sua âncora. — Estou uma bagunça enquanto luto
para ser forte, mas a verdade é que não estou forte. Sinto-me desesperado a
cada dia, às vezes mal suporto olhar meu reflexo no espelho. Droga, eu não
queria dizer isso para você, faz parecer que estou louco.
— Não, isso só te faz mais humano para mim. — Acariciei suas
costas.
Minha perna boa já dava sinais de cansaço, devido o tempo que eu
estava apoiando o peso nela, em contrapartida, eu não estava pronta para
quebrar o momento. Rocco estava expondo suas vulnerabilidades, isso devia
lhe custar muito.
O jeito que ele estava agindo me fez lembrar do dia em que foi jantar
conosco e minha avó o humilhou. Rocco pareceu-me tranquilo demais,
aceitando tudo numa boa. Nem seu olhar mudou e isso dizia muito.
— Rocco, por acaso você achou que mereceu ser humilhado por
minha avó?
— Sim.
— Você está falando sério?
— Sim. — Seus braços me apertaram um pouco mais. — Eu acho que
mereço, odeio-me o suficiente para concordar com ela. Se for sincero com
você, devo admitir que não sou bom o suficiente, mas é a certeza de que
ninguém pode te amar mais do que eu que me mantém firme no propósito de
esperar, lutar e dizer todos os dias que estou aqui.
— Durante sua estadia aqui você tem falado com alguém sobre as
suas angústias?
Ele negou e eu me preocupei. Rocco estava, sim, sozinho para tudo
que importava. Bom, agora ele não estava mais.
— Eu não sou pauta, não importa como me sinto, e sim você. — Ele
se afastou para me olhar. — Você é o que importa.
— Não é bem assim que as coisas funcionam.
Será que havia possibilidade de eu estar mais perto de superar tudo
que aconteceu do que ele? Fiz-me a pergunta, porque era o que eu estava
achando. Ele colocou as mãos em meu rosto, parecia ansioso em continuar
desabafando.
— Não quero errar com você de novo, quero ser paciente, calmo e te
dar tudo o que precisar. — Seus olhos alagaram de lágrimas, e ele não se
importou quando escorreram. — Desejo do fundo do meu coração que
perceba que eu posso valer a pena, que sou capaz de te fazer feliz. Quero
tanto a minha família de volta.
— Vem aqui. — Puxei-o para outro abraço, e ele chorou.
Fiquei tão chocada que Rocco estivesse sem um pingo de controle
sobre suas emoções, a ponto de chorar no meu ombro do jeito que ele estava
fazendo, que precisei de um momento para organizar as ideias.
— Rocco, o que aconteceu foi a coisa mais difícil que vivi. Lidar com
Blanchet não chegou nem perto, porque eu não sabia lidar com a sensação de
que havia me enganado tanto com alguém. Mas desde criança eu vivi e
respirei em um ambiente cheio de amor.
— Sinto muito por tudo, amore mio — ele conseguiu falar através do
choro descontrolado.
— Eu aprendi que a vida não é justa, mas é uma ótima professora.
Algumas vezes você vai errar, em outras vai acertar, mas se você buscar
aprender em cada uma delas, já vai ter valido a pena, agora sofrimento não
faz bem a ninguém. — Ele negou meu argumento, compreendi que Rocco
estava em um ciclo de autopunição. — Sei que nós dois teremos que
atravessar barreiras emocionais, mas precisamos de aceitação. Você deve
aceitar que não precisa se punir pelo erro que cometeu, e eu, que posso sim
avançar sobre as minhas fraquezas porque acredito que ainda podemos criar
algo belo.
— Amo tanto você — murmurou. — Você é a luz para as minhas
sombras. A suavidade que tanto necessito, você me inspira a ser alguém
melhor.
— Então seja. — Sorri, encantada que ele estivesse me mostrando o
que se passava em seu íntimo. — Mas não por mim, e sim porque isso te fará
bem.
— Quando olho para o homem que eu era antes, não me orgulho
porque era muito fácil dizer a mim mesmo que eu não precisava de nada, que
eu sozinho era suficiente.
— E mesmo assim, insistiu para ficarmos juntos, cuidou de mim
quando aquele homem me espancou. Você sempre ficou do meu lado e me
mostrou seu melhor, Rocco. Por um tempo, depois do acidente, eu esqueci
isso, mas agora, não. Acredite em mim, lutei contra o que sinto, quis me
punir também por ter sido tola, mas quando a gente dormiu no jardim, algo
mudou. Depois de tanto tempo, voltei a te enxergar como o Rocco que eu
conheci e amei, não aquele que vi no bar.
— Sinto muito. — Uma nova corrente de lágrimas escorreu de seus
olhos.
Isso me fazia questionar quantas vezes ele tinha realmente desabafado
depois do acidente, se fez isso com alguém que pudesse ao menos lhe
estender a mão ou se esteve sempre sozinho.
— Deixa o passado ir, use-o para aprender, mas não deixe que ele te
prenda. — Acariciei seu rosto. — Tudo vai dar certo, trabalhe a mente e
avance sobre as questões, você é especialista nisso.
— Não dá para avançar sobre algo que quase me fez perder tudo que
mais amo. — Apertou os olhos, abalado. — Você tem noção do quão sortudo
eu sou?
Não pude evitar o sorriso, eu tinha sim, porque eu era igual.
No começo não dei o valor merecido ao milagre que Deus
proporcionou à minha vida, mas aos poucos fui compreendendo que era uma
benção estar aqui com meu filho seguro em meu ventre. Não importava o
quão doloroso tudo parecia, poder sentir a dor de tudo o que aconteceu
significava que eu estava viva e que teria a chance de mudar. Cabia somente
a mim e eu consegui.
— Muitas pessoas esperam o pior para começar a valorizar aquelas
pequenas coisas que fazem a vida valer a pena. — Ele franziu a testa. — O
que quero dizer é que, hoje, você enxerga seus erros com outros olhos, mas
poderia ter feito isso antes. Tudo bem, dizem que as circunstâncias interferem
nas atitudes, no entanto, você pode usar essa experiência para fazer diferente.
— Eu sei — disse, secando as últimas lágrimas. — Nunca pensei que
precisasse de amor, de ser acolhido e aceito por uma mulher que não
enxergaria o que tenho como algo mais valioso que o meu caráter. Eu não
prestava e, mesmo te amando, uma parte de mim dizia que não podia ser real,
eu achei que ficaria louco.
— E agora?
— Foda-se. — Ele esfregou o cabelo, numa tentativa de parecer
menos desesperado para dizer o que precisava. — Quando eu te vi naquele
bar… — Encolhi um pouco, ele calou-se.
— Continue, eu repassei em minha mente várias vezes, até poder falar
sobre isso sem parecer que estava sofrendo uma amputação.
— Dio santo. — Rocco engoliu em seco algumas vezes e ficou me
olhando como se buscasse ter certeza de que poderia falar.
— Minha perna está doendo, grandalhão, não vou aguentar muito
tempo em pé.
Sem dizer uma palavra, ele me pegou nos braços e voltou para o
quarto. Sentou-se na cama, comigo em seu colo.
— Perdoe-me, sinto aqui… — Ele apontou para o próprio peito. —
Como se estivesse prestes a explodir se não te disser tudo que se passava em
meu coração.
— Fale abertamente, não tem problema que seja sobre aquele dia. —
Passei meus braços ao redor de seu pescoço, ficando pertinho.
— Sempre tive a necessidade de retaliar, talvez isso seja algo que
nunca mude. — Ele respirou fundo. — Quando te vi naquele bar, não senti
nenhuma satisfação pela dor em seus olhos, pelo contrário, destruiu-me.
Ainda que eu continuasse buscando justificar que eu tinha razão, para que de
algum modo doesse menos o fato de que estava pronto para aceitar o que eu
pensava ter acontecido apenas para não te perder.
— Você me disse isso quando a gente conversou no hospital — falei,
e ele concordou.
— Sim, tudo que aconteceu foi horrível, eu nunca teria feito nada
remotamente parecido se pudesse imaginar as consequências, pior, não me
perdoo por ter precisado dessa sacudida para poder me libertar das malditas
correntes do passado. Você agora compreende por que é difícil olhar para
mim mesmo com olhos de perdão? Acho justo que sua família me odeie, que
você também o faça, é como deveria ser. — Respirou fundo, abalado. — Eu
preciso trabalhar muito para reconquistar a confiança de todo mundo.
— Você acha que minha família te odeia?
— Sim, até Jason.
— Rocco, Jason sabia que você ia todos os dias ao hospital ficar
comigo. — Ele olhou para mim sem acreditar. — Meu irmão não foi
enganado por Carlos como todos os outros.
Rocco pensou por um momento, então, pareceu entender alguma
questão que tinha guardado para si mesmo.
— Isso explica porque ele não me expulsou do quarto junto com os
outros seguranças, quando seu pai chegou para te levar embora.
— Que fique claro: ninguém te odeia.
— Sua avó com certeza me odeia. — Ri de suas palavras.
— Bom, ela é uma exceção.
Fizemos um curto silêncio, ainda que nossos olhares não se
desgrudassem. Era tão incrível poder enxergar com tanta nitidez o sentimento
transbordante que Rocco demonstrava. Deveria assustar, e talvez a antiga
Victoria ficasse assustada mesmo, porém, depois de tantos problemas, era
reconfortante e eu estava amando.
— Rocco, eu preciso entender algumas coisas. — Ele me olhou
atento. — Você quer que eu continue te rejeitando?
— No, per l’amor di Dio, nom farmi questo, sto per[1]…
Ele começou a falar em um italiano apressado, nervoso. Pude sentir
seus braços me apertando um pouquinho mais, inclusive sua respiração
acelerou um pouco.
— Rocco, eu não entendi o que disse.
— Perdão, eu fiquei nervoso. — Riu, passando a mão pela décima vez
no cabelo. — Droga, não estou conseguindo dizer as coisas que preciso.
— Continue falando, quero saber tudo. — Beijei seus lábios, ele
gemeu baixinho. — Então, é para eu continuar te rejeitando?
— Não — respondeu baixinho. — Mas eu vou continuar
demonstrando todos os dias que mereço você, eu juro.
— Não estou reclamando. — Pisquei o olho. — Pode ir colocando em
prática todos os planos que tiver.
— Não alimente este homem com tanta confiança, amore mio.
— Por que não? — perguntei, divertida.
— Em um dos planos, se tudo falhasse, eu ia te sequestrar e levar para
minha ilha. A gente poderia conversar melhor e as coisas poderiam se acertar
se convivêssemos juntos.
— Rocco sendo Rocco. — Balancei a cabeça, porque sua expressão
era engraçada.
— Certo, eram as medidas desesperadas.
— Rocco Masari, você está envergonhado?
— Possivelmente.
— Sequestro é crime — provoquei.
— Não se você fosse por livre e espontânea vontade.
— Aí não seria sequestro. — Arqueei a sobrancelha e ele riu,
parecendo um pouco mais tranquilo.
— Obrigado por ser a mãe do meu filho.
Eu não soube como responder a isso. Amava meu filho com todas as
forças e não era nenhum sacrifício carregá-lo. Foi esse bebê o responsável
por me ajudar a sair daquela profunda tristeza, foi senti-lo se mexer dentro de
mim que fez o milagre que ele era se tornar ainda mais real. Eu só tinha
motivos para agradecer, quando percebi isso, voltei a ser feliz.
— Amo este bebê, Rocco. Ele me deu força quando eu não tinha, me
ajudou a encontrar a felicidade de novo, faça isso também. — Juntos,
tocamos minha barriga, Gianne estava começando a chutar. — Veja, ele
concorda.
— Vocês são tudo o que eu sempre quis e nem sabia. — Rocco me
olhou. Agora, um sorriso singelo e delicado marcava seus traços bonitos. —
O amor que você me deu é a maior riqueza que tenho. Obrigado por estar
aqui.
Não tinha mais nada que precisasse ser dito. Rocco ia trabalhar em
seus medos e na raiva autodirigida, eu ia continuar sentindo de verdade as
minhas emoções e não me escondendo. A gente ia conseguir acertar e
encaixar as peças, cada um no seu tempo, mas sempre juntos.
— Você está pronta para dormir? — Rocco ergueu-se e me colocou
em cima da cama, fui até os travesseiros e abracei o maior.
Tinha o cheiro dele.
— Sua cama é uma delícia — falei, satisfeita pelos lençóis estarem
frios.
Observei-o tirar a calça e esperei que ficasse nu para deitar. Rocco
não suportava dormir com nada, aqui nesse calor seria pior.
— Vou tomar uma ducha, não demoro.
Ele correu para o banheiro e nem disfarçou a flagrante ereção que
pressionava a cueca boxer. Sorri, Rocco era um homem muito sexual, ele
nunca escondeu isso porque era natural nele. Não precisava de nenhum
esforço para deixar uma mulher excitada.
Era o próprio pecado.
Não demorou muito, ele voltou com a toalha enrolada na cintura, foi
até o closet e, quando retornou, estava apenas com uma boxer preta. Ele se
deitou ao meu lado e me puxou para os seus braços.
O longo suspiro que ele deu, de certa forma, me deixou triste. Eu não
minimizaria o que ele fez, mas não deveria ser nada bom estar na pele dele.
Ficou bem claro para mim que Rocco era ótimo em condenar as pessoas, e
isso se aplicava a ele mesmo também.
— Obrigado, amore mio. — O quarto estava escuro e um pouco frio.
Lembrou-me da primeira vez que dormimos juntos.
— Pelo quê?
— Por ter entrado na minha vida e por ter paciência comigo. — Ele
começou a acariciar meus cabelos. — Você conseguiu transformar um
solteiro convicto em um homem louco para se casar. Eu era um pervertido
mundano, agora sou seu pervertido exclusivo.
Não pude evitar rir do jeito que ele estava falando. Rocco às vezes
usava as palavras de um modo muito peculiar. Era divertido.
— Não ria de mim, estou fazendo uma declaração — ralhou,
estapeando minha bunda.
— Okay, desculpa.
— Bom, você conseguiu transformar todo meu ceticismo acerca de
relacionamento em necessidade de estar perto, de amar. Eu achava que era
feliz sendo um lobo solitário, mas hoje posso notar que não era. Você mudou
tudo isso, me fez ansiar estar com você, mesmo que fosse por poucas horas.
Durante muitos anos acreditei ser impossível estar nas mãos de alguém, mas
estou nas suas e sou bastante feliz admitindo isso. — Ele parou um momento.
— Eu faria qualquer coisa por você, daria até a minha vida. Não importa o
que seja preciso, certo ou errado, sempre lutarei por sua segurança e bem-
estar. — O seu tom de voz me deixou um pouco assustada.
Havia ferocidade demais.
— Rocco, por que você está falando isso?
— Existem coisas que deixei na Inglaterra. Quando vim para cá, tinha
em mente apenas você. Estava e ainda estou focado em sua recuperação,
saúde e felicidade, mas chegará o dia em que vou precisar resolver essas
coisas.
— Rocco, cuidado com o que vai fazer.
— Não se preocupe. — Ele ajustou um pouco os braços, e quando
percebi, estava encaixada em seu corpo, sentindo-o quente nas minhas costas.
— Descansa, amore mio, prometo não concretar a porta.
Ri baixinho, ele é tão bobo.
— Aí, morreríamos de fome. — Senti o corpo relaxado e confortável.
— Você tem um bom ponto. — Ele esfregou o nariz em meus
cabelos. — Amo vislumbrar a vida de casado, amo este momento.
— Eu também.
Depois disso, não foi preciso dizer mais nada.
Rocco

Despertei com o toque estridente do meu celular, aquele era o


aparelho com o número de Londres, e apenas se as coisas estivessem
explodindo por lá é que meus amigos me chamariam.
— Ainda não é o momento — murmurei, desvencilhando com
cuidado meus braços de Victoria, para que ela não acordasse.
O toque persistia e, inevitavelmente, eu não podia evitar me sentir
nervoso, porque não estava pronto para voltar, temia perder todo o caminho
percorrido até aqui com Victoria.
— Merda. — Tropecei nos travesseiros que eu havia jogado no chão,
ainda estava tudo escuro.
Peguei o celular no aparador, surpreso por não ser nenhum dos meus
amigos. Aquele número não estava registrado.
— Masari — atendi, já em alerta.
— Está feito. — A voz do outro lado pareceu-me sombria.
Meu cérebro precisou de um momento para entender o que estava se
passando, só então uma sensação de alívio misturado a desconforto dominou-
me.
— Um minuto — pedi, abrindo a porta da varanda do meu quarto e
saindo. Não queria ter aquele tipo de conversa no mesmo ambiente que
Victoria. — Conte-me tudo.
— Rastreei a garota, ela morava em Dartmoor — Red falou, com sua
usual voz baixa e distante.
No período do acampamento, Dark me disse que Red era seu melhor
rastreador. De fato, em pouco tempo o bastardo encontrou a maldita
perseguidora quando não tínhamos nenhuma pista concreta.
— Descobriu como ela conseguia meus números? — perguntei,
satisfeito que aquela etapa estava terminada.
A maldita não colocaria Victoria em risco outra vez.
— Quando a interroguei, afirmou que foi uma estagiária de TI na sua
empresa dos Estados Unidos, disse que houve um problema com a internet de
uma conferência em que você estaria palestrando. Ela e uma equipe foram
chamados e foi quando ela te viu. Disse que se conheceram nesse evento, e
que depois conseguiu criar um acesso fantasma no seu computador. Cyper
está com a máquina dela, fazendo uma varredura.
— Não acredito. — Esfreguei o cabelo, olhando para o céu estrelado.
— Ela era uma estagiária?
— Sim, o nome dela era Camille Davenport, vinte e cinco anos, órfã.
Estagiou na sua empresa dois anos atrás.
Alguma coisa me pareceu muito estranha. Tentei me lembrar de
alguma estagiária com esse nome, mas não consegui. Bom, eu tinha muitos
empregados para conseguir relacionar um rosto a um nome, principalmente
se tratando de alguém que “conheci” dois anos atrás.
— A casa da garota era um santuário dedicado a você. — A voz de
Red me deixou atento. — Ela não ia parar enquanto não matasse a sua
mulher, encontrei um plano de execução, desta vez, ela não ia cometer os
mesmos erros que antes.
— Filha da puta — rosnei, olhando para a cama onde Victoria dormia
tranquila.
— Estou terminando de recolher os dados e limpar a área. Quando
tudo estiver pronto, irei enviar um relatório com todos os detalhes da missão.
— Red — chamei antes que desligasse, ele sempre fazia isso quando
terminava de dizer o que precisava. — Você tem certeza de que ela não vai
voltar?
Ele ficou em silêncio por alguns instantes, e isso não me pressagiou
coisa boa.
— Tenho.
— Como ela morreu? — fiz a pergunta direta, não ia esperar droga de
relatório nenhum.
Agora não era o momento para dourar a pílula, o problema estava
resolvido a mando meu. Então, eu deveria saber como tinha sido.
— Afogada.
Estranhei, os métodos dele eram mais, digamos, escusos. Não era à
toa que seu nome na equipe era Red, além de ruivo, o bastardo escocês era
um maldito sanguinário.
— Nós…
— Espere, nós quem?
— Eu e os gêmeos. — Sentei na cadeira que havia ali.
— Disserte sobre os motivos de a perseguidora maldita ter morrido
afogada quando vocês três estavam com ela.
O silêncio dominou o outro lado da linha, e eu avistei os problemas
vindo de muito longe.
— Você está com o corpo, Red? — Tentei moderar o tom de voz, não
queria berrar às três da madrugada.
— Não, nós a perdemos no rio.
— Você perdeu? — Fechei os olhos por um momento, lutando contra
a raiva.
— Sim, ela estava ferida e saltou de uma cascata. Os gêmeos a
seguiram, não havia como ela sobrevier, as mãos estavam presas.
Vasculhamos a área, não havia nada.
— Que missão fodida. — Obriguei as palavras a saírem. Estava tão
puto que tremia.
— Admito que foi um erro considerar a mulher inofensiva. — Havia
certa vergonha na voz dele.
Isso me satisfez, pois desde que eu comecei os treinamentos com
Dark, ele sempre alardeou que sua equipe sempre trabalhava com rigidez,
celeridade e organização. Pelo visto, ele estava errado.
— Ela tentou matar Victoria duas vezes, e quase conseguiu nas duas,
como você pôde considerá-la inofensiva? — gritei, não pude evitar explodir
de raiva. — Você errou, caralho! E agora diz que está feito? Não me ferra!
— Os gêmeos estão vasculhando a área desde a madrugada, não há
como ela conseguir sobreviver, nós estávamos em Wood Wistman em uma
época bem enevoada, você sabe o quão difícil é o acesso, por causa das
árvores retorcidas. É impossível que ela sobreviva, a garota pulou na água
com as mãos amarradas, estava ferida da perseguição. Acredite, ela está
morta.
— Espero que tenha razão, limpe a casa e mande o relatório. Se tiver
fotos, acrescente, eu quero ver o rosto dessa garota.
— Okay, os gêmeos farão vinte e quatro horas de busca, irei me juntar
a eles assim que terminar aqui.
Ele desligou, e eu fiquei durante algum tempo tentando organizar os
pensamentos. Não ia justificar o que fiz, foi necessário e ponto final. Depois,
quais provas eu tinha para colocar a maldita na cadeia? Nenhuma! Eu sabia
das coisas que ela tinha feito contra Victoria, e do quão perto de conseguir
esteve.
No tempo que eu levaria para arrumar um meio de provar sua culpa,
ela poderia atentar contra Victoria e meu filho. Bom, agora ela não poderia
fazer isso.
— Et putredo in inferno anima tua.[2] — Respirei fundo, controlando
o medo de que ela estivesse viva e obrigando-me a acreditar no julgamento
de Red.
Não tinha como sobreviver a um rio com as mãos amarradas e eles a
estavam procurando, se ela estivesse viva, já a teriam encontrado. Por um
momento, olhei para a tela do celular apagada, lutando com a maldita
ansiedade que começava a dominar, resolvi ligar para Dimitri e saber como
as coisas andavam.
No terceiro toque, ele atendeu.
— Estava preocupado, fico nervoso quando você some. — Ouvi o
suspiro do outro lado da linha. — Liguei com menos frequência, já que nos
proibiu de fazer isso.
— Não queria interferência — falei, esfregando os cabelos. — Acabei
de receber a ligação, a perseguidora foi encontrada.
— Rocco, eu te falei para agir com inteligência.
— O que eu poderia fazer? Esperar que ela atentasse contra Victoria
outra vez? — Sacudi a cabeça, como se ele pudesse me ver. — Sinto muito,
irmão, não sou tão complacente.
— Eu sei, dependendo do contexto, eu faria igual, mas não posso
deixar de lembrar que sou um homem da lei.
Dei uma risada, porque não era mentira. Dimitri sempre dava um jeito
de fazer seus inimigos pagarem, mas dentro da lei. Eu não era como ele, pior
ainda William. O conde tinha uma lista extensa de contatos no “submundo”,
herdou na herança, dizia ele.
— Tudo bem, homem da lei. Diga-me, como estão as coisas por aí?
— Por que você está acordado? Ainda é madrugada no Brasil.
— O que eu disse assim que você atendeu ao telefone, Dimitri? —
Revirei os olhos. — Red me ligou e passou as informações. Antes de voltar
para Victoria, eu precisava estar menos agitado.
Dimitri gritou como se o time do qual ele era torcedor houvesse feito
um gol. Precisei afastar o telefone do ouvido para não ficar surdo.
— Já acabou o surto? — Estiquei as pernas, numa posição
confortável.
— Estamos nos resolvendo, ela hoje dormiu aqui, comigo.
— Que bom, meu irmão, pensei que fosse ter que viajar para resolver
sua vida. — O Dinka fez uma pausa. — Victoria está bem?
Pensei por um momento na conversa que nós tivemos. Ainda me
chocava o quão forte ela era.
— Amore mio não cansa de me surpreender — falei. — Ela está
melhor do que eu, mais centrada, recuperando-se de toda aquela porcaria.
Não consigo esquecer o erro estúpido que cometi, às vezes quero me bater.
— Supere, não deixe que isso se torne um novo problema.
— Não irei, agora me conte sobre o andamento das coisas.
Dimitri riu, ao fundo escutei vozes femininas, gemidos e reclamações.
Parecia que eu tinha me tornado um empata-foda.
— Antes que pergunte, hoje me dei folga, então vim relaxar. — O
Dinka era um pervertido e não negava isso a ninguém.
Eu já havia tido a minha época de viver sendo um devasso que não se
importava de ter uma mulher diferente a cada noite. Hoje, aquele Rocco
parecia de outra vida.
— As empresas estão indo bem, você sabe como William gosta de
trabalhar. — Suspirou. — Estou um pouco irritado com o conselho, estão
com dificuldade de lidar com o Conde, nosso amigo não é tão tolerante
quanto você. O bom é que até agora ninguém pediu demissão e as ações estão
subindo.
— Eu não sou tolerante. — Ponderei.
— Comparado a William, você é um garotinho meigo.
Ri baixinho, era verdade. William era um chefe terrível. Muito pior
que eu.
— É, bom que sentirão minha falta. — Olhei para o quarto e Victoria
não havia nem se mexido. — William e Betty estão se dando bem?
De todos os funcionários, a minha secretária era quem teria mais
contato com o Conde, e eu esperava que ele a tratasse bem, porque eu não
estava disposto a perder a melhor secretária que já tive.
— Com certeza, o Conde até disse que iria roubá-la quando
terminasse aqui. Faria uma proposta irrecusável.
— Ele não é louco.
— Você precisa ver, ambos estão trabalhando com bastante
tranquilidade. Ela sabe o que ele precisa e quase nunca é necessário que ele a
oriente, apenas quando prefere usar seu próprio método de liderança. Betty
Woods é incrível.
— Ela é. — Levantei, o olhar perdendo-se na cobertura ao lado. Hoje,
ela estava escura. — Qualquer coisa me ligue, mas, por favor, que não seja
para bobagens, estou muito perto de recuperar Victoria, não posso sair daqui
agora.
— Fique tranquilo, a gente está dando conta do recado — Dimitri
assegurou. — Estou de olho na sua mãe e irmã, não se preocupe. Fique bem e
cuide de tudo aí, traga Victoria para nós quando ela estiver pronta.
— Tudo bem.
Desligamos e eu voltei para a cama. Abracei Victoria, satisfeito
quando ela se aconchegou ao meu corpo, buscando meu calor.
— Agora, ninguém mais vai te fazer mal. — Beijei seus cabelos,
permitindo-me desfrutar do prazer que era tê-la em meus braços.
A falta que eu sentia de momentos assim era como uma ferida em
processo de crescimento. Doía tanto que eu sentia como se fosse uma dor
física. Sabia que ela também não conseguia dormir, e de certa forma eu
queria estar lá, segurando-a em seu sono, cuidando-a em qualquer
necessidade.
Somente com ela, eu sentia paz. Victoria não precisava fazer outra
coisa para conseguir acabar com os meus tormentos e angústias. O amor que
eu sentia por ela era tão grande que eu não me importava de ser um homem
cruel para defendê-la.
Dio mio, não havia nada que não fizesse por ela ou meu filho. Antes
fui um estúpido egoísta, mas aprendi a valorizar tudo que a mulher em meus
braços me deu, e eu não faria nada que a magoasse.
Victoria e Gianne eram minha máxima prioridade.
Podia parecer tolice, mas eu me sentia exultante de ter Victoria e meu
filho protegidos comigo.
— Vai dar tudo certo, bambino. — Espalmei a mão na barriga
delicada. — Seu pai não vai cometer erros e não será um completo idiota com
sua mamma.
Os próximos dias ainda eram uma incógnita, mas Victoria deu-me
segurança para acreditar que estávamos no caminho certo. Eu deveria
continuar mostrando meus sentimentos, conversar quando surgissem dúvidas
e confiar. Estava mais que disposto a fazer tudo isso.
Um chute suave me fez rir, meu filho concordava comigo.
— Mio bambino amado. — Acariciei onde ele estava chutando. —
Estou aqui com você, amor, pode conversar com o papai. — Desta vez, o
chute foi mais firme, e Victoria gemeu baixinho, como se estivesse
desconfortável. — Eu te amo, bambino, mas dorme agora, tua mamma
precisa descansar.
Ri baixinho quando ele fez a barriga estremecer e depois parou. Era
como se compreendesse o que eu havia falado. Não pude evitar me sentir
realizado, os sentimentos de amor e pertencimento eram tão arrebatadores
que roubavam meu fôlego. Era bom sentir que o Rocco responsável por
magoar Victoria tinha se tornado outro que lutaria dia após dia para ter a sua
família de volta.
O sentimento de quem aprendeu a dar valor e estava tendo outra
chance era muito reconfortante.
— Te farei se apaixonar por mim todos os dias, amore mio.
Prometi, beijando seus cabelos e feliz, por poder fazer isso.
Victoria

Um suave roçar e murmúrios gentis me despertaram. Ouvi meu nome


ser chamado baixinho, depois um nariz esfregou-se em meus cabelos
enquanto mãos enormes e quentes acariciavam minha barriga.
— Bom dia, amore mio.
— Dez minutos. — Joguei o braço em cima dos olhos, sentia a
claridade inundando o quarto.
— Amor, é quase meio-dia, você precisa comer — ele disse e eu abri
os olhos assustada.
— O quê? — Ele me ajudou a sentar, olhei ao redor meio
desorientada. — Meio-dia? Sério?
Ele sorriu, concordando. Estiquei o corpo e me senti ótima. Pela
primeira vez, em muito tempo, eu dormi como se não houvesse amanhã e
acordei renovada, sentindo-me capaz de desbravar o mundo.
— Rocco, eu não tive pesadelo! — Mal dava para acreditar.
O sorriso lindo que ele ostentava aumentou, seus olhos estavam
brilhando tanto que senti uma cambalhota no estômago. Rocco de algum
modo parecia diferente, havia uma felicidade ímpar facilmente visível em sua
expressão.
— Eu também não, acordei quase ainda agora. Com fome. — Ele riu,
levantando da cama. — Vem, a mesa está pronta.
— Você fez comida? — Fui cuidadosa ao levantar, não sabia como
uma perna ia se comportar.
Mas ela não doeu. Até consegui pisar no chão sem sentir uma dor
absurda.
— Amore mio, eu acho que você consegue andar. — Rocco foi para
trás. — Vem, se você cair, eu te seguro.
Olhei para ele e o encontrei confiante. Ainda não havia me
aventurado sem as muletas, tinha medo de sentir dor ou machucar e piorar o
estado da perna. Entretanto, o que eu ia perder se tentasse? Nada. Por isso,
hesitante, comecei a testar alguns passos.
Primeiro, minha perna estava fraca, então cambaleei um pouco.
— Calma, estou bem — avisei, quando ele veio em minha direção.
Um pouco mais confiante, caminhei para ele, Rocco me incentivava,
todo animado, o sorriso gigante e a belíssima face de anjo caído mexendo
comigo.
A cada passo que eu dava, sentia o gosto da vitória, porque lembrava
de todo esforço, dor e choro que senti em cada sessão de fisioterapia.
Também, era mais uma conquista que ia deixando a Victoria que sofreu o
acidente para trás.
— Falta pouco. — Rocco agitou as mãos. — Vem, amore mio.
Restava pouco mais de dois passos quando minha perna começou a
doer de verdade, fiz careta, mas quando tentei avançar, Rocco me abraçou e
ergueu do chão.
— Não vamos abusar. — Fungou em meu pescoço. — Você foi
ótima.
— Uhmm. — Abracei-o de volta — Preciso ir ao banheiro. — Ele me
levou até lá.
— Precisa que eu te segure? — Arqueou a sobrancelha, todo safado.
— Não, Rocco, eu assumo daqui. — Expulsei-o, e ele saiu rindo.
— Tem tudo para você no armário contíguo.
Ele não fechou a porta, mas se afastou, eu o vi ir em direção à cama e
sentar, certeza que estaria esperando por mim.
Primeiro, escovei os dentes e não me surpreendi ao encontrar os itens
de higiene que eu costumava usar em casa. Rocco havia montado um estoque
para mim, tinha tudo, desde hidratante até o gloss labial frutado.
— Assim fica difícil não querer ficar. — Balancei a cabeça, abrindo a
tampa de um hidratante e me sentindo em casa com o cheiro familiar.
Por causa da perna dolorida e do óbvio medo de cair, não tomei
banho. Quando saí do banheiro, Rocco correu para mim, e outra vez, pegou-
me nos braços.
— Gosto disso, então, vou aproveitar — ele disse, beijando-me
suavemente. — Eu sabia que nada de beijos enquanto você não escovasse os
dentes, eu estava esperando.
— Você não tem jeito. — Bati em seu ombro, e ele riu, beijando-me
outra vez.
— Respondendo a sua pergunta de mais cedo, eu não fiz a comida.
Mas eu acho que foi muito melhor. — Ele piscou o olho. — Então, muito
contrariado, desci e pedi ajuda aos recepcionistas, e eles me falaram de café
da manhã colonial. Há cerca de dez minutos, eu arrumei a mesa para nós
dois. Lá na varanda.
— Estou ansiosa para ver o seu trabalho.
Quando chegamos onde Rocco arrumou a mesa, a visão foi de tirar o
fôlego. A torre em que ficava sua cobertura era mais alta que a minha e isso
permitia que a visão do mar fosse ainda mais surpreendente.
— Eu não tenho muito jeito, mas espero que goste. — Ele me colocou
de pé, e eu sentei na cadeira. Nós ficaríamos de frente para a vista, com um
céu e um mar azuis de tirar o fôlego.
Rocco puxou a cadeira do meu lado, e quando sentou, ele sorriu com
os olhos.
— Eu achei que seria bom criar novas memórias, experiências de
momentos especiais. Quando nós teremos uma visão dessa em uma refeição?
— Ele olhou para frente e respirou fundo. — Estou grato por ter você aqui
hoje.
Coloquei minha mão em cima da sua e dei-lhe um aperto suave. Não
dissemos mais nada.
Suspiros profundos podiam significar muitas coisas. Alívio, tristeza,
admiração por algo. Estar com Rocco, desfrutando de um silêncio
compartilhado, enquanto a paisagem a nossa frente transmitia paz, foi muito
bom.
Tudo que ele fez para tornar esse momento especial aprazia meu
coração, porque eu amava as coisas simples que ele fazia para mim. Isso aqui
não era o novo Rocco atuando, porque desde o começo ele demonstrou que
eu seria mimada.
— Obrigada por isso, eu amei.
Ele me olhou, e eu vi felicidade.
— Eu… — Pigarreou. — Escolhi o que você gosta, imaginei que
nosso bebê te deixa com muita fome.
— Ele deixa, e também gosta de misturar coisas — brinquei. — Mas
a minha obstetra disse que eu estou abaixo do peso. Preciso ganhar pelo
menos quatro quilos até as vinte e uma semanas.
— Eu ainda me confundo com essa contagem. — Ele coçou a nuca.
— Em meses, quanto seria?
— Cinco meses, estou no começo. Fiz dezenove semanas tem uns
dias, cinco meses vai até vinte e uma semanas. — Ele me olhou confuso. —
Não se preocupe, o importante é que nosso bebê vai ficar bem, e ele vai
nascer com quarenta semanas.
— Quando vemos assim, parece muito tempo. — Ele tocou minha
barriga. — Vou cuidar de vocês.
— Eu sei, agora, diga-me, como está Antonella? Ela deve estar com
uns sete meses não é?
— Sim, está tudo bem. — Rocco apontou para a mesa. — Vamos
comer, o nosso filho deve estar com fome.
Não sabia por onde começar, tudo tinha uma aparência gostosa.
Rocco, por outro lado, foi enchendo o prato dele, e ao vê-lo despejar calda
nas panquecas, eu imediatamente quis fazer o mesmo.
O café da manhã estava incrível, até Pam veio nos acompanhar. Ela
era a coisa mais fofa com aqueles olhos azuis e as orelhinhas pontudas.
— Você quer uma fruta, bebê? — Rocco pegou um pedaço de
melancia e Pam começou a lamber o focinho. — Está calor, não é? Mais
tarde vamos dar uma volta e você vai conhecer um alguém.
Meu coração encheu de amor, Rocco estava claramente apegado a
filhote e ela a ele.
— Você vai mimá-la. — Ele olhou para mim. — Como eu faço com
Prince. Jason está reclamando que meu filhote não quer obedecer, ele se
recusa a ser treinado.
— Nossos filhos podem ser mimados enquanto crianças, quem se
importa? — Ele pegou outro pedaço de fruta e deu para Pam. — E Jason
pode tentar disciplinar, ele é um tio bravo.
— Eu concordo com você.
Rocco estava sendo tão incrível que me encantava. Ele era lindo
demais, e destilando felicidade parecia mais jovem. A tranquilidade fazia
bem a ele, seus cabelos estavam penteados para trás, e a vontade que eu tinha
era de passar os dedos.
Quem o olhasse assim, relaxado e sorridente, jamais imaginaria sua
capacidade. Rocco era uma força latente e avassaladora, capaz de colocar de
joelhos até o mais temível adversário.
— Não olhe para mim assim — ele disse, e eu notei seus olhos
escurecerem.
— Por que não? — provoquei, mordendo um morango suculento.
— Porque eu fico querendo te beijar.
— Ontem você afirmou que tinha essa liberdade, tem certeza? —
Sorri, arqueando a sobrancelha.
Antes que eu pudesse reagir, ele me puxou para um beijo delicioso,
com gosto de calda de frutas vermelhas e Rocco. Deus, como era gostoso.
Nós terminamos o café depois de muito tempo conversando,
provocando e sentindo que poderíamos realmente começar a reconstruir algo
muito bom.
Depois, fomos para a sala e deitamos no sofá. Rocco ligou a TV e nós
procuramos algo. Escolhemos um filme de romance, que inclusive eu
adorava.
Depois de algum tempo assistindo, Rocco perguntou:
— Ele se apaixonou e descobriu que ela está morrendo? — Havia
indignação em sua voz. — Por que diabos ela não pode se salvar? Que filme
horrível!
— Mas esse é o sentido do filme. O amor ser mais forte que o medo.
Ele está dando tudo que ela sempre sonhou, porque a ama. Mesmo sabendo
que ela está morrendo. É uma história linda.
— E o final feliz?
— Você gosta de finais felizes?
Rocco pensou por um momento, e então balançou a cabeça, dizendo
que sim.
— Todo mundo precisa ter um para sempre, então eu prefiro que seja
com um final feliz. Eles poderiam ter ficado juntos, ter tido filhos e um casal
de cachorros.
— Você está falando de nós, seu espertinho! — Bati em seu ombro e
ele me atacou, deitando-me no sofá e vindo para cima de mim.
— Vou te beijar — avisou antes de dominar-me em um beijo sedento.
Esqueci-me do filme, até do meu nome. Só me importava com aquela
boca movendo-se gostosamente sobre a minha e me deixando excitada.
Rocco sabia beijar tão bem, era injusto que ele conseguisse explodir minha
mente daquele jeito.
— Amore mio. — Ele encostou nossas testas, estava respirando
acelerado. — Precisamos parar, ou vai ser mais difícil eu me controlar. Sente
como estou? — Ele guiou minha mão até sua ereção.
— Rocco…
— Tudo bem, tudo bem. — Ele voltou para seu lugar e me levou
junto. — Vamos assistir o filme e relaxar.
Não precisei dizer mais nada e isso me deixou muito feliz porque não
queria ficar repetindo que ainda não estava pronta para aquele passo. Não ia
ser leviana com meu corpo apenas pela satisfação da carne. Com certeza eu
saberia quando o momento perfeito chegasse.
Esta nova relação entre nós dois iria ser reconstruída sem usar sexo
como um dos componentes. Eu precisava me manter em uma zona segura, e
sexo com Rocco era tudo menos isso. Agora, era mais com sentimentos e
intenções que deveríamos nos importar.
Apesar da tensão sexual, continuamos assistindo o filme. No final,
Rocco ficou de cara feia, porque ele não acreditava que o protagonista
pudesse estar tão tranquilo sendo que o amor de sua vida havia morrido.
— Só em filme. — Ele parecia desconfortável com aquela parte da
história.
O que me fez lembrar da conversa que havia tido com Jason. Eu
precisava saber mais sobre o que Rocco viu e sentiu com o acidente.
— Converse comigo — pedi, ajeitando minha posição para que
pudesse olhar para ele. — Você falou sobre seus pesadelos, conte-me.
— Não quero falar sobre isso, amore mio, já passou. — Tentou me
abraçar. Não deixei.
— Rocco, sem segredos, quando for relacionado a nós dois. Converse
comigo.
— Você vai me contar sobre os seus pesadelos também? —
perguntou, com certeza para me fazer desistir de saber como ele se sentia.
— Sim.
Observei-o levantar e começar a andar de um lado para o outro. Sabia
que ele estava nervoso, e que relembrar doía, mas talvez fosse importante
para superar. E Rocco estava precisando seguir em frente.
— Não podemos deixar para outro dia? — Ele parou e me olhou. —
Hoje estamos bem, não quero correr o risco de que isso acabe.
— Vamos continuar bem, converse comigo.
Ele olhou de um lado para outro, então, baixou a cabeça e fechou os
olhos. Imediatamente sua expressão mudou, se mais cedo eu o achei mais
jovem, agora ele parecia envelhecido, porque havia marcas de dor gravadas
em cada traço seu.
— Você morreu diante dos meus olhos. — A frase saiu engasgada,
ele veio para mim e ajoelhou no chão, depois segurou meu rosto, seus olhos
estavam com um desespero tão profundo e assustador que me senti
estremecer. — Você morreu na porra da minha frente.
Engoli em seco quando ele fechou os olhos como se quisesse fugir da
lembrança. Havia muito assombro em sua voz, a careta em sua face era
horrível. A dor dele era como uma coisa viva que respirava e se alimentava
de sua sanidade. Agora, talvez eu pudesse entender mais sobre o ódio que ele
sentia por si mesmo.
— Nunca me senti tão traído pela vida. Como é que você me fez te
amar, a ponto de nada mais fazer sentido, e depois simplesmente me deixou?
— Ele riu, parecia nem acreditar no absurdo que havia acabado de proferir.
— Foi como se tudo dentro de mim quebrasse, o desespero foi tanto que se
você não voltasse para mim, eu ia te seguir. Não havia outro meio de
continuar vivendo, o que diabos me prenderia aqui?
Suas palavras me assustaram, porque ele não estava exagerando. A
verdade era clara em seu tom, como o dia lá fora.
— Rocco, você não pode pensar assim. — Só percebi que minhas
mãos estavam tremendo quando eu as ergui para tocar seu rosto.
— O que sinto por você não cabia dentro de mim, então eu precisei
ser quebrado para poder ficar inteiro, para te amar como você merece ser
amada. Infelizmente, tudo aconteceu da pior maneira, por culpa minha.
— Sinto muito, de verdade. Se eu pudesse evitar o que aconteceu,
faria sem pensar duas vezes. Não me alegra saber que você vive nessa
penitência, que suas lembranças são sua condenação. De verdade, Rocco,
sinto muito.
— Nada do que digam para mim será pior do que reviver sua morte
todas as fodidas vezes que fecho os olhos. — Ele respirou fundo e isso
pareceu aliviá-lo um pouco. — Ainda sou assombrado pela visão do seu
corpo coberto de sangue, do monitor cardíaco em linha reta. Então, os
pesadelos tornam tudo pior, porque te vejo em um caixão, parecendo dormir
serena, como se estivesse feliz por estar longe de mim.
Rocco levantou, estava inquieto, as mãos abrindo e fechando. Não
entendi porque ele começou a esfregar o peito, mas, quando olhou para mim,
percebi que estava prestes a desabar.
— Tudo o que eu queria, no momento em que os médicos disseram
que eu havia perdido você, era que estivesse viva para me odiar. Eu gritei
como um lunático, acho que todos acreditaram que eu estava louco, e talvez
estivesse. Depois do maior erro que cometi na vida, não duvidava que minha
sanidade estivesse em xeque.
— Rocco, vem aqui. — Estendi os braços e ele veio, me abraçou
apertado, seu corpo grande tremia.
— Implorei que vivesse para me odiar, eu ia rastejar aos seus pés,
pedir perdão milhões de vezes. Não importava, desde que você estivesse
viva. — Ele buscou meus olhos. — Eu só poderia viver se você vivesse
também.
— Tudo vai ficar bem. — Beijei seus lábios. — Você sabe que estou
aqui. Talvez esses pesadelos sejam por causa do estresse. Os fatores
emocional e psicológico podem estar te fragilizando e isso aciona o gatilho.
Os meus pesadelos, segundo a doutora Regina, são fruto do estresse pós-
traumático. Ela me ajudou a trabalhar em autotratamento, não adianta apenas
calar, temos que falar sobre. Vai ajudar.
— Não consigo dormir. — Ele deitou a cabeça em meu colo. — Não
consigo dormir sem você, porque temo por sua segurança. Parece tolice, mas
só tenho certeza de que está bem quando está comigo. — Acariciei seus
cabelos, tentando criar um clima de tranquilidade. — Enquanto eu podia,
ficava com você, mas quando me afastava, temia cada ligação. Deus! Foram
dias horríveis.
— Acabou, nós estamos bem.
— Sim. — Ele beijou a minha barriga, depois fez carinho. — Vocês
são minha vida toda.
— Eu sei, mas agora você precisa disciplinar o sono, para que possa
descansar. — Ele acenou, estava com o rosto na minha barriga. — Você é
muito disciplinado no seu trabalho, não é à toa que é um homem tão poderoso
e respeitado. Sei que vai conseguir encontrar o melhor caminho para lidar
com isso, mas não deixe de buscar ajuda, conversar faz muito bem.
— Conversarei com você, não vou discutir meus problemas com
desconhecidos.
— Rocco!
— Agora é sua vez. — Ele mudou de assunto. — Fale-me sobre os
seus pesadelos.
Por onde começar? Meus pesadelos eram uma bagunça, mas
estranhamente sempre se repetiam, até o ponto que eu começava a cair e
acordava gritando.
— Eu te vejo tendo relações com mulheres.
— Dio mio! — Ele me olhou horrorizado. Notava-se pela expressão
de choque.
— No começo, você não quer, mas não consegue evitar, você faz sexo
com aquelas mulheres, mas luta contra isso, e ao mesmo tempo não. É tudo
confuso.
— Amore mio, eu sinto muito.
— Eu sempre fujo, acordo quando começo a cair. O sonho sempre
acaba quando me vejo caindo na escuridão, com a luz ficando cada vez mais
distante. — Franzi o cenho. — O último rosto que eu via era o seu, havia
lágrimas em seus olhos, mas você estava sempre sorrindo.
— Perdoe-me por ter te feito tanto mal.
— Rocco, você errou, eu estou lidando com isso e trabalhando no que
me faz feliz. Busque fazer o mesmo, será o melhor para todos nós.
— Juntos, nós podemos fazer o que for preciso — ele disse e havia
tanta confiança em seu tom que eu acreditei.
— Então vamos fazer isso.
Selamos o acordo com um beijo que falava apenas sobre amor.

***

— Eu preciso ir para casa, não posso sumir o dia inteiro. — Tentei


não rir quando fui agarrada por trás e impedida de pegar as muletas. —
Rocco, não faça isso, eu tenho que dar uma satisfação ao meu fisioterapeuta.
— Você não pode faltar às sessões — ele murmurou contra meu
pescoço, enquanto isso Pam não parava de pular nas minhas pernas. Ela
estava brincando com a barra do meu vestido, querendo mordê-lo.
— Então você pode me deixar ir em casa?
— Claro que não, estou esperando convite para ir junto. Isso é o
acordo pela sua liberdade.
— Tudo bem, vamos.
Ele riu, puxando a coleira da filhote que já estava toda animada com a
possibilidade de ir passear. Saímos do apartamento e fomos direto para o
meu. Eu ainda não sabia o que ia dizer para meu pai, todavia, ele devia saber
que o fato de eu ter dormido com Rocco, e ter passado boa parte do dia com
ele, significava que estávamos nos acertando.
O homem ao meu lado estava sorridente e tranquilo enquanto
esperamos o elevador, depois, com Pam em um braço, me puxou para seu
lado. Admito que gostava do fato de Rocco sempre estar me tocando. Ele
fazia isso quase distraidamente, como se fosse uma necessidade básica.
Quando as portas do elevador se abriram, uma música familiar se fez
ouvir e a sensação de nostalgia me dominou. Não pude evitar que as lágrimas
surgissem, e o coração doesse de saudade da minha mãezinha.
Ao entrar no apartamento, a primeira pessoa que avistei foi meu pai.
Ele estava sentado no sofá, de olhos fechados enquanto seus lábios pareciam
congelados em um sorriso saudosista. O pé balançava devagar, ao ritmo
suave da música melodiosa.
— Essa é uma música que cresci ouvindo — confidenciei a Rocco. —
Ela fala sobre um amor incondicional, a minha mãe adorava. Agora sei por
quê.
— O que ela diz? — Rocco perguntou baixinho, não queríamos
atrapalhar o momento do meu pai.
Ouvindo a música, eu o olhei e comecei a traduzir:
— Eu sei que vou te amar. Por toda a minha vida, eu vou te amar.
Rocco
Ao perceber que não estava mais sozinho, Victor desligou a música e
levantou. Notei que ele limpou os olhos rapidamente e veio até nós, sorrindo.
— Oi, amor, como está se sentindo? — Ele estendeu os braços para
Victoria e ela foi para ele. — Murilo disse que deveríamos ligar quando você
chegasse, não é uma opção faltar um dia de tratamento.
— Estou ótima, pai. Rocco e eu passamos o dia assistindo TV.
Não só isso, nós também conversamos sobre coisas importantes que
foram o ponto de partida para algumas mudanças. Completei em silêncio.
— Desculpe-me, eu deveria ter trazido Victoria para a sessão, ou pelo
menos dito que o fisioterapeuta poderia ir em nossa casa. — Cocei a nuca. —
Mas ela dormiu até quase meio-dia.
— O quê? — Victor arregalou os olhos, como se não pudesse
acreditar. — Você dormiu até quase meio-dia?
— Sim, pai, e não tive nenhum pesadelo. — Havia muito orgulho na
voz de amore mio. Nós dois podermos dormir a noite toda foi um grande
feito.
Apenas quem tinha problema para dormir, por qualquer motivo que
fosse, sabia o quão importante era conseguir ter algumas horas de sono com
qualidade.
— Isso é realmente incrível, vocês dois parecem ótimos. — Ele olhou
para mim e eu pude notar o agradecimento. — Venham, vamos para a área de
lazer, ligarei para Murilo e nós podemos esperá-lo juntos.
A felicidade de Victor era fácil de perceber, seus olhos, iguais aos da
minha Victoria, brilhavam. Ele olhava para ela com tanta admiração e amor,
que eu senti no peito a certeza de que estava diante de um homem capaz de
fazer qualquer coisa pela felicidade de sua filha.
Era assim que as coisas deveriam ser. Eu mesmo não sabia como
reagiria se minha filha fosse tratada como Victoria foi. No entanto, aqui
estava eu, sendo recebido sem um único olhar de rancor, isso era como um
tapa na minha cara, porque as atitudes de Victoria e sua família eram apenas
de acolhimento.
Menos da sua avó, mas eu deixava claro que a compreendia,
inclusive, esperava por isso.
Eu sabia que não merecia tanta consideração, e mesmo sabendo que
faziam isso por Victoria, não podia deixar de me sentir estupidamente
agradecido. Se antes era acostumado a viver rodeado de pessoas egoístas, ao
conhecer Victoria, tive a chance de ver que as coisas poderiam, sim, ser
diferentes.
Era por isso que havia me tornado tão viciado na vida ao seu lado,
porque ela era a lufada de ar puro, de bondade em um mundo de interesses e
estupidez.
Acomodei-me ao lado de Victoria no sofá da área de lazer, e ela
pegou nossa filhote de mim, colocando-a no chão. Pam correu de um lado
para outro, latindo, nervosa por estar em um lugar novo.
— Pai, conheça Pam.
Victor deu uma risada quando sua calça começou a ser mordida e
puxada pela filhote. Por enquanto, o vício dela era brincar mordendo coisas e
pessoas.
— Ela é linda, é uma Bordier Collie? — perguntou, tentando livrar-se
dos dentes fininhos. A mordida dela, mesmo sendo brincadeira, arranhava
bastante.
— Sim, pelo menos é o que tem em seu registro.
— Prince vai enlouquecer, podem apostar. — Victor a pegou no colo,
e nós rimos quando Pam começou a tentar lamber seu rosto. — Ela é nervosa.
— E totalmente agitada — completei.
O clima agradável perdurou até o momento que Victoria começou a
fisioterapia. Eu não conseguia ficar a assistindo gemer de dor, suando de
estresse enquanto fazia os exercícios.
— Você não está pegando pesado demais? — questionei, quando ela
me olhou, e eu pude jurar ver um pedido de socorro nas íris verdes. — Dio
mio.
Era bem ruim ver como a perna com a enorme cicatriz era forçada a
esticar. Victoria apertava os olhos e os lábios, eu jurava que sentia doer em
mim.
— Senhor, Victoria passou muito tempo sem cuidados, isso agravou o
estado de sua atrofia muscular por desuso. Recuperar isso vai doer, mas é
necessário, antes que se torne irreversível.
Havia muita confiança na voz do jovem rapaz, e eu acreditei em cada
uma das suas palavras. Apesar de parecer rígido nos exercícios, ele a tocava
com cuidado, apenas a fazia ir até o limite, que já era bem mais do que
suportável.
— Eu quero que, em mais alguns dias, Victoria esteja livre das
muletas. — Ele sorriu para mim. — Quero-a recuperada.
— Obrigado — concordei e o rapaz voltou a concentrar-se apenas nos
exercícios.
No meio da sessão de fisioterapia, meu celular tocou. Quando o
peguei, vi que era minha irmã. Por um mísero instante, cogitei a possibilidade
de não atendê-la, pois não estava em uma fase para exigências, todavia, não
poderia fazer isso.
Se ela estava ligando, era algo importante.
— Sorella. — Eu estava em um sofá perto da área que Victoria fazia a
fisioterapia. — Amore mio, é Antonella.
— Fratello. — Franzi o cenho por causa do tom de voz da minha
irmã.
— Antonella, o que aconteceu? — Levantei, não consegui ficar
sentado.
— Por favor, preciso de você. — Ela começou a chorar e eu congelei.
Jurei, no leito de morte do meu pai, que cuidaria de Antonella. Então,
desde os doze anos da minha irmã, eu fiz tudo que pude para que ela não se
sentisse sozinha. Mesmo jovem, eu fui às festas da escola, dancei com ela na
festa de debut, eu a levei até o altar.
Apesar de casada, Antonella era a minha menininha, se ela precisava
de mim, não importava o que fosse, eu precisava ir até ela. Eu a amava
demais, antes não demonstrava, agora, as coisas seriam diferentes.
— Antonella, o que foi? — Victoria deve ter percebido que algo não
estava bem, pois ela parou a sessão e levantou, vindo até mim. — Fale
comigo.
Ouvi o choro do outro lado da linha e isso só piorou o meu
nervosismo. Minhas mãos tremeram, porque quando vim para o Brasil não
cogitei a possibilidade de que alguma coisa poderia acontecer com a minha
família.
— Os bebês querem nascer.
Olhei para Victoria e ela deve ter visto em minha expressão que algo
não ia bem.
— Ainda é cedo, não é? — perguntei, um pouco confuso. Não
conseguia acompanhar essa contagem de semanas, meses gestacionais.
— Sim. — Um soluço se fez ouvir, e eu quase perdi o agarre no
celular. — Rocco, desde sempre você foi meu porto seguro, esteve ao meu
lado nos piores momentos e me fez acreditar que tudo ficaria bem. Preciso de
você.
— Sorella, por favor, fique calma. — Passei as mãos nos cabelos. —
Eu estou a caminho, tentarei chegar o mais rápido possível, então, imploro
que se acalme e diga aos meus sobrinhos que não aceito que eles nasçam
antes da hora.
— Rocco, estou com tanto medo. — O seu choro se tornou ainda mais
intenso. — Não quero perder meus bebês.
— Você não vai, eles são Masari. Resiliência é um traço bem forte na
nossa família. — Engoli o pavor e a sensação de impotência que a situação
me causava. — Estou chegando, fique tranquila, prometo que tudo vai dar
certo. Eu nunca menti para você, não vou começar agora. Você vai ter seus
filhos em seus braços, acredite em mim.
— Eu acredito. — Ela fungou. — Eu te amo, irmão.
— Eu também te amo.
Ela desligou a chamada, e eu senti que estava gelado por dentro. Não
queria que minha irmã passasse pelo terror de perder um filho, eu, apesar de
não ter passado, convivi com medo por um tempo e isso foi suficiente para
que eu fosse ao inferno e voltasse.
— Rocco, o que aconteceu com Antonella? — Victoria acariciou
minhas costas, e eu a abracei, porque precisava refugiar-me em seu calor por
alguns preciosos instantes.
— Ainda não sei — murmurei apavorado. — Parece que aconteceu
alguma coisa e os bebês vão nascer antes do tempo. Dio, tudo tem que ficar
bem, não posso imaginar a minha irmã…
— Rocco, não vai acontecer nada. — Victoria não permitiu que eu
concluísse o pensamento. — Confie, mesmo ainda sendo um pouco cedo,
pelo que sei, gêmeos nunca chegam até as quarenta semanas.
Havia muita confiança em Victoria e eu me agarrei a sua certeza.
— Tenho que ir para casa — falei baixinho e ela concordou. — Não
queria te deixar, não agora, mas também não posso abandonar minha irmã.
— Eu sei. — O sorriso doce e amoroso de Victoria acalentou meu
coração. — Fique tranquilo, estarei aqui quando voltar.
Segurei seu rosto e a beijei com todo o amor que sentia no peito.
Estava bem longe dos meus planos ir embora agora, inclusive, era uma
hipótese que chegava a assustar.
Temia retroceder todo avanço que tivemos, mas não podia
simplesmente ignorar a necessidade da minha irmã.
— Amo você. — Respirei fundo. — Vou morrer de saudade.
Não me importei de estarmos com plateia, tomei seus lábios outra
vez, porque não sabia quando iria voltar e porque meu coração estava
dividido. Victoria tirava o desespero de mim, o toque dela levava o medo
embora.
— Por favor, me espere, eu vou voltar para você.
— Estaremos aqui. — Ela guiou minha mão até sua barriga, nosso
filho estava chutando. — Vamos esperar você voltar.
— Vou te ligar o tempo inteiro — jurei e ela riu.
— Se você não fizer, eu prometo que vou ficar chateada. — Piscou
um olho.
— Você pode cuidar da Pam?
— Claro, não se preocupe. — Victoria me abraçou, e eu a apertei, não
pude evitar.
— Preciso ir, tenho que fazer algumas ligações e conseguir um voo de
emergência.
Lutei para conseguir me afastar.
— Não pude deixar de ouvir a conversa, se você quiser, eu posso te
levar ao aeroporto — Victor falou baixinho. — Eu e Victoria vamos te deixar
lá.
— Eu agradeço. — Segurei na mão da minha mulher. Eu precisava
correr, mas era difícil me afastar dela.
Ao chegarmos à sala, nos deparamos com Antonietta. Quando ela viu
que eu e Victoria estávamos de mãos dadas, o sorriso que ostentava foi
morrendo aos poucos. Em seu lugar, uma expressão de desagrado e nojo
tomou seus traços elegantes.
— Eu já te disse, Victoria, que o homem certo para você é Carlos —
ela falou à queima-roupa.
Admito que eu esperava um ataque direto, mas não imaginei que ela
fosse conseguir um meio de atingir-me com algo que abalava as estruturas da
minha confiança. Foi o aperto de Victoria em minha mão que me fez
administrar o que tinha acabado de ouvir.
Então, é isso o que ela quer? Unir os netos e mantê-los sob o seu
radar? O pensamento teve um sabor amargo, porque eu nunca imaginei tal
hipótese.
— E eu já disse que não vai acontecer, vovó. — O tom de amore mio
não admitia objeção, mas, em se tratando de Antonietta, ela entendia apenas o
que queria entender.
Antes eu era assim, por isso compreendia seu modo de agir.
— Eu ainda posso continuar sonhando e lutando por isso. — O jeito
que sorriu para mim deu-me calafrios. — Ver você e Carlos casados é tudo
que eu desejo antes de morrer.
— Mãe, pare com isso, não é o momento. — Victor não estava com
muita paciência, pude perceber pelo modo como apertava o maxilar.
— O que eu fiz? — Antonietta parecia uma senhora indefesa, mas
não, ela sabia golpear onde mais doía e incapacitar as pessoas. — Nunca
escondi que não suporto esse homem, então, por que vou esconder o meu
desejo de ver a minha neta com alguém que vai fazê-la feliz?
Talvez, em outro dia, eu estivesse disposto a ouvir tudo que ela
quisesse falar. Hoje não.
— Peço que me perdoe. — Soltei a mão de Victoria, para que pudesse
segurar seu rosto e beijá-la outra vez.
Ignorei o ofego chocado de Antonietta e aproveitei para começar a me
despedir. Enquanto pudesse ter um pouco de Victoria, eu teria.
— Rocco. — Minha garota parecia um pouco tonta quando me
afastei.
— Eu te amo. — Acariciei seu rosto, olhando para Victor — Eu
estarei pronto em dez minutos.
Concordou e eu corri para arrumar uma mala. Joguei algumas roupas
na mochila que havia trazido comigo, peguei o celular com o número do
Brasil e o guardei, eu o usava apenas para manter contato com Victoria,
enquanto estivesse fora daqui, não precisaria usá-lo. Antes de sair, chequei se
tudo estava fechado, depois, corri porta afora.
Victoria e seu pai já estavam dentro do carro me esperando, na saída
da garagem. Optei por não ir na frente com Victor, assim, aproveitei o longo
trajeto até o aeroporto para segurar amore mio junto a mim, e fazer as
ligações necessárias.
Precisava de um voo para Londres, e depois de conversar com
algumas pessoas, consegui carona com um ex-jogador de futebol, bastante
famoso mundialmente. Ele estava a caminho de Madri, mas solicitaria uma
parada no aeroporto de Heathrow, lá Murdoch estaria me aguardando.
— Em momentos como este, nada melhor que ter uma boa rede de
contatos — falei para Victor, quando ele perguntou como eu consegui um
voo tão depressa. — Vou pegar carona.
Eu tinha negócios no Brasil e isso me ajudou a conhecer pessoas
influentes o suficiente para me ajudarem. Depois, quando a oportunidade
surgisse, eu retribuiria.
Quando chegamos ao aeroporto, eu precisei me despedir de Victoria.
O voo estaria saindo em uma hora e eu precisava passar pela burocracia para
poder embarcar.
— Você sabe que eu não iria se não fosse estritamente necessário. —
Segurei uma mecha do cabelo dela.
— Eu sei — respondeu serena, aproximando-se para um beijo rápido.
— Eu vejo que está preocupado, mas não fique. Nada vai mudar, portanto,
cuide de Antonella e volte. Estarei esperando ansiosa.
Eu a abracei apertado e aproveitei para respirar seu cheiro
maravilhoso. Amava a sensação de seu corpo contra o meu, do quão cálida,
suave e perfeita ela se parecia para mim.
— Prometo não demorar. — Dei-lhe um beijo rápido e entrei no
embarque internacional.
Foi difícil obrigar-me a soltá-la. Entretanto, quanto mais rápido eu
fosse, mais rápido poderia voltar.
Não demorou muito para que estivesse tudo okay, esses eram os
benefícios de um voo privado. Nada de filas, nada de atrasos.
Já acomodado, e após agradecer ao anfitrião pela viagem, concentrei-
me no que precisava fazer. Primeiro, ia ver minha irmã e depois, quando ela
estivesse bem, deixaria claro para a diretoria da minha empresa que eu não
havia abandonado os meus negócios. Eles precisavam saber que minha vida
privada não interessava a nenhum deles e que, se escolhi William para estar
ali, essa era uma decisão que deveria ser respeitada.
Eu não queria mais problema na minha vida, apesar de que, talvez, eu
pudesse descarregar trabalhando o estresse que essa separação precoce com
Victoria com certeza me causaria.
Saber que ela não estava ao alcance dos meus braços já era ruim o
bastante, e saber das intenções de sua avó era pior ainda.
— Porra! — Fechei os olhos quando o avião decolou.
Inevitavelmente, uma sensação de medo cresceu, porque eu sabia que
Antonietta ia se aproveitar da minha ausência para atacar. Essa certeza fez
com que o peso de uma tonelada se instalasse em minhas costas. Eu não tinha
ideia do que ia acontecer, mas o pouco que a conhecia me deu certeza de que
a mulher era implacável.
Ela era como eu.
Isso tornava tudo pior.
Rocco

Desembarquei em Londres e o frio me recebeu. Depois de mais de


dez horas de um voo insuportável, eu finalmente saudava a umidade e o ar
gelado.
As primeiras duas horas de voo foram feitas em um silêncio
confortável e conversas em tom ameno. Depois, as brincadeiras e a aparente
alegria dos demais passageiros começaram a me irritar. No início, recusei
educadamente todos os convites para participar da festinha animada que eles
protagonizaram.
Fiquei no meu canto, fingindo dormir e agradecendo por não saber
português como eu imaginei que soubesse. Quando tentavam me incluir
falando meu idioma, eu não me dignava a responder. Então, fui deixado em
paz. Eu mal podia esperar a porta ser aberta quando o avião pousou, agradeci
a carona, feliz por me afastar do excesso de bebida e provocações.
Sentia-me a anos-luz de ter clima para festas. Essa viagem tinha um
motivo e orgias em jatinhos particulares não era um deles.
O frio que eu sentia perfurar minha pele como milhares de agulhas
parecia diferente e eu não estava com uma roupa adequada. Era como se
meus ossos também estivessem congelados, eu tremia de dentro para fora, e
isso nunca havia acontecido.
— Concentre-se. — Soprei ar quente em minhas mãos. — O frio é
psicológico.
Disse a mim mesmo, tentando me convencer dessa idiotice. Uma
parte de mim estava com um medo do caralho do que essa viagem reservava.
Afastar-me de Victoria agora não me deixava nem um pouco satisfeito.
Foram muitos dias em suspenso, pisando em ovos, insistindo. Quando
finalmente consegui avançar sobre muitas questões com ela, precisei voltar
para casa.
Claro, sobre o motivo, não havia nem o que dizer, porém, às vezes
parecia que o destino estava brincando de foder comigo. O que me deixava
aliviado era que eu e amore mio estávamos caminhando para recuperar nosso
relacionamento. Eu sabia que, quando eu voltasse, as coisas seriam
diferentes.
A aproximação de um grande SUV preto me deixou em alerta.
Murdoch parou o carro na pista de pouso particular, e eu me apressei, queria
sair logo dali e ir ver como Antonella estava.
— Saint Mary’s — avisei e Murdoch acenou, guiando o carro para a
saída. — Preciso ver a minha irmã.
Durante o trajeto, senti que ia ficando cada vez mais nervoso. Quando
imaginava que logo eu estaria fazendo isso, mas com Victoria, então a
sensação que eu tinha era muito estranha, porque havia medo entremeado ao
fascínio. Houve dias em que a solidão me fazia divagar sobre a aparência do
meu filho.
Como ele se pareceria? Teria meus olhos ou os de Victoria? Eu já
havia percebido que esse era um traço marcante na família dela, basicamente
todos tinham os mesmos olhos, porém, os de amore mio eram infinitas vezes
mais bonitos, eles possuíam um brilho especial, que foi responsável por
roubar meu fôlego desde o primeiro momento.
— Mio adorato bambino. — Recostei no banco de couro, fechando os
olhos. — Não vejo a hora de segurá-lo em meus braços.
Um calor gostoso esquentou-me por dentro ao pensar no meu filho,
pois ele era meu presente nesta vida, digo, ele e sua mãe. Agora, eu me
divertia com as mudanças que a minha vida sofreu desde que Victoria tinha
entrado nela. Quem poderia imaginar que eu passaria horas sonhando como
seria meu bebê, quando antes mal suportava estar perto de crianças? Victoria
despertou em mim sentimentos profundos, nobres, e ao mesmo tempo brutais,
que assustavam.
— Dio. — Esfreguei o rosto. — Essa mulher mudou tudo.
Ainda que pudesse ser manso com ela e aceitar o que fosse preciso
por ela, eu continuava tendo aqueles impulsos insanos, infelizmente, nos dias
em que a desolação parecia maior que tudo, foi o desejo louco e a
necessidade visceral de ter minha vida de volta com a minha mulher que me
fizeram ser forte.
Talvez, eu nunca me tornasse um homem calmo, sabia que se fosse
provocado, então, certamente o lado ruim ergueria a cabeça para dizer que
sempre estaria aqui.
— Merda! — Respirei fundo, pelo menos agora, eu conseguia pensar
primeiro, antes de sair cometendo alguma idiotice.
Assim que chegamos ao hospital, fui direto para a ala da maternidade.
Preferi percorrer o maior caminho, evitando a ala de traumatologia. Não ia
passar perto de lá nem fodendo. Todas as lembranças eram recentes demais
para eu acionar esse maldito gatilho.
Na recepção, fui informado de que minha família estava esperando
em uma sala particular, fui guiado até lá e a primeira pessoa que avistei foi
Connor. O marido de Antonella.
— Você veio. — Ele me abraçou, estava abatido, cheio de olheiras.
— Ela estava desesperada para que você chegasse.
Os olhos azuis do meu cunhado se encheram de lágrimas. Na hora,
um nó se formou em minhas tripas e precisei respirar fundo. Tinha que ser
forte, mas não sabia se estava preparado para as notícias.
— Onde está minha mãe? — questionei, preocupado.
— Ela foi até a capela. — Connor balançou a cabeça. — Droga,
estava tudo indo bem, não sei o que houve.
Eu li, em algum dos muitos livros sobre mulheres grávidas que eu
havia comprado, que mudanças inexplicáveis que colocam a vida do bebê e
da mãe em risco poderiam ocorrer. Lembro-me de ter tido pesadelos sobre
isso, o que piorou consideravelmente meu estado de nervos, tornando minha
necessidade de estar perto de Victoria muitas vezes maior.
A pressão poderia aumentar, a placenta descolar, o bebê poderia
começar a ter problemas. Tanta coisa poderia ocasionar uma tragédia que um
dia joguei os livros na lareira e queimei tudo.
— O que os médicos disseram, Connor? — Tentei não deixar o
pânico transparecer.
Foi inevitável, mas me senti culpado por não estar ao lado da minha
irmã, mesmo que fosse impossível não estar com Victoria. Outra vez, o peso
das minhas ações estava voltando para bater na minha cara. Se eu não tivesse
cometido tamanha estupidez com Victoria, a gente nunca teria saído da
Inglaterra.
— Eu não sei direito, mas parece que a placenta tomou a frente dos
bebês, Antonella não parava de sangrar. — Um gemido escapou dos lábios
dele, eu sequer podia imaginar o que ele estava sentindo nesse momento. —
Eles conseguiram estancar o sangramento e agora estão fazendo um exame
para saber como os bebês estão. Disseram que o máximo que puderem ficar
na barriga é importante.
— Okay, então, vai ficar tudo bem. — Convenci a mim mesmo,
porque não ia pensar diferente. — Os gêmeos e Antonella vão ficar bem.
— Agora só nos resta esperar — ele disse. Eu fui até o banco mais
próximo e me sentei.
Era isso que sempre matava um pouco, esperar. Felizmente para mim,
há meses eu vinha exercitando a paciência. Em outros tempos, já teria
derrubado esse hospital em busca de notícias mais concretas.
Não muito tempo após eu chegar, minha mãe voltou e mais uma vez o
sentimento de culpa me machucou.
— Mamma. — Abri os braços, e ela veio, toda chorosa e aflita. Não
escondendo o quão arrasada estava. — Estou aqui, vai ficar tudo bem.
Minhas palavras não tinham poder de mudar nada, mas o pensamento
positivo e a fé, que me mantiveram são enquanto Victoria convalescia, eram
os mesmos que agora me ajudavam a ser forte para segurar a minha família.
— Foi de repente, Rocco, ela estava bem. — Minha mãe me olhou, os
olhos azuis estavam vermelhos, os cílios molhados. — Antonella não fez
nada, ela estava tranquila, feliz. Não sei como isso foi acontecer.
— Mia sorella é forte, os bebês também. — Mantive a voz uniforme,
segurei a onda porque eu tinha que ser o suporte.
A espera foi angustiante, mas, quando a porta abriu e o médico de
Antonella apareceu, gelei dos pés à cabeça.
— Não vamos poder esperar, a pressão de Antonella está começando
a oscilar, ela está muito nervosa e preocupada com os gêmeos.
— Doutor, por favor, diga-me que a minha esposa vai ficar bem. — O
desespero de Connor disparava como ondas, ele estava lívido com a situação.
— Vamos fazer o possível, estou otimista. Antonella é jovem e não
tem histórico que me contradiga. — O médico sorriu. — Você tem que
pensar positivo. Ela já está sendo preparada para a cesariana, você quer
acompanhá-la?
— Sim, eu irei. — Meu cunhado sacudiu os ombros e passou as mãos
no rosto. — Eu vou ficar ao lado da minha esposa.
— Então me siga.
Antes que eles pudessem sair, puxei Connor para um abraço apertado.
— Diga a ela que estarei aqui, esperando para conhecer os meus
sobrinhos. — Sorri, lutando contra as lágrimas. — E que eu vou emprestar
meu cartão de crédito por um mês.
— Obrigado, Rocco. — Connor deu um sorriso. — É muito
importante para nós que esteja aqui.
Observei-o fechar a porta quando saiu. Engoli em seco. Uma parte de
mim queria estar com Antonella, ela era minha garotinha e estava assustada.
Outra parte se orgulhava por sua força e bravura. Eu não negaria que meu
coração seguia encolhido no peito, mas não ia me permitir nenhum
pensamento errôneo.
Como eu falava desde que tinha chegado: tudo daria certo. Não havia
mais o que fazer, a não ser rezar para que em breve as notícias fossem ótimas.
— Filho, como estão as coisas com Victoria? — Senti uma carícia
gentil no ombro. Olhei para minha mãe.
— Mamma, ela está me aceitando. — Eu não sabia se a tensão dos
últimos tempos havia mexido comigo ou se eu havia me tornado um idiota
emocionado, mas, apesar do sorriso que lhe dei, meus olhos encheram de
lágrimas. — Ela me ama, de algum modo, ela me ama.
Fui abraçado e não pude evitar me sentir um garoto. Há muitos anos
me distanciei tanto da minha mãe que não a deixava demonstrar esse tipo de
sentimento. Victoria, quando entrou na minha vida, foi mudando tudo, e hoje,
eu não só queria receber aquele amor escancarado da minha mãe, como eu
precisava dele.
— Não posso deixar de me odiar por tudo que fiz, não só isso, enoja-
me o Rocco que fui — desabafei. — Mas o pior é o fato de eu saber que foi
preciso eu perder tudo para acreditar que era real.
— Bambino, Victoria te ama de verdade. — Minha mãe sorriu,
tocando minha bochecha. — Eu podia ver no olhar dela, no brilho e no doce
encanto que ela nunca disfarçou. Não me orgulho do que você fez, mas me
orgulho de não ter desistido de lutar pela sua família.
— Como eu poderia? Victoria e meu filho são todo o meu coração.
Mesmo que eu seja uma pessoa horrível, mamma, não posso deixá-la ir, não
sem uma boa luta.
— Você não é horrível, Rocco — ralhou, séria. — Suas mágoas do
passado o cegaram, mas, graças a Deus, houve tempo para remediar.
Engolir o perdão das pessoas ainda era difícil para mim, talvez,
quando eu mesmo me perdoasse, tudo ficasse mais fácil. Por enquanto, o que
me restava fazer era continuar firme em meu propósito de ser uma pessoa
melhor.
Duas horas depois, a porta abriu e um Connor pálido entrou. Levantei
apressado, estava quase o sacudindo para que falasse de uma vez o que havia
acontecido.
— Eu sou pai de duas crianças lindas.
— Porra, caralho! Graças a Deus. — Eu o abracei, tonto de alívio.
Minha mãe desabou num choro desenfreado. — E Antonella, como ela está?
— Cansada, mas bem. Ela foi forte demais.
Ansioso, esperei até o momento que pudéssemos ver Antonella. Foi-
nos dito que não poderíamos conversar, ela precisava guardar repouso para
não ter problemas com a cirurgia.
— Vou ligar para a nonna — minha mãe falou quando nos
aproximamos do quarto em que minha irmã estava. — Sua avó gostará de
estar aqui.
— Mandarei preparar o jatinho para buscá-la.
— Primeiro me deixe saber onde ela está. Sua nonna resolveu viajar o
mundo. Da última vez em que nos falamos, ela estava na França.
Concordei e abri a porta do quarto. Minha irmã estava pálida, com
uma expressão cansada, mas que ao mesmo tempo irradiava satisfação e
felicidade.
— Você veio — murmurou, deixando-me emocionado.
— Shh, não fale. — Puxei a cadeira, sentando-me ao seu lado. —
Estou tão orgulhoso de você. Parabéns, sorella, você é mãe. — Engoli o
caroço em minha garganta, não queria demonstrar fraqueza. — Dio mio, a
minha garotinha é mãe.
— Rocco…
Seus olhos azuis brilharam de emoção, exuberância. Senti tanto
orgulho dela que, para disfarçar as lágrimas tolas que se acumulavam em
meus olhos, peguei sua mão e a beijei.
— Papa estaria muito orgulho de você, assim como eu estou.
O sorriso em seus lábios aumentou, e as lágrimas dela escorreram
quando eu pude controlar as minhas.
— Queria tanto que ele estivesse aqui.
— Shh, tudo bem. — Acariciei seus cabelos. — Não chore, e não
converse. Você precisa ficar tranquila e fazer o repouso que o médico falou.
Levantei para que nossa mamma pudesse tomar meu lugar, mas
Antonella segurou minha mão.
— Fratello. — Ela suspirou. — Eu te amo, obrigada por ser tudo o
que eu precisei quando nosso pai morreu. Você sempre esteve ao meu lado
quando chorei, quando eu caí e tive medo. Eu sabia que todos os dias você
entrava no meu closet, para garantir que não tinha monstros nele, isso era
muito importante para mim. Obrigada, fratello.
Dio, o que estava acontecendo comigo? questionei-me, quando cada
palavra dela atingiu um ponto especial em meu coração e eu quase desabei
ali, a sua frente. Sempre fui alguém para ela se apoiar, não podia mostrar o
quão fraco eu me sentia agora.
— E eu sempre vou estar aqui. — Sorri, acariciando seus cabelos. —
Assumir a responsabilidade de ser a figura masculina na sua vida foi uma
honra. Você é a melhor irmã do mundo. — Abaixei-me para beijar sua
bochecha. — Eu te amo, você é uma parte de mim.
Ali, eu vi que minha irmã havia se tornado uma mulher incrível que
me enchia de orgulho.
— Você também, mesmo sendo esse brutamontes. — Ela sorriu, e
nossa mamma reclamou de estar sendo ignorada.
Antonella riu, mas fez careta. Eu saí da frente, indo para um sofá
confortável do outro lado do quarto. No meu canto, observei Connor ao redor
da minha irmã, ele sempre a estava tocando, murmurando algo no ouvido
dela, fazendo-a olhá-lo com amor.
Será que eu tinha esse mesmo olhar para Victoria? Gostaria que ela
soubesse o quanto eu a amava, sem que eu precisasse dizer.
Não demorou muito para que uma enfermeira viesse, dizendo que
Connor poderia ir ver os bebês. Ambos estavam na incubadora porque eram
pequeninos, mas, levando em consideração o quadro geral, estavam bem.
— Eu não vou poder ir vê-los? — Antonella tentou levantar, seu
semblante mudou para medo.
— Sim, em breve eu venho te buscar. — A mulher sorriu, amistosa.
— Você precisa descansar.
— Eu preciso ver os meus bebês. — Antonella respirou fundo,
fazendo careta. — Desculpe-me, mas, eu preciso vê-los.
— Tudo bem, deixe o seu médico vir, ele vai te dizer como proceder.
Antes de Connor sair, Antonella disse:
— Vá, Rocco, veja os meus filhos, já que eu não posso ir agora.
Confesso que eu estava doido para ver as crianças e me tranquilizar
de que estava tudo bem. Em silêncio, fizemos o caminho até o berçário e área
onde ficavam os bebês prematuros.
— Você não pode entrar, apenas o pai. — A enfermeira barrou meu
acesso.
— Tente me impedir. — Cruzei os braços e ela arqueou a
sobrancelha, como se lidasse com isso o dia todo. — Se não quiser que eu
fique plantado aqui mesmo, nesta porta, melhor me deixar entrar.
— Ele é o irmão da minha esposa, não vamos contrariá-la, impedindo
que ele veja os sobrinhos.
A mulher revirou os olhos e me permitiu entrar.
— Primeiro vocês irão fazer higienização, depois colocarão um
daqueles kits.
Roupas especiais? Engoli em seco, travando na hora, porque mesmo
sem querer, minha memória viajou a um passado horrível de não muito
tempo atrás.
— Senhor, essa área requer o máximo de cuidado. Isso é protocolo.
— Tudo bem.
Fiz todo o processo de higienização e, enquanto lavava as mãos, elas
tremiam. Obriguei-me a manter o controle, dizendo a mim mesmo que o pior
já havia passado. Meus sobrinhos e irmã ficariam bem. Por um instante, tive
receio, afinal, acabara de chegar de viagem, não sabia se mesmo fazendo uma
higienização cuidadosa seria seguro me aproximar.
— Connor, talvez eu precise ir em casa tomar banho, afinal, cheguei
de viagem e vim direto para cá.
— Deixa eu conversar com a responsável.
Mesmo querendo muito ver os bebês, jamais os colocaria em risco.
Esperei que meu cunhado conversasse com a responsável. Não demorou
muito para que Connor voltasse e me dissesse que eu poderia entrar para ver
as crianças. Elas estavam protegidas na incubadora e eu não as tocaria.
Vestidos e prontos, entramos na área de cuidados especiais. Fomos
guiados direto para as incubadoras em que os gêmeos estavam.
— Aqui está a menina.
Aproximei-me e vi que ela estava com uma touca de lã amarela, com
uma pequena cerejinha bordada. Não pude acreditar que realmente estivesse
diante de tamanha perfeição. Ela era pequenina, mas não a ponto de assustar.
Mexia as pernas e bracinhos.
— Dio mio, sei bellissima. — Toquei o acrílico da incubadora,
sentindo meu coração apaixonar-se.
— Rocco, venha ver o meu garoto — Connor chamou, e eu fui para a
incubadora ao lado, o garotinho também usava uma touca amarela, nela havia
uma nuvem fofa bordada.
Notei que era tão agitado quanto a irmã, mas maior que ela.
— Tu sei perfetto, bambino.
A emoção veio como uma bola demolidora, a felicidade por ver que
os gêmeos estavam bem era tanta que precisei respirar fundo na tentativa de
acalmar o coração acelerado.
— Rocco, eu acho que Antonella queria te contar, mas não estou
conseguindo me segurar.
— O que foi? — Não tirei os olhos das crianças.
— Bom, me deixe te apresentar à Victoria e Rocco Masari Kingston.
— O que você disse?
— O que ouviu. — Connor deu uma risadinha. — Os nomes que
escolhemos para os bebês são Victoria e Rocco. Espero que não se importe.
Dio mio, eu não estava preparado para isso.
Voltei para o quarto de Antonella ainda atordoado. Como ela pôde me
fazer tamanha homenagem? Há anos eu não demonstrava o amor que sentia
por ela, apesar de sempre ter estado ao seu lado, nunca verbalizei o quanto ela
era importante para mim.
Não sabia descrever o sentimento arrebatador que me dominou
quando eu a olhei, naquela cama. Minha irmã, a minha garotinha, havia dado
meu nome e o da mulher que eu amava aos seus filhos.
— Rocco, o que foi? — minha mãe perguntou, porque eu não
consegui parar de encarar Antonella. — Meu filho, você está bem?
— Sorella… — murmurei, pigarreando quando minha voz falhou. —
Você deu o meu nome… — Não pude terminar a frase.
O sorriso que eu recebi aqueceu o meu coração, e quando notei,
estava abraçando a minha irmã.
— Você me honra. — Minha voz soou embargada pela emoção —
Você me honra, Antonella.
— Eu te amo, meu irmão. — Afastei-me um pouco para encará-la. —
Tudo pode ter desabado sobre sua cabeça, mas nós estamos aqui para te
ajudar a se reerguer. Você precisa saber disso, Rocco.
Olhar para Antonella era o mesmo que me ver refletido em suas íris.
Mas, diferente de mim, que passei anos atrofiado emocionalmente, ela não
escondia seus sentimentos. Havia amor, aceitação, irmandade.
Ela era uma parte de mim, uma das melhores.
— Amo você — falei, olhando em suas íris azuis e lindas. — Eu
posso não ter dito com frequência, mas eu sempre te amei, desde o dia em
que você nasceu e eu te segurei em meus braços. Saiba que não importa o
quão destruído eu esteja, você sempre poderá contar comigo para ser um
escudo seu.
— Rocco.
Abraçamo-nos outra vez, e eu não ignorei a vontade estúpida de
chorar. O que aconteceu comigo transcendeu a certeza de que eu sempre teria
que manter a postura firme e impenetrável.
Eu era um ser humano, tudo bem demonstrar que poderia ser fraco e
entregar-me às emoções que me comiam vivo.
— Hoje, eu consigo te enxergar, meu irmão. — A voz baixinha da
minha irmã acalentou meu coração. — E sei que você só quer ser aceito,
compreendido e amado.
Sequei só olhos, testando um sorriso que não queria dar. Estar tão
exposto deixava-me sentindo uma vulnerabilidade com a qual eu não sabia
lidar, precisava entender tudo isso, organizar essa bagunça que eu era, para
seguir meus propósitos.
Afastei-me dela, pois o médico havia chegado. Ele disse que em breve
ela poderia ir ver as crianças. Antonella ficou animada, mas a recomendação
era repouso para que pudesse ir logo ver seus filhos.
Sentei no sofá e fiquei por ali sem perceber o passar das horas.
Não podia deixar de pensar na vida que minha irmã teve, nas fases de
crescimento e rebeldia. Ou em quando apareceu dizendo que estava
apaixonada. Agora ela tinha a própria família, e Deus, como era linda.
— Você deveria ir para casa, Rocco. — Sua voz me chamou atenção,
pensei que estivesse dormindo. — Até Connor já foi em casa. Só você que
não.
— Qual o problema?
— Irmão, você precisa descansar. — Ela sorriu, mas logo fez uma
careta. — Rocco, tenho certeza de que não dormiu nada.
Cruzei os braços, ela sorriu, balançando a cabeça.
— Meu irmão está de volta.
— O que você está sentindo?
— Meus seios estão doendo.
— Você não deveria estar amamentando os gêmeos? — questionei.
Eu havia lido que isso deveria ser feito imediatamente. — Será que
cometeram algum erro?
Eu já estava pronto para questionar quando a porta se abriu e a mesma
enfermeira que me levou mais cedo ao berçário entrou, empurrando uma
cadeira de rodas.
— Vamos, os seus bebês estão ansiosos por você. — A mulher
estacionou a cadeira ao lado da cama. — Venha, vou ajudá-la a descer.
— Deixe que eu faço isso. — Tomei a frente e, com cuidado, ergui
minha irmã e a coloquei na cadeira. — Pronto, está confortável?
— Sim.
Estávamos prestes a sair quando Connor chegou. Ele entregou-me
uma bolsa e curvou-se para beijar Antonella. Dei um passo atrás, aquele era o
momento deles.
— Vou conhecer os bebês, o médico me liberou.
— Sim, amor.
Não pude deixar de sorrir. Connor era tudo que minha irmã precisava.
Calmo, tranquilo, forte para ela.
Antes de se afastarem, minha irmã disse:
— Rocco, vá para casa, descanse e volte.
Óbvio que não obedeci, achei melhor a esperar voltar. O que estava
levando um tempo considerável. Comecei a andar ao redor do quarto, parei
quando a lua chamou minha atenção.
Passei tantos dias sozinho naquele apartamento no Brasil que tive
tempo para admirar as fases da lua, como ela iluminava o mar com uma faixa
prateada. Aqui não tinha isso. O que eu via era a luta persistente que ela
impunha para ser vista através da densidade das nuvens. Estranhamente,
lembrou-me Victoria, que nunca desistia de tentar.
Ela era mais forte que eu, porque buscava o que lhe fazia feliz,
enquanto eu vivia e esperava pelo pior.
— Dio mio. — Esfreguei o rosto, preocupado com como essa
distância nos afetaria.
Sentindo um frio na barriga de ansiedade, peguei o celular e enviei-
lhe uma mensagem.
Rocco: Amore mio, deu tudo certo. Os bebês de Antonella são lindos, e você
não sabe o que é mais incrível, ela colocou nossos nomes neles. Tudo bem
por aí?

Esperei sua resposta, pois chegamos a um acordo de que não fazer


isso seria apenas cruel. Demorou um pouco, ou talvez eu tenha notado
porque não tirei os olhos do celular, mas finalmente sua mensagem chegou.

Victoria: Que notícia maravilhosa! Eu estava tão preocupada. Graças a


Deus tudo se resolveu. Aqui está tudo bem. P.S.: Ella colocou nossos nomes
nos bebês, mesmo?

Comecei a digitar, mas acabei ligando. Precisava ouvir a voz dela,


isso sim. No primeiro toque, Victoria atendeu, e eu precisei sentar, porque
meu corpo arrepiou, a sensação foi boa.
— Amore mio.
— Grandalhão.
Não dissemos nada por alguns instantes. Até que eu soltei o fôlego, e
não me importei em parecer dependente dela, maldito carente.
— Sinto sua falta. — Fechei os olhos, relaxando um pouco. — Queria
ter você aqui comigo.
— Também sinto sua falta — ela revelou. — Mas eu sei que você vai
voltar assim que resolver tudo aí, não é?
— Claro, não duvide. — Sorri. — Vou dar uma olhada nos meus
negócios e esperar minha nonna chegar, então, volto para você.
Estranhei o suspiro de alívio que escutei vindo dela.
— O que foi? — Sentei-me ereto. — Converse comigo.
— Não sei, é que… — Podia jurar que ela estava titubeando. — Você
está em Londres e… aí… tudo. — Ela parou e pude ouvir como soltava o
fôlego. — Não é da minha conta.
— Victoria, não vá por esse caminho. — Baixei o tom de voz para
algo mais íntimo. — Eu te amo, não precisa se preocupar. Tão logo acabe o
que preciso fazer, irei para você.
— Tudo bem, eu… tudo bem.
— Pequena, eu sou seu. — Estiquei as pernas, relaxando um pouco
mais no sofá. — Eu estou na maternidade, não saí daqui desde que cheguei.
Os bebês nasceram pequenos, precisam de cuidados. Antonella é uma mãe
linda.
— Rocco, não vejo a hora de segurar nosso filho.
— Eu também. Acredita que não parei de pensar nisso? Em breve
seremos nós, sinto um frio na barriga só de pensar. — Ri baixinho. — Estou
divagando em como ele será. Eu acho que terá seus olhos. Porra, eu amo seus
olhos.
— E eu os seus. — Ela riu, aquecendo o meu coração.
O som da porta abrindo chamou minha atenção. Antonella entrou
sorrindo, a expressão radiante.
— É Victoria? — ela perguntou e eu acenei. — Deixe-me falar com
ela.
Entreguei o celular e, apesar das recomendações de que não deveria
conversar, minha irmã estava satisfeita em desobedecê-las.
— Que saudade de você. — Minha irmã segurou o riso. — Eu não
posso rir, Victoria, mas como evitar com esse tipo de pergunta? Não passei
por isso, meu parto foi cesariana, mas eu queria como você.
— Queria o quê? — perguntei, curioso.
— Meu irmão está aqui querendo ouvir a conversa. — Antonella
revirou os olhos. — Eu tinha planos, sim. Acho que seria incrível, mas o
importante é que meus filhos estão bem. Victoria, são lindos, eu estou
apaixonada demais.
— Planos de que, Antonella? — Cruzei os braços e pude ouvir a
risada de Victoria do outro lado da linha.
— Vê? Eu não tenho um minuto de paz com ele — ela disse e eu
bufei.
Eu só estava curioso.
— Vocês estão falando de mim? — Aproximei-me, querendo espiar a
conversa.
— Irmão, a gente sempre fala de você. — Estreitei os olhos, mas, na
verdade, eu estava feliz pelo sentimento de paz que vê-las tão bem me
proporcionava. — Sim, é verdade, Connor e eu escolhemos os nomes de
vocês. Te amo, minha amiga, não esquece disso. Agora deixa eu ir, estou
começando a sentir cólicas.
Antonella me entregou o telefone, e eu saí do quarto para que ela
pudesse descansar.
— Sobre quais planos você e minha irmã falavam, amore mio? — Foi
a primeira coisa que perguntei e, em vez de responder, Victoria riu.
— Grandalhão, não seja curioso.
— Você sabe que eu sou, diga-me. Per favore?
Um curto silêncio se seguiu, então ela disse algo que me deixou
totalmente desconcertado.
— Eu quero ter o nosso filho em casa.
— O quê?
Tentei não soar em pânico, com certeza minha mulher estava
brincando comigo. Ela não queria ter nosso filho em casa, não é?
Não é?
Rocco

Acordei com a voz de Antonella me chamando, sentei no sofá. O


corpo todo quebrado.
— Fratello, vá para casa.
Respirei fundo, movendo o pescoço de um lado para o outro.
— Porra. — Tentei esticar o corpo quando fiquei em pé, mas estava
dolorido. — Sofá pequeno. — Olhei para Connor, ele estava dormindo
confortavelmente na cama do acompanhante. — Eu quem deveria ficar com a
cama, sou maior. — Aproximei-me da minha irmã. — Como se sente?
— Como se tivesse sido cortada e depois costurada. — Se não fosse o
sorriso enorme, eu ficaria preocupado. — Estou bem, mas você, não. Não te
vi sair para comer, e ia dormir aqui todo encolhido nesse sofá de dois lugares
que mal cabem as suas pernas. Rocco, vá para casa descansar.
— Eu comi um sanduíche. — Esfreguei o rosto. — Tem certeza? Eu
queria ficar aqui um pouco mais, não quero ir para o apartamento e ficar
sozinho lá.
— Eu não estava falando para você ir para o seu apartamento, e sim
para a casa da mamma. — Ela estendeu a mão e eu a peguei. — Estou muito
feliz que esteja aqui, mas, por favor, descanse. Creio que o dia será mais
tranquilo amanhã, e que eu poderei ficar mais tempo com os gêmeos.
— Você se importaria se eu não ficasse o dia todo amanhã? Estou
pensando em ver como andam as coisas na empresa.
— Tudo bem. Eu quero mesmo que você descanse, então se quiser vir
no horário de visita, não tem problema.
— Então eu voltarei mais tarde, acho que a mamma vai querer passar
o dia com você.
— Será ótimo, assim Connor vai descansar. — Ela olhou para o
marido. — Se eu não brigar, ele não descansa, e eu sei que, quando voltarmos
para casa, a verdadeira maratona vai começar.
— Estou ansioso para a minha começar, não vejo a hora de ter meu
filho comigo — falei baixinho e ela riu.
— Quando você ficar algumas noites sem dormir, vamos conversar de
novo.
Sorri, beijando sua testa e indo buscar minha bolsa. Por um momento,
questionei-me o que Antonella diria se soubesse que dormir se tornou algo
raro para mim. Que apenas nas vezes em que segurei Victoria nos braços a
paz consumiu a ansiedade e eu pude descansar. O que ela diria se soubesse
que eu convivia com malditos pesadelos que me impediam de seguir em
frente?
Será que lá no fundo eu tinha medo de errar de novo?
— Não. — Sacudi a cabeça, não permitindo mais uma
autossabotagem.
Eu fui o responsável por me colocar em situações de merda, então,
também seria eu a me tirar delas. Se tinha que fazer autoanálise para
consertar o que estivesse errado, então faria sem problema algum.
Ao sair da maternidade, o frio que me saudou fez-me tremer. Eram
onze da noite e o clima estava gelado. Soprei as mãos, satisfeito por Murdoch
não demorar em ir buscar o carro.
— Para a casa da minha mãe — avisei, e ele arrancou. — Caralho,
estou congelando.
— Senhor, se me permite dizer, suas roupas não são adequadas para o
frio de Londres, está fazendo seis graus.
— No Brasil, eu mal suportava estar vestido — rosnei. — Eu esqueci
que aqui a história é bem diferente, não trouxe casaco.
Levou cerca de vinte minutos para chegarmos e, quando eu entrei em
casa, fui recebido pela governanta.
— Antonella ligou, pedindo que eu preparasse uma refeição para o
senhor.
Ela me lançou um olhar ansioso, sabia que estava vendo um homem
diferente daquele com quem ela conviveu por anos.
— Grazie, vou tomar uma ducha e descerei em breve.
— Não quer que eu leve para o senhor?
— Não, eu irei comer na cozinha. — Sua expressão era confusa
quando a deixei.
Fui para o meu antigo quarto e não me surpreendi por encontrar tudo
igual. Olhei ao redor, sentindo-me estranho, um pouco deslocado. Quando saí
daqui foi para viver com Victoria, agora, voltando, parecia que eu não a tinha
mais.
— Porra! — Sentei na cama, largando a bolsa no chão.
Respirei fundo, não permitindo que as dúvidas me rodeassem.
Victoria era assertiva em suas decisões, ela não me daria esperanças para
rejeitar-me. Não importava se sua avó tinha planos de casá-la com Carlos,
amore mio jamais aceitaria um absurdo desses.
— Mesmo eu não estando lá. — Franzi o cenho.
Talvez Antonietta usasse isso a seu favor.
— Não, não pense nisso. — Levantei, arrancando as roupas e indo
direto para o banheiro.
Nem esperei a água esquentar, entrei com tudo sob o chuveiro e o frio
foi como um choque. Depois, aos poucos, me permiti respirar e aliviar a
sensação de angústia.
— Dio mio. — Fechei os olhos, deixando a água acariciar meu corpo.
Victoria tinha que perceber que eu havia mudado, e que nosso amor
valia a pena. Caso contrário, nada mais teria sentido para mim. Como eu ia
me recuperar de algo dessa magnitude?
Obriguei-me a não pensar nisso.
Terminei o banho e me vesti com um moletom folgado. Depois fui
para a cozinha, a barriga doendo de fome. O cheiro da comida me deu água
na boca, e eu mal tive tempo de sentar na bancada antes de ser servido com
uma generosa porção de batatas e carne.
— Eu fiz para o jantar, então, apenas esquentei — a governanta falou.
— Você quer vinho, ou suco?
— Vinho.
Devorei o prato e, só então, pude perceber que senti saudade de casa e
da normalidade da minha vida. Se eu soubesse a mudança drástica que iria
sofrer, teria valorizado mais os momentos de paz e tranquilidade.
Claro que, sendo eu o causador de tanta desordem, eu culpava a mim
mesmo por estar na merda.
— Obrigado, estava delicioso. Por favor, vá dormir, eu termino aqui.
— Esperei que ela saísse, mas ficou parada, encarando-me como se eu fosse
algum alien. — O que foi?
— O senhor está dizendo que vai lavar a louça? Ou eu entendi errado?
— Não entendeu, vá se deitar.
— O que aconteceu no Brasil? — Notei sua curiosidade.
— Nada — Endureci a voz, e ela saiu apressada.
Talvez, eu estivesse protelando, porque não queria ir para o quarto e
dormir, mesmo estando cansado. Aqui não tinha a varanda que me permitiria
enxergar Victoria, tampouco a possibilidade de vê-la. Eu não queria ficar
sozinho. Antes, eu gostava disso, agora passei a odiar.
— Por isso o hospital e o sofá desconfortável pareciam tão atraentes.
Depois de deixar tudo arrumado na cozinha, arrastei-me para meu
quarto. Não pensei muito sobre a longa noite que teria, apenas permiti que
meu corpo desabasse e fiquei ali, olhando para o teto, com a mente em
branco.
O sono não veio, e só notei o passar das horas quando o som de
mensagem chegando me fez saltar da cama em busca do celular. Eram quatro
da manhã e minhas mãos tremiam quando peguei o aparelho.

Victoria: Oi.

Respirei fundo, sentando na cama. O alívio que aquele simples “oi”


me deu foi tanto que um sorriso bobo tomou meus lábios. Feliz, por ela ter
tomado a iniciativa, respondi:

Rocco: Acordada a essa hora?

Victoria: Sinto sua falta.

Fechei os olhos, tomado por um bom sentimento. Minha Victoria


estava voltando. Aos poucos, mais e mais daquela antiga garota doce eu
conseguia enxergar. O que eu mais queria na vida era que amore mio pudesse
ter tudo o que eu havia lhe tirado, sua autoconfiança, a fé nas pessoas, que
sempre julguei como fraqueza, mas que na verdade era algo precioso e que a
tornava mais forte do que eu jamais seria.

Rocco: Eu nem posso dizer o quanto gostaria de estar aí. Eu acabei de


chegar aqui em casa, mas já quero voltar para você.

Victoria: Queria que estivesse aqui.

Não pensei muito antes de solicitar uma chamada de vídeo. Ela


atendeu, e o sorriso que recebi foi como uma carícia suave e acalentadora.
— Amore mio, você deveria estar dormindo. — Deitei na cama,
enquanto encarava sua imagem na tela. — Olhe onde estou. — Mostrei o
quarto, e ela riu. — Os lençóis estão frios, eles querem você aqui.
— Eu não me faria de tímida, hoje está insuportável de tão quente.
Meu pai disse que estamos entrando em uma época de chuva e dias abafados.
Sinto-me cozinhando.
Balancei a cabeça, o clima no Rio de Janeiro variava. Sempre fui
muito acostumado ao clima frio e de inverno rigoroso da Europa, então, dias
infernais de sol escaldante eram péssimos. Enquanto eu estava lá, as chuvas
não serviram para amenizar a sensação de calor interno, para isso, me adaptei
na marra, esperando por dias mais frios.
— Você sente algum mal-estar? — Franzi a testa, nos livros de
gestantes dizia que o calor era um inimigo da pressão e que mulheres
grávidas realmente poderiam ter problemas.
— Bem, precisei ver minha obstetra hoje. — Observei que ela
desviou o olhar. — Eu senti um pouco de mal-estar.
— Amore mio. — Não escondi o quanto essa notícia me assustava,
porque, primeiro de tudo, eu não estava lá.
— Está tudo bem, foi somente um pouco de excesso de calor, mas
aproveitamos para fazer alguns exames. A minha anemia melhorou, e eu
ganhei peso.
O sorriso dela foi tão bonito que meu coração doeu. Era estranho
sentir coisas tão boas e ao mesmo tempo opressoras.
— Eu queria estar aí com você para acompanhá-la, perdoe-me, amore
mio.
— Rocco, não se preocupe, teremos várias chances para que você
esteja ao meu lado. — Ela sorriu. — Agora, preciso organizar o sono, isso
parece o mais difícil.
— Exatamente, é meia-noite aí, você deveria estar dormindo.
Ela me olhou por um momento e pareceu me avaliar.
— Você também…
— Bingo. — Deitei de lado, peguei um travesseiro para apoiar o
celular e ela fez o mesmo. — Dorme, amore mio.
— Você não vai desligar?
— Não.
Paramos de conversar, e eu percebi quando os olhos dela começaram
a pesar. Sorri, porque eu comecei a sentir o mesmo.

***

Mais tarde, quando acordei, a chamada havia sido encerrada, porém,


havia uma mensagem dizendo:

Victoria: Você é a melhor companhia para um sono compartilhado.


Descanse, resolva as coisas por aí e volte.

Comecei o dia me sentindo bem, então, os planos de ir à empresa


ficariam para mais tarde. Primeiro, eu veria minha irmã e sobrinhos. Se tudo
estivesse em ordem, eu poderia ir resolver meus outros assuntos. Antes de
sair de casa, tomei um longo banho, pretendia ir até o berçário. Vesti uma
blusa azul de mangas compridas e uma calça preta. Peguei um casaco e luvas.
O dia estava bem frio.
Fui direto para a maternidade. Estava louco para espiar os bebês só
mais um pouco. Quando cheguei, encontrei minha irmã preparando-se para
sair.
— Bom dia. — Beijei Antonella, e ela me parecia muito melhor.
Seus cabelos estavam presos em uma delicada trança, o rosto a meu
ver estava menos esgotado. Ela mantinha um sorriso radiante nos lábios.
— Nossa mãe veio cedo, ficou um tempo com os bebês e está
tentando ver se consegue marcar a viagem da nonna.
— Como você está se sentindo hoje?
Pergunta retórica, ela havia acabado de ter gêmeos, fez uma cirurgia e
ainda teve que passar por um enorme desgaste emocional por causa do susto.
— Estou bem. Um pouco dolorida, mas bem. — Sorriu. — Você
também parece que teve uma noite incrível.
— Pode-se dizer que sim. — Pisquei um olho e ela riu.
— Certeza que tem Victoria no meio, acertei? — Concordei, e ela
ergueu o punho para que eu batesse nele. — Muito bem, agora me diga, quer
me acompanhar até o berçário? Eu estou indo amamentar.
— Eu posso? — Não escondi que estava realmente ansioso.
— Claro que pode. — Minha irmã se animou, e poucos minutos
depois uma enfermeira chegou para levá-la.
— Onde está Connor? — perguntei, porque não o avistei em lugar
algum.
— Ele saiu pouco antes de você chegar. Eu sempre demoro quando
vou ao berçário, então, ele correu em casa para resolver algumas coisas. Os
pais dele estão vindo, amanhã isso aqui vai estar uma loucura.
Fiz careta.
— Tudo bem, eu te libero da visita amanhã. — Ela riu, como se
soubesse que eu ia me sentir deslocado.
As pessoas ainda tinham um olhar julgador, mesmo que eu pouco me
importasse. A questão era que eu vinha exercitando a paciência, então
precisava evitar gatilhos, que poderiam surgir em forma de perguntas
indiscretas.
— Dhynara, meu irmão vai ficar no lugar do meu marido —
Antonella avisou e a enfermeira concordou.
Fizemos todo o processo de higienização e entramos. Desta vez, não
fui direto para as incubadoras, mas para um lugar em que havia poltronas
confortáveis.
— Eu acho que o nosso menino está mais ansioso. — A enfermeira
riu e foi até o bebê. Quando voltou, notei que o pequenino estava agitado.
Observei Antonella expor o seio, o pequeno Rocco parecia sentir que
estava perto dela, pois fez uns barulhinhos de irritação, a boquinha minúscula
aberta, procurando.
— Sorella, segure-o com cuidado. — Não pude evitar dizer — Dio
mio, ele é tão pequenino.
— Rocco. — Minha irmã revirou os olhos. — Por terem nascido
antes do previsto, eles até que estão grandes. Aliás, sente-se e tire a camisa,
você vai aninhar Victoria.
— O quê? — Senti como se mergulhasse em uma piscina de gelo.
Dei alguns passos para trás, a minha intenção era apenas averiguar se
os bebês estavam bem, não segurá-los. Eu não tinha jeito nenhum para
segurar um bebê, muito menos um daquele tamanho.
— Fratello, aonde vai? — Havia um ar de riso em Antonella.
— Embora, claro. — Ergui as mãos. — Não posso segurá-la, olha o
tamanho das minhas mãos, eu nem sei segurar um bebê. Não, de jeito
nenhum que farei um absurdo desses.
— Rocco, não adianta fugir, em breve você vai segurar o seu filho.
Agora, senta na cadeira e tira a camisa.
Nunca imaginei que eu estaria tremendo por causa de uma criatura do
tamanho de uma boneca. Tenso, tirei a camisa e sentei na poltrona. Observei,
desconfiado, a enfermeira trazer Victoria.
— Antonella, eu não sei se isso é uma boa ideia.
— Não vou responder a isso. — Ela estava concentrada em acariciar o
rostinho do bebê que amamentava.
Cristo, ela ia me matar.
— Eu vou colocar ela em seu peito, e você irá segurá-la. —
Concordei, mal conseguindo respirar.
Travei a respiração quando Victoria foi depositada em cima de mim.
Ela fez um som que parecia de desagrado e, com a ajuda da enfermeira,
posicionei minhas mãos para segurar a bebê direito.
— Agora, incline para trás, deixe seu corpo apoiar na poltrona.
Fiz como ela falou, ainda tenso demais, com medo de machucar o
serzinho em meus braços.
— Rocco. — Olhei para Antonella, ela sorriu para mim. — Respire.
Ri baixinho e fiquei ali, desfrutando de segurar aquele pacote
minúsculo de amor. Ela era tão pequena, delicada, frágil. Todos os meus
instintos protetores estavam berrando em minha cabeça. Eu achava que
estava apaixonado, de novo.
Por um momento, fechei os olhos, tocando o nariz em sua cabeça, ela
reclamou, e eu ri, encantado. O cheiro dela era tão bom, a sensação de poder
segurá-la nos braços, a filha da minha irmã mexia com as cordas do meu
coração.
Agora, mais do que nunca, eu queria segurar meu próprio filho e
poder sussurrar para ele todas as palavras de amor que eu conhecia. Eu
achava que esse seria o ápice da minha felicidade.
Rápido demais para o meu gosto, Antonella me chamou.
— Rocco, vamos trocar, preciso alimentar Victoria.
De fato, a bebê estava procurando em mim o que apenas sua mãe
possuía. Inclusive, estava demonstrando sinais de irritação, pois não parava
de fazer barulhinhos, como se estivesse reclamando.
— Ela está com fome.
Victoria foi retirada dos meus braços e levada para Antonella, logo,
eu estava com Rocco nos braços, e ele parecia mais pesado que sua irmã.
— Ajude-o a arrotar. — Prestei atenção em como se fazia e comecei a
dar suaves batidinhas nas costas do bebê.
— Por que eu tenho que ficar sem camisa? — Era uma pergunta que
deveria ter feito antes.
— Bebês que não podem ir direto para o contato com a mãe precisam
disso — Antonella respondeu. — Os meus filhos estão bem, mas estamos
seguindo todos os protocolos, por causa do estresse do parto e do tempo. É
precaução, para evitar qualquer tipo de problema no futuro.
— Este contato transmite afeto, calor e segurança — a enfermeira
completou. — Quando o bebê nasce em condições perfeitas, deve ter contato
direto com a mãe, mas no caso de sua irmã foi diferente. Somente após os
bebês serem aprovados no teste de Apgar[3] e de vermos que, apesar de terem
sido submetidos a um parto antecipado, as notas de ambos estavam
compatíveis com o esperado, demos prosseguimento ao contato entre mãe e
filho.
Quando retornasse ao Brasil, eu ia voltar a ler sobre tudo isso.
Precisava estar preparado para cuidar do meu filho junto com Victoria, para
tanto, não queria parecer tão desesperado com cada aspecto do nascimento
dele.
— Você vai à empresa, Rocco? — Antonella perguntou, assim que
ficamos a sós.
— Sim, quando sair daqui, farei uma visita. — Sorri, amando o cheiro
do bebê. — Vou deixar saberem que não estou morto.
— Nunca pensei que alguma coisa pudesse te tirar do seu vício em
trabalho. — Revirei os olhos. — Sério, eu vou parabenizar Victoria por mais
uma conquista.
— Eu não trabalhava tanto assim.
— Fratello, não seja um mentiroso descarado.
Ri baixinho, Antonella tinha toda a razão, eu era um workaholic
inveterado. Não me importava de passar o dia todo na empresa, e às vezes até
dormir no apartamento contíguo.
— Antes eu considerava que minha vida estava toda ali, e me dedicar
à corporação Masari nunca foi sacrifício. Eu amo todos os aspectos da vida
de empresário. — Pensei por um momento. — Quando eu imaginava que
queria mais, sempre acreditei que fosse na questão profissional, mas apenas
ao conhecer Victoria eu percebi que não.
— Eu estou tão feliz porque você está construindo uma família,
Rocco. — Havia um brilho nos olhos da minha irmã que eu não soube
interpretar. — Eu me preocupava muito com você e com a vida que levava.
Quando eu queria conversar, você nunca dava brecha, e isso só te distanciava
de mim, de nós.
Fiz silêncio, enquanto avaliava o que ela acabara de dizer. Era a mais
absoluta verdade. Eu não deixava ninguém chegar muito perto, mesmo
sabendo que minha mãe e irmã amavam-me, eu as mantinha a um braço de
distância, não queria saber das preocupações delas acerca da minha vida.
— Eu mudei e espero nunca mais voltar a ser o Rocco de antes.
— Não permita que isso aconteça, todos nós te amamos, mas este
Rocco aberto, que não esconde o que sente, é humano, e isso faz com que eu
sinta que posso dizer tudo a ele.
— Você sempre pôde, sorella.
— Não, Rocco. Você era assustador e, apesar de querer muito te dizer
que você estava se destruindo, nunca tive coragem. — Suspirou. — Agora
você é acessível, e isso é maravilhoso.
Os bebês reclamaram e nós fizemos silêncio. Rocco fez um som que
pareceu um arroto, depois ficou quietinho, deixando-me desfrutar da
perfeição que ele era. Admito, estava apaixonado pelos meus sobrinhos, e
não queria ir embora.
No entanto, não era como se eu pudesse concretar-me ali e exigir ficar
com eles. A contra gosto, acompanhei minha irmã de volta ao quarto, pelo
que eu soube, logo mais ela voltaria para uma segunda rodada.
— Eu vou ficar fazendo esse tour a cada pouco tempo, mas Connor
vai comigo, e depois a mamma — ela disse quando fiz cara feia. — Não seja
egoísta.
— Só porque quero ficar um pouquinho com meus sobrinhos não quer
dizer que eu seja egoísta. — Cruzei os braços. — Vou roubá-los para mim.
Antonella riu, depois gemeu, segurando a barriga, e eu quis me chutar
por provocar-lhe.
— Certo, quando tiverem por volta de um ano, eu te empresto eles por
um final de semana. Creio que seu filho vai estar em uma fase ótima, não vou
aceitar ligações desesperadas em busca de socorro.
— Como se eu não pudesse cuidar de três crianças.
— Não subestime a energia de uma criança, meu filho. — Nossa
mamma estava no quarto quando chegamos, o marido de Antonella também.
— Você quer almoçar comigo?
Aceitei e fomos a um restaurante ali perto. Enquanto almoçávamos,
ela não perguntou quando eu ia voltar para o Brasil, somente deixou claro
que me apoiava em qualquer decisão.
— Sua nonna disse que não precisa enviar seu jatinho. — Olhei para
minha mãe e ela entendeu minha confusão. — Ela disse que vem com o dela.
Não me surpreendi, a minha nonna sempre foi independente e nunca
gostou de pedir nada, sempre fez tudo do jeito dela. Meu pai tinha muito a
quem puxar e eu também.
— Eu não sabia que ela tinha comprado um.
— Comprou, sua desculpa para essa extravagância foi: quero viajar e
não vou ficar pedindo nada a ninguém.
Balancei a cabeça, essa era a minha nonna.
Quando saímos do restaurante, minha mãe avisou que ia voltar para
junto de Antonella. Eu a levei para a maternidade, mas não saí do carro.
— Vou direto para a empresa, depois encontrarei os rapazes. Não me
espere para o jantar.
— Cuidado, filho.
— Deixa comigo. — Pisquei um olho, observando-a entrar no
hospital.
— Empresa, senhor?
— Sim, Murdoch.
Sem esforço algum, voltei ao modo empresário. Finalmente estava em
meu elemento, e ali eu sabia dominar cada aspecto, até porque as surpresas
que surgiam excitavam-me, e eu estava precisando de um pouco dessa
agitação.
Quando cheguei em frente ao arranha-céu, dei uma boa olhada em sua
imponência. Lembrei-me do quão duro trabalhei para hoje poder me dar ao
luxo de estar dedicando-me somente a minha vida privada.
Sacudi os ombros, ansioso para o que eu iria encontrar.
Rocco

Quando entrei no hall da minha empresa, todos olharam para mim


como se eu fosse uma assombração. Logo um burburinho começou e isso já
ligou o meu alerta de problemas.
Naquele horário, a rotatividade na recepção era enorme, porque todos
estavam saindo ou chegando do almoço, mas não era esse o problema, e sim
a energia do ambiente, que parecia sombria demais, em total desarranjo.
Atento a tudo, segui direto para os elevadores, rumo ao andar da presidência.
Confesso que esperava encontrar uma Betty tranquila, mas não, ela
estava ao telefone e parecia assustada com o que ouvia, a julgar pela sua
expressão chocada.
— Nathalia, por favor, isso é muito sério, tem certeza? — Eu podia
ouvir a ansiedade em sua voz. — Isso vai causar um problema aqui. Meu
Deus, o chefe não vai gostar nada.
Inclinei a cabeça, tentando entender o que diabos estava acontecendo.
— Certo, eu vou avisar ao senhor Savage, ele vai resolver.
O assunto devia ser sério, Betty nunca fora desatenta, e ela ainda não
tinha percebido que eu estava ali. Parecia tão absorta na conversa, que eu
continuava sendo ignorado. Esperei, paciente, até ela desligar o telefone e
soltar um profundo suspiro.
— Deus, que confusão.
— Do que você está falando, Betty? — perguntei, com um tom de voz
calmo.
Ela pulou da cadeira como se eu estar ali a assustasse.
— Senhor, não sabia que viria hoje.
— Não avisei. — Estreitei os olhos, percebendo que ela estava muito
nervosa. — O que está acontecendo aqui, Betty?
Ela começou a arrumar os papéis que já estavam impecáveis na sua
mesa, depois torceu as mãos, não conseguia me encarar. Isso já me dizia
muita coisa.
— Na minha sala, agora.
Não bati na porta, mas quando entrei, estava vazia. William devia ter
saído, ou hoje não tinha vindo. Em todo caso, não tinha importância. Recostei
na mesa, em uma pose enganosamente relaxada.
— Comece a falar.
Ela estava muito nervosa, isso estava bem claro. Por isso, não a
pressionei, apesar da minha impaciência em saber logo do que se tratava.
— Não sei por onde começar.
— Betty, você sabe como eu gosto de trabalhar, você me conhece
muito bem e eu confio em você. Apenas diga qual é o problema e iremos
resolver.
— Tudo bem. — Ela olhou ao redor. — Posso me sentar?
— Claro, por favor. — Indiquei a cadeira em frente a minha mesa.
Para não intimidá-la, sentei. Não queria que ela ficasse mais agitada
do que estava. Ela começou a gaguejar, enrolada na conversa, falando sobre
banheiros femininos. Eu não entendi nada.
— Betty, calma, você precisa respirar e pensar no que vai falar.
Ela parou e respirou fundo, depois sacudiu os ombros e recomeçou.
— Eu estava no banheiro feminino e ouvi uma conversa que me
preocupou.
— Muito bem, continue. — Inclinei-me, atento ao que ela dizia.
— Duas secretárias falavam sobre a insatisfação de alguns membros
da diretoria desde a chegada do senhor Savage. — Ela ajeitou os óculos. — O
jeito com que elas falavam me incomodou, então eu comecei a questionar,
separadamente, algumas secretárias. Descobri que estão organizando uma
reunião em caráter extraordinário para conversar sobre a retirada do senhor
Savage da presidência.
— Isso é sério? — Apesar do nervosismo dela, eu quis rir.
— Sim, eles pretendem destituir o senhor Savage e votar em um deles
para a presidência interina.
— Interessante. — Cocei o queixo, recostando-me na cadeira. —
Continue.
— Os membros da diretoria estão insatisfeitos porque o senhor
Savage é mais exigente que o senhor, e não tem problema em apontar os
erros da maioria deles. Nós sempre estávamos em reunião porque o senhor
Savage não deixava passar nenhuma falha.
— Ele está correto, eu deixei que relaxassem por algum tempo. Foi
um erro.
— Senhor Masari, as pessoas estão com medo, não conseguem
encarar o senhor Savage, porque ele é muito intimidante.
— Você tem problema com ele, Betty? — Sondei. William era bem
difícil de lidar e, quando queria, poderia ser insuportável.
— Não, nenhum problema. Eu não preciso que ele me diga as minhas
obrigações, sei o que devo fazer e sempre mantenho tudo em ordem. A
questão é que as mudanças que o senhor Savage fez mexeram com a rotina de
gente importante, e eles não estão gostando.
Ri baixinho, não surpreso ao saber que William havia tirado todo
mundo da zona de conforto.
— Então, pelo que entendi, estão pretendendo tirar William da
presidência sem me comunicar? — Ela acenou. — E quando isso iria
acontecer, você sabe?
— Hoje, senhor. — Ela olhou o relógio. — Daqui a duas horas.
— Interessante.
— Antes que eu esqueça, Anna e Judith não estão de acordo com essa
situação. — Betty respirou fundo. — Nathalia estava me dizendo, ao
telefone, que o plano é deixá-las de lado. Porque o voto delas não iria mudar
o resultado final.
— Okay, Betty. Você vai avisar para Anna e Judith sobre a reunião.
Prepare tudo como normalmente faz e deixe o resto comigo. — Ela levantou.
— Mais uma coisa, William já veio aqui hoje?
— Não, senhor, mas ligou avisando que chegaria às duas.
Olhei o relógio, estava perto. E seria antes da tal reunião.
— Perfeito, Betty. Obrigado por se manter tão atenta.
— É meu trabalho. — Ela foi até a porta, mas parou e disse: — Estão
pretendendo fechar as creches, ainda bem que o senhor voltou.
Betty fechou a porta sem fazer barulho, e eu gostei de que, no meu
retorno, já tivesse um problema para resolver.
Eles queriam mudar as minhas regras aproveitando-se da minha
ausência.
— Vamos ver o que vai acontecer agora. — Girei na cadeira,
admirando a minha vista da cidade. — Queriam dar um golpe. — Balancei a
cabeça.
Tolos, tolos…

***
Faltava pouco mais de uma hora para a tal reunião extraordinária
começar, eu estava quieto, esperando. Ainda me surpreendia o nível de
coragem de alguns diretores, e eu realmente gostaria de entender a motivação
por trás desse motim. Não era somente porque William havia acabado com o
comodismo, havia mais.
Era sempre assim.
O som da porta abrindo chamou minha atenção, depois a voz de
Dimitri me trouxe a sensação de velhos tempos, de normalidade.
— Até que enfim, você trouxe sua bunda até aqui. — Ele me abraçou.
— Como vai a missão? Estamos okay, ou fodidos?
— Okay e fodidos. — Ri de sua careta.
— Então, Victoria não está facilitando? — Balancei a cabeça, apenas
para ouvir o bastardo gargalhar. — Essa é a minha garota. Está fazendo você
sofrer e rastejar, como manda o figurino.
— O suficiente. — Cruzei os braços, recostando na mesa. — Mas eu
confesso que adoro cada pequeno avanço.
— E a gravidez? — Dimitri foi até bar.
— São duas da tarde, você vai beber?
— Você quer? — perguntou, antes de servir uma dose de vodca. —
Está frio, e eu deveria estar em casa hoje, mas não, estou aqui cuidando das
suas coisas. Eu sou um amigo do caralho, admita que sou mais importante
que William.
— E isso é uma competição?
— Claro que é.
Não pude evitar a diversão, Dimitri não batia muito bem da cabeça,
mas eu amava esse bastardo.
— Saudade dessa sua loucura.
— Louco, eu? — Dimitri me olhou com falso ultraje. — Você precisa
ver William, aquele ali sim está louco.
— O que houve?
— Não sei exatamente. — Meu amigo pareceu pensativo. — Um
sócio do pai dele ressurgiu das cinzas para reaver antigas alianças. Pelo que
ele me disse, trata-se de um figurão das Terras Altas da Escócia.
— E por que exatamente isso seria ruim?
— Muito simples: o velho tem uma neta e William está solteiro.
Dimitri não precisou dizer mais nada, compreendi o cerne da questão.
O Conde já havia deixado muito claro que nunca se casaria, eu sabia que ele
deveria estar realmente puto por alguém estar pensando em acomodá-lo.
— Rocco, William está cada vez pior. — Ele girou o dedo ao lado da
cabeça. — O Conde está louco, perturbado mesmo.
— Por causa de uma proposta de casamento? É só ele recusar.
Eu não conseguia ver o problema. William não era e nunca seria do
tipo que fazia algo por que estava sendo pressionado. Isso não funcionava
com o meu amigo. Desde que o conheci, notei que nunca gostou de ser
colocado contra a parede, pois sempre tendia a atitudes inesperadas.
A porta se abriu, e desta vez um William puto entrou.
— Ah, chegou o perturbado.
— Vai se foder, caralho!
— Nossa, que amor. — Dimitri levou uma mão ao peito. — Feriu
meus sentimentos.
William largou-se no sofá e apoiou a cabeça no encosto. O profundo
suspiro que deu deixou-me preocupado. O Conde parecia cansado.
— Como está Victoria?
— Ela está bem. — Aproximei-me. — E você?
— Irritado, nervoso, puto. — Não se deu ao trabalho de me olhar. —
Não aguento mais Carvershan me empurrando a neta dele. — Havia raiva e
um toque de revolta em seu tom de voz. — Eu por acaso sou uma
mercadoria? Pareço estar à venda?
O assunto era sério, mas Dimitri, filho da puta como era, apenas
desconsiderou isso e começou a provocar.
— Assim, com essa cara bonita, se Rocco e eu te colocarmos no site
de leilões — Não pude evitar a vontade de rir, o olhar de William era
assassino, mas não o suficiente para parar Dimitri e sua língua afiada —,
poderíamos ganhar uma grana. Veja a descrição: produto pouco usado,
resistente à queda e à prova d’água, se procurar, acho até que dá corda.
O Conde levantou num rompante e partiu para cima de Dimitri, que
fugiu, segurando o copo de vodka pela metade.
— Eu desisto de você, Dimitri. Francamente, você não bate bem da
cabeça.
— O perturbado não sou eu — rebateu, e eu apenas os observei,
parecendo duas crianças se provocando.
Dio mio, como eu senti falta desses dois.
— Tudo bem, crianças, vamos focar nos problemas. — Bati as mãos
juntas. — Soube de algo que vai interessar a vocês.
Ambos pararam as brincadeiras e prestaram atenção. Contei tudo o
que Betty havia me passado, William ouviu atento, de vez em quando dava
de ombros, demonstrando nada mais que seu usual desinteresse.
— Rocco, tem quatro diretores que nem deveriam estar aqui. São
inúteis, preguiçosos e arrogantes sem ao menos terem condições para isso. —
William cruzou os braços. — Eu peguei pesado com eles porque não tenho
paciência para incompetência, certamente deve ser esse o motivo de
quererem minha saída.
Ouvi atentamente tudo o que William relatou sobre as últimas
semanas. Ele citou os nomes dos causadores de problema. Antes eu estava
pensando em tomar medidas drásticas, mas agora essa era uma certeza.
Uma batida na porta soou e logo em seguida Betty colocou a cabeça
dentro da sala.
— Estão se organizando para começar, eu devo ir, ou espero?
— Pode ir, eu irei em seguida. — Quando ela saiu, falei para meus
amigos: — Esses idiotas almejam a presidência, mas só conseguirão chegar
ao olho da rua.
Esperei dez minutos e fui em direção à sala de reuniões. William e
Dimitri ao meu lado. Ainda no corredor, pude notar que os ânimos estavam
agitados e isso só tornava tudo melhor.
Antes de entrar na sala, ouvi:
— O senhor Masari está mais preocupado com sua vida pessoal.
Todos nós perdemos com sua negligência. — Olhei para Dimitri, ele estava
com cara de poucos amigos, já William parecia entediado.
Empurrei a porta e o silêncio reinou. Satisfeito, fui até a cadeira da
presidência e me sentei. Os meus amigos ocuparam seus lugares ao meu lado.
Eu não disse nada, esperando que continuassem, mas já sabia que a grande
maioria era adepta da covardia.
— Por favor, continue — incentivei. — Quero participar dessa
reunião que tem por objetivo anular ordens minhas.
— Senhor Masari… — James, um diretor com dez anos de empresa,
foi o primeiro a falar. — Nós apenas estamos tentando encontrar uma solução
que seja benéfica para todos.
— Indo contra minhas ordens? — Inclinei-me um pouco. — Diga-me,
no seu plano, a parte em que eu ficaria sabendo está onde?
— Bem, nós pretendíamos mostrar resultados primeiro.
— Nós quem? — Mantive minha voz calma, modulada. Não estava
dando nenhum sinal de que ele e seu grupo problematizador estavam apenas
esquentando a cadeira.
— Eu, Sanderson… — Apontou para mais dois diretores.
— Okay, estão todos demitidos. — Levantei da cadeira. — Eu acho
que vocês têm uma memória muito ruim. Primeiro, eu abomino que planejem
coisas às minhas costas, segundo, abomino que isso afete diretamente ordens
minhas. Desde quando essa empresa deixou de me pertencer? Eu criei este
conselho para dar certa liberdade, para que pudéssemos trabalhar o coletivo.
— Ergui um dedo quando Sanderson abriu a boca para falar — Soube que
querem fechar as creches, de novo.
— Senhor, se reduzirmos os custos…
— Corte os custos na sua casa, não na porra da minha empresa. Eu —
Apontei o dedo para mim mesmo e respirei fundo, porque estava perdendo a
compostura — sei o que é melhor para a empresa que eu levei ao topo. Você
subestimou a minha inteligência, acha mesmo que eu confiaria uma
corporação deste tamanho para um cara que não consegue entregar a porra de
seus relatórios no prazo?
Esperei que dissessem algo, qualquer coisa, mas não, o silêncio se
perpetuou.
— Vocês estavam acomodados, agora podem fazer isso em casa. —
Levantei. — Quem não estiver satisfeito está convidado a se retirar. Não vou
tolerar outro motim, para tanto, estou dissolvendo o conselho.
Os murmúrios explodiram ao redor. O benefício de ser detentor
integral da empresa era que, em momentos como esse, eu não precisava de
autorização. Enquanto que na minha vida pessoal eu não tinha controle
algum, ali dentro, a minha palavra era lei.
Saí da sala, sem esperar respostas. Não era uma discussão, e sim um
comunicado.
— Rápido e eficaz, como arrancar um curativo — Dimitri falou
quando voltamos para minha sala. — Preciso beber.
Peguei a garrafa e me permiti desabar no sofá, meus amigos fizeram o
mesmo. Nem me lembro da última vez que bebi com eles, sem me preocupar
com o rumo da minha vida.
— Vocês querem? — Ofereci a garrafa após tomar um longo gole.
— Quero. — Estendi a garrafa e Dimitri a pegou.
— Não vai perguntar onde eu estava com a boca?
— No máximo em uma boceta, mas como seu status atual é
domesticado, então não tem problema. — Dimitri deu um generoso gole. —
Ainda é cedo, não deveríamos beber. — Sorriu, tomando mais um pouco.
— Você é escroto sabia?
— Pelo menos não tenho essa cara de desespero. — Apontou para
mim com a garrafa. — Senhor Masari, você está feio.
— Eu não tenho cara de desespero.
— Tem, e ele — Apontou para William — está com cara de
psicopata. É, de fato, meu amigo está perturbado.
— Eu vou arrebentar a sua cara — o Conde rosnou baixinho.
— Então, você vai aceitar se casar com a neta do escocês? Como é o
nome dela mesmo?
— Não sei, e não me importa. — William pegou a garrafa. — Não me
casarei nunca.
— Vamos, é melhor irmos para o apartamento contíguo. — Levantei,
e eles me seguiram.
— Aliás, ótima ideia. Irei copiar — o Conde falou assim que
entramos.
— A cama é minha, estou exausto, trabalhando doze horas por dia. —
Dimitri afrouxou a gravata. — Mas vamos encher a cara primeiro.
Antes de começar, avisei a Betty que não passasse nenhuma ligação.
O dia para nós estava encerrado. Três horas antes do expediente.
Dio…
— Eu estava com saudades de vocês — revelei, quando o terceiro
gole de vodka desceu mais suave.
— Pronto, começou. — Dinka sacudiu a cabeça. — O que tem para
comer aqui?
— Não sei, eu só quero cair de porre. — William suspirou. — Estou
cansado.
— Então vamos beber muito? — Dinka pareceu bem animado.
— Com toda certeza do mundo — eu e o Conde respondemos juntos.
Com sorte, se me ocupasse bem, os dias passariam mais rápido.
Rocco

Em algum momento entre um gole e outro, a sala começou a girar.


William estava de frente para mim e já havia retirado a gravata e aberto os
primeiros botões da camisa. Dimitri havia feito o mesmo.
Eu não sabia há quanto tempo estávamos bebendo, desfrutando de um
silêncio confortável, mas talvez não fosse muito, já que eu ainda podia avistar
a claridade do lado de fora.
Por um instante, tentei levantar e ir procurar algo para comer, mas a
ideia foi ridícula, porque simplesmente não consegui ficar em pé.
— Porra. — Deixei-me cair no chão de novo, meus olhos estavam
pesados, eu não fazia ideia da quantidade de álcool que bebemos, mas, a
julgar pelas duas garrafas vazias, foi muito.
— São quatro e meia da tarde. — A voz de Dimitri não parecia
estranha ou embolada. — Você não deveria beber tão rápido, qual o seu
problema?
Dentre tantos, qual ele gostaria de saber?
— Fica na sua. — Apontei o dedo, e ele, ao invés de se incomodar,
apenas riu, dando atenção à garrafa em suas mãos.
— Você vê? Eu sou o único que te trata bem, pequena bruxa.
Talvez eu estivesse bêbado e o fato de Dimitri estar paquerando a
garrafa fosse coisa da minha cabeça. Mas o bastardo estava chamando-a
como costumava se referir à Lara. Deus, com certeza eu não era o único com
problemas. Tentei focar a visão em William, e apesar de vê-lo um pouco
embaçado, percebi que estava de cabeça baixa, olhando para suas mãos.
— Como você consegue, Conde? — indaguei, não estava preocupado
com filtros, traumas, ou algo parecido.
Queria conversar sobre os tabus, coisa que em dias normais não
faríamos.
— Consigo o quê? — Ele cruzou os braços, olhando-me fixamente.
— Eu não consigo lidar com o que fiz. — Engoli em seco, porque
falar sobre aquele assunto parecia fazer com que a bebida evaporasse. E eu
me tornava consciente de tudo, não havia aquele enganoso entorpecimento.
— Quero dizer, quando eu penso em tudo que poderia ter acontecido. —
Esfreguei o peito, sentindo o coração acelerar e as mãos tremerem. Na boca,
o gosto amargo da bebida, ou talvez fosse do remorso. — Como você
consegue lidar com seu erro William?
Talvez ele pudesse me dizer, porque mesmo voltando a estar bem
com Victoria, eu tinha medo de magoá-la com qualquer coisa, e isso minava
minha confiança de que era o homem ideal para ela. Neste momento, eu não
julgava o amor que sentia, porque esse era incalculável, mas, se eu fechasse
os olhos, voltaria ao momento em que a perdi e não conseguiria parar de
sentir tudo de novo. O mesmo ódio de mim, da minha estupidez.
Essa era minha penitência. Reviver sua morte dia após dia.
— Eu não consigo, Rocco. — A resposta do Conde foi dolorida, pude
sentir. — Apenas me adaptei a conviver com a culpa e com o desprezo que
sinto por mim. — Ele respirou fundo. — Chega um tempo em que você se
torna alimento para a sua própria dor, e é nesse ponto que o sofrimento fica
ainda mais insuportável.
Um pesado silêncio se instalou. Eu não sabia o que dizer por que
desejava ardentemente superar o medo do que quase aconteceu, avançar
sobre essa questão e ser feliz com a minha mulher e nossa família.
— William, se você tivesse uma chance de ter a sua mulher de volta,
o que faria? — Dimitri perguntou, e eu prestei atenção, porque também
gostaria de saber a resposta.
O Conde deu um meio-sorriso. Havia tanto saudosismo que senti o
meu peito doer. Ele parecia imaginar sua garota, e gostava muito do que
estava vendo. Mas, infelizmente, para ele, encontrá-la era impossível.
Pelo menos nesta vida.
— Não haveria nada com poder suficiente para me afastar dela. —
Sua voz soou determinante. — Eu faria de tudo para consegui-la, iria até as
últimas consequências, e no resultado final, ela seria minha.
O Conde era o tipo de pessoa firme em suas decisões, traço este que
reconheci desde os primeiros meses convivendo com ele na universidade.
Depois, não havia remorsos quando ele precisava fazer coisas que poderiam
ser ilegais.
O acerto de contas entre mim e Gordon era algo que o Conde faria
apenas por diversão.
— E você, Dimitri, por que não admite logo que quer Lara? —
William revidou. E eu estava atento ao fluxo de conversa, curioso também.
Ao que parecia, estávamos em um momento para revelações e
sinceridade absoluta. Sem campo minado.
— Eu espero por alguém — confessou. — Não posso entregar meu
coração à Lara porque metade dele pertence à pessoa que salvou a minha
vida.
— Do que você está falando? — Não escondi a confusão, porque não
lembrava de já ter ouvido sobre isso.
— Eu sei, pode parecer loucura, mas quando eu estava vagando
naquele limbo de entorpecimento por causa dos remédios, pude sentir um
toque suave e ouvir uma voz doce me dizer que tudo ficaria bem, que estava
me dando uma parte de si como um presente. — Ele fechou os olhos, tocando
os lábios. — Ela me deu um beijo suave, havia amor. Porra, quero encontrá-
la primeiro.
— Dinka, você sabe que talvez nunca encontre essa pessoa. Os
registros de transplante são sigilosos se o doador preferir, e pelo que
sabemos, a pessoa que doou para você preferiu assim.
Tive cuidado ao dizer isso, não queria que soasse como uma
provocação, até porque, falar sobre a época em que ele ficou prestes a perder
a vida não era algo que gostávamos.
— Sei, mas nada me impede de continuar tentando.
— E Lara? — William a trouxe de volta. — Você corre o risco de
nunca encontrar a pessoa que te salvou, e enquanto não se decide, pode
perder Lara no processo. Vale a pena?
— Eu não sei. — Dimitri esfregou o cabelo. — Eu e Lara vivemos de
provocações, há uma enorme faísca entre nós, admito, mas eu já disse coisas
horríveis para ela com a clara intenção de a magoar, não sei se poderia
consertar isso.
— Peça perdão — falei, parecia o óbvio a se fazer.
— Não é tão simples. — Dimitri encostou a cabeça na parede e
fechou os olhos. — Eu espero pela minha doadora ao mesmo tempo em que
anseio por Lara, mas sei que uma é difícil de eu encontrar porque a busco há
muitos anos, então, se Lara me recusar, eu perderia as duas. E estaria acabado
para mim. — Ele sorriu e bebeu o que restava na garrafa. — Prefiro conviver
com nossas provocações a viver com a certeza de que ela não me quer e
perder tudo que tenho.
— Por que diz isso? — proferi, Dimitri não estava sendo coerente. —
Como pode saber, se não falar com ela?
— Porque é o que sinto. — Ele me olhou, havia medo e certa
desolação em seu rosto. — Eu sei que Lara não me quer. No máximo, ela
volta para casa porque minha mãe e Annya são a única família que ela tem,
não é por mim.
Pela primeira vez, em todos os anos que eu conhecia Dimitri, percebi
que ele estava inseguro. Isso foi em muitas partes chocante.
— Pelo menos ela continua voltando. — William balançou a cabeça.
— Você tem a chance de ser feliz com uma garota legal e você a ama, não
tenho dúvidas disso. Mas então, está preso a um desejo de encontrar uma
pessoa que nunca viu. Realmente, continuando assim você vai perder tudo e
viver de arrependimento, como eu.
— Conde… — falei com um tom de voz que pedia para que o assunto
fosse encerrado.
— Não, espere, deixe-me terminar. — William riu, mas foi uma
risada macabra, triste, carregada de mau sentimento. — Eu tenho para onde
voltar, atualmente, a mulher que eu amo está enterrada no cemitério
Highgate.
— William… — Dimitri tentou pará-lo.
Doía demais ver nosso amigo falar sobre sua perda, quando nós
tínhamos as nossas mulheres aqui. Eu estava remendando o que havia feito e
Dimitri se recusava a enxergar seus sentimentos, mas elas estavam aqui,
vivas e respirando.
— Na sua lápide, diz: Doce menina, adorada filha. — Ele ondeou a
mão. — A foto que está lá foi de uma época em que o sorriso dela poderia
iluminar um dia nublado. Você sabe o que eu daria para tê-la aqui, comigo?
Tudo o que tenho. A droga da minha vida, porque ela merecia sim viver, eu
não. — O Conde parecia ter aberto uma caixa que há muito tempo estava
trancada, e agora não conseguia parar de vomitar o que sentia. — Você,
Rocco, teve sorte e eu sei que está tentando recuperar sua mulher, enquanto
você, Dimitri, é um tolo que, por não ouvir o que seu coração diz, continua
perdendo tempo.
— Irmão, tudo bem… — Ergui as duas mãos, tentando acalmá-lo.
— Não está tudo bem. — William apontou para Dimitri, a voz
demonstrando que estava alterado. — Tempo era somente o que eu queria.
Para pedir perdão, dizer que o sentimento dela era correspondido, e que
mesmo sendo a porra de um pecado na época, eu a esperaria. Ela morreu me
odiando e, hoje, essa é a única certeza que tenho. Quer ser idiota? Seja, mas
depois não se arrependa. Um dia você vai ter que escolher por quem lutar:
sua ilusão ou Lara. Espero que quando se decidir não seja tarde demais.
— É diferente, William — Dimitri começou, mas calou-se. Não havia
como refutar tudo que o Conde havia dito.
— Não é, você tem tudo nas suas mãos. Qual o problema de ela não te
querer? Conquiste-a, mostre que vale a pena te dar uma chance. Eu não
consigo entender, como você pode rejeitar a oportunidade? Porra, eu vivo
implorando por uma chance, sabendo que jamais a terei.
— Sinto muito. — Dimitri esfregou o rosto. — Sinto de verdade.
— Como você recusa a chance de ser feliz? Caralho, eu só queria ser
amado, como Rocco é. — William apontou para mim. — Ter alguém para
voltar, minha família. Fazer coisas idiotas porque fariam a minha garota feliz,
e não me importar com o que dizem.
— Você pode, deixe a Isabela ir e recomece. — Dimitri teve coragem
de dizer algo que eu jamais teria, porque eu não sabia como seria a minha
vida se eu perdesse Victoria.
O mero pensamento causava-me agonia.
— Não posso dar a uma mulher o coração que não é meu. — Havia
tanta amargura na voz do Conde que me causou mal-estar. — E não seria
justo, qual mulher ficaria com um homem que ama outra? Deixe-me sozinho,
viverei com fragmentos do que vivi em um tempo antigo.
Não dava para dizer qualquer coisa que colocasse o diálogo em outra
direção. Nunca William iria aceitar alguém em sua vida, porque ele não se
imaginava com alguém.
— Quanto tempo você viveu com Isabela? — perguntei, e ele
suspirou.
Talvez querendo encerrar o assunto.
— Tempo suficiente.
Eu não sabia mais o que dizer, nem para o confortar nem para tentar
fazer com que ele começasse a enxergar outras possibilidades. E eu achava
que Dimitri também não, porque toda vez que William liberava um pouco de
sua dor, ela também nos consumia. Éramos uma família e estaríamos sempre
juntos, para o bem ou mal.
— Não posso desistir de encontrar a minha doadora. — Não me
surpreendi por perceber que havia paixão na voz de Dimitri. — Foi difícil
para mim, depois de lutar tanto para me tornar alguém, perceber que ia perder
tudo para uma droga de doença. Entregar os pontos foi o último ato que eu fiz
porque não suportava mais, não havia o que fazer. Então ela veio para mim,
salvou-me sem querer nada em troca. Não posso desistir dela também,
preciso encontrá-la.
Dimitri me olhou, e pela primeira vez não enxerguei o amigo
brincalhão, o que vi foi tristeza e muita frustração por causa de sua busca
infrutífera. Ele nunca nos contou sobre esse fato.
Será que eu era o único que não tinha segredos? questionei-me,
sentindo certa estranheza.
— Por que ela colocou aquele pedido de sigilo? Eu só sei que a
doadora era do sexo feminino, jovem e saudável. Por que ela não me
procurou? Ou me permitiu procurá-la? Todas as pistas não revelam nada, as
investigações estão barradas. — Ele respirou fundo, passando as duas mãos
nos cabelos. — Eu sinto saudade e a cada dia as sensações que ela me
provocou vão se apagando da minha memória. Sinto que a estou perdendo, e
porra, isso dói.
— Red, o caçador da equipe de Dark, é muito bom — falei. — Ele
encontrou a perseguidora e este assunto está resolvido — eu disse, antes que
perguntassem, quanto menos eles soubessem, melhor. — Ele pode encontrar
sua doadora.
— Rocco, eu já coloquei uma fortuna em jogo, por meios legais ou
não. — Ele riu, sem humor. — Mas ela sumiu, como se nunca houvesse
existido.
— Volto a repetir, foque em Lara. — William deu de ombros. — E
você, Rocco, não deixe que o seu trauma tome as rédeas de sua vida, não
perca a chance, tampouco se permita ser engolido pelo medo. Você acha que
outro homem faria Victoria feliz, como você sabe que pode fazê-la?
Neguei. Eu tinha essa certeza porque não havia possibilidade de
alguém amá-la mais do que eu.
— Então, foque nisso e trabalhe para que ela se sinta a mulher mais
incrível do mundo. — Engoli em seco, ele continuou. — Não chegue ao
ponto de precisar ser grato por viver apenas de lembranças.
— Ou de sensações que o tempo vai se encarregando de apagar. —
Dimitri gemeu, cobrindo os olhos.
Cocei a nuca, sentindo-me um merda. Como eu pude não dar o
merecido valor a um relacionamento que era quase perfeito? Eu me
envergonhava de ter sido tão estúpido. Dio santo, eu era um bastardo sortudo
e tinha a oportunidade de tentar dar à Victoria a melhor vida ao meu lado. Os
meus amigos, não, porque um já havia perdido a chance, e o outro estava
dividido.
— Nós te amamos, Rocco — William disse baixinho e Dimitri
concordou. — Por isso você precisará ser feliz por nós três.
Eu não queria ficar tão emocionado, mas fiquei, porque não conseguia
me colocar no lugar de nenhum dos dois, de viver nesse limbo insubstancial,
carregado de necessidade. Eu não sabia se aguentaria, se poderia ser tão forte
quanto eles.
Tornei-me dependente demais do que Victoria me fazia sentir, então,
eu ia lhe mostrar todos os dias que me dar outra chance foi uma boa decisão e
que ela jamais se arrependeria.
Eu jurei a mim que veria seus amados olhos verdes brilhando de pura
felicidade outra vez.

***

Mesmo estando com uma ressaca insuportável, acordei cedo e vim


trabalhar. Antes de voltar para o Brasil, eu pretendia deixar tudo revisado,
com novas instruções para contratação e o meu okay nos relatórios. Por mais
competente que William fosse, eu não queria sobrecarregá-lo com tanto
trabalho, então, faria o máximo que pudesse para aliviar o fluxo.
Não me considerava um chefe tirano, talvez, um pouco. O fato era
que sempre deixei claro o que esperava dos meus funcionários, queria que
tudo funcionasse perfeitamente, e a surpresa de saber que minha ausência
fodeu o ego de alguns diretores me irritava. Esse era o meu ambiente, eu
sempre daria as cartas porque foi assim que levei ao topo a empresa que
minha família fundara.
O curso do planejamento tinha que ser mantido, e se eu precisava
demitir pessoas que não conseguiam o acompanhar, eu faria, sem o menor
problema.
Havia decidido ficar o período da manhã na empresa, enquanto
estivesse em Londres. A tarde, eu reservaria para visitar a minha irmã e os
gêmeos. Tão logo a nonna chegasse, e tudo estivesse em ordem, eu voltaria
correndo para Victoria.
Eu não queria que demorasse muito. Já estava com saudade de
conversar com minha mulher, por mensagem ou chamada não era suficiente
para mim.
Quando dei o okay no último relatório, William entrou na minha sala
e o seu semblante, que estava carregado, já me disse que algo ia mal.
— O que foi? — Coloquei os papéis de lado, a atenção toda no meu
amigo.
— Não aguento mais a insistência de Gerard. — Bufou, sentando-se
no sofá.
— Não sei de quem está falando, William.
— Gerard Carvershan, o louco que quer me empurrar a própria neta.
— Você sabe o nome dela pelo menos?
— Marie — murmurou, pensativo.
Observei que meu amigo estava incomodado, sua testa tinha uma
ruga, os lábios estavam apertados em uma linha fina de tensão.
— Qual o verdadeiro problema, William?
Ele me olhou e fez careta. Não estava satisfeito com alguma coisa.
— Curiosidade. O Gerard fala tanto dela que está aguçando a minha
curiosidade. — Ele esfregou o rosto. — Eu já disse que nunca poderia aceitar
sua oferta, ele quer uma fusão, ou melhor, ele quer me entregar a empresa
dele, mas quer que eu me case.
— Negócios. — Arqueei a sobrancelha, não era uma prática incomum
no nosso meio.
— Negócios, sim. — O Conde balançou a cabeça. — Mas não me
interessa.
— Por que não? — Cruzei os braços, pensativo. — Você é incrível,
William. Talvez essa seja uma oportunidade, se você permitir, essa garota
pode te fazer feliz.
— Não pode. — Ele recostou-se no sofá e apoiou a cabeça, ficou um
tempo olhando para o teto, depois disse: — Não quero oportunidade com
mulher nenhuma. Eu não quero outra mulher, eu quero Isabela, somente ela.
— William…
— Não, Rocco. — Ele me cortou — Você sabe o que gosto de fazer.
Desde que eu herdei a minha cadeira no clube, fui aprendendo a ter mais
controle e eu posso lidar com algumas coisas, mas, quando estou em uma
sessão com uma mulher, preciso lutar para não sentir asco. Não suporto olhar
no rosto delas, porque parece uma traição. Caralho, faz dez anos que não dou
um fodido beijo na boca.
— O quê? — Não escondi o choque.
A revelação de William era surreal demais. Não parecia ser
remotamente possível que um homem como ele não fizesse algo tão básico
quanto beijar alguém. Eu já estava cansado de saber que ele tinha gostos bem
rígidos no que dizia respeito a sexo, e não mentiria e diria que nunca fizemos
festinhas, mas, enquanto que eu e Dimitri não nos importávamos de trepar na
frente dos outros, William nunca fez isso.
Ele sempre ficava reservado, observando, à parte. Como se um monte
de gente transando não fosse apelativo para ele, e sim enfadonho.
— Sem beijo? Dez anos? — Ele assentiu. — Como é possível?
— Eu tenho minhas especialidades, posso fazer uma mulher gozar de
muitas maneiras, mas a minha boca pertence ao meu anjo. — Ele me lançou
um olhar sério. — E eu sou fiel.
Senti um mal-estar porque, bem, todo mundo sabia o que eu tinha
feito. Quando o assunto fidelidade entrava no meio, eu me sentia um escroto,
e a vergonha era inegável.
— Então, sem beijo. — Esfreguei o queixo, sentindo a barba
arranhando.
Eu ainda não acreditava no que acabara de ouvir, mas não ia
questionar, afinal, qual motivo ele teria para mentir?
— William, você transou com Isabela? — perguntei à queima-roupa.
Ele negou e me olhou com uma expressão de revolta, como se eu
tivesse cometido um crime.
— Dei meu último beijo nela. — Sua voz engrossou. — Me afoguei
em sua boca e depois ferrei com tudo! Fim da história.
Ouvi tudo, e não pude pensar em nada para dizer. A verdade era que
qualquer mulher que tentasse algo com William estaria em enorme
desvantagem. Competir com um fantasma perfeito não era nada fácil, seria
como jogar sabendo que perderia.
Levantei da minha cadeira e fui até ele, não estava no direito de tentar
fazê-lo mudar de ideia, cabia a mim respeitá-lo e ficar ao seu lado.
— William, não importa o que você decida fazer, eu apoio você.
Dimitri também, tenho certeza.
— Obrigado, eu aprecio isso.
Quando o silêncio persistiu, eu levantei e peguei a minha bolsa.
— Terminei aqui, vou visitar minha irmã. Você pode assumir agora?
— Posso.
— Até breve, Conde Dom.
Saí da sala rindo de sua cara de ultraje. Tranquilizava-me que William
houvesse aceitado cuidar dos meus negócios enquanto eu estivesse fora.
Dimitri tinha o controle de toda parte jurídica, juntos, ambos eram uma dupla
e tanto.
Satisfeito com o rumo das coisas, entrei no meu carro e fui em direção
à maternidade. Assim que cheguei, fui direto para o quarto de Antonella, e
não acreditei quando vi quem estava lá.
— Nonna?
Ela sorriu, estendendo os braços.
— Que saudade do meu neto preferido. — Ri baixinho.
— Você diz isso para todos.
Um rolar de olhos foi sua resposta. A tarde passou voando, com a
nonna contando sobre suas aventuras. Ela manteve todos nós absortos, como
sempre fazia desde que eu era pequeno.
No final da tarde, decidi ir para casa, porque devido ao fuso horário,
Victoria preferia que eu desse sinal verde para ela me ligar. Sua desculpa era
que não queria atrapalhar.
— Como se você fosse capaz, amore mio.
Tomei um banho rápido e me deitei, depois liguei para ela. Lá, eram
por volta das duas da tarde.
— Oi, grandalhão. — Ela atendeu no segundo toque. — Adivinha
quem está sem as muletas? — Havia muito orgulho em sua voz.
— Parabéns, meu amor.
— Obrigada, estou tão feliz. — O sorriso dela aquecia meu coração
de várias maneiras. — Ainda estou mancando um pouco, mas já é uma
evolução, não é?
— Claro que sim, você está sendo fantástica. — Suspirei. — Estou
com saudade.
— Eu também, o que tem feito?
— Decidi trabalhar meio período enquanto estou aqui. Antonella vai
receber alta em breve, mas, para os gêmeos, acho que vai demorar mais.
Prometo que, quando eu tiver certeza de que não corremos o risco de ter mais
problemas, eu voltarei para você.
— Estarei esperando. — Ela fez um curto silêncio. — Você faz falta
sabia? Não estou fazendo nada emocionante.
— Você voltou a desenhar? — Não escondi a felicidade que suas
palavras causaram.
— Ainda não, estou bloqueada. Toda vez que pego uma folha, fico
olhando para ela, e não sai nada.
— Amore mio, tenho certeza de que você vai conseguir atravessar
isso.
— Eu sei, mas acho que está demorando muito. — Sua voz baixou.
— O braço direito da minha avó até tentou me ajudar, mas não fez diferença.
A sorte é que tenho muitos croquis, assim minha marca não vai ficar parada.
Minha avó está tomando de conta de tudo.
— Queria estar aí, sinto falta de ter você perto de mim.
— Quando acha que pode voltar?
Fiz os cálculos rapidamente, e mediante o que escutei dos médicos.
— Em duas semanas. — Fechei os olhos. — Em duas semanas, eu
estarei aí. Pretendo esperar os gêmeos receberem alta.
— Tudo bem. Perfeito.
— Mas todos os dias eu vou ligar para você, e quando for deitar,
chamarei em vídeo.
— Dormiremos juntos, com quatro horas de diferença. — Ela riu. —
Rocco, descanse.
— Sem você, não consigo.
Ontem, até que disfarcei a bebedeira, quando falei com ela, porque
assim que conversamos um pouco, eu apaguei, mas, hoje as coisas eram
diferentes. Eu estava bem consciente e com zero álcool no organismo.
— Eu te amo, Pequena.
Esperei que dissesse eu também, mas ela talvez não estivesse pronta.
Aceitei que só o fato de ela não desligar na minha cara já era muito bom.
Então, desfrutei da liberdade que ela me deu para dizer que a amava.
— Contarei os dias para estar ao seu lado.
— Eu também.
Isso para mim bastava, era quase como se ela dissesse que me amava
também, sem necessariamente dizer as palavras.
— Rocco, preciso ir. A doutora Regina chegou.
— Vai, amor, até mais tarde.
Encerramos a chamada e logo meu telefone começou a tocar. Atendi,
ansioso por notícias.
— O pacote foi eliminado.
— Como sabe? — perguntei, porque depois não queria surpresas.
— Pelo tempo de buscas, é impossível que tenha sobrevivido, algum
animal deve ter a encontrado antes de nós.
— Red…
— Foi como combinado, sem vestígios, sem rastros. Está feito.
Merda, eu não queria ter precisado chegar a um ponto tão extremo,
mas foi inevitável.
— No relatório, estamos detalhando tudo, sem novidades. Pode ficar
sossegado.
Esfreguei as têmporas quando uma dor de cabeça começou a dar
sinais. Por mais que a morte de alguém fosse algo bastante ruim, não me
culpei por não sentir remorso, ou qualquer outro sentimento. Na verdade,
sim, eu senti alívio, porque Victoria não seria mais ameaçada por ninguém.
— Mandarei o relatório em breve. — Red suspirou.
— Ficarei aguardando.
Quando desligou, eu relaxei, porque não havia outra coisa a fazer.
Qualquer ameaça à minha mulher seria eliminada.
Victoria

Os dias sem Rocco pareciam incompletos. Era interessante como ele


deu um jeito de me tornar consciente de sua presença por perto, e como eu
me acostumei a isso.
Bastava uma ligação, e a gente podia se ver, conversar e entender o
que estava se passando com nossos sentimentos. Agora, apesar de estarmos
trocando mensagens todo dia, e de dormirmos durante chamadas de vídeo,
não era a mesma coisa.
— Victoria? — Um estalo me chamou a atenção. Sacudi a cabeça,
envergonhada por parecer distraída em uma sessão com a doutora Regina.
— Desculpe, minha cabeça está longe. — Ri sem graça, e ela pegou
minha mão.
— Tudo bem, vamos encerrar nossa sessão de hoje. Agora diga, esses
pensamentos por acaso estão em Londres? — ela indagou, com cuidado.
— Sim — confessei, encolhendo um pouco contras as almofadas. —
Ele viajou somente há três dias, mas parece que faz uma eternidade.
— Rocco disse quando volta?
— Em duas semanas mais ou menos. — Mordi o lábio. — Os
sobrinhos dele nasceram um pouco antes da hora, a mãe teve complicações,
sabe? Rocco quer voltar quando as crianças receberem alta e ele tiver certeza
de que está tudo bem.
— Ele é o chefe da família, isso é uma coisa que chefes de família
fazem — Regina falou, ela tinha um sorriso conhecedor.
— Sim. — Ri, porque Rocco levava suas responsabilidades muito a
sério. — Ele cuida até da família na Itália. Digo, ele mantém a vida
confortável de todos com o trabalho dele. Pelo menos foi isso que entendi
quando me contou como as coisas funcionavam.
— Não me surpreenderia. Apenas um detém o poder e controla todo o
resto — Concordei e ela riu, pegando minha mão. — Você está com um
brilho tão bonito no olhar, estou muito feliz por vê-la recuperando-se cada dia
mais.
Eu conseguia ver que Regina sempre era sincera comigo. Ela queria
mesmo me ajudar. Desde o começo, ela manteve o foco em mim, buscando
alternativas que me fizessem abrir a caixa de pensamentos ruins e desabafar.
Depois trouxe seu filho para me ajudar na fisioterapia. Ela sempre empurrava
meus limites quando eu não fazia ideia de que precisava disso.
— Graças a você. — Sorri. — Obrigada por não ter desistido de mim,
por estar aqui, e por se preocupar.
— Querida, eu fico muito orgulhosa de poder conhecer a Victoria
alegre, da qual o seu pai falava com tanto entusiasmo. — Ela colocou uma
mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Vou sempre estar aqui, para ouvi-la
e ajudar a entender suas emoções e conflitos.
— Você é incrível. — Abraçamo-nos e, como das outras vezes, a
sensação que tive foi de acolhimento. — Fique para o jantar, é dia de os
rapazes jogarem, vai ser divertido.
— Hoje eu combinei de jantar com o meu filho — ela falou quando
meu pai entrou na sala, carregando sacolas.
O olhar de Regina se prendeu nele, vi suas bochechas corarem um
pouco, e um brilho muito especial acender seus olhos castanhos.
— Então, eu acho que Murilo pode muito bem jantar conosco. Ele
inclusive pode tentar vencer Jason no bilhar, ninguém conseguiu derrotá-lo
até hoje.
— Tem certeza?
— Eu tenho. Você e meu pai podem conversar também, com calma.
— Uma risadinha tímida me disse que eu tinha razão quando cogitei existir
sentimentos entre eles. — Eu acho que teremos um céu estrelado e uma noite
romântica.
— Victoria.
— O deck da piscina tem uma vista bonita, vocês poderiam discutir
sobre o tempo lá. — Pisquei um olho e ela riu com vontade, balançado a
cabeça.
— Não queira ser um cupido, mocinha.
— Eu? Jamais.
Sem que planejássemos, estava se tornando um hábito nos reunirmos
ali na área da piscina. Parecia que o ambiente fora projetado para nos induzir
a confraternizar.
— Vou ligar para o meu filho. — Regina afastou-se, pegando o
celular.
Eu peguei o meu, havia falado com Rocco há pouco tempo, mas já
estava ansiosa para quando chegasse o momento de deitar, por causa dele e
da diferença de horários, eu estava indo cedo para a cama.
Depois do jantar, eu ia ficar um pouco ali e, às nove, eu ia para o meu
quarto. Para Rocco, em Londres, já seria uma da manhã.
— Murilo aceitou o convite, ele disse que você se livrar das muletas
já pede uma comemoração.
Senti-me feliz por estar ao redor daquelas pessoas, porém, eu estaria
muito mais feliz se Rocco estivesse ali, William e Dimitri também. Eu sentia
falta dos meus amigos e da loucura que era quando eles se juntavam.
O jantar foi animado, como todos os dias eram, mas hoje havia
alguma coisa no ar entre minha tia e Ricardo. Ambos estavam se provocando
o tempo todo e ficavam entre encaradas e risadinhas.
— Eu tenho algo a dizer. — Assim que chegamos à área da piscina,
ela falou. — No começo do mês que vem, eu e Ricardo iremos nos casar.
— Tia! — Eu fui a primeira a abraçá-la.
Senti um frio na barriga, porque eu não havia feito o vestido dela,
tinha somente o esboço, mas nada produzido como eu planejava.
Infelizmente, depois do acidente eu estava imprestável.
— Eu estava esperando você ficar bem, não queria parecer egoísta me
casando enquanto você estava doente.
— Eu não fiz o seu vestido — minha voz embargou. — Tia…
— Tudo bem, vai ser um casamento simples, no cartório. Depois,
quando tudo se organizar, aí eu e Ricardo vamos nos casar na Inglaterra.
— Eu vou dar um jeito de você ter um vestido lindo para se casar.
Nós temos vinte e cinco dias, eu consigo.
— Sei que consegue, mas não se preocupe. — Ela acariciou meu
rosto. — Amo você, meu bem.
A gente brindou, e os rapazes foram para a bendita mesa de bilhar.
Murilo parecia animado, e Jason também. Eu ainda tinha meia hora antes de
ir deitar, então, fiquei no meu lugar favorito do sofá, observando os rapazes
se divertirem.
— Será que Rocco já vai estar aqui? — tia Laura perguntou,
sentando-se de frente para mim.
— Eu acho que sim, ele disse que chegará em duas semanas, mais ou
menos.
— Eu pensava que não teria que me preocupar com a presença
daquele homem. — A voz imperiosa da minha avó interrompeu o que minha
tia ia dizer. Virei-me para vê-la chegando junto com Nikolas. — Se eu
soubesse que estavam comemorando algo, teria vindo mais cedo.
Ela sentou ao lado da doutora Regina e mal a olhou. Os modos da
minha avó me constrangiam, porque ela fingia que não havia alguém do seu
lado e isso era tão feio.
— Olá, querida. — Nikolas me deu um beijo na cabeça e foi se juntar
aos homens.
— Então, podem conversar, não vou atrapalhar, eu só vim visitar
minha neta.
Então pegou o celular, nos ignorando completamente.
— Como estava dizendo. — Tia Laura pigarreou. — Se Rocco chegar
em duas semanas, você poderá ir com ele.
Olhei para minha avó, esperando uma reação, mas ela estava
concentrada em seu celular. Pela cara, não estava gostando nada do que via.
— Sim — falei, voltando minha atenção para a conversa.
— Victoria, fale-me sobre o seu relacionamento com ele — Regina
perguntou, eu sorri porque com certeza a minha avó não ia gostar.
Por outro lado, ela precisava se acostumar porque ele estaria na minha
vida, de um jeito ou de outro. O bebê crescendo na minha barriga era a prova
dessa certeza.
— Nosso amor sempre foi tempestuoso, nunca houve calmaria. —
Comecei a rir porque minha tia concordou, já alardeando sobre o episódio em
que atacou Rocco e os amigos dele com uma mangueira de jato extraforte em
plena madrugada londrina.
— Foi uma loucura — concordei. — Eles estavam bêbados,
congelando. Coitados.
— Rocco desde o começo deixou claro que estava interessado em
Victoria. Quando houve o episódio da agressão, ele cuidou pessoalmente
dela. — Tia Laura sorriu. — Eu nunca vi um homem tão dedicado a uma
mulher, ele não me deixava fazer nada, sua atenção era toda voltada para
minha sobrinha.
— Que agressão? — Regina franziu o cenho e eu contei o que Gordon
havia feito.
Pela sua expressão, notei o quão horrorizada ela estava. Tratei logo de
acalmá-la, dizendo que tudo estava no passado, que eu já havia superado.
— Tive muito apoio e, quando recebi alta, Rocco me levou para
Roma. — Senti minhas bochechas aquecerem. — Ele me pediu em
casamento na Fontana di Trevi.
— Que romântico. — A doutora Regina tinha um sorriso nos lábios.
— Foi muito lindo. — Tive que concordar. — Mas Rocco sempre foi
romântico, apesar de ser meio louco, ele sempre me surpreendia com coisas
especiais. — Mostrei o celular. — Ele me deu para eu conversar somente
com ele, e ele tem um também. A gente nunca deixa o outro sem resposta, foi
um acordo.
— Isso é fofo. — Tia Laura suspirou. — Rocco não tem cara de
homem romântico, ele tem aquele jeito de brutamontes, que nos faz duvidar
que ele possa ter gestos açucarados.
— Dizem que os brutos também amam. — Assim que as palavras
saíram dos lábios da doutora, começamos a rir, porque isso era muito a cara
de Rocco.
— Sabe, ele me disse que não consegue se perdoar pelo fez — falei
para minha psicóloga, esperando que ela pudesse me dizer algo. — Disse que
a culpa o corrói. Ele tem dificuldades para dormir, por causa dos pesadelos.
Eu sabia que era errado falar algo tão pessoal ali, mas ninguém ia sair
comentando.
— Pela primeira vez, devo concordar — minha avó falou, mas estava
olhando para o celular, o que me fez ter certeza de que ela estava prestando
atenção à conversa.
— Que pesadelos? — Regina perguntou, e minha tia estreitou os
olhos para ouvir.
— Com o acidente.
Eu não ia falar que era com a minha morte porque isso ia trazer os
fantasmas de volta e hoje era um bom dia. Eu não queria gerar uma discussão
mesmo que de algum modo já o tivesse feito.
Talvez fosse melhor ter esperado para falar com a doutora sozinha.
Repreendi-me.
— Ele viu todo o seu acidente? — Ela pareceu não acreditar. Mas eu
acenei, dizendo que sim, ele vira tudo.
— Rocco pode estar com estresse pós-traumático. — Prestei atenção
ao que a doutora dizia.
Eu queria entender um pouco melhor para que pudesse ajudar Rocco a
superar. Ele era forte e, se eu consegui, com toda certeza do mundo ele
também poderia.
— Duvido, ele está fingindo para enrolar todos vocês — minha avó
falou, só então ela manteve a atenção em nossa conversa.
— Ele pode ter pesadelos. — Regina manteve sua atenção em mim.
— Ou lembranças que se repetem em flashbacks. Às vezes, dependendo do
estímulo, reações exageradas, ansiedade, emocional deprimido.
— Você acha que Rocco tem gatilhos?
— Sim, com certeza tem — afirmou. — Você se lembra do começo?
O seu gatilho era voltar àquele bar. Os seus pesadelos estavam sempre
trazendo à tona o ponto inicial de toda a tragédia. Para Rocco, este ponto está
mais além, no momento do acidente. A cronologia é essa, correto?
— Sim — confirmei.
— Você lembra do acidente?
— Quase nada. Durante um longo tempo, havia somente um enorme
buraco. — Pensei um pouco. — Às vezes consigo capturar uma memória,
mas ela não me desperta uma reação visceral.
Mas Rocco se lembrava de tudo. Ele viveu cada momento desde que o
carro bateu em mim. Eu vi o terror em seus olhos quando ele me contou tudo,
senti seu corpo estremecer quando o abracei. Era real, tudo o que ele vivia era
muito real. Consegui superar o que aconteceu porque não havia outra coisa a
se fazer. Depois de atingir o fundo do poço, não era lá que eu queria ficar.
A doutora Regina me deu a corda para subir, mas Rocco continuava
lá.
— Você quer dizer que para Rocco superar ele precisa fazer o mesmo
que eu? — perguntei somente para ter certeza. — Ele deve parar de fugir?
— No caso dele, o trauma parece ser mais complicado. Ele precisa
lidar com uma consequência que se desenrolou a partir de uma atitude dele.
— Não escondi meu desgosto ao ouvir isso. — Muitas pessoas não
conseguem.
— Ele vai conseguir. — Tentei soar confiante.
— Eu espero que não, na verdade, seria melhor que ele esquecesse
esse lado do mundo. — Minha avó levantou. — Você está muito bem sem
aquele homem.
— Vovó…
— Eu vim aqui para te convidar. — Ela sorriu, mudando totalmente
de assunto. — Estamos no mês das mães e das noivas. Faremos uma
campanha que abraçará essas duas datas, e eu gostaria que você fosse, para
assistir ao ensaio fotográfico. Isso vai te ajudar com o bloqueio.
— Bom, eu acho que…
— Será maravilhoso, virei te buscar às oito da manhã. — Ela não me
deixou dizer mais nada. Veio até onde eu estava, me deu um beijo e olhou
para onde estavam os rapazes. — Nikolas, amanhã, às sete no Copacabana.
— Combinado.
Fiquei mal por sentir alívio quando ela foi embora. Desde que eu
soube do meu pai, tive certeza de que queria a minha avó por perto. Eu
acreditei que iria amar tê-la em minha vida e que, por sermos tão parecidas
em nossos trabalhos, nos daríamos muito bem.
Eu estava enganada, pois ela me mostrou um lado de sua
personalidade que eu não gostava. Destratar as pessoas, usar o status para
assustar, humilhar. Deus, eu nunca seria assim, não importava o quão
empenhada ela estivesse em fazer com que eu entendesse seu lado.
Eu não sabia o que havia acontecido para que ela fosse assim, mas
agradecia o fato de o meu pai ser simplesmente incrível e não parecer nada
com ela.
— Victor está me chamando. — A voz de Regina me fez prestar
atenção nela. — Eu vou ali, admirar as estrelas. — Piscou o olho antes de
sair.
Depois foi a vez da minha tia, ela foi para perto de Ricardo e começou
a brincar com o taco. Era para o provocar, eu sabia. Mais adiante, avistei
Nikolas e Murilo tendo uma conversa quase ao pé do ouvido.
Observá-los me fez sentir algo bom e quentinho no coração, pois era
nítido o encantamento de ambos.
Levantei e fugi para o meu quarto. Antes de fechar a minha porta,
avistei Pam e Prince disputando um ursinho.
— Meus filhotes. — Sorri, deitando na cama.
Peguei o celular e pensei em uma mensagem legal para Rocco.
Lembrei-me dos problemas para dormir que ambos tínhamos e do quão
pequenos esses problemas se tornavam quando estávamos juntos.
Sorrindo, ao imaginar como ele receberia a mensagem, escrevi:

Victoria: Tentei cair nos braços de Morfeu, mas não consegui. Acho que
apenas se eu cair nos seus braços é que poderei receber a benção do deus
dos sonhos.

Parecia um tanto bobo, mas a verdade era que eu estava feliz por
sentir que podia escrever uma mensagem assim para Rocco. Não demorou
muito e a resposta chegou em forma de chamada de vídeo.
Quando a atendi, deparei-me com seus olhos azuis.
— Então, meus braços estão bem-dispostos, acho que posso segurar
você. — Sorriu, o rosto bonito sombreado com a barba por fazer. — Eu já
falei que sinto sua falta?
Ele disse. Todas as vezes que podia, ele sempre me lembrava disso.
— Bom, eu não lembro. — Um sorriso bobo tomou conta dos meus
lábios.
— Amore mio, você tem coragem de me provocar?
— Claro que eu tenho, se eu não fizer isso, quem fará? Ai. — Fiz
careta, o bebê chutou as minhas costelas. — Nossa, o seu filho acertou as
minhas costelas.
Mudei de posição, ficar de lado às vezes não era bom negócio.
— Dio mio, preciso voltar para casa.
— Sua casa é aí — provoquei, e ele estreitou os olhos.
— Minha casa é onde você estiver.
Fiquei em silêncio, porque ele sabia como me deixar sem palavras.
— Rocco, você acha que o nosso relacionamento foi turbulento? —
Mordi o lábio, olhando para seu rosto.
— Como uma perfeita tempestade que chega para aliviar um dia
quente. — Sua voz soou profunda e acalentadora. — Não nascemos para um
amor tranquilo, Pequena, o que nos dominou desde o primeiro olhar foi forte,
consumidor. Eu senti você sob a minha pele, em meu sistema. Você está em
mim.
Deus, ele sabia usar as palavras. Meu corpo se arrepiou, a certeza com
a qual ele dizia isso era de abalar as estruturas e eu já não era muito forte
quando se tratava dele.
— Estou aqui, tente dormir — disse, quando percebeu que havia me
deixado desorientada.
— Não é a mesma coisa. — Mordi o lábio.
— Estou voltando, amor, prometo que não vai demorar. Por enquanto,
vamos matando a saudade da forma que der.
Era melhor que nada.

***

O Copacabana era um hotel luxuoso e belíssimo, com certeza o ensaio


para o mês das noivas e dia das mães ficaria incrível.
Minha avó veio me buscar em casa, e quando chegamos, o cenário já
estava pronto, faltava chegar o casal de modelos. Pelo que entendi, o atraso já
era de meia hora e, se eu conhecia Antonietta Andrade, ela estava furiosa.
— O negócio vai ficar feio. — Nikolas se aproximou e se serviu de
um pouco de café, ele estava trêmulo. — Eu que insisti nesse ensaio. Estou
tentando tirar sua avó dos padrões de modelos perfeitas e foi duro ela aceitar
uma grávida para ser a capa da revista de maio.
— Nikolas, vai ficar lindo. Daqui a pouco a modelo chega.
— Ela não atende ao telefone e sua avó está assim… — Ele mostrou
dois dedos quase juntos — de mandar tudo à merda.
— Respira.
— Eu não estou conseguindo. — Ele se abanou, estava suando de
nervosismo. — Investimos pesado, o fotógrafo veio da Espanha, é um
maluco excêntrico, mas genial. Deus, eu estou no olho da rua se der errado.
— Tente ligar de novo para os modelos. — Apertei o braço de
Nikolas, tentando confortá-lo.
— Sabe o que é pior? Os dois simplesmente sumiram, como é que
pode? — Sua cara de choro era de dar pena. — Depois de ter uma noite
maravilhosa com aquele seu fisioterapeuta gostoso, eu pensei que iria passar
o dia saltitando ao redor de um ensaio fotográfico perfeito, mas estou prestes
a enfartar. Preciso de um médico, urgente.
Como se isso fosse uma deixa, Carlos apareceu, e na hora uma garota
correu para junto de Nikolas. Ela estava de olhos arregalados, uma pilha de
nervos também.
Na verdade todos estavam, porque o humor da minha avó só piorava a
cada minuto que o atraso dos modelos aumentava.
— Meu Deus, isso não vai prestar — a garota falou, olhando para o
meu primo e avó. — O que diabos Carlos está fazendo aqui?
— Gabrielly, não comece — Nikolas ralhou, e só então eu entendi.
Ela estava com medo de Carlos estar ali e minha avó descobrir o
romance dela com ele. Sabendo que o dia desandava, era justo que ficasse
apreensiva.
Minha avó parecia a ponto de surtar e estava demonstrando por que
era temida. As pessoas, incluindo Nikolas, não conseguiam chegar perto ou
dialogar. Ela queria os modelos que escolhera para seguir com a programação
do dia. Mas, sem eles, não haveria campanha. Pelo menos não hoje.
— Hoje parece o dia perfeito para um desastre. — Gabrielly estava
tentando se misturar à arara com as roupas do ensaio. — Ele está vindo para
cá, meu Deus.
Carlos estava olhando para nós, com certeza já havia percebido a fuga
de sua namorada.
— Não precisa fugir — eu a chamei. — A propósito, sou Victoria. —
Gabrielly sorriu, envergonhada. — Meu primo não é louco de te colocar em
problemas, pode confiar.
— Você sabe de nós? — perguntou, respirando um pouco acelerado.
— Eu sei, e pode deixar que estou bem disposta a ser uma cúmplice.
Ela acenou e colocou a mão na boca, sua expressão ficou estranha, ela
parecia estar passando mal.
— Estou nervosa, estressada e com certeza comi algo que não desceu
bem. Estou enjoada. — Olhei para Nikolas, e ele arregalou os olhos.
— Café para quê? Eu preciso é de uma bebida, bem forte. — Nikolas
parecia a ponto de ter um colapso. — Eu não deveria ter saído da cama de
Murilo. Eu sabia que hoje o dia ia ser de caos.
— Vamos conversar sobre isso depois. — Apontei para ele, olhando
para Gabrielly. — Querida, quando eu comecei a enjoar, achei que era
estresse, ou algo que eu havia comido. — Ela empalideceu. — Olha aqui a
minha barriga de cinco meses.
— Não. — Ela deu alguns passos para trás. — Não pode ser, eu me
cuido. Tomo remédio, eu não vacilo. Não sou louca. Deus, ela… — Seu
olhar vagou até a minha avó, que berrava ordens ao telefone. — Ela vai
acabar comigo.
— Primeiro, respire. — Segurei seu braço, ajudando-a a se sentar. —
Segundo, dona Antonietta não vai fazer nada, existe um limite e eu dou
minha palavra de que ela não vai ultrapassá-lo.
— Ela falou para todas as funcionárias que Carlos estava fora dos
limites. — Os olhos castanhos e grandes demais ficaram cheios de lágrimas.
— Ela vai acabar com a minha carreira. Meu Deus.
— Gabrielly, respira. Se você não se controlar, Carlos vai perceber e
eu duvido muito que ele consiga manter distância. Meu primo já estava
lutando para dar o tempo que você queria, colabora. — Peguei um pouco de
água. — Beba e depois converse com ele.
— Você esteve doente do estômago, lembra? — Nikolas estava
mordendo o dedo. — Seu remédio deu problema, só pode ser.
— Eu comi algo que me fez mal, nada demais — ela reafirmou.
— Quando a rainha perguntar se eu sabia disso, não vou mentir. Ela
vai me odiar. — Nikolas começou a ficar a choramingar — Ainda mais
porque a ideia desse ensaio foi minha, deu tudo errado. Jesus Cristo.
Carlos se aproximou e, assim que viu Gabrielly, seu sorriso morreu. A
preocupação foi flagrante em sua expressão. Ele estendeu a mão para ela, no
exato momento que nossa avó se aproximou.
— A modelo está no hospital, passou mal. — Havia muita raiva na
voz dela. — A agência não tem modelo disponível para hoje. Teremos que
remarcar, mas o fotógrafo não vai conseguir fazer o trabalho porque estará
em Macau. — Ela olhou para Nikolas, que estava a ponto de ter um enfarte.
— Quero soluções. Ou a sessão acontece hoje, ou será cancelada. — A voz
da minha avó foi dura. — A ideia foi sua, resolva. Gabrielly, venha comigo.
Havia pânico no olhar da garota quando levantou e seguiu minha avó.
— O que está acontecendo aqui? — Carlos cruzou os braços. —
Minha avó me ligou, dizendo que estava se sentindo mal, eu corri para cá,
mas parece que ela é a única que está bem.
— Eu preciso de uma modelo grávida e um modelo que combine com
ela, devem parecer um casal. Mas eu não tenho uma modelo grávida, porque
a minha modelo, que deveria estar aqui, está no hospital. Então, eu tenho que
resolver ou vamos perder toda a produção e investimento. Esse fotógrafo
insuportável é maravilhoso, faz milagre, e não tem outro dia para nós.
Semana que vem é o dia das mães. Carlos, você conseguiria, por favor,
produzir um milagre e salvar a todos nós da ira da sua avó?
Nikolas falou tão rápido que eu me atrapalhei em suas palavras. Eu
nunca o tinha visto tão nervoso assim antes, também nunca tinha participado
de um editorial de moda.
Meu primo olhou ao redor, pensativo. Depois balançou a cabeça.
— Você já ligou para todas as agências da cidade?
— Sim, mas estamos numa época difícil, muitos comerciais estão em
produção. Eu agendei com a modelo mês passado. Droga, estou ferrado!
— Tente de novo — insisti.
Como se para colocar ainda mais pressão, o fotógrafo foi até a minha
avó e conversou com ela. Observei-o gesticular, bastante irritado. Por fim, ele
foi até o equipamento e começou a guardá-lo.
— Ela vai me matar. — Nikolas suspirou.
— Antonio não vai esperar. — Foi a primeira coisa que a minha avó
disse assim que se aproximou de nós. — O editorial está cancelado. Vamos
marcar uma sessão comum com uma modelo e fazer as fotos para o mês das
noivas.
— Sinto muito — Nikolas murmurou.
— Você deveria ter pensado nisso, porque não contratou duas
modelos? Você sabe que eu odeio falhas, isso nos custou uma fortuna.
Um pesado silêncio se seguiu, depois, ela se virou com a intenção de
sair, mas então parou, olhou para mim e Carlos.
— Você pode ser minha modelo, Victoria? — Foi um pedido suave e
esperançoso.
Mas eu fiquei sem saber como reagir.
— Eu? — Franzi o cenho, negando. — Eu não saberia nem fazer as
poses.
— Antonio vai conseguir as melhores fotos. É isso ou a sessão está
cancelada, ele não vai esperar. — Olhei para o fotógrafo, que juntava as
coisas com raiva. — Carlos, você posa com Victoria. Você sempre foi
fotogênico. E, como estamos falando do mês das mães, será interessante que
sejam os meus netos na campanha.
— Perfeito! — Nikolas deu um enorme suspiro de alívio. Quando eu
percebi, fui levada pela euforia.
Antes que pudesse pensar direito, já estava com cabelo e maquiagem
prontas. O mais louco foi que os vestidos cabiam em mim, o ajuste foi
mínimo, apenas na barra.
— Você está linda. — Gabrielly me abraçou. — Obrigada por nos
salvar, se desse errado, os dias a seguir poderiam ser horríveis.
— Eu nem estou pensando — murmurei, puxando um pouco a gola
alta do vestido, estava um calor horrível.
— Essa é a primeira roupa, teremos mais sete trocas.
— Meu Deus.
— Me deixa olhar se Carlos precisa de ajuda. — Os olhos dela
brilharam. — Mais uma vez obrigada.
Eu me sentia estranha, com calor e meio desconfiada por ter tanta
gente olhando para mim.
— Soltem-se, vocês precisam agir como um casal apaixonado —
Nikolas gritou.
— Impossível, ela é minha prima — Carlos respondeu e todos nós
rimos.
— Eu não sou modelo. — Senti o suor escorrer por minha testa. —
Estou derretendo com esse vestido. — Respirei fundo.
Gabrielly correu até nós e secou meu rosto, depois começou a retocar
o blush.
— Eu vou fingir que estou olhando para você, amor — Carlos falou
baixinho, e ela suspirou, mas continuava na pose. — Era você quem deveria
estar aqui, com certeza teríamos fotos perfeitas. Imagine o quão difícil é não
te beijar.
— Pare com isso, pelo amor de Deus.
Eu ri baixinho, adorando ser cúmplice daqueles dois.
— Victoria, você pode pensar que eu sou Rocco — Carlos brincou.
— Gaby, quando isso aqui acabar, você não vai fugir de mim.
Ele piscou um olho quando ela se afastou. As bochechas dela estavam
coradas, mas ela poderia usar a desculpa do calor.
— Estou desconfortável — reclamei, porque parecia que o vestido me
deixava com cinquenta graus.
— Relaxe. Façamos como eu disse, e talvez isso acabe logo.
Foi difícil imaginar que Carlos era Rocco porque tudo gritava para
mim que não era. O jeito com que segurava minha cintura, a altura dele, sua
robustez. Rocco tinha um jeito todo particular de me manter consciente dele.
— Relaxa — murmurou em meu ouvido. — Tão logo acabe essa
tortura, você se livrará desse vestido e eu vou convencer a minha namorada a
parar de ter medo, afinal, nossa avó não é tão má assim.
— Não é? — Olhei para Carlos, e havia diversão em seus olhos.
— Só um pouquinho.
Começamos a rir, e o barulho da câmera fotográfica soou. Aos
poucos, comecei a me soltar, e as fotos começaram a fluir. Cada troca de
roupa foi me deixando cansada, fizemos uma pausa para o almoço e depois
continuamos.
A última parte da sessão de fotos seria na praia. Graças a Deus, o céu
estava lindo, e o fotógrafo parecia nos elogiar bastante. A julgar pela
expressão de Nikolas e da minha avó, tudo estava ocorrendo muito bem.
— Últimas fotos — Nikolas traduziu o que Antonio gritara. —
Victoria, coloque as mãos na barriga. E, Carlos, abrace-a por trás, coloque
suas mãos ao lado das dela. Victoria, imagine que está sonhando com seu
filho, você é uma mãe realizada, está com o homem que ama.
Desta vez, consegui sentir Rocco. Imaginei-o ali, e a emoção me
dominou. Devagar, abri os olhos e Carlos olhava para mim, ambos sorrimos.
— E encerrado!
Todos começaram a bater palmas, e eu me senti muito bem por ver a
felicidade nos rostos daquelas pessoas.
— Eu pago o jantar. — Minha avó estava radiante.
Victoria

Eu estava exausta, mas continuava observando todos comemorarem o


sucesso do editorial. A verdade era que eu queria ir para casa, tomar um
banho e me arrastar até a minha cama. Sentia o corpo dolorido e um leve
latejar nas têmporas incomodava.
Jason estava ao meu lado, chegou ao restaurante pouco depois que eu
perguntei se gostaria de vir. Como sempre, meu amado irmão veio ao meu
encontro.
— Você quer ir embora. — Ele arqueou a sobrancelha, bebendo sua
cerveja. — Podemos sair.
— Eu gostaria.
— Você não pode ir — minha avó falou quando levantei. — Victoria,
estamos aqui por sua causa, sem você não teria motivos para comemorar.
— Vovó, eu estou muito cansada.
— Minha casa é mais próxima, não gostaria de ir para lá? — Ela
sorriu, estava tão receptiva, conversando e se divertindo que nem parecia a
mesma de hoje mais cedo.
— Jason está comigo, ele…
— Seu irmão será muito bem-vindo. Inclusive, eu mandarei
prepararem um quarto para ele.
Eu nem mencionaria o quanto suas palavras me deixaram alegre.
Olhei para Jason, ele estava sorrindo.
— Eu não vim preparada para dormir fora de casa, mas amanhã
podemos combinar algo, o que acha?
— Eu acho ótimo. Amanhã será perfeito, Antonio vai mandar
algumas fotos para eu aprovar a edição.
— Tão rápido assim?
— Claro — foi Nikolas quem respondeu. — Está tudo pronto. Só
faltam as fotos. Antonio tem que acelerar.
— Tudo bem. — Despedi-me das pessoas e fiquei muito aliviada
quando nos pusemos a caminho de casa.
— Você está com cara de quem vai dormir sentada — Jason brincou,
mas eu corria o risco de dormir sim.
Dentro do carro estava frio, o banco era confortável e, mesmo sem eu
querer, meus olhos começaram a pesar. Eu havia prometido ligar para Rocco,
todos os dias fazíamos assim, era um acordo tácito.
— Me acorda quando chegarmos em casa, brother? — pedi, fechando
os olhos.
— Pode deixar.

***

Acordei com os raios de sol no meu rosto. Levantei da cama,


assustada, quando percebi que pela primeira vez havia dormido a noite toda
sem antes precisar de Rocco para ajudar.
— Meu Deus. — Olhei ao redor, notando que estava com a mesma
roupa de ontem e que minha bolsa estava ao lado da cama.
Fui em busca do meu celular, mas não o encontrei. Revirei a bolsa
toda, e não o vi ali. Cocei a cabeça, ansiosa. Parecia que faltava uma coisa
importante, eu já estava louca para ver se tinha mensagem, e óbvio, enviar
uma a Rocco, dizendo que havia apagado e por isso não consegui ligar.
Antes de sair do quarto e procurar por Jason, fiz minha higiene
matinal. Parecia que eu tinha tatuado os detalhes da colcha no meu rosto.
Sentindo-me mais como um ser humano, fui procurar meu irmão e o
encontrei tentando ensinar Pam a dar a patinha. Pelo que reparei, ela só
queria o petisco que estava em sua mão.
— Bom dia, brother — cumprimentei e ele acenou. — Você viu o
meu celular?
— Não — respondeu, ficando de pé.
— Será que eu o esqueci no restaurante? — Torci as mãos, nervosa.
— Era o que Rocco me deu, com o número novo.
— O que vocês usam exclusivamente para se falarem? — Jason riu,
balançando a cabeça. — Pegue o antigo.
— Eu não sei onde está, você sabe? — Mordi o lábio, havia um peso
instalado no meu estômago e isso não era nada legal. — Você tem o número
de Londres?
— No antigo chip, tenho. — Coçou a cabeça. — Eu só preciso saber
onde coloquei.
— Não acredito que perdi o meu celular. — Permiti-me desabar no
sofá.
— Ou alguém o pegou.
Balancei a cabeça, encarando-o. Todas as pessoas que estavam lá
trabalhavam no atelier da minha avó, ninguém pegaria o meu celular.
— Victoria, você não tem o novo número de Rocco?
— Eu não me preocupei em anotar, não sei nem o meu. — Ri de
nervoso. — E agora?
— Ligue para sua avó e pergunte.
Procurei por meu pai, e ele estava no escritório. Pedi a ele para ligar
para a minha avó, e ele me entregou o celular chamando.
Ela demorou um pouco para atender.
— Oi, meu filho, aconteceu alguma coisa? — Havia preocupação em
sua voz.
— Sou eu, vovó, estou ligando para saber se viu o meu celular, acho
que o perdi ontem. — Não escondi a aflição em minha voz.
Eu era tão relapsa com essas coisas modernas, não sabia nem o meu
e-mail decorado, tampouco a senha. Como eu ia entrar em contato com
Rocco? Claro, eu poderia tentar ver com minha tia, ou alguém que tivesse o
número dele, mas pensar nisso já me deixava nervosa.
— Você o esqueceu em cima da mesa. Está aqui comigo.
— Oh, Graças a Deus. — Respirei fundo. — A senhora está onde?
— Eu estou com Antonio, do outro lado da cidade, mais tarde eu
deixo o seu celular aí.
— Obrigada.
Mas o dia arrastou-se. Fiz minha sessão de fisioterapia, como se nem
estivesse presente, meus pensamentos estavam muito distantes dali. Será que
Rocco mandou mensagem? Claro que sim, ele sempre mandava várias.
Agora, eu só esperava que ele não pensasse besteira porque eu não o
respondi.
Mais tarde, eu explicaria tudo o que acontecera e ele com certeza
entenderia.
Rocco
Minha irmã finalmente chegaria em casa hoje. Por isso, em vez de ir
visitá-la, vim direto da empresa para a casa dela. Eu e a nonna iríamos
almoçar juntos, e ela iria preparar um jantar para receber Antonella.
As coisas estavam indo bem na maternidade, e eu estaria muito feliz
se não fosse a sensação de angústia que estava me corroendo por dentro. Não
consegui falar com Victoria direito ontem. Trocamos duas mensagens rápidas
e insípidas demais.
Não acalentava meu coração dormir sem ouvir sua voz. Milhares de
coisas se passavam pela minha cabeça, e a preocupação quase me
enlouqueceu. Será que ela passou mal?
Dio mio, porque não anotei o número do Brasil, de seus familiares?
Desta forma não ia ficar morrendo por dentro. Todas as tentativas de saber
notícias acabaram frustradas porque os números que eu tinha estavam
indisponíveis.
— Rocco, estou falando com você.
Nonna estalou os dedos diante dos meus olhos, balancei a cabeça,
prestando atenção nela.
— O que está acontecendo? — perguntou, ao perceber o quão
distraído eu estava.
— Ontem não falei com Victoria direito, estou com medo de que
possa ter acontecido algo. — Respirei fundo. — A falta de notícias me deixa
tenso.
— Que horas são lá? — ela perguntou e eu olhei no meu relógio. —
Lá são quase nove da manhã.
— Por que você não liga?
— Eu fui idiota de não ter anotado os números do irmão e da tia dela.
— Esfreguei o cabelo, afrouxando a gravata. — Estou preocupado, nonna.
Victoria é pequena, delicada e ela está se recuperando de um acidente
gravíssimo.
— Rocco, ela por acaso deu sinais de que não estava bem?
— O fato de não ter me ligado ou respondido nenhuma das
mensagens, quando nós temos um acordo de sempre responder, é sinal
suficiente. — Apoiei os cotovelos na mesa. — Ela não me diria se estivesse
doente, porque com certeza não ia querer me deixar preocupado, mas o seu
silêncio já me enlouquece.
— Você a ama, muito, não é?
— Nonna, eu não saberia descrever o que sinto. — Recostei em
minha cadeira. — Eu sou louco por Victoria, eu desceria até o inferno por
ela.
— Você abriria mão dela?
— Claro que não. — Cruzei os braços, que pergunta tosca.
— Você diz que a ama, mas, se ela decidir que pode ser feliz com
outra pessoa, você abriria mão dela?
Meu telefone tocou e eu não precisei responder. Na verdade, eu
achava que não tinha uma resposta para dar. Nunca fui de desistir de nada na
minha vida, pensar em abrir mão da minha mulher e da chance de ter uma
família era algo que nem passava pela minha cabeça. Eu teria que ver nos
olhos de Victoria que ela queria isso, teria que ter certeza absoluta de que ela
poderia sim ser feliz com outra pessoa, mas então, antes de jogar a toalha, eu
ainda ia lutar muito.
— Masari falando — atendi, saindo da mesa.
— Enviei o relatório para o seu e-mail. — Era a voz de Red. — Olhe
a lista de desejos da garota, você vai achar interessante.
Ele desligou. Típico do bastardo não esperar por uma resposta.
Fui para o escritório e liguei o computador. Não demorou muito, eu já
estava abrindo o e-mail de Red. Havia um texto explicando alguns detalhes,
mas óbvio, não explicitando o que acontecera. Eu sabia do que se tratava,
outra pessoa se lesse não entenderia.
Avaliei o que estava escrito, surpreso com algumas informações.
Camille Carson, filha de Carlotta Ann, e, Henry Carson. Vinte e
quatro anos, solteira, estudante de Tecnologia da Universidade Harvard. Mal
pude acreditar que ela fosse de fato uma nerd da computação.
— Uma pena que fosse louca — murmurei, abrindo o anexo
intitulado “lista de desejos”.
A imagem mostrava uma foto de uma folha de caderno, onde foram
enumerados nove desejos:

1. Encomendar nova remessa de metanfetamina, dobrar dosagem;


2. Descobrir novo número de Rocco. (Ele está no Brasil, Merda!);
3. Ir para o Brasil. (Odeio esse país de gente feia e alegre);
4. Me aproximar de Victoria. (Isso vai ser difícil);
5. Matar de uma vez por todas a vadia;
6 - Ter certeza que o bastardo que ela carrega morreu também;
7. Me aproximar de Rocco e me apresentar;
8. Fazê-lo se apaixonar por mim;
9 - Casar-me com ele, ser feliz.

P.S. – Revisar o desejo número seis, talvez eu deva aceitar o bebê. Ele vai acreditar
que eu sou a mãe dele. Então, posso muito bem fazer da vida do pirralho um inferno.

*Desejo revisado.

6. Aceitar o bastardinho e criá-lo com muito amor.

— Filha da puta! — Minha cabeça latejou quando terminei de ler a


maldita lista.
Se por acaso houvesse lá no fundo algum tipo de remorso em mim por
ter mandado acabar com a vida da desgraçada, agora não havia mais. Que
apodrecesse no inferno, caspita!
— Como ousa! — Respirei fundo, abrindo outro anexo.
A imagem era de um quarto cheio de fotos minhas. Parecia um
santuário, com velas, bonecos de noivos. Uma coisa horrível. Em outra foto,
um espaço dedicado a Victoria, que tinha fotos dela com um X riscado nos
olhos e o pescoço pintado de vermelho, representando sangue.
Tudo macabro demais.
Ainda me chocava o quão idiota eu fui, por menosprezar o perigo que
essa garota representava. Ela esteve muito perto de conseguir fazer mal a
minha mulher, primeiro na boate de Dimitri, quando a drogou, depois ao
enviar Victoria para o bar e tripudiar sobre o acidente.
Dio santo, ela continuaria tentando até conseguir. Ia se aproximar de
Victoria, com a clara intenção de assassiná-la!
O pensamento me deixou com um gosto ruim na boca, as fotos só
revelavam a loucura em que vivia, no mundo que ela mesma havia criado. Eu
estava perto dos últimos anexos, quando meu celular apitou uma mensagem.
Olhei rapidamente e vi que era de amore mio.
— Graças a Deus. — Sorri, largando o computador para ver o que ela
tinha me enviado, mas, assim que as quatro imagens carregaram, senti meu
coração afundar no peito.
Eram fotos.
Fotos em que ela e Carlos estavam lindos. Pareciam um casal
apaixonado, esperando o primeiro filho. A última foto, na praia, foi a que
mais doeu.
Ela olhava para ele e sorria.
Era o mesmo sorriso que dava para mim.
Engoli a pedra alojada na minha garganta, o fôlego travou e minhas
mãos começaram a tremer. Precisei sentar, porque minhas pernas não
pareceram fortes o suficiente para sustentar meu peso.
Por um instante, enquanto esperava ela terminar de escrever a
mensagem, meu cérebro deu uma pane. Eu não conseguia pensar em uma
forma de fazer eu me sentir menos péssimo e agir. Estava paralisado, em
suspenso, esperando o que ela iria me dizer.
Quando as mensagens começaram a chegar, eu precisei recomeçar
duas vezes, porque eu fui tolo o suficiente para chorar.

Victoria: Essas fotos são um ensaio de gestante.


Rocco, quando te perguntei se nosso amor era turbulento, eu entendi que não
era isso que eu precisava. Ao pensar na minha vida e nos últimos
acontecimentos, cheguei à conclusão de que eu quero um amor calmo e que
não me traga preocupações. Eu dei uma chance ao Carlos, por esperar
encontrar paz ao lado dele. Sinto muito, mas eu sempre terei dúvidas com
você.
Por favor, entenda, não quero magoar você, porque eu te amei de verdade.
Perdoe-me por estar dizendo isso assim, mas ontem eu entendi que talvez
minha felicidade não seja com você. Prometo que vou esperar você voltar,
para termos uma conversa definitiva, e só então marcarei a data do meu
casamento. Pretendo que seja para antes de o bebê nascer.
Imploro que não me ligue mais, isso só faria nós dois sofrermos. Siga a sua
vida, eu sei que você pode ser feliz sem mim. Permita-me viver um
relacionamento saudável, é tudo o que eu preciso agora.

Victoria havia acabado de desistir de mim. E eu sentia como se


estivesse morrendo por dentro.
Fiquei um tempo olhando o celular embaçado no mais completo
estado de inércia. Não conseguia ouvir nada, pensar. Era como se alguém
tivesse cortado meu suprimento de vida e me deixasse morrendo sem
silêncio, sozinho. Esperei uma reação, mas, enquanto meus olhos estavam
presos na tela do celular, eu só conseguia ver fragmentos de sua despedida.
— Permita-me viver um relacionamento saudável — repeti, a voz
embargada. — É tudo que eu preciso.
Enquanto eu preciso somente de você, amore mio. Foi o primeiro
pensamento e, com ele, comecei a ouvir o tic tac. Um calor começou a
esquentar meu corpo, minha respiração acelerou, a ponto de eu começar a
ofegar.
Apertei o celular com tanta força que ele deu um estalo. Foi então que
todo controle que eu tinha, que eu acreditava ter, evaporou.
O primeiro berro de fúria rasgou minha garganta e inundou meu
coração com uma dor tão grande que aumentou a corrente de lágrimas. Num
impulso, empurrei tudo o que estava na mesa e, a partir daí, não enxerguei
mais nada. Comecei a quebrar tudo que estava na minha frente. Fora de
controle, era assim que eu me sentia. Joguei o celular do outro lado da sala e
explodi um vaso decorativo na janela de vidro, quebrando-a em milhares de
fragmentos.
Era como eu me sentia. Aos pedaços e, ao mesmo tempo, selvagem,
insano. Destruí tudo que estava na minha frente, sem me importar de
machucar minhas mãos, não importava se elas sangravam, pior estava meu
coração.
— O que eu vou fazer? Dio mio, o que eu vou fazer? — Ajoelhei no
meio daquele caos, puxando os cabelos, revoltado comigo mesmo porque eu
sabia que não deveria ter deixado Victoria sozinha.
Comecei a gritar de agonia, tentando colocar para fora um pouco
dessa dor que me matava.
O pior era que Carlos era um cara incrível, humano. Ele era melhor do
que eu em muitos sentidos, eu não poderia julgar Victoria por querer algo
bom para si. Mas ele nunca poderia amá-la como eu amava.
— Ninguém pode, amore mio.
Meu coração doía tanto que tive vontade de arrancá-lo fora, bati no
peito, berrando a minha dor. Em meio à loucura, senti que havia alguém
tentando me deter. Lutei, cego de raiva, como um animal preso numa
armadilha.
— Irmão, calma. — Ouvi o rosnado de William, que passou o braço
ao redor do meu pescoço, apertando. — Shhh, calma.
Debati-me, chorando feito um condenado sem vergonha na cara. Não
escondi o sofrimento que me açoitava, deixei que todos pudessem ver.
— O que diabos aconteceu? — Dimitri segurou meu rosto. — Rocco,
fale comigo.
Mas eu não conseguia forçar as palavras a saírem da minha boca.
— Rocco? — Dimitri deu dois tapinhas em meu rosto — Aqui, irmão,
foco em mim, o que aconteceu?
William afrouxou o aperto, e eu senti que minhas forças se esvaíam.
Na mesma velocidade em que minha raiva surgiu, ela foi embora, deixando-
me sem nada para agarrar, senti-me completamente vazio e desorientado.
Desabei no chão, de joelhos, entregue.
— Olhe o celular. — Foi só o que pude dizer.
— Ela terminou comigo por mensagem. — Um soluço escapou.
Ainda não acreditava que Victoria havia feito isso. Mas, era verdade,
bastava ler o que ela escrevera.
Dio santo…
Eu cobri o rosto com as mãos e chorei como um verdadeiro filho da
puta perdido.

***

Dois dias.
Faz dois dias que Victoria terminou comigo, e eu me enterrei na
minha cobertura para ficar sozinho e pensar. Esse também era o tempo que eu
não conseguia dormir absolutamente nada.
Eu passava o dia todo me perguntando como alguém poderia mudar
tão rápido assim, mas, então, lembrava-me do que eu havia feito e usava isso
como justificativa. Victoria não recebeu um comunicado de que eu ia fazer
merda, por que eu deveria receber um antes de ela mudar de ideia sobre nós?
Admito que eu estava sozinho, tentando me convencer a fazer o que ela
pediu, mas simplesmente não dava.
Eu queria olhar nos olhos dela, ouvi-la falar na minha cara que não
me queria, talvez assim eu começasse a trabalhar a ideia com mais afinco.
Por enquanto, eu admirava as milhares de luzes que iluminavam a
noite londrina, estranhamente, pensava nas pessoas que estavam ali, vivendo
suas vidas pacificamente, enquanto outros lamentavam tragédias. Eu, apesar
de parecer calmo, nessa pose que expressava relaxamento, não podia evitar as
emoções turbulentas que sentia.
E, mesmo com toda raiva, não conseguia sentir coisas ruins por
Carlos. Ele foi meu amigo, ajudou-me quando mais precisei. Fez-me admirá-
lo, e acho que isso era o que mais doía, saber que ele era um cara foda. Por
outro lado, quando eu pensava em deixar Victoria ir, em fazer o que ela
queria, tudo se rebelava.
Não dava para aceitar esse término.
Quando consegui reunir coragem e lhe perguntei se ela estava mesmo
terminando comigo por mensagem, sua única resposta foi: Sinto muito.
Nunca considerei Victoria uma covarde, mas passei a considerar que
ela estivesse usando a distância que nos separava como um escudo, até
porque, enquanto estivemos juntos, ela não demonstrou em momento algum
que me deixaria.
Pelo contrário.
— Então, o que mudou? — Respirei fundo, fomentando a certeza de
que havia chegado a um ponto em que eu havia perdido o controle e
precisava de medidas mais, digamos, radicais.
Consciente de cada atitude minha, peguei o celular e liguei para o
capitão do meu iate. Ele atendeu no terceiro toque.
— Senhor Masari.
— Kostas, é um prazer — saudei. — Onde você está agora?
— Estou na costa da Itália, próximo de Savona.
— Em quantos dias você consegue chegar ao Rio de Janeiro? —
Meus planos iriam se compor a partir de sua resposta.
— Viajando a pleno vapor, com paradas apenas para abastecer,
chegaremos em doze dias.
— Perfeito, vai ser quase no mesmo tempo que eu havia planejado. —
Sorri, colocando uma mão no bolso da calça. — Leve o Eclipse para o Rio de
Janeiro, Kostas, estamos indo busca a minha mulher.
Agora, eu precisava de uma equipe inteira que desse assistência à
Victoria, afinal, ela estava grávida e precisava de todos os cuidados. Comecei
a fazer as ligações necessárias.
— Isso ainda não acabou, amore mio.
De fato, estávamos apenas começando.
Rocco

A primeira coisa que fiz, quando amanheceu, foi enviar uma


mensagem para Victoria. Ela poderia não querer que eu ligasse, mas não
disse nada sobre mensagens, e eu as enviava durante todo o dia, porque não
ia simplesmente deixar as coisas como ela queria.

Rocco: Bom dia, amore mio, como você está? Sinto sua falta.

Levantei da cama sorrindo e fui tomar um banho, quando saí, com a


toalha enrolada na cintura e os cabelos pingando água, eu vi que tinha uma
resposta sua. Esperei um momento antes de começar a desenrolar o assunto,
não queria parecer tão desesperado, mesmo que eu estivesse.
— É, amore mio, só aceitarei ser riscado de sua vida se você disser
isso olhando nos meus olhos.
Eu podia até estar me enganando, mas por enquanto estava muito feliz
assim.

Victoria: Estou bem, sentindo fome. Agora passo o tempo inteiro sentindo
fome. Carlos está me ajudando com isso.

Senti um tom de provocação e gostei. Ela não estava falando sobre


términos e, se eu tinha algo a dizer, Carlos era um excelente médico. Não me
importava que ele cuidasse dela.

Rocco: Fico feliz em saber que ele está cuidando de você para mim. Tão
logo eu chegar, eu assumirei seus cuidados.

Victoria: Rocco, sobre o que nós falamos?

Rocco: Eu não me lembro de ter dito nada, então, estou feliz em discordar
dessa separação absurda. Quando eu chegar, nós vamos conversar
pessoalmente, aí sim poderemos decidir algo.
Victoria: Quando você volta?

Eu havia lhe dito que em duas semanas os gêmeos viriam para casa,
mas tudo indicava que eles poderiam vir antes. Antonella disse que, se
continuassem no ritmo de recuperação em que estavam, logo teríamos os
bebês aqui.
Minha volta para casa dependia disso somente. Mas era óbvio que eu
não ia dizer para Victoria nada dos meus planos, apenas quando estivesse
tudo pronto para levá-la a bordo do Eclipse, sem qualquer intervenção, eu
faria a minha aparição. Enquanto isso, ia controlar o meu temperamento e
manter contato, desde que ela estivesse respondendo as minhas mensagens,
estaria tudo certo.

Rocco: Ansiosa para me ver? Eu aprecio sua preocupação, amore mio.


Agora preciso ir, vou para o trabalho. Por favor, lembre-se do nosso acordo.
Não me importo em cobrar.

Victoria: Que acordo?

Não lhe respondi.


Todas as vezes que eu citava o nosso acordo, ela sempre perguntava
sobre o que eu estava falando. Isso era um absurdo porque discutimos sobre a
questão e decidimos que não deixaríamos um ao outro no vácuo. Ela deveria
saber muito bem, sobre o maldito acordo.
Pelo menos, sua aparente amnésia fazia-me pensar em outra coisa que
não fosse a agonia que um possível rompimento causaria. Obrigava-me a não
pensar que isso era o que o futuro reservava para mim.
Quando desci para tomar café da manhã, encontrei minha irmã
arrumada e pronta para ir ver seus filhos.
— Eu a levarei — disse para ela.
Com certeza, um pouco da sensação de ter aqueles anjos nos braços
seria bom para mim.
Victoria
Eu ainda não entendia por que Rocco havia parado com as chamadas.
Desde que minha avó trouxe o meu celular, ele não atendia nenhuma ligação
minha, tampouco as fazia, em contrapartida, passávamos o dia trocando
mensagens.
Isso era estranho.
Rocco gostava de ligações, então, qual o sentido de evitá-las? Será
que ele estaria tão cansado do trabalho como dizia? Afinal, eram quatro horas
de diferença, sempre seria muito tarde para ele.
— Vamos lá, erga a perna, vamos fazer uma sessão de cinco. —
Murilo estava tentando a todo custo manter minha atenção focada no
exercício, mas eu não conseguia.
— Desculpe, estou com a cabeça cheia.
— Tudo bem. Vamos alongar, depois vou fazer a medição e ver como
estávamos com a diferença.
Não conversamos mais e, quando ele foi embora, eu procurei por
Jason. Ele estava com os cachorros, ia sair para passear.
— Jason, você acha que está acontecendo alguma coisa?
Ele sabia de tudo, não tínhamos segredos. Eu confiava em meu
brother para dizer qualquer coisa porque eu sabia que ele não diria o que eu
queria ouvir, e sim o que eu precisava.
— Rocco não mentiria para você, acredite. — Ele acariciou as orelhas
de Pam. — E eu andei vasculhando alguns sites, não tem nada, se isso a
preocupa, pode sossegar.
Mordi o lábio, eu não tinha tido coragem de procurar coisas na
internet, não queria correr o risco de ver o que não queria.
— Se conheço Rocco bem, ele deve estar se desdobrando entre a
maternidade e o trabalho, aposto que quer averiguar por si mesmo se as
crianças estão bem.
— Mas, quanto ao motivo de não querer ligações?
— Aí você precisa perguntar a ele.
— Eu pergunto. — Cruzei os braços. — Ele diz que está lutando com
os horários.
— É uma diferença. — A porta do elevador abriu. — Você vem
conosco?
— Não. — Observei Jason partir com os filhotes, ele tinha um hábito
de sair com eles todos os dias nesse horário.
Se eu não estiver louca, ontem vi uma marca de batom em seu
pescoço.
— Ai, brother, você e seus segredos. — Balancei a cabeça.
Fui até meu quarto e peguei o celular. Não havia nenhuma mensagem
de Rocco, mas, a esse horário, ele devia estar com Antonella. Se eu me
lembrava bem, ele havia dito que trabalharia apenas meio período.
Pensativa, fui para o deck, sentei na borda da piscina e enfiei minhas
pernas na água. Encarei o celular por alguns instantes, um frio na barriga me
deixando nervosa.
— Vou olhar bem rápido. — Abri o Google e acessei um tabloide
inglês, que sempre estava de olho nos acontecimentos dos famosos de
Londres.
Li as matérias e havia algo sobre Rocco.
— Rocco Masari divide seus dias entre a empresa e a maternidade em
que sua irmã, Antonella, deu à luz a gêmeos. Fontes afirmam que o magnata
passa boa parte do dia ao lado dos sobrinhos e prestando assistência a sua
irmã.
A notícia me deixou com o coração quente. Ele não estava mentindo
quando dizia que estava se dedicando a sua irmã. Busquei outros tabloides e
todos falavam a mesma coisa, Rocco estava com uma conduta irrepreensível.
Inclusive, fora visto com a matriarca da família Masari, Franchesca Masari. A
foto que tinha, era dele com uma senhora muito elegante.
Talvez eu estivesse com muito tempo ocioso e por isso ficava
pensando besteira. Rocco estava se desdobrando para não deixar sua irmã e
os sobrinhos, para trabalhar, dar atenção a mim, a sua mãe e avó.
Eu não podia ficar o tempo todo achando que tudo era sobre mim,
isso seria arrogante da minha parte. Ele podia estar exausto, e não queria me
dizer.
— Tudo bem. — Sorri, desbloqueando o celular para enviar-lhe uma
mensagem.

Victoria: Boa noite para você, grandalhão. Aí já deve ser umas oito horas,
você está em casa? Sabe o que eu gostaria de saber? A data do aniversário
de Jason. Ele insiste em não dizer, mas eu sei que você sabe. Está tudo bem
por aí? Sinto sua falta.

Coloquei rock dos anos noventa no YouTube, escolhi uma playlist de


quase duas horas. Fechei os olhos e ergui o rosto para o céu. Eu estava me
sentindo feliz, considerava que meu corpo ficava cada dia mais saudável, e o
meu emocional, também.
A cada nova conversa com a doutora Regina, minha autoconfiança era
renovada, com ela, a autoestima e a certeza de eu não me perdi de mim
mesma. Em algum lugar, entre o passado e o presente, consegui encontrar a
antiga Victoria e resgatá-la, só que diferente do que era antes, agora eu me
sentia mais forte para lidar com qualquer coisa.
Estava cantarolando uma música famosa dos Guns N’ Roses quando o
alerta de mensagem soou.

Rocco: Oi, estou exausto, aqui está uma loucura. Eu não sei a data de
aniversário de Jason. Até mais tarde.

Franzi o cenho, como ele não tinha essa informação? Quando


contratou Jason, ele não precisou assinar um contrato? Coisas como a data de
nascimento eram itens básicos a serem preenchidos. Sorri, ele estava
provocando, escrevi uma resposta.

Victoria: Hahaha, você sabe sim, afinal, ele foi seu funcionário. Vamos lá,
não seja um grande malvado. Eu quero a data, por favor? Eu prometo que
fico te devendo uma.

Ele não respondeu, e eu não me senti mal por isso. Rocco era um
homem muito ocupado.

Alguns dias depois…

Quase dez dias sem ouvir a voz de Rocco e eu estava começando a


ficar irritada com essa falta de comunicação, digo, nós estávamos em uma
perpétua troca de mensagens, mas eu estava louca para ouvir a voz dele.
Aquele timbre rouco, baixo e provocador.
Eu liguei muitas vezes, e ele não atendeu nenhuma ligação, porém,
bastava eu mandar mensagem que a resposta era quase instantânea. Outra
coisa, ele estava enrolando para me dizer a data do aniversário de Jason.
O brother não colaborava. Estávamos em um daqueles dias de família
reunida, jogos, papo feminino e confraternização. Mas, eu estava tão chateada
que não estava sendo boa companhia. Era estranho, mas eu sentia como se
estivesse sendo sabotada por todo mundo.
— Victoria? — Escutei a voz de Jason e fingi que não estava
ouvindo. — Bonequinha?
Cruzei os braços, mantendo minha visão perdida na escuridão do mar
adiante.
— Victoria, o que foi? — Jason puxou meus braços, virando-me para
ele. — Por que você está aqui sozinha?
Dei de ombros, não queria responder, me deixava pior que de repente
a vontade de chorar começasse a dar sinais.
— Converse comigo.
— Qual a sua data de aniversário? — Jason sorriu, havia muita
diversão em seu rosto.
— Isso de novo? Digamos que é um dia entre primeiro de janeiro e
trinta e um de dezembro.
— Me deixa sozinha, não quero conversar. — Dei-lhe as costas,
estupidamente me sentindo magoada com ele, e com Rocco que nem estava
ali.
Se isso por acaso fosse os hormônios da gravidez me deixando assim,
tudo bem, mas, se fosse porque eu estava louca então a culpa era deles.
— Dezessete de maio de mil novecentos e oitenta.
Olhei para ele, sem acreditar que estávamos às vésperas de seu
aniversário e que ele simplesmente não ia me dizer.
— Você é um irmão horrível, que ia me tornar uma irmã horrível. —
Funguei, e ele me abraçou.
— Não se incomode, eu não gosto de aniversário, não tenho boas
lembranças.
— Então me permita construir novas, que possam te fazer feliz. —
Olhei para ele e fiquei comovida com a tristeza que vi em seu rosto. — Sua
vida é diferente, brother, me deixa te fazer feliz.
— Você já faz. — Ele sorriu. — Eu tenho uma vida dos sonhos,
tranquila, em paz. Era tudo o que eu sempre quis.
— Você vai procurar os seus irmãos? — Ele fez careta. — Não se
abandona a família, você tem que falar com eles.
— Quando eu estiver pronto, irei.
Observei-o voltar à mesa de bilhar. Ricardo e meu pai estavam
disputando a rodada. Mancando, fui para o meu lugar favorito, o sofá, minha
tia e a doutora Regina estavam conversando.
— Que carinha é essa, minha filha?
— Tia, acredita que eu descobri que o aniversário de Jason é daqui a
três dias? — Não escondi minha chateação.
— Espere, ele não é seu irmão? — a doutora perguntou, e eu não
pude evitar um sorriso.
— Longa história, mas nós nos adotamos. Somos irmãos de coração.
— Ah, é igual. — Ela abanou a mão.
— Vamos preparar algo para ele. Não aqui, por favor. — Minha tia
deu a ideia e eu adorei. — Tem um restaurante em que eu e Ricardo fomos, é
maravilhoso, intimista, e eu sei que Jason vai adorar.
— Perfeito. Vamos marcar um jantar. — Comecei a me empolgar
com a ideia.
— Vocês podem pedir para o garçom levar o bolo e todo mundo vai
cantar parabéns. — Doutora Regina piscou um olho.
— Vai ser uma pequena vingança por ele não ter me dito logo a data.
— Agora eu. — Tia Laura sorriu. — Eu quero uma despedida de
solteira.
— Eu topo e ainda cuido da decoração. — A expressão da minha
psicóloga era divertida. — Que foi? Tenho uma amiga sexóloga que vai
adorar dar umas aulas.
— Meu casamento será dia vinte e dois. Podemos fazer a despedida
um dia antes. Será que dá certo? — Minha tia estava bem empolgada. — Vai
ser incrível.
— Com certeza. Podemos fazer aqui mesmo, na cobertura. —
Doutora Regina ergueu a mão e minha tia bateu. — Vai ser inesquecível.
— Então precisamos começar a organizar isso, porque o tempo está
bem apertado.
— Não vai ser nada muito extravagante, não é? — Tia Laura parecia
um pouco preocupada agora.
— Só um dançarino, talvez dois — doutora Regina provocou e as
duas começaram a rir.
Observei a interação. Era capaz de que muito em breve eu deixasse de
colocar o “doutora” antes do nome de Regina. Claro que agora eu a tratava
com o respeito pela condição de médica-paciente em que estávamos, mas aos
poucos ela estava se tornando parte da família, e eu não ia chamar minha
possível futura madrasta de doutora.
Sentindo-me melhor, dei um boa-noite ao pessoal e fui para o meu
quarto. Eram quase onze horas, o que significava que para Rocco já eram três
da madrugada. Fui para a minha varanda e sentei na cadeira que foi minha
companheira. Olhei para a cobertura à minha frente e tudo o que desejei foi
ver alguma luz acesa.
— Grandalhão, volta logo, sinto tanto sua falta.
Foi estranho, mas o frio que há semanas eu não sentia deu um “oi”
para mim. Não me restou outra coisa senão tentar ocupar a mente e esperar
Rocco voltar. Tentei desenhar, mas não adiantou, eu estava sem um pingo de
criatividade. Pensar muito sobre isso começava a me deixar ansiosa e as
reações do meu corpo não eram as melhores.
Portanto, ia deixar as coisas fluírem, quando produzir não fosse um
tormento, eu ia saber que estava voltando aos bons tempos. Afinal, eu sofri o
acidente no auge da minha criatividade, não sabia se isso tinha relação, mas
eu tinha fé de que logo tudo ia se ajeitar.
Quando eu percebesse, iria estar desenhando com a mesma facilidade
de antes, porque a inspiração não ia faltar.
— Deus há de me abençoar.
Fechei os olhos, lançando minha prece aos céus.
Rocco

Finalmente os gêmeos receberam alta e puderam vir para casa. Agora,


com eles seguros, fora de qualquer risco, eu estava pronto para ir resolver
minhas pendências no Brasil.
O Eclipse já estava a caminho e equipado com tudo que seria
necessário para qualquer emergência. Havia uma equipe de saúde a bordo,
selecionada por Josef, o médico da minha família.
Fiz questão disso, porque não queria correr qualquer risco com
Victoria ou meu filho. Com essa parte resolvida, mandei que a minha ilha
fosse preparada para a minha chegada. Se tudo ocorresse como eu planejava,
Victoria iria desfrutar de cada parte da viagem, senão, bom, eu teria muito
tempo para fazê-la mudar de ideia.
— É isso, amore mio. — Sorri, guardando na mala o novo anel que
tinha comprado e o pingente feito a partir do antigo.
Eu tinha tudo muito bem orquestrado, só precisava fazê-la entrar no
barco por livre e espontânea vontade. Para não fazer parecer um sequestro.
Mesmo que eu estivesse muito disposto a fazer isso se fosse necessário, tinha
certeza de que um tempo juntos era tudo que precisávamos para acertar as
coisas.
Antes de sair de casa, me despedi de Antonella, dos gêmeos e da
minha mãe. A nonna havia dito que iria comigo até o aeroporto. Agora
seguíamos caminho, desfrutando de um silêncio que, a meu ver, parecia
tenso.
— Não gosto da sua expressão, meu filho.
Estreitei os olhos, encarando-a. A nonna era uma versão feminina do
meu pai, o que me tornava muito parecido com ela, inclusive no
temperamento.
— Eu havia avançado com Victoria — falei baixinho. — Temo estar
de volta à estaca zero, não sei o que de fato aconteceu para que ela mudasse
de ideia.
— Parece que algo o incomoda.
Eu admitia, era verdade. A Victoria que falava comigo por mensagem
não parecia a mesma. Ela estava fria, um pouco rude em suas palavras.
Victoria nunca foi assim.
— Victoria mudou em um estalar de dedos. — Encarei minha avó, já
estávamos perto do aeroporto. — O jeito de colocar as palavras parece errado
sabe? Talvez eu que esteja tentando me agarrar a qualquer justificativa para
não sentir que ela vai me deixar.
— Ela disse que vai se casar com outro, o que pode ser mais objetivo
que isso?
— Aí é que está, vovó. — Sorri. — Eu conheço Victoria. Tudo o que
nós dois passamos só me fez aprender ainda mais sobre ela. Amore mio tem
caráter, ela não é o tipo de pessoa que termina por mensagem de celular. Qual
o sentido? Fazer com que eu cometesse uma idiotice?
— Isso não seria muito diferente de você — ela me provocou.
— Antigamente sim, agora, não — falei tranquilo.
Mas, apenas para me contradizer, ela apontou para minha mão, que
tinha as marcas da pequena destruição que causei ao escritório.
— Nonna, acredite em mim, nada que possa fazer Victoria se magoar
comigo eu terei coragem de fazer. — Abanei a mão, dando menos
importância do que deveria à situação. — Talvez, ela esteja me desafiando a
fazer uma merda. Não serei tão idiota de cair.
— E por que ela faria isso?
— Boa pergunta. Por quê, nonna? — Chegamos ao aeroporto. —
Estou indo descobrir, sinto que há algo de errado. Meu instinto grita isso.
Seus olhos castanhos pareciam me avaliar, ou talvez, ela procurasse
por algo.
— Meu neto, eu percebi que você se fechou um pouco. — Ela tocou
meu rosto. — Eu posso ver a sombra do medo nos seus olhos, você se
mantém confiante porque foi ensinado a ser assim, mas esteja preparado para
tudo.
Concordei, mesmo não fazendo ideia do que diabos ia acontecer se
Victoria olhasse nos meus olhos e dissesse que não me queria mais. Eu era
um homem que cuidava tranquilamente de uma empresa que valia bilhões no
mercado, entretanto, no que dizia respeito à vida pessoal, eu era uma bagunça
desorientada. Victoria era meu norte, eu precisava dela para me manter no
rumo certo.
— Não fique preocupada, eu vou dar conta do que vem pela frente.
Ela me abraçou, e eu retribuí. Não precisei dizer à minha avó que esse
não era um momento para fraquezas. Eu tinha um foco e estava concentrado
nele, se eu falhasse, as consequências para mim seriam horríveis.
— Fique bem, se precisar de qualquer coisa, avise.
A partir daqui, eu estava sozinho para lidar com tudo, melhor assim,
eu não queria nada que pudesse complicar as coisas. Sentia um pouco de
ansiedade e adrenalina, minhas mãos estavam tremendo e meu coração estava
um pouco acelerado.
Apenas quando o jatinho decolou e a cidade de Londres não passou
de pequenos pontos de luz, foi que eu comecei a relaxar.
— Amore mio, estou chegando.

***

Quando desembarquei no Brasil, passava um pouco da meia-noite. A


primeira coisa que me recebeu foi o calor. Fechei os olhos um momento,
satisfeito por não sentir o frio que me acompanhara nos últimos dias.
— O carro do senhor o aguarda. — Fui avisado por um dos meus
seguranças.
— Obrigado.
Diferente da primeira vez, agora eu tinha uma equipe trabalhando
para mim. O Rio de Janeiro era uma cidade linda, mas igualmente perigosa, e
eu não poderia sair por aí como se estivesse de férias. Por isso, contratei o
serviço de policiais que faziam segurança nos dias de folga. Montamos um
esquema de rodízio que abrangesse os dias que eu ficaria no Brasil, desta vez,
não seriam muitos.
— É isso. — Relaxei contra o banco, quando o carro se pôs em
movimento.
Não reconheci o trajeto, na verdade, eu sabia bem pouco me
locomover na cidade. Apenas o essencial, e isso ainda era difícil. Eu não
conseguia acompanhar uma conversa em português, entendia apenas algumas
palavras, e isso era desesperador.
Eu acreditava que conseguiria me desenrolar, porque eu havia
estudado um pouco, por causa dos meus negócios aqui, mas eu estava longe
de falar ou entender como eu gostaria.
Em contrapartida, para minha sorte, os brasileiros tentavam se
comunicar de todo jeito, faziam de tudo para entender minha língua, quando
na verdade era eu quem deveria cuidar dessa parte. Não se encontrava esse
tipo de hospitalidade em muitos países, e certamente não na Europa, em que
as pessoas esperavam que você falasse com elas no idioma nativo.
— Estamos chegando, senhor — o segurança falou em meu idioma.
Ao avistar as torres do residencial, uma sensação de tranquilidade me
dominou. Estar aqui me deixava mais no controle da situação, tornava reais
os planos que coloquei em andamento dias atrás.
A vontade de procurar por Victoria dominou cada célula do meu
corpo quando entramos na garagem. Lutei com afinco, porque minha vontade
de vê-la e sentir seu cheiro gostoso começava a cravar as garras ainda mais
profundamente. Eu só precisava esperar três dias para a chegada do Eclipse,
então, eu teria minha mulher de novo, se não fosse para sempre, então, para
uma despedida.
— Dio santo! — Esfreguei o rosto, entrando no apartamento vazio e
escuro.
Eu me obrigava a não pensar idiotices, mas, apesar de todas as
justificativas possíveis que eu havia me dado para controlar o estresse, não
conseguia pensar direito, porque, se tudo o que Victoria me disse for mesmo
verdade, eu ficaria destruído. E agora eu estava muito perto de descobrir e
isso me deixava aterrorizado.
Olhei ao redor. Pelos próximos três dias, eu ficaria preso nesse
apartamento, voltaria a viver de solidão, enquanto me preparava para o tudo
ou nada.
Como fiz da primeira vez, mantive as cortinas de um lado todas
fechadas. Não queria que Victoria soubesse que eu estava aqui, até porque,
em sua mensagem, ela disse que queria conversar pessoalmente para dar um
ponto final.
Teríamos essa conversa, claro, mas a bordo do Eclipse, e enquanto ela
dissertasse sobre suas razões para me deixar, nos afastaríamos
sorrateiramente, quando ela percebesse, seria tarde demais.
Pensar no quão perto eu estava de ter um tempo de qualidade com
Victoria me deixava um tanto nervoso. Eu nunca fui paciente, sempre fui
atropelando as coisas e conseguindo o que eu queria, agora, precisava de
calma, para que tudo desse certo.
Victoria tinha que entrar no Eclipse por livre espontânea vontade. Isso
era primordial.
— Então, nós vamos ter muito tempo para conversar.
Sorri, até porque a viagem até a costa do mediterrâneo seria feita sem
pressa alguma.
— É isso.
Peguei o celular, com a tela trincada do meu último surto de raiva, e
enviei uma mensagem para Victoria. Iria provocá-la, porque com toda certeza
do mundo duas pessoas podiam jogar esse joguinho que ela havia começado.

Rocco: Olá, amore mio, sentindo a minha falta?

Desde aquela mensagem, ela nunca mais tomou a iniciativa para


entrar em contato, tudo ficou por minha conta, e, apesar de estar um tanto
magoado, achei a tarefa bem fácil. Ela respondia, então, não era tão ruim
assim.
Suspirei, minha mentira era descarada demais. Era ruim, péssimo que
Victoria houvesse mudado tanto em um piscar de olhos. Isso me incomodava,
porque não era típico da minha Victoria ser tão grosseira.
Ela jamais terminaria com alguém por telefone. Eu me apegava a isso
também, e a qualquer outra coisa que fomentasse a certeza que eu tinha de
que havia acontecido alguma coisa.
Quando me respondeu, fiquei bem satisfeito. A cada dia, ela era mais
rápida, como se esperasse por mim.

Victoria: Você não deveria estar dormindo?

Rocco: Preocupada com seu homem?

Victoria: Rocco, não insista nessa história.

Rocco: Por que não? Faço por pura diversão.

Ri baixinho, porque, estranhamente, nossas conversas estavam


divertidas, apesar de que eu vinha notando que ela às vezes parecia um pouco
escandalizada, o que era absurdo uma vez que, na cama, Victoria era tão
safada quanto eu.
Victoria: Você me provoca demais. Um dia vou explodir.

Aproveitei o gancho de suas palavras para esquentar um pouco as


coisas, ela precisava lembrar que eu não fazia o estilo passivo, que acatava
ordens. Em coisas tão importantes, que poderiam mudar nossas vidas, menos
ainda. As rédeas dessa viagem estavam nas minhas mãos, ela só não havia
percebido.
Ainda.

Rocco: Não vai demorar. Em breve você vai explodir, sim, na minha boca,
quando eu chupar a sua boceta até você gozar. Depois, vou te foder bem
gostoso, e você vai explodir outra vez, no meu pau. Que saudade de você,
amore mio. P.S.: Não esqueci desses peitos deliciosos, vou mamar até você
implorar que eu pare.

Sentei no deck da piscina, esperando. Ela sempre demorava a


responder quando o assunto ficava mais quente, às vezes, respondia toda
atrapalhada e eu estava muito no clima para um longo tempo de provocações.

Rocco: O gato comeu os seus dedos? Ou você está imaginando eles ao redor
do meu pau, enquanto você me chupa? Lembra do que fizemos em Roma?
Amo a sua boca, estou duro só de pensar no que você sabe fazer.

Desta vez, ela levou um tempo considerável para responder. Eu via


apenas que estava digitando. Esperei que fosse mandar um texto, mas a frase
pequena me deu uma noção de que ela poderia estar afetada.

Victoria: Não vamos falar sobre isso, por favor.

Rocco: Deixa eu só te lembrar de um detalhe.

Victoria: Qual?

Um sorriso largo tomou conta dos meus lábios, sua resposta chegou
muito rápido, e isso para mim denotava curiosidade.
Rocco: A minha barba cresceu de novo, você lembra a sensação dela
esfregando entre as suas pernas? Sabe que eu amo fazer sexo oral em você,
todos aqueles gemidos são como música para os meus ouvidos.

Victoria: Não vou responder a isso. Que… horror!

Rocco: Você geralmente chora quando goza muito forte, planejo uma
trepada de reconciliação memorável.

Victoria: Rocco Masari, essa conversa é absurda,


não podemos falar sobre essas coisas com tanta leviandade.

Rocco: Amore mio, não foi cheio de frescura que fiz um filho com você.
Pequena pervertida, você me segurou pelas bolas e fizemos loucuras, agora
está tímida? Você me diverte. Agora, não se preocupe com isso, e sim com o
fato de que estou chegando. Anseio por saber mais sobre esse seu
“relacionamento” com Carlos.

Coloquei o celular de lado, inclinei a cabeça para trás e fechei os


olhos, saboreando o calor e o cheiro do mar. Victoria estava perto de mim, eu
poderia espiá-la, caso a necessidade de um vislumbre fosse mais forte que o
desejo de manter a promessa de não fazer isso.
— Você disse que estaria me esperando, e não fez isso.
Balancei a cabeça, indo até o meu equipamento e o ajustando para dar
uma olhada rápida em amore mio. Ela estava sentada na cadeira, os olhos
fechados, enquanto as mãos repousavam na barriga.
Havia um leve sorriso nos lábios dela. Meu coração encheu de amor,
e eu me afastei. Tive o meu vislumbre, ela estava bem, pronta para ser levada
em uma aventura que definiria nosso futuro juntos.
Vê-la foi como reacender uma chama que já ardia. Meu corpo todo
arrepiou, só de imaginar que em breve a teria em meus braços.
— Porra, é muito bom estar de volta.
Victoria
Hoje era o aniversário de Jason, e eu estava me segurando para não
estragar a surpresa. Eu achava que ele esperava que eu já fosse alardeando
assim que amanhecesse o dia, mas a minha estratégia era outra. Eu o estava
paparicando, mas sem dizer nada sobre o aniversário ou desejar-lhe parabéns.
Ele poderia até pensar que eu não iria fazer nada, mas eu havia
combinado com minha tia um jantar em um restaurante legal, ela estava
empolgada porque gostava desse tipo de coisa. Meu pai e Ricardo sabiam que
deveriam ficar quietos e fazer somente o combinado.
Mais tarde, meu brother ficaria maluco com o presente que nós
havíamos escolhido. Combinava muito com ele, seria tipo um casamento.
— Você precisa se controlar — tia Laura avisou, enquanto
arrumávamos a mesa para o almoço. — Desde que acordou, está saltitando,
Jason vai perceber.
— Não vai. — Dei uma risadinha. — Está tudo muito bem planejado.
Meu pai vai buscar a moto de tarde e vai deixar na garagem ao lado da nossa.
Jason não vai saber que é dele, só quando a gente for sair.
— Você vai comigo e Ricardo — concordei. — Regina vai sair mais
tarde do consultório, e seu pai vai buscá-la.
— Perfeito. — Parei um momento, quando o desejo insano de ver
Rocco me dominou. — Não, perfeito seria se Rocco estivesse aqui.
— Olha, eu vou admitir que não estou convencida desse lance de ele
não querer conversar com você. — Tia Laura parou o que estava fazendo e
cruzou os braços. — Ele errou feio, a gente sabe, mas, Victoria, Rocco não
me parece o tipo de homem que volta atrás em suas decisões, mesmo que
acabe se ferrando todo.
— O que isso tem a ver comigo?
— Você é uma decisão. — Ela revirou os olhos. — A melhor decisão
da vida dele. Esse homem te ama, te seguiu até aqui e, logo agora que vocês
estavam se acertando, acredita mesmo que ele ia desistir?
— Tia, aconteceu alguma coisa, eu tenho certeza. Talvez Rocco não
queira me dizer para não me deixar preocupada. Em todo caso, só poderei ter
certeza quando a gente conversar. — Joguei os cabelos para trás. — O
problema é: como eu irei fazer isso, se ele não atende o celular? Por
mensagem, ele sempre fica enrolando. Claro que tem problemas, e Rocco
sabe que se nos falarmos eu vou perceber pelo tom de voz dele.
— Isso faz todo sentido — minha tia concordou. — E também, eu
admito que estou vasculhando os sites de fofocas. Não vi nada que o
colocasse em maus lençóis. Rocco é perseguido o dia todo, tem fotos dele
com a família e os amigos. Os tabloides estão elogiando a conduta dele, e
você sabe que eles adoram um escândalo.
— Nem me fale.
Só de pensar no que fizeram comigo depois do acidente, eu sentia
agonia. Não tive paz, minha vida foi escancarada de todas as formas,
inclusive psiquiatras discutiam em programas o assunto, como se eu fosse
uma porcaria de experiência e não um ser humano que estava sofrendo e
tentando se recuperar.
— Aqui, não pense nisso. — Tia Laura me abraçou. — Você já
avançou sobre a questão e fez o que nós duas fazemos quando as coisas ficam
difíceis: nós seguimos em frente. Você está cada dia melhor, não volte para o
lugar que te machuca.
— Não vou voltar, tia, eu não tenho mais pesadelos. — Sorri. —
Digo, tenho receio de dormir, e meu sono está uma bagunça, mas quando eu
finalmente consigo, não tenho pesadelos.
— Você é forte, minha filha, eu tenho muito orgulho de você. —
Ganhei um beijo na bochecha, e um toque de barriga de grávida. — Os bebês
estão batendo as mãos.
Estávamos todos almoçando quando minha avó chegou. Ela
surpreendeu a todos nós, porque ultimamente estava evitando aparecer.
Claro, a campanha do dia das mães foi linda, e agora havia muitos
compromissos por causa da nova coleção e do conceito para mulheres
gestantes. Novos ensaios estavam em andamento, com mulheres em vários
estágios de gravidez.
Eu gostava disso, dessa inclusão. Roupas não deveriam ser feitas para
corpos perfeitos, e sim para quem as quisesse vestir. O traje deveria se
adequar ao corpo, não o contrário. A indústria da moda era uma ditadora e,
infelizmente, quem ia na contramão sempre acabava sendo engolido. Minha
avó poderia fazer o que quisesse, ela estava em um patamar que poucos
conseguiam.
— Gostaria de nos acompanhar, mamãe?
— Não, vim convidar Victoria para viajar comigo.
Engasguei com o suco e fui socorrida por Jason. Ele me olhou com
uma cara estranha, certeza que foi devido àquela frase aleatória da minha avó.
— Vovó, eu não posso viajar. Eu faço acompanhamento, tenho
fisioterapia todos os dias, psicóloga. — Ri, sem graça. — É uma logística
bem complicada para eu sair daqui agora.
— Eu posso arranjar os detalhes, vamos para Gramado.
— Para onde? — Franzi o cenho, não achei que entendi certo.
— Gramado. Nikolas quer ver algumas coisas por lá. Acho
interessante você participar das etapas de criação, você está com bloqueio,
novos ares devem ajudar.
— E quando seria essa viagem? — perguntei só por curiosidade.
— Amanhã.
— E a minha despedida de solteira? — Tia Laura levantou um pouco
a voz. — E o meu casamento? Não tem acordo, Victoria tem que estar.
— Vai ser uma cerimoniazinha de dez minutos, num cartório. — O
desdém gotejava da voz de dona Antonietta. — Não faz diferença Victoria
estar ou não, talvez, nem tire fotos. Inclusive, a única coisa elegante desse
casamento civil é o vestido. Minha neta, o croqui que você me deu é
sensacional. O vestido dela — Apontou para minha tia — Vai ficar lindo.
Eu queria ter feito algo mais atual, porém, do jeito que estava não ia
sair nada que prestasse. Melhor usar um dos projetos que fiz quando estava
com a criatividade nas alturas.
— Vovó, eu não posso ir.
Ela fez uma careta, mas logo tratou de se recompor.
— Depois do casamento então? Saímos daqui depois das quatro. O
jatinho vai estar pronto, rapidinho chegamos. — Ela segurou minhas mãos.
— Você vai ver como Nikolas absorve as ideias e cria a partir de suas
impressões. Além disso, vai ver como fazemos a transferência de ideias e
criamos as tendências. Vai ser bom para você.
Tentador. Será que me ajudaria mesmo a sair do bloqueio?
— Tudo bem — concordei. — Acho que pode ser bom.
Antonietta sorriu e me abraçou. Depois, o barulho de seu celular
chamou sua atenção e ela saiu apressada, antes de sumir de vista, eu a vi fazer
uma cara feia para o que estava vendo no aparelho.
— Você deixa ela fazer tudo o que quer! — minha tia reclamou. —
Quando perceber, ela terá engolido você. Fica esperta, Victoria.
Não era verdade. Eu não me sentia manipulada pela minha avó.
Tirando suas falas problemáticas e personalidade irritante, ela só me tratava
com muito carinho, sempre preocupada, tirando o peso das minhas
responsabilidades dos meus ombros. Se não fosse ela ter assumido minha
lista de clientes, a essa altura eu estaria sem nenhuma.
Minha avó foi embora não muito tempo depois. Mais tarde, conversei
com Rocco, e notei que ele estava um pouco frio. Não me chamava de amore
mio, e o problema era que eu não imaginava que fosse sentir falta.
— O que está acontecendo com você, grandalhão? — questionei-me,
porque me incomodava não saber a fonte dessas mudanças.
A cada dia, eu rezava para que ele não demorasse a chegar, queria
logo colocar as coisas em pratos limpos, porque viver na incerteza era um
verdadeiro saco.
— E eu espero que você tenha uma boa justificativa.
Obriguei-me a não ficar pensando muito nisso, então, depois da
sessão de fisioterapia da tarde, e de uma conversa gostosa com a doutora
Regina, aproveitei que Jason havia saído com os cachorros e confirmei as
reservas no restaurante. Depois chequei com meu pai se estava tudo okay
com a moto.
Com tudo mais que perfeito, eu comecei a me arrumar. Ricardo queria
sair por volta das dezenove horas, e a madame aqui precisava de um tempo
para conseguir se arrumar sozinha. Minha perna estava bem melhor, porém,
eu ainda sentia dores se ficasse muito tempo de pé.
Quando terminei de me arrumar, faltavam dez minutos para o horário
marcado. Eu havia dito a Jason que a gente ia somente jantar fora, nada
demais. E ele sorriu, concordando.
Saímos todos juntos, em direção à garagem. Era agora que
começavam as surpresas.
— Nosso presente para você — meu pai falou, todo sorridente,
apontando para a moto e entregando um estojo para Jason.
Sua expressão foi divertida, ele alternava os olhares entre a gente e o
estojo, até que um arremedo de sorriso levantou o canto de sua boca.
— Vocês estavam quietos demais. — Ele me abraçou. — E você não
deveria ter se preocupado.
— Você é meu irmão, se eu não me preocupar, quem vai? —
Empurrei seu ombro. — Talvez seus outros irmãos?
— Victoria…
— Todo bem, tudo bem. — Ergui as mãos. — Hoje você venceu.
E isso queria dizer que ele não esconderia aquele assunto de mim para
sempre.
Ele ia me dizer quem era Rafael Demonidhes em sua vida e,
principalmente, quem era Draikov.
Jason foi engolido por abraços e parabéns, a partir de então pudemos
extravasar. Deixou-me feliz observar a felicidade no semblante dele enquanto
cada pessoa ali demonstrou o quão importante ele era.
— Eu espero que você goste — falei, quando ele se aproximou da
moto. — Eu disse que queria preta.
— Eu não escolheria outra cor. — Ele deslizou os dedos pela moto
reluzente.
Ela parecia com um dos monstros que Rocco gostava de pilotar.
Pensar nele me deu saudade, eu tinha certeza de que Rocco gostaria de estar
ali se pudesse.
— Agora vamos, depois você paquera sua moto, Jason — Ricardo
falou. — Temos reserva e não podemos nos atrasar.
— Eu vou buscar Regina, me esperem, não vou demorar mais que
vinte minutos. — Meu pai saiu na frente, e eu me ajeitei com tia Laura no
carro de Ricardo.
— Eu vou na minha moto, óbvio. — Jason colocou o capacete. —
Vou seguindo atrás.
Quando chegamos à saída do condomínio, tinha um carro e duas
motos na frente. Esperamos e, quando saímos, reparei que o carro e as motos
nos deram passagem. Por se tratar de área residencial, estávamos seguindo a
velocidade recomendada, e era bem devagar.
Por alguns instantes, uma moto emparelhou ao meu lado, engoli em
seco, porque o piloto parecia olhar para mim, mesmo que eu não pudesse ver
nada por causa do capacete. Se não parecesse loucura, eu diria que o olhar do
motoqueiro estava me perfurando.
— Victoria, suba o seu vidro — Ricardo falou e eu obedeci.
Apesar de já ter feito aquele caminho algumas vezes, admito que o
achei um pouco escuro. Paramos em um sinal, ainda não havíamos saído da
área residencial. Pelo que entendi, toda aquela região era composta por
condomínios de casas ou prédios. Talvez por isso o tráfego fosse tão escasso.
Peguei o celular para ver se tinha mensagem, não havia.
— Até quando você vai fazer isso? — perguntei para o celular, como
se ele fosse capaz de me fornecer uma resposta.
— O que você disse, minha filha? — tia Laura perguntou.
Mas, antes que eu pudesse dizer que estava pensando alto, o carro deu
um solavanco. Por pouco a minha cabeça não bateu no vidro.
— Meu Deus, Ricardo! — Ouvi o grito assustado e, quando prestei
atenção, meu corpo todo gelou.
Havia uma moto de cada lado do carro, os caronas apontavam armas e
faziam gestos.
— É uma tentativa de assalto! — Ricardo gritou. — Segurem-se.
Meu Deus!
Foi só o que pude pensar, antes do pânico me invadir.
Rocco

Eu nunca fui um cara que se considerasse sortudo, porque sempre


trabalhei muito para dizer que minha sorte era o resultado de um mérito meu.
Isso mudou quando conheci Victoria. Primeiro porque era sorte minha
que ela houvesse se apaixonado por mim, segundo, também era sorte minha
que eu fosse o primeiro homem a aparecer na vida dela, e sabe por quê?
Nenhum homem, com metade de um cérebro, deixaria Victoria
escapar. Ela era o pacote completo. Parceira em tudo, dedicada, tinha um
coração gigante e metas lindas em sua vida, além da cereja do bolo, era uma
gostosa na cama.
Como alguém deixaria uma criatura como ela escapar? Eu não seria
tão idiota. Agora mesmo era um dos momentos de sorte, porque eu estava
indo até o porto verificar a área. Kostas gostava de fazer isso durante o dia e
noite, para ter certeza de como proceder em zonas perigosas, neste caso, era
fundamental, pois Victoria iria “embarcar” durante a noite.
— Senhor, podemos ir de carro. — Marcos, o meu segurança daquele
turno e que falava meu idioma, falou quando me viu subindo na moto.
Quando cheguei aqui, adquiri os dois meios de locomoção. Um carro
para o caso de Victoria ir comigo e uma moto para eu ir mais rápido aos
lugares, quando fosse sozinho.
— Marcos, você pode vir na sua moto, não iremos demorar, será
apenas uma visita de inspeção.
— A marina fica muito longe. Deveríamos ter saído mais cedo.
De fato, deveríamos. Mas como dizer a ele que eu passava o dia
pescando vislumbres da minha mulher? Uma parte de mim tentava não fazer
isso, mas, quando a outra parte vencia, eu não podia resistir.
— Eu sei, mas de moto vamos mais rápido.
— Não iremos apenas nós dois, o carro de apoio estará logo atrás.
— Se ficarmos esperando o carro, não faz sentido ir de moto. —
Arqueei a sobrancelha.
— Então vamos todos de carro? — indagou, encarando-me.
— Eu irei na minha moto.
Eram quase dezenove horas quando saímos, e foi aí que a sorte entrou
outra vez em cena. Ou seriam as preces de um desesperado sendo ouvidas?
Victoria estava ali, ao alcance da minha mão. E eu quase coloquei
tudo a perder com a necessidade de dizer que estava aqui e que não ia aceitar
que me deixasse.
— Porra, amor! — Respirei fundo. Observando o carro que a levava
seguir viagem.
Os planos de ir rápido para a marina foram descartados. Eu ia segui-la
e ver para onde iria. Cogitava a hipótese de me aproximar e arriscar foder os
planos. Marcos, o apoio e eu iríamos atrás do carro que levava Victoria.
Estava curioso para saber aonde ela iria tão linda daquele jeito.
Paramos em um sinal e Marcus encostou ao meu lado. Ele apontou
para frente, mas não entendi o que queria dizer com isso.
Infelizmente, não demorou muito para que eu entendesse. Naquele
momento, eu compreendi que algumas coisas tinham o poder de fazer uma
pessoa perder a cabeça, ou de colocá-la no lugar. Mas então, havia uma
minúscula e quase inexistente parcela de coisas que tinham o poder de
transformar um homem em um completo lunático que não tem amor à própria
vida.
Eu estava em um desses casos agora, porque o carro que levava
Victoria estava sendo alvejado.
Duas motos flanqueavam o automóvel, eram quatro homens armados,
que tentavam fazer com que o motorista parasse. Se era um assalto ou
sequestro, eu não fazia a menor ideia. Só queria tirá-la dali, sem me importar
com as consequências.
Era minha mulher quem estava ali e ela precisava de mim.
Meu coração trovejou quando se deu início a uma corrida louca. Eu
sentia o pavor dominar cada parte de mim ao escutar os tiros e o som de pneu
cantando. Tudo estava acontecendo e piorando tão rápido que me deixava
desorientado. Uma terceira moto apareceu, mas esta tinha apenas uma pessoa.
— Porra! — Acelerei, torcendo para que os meus homens
compreendessem que deveriam agir.
Não havia um pensamento inteligente na minha cabeça, eu só pensava
que minha mulher e filho corriam risco. Avancei, ensandecido, e fiz o mesmo
que o piloto sozinho, acelerei em direção aos assaltantes.
O carro estava numa velocidade tão alarmante que suei frio de tanto
medo, se o motorista por acaso perdesse o controle, Dio santo… Nesse ponto
não me importei comigo, ou com as consequências, acelerei o máximo que
pude, minha intenção era bater na moto dos assaltantes e tirá-los do caminho.
Mas, antes que eu os alcançasse, mais tiros soaram e o carro deu um
solavanco horrível. Percebi que o pneu havia estourado e que agora manter o
controle do veículo parecia uma tarefa muito difícil. Aflito, observei quando
o automóvel desacelerou, os assaltantes estavam atirando no vidro, mas havia
blindagem.
Grazie a Dio!
Uma buzina soou ao meu lado, era Marcos, ele gesticulava
freneticamente para eu parar, mas aquela era a minha chance. Ao perceber
que eu estava a ponto de conseguir derrubar pelo menos uma das motos, não
me importei com a minha própria vida.
Furioso e louco de medo, afinal, Victoria estava dentro daquela droga
de carro. Pior, imaginar como ela poderia estar se sentindo deixava-me ainda
mais fora de controle. Tentei bater na moto dos assaltantes e consegui, eles se
desequilibraram e acabaram caindo. Depois, tudo virou uma bagunça ainda
maior. A atenção deles estava em mim e no outro motoqueiro. Tiros soaram e
eu senti uma dor forte no flanco.
Não parei para averiguar, precisava chegar até Victoria a todo custo.
Notei que os outros assaltantes fugiram quando perceberam que não
iam conseguir finalizar o ataque. Agora, um pânico totalmente novo me
dominava, porque o carro estava desgovernado e não havia nada que eu
pudesse fazer. Naquele momento, eu não passava de um fodido observador.
O meu fôlego estava travado na garganta, o terror cavava as garras em
meu coração. Por um milésimo de segundo, senti minha vista embaçando.
Estava de volta ao acidente em Londres, preso naquele pesadelo de ver minha
mulher correndo perigo e não poder fazer nada.
A dor que senti naquele dia eu jamais gostaria de experimentar outra
vez.
— Não, Dio santo, per favore, não. — As palavras saíram
estranguladas, não parecia minha voz. — De novo não.
Meu cérebro se recusava a processar aquela imagem tão tenebrosa.
Em choque, ouvi o som de frenagem e depois o barulho angustiante de lataria
amassando. O carro subiu uma calçada, bateu em um poste e parou.
Angustiado, com o coração batendo na garganta, apressei-me.
— Amore mio! — Pulei da moto, correndo em direção ao carro
amassado. — Victoria! — gritei por ela, mas não houve resposta.
A frente do veículo ficou destruída.
Ofegante, tentei abrir a porta do banco de trás, mas o poste havia
caído no teto, amassando a lataria de um jeito que eu não ia conseguir abrir a
porta sem ajuda.
— Victoria! — Desta vez, o grito veio de Jason, e o vi fazer o mesmo
que eu, tentando abrir a porta.
Ele estava pálido, os olhos arregalados, parecendo enlouquecido.
— Era você tentando derrubar a outra moto — constatei, e ele
balançou a cabeça, confirmando.
— Merda, não quer abrir! — Esfreguei o cabelo, buscando um meio
de abrir aquela porcaria. Mal dava para ver alguma coisa, haviam dado tantos
tiros nos vidros, com a intenção de quebrá-lo, que estava cheio de marcas.
— Deve estar travada. — Jason respirou fundo e pegou o capacete,
depois foi até o outro lado e começou a bater no vidro.
— Não vai quebrar — Marcos falou, ao se aproximar. — Já liguei
para uma ambulância, o apoio pegou um dos assaltantes, o outro fugiu, mas a
polícia já está informada e em busca da dupla que estava na outra moto.
Ele avaliou os lugares onde havia marcas de tiros e respirou fundo.
— Caralho, foi muita sorte os vidros terem aguentado, temos oito
tiros aqui. — Ele avaliou o vidro do motorista. — E mais quatro aqui. — Este
era o de Victoria. — Não houve perfuração, as balas não entraram.
Minhas pernas pareciam a ponto de não sustentar meu peso. Respirei
fundo, mas uma sensação de frio desceu sobre mim.
— Merda! — cambaleei e Marcos me amparou.
— Senhor?
Jason correu para o meu lado e puxou a minha jaqueta, quando vi,
minha camisa branca estava toda manchada de sangue. Comecei a rir, porque
não ia permitir que qualquer contratempo prejudicasse o que eu havia
colocado em movimento.
— Isso não vai atrapalhar os meus planos — falei, mais para mim
mesmo.
— Sente-se. — Jason me olhou com cara feia.
Por mais que eu quisesse protestar, não pude, porque meu corpo
começou a ficar estranho.
— Rocco, você é um idiota! — Jason reclamou, enquanto tirava a
jaqueta e a minha camisa. — Deixe-me ver.
— Marcos, tente ver se consegue respostas de alguém no carro. — A
contra gosto, ele foi, o bastardo queria ficar ao meu redor.
Como se eu precisasse. Isso aqui nada mais era que um arranhão.
— Jason, foco em Victoria. — Tentei empurrá-lo.
— Você não me dá ordens. — Sua voz soou grosseira, eu dei uma
risada, porque a situação era uma grande merda.
— Porra! — Jason respirou fundo. Atento, eu o observei mirar a luz
do celular em mim. — A bala atravessou, mas você está sangrando como um
porco.
— Obrigado, sinto-me bem melhor.
Apesar da dor, aquela sensação de frio começou a rastejar por minhas
pernas. Talvez fosse a adrenalina baixando rápido demais, ou a perda de
sangue.
Tanto faz.
— Nada de desmaiar, olha aqui para mim.
— Quem disse que eu vou desmaiar? Não sou Dimitri!
Outra risada escapou, mas foi interrompida por um gemido de dor. Eu
não era do tipo que reclamava, mas nunca havia levado um tiro para saber
como quantificar essa dor e administrá-la.
De zero a dez, agora eu diria que estávamos em oito e subindo. Jason
tocou ao redor do ferimento, e eu travei, porque o negócio ficou brabo.
— Caralho! — Respirei fundo, com a sensação de dor maciça
queimando a lateral inteira. — Essa merda dói.
— Você esperava o quê? Que fosse como nos filmes? Levar um tiro e
sair por aí como um super-herói? — Jason vociferou. — Os efeitos de um tiro
são devastadores, aqui tem dois furos, um de entrada e outro de saída, mas a
pele está rasgada. Por pouco, você não ganhava um talho. — Observei-o
pegar a blusa descartada — Agora, não grite.
Jason apertou o tecido no local, e então eu poderia dizer que
estávamos na nota dez. Trinquei os dentes, por um instante fechei os olhos,
foi somente para controlar melhor a dor lacerante que se espalhava.
— Caralho, porra!
— Pior seria se eu precisasse cauterizar, você não aguentaria um ferro
em brasa.
Ofeguei, sentindo gosto de sangue.
— Abra os olhos, nada de desmaios! — Levei um tapa no meu rosto,
mas comecei a ficar desorientado. — Se serve de consolo, não acho que
algum órgão importante tenha sido atingido, o problema é que você sangra
demais.
— Normal, sempre fui assim. — Encarei-o. — Jason, Victoria não
pode saber que eu fui baleado, entendeu? — Ele concordou. — Agora, por
favor, veja como ela está. Estou a ponto de surtar sem respostas.
— Surtado você sempre foi. Agora parece que vai desmaiar, está
parecendo um fantasma.
— Desde quando você é um piadista?
— Desde quando é preciso. Agora, foco aqui, se você desmaiar, eu
vou te chutar.
— Eu não vou desmaiar, idiota!
O som de uma sirene me fez querer levantar. O problema era que eu
não tinha energia para isso, o que a meu ver era revoltante. Eu precisava de
respostas.
— Jason? — Estendi a mão e ele balançou a cabeça, mas me ajudou a
ficar em pé.
Estremeci, cambaleando um pouco. Lutei contra a vertigem e segurei
firme a lateral machucada enquanto ia em direção ao carro.
— Não consigo ver os passageiros — Marcos avisou. — O vidro
segurou os tiros, mas afundou quando o poste caiu. Não dá para ver nada.
— Coloque a lanterna do celular, chame por eles.
Tentei enxergar através do vidro trincado, mas não pude. Olhei ao
redor, mas uma vertigem me deixou um pouco desorientado. Apoiei a mão no
carro, respirando fundo, em busca de controle.
— Amore mio, pode me ouvir? — Chutei a porta, o impacto
reverberou pela ferida, aumentando o latejar irritante.
Um gemido vindo do banco do motorista chamou minha atenção, fui
para lá e comecei a bater na porta ansiosamente.
— Pode me ouvir? — Sua resposta foi um gemido.
— Ricardo? Laura? — Jason gritou.
Continuei chamando, mas não obtive respostas. Quando a ambulância
chegou, eu saí da frente, para que tentassem um meio de ver como estavam
os passageiros.
O paramédico veio em minha direção.
Ele falou, mas não entendi nada. Apontei para o carro, afastando-me.
— Eles querem ver o seu estado — Marcos falou, no seu inglês
rústico.
— Eu não preciso.
— Sinto muito, você está sangrando e agora não dá para ter acesso
aos passageiros. Precisamos de algo para tirar a porta, que amassou e ficou
presa.
— Senhor, deixe-me ver o seu ferimento — o paramédico disse. —
Eu irei ajudá-lo.
— Eu estou bem.
Para me contradizer, tudo escureceu por um breve momento.
— Por que você é tão cabeça-dura? — Jason me auxiliou. — Sente-
se, caralho, vai piorar a situação. Apenas imagine quando Victoria souber que
você morreu porque não quis ser atendido.
— Eu não vou morrer, otário. Tenho uma mulher para reconquistar e
um filho a caminho. — O paramédico se aproximou de novo, tentei empurrá-
lo. — Eu estou bem. Minha mulher está no carro, por favor, ela está grávida,
cuidem dela primeiro.
— Senhor, você está ensanguentado, precisamos ver seu ferimento.
— O inglês dele era bem confuso, mas entendi o que ele dizia. — Você está
perdendo sangue, deixe-me ver.
— Minha mulher primeiro.
— Não é assim que funciona, temos outra ambulância a caminho,
você agora é prioridade.
— Não! — Empurrei-o de novo. — Minha mulher primeiro!
Tentei voltar para perto do carro, mas minhas pernas cederam. Franzi
o cenho, confuso por estar tão fraco.
— Perda de sangue, você precisa ir para o hospital agora.
— Estou bem — insisti, mas, quando tentei andar sozinho, uma
tontura pior que a anterior me engoliu.
— Não está.
Fui deitado em uma maca, e mesmo que estivesse puto, não consegui
criar resistência suficiente para brigar. Meu corpo estava desligando.
— Meus documentos. — Respirei fundo. — Bolso da jaqueta.
O som de mais sirenes chegando deixou-me em alerta, por outro lado,
a cada minuto, eu estava mais confuso. Meus pensamentos começaram a se
perder com a mesma velocidade com que surgiam.
— Ferimento de bala, flanco direito. — Ouvi dizerem. — O projétil
atravessou, mas há laceração de tecidos, hemorragia. A vítima se chama
Rocco Gianello Masari, 32 anos, ele é inglês.
Italiano. Quis dizer, mas não consegui. O que diabos estava
acontecendo comigo?
— Preparar para subir.
— Minha mulher. — Escutei minha voz, mas não sabia se eles a
tinham ouvido.
— Ela vai ficar bem…
Tentei me levantar, queria ir para junto de Victoria, ver se ela estava
bem. Ainda vi um dos paramédicos fechar as portas, quando senti que era
empurrado de volta na maca.
— Fique deitado. Ou eu terei que contê-lo!
Eu não tinha a menor intenção de obedecer, mas, de repente, tudo
ficou escuro.
Acordei morto de sede. Na verdade, parecia que minha garganta havia
sido dissecada.
— Caralho. — Ergui o braço, sentia-me desorientado, um lado do
corpo todo dolorido.
— Calma, não tente se mexer ou vai perder o acesso no braço. —
Procurei o dono da voz e o avistei sentado ao meu lado — Bom dia, bela
adormecida.
— Jason, que diabos…
Tudo o que aconteceu voltou com força total e, na hora, eu quis
levantar. Precisava ver Victoria. Saber de Laura, Ricardo. Ter certeza de que
todos estavam bem.
Dio santo! Meu filho! Senti como se um peso esmagasse meu peito,
dificultando minha respiração.
— Merda! — Ergui a cabeça, tentando fazer um impulso para me
levantar.
Talvez eu tivesse conseguido se aquele bastardo não me empurrasse
de volta para a cama.
— Fica quieto.
— Eu preciso ver como Victoria está! — falei alto, a garganta
doendo. — Jason, me solta!
— Não estou nem fazendo esforço. — Ele teve o descaramento de rir.
— E Victoria está bem, fez muitos exames e, após todos estarem ótimos, ela
foi liberada. Já você, meu amigo, ficou desacordado por um longo tempo.
— Desacordado? Eu não fico desacordado. — Não escondi a revolta
que suas palavras causaram.
— Claro que não, por isso te derrubaram. Você é um paciente
horrível, brigando com enfermeiras e médicos. — Balançou a cabeça. — Que
coisa feia.
— Eu não tenho tempo para perder, há coisas demais para fazer. —
Tentei levantar mais uma vez.
— Tipo a chegada do Eclipse?
Essa informação me acalmou porque, se Jason sabia que o Eclipse
estava chegando, ele poderia muito bem atrapalhar os meus planos.
— Eu atendi o seu telefone e achei interessante que você tenha
mandado seu iate ser trazido para cá.
Não me preocupei em responder, ele não era idiota. Óbvio que sabia
do que se tratava.
— Você pretende levar Victoria — constatou e eu só confirmei com
um aceno. — Você sabe que a avó dela planeja levá-la para Gramado?
— Quando?
— Após o casamento de Laura, daqui a cinco dias.
— Ela me odeia e deve saber que estou perto de voltar. — Balancei a
cabeça, cansado de tanto problema. — Quero um tempo sozinho com
Victoria.
— Por que você não atende às ligações dela?
— Ela não quer conversar por chamadas — respondi, desconfortável
com o assunto.
— Não quer? — Jason cruzou os braços. — Quem te disse isso?
— Quem você acha? — Gemi quando tentei me mexer. A minha
lateral estava toda enfaixada. — Precisamos nos resolver, o Eclipse chega em
dois dias.
— A despedida de solteira de Laura será um dia depois da chegada do
Eclipse. Você não pode levar Victoria antes do casamento.
— Eu não sabia disso.
— Como não? — Jason parecia confuso. — Victoria não te contou?
— Não.
Merda, ela estava me excluindo? Em algum momento, um bem
pequeno, eu pensei em desistir para que ela pudesse tentar esse amor calmo
que tanto insistia em dizer que precisava. Mas eu era um grande bastardo
egoísta que passou tempo demais sem ter alguém, porque vivi desacreditado
do amor. Agora que o tinha, não conseguia me imaginar sem ele.
Eu havia estragado tudo, sabia disso, mas seria louco se não fosse até
as últimas consequências para tentar consertar meus erros. Sem cometer
novos desta vez.
— Eu acho que sou o filho da puta mais egoísta do mundo, porque se
me perguntar se estou disposto a correr o risco de perder Victoria, a resposta
será não. Pouco me importa o que ficará pelo caminho.
— Isso vai ser complicado. — Jason sorriu. — Porque tem alguma
coisa que está me incomodando, e quando isso acontece, o sinal de alerta fica
vermelho.
— Não vou sequestrar Victoria, se é o que está pensando. — Sorri.
— Claro, ela deve entrar no barco com as próprias pernas, antes de
você mandar Kostas acelerar para o mais longe possível.
— Exatamente. — Outra vez tentei levantar, mas meu corpo era um
peso inútil.
— Fica quieto ou não vai receber alta — Jason reclamou. — Você é
um paciente insuportável.
— Eu já falei que não tenho tempo para perder.
Antes que ele pudesse responder, a porta se abriu e um médico entrou.
— Bom dia, senhor Masari, como se sente?
— Estou ótimo. — Cruzei os braços, deitado, o que era ridículo.
— Tudo bem, vamos ver aqui. — O médico riu. — O senhor foi
baleado, mas graças a Deus não teve nenhum órgão comprometido. O maior
problema foi a perda de sangue por causa da laceração na pele, mas agora seu
quadro está bem controlado. Creio que o uso de vitaminas e suplementos
consiga equilibrar o organismo enquanto o senhor se recupera. Também vai
fazer uso de antibióticos.
— Então, já estou liberado?
— Bem, vou fazer alguns testes, se der tudo certo, o senhor vai poder
ir.
Passei boa parte do dia fazendo exames e esperando resultados, já
estava puto quando o médico voltou e me deu alta.
— Eu trouxe algumas roupas minhas para você. — Jason me entregou
uma bolsa. — Suas roupas estão no lixo.
— Meus documentos?
— Aqui. — Ele mostrou a carteira.
Fui para o banheiro, achando ridículo que me sentisse fraco. Ao
chegar à porta, olhei para o meu acompanhante inusitado.
— Você falou para Victoria o que aconteceu?
— Não, foi um pedido seu. — Ele deu de ombros. — Concordo que
ela não precisa ficar louca de preocupação.
— Obrigado.
Vesti-me rápido, apesar de estar um pouco tonto e cansado. Depois,
acertei as contas no hospital e fomos embora. Por mim, teria ido direto para
casa, mas antes Jason comprou todos os medicamentos que eu deveria tomar.
— O cheiro de hospital é insuportável — resmunguei e ele
concordou.
Quando cheguei em casa, a única coisa que eu queria era dormir,
então, foi o que fiz. Deixei Jason com o código do elevador e me arrastei até
a minha cama.
— Eu vou em casa ver como as coisas estão, dormirei aqui. — Ouvi
Jason falar. — Tome os remédios no horário, se eu não chegar a tempo.
Minha resposta foi erguer o polegar. Por mais que eu não tivesse feito
absolutamente nada, eu me sentia exausto.
Victoria

O dia pareceu uma loucura, eu sentia meu corpo dolorido em algumas


partes, principalmente onde o cinto de segurança tinha me prendido. A região
do pescoço também me incomodava, mas, de acordo com os médicos, isso
era consequência do efeito chicote.
Graças a Deus, eu estava bem, e o meu bebê também. As pessoas que
mais se machucaram foram minha tia e Ricardo. Ela tinha uma grande marca
roxa descendo do ombro, e ao lado do rosto, Ricardo também.
Depois do acidente, e de ficar madrugada adentro no hospital, não
consegui falar com Rocco. Foi estranho acordar no hospital sem tê-lo por
perto. Das outras vezes, era ele quem estava lá, segurando minha mão,
dizendo que estava tudo bem.
Agora, não. E isso doeu.
Ele sabia o pavor que eu tinha de hospitais, das memórias ruins. Mas,
de algum modo, tê-lo por perto tornava tudo mais fácil, porque se Rocco
dizia que tudo ia ficar bem, então, com certeza ficaria.
— Victoria?
— Oi, brother. — Limpei uma lágrima que nem percebi estar ali.
Depois sorri, para a carinha preocupada do meu irmão. — Sinto muito que
isso tenha ocorrido no seu aniversário.
— Bonequinha. — Ele sorriu, entrando no meu quarto. — Foi uma
aventura, devo dizer.
— Jason…
— Eu inaugurei a moto em grande estilo, derrubando assaltantes
como se fossem pinos de boliche. — Piscou um olho, mas ficou sério. — Eu
vou te perguntar algo, responda se achar que deve.
Franzi o cenho, ele parecia bem sério.
— Pode perguntar.
— Quando você esqueceu o celular com a sua avó, ela te devolveu no
mesmo dia não foi? — Acenei, não entendendo onde ele queria chegar. —
Você por acaso notou algo diferente?
— O que você quer dizer?
— Nada, só uma dúvida.
— Jason, você não perguntaria algo do tipo aleatoriamente — sondei.
— O que foi?
— Victoria, você tinha os números de quem adicionados no aparelho?
Pensei por um momento, e isso foi bem fácil.
— Rocco me deu de presente, disse que era para conversarmos. Tinha
o número dele já adicionado, então eu coloquei o seu, da tia Laura, do meu
pai, da doutora Regina, Murilo, da minha avó, do Carlos e Nikolas. — Franzi
o cenho. — Você lembra que Nikolas estava tentando me ajudar com o
bloqueio?
— Sim.
— Bom, por que você está perguntando isso?
— Você sabia o número de Rocco decorado?
— Não. — Fiquei um pouco sem graça. — Na verdade, eu não sei
decorado o número de ninguém, nem o meu.
— Então, eu poderia anotar um número qualquer e colocar meu nome
que você não desconfiaria?
— Jason, por que você faria isso?
— Bonequinha, às vezes você é tão inocente. — Ele riu. — Agora me
diz, como você está?
— Eu estou bem, só um pouco dolorida. Aqui. — Mostrei o ombro.
— Está ficando roxo, mas a tia Laura está bem pior. — Notei que ele estava
com uma pequena necessárie. — Você vai sair? Desculpe, não é da minha
conta. É só que pensei em compensar o fiasco de ontem, com uma sessão de
cinema, meu pai trouxe o seu sorvete favorito.
— Eu vou encontrar uma pessoa. — Ele sorriu.
— Ahh, meu Deus, vai, corre. — Abanei a mão, indicando a porta. —
Não deixe a garota esperando.
— Quem disse que é uma garota? — Ele deu um sorriso engraçado e
misterioso.
— Jason. — Dei uma risada alta, ele parecia divertido. — Eu quero
conhecê-lo.
— Em breve. — Inclinou-se e me deu um beijo na testa. — Diga-me,
você vai precisar do seu celular hoje? O meu descarregou e para onde eu vou
não tem tomada. — Sorriu mexendo as sobrancelhas. — Poderia me
emprestar o seu?
Olhei o horário e já passava das dez. A essa hora, Rocco já deveria
estar dormindo. Fiquei na dúvida se tentava ligar ou não. Decidi que não,
provavelmente Rocco não ia atender, então, preferi usar nosso método.
— Espere, me deixe mandar uma mensagem para Rocco. — Escrevi
algo fofo e, óbvio, não disse o que havia acontecido.
Ele era do tipo paranoico, ficaria louco. Satisfeita, entreguei o
aparelho na mão de Jason.
— Amanhã cedo estarei em casa, você nem vai sentir falta do celular.
— Fica à vontade, eu não uso muito, apenas para falar com Rocco.
Quando vir a mensagem, ele vai responder.
— Se a sua avó ligar, eu posso atender?
— Pode sim.
— Qual a sua senha? — ele perguntou e eu senti que corava.
— Um, dois, três, quatro, cinco, seis.
— Victoria… — seu tom de voz me fez ficar ainda mais
envergonhada.
— Tudo bem, eu vou mudar para algo mais difícil, só que eu sempre
esqueço. — Cocei a cabeça. — Minha avó também achou ridícula a minha
senha.
— A sua avó sabe a sua senha?
— Ela pediu, disse que meu celular estava tocando sem parar e que
iria desligar. — Arregalei os olhos. — Será que era Rocco? E depois ele
ficou chateado por eu não ter atendido? Por isso está fazendo o mesmo?
— Bonequinha, para desligar um aparelho, não precisa da senha, é só
desligar.
Ele saiu, e eu fiquei um tempo pensando no que ele havia dito.
Parecia uma teoria da conspiração, mas, a meu ver, isso não tinha muito
sentido.
— Amanhã eu vou perguntar essa história direito.
Rocco

Minha ferida estava latejando como se não houvesse amanhã. Não


tinha uma posição para ficar sentado ou deitado. E isso me irritava pra
caralho.
Levantei, sentindo como se houvesse levado um chute nas costelas, e
fui até a minha geladeira. Peguei uma cerveja, abri a tampa no dente e bebi o
máximo que aguentei de um gole só.
— Porra. — Fiz careta, tentando mexer o corpo de um lado para o
outro.
— O que diabos você está fazendo?
Soltei o fôlego, olhando para Jason, que estava de braços cruzados na
porta da cozinha.
— Você não tomou os seus remédios?
— Aqui o remédio. — Ergui a cerveja, terminando de beber o
restinho que havia na garrafa. — Você quer?
— Eu estou tentando entender o seu tesão na autossabotagem. — Ele
colocou um celular na mesa. — Cadê o seu telefone?
— Na sala.
— Vá buscar. — O seu tom de voz era o de alguém que estava com
raiva. — E se você beber mais uma cerveja, eu vou embora e você que se
foda sozinho, sabotador de merda!
— Quanto carinho. — Ergui as mãos, indo buscar o telefone.
Ao voltar, encontrei Jason mexendo nas caixas de remédio. Pela
forma com que as estava jogando na mesa, ele estava furioso.
— Você nem tirou da sacola, filho da puta — rosnou, pegando a
receita. — Aqui, esses são para dor. Tome dois.
— Não gosto de medicamento, meu corpo vai curar sozinho.
— Vai, porque você é superincrível. — Ele destacou dois
comprimidos da cartela, estendendo-a para mim. — Ou você faz do jeito
certo, ou eu vou foder todo o seu plano de levar Victoria, e você sabe que eu
consigo. Então, o que vai ser?
Peguei os dois comprimidos e os coloquei na boca, mastiguei,
encarando-o enquanto o gosto amargo explodia na minha boca. Dei de
ombros, não ia engolir simplesmente.
Foda-se essa merda.
— Você disse que o Eclipse chega amanhã? — sondou, e eu ri.
— Eu não disse quando ele chega.
— Quando atendi o telefonema de Kostas, eu entendi que era amanhã.
— Adiante, Jason, será amanhã.
— Qual é o plano? — Cruzou os braços. — Não vou deixar Victoria
nas suas mãos sem saber se ela vai estar segura. E nem adianta fazer cara de
psicopata, eu lidava com pessoas assim no café da manhã.
— Bastardo — rosnei baixo, puto com sua ousadia.
— Não exatamente. Agora, discorra sobre o assunto. — Ele sentou no
banco alto, o que ficava de apoio para a ilha da cozinha.
— Eclipse vai se aproximar da costa durante a tarde, minha equipe já
acertou os trâmites, mas apenas perto da meia-noite ele irá aportar na enseada
de Botafogo.
— Você quer que a notícia de sua “chegada” circule apenas no dia
seguinte, é isso?
— Sim, estou esperando que a mídia de algum modo não solte que eu
estive no hospital, se isso acontecer, acabaram meus planos.
Jason concordou, então disse:
— Tentei dificultar isso um pouco, pelo menos, eu espero ter
conseguido. — Ele balançou a cabeça. — Quando cheguei ao hospital, eu me
identifiquei como parente, fiz o seu registro e tirei o Masari do seu nome,
coloquei apenas o Gianello.
— Obrigado.
— Não que vá resolver todos os problemas, mas Victoria não assiste
televisão. Então, isso pode ajudar.
— Já é alguma coisa — concordei.
— E o que mais? Depois que Victoria entrar no Eclipse, o que você
vai fazer?
— Navegar até a minha ilha.
— Você vai cruzar o oceano com uma mulher grávida a bordo? Você
enlouqueceu? E se tiver problema na metade do caminho?
— Eu montei uma equipe de profissionais para cuidar de qualquer
eventualidade. Você sabe, o Eclipse tem tamanho suficiente para ter uma sala
de hospital equipada nele.
— Rocco, você tem certeza?
— Óbvio. Acha que eu colocaria minha mulher e filho em risco?
Victoria vai estar no início do sexto mês, pelas contas que fiz, então, ela
poderá viajar. Vamos passar quinze dias em alto-mar, será como um cruzeiro.
— Tudo bem, então. — Ele olhou para o aparelho em cima da mesa.
— Ligue para Victoria.
— Ela não vai atender. — Não escondi a minha frustração, há dias
estava louco para ouvir a voz dela, morto de saudade e culpa por algo que
ainda não sabia o que era.
— Só ligue.
Disquei o número que sabia de cor e coloquei no viva-voz. Chamou
até cair.
— Viu. Ela não vai atender. — Esfreguei o rosto.
— Rocco, esse aqui é o telefone de Victoria. — Jason pegou o celular
e o colocou ao lado do meu.
Era o mesmo que eu havia dado a ela de presente, como uma desculpa
para conversarmos.
— Não pode ser.
Jason desbloqueou a tela ao mesmo tempo em que o alerta de
mensagem chegava no meu celular.
Franzi o cenho, abrindo o ícone. A mensagem que ela me enviou
estava assim:

Victoria: Eu já te pedi para não me ligar, qual o seu problema?

Olhei para Jason, e ele balançou a cabeça, rindo. Então mexeu no


aparelho de amore mio e ligou para mim.
Vi meu nome lá na tela, chamando. Mas o meu telefone não tocou. Eu
estava segurando a porcaria e vendo a mensagem que fora enviada a ele.
— Que porra é essa? — Cruzei os braços.
— Pois é. Victoria está muito chateada com o fato de você não
atendê-la. Você sumiu, mas pelo menos responde as mensagens que ela
envia. Veja aqui.
Sem acreditar, peguei o celular e vi o histórico de mensagens.
— Eu não escrevi isso. Que absurdo.
Entreguei a Jason o meu aparelho, para ele ver as mensagens que
Victoria tinha me enviado. Inclusive, a que me comunicava de seu
relacionamento com Carlos.
— Essas fotos foram para um editorial de moda. — Jason balançou a
cabeça. — De acordo com o que Victoria me contou, a modelo contratada
passou mal. Ah, nesse dia, Victoria ficou sem celular, porque ela o
“esqueceu” no restaurante, e sabe quem o trouxe?
Ergui a cabeça, estava chocado com as mensagens frias que aquele
Rocco havia enviado para ela.
— Antonietta Andrade.
— Ela não desceria tão baixo — murmurei, horrorizado com a
possibilidade.
Ela seria realmente capaz de fazer algo do tipo? Afinal, essa mulher
não tinha coisas para fazer?
— Ela desceria e o fez. — Jason cruzou os braços. — Rocco, bastava
que você fosse flagrado com uma mulher e acabou o jogo. Acho que ela
contava com isso, mas você não o fez.
— É um absurdo, e mais ainda que eu tenha caído. — Ri,
desacreditado.
Porra, eu era velho demais para cair em truque tão ridículo quanto
esse. Troca de celulares? Que coisa mais clichê.
— Inteligente da parte dela, e mais ainda, eficaz. Porém, ela contou
com a sorte também, até porque, bastava que algum de nós ligasse para
Victoria.
— Eu ainda não estou acreditando que Antonietta teve coragem.
— Não? Ela destruiu o relacionamento do filho quase da mesma
forma.
— É surreal. — Sentei, a ficha caindo para o fato de que eu fui
enganado por uma senhora. — Puta que pariu.
Balancei a cabeça, rindo a ponto de sentir a minha ferida doer pra
caralho.
— Victoria, não tem saído de casa. Ela ficou dedicada à fisioterapia,
às sessões com a doutora Regina. Então, qual motivo teríamos para telefonar,
sabendo que ela estava em casa? E se ela não atendesse? Tudo bem, era só
ligar para outra pessoa, um de nós sempre estava com ela, o mesmo serviria
se fosse o contrário.
Ouvi Jason, mas eu estava debruçado sobre as mensagens absurdas
que descobrira naquele celular.
— Oi, estou exausto, aqui está uma loucura. Eu não sei a data de
aniversário de Jason. Até mais tarde. — Reli uma das mensagens que
Victoria recebera, e a raiva começou a me esquentar. — Eu nunca enviaria
algo tão seco para ela. E o seu aniversário é dezessete de maio.
— Sim. — De repente, Jason começou rir. — Provavelmente você
trocou essas mensagens calientes com a avó de Victoria, Rocco, isso soa
divertido.
— Muito, estou morrendo de rir.
Balancei a cabeça, porque em algum momento eu havia falado que ia
chupar a boceta de Victoria, se era avó dela lendo isso. Porra! Que inferno de
mulher que não sabia deixar as pessoas em paz.
Agora, se não fosse a raiva que as mensagens estavam me causando,
eu estaria constrangido pela situação vexatória em que aquela mulher tinha
nos colocado.
— Isso aqui está inacreditável. — Continuei lendo as mensagens. —
Que sangue-frio, ela não percebeu que Victoria estava triste? Preocupada?
Será que ela não se importa com a própria neta?
Revoltava-me que ela fosse tão ardilosa, eu não me importava com
seu ódio, ela nunca havia escondido isso e assim poderíamos continuar.
Porém, agir sorrateiramente e manipular a todos nós, sem levar em
consideração o quanto isso afetaria Victoria, uma mulher grávida e sensível,
era outra coisa.
Algo que eu não ia deixar barato.
— Na minha opinião, ela somente trocou por outro chip, adicionou os
números e entregou à Victoria. Então, passou a agir como se fosse você.
— Que safada. — Olhei para Jason. — Eu falei sobre coisas
íntimas…
— Você deveria ver a sua cara. — Jason deu uma risada alta, o que só
me irritou. — Não se culpe tanto, ninguém esperava algo assim, e eu
confesso que só desconfiei porque não tinha o menor sentido você e Victoria
reclamarem da mesma coisa.
— As chamadas. — Ele acenou.
— Por outro lado, me admira você acreditar que Victoria teria
coragem de escrever uma mensagem escrota dessas, terminando o
relacionamento.
— Eu soube que havia algo errado. — Cruzei os braços. — Mas ainda
estávamos navegando em águas incertas. Confesso que na hora fiquei louco,
só depois, quando comecei a pensar, notei que era bem atípico de Victoria
fazer algo assim.
— Graças a Deus que você não correu para um bar e chamou
mulheres.
— Tudo bem, eu entendi a referência. — Fiz careta, não gostava de
lembrar a grande merda que eu havia feito.
— Então, como vai ser? — ele perguntou.
— O Eclipse chega amanhã. — Pensei por um instante. — O
casamento de Laura é em três dias, não é? — Olhei para Jason. — Depois da
festa, você vai entregar o meu celular junto com uma carta à Victoria.
— Você quer que ela leia essas mensagens?
— Ela precisa saber que não fui eu quem as enviou. Eu jamais a
trataria com tanta secura e indiferença.
Resmunguei, desconsolado que amore mio tivesse se sentido
desprezada quando na verdade eu estava aqui, louco de saudade.
— Se serve de consolo, Victoria tampouco está convencida, ela sabe
que tem algo errado. Ela acha que aconteceu alguma coisa e você não quer
contar.
— Deus. — Curvei-me sobre a mesa. — Me dá um motivo para eu
não correr até ela agora mesmo!
Era surreal que houvéssemos caído em um truque barato como esse.
— Se você for, vai colocar a perder sua viagem romântica pelo mar.
— Bom ponto. — Olhei Jason. — Mas você está com ar de deboche.
— Claro. Quando Dimitri e William souberem disso, imagine, você
falando obscenidades para a avó da sua mulher. Dimitri vai adorar.
— Não vejo necessidade — reclamei, ele riu, estava se divertindo.
— Eu vejo. Agora, se me der licença. — Jason foi até a geladeira e
pegou duas cervejas. — Eu vou beber, e você vai descansar, daqui a pouco
tem que tomar outro remédio e fazer o curativo antes que seu excesso de
cuidado deixe a ferida podre.
— Eu entendo ironia. — Peguei o celular de Victoria, para ler todas
as conversas com calma.
Não levou muito tempo para que eu ficasse chocado com a astúcia de
Antonietta. Ela replicou algumas conversas para fazer tudo parecer mais real.
O único jeito de Victoria ter percebido seria se ela tivesse prestado atenção
aos horários, mas porra, conversamos o dia inteiro.
Cada mensagem trocada foi me deixando mais e mais chateado.
Amore mio perguntou muitas vezes se poderia ligar. E a resposta era sempre
uma desculpa escrota. Senti o tanto que ela precisava de cuidado, atenção.
Enquanto isso, eu, do meu lado, passava pela a mesma coisa. Queria ouvir
sua voz dizer que estava tudo bem.
— Que idiota eu fui. — Balancei a cabeça.
Arrependido de não ter anotado o número das outras pessoas, porque
com uma ligação essa merda teria sido resolvida.
Eu não sabia quanto tempo passei lendo, mas a certeza de que
Antonietta precisava de um cartão vermelho só intensificou. Tomara que
depois dessa ela respeitasse mais as pessoas, e eu não dizia apenas a mim, ela
poderia continuar me odiando, mas à Victoria, que não merecia ser enganada
desta forma.
Mesmo após terminar a leitura, não consegui dormir. Amanheceu e eu
estava na merda. Fiquei o dia todo irritado, até que, sem querer, abri um
ponto e tive que ir ao hospital para o arrumar. Depois, não respondi nenhuma
mensagem que “Victoria” enviou, esperei, paciente, receber a ligação de
Kostas.
Eram onze da noite quando o telefone tocou.
— Masari — atendi, cheio de expectativa.
— Chegamos à costa do Rio de Janeiro, senhor. Vamos aportar no
horário combinado?
— Kostas, espere. — Sorri. — Aguarde mais um dia, e aporte às
cinco da manhã.
— Sim, senhor.
O Eclipse iria aportar no dia do casamento de Laura, timing perfeito
para que Antonietta não tivesse tempo de aprontar nada.
Pela primeira vez em vários dias, um sorriso idiota tomou conta dos
meus lábios.
Eu estava mais perto de ter Victoria somente para mim.
— Falta pouco, amore mio.
Victoria
Olhei para minha tia, escondendo a preocupação. Um lado do seu
rosto e a marca do cinto de segurança estavam roxos. O seu vestido era
tomara que caia e deixava em evidência a marca do acidente.
— Vou cancelar — ela murmurou, os olhos lacrimejantes.
— Cancelar o quê, tia? Seu casamento é amanhã e já está tudo
preparado para a despedida, olhe o apartamento todo decorado.
— Eu não posso me casar assim. — Sua voz embargou — Não vai
dar.
— Maquiagem. No Brasil tem maquiadores fantásticos, vai dar para
cobrir tudo isso.
— Minha filha, como eu vou maquiar isso aqui? — Ela apontou a
faixa roxa do ombro e para baixo. — Vou sujar meu vestido, vai ficar
horrível.
— Tia, me escuta. — Peguei suas mãos, estavam frias. — A senhora
está esperando por esse casamento faz tempo, pense, sofremos um acidente e
ninguém saiu com machucados sérios, não deixe seu casamento ser adiado
por causa disso.
Ela balançou a cabeça, parecia já ter tomado sua decisão e não achei
que tivesse sido fácil.
— Ricardo está com uma marca pior que a minha no rosto, ele não vai
querer se maquiar.
— O casamento no civil será íntimo, meu bem. — Puxei-a para um
abraço. — O da igreja será depois, aí a senhora se preocupará com a
aparência. Agora, maquiagem arruma isso. Olhe, posso falar com minha avó
e conseguir uma sobreposição de renda, vai ficar delicado e disfarçar, o que
acha?
— Não sei.
— Tia, a senhora por acaso quer deixar Ricardo plantado?
— Não, claro que não. — Ela riu, suspirando. — Tudo bem, vamos
fazer esse casamento e o jantar, como planejado.
Ela se olhou no espelho por alguns minutos, depois, um sorriso suave
tocou seus lábios.
— Você tem razão, não posso adiar meu casamento por causa de
umas marquinhas. — Eu concordei.
— Você vai se divertir na sua despedida, vai brincar, cantar. Nikolas
prometeu um dançarino.
A risada da minha tia ecoou pelo quarto, e eu amei que ela pudesse se
preocupar com outra coisa que não fosse as marcas do acidente e no que isso
implicava em seu sonho.
Eu sabia o quão importante era um casamento, afinal, eu fazia
vestidos para noivas e foi um deles que mudou a minha vida. Não importava
se fosse civil, na igreja, ou na praia, etc, a questão aqui não era essa. E sim o
fato de ela ter esperado pelo homem da sua vida e já ter adiado uma vez os
planos. Primeiro por minha causa, agora…
— Tia, a senhora vai ficar linda demais. — Alisei a saia do vestido
dela. — E se quiser, pode usar o cabelo de lado, que tal?
— Sim, perfeito.
Mais tarde, enviei uma mensagem para Rocco, que respondeu
animado. Perguntei quando ele chegaria e ele disse que muito em breve, mas
não deu detalhes, isso me deixou ansiosa, porém feliz.
Na hora de os homens saírem de casa, foi uma cena muito divertida.
Ricardo estava desconfiado, pois Nikolas não parava de rir. O drama do
noivo estava sendo muito interessante de assistir, até porque, ele havia dito
que não tinha idade para esse tipo de coisa.
— Tio Ricardo, vamos — meu pai chamou, e o pobre homem foi
arrastado em direção ao elevador.
— Laura, se comporte. — Ele juntou as mãos, implorando. — Não
toque em nada.
Nikolas revirou os olhos, e a doutora Regina deu uma risadinha.
— Não gosto disso. — Ricardo suspirou. — Amor, cuidado, olhos
para cima entendeu?
— Entendi.
Os homens saíram e o primeiro a soltar um grito animado foi Nikolas.
— Até que enfim. — Ele bateu palmas. — Vamos começar. Sogra do
meu coração. — Ele foi até a doutora Regina e a abraçou. — Eu amo seu
filho.
— Eu também o amo.
— Mas tudo o que fizermos aqui, fica aqui. — Ele se afastou. —
Estamos em Vegas, repitam comigo: o que fizermos em Vegas, ficará em
Vegas!
A despedida começou assim.
Ele fez drinques coloridos sem álcool para as grávidas e com muito
álcool para as liberadas. Depois deu início às brincadeiras, e eu pensei que
fosse morrer de rir, Nikolas estava com um pênis enorme de borracha,
ensinando truques.
— Laura, nos ensine como segurar um pau direito.
— Nem morta! — minha tia gritou, vermelha como um tomate. — Eu
não vou fazer um boquete nisso aí.
— É novinho em folha. — Nikolas piscou o olho. — Mais alguém?
Vamos, não sejam tímidas, você Victoria?
Engasguei com a minha bebida, depois tive uma crise de riso. A cara
de Nikolas era impagável. Ele estava muito indiscreto comandando a hora da
safadeza.
— Gente, vocês devem saber fazer um boquete bem-feito, pelo amor
de Deus. — Esticou para a doutora. — Sogra?
— Não, não tenho coragem.
— Vocês são muito tímidas. Deixa que eu mostro. Primeiro, vamos
fazer carinho, para ele ficar animado.
Nikolas riu, manipulando o pênis de borracha. Eu fiquei morta de
vergonha, não conseguia parar de rir da situação. Não estava acreditando que
ele ia mesmo fazer um boquete ali, na frente da gente.
— Nikolas — minha tia gritou, escandalizada, porque era o tipo de
coisa que todo mundo fazia na intimidade do quarto.
Salvo aquelas pessoas que gostavam de se exibir. A vergonha não me
permitia olhar, mas a curiosidade estava gritando que não fazia mal uma
espiada, afinal, eu adorava chupar Rocco, só de pensar dava água na boca.
— Meu Deus. — Engoli em seco, excitada, imaginando.
Victoria, por favor, se controle. Calma, você não está nesse ponto.
Tentei dizer a mim mesma, mas os hormônios de grávida estavam gritando
que não se importavam.
— Eu não estou acreditando nisso. — Minha tia riu, estava nervosa,
porque Nikolas era um safado e não tinha vergonha nenhuma.
— Primeiro, você deve provocar, usar a língua assim. — Ele batucou
a língua na cabeça, fazendo uma cara que não dava para aguentar. — Cadê o
leite condenado?
— Condensado! — doutora Regina corrigiu, mas ele negou.
— É condenado, porque vicia.
Gargalhamos, mas quando ele se preparou para começar a chupar, o
interfone tocou.
— Não se pode nem ficar animado — reclamou, colocando o pênis e
a caixinha de leite condensado de lado, depois foi atender a porta. — A festa
começa agora.
Instantes depois, um homem musculoso e vestido de bombeiro
chegou.
Juro, pensei que não ia ter dançarino, mas eu estava enganada.
Também nunca ri tanto na minha vida, tia Laura estava supervermelha, e
tentava não tocar na barriga tanquinho do dançarino bonitão.
Ele provocou, deslizou as mãos dela por seu corpo, e nós gritamos, foi
muito divertido. Quando a performance acabou, eu estava cansada de tanto rir
da minha tia tentando fugir do dançarino sarado.
— Nikolas, eu sou uma senhora. — Ela choramingou.
— Gostosa — ele completou. — Agora vamos beber que estou com
sede.
— Vou dizer a Murilo — doutora Regina brincou, e os dois foram de
braços dados pegar bebidas.
— Eu não estou acreditando que eu coloquei dinheiro na cueca de um
homem. — Comecei a rir de novo, minha tia tinha uma expressão de choque
e divertimento. — Eu vou morrer se Ricardo estiver fazendo isso.
— Relaxa, é para se divertir.
— Com certeza.
Brindamos, a noite estava só começando.

***

Admito, havia borboletas no meu estômago e a sensação era muito


boa. Eu estava olhando a minha tia pronta para se casar e no meu coração não
cabia tanto amor. Era um sonho vê-la ali, naquele vestido de noiva delicado
que fazia eu me lembrar de todas as vezes em que estávamos apenas nós
duas, dos sonhos que nos mantinham fortes, lutando contra o mundo.
— A senhora está linda. — Sorri, emocionada. — Tia, nunca vi uma
noiva tão linda.
— Pare com isso. — Ela fungou, me puxando para um abraço. —
Obrigada por esse vestido.
Eu gostaria de ter feito um novo, mas não consegui. Este vestido era
exclusivo, mas o croqui dele eu tinha há muitos meses.
— Vamos, ou Ricardo vai enlouquecer — chamei e ela, antes de sair
do quarto, deu uma última olhada no espelho.
O maquiador conseguiu esconder a marca na lateral do rosto, e a
sobreposição de renda disfarçou a marca no ombro. O cabelo arrumado para
o lado também. Minha tia parecia uma fada da primavera, toda delicada,
feminina, com a barriga de grávida no belo vestido esvoaçante.
— Já sabe, se chorar, não pode secar, senão borra. — Pisquei um
olho, e nós fomos de braços dados para a sala.
Meu pai resolveu dar de presente uma decoração para que as fotos
ficassem lindas. Então, na área de lazer, as pessoas responsáveis por essa
parte estavam trabalhando para deixar tudo pronto.
Primeiro, nós faríamos um almoço para familiares, depois, um jantar
para alguns convidados.
— Estou nervosa de entrar em um carro. — As mãos da minha tia
estavam geladas.
— Fique calma, Jason vai dirigir e você vai comigo aqui no banco de
trás. — Beijei suas mãos, numa tentativa de acalmá-la. — Já passou. —
Sorri, esperando que ela retribuísse.
Tampouco era fácil para mim. Eu ainda podia sentir o medo e, se
fechasse os olhos, os tiros ecoavam dentro do meu cérebro como um som
tenebroso de pavor. Mas hoje, especialmente, eu precisava manter o
autocontrole, porque tia Laura precisava que tudo fosse o mais normal
possível.
— Obrigada.
— Sempre estarei aqui. — Prometi, e seguimos o caminho para o
cartório, naquele dia ensolarado e belo.
A cerimônia foi rápida e bem simples, tirei algumas fotos com o
celular porque queria ter algo para ficar olhando. A fotógrafa estava
responsável pelo álbum, e eu sabia que as fotos ficariam incríveis.
Depois, fomos até um jardim botânico ali perto do cartório, e mais
fotos foram tiradas. Eu fui o apoio, segurando o buquê, arrumando o cabelo
da minha tia. Apenas quando a fotógrafa se deu por satisfeita, nós fomos para
casa.
O almoço em família foi divertido, era bom ver os casais juntinhos,
conversando.
— Que carinha é essa? — Jason se aproximou, puxando Pam e Prince
por suas coleiras. Ambos estavam vestidos a caráter, ela com um lacinho azul
e ele com uma gravata rosa.
— Estou com saudade de Rocco, ele tem andado sumido. — Engoli
em seco, porque estávamos nos distanciando. — O que será que aconteceu,
brother?
— Você não vê os noticiários, não é? — perguntou divertido, depois
mexeu no celular. — Leia isso aqui.
Na tela havia uma reportagem do Iate Clube do Rio de Janeiro que
dizia:
O iate Eclipse, do magnata italiano Rocco Masari, aportou às cinco
da manhã de hoje na enseada de Botafogo. Devido o tamanho do barco, por
medida de segurança, ele deverá ficar a uma milha náutica da costa para
que…
Não me importei em ler o resto, porque meu coração acelerou de
felicidade.
— Ele chegou. — Olhei para Jason, ele sorria, concordando. —
Quanto é uma milha náutica?
— Quase dois quilômetros.
— Caramba, e como a gente vai fazer para chegar lá?
— Bonequinha, o Eclipse tem uma “garagem”. Rocco com certeza
tem uma lancha de embarque e desembarque. Não é todo lugar que consegue
atracar o Eclipse, você vai ver, ele é enorme.
A partir de então, eu fiquei atenta ao celular e esperando. Mas o dia
passou e, mais ou menos, na hora do jantar eu já estava uma pilha de nervos.
Recebi as pessoas convidadas, e mesmo mantendo o sorriso no rosto, queria
saber por que Rocco ainda não havia dado notícias.
— Relaxa, ele vai entrar em contato. Os trâmites para aportar o
Eclipse são demorados, fique tranquila.
— Não consigo, parece que tem algo de errado.
— Não tem. — Jason pegou as minhas mãos. — Vamos jantar, e
relaxe.
Não consegui comer direito, e o bebê não parava de chutar. Amanhã
Gianne faria seis meses e estava forte o suficiente para me deixar saber
quando estava agitado.
Calma, a mamãe vai resolver esse problema. Acariciei a barriga,
lutando contra a ansiedade que esse silêncio me causava. Rocco parou de
responder completamente as mensagens, talvez antes ele estivesse em um
local em que não havia sinal, mas então, agora que havia chegado, por que
continuava mudo?
— Victoria, minha querida, você poderia fazer sua mala e já ir
comigo. — Minha avó cortou meus pensamentos.
— Já está pronta. — Jason me fez arrumar a mala desde ontem.
— E eu já a coloquei no carro. — Meu irmão deu um sorriso, o que
me deixava muito feliz, porque ele antes era sério demais.
— Obrigada, Jason, você é um ótimo empregado.
Engasguei com a minha sobremesa e foi ele quem bateu nas minhas
costas.
— Ele é meu irmão. Irmão, entendeu? — falei, através dos dentes
trincados. Mas a minha avó sorriu, ela havia bebido três taças de vinho.
— Tanto faz. — Abanou a mão. — Nós vamos viajar para Gramado,
vai ser maravilhoso ficar longe daqui, e de pessoas que não servem para você,
querida.
— Mãe!
Deus, ainda bem que os convidados eram pessoas queridas que
conheciam o temperamento de Antonietta, mas hoje ela estava agindo pior.
Parecia com raiva de alguma coisa.
— Vamos para a área de lazer — meu pai chamou, e todo mundo
levantou da mesa, satisfeito em sair de perto daquele clima estranho.
Fui para o meu lugar favorito, o sofá. Observei os noivos irem tirar
fotos na área decorada com flores e minúsculos pontos de luz. Havia também
uma mesa pequena, com um bolo delicado e doces.
— Bonequinha, eu vou buscar uma coisa, não demoro — Jason
avisou e saiu.
Minha avó estava conversando com uma mulher elegante, que era
esposa de um amigo de Ricardo, as duas pareciam bem entrosadas.
— Não dê atenção, sua avó só está chateada. — Doutora Regina
sentou ao meu lado.
— Por quê? Ela não tem o direito de estragar o dia dos noivos só
porque está com raiva — falei baixinho, para que não ouvissem. — Eu
pensava que ela estava mudando, digo, que poderia ser alguém mais
tolerante. Veja Carlos, ele está sozinho aqui, quando na verdade tem uma
namorada, mas ela morre de medo da minha avó. Isso não é justo.
— Carlos vai resolver o problema dele quando achar que deve. Agora
olhe para mim. — Obedeci, e ela franziu o cenho. — Você está me parecendo
ansiosa, o que foi?
— Rocco chegou, digo, o barco dele chegou, mas até agora nada de
ele aparecer.
— Não se preocupe, ele vem.
— Eu sei, mas esperar me deixa nervosa. — Ri, envergonhada.
Enquanto eu não conversasse com ele e sentisse que estava tudo bem,
não ia me sentir tranquila.
— Tudo bem. Me deixe te dizer algo em primeira mão. — Ela se
aproximou para falar no meu ouvido. — Seu pai me pediu em namoro. Eu
devo aceitar?
Afastei-me já pronta para gritar, mas ela me segurou, rindo.
— Espere, não vamos alardear. — Por um momento, pareceu-me
tímida.
— Aceita, pelo amor de Deus, eu estou pronta para te chamar
somente de Regina.
— Então não tem problema?
— Claro que não, só te peço uma coisa. — Busquei seus olhos. —
Faça ele muito feliz, meu pai merece todo amor que você puder lhe dar.
— Você não se importa mesmo?
— Não, inclusive, ganhei outro irmão, cadê Murilo? — Olhei ao
redor e ele estava com Nikolas, conversando num canto. Os dois pareciam
divertir-se. — E um cunhado também, amei.
Regina me abraçou e eu me senti muito bem. O jeito com que ela me
apertava junto ao peito lembrava aquele acolhimento de mãe e me deixou
emocionada.
— Obrigada, Victoria, por ser essa garota tão linda.
— Eu amo bons sentimentos, sentir felicidade, não só a minha, mas a
das pessoas que estão ao meu redor. Não tem coisa melhor. Eu tive meus
problemas, Regina, admito, mas em meu coração só cabe amor.
— E isso te faz muito forte e especial. — Ela acariciou meus cabelos.
Ia me dizer algo, mas Jason chegou.
— Bonequinha, estou aqui. — Sentou ao meu lado, segurando um
celular e um papel na mão. — São para você.
Confusa, recebi o que ele me entregava. Na hora que peguei o celular
escuro e vi a tela rachada acender, meu coração acelerou, era uma foto minha
que estava lá.
— O telefone de Rocco — murmurei, chocada. — Onde ele está?
— Aí, descubra. — Jason cruzou os braços e esticou as pernas,
esperando.
Desdobrei a folha. Escrito com a letra firme e elegante de Rocco,
tinha as seguintes palavras:

Amore mio,
Dias atrás, recebi uma mensagem sua falando que não me queria
mais e pedindo para eu me afastar. Eu vi as suas fotos na praia com Carlos,
admito que meu coração foi arrancado do peito, porque talvez houvesse
chegado o momento de eu provar que te amo a ponto de abrir mão de você,
se este fosse o seu desejo.
Mas, Pequena, como eu poderia te deixar se você me tomou e fez-me
seu irrevogavelmente? Eu não poderia viver com a consciência de que não
havia lutado por nós até o fim.
Tenho certeza absoluta de que posso te fazer feliz, mas agora preciso
que você decida. Venha para mim, espero por você no Eclipse, para que
juntos possamos conversar e entender tudo o que aconteceu.
Agora, peço que desbloqueie o meu celular, coloquei uma senha igual
a sua. Abra as mensagens e veja tudo, depois, perto de sua avó, ligue para o
seu número, o que está gravado aqui.
Perdoe-me por isso, mas não estou disposto a te perder, e não me
importo com quem terei que atropelar pelo caminho para chegar até você.
Te espero, meu amor…
Sempre seu,
RM.

Olhei para a minha avó e ela estava com sua bolsa ao lado, depois
segui as instruções de Rocco e abri as mensagens. Não levou muito tempo
para que a vontade de gritar começasse a guerrear com o choro entalado.
Não dava para acreditar no que eu estava lendo, aquele Rocco
amoroso continuava ali naquelas mensagens mesmo quando cada uma das
respostas que recebia eram frias, distantes.
Inclusive, tinham várias que diziam para ele procurar outra pessoa e
ser feliz.
—Deus. — Ofeguei, horrorizada que minha avó pudesse ter feito isso.
Uma parte de mim lutava em busca de outra explicação. Porque com
toda certeza do mundo aquela Victoria que conversava com Rocco não era
eu.
— Ligue, Bonequinha. — Jason incentivou, e eu o olhei. — Sinto
muito.
No ícone de chamadas, havia muitas em vermelho com meu nome,
sinal de que as tentativas foram várias, mas nenhuma foi atendida. Apertei em
rediscagem e olhei para minha avó, sentada no sofá em frente a mim.
O toque soou baixo dentro de sua bolsa e a primeira chamada ela
ignorou. Poderia ser coincidência, será? Tentei de novo, e de novo, até que
ela pegou o celular da bolsa num gesto furioso e o desligou.
Mas, enquanto eu observava sua expressão de pura raiva, vi que
enviava uma mensagem, quando a abri, no celular de Rocco, dizia:

Victoria: Pare de incomodar, já falei que não vou atender suas ligações.

Ela voltou a conversar, eu continuei ligando, ligando e ligando.


— Um momento, eu preciso resolver um problema. É apenas uma
chamada inconveniente — avisou a sua amiga, levantando com o celular na
mão, pronta para sair.
Eu me levantei também, ficando na sua frente e impedindo que
passasse, depois, liguei mais uma vez. O telefone tocou, e eu o peguei da sua
mão, virando a tela do celular para que eu pudesse vê-la.
— Rocco está ligando, não vai atender? — Minha voz embargou.
Quando ela olhou para mim, empalideceu, porque soube que eu havia
descoberto seu jogo sujo.
Victoria

Olhei para minha avó, esperando que de algum modo ela me dissesse
que eu estava errada, que tudo não passava de um mal-entendido. Mas ao
contrário do que eu desejava que acontecesse, ela só me olhou, em silêncio.
Inabalável como sempre.
Era triste, visto que, desde o começo de nossa relação, tentei entender
e justificar suas atitudes. Admito que eu quis tê-la por perto, sempre tive
desejo de ser a neta de alguém, conhecer o amor de uma avó e viver histórias
incríveis.
Então, para isso, precisei desconsiderar o que ela fizera com minha
mãe. Tive fé em sua mudança uma vez que, para mim, o tempo era um
remédio capaz de curar qualquer dor, e Antonietta já havia convivido tempo
demais com as suas. Meu pai, por outro lado, ainda amargava a descoberta
que as mentiras dela causaram, e foi preciso minha interferência para que ele
a aceitasse em nossas vidas.
Só que, agora, por mais doloroso que fosse, eu precisava admitir que
entendia meu pai.
— Diga algo, por favor. — Minha voz soou embargada, pisquei as
lágrimas idiotas que molhavam meus olhos.
Eu esperava qualquer palavra sua, para que de algum modo aquela
decepção não doesse tanto. Mas, não. Antonietta Andrade ergueu o queixo,
vestindo sua arrogância para simplesmente cruzar os braços e continuar me
encarando. Por um momento, não fui capaz de dizer nada, sua expressão
altiva me intimidava, ao mesmo tempo em que me levava de volta à época do
atelier. A sensação foi horrível para mim.
Balancei a cabeça, tentando acalmar os pensamentos para conseguir
encontrar minha voz.
Antonietta sabia como eu me sentia em relação a Rocco, abri meu
coração em algumas das mensagens que havíamos trocado, quando esconder
como eu me sentia se tornou impossível. No dia em que tomei coragem para
dizer que ele me fazia falta, a resposta que recebi foi:
Estou ocupado! Não posso falar agora, ligo mais tarde. Talvez.
Deus, Rocco escrevera tanto essa frase. Era quase como um copia e
cola que aumentara a minha certeza de estar acontecendo algo errado. Ele,
por mais louco que fosse, não falava assim. Então, por que começaria agora?
A resposta agora parecia simples: não era ele!
— Por que fez isso? — perguntei, era melhor sempre começar do
início. Notei que os convidados estavam se aproximando, o clima tenso e a
postura em que estávamos denunciavam que esta não era uma conversa
amistosa. — O que pretendia?
— Não ser obrigada a ver todo mundo agindo como se nada tivesse
acontecido! — Antonietta apontou o dedo para mim. — Não ter que aceitar
aquele homem. Ele te manipula! Agora mesmo, estamos a ponto de brigar
por causa dele. — Sua boca entortou com nojo. — No começo, você
sofreria, mas depois tudo ia ficar bem.
Não dava para acreditar que ela realmente achasse isso.
— Como, vovó? — Ri, incrédula com suas palavras. — Como você
pretendia fazer com que o rompimento com Rocco fosse definitivo? Ia
continuar trocando mensagens? Se passando por nós? Isso não ia funcionar.
Quando ele voltasse, a gente ia descobrir tudo.
Deus, era tudo tão vergonhoso que me causava arrepios. Como ela
tinha coragem de interferir desta forma na vida das pessoas? Agora eu
entendia o receio de Gaby, ela tinha razão.
Minha avó era uma pessoa horrível.
— Aquele homem é um imundo, ele ia te trair de novo, eu só
pretendia adiantar e te livrar de uma mágoa no futuro. Hoje você não precisa
dele para nada, nem para chegar perto do meu bisneto. Você não é mais a
pobre coitada, você não precisa dele!
— Vovó, mas e o meu filho? Você não pensa nele quando diz essas
coisas?
— Gianne não vai sentir falta de algo que nunca teve. — Ela deu de
ombros, indiferente. — Carlos será um ótimo pai.
— Você não pode estar falando sério. — Ofeguei. — Você queria o
quê? Que Rocco ficasse com alguém? A senhora ia me enviar fotos? Igual fez
com minha mãe?
— Não seria difícil. Eu acreditava que desta vez você não o perdoaria.
Suas palavras me fizeram entender que ela buscava um ponto final,
definitivo. Se Rocco houvesse ficado com outra pessoa, então, de fato, ela
conseguiria.
Mas ele não fez isso.
— Eu não acredito no que estou ouvindo. — Ri, mesmo que a minha
vontade fosse de chorar.
— Não deveria ser um trabalho difícil se aquele idiota fizesse o que
obviamente está acostumado! — Ela se aproximou, o cheiro de vinho que ela
bebera flutuando até onde eu estava. — Aquele homem não serve para você,
te traiu, é promíscuo, um sem-vergonha! Ele deve ficar longe de todos nós!
Eu já disse, o único homem bom para ser seu marido é Carlos!
— Não! — Perdi o controle da voz, o sangue esquentando com uma
raiva que há muito tempo eu não sentia. — Carlos está apaixonado, ele tem
alguém, e a senhora não sabe disso porque está preocupada demais criando
problemas para todo mundo!
Ela estreitou os olhos, desacreditando de mim. Olhei para meu primo,
com um pedido de desculpas, eu não deveria trazê-lo para a conversa.
— Você está mentindo, meu neto diria se tivesse alguém.
— Não me importo se acredita ou não, quando ele quiser, vai contar.
— Entreguei o celular a Jason. — A senhora interferiu na minha vida, o que
eu e Rocco fazemos não diz respeito a ninguém, eu sou maior de idade, eu
faço as minhas escolhas.
— E escolhe errado, igual ao seu pai! — Havia nojo em sua voz. —
Eu fiz o que achei necessário pela minha família e faria de novo.
— Você mentiu para minha mãe — gritei, a cabeça começando a
latejar. — Você a enganou e depois a mandou embora grávida, achando que
tinha sido traída e abandonada! — Solucei, vomitando as verdades que eu
preferi não trazer à tona para não a magoar. — Você tirou o meu pai de mim,
não permitiu que ele me visse crescer, que fizesse parte da minha vida! A
sorte foi que minha mãe conheceu o Michael, e ele foi incrível para nós. Mas,
então, o que você acha que teria acontecido comigo e com minha mãe? Acha
que Blanchet iria aceitar uma empregada e uma criança pequena? Eu não tive
como escapar de ter uma vida de merda, vivendo na porra de um inferno
porque você é egoísta demais para aceitar que não pode controlar a vida das
pessoas!
— Calma, minha filha. — Meu pai chegou ao meu lado, colocando a
mão no meu ombro, eu estava tremendo inteira. — Mãe, vamos conversar no
escritório, aqui não é lugar e nem hora!
— Eu sei o que é melhor para minha família — ela disse, ignorando o
convite para sair. — O que aconteceu com você foi um erro, admito, mas eu
nunca faria se soubesse.
— Você diz isso, mas continua desrespeitando as minhas decisões. —
Respirei fundo, o latejar nas têmporas aumentando. — O problema é sua
aparente boa intenção, você não se importa com quão machucada uma pessoa
pode ficar, desde que, a seu ver, suas atitudes sejam justificáveis. Isso de
interferir na vida das pessoas com certeza não é saudável, você precisa aceitar
que não pode controlar tudo.
— Eu me arrependo do que aconteceu com você, Victoria, mas não de
ter separado sua mãe do seu pai. Perdoe-me, querida, mas sua mãe não era
boa o suficiente. — Vários ofegos de choque se fizeram ouvir, o meu foi o
mais alto.
A cada minuto, mais revolta deixava-me doente, porque, pela
primeira vez, eu estava enxergando a minha avó.
— Não fale mais nada.
— Convenhamos, se sua mãe te amasse como você acredita, ela não
teria se entregado à depressão e morrido como uma incapaz. Ela sempre foi
uma mulher fraca, fácil de derrubar.
— Lava a sua boca! — berrei, ensandecida. — A minha mãe morreu
porque não aguentou tanta dor, ela morreu porque estava sofrendo, ela não
me deixou porque ela quis!
— Eu não acredito.
— Você não sabe o que diz, não entende o que é amar alguém. —
Esfreguei o rosto, fora de mim de tanta raiva. — Você fez comigo o mesmo
que fez com a minha mãe e pai. Mentiu, manipulou, brincou com meu desejo
de tê-la na minha vida. Todas as vezes que insultou meu irmão Jason, você
me magoou e depois disse que ia mudar, mas agora eu sei que não vai. Você
fala tanto de Rocco, mas pelo menos ele está lutando para não errar. A
senhora, por outro lado, erra com prazer. Isso é horrível! Você é uma pessoa
horrível.
Pela primeira vez, vi choque em sua expressão, Antonietta balançou a
cabeça, os olhos verdes, iguais aos meus, enchendo de lágrimas.
— Victoria, minha neta. — Estendeu as mãos. — Não diga isso, eu só
quero o melhor para você.
— Não! Já chega. — Dei um passo atrás. — Eu me arrependo de ter
dito que queria você na minha vida.
Apesar das palavras duras, senti a dor delas, porque eu sabia que isso
a magoaria. Mas, infelizmente, não ia retirar nada do que dissera.
— Vai me deixar por causa de Rocco? — Ela parecia incrédula,
encarando-me de olhos arregalados.
— Não por causa dele, e sim em razão de não querer conviver com
uma pessoa tão tóxica e cruel, não quero estar perto de uma réplica
melhorada de Blanchet.
Ela levou uma mão ao peito, como se eu a tivesse comparado à pior
coisa do mundo. Talvez eu tenha exagerado, mas estava cansada de sempre
dosar as palavras e me importar se ia magoar as pessoas que não faziam o
mesmo por mim.
— Você não aceita as minhas decisões, acha que sou fraca, idiota. Eu
detesto ser tratada como uma boba. — Respirei fundo. — Sempre arquei com
minhas decisões, se eu escolher errado, eu vou lidar com isso, mas não aceito
que minha vontade seja ignorada quando ela diz respeito à minha vida e à do
meu filho.
— Eu não faria mal ao Gianne. — Sua voz soou baixa.
— Sim, todas as vezes que alardeou que Rocco não precisava nem
conhecê-lo. Você não está nem aí para o que isso causaria ao meu filho!
— Mas ele teria Carlos — insistiu. — Rocco não será um bom pai,
ele não é o tipo de homem que…
— Vovó. — Meu primo se aproximou, interrompendo-a. — Eu tenho
uma mulher e eu vou ser pai do meu próprio filho, que inclusive está a
caminho. Então, por favor, não diga, nenhuma vez, que eu e Victoria
podemos ficar juntos, eu a amo, mas não para isso.
— Não minta — Antonietta vociferou. — Eu saberia se estivesse
apaixonado por outra mulher, eu sei que ama Victoria, você ficou com ela no
hospital todos os dias, você a trouxe para nós.
— Não fui eu — Carlos revelou, então me lançou um olhar carinhoso.
— Foi Rocco, ele trouxe Victoria. Primeiro na ambulância, quando o coração
dela parou e ele ficou gritando como um louco para não desistirmos,
tampouco ela; depois, ficando escondido ao seu lado, todos os dias, enquanto
lutava para fazê-la ouvi-lo. Ninguém sabe, mas quando Rocco chegava e a
tocava, o coração de Victoria sempre acelerava, a voz dele também a fazia ter
reação. Eu vi o sofrimento diário dele, o desespero que o comia vivo, o
pavor. Sei do que estou falando.
Ouvi-lo dizer isso me fez desabar em um choro compulsivo. Rocco
havia me dito partes editadas do que ele havia passado, mas, pelo ponto de
vista de Carlos, tudo parecia pior, mais visceral e dolorido.
— Ele cuidava do seu cabelo, banhava seu corpo. Aprendeu a cuidar
de você para que pudesse fazer isso quando saísse do hospital. As poucas
horas que ficavam juntos, ele falava com você, até que não aguentasse mais.
Ele nunca desistiu.
— Você mentiu para mim! — Antonietta estava desacreditada.
Enquanto eu sentia uma emoção enorme me arrepiar inteira, fazendo
o meu peito arder de saudade.
— Eu menti porque acreditei que a conexão deles era forte o
suficiente para ajudá-la, e não me arrependo. Sempre estive certo. O
desespero de Rocco a trouxe duas vezes, uma na ambulância, outra no
hospital. Ele a ama, vovó, e eu jamais poderia chegar perto de um sentimento
semelhante.
Deus! Rocco nunca desistiu de mim, ele de fato aprendeu com todos
os erros.
A sensação que tive foi de liberdade. Era como se o último cadeado
que mantinha a porta da minha gaiola fechada fosse quebrado, e eu pudesse
me livrar do medo. Talvez, eu e Rocco fôssemos feitos um para outro, a gente
combinava mesmo sendo opostos. Ele me magoou muito e conquistou o
perdão com suas ações, dia após dia.
Cada gesto pequeno e o cuidado para que de algum modo sempre
estivesse por perto me fizeram aprender a necessitá-lo.
— Jason — chamei pelo meu irmão, e ele acenou, já sabia o que eu
precisava.
— Vou levá-la para ele. — Sorriu, satisfeito.
— Por favor. — Sorri, chorando como se não pudesse controlar-me.
Quando estava prestes a sair, a minha avó me chamou. Engoli em
seco, parando para saber o que ela queria. Por mais que eu quisesse correr,
não conseguia deixá-la falando sozinha.
— Victoria, eu admito que errei, mas foi com a melhor intenção.
— Só isso que tem para me dizer? — perguntei baixinho, ela respirou
fundo.
— É o que tenho para dizer agora.
Dei-lhe as costas, mas antes de sair, não pensei direito antes de dizer:
— Eu me arrependo de ter dito que queria você na minha vida.
Quando me chamou outra vez, consegui manter o ritmo. Apressei-me
o mais rápido que pude em direção ao elevador, fechando a porta do pequeno
hall atrás de mim. Jason não disse nada, mas conseguíamos ouvir a briga que
estava acontecendo dentro do apartamento.
A voz do meu pai se sobressaía. Ele sempre foi calmo, controlado,
mas, quando perdia a paciência, era tão ignorante quanto Rocco em seu pior
momento.
— Vai dar tudo certo. — Jason segurou a minha mão. — Rocco e
você podem conversar e se entender.
— Havia tantas mensagens dizendo para ele seguir em frente, ficar
com alguém. — Balancei a cabeça. — Se ele tivesse feito isso…
— Era o que sua avó queria, porque todos sabemos que isso seria algo
sem conserto.
Respirei fundo, sentindo um mal-estar por toda essa confusão. Ainda
era ruim demais pensar que minha avó fez uso de um artifício tão baixo para
interferir no meu relacionamento com Rocco, quando isso só dizia respeito a
mim.
Estar com ele, perdoá-lo ou não, era uma decisão minha, e ninguém
tinha o direito de interferir. Eu sabia que minha família se preocupava
comigo, mas eu não precisava ser colocada em uma redoma de vidro, porque
era muito capaz de superar meus problemas por mim mesma.
— Em partes, eu até entendo sua avó — Jason disse enquanto
descíamos rumo à garagem. — O problema foi a desonestidade. Se passar por
você e por Rocco, interferindo diretamente e se mantendo escondida, foi tudo
bem sórdido.
— Esse é o problema — concordei com ele. — Ela não precisava
gostar de Rocco, ou ser forçada a fazer isso, mas, mentir, manipular? Não
gosto de me sentir uma marionete. Era assim que a madame me tratava.
Nunca gostei que comprassem brigas por mim, era eu quem deveria
resolver meus problemas, do jeito que eu pudesse. No começo, eu e Rocco
tivemos um conflito quando ele quis saber como funcionava meu acordo com
Blanchet, para que pudesse resolver, antes de eu lhe contar, a gente brigou,
porque eu não queria ser manipulada.
— Jason, tudo o que Carlos falou…
— Eu te disse que Rocco estava sempre ao seu redor. — Meu irmão
deu um sorriso. — O irritante deu um inferno de trabalho, quando soubemos
o que havia acontecido, ninguém conseguiu colocá-lo para fora do hospital.
Só Victoria pode me expulsar, ele dizia.
— Meu Deus. — Balancei a cabeça. — Rocco me faz ter raiva, mas
não dá para negar, eu o amo.
— Pois é, mesmo quando você o mandou sair, o bastardo ficou
sentado na sua porta. Realmente, é um filho da puta insistente.
Pensei em todas as vezes que ele mandou a mensagem: quer
conversar?
No começo, logo após acordar do coma, eu não queria, mas depois,
quando as coisas foram ficando melhores, passei a esperar essas benditas
mensagens, e então eu comecei a responder. Ele passou a ir à minha casa, e
os pequenos mimos que me dava, como aqueles chocolates incríveis, sempre
me faziam lembrar que ele estava ali, à distância de um chamado.
Aqui, no Brasil, ele veio sem saber o que esperar, foi paciente, se
manteve atento e me fez perceber que, acima da minha mágoa, eu sentia a sua
falta. Rocco, de fato, estava consertando os erros e, enquanto fazia isso, ia me
libertando do medo de acreditar em sua sinceridade.
Poderíamos tentar de novo, porque era isso que meu coração queria.
— Terra chamando Victoria. — Jason pegou a minha mão. —
Vamos, vai levar mais ou menos quarenta minutos para chegar lá. Avisei a
Rocco que estávamos saindo, ele com certeza está ansioso.
— Então corre, Jason.
Meu irmão deu um sorrisinho e me ajudou a entrar no carro. Apesar
de estar em um processo evolutivo excelente, eu não tinha muita estabilidade
na perna para apoiar o peso, ou dobrá-la.
— Coloque o cinto, e vamos.
Respirei fundo, ansiosa para encontrar Rocco e simplesmente abraçá-
lo.
Rocco

Desde que Jason mandou a mensagem, avisando que estava a


caminho, eu esperava impaciente. Qualquer carro que adentrasse a marina
deixava-me com o coração acelerado. Até parecia que aquele era o primeiro
encontro que eu teria na vida, toda essa expectativa e frio na barriga não eram
típicos de mim.
Nunca pensei que ficaria tão nervoso.
— Senhor, por que não esperar no Eclipse? — Kostas perguntou,
franzindo o cenho. — Não compreendo.
— Eu preciso que ela entre primeiro, vou conversar com Jason
enquanto a lancha vai levá-la e volta para me buscar. — Cruzei os braços,
recostado na lancha de transporte.
Admito que estava lutando contra a vontade de agarrar Victoria, mas
eu já havia esperado muito, mais dez minutos não mudariam o resultado
final.
— Kostas, quando minha mulher subir a bordo, leve-a até o salão de
descanso, diga que estou resolvendo alguns problemas na sala de controle.
Fique atento. Assim que eu entrar no Eclipse, zarpe a pleno motor.
— Sim, senhor.
Um carro dobrou a esquina e meu coração idiota acelerou a ponto de
minhas mãos suarem.
— É ela — avisei, descendo da lancha e me afastando um pouco. Sem
querer, encostei a lateral machucada do meu corpo e a dor disparou. Travei o
maxilar, respirando fundo, essa merda de ferida só me irritava.
O SUV se aproximou, e eu mal pude me conter. Finalmente, depois
de tanto tempo, eu ia ter Victoria só para mim. Sorrindo, observei-a descer
apressada do carro, procurando por mim.
Meu tolo coração apertou com o sentimento que me engolia, era
estranho, mas ao mesmo tempo em que me oprimia, libertava-me. O amor
que eu sentia por Victoria me aquecia e isso não dava para explicar.
Só sentir.
Dio santo, ela estava linda com um vestido azul.
— Brother, eu vou ficar com Rocco, diga à minha família para não se
preocuparem.
Minha pequena! Ouvir sua voz foi como ser acariciado. Arrepiei-me,
excitado e saudoso. Logo logo eu a teria nos braços e, então, mataria a
saudade de seu perfume, da textura de sua pele.
— Tudo bem. — Jason deu uma risada quando Victoria começou a
olhar ao redor.
Isso me deixou bastante satisfeito, talvez as coisas fossem mais fáceis
quando ela descobrisse que estávamos indo tirar longas férias, sem
comunicação ou problemas.
— Onde está Rocco? — ela perguntou a Kostas.
— No Eclipse, senhora. — Kostas apontou para o iate, que não estava
muito longe. Por sorte, a maré estava alta e isso possibilitou que ficássemos
próximos da enseada. — Vamos, ele irá recebê-la em breve.
Ela entrou na lancha de transporte com cuidado, antes de partir, deu
um abraço em Jason e se despediu. Observei-a afastando-se, ansioso para ir
ao seu encontro.
— Então, vai continuar escondido? — Jason falou e eu saí de onde
estava, para encontrá-lo.
— Você é um idiota, não estou escondido. — Cruzei os braços, rindo.
— Obrigado por tudo.
— Claro, eu estou no papel de cupido. Não me agradeça. — Jason
revirou os olhos, indo buscar a mala de Victoria. — Aqui estão as roupas e os
documentos dela. Passaporte e tudo mais que precisar.
Peguei a mala, mas quando fui erguê-la, senti uma fisgada no flanco,
que me fez encolher e precisar trocar o lado que ia carregá-la.
— Você, por acaso, tomou os seus remédios hoje? — Jason
perguntou, pelo tom de voz, parecia puto.
— Possivelmente eu esqueci. — Dei de ombros. — Não é grande
coisa.
— Eu desisto de você, idiota! — Jason estendeu os celulares. — O
dela e o seu. A briga foi feia, Antonietta é páreo-duro.
— Eu espero que agora ela não interfira mais. — A lancha estaria
voltando logo. — Vamos para alto-mar hoje, e Victoria vai ficar
incomunicável, não vou dar a chance de interferências antes de eu reafirmar
meu lugar na vida dela.
— Eu vou deixar Victor e Laura cientes.
— Você vai ficar aqui com eles?
Jason cruzou os braços, seu olhar perdendo-se na imensidão adiante.
— Não, decidi visitar meus irmãos.
Franzi o cenho, não sabia que Jason tinha irmãos.
— Que irmãos?
— Longa história. — Abanou a mão. — Mas, é isso, eu tenho cinco
irmãos e uma irmã. — Sorriu, olhando para o Eclipse.
Por um momento, pensei que o nosso assunto houvesse encerrado,
mas Jason virou-se para mim, dizendo:
— Não cometa erros desta vez. Estou confiando em você, Rocco, e eu
não faço isso duas vezes. — Sua voz continuava um aviso. — Se você a fizer
derramar uma lágrima, eu vou te caçar com uma faca, e garanto, essa é uma
das coisas que faço muito bem.
— Acredite, se eu a magoar, estarei feliz em fornecer a faca.
Jason respirou fundo, voltando a sorrir.
— Cuide-se, você é bastante omisso com seu ferimento, e ele é
recente demais.
— Não se preocupe, ao final disso tudo estarei vivo e caminhando,
com Victoria de um lado e meu filho do outro.
Bati em seu ombro quando a lancha de transporte chegou.
— Crie lembranças incríveis para vocês. — Jason deu um sorriso de
lado, parecia satisfeito com o rumo das coisas. — Vocês merecem depois de
tanto problema. Vou estar com o número de Londres, adicionei-o no seu
celular, qualquer coisa, ligue-me.
— Obrigado. — Estendi a mão e ele aceitou. — Cuide dos cachorros
para mim, tão logo puder, mandarei buscá-los.
— Irei levá-los comigo, talvez os meus irmãos gostem.
— Até breve.
Entrei na lancha e me senti revigorado. Apesar da dor incômoda na
lateral do meu corpo, a felicidade por estar indo encontrar Victoria e poder tê-
la nos braços era um remédio incrível. O cheiro do mar e a brisa refrescante
agitavam meus cabelos. A cada metro que eu me aproximava do Eclipse e da
minha mulher, meu coração cantava.
Eu de fato havia me tornado um idiota apaixonado e hoje admitia sem
problema que estava muito feliz com isso. Antes de entrar no deck inferior do
Eclipse, olhei para trás, a tempo de ver a porta de recolhimento fechando-se.
A lancha estacionou na área em que seria atracada, depois entreguei a
mala de Victoria a um tripulante, ele sabia que deveria a levar para a minha
cabine. Todos ali estavam cientes da situação.
— A senhora Masari foi levada para o salão, como o senhor pediu.
Ela o aguarda. — Fui avisado e me apressei em direção a minha mulher.
Já não aguentava mais esperar. Quando cheguei, encontrei-a em pé,
olhando para fora. Mas, de algum modo, ela pareceu me sentir, pois se virou
e me encarou.
Por um momento, eu não soube o que dizer, apenas estendi os braços
e esperei.
Victoria sorriu, os olhos que eu tanto amava brilhavam ao me encarar.
Ela veio para mim e, quando pensei que fosse apenas me abraçar, ela enlaçou
meu pescoço e beijou-me.
Outra vez, a pequena mulher me arrebatou, porque eu me entreguei,
refém de suas demandas.
Victoria

Ao primeiro toque, meu corpo explodiu em chamas.


Durante todo esse tempo em que estivemos separados, o desejo por
tocar-lhe, sentir seu corpo grande e duro apertando o meu, quase me
enlouqueceu. O cheiro de Rocco era uma mistura de algo picante com
levemente amadeirado que me deixava viciada de tal forma que eu me sentia
derreter.
— Dio santo, como eu senti a sua falta. — Ele gemeu e segurou meu
rosto, beijando-me outra vez.
Gemi, derretendo, sentindo-me deliciosamente fraca. Rocco me
beijava como se fosse um homem sedento, morto de fome. Sua língua
invadia, procurava; os dentes sempre mordiscando meu lábio, puxando-o, do
jeito que ele sabia que eu adorava.
— Que saudade do seu beijo. — Suspirei, quando desceu os lábios
por meu pescoço, esfregando a barba por minha pele, enlouquecendo-me.
— Eu te amo, porra, eu te amo.
Não pude dizer nada, ele me beijou de novo, e de novo, até que eu me
senti tonta, sem fôlego, anestesiada de tanta felicidade.
— Preciso respirar. — Ofeguei, ele riu, porque estávamos tão colados
que ele pôde sentir o chute do nosso bebê.
Naquela pequena bolha que criamos, o passado não importava mais.
Eu queria viver o que o futuro nos reservava e sentir como me sentia agora.
— Bambino? — Rocco colocou a mão na minha barriga e nosso filho
chutou de novo.
Rocco gargalhou, feliz, mas seus olhos estavam molhados e isso de
alguma forma quebrou meu coração, porque eu não queria que ele sentisse
nada que não fosse felicidade. Aqui, não havia dúvidas, todas elas ficaram
para trás.
— Vocês são o que tenho de mais precioso — murmurou, ajoelhando,
depois me abraçou, encostando o rosto em minha barriga.
Notei seus ombros tremerem e, quando o acariciei, percebi que estava
chorando baixinho, como se desabafasse alguma tristeza.
— Meu filho. — Ele soluçou, esfregando o nariz na barriga redonda.
— Meu bebezinho amado, o milagre da minha vida.
Rocco distribuiu beijos e afagou a minha barriga. Tentei segurar, mas
estava tão dominada pelo momento e emoção que lágrimas pularam dos meus
olhos. A felicidade que inundava meu coração acabou por lavar qualquer
vestígio de receio, ou mancha que houvesse ficado. Agora, estávamos limpos,
prontos para seguir em frente.
Seríamos uma família de novo, construiríamos nosso lar baseado no
amor que era tão vivo em nós.
— Victoria — Rocco chamou, e eu tentei me segurar para não
desabar com o olhar que me deu.
Havia tanta humildade, amor e entrega, que roubou meu fôlego.
— Eu estava tão fraco sem vocês. — Ele suspirou, quando acariciei
seu rosto. — Amore mio, eu sei que errei, não me eximo de culpa. Quando eu
recebi a mensagem… — Fiz careta.
Eu vi, e foi horrível. Nunca teria coragem de terminar com alguém
por uma mensagem, ainda mais quando eu tinha uma história com essa
pessoa. Minha avó, ao fazer isso, menosprezou cada parte do que vivi com
Rocco.
— Não fui eu. — Penteei seus cabelos para trás. — Eu nunca faria
algo assim.
— Eu sei, mas, por um momento, apesar da dor que me dilacerava, eu
cogitei a possibilidade de te dar o que você pedia.
— Rocco…
— Você me ensinou, Victoria. — Ele sorriu, mas as lágrimas estavam
lá, escorrendo. — Me ensinou o tipo de amor que quero viver e te dar. Se,
para te ver feliz, eu tivesse que te deixar ir, eu te deixaria.
As últimas palavras ele disse com os olhos fechados, tremendo, a
respiração forte. Rocco estava abalado, sofrendo com a possibilidade que ele
vislumbrava.
— Amore mio, eu te dei cada pedaço de mim. — Ele sorriu,
emocionado. — Sem você, não estou completo. Por favor, olha para mim,
estou despido de qualquer armadura, de ressalvas, para te implorar por uma
chance. Não sou o Rocco Masari, aqui sou apenas um homem como qualquer
outro, diante da mulher que ama.
— Rocco… — Acariciei sua barba, pronta para dizer que o queria
com todo ardor do meu coração, mas ele não deixou.
Estava desabafando, e eu deixaria, porque ouvir tudo que falava fazia-
me muito bem.
— Não existe Rocco sem Victoria, não existe vida ou felicidade sem
você. Não há um lar para mim, não há alguém para voltar. — Ele esfregou o
nariz na minha barriga, suspirando. — Para você, eu fico de joelhos, você me
tem na palma de sua pequena mão. Foda-se o orgulho, poder, minha riqueza,
tudo. Nada disso me faz sentir como só você faz, amore mio, não me deixa
voltar para a minha antiga vida. — Pausou, e uma expressão crua de
desolação dominou sua face de anjo caído. — Tudo isso é para que saiba que
eu não sou nada sem você. Ninguém amou o homem cheio de defeitos e
problemas, mas você amou. Por isso, eu te imploro perdão de joelhos, sem a
menor vergonha de mostrar o quão indefeso sou diante de você.
— Rocco…
Tentei chamá-lo, compreendi o quão profundo ele estava sentindo
aquilo e eu não precisava mais que continuasse falando. Suas palavras me
fizeram perceber o quão amada eu era, o jeito com que me olhava, o seu
toque e suas atitudes também. Eu não tinha qualquer receio e diria isso a ele.
— Me deixa te dizer. — Havia tanta paixão em sua voz que eu não
pude evitar o abalo que me causou. — Sem você, não sobra nada de mim. Eu
te falei, você me fez seu homem, só posso ser seu, de mais ninguém. — Ele
me olhou com esses olhos azuis maravilhosos e eu me rendi, já estava, mas
fiquei ainda mais. — Me dá só uma chance de te provar que posso ser tudo
que você precisa, não vai se arrepender, eu…
— Rocco, não diz mais nada. — Joguei-me nos seus braços e ele caiu,
gemendo como se fosse de dor, mas me apertando mesmo assim. — Eu te
amo, seu bobo, e quero muito nossa família unida. — Beijei suas lágrimas, os
lábios.
Ele riu, segurando-me junto ao peito.
— Você disse que me ama? — Prendeu-me com seu olhar, balancei a
cabeça, sentindo as borboletas na barriga e o coração acelerado. — Fala de
novo, per favore.
— Eu te amo — disse bem devagar, para que ele não tivesse dúvida.
— Dio santo, pensei que nunca mais fosse ouvir.
Ganhei um sorriso, e não pude evitar acompanhá-lo. Rocco estava
chocado, buscando em meus olhos a confirmação do que eu acabara de dizer.
Não escondi nada, já não era mais necessário.
— Eu disse que um dia veria em seus olhos que me perdoou —
proferiu baixinho. — Eu vejo isso agora.
Pisquei um olho e me soltei, ele franziu o cenho quando eu me
levantei e estendi a mão para ele.
— Vem, grandalhão — chamei por ele. — Preciso de você.
Ansiava sentir nossos corpos conectados e os sentimentos se
enroscando um ao outro como se buscassem fundir-se.
Ele levantou, pegando na minha mão. Todavia, parecia desconfiado,
inseguro.
— Victoria? — Havia uma pergunta em seus olhos bonitos.
— Sim, quero meu Foderoso Masari. — Pisquei um olho, ele puxou a
respiração, desacreditado do que ouvia.
— Você vai me aceitar, para sempre? — Inclinou a cabeça, mas,
apesar de seus gestos comedidos, eu percebi a ansiedade que permeava seu
tom.
Ele não sabia, mas eu estava mais que pronta, ambos estávamos na
verdade. Sentia o anseio de finalmente concretizar a união física e emocional.
Depois de tudo o que passamos, a começar pelos medos e noites insones,
chegar aqui era uma vitória. Eu só queria estar em seus braços, e não sair
nunca mais.
— Você vai me aceitar, amore mio? — perguntou de novo, a voz
baixinha, como se tivesse medo da resposta.
— Sim, e nunca mais vou te deixar ir. Prometo que eu também não
irei.
— Dio mio. — Abraçou-me, respirando em meu pescoço, causando
um frisson gostoso em meu corpo. — Eu devo estar sonhando. Não esperava
chegar a esta felicidade.
— Me beija — murmurei em seu ouvido. — Quero fazer amor com
você.
— Porra, não diga isso para mim, estou faminto. — Suspirei, sua voz
soou rouca, engrossada de tesão.
O jeito que me olhou esquentou meu sangue a ponto de me fazer
palpitar em expectativa.
— Quero você.
— Amore mio. — Seu hálito quente tinha cheiro de menta, ele estava
a um sopro de distância. — Sou todo seu.
— Você sempre foi. — Mordisquei seu lábio. — Desde o primeiro
olhar, e nada pode mudar isso.
— Grazie a Dio[4]. — Deu-me um selinho e me abraçou. Eu o apertei,
mas o gemido de dor que ele deu me deixou preocupada.
— Você está bem?
— Estou ótimo, agora vem aqui.
Rocco me ergueu nos braços e caminhou em direção à saída.
— O que está fazendo? — Enlacei o seu pescoço, ele respondeu com
uma piscadela.
— Estou te levando para nosso quarto.
Não prestei atenção no caminho, estava ocupada demais beijando seu
queixo e provocando-o como eu podia. Notei que ele estava andando bem
rápido, isso me divertiu.
— Porra de barco grande — rosnou, quase correndo. Depois, ele
parou e chutou uma porta. — Agora, eu vou te fazer minha.
Antes que eu pudesse formar uma frase, ele me beijou com tanto
fervor que se me perguntasse meu próprio nome eu não saberia. Entreguei-
me ao beijo, permitindo que ele me levasse ao doce e sublime céu.
Senti a maciez de um colchão, depois o peso de Rocco estava sobre
mim. O calor de seu corpo grande e o seu perfume maravilhoso
embriagavam-me.
— Me beija. — Ofereci os lábios, ele os aceitou, gemendo, todo
rendido, como eu.
Era tão libertador entregar-me sem medo, poder sentir aquelas
emoções que antecipavam a entrega total, o anseio, a deliciosa espera.
— Toque-me, amore mio — Rocco sussurrou. — Não me deixe temer
que não seja real.
Procurei seus olhos, ele estava despido para mim, de alma, de
emoções. Rocco continuava o mesmo homem que conheci, entretanto, agora,
havia uma transparência em seu semblante, que me fazia ter certeza de que o
medo de se machucar não estava mais lá.
— Vou amar você, Rocco. — Acariciei seu rosto, ele fechou os olhos,
suspirando. — Como se fosse a primeira vez.
Ele sorriu e então tomou meus lábios em meio a um gemido quase
doloroso, mas apaixonado. O seu corpo estava tão quente que eu me sentia
queimando, suas mãos deslizavam por minhas coxas, com recato. Parecia ir
testando até onde poderia ir. Rocco nunca foi comedido, mas agora ele estava
sendo, talvez por receio de ir além.
Acho que eu precisava ser mais clara.
Mordisquei o seu queixo, esfregando o nariz por seu pescoço. Ele
gemeu baixinho, gostando, suas mãos me apertavam com firmeza, mas ele ao
mesmo tempo era delicado.
Tudo que eu precisava. Rocco era exatamente tudo que eu precisava.
— Quero você — murmurei baixinho, sentindo a barriga tremer de
antecipação.
— Amore mio, você me tem. — Ele sorriu. — Mas, per favore, não
me provoque.
Eu não o queria cheio de cautela, pelo menos não agora.
— Rocco, quero você dentro de mim.
Ele fechou os olhos como se precisasse se concentrar para manter o
controle. Eu sabia que estava sendo audaciosa, mas, com ele, não precisava
ser tímida, Rocco me ensinou tudo, fez-me ser consciente dos meus desejos.
— Necessito você.
O gemido de rendição foi puramente masculino. Rocco ergueu-se, e
eu notei que ele estava cuidadoso com seus movimentos, talvez quisesse
deixar claro tudo que fazia, para que eu não desistisse. Não fazia muito
sentido, mas Rocco sempre poderia surpreender.
— Me deixe ver esse corpo lindo — ele disse, enquanto ia subindo o
meu vestido.
Ele me ajudou a tirar a peça, e eu tentei não ficar tímida, porque o
instinto de me cobrir veio forte. Apesar de o homem diante de mim conhecer-
me até ao avesso, meu corpo estava mudando cada vez mais rápido. No
último mês, meus seios ficaram maiores, os mamilos escuros. A barriga havia
despontado ainda mais, e eu ganhara todos aqueles quilos necessários.
— Dio mio, você parece uma obra de arte.
Havia tanta admiração e verdade na voz dele que senti minhas
bochechas esquentando, não de vergonha, mas de prazer.
— Você está linda. — Seu olhar inflamado percorreu meu corpo,
respirei fundo, tentando controlar o frisson louco que me deixava ansiosa e
arrepiada. — Amore mio… — Eu gemi e nem sabia se a culpada era sua voz
ou o toque de suas mãos em meus seios. — Como estão lindos, grandes e
maravilhosos, parecem suculentos.
Quando ele puxou os mamilos, arqueei de prazer porque eu podia
jurar que senti esse puxão no clitóris.
— Por que você não prova para ter certeza? — O canto de sua boca
arqueou, ele estava dando aquele sorriso perverso que me prometia prazer.
Muito prazer.
— Então, me observe.
Tentei, eu juro que tentei, mas quando ele começou a lamber os bicos
turgidos, eu pensei que fosse morrer. Antes, não era assim, tão intenso, agora,
minha nossa, parecia uma terminação nervosa exposta.
— Delícia. — Gemeu, sugando um mamilo.
— Rocco… — Meu fôlego foi expulso, o choque de prazer, a
eletricidade tomando cada canto do meu corpo.
Eu sentia a umidade escorrer na calcinha, a boceta contraindo e me
fazendo sentir a necessidade de ser preenchida.
— Sem provocação, não agora. — Segurei seu cabelo. — Rocco!
— Eu quero ir devagar, quero te saborear primeiro.
— Faça isso depois. — Abri as pernas ainda mais quando senti o
toque de sua mão. — Antes que eu enlouqueça, ou que implore ainda mais,
somente preciso de você dentro de mim.
— Porra, amore mio, não fala assim, desse jeito você acaba comigo.
— A voz de Rocco por si só já era uma provocação, o timbre e o sotaque dele
eram demais para mim. — Não me provoque, me deixa ir devagar, estou
morto de fome, quero tanto você, mas precisamos de calma.
— Eu não preciso!
Seu rosto torceu numa expressão de sofrimento, mas não de algo
ruim, era excitação, eu o sentia duro entre as pernas, pulsando. Rocco
segurou meus cabelos, aproximando o rosto do meu, até estarmos com os
narizes encostados.
— Eu vou te amar tanto, mas tanto, que ficaremos desmaiados —
falou baixinho, seus olhos estavam escuros de paixão e, admito, vê-los assim
me deixava saudosa. O que vinha depois sempre era sensacional. — Mas
antes eu preciso te provar e eu vou, esperei muito por isso e não vou pular
etapas. — Piscou um olho.
A expectativa me deixou ainda mais excitada. Ele me beijou e foi
descendo, a mão perdida dentro da minha calcinha, provocando meu clitóris,
deixando-me escorrendo de tesão.
— Rocco!
— Estamos partindo para uma viagem deliciosa, e a minha língua será
a primeira embarcar.
Antes de tirar a minha calcinha, ele esfregou o nariz, senti que morria
por causa da decadência. Rocco era um devasso na cama e me ensinou a
descobrir que eu também poderia ser. Com ele.
— Saudade do caralho. — Ele deslizou a calcinha pelas minhas
pernas, tentei me controlar, mas comecei a tremer.
Fazia tempo demais, e eu o queria muito.
— Eu sou viciado em você. — Ele me olhou. — Mas isso, você já
sabe.
Gritei quando ele abocanhou minha boceta. Não foi um toque de
língua, foi uma chupada, parecia um beijo, com o rosto todo. Eu não estava
preparada, meu corpo tremeu, e eu acho que desfaleci porque, ao que parecia,
eu havia esquecido de respirar.
— Rocco! — Segurei seu cabelo, já sentia os dedos dos pés curvando,
estava toda sensível, parecia que meu clitóris era um fio desencapado, cada
sugada enviava um choque por meu corpo inteiro.
— Minha delícia, que saudade.
Rocco tinha o costume de esfregar o rosto, ele não era tímido no sexo
oral, era bastante vocal. Deus, como me excitava.
Cada golpe de sua língua vinha recheado de um gemido bruto,
gostoso, responsável por enviar milhares de sensações por meu corpo.
— Você é malvado. — Puxei-o pelos cabelos, tentando aliviar um
pouco o seu ataque.
Rocco não parava de lamber, chupar, golpear o clitóris com a língua,
ou brincar com a minha vulva melada. Ele sempre teve um jeito selvagem na
cama, todos os carinhos com que construía meu prazer só ficavam mais
intensos. Era impossível não acompanhá-lo, ele sempre me fazia perder o
controle.
— Isso é tortura. — Puxei seu cabelo com força, ele respondeu com
um gemido alto.
A qualquer momento, eu sentia que ia explodir. Estava decadente,
exposta, desesperada. Queria-o dentro de mim ou enlouqueceria. Ele não
disse qualquer coisa, apenas me deixou lutando para suportar o prazer
absurdo e quase doloroso. Levava-me ao limite, mas não me deixava ir,
confesso que estava doendo, eu necessitava da sua invasão, queria sentir seu
pau me fodendo gostoso.
— Rocco, por favor. — Lágrimas idiotas escorreram, ele sorriu,
erguendo-se.
Observei, fascinada, ele se despir.
— Porra! — Fez uma careta ao curvar para tirar a calça. Notei que
suor porejava sua fronte, mesmo o quarto estando frio.
Mordendo o lábio, admirei suas coxas musculosas. Rocco era um
homem grande, mas agora ele estava enorme. Intimidante no mais básico
sentido da palavra e, por mais louco que parecesse, eu fiquei ainda mais
excitada com sua aparência rude.
— Vem, eu te quero.
Não me importei por ele não tirar a camisa, meus braços estavam
estendidos, chamando-o. Ansiosa que viesse logo e ele veio, me
surpreendendo ao pedir que eu erguesse as mãos.
Obedeci, e ele me prendeu. Isso me deixou um tanto chocada.
— Quero tocá-lo. — Lambi os lábios, não sabia se gostava de estar
presa.
— Vamos com calma. — Piscou um olho, ficando do meu lado. —
Quero olhar em seu rosto enquanto construo o seu prazer.
— Rocco, eu estou…
— Temos todo o tempo do mundo, para que a pressa?
Ele não entendia, meus hormônios estavam loucos, paciência não era
algo que eu quisesse ter agora.
— Olhos nos meus — exigiu, e eu obedeci, não podia fazer diferente.
O sorriso dele era de outro mundo, roubava meu fôlego. Ainda assim,
continuei presa em seu feitiço, não consegui desviar o olhar para observar
seus dedos caminhantes.
— Sinta, amore mio — murmurou, carinhoso.
Suspirei, sentindo os dedos deslizarem por minha pele, depois ele
circulou um mamilo e o apertou devagar. Umidade escorreu da minha vulva,
gemi, arqueando, em busca de mais contato. Rocco não tinha pressa alguma,
e isso me alucinava. Fechei os olhos, ele parou de me tocar.
— Olhos em mim. — Obedeci, ofegante, sentindo demais, o corpo
todo sensível.
Ele levou um tempo acariciando a minha barriga, até finalmente
descer mais um pouco e brincar com o osso do meu quadril.
— Você tem um olhar faminto, Pequena.
— Quero você. — Encontrei minha voz, porque eu mal conseguia
pensar para formular as palavras.
Meus olhos fecharam de prazer ao sentir seus dedos sondarem minha
entrada, Rocco provocou, me fez implorar baixinho.
— Abra os seus olhos, amore mio. — Sua boca estava quase na
minha.
Embriagava-me, mas eu fiz como pediu. Ao encará-lo, fui
recompensada, pois ele me penetrou com um dedo, bem devagar.
— Você gosta?
Sua voz era decadente, o que ele fazia também. Fodia-me devagar,
parecia querer que eu implorasse cada vez mais pela invasão suave de seu
dedo provocador. Então, como se não fosse suficiente, trouxe os dedos
brilhantes com meu prazer e os esfregou em meu lábio inferior. Rocco sorriu
e se inclinou, lambendo a umidade que ele colocou ali. Meus pensamentos
tiraram férias, eu só me deixei ir.
— Você é perfeita, Victoria.
Óbvio que não era, e jamais seria, contudo, não tive tempo de rebater
sua declaração, pois ele me devorou em um beijo tão perverso e profundo que
tremi inteira, quase gozando.
— Por favor — implorei, tentando respirar, ele não me deixava. —
Preciso de você dentro de mim.
Rocco me beijou de novo, voltou a acariciar meus seios, minha
boceta. Ele tinha as mãos por todos os lugares, fazendo mágica. Eu ouvia sua
respiração acelerada, a tensão que não o abandonou desde que demos o
primeiro beijo.
Eu não sabia o motivo de estar sendo tão cauteloso, com toda certeza
do mundo, eu não ia quebrar. Foi quase um alívio vê-lo erguer-se e se ajustar
entre as minhas pernas, mordi o lábio, por um momento, desacreditando que
o momento fosse real.
— Olhe para mim. — Foi impossível não fazer como pediu.
Excitada com a visão que eu tinha, observei-o se masturbar daquele
jeito provocador que era tão dele. Rocco sorriu, então, eu o senti esfregar em
minha vulva, molhando-se com meu prazer.
Respirei fundo, o corpo relaxado, pronto para recebê-lo.
— Não quero machucar você. — Seus músculos estavam destacados,
como se ele fizesse muito esforço para se controlar. — Diga-me se quiser que
eu pare.
Ele pressionou minha entrada, devagar demais, cuidadoso. Houve
uma leve pressão, mas ele continuou empurrando.
— Dio mio. — Gemeu. — Morrerei antes de estar dentro de você. Te
sinto quente, apertada, me puxando. — Respirou fundo, havia uma nota de
prazer tão profunda em sua voz, que me deixava sem palavras.
Meu corpo o reconhecia e o aceitava. Apesar de todo cuidado, Rocco
era grande, mas eu sabia que a gente ia encaixar como quebra-cabeça. Foi
sempre assim, desde o começo.
— Vem, amor — incentivei-o e, como se precisasse disso, ele
estocou, enterrando-se todo dentro de mim. — Oh, Deus… — Arqueei com a
sensação de prazer sublime.
Agora sim, eu estava pronta para tudo que ele fosse me dar.
— É como voltar para casa.
Os olhos que eu amava estavam brilhantes de emoção, porque ambos
sabíamos que agora estávamos unidos para tudo o que importava. Voltamos
para os braços um do outro, aquilo não era somente ter sexo com alguém, era
fazer amor com o homem da minha vida, sabendo, com certeza, que ele sentia
o mesmo.
O momento fechava um ciclo e iniciava outro.
— Amo você. — Minha voz embargou quando ele puxou um pouco e
estocou lentamente. — Amo você, Rocco.
Lágrimas pularam dos meus olhos e ele as beijou, emocionado
também.
— Eu sinto também, amor — falou baixinho, e eu vi seus olhos
ficarem molhados. — Está dentro do meu coração.
Ele me amava devagar, com cuidado, como se saboreasse cada
estocada individualmente. Rocco parecia estar se contendo, como se tivesse
medo de não ser real. Em seu rosto, notava-se a felicidade, era uma coisa viva
e muito intensa. Bonita demais.
— Rocco…
Talvez ele tenha notado a necessidade em meu tom de voz, porque
uma chama acendeu em seus olhos. Ele respirou fundo, deixando o seu
controle ir. Prendi a respiração quando ele quase se retirou de mim e estocou
com força.
Do jeito que eu queria.
— Oh, Deus, isso. — Gemi alto e desta vez ele não parou.
Abandonados em meio à paixão, ele me fodeu daquele jeito
enlouquecedor. Parecia saber cada lugar escondido, pois atingia todos os
meus pontos sensíveis com uma selvageria ardente. Deixei-me ir, feliz,
enquanto implorava por mais.
E Rocco sempre me dava mais dele, mais prazer, mais tudo. O meu
amante perverso e generoso.
— Saudade do caralho! — Sua voz rouca e a expressão marcada pelo
prazer que ele não se importava em demonstrar atiçavam-me. — Sou seu,
cada parte de mim é toda sua.
Talvez fosse o desespero perceptível em suas palavras, somado à
cadência tempestuosa e cheia de vulnerabilidade, que me enviou ao limite.
Não consegui conter o lamento que escapou dos meus lábios quando o
orgasmo atravessou meu corpo como uma chama reluzente.
Rocco não diminuiu suas estocadas, pelo contrário, tomou o meu
prazer até o fim, alimentando-se de toda aquela loucura que eu era. Por um
instante, tudo se tornou intenso demais, minha mente desligou, deixando-me
à deriva naquele mar revolto. Eu mal podia respirar, tremendo toda, a boceta
palpitante, sensível.
Preso entre a luxúria e a realidade, Rocco estava descontrolado. Era
tudo intenso demais, cada estocada agora fazia meu clitóris palpitar, e como
se notasse a que ponto eu havia chegado, ele começou a esfregar o feixe de
nervos, fazendo-me delirar de tanto prazer.
Era quase doloroso, mas irresistível.
Aquele homem sempre me dava mais prazer do que eu me julgava
capaz de aguentar e isso às vezes assustava, porque eu nunca acreditava que
fosse sobreviver, até estar implorando para ter tudo de novo.
— Rocco… — Gemi, ofegando, mas ele não parou até eu ouvir seu
próprio lamento de desespero.
Finalmente, ele estava naquele mar para ficar comigo.
— Isso sim é felicidade.
Eu deveria estar flutuando porque não consegui responder, me sentia
desossada. Só era consciente de estar viva porque o corpo dele estava quente
demais e incendiava o meu.
— Não vai dormir, ainda não terminamos. — Ele esfregou o nariz no
meu, eu gemi, ainda sentindo-o dentro de mim. — Chegamos ao nosso para
sempre, não é? — ele perguntou, e eu sorri.
De olhos fechados, murmurei um categórico “sim”.
Victoria

Fechei os olhos para saborear o beijo delicioso que Rocco me dava.


Deus, ele tinha uma boca gostosa e uma língua que sabia o que fazer. Eu
ainda podia senti-lo dentro de mim, movendo-se devagar, porque agora não
tinha pressa alguma.
Por ora, estávamos saciados. Então, depois de toda paixão,
desfrutávamos de um momento mais delicado, em que ele não parava de me
acariciar e beijar, ou dizer o quanto me amava.
Deus, sua voz, propositalmente carregada com sotaque, me deixava
toda arrepiada, com os pensamentos incoerentes. Ele não deveria ter esse tom
profundo, rouco, luxurioso.
Eu amava isso, admito.
— Dio mio, adoro onde estou — disse baixinho, eu apenas suspirei,
ao senti-lo aprofundar as estocadas.
O barulho que fazia era molhado, perverso. Eu me sentia tão
decadente e gostava disso, não ia fingir agora.
— Senti saudade de estar assim com você. — Ele esfregou o nariz em
meu pescoço.
— Rocco, sua barba me provoca tanto, eu amo.
— O que mais te provoca? — Havia riso em seu tom, e eu quase
enlouqueci quando ele puxou meu mamilo, já sensível por sua atenção.
— Não faça isso. — Arqueei quando ele massageou meus seios. —
Mas é tão bom. Deus, você é malvado.
— Admita, amore mio, você gosta quando eu sou malvado. —
Lambeu minha boca e me beijou outra vez. Devagar, degustando e exigindo
retribuição.
Eu queria tocá-lo, apertar sua carne, senti-lo em meus dedos, mas
continuava presa.
— Grandalhão, me solta — pedi, entre beijos e carícias que só ele
podia fazer. — Quero te tocar.
Ele puxou o tecido suave que usara para me prender, e eu enfiei as
mãos em seus cabelos, puxando-o para mim.
— Amo o seu cheiro. — Gemi quando sua língua percorreu meu
pescoço. —Vem aqui, me beija.
Ele tomou a minha boca e eu derreti. Rocco beijava de um jeito capaz
de deixar qualquer mulher fora de sua mente. Gostava de degustar
lentamente, então havia seu vício por pequenas mordidas, chupadas e
gemidos baixos de satisfação.
Ele sempre me deixava saber como se sentia, e isso era tão erótico.
— Amore mio, você foi feita para mim, sabia? — Ele me encarou,
hoje estava especialmente arrebatador, pois a sua expressão era de pura
felicidade. — Mas em um perfeito tamanho mini.
— Isso é maldade. — Bati em seu ombro, depois enlacei seu
pescoço. — Admito, Rocco, eu gosto desse seu tamanho extragrande.
Meu coração, esse tolo apaixonado, doía de tanto amor por ele. Se
isso me tornava vulnerável outra vez, não tinha problema. Porque eu me
sentia disposta a colocar todas as minhas fichas nessa chance, e que Deus me
ajudasse, mas eu não ia me arrepender por tentar ser feliz com o homem que
eu amava.
Assim mesmo, cheio de defeitos.
— Sou extra em todos os sentidos, me chame de BigBro, eu aceito. —
Ele mexeu as sobrancelhas de um jeito divertido.
Eu gostava dele assim, leve, descontraído.
— Bobo. — Acariciei seu rosto. — De onde você tira essas coisas?
— A convivência com Dimitri corrompe qualquer pessoa. — Piscou
um olho e depois me deu um beijo rápido.
Deslizei minhas mãos por seu corpo, Rocco não havia tirado a camisa,
no furor da paixão, eu achava que ele sequer se lembrara dela.
— Tira isso, quero sua pele na minha.
Puxei a barra da camisa e intencionalmente raspei os dedos por seu
flanco, e ele gemeu de dor. Na mesma hora, percebi que prendeu a
respiração.
— Rocco?
Deslizei as mãos por suas costas e laterais, procurando. Ele estava
tenso, respirando um pouco fora do normal, mas não disse nada.
— O que é isso? — Não escondi o receio na voz, havia ali uma
textura de pele diferente e pontas ásperas do que me pareceu uma sutura. —
Rocco?
Ele não disse nada, ficou me encarando. Parecia um tanto reticente,
como se não quisesse compartilhar porque tinha pontos ali. Lembrando-me
de mais cedo, quando ele havia me colocado nos braços, percebi que Rocco
pareceu ter sentido dor, e não só isso, agora sua temperatura estava
começando a me incomodar também.
— Você está quente demais — murmurei, empurrando-o para que
saísse de cima de mim. — Me deixe te verificar.
— Estou bem, isso é apenas um incômodo passageiro. — Sorriu, mas
eu não me convenci nem um pouco.
— Rocco… — Toquei outra vez o local e notei que parecia molhado.
Olhei os meus dedos e havia um pouco de sangue com outros fluidos
de cor duvidosa.
— Rocco, saia de cima de mim! — exigi e ele me encarou.
— Amore mio, eu gosto daqui. — Sorriu. — Estou no paraíso, poderia
morrer agora.
— Para de falar essas coisas. — Engoli em seco, sentindo como se
uma pedra caísse no meu estômago. — Por favor, saia, eu quero te ver.
Ele obedeceu, fazendo um som luxurioso ao deslizar para fora do meu
corpo. Rocco sorriu, ajoelhando na cama.
— Tire a camisa, por favor. — Respirando fundo, ele ergueu os
braços para tirá-la, e não conseguiu esconder a expressão de dor.
Mesmo que apertasse os lábios e que os seus movimentos fossem
mais cuidadosos, estava claro que sentia bastante dor. Rocco não era do tipo
que demonstrava, para estar assim, significava que o negócio estava bem
sério.
Na verdade, ele estava um tanto pálido, e não ter notado isso antes me
fez sentir péssima e irresponsável. Rocco era muito avesso a cuidados quando
se tratava dele. Achava-se invencível, como se nada pudesse atingi-lo ou
derrubá-lo.
— Me deixe ajudá-lo. — Tomei a frente, porque ficou claro que não
ia conseguir puxar sozinho, ou sem sofrer desnecessariamente.
Ele se curvou um pouco, e eu passei a camisa com cuidado por seus
braços.
— Pronto — falei baixinho, procurando o machucado.
— É do outro lado — avisou, e eu não acreditei quando vi.
Sua ferida estava com uma cor estranha, na verdade, mesmo não
entendendo muito disso, o aspecto geral não me parecia agradável, pois
estava roxa, inchada demais e molhada. Não deveria estar assim. Pelo que eu
sabia, as feridas deviam ficar secas.
Não é?
Obriguei-me a ficar calma e ver direito. Aproximando-me, não
consegui enxergar muito bem os pontos, apenas as pontas do material, o
restante estava enterrado na ferida, que não parava de escorrer líquido.
— Dói? — perguntei, quando toquei ao redor.
— Porra, dói pra caralho! — reclamou, me deixando ainda mais
preocupada.
— Eu vou cuidar de você, okay? — Engoli em seco, lutando para que
minha voz não saísse trêmula.
— Você vai cuidar de mim? — Ele sorriu, os olhos brilhando.
Agora, eu já não sabia se era de febre ou outra coisa.
— Eu vou, amor, mas me deixe dar uma olhada melhor.
Não consegui entender muito bem que tipo de ferimento era aquele,
pareciam dois cortes, porque tinha pontos em dois lugares, mas a área
arroxeada era tão grande que me deixou confusa.
— Como você se machucou? — Esperei que respondesse, enquanto
eu continuava tentando manter o controle. — Sinto-me uma egoísta por não
ter notado que você estava machucado.
Olhei para ele, esperando que me dissesse o que havia acontecido.
Mas ele não respondeu.
— Rocco, precisamos ir para o hospital, um médico precisa ver isso,
sua ferida não está com um aspecto de recuperação. Na verdade, ela parece
infeccionada.
— Você disse que ia cuidar de mim. — Ele segurou meu braço. —
Amore mio, você vai estar aqui amanhã?
— O quê? — Sua pergunta me deixou confusa. — Olha, você precisa
descansar e se recuperar, mas antes, um médico tem que dar uma olhada em
você, eu não saberia por onde começar.
— Você vai me deixar?
Eu não estava acreditando que ele realmente se preocupava com isso.
De verdade, ele não estava bem.
— Rocco, não vou a lugar algum, não vou te deixar. — Balancei a
cabeça. — Que perguntas são essas? Vamos pensar em você agora e nessa
ferida?
— Amore mio, somente você importa. — Sorriu, fechando os olhos e
me puxando para um abraço.
Retribuí, o coração encolhido. Se eu não estivesse louca, havia muita
carência nele. Rocco estava mais vulnerável do que eu poderia imaginar,
mais até mesmo do que ele quisesse transparecer. Meu grandalhão sempre foi
muito duro e implacável, mas, depois do meu acidente, ele não escondeu
como se sentia de verdade.
— Só você importa, eu te amo tanto. — Beijou o topo da minha
cabeça, apertando-me um pouco mais forte do que o habitual. — Você não
vai me deixar desta vez, não é?
— Não vou. — Fechei os olhos, não queria chorar.
Mesmo que suas palavras me fizessem sentir vontade.
— Você jura? — Ele se afastou um pouco, buscando meus olhos. —
Eu sei que você sempre cumpre as suas promessas.
— Eu juro, prometo, faço o que você quiser. Mas vamos ao hospital?
— Não chora, amore mio. — Ele sorriu, limpando o canto dos meus
olhos. — Eu nunca te deixaria, pode acreditar nisso.
— Rocco, você está doente. — Ele negou. — Está machucado,
possivelmente com febre. Não dificulte as coisas, por favor.
Ele beijou meu ombro, onde estava a marca do cinto de segurança.
Devagar, acariciou a região, fazendo-me estremecer.
— Antes que pergunte, eu estou ótima. — Tentei sair de seu abraço,
precisava me vestir, voltar para a cidade e levá-lo a um hospital. — Você
deve me soltar, temos que sair, antes que fique mais tarde.
— Você está dando ordens a mim? — Brincou, passando o polegar no
meu mamilo. Eu queria não reagir, mas, Deus, ele sabia como me tocar. —
Sou um homem muito poderoso sabia?
— Então, homem muito poderoso, obedeça. — Dei um tapinha em
sua bunda, ele deu uma risadinha que se transformou em gemido. — Vamos,
estou preocupada com você.
— Quero um beijo, então eu obedeço.
— Isso não é hora. — Respirei fundo, a cada minuto a vontade de
gritar com ele aumentava.
Será que Rocco não notava minha aflição? Duvidei que ele estivesse
em posse de sua sanidade. Quem em sã consciência não se importaria com
uma ferida horrível dessas?
— Sempre é hora para beijar a minha mulher.
Antes que eu pudesse protestar, ele segurou meu rosto e me beijou.
Estávamos ajoelhados na cama, com coisas para resolver, e ele simplesmente
me beijou, fazendo-me sentir em cada terminação nervosa que pertencia a
ele. Quando se afastou, ficou me olhando, ele não parecia feliz por ter que se
afastar.
— Quero ficar aqui com você.
— Eu também, mas temos prioridades.
— Isso, vamos de prioridades. — Ele me puxou pela cintura. — Fazer
amor com você é minha prioridade, reafirmar nosso laço afetivo é minha
prioridade. — Encarou-me, sorrindo. — Então, onde paramos?
— Você só pode estar brincando. — Sacudi a cabeça, incrédula, ele
estava falando muito sério. — Rocco, a gente tem que ir para um hospital
agora.
Bufando de desgosto, ele não escondeu o quão descontente estava.
Sua atitude me deixava meio desorientada, então, só o observei recostar na
cabeceira, puxar a colcha para cobrir suas partes íntimas e depois cruzar os
braços.
— Impossível sair, estamos em alto-mar.
— O quê?
— Alto-mar, bem longe da costa.
— Volte.
Eu não gostava nem um pouco que ele dificultasse as coisas.
— Não vou fazer isso. — Ele me encarou, solene, e disse: — Você
está sequestrada.
Bom, foi nesse ponto que minha paciência acabou e eu perdi a linha.
Rocco era louco se achava que eu ia ficar parada como uma inútil
observando-o arder em febre por causa dessa ferida.
— Rocco Masari, mande o seu barco voltar.
— Mandei o capitão zarpar a pleno motor, estamos longe demais para
voltar. — Ele estava provocando, não era possível.
— Por que você está brincando com coisa séria? — Saí da cama,
procurando as minhas roupas e ignorando totalmente minha perna em
recuperação.
Apressada, vesti a calcinha, depois, toda atrapalhada, enfiei o vestido.
Rocco não disse nada. Quando terminei, joguei os cabelos para trás e exigi
que voltasse.
— Mande-o voltar, você precisa ver um médico.
— Não preciso!
— Por que você tem que ser tão cabeça-dura? — Respirei fundo. —
Vamos, ligue para o piloto desse barco e o mande voltar.
— Não é piloto, é capitão. — Estreitei os olhos e ele começou a rir.
Logo sua risada se tornou gemidos de dor e ofegos. Uma verdadeira
bagunça, porque em seguida ele tossiu, buscando ar.
— Olha aí, está vendo?— Alterei o tom de voz, irritada com ele e já à
beira das lágrimas de preocupação. — Pelo amor de Deus, para de ser tão
cabeça-dura, você está doente, entendeu? Doente! — Comecei a tremer, e
uma vertigem escureceu tudo, me fazendo cambalear. — Oh, Deus. —
Respirei fundo, tentando me controlar.
— Amore mio… — Notei a preocupação em sua voz, sabia que ele
viria me ajudar mesmo o doente sendo ele.
Saber disso só me deixou com mais raiva e apaixonada. Rocco ainda
ia me enlouquecer, com certeza.
— Se você sair dessa cama, a gente vai brigar. — Apontei o dedo,
vendo que ele já estava pronto para vir em minha direção. — Não estou a fim
de brigar com você, mas se continuar assim, eu vou!
Fechei os olhos, tentando lutar contra a vista escura. Levou alguns
instantes, e então, eu me ergui, olhando ao redor para ver um meio de sair
dali. Ao que parecia, Rocco não ia me ajudar.
— Preciso de um médico te examinando nos próximos minutos ou
vou surtar. — Eu não sabia onde estavam os meus sapatos. — Eu vou sair
agora e procurar ajuda, você fica aí.
Mas, quando fui em direção à porta, o ouvi dizer:
— Venha à cabine principal agora. — Virei para olhá-lo e o vi com
um telefone no ouvido, fazendo o que mais gostava: dar ordens. — Agora,
venha agora. A minha esposa precisa de atendimento, ela ficou tonta.
Ele desligou e ficou me encarando. Soltei o fôlego, indo para o seu
lado. Quando o toquei, percebi que estava ainda mais quente.
— Rocco, por que você é tão teimoso? — perguntei baixinho, ele teve
a coragem de dar um sorriso.
— Eu nasci assim, amore mio. — Ele tentou me puxar para seus
braços, mas eu resisti, para seu desgosto. — Pequena, eu estou bem, não vai
ser uma besteira dessas que vai me derrubar.
— Você às vezes é um idiota! — Solucei, porque era inacreditável
que ele se preocupasse tão pouco com a própria saúde. — Como espera
cuidar de mim e do nosso filho se não é capaz de fazer o mesmo por si
mesmo? Agora, se precisasse correr, ou nadar, ou… sei lá, qualquer coisa do
tipo, você não ia conseguir. — Esfreguei o rosto, ainda trêmula demais para o
meu gosto.
— Amore mio, não há nada que me impeça de cuidar de você, se eu
precisasse nadar até a costa, te carregando, eu o faria. — Olhei-o e não vi
brincadeira, ele falava bem sério.
— Rocco, você é inacreditável. — Aproximei-me. — Eu vou cuidar
de tudo que precisar, você foi um excelente enfermeiro quando eu precisei,
prometo ser ótima também.
Ele riu de novo, mas acabou fazendo careta e colocando a mão no
machucado.
— Dói muito, não é?
— Sim, Pequena, dói o suficiente para me deixar irritado. — Ele
pegou uma mecha do meu cabelo e a cheirou. — Não fique tão preocupada,
eu só esqueci de tomar os remédios, estava com coisas mais importantes na
cabeça.
— O que poderia ser mais importante, Rocco?
— Esse sequestro, óbvio. — Piscou o olho, descontraído.
— Não brinca com coisa séria. Não seja omisso consigo mesmo.
Você tem um filho a caminho.
Uma batida na porta me fez respirar aliviada, devia ser o médico.
Levantei da cama e, quando abri a porta, deparei-me com um homem de
meia-idade. Ele trajava roupas confortáveis, mas carregava uma maleta.
— Eu sou o doutor Jordan. — Estendeu a mão. — Você deve ser a
senhora Masari.
— Prazer — cumprimentei-o, saindo da frente da entrada. Não ia
corrigir meu status, isso agora não vinha ao caso. Depois eu poderia
esclarecer qualquer mal-entendido. — Venha, ele está na cama.
— Eu vim para a senhora.
— Eu estou bem, mas Rocco, não. — Fiquei ao lado da cama. — Ele
tem uma ferida, está bem feia.
O doutor Jordan aproximou-se da cama e pediu para Rocco deitar de
lado. Ele obedeceu. Fiquei perto, observando cada detalhe do exame.
— Está claramente infeccionado. — Ele tocou ao redor da ferida. —
Vai doer um pouco.
Rocco travou o maxilar e ficou ainda mais pálido, o médico apertou
ao redor da ferida, e eu vi sair pus de dentro. Minhas pernas ficaram bambas,
juro que não queria parecer tão fraca, mas o ferimento estava bem pior do que
eu pensava.
— Os pontos estão enterrados por causa do inchaço, mas eu preciso
limpar a ferida e eu vou precisar reabri-la para fazer uma raspagem. Não tem
como dar anestesia porque não vai fazer diferença. Talvez seja melhor sua
esposa sair, isso pode ficar desagradável.
— Tudo bem, não se importe comigo — avisei, tentando imprimir
tranquilidade na voz. — Eu vou ficar.
Fiz careta quando notei que cada toque na ferida deixava Rocco mais
pálido, ele não estava bem com aquilo, parecia que ia desmaiar.
— Amore mio, eu disse que isso não é nada. — Sorriu, mas logo ficou
sério. — Você está pálida, Pequena, talvez seja melhor ir para a varanda.
— Não se importe comigo. — Eu fui para perto dele, deitei ao seu
lado, ficando bem de frente. — Estou aqui com você.
Acariciei sua bochecha e ele fechou os olhos, suspirando.
— Amo tanto você — ele disse, meu coração cantou a música que era
de nós dois.
Há muito tempo eu não conseguia ouvi-la, mas ela estava de volta.
— Senhor Masari, como conseguiu esse ferimento?
Rocco abriu os olhos, mas permaneceu em silêncio, me encarando.
Parecia não querer dizer o que acontecera.
— Senhor, eu preciso saber o que aconteceu aqui. A área está tão
inchada que eu não poderia dizer com certeza.
— Diga, amor — incentivei, talvez ele tenha caído e se machucado,
às vezes podia acontecer.
A palidez de Rocco me deixou preocupada, ele me encarava sério,
não queria dizer como fora o seu acidente.
— Eu gostaria que você saísse um momento — ele pediu baixinho. —
Faça isso para mim.
— Você é teimoso quando quer, mas eu também posso ser. Agora
diga ao médico como conseguiu essa ferida, e vamos terminar logo com isso.
Rocco pareceu avaliar suas opções, mas estava claro que não eram
muitas. Em silêncio, ele pegou a minha mão, levando-a aos lábios, deu beijos
suaves nos meus dedos, sorrindo quando me olhou.
— Você está se sentindo bem?
— Estou ótima. — Ele penteou meus cabelos para trás, os dedos
perdendo-se nos fios longos. — O que aconteceu?
— Eu levei um tiro.
Ele me segurou, porque tive o instinto de levantar. Meus pensamentos
ficaram embaralhados com a ideia de que ele tivesse levado um tiro. Deus, a
ferida era no flanco, e se fosse mais para o lado…
Minha respiração acelerou, a vontade de chorar veio tão forte que não
consegui controlar. Quando a imagem de Rocco embaçou, eu escondi o rosto
em seu pescoço. O cheiro dele me cercou, enquanto eu chorava feito uma
idiota.
— Shh, está tudo bem — ele disse baixinho. — Isso não é nada, estou
bem.
— Senhor, foi há quantos dias? — Ouvi o médico perguntar.
— Quatro.
Afastei-me um pouco, sem acreditar no que eu tinha ouvido.
— Eu pensava que você ia terminar comigo e planejava te sequestrar,
amor. — Ele secou minhas lágrimas, mas elas continuavam a escorrer. — Eu
estava esperando o Eclipse chegar, então, eu ia te chamar para conversar e ia
tentar te fazer mudar de ideia. Você viu as conversas, não foi?
Balancei a cabeça, não vi todas, mas o suficiente para entender que
ele tinha motivos para acreditar naquelas mentiras. Saber que Rocco desta
vez foi inteligente e teve controle emocional para lidar com a situação me
deixou muito orgulhosa dele.
— Foi sorte eu estar saindo para verificar o caminho até a marina
quando vi você no carro com Ricardo. Eu ia acompanhar você, talvez te
espiar um pouquinho, matar a saudade de te ver. — Ele sorriu, acariciando
minha bochecha. — Mas então o assalto aconteceu e eu não pensei muito, só
reagi. Queria tirar o perigo de perto de você.
— Rocco… — Passei o braço por seu pescoço e me reconfortei em
seu cheiro, no calor de seu corpo. — Eu te amo tanto, mas, por favor, não
faça mais loucuras.
— Se você estiver em perigo, eu farei qualquer coisa para te tirar dele.
Você e meu filho primeiro, eu, e todo o resto, depois.
— Rocco…
Ele não poderia estar falando sério. Sobre nosso filho sim, mas sobre
mim? Deus, era muita intensidade para uma pessoa só.
— Tudo bem, amore mio. Nesse tempo sem você, eu aprendi a te
amar ainda mais, acostume-se com isso. — Ele sorriu. — Agora deita aqui,
logo estarei pronto para outra.
Pensar no que poderia ter acontecido com ele me deixou impotente,
ao mesmo tempo em que fazia um paralelo com o que ele sentiu quando eu
sofri o acidente. Cogitar a hipótese de que Rocco pudesse ter se machucado
gravemente, para me tirar do perigo, era tão surreal que fazia o restante das
coisas terem menos importância.
Hoje, pensar no que aconteceu naquele bar, ou no casamento de
Mariah, não tinha poder algum de me colocar no chão. Rocco e eu fomos
resilientes. Ele, por continuar ao redor, deixando-me perceber que sempre
estaria ali, e eu, por superar tudo e poder dizer que estava, sim, com o homem
da minha vida.
— Amore mio, não chore mais. — Ele acariciou os meus cabelos. Eu
estava aconchegada a ele, abraçada pelo seu calor escaldante, temendo de
forma atrasada por sua vida.
— Você tem que ficar bem, Rocco — murmurei, ele riu.
— Shh, Pequena, está tudo bem.
Não estava, mas ele queria fazer parecer que sim.
Devagar, consegui controlar o choro, me afastando um pouco,
somente para perder-me em seus olhos. Queria estar preparada para ser um
suporte se as coisas ficassem realmente difíceis.
— Vou começar a retirar os pontos para limpar, tente não se mexer.
— Pode ir. — Rocco sorriu para mim, e eu tentei me esticar para ver
o que o médico estava fazendo. — Fica aqui, quietinha, estou concentrado
nesses seus olhos de feiticeira que eu tanto amo.
— Não me enrole. — Não escondi a revolta, ele não estava levando a
sério. E como se fosse para deixar isso ainda mais claro, Rocco se inclinou e
me beijou.
— Não se mova, senhor.
— Desculpe — pedi, olhando de cara feia para o meu grandalhão. —
Doutor, Rocco vai ficar bem?
Uma resposta negativa era o que eu mais temia, porque Rocco era
bastante negligente consigo mesmo. Eu me lembrava de que ele não havia se
importado com o mal-estar que sentira na China, até Dimitri chamar um
médico. Resultado, daquela vez Rocco estava com uma pneumonia, enquanto
trabalhava feito um maluco.
— Sim, o seu marido tem boa constituição, é saudável. — Olhei para
o doutor, ele estava concentrado na ferida. — Tomar os remédios
corretamente e descansar será o suficiente. Logo ele estará ótimo.
— Okay, eu vou me certificar de que ele faça isso.
— Eu já falei que estou ansioso para ser o seu paciente? — Rocco
perguntou e, enquanto eu estava tensa e nervosa, esperando que ele
reclamasse de dor, ele não fez nenhum som.
Estava conversando como se não estivesse com sua ferida sendo
cutucada.
— Você pode reclamar se quiser — falei, prestando muita atenção em
sua expressão.
Ele estava tranquilo, mas o suor porejava sua fronte.
— Estou bem, não é para tanto. — Piscou um olho. — Não dói como
você pensa, eu fui um pouco dramático no começo.
— Rocco Masari, mentindo para mim?
— Eu? Jamais. — Rimos juntos.
Havia uma leveza nova, e isso se devia à ausência do medo, que
durante meses foi muito presente em nossas vidas. Eu achava que havíamos
superado o passado, e esse companheirismo era uma consequência bem-
vinda.
Juntinhos, passamos por esse processo. Rocco não reclamou nenhuma
vez, até parecia que eu estava sentindo mais que ele, que tentava demonstrar
tranquilidade. Quando acabou, o doutor Jordan juntou seus materiais, e eu
finalmente pude espiar.
Havia um curativo bem-feito cobrindo a ferida, mas Rocco estava
pálido demais.
— Pronto, vou deixar um remédio para dor e febre, antibióticos. A
prescrição é simples, para dor e febre, de quatro em quatro horas. Do
antibiótico, a primeira dose deve ser dada agora, então, será regulado de oito
em oito horas. Eu posso deixar uma enfermeira responsável pelos horários.
— Eu cuido disso. — Estendi a mão. — Posso ficar com o
termômetro?
— Claro, aqui.
Recebi tudo o que precisava, além de muitas orientações que me
deixaram tranquila. Agora eu tinha com o que trabalhar. Antes de sair, o
doutor Jordan deixou claro que estaria de prontidão e que no dia seguinte
voltaria para verificar Rocco.
— Obrigada por tudo, doutor — agradeci, levando-o até a porta.
— Até que enfim estamos sozinhos. — Rocco estendeu os braços,
assim que eu voltei para perto dele. — Vem aqui, amore mio.
Eu não tinha nenhuma intenção de namorar, como era bem claro que
ele queria. Primeiro verifiquei sua temperatura, que estava em trinta e nove.
Agora eu deveria lhe dar o remédio para dor e febre, mas antes de fazer isso,
olhei ao redor, procurando algo que ele pudesse beber.
— Tem um frigobar ali. — Rocco apontou para uma parede. — É
embutido, a segunda porta.
Aquele iate era de outro mundo, tão luxuoso que intimidava. Admito
que eu estava um pouco desconfiada, mas fui caminhando até onde achei que
fosse a segunda porta. Não tinha maçaneta, digo, tinha somente um delicado
encaixe de mão. Puxando-o, avistei um bar cheio de bebidas bem encaixadas
em suportes. O frigobar localizava-se abaixo.
Pegando o que precisava, voltei para a cama.
— Aqui. — Entreguei o remédio e a água para Rocco.
Ele tomou tudo, não fez questão de discutir.
— Venha, quero você em meus braços — ele me chamou, abrindo e
fechando as mãos.
Arrumei tudo no pequeno móvel ao lado da cama, dentro da gaveta
para o caso de o iate balançar muito. Quando fui deitar na cama, hesitei,
Rocco gostava de dormir abraçado, eu temia machucá-lo.
— Devemos ter cuidado, eu acho que…
— Vem aqui. — Sua voz soou firme. — Fica do lado bom.
Tive o maior cuidado para não chegar nem perto do curativo, não
queria correr riscos desnecessários. Eu queria muito que Rocco tivesse o
mesmo cuidado, mas ele me puxou, deitando-me em seu peito.
— Amore mio, essa ferida é um passeio no parque, não fique toda
preocupada.
— Okay, quando eu adoecer, não vou querer você todo cheio de
cuidados.
— Quero ver alguém me proibir. — Olhei para ele. — Eu sou seu
enfermeiro particular, esqueceu?
— Bobo. — Beijei seus lábios. — Obrigada por não ter desistido.
Ele me encarou chocado, como se eu houvesse dito algum absurdo.
— Você acha que existia alguma possibilidade de eu desistir de você?
— perguntou, me encarando. — Rocco Masari não desistiria de sua mulher
nunca, jamais.
Acreditei porque ele somente declarou um fato, e Deus era
testemunha de que saber disso causava um frisson de felicidade em mim.
Nem me assustei com a ferocidade de suas palavras. A personalidade de
Rocco exigia essa intensidade toda, e eu cheguei a uma conclusão depois de
tudo isso.
— O médico disse que eu era sua esposa, você quer explicar?
— Eu só adiantei as coisas. — Ele sorriu, satisfeito consigo mesmo.
— Não brigue comigo, estou doente.
— Muito esperto. — Acariciei seu peito. — Me lembre de conversar
sobre as suas loucuras quando estiver recuperado.
— Isso pode levar algum tempo. — Havia um ar de riso em seu tom.
— Eu vou ficar de olho. — Suspirei, feliz por ouvir as batidas firmes
de seu coração. — Rocco?
— Sim.
— Você quer tomar um banho?
— Eu vou adorar lavar seus peitos, eu já disse que estão lindos?
— Okay, um banho vai ser ótimo para baixar essa temperatura toda.
— Assim que levantei, a primeira coisa que fiz foi me livrar das roupas. —
Então?
Rocco deu um sorriso capaz de molhar calcinhas, ele estava excitado
e, quando levantou, parecia satisfeito.
— O curativo vai molhar. — Cruzei os braços. — Como faremos?
— Foco nessa região. — Ele acariciou o pau duro. — A parte de
cima, você lava com a língua.
— Não dá, você vai dar trabalho, eu já sei.
— Se você me chupar, eu não vou fazer esforço, então, eu acho que
pode.
— Rocco Masari, você é impossível.
Mas admito que a ideia não pareceu tão ruim. Juntos, fomos para o
banho e eu precisei fazer um malabarismo com as mãos tendenciosas dele.
Foi divertido e gostoso, com certeza seria algo que colocaríamos na rotina.
— Agora cama — ele quem disse, bocejando. — Eu vou ter o meu
boquete?
— Uma semana de repouso, quando acabar, eu vou mamar gostoso o
seu pau.
— Caralho, não fala assim, mulher!
— Culpa sua. — Vesti uma de suas camisas e me arrastei para a
cama.
Rocco estava nu, ele não se incomodava com isso. Na verdade, ele
adorava. Observei-o vindo para a cama e não pude evitar que meus olhos se
prendessem no curativo, que, com muito esforço, conseguimos manter
impecável, como o médico havia deixado.
Engoli em seco, me lembrando da aparência dolorosa da ferida e de
como ele a conseguira.
— Ei, amor. — Rocco segurou meu queixo, havia um olhar amoroso
em seu rosto. — Eu fiz o que tinha que fazer, se tiver que tomar um tiro por
você, eu o farei de braços abertos e sorrindo, faria mil vezes se fosse preciso.
— Balancei a cabeça. — Como eu falei, você e meu filho primeiro, o restante
depois, isso me inclui.
— Rocco, não diz isso. Nos coloque a todos na mesmo patamar.
— Não vou mentir para você, amore mio, eu jurei nunca mais fazê-lo.
— Ele deitou e abriu os braços. — Vem, mulher, anseio te segurar nos braços
enquanto dorme.
Aconcheguei-me ao seu corpo grande, feliz por termos nos
encontrado nessa nova jornada. Agora, sentia que tudo daria certo e que
nossa família seria muito feliz.
— Você sabe que sou um homem protetor. — Concordei, ele o era a
ponto de ser paranoico. — Nunca seria capaz de assistir pacificamente uns
filhos da puta tentando machucar a minha mulher grávida. Sei que não gosta
de violência, tampouco que eu seja esse brutamontes que bate primeiro e
pergunta depois, mas essa é minha essência, e se eu, por mais controlado que
esteja, vir alguém querendo te ferir, a coisa vai ficar bem feia.
— Eu te amo assim, Rocco. — Procurei seu rosto, ele estava sério. —
Eu não quero que mude, só que às vezes você me assusta com suas
explosões.
— Eu estou tranquilo. — Piscou um olho. — Passamos por maus
bocados, agora eu quero paz. — Seu peito subiu e desceu quando respirou
profundamente. — Porra, nem acredito que tudo deu certo e você está aqui
comigo.
— Creio que irei embora em uns cinquenta anos.
— Cinquenta? — Negou. — É pouco, vamos negociar para algo em
torno de setenta, nesta vida, depois eu te encontro onde estiver.
— Fica difícil para mim quando você coloca as palavras assim, a
eternidade soa interessante.
— E eu ainda acho pouco. Preciso de muitas vidas para conseguir
viver ao menos uma parte de todo amor que sinto por você. — Seus olhos
azuis me hipnotizavam, eu estava presa em seu feitiço. — Não aceito menos
que isso, amore mio.
— Eu também, não.
Beijamo-nos para selar o acordo.
Victoria

A respiração uniforme de Rocco me avisou que ele finalmente havia


adormecido. Demorou, e em todas as vezes que tentei levantar, ele me
apertava dizendo:
— Fique.
Essa simples palavra veio carregada de muita necessidade, mesmo
dormindo, ele me segurava forte demais, como se tivesse medo que eu
fugisse. Foi uma verdadeira luta conseguir me desvencilhar de seu abraço,
Rocco estava enrolado a minha volta de tal maneira que não me deixava
muito espaço sequer para respirar.
Prestando atenção nele, notei que sua expressão não era de alguém
relaxada. Mesmo dormindo, Rocco parecia preocupado, e isso, de alguma
forma, puxava as cordas do meu coração.
Ele não havia se vestido, então, o lençol estava no seu quadril, o que
permitia que eu notasse um pouco de sangue infiltrado no curativo.
— Você não pode ser tão imprudente assim. — Acariciei seus
cabelos, ele suspirou, agarrando o meu travesseiro e o abraçando.
O corpo dele seguia quente, porém, a temperatura, quando verifiquei,
estava em trinta e oito. Eu faria vigília e, se notasse que ele estava piorando,
chamaria o médico, de resto, não tinha muito o que fazer, a não ser ficar por
perto e cuidar do bem-estar de Rocco da melhor forma que eu pudesse. Ele
precisava saber que não estava sozinho, e que não tinha que ser forte para
tudo.
Desta vez, ele poderia relaxar, eu ia tomar conta das coisas e fazer o
que ele fizera por mim. Rocco não pensava duas vezes antes de assumir as
rédeas das minhas necessidades, todas as vezes em que precisei, ele
abandonou tudo para se dedicar a mim, até quando eu o queria distante.
Isso era tão absurdo e, ao mesmo tempo, tão doce. Por que ele haveria
de me querer desta forma tão intensa e completa?
Deus, eu não entendia o que ele vira em mim, antes, ele já me deixava
em choque com tudo o que dizia e com suas demonstrações de carinho, mas
agora havia um olhar de devoção tão grande que me fazia cambalear. Eu
acreditava quando ele dizia que me amava incondicionalmente, porque de
alguma maneira ele havia me colocado acima de tudo, anulando sua vida para
vir aqui, viver a minha.
— Isso é surreal demais — murmurei, saindo da cama.
Sentia-me nervosa, assustada com sua entrega. Rocco poderia ter
morrido, se o tiro fosse só um pouco mais para o lado…
— Não pense nisso. — Abracei-me, enquanto lembrava o que ele
dissera sobre os seus pesadelos, que sonhava com a minha morte, o meu
coração parando e os médicos desistindo da minha vida. Esse era o seu
tormento, o que ele não suportava. Agora, eu conseguia compreender em
pequena escala como ele se sentia, pois só de imaginar que ele pudesse…
— Deus… — Engoli o nó que havia se formado em minha garganta.
Por mais que eu estivesse ali, vendo-o com meus próprios olhos, eu
não conseguia deixar de sentir medo, ou a sensação de pavor que me
arrepiava. A situação era real, poderia ter acontecido, e aquela ferida
horrorosa era a prova disso.
Vê-lo encolhido na cama, agarrado ao travesseiro, só me deixava mais
consciente de que Rocco não era o homem autossuficiente que eu acreditava.
Ele tinha seus medos, receios e fragilidades, também era passível de erros
como qualquer pessoa.
Ninguém é infalível, por mais incrível que seja, não dá para atravessar
a vida e ser um modelo de perfeição.
— Isso não existe. — Balancei a cabeça, admirando aquele homem
lindo adormecido de exaustão.
Era nítido o quão cansado Rocco estava, e só ele sabia como tinha
sido lidar com as dúvidas criadas por minha avó. Nós ainda não tivéramos
tempo de conversar melhor sobre o que havia acontecido. Por outro lado,
agora, já não importava, nós havíamos nos encontrado, e isso era o mais
importante.
— Victoria? — Ouvi o murmúrio da cama e fui para perto dele.
— Estou aqui, volte a dormir — falei baixinho, passando os dedos por
seus cabelos.
Rocco abriu os olhos, buscando-me.
— Amore mio? — Sorriu, feliz.
Eu não sabia por que isso marejou meus olhos, mas não pude evitar.
Retribuí o sorriso, sentindo o coração pequeno diante dos sentimentos que
pude ver nas íris azuis.
— Volte a dormir, eu não vou sair. Estou aqui do seu lado.
Rocco pegou minha mão e a beijou, depois, fechou os olhos,
suspirando baixinho. Não saí de perto dele, fiquei atenta ao seu lado na cama.
Quando o sono veio, eu levantei e fui para a varanda.
Em partes, eu acreditava que estar em um barco ia me deixar enjoada,
mas era tão estável que eu me sentia em terra firme. Não tinha ideia de que
horas eram, pois ainda estava escuro, mas aquela visão que eu tinha fez-me
acreditar que estávamos em um lugar mágico.
Havia um tapete de estrelas no céu e uma lua belíssima que refletia no
mar, deixando-o com uma faixa prateada e luminosa. Era inspirador, e seria
ainda mais se Rocco estivesse bem.
Por um instante, fechei os olhos e pedi a Deus que abençoasse a
recuperação de Rocco e essa nova etapa que estávamos iniciando. Eu só
almejava tempos de paz e tranquilidade para reviver o amor que sentia
florescer outra vez.
— Não! — O grito desesperado me fez pular de susto. Voltei
apressada para o quarto, em pânico de que Rocco pudesse ter se machucado.
— Meu Deus. — Ofeguei chocada, trêmula e com o coração prestes a
sair pela boca com visão que tive.
Rocco estava se debatendo na cama, como se lutasse contra algum
inimigo invisível.
— Não me deixe, por favor, não me deixe! — Havia tanta angústia
naquele lamento; ele chorava, com os braços estendidos. — Amore mio, per
perfore, volte para mim.
Meu coração sangrou, porque eu estava vendo em primeira mão o que
poderia ser uma de suas crises de estresse pós-traumático. Abalada com tudo,
me juntei a ele na cama.
— Rocco, estou aqui. — Segurei suas mãos. — Ouça-me, estou aqui.
Ele continuou gritando, preso ao seu pesadelo. Lágrimas escorriam
abundantes de seus olhos, notei, assustada, que sua temperatura estava alta
demais.
— Não me deixe. — Soluçou, o rosto contorcido em dor.
— Não vou deixar, estou aqui, sinta-me. — Eu trouxe suas mãos para
o meu rosto, era tudo doloroso demais. Ele parou de gritar, mas continuava
chorando, de olhos fechados, o corpo grande tremendo. — Estou aqui, não
vou a lugar algum — murmurei, tentando engolir o meu próprio choro.
— Amore mio… — Busquei seus olhos e os encontrei enevoados pelo
sono, assombrados pelo pesadelo. — Você está aqui. — O suspiro de alívio
que ele deu foi a gota que transbordou o copo, eu não consegui segurar.
— Estou aqui, e não vou a lugar algum. — Abracei-o como podia. —
Eu nunca vou te deixar, me sinta, estou aqui com você.
Ele me apertou, enterrando o rosto em meu cabelo e respirando
profundamente.
— Não posso viver sem você — ele revelou, a voz rouca, arranhada
por causa dos gritos. — Não posso.
— E você não vai. — Tentei colocar nessas palavras toda veracidade
do que sentia em meu coração. — Nada vai nos separar, eu te amo muito,
Rocco.
Afastei-me para olhar em seu rosto e avistei resquícios do pesadelo
nas íris azuis.
— Eu te amei desde que te vi pela primeira vez. — Acariciou meu
rosto. Fechei os olhos, inclinando-me para desfrutar de seu toque. — Seus
olhos me prenderam, e eu vi o meu futuro. Soube naquele instante que seria
minha e que eu também seria seu, como eu jamais fora de outra pessoa.
— Rocco…
Ele sorriu, tão dominado pelo momento como eu. Para ele, era ainda
mais cru, porque, apesar de tudo, Rocco tinha vivido coisas que eu não, ele
tinha as memórias, os sentimentos e eles deviam ser terríveis.
— Diga que não vamos nos separar outra vez. — Ele me trouxe para
si. — Não me importo de dar uma volta ao mundo atrás de você, mas me dê
paz por algum tempo.
— Lutamos para ficar juntos, Rocco, superamos muitas coisas,
aprendemos no caminho. Agora, há uma muralha nos protegendo. Eu sei.
— Gosto disso. — Ele sorriu. — Gosto muito disso.
— A gente vai reconstruir tudo, Rocco, não importa o que foi perdido,
a gente vai conseguir recuperar.
Ele me encarou por alguns instantes e, talvez, tenha visto em meu
rosto e sentido em minhas palavras a veracidade de tudo o que eu havia
falado.
— Perdoe-me por tudo. — Franziu o cenho. — Pequena, eu prometo
que vou te fazer muito feliz. Nunca vou deixar você ou nosso filho, viverei
somente para vocês dois.
— Você me deixa sem palavras. — Roubei um beijo rápido. —
Agora, diga-me, você está bem? Eu pensei que os seus pesadelos tinham
acabado.
Ele deu de ombros.
— Nunca foram embora de verdade. Mas isso não importa, eu sou
forte para aguentar.
Se todas as vezes fossem assim, eu podia imaginar o que ele sentia.
Quando eu tinha pesadelos, sempre acordava presa a eles, como se de alguma
forma a realidade fosse misturada ao sonho. Todo mal-estar e sensação de
agonia rastejavam por minha pele, a ponto de me deixar com falta de ar. Era
horrível e exauria minhas forças.
— Rocco, vamos conversar sobre isso. — Ele fez uma careta. — Eu
já sei do que se trata, você me falou sobre o que sonha, mas talvez um
profissional possa…
— Amore mio, ter você comigo é a cura que preciso. O resto vai
passar. — Ele me puxou para seus braços, e apesar da tranquilidade em sua
voz, o coração dizia outra coisa, pois estava esmurrando o seu peito. —
Sentir o calor do seu corpo junto ao meu é o melhor remédio.
— Não seja cabeça-dura, tenho certeza de que deu muito trabalho
para cuidar desse ferimento. — Passei a mão em seu peito, brincando com os
pelos que havia ali. — Você é um paciente horrível, saiba disso.
— Mas eu estou te obedecendo. — Ele começou a acariciar os meus
cabelos. — Eu amo eles sabia? Me encantaram desde a primeira vez, amo o
cheiro também, eu amo tudo em você.
Ficamos em silêncio, e ele parecia estar bem satisfeito por estarmos
nos braços um do outro. Rocco parecia distraído, esfregando as mechas
castanhas entre os dedos, suspirando de vez em quando. A contragosto, tive
que me afastar, precisava verificar sua temperatura e ver se o estado da sua
ferida não havia piorado.
— Ei, ei! O que pensa estar fazendo? — Ele tentou me segurar.
— Você precisa de cuidados. — Peguei o termômetro na gaveta. —
Me deixe verificar essa febre.
Ele deu um sorriso de lado. Apesar de aparentar estar bem e lúcido,
seus olhos estavam sombreados e a palidez, ainda presente. Com certeza
havia esforço de sua parte para manter-se firme.
— Está tudo bem, Pequena, deita aqui comigo. — Estendeu a mão
para os meus cabelos de novo, quando apontei o termômetro para sua testa.
— Trinta e nove ponto quatro. — Balancei a cabeça. — Não é
possível que esteja se sentindo bem. Vou buscar o seu remédio.
— Estou bem. — Ele tentou sentar, mas fez uma careta e segurou a
lateral machucada. — Porra — resmungou baixinho, mas, quando me olhou,
ele sorriu.
Observei o semblante que aparentava tranquilidade, mas o que vi foi
cansaço, na verdade, se fosse sincera, eu precisava admitir que Rocco estava
exausto. Havia olheiras sob seus olhos e linhas de expressão que não estavam
ali poucos meses atrás.
— Por que você finge que não está doendo?
— Não quero te preocupar.
— Acredite, Rocco, é bem pior ficar imaginando como se sente. —
Cruzei os braços. — Eu tenho uma tendência ao exagero. Agora, tome o
remédio e volte a dormir.
— Não estou com sono.
— Claro que está. — Peguei água e lhe entreguei. — Ainda não
amanheceu, isso significa que você dormiu pouco. Beba.
Cruzei os braços, esperando.
— Vamos assistir algo.
— Desde quando você gosta de televisão? — Arqueei a sobrancelha,
observando-o alisar o lado vazio da cama.
— Estou com tempo sobrando, não posso fazer amor com a minha
mulher, não quero perder tempo dormindo, então, o que me resta fazer? —
Ele me encarou. —Você quer conversar sobre os planos que fiz?
— Adoraria.
— Então vem, deita aqui comigo.
Como resistir, meu Deus? Rendida, arrastei-me de volta para a cama,
sabia que não era horário dos antibióticos, porque ele devia tomá-los às seis
da manhã, então, só quando amanhecesse. Ademais, eu estava um pouco
cansada, minha perna estava incomodando e a região da lombar também.
— Amore mio, aqui, te chamei para deitar aqui. — Rocco deu um
tapinha no peito, e eu me acomodei onde ele me queria. — Isso mesmo, que
delícia.
— Quais os planos, grandalhão?
Ele respirou fundo e depois começou a mexer no meu cabelo de novo,
de um jeito rítmico, que aos poucos foi me deixando relaxada.
— Vamos viajar até a minha ilha e vamos ficar lá por algum tempo.
— É um sequestro mesmo — brinquei. — Quanto tempo vamos
passar no mar? Com essa parte não sei se estou muito feliz, sabe? Eu assisti
Titanic.
Ele deu uma risadinha.
— O Eclipse tem duas lanchas de translado anexadas à garagem,
botes infláveis para todos os tripulantes, comunicação por satélite e um
sistema que rastreia tempestades, ah, temos também uma cápsula de
submersão. Então, não se preocupe, chegaremos ao nosso destino sãos e
salvos.
Olhei para ele chocada. Eu tinha noção de que o barco era algo de
outro mundo só pelo tamanho, mas, quando ele colocava assim, era nítido
que havia muito mais.
— Rocco, você tem um barco bem caro.
— Foi um presente que me dei quando completei trinta anos.
Homens e suas paixões. Não me surpreendia em nada, porque se eu
me lembrava bem, meu irmão pareceu uma criança quando ganhou a moto.
— Por que o nome Eclipse? Geralmente, os barcos têm nomes de
mulher, não é?
— Sim. — Eu esperei que ele contasse a história, mas o que ele disse
foi: — Sua bunda cresceu ou é impressão minha? — Ele estava medindo-a
com as mãos.
Não pude evitar a risada. Essas pequenas perversões me deixavam
estranhamente aliviada.
— Será que eu poderia colocar o meu pau dentro de você?
— O quê, Rocco? — Não escondi a indignação com sua ousadia.
Como ele mudava de assunto tão rápido, como se não fosse nada?
— Assim, só para eu ficar quentinho. — Sua expressão era… eu nem
sabia descrever.
— Eu não sei por que ainda fico chocada com você. — Encostei de
novo em seu peito. — Sossegue, repouso significa descanso.
— Mas eu só quero manter o meu pau agasalhado, qual é o problema?
Desta vez, não pude segurar a risada. Rocco era louco, pervertido e
cada minuto com ele só fomentava a certeza de que escolher ficar ao seu lado
foi a decisão mais certa.
— O que eu faço contigo, Rocco?
— O que você quiser. — Apertou minha bunda, depois a acariciou. —
Você me faz um homem muito feliz, Victoria. Obrigado por não desistir de
mim.
Não respondi, porque a mudança no tom de sua voz me deixou mais
uma vez perigosamente perto das lágrimas.

***

Não saímos do quarto o dia inteiro, e isso deixou Rocco irritado.


Ele reclamava das recomendações do médico. Não queria mais fazer
repouso, tampouco ficar deitado. Achava que, só porque a febre não estava
pior, já podia receber alta. Dizia que queria me mostrar o barco e as surpresas
que havia preparado.
— Rocco, você é oficialmente o pior paciente do mundo. — Cruzei os
braços, balançando a cabeça. — Um dia de repouso não é nada, sua ferida
ainda está inchada, não me faça discutir com você.
Ele levantou, jogou a toalha no chão e abriu os braços.
— Estou ótimo, amore mio. — Deu uma volta, para que eu o olhasse.
— Não preciso ficar deitado, tampouco desses remédios odiosos.
— Este é o motivo de sua ferida ter infeccionado, você acha que vai
curá-la na força de vontade. Não é assim que funciona. — Levantei da cama e
o abracei. — Não custa nada você tomar cuidado. Você passou a madrugada
com febre alta, por favor, não vamos vacilar.
— Mas a febre não voltou, eu me sinto bem.
— Isso é ótimo, mas é sinal de que devemos manter atenção.
— Não gosto de ficar parado. — Ele beijou minha testa. — Eu
poderia sentar e você me montar? Eu não ia fazer nenhum esforço, o trabalho
seria todo seu.
— Rocco, você é impossível. Eu duvido que você ficaria quieto. — Ri
baixinho. — Mas soa tentador.
— Olhe aqui, estou pronto. — Ele levou minha mão até o seu pau e
começou a fazer carinhos preguiçosamente. — Veja como estou recuperado,
quero sexo bem gostoso e suado. Depois podemos dormir. Sabia que um
homem saciado e em paz cura mais rápido?
Pensei por um momento, eu o queria, admito. E já conseguia perceber
que havia benefícios em suas palavras, mas não queria arriscar, até ontem
Rocco estava péssimo.
— Amore mio. — O gemido chamou minha atenção, ele estava de
olhos fechados, pulsando na minha mão. Lambi o lábio quando olhei para seu
pau e vi uma pérola de umidade escorrer.
— Me beija — pedi e ele obedeceu.
Quando sua língua tocou a minha, apertei a mão ao redor do seu pau,
ele gemeu, segurando o meu cabelo apertado. Rocco estremeceu quando o
toquei com firmeza, a mão subindo e descendo cada vez mais rápido.
Ele estava ofegante, rendido, beijando-me desesperado. Sua mão não
afrouxou o agarre em meu cabelo, e eu não o deixei ir, pelo contrário,
capturei sua língua, chupando-a gostoso. Rocco quebrou o beijo e jogou a
cabeça para trás, gemendo alto, longamente.
— Isso, toque-me assim. — Ofegou, o peito subindo e descendo. —
Que delícia, amore mio, que delícia.
Sorri, ele me beijou outra vez. A tensão em seu corpo, a força com
que segurava meu cabelo e os seus gemidos me diziam que ele estava perto.
Rocco colocou a mão sobre a minha e imprimiu um ritmo mais forte.
Estremeci, molhada de tesão.
— Caralho. — Ele mordeu meu lábio quando gozou. Sua mão soltou
a minha, e eu continuei. Até ele me pedir para parar. — Porra. Estou tonto.
Sorri quando ele desabou na cama, puxando-me para si. Notei que as
pernas dele tremiam.
— Deus! Vou morrer quando gozar dentro de você de novo. — Ele
soltou o fôlego, parecia feliz. — Agora me deixe ver como você está.
Quando me tocou, suspirei. Talvez eu devesse parar, mas não
encontrei a força necessária para afastá-lo.
— Abre as pernas para mim — pediu baixinho, no meu ouvido,
tirando qualquer chance de eu negar. — Isso, me deixe te tocar.
Eu não tinha certeza se eram os hormônios da gravidez, ou se Rocco
que sabia exatamente onde me tocar, mas perdi o raciocínio. Só conseguia me
concentrar no quão bom o seu toque era e no que ele fazia para mim.
— Relaxa, me deixa te guiar — ele murmurou, mas eu já estava
dominada.
Senti o colchão às minhas costas, e Rocco encaixando-se. Ele
levantou uma perna minha, e eu sabia que deveria dizer algo, mas não pude
encontrar minha voz.
Rocco me conhecia bem demais, ele fora responsável por despertar
meu desejo, fazer-me consciente do meu próprio corpo. Ele sempre gostou de
explorar o meu prazer, às vezes a ponto de me deixar chocada com o quão
pervertida eu poderia ser, no final, eu sempre ficava querendo mais.
— Rocco.
Ele riu, no meu ouvido.
— Não vou te penetrar, você vai gozar, mas será assim. — Ele gemeu
baixinho, arrepiando-me inteira. — Que boceta gostosa, toda molhada de
tesão.
Rocco espalhou minha umidade, deixando-me ainda mais excitada.
Ele tinha uma boca suja, era despudorado, sabia disso e pouco se importava.
Era um provocador nato, esperto, implacável.
Meu corpo estava sintonizado na frequência que ele imprimia, pude
sentir o calor, a vibração crescendo em meu interior, que fazia tudo formigar,
doer, necessitar. Busquei um pouco de ar e encontrei sua boca no meio do
caminho.
Ele me tomou, encheu-me de seu sabor e perfume. Isso foi a minha
ruína. Gritei, presa ao beijo insano, enquanto meu corpo tremia de prazer.
Mal podia respirar, pensar então, se tornou impossível.
Minha mente havia apagado.
— Quando eu digo que uma pessoa saciada se recupera mais rápido, é
disso que estou falando.
Eu não pude rebater o que ele dissera, porque não havia como
argumentar enquanto desfrutava da deliciosa sensação que o gozo me dava.
— Confie em mim, amore mio, seu homem sabe o que diz. —
Mordiscou o lóbulo da minha orelha. — Você corada assim é uma delícia.
— Uhmmm.
— Ah, esposa mia, ouço o seu coração. — Suspirou, satisfeito —
Esse som permite que o meu possa bater também.
Sim, grandalhão, esse som nos permite viver juntos.
Victoria

Cinco dias cuidando de Rocco e eu o declarei o pior paciente do


mundo. Tudo ele discutia, não queria mais ficar de repouso, achava-se em
perfeitas condições de sair por aí fazendo o que quisesse.
Pior, ele me provocava a cada minuto do dia. Admito que isso tornava
tudo divertido, nós estávamos entrosados, unidos, como se fôssemos uma
unidade.
— Eu juro por Deus que não terei você como enfermeira nunca mais!
— Rocco me agarrou por trás. — Como pode ser tão tirana?
Ri baixinho, ele estava resmungando suas reclamações diárias.
Cuidando dele, descobri que, doente, Rocco se tornava um senhor de idade,
pois era rebelde, teimoso e sempre ameaçava ser desobediente.
— Você está melhor, então isso significa que eu sou uma ótima
enfermeira — provoquei. — O médico te colocou de repouso absoluto, eu só
estou seguindo ordens.
— Eu estou ótimo. — Ele me virou. — Olha aqui.
Rocco ergueu os braços, mostrando os músculos grandes e bonitos.
— Admito, você é um gostoso. — Passei a mão pelo seu abdome
definido, satisfeita por notar que não havia palidez e que a ferida estava seca
e desinchada.
— Eu acho que mais um dia e você estará liberado.
— Amore mio, não faz assim. — Ele colocou as mãos nos meus seios.
— Vamos fazer amor, só um pouquinho, uma hora tá ótimo.
Eu nem estava prestando atenção no que ele dizia, meus seios
estavam doloridos e muito sensíveis, o toque de Rocco me deixava um tanto
desorientada.
— Victoria, olhe. — Ele me mostrou as pontas dos dedos úmidas,
estava saindo um líquido transparente dos meus mamilos.
— Não sei o que é isso. — Olhei para ele, preocupada. — Será que é
algum problema?
— Não, amore mio. — Havia admiração na voz de Rocco. — Isso se
chama colostro e é produzido antes do leite materno.
Fiquei chocada por vê-lo com os olhos marejados. Apesar do sorriso
que ostentava, ele estava emocionado por isso.
— O que foi?
Ele suspirou, descendo as mãos para minha barriga redonda e linda.
— Cada aspecto da sua gravidez é um milagre para mim. Você estar
aqui é um milagre, não posso deixar de me emocionar com esses pequenos
detalhes tão importantes. — Ele olhou para a minha barriga. — Eu li sobre as
fases e as mudanças que iriam ocorrer, eu temia não estar por perto para
cuidar de você.
— Rocco…
— Enquanto estávamos distantes, eu me muni de informação para que
pudesse te acompanhar através do que lia. Eu sei, amor, que gravidez não é
fácil, que há inseguranças com as mudanças do corpo e hormonais. — Eu não
acreditava no que estava ouvindo, mas confessava, aquecia meu coração que
ele se preocupasse com essas coisas.
Era louco que ele quisesse cuidar da minha saúde mental enquanto a
sua estava um caos. Deus, como ele era fofo comigo e, com outras pessoas,
tão intransigente? Era como se acionasse um botão que ligava e desligava o
seu temperamento.
— Eu li que a maternidade é exaustiva para as mulheres, mas eu vou
te ajudar, pode confiar. — Ele sorriu. — Eu quis muito esse bambino, ele é
um sonho se realizando. Quero fazer algo para que possamos mostrar a ele
quando for maior, desta forma, o Gianne saberá o quanto foi desejado e
amado, desde a sua barriga.
— Ahh, não seja um fofo! — Joguei meus braços a sua volta, ele riu,
me abraçando. — Você fica irresistível. — Sua resposta foi uma risada.
— Eu li muito, amor, até as partes ruins. — Ele fez uma careta, estava
pensativo. — Algumas mulheres consideram o pós-parto uma fase muito
difícil, pior que a gestação. Bom, eu vou estar aqui a cada passo do caminho
e prometo dividir toda carga do que significa ter um bebê em casa.
— Ai, meu Deus, Rocco. — Derreti, ele era demais. Todas as vezes
que falava da minha gravidez, do nosso filho, ele se emocionava. — Eu te
amo, sabia?
— Eu sei. — Ele ia me beijar, mas o bebê escolheu esse momento
para chutar. — L’amore di papa.[5] — Rocco levou as mãos de volta à minha
barriga. — Diga-me, você quer um diário da gravidez de sua mamãe?
Recebi um chute nas costelas, que me roubou o fôlego. Rocco me
olhou preocupado, eu ri, nosso bebê era forte.
— Calma, o papa entendeu.
Minha barriga começou a tremer, depois nosso bebê esticava-se todo
de um lado, e Rocco jurava que em algum momento ele viu o que poderia ser
um cotovelo passando.
— Dio santo, isso é lindo. — Rocco deu uma risada. — Eu preciso
conseguir filmar ele fazendo isso.
— Ai. — Fiz uma careta quando senti uma pontada dentro da vagina.
— O que foi?
— Uma espetada dentro dela. — Apontei para minhas partes íntimas
e Rocco ficou me encarando.
— Eu li sobre isso também. — Ele coçou a cabeça, pensativo. —
Podemos confirmar com o médico, mas acho que pode ser a posição do bebê,
ou o peso do útero sobre a região pélvica.
— Você não cansa de me surpreender.
— Amore mio. — Ele riu, esfregando a nuca, parecia um pouco sem
graça. — Eu gosto de ler, e quando é um assunto do meu interesse, isso se
torna uma compulsão.
— Você vai ser um pai incrível. — Encostei a cabeça em seu peito,
satisfeita em ouvir as batidas firmes do seu coração.
— Eu vou me esforçar muito para ser um ótimo pai para o Gianne, e
um marido para você. — Rocco beijou a minha cabeça e soltou um profundo
suspiro. — Estou ansioso para segurar nosso bebê nos braços, mas, por outro
lado, ele estando na sua barriga, está protegido, sinto, amore mio, que estou
dividido.
— Eu estou ansiosa para conhecer nosso bebê. Já pensou com quem
ele pode parecer? — perguntei, e ele sorriu.
— Não exatamente, mas gostaria que tivesse os seus olhos, eu os
amo, já disse? — Concordei, muitas vezes, ele nunca escondeu isso de mim.
— Eu amo a cor dos seus olhos, às vezes, quando está de dia e você olha para
mim, eles se tornam de uma cor incrível, eu realmente gostaria que nosso
filho herdasse isso. Com certeza ele vai conseguir tudo o que quiser, se me
olhar assim.
— Assim como?
— Como você faz agora.
Beijou-me de um jeito delicioso, eu adorava cada vez que nossos
lábios se encontravam, porque era uma festa de sentidos, todos os cinco.
Quando nos afastamos, Rocco me abraçou outra vez e me manteve assim, por
um longo tempo.
— Amo demais que esteja aqui. — Sorri, ouvindo a emoção flagrante
em sua voz. — Desculpe se pareço sentimental, mas, depois de tudo o que
passamos, não consigo evitar. Todos os sonhos que tive agora podem se
realizar, eu poderei segurar você e nosso filho em meus braços. Victoria, eu
os amo mais que a mim mesmo.
— Você é um homem incrível, Rocco. — Acariciei seu rosto. — Eu
tenho certeza de que você é minha outra metade, eu te amo, o passado foi
superado, nada mais vai nos separar. Quero a vida que você me prometeu,
quero o amor que você me fez vislumbrar.
Ele sorriu, daquele jeito meio de lado e misterioso que me dava frio
na barriga.
— Quando eu digo que você foi feita para mim, não estou errado. —
Piscou um olho. — Agora, chega de ficar dentro do quarto. Vamos, eu quero
que conheça melhor o Eclipse.
Ele me levou para um tour, e eu fiquei realmente chocada com tudo
que aquele barco possuía. Surpreendia que pertencesse a apenas uma pessoa.
Com aquele tamanho, estrutura e luxo, eu tinha certeza de que não faltariam
passageiros para navegar em cruzeiros.
— Há uma equipe a bordo para cuidar de você — Rocco disse,
quando estávamos passeando pela parte superior do barco. — Você terá tudo
o que precisar, amore mio. Inclusive, tem uma programação de exercícios
para você.
— Rocco, você planejou esse sequestro muito bem. — Recostei em
uma mureta, encarando-o.
— Você precisa de cuidados, está grávida, e teve todo aquele período
convalescente. — Ele sorriu. — Vamos fazer dos meses restantes os
melhores de sua gravidez?
— Eu topo.
Rocco se deu alta, mas claro, ainda estava fazendo uso dos
antibióticos para fechar bem o ciclo de tratamento. Agora sua atenção estava
toda em mim, e ele não parava um minuto. Havia toda uma programação que
ia de banhos de sol até hidroginástica para grávidas e fisioterapia para
fortalecer a minha perna. Tínhamos também aulas de parto, e Rocco, apesar
de assustado, participou de tudo.
Descobri que amava ser acarinhada por ele. Rocco era cuidadoso,
dava-me atenção e sempre estava por perto. Os dias eram incríveis, e ele
realmente passou a fazer um diário para nosso filho.
— Se você continuar tirando tantas fotos minhas, não vai ter outra
coisa no seu celular. — Joguei os cabelos para trás, estávamos desfrutando de
um pôr do sol belíssimo quando ele começou a sessão.
— Então, está ótimo para mim. — Ele afastou-se um pouco. — Fica
um pouco de lado, amore mio, eu quero que a curva da sua barriga fique bem
visível.
Sorri, não tinha muito jeito para fotos, mas, se ele queria, então, por
que não? Ele tirou várias fotos, apenas quando pareceu conseguir a perfeita,
guardou o aparelho e veio me abraçar.
Juntos, observamos a beleza do mar acetinado.
— Eu pensei que teria que te convencer a me dar outra chance — ele
falou, baixinho, apoiando o queixo em meu ombro. — Estou tão feliz, amore
mio.
Suspirei, precisava admitir que nunca me senti tão feliz também.
Nossos dias eram calmos, a gente ficava junto o tempo todo e fazia planos,
conversávamos muito sobre o futuro e não tínhamos qualquer problema em
voltar ao ponto onde houve erro.
Rocco não tinha mais pesadelos, pelo menos, eu não acordei com seus
gritos ou nada parecido. Havia paz, nós conseguimos encontrar a sintonia
perfeita para viver nossas vidas da melhor forma possível.
— Sabe, amor. — Ele me fez ficar de frente para si. — De todas as
promessas que te fiz, e das que não cumpri, te farei uma nova agora. —
Rocco parecia muito compenetrado, encarava-me com tanta seriedade que me
deixou ansiosa. — Não existe maneira no inferno de eu te machucar de novo.
— Não precisamos falar sobre isso…
— Só me ouça. — Ele respirou fundo. — Nada do que vivi me
preparou para receber uma pancada tão forte. — Fez careta, como se lembrar
fosse doloroso demais, o que de fato era. — Acho que viver de acordo com as
minhas regras, sem me importar com nada, tornou-me arrogante a ponto de
acreditar que estava acima de tudo. Eu me sabotei, fui meu único
concorrente. — Balancei a cabeça, concordando com suas palavras. — Hoje
eu compreendo que esse amor que vivemos só acontece com pessoas
sortudas. Eu não estou disposto a perder isso, tampouco a estragar, a
experiência que tive foi suficiente para gerar trauma.
— Rocco, não vamos mais falar sobre isso. — Tomei seu rosto em
minhas mãos. — Superamos, agora vamos olhar para frente.
— Amore mio, só quero te dizer que pode se entregar para mim,
porque eu nunca vou te machucar, e serei seu escudo quando cair, se isso
acontecer, eu vou te levantar, é isso que os companheiros fazem, não é?
— Sim, meu amor, é isso que companheiros fazem. — Ele tomou
meus lábios num beijo lento, apaixonado, que me fez esquecer o mundo
inteiro. — Você é meu lugar especial no mundo, Rocco. Sempre que estou
com você, sinto-me em casa.
— Eu era vazio demais, achando que minha vida era ideal porque eu
ditava as regras. Mal sabia que só precisava ser amado de verdade para
enxergar que ansiava por isso. — Rocco me presenteou com um sorriso
brilhante, a cor de seus olhos agora era algo de outro mundo.
Havia tanta calidez, amor e necessidade em suas íris azuis que meu
coração apaixonado acelerou.
— Você me encontrou quando eu estava na pior fase e me deixou
cativado. Agora mesmo, depois de ver o monstro que eu posso ser, você me
perdoou. Eu vejo isso em seus olhos amados.
Deus do céu, ele não deveria ser tão bom com as palavras, não dava
para rebater quando ele me deixava emudecida com sua intensidade. Era
demais e, ao mesmo tempo, parecia perfeito.
— Diga, o que um homem pode fazer para a mulher que o inspira a
ser melhor todos os dias? Que o fez acreditar na possibilidade do amor? —
Ele tocou a minha barriga. — Como retribuir tudo que você me deu, amore
mio? Você realizou todos os meus sonhos sem pedir nada em troca. — Ele
sorriu, emocionado, pois nosso filho chutou. — Como eu poderia te retribuir,
por ter salvado a minha vida?
Acariciei seus cabelos rebeldes.
— Amor, Rocco, eu só preciso do seu amor.
Depois daquele pôr do sol maravilhoso, as coisas entre nós estavam
ainda mais intensas. Havia tanta cumplicidade que cada parte do dia parecia
especial. Rocco era um sonho de homem, todo amoroso, cuidando para estar
sempre por perto desde que eu acordava, até o momento de dormir.
Eu não sabia se deveria achar estranho o fato de estarmos juntos o
tempo inteiro, mas era tão gostoso que eu só conseguia sentir felicidade e
mais nada.
— Senhor Masari, como se sente? — Peguei sua mão e a beijei. Nós
estávamos no consultório médico que ele havia montado no Eclipse. — Seus
pontos doem?
— Nada, espero me livrar deles logo. — Sorriu, colocando meus
cabelos para trás dos ombros.
— Então por que viemos? — Eu estava dormindo, coisa que vinha
fazendo muito nos últimos dias.
Até parecia que todo o sono acumulado estava cobrando o seu preço
somente agora. Eu estava feliz, satisfeita com a minha vida, era como se
problemas nem existissem.
— Você tem consulta hoje, esqueceu?
— Ahh. — Senti as bochechas quentes. — Hoje é a ultrassonografia.
Ontem Rocco dissera que estava ansioso para ver o bebê e saber
como ele estava. Seu novo vício era tirar fotos, gravar vídeos e áudios do
nosso dia para o Gianne. Ele estava levando a sério essa coisa de diário.
— Eu ainda não acredito que você montou uma clínica aqui. —
Balancei cabeça, pasma porque, depois de tudo, ele ainda podia me
surpreender.
— Eu faria qualquer coisa por você, e como o bom homem que sou,
não poderia deixar de me preocupar com as suas necessidades e as do meu
filho. — Revirei os olhos, Rocco era fora do comum. — Josef me ajudou, ele
sabia como conseguir os aparelhos em tempo recorde. O único problema foi
que eu pedi uma médica mulher.
— Você não existe.
— Pelo menos Josef escolheu um velho, não é tão mau. — Sua voz
continha um tom de riso, os olhos azuis brilhavam de diversão.
— Rocco! — Ele riu, gostava dessas provocações.
O médico nos chamou, e eu fui encaminhada em direção à cama
confortável. Sério, era surreal que ali houvesse tudo que uma sala de exames
precisasse. Uma enfermeira estava ao redor para auxiliar. Não era exagero
quando eu dizia que tinha uma equipe completa, Rocco pensou em tudo nos
mínimos detalhes.
Inacreditável.
— Vamos ver como andam as coisas por aqui. — O médico sorriu,
passando um gel na minha barriga.
Instantes depois, estávamos com os olhos pregados na tela. A imagem
borrada apareceu, no começo parecia somente um monte de manchas
disformes, até que eu pude compreender, mais ou menos, o que estava vendo.
— Aqui está a espinha dorsal do bebê.
— Tão pequeno, madonna mia. — Rocco parecia engasgado. —
Nunca vou me acostumar, meu bambino é minúsculo.
— Na verdade, ele tem um tamanho um pouco maior que o normal,
creio que será um bebê acima da média.
— É o meu filho. — Ri baixinho, havia muito orgulho em sua voz. —
Está tudo bem com ele?
O médico anotou algumas informações enquanto ia movimentando o
aparelho em meu abdômen, só então respondeu a Rocco.
— Sim, está tudo bem, não há nada para se preocupar. O exame
mostra que o filho de vocês é saudável.
— Grazie a dio.
— Tudo está como deveria, agora é curtir o que resta da gravidez e
montar o plano de parto.
— Eu quero natural, terei meu filho em casa — falei para o médico,
ele balançou a cabeça, concordando.
— O quê? Não! — Rocco me olhou como se eu fosse doida. — E se
tivermos problemas? Não consigo nem imaginar. — A cor foi sumindo de
seu rosto, a ponto de ele me encarar totalmente pálido.
— Rocco, respire, por favor.
— Parto em casa é um absurdo, meu filho vai nascer com toda
segurança de um hospital. — Ofegou. — Deus, meu coração está doendo.
— Querido, relaxa, temos três meses para planejar tudo. Depois
conversamos melhor sobre isso, tudo bem?
— Tudo bem. — Mas a preocupação estava lá, ele não a disfarçou.
Os olhos de Rocco não despregavam do monitor, ele parecia tentar
encaixar na cabeça a imagem de um parto natural e não gostava do que via.
— Amore mio, se nosso bambino é um bebê maior, então vai doer. —
Ele me olhou. — Não quero que sinta dor, por favor, poupe o meu coração,
capisce?
Por favor, não seja um fofo! Era o que eu deveria ter dito. A cada
instante, se tornava mais difícil resistir a ele, porque se antes ele me deixava
tonta com suas declarações, agora eu ficava a ponto de cambalear.
— Rocco, você vai ficar comigo, a gente vai fazer tudo certinho, não
se preocupe. — Olhei para o médico. — Eu vou ter um parto natural.
— Amore mio…
— Senhor Masari, o corpo feminino é perfeito para ter um bebê
naturalmente. Apenas em casos necessários nós optamos por outros métodos.
Claro que o importante é que no final mãe e filho estejam saudáveis.
Claramente, meu grandalhão não foi convencido, ele olhava para o
monitor e depois para o médico, com uma cara desconfiada.
— Uma cesariana é confiável, seguro. Mas nós o recomendamos
apenas quando necessário, deixe sua esposa escolher, se tudo caminhar bem
até o final, então, não vejo problema.
— Além do sofrimento físico? — Ele respirou fundo. — Eu não
entendo.
— Quero passar por isso, Rocco. — Segurei a mão dele, estava
gelada. — Vai ser maravilhoso, acredite.
— Antonella me deu um susto grande, eu temo por minha esposa e
filho, doutor.
Ele referia-se a mim desta forma desde que chegáramos aqui, e eu não
o havia questionado. Talvez Rocco tenha passado essa informação à
tripulação. Eu não pretendia desmenti-lo na frente de todos, mas essa questão
seria pauta de uma conversa particular em breve.
Rocco tinha uma tendência a atropelar as coisas, pois era acelerado.
Agora, para o bem de todos, ele precisava ir um pouco mais devagar e só
aproveitar.
— Eu compreendi perfeitamente, mas sua esposa não tem nada que a
impeça de ter um parto natural.
— Mas ela sofreu um acidente, é frágil, pequena. — Ele esfregou o
rosto, aflito. — Não sei lidar com isso.
— Rocco, só fique calmo, tudo bem? Vamos deixar rolar, sem
estresse.
Saímos da ala médica do Eclipse com ele em silêncio. Eu tinha
fisioterapia a seguir, então, nos dirigimos para o deck das piscinas, onde era
sempre melhor fazer os exercícios. Estávamos próximos à área de jogos
quando ele me puxou para um abraço.
— Eu tenho medo. — Apertou-me o suficiente para que eu sentisse
dificuldade de respirar. — Assisti a vídeos que fizeram eu me sentir
arrependido de ter te engravidado.
— Rocco, está tudo bem. — Passei as mãos por suas costas. — Não
pense nisso, eu estou saudável, e a cada dia, com esse tanto de cuidado, eu só
fico melhor.
— Amore mio, não quero que sinta dor. As mulheres gritam, a dor
parece insuportável. — Ele me olhou, estava aflito. — Se eu pudesse sentir
no seu lugar…
— Eu não sou essa mulher frágil que você acha. — Dei-lhe um beijo
no queixo. — E tem coisas que você não pode passar por mim, essa é uma
delas.
— Mas se eu posso ficar do seu lado, eu vou ficar. — Sorri,
concordando. Isso era tudo o que eu queria. — Eu não tenho problema com
sangue, não corro risco de desmaiar.
Não entendi muito bem porque ele disse isso, mas eu concordava que
era excelente não desmaiar. Seria um caos ter um homem do tamanho de
Rocco caindo ao redor de um parto.
Com certeza tornaria tudo uma loucura.
— Não fique impressionado, tudo bem? Eu acho que já tive minha
cota de hospitais por uma vida, se podemos planejar um parto especial, em
casa, com nossa família perto, então vai ser ótimo.
— Tudo bem, eu posso montar tudo…
— Rocco, esquece isso, vamos deixar acontecer. Nosso bebê vai
nascer quando ele tiver que nascer. Vamos acompanhar, ver se está tudo bem
e esperar.
— Você vai entregar uma responsabilidade dessas a um filhote? —
Fez uma careta. — Nós que deveríamos planejar a chegada dele.
— Por que você não me beija? Eu acho que é melhor.
Antes de fazer o que eu havia pedido, ele me deu um olhar que dizia:
esse assunto ainda não acabou, e eu sabia que nada relacionado a Rocco era
simples.
Isso talvez fosse o mais interessante de tudo.
Victoria

Rocco passou o dia misterioso. De vez em quando, eu o pegava me


encarando com um sorrisinho nos lábios e isso me deixava ansiosa, como se
borboletas dançassem na minha barriga.
Era estranho que, mesmo o conhecendo tão bem, ele ainda pudesse
criar essa aura de expectativa em mim. Eu sabia que ele estava aprontando
algo e pensar sobre o que poderia ser criava todo um frenesi. Esses dias com
ele me fizeram sentir de novo aquele sentimento intrínseco e intenso capaz de
acelerar o coração.
Olhar para ele voltou a mexer comigo. Rocco conseguiu me arrebatar
outra vez e isso foi algo que, em algum momento, eu jurei que seria
impossível.
— Vem, amore mio, está quase na hora. — Ele queria me colocar nos
braços, mas não deixei.
Apesar de estar com a sua ferida cicatrizando muito bem, para Rocco,
ela estava em perfeitas condições para que ele pudesse fazer tudo, como sair
por aí correndo com uma mulher nos braços. Era louco, eu já sabia, mas
então, eu precisava manter o juízo no lugar.
Pelo menos o tanto que eu pudesse. Uma mulher mais racional não
teria embarcado grávida em uma viagem para outro continente e sem dizer à
família para onde ia.
Não pense nisso, Jason avisou que você estava com Rocco.
Tranquilizei-me, porque o fato de eu não estar me comunicando com eles
para dizer que estava tudo bem começou a me incomodar.
Claro que, se eu pedisse a Rocco, ele faria acontecer, mas estávamos
vivendo tão bem o nosso amor que eu não queria problemas. E eu achava
que, se ligasse para casa, os encontraria.
— Pequena, você está distante, o que foi? — Rocco segurou meu
rosto. — Você precisa de algo? Diga-me e será seu.
— Não preciso. — Sorri, porque agora mesmo tudo que eu queria
estava comigo. — Estou curiosa para saber o que você está aprontando.
Rocco deu um sorriso enorme, os seus olhos brilhavam. Aquela
carinha dele era a responsável por me deixar assim, toda boba e ansiosa.
Fomos para o convés[6] do Eclipse, e ele me guiou até o local do pôr
do sol, depois olhou para o horizonte e ficou em silêncio. Notei que esperava
por algo, e eu não sabia se olhava para ele ou para o mar.
— O que foi? — Toquei seu peito, notando o quanto seu coração
estava acelerado. — Rocco?
Ele me olhou e eu estremeci, havia muita intensidade e algo mais que
eu não saberia descrever. O jeito com que ele me encarava era penetrante,
parecia querer enxergar minha alma, despir-me dos segredos, ou de qualquer
coisa que eu guardasse dentro de mim.
— O que foi, Rocco? — Franzi o cenho, ele parecia solene.
Ele respirou fundo e, quando pensei que fosse responder,
simplesmente ajoelhou na minha frente, estendendo uma caixinha branca.
— Meu Deus!
Eu não estava preparada para aquilo. Ele havia preparado o momento
perfeito, ainda mais belo do que aquele em Roma. Na linha do horizonte, o
sol dividia o mundo em duas partes. A visão que eu tinha era uma pintura,
toda perfeita em seus tons avermelhados. No mar, a faixa de ouro estendia-se
infinitamente, criando o cenário de fantasia que parecia tornar tudo irreal.
— Victoria. — Rocco tinha o coração nos olhos, estava emocionado,
encarando-me com expectativa.
Ele abriu a caixinha, e eu esperava o antigo anel, aquele que eu havia
lhe devolvido. Mas, não, aquela gema parecia uma lágrima retirada do mar
mais azul e bonito do mundo. Lembrava-me os olhos de Rocco, que me
encaravam cheios de sentimento.
— Eu te peço que aceite ser a minha esposa. — Sua voz não passava
de um murmúrio suave e carinhoso. — Aceite ser minha esposa para que
juntos possamos construir uma família e viver nossos sonhos.
— Rocco, eu…
— Seja a parte da minha vida que é perfeita, com seu amor, preencha
todas as minhas lacunas e imperfeições.
Por que ele tinha que ser tão bom com as palavras? Não era justo!
Digo, era justo sim, eu amava as suas declarações e a sinceridade que eu
enxergava tão nitidamente em seu rosto bonito.
Talvez meu silêncio tenha enviado a mensagem errada. Enquanto eu
estava tentando ordenar os pensamentos depois de suas palavras bonitas, ele
empurrou a caixinha mais próximo de mim.
— Você tem o dom de me fazer chorar. Como pode transformar um
pedido de casamento em algo tão memorável? Rocco, você faz tudo ser tão
especial.
— Então, você aceitou o primeiro, vai aceitar o segundo também? Eu
acho que posso enfartar nos próximos dez segundos.
Abri os braços e gritei meu sim, porque não havia outra resposta para
dar.
— Eu aceito, Rocco, quero ser sua mulher, quero construir nossa
família e viver nossos sonhos.
Fui engolida em um abraço de urso que roubou meu fôlego. Ele
distribuiu beijos por meu rosto, a barba cuidada me deixando toda arrepiada.
— Aceite o seu novo anel. — Minha mão tremia quando a estendi.
O sorriso de Rocco aumentou ao deslizar o anel no meu dedo. Ele
ficou alguns instantes olhando para o anel trabalhado, até fechar os olhos e se
inclinar para depositar um beijo suave em minha mão.
— Desta vez será para sempre — prometeu, com aquela voz grave
que não admitia recusas. — Você consegue ver as linhas do anel? —
Concordei, o aro possuía uma estrutura que se entrelaçava. — Elas
representam nossos caminhos, não preciso dizer quão complicados eles
foram. — Rocco sorriu, emocionado. — Esse diamante azul é uma turmalina,
tem esse formato de lágrima porque representa todas as lágrimas que
derramei.
— Rocco… — Engoli o choro, mas sua imagem estava toda
embaçada.
— E esse diamante rosa, pequenino, aqui na ponta da lágrima,
representa o nosso filho, e toda garra com que lutou para ficar conosco nos
momentos mais difíceis. — Ele acariciou a minha barriga. — Eu amo vocês
dois demais.
— Eu te amo também, Rocco.
— Então, vamos nos casar agora.
Ele se afastou um pouco, mas eu achei que estava ouvindo coisas.
Como poderíamos nos casar agora?
— Kostas, aproxime-se.
O comandante do Eclipse sorriu quando ficou ao nosso lado. Eu não
sabia ainda o que pensar de Rocco com esse casamento, eu não estava nem
vestida adequadamente. Por Deus, eu desenhava vestidos, amava os de noiva,
que inclusive foram o meu passaporte para uma mudança de vida.
Olhei para o meu vestido longo e floral. Não era assim que eu gostaria
de me casar.
— Desde a época dos desbravadores, os capitães dos navios tinham o
poder de realizar matrimônios — Kostas disse. — Não irei enrolar, seremos
tão rápidos quanto os ventos do templo de Apolo.
— Eu não sabia disso, mas é interessante. — Ponderei.
— É simbólico, senhora. — O capitão sorriu.
— Mas, para mim, não vai ser. — Rocco deu uma risadinha. —
Admito que estou buscando qualquer justificativa para dizer que você é
minha esposa.
— Você está falando desde que chegamos, todos aqui me chamam de
senhora Masari. — Lembrei.
— Foi para você ir se acostumando — ele disse como se isso fosse a
coisa mais normal de acontecer, não pude evitar rir.
Era muito difícil lidar com Rocco tão carinhoso, divertido e alegre.
— Estamos prontos? Eu prometi que seria rápido.
— Faça isso, Kostas. Não estou aguentando. — Rocco segurou as
minhas mãos. — Estou ansioso.
— Vou dispensar um pouco mais de formalidades. — Kostas estava
muito disposto a fazer como Rocco queria.
Óbvio, estavam combinados.
— Victoria, aceita Rocco como seu legítimo esposo? Para amar e
respeitar, na alegria, na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte…
Rocco pigarreou, chamando atenção. Olhei de um para outro,
tentando entender a troca de olhares que se sucedeu.
— Um instante, eu errei. — Kostas riu, estava contente. Eu não sabia
se era por ver Rocco tão animado ou pela situação inusitada. — Victoria,
você aceita Rocco como seu legítimo esposo? Para amar e respeitar, na
alegria, na tristeza, na saúde e na doença, aceitando-o como o único homem
de sua vida mesmo após a morte?
Nossa. Olhei para Rocco, ele estava sorrindo, lindo demais com os
cabelos rebeldes por causa do vento, e os olhos azuis brilhantes de
felicidade. Deus, eu queria um casamento simples, normal.
Entretanto, aceitava o que estava recebendo de bom grado. Sendo
simbólico ou não, pouco importava.
— Sim, eu aceito!
— Rocco, aceita Victoria como sua legítima esposa? Para amar e
respeitar, na alegria, na tristeza, na saúde e na doença, aceitando-a como a
única mulher de sua vida, mesmo após a morte?
— Si!
Não esperei por alianças, mas Rocco sorriu e tirou uma fita do bolso.
Nela havia duas alianças, uma pequena e outra grande.
— Você achou que eu esqueceria? — Ele desfez o laço e colocou a
aliança menor no meu dedo. — Aceita essa aliança, ela é um sinal do meu
amor.
É simbólico. Kostas havia dito. Mas então, por que eu sentia o peso
daquele pequeno aro em meu dedo? Uma sensação indescritível tomou conta
de mim, era algo parecido com o fim de um jogo. A última peça de um
quebra-cabeça imenso e complicado.
— Amore mio?
Eu não conseguia parar de admirar a minha aliança. Ela era a coisa
mais linda, pequenina e simples, a meu ver, era mais que perfeita.
— Victoria?
— Oi, amor. — Olhei para Rocco, e ele balançou a aliança maior.
— Coloque a aliança em mim — pediu, rindo baixinho. — Depois
você pode ver o que está escrito dentro dela.
Minhas pernas estavam bambas, eu deveria estar mais tranquila, mas
não conseguia. Estar diante dessa paisagem linda, com o homem que eu
amava, me casando — simbolicamente — era como um sonho.
— Aceita essa aliança. — Engoli o nó em minha garganta. — Ela é
um sinal do meu amor.
Quando deslizei a aliança pelo dedo de Rocco, uma convicção
absurda tomou meu coração. Ele era a minha certeza.
— Como capitão desta embarcação, eu vos declaro marido e mulher,
pode beijá-la.
Rocco me tomou nos braços e arrebatou-me em um beijo delicioso
que me fez esquecer até meu nome. Não nos importamos por estarmos na
frente do capitão, agora, a gente só queria esse momento.
— Não importa se foi simbólico, você é minha esposa. — Ele sorriu,
encostando as nossas testas. — Quando voltarmos para casa, teremos um
mega casamento, quero estampar as revistas do mundo para que todos saibam
o quão apaixonado estou.
— Você é louco. — Olhei ao redor, encantada. — Isso é louco.
As luzes do barco estavam acesas, era como se nós fizéssemos parte
de alguma fábula, pois o mar e o céu eram uma coisa só, e nós, o ponto que
iluminava toda aquela escuridão.
— Eu sou louco por você. — Ele piscou um olho. — Tenho um
presente de casamento, vire-se.
Obedeci, primeiro ele colocou os meus cabelos para o lado e eu senti
o toque de seus lábios em minha nuca, arrepiando-me inteira.
— O antigo anel, eu mandei destruírem. — Sua voz viajou por meu
corpo, não me dando tempo de absorver o que ele tinha acabado de dizer. —
Então, fiz isso.
Ele me mostrou um delicado colar, depois o colocou em mim.
Respirei fundo quando senti a gema descansar entre meus seios. Segurei a
pedra e não senti o peso que um dia ela já teve.
— Aquele anel não existe mais — Rocco disse, abraçando-me por
trás. — Ele foi testemunha de muita coisa ruim, por isso, acho que ele
merecia um recomeço, como nós. Ele é para ficar com você, sempre, como
uma lembrança das mudanças e do quão fortes nos tornamos.
— Rocco, eu não posso ficar com ele o tempo inteiro, é caro e chique
demais.
Apesar de estar seguro por uma corrente fina, de ouro branco, aquele
diamante ainda era caríssimo, eu seria louca se ficasse com ele no pescoço.
— Quem se importa? Você pode tirá-lo quando formos para algum
evento que precise de outras joias. — Ele me girou em seus braços. — Diga
que sim.
Como resistir a um pedido tão simples? Como resistir a ele?
perguntei a mim mesma. Deus sabia que em algum momento de nossa
história eu realmente havia acreditado que fosse capaz, mas agora eu percebia
que não era.
Que nunca fui.
— Tudo bem, Rocco, prometo nunca tirar esta corrente. — O que
ganhei com minha concordância foi um beijo quente, molhado, cheio de
promessas.
— Agora, senhora Masari… — Quando falou, ele deu um sorriso
satisfeito. — Gosto de como isso soa.
— Eu também. — Enlacei o seu pescoço e ele abraçou-me pela
cintura.
— Dance comigo.
Não havia música, mas aquela canção que havia em nossos corações
ditava um ritmo que acalentava.
— Eu me lembro do seu olhar no casamento de Antonella, quando eu
dançava com ela. — Ele beijou a ponta do meu nariz. — Eu vi tristeza lá,
mas agora eu vejo felicidade. Você vai ter sua dança com seu pai no dia do
nosso casamento. Eu prometo, amore mio, que você vai ter tudo que sempre
sonhou.
Enquanto balançávamos de um lado para outro, a inspiração começou
a surgir. Luz e sombras mesclavam-se numa dança que espiralava às alturas.
Eu percebi que, mais uma vez, o amor de Rocco me ajudava. Ele, com seu
jeito maluco de fazer as coisas, tinha mexido com aquela parte de mim que
estava adormecida.
Eu me sentia tão feliz que queria desenhar, colocar para fora todo o
amor que tinha pelo homem diante de mim e pela vida que teríamos pela
frente.
— Rocco…
Paramos de dançar. Quando ele me olhou, pude ver claramente outra
necessidade acendendo seus olhos. Era paixão, desejo.
Não foi preciso dizer nada, ele me beijou até eu ficar tonta. Depois me
colocou nos braços e eu não pude protestar.
Quando correu em direção ao nosso quarto, tudo que eu desejava era
que ele chegasse o mais rápido possível. Ele esteve me preparando aos
poucos, cada toque ao longo do dia foi adicionando um pouco mais de
combustível ao fogo que queimava entre nós.
— Preciso de você, amore mio.
Ele me beijou com uma paixão avassaladora, que dominou todos os
meus sentidos. Rocco se tornou a única coisa em que eu podia pensar. Seu
cheiro másculo estava em meu nariz, deixando-me excitada e tonta.
Cada toque carinhoso e palavra de amor alimentava uma necessidade
crescente que era maior que tudo. Ele dizia que precisava de mim, mas eu
também precisava dele.
— Deus, sim — murmurei quando finalmente chegamos ao quarto e
ele fechou a porta.
— Hoje, você vai ser toda minha.
Era somente o que eu desejava. Antes mesmo de tirar a roupa, já nos
devorávamos.
— Sem reservas, eu não vou me conter — Rocco prometeu,
arrancando a camisa.
— E não pedi que você fizesse isso.
Ele sorriu enquanto tirava as roupas e me mostrava a flagrante prova
de seu desejo.
— Vem, amore mio, não me deixe esperar.
Seu tom de voz e o olhar pecaminoso deixavam-me excitada. A visão
daquele homem grande, arrebatador, dando-se prazer era muito decadente.
Minhas mãos estavam formigando para tocá-lo.
Rocco era um enorme e delicioso pacote completo, ele me enchia os
olhos, em todos os quesitos.
Deus! Era quase demais olhar para ele, sabendo o que viria a seguir.
Minha respiração saiu ofegante, ele era tão descarado, não se incomodava
com sua nudez, na verdade, desde o começo, ele esteve confortável.
— Vem. — Estendeu a mão, e eu fui para ele, trêmula de tesão.
Eu estava mais que pronta para a noite que teríamos.
— Toque-me como quiser. — Rocco fechou os olhos quando ergui as
mãos. — Sou todo seu.
Eu adorava ouvir isso.
Rocco

Como eu poderia descrever a sensação que percorria meu corpo todas


as vezes Victoria deslizava os dedos por minha pele?
Não era somente o toque que acendia o fogo do meu desejo, era algo
mais, profundo, intrinsecamente conectado a cada olhar e som que saía de sua
deliciosa boca. Suas reações a mim e aquele brilho de paixão que eu
vislumbrava em seu olhar fomentavam um elo que esteve prestes a ser
quebrado, mas que agora eu sentia o quão forte estava.
Ela voltou a ser minha, como eu sempre fui dela.
— Você acredita em alma gêmea? — perguntei, arrepiado com o
toque de sua boca. — Se eu te dissesse que sou capaz de te sentir, você
acreditaria?
Victoria me olhou, eu senti que caía na intensidade de suas íris
esverdeadas. Era quase demais encará-la, eu me sentia sufocar com o
sentimento que me arrebatava todas as malditas vezes que ela me prendia sob
seu poder.
— Rocco, o que você está dizendo? — Fechei os olhos quando ela
apertou meu pau em suas delicadas mãos. — Vem aqui, minha boca sente
saudade da sua.
Qualquer coisa que eu estivesse prestes a dizer perdeu o sentido. Eu
não sabia o que Victoria havia feito, mas ela me tinha refém de um amor
absoluto, forte, imensurável. Trouxe-a para mim, obrigando-a a ficar na ponta
dos pés para alcançar a minha boca.
Amava o jeito que meu corpo cobria o seu, nossas diferenças
deixavam todos os instintos protetores em alerta máximo. Ela era pequena,
estava grávida, tinha limitações por causa da perna em recuperação.
Dio mio, eu temia quebrá-la se fosse duro demais.
— Rocco, você está se contendo?
— Amore mio, nossas brincadeiras não são nada comparadas ao que
quero fazer com você. — Mordi seu lábio inferior, gemendo pelo prazer do
ato. — Estou faminto, anseio cada parte sua.
— Então tome, o que te impede? — Ela sorriu, os olhos que eu nunca
cansaria de admirar diziam o que eu poderia fazer, ela estava pronta para
aceitar qualquer demanda. — Conheço você e amo cada parte sua. Venha
para mim.
Victoria deu um passo para trás e se desfez do vestido. A visão de seu
corpo quase me matou.
— Nunca vi uma mulher tão incrivelmente bela. — Meus olhos a
percorreram, eu estava satisfeito de que ela ainda pudesse envergonhar-se
com o modo como eu a devorava sem ao menos tocá-la.
Seu sorriso provocador atraiu-me como um farol, fui para ela, ansioso
para sentir-me rodeado por seu calor e aquele cheiro doce e floral, que eu
sempre associaria a ela. Quando Victoria fez menção de tirar a calcinha, eu
deixei de lado o receio e a puxei para mim.
— Deixa que eu faço isso.
Tomei sua boca outra vez, buscando seu sabor, gemidos, ou qualquer
coisa que pudesse me dar. Minha língua tocou a sua, enquanto minhas mãos
deslizavam por seu corpo macio. Victoria enlaçou meu pescoço, e eu a puxei
para cima.
— Amo a sua boca — murmurei, roubando seu fôlego, gemidos e
suspiros, enquanto caminhava para a cama com ela nos braços.
Tive cuidado para não machucar sua barriga ao deitá-la, então, parei
um momento para admirar aquela mulher linda, que havia roubado meu
coração.
— Caralho, eu te amo.
Mergulhei em sua boca antes que pudesse falar algo. Sua rendição,
sempre tão doce, era uma perdição para mim. Beijamo-nos sem pressa,
apenas provando, tomando o que queríamos um do outro. Victoria retribuía
minha paixão com igual fervor, ela sabia onde me tocar, até o volume de seus
gemidos era perfeito para me enlouquecer.
Notei que estava arrepiada por causa da minha barba. Ri baixinho
quando ela tentou fugir.
— Hoje você não vai escapar — avisei, antes de roçar a barba no vale
entre os seus seios. Sabia o quão sensível ela estava, os nervos à flor da pele.
Olhando para ela, lambi o mamilo eriçado. Victoria puxou uma
respiração profunda, enquanto estremecia com cada toque da minha língua.
Devagar, dei uma puxadinha suave e o grito que ela deu foi um tesão, meu
pau doeu para estar dentro dela.
Eu queria antes uma longa preliminar, mas todos os dias que ela me
privou de tê-la, por causa do meu ferimento, estavam em cima de mim agora.
Talvez, depois, eu pudesse fazer do jeito que queria, mas, agora, havia pressa.
Isso não era de todo mal.
— Amore mio. — Beijei sua barriga, descendo. — Quero tanto você.
Mordisquei o quadril arredondado, abrindo ainda mais suas pernas.
Dio mio, eu não sabia se a gestação era responsável por isso, mas sua boceta
estava maior também, vermelha e quente.
— Não fique encarando, Rocco. — A voz ofegante chamou a minha
atenção.
Quando a olhei, vi que estava corada. Pelo que estávamos fazendo?
Ou de vergonha? Eu não poderia dizer.
— Por que eu não devo encarar meu paraíso?
— Está diferente. — Havia insegurança em seu tom. — Rocco,
apague a luz.
Pensei que ela pudesse estar brincando, mas, observando-a, percebi
que não. Doeu em meu coração que ela não se enxergasse mais que perfeita.
Cada mudança em seu corpo, fosse ela passageira ou permanente, não me
interessava. Para mim, Victoria continuava linda, perfeita, irretocável em
cada deliciosa parte.
— Apagar a luz e me privar de poder te admirar? — A confusão
estava clara demais em meu tom.
Eu não havia percebido que as mudanças ocorridas na gravidez
poderiam tê-la afetado. Será que eu falhei em demonstrar que amava cada
pequena fase de sua gestação? Cada novo detalhe?
Dio mio…
— Rocco, por favor…
Antes, ela não tinha vergonha do corpo, pelo menos, até mais cedo,
quando tomamos banho juntos, então, o que estava acontecendo agora? Em
que momento a chave girou?
— Meu corpo, ele… Rocco, eu mudei.
— Sim, e eu vejo todos os dias essas mudanças. — Depositei um
beijo em sua boceta e subi rapidamente, agora precisava conversar olho no
olho. — O que está acontecendo? Eu te vejo nua todos os dias, então, qual o
problema?
— Você sabe. — Ela tentou virar o rosto.
— Olhos em mim. — Não deixei que se escondesse. — Diga-me, o
que mudou?
— Você não estava olhando para minha… — Seu rosto ficou tão
vermelho que pude sentir o calor que emanava. — Você não estava olhando
tão de perto para a minha…
— Boceta?
— Deus, por que você tem que ser tão direto? — Ela riu, nervosa. —
Sim, você me tocava, mas tinha os lençóis, e você não precisava ficar
encarando tão de perto. Eu mudei lá, eu sinto que estou grande, algo assim.
— E em que momento isso virou motivo para vergonha?
— Não sei, mas eu não estou confiante, e você pode não ter coragem
de dizer a verdade.
— Quando foi que eu menti para você sobre isso, Victoria? — Franzi
o cenho, não queria que o momento fosse estragado, mesmo que sua
insegurança fosse algo muito sério e que me deixasse cauteloso a partir de
agora.
Peguei sua mão, levando-a até o meu pau dolorido. Eu estava duro,
pronto para afundar em sua boceta e me fartar, não dava para esconder algo
dessa natureza.
— Aqui, isso significa um tesão do caralho. Eu estou doido para te
comer todinha, você sabe que eu amo sexo oral, mas em você, eu necessito
fazer porque parece que vou morrer se não te provar. Eu amo você inteira, do
jeito que estiver. — Victoria me olhava de um jeito que me fazia sentir o cara
mais incrível. — Não deixe que o medo e a insegurança tirem algo de você,
confie em mim quando digo que é linda demais.
Ela apertou a mão ao redor do meu pau, eu fechei os olhos, buscando
concentração. Victoria tinha o dom de me deixar desorientado em poucos
instantes.
— Me beija, Rocco, só me beija.
Entreguei-me a ela, e as preocupações foram momentaneamente
esquecidas. O que eu ia dizer agora poderia ser o clichê de um ignorante
apaixonado, mas somente Victoria me fazia sentir assim, foi com ela que
encontrei o meu caminho, era aqui que eu deveria ficar.
— Preciso de você dentro de mim — murmurou entre beijos,
fazendo-me arder.
Eu queria empurrar dentro dela, mas deixaria que ela ditasse o ritmo.
Victoria esfregou o meu pau em sua boceta, molhando-o com sua excitação.
Havia uma pressão deliciosa se construindo enquanto eu me segurava para
não afundar em seu calor, deixava que a necessidade dela aumentasse, e eu
sabia que a cada tentativa falha de me ter dentro de si, mais da vergonha iria
embora.
Para tudo o que eu queria fazer, ansiava que ela estivesse sem
pudores. A construção lenta mas progressiva de uma noite inesquecível
estava no quão preparados para isso ambos estávamos.
— Rocco! — Victoria mordeu meu lábio a ponto de romper a pele.
A fisgada de dor deixou-me louco, excitação me fez estremecer e
pulsar em sua mão.
— Você está pronta para mim, amore mio?
Através de um suspiro trêmulo e doce que escapou dos seus lábios
quando nossos sexos se tocaram, eu soube que estava no momento.
— Dentro de mim, agora.
Eu precisei de um instante para encarar aqueles olhos que eu tanto
amava. Porque eu estava diante da minha esposa, da mulher que carregava
meu filho e que havia me tirado de um lugar ruim.
Eu vi, no brilho esverdeado, o amor, a paixão que foi consumindo-a
enquanto eu a penetrava. Meu próprio corpo entendia que a entrega era mais
do que o ato poderia ser. Aquele aperto torturante, capaz de apagar qualquer
raciocínio, torturava-me. Apenas estando com ela, compreendi que eu não
fazia sentido quando nos afastávamos, nosso encaixe era perfeito para tudo
que realmente importava.
— Rocco, por favor. — Gemeu ofegante, puxando-me para si. —
Preciso disso.
Eu também precisava, mas era bom demais sentir seu calor abraçando
meu pau, o aperto gostoso que sempre me dava. Dio mio, era enlouquecedor.
— Rocco! — Ela arqueou, mas eu a aprisionei em meus braços. —
Não me torture.
— Você está cativa. — Mordisquei o lóbulo de orelha. — Sem pressa,
Pequena, apenas sinta cada parte disto.
Tive o prazer de senti-la tremendo. O prazer que somente estarmos
juntos proporcionava não era suficiente. Apesar de incrível, ambos queríamos
mais.
— Isso é um castigo pelos dias que cuidei de você? — Ri baixinho, se
assim fosse, eu também estaria sendo castigado.
Concentrado em suas expressões, dei o que ela queria. Deslizei quase
todo para fora, apenas para empurrar com força e me enterrar em sua boceta
de novo.
— Isso. — Victoria arqueou, de olhos fechados, entregue. — Assim
mesmo.
Eu havia planejado ser suave, mas nunca consegui qualquer intento
com ela. Não com ela, que sempre acendeu o meu desejo mais profundo e
dominou-me quando eu era o mestre nisso.
Victoria e eu tínhamos uma química que jamais seria suave.
— Saudade de você. — Mordi sua boca, socando entre suas coxas —
Caralho, amor, como sobrevivi sem te ter?
— Amo você. — Ela gemeu, dando-se para mim, como fez todas as
outras vezes.
A visão que eu tinha da minha mulher grávida, ansiando meu toque e
delirando de prazer, deixou-me doido. Nossa união, o prazer carnal que me
atordoava e que somente ela conseguia me dar, por vezes, ainda era
inacreditável. Como agora, em que cada grito que escapava de seus lábios
acendia a minha própria paixão.
Victoria era a melhor parte da minha vida.
— Dio santo. — Segurei seus quadris, arrepiando quando senti que
ela me apertava. — Que delícia.
— Rocco, o que faz comigo? — Lágrimas pularam de seus olhos,
presos aos meus.
Não havia pudor de encará-la, na verdade, eu amava cada uma de suas
expressões, pois me deixavam saber como se sentia. Eu conhecia seu corpo
de olhos fechados, era capaz de reconhecer, dentre muitos, o timbre de sua
voz quando o prazer a dominava. Victoria estava impressa em mim.
Cada parte dela estava.
— Entregue-se para mim. — Eu sentia o quão molhada ela estava, a
cada golpe dos meus quadris, eu a sentia mais escorregadia.
Victoria ofegou de olhos fechados, então abriu a boca como se
estivesse prestes a gritar. Pude sentir o aperto suave, o calor. Ela estava perto
de gozar.
— Por favor, continua — implorou.
Minha mulher parecia aflita, em busca de seu orgasmo. Sorri,
molhando o polegar com a língua, para que pudesse massagear seu clitóris.
Isso foi o suficiente para enviá-la à borda. Victoria gritou meu nome,
gozando e me deixando sentir tudo.
Agora, ela tentaria diminuir o furor de prazer, suas pernas tentaram se
fechar, mas eu estava ali e não daria muita brecha para ela fugir disso.
— Sinta até o fim, não fuja — exigi, sentindo que eu estava perto
também.
— É demais, Rocco. — Engasgou enquanto ainda gozava, seu corpo
sacudindo com os espasmos do prazer — Me deixa respirar, Deus…
— Não vou parar, amore mio.
Inclinei-me para beijá-la, engolindo seus gemidos de desespero, os
soluços. Eu me sentia a ponto de sufocar, estava tão desesperado, cheio de
tesão e amor por ela, que poderia continuar aqui para sempre.
Ansiava estender nosso prazer, esse era o ideal de paraíso, e eu não
queria que acabasse. Ela era meu caminho sem volta, e eu amava isso.
— Gostosa demais — Senti o suor escorrer por minhas costas, ambos
arfávamos, aquele quarto parecia quente demais.
— Rocco. — Victoria me arranhou, não me importei, ela podia fazer
o que quisesse. — Mais forte…
Dio santo, talvez não pudéssemos. Eu poderia, mas havia um limite
de coragem, e eu não queria machucá-la. Ainda que considerasse estar sendo
rude demais.
— Amore mio. — Senti o arrepio e aquele prazer insano subindo. —
Porra. — Gemi em seu ouvido, saboreando a sensação que me fez sacudir
enquanto me derramava dentro dela.
Victoria me apertou, ela tremia baixinho, ofegante. Meu corpo
estremeceu com o último espasmo de prazer, mas longe de estar saciado.
Precisava de mais, queria mais.
Antes que Victoria pudesse pensar que havia acabado, eu saí de seu
interior e abocanhei seu clitóris.
Seu grito surpreso cortou a noite, ela tentou fugir, mas sabia que
agora não poderia.
— Sensível demais, Rocco! — Soluçou, enquanto eu mamava
gostoso, sentindo meu próprio gosto e o dela misturados. — Não faça isso,
estou suja, Deus, Rocco!
Não havia um manual da boa foda, desde que fosse consensual, tudo
era possível. Eu não tinha pudor, nunca tive, com Victoria isso era ainda mais
intenso. Qual o problema de provar meu sêmen em sua boceta quando já o
havia provado em sua boca?
A resposta era simples, não havia nenhum.
— Gosto assim, língua nervosa nessa boceta molhada, cheirando a
sexo quente e suado.
Ri baixinho do som de ultraje que ela fez, tão inocente a minha
esposa. Ainda não fazia ideia de todas as minhas preferências, mas ela
saberia. Minha língua açoitou o clitóris inchado e o chupei duro, gemendo
alto porque, caralho, eu gostava de sexo oral, ainda mais em Victoria porque
ela era vocal demais.
— Por favor, Rocco, por favor. — Victoria gemeu e dei uma breve
espiada. Comprazia-me ver que sua cabeça estava balançando de um lado
para o outro em desespero. — Por favor.
Ela estava chorando, tentando me empurrar e me puxando de volta.
Meus cabelos estavam sendo castigados, eu sentia pontadas de dor no couro
cabeludo, e isso me deixava ainda mais excitado.
— Muito sensível, Pequena? — Acenou, fraca. Victoria respirava
muito fundo então soltava o fôlego em um longo gemido de exaustão.
Comecei a subir em seu corpo, distribuindo beijos e lambidas.
Parando um momento, dei atenção aos mamilos escuros. Esfreguei a barba
suavemente, depois mamei gostoso. Victoria apenas gemeu, de olhos
fechados, parecendo exausta.
Eu havia planejado uma noite inteira, mas talvez tenha exagerado.
— Tudo bem, amor?
— Ótimo. — Sua voz estava rouca. — Não sinto minhas pernas.
— Saiba que eu poderia ficar horas aqui. — Esfreguei o rosto nos
seios dela. — Mas eu quero outra coisa. — Acariciei seu pescoço, esperando
que olhasse para mim. — Me beija.
Seus olhos brilharam de diversão, mas ela me puxou pela nuca,
beijando-me de um jeito apaixonado e com o gosto de nossa paixão. Minhas
mãos acariciavam seus cabelos enquanto eu bebia os gemidos saciados.
— Você é a mulher da minha vida — disse baixinho, preso sob o seu
olhar amoroso.
Dio mio, parecia que meu coração ia explodir dentro do peito. Essa
mulher era a resposta para as minhas necessidades ocultas. Por ela que eu
vivia e respirava. Ainda seria o homem que ela havia sonhado, como aquele
Rocco da foto em seu quarto.
Eu seria o que ela precisasse, mas apenas para ela. Qualquer outro,
que ousasse pensar que isso me deixaria desligado e manso, encontraria o
monstro que havia em meu interior bem desperto e vigilante. Eu a defenderia
de qualquer coisa e desceria ao inferno caso fosse preciso.
— Eu te amo — eu disse cada palavra devagar, queria que ela
pudesse senti-las.
— Eu também te amo, Rocco — ela respondeu, me puxando para
mais um beijo, me amando com seus lábios, me marcando de todas as
formas.
Possuindo-me de todas as maneiras.

***

Acordei porque Victoria não estava na cama. Sentei-me


imediatamente e a procurei, já podia sentir o coração acelerado. O que era
uma loucura, porque eu sabia que ela estava por perto.
Isso se confirmou quando prestei atenção no canto do quarto em que
havia uma janela. Victoria estava olhando para o céu, o lençol parecia um
vestido longo a sua volta. Estava linda, etérea, perfeita para mim.
Quando levantei, fiz o menor barulho possível. Ao me aproximar,
pude ouvir os suspiros que dava.
— Peguei você. — Abracei-a por trás, feliz por sentir que havia
descansado sobre mim.
— É tão bonito. — Ela estava olhando para o céu estrelado que havia
lá fora. — E inspirador.
— Sim, eu devo concordar. — Meus olhos estavam presos nela, a
beleza que havia lá fora pouco importava.
— Não vejo a hora de começarmos nossa vida juntos, Rocco, sem
intervalos. — Victoria ficou de frente para mim e enlaçou meu pescoço.
— Nós já começamos, amore mio. — Esfreguei nossos narizes. —
Nós já começamos.
— Nunca desejei tanto a normalidade. — Suspirou. — Quero voltar
ao trabalho, te esperar em nossa casa, viver algo comum, sem altos e baixos.
— Também desejo essa normalidade, amore mio — concordei,
porque isso era uma das coisas que mais queria. Eu sentia falta do dia a dia.
— Estou louco por uma longa vida de casado.
— Eu também. — Abraçou-me.
Tê-la em meus braços, revelando desejos simples, me fez ter certeza
de que nosso amor estava cada vez mais forte. Eu era o homem certo para
Victoria, porque estava disposto a qualquer coisa para fazê-la feliz.
Eu queria ser o seu porto seguro, como ela já era o meu.
— Dio santo — murmurei, apertando-a em meus braços, minha boca
procurando seu pescoço. — Eu te amo tanto, Pequena, tanto.
— Eu também te amo muito.
Não ia ter vergonha de admitir que, nos dias que se seguiram, Victoria
se tornou ainda mais fundamental para que minha vida funcionasse. Deus
sabia da minha necessidade de tê-la ao alcance dos meus braços. Não era
apenas um desejo egoísta, que se comprazia da sua presença. Era o prazer de
lhe mostrar coisas novas, ensiná-la a viver experiências únicas e poder
enxergar através de seus olhos, sentindo como se tudo fosse novo.
A primeira vez que ela segurou o leme do Eclipse, suas mãos
tremeram, ao seu lado, pude ver o brilho de excitação em seus olhos. Victoria
sorria, apesar do receio de estar pilotando o barco. Em outro dia,
mergulhamos no oceano. Foi breve, apenas para configurar uma experiência,
pois ela tinha medo do mar.
Era uma delícia reviver coisas que eu considerava banais, ao lado de
Victoria tudo parecia novo, era como se eu fizesse pela primeira vez. O
prazer de explorar com ela tornava tudo mais especial e inesquecível.
Amava cada segundo ao seu lado e não abria mão de fazer tudo que
pudesse. Eu estava em todas as aulas de pré-parto, prestando atenção em cada
palavra que o médico dizia. De certa forma, tudo isso nos unia, portanto, eu
priorizava. Todos os dias, nessa viagem lenta e feliz, eu me senti exultante,
porque cada parte do meu dia era vivido com Victoria.
Entregamo-nos a nós mesmos, esquecendo o mundo e o tempo.
Felizes e apaixonados, dentro de uma bolha de amor que só melhorava.
Agora, eu tinha certeza de que nada mais poderia nos separar, que a gente
havia atravessado todos os obstáculos para chegarmos até aqui.
— Rocco, o que é aquilo ali? — Victoria chamou a minha atenção, e
eu olhei para onde ela apontava.
Satisfeito, um sorriso tomou meus lábios.
Finalmente chegamos…
— Aquela ali é a minha ilha. — Beijei seu ombro. — Seja bem-vinda,
meu amor, à Aiakos Makaria.
Victoria

Eu tinha uma ideia do quão rico e influente Rocco era, mas, ainda
assim, não podia deixar de sentir-me chocada com toda a imponência daquela
casa, que parecia ter saído de uma revista de arquitetura superseleta e cara.
A grandiosidade do lugar era intimidante, não dava para evitar me
sentir um tanto deslocada, diante de tanta ostentação.
— Meu Deus. — Respirei fundo, olhando para o mar em direção ao
Eclipse, que fora ancorado a certa distância porque, de acordo ao que eu
soube, por causa de seu tamanho, ele não poderia ficar muito próximo da
costa ou encalharia.
Mordi o lábio, admitindo para mim mesma que o barco era mais
intimidante do que a casa. A visão que eu tinha agora me permitia observar
toda a extensão e elegância que ele possuía.
Era simplesmente surreal e deixava bem claro que Rocco estava em
um patamar muito diferente do meu, e da maioria das pessoas.
Por que está pensando nisso agora? perguntei-me, consciente de que
era tolice, mesmo que fosse uma tolice inevitável. Um suspiro acabou
escapando. Talvez, a beleza do pôr do sol, e de tudo ali, fosse a culpada por
me deixar um tanto desorientada.
Havia um frio na barriga que causava uma sensação de expectativa. E
isso aflorava um nervosismo estranho, que me fazia tremer inteira.
— O que foi? — Rocco enlaçou a minha cintura, beijando meu
pescoço. — Você ficou pensativa de repente. Tudo bem?
— Rocco, o quão rico você é? — Eu quis me bater assim que a
pergunta saiu.
Eu havia dito a mim mesma que não queria saber e que não me
importaria com isso. Mas, poxa, ele tinha uma ilha, uma… Ilha. Com uma
praia digna de um cenário de paraíso.
Sua risada aqueceu-me, desviando minha atenção daquele receio que
seu poder, riqueza e influência despertavam.
— Muito rico, amore mio. — Ele encostou o queixo em meu ombro.
— Podemos viver como a realeza, se assim desejarmos.
Ele estava exagerando. Tinha que estar. Mordi o lábio, observando o
horizonte, consciente do abismo que havia entre nós dois.
— Victoria…
Talvez ele tenha notado alguma coisa, porque senti seus braços me
apertarem um pouco mais.
— Eu nunca quis saber sobre essas coisas, mas, agora, não consigo
deixar de pensar. Viver como a realeza? Não sei o que dizer. — Torci as
mãos. — Isso me assusta um pouco. Somos tão diferen…
Não pude terminar, seu suspiro resignado calou-me.
— Não, nós não somos diferentes. — Ele me virou, e eu fui presa por
seu olhar azul profundo. — Tudo que tenho é seu, nosso. Da criança que você
carrega. Não me importo com nada disso, porque só tem sentido tanto poder
se eu puder compartilhá-lo com você.
— Mas… — Rocco me beijou de um jeito tão delicado que mexeu
com a minha cabeça.
De repente, eu não lembrava por que eu tinha trazido aquele assunto à
tona.
— Mas nada, eu dediquei mais de dez anos ao vício no trabalho, a
meta era ganhar dinheiro porque eu não queria outra coisa, apenas isso. —
Ele sorriu, agitando meu coração apaixonado. — Eu construí o meu império,
agora, eu tenho você para sentar no trono comigo. Te darei o mundo,
Victoria.
— Rocco…
— Vou aproveitar a vida ao seu lado, e dos nossos filhos. — Piscou
um olho.
— Filhos? — Subi minhas mãos por seu peito, repousando-as em seu
pescoço. — Plural, senhor Masari?
Havia uma felicidade ímpar em seu semblante tranquilo, era como se
ele fosse o Rocco da melhor fase de nossa história, aquele que não tinha
medo de falar o que se passava em seu coração, que não tinha receio de nada.
Era esse Rocco o responsável por me guiar pela última ponte, aquela
necessária para eu me conectar com a Victoria que sempre fui. Ele tirou a sua
culpa de qualquer coisa quando, mesmo sofrendo, não desistiu.
— Sim, quero no mínimo três. — Ele sorriu, animado. — Mas, se
você não quiser, eu estou feliz com nosso bambino, posso ser pai de apenas
um lindo garotinho.
Deus, eu não sabia lidar com esse homem. Ele era em partes bruto,
fofo, selvagem. Poderia ir de um extremo a outro, num piscar de olhos, mas,
apesar de tudo, ele me fez confiar outra vez que somente me amaria e
cuidaria do meu coração.
Como lidar com um homem assim? Minha respiração tremeu.
— Estou feliz, Pequena. — Seu olhar perdeu-se no horizonte, e eu
quase não pude aguentar a beleza estonteante dele. — Eu estou muito feliz.
A luz amarelada daquele fim de tarde refletia em seus olhos
cristalinos, as tolas borboletas em minha barriga simplesmente batiam asas,
porque era inevitável. Rocco não era somente um homem bonito, ele era
extraordinário, o homem mais lindo que já vi na vida, pessoalmente ou não.
Cada parte dele parecia desenhada por um mestre, às vezes até doía
encará-lo. Eu era bem consciente de que nunca chegaria aos seus pés, e o
pior, eu não entendia o que ele vira em mim.
Eu era… só eu. Victoria Fontaine, costureira, sem muitos atrativos e
tola sonhadora.
Deus, de onde esses pensamentos estão surgindo? Franzi o cenho,
tentando disfarçar o quão estranha me sentia.
— Eu sou grato por nosso filho existir. — Olhou-me, acariciando
minha barriga de quase sete meses. — Esse bambino foi muito desejado, ele é
amado. Meu milagre particular. Na verdade, vocês dois são tudo que mais
amo, prezo e necessito.
O sorriso meio de lado que ele deu acentuou o rosto masculino e a
barba crescida. Por um momento, precisei me lembrar de respirar.
— O que foi? — Estreitou os olhos, atento. — Você está me
encarando de um jeito diferente, algum problema?
Balancei a cabeça, não tinha sentido naqueles pensamentos, ou no
fato de que pareciam importantes as diferenças gritantes entre nós dois.
Amávamo-nos, ponto final. O resto era somente isso, resto.
— Não, está tudo bem. — Acariciei seu rosto. — E quero uma família
grande.
Aquele era um desejo antigo. Eu não sabia se era por causa do fato de
eu ser filha única, mas durante muito tempo quis ter um irmão, alguém para
dividir a minha vida, estar ao meu lado nas brincadeiras. Hoje, eu tinha o
irmão do meu coração, agradecia a Deus por ter colocado Jason na minha
vida.
— Você quer mesmo?
Oh, Deus, o sorriso. Havia tanta vontade, tanta expectativa no
semblante de Rocco que eu fiquei emocionada.
— Sim, eu quero. — Ele me abraçou, percebi que tremia. — Com
você, eu quero tudo o que sempre sonhei.
— Dio mio, não será apenas um sonho — ele prometeu, e eu acreditei.
Senti em meu coração que era verdade.
— Não será, grandalhão. — Pisquei um olho, provocando-o.
— Teremos uma mesa cheia? — perguntou, os olhos azuis e lindos
brilhando de felicidade.
— Sim, uma mesa cheia. — Rocco suspirou, encostando nossas
testas.
— Eu vou contar as horas para voltar para casa. — Suspirou,
compartilhando comigo seu sonho. — Da porta de nossa casa, escutarei a
risada de nossas crianças. Então eu vou parar um momento, fechar os olhos e
sentir a felicidade me dominar. Eu vou abrir a porta, e você e nossos filhos
correrão para os meus braços. Eu sempre vou esperar com os braços abertos.
— Rocco… — Senti o ardor das lágrimas.
Ele sorria, com os olhos fechados, sonhando com nosso futuro feliz.
— Todos os dias, segurarei o meu mundo nos braços, então saberei
que estou em paz, no meu refúgio, com minha família.
A voz dele, com aquele ar de desejo e sonho, tocava meu coração
como ninguém seria capaz. Era Rocco, e somente ele alcançava lugares
impossíveis que nem eu sabia existirem. Quando pensei que eu tinha perdido
tudo, a presença dele, de alguma forma, me fez ser forte, ele me alcançou na
escuridão, estendeu-me a mão e fez de tudo para me trazer de volta. Foi
paciente, amoroso, firme em seu propósito. Ele cuidou tanto para que eu
ficasse bem, que não percebeu o quão quebrado e precisando de cuidado
estava.
— Você vai me ajudar a realizar esse sonho não é, amore mio?
Ele pediu baixinho, humilde, com o coração nos olhos.
— Juntos, vamos realizar todos os nossos sonhos, teremos nossos
filhos, cachorros. — Ele riu. — Prometo um caos maravilhoso.
— Pequena, não me importo de ter marcas de patas no meu terno
Armani, ou que meus papéis do trabalho sejam riscados. Eu quero tudo isso,
sei que vou amar a loucura que minha vida vai se tornar.
— Louco, você é louco. — Ri de sua expressão ultrajada. — Mas,
anotado, depois não vale se arrepender.
— Prometo que não, agora… — Ele me ergueu nos braços. —
Vamos, eu quero te mostrar a nossa casa.
Ele atravessou a areia branca a passos largos, quando chegamos à
varanda da casa, pensei que ele fosse me soltar, mas não. Rocco me carregava
como se eu não pesasse nada, isso fazia com que eu me sentisse minúscula
nos braços dele.
— O Eclipse ficará ancorado a um quilômetro, a equipe vai ficar a
bordo, já deixei bem claro que não estão de férias. — Ele sorriu largamente.
— Nós estamos.
— Rocco, e as nossas malas? — Olhei para a praia, as luzes do
Eclipse já estavam acesas. — Eu não tenho roupas.
Ele parou de andar, encarando-me. Havia tanta calidez desprendendo
de suas íris azuis, que eu me sentia amada apenas com a forma com que me
olhava.
De algum modo, ele parecia em paz.
— Por que me olha assim, meu amor? — Toquei sua mandíbula
áspera. — Você é tão bonito, senhor Masari.
Ele fechou os olhos, aceitando o carinho.
— Eu não sei como eu te olho, mas, posso falar como me sinto.
— Você tem toda a minha atenção.
Pareceu que ia revelar um segredo.
— Bom, a verdade é que meu coração diz que, se eu estender os,
braços você virá para mim sem receio. Eu olho para você e vejo aquele brilho
de antes. Eu sei que você me ama.
— Rocco, é verdade, eu te amo. — Ele precisava ouvir, ter certeza
dos meus sentimentos e de que o passado tinha ficado para trás.
Apenas o futuro importava para nós dois.
— Eu sei, eu posso sentir. — Sorriu, emocionado. — Mas, também
quero que você sinta o meu amor, porque, Victoria, eu te amo com cada
respiração que exala do meu corpo.
Rocco me permitiu ficar em pé, e então ajoelhou, segurando as
minhas mãos. Ele beijou-as, olhando-me.
— Eu te amo com cada pensamento e batida do meu coração. Talvez
eu não consiga explicar o tamanho do meu sentimento, mas é tão grande, que
não cabe no meu peito. Eu acho que vivo porque você está aqui. Você
consegue entender? Sem você, nada importa, você é o meu sentido, entende?
Acenei, porém, não tinha palavras para expressar-me agora. Rocco
tinha o dom de me deixar chocada e com o cérebro em pane.
— Nós atravessamos um oceano, conseguimos chegar à terra firme.
— Sua comparação foi fofa, porque nós, literalmente, fizemos isso. — Eu sei
que cometi erros…
Não permiti que terminasse, eu já havia encontrado paz em meu
coração para tudo o que acontecera. Rocco, ainda não, e eu usaria nosso
tempo aqui para cuidar disso.
— Ouça. — Soltei minhas mãos, para segurar seu rosto. — Você
esteve ao meu lado nos momentos mais difíceis da minha vida, Rocco, foi
você o responsável por me tornar uma mulher mais forte, o que aconteceu,
talvez fosse necessário… — Ele negou, querendo se explicar. — Espere, só
um minuto. — Sorri, acariciando sua face de anjo vingador. — Eu te amo por
completo, e isso inclui tudo, passado e presente. Eu cresci com a dor, ela me
fez mais forte.
Havia orgulho em seu sorriso, mas também medo. Enquanto eu estava
pronta para seguir em frente, ele ainda carregava o trauma do que viu e
sentiu.
— Não tenha medo. — Eu o abracei. — Eu te desejo sem ressalvas.
Quero viver com você por completo, sem qualquer ponto de interrogação.
Estou inteira, aqui para você. Tudo foi superado, acredite. — Ele estremeceu,
o rosto enterrado em meu peito.
— Amo tanto você. — Sua voz soou abafada, mas eu pude entender
perfeitamente. — Eu vivo me dizendo que está tudo bem, eu quero acreditar,
mas, e se tudo isso for um sonho?
— Não é. — Ele se afastou para me olhar, havia uma ruga em sua
testa. — Não se preocupe. — Acariciei-o com gentileza, até que sua
expressão suavizou e ele sorriu. — Vamos patentear esse sorriso, tenho
certeza de que ficaremos ricos.
Rocco continuou de joelhos, encarando-me com o coração naqueles
olhos lindos.
— Eu seria capaz de fazer qualquer coisa por você, para ficar com
você. — Lágrimas se acumularam no canto dos seus olhos. Era surreal que
ele olhasse para mim com tanto amor em sua expressão. Chocava-me,
sinceramente. — Obrigado por estar aqui comigo, amore mio, por carregar
meu filho. — Ele me abraçou outra vez. — Obrigado por me aceitar como
sou.
— Eu gosto de cada parte sua, desde o humor explosivo até o jeito
que cuida das pessoas que ama. — Penteei seus cabelos para trás, estavam
grandes já, desalinhados e sexy. — Você me tomou para si, como diz que eu
fiz com você. Não pude lutar contra o que sinto, o resultado é que acho muito
melhor dormir em seus braços, do que ficar sozinha. Orgulho não serve para
nada quando te faz sofrer.
— Você vai dormir em meus braços todas as noites, para sempre.
— Para sempre é muito tempo — brinquei, antes de beijá-lo. — Mas
aceito o agora e até quando Deus permitir.
Ficamos em silêncio por um momento, o mar estava tranquilo como
nós.
— Victoria Fontaine. — Rocco pigarreou, levando uma de minhas
mãos ao seu peito. Ele parecia solene. — Aqui, diante deste mar e das
estrelas que repousam no céu, prometo te amar todos os dias enquanto eu
viver. Eu vou mudar tudo o que não te agrada, e então, serei o homem que
você espera que eu seja.
— Eu aceito que me ame, mas não que mude quem você é. Eu
aprendi que, quando amamos alguém, precisamos aceitar suas qualidades e
defeitos. Eu te quero truculento e brigão, o ogro por quem me apaixonei. Esse
é você.
— Não…
— Rocco, apenas saiba analisar as coisas, antes de explodir.
— Então, só para garantir — Ele parecia um tanto desconfiado —,
você me aceita, mesmo eu sendo um filho da puta ciumento e possessivo, que
certamente vai partir ao meio qualquer bastardo que chegar perto demais de
você?
Ele estava testando, eu sabia. No entanto, tudo o que aconteceu serviu
para expandir o meu olhar. Quando conheci Rocco, uma parte dele ainda
vivia presa ao passado, agora, não mais, e isso era muito claro para mim.
Eu sabia que ele estava mais centrado. Por outro lado, sua natureza
era mais bruta e não dava para querer transformá-lo em algo que ele não era.
Isso seria tóxico, para ambos.
— Não quero você brigando, eu temo por você. — Toquei seu rosto.
— Não quero que se machuque.
— Então, se eu prometer não me machucar, você me deixa brigar?
Ri baixinho, balançando a cabeça.
— Mudamos muito o rumo da conversa, não é? Mas, eu concordo que
se você não se machucar, pode ser um Neandertal de vez em quando.
— Porra! — ele gritou, levantando e me espremendo entre os braços.
— Você é meu número, caralho!
Antes que eu pudesse dizer algo, ele me beijou. Sua língua foi logo
invadindo, sem preliminar. Senti-me devorada, em carne viva. O jeito com
que me mantinha cativa, dominada pelo beijo enlouquecedor, era demais.
Seus lábios esmagavam os meus, ele tinha um jeito de segurar meu cabelo,
firme, com força, mas sem machucar.
Era tudo na medida certa, apenas para acender o meu desejo. Eu já
podia sentir o desconforto do clitóris pulsando, a calcinha alagada de tesão.
Por Deus, e era somente um beijo.
— Quero você! — Gemeu, rasgando a parte superior do meu vestido,
expondo meus seios pesados.
— Alguém pode ver, Rocco — tentei argumentar, mas ele me beijou
de novo. — Rocco… Vamos entrar.
— Ninguém vai ver. — Sua voz soou pecaminosa, arrepiando-me a
ponto de deixar os meus mamilos doloridos de tão duros. — Eu quero fazer
amor agora. Vamos, amore mio. Confie em mim, acha mesmo que eu iria
permitir que alguém te visse?
Olhei ao redor, negando.
— Estamos ao ar livre… — Mordi o lábio, deixando a vergonha de
lado e levantando os braços para ele retirar o vestido.
— Isso. — O jeito com que me olhou quando fiquei nua foi tão sexy.
O pequeno sorriso em seus lábios deixava-me saber que eu ia ter sexo
gostoso e quente. Só de imaginar o que ele faria, minhas pernas ficaram
bambas.
— Você é linda demais, porra, linda demais. — Ele lambeu os lábios,
encarando meus seios grandes, a barriga de grávida.
Eu não conseguia manter o olhar preso a ele, meu rosto pegou fogo.
Não dava para acreditar que eu estava nua ao ar livre. Numa praia. Meu
Deus…
— Ruborizando para mim? Que delícia.
Ele ajeitou descaradamente a ereção que pressionava sua calça. Como
é que o clima mudava tão rápido com esse homem? Agora, eu só conseguia
pensar nele dentro de mim, fodendo-me gostoso.
— Porra, não faz essa cara, que eu já estou cheio de tesão. Delizia
mia.
— Rocco!
Ele forrou o vestido longo no chão e estendeu a mão para mim.
— Vem, deita aqui. — Aceitei sua ajuda para deitar. Esperei que se
juntasse a mim, mas Rocco ficou de pé e começou a se despir. — Não tire os
olhos dos meus.
Mesmo se eu quisesse, seria impossível, olhar para ele tirando a roupa
era demais, como receber uma dose de prazer direto na veia. Ele se livrou das
roupas, deixando-me louca com sua completa nudez. Rocco era incrível,
Deus, cada parte dele era.
Não bastava ter um rosto impecável, ele precisava de um corpo
também impecável para acompanhar. Ofeguei quando ele deitou, o calor que
emanava de seu corpo aqueceu-me.
— Você parece um deus do mar.
— E você é minha. — Ele baixou a cabeça e lambeu meus seios.
A sensação foi tão profunda, que senti meu ventre contrair. A cada
dia, eu estava mais sensível, e ele sabia como explorar essa fraqueza.
— Isso é tão bom. — Minhas mãos se perderam em seus cabelos, ele
gemeu, enrolando a língua ao redor de um mamilo e o chupando depois.
Não pude evitar o grito que escapou quando ele o mordeu
delicadamente, parecia que estava me desmanchando.
— Calma, amor, não vamos nos apressar.
— Eu quero você dentro de mim, só isso.
Às vezes, eu não acreditava que ele conseguia me deixar num estado
sedento tão depressa. Eu deveria ter um pouco de controle, mas não tinha.
Aguentei tempo demais, agora, só de pensar em senti-lo em meu interior,
todos os pensamentos fugiam, e nada mais importava.
— Rocco…
Suas mãos começaram a percorrer meu corpo, ele não tinha pressa,
estava me torturando. Mordi o lábio, arqueando quando ele deslizou a
calcinha por minhas pernas. Seus beijos desceram, e ele estava lá, fazendo-
me gritar sem importar que estivéssemos fora de casa.
Sentia-me pronta para qualquer aventura.
— Rocco! — Puxei seus cabelos, ele gemeu, golpeando meu clitóris
com a língua, chupando duro, às vezes lento. Matando-me lentamente. — Por
favor…
Ele deu um último beijo molhado e barulhento na minha boceta,
depois, como se eu não estivesse implorando, foi distribuindo beijos por
minha barriga, enquanto ia subindo.
Eu estava tremendo, a brisa que vinha do mar acariciava minha
intimidade exposta e úmida. Tudo parecia trabalhar para deixar-me como um
fio desencapado, qualquer toque vibrava de prazer.
Eu ia enlouquecer.
— Ro… — Sua boca tomou a minha, e eu quase derreti.
Havia uma sugestão de sal em sua boca, a língua, que instantes atrás
me enlouquecia, agora provocava de outras maneiras.
— Sinta-me — murmurou, beijando-me de novo.
Então eu pude senti-lo esfregando-se em mim. Rocco desejava
experimentar cada momento, talvez pudéssemos depois, em outra ocasião,
agora, não.
— Estou ardendo, preciso de você — lamentei baixinho, puxando-o
para outro beijo, desesperada.
Meu clitóris pulsava tanto, que doía, eu sentia dentro de mim a
necessidade de ser preenchida, daquela picada de dor que me excitava sempre
que eu o recebia. Era tão bom.
— Calma. — Ele sorriu, quando começou me penetrar, parecia
saborear cada instante. — Delícia, Victoria, você é…
Ele gemeu, o encaixe entre nós dois era sempre apertado demais, no
limite do prazer e da dor, o suficiente para enlouquecer a ambos. Rocco
estava entrando e saindo, devagar, só para me fazer ansiar aquela demanda
louca.
— Mais rápido.
— Amore mio… — Puxei-o para mim como pude, a barriga nos
limitava um pouco, mas ele entendeu o que eu precisava.
Rocco deu um sorriso. Ajeitando o corpo, ele ergueu-me, segurando o
meu quadril, e começou a me foder como eu queria.
— Isso, isso! — Fechei os olhos, recebendo ansiosa suas investidas.
Nossos gemidos mesclavam-se com o barulho das ondas, aumentando
o prazer que o proibido causava. Eu sentia que a qualquer momento ia me
perder, não me importava de gritar, incentivando-o a me tomar mais forte.
Podia sentir a sensação sublime crescer, todo meu corpo estava
eletrizado, doendo por liberdade.
— Caralho, amor, você está pulsando ao meu redor, não vou aguentar.
O toque de seu polegar em meu clitóris foi como atear gasolina em
um incêndio, meu corpo explodiu, e eu gritei como se nunca houvesse
gozado.
— Dio mio! — Rocco gemeu, entregando-se ao seu próprio prazer,
enquanto eu lutava para lidar com a sensação que me engolia dos pés à
cabeça.
Foi tão intenso, que senti os dedos dos pés enrolando.
Ele ainda vai me matar de tanto prazer.
Victoria

A casa de Rocco era algo saído de um filme. Cada detalhe parecia ter
sido preparado com esmero e amor, eu sabia que algum especialista em
decoração fora o responsável por deixá-la tão linda, mas o que me
surpreendia era a sensação de aconchego.
— Então? Você gostou? — Rocco perguntou, coçando a cabeça,
parecia ansioso. — Quando mandei que fosse preparada, eu pensei em você.
Apesar de eu não ter estado aqui, eu disse as preferências que tinha e…
— Rocco, ela é linda, e eu adorei.
Ele sorriu, parecendo aliviado.
— Vem, me deixa te mostrar o quarto. — Ele estendeu a mão, e eu
aceitei.
Sempre faria isso, quando ele me chamasse, não importa onde eu
estivesse, eu o responderia.
Rocco me guiou em direção a um corredor amplo, eu precisei ficar
atenta, porque tudo ali chamava atenção por causa do extremo bom gosto.
Até as cores da casa pareciam combinar com o cenário praiano.
— Fecha os olhos, amore mio. — Paramos em frente a uma porta. —
Devo admitir que estou desejando ficar a maior parte do tempo na cama.
Balancei a cabeça, mas a ideia não me parecia nada ruim. Rocco não
disse mais nada, no entanto, eu buscava me concentrar nos sons que ele fazia.
O barulho de porta abrindo, depois o som das ondas chegou até mim, o cheiro
do mar também parecia bem presente.
— Vem, confia em mim, não abra os olhos agora.
Fui caminhando, levada por ele. A curiosidade era uma coisa viva
dentro de mim, mas obedeci, e esperei. Um beijo suave no ombro me
arrepiou.
— Abra os olhos, amor.
Por um breve instante, as palavras me escaparam. Eu estava diante de
uma vista que jamais esqueceria. O quarto era enorme, mas, não só isso, ele
fora projetado para que pudéssemos desfrutar da beleza da praia. A varanda
possuía portas francesas de um bom tamanho, e estando elas abertas, a visão
do mar era como um quadro.
A lua, belíssima, refletia na água escura e misteriosa. Ao longe, como
um ponto de luz, avistei o Eclipse.
— Podemos fazer desses dias aqui inesquecíveis. — Rocco me fez
encará-lo. — Apenas nós dois, vivendo nosso amor de forma egoísta.
— Eu aceito demais. — Fiquei na ponta dos pés e o beijei.
Eu estava sendo egoísta desde que pisei os pés no Eclipse. Talvez,
fosse errado sumir assim, mas eu fiz apenas o que me agradava. Minha
família fora avisada, então, pela primeira vez, não me preocupei com outra
coisa, a não ser o que me fazia feliz.
Não havia arrependimento, ou qualquer sentimento nesse caminho.
Essa foi uma das melhores decisões que já tomei na minha vida.
— Vem, tem uma jacuzzi quentinha te esperando. — Rocco piscou
um olho e me puxou em direção à varanda, mas, ao passar ao lado da cama,
estaquei, eu não estava acreditando nos meus olhos.
— Rocco, você… — Engoli a emoção. — Você trouxe o violão do
meu pai? — Olhei para ele, sem acreditar.
— Contrabandeei, na verdade. — Coçou a nuca, percebi que ele
estava um pouco vermelho. — Eu o roubei da sua casa, antes de ir para o
Brasil pela primeira vez.
— Rocco…
— Eu não ia ficar com ele para sempre, mas pegar sem pedir foi
errado, eu sei. Perdonami, amore mio.
Estava tão claro para mim que ele estava envergonhado, com toda
certeza, ele havia pegado o violão em um ato impensado. Poderia parecer
loucura, mas ter um pedaço do meu passado feliz, naquele lugar de amor,
tornava-me ainda mais forte.
Antes que Rocco pudesse pensar besteira, eu o abracei.
— Mais tarde cantarei para você. — Olhei para seu rosto, ele sorria de
um jeito lindo. — Esse violão significa muito para mim, ele remonta uma
época de felicidade. Quando meu pai Michael nos reunia, ele dizia que
sempre estaríamos juntos. De certa forma, ele estava certo.
— Nós também, amore mio, a todo momento estaremos juntos.
— Eu amo essa certeza que você tem.
— Não existe outra possibilidade, agora, vamos tomar aquele banho.
— Ele bateu na minha bunda. — Você disse que ia cantar para mim, estou
ansioso.
Não demoramos muito na jacuzzi, porque Rocco não deixou. Então,
depois de uma massagem deliciosa de água morna, tomamos um banho
divertido, porém rápido demais para o meu gosto. Agora, eu estava
confortavelmente vestida com uma camisa dele e sentada num sofá de vime,
dedilhando o violão.
— O que você gostaria que eu cantasse? — perguntei, pela terceira
vez, mas Rocco só me encarava com um meio-sorriso nos lábios.
— Gosto da sua voz, amore mio. — Rocco esticou-se no sofá, atento
a mim. — Não importa o que decida cantar.
— Você não tem nenhuma banda ou música preferida? — Testei
algumas notas, para destravar os dedos. — Então?
— Talvez eu tenha. — Arqueei a sobrancelha, ele parecia divertir-se.
— Gosto de rock até os anos noventa.
— Rock antigo? — Acenou, concordando comigo. — Scorpions, Iron
Maiden, Gun’s N Roses?
— Nirvana, Black Sabbath, Queen… — ele completou, me deixando
bem animada.
— Senhor Masari, seu gosto musical é esplendido. — Comecei a
dedilhar uma música que eu sabia tocar muito bem. — Vamos começar com
Scorpions.
Ele sorriu, balançando a cabeça. Minha atenção se voltou para o
violão, as notas flutuando num ritmo lento, harmonioso.
— Você conhece essa? — Espiei Rocco, ele estava atento, vidrado em
mim.
— Sim, amore mio, você a cantou quando estávamos no
acampamento do festival.
Sorrindo, concordei. Ele tinha uma memória excelente. Still loving
you era uma das músicas favoritas do meu pai, eu poderia cantá-la ou tocá-la
de olhos fechados. Mas, agora, quando as palavras derramaram-se dos meus
lábios, eu estava olhando para o homem da minha vida.
— Cante para mim… — Rocco soltou o fôlego, aproximando-se um
pouco mais. — Dio santo, cante para mim.
A música era uma declaração para um amor machucado, mas que
seria recuperado. A letra era um pedido de perdão, uma tentativa para que
voltassem a acreditar no amor, ou ao menos que tentassem, porque ele não
deveria ser jogado fora.
— Se nós percorrermos novamente, todo o caminho até o início —
cantei, sorrindo para Rocco.
— Eu tentaria mudar as coisas que mataram o nosso amor — ele
murmurou, com a voz rouca, a estrofe seguinte. — Amore mio… perdona…
— Eu continuo te amando… — cantei, um pouco mais alto,
interrompendo-o. — Eu continuo te amando.
— E eu preciso do seu amor.
Apaixonada por seu semblante carregado de tanto sentimento.
Quando a música terminou, ele me puxou para seu colo.
— Te amo pra caralho.
Ele me beijou, e eu esqueci que havia prometido cantar algumas
músicas, porque ele havia me mostrado que poderíamos fazer algo muito
melhor.

***

Da cama, eu tinha uma visão inacreditável do mar. Durante a noite, a


beleza do lugar me encantou, mas, de dia, parecia uma pintura. Até o ar
parecia carregado de uma energia diferente que me fazia pensar que eu
poderia fazer tudo.
— Eu queria ter meu caderno de croquis para desenhar, eu sinto que
posso.
— Você acha que não está mais bloqueada? — Rocco olhou para
mim, ele estava com a cabeça encostada em minha barriga.
— Eu não sei, mas, desde que começamos essa viagem, eu me sinto
tão inspirada. Eu acho que poderia tentar algo.
Ele sorriu e levantou da cama. Instantes depois, Rocco voltou com um
caderno de desenho para croqui e lápis adequados para fazer desenhos
coloridos ou preto e branco.
— Não acredito. — Balancei a cabeça. — Você é demais.
— Eu imaginei que, se quisesse desenhar, você não poderia ter
empecilho. Aqui. — Estendeu o caderno e os lápis. — Tente algo.
Depois do acidente, minha mente permaneceu em um estado de
apagão. Era como se estivesse em branco, e isso foi muito assustador, porque
era no meu trabalho que eu buscava refúgio nos tempos difíceis. Perder essa
capacidade foi aterrorizante, senti-me de certa forma roubada, mesmo que
parecesse que eu havia desaprendido a desenhar.
Tantas vezes olhei para o papel, com o lápis na mão, e a sensação de
não fazer ideia do que eu estava fazendo dominou a vontade de criar. Agora,
diante de tanta felicidade, amor e cenas de tirar o fôlego, os traços no papel
branco começavam a tomar forma. Minha mão tremia, porque, quando eu
notei que estava conseguindo, não pude evitar a emoção.
Deus, muito obrigada. O riso de felicidade borbulhou em meu peito,
mas foram as lágrimas de emoção as responsáveis por molhar o papel.
— Não chore, amore mio. — Rocco me abraçou por trás, eu podia
sentir a preocupação em seu tom. — Está ficando lindo.
— Não é isso. — Funguei, ele me apertou um pouco mais. — É que
finalmente estou conseguindo.
Seu suspiro de alívio foi audível e me emocionou ainda mais. Rocco
já havia deixado claro que eu era sua prioridade, acima de si mesmo, e apesar
do absurdo que isso configurava, ele estava levando muito a sério.
Desde a hora que eu acordava, até o momento de dormir, ele
permanecia a minha volta, cuidando de coisas que eu nem sabia que
precisava.
— Eu te prometi consertar tudo que foi quebrado, pode levar o tempo
que for.
Olhei para ele, e seus olhos estavam brilhantes, lindos como nunca os
vi.
— Você é o melhor. — Acariciei seu rosto, ele suspirou, aceitando o
carinho. — Eu te amo muito.
— Eu sei — disse baixinho. — Agora, eu sei.
Rocco acabou ficando ao meu lado, enquanto eu desenhava o esboço
de um vestido. De vez em quando ele perguntava algo relacionado ao
desenho, havia um claro e sincero interesse em seu tom, e isso me deixou
muito feliz.
Ele se importava mesmo, dava para sentir isso.
— Amore mio, vamos caminhar pela praia?
Empolguei-me tanto que nem percebi a hora passando, apenas quando
ele falou, e eu levantei, senti o desconforto nas pernas. Sentia-as um pouco
doloridas, os pés querendo inchar.
— Você está há quase três horas sentada na mesma posição. Vem
comigo?
Ele estava parado na varanda, com a mão estendida. Deixando os
desenhos de lado, fui em sua direção.
Abraçamo-nos e, juntos, caminhamos em direção à praia. Eu não fazia
ideia de que horas eram, mas o mar estava azul claro. Parecia uma grande
joia, brilhante e misteriosa. Tudo o que eu estava vivendo ao lado do meu
grandalhão parecia um sonho.
Era muito bom sentir-se amada, querida. Rocco me apreciava, cada
gesto dele deixava claro o quão importante eu era, por ele, eu fazia o mesmo
e senti, desde que chegamos aqui, a mudança.
Rocco já não falava mais sobre o que havia acontecido, ele finalmente
estava deixando o passado ir.
— Estava pensando no quão feliz eu sou — Rocco disse, e eu prestei
atenção em suas palavras. — Tudo aqui colabora para uma paz interior, que
não me lembro de já ter sentido. Os dias são inteiramente agradáveis, não
quero ir embora nunca.
— Aqui é perfeito.
Ele parou de andar, ficando na minha frente. Suas mãos vieram para o
meu rosto, esperei o beijo, que não veio. Rocco estava sério, me encarando.
— Não quero voltar. — Havia uma verdade inquestionável em seu
tom. — Eu posso eleger um presidente para as indústrias Masari e dedicar a
minha vida a cuidar de você e da nossa família.
— Grandalhão… — Notei um pouco de preocupação em seu
semblante. — Do que você tem medo?
— Eu não sei, mas sinto um aperto no peito.
— Amor, presta atenção, você sabe que nossa vida não está aqui. A
gente vai precisar voltar. — Acariciei sua bochecha, amando a sensação da
barba grande. — Mas, quando voltarmos, seguiremos juntos.
— Então, ficaremos aqui até o meu aniversário — concordei. — Será
em uma semana.
— Eu estou completamente perdida, não faço ideia de que dia é. — Ri
quando ele se ajoelhou e começou a esfregar as mãos por minha barriga.
— Hoje, você completa sete meses. — Como se em resposta, nosso
filho começou a chutar. — Bambino. Vamos comemorar meu aniversário
apenas nós três.
— Farei um bolo, já vá pensando no que pedir quando assoprar a vela.
— Posso pedir agora? — Ele me olhou, expectante. Concordei. —
Dê-me outro filho.
Eu não soube o que dizer, às vezes ele era tão direto que
desconfigurava meu cérebro. Ficava confusa em como organizar as palavras.
— Nós ainda nem tivemos o primeiro. — Ri, nervosa. — Vamos
devagar.
Eu sabia que ele tinha algo para dizer, Rocco sempre tinha, mesmo
que abordasse o assunto com questões meio malucas.
— Eu só quero fazer tudo diferente. Ficar ao seu lado, descobrir a
chegada do bebê, te cuidar, mimar. Eu quero ser aquele marido que está ao
lado de sua mulher em cada passo do caminho. — Sua voz baixou, ele
encostou o rosto na minha barriga, onde nosso filho chutava. — Eu queria ter
estado com você quando descobriu, queria te segurar quando passou mal. Eu
fiz tudo errado, eu…
— Rocco…
— Sinto falta do que não tive. — Pude sentir seu remorso e o quanto
isso o entristecia.
Por um breve momento, pensei que Rocco estava mesmo deixando o
passado ir, mas ainda havia certas partes agarradas firmes demais a ele.
Será que algum dia ele ia esquecer o que aconteceu e não permitiria
que isso o machucasse mais? questionei-me, mesmo sabendo que talvez
sempre houvesse uma parte que nunca se curaria.
Rocco era um duro demais, inclusive consigo mesmo.
— Lembra o que conversamos quando chegamos aqui? — Ele
acenou. — Então, teremos uma família grande, mas vamos com calma, não
seja tão apressado. Temos uma vida inteira pela frente, cheia de momentos
para ficar em nossas memórias.
— É justo. — Ele me abraçou. — Mas ia ser incrível ter dois filhos
com a mesma idade, sem que eles fossem gêmeos. Na verdade, seria um
sonho.
— O quê? — Não pude evitar rir de sua ideia absurda. — Você é
oficialmente doido.
— Pode rir, senhora Masari. — Ele levantou, divertido. — Mas faça
isso quando eu te engravidar antes do nosso bebê completar um ano.
— Você é um maluco se acha que isso vai acontecer. Não conte com
isso.
Rocco balançou a cabeça, depois piscou um olho. Eu o preferia assim,
sonhador — mesmo que fosse de absurdos — a vê-lo preocupado, triste,
pensando no que fizera de errado e tentando encontrar um modo de me
compensar por isso.
— O futuro da gente vai ser incrível — eu disse.
Porque já tínhamos passado por muita coisa, e sim, merecíamos ser
muito felizes.
Victoria

Aquela ideia de fazer um diário para nosso filho estava sendo levada
muito a sério. Rocco, sempre que tinha a oportunidade, pegava a câmera
portátil e começava a sua tarefa. Agora, ele tinha certeza absoluta de que o
bebê reconhecia a sua voz.
— Vamos lá, não me deixe com cara de bobo. — Ele conversou com
a minha barriga, porque instantes atrás Gianne estava chutando muito. —
Bambino, só porque o seu papa está filmando? Não seja assim, dá só um
chutezinho.
Ri, quando Rocco passou a mão pela minha barriga. Eu precisava
admitir que o tempo com ele estava me fazendo muito bem, na última
consulta, soubemos que eu havia ganhado peso, e que nosso bebê seguia
crescendo firme e forte.
Minha única queixa, digo, a única coisa que estava se tornando mais
presente, eram inchaços nos pés, mas o doutor disse que era normal isso
acontecer quando a gravidez estava avançada, e eu já estava no último
trimestre.
Eu não reclamava de nada, de qualquer coisa que dissesse, Rocco
fazia um evento. Por causa das dores nas costas, dependendo da posição, eu
sentia incômodo na lombar, fora isso, tudo seguia perfeito.
— Não seja tímido, mostra para a mamma que você me entende, ela
está duvidando.
— Não estou.
— Não dê ouvidos a ela — ele murmurou, a boca encostada no meu
umbigo. — Ela vai dizer que não duvida porque não quer magoar meus
sentimentos.
— Seu bobo. — Acariciei os seus cabelos. — Gianne pode estar
dormindo. — Mal terminei de falar quando o bebê me deu um cutucão nas
costelas — Isso dói um pouco. — Respirei fundo, devido a surpresa e o
incômodo.
— Vai com calma, amor, sua mamma é pequenina. — Rocco era tão
carinhoso que às vezes me deixava boba.
Olhar para ele, sendo tão dedicado e amoroso conosco, era uma
realização. Eu achava que toda mulher que vivia essa fase tão importante não
deveria se sentir sozinha. Quero dizer, gerar uma vida mexe com a gente, e
ter o apoio de quem amamos é fundamental.
— Não chuta a mamma com tanta força, ela já entendeu que você
sabe quando sou eu que estou falando.
— Ele é bruto como você.
Eu podia jurar que havia orgulho na expressão de Rocco. Ele sorria
tão abertamente, que a felicidade irradiava de si. Aos poucos, quase como se
estivesse tímido, Gianne começou a mexer. Minha barriga tremia, depois
esticava para um lado só, ou ficava muito dura.
— Isso, bambino — Rocco incentivou o bebê a mexer mais, ele não
perdia nada com a câmera.
Ficamos vários minutos assim, quando finalmente o nosso filho
acalmou, meu grandalhão mirou a câmera em meu rosto.
— Quem é o homem da sua vida? — Piscou um olho e apontou com o
polegar para si próprio.
Ri baixinho, olhando para a câmera. Eu tinha certeza de que Rocco
era o homem mais louco que existia. Cada dia ele me mostrava uma faceta
nova, e eu me apaixonava mais.
— Vamos lá, quem é o homem da sua vida? — perguntou de novo,
apontando para si mesmo. — Não seja tímida, eu prometo que não vou usar
isso contra você.
— Eu não vou produzir provas contra mim. — Dei um sorriso largo.
— Você não vai mais andar com Dimitri, ele está te levando para o
mau caminho. — Rocco mexeu as sobrancelhas. — Vamos, amore mio, não
seja má, o que custa? Fala, eu quero ouvir.
— Falar o quê? — provoquei e logo me arrependi, porque ele
mergulhou o rosto em meu pescoço e quase me matou de cócegas com a
barba. — Eu falo! Eu falo!
Tentei empurrá-lo, eu estava toda arrepiada, a barba dele era uma
tortura gostosa, que às vezes eu não aguentava.
— Muito bem. — Ele deu um sorriso vencedor, apontando a câmera
para meu rosto outra vez. — Quem é o homem da sua vida?
— Você! — Soprei um beijo.
— Vamos, fale com todas as letras, estou filmando para ter provas
quando você disser que eu sou ignorante demais e que não quer um ogro
como marido.
— Você disse que não ia usar contra mim! — Gargalhei de sua cara
de safado.
— Bom, eu menti. Agora diga.
Deus, a expressão de pura felicidade dele aquecia meu coração como
poucas coisas poderiam. Eu o amava demais, tanto que doía.
— Não me olhe assim. — Sua voz soou rouca. — Vou ficar
desconcentrado.
Lambi os lábios, eu não sabia como o estava olhando, mas, a julgar
por sua expressão, ele gostava e muito.
— Você sabe que eu te amo.
— O que custa uma declaração? — reclamou, balançando a cabeça.
— Deixe de ser egoísta, mulher! Pode falar o quanto me ama.
Comecei a rir, e por estar deitada, o fôlego me faltou. Rocco ajudou-
me a sentar, e eu cruzei as pernas, depois ajeitei o cabelo.
— Não precisa ter pressa, a bateria da câmera está cheia. — Ele
passou a mão pelo meu cabelo. — Você está linda demais, puta que pariu! Eu
não aguento.
Ele me beijou até os dedos dos meus pés curvarem e eu esquecer meu
nome. A barba fazia cócegas no meu rosto, era excitante, eu poderia ficar ali
para sempre.
— Amore mio…
— Eu te amo, Rocco. — Acariciei seu rosto. — Eu te amo demais.
Voltamos a nos beijar, e ele parecia ter esquecido que estava
gravando. Quando nos separamos, ele me encarou como se eu fosse a melhor
coisa do mundo.
— Esqueceu a sua declaração? — perguntei, brincando com seus
cabelos escuros.
Ele sorriu, ajustando a câmera outra vez.
— Está linda, com os lábios inchados dos meus beijos. — Piscou um
olho. — Agora diga, Victoria, quem você ama?
Encarei a lente, queria fazer parecer que olhava para ele. Quando
estivesse assistindo, teria essa sensação.
— Eu amo você, Rocco. — Sorri. — Amo você para sempre, com
tudo de mim. Eu te amo em meus sonhos, na minha realidade e com cada
batida do meu humilde coração. — Seu sorriso era lindo demais. Soprei um
beijo para a câmera. — Eu te amo, Rocco Masari, nunca duvide disso.
Ele largou a câmera e me abraçou, ficamos um tempo assim, porque
às vezes Rocco ficava todo sentimental, só que agora ele me permitia ver
isso. Já não mais escondia o que se passava em seu coração.
— Adoro seu cheiro — ele disse baixinho, respirando fundo — Amo
a sua voz, a textura de sua pele, a cor dos seus cabelos — Rocco encostou sua
testa na minha e suspirou, parecendo derrotado. — Sou completamente
apaixonado por seus olhos. Eu consigo ver a sinceridade que há neles, a
pureza de seu coração. Juro, amore mio, que é como se eu pudesse ver a mim
mesmo e o que desejo ser.
Afastamo-nos um pouco. Os olhos azuis estavam sombreados pelos
cílios longos e escuros. Rocco, de fato, era um homem de beleza
impressionante.
— Olhar seus olhos, amore mio, me faz o homem mais feliz do
mundo porque eu juro que posso enxergar o futuro.
— O que você vê?
— Amor, felicidade, filhos. — Rocco segurou meu rosto e, quase
solene, completou: — Eu vejo o meu lar, o lugar para onde sempre irei voltar.
Um nó se formou em minha garganta, este era um dos momentos em
que ele me fazia querer chorar. Era tão incrível que Rocco fosse o homem
mais carinhoso do mundo, e ao mesmo tempo bruto. Ele tinha um contrapeso
surreal para lidar com as coisas que importavam.
— Vamos nos casar assim que voltarmos para a civilização, tudo
bem? — Rocco beijou meus cabelos, abraçando-me. — Eu estou em processo
de transferência, vou levar a matriz da minha corporação para o Brasil, não
vou ficar longe de você mais que uns dois ou três dias por quinzena até tudo
se ajeitar.
O quê? Eu não sabia disso! Deus, sério que ele mudaria toda a sua
vida para adequar-se a minha? Ele mudar a matriz de sua empresa de país não
era como juntar uma caixa de documentos e realocá-la. Estávamos falando de
uma empresa enorme, com muitas pessoas envolvidas.
— Eu conversei com Dimitri, em cerca de um ano, creio que…
— Rocco, estarei onde você estiver — eu o interrompi. — Se sua vida
está na Inglaterra, então a minha também estará. Eu não planejava montar a
minha vida no Brasil, tudo simplesmente aconteceu.
— Mas o atelier da sua avó, eu sei que ela vai querer você por perto.
— Ele parecia já ter pensado em tudo. — Eu não me importo de mudar, eu
faria isso e muito mais para ficar com você.
— Saber disso só me faz te amar mais.
— Amore mio, não importa onde estivermos, desde que fiquemos
juntos.
— Eu sei. — Toquei seu peito. — Suas batalhas serão minhas, e
vitórias também. Juntos, entendeu?
Ele não respondeu, apenas me abraçou apertado, fazendo-me enxergar
que não importava onde estivéssemos, éramos nosso próprio lar.

***

Acordei sentindo que algo estava errado, em todos os dias aqui, nunca
senti coisa semelhante.
— Rocco? — chamei baixinho, passando a mão em seu lado da cama,
ainda havia calor.
Lá fora, o barulho da chuva estava alto, o dia estava esquisito, como
se parecesse pesado. Sonolenta, arrastei-me para fora da cama. Ultimamente,
era cada vez mais difícil levantar, a barriga estava grande demais, eu não
conseguia ver meus pés, além da total falta de centro de gravidade.
— Não me ferra! — Do corredor, pude ouvir o berro irado de Rocco.
Apressei-me em direção à sala, quando cheguei, o avistei andando de
um lado para outro. Ele falava ao telefone, parecia nervoso, agitado. De vez
em quando, esfregava os cabelos, que estavam revoltos.
— Por acaso esses idiotas pensam que eu me descuidei? — perguntou
à pessoa que estava do outro lado da linha. — Eu estou cuidando da minha
família, e isso não diz respeito a ninguém! Caralho, meu aniversário é em
breve, não posso voltar para casa agora, tenho planos com Victoria!
O que ele ouviu em resposta foi suficiente para fazê-lo socar a parede.
A expressão de Rocco era tão furiosa que em outros tempos me assustaria.
— Me destituir com ordem judicial? Isso é uma piada? — Ele
encostou a testa na parede, estava revoltado. — Alegam o quê?
Eu não deveria ficar ouvindo conversa alheia, mas estava congelada
no lugar. Sentia-me mal por Rocco estar enfrentando problemas, ele
abandonou sua vida na Inglaterra, as empresas, que eram algo que ele amava,
para nos dar esse tempo juntos.
Agora, era obrigado a ver as pessoas duvidando dele.
Isso era muito injusto.
— Negligência? Os bastardos alegam negligência? — Não pude
evitar o arrepio com a risada que Rocco deu. Não era algo que pressagiasse
boa coisa, porque deixava claro que alguém havia cruzado uma linha muito
tênue. — Eu não vou tolerar esse tipo de merda na minha empresa, será que a
última vez não bastou? Foram quantos demitidos? Cinco? — Ele balançou a
cabeça. — Não, eles não podem criar um novo conselho, de onde saiu isso?
Eu não abandonei nada!
Não pude deixar de me sentir culpada. Rocco poderia perder a
presidência da própria empresa? Será que isso ia acontecer?
Meu Deus!
— Isso é o que dá deixar ponta solta. — Bufou, mas logo em seguida
suspirou. — Estou cansado de ter que lidar com esse tipo de problema
totalmente desnecessário, por acaso você soube de alguma perda de valores?
Minhas ações caíram? — Rocco estava atento a tudo que lhe era passado, e
eu aqui, querendo saber para tentar não me sentir tão culpada. — Contratar
um CEO é uma afronta direta a mim. Vou reformular, quero as cabeças de
todos eles, sem avisos desta vez, eu quero demissões. Todos os envolvidos,
entusiastas, pessoas com a menor associação. Faça a lista, quero uma limpeza
de inúteis.
De repente, ele jogou a cabeça para trás e riu. Pude sentir a raiva dele
arrepiar os pelos do meu braço.
— Não estou me importando. — Sua voz soou baixa e mortal — Vou
colocar todos na rua, chego hoje de madrugada, e amanhã quero todas as
folhas prontas, ligue para a diretora do RH, se for preciso, passem a noite,
mas amanhã quero isso pronto. Eu mesmo irei chutá-los para fora.
Pela primeira vez, Rocco notou minha presença. Ele sorriu e me
chamou com um dedo. Até pareceria clichê o que eu diria, mas, quando me
viu, sua expressão suavizou, e a raiva nem parecia ter estado ali.
— Dormiu bem? — Abraçou-me, e eu me aconcheguei em seu peito
desnudo. — Está com fome?
— Um pouco.
Na verdade, eu estava morrendo de fome, mas não queria tirar sua
atenção da conversa.
— Dimitri, eu preciso ir. Arrume tudo. — Desligou, jogando o celular
no sofá. — Vamos para a cozinha.
Rocco me sentou no banco alto da ilha, eu fiquei atenta a ele. Desde
que chegamos aqui, ele estava se aventurando pela cozinha.
— Suas vitaminas. — Ele colocou dois comprimidos e um copo de
leite na minha frente. — Amore mio, você ouviu a conversa?
— Uma parte — falei, espiando-o pela borda do copo. — Você
pareceu bravo.
— Sinto muito por isso. — Ele veio até mim e abraçou-me por trás.
— Sinto que nossa paz seja interrompida desta forma, eu quero ficar o meu
aniversário com você. Mas, infelizmente…
— Você precisa voltar — completei.
— Preciso. — Rocco beijou meu ombro e suspirou. Eu sabia que ele
não queria ir. — Kostas trouxe os nossos celulares, eu disse que apenas se
fosse uma emergência, bem, esta é uma emergência. Você quer ligar para
casa?
— Eu quero.
— Tudo bem, só um instante.
Ele voltou para a sala, e eu fiquei ali pensando que meu ato de
egoísmo estava prestes a acabar. Sabia que, apesar de saberem que eu estava
com Rocco, deviam estar preocupados, entretanto, mesmo sabendo disso, foi
bom pensar somente em mim e nos meus desejos, sem me importar se ia
magoar outras pessoas.
Quando Rocco voltou, ele me entregou o meu aparelho.
— Jason me deu antes de partir, e, antes de desembarcamos aqui, eu
falei com seu pai, dizendo que estava tudo bem e o atualizando sobre sua
evolução na fisioterapia.
E eu pensando que estava sendo rebelde.
— Obrigada por isso. — Desbloqueei o celular, procurei o número do
meu pai e fiquei em dúvida, porque eu estava em outro país, com um telefone
do Brasil.
Rocco deve ter percebido minha confusão, pois disse:
— O roaming[7] internacional está ativado e eu editei o número do seu
pai, pode ligar normal.
Acho que não pude esconder a vergonha, era uma coisa normal para
ele, mas que para mim parecia complicada.
— Amore mio, ligue. — Rocco me abraçou outra vez, e eu fiz a
chamada.
No terceiro toque, uma voz feminina atendeu.
— Regina? — perguntei, a voz dela parecia um pouco diferente.
— Oi, querida, sou eu. — Ela tossiu um pouco. — Estou passando
por uma gripe, minha voz está horrível.
— Você está bem?
— Sim, apenas com a garganta dolorida, mas já já eu fico boa. E
você, como está?
— Muito bem. — Ri baixinho, porque Rocco podia ouvir tudo. —
Rocco e eu nos acertamos, estamos felizes e vamos nos casar.
— Isso é maravilhoso! — Dava para notar a felicidade em sua voz. —
Victor, corre aqui.
Enquanto meu pai não vinha atender, fiquei sabendo que eles dois
estavam morando juntos e planejavam um futuro. Parecia que tinha muita
novidade que eu não sabia, mas, se tinha algo a declarar, eu estava adorando
saber daquilo.
— Victoria, eu amei saber que está tão feliz. Agora eu vou passar para
o seu pai, ele tem algumas coisas para te dizer.
Olhei para Rocco, porque algo no tom de Regina me deixou um tanto
desconfortável.
— Filha?
— Oi, pai, como estão as coisas por aí?
Eu esperava que ele respondesse logo que estava tudo bem, mas a
demora acendeu um alerta em mim. Alguma coisa havia acontecido, eu
sentia.
— As coisas estão se ajeitando. — Notei cansaço e resignação sem
seu tom, isso só me deixou mais preocupada.
— Pai, não me esconda nada, aconteceu alguma com a tia Laura? Ou
com o bebê?
Minhas mãos começaram a tremer, na verdade meu corpo todo,
porque eu tinha certeza de que o fato de ele titubear significava que não eram
boas notícias.
— O que aconteceu? — Fechei os olhos, Rocco me apertou um pouco
mais, eu precisava de sua força para o que estava prestes a ouvir.
— Sua avó sofreu um enfarto e precisou ser hospitalizada.
— Não! — Ofeguei.
Nosso último encontro veio como uma enxurrada de lembranças, as
coisas que eu disse a ela…
Deus!
— Filha, sua avó é forte, ela se recuperou bem, perdoe-me por não ter
dito nada a Rocco quando ele ligou, mas eu não queria preocupar você. Na
verdade, estar aqui nem te faria bem, todo estresse foi bastante ruim para
todos nós.
— Pai, eu disse para ela…
— Pelo amor de Deus, não se culpe. — Ele me interrompeu. — Já
basta o Carlos, você também não.
— Então, ela está bem? — Apertei o telefone, o coração doendo de
arrependimento por ter sido tão dura com ela.
Na hora da raiva, eu fiz o que sempre pedia para Rocco não fazer.
Não pensei, agi movida pela decepção e rancor. Eu a feri com as minhas
palavras porque queria que se sentisse como eu me sentia.
E eu não era assim.
— Pai, se ela está bem por que você parece tão triste?
— Sua avó está reclusa, não quer receber visitas, tampouco sai do
quarto quando algum de nós tenta ir vê-la. Eu e Carlos estamos aqui, na casa
dela, mas tem dois dias que ela parou de responder. Apenas fica sentada,
olhando o jardim. Sinto muito, filha, a mulher que conheceu parece não
existir mais.
Perdi o agarre no celular. Em minha cabeça, apenas uma palavra
reverberava em meio ao caótico tormento que desatou dentro de mim.
Culpada! Eu era culpada por ter sido cruel, quando não deveria.
Bastava apenas dizer que eu iria ficar com Rocco e ir ao encontro dele, não
fazer tudo aquilo na frente das pessoas. Eu queria dar-lhe uma lição, porque
ela me deixou ter poder para isso, e minhas palavras poderiam atingi-la.
Ao invés de usar a influência que tinha para o bem, eu simplesmente
fiz o contrário e exagerei.
Devo ter feito algum som preocupante porque Rocco me encarou,
pálido e preocupado.
— Está sentindo algo? Diga-me, por favor, amore mio, você está
sentindo algo?
— Me abraça — pedi, a voz embargada.
Ele fez o que pedi, e eu chorei em seu peito. Só agora eu percebia que
Antonietta não era tão forte quanto aparentava ser. Ela usava uma armadura
para se proteger, talvez, se eu tivesse mais paciência, as coisas não teriam
chegado a esse ponto.
Mas eu agi em desacordo com meus princípios. A gente não machuca
quem ama.
— Pequena, tudo vai ficar bem. — Rocco segurou meu rosto, secando
as minhas lágrimas. — A gente vai para o Brasil, eu vou organizar tudo.
— Mas e o seu problema?
— Você em primeiro, o resto depois, se lembra?
Ele ia mesmo fazer isso, enquanto eu estava naquele limbo pavoroso
da culpa, morrendo de medo do que encontraria. Observei Rocco correndo de
um lado para outro, enquanto fazia ligações e tentava atrasar sua volta.
As coisas na Inglaterra pareciam ruins, mas ele nem cogitava a
hipótese de não ir comigo. O jatinho dele estava a postos no aeroporto de
Atenas, uma das medidas que ele havia tomado para o caso de eu precisar de
algo com urgência.
— Dimitri, preciso de quatro dias, não importa… — Rocco parou de
andar e fechou os olhos. — Amigo, quatro dias, consiga para mim, preciso
levar Victoria ao Brasil, temos problemas lá, não posso deixá-la sozinha. Não
a deixaria, na verdade. — Ele acenou para o que Dimitri havia lhe dito, então
esfregou o cabelo. — Não importa se ficará mais complicado, eu resolvo, só
me consiga quatro dias de adiamento para essa palhaçada que querem fazer
comigo. Tudo bem, eu espero.
Ele jogou o celular no sofá e veio para mim.
— Tudo vai se resolver, faremos o que for preciso para que sua avó se
recupere.
Eu não sabia se o fato de estar com o emocional abalado teve
influência, mas suas palavras me fizeram chorar de novo. O dia inteiro eu não
consegui me controlar.
— Amore mio, confie que tudo vai se resolver. — Ele me deu um
beijo rápido. — Nós precisamos ir, vamos aproveitar que a chuva passou e
vamos pegar o helicóptero do outro lado da ilha. Kostas nos aguarda, com a
lancha de transporte.
Quando ele tentou levantar, eu o segurei. Rocco me olhou em
expectativa, estava agindo assim desde que eu soube o que tinha acontecido.
Ele não saía de perto, mantendo-se atento a cada gesto meu. Todas as vezes
que percebeu que eu ia chorar, ele parou o que estava fazendo e veio me
abraçar, ficamos assim por um longo tempo.
— Eu sei que você largaria tudo para ficar ao meu lado. — Ele
acenou, mas franziu o cenho. — Rocco, eu amo saber que sou uma prioridade
na sua vida…
— Você é a prioridade — corrigiu.
— Eu sei, e, por isso, me deixe te dizer que você precisa ir para a
Inglaterra. — Ele balançou a cabeça, negando. — Amor, eu vou ver a minha
avó e depois vou te encontrar. Então, vamos procurar nossa casa, organizar o
casamento…
— A ideia de te deixar sozinha, sabendo que precisa de mim, não é
agradável — confessou, encarando-me.
Rocco era capaz de largar todas as responsabilidades, mesmo que isso
dificultasse sua vida, para não ter que me deixar. Ele fez isso quando foi para
o Brasil e estava disposto a fazer isso agora. Eu não podia pensar somente em
mim, e sim em nós.
— Eu sei, amor, mas olha, eu vou ver a minha avó, e você vai
resolver os problemas na empresa. Então, quando eu vir minha avó, prometo
que vou encontrar você.
Ficamos em silêncio, porque ambos sabíamos que seus problemas
eram enormes. Na verdade, sempre eram. Qualquer coisa envolvendo as
empresas era, se não fosse resolvida logo, apenas virava uma bola de neve.
— Você vai para a Inglaterra? — ele perguntou, me encarando sério.
— Amore mio, você vai mesmo ao meu encontro?
Sua expressão era dolorosa, como se temesse algo.
— Pequena, você não vai mudar de ideia?
— Não vou, fique tranquilo, eu vou para você assim que resolver as
coisas.
— Não quero passar meu aniversário sem você e nosso filho. — Ele
me abraçou, apertado demais. — Preciso tanto de vocês, não quero ficar
sozinho, per favore, me deixa ir para o Brasil, eu só quero ficar com você.
Diga sim, e eu vou, mando tudo pro inferno e vou com você para onde quiser
ir.
— Eu sei, grandalhão. — Obriguei-me a não titubear, Rocco ainda
tinha uma parte frágil, que, com a iminente despedida, estava se mostrando.
— E você não vai passar seu aniversário sem nós, eu vou estar lá, antes que
perceba, eu vou estar ao seu lado.
— Victoria…
— Só confie. — Segurei seu rosto amado e o puxei para um beijo
lento e carinhoso. — Eu vou estar lá, e então, nada de despedidas.
Fomos até o heliporto e, poucos minutos depois, estávamos no
aeroporto de Atenas. Rocco havia feito algumas ligações e organizado a
mudança na viagem. Primeiro, iríamos para Londres, e então eu seguiria para
o Brasil.
Durante a primeira parte da viagem, não conversamos muito, mas eu
fiquei nos braços dele, aconchegada, sentindo o seu calor gostoso e a
felicidade de saber que nosso amor estava mais forte.
Rocco já havia me dado todas as provas de amor. Eu queria que ele
pudesse sentir a mesma segurança. Eu não o abandonaria, nunca, jamais.
O alerta de que pousaríamos em breve o fez me apertar. Ele estava
balançando a cabeça, como se estivesse em desacordo com a ideia de ficar e
eu ir.
— Amore mio, não me deixe esperando muito tempo.
— Não irei, a gente vai comemorar o seu aniversário juntos. — Dei-
lhe um beijo rápido. — Vou conversar com minha avó, então correrei para
você.
— Venha para mim, ou eu irei até você.
— Isso deveria ser uma ameaça? — Tentei brincar, para que ele não
ficasse tão sério e melancólico. Não teve o efeito desejado.
— Eu correria atrás de você quantas vezes fossem necessárias, não
tem orgulho aqui, não, senhora Masari.
— Isso soa tão chique. — Bati os cílios e ele riu, sem vontade. —
Vamos lá, se anime, quando menos esperar, eu e minha barriga enorme
estaremos batendo na sua porta.
— Preparar para o pouso.
Ajeitamo-nos na poltrona, e Rocco pegou minha mão, entrelaçando
nossos dedos. Pouco tempo depois, o jatinho estava pronto para o
desembarque dele.
— Sem despedidas. — Ele tocou meus lábios. — Vamos nos ver em
breve, amore mio.
Eu o puxei para um beijo e, no pequeno interlúdio, uma parte de mim
ficou com ele, e uma dele comigo.
— Caralho, eu já sinto saudade — disse baixinho, esfregando o nariz
em meu pescoço. — O jatinho vai ficar a seu dispor no Brasil, deixei tudo
acertado. — Ele me encarou sério. — Venha para mim, Victoria, eu estarei te
esperando.
Ele não me deixou dizer mais nada, apenas levantou e foi embora,
sem olhar para trás. Quando o jatinho decolou de novo, eu sentia no peito o
aperto da saudade.
A sensação era horrível.
Eu não soube quantas horas durou o voo, mas, quando cheguei ao
Brasil, estava exausta, terrivelmente cansada e dolorida. Apesar de todo
conforto que eu tive, a tensão do que eu encontraria não me deixou sossegada
nenhum minuto.
O médico estava comigo e ele disse que eu não deveria ficar tão
estressada, isso não faria nenhum bem a mim ou ao bebê, o problema era que
não dava para ligar e desligar uma coisa dessas, enquanto eu não visse com
meus próprios olhos que estava tudo bem, eu não ficaria tranquila.
— Filha! — Fui recebida por meu pai, senti-me um tanto confusa por
causa da bagunça no horário. — Deus, como sua barriga cresceu. — Ele fez
um carinho e o bebê mexeu um pouco. — Eu fiquei tão preocupado quando a
chamada caiu, agradeça a Rocco por avisar que você estava bem. — Meu pai
olhou ao redor. — Onde ele está?
Contei mais ou menos o que eu compreendi do problema de Rocco, e
meu pai concordou comigo, que ele ir resolver foi a coisa mais inteligente a
ser feita. Porque quando o assunto envolvia muito dinheiro, sempre ficava
mais complicado.
— O aniversário de Rocco é no final de semana, eu tenho que estar lá
em quatro dias.
— Então, vamos logo. Eu tenho esperança de que você vai conseguir
fazer sua avó reagir.
Eu queria muito que desse certo, ou jamais me perdoaria.
— Onde está Jason? — Olhei ao redor, procurando-o.
— Ele está com a sua avó. Pode parecer loucura, mas ele é o único
que não se intimida com a apatia dela. Ele a faz comer e reagir às vezes,
quando brigam.
A informação de algum modo aqueceu meu coração. Eu sabia que
meu irmão era a melhor pessoa, e ele a cada dia só comprovava isso.
— Meu irmão é demais.
— Sim, ele é, agora vamos. Sua avó está em Petrópolis, e é um longo
caminho daqui até lá.

***

Eu achei que estivesse preparada, mas, quando chegamos à casa da


minha avó, uma mansão branca, belíssima, eu me deparei com um Jason
sentado nos degraus da entrada. Ele parecia cansado, e isso de algum modo
me deixou ainda mais assustada.
— Bonequinha.
Ele me apertou em um abraço de urso, era como se dissesse que tudo
ficaria bem, e eu queria acreditar, mas as coisas eram mais delicadas do que
eu esperava.
— Senhor Andrade, sua mãe não quis comer. — Uma mulher de
aparência amável e entristecida veio em nossa direção, com uma bandeja.
— Ela ganhou esse round — Jason disse baixinho.
— Então, eu acho que é a minha vez.
Respirei fundo, pedindo que levassem a bandeja e me mostrassem
onde ela estava.
Victoria

Quando chegamos à porta do quarto da minha avó, parei um


momento, respirando fundo. Minha pretensão era não aparentar medo, e sim,
confiança, pois acreditava que conseguiria alcançá-la onde quer que
estivesse.
— Filha, se ela não responder, tente não chorar na frente dela certo?
Engoli o bolo na garganta, lutando contra a vontade de chorar, mesmo
antes de vê-la. Fiz uso de todos os anos em que trabalhei com Blanchet para
me manter firme e segurar o choro.
Sentindo-me pronta, segurei a bandeja e abri a porta.
— Vou sozinha — proferi baixinho, e meu pai concordou.
Meu brother permaneceu atento, recostando-se na parede para
esperar.
Entrei no quarto passeando os olhos até encontrar minha avó sentada
de frente para uma grande janela. Ela estava numa cadeira de rodas,
parecendo não notar que havia alguém ali com ela. Vê-la naquela situação foi
muito ruim, porque ela não parecia em nada com a mulher forte que conheci.
Sem que eu quisesse, aquela visão da minha avó me fez voltar para a
época em que o brilho da minha mãe foi apagando, ela foi de uma pessoa que
vivia alegre, para alguém triste, e à margem de tudo. Era insuportável ver
alguém que eu amava assim.
Cuidadosa, fui em sua direção. Ela não se mexeu, ou se importou com
a presença de alguém, decerto, devia estar costumada às pessoas entrando e
saindo. Antes de tocá-la, deixei a bandeja em sua cama.
Então, eu a abracei por trás.
— Eu sinto muito por tê-la magoado, eu não deveria ter dito aquelas
palavras tão feias. — Minha voz embargou. — Eu te amo, vovó, apenas me
perdoe por ter sido tão cruel.
Eu pensei que ela não fosse reagir, mas suas mãos subiram, ela me
agarrou como podia e chorou. Seus soluços a sacudiam, num pranto de dor
tão profundo que eu sentia em mim.
Era tão dolorido.
— Vovó, a senhora é tão preciosa para mim, por favor, me perdoe
pelo que fiz.
Apenas o som do choro era ouvido no quarto. Continuei abraçando-a,
tentando de algum modo passar meu calor, amor e proteção, e a certeza de
que sempre estaria ali, para ela.
— Eu perdi minha filha e seu avô no mesmo dia. — Sua voz soou
arranhada, como se não a usasse por um longo tempo. — Um homem
encantou sua tia, ele a fez acreditar que a amava, mas apenas tirava seu
dinheiro. Eu vi a minha adorada menina definhar, sofrendo dia e noite por um
amor que só a fez mal. Ela chorava até ficar cansada demais e dormir, nem
Carlos a fez entender que havia mais coisas para ela que o maldito amor de
sua vida. Ela sofreu tanto. — Minha avó soluçou, a dor de perder sua filha
ainda parecia crua demais.
Era como se, mesmo após tantos anos, ela não tivesse superado. Mas
então, quem era capaz de superar a perda de um filho?
— Ela se matou quando não suportou ouvir tudo o que o maldito
golpista tinha para lhe dizer. — Mordi o lábio, eu não imaginava que as
mortes da minha tia e avô houvessem sido tão trágicas. — Deus, ela se
matou, e levou o pai consigo.
Meu coração estava apertado, dolorido por perceber que minha avó
sofria sozinha. Eu não acreditava que ela tivesse desabafado com alguém, era
forte demais para isso. O fato de confiar em mim para tal só deixava claro
que confiava a mim suas mágoas e tristezas.
— Eu não pude sofrer a perda dos amores da minha vida, porque eu
tinha um bebê para cuidar. Carlos era tão novinho, ele sentia tanta falta da
mãe. Eu fiz tudo que pude e prometi que jamais permitiria que algo parecido
acontecesse. E… errei.
— Vovó, eu sinto muito.
— Você sabia que Carlos vai ser pai? — Ela soluçou. — Eu não
sabia, porque Gaby tinha medo de mim. Eu fui uma pessoa tão horrível, mas
esse foi o jeito que encontrei de seguir em frente, agora, eu me arrependo,
mas, a vergonha… Eu só queria sumir daqui.
— Não diga isso, tenho certeza de que Carlos está ansioso para ter a
senhora de volta, todos nós estamos.
Ela ficou em silêncio, e então, suspirou.
— Me deixe aqui, vá embora. Eu estou cansada, só quero ficar
sozinha e em paz.
— A senhora tem dois bisnetos chegando, acha mesmo que terá um
minuto de paz? Se o Gianne puxar ao pai, então, vovó, nós teremos que
colocar uma armadura para lidar com o pequeno monstrinho.
Achei ter visto o canto de sua boca arqueando, e isso me animou.
— A sorte é que Gaby é tranquila, se o filho de Carlos puxar a ela,
então, acho que as coisas ficarão equilibradas — eu disse, esperando animá-
la.
— Carlos colou o meu cabelo quando tinha quatro anos, ele usou
supercola, e eu precisei cortar. Bom, as pessoas acreditaram que eu lancei
moda, e eu nunca mais deixei crescer.
— Meu Deus, então essas crianças podem incendiar a sua casa.
Ri baixinho, e para minha total felicidade, ela acompanhou. Por um
instante, pensei que tudo ficaria bem, mas ela recomeçou a chorar, uma prova
flagrante de seu emocional fragilizado.
— Eu persegui sua mãe, ameacei qualquer garota do atelier que
ousasse olhar para Carlos. — Soluçou. — E quando eu vi Rocco, soube que
ele tinha o poder de machucar você, eu o odiei. Por um longo tempo, eu perdi
meu filho, e mesmo assim não aprendi. O que há de errado comigo? Eu não
mereço a família que tenho.
— Vovó, pare! — Eu a soltei, ficando na sua frente. — A senhora
tinha um trauma, lidou com ele da forma que podia. Cometeu erros, mas
podemos consertar tudo, porque somos uma família. Tem muito amor aí
dentro do seu coração, não tente escondê-lo, acredite, arriscar é melhor do
que ter medo. A senhora vai se sentir tão bem quando passar a abrir o
coração. — Ela me olhou, com aqueles olhos lindos cheios de lágrimas de
tristeza. — Rocco está tão diferente, ele aprendeu da pior forma que o amor é
a melhor coisa, agora, ele não esconde como se sente, e a gente está tão feliz.
— Será que ainda há tempo para mim? — Apesar do receio, notei que
havia esperança em sua voz.
Isso me deixou feliz.
— Claro, Rocco gostaria de estar aqui, dando apoio, mas ele está com
um problema enorme na empresa, e eu não deixei que ele viesse.
— Esse homem te ama, filha — ela disse baixinho. — Eu fui cruel
com ele.
— Rocco é forte e ele adora oponentes à altura. — Pisquei um olho,
não precisava dizer a ela que meu grandalhão tinha sofrido de estresse pós-
traumático, e que talvez ainda possuísse certos gatilhos.
— Será que Carlos vai me perdoar? — Pela primeira vez, minha avó
aparentava a idade que tinha. Ela estava frágil, encolhida naquela camisola
preta. — Só agora eu vi tudo o que perdi, talvez, não haja tempo para que eu
recupere tudo o que…
— Vovó, Carlos e Gabrielly estão morando aqui. — Ela me olhou
como se eu estivesse enganada. — Jason, Regina e meu pai. Todos estão
aqui.
— O seu irmão é um insolente. — Ela sorriu.
— Eu ouvi isso, vovó — meu brother gritou da porta.
— Viu? Insolente. — Ela olhou para as mãos. — Ganhei um neto
forte e insuportável, eu descobri que o amo.
— Eu também ouvi isso e admito que te amo — Jason gritou outra
vez.
Quando ela me encarou, havia lágrimas frescas em seus olhos. Eu a
abracei, emocionada também.
— Todo mundo te ama, deixa o passado e vem viver com a gente
aqui, no presente. Estamos ansiosos para te ter conosco.
— Você jura?
— Por que não olha por si mesma? — Girei sua cadeira, e nossa
família estava aglomerada na porta. Todo mundo olhando para ela com
expectativa. — Família grande, barulhenta e unida. E Rocco disse que quer
filhos da mesma idade que não sejam gêmeos.
— Outro insolente. — Ela riu, olhando para mim. — Amo você.
— Eu também te amo.
— Nós te amamos, vovó. — Carlos se aproximou e a abraçou. —
Estou feliz de ouvir sua voz outra vez, estava com saudade.
— Meu neto, eu amo você demais.
Eu e Carlos fomos abraçados, depois, a família foi chamada para se
aproximar. O quarto da minha avó encheu, e eu pude sentir um pouco de
alívio.
— Perdão, a todos, por tudo o que eu fiz. Eu…
— Está tudo bem, já passou — meu brother disse. — Se alguém
discordar, resolve comigo.
— Eu estou feliz em não discordar. — Meu pai ergueu as mãos.
— Obrigada por essa família. — Minha avó soluçou baixinho. —
Obrigada por não desistirem de mim.
— Não mesmo, agora, que tal comer como uma linda senhorinha da
terceira idade? — Fiquei chocada com Jason, ele estava sendo tão incrível,
que a vontade que eu tinha era de apertá-lo.
— Você é…
— Insolente. — Meu brother piscou um olho. — Inclusive tatuei, no
seu idioma, vovó.
Ele mostrou o pulso, e lá estava a palavra insolente, tatuada em sua
pele com uma letra cursiva bem bonita.
— Você está brincando! — Carlos deu uma risada. — O neto rebelde,
parabéns, Antonietta Andrade, você arrumou.
O clima no quarto aos poucos foi mudando, a gente se espalhou por
ali, e no meio da brincadeira, conseguimos fazê-la comer. Na primeira
oportunidade, liguei para Rocco e lhe contei tudo, ele ficou muito feliz pelas
novidades, mas disse que para ele as coisas não estavam nada boas.
De fato, havia um plano em curso, para tirá-lo da presidência e
contratar um CEO. Ele estava resolvendo com Dimitri e já estava fazendo um
monte de demissões.
— Sinto sua falta, logo estaremos juntos — falei baixinho, ele
suspirou do outro lado. — Eu te amo, e não se preocupe, estarei aí para seu
aniversário.
Quando desligamos, notei que minha avó estava me encarando. Ela
tinha uma expressão triste e preocupada.
— Está tudo bem, vovó. — Dei-lhe um sorriso.
— Você disse algo sobre o aniversário de Rocco?
— Sim, é em quatro dias.
Ela ficou calada, mas parecia pensativa. Eu a deixei quieta, porque
minha tia havia acabado de chegar. Contei a eles as surpresas que Rocco fez.
Desde a equipe de médicos, até a casa incrível que preparou.
— Ele faz as surpresas mais chocantes. — Ricardo deu uma risada. —
Não dá para competir com isso.
— Eu acho que dá — minha avó chamou a atenção de todo mundo.
— Victoria, e se você e Rocco se casassem no dia do aniversário dele?
— O quê? — Sua ideia me chocou, ao mesmo tempo em que fez
borboletas dançarem na minha barriga.
— Vocês estão às voltas com esse casamento — ela disse, abanando
uma mão. — E se organizarmos um casamento surpresa para ele?
— Será? Eu nem tenho vestido. — Mas a ideia me pareceu incrível.
Rocco nem ia acreditar.
— Tem, eu desenhei um vestido para você, quando pensei em noivas
grávidas — minha avó disse, ela, por um momento, pareceu-me insegura.
— Vovó, a minha barriga está enorme, será que ele vai caber?
— Eu fiz pensando nisso, o busto é reajustável, de resto ele cai em
uma cascata de branco puríssimo. O fiz no modelo vestido capa, terá uma
cauda a partir dos ombros, que acompanhará o comprimento dele. Nada de
véu, apenas o seu cabelo.
— Eu até posso imaginar — tia Laura disse. — Com certeza deve ser
uma obra prima.
— Então, minha neta, o que acha?
— Acho incrível, mas irei precisar de cúmplices. — A empolgação
tomou conta. — Minha tropa será a senhora, minha tia, Regina e Gaby. Na
Inglaterra, preciso de uma equipe de peso. Temos somente quatro dias, mas
eu acho que sei quem pode fazer acontecer. — Olhei para Jason. — Você tem
o número de Antonella?
— Sim — ele disse sorrindo. — Encontrei meu chip da Inglaterra.
Trêmula de nervoso, fiz a ligação para a minha cunhada. Ela atendeu
no quinto toque.
— Jason?
— Sou eu, Victoria.
— Vick, que saudade, você se esqueceu de mim. — Fiz careta. —
Meu irmão chegou em casa hoje, parecia com ódio do mundo, foi para a
empresa espumando. Está tudo bem?
— Conosco, sim. — Tratei logo de tranquilizá-la.
— Então deve ser problema na empresa. Diga-me, como você está? E
meu sobrinho?
— Estamos bem, graças a Deus. Não vejo a hora de te encontrar,
quero conhecer os bebês. — Senti-me um pouco envergonhada, eu fui uma
péssima amiga para Antonella. — Você está com sua mãe? Preciso das duas
ouvindo o que tenho a dizer — perguntei, desviando o assunto.
— Sim, espere, vou colocar no viva-voz. Pode falar, estamos ouvindo.
Respirando fundo, disse:
— Vocês conseguiriam organizar meu casamento e do Rocco em
quatro dias? Mas, ele não pode saber.
Primeiro, um curto silêncio se fez presente, depois elas começaram a
gritar e, ao fundo, o choro de bebê foi ouvido.
— Meu Deus, no dia do aniversário dele, Rocco vai morrer —
Antonella gritou. — Eu consigo.
— Faremos surpresa, e você, finja que não vai conseguir chegar, ele
vai ficar desolado. — Minha sogra foi quem deu a ideia. — Estamos sendo
um pouco cruéis, mas vai tornar tudo mais incrível.
Combinamos algumas coisas, e eu passei meu número, para que
pudéssemos nos comunicar. Quando encerrei a chamada, eu estava sem
acreditar que finalmente ia acontecer.
— Deus, eu vou me casar!
É, Rocco, eu também sei fazer surpresas chocantes… O mero
pensamento me deixava ansiosa, porque, quando nos encontrássemos, desta
vez, não nos separaríamos mais.
Rocco
Treze de julho – Aniversário de Rocco.

Olhei-me no espelho e um profundo suspiro me deixou. Eram quase


sete da noite e Victoria ainda não havia chegado. Ela não atendia ao telefone
e isso só me fazia enlouquecer.
Ela deveria estar aqui, mas não estava. Admito que esperei uma
mensagem ou ligação, qualquer coisa, mas ela não fez nem uma coisa nem
outra.
— Amore mio, você prometeu. — Suspirei profundamente, eu estava
cansado e morrendo de saudade, não queria ter que fingir cordialidade
quando só queria pegar o primeiro voo para o Brasil e buscar a minha mulher
e filho. — Dio santo!
Os primeiros dias aqui foram uma merda, eu ainda não entendia por
que as pessoas se surpreenderam com o que eu havia feito. Eu nunca tinha
afrouxado o aperto nas minhas empresas, então, quando me ausentei e o fiz
pela primeira vez, tentaram me apunhalar.
Tolos.
Tentaram agir pelas minhas costas, só não esperavam que eu estaria
presente para receber o CEO contratado pelo maldito conselho que a minha
diretoria inútil havia criado. Foi interessante ver várias faces perdendo a cor,
e outras flutuando do vermelho para o roxo. Todos os presentes naquele
momento trabalharam contra mim, agindo por debaixo dos panos e dizendo
coisas que jamais teriam coragem de dizer na minha frente.
Não foi preciso dizer uma palavra, apenas a minha presença
respondeu pelo medo generalizado que se infiltrou assim que pisei os pés no
ambiente. Como planejado, fiz uma grande demissão, desde pequenos cargos
a diretores, o que resultou num total de cinquenta e duas pessoas postas na
rua, apenas na matriz.
Agora que o mal tinha sido feito e a dúvida, implantada em mim,
providenciei uma remissiva de inquérito. Mais demissões iriam acontecer,
porque eu não ia tolerar motins, tampouco cobras capazes de me morder.
— Meu filho, se vista, você é o aniversariante e vai chegar atrasado à
sua própria festa?
A camisa branca estava aberta, e a gravata, desfeita. Eu estava há
meia hora lutando para me vestir, porque a vontade que eu tinha era de deitar
e dormir. Eu não sabia por que havia concordado com essa festa, eu nem a
queria, para começo de história.
O engraçado era que, se fosse antigamente, eu apenas não iria, mas,
agora, receava magoar minha mamma, pois sabia que ela estava mais
empenhada que o normal nessa porcaria.
— Você está linda, nem parece mãe de um homem da minha idade.
— Seu bobo. — Ela se aproximou e começou a abotoar a minha
camisa.
— Mamma, eu não sei para quê a senhora inventou isso. — Afastei-
me. — Não podemos desistir? Estou tão cansado — resmunguei, sentando
em minha cama.
Não consegui olhar para ela, sabia que a decepção estaria estampada
em seu rosto. A culpa era minha por tê-la deixado ir longe demais. Era só que
eu não tinha vontade de comemorar porra nenhuma, não sem Victoria.
— Filho, se arrume, eu estarei esperando, você tem meia hora. —
Ouvi a porta fechar.
Olhei para as minhas mãos, sem entender por que eu tinha esperado
tanto. Deveria ter pegado o primeiro voo, e a essa hora eu estaria chegando
ao Brasil, certamente passaria as últimas horas do meu aniversário com
minha mulher nos braços, e isso, com toda certeza do mundo, estaria ótimo.
O problema era que eu havia esperado demais, ou talvez, lá no fundo,
esperasse que Victoria viesse. Meu desejo agora era que ela precisasse de
mim com a mesma paixão que eu precisava e buscava por ela.
— Amore mio, você prometeu que viria por mim! — murmurei,
pegando o celular e ligando para ela.
Tentei quatro vezes, e não obtive respostas. Depois, tentei ligar para o
piloto, mas o bastardo também estava incomunicável.
— Merda! — Deitei na cama, decidindo que não ia descer para a
festa.
Não estava no clima, sentia-me zangado, para não dizer magoado.
Assim, era bem melhor ficar sozinho, porque eu sabia que, com esse humor,
não trataria as pessoas direito.
— Rocco Masari, vista-se agora! Te espero lá embaixo em dez
minutos!
Nem olhei para saber que minha mãe estava com raiva. Apenas
concordei com um desdenhoso aceno de mão. Ela sabia que eu não ia descer,
e sua vontade não faria muita diferença.
Como é que eu iria aturar um bando de idiotas se só queria ficar
quieto, sozinho? Em momentos como este, eu sentia falta do antigo Rocco,
aquele bastardo simplesmente mandaria tudo para a puta que pariu e foda-se a
opinião alheia.
O problema era que Victoria tinha me mudado, e enquanto eu dizia a
mim mesmo que não desceria, eu temia magoar os sentimentos da minha
mãe.
Ela parecia tão animada para hoje.
— Você se esqueceu do nosso acordo, Pequena. — Cobri o rosto
com o braço. — Esqueceu o meu aniversário, esqueceu como eu ficaria
péssimo sem você comigo.
Eu não era do tipo de homem que ficava remoendo, mas eu estava
cansado. Não de lutar por Victoria, mas de toda confusão em que minhas
emoções se encontravam. Desde que cometi o maior erro da minha vida, uma
insegurança horrível cravou as garras em mim, e eu não consegui combatê-la.
A sensação às vezes era incapacitante, no âmbito do meu
relacionamento com Victoria, eu tinha medo de tudo, porque não sabia o que
faria se a magoasse de novo.
— Maledizione… — Aquele frio na barriga de expectativa me
deixava doente, só me fazia parecer um idiota tolo, e não um homem temido
por muitos.
Victoria não sabia, mas ela me tinha na palma da mão, ao seu lado,
apenas o que havia de melhor vinha à tona. Todavia, bastava sua ausência,
para que toda doçura e amor fossem embora, como se nunca houvessem
existido.
— Porra — reclamei, levantando-me. — Eu te quero ao meu lado,
amore mio — falei baixinho, enquanto acariciava seu rosto na tela do celular,
— Rocco, pelo amor de Deus, vista-se!
— Mamma, eu opto por ficar sozinho, diga que estou indisposto —
disse para que entendesse que hoje eu só queria ficar quieto.
— Você não vai fazer uma idiotice dessas. — Nem precisei olhar para
saber que ela estava chateada. — Não me obrigue a chamar sua nonna.
— Essa festa é totalmente desnecessária, e feita em um dia ruim.
— É seu aniversário, não é um dia ruim! — Ela arrancou o celular da
minha mão. — Eu organizei tudo nos mínimos detalhes. Eu trabalhei
incansavelmente para que hoje fosse perfeito, você vai se arrumar e vai
descer, ou eu vou fazer um escândalo digno de capa de revista.
— O que deu em você? — Franzi a testa, olhando-a. — Não é para
tanto, ano que vem tem de novo.
— Não será como hoje, agora se vista! Os convidados estão
esperando.
— Victoria…
— Ela ainda não chegou, mas você deveria confiar, se ela falou que
vinha, então ela vem. — Minha mãe sorriu. — Não me decepcione, por
favor, se arrume, eu e todo mundo estamos te esperando.
Ela me deixou sozinho, sabendo que havia vencido. Recomeçando o
processo de me vestir, pensei que poderia ao menos ficar confortável, mas
nem isso. A festa era elegante, pelo que eu soube, os trajes deveriam ser
sofisticados.
Olhando-me no espelho de corpo inteiro, ajustei as lapelas do
smoking[8] preto. Pelo menos a cor da roupa combinava perfeitamente com o
meu humor.
— Filho, você está pronto? — Não precisei responder, ela viu que
faltava alguns detalhes. — Capricha, hoje é especial.
— Dê-me dez minutos e estarei pronto — pedi, enquanto procurava
as abotoaduras de diamante.
Eu planejei ficar apenas meia hora, depois eu pegaria meu carro e
sumiria, digo, ia para o hotel dormir, porque pretendia voar o mais rápido
possível para o Brasil. A meu ver, eu tinha um excelente plano com alto
índice de sucesso, o problema foi quando desci e a minha mãe encarou-me
com os olhos marejados. Por causa disso, eu não poderia magoá-la, fugindo
tão rápido da minha própria festa.
— Você está lindo. — Ela alisou as lapelas de seda do meu paletó. —
Venha cumprimentar seus convidados.
Não me obriguei a sorrir, mas fui cordial, era o máximo que eu ia
conseguir. Eu estava ali por causa da mamma, tão logo ela se distraísse, eu
sairia.
Os minutos seguintes foram enfadonhos. Quando meus amigos se
juntaram a mim, eu dei graças a Deus, pelo menos eles entenderiam meu
estado nebuloso de espírito e não ficariam conversando besteiras, que só me
deixavam ainda mais irritado.
— Você deveria ao menos sorrir — Dimitri falou baixinho. — Não
seja grosseiro.
— Foda-se.
— Aproveita a sua festa. — William ergueu sua taça de champanhe,
ele estava com os cabelos enormes presos em um rabo de cavalo na nuca. —
Hoje parece um bom dia.
— Só se for para você — resmunguei, olhando o relógio de pulso.
Já havia se passado quarenta minutos, tempo suficiente.
— Eu não tenho a sua sorte, irmão. — Estranhei que William dissesse
isso enquanto sorria.
Ele nunca agia desta forma, era sempre sério, taciturno, um garoto de
sombras e tristeza. Mas ele estava esquisito, Dimitri também, o bastardo
sorria como se soubesse alguma coisa que eu não.
— O que vocês estão me escondendo?
— Eu? Nada! — Dimitri bebeu um gole de sua bebida, mas então
congelou, olhando para a entrada.
Seguindo o seu olhar fixo, encontrei o motivo de sua repentina
seriedade. Sua mãe e irmã haviam chegado, mas, ao lado delas, e trajando um
belíssimo vestido preto, estava Lara.
— Puta que pariu, quem a convidou? — Ele lançou-me um olhar
acusador, enquanto bebia todo o conteúdo de seu copo num só gole.
— Você sabe que eu não participei de nenhum preparativo dessa
festa. — Ergui as mãos. — Eu estive enterrado no trabalho desde que cheguei
aqui, não me culpe.
— Não me culpe? — ele rosnou baixo, para que não fôssemos
ouvidos. — Você deveria saber quem está na sua festa.
— Eu tinha mais o que fazer além de ser fiscal de lista de convidados.
— Cruzei os braços.
— Seja homem! — William bateu na nuca de Dimitri. — Para de
resmungar, elas estão chegando.
As mulheres se aproximaram, estavam sorridentes e animadas. Recebi
cordialmente as felicitações delas, e os abraços. O clima ficou estranho,
Dimitri estava irritado, bebendo rápido, e Lara, ela sorria, encarando-o.
— Olá, tio Dinka. — A ruiva sabia provocar.
Eu vi meu amigo fechar os olhos por um breve instante e estremecer.
Dio mio, ele está perdido.
— Você não ia viajar por um longo tempo? — Sua pergunta foi mais
uma acusação. — O que está fazendo aqui?
— Um dia não planejado. — Ela olhou as unhas. — Mas, não se
preocupe, eu já volto para as Maldivas amanhã cedo, quero pegar a
temporada de turistas, e aqueles deliciosos…
— Com licença, eu preciso falar com alguém.— Dimitri não a deixou
terminar, ele saiu, sem olhar para trás, deixando a sua ruiva com um
sorrisinho vitorioso nos lábios.
Parecia que a tríade estava fadada a sofrer por amor. Claro, eu não
seria jocoso, mas não me importava de parecer sentimental, eu tinha que ser
honesto e admitir que, apesar de ter lutado bravamente durante anos, para ser
indiferente a esse tipo de coisa, eu havia perdido.
Perdi para uma garota de um metro e meio, cabelos longos e olhos
verdes misteriosos.
— Pare de olhar para a entrada, as pessoas querem se aproximar, mas
desistem. — William esbarrou em mim, para chamar atenção. — Rocco,
relaxa a sua expressão, está intimidando as pessoas.
— Você quer que eu sorria como um palhaço? — Estreitei os olhos,
havia passado da hora, eu já deveria ter ido embora. — Eu estou saindo, se
perguntarem por mim, diga que… fui embora.
O tempo que eu havia determinado já tinha acabado.
— Você não vai fazer isso. — William me olhou feio.
— Me observe.
O Conde balançou a cabeça enquanto eu me afastava, já ia bem perto
da entrada quando minha mãe segurou meu braço.
— Espere, não saia ainda, eu preciso que você espere um momento.
— Os convidados estão indo para o jardim, eu só ia segui-los — falei
inocentemente.
— Sim, a festa será lá.
— Então, por que reuniu as pessoas aqui dentro de casa?
— Está em alta propor ambientes diferentes, uma recepção intimista e
o local onde haverá a festa propriamente dita.
— Mãe, está tarde, seus convidados não vão jantar?
— Filho, não se preocupe com isso, tudo está seguindo conforme
planejado, ninguém vai ficar com fome. — Ela sorriu, estávamos apenas nós
dois ali, todos já haviam saído.
Aquela era a chance perfeita.
— Eu acho que esqueci algo no quarto. Eu vou buscar e logo a
encontro no jardim.
— Vamos juntos. — Ela bateu em meu peito, como se compreendesse
o que eu ia fazer. — Está na hora.
Respirando fundo, eu ofereci o braço. Quando chegamos ao jardim,
estranhei o tipo de decoração, de fato, prestando mais atenção, cada detalhe
só foi me deixando mais confuso.
— Mamma… — Olhei para ela, mas só ganhei um sorriso misterioso
como resposta.
Havia um espaço organizado com fileiras de cadeiras separadas por
um tapete branco, rosas estendiam-se em pequenos arranjos, que dividiam o
corredor. Os convidados estavam sentados, como se esperassem por algo.
A iluminação era muito delicada, havia lanternas espalhadas, e a luz
amarela tornava o ambiente íntimo, cálido. Agora, com todos ali reunidos, eu
percebi que se tratavam de pessoas que de algum modo faziam parte da
minha vida.
Como eu não percebi antes?
Olhei para minha mãe outra vez.
— Mamma, o que significa isso?
— Você tem certeza de que não sabe? — ela disse, acariciando meu
rosto. — Olhe, preste atenção no “altar”.
Meus amigos estavam lá e eles sorriam para mim, orgulhosos. Então
avistei Laura, Antonietta, Jason.
Por um instante, não pude acreditar em meus olhos, porque se eles
estavam ali, significava Victoria também estava.
— Mamma — murmurei, tentando segurar a emoção.
— Eu disse que hoje era um dia especial. — Pela primeira vez na
noite, senti meu coração aquecendo. — Venha, não diga nada.
De braços dados com ela, caminhei para o altar, onde um padre
aguardava. Quando chegamos, beijei a testa da minha mãe, e ela acariciou
meu rosto. Lágrimas toldavam seus olhos azuis.
— Eu te desejo toda felicidade do mundo, meu filho amado. — Ela
me abraçou, a emoção nos dominando. — Agora sorria, seu presente chegou.
Na mesma hora, uma música cerimonial começou a tocar, e eu pensei
que meu coração fosse saltar fora do peito, porque quando olhei mais adiante,
lá estava Victoria. Linda, toda de branco, parecendo um sonho, mais
precisamente o meu. Não consegui me mexer, tudo parecia congelado, sua
beleza arrebatou-me, levando embora qualquer pensamento coerente, que não
fosse de adoração.
— Respire amigo. — William bateu suavemente em meu ombro. —
Você não pode desmaiar, deixe isso para o Dinka.
Dimitri fez um pequeno som de protesto, e se eles estavam tentando
me fazer pensar em outra coisa que não fosse o que estava acontecendo,
erraram feio.
Esqueci as pessoas ao redor, eu só conseguia enxergar Victoria e o
quão perfeita ela parecia. De longe, era a criatura mais estonteante e incrível
dali, parecia uma deusa, agraciando meros mortais com sua presença ilustre.
Minhas mãos tremeram, a boca ficou seca, eu queria correr e tomá-la
nos braços, talvez assim eu acreditasse que era tudo real. Que eu estava
prestes a me casar com a mulher da minha vida, no dia do meu aniversário.
Caralho! Engoli o caroço em minha garganta, quando Victoria se
postou no início do caminho que a traria para mim. Ela estava de braços
dados com seu pai, ele sorria orgulhoso e ela, Dio mio, ela me olhava como
se eu fosse a coisa mais importante do seu mundo.
A minha amada e adorada noiva olhava para mim com o amor nos
olhos.
Eu senti naquele olhar que meu coração, por fim, estava curado de
todo medo e angústia. Não havia ressalvas, como ela dissera, nós dois
ficaríamos juntos, desta vez, para sempre.
— Dio santo. — Engasguei, emocionado, a imagem dela embaçando
porque eu não podia evitar chorar de emoção ao ver a minha linda noiva
caminhando para mim.
— Aqui. — William me entregou um lenço e eu sequei as lágrimas,
mas as infelizes não paravam de escorrer.
Eu estava vivendo meu fim de jogo, o ponto final da minha história.
Não me importava com as pessoas, tampouco se elas estavam me vendo num
momento em que eu não conseguia controlar a emoção.
Também, como poderia?
Victoria tinha um sorriso enorme nos lábios, era felicidade que
brilhava nos seus olhos amados e transbordava em forma de lágrimas.
Dio santo… Lembrei-me de respirar, o amor que me consumia era tão
grande que não cabia em mim. Ele fazia eu me sentir pequeno diante de tudo
aquilo que estava acontecendo.
— Como você é linda, Victoria. — Soprei ar, tentando controlar-me.
— Vem, amore mio.
Quebrei qualquer protocolo de casamento quando andei os últimos
passos para encontrá-la. Não poderia esperar que chegasse até onde eu estava,
ansiava tocá-la, sentir sua pele, o seu cheiro.
Ela parecia um anjo, o meu anjo.
Quando Victoria estava ao alcance dos meus braços, eu a puxei
delicadamente para mim e outra vez quebrei o protocolo ao enterrar o rosto
em seu pescoço e respirar aquele cheiro que me lembrava o meu lar.
O lugar ao qual para sempre eu voltaria.
— Nunca mais me deixe. — Minha voz embargou, eu estava um caos.
— Não irei, amor, agora é para sempre. — Ela afastou-se um pouco,
sorrindo, e estendeu as duas mãos, mostrando-me alianças simples. — Rocco
Masari, você aceita se casar comigo?
— Eu espero por isso há tanto tempo. — Peguei suas mãos e as beijei.
— Eu serei o homem mais feliz do mundo.
— Então é sim? — Piscou um olho.
— Isso é um absolutamente com certeza.
As pessoas riram, o padre também, mas eu só tinha olhos para a
mulher diante de mim, o amor da minha vida inteira.
Rocco

— O amor é paciente e bondoso.


Quando essa frase foi dita, meu corpo todo tremeu. Eu entendia agora
o sentido dessa paciência e dessa bondade, por isso, não pude evitar a lágrima
que escorreu, eu sabia que precisava ser mais forte, mas era o meu
casamento, com a mulher da minha vida, eu não ia me privar de nada.
— O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
Eu e Victoria nos olhamos, a gente sabia muito bem o que significava
aquilo. Outras lágrimas escorreram, porque as lembranças do que passamos
não muito tempo atrás ainda doíam.
— Então, o caminho deve ser percorrido de mãos dadas, para que
juntos lutem as batalhas do outro, enquanto se fortalecem. É amparar quando
o outro cair, sorrir quando o vir chorar e se importar, todas as vezes que
forem preciso. A vida já não é mais de cada um, e sim dos dois, como um
único ser.
Balancei a cabeça, concordando, era exatamente isso.
— Façam seus votos — o padre falou, naquela sua voz serena.
Eu e Victoria ficamos frente a frente, ela sorriu, quando viu minhas
lágrimas, depois, gentilmente as limpou.
— Não escrevi meus votos. — Respirei fundo, fechando os olhos. —
Entretanto, não será preciso.
Victoria sorriu, ela não tinha nenhum papel na mão, porque as
palavras estavam em nossos corações.
— Me permita começar. — Victoria piscou um olho, e o pequeno
microfone foi direcionado a ela. — Rocco, eu acho que, em algum momento
da minha vida, eu devo ter sonhado com um príncipe encantado, talvez, toda
garota tenha desejado seu próprio conto de fadas. — Ela sorriu. — O que eu
nunca esperei foi encontrar um homem que era o oposto de um príncipe,
digo, ele era lindo como se fosse um e muito impressionante no quesito
ignorância.
Acabei fazendo uma careta, algumas pessoas riram e os meus amigos
deram tossidas para disfarçar a diversão.
— Sério, ele era lindo como um sonho, mas, de carne e osso, cheio de
falhas. E isso, a meu ver, o tornava perfeito, porque ele se mostrou humano.
— Engoli a emoção, ela sabia tocar nos meus pontos fracos como ninguém.
— Rocco, você foi perfeito para mim do seu jeito e eu prometo te aceitar
exatamente como é, porque eu te amo assim. Eu te amo com cada erro e
acerto, defeito e qualidade. Eu te amo porque sei o quão difícil foi abrir o seu
coração para me deixar entrar, mas acima de tudo, eu te amo por nunca
desistir de mim. Eu prometo estar ao seu lado em cada passo do caminho,
seja ele fácil ou difícil.
Os olhos da minha garota estavam rasos d'água, eu precisei de todo
autocontrole para poder falar o que precisava, sem chorar como um menino
pequeno.
— Victoria, amore mio. Quando eu te conheci, não imaginava que
teria a minha vida tão modificada. Eu acreditava que tudo ia muito bem e que
ser sozinho era um bom preço a apagar se isso garantia que eu jamais seria
magoado. Dio mio, eu estava tão errado. — Acariciei a bochecha macia e
redonda, tocá-la acalmava-me. — Antes que eu percebesse, você, com seu
jeito doce e aberto, me tomou para si e quebrou minhas defesas, deixando-me
vulnerável. Você me fez sonhar com coisas impossíveis até então. — Toquei
sua barriga linda. — Você me deu um futuro que anseio com cada grama do
meu ser, por isso, eu juro te amar do amanhecer ao pôr do sol, todos os dias,
enquanto eu viver. Prometo te fazer lembrar que me amar vale a pena,
porque deixarei claro em cada gesto e palavra o quão importante e apreciada
por mim você é. — Trouxe suas mãos até os meus lábios, ela tremia um
pouco. — Obrigado por entrar na minha vida, por me ensinar tanta coisa, mas
acima de tudo, obrigado por enxergar o meu lado feio e, mesmo assim,
escolher me amar.
Victoria soluçou baixinho, o seu sorriso era a coisa mais linda do
mundo, aquecendo-me por dentro. Esse era o nosso momento tão sonhado.
— Eu te amo — falei baixinho, admirado mais uma vez pela beleza
extraordinária de seus olhos e rosto.
Trocamos nossas alianças, e o padre concluiu a cerimônia.
— O que Deus uniu, o homem não pode separar! E eu vos declaro
marido e mulher, pode beijar sua noiva.
Eu a tomei em meus braços, agora oficialmente, como minha esposa.
— Você é tudo o que estava faltando na minha vida, senhora Masari.
Não posso nem descrever o que senti quando dei o primeiro beijo na
minha esposa, porque não havia palavras boas o suficiente que pudessem
expressar os sentimentos.

***

Isso de ter que ficar na festa era uma coisa que deveria ser facultativa.
Eu não queria cumprimentar ninguém, ou posar para fotos e vídeos. O único
desejo deste homem recém-casado era levar sua esposa embora.
— Parabéns, idiota. — Dimitri bateu no meu ombro, ele estava
sorrindo, parecendo feliz. — E pensar que você quase estragou o próprio
casamento porque estava todo estressadinho.
— Você sabia e não me contou? — Esmurrei de leve seu estômago e
ele riu.
— Claro que eu sabia, na verdade, todo mundo sabia, menos você. —
O bastardo parecia muito satisfeito.
Logo foi a vez de William se aproximar. Primeiro ele me olhou
solene, um brilho de contentamento marcava seus traços. O leve sorriso
estava singelo, como se ele houvesse se livrado de uma carga muito pesada.
— Irmão — Esticou o braço, e eu o segurei, gostávamos daquele
cumprimento —, desejo mais dias de pura felicidade. Por um momento, sinto
como se sua realização fosse a minha.
— Obrigado, meu irmão. — Pigarreei para clarear a garganta e
desfazer esse nó de emoção.
Sabendo o que ele já havia passado, suas palavras tinham muito
significado.
— Vocês são de tirar o fôlego quando estão juntos. — Victoria
suspirou do meu lado, então, sem qualquer aviso, nós três a puxamos para um
abraço.
— Meu Deus, eu preciso respirar — protestou, rindo — Vão estragar
meu cabelo.
— Você pertence à Tríade, Victoria Fontaine — Dimitri exclamou e
bati nele. — Você é nossa para cuidar, sendo mulher do idiota do Rocco e
nossa irmãzinha.
— Juramos sempre protegê-la e estar do seu lado, somos uma família
agora — William completou a ideia.
— Sim, somos uma família! — Victoria confirmou suas palavras,
alegrando ainda mais meu coração. — Eu amo família grande.
Quando nos afastamos, ela estava com os olhos úmidos. Minha
esposa era uma criatura sentimental, mas especialmente hoje eu estava igual.
— Eu posso falar com você?
Na mesma hora, meu corpo ficou tenso, porque já era hábito eu e
Antonietta quebrarmos o protocolo da boa educação. Mesmo assim, coloquei
um sorriso nos lábios e virei para cumprimentá-la.
— Rocco. — Sua voz soou firme. Ela estava no mínimo magnífica
trajando um vestido luxuoso e uma bengala que realçava sua pose magistral.
— Antonietta. — Acenei, tentando não parecer agressivo. — Espero
que você esteja bem.
Ela me encarou por alguns instantes, depois, um sorriso delicado
tocou o canto dos seus lábios. Ela nunca havia sorrido para mim, e ver que
estava disposta e aberta fez-me sentir muito bem.
— Eu estou, obrigada. — Ela soltou o fôlego, parecia cansada. —
Primeiro, gostaria de pedir o seu perdão por ter sido uma perfeita cadela
pretensiosa, eu tive meus motivos, que agora não vêm ao caso. De todas as
formas, eu quero poder consertar meus erros e recomeçar sem deixar
bagagem pendurada.
Certamente eu não escutei direito porra nenhuma do que ela acabara
de dizer. Antonietta não havia acabado de pedir desculpas, havia?
— Posso entender seu choque, mas gostaria de dizer que meu pedido
é autêntico, com o tempo vou te provar, agora ouça. — Ela respirou fundo.
— Eu não poderia sonhar com um homem melhor para cuidar da minha neta,
sei que você usará tudo o que estiver em seu poder para protegê-la contra
qualquer coisa que possa vir em sua direção. Aprecio isso, e você tem meu
respeito, além, é claro, da minha benção para ser o marido que minha neta
merece que você seja.
— Porra! — Balancei a cabeça. — Obrigado, quero que se sinta
muito bem-vinda para conviver conosco.
— Saliento que seu linguajar é terrível. — Arqueou a sobrancelha,
preparando-se para partir. — Feliz aniversário, garoto, eu posso dizer que
tudo foi feito com muito amor. — Sorriu, os olhos, tão bonitos quanto os da
minha esposa, brilhando. — E você merece.
Ela foi se afastando devagar, usando a bengala para apoiar-se.
— Viu, amor? — Victoria me abraçou. — Ela estava louca para te
pedir perdão. As coisas estão nos devidos lugares.
— Sim. — Puxei-a pela cintura e dei-lhe um beijo rápido, não queria
que ninguém se aproximasse agora. Estava cansado de ter que a dividir com
as outras pessoas. — Eu já te disse que você é a noiva mais linda do mundo?
— Uhmm, não sei, você disse? — brincou. — Eu não lembro.
— Então me deixe refrescar a sua memória — falei em seu ouvido. —
Você é a noiva mais linda do mundo, mas, agora mesmo, eu gostaria de estar
sozinho com você, em um quarto. Meu pau está doendo para ser acolhido na
sua boceta.
— Rocco!
— Diga que não sentiu falta.
— Estamos em público, não fale essas coisas. — Ofegou, apertando
meus braços.
— Por quê? Você não gosta?
— Eu adoro, esse é o problema, não quero que percebam que estou
excitada.
— Amore mio, por que não saímos logo? Quero a minha esposa só
para mim.
Sua risadinha me deixou ainda mais duro, era quase uma tortura que
eu tivesse que ficar ali tirando fotos, enquanto preferia estar fazendo outra
coisa com a minha mulher.
— Precisamos de um álbum de casamento, esse é o tipo de recordação
que a gente mostrará em cada natal, no futuro. Nossos filhos irão correr,
porque alegarão que isso é uma coisa enfadonha e chata.
— Dio, eu quero muito viver tudo isso. — Esfreguei meu nariz no
dela — O vídeo, iremos obrigar todo mundo a assistir, em almoços de
domingo, festas de bodas, e tudo mais que for feito por nós dois.
— Acho muito justo.
Victoria puxou minha nuca e me beijou, nossas línguas se tocaram
quase com timidez, mas para mim era muito fácil explodir em um desejo
feroz, por isso angulei nossas cabeças para aprofundar o beijo, tomando o que
ela me dava naquele momento.
Hoje era um dos dias mais felizes da minha vida, o melhor
aniversário, porque eu havia ganhado o presente mais incrível de todos.
— Me deixe roubar a noiva, Rocco. — Laura se aproximou. —
Vamos fazer as fotos das garotas.
— Não demore muito a me devolvê-la, ou eu vou fazer um escândalo.
— Tentei soar ameaçador, mas Laura apenas deu risada. — A propósito,
Laura, você está linda.
Sua barriga avantajada, por causa da gravidez, a deixava com uma
aura radiante.
— Obrigada, você está muito bonito também, agora, me deixe levar
Victoria. — Antes de se afastar, amore mio soprou um beijo.
Devo ter suspirado porque Victoria soltou uma risadinha feliz. Eu
pude ver outra vez aquele mesmo olhar do começo de nossa história, aquela
inocência de uma pessoa sonhadora.
Não sabia que sentia tanta saudade desse olhar até vê-lo de novo.
— Por que você está com essa cara, grandalhão? — Sua pergunta me
pegou de surpresa.
Mas eu não tinha problema para responder.
— Estou feliz, amor, porque o jeito que você me olha me faz
relembrar o nosso começo. — Acariciei sua bochecha. — Pensei que nunca
mais veria esse olhar destinado a mim.
— Seu bobo, superamos, não é? — O sorriso dela roubou meu fôlego
— Você tem uma mulher que te ama muito, apenas lide com isso.
Victoria afastou-se, e eu fiquei parado, olhando-a enquanto ela se
juntava ao grupo de mulheres.
— Finalmente estou vendo a garota que descongelou seu coração de
pedra. — Sorri, porque gostei de ver meu instrutor de guerra ali, afinal, ele
esteve ao meu lado nos anos mais obscuros da minha vida. — Quando recebi
o convite, eu tive que vir e ver com meus olhos para acreditar. Apesar de que
eu tinha uma ideia de que você havia “caído”, não pensei que fosse tanto.
Parabéns, Rocco, desejo-te felicidade.
David Conelly, também conhecido clandestinamente como Dark, era
um homem endurecido pelas circunstâncias. Ex-militar de elite, se aposentou
e abriu o próprio negócio quando percebeu que no exército tinha muita
corrupção. Eu poderia dizer que ele foi o responsável por canalizar o ódio
que eu sentia após a desilusão que sofri, que me ensinou a transformar raiva
em força bruta e vontade.
— Obrigado! — Estendi a mão, mas ele me puxou para um abraço.
— Estou muito feliz pelo homem que vejo, você é um orgulho para
mim, filho.
Afastamo-nos, e eu não pude evitar o sorriso de satisfação. Era muito
bom receber um elogio de Dark, pois ele era duro demais para dispensar
qualquer gentileza.
— Agora, preciso de uma informação. — Ele ficou sério, e em tom
confidencial disse: — Quem é aquela mulher com a bengala?
Fiz careta, ele só podia estar brincando.
— Então? — insistiu, deixando bem claro o interesse.
— Aquela ali é a avó da minha mulher — Apontei para Antonietta. —
Mas vai munido de armamento pesado, aquela ali é uma fera.
— Essas são as melhores, acredite em mim. — Dark gargalhou, já se
afastando.
Fiquei alguns instantes sozinho, apenas olhando ao redor. As
mulheres estavam se divertindo enquanto tiravam fotos. Minha mãe tinha um
sorriso enorme nos lábios, a felicidade dela radiava, de minha nonna e
Antonella, também. Vê-las assim deixava-me feliz demais.
Mais adiante, em um lugar mais reservado, Antonietta e Dark estavam
tendo uma conversa acalorada.
— Boa sorte, amigo. — Sorri, mesmo que fosse estranho pensar neles
dois juntos, porque ambos eram bastante difíceis.
Mas então, quem era eu para dizer algo?

***

— Vamos embora, amore mio. — Abracei minha esposa por trás e ela
riu baixinho.
Já havíamos extrapolado demais. Dançamos, brindamos,
cumprimentamos toda a nossa família e amigos, não tinha mais motivo para
ficarmos ali, eu queria minha esposa somente para mim, já havia aguentado
demais.
Se quisessem me chamar de egoísta, que chamassem, eu não negaria.
— Vamos, estou com os pés doendo.
Depois de muitas despedidas, abraços e felicitações, eu vi que meu
Bentley estava pronto para ir. Ainda me chocava que eu não tivesse
percebido que estavam planejando isso, porque nada foi deixado de fora, o
meu casamento foi simplesmente fantástico.
Irretocável.
Não íamos viajar, mas tínhamos a cobertura preparada para nos
receber. Mamma e Antonella pensaram em tudo. Quando eu soube para onde
iríamos, admito que fiquei receoso, mas Victoria disse-me que aquele era
somente um lugar.
— Pronta para viver os anos mais felizes, senhora Masari? — Abri a
porta do Bentley, ajudando-a a entrar.
— Prontíssima.
Murdoch seria o motorista, então eu fui na parte de trás, com a minha
mulher. Quando finalmente o carro partiu, pude respirar aliviado, em breve,
estaríamos a sós.
— Grandalhão, estava pensando, nós somos estranhos.
— Por que diz isso? — Franzi o cenho, encarando-a.
— Fizemos três viagens que poderiam muito bem ser uma lua de mel,
e quando nos casamos e deveríamos viajar, não vamos. Juro que eu não
aguentaria. Seu filho está pesado demais.
— Eu prometo uma massagem relaxante.
— Sua boca… — Ela apontou para baixo. — Aqui, vai ser a melhor
massagem do mundo.
Victoria teve a coragem de bater os cílios, toda inocente, depois de
tamanha provocação.
— Você vai ver só. — Precisei ajeitar as calças, estava duro e
dolorido, louco para ter minha mulher nua na minha cama.
— Vamos fazer amor a noite toda. — Victoria ronronou em meu
ouvido, na hora senti o meu pau pulsar, endurecendo ainda mais. — Quero
tanto você.
Foi muito difícil me controlar, arrependi-me de ter vindo com
motorista, se estivéssemos sozinhos, Victoria não ia me provocar a esse ponto
sem represália. Ela sabia os limites e havia ultrapassado todos eles.
— Amore mio, quando eu te pegar…
Notei sua respiração ofegante, a pele avermelhada. Eu sabia que, se a
tocasse, encontraria a prova de sua excitação, conhecia a minha mulher e as
mudanças magníficas pelas quais seu corpo estava passando.
A sensibilidade que a gravidez lhe trouxe quase me enlouqueceu na
ilha. Cada toque parecia intensificado, e eu queria muito poder mergulhar
nela, de todas as formas possíveis.
— Chegamos, senhor — Murdoch avisou e nós praticamente
corremos.
Quando as portas do elevador abriram no hall da cobertura,
começamos a nos beijar. Contive-me o máximo que pude, porque sabia que
quando a tocasse não pararia.
— Me ame, Rocco, por favor — implorou e eu atendi seus desejos,
sempre cuidadoso com seu estado, sempre idolatrando seu corpo, reverente
com o presente que me foi dado.
Quando nos unimos, eu não pude dizer o nível de arrebatamento que
senti. Eu fui além de tudo, e como todas as vezes antes desta, em que eu falei
exatamente a mesma coisa, agora eu ratificava: nunca era igual, com Victoria
cada vez que fazíamos amor era melhor que a anterior.
— Por Deus, é sempre perfeito! — Minha esposa gemeu em seu
prazer, eu tive que concordar enquanto me derramava dentro dela.
Eu não teria palavras para descrever o que eu sentia. Não era somente
amor, desejo, prazer. Era uma mistura de tudo, só que maior, e tão intenso
que roubava o meu fôlego. Talvez, para muita gente, fosse um exagero, mas
eu jurava que podia sentir o prazer de Victoria, tamanha a conexão que nos
unia.
Não havia pressa, era a primeira noite oficialmente casados, eu queria
amar cada parte dela outra vez.
— Minha esposa — murmurei, penetrando-a devagar.
Victoria estava em meus braços, deitada de lado, recebendo-me em
seu corpo. A cada gemido baixinho, incentivo ou suspiro, meu corpo reagia.
Lá fora, os pálidos raios de sol nos banhavam na cama. Ela queria que
eu fosse mais rápido, desejava gozar, mas eu estava indo devagar, lento
demais.
— Me beija — ela pediu, oferecendo os lábios, engoli seus suspiros
num beijo doce e ao mesmo tempo ardente.
Devagar, acariciei o clitóris inchado, ela gemeu, quase chorando, e
não tardou a alcançar o prazer.
— Oh, Deus, eu te amo. — Victoria gemeu, quando me sentiu gozar.
Desta vez, não me mexi nenhum centímetro, quando puxei o cobertor,
ela riu, aconchegando-se ainda mais em meus braços.
— Deveríamos tomar um banho — ela disse, e respondi com um
resmungo.
Nada me faria levantar agora, eu estava no melhor lugar do mundo,
segurando o que tinha de mais precioso. Sonolento, peguei o controle das
cortinas, logo o quarto estava mergulhado na mais absoluta escuridão.
— Esse com certeza foi o melhor de todos os meus aniversários —
Bocejei, aconchegando Victoria ainda mais.
Meu braço servia de travesseiro para ela, enquanto a mão repousava
protetoramente em sua barriga.
— Eu te amo, pequena senhora Masari. — Sorri de puro deleite, antes
de deixar o cansaço me tomar. — O melhor aniversário da minha vida.
Tornei a repetir, porque com toda certeza Victoria superou e muito
todas as surpresas que eu já tinha lhe feito.
Rocco

Algumas semanas depois...


— Amore mio, você tem mesmo que ir agora? — perguntei de braços
cruzados, como se ela pudesse me ver através da chamada telefônica. —
Você está com o colar? — Eu a fiz jurar que nunca o retiraria, ele tinha um
localizador e isso era algo que não estava em negociação.
— Sim, amor.
— Está com Jason?
— Sim, chefe! — Gargalhou baixinho — E ele, por acaso, me deixa
sozinha? Vocês são terríveis.
— Está com os cachorros? — perguntei, mas logo fiz careta.
Eu tinha que admitir, havia me tornado um marido paranoico e não
escondia de ninguém. Quando meus amigos debochavam disso, eu apenas
afirmava que estava tentando proteger a minha esposa muito grávida.
Victoria já havia passado do oitavo mês, qualquer reclamação já me deixava
de cabelos em pé.
Eu não havia conseguido fazê-la mudar de ideia quanto ao tipo de
parto que queria, portanto, enquanto eu vivia uma pilha de nervos, ela estava
linda, radiante e saudável.
Meus amigos diziam que eu ainda iria ficar louco, o que eles não
sabiam era que eu já estava. Então, por isso, eu a queria aqui, no apartamento
do escritório, onde eu poderia ficar de olho o tempo todo.
— Eu só vou passear no Hyde Park[9], esticar as minhas pernas um
pouco. Hoje você viu como meus pés estavam inchados? O tênis não coube.
— Você está linda, mas sabe que poderia caminhar em casa, tem
bastante espaço.
Nós escolhemos uma casa perto do lago, eu sabia que Victoria iria
amar. A gente podia assistir o pôr do sol no banco que eu havia mandado
instalarem. Havia se tornado um hábito, eu sempre dava um jeito de chegar
cedo para poder sentar com ela lá e desfrutar de um momento de silêncio e
paz.
— Eu poderia, sim, caminhar em casa, mas não vou, quero passear, e
não venha dizer que estou linda, você me vê nua e eu tenho espelho.
Só porque havia engordado bastante nas últimas semanas, Victoria
estava começando a ficar insegura. Com o quê? Eu não fazia ideia, porque
para mim ela estava cada dia mais linda.
— Claro, é um direito meu, amada esposa. Inclusive, eu adoro te ver
nua. — Fechei os olhos, sentindo meu pau endurecer ao mero pensamento de
seu corpo volumoso.
Há cerca de três dias, Victoria sentiu dores durante a relação sexual.
Eu fiquei em pânico, por isso, não fazíamos mais nada. Digo, eu estava me
tornando obsessivo com massagens. Havia muitas formas de obter e dar
prazer, e nós estávamos numa deliciosa viagem de descobertas.
— Deliciosa de gorda, não é? Pareço uma casa de três andares. — Eu
poderia até ver sua carinha linda, enquanto ela batia o pé.
— Grande bobagem, você está carregando um bebê monstro, como
diz Dimitri, lembra da última ultrassom?
Eu não podia negar o orgulho que sentia, não por meu filho parecer
grande, bom, talvez um pouco por isso… O fato era que, após todos os
problemas que tivemos no começo da gravidez, do risco de perdê-lo, ver que
ele estava forte e saudável enchia meu peito de um sentimento de gratidão.
— Sim, três quilos e meio, sendo dez por cento para mais ou menos
— Victoria resmungou. — Ou seja, ele pode estar maior. Deus, às vezes temo
o parto normal.
— Eu digo para fazer cesariana. — Girei em minha cadeira, para que
pudesse avistar o Hyde Park. — Mas, ao invés de seguir os conselhos do seu
marido, você prefere matá-lo com a ideia de ter nosso filho em casa!
Eu admitia que já havia surtado com isso, mas tinha jeito? Não, não
tinha. Victoria parecia irredutível. A única coisa que me restava fazer era
reunir a melhor equipe para ajudá-la nesse momento.
— Vou passear, grandalhão. Ah, antes que eu esqueça, o namorado da
minha avó presenteou o Gianne com uma camiseta com estampa de caveira.
Eu adorei, achei fofo, mas dona Antonietta, quando viu, bateu nele com a
bengala, temo pela saúde dele.
— Esses dois não desgrudam, isso é meio estranho — reclamei e ela
riu.
— David disse que eu devo chamá-lo de vovô. — Victoria deu uma
risada, se ela soubesse que Dark era um homem cruel, sanguinário e frio, não
acreditaria.
O bastardo era todo gentil, delicado e amoroso com a minha esposa.
Desde que ele e Antonietta se assumiram, eu vi a mudança nele, e me
perguntei se era o efeito Victoria.
— Ele falou que minha avó discute à toa, que ela já pertence a ele.
Gosto dele, Rocco. — Victoria estava se divertindo, a gente sabia que
Antonietta estava apaixonada, mas ela se recusava a admitir — Ele me avisou
que hoje ia se mudar para a casa da vovó. Ela empurra e ele volta, é normal
isso? Porque ele parece não se importar muito.
— Pare, não quero visualizar essa cena. Dark, quero dizer, David é
muito pervertido, pensar nele com sua avó me deixa um pouco chocado.
— Pare com isso, não somos um exemplo de pureza, seu pervertido!
— ralhou, me fazendo encolher. — Agora vou indo, o sol está perfeito e eu
vou caçar uns raios para mim. Londres tem um clima tosco, parece que
amanhã começa a temporada de chuva.
Antes de desligar, eu fiz milhares de recomendações, não era como se
eu fosse vacilar. Jason, apesar de ser meu cunhado, voltou a ser meu chefe de
segurança e lógico que agora ele tinha uns quantos homens à paisana, para
qualquer eventualidade. Tranquilo de que minha esposa estava segura e perto
de mim, considerando que o Hyde Park ficava a poucos minutos de
caminhada, logo, minha atenção voltou-se para o que estava preparando para
Victoria.
Era o meu presente pelo nascimento do nosso filho. Para conseguir
fazer tudo certo, eu estava tendo a ajuda de Antonietta. Ainda me surpreendia
como os gostos das duas eram parecidos, uma adivinhava o pensamento da
outra, dava até medo de vê-las trabalhando juntas.
Sobre isso, Victoria não trabalhava na produção, como era seu desejo.
Agora ela somente desenhava, e Dio santo, como era incrível. Minha esposa
era uma artista em sua área.
Eu havia feito um estúdio na nossa casa, e lá já tinham croquis
cobrindo uma parede inteira. As mulheres da alta sociedade londrina, e de
outros países, estavam se matando para ter os vestidos da minha mulher.
— Uma pena, mas terão que esperar minha esposa ter condições de
lidar com essa parte do trabalho. — Ri, analisando os papéis diante de mim.
Não demorou muito para que eu perdesse a concentração. Eu queria
trabalhar no que tinha em mente, mas não parava de pensar em Victoria, no
parque sem mim. Eu tinha que me convencer de que estava tudo bem, mas o
frio na barriga e a vontade de ligar acabaram ganhando.
Eu estava com saudade, essa era a minha desculpa de sempre, e que
ela aceitava. Mas, agora, eu precisava realmente dizer algo. Pegando o
celular, apertei a discagem rápida, Victoria sempre era a minha última
ligação.
Esperei a linha conectar com um sorriso nos lábios.
— Oi, grandalhão, algum problema?
— Eu me esqueci de dizer algo muito importante — falei assim que
ela atendeu, estava olhando para sua foto emoldurada em cima da minha
mesa.
— O que, amor? — questionou, risonha.
— Eu te amo. — Sorri de lado. — Eu te amo muito, foi isso que me
esqueci de dizer antes de desligar.
Ouvi seu suspiro feliz e, outra vez, girei a minha cadeira para a grande
parede de vidro às minhas costas.
— Bobo, você me acorda todo dia dizendo isso.
— E farei isso até o dia da minha morte, falo sério.
— Victoria, tem algodão doce ali, você quer?
Quando ouvi a voz, o sorriso morreu em meus lábios. A minha
postura mudou e todos os sinais de alerta gritaram.
Mas, logicamente, o que eu imaginava era impossível e me acalmei,
porque a dona daquela voz estava morta, há meses.
Não é?
— Amore mio, com quem você está?— disparei sem rodeios.
— Ah, amor, é só a filha de Betty, a Camille. Encontrei com ela aqui
no parque e estamos juntas, conversando enquanto observamos Jason colocar
os cachorros para correr.
— Jason está perto de você? Chame-o agora.
Lembrei-me da filha de Betty, ela já tinha vindo aqui. Mas sua voz
parecia diferente. Deus, talvez eu esteja realmente paranoico.
— Volte ao trabalho, eu vou ficar por aqui e não sairei para outro
lugar, vou direto para casa.
— Certo, se mudar o roteiro, me ligue avisando e mantenha o celular
em mãos. Eu te amo.
Desliguei o telefone, voltando minha atenção aos papéis que
anteriormente analisava. Estes eram nada mais nada menos que o
comprovante de aquisição do antigo atelier da Madame Blanchet que, após
uma reforma completa, passou a ser a matriz do Emporium La Fontaine.
O telefone do escritório tocou, ainda sem desgrudar os olhos dos
detalhes do meu presente para minha esposa, atendi.
— Sim, Betty?
— Senhor Masari, um homem chamado Lachlain Mackensie está aqui
e deseja vê-lo, ele diz que é urgente.
— Mande-o entrar. — Larguei os papéis e levantei da minha cadeira,
instantes depois Red, o caçador enviado para encontrar a perseguidora, entrou
em meu escritório. Pela sua expressão, eu sabia que não traria boas notícias.
— Deixe-nos, Betty!
Ela saiu apressada. Assim que a porta fechou, Red disse:
— A perseguidora não morreu.
Eu achei que não tinha ouvido direito. Ele só podia estar brincando.
— O quê?
— Ouça, eu estava desconfiado, inquieto porque não encontrei um
corpo. Então comecei a rastrear, mas a garota é muito esperta e esquiva. Seu
único erro foi ter se registrado em um motel de beira de estrada com o seu
sobrenome Rocco, eu a segui até Londres. Ela chegou ontem à noite, agora
preciso saber qual decisão deve ser tomada, os gêmeos querem eliminação
total, sem provas. Dark também. Mas você manda.
— Você acha que eu não deveria ter sido informado no momento em
que você descobriu que ela estava viva? — perguntei, tentando não berrar de
fúria.
Ele errou, na verdade todos cometeram um maldito erro porque
durante todo esse tempo eu não me preocupei com a maldita, acreditava que
ela era carta fora do baralho.
— Subestimamos as probabilidades, ela sobreviveu, não sei como,
entretanto estou em seu encalço e quero saber qual o próximo passo. Você
sabe que eu não mato mulheres, mas devido às circunstâncias, isso será um
trabalho rápido! — Red fez um traquejo cínico com os lábios. — Você viu a
foto?
— Não, aconteceram coisas, eu esqueci. — Esfreguei o cabelo,
nervoso.
— Você deveria. — Red arqueou a sobrancelha. — Ela é o tipo de
garota que as pessoas deixariam entrar em suas casas.
— Merda! — Procurei nos e-mails, o dossiê.
Quando cliquei na foto, e ela carregou, pude sentir todo o sangue
escorrer para os meus pés.
— Filha da puta! — Peguei o celular e liguei para Victoria, mas ela
não atendeu. — Merda! — Corri para a porta, o celular em mãos, tentando
ligar para Jason.
Ele também não atendia.
— Caralho! — gritei, assustando vários funcionários no corredor. —
Betty, venha comigo agora!
A mulher pulou assustada, mas logo se recompôs e correu em minha
direção.
— O que está acontecendo, Rocco? — Red perguntou, nervoso, ele
entendia meu estado de nervos. Na verdade, não, ele não compreendia. Eu
estava como se um punho de ferro agarrasse meu coração enquanto minha
cabeça pairava na guilhotina. — Fala, caralho, o que está acontecendo? Tudo
está sob controle!
— Não está nada sob controle, porque agora mesmo a perseguidora
está com minha esposa. — Cuspi furioso e olhei para Betty. — Sua filha
Camille me persegue há muito tempo, e agora ela está com Victoria. Sua filha
tentou matar Victoria!
— Não é possível, senhor! — Betty cambaleou para trás, visivelmente
abalada, porém eu não estava nem aí, se alguma coisa acontecesse com a
minha esposa, eu não sabia do que seria capaz.
— Só torça para que ela não toque em um fio de cabelo da minha
mulher, caso contrário, Betty, você irá preparar um funeral.
— Oh, meu Deus — lamentou, horrorizada diante das minhas
palavras.
Victoria
— Então, o que você fez esse tempo todo?
— Eu estive fugindo de um homem. — Notei que Camille estava
atenta a sua volta, sempre esquadrinhando a área como se procurasse por
algo. — Sobrevivendo com sorte, por um tempo foi difícil, mas não sou de
desistir, o pior já havia passado.
— Você está bem agora? Precisa de alguma coisa? — Toquei seu
ombro, na mesma hora ela afastou-se.
Seu olhar para mim parecia estranho, fixado demais. Sua expressão
não parecia cordial, na verdade, ela aparentava estar sentindo raiva.
Senti-me um pouco agoniada, como se algo estivesse sugando minha
energia, deixando-me com uma sensação de aperto no peito. E isso era
estranho porque Camille e eu sempre nos demos muito bem, não haveria
motivos para eu ficar desconfortável em sua presença.
— O que está acontecendo? — perguntei, tentando entender o que
estava acontecendo.
Camille tinha marcas nos braços, como se tivesse caído e se cortado.
— Ninguém pode me ajudar agora, eu só quero me vingar de quem
me fez tão mal. — A forma como ela disse, e sua expressão, me fez ter
vontade de levantar e sair, mas eu não conseguia sem ajuda. Minha barriga
estava pesada demais. — Fica quieta, Victoria, demorei muito para chegar
aqui — murmurou, olhando freneticamente para os lados.
— Camille, você está com medo de algo? — sondei, achava que era
melhor mantê-la falando.
— Não tenho medo, o meu medo já passou. — Ela esfregou os
braços. — Eu o amava, sabe? De verdade, e ele mandou… ele mandou… —
Os olhos castanhos dela se encheram de lágrimas e eu pude notar a dor tão
clara neles. — Como ele pôde não me escolher? Como ele pôde?
— Converse comigo — pedi baixinho.
— Eu menti para a minha mãe, fiz acordo com gente perigosa, tudo
para ficar com ele e ele não me escolheu. — Lentamente, ela ergueu a cabeça
e fixou o olhar em mim. — Ele, não me escolheu!
Medo foi a primeira coisa que senti ao notar que Camille não estava
em perfeito estado mental.
— Eu preciso ligar para Rocco. — Assim que as palavras deixaram
meus lábios, ela congelou seus movimentos dos braços, sua expressão se
tornou assustadora.
Havia vazio, mas, também, obscuridade. Era como se ela não
possuísse sentimento algum. Perceber isso me deixou com vontade de
vomitar.
— Você não vai ligar! — Sua voz soou assustadoramente baixa, seu
olhar permaneceu vidrado em mim. — Eu peguei seu celular e o dele. — Ela
apontou para trás com o polegar, indicando Jason.
— Camille, não brinque com coisa séria. — Eu me ajeitei para
levantar, com uma dificuldade terrível, a minha pelve estava dolorida, eu
temia movimentos bruscos.
— Eu nunca brinquei! — resmungou, erguendo-se e me levantando
com força. — Na verdade, eu sempre fui boazinha, porque avisei, avisei e
avisei. Ele não me levou em consideração. Ele não acreditou em mim.
— Ele quem, Camille? — perguntei quando ela me empurrou para
frente, fazendo-me tropeçar, olhei para Jason e me apavorei porque, de
alguma forma, Camille conseguiu me afastar demais do lugar onde estava
meu irmão.
— Anda, você vem comigo! — Sua voz soou fria, carente de emoção.
— Camille, você é minha amiga, lembra? — apelei para qualquer
coisa que eu pudesse recordar no momento, porque meu cérebro estava
entrando em pane, eu sentia gelo circulando por minhas veias.
Era pavor, puro e simples.
— A gente sempre se deu bem, ainda agora, você foi tão carinhosa
comigo, me trouxe algodão doce. O que aconteceu? Não quer ser minha
amiga?
Eu não reconhecia essa garota diante de mim, e isso por si só já era
apavorante o suficiente.
— Foi tudo fingimento, eu mal te suportava, você o roubou de mim.
— Sua unha cravou no meu braço com tanta força, que tive que me segurar
para não gritar. — Eu te odiei desde o primeiro momento, eu até tentei dar
um fim à sua vida desgraçada, mas a sorte está do seu lado! Você é uma
pedra no meu sapato, e agora não será mais.
Puxei meu braço com força, mas ela mantinha um aperto de morte,
além de ter as unhas enfiadas em minha pele. Olhei ao redor e havia várias
pessoas brincando com animais, fazendo exercícios, mas, estavam longe.
Naquela época, em dias em que o sol aparecia, as pessoas aproveitavam para
passear no Hyde Park, mas ele era gigantesco, e eu estava em uma área mais
afastada porque Jason queria colocar Prince e Pam para correr sem se
preocupar com outros animais.
Será que ninguém estava prestando atenção em nós? perguntei-me
quando a vontade de gritar começou a me deixar ansiosa.
— Camille, olha só, vamos conversar? Eu estou grávida, por favor…
— Foda-se você e esse bastardo! — falou baixo, através dos dentes
trincados. Ela olhou ao redor, então sorriu e bateu no meu rosto, acariciando-
o em seguida, como se estivesse limpando algo. Senti gosto de sangue na
boca. — Eu te devia isso, mas eu juro que não acabou.
O horror que me dominou foi tanto que minhas pernas amoleceram.
Comecei a procurar por Jason e os seguranças, mas, aparentemente, eu e
Camille estávamos somente conversando, não havia nada suspeito.
— Se você cair, vou chutar a sua barriga e matar esse miserável aí
dentro. Pensa que estou com medo? Eu vim aqui para tudo ou nada, e mesmo
que eles venham atrás de você, eu terei tempo suficiente, agora, melhor ficar
quieta e sorrir.
Um dos seguranças estava vindo para nós.
— Se ele chegar perto eu vou…
Ela deixou a frase no ar e riu, como se eu tivesse dito algo. O
segurança parou e se afastou.
— Viu como foi fácil? — Ela apertou ainda mais as unhas no meu
braço, quem nos olhasse veria que ela estava ajudando uma mulher grávida.
— Agora, vem comigo, vamos para aquelas árvores ali perto do lago.
Começamos a caminhar, a todos os momentos eu não parava de
pensar no que fazer. Camille estava louca, e eu não ia para um lugar ainda
mais distante e sem pessoas.
Não poderia permitir que ela fizesse o que pretendia e, pelo seu tom,
eu sabia que não era coisa boa. Busquei Jason, ele estava de costas, jogando
um brinquedo para os cães pegarem.
Brother, olha para mim… Eu sabia que ele perceberia, bastava que
olhasse para meu rosto.
— Não fique encarando, Jason não vai vir — Camille falou baixinho.
— Eu sou a filha da adorada Betty, estou acima de qualquer suspeita. Eu
deveria ter ido à sua casa, pedido para entrar e eu tenho certeza de que
deixariam.
— Camille, eu nunca te fiz nada.
Tentei puxar assunto, pretendia lutar, mas, tinha que me preparar
antes. Eu ia bater nela e gritar.
— Eu tinha uma vida muito legal, você sabia que eu e ele
conversávamos? Ele sempre me atendia, e a gente se divertia. Eu estava perto
de conhecê-lo, mas aí você chegou e atrapalhou tudo. Eu te odeio!
— De quem você está falando? — Protegi a barriga o máximo que
pude e respirei fundo, eu ia empurrá-la e gritar.
— Vou sentir prazer em te ver morrendo. — Riu, os olhos brilhando
de ódio. — Meu único arrependimento foi não ter dado um fim à sua
mediocridade quando tive a chance. Eu esperei porque queria ver você sendo
chutada, sua costureirazinha de merda, e eu vi. Fui eu quem ligou para você e
te mandou ir para o bar do hotel ver Rocco, com prazer, filmei tudo o que
aconteceu e enviei para os sites de fofocas. Era para você ter morrido naquele
acidente. E então, seríamos felizes. Rocco e eu.
Finalmente entendi que era de Rocco que ela estava falando. Deus,
como eu ia saber que eles tinham algo?
— Eu não sabia que vocês tinham um relacionamento, Camille, eu
não fazia ideia.
— A gente ainda não tinha, mas teríamos, ele ia me conhecer e com
certeza me amar. Eu sou perfeita.
— Você é linda, eu concordo. — Tentei não deixar que minha voz se
alterasse, minha cabeça estava dando pontadas, a vontade que eu tinha era de
socar a cara da mulher à minha frente. — Agora, por favor, me deixe ir, estou
grávida, Camille.
— Pensa que eu me importo? — Ela deu uma risada cruel. — Agora,
ande, acha que não estou percebendo sua intenção? Você quer gritar, mas
antes que qualquer um deles chegue perto, eu vou te cortar na barriga. Só
para que saiba, estou com uma faca.
Meu Deus, meu Deus, meu Deus… O medo triplicou, ela poderia
machucar meu filho, mas se eu fosse com ela para onde queria, seria pior.
Comecei a andar como ela queria, enquanto a mente fervilhava em busca de
uma solução.
Ouvi os latidos dos meus cachorros, olhei para Jason, ele estava
recolhendo o brinquedo para jogá-lo outra vez.
— Não olhe para ele, continue andando.
Tentei apelar para outra pessoa, mas ninguém prestava atenção, as
pessoas estavam ocupadas demais com suas vidas, para reparar em duas
mulheres “caminhando” pelo parque.
— Quando isso acabar, ele vai ser meu — ela disse. — Eu vou
recuperar o tempo perdido e…
— Victoria!
O grito de Rocco a fez paralisar. Eu aproveitei a distração para tentar
correr, mas isso a fez reagir. Gemi quando Camille puxou meus cabelos com
força, expondo minha garganta. Um metal frio foi encostado em minha pele,
fazendo-me estremecer inteira.
— Ohh, reunião familiar? — Riu no meu ouvido, estreitando seu
aperto, tornando difícil eu tentar me soltar, e até mesmo respirar com aquela
faca encostada ali. — Adoro isso, fará tudo mais emocionante.
Olhei para Rocco, meu marido estava lívido, ele não me encarava, seu
olhar estava preso em meu pescoço. Eu vi a expressão dele mudar, não havia
amor, carinho, nada.
Não parecia o homem que me acordou hoje cedo com tanta gentileza.
Esse Rocco eu nunca tinha visto, nem quando ele pensou que eu o havia
traído.
— Até que enfim, não é? Já chega de se esconder e de joguinhos —
Rocco falou, com a voz tão fria que senti medo, ele deu alguns passos à
frente. — Solte a minha mulher e eu prometo que você não vai sofrer muito.
Camille soltou uma sonora e arrepiante gargalhada. A prova de que
ela estava fora de si foi que puxou meus cabelos mais para trás, deixando-me
em um ângulo estranho e que machucava as minhas costas.
— Vamos brincar? — ela sussurrou em meu ouvido, logo em seguida
arquejei com a picada que senti em meu pescoço.
Senti que sangue escorreu, e isso me deixou apavorada.
— Camille, não faça isso, você está indo por um caminho com o qual
não tem condições de lidar. — Rocco estreitou os olhos, havia uma fúria tão
latente em seu rosto, que eu senti medo dele.
Sua postura agressiva não deixava margem para eu pensar que tudo ia
dar errado, ele ia dar um jeito de resolver, eu tinha certeza de que sim.
— Eu tenho tudo nas mãos, e você ainda age como se tivesse controle
sobre algo. — Havia raiva na voz de Camille.
Rocco ergueu as duas mãos, demonstrando que estava desarmado. Ao
redor, uma pequena multidão aglomerava, presenciando o que estava
acontecendo.
— Isso mesmo, fique paradinho aí — Camille provocou, rindo.
— Solte-a! — meu marido ordenou, sua voz imperiosa soou baixa,
controlada e calma.
Por um breve instante, nossos olhares se cruzaram, eu percebi que
Rocco estava tudo, menos calmo.
Desviei meu olhar de Rocco para Jason, ele olhava para Camille com
os olhos estreitados; no rosto, uma máscara de frieza. Notei que tinha uma
das mãos para trás, parecia concentrado em algo.
O que ele pretendia fazer?
A pressão em minha cabeça, a dor nas costas, por causa do ângulo em
que Camille me mantinha arqueada, e o estresse por causa da loucura dela
começaram a me deixar ansiosa, eu não ia aguentar ficar à sua mercê nem
mais um minuto, entretanto, se tudo desse errado, eu precisava que eles
fizessem algo por mim.
— Salve nosso filho. — Gesticulei pausadamente para que Rocco
entendesse, eu não poderia falar, se Camille ouvisse, ela poderia atacar. —
Salve nosso filho.
Rocco balançou a cabeça, só então deixou a postura escorregar. A
verdade era que ele estava em pânico como eu.
— Quantas vezes eu te falei que você era meu? — Camille gritou,
apontando o pequeno punhal para Rocco. — Quantas vezes eu avisei o que
iria acontecer?
O corpo dela tremia, o meu também. Senti que fraquejaria, mas
mantive meus joelhos travados. Camille voltou a pressionar a ponta de sua
faca contra meu pescoço, ela sabia que eu era sua moeda de troca, por outro
lado, eu não acreditava que ela pretendia sair dali, caso contrário, não estaria
fazendo isso, para quem quisesse ver.
Fechei os olhos, quando ela espetou outra vez o meu pescoço, o grito
mais furioso de Rocco se fez ouvir. Eu respirei fundo, uma vez, duas,
concentrando-me.
Na primeira brecha, eu ia tentar escapar.
— Você nunca me ouviu! — Camille berrou, fazendo um corte em
meu ombro. Eu não gritei, mas Rocco, sim, ele não ia deixar isso sem
represália. Não importava o resultado, e eu estava de acordo.
Camille havia ultrapassado todos os limites.
— Você desprezou meu amor, tomando essa maldita como esposa,
dando a ela o que era meu. MEU! — Mordi o lábio quando ela sacudiu minha
cabeça, seu agarre em meus cabelos causando agulhadas de dor, depois, bateu
em meu rosto de novo.
Lágrimas salpicaram meus olhos. Era surreal o que estava
acontecendo, Deus, era tão injusto que não tivéssemos nenhum minuto de
paz.
— Camille, minha filha, largue Victoria e venha comigo. — Olhei
para Betty, ela estava desolada, o choque transparecendo nas feições pálidas.
— Venha, minha filha, estou te chamando.
— Me perdoa, mãe, eu menti para a senhora, roubei informações para
ficar perto dele. Sinto muito, mas eu preciso lutar pela minha felicidade, a
senhora entende, não é?
— Não assim, Camille. — Betty se aproximou, eu só podia imaginar
o quão terrível para ela era tudo aquilo. — Filha, e seu curso de moda? Você
não quer seguir o seu caminho? Solte Victoria, vem comigo.
— Eu nunca fiz moda, mãe, eu estudo sistemas, trabalho com
computadores, mas você tinha esse sonho. Eu tentei ser uma boa filha, mas
não consegui. Não há mais solução para mim.
— Sempre há um caminho, filha. — A voz de Betty estava
embargada, as lágrimas escorriam por seu rosto.
Eu sabia o que era carregar um filho e amá-lo desde o ventre. Ver
Camille assim, para ela, devia ser muito duro.
Uma dor de morte.
— Rocco. — A voz de Camille tremeu, ela estava começando a
afrouxar o aperto em meus cabelos. — Quando eu vi você pela primeira vez,
eu fiquei apaixonada. Eu decidi que iria ser sua estagiária, e eu fiz tudo o que
pude. Eu sou inteligente e consegui. Depois, eu analisei cada mulher com
quem você ficou, estudei para me encaixar em seus gostos, eu sabia que,
quando você me visse, iria me querer, então eu comecei a te ligar. Nos
divertíamos tanto. Era perfeito, eu tinha tudo planejado, mas aí. — Sua voz
endureceu, o agarre em meu cabelo ficou mais firme. — Você me traiu,
Rocco, você me traiu!
— Camille… — ele disse, sua voz agora suave, sem qualquer
resquício de raiva.
Rocco estava se controlando, pelo que eu conhecia, ele estava usando
cada grama de autocontrole para isso.
— Eu te amei tanto que, quando vi seu sofrimento, eu fui lá e, em um
gesto de amor, eu doei meu próprio sangue para salvar a vida dela! — Minha
cabeça foi sacudida de novo, só que, desta vez, um zumbido explodiu nos
meus ouvidos. — O que você fez para me recompensar? — Sua voz soava
magoada e ferida. — Você mandou seus lacaios atrás de mim, por acaso sabe
o medo que senti? O quão apavorante foi? Você não faz ideia do que eu
precisei fazer para sobreviver. Agora eu quero vingança, mas não consigo
fazer nada contra você porque… Porque eu…
— Por que você ainda me ama, não é? — Rocco perguntou baixinho.
— Sim, e eu queria tanto que você tivesse ficado comigo. Eu tinha
tudo planejado, eu sabia que seria perfeita para você. Eu nunca iria te
desapontar, nunca.
— Eu sei, e se houvesse te visto antes, eu teria me apaixonado. — A
voz de Rocco era pura sedução, ele estava fazendo isso de propósito. Deus,
ele estava manipulando-a. — Perdoe-me por tudo. — Estendeu as duas mãos
em um gesto tranquilo, senti mais uma vez uma sutil folga no aperto que
Camille mantinha em mim. — Venha para mim, linda.
— Você vai me querer agora? — Camille duvidou.
E, apesar de tudo, seu choro baixinho me comoveu. Ela não estava
bem da cabeça e sofria. Era doloroso de qualquer forma.
— Sim. — Rocco acenou, sorrindo de lado.
Aquele sorriso e semblante pacíficos nada mais eram que uma
máscara. Eu conseguia enxergar em seus olhos a ira queimando, e isso
contradizia as palavras doces.
— Não percamos tempo, meu carro está ali, solte Victoria, venha para
mim e juntos sairemos daqui. — Mais um pouco de seu sorriso acentuou, ele
manteve uma expressão arrogante, que era acima de tudo sedutora. — Você
já me deu muitas provas de seu amor, sei que nunca iria me decepcionar,
agora é minha vez. Venha!
— Eu sempre quis ouvir isso. — Suspirou em meio a um soluço. —
Me diz que sou sua.
— Você é minha, Camille, venha para mim.
— Isso. Eu sempre sonhei com isso! — Eu sabia que logo viria a
decepção, pois as coisas não estavam acontecendo como Camille achava que
estavam. — Vamos ficar juntos para sempre, Rocco? — perguntou com voz
frágil. Betty cobriu o rosto com as mãos, chorando ruidosamente.
— Claro que sim, linda, vamos ficar juntos — Rocco respondeu
suave, ele nem conseguia pronunciar seu nome. — Agora solta Victoria,
deixe que se vá e vamos embora eu e você.
— Vai me levar para sua mansão? Ou sua cobertura?
— Para onde você quiser ir, apenas solte-a. — Camille soluçou, então
riu de felicidade.
Eu nem ousei respirar fundo, sentia-me fraca, estranha.
— Então, você não se importará se eu acabar com ela, eu temo por
nossa felicidade, meu amor, ela sempre será uma sombra sobre nós. Vou
eliminá-la e vamos criar nosso bebê juntos.
Olhei para Rocco e disse que o amava. Antes de fechar os olhos, vi
sua expressão de puro horror e cólera. Eu tinha certeza de que estávamos
caminhando para uma tragédia, Camille não ia sair daqui.
— Chegou a hora, vadia — sussurrou em meu ouvido e ergueu o
braço para conseguir o impulso que precisava, protegi barriga, esperando o
golpe.
Mas o que senti foi um empurrão, nada mais. Ela não conseguiu me
ferir com a faca.
Deus…
— Você já errou de muitas maneiras. — Aquela voz me fez tremer
dos pés à cabeça. — Agora você conseguiu piorar tudo!
Encarei Jean Pierre, confusa, sem saber de onde ele havia surgido.
Não o vi chegar, tampouco se aproximar tanto de nós, para conseguir evitar
que o pior acontecesse.
Agora, todos estavam ali, inclusive Rocco, e eu estava segura.
— Eu disse que era melhor ficar comigo, eu sou capaz de proteger
você, ele, não. — Sorriu, parecendo satisfeito com o desenrolar das coisas. —
Ainda realizarei esse desejo, e então você verá como é ser apreciada e
cuidada de verdade.
— Em outro momento, eu terei prazer em situar você de algumas
coisas, bastardo! — Rocco falou para Jean Pierre, que somente riu. — Vem
aqui, amore mio. — Ele me segurou, confortando-me.
Eu sentia como Rocco estava abalado, mas ele se mantinha firme.
— Jean Pierre, como você… como você conseguiu… — murmurei,
sem saber direito o que pensar.
— Eu estava passando. — Sorriu, como se o sangue em sua mão não
fosse nada.
Ele parecia nem se importar.
Na verdade, ele sorria, enquanto Camille estava no chão, chocada
com o desenrolar da situação. Na verdade, todos estavam meio chocados.
Somente Betty que, apesar de não parar de chorar, aproximava-se de Camille.
Mas, de onde Jean Pierre tinha surgido, que eu ainda não havia
entendido? Ele estava ali, e parecia tranquilo com aquela situação horrível e
tensa.
— Vai pagar muito caro por isso — Jean Pierre disse, olhando para
Camille.
O tom de sua voz me fez sentir vontade de vomitar, eu queria me
afastar ainda mais dele, e Rocco me apertou. Ele estava respirando forte,
como se fosse um esforço não avançar em Camille e Jean Pierre.
A tensão me deixou com mal-estar, senti minhas pernas formigando e
a cabeça pesar uma tonelada.
—Vamos sair daqui, amore mio, está tudo bem agora, já passou. —
Rocco distribuiu beijos por meu rosto, suas mãos tocando-me em todos os
lugares. — Tudo vai ficar bem.
— Será que não me é permitido nem seis meses de paz? — Chorei
contra seu peito. — Será que nem metade de um ano em paz eu posso ter?
Descontrolei-me, desabando num choro intenso. O medo que senti
pelo meu filho e por mim só agora podia ser extravasado.
— Foda-se! — Rocco me apertou a ponto de quase me sufocar, era
disso que eu precisava agora, sentir-me segura. — Você está sentindo algo?
Nosso filho? Dio santo, eu morri mil vezes, não conseguiria chegar perto dela
antes. Quero matá-la por se atrever a te tocar.
O corpo dele tremia mais que o meu. Rocco parecia desesperado,
mesmo que tudo tivesse terminado bem.
— Rocco, você jurou! — Ouvimos o grito choroso de Camille, que se
transformou em surto de gritos e pavor quando um homem ruivo se
aproximou dela e a segurou.
— Red, não a deixe escapar! — Rocco disse.
Escondi o rosto no peito dele, para não ter que a ver Camille
completamente louca, gritando e chutando.
— Quase aconteceu uma tragédia. — Rocco respirou fundo,
segurando minha cabeça. — Dio santo, ainda bem que não tirou o colar. —
Ele cochichou no meu ouvido. — Eu vim direto para você.
— Quero ir para casa e ficar quieta debaixo das cobertas. — Segurei a
camisa de Rocco, queria me fundir com ele.
Talvez assim esse frio horrível que eu estava sentindo fosse embora.
— Bonequinha. — Senti o toque de Jason em meu ombro. — Perdoe-
me, eu falhei com você, mas eu juro, que isso nunca…
— Brother… — Procurei o rosto dele, não queria que ele assumisse
uma culpa que não lhe pertencia. — Não se culpe, ela estava acima de
qualquer suspeita, infelizmente, se ela tivesse ido até minha casa, eu a teria
deixado entrar. Quem poderia imaginar que a filha de Betty faria algo assim?
— Dio santo! — Rocco me apertou ainda mais. — Não suporto
imaginar uma coisa dessas. Apavora-me.
— Rocco, você prometeu! — Fechei os olhos ao ouvir o grito
desesperado de Camille. — Você prometeu! Tire esse homem de perto de
mim, por favor, Rocco, não deixe que eles me levem.
O mal-estar que eu sentia estava piorando, um formigamento
agonizante subia por meu corpo, a cabeça estava pesada e pontos pretos
piscavam diante dos meus olhos.
— Amore mio?
— Você irá perdê-la por causa de seu descuido — Jean Pierre falou
em alto e bom som. — Você tem uma tendência a colocá-la em perigo, e isso
precisa ser remediado. As coisas delicadas devem ser mantidas muito bem
guardadas para não quebrarem, você não sabe o que isso significa e precisa
aprender. Imagine se eu não tivesse vindo procurar Victoria?
— Não me desafie, Jean Pietro! — Rocco revidou. — Não tente dizer
o que preciso fazer para cuidar da minha esposa.
Esforcei-me para acompanhar o diálogo, as palavras estavam confusas
para mim. Sentia-me bêbada.
— É PIERRE! — Olhei para Jean Pierre, e ele parecia irritado, talvez
fosse sua mão ensanguentada. — E eu não vou te dizer mais nada. Agora eu
vou te ensinar. — Sorriu friamente, então me encarou e o semblante mudou,
havia carinho, posse, onde antes havia raiva. — Aproveite seu tempo de paz,
ma belle fleur[10], pois parece que seu marido é sempre descuidado. — Sua
voz distorceu a palavra marido de tal forma que um peso afundou em meu
estômago.
Notei que ele ainda segurava a faca, sem se importar com sua mão.
— Agradeça Antonietta, ela me disse onde estava. Infelizmente, os
planos mudaram, eu creio que você não vá querer discutir agora sobre
participar de um desfile em Paris, estou errado?
— Não, não está — respondi.
Com Jean Pierre, eu não queria fazer nada. Ainda não conseguia lidar
com a impressão que ele deixou quando me visitou no hospital depois que
acordei do acidente, o jeito que me olhou, e disse que ficaríamos juntos, isso
assustou-me demais.
— François, vamos — ele chamou um homem jovem, que ficou ao
seu lado, me olhou e fez uma análise. O sorriso de aprovação em seus lábios
me deu vontade de vomitar.
O alívio que senti quando se afastaram foi enorme, juntos, eles
seguiram em direção à calçada. Eu não sabia por que, mas a sensação de mal-
estar ao vê-los juntos apenas piorou, era como se eles carregassem uma aura
negativa, ruim.
Estremeci. Tentando não ver o que estava acontecendo ali perto. Os
gritos de Camille ficavam mais altos à medida que ela era levada pelas
autoridades. Ela implorava por Rocco, doía ouvir.
— Ela é tão jovem, não deveria estar sofrendo desse jeito —
murmurei, angustiada. Eu me sentia péssima por toda a situação.
Não só isso, meu corpo estava muito estranho.
— Não lamente por ela, essa garota não teria misericórdia de você
nem do nosso filho.
Aquilo foi como um choque de realidade, fazendo-me sair do estupor
para a consciência do que poderia ter acontecido. A pior sensação do mundo
começou a percorrer meu corpo, eu não conseguia descrever, mas era real e
assustadora.
— Vocês precisam prestar depoimento! — Assustei-me quando um
policial apareceu diante de nós.
— Fomos chamados e, quando chegamos aqui, vimos a situação.
Temos base para acusação, mas pelo visto a moça não está em uso pleno de
suas faculdades mentais.
— Eu quero que ela apodreça atrás das grades, seja em uma
penitenciária ou manicômio, não me importo.
Tudo começou a rodar, a sensação de sufocamento me fez ofegar. Eu
sentia como se algo estivesse alojado no meu peito.
— Não me sinto bem…
— Meu carro, Jason, entregue os cachorros a Murdoch, vamos sair
daqui.
O zumbido em meus ouvidos aumentou a ponto de eu ficar enojada.
Tudo estava rodando em uma espiral confusa de escuridão.
— Rocco… — Seu nome foi a última coisa que pronunciei.
Victoria

Minhas pálpebras pesavam como chumbo, por isso foi preciso esforço
da minha parte para conseguir abrir os olhos. Ainda estava me sentindo
estranha e, por mais consciente que eu me encontrasse, era como se alguém
tivesse me colocado em câmera lenta.
As ideias estavam demorando a se formar, eu sentia como se
houvesse dormido demais. Pisquei os olhos, feliz por perceber que Rocco
estava por perto.
— Olá. — Sorriu, acariciando meu rosto e pescoço.
Não pude deixar de perceber um toque de serenidade em suas feições.
Isso me deixou aliviada.
— Oi. — Não dissemos nada por alguns instantes, na verdade, eu não
sabia o que dizer. Então, talvez, começar com coisas simples ajudasse. —
Tudo bem?
Antes que eu pudesse fazer o mesmo com a sua, ele pegou minha
mão, primeiro beijando o dorso, depois passeando com ela por seu rosto. O
gesto me fez perceber que não estava tudo bem.
— Converse comigo — incentivei, sentindo-me um pouco melhor.
— Mais uma vez, eu fui negligente…
— Rocco, pare. — Não permiti que ele continuasse. — Você
realmente não pode assumir uma culpa que não é sua. Chega, você não tem
responsabilidade no que aconteceu.
— Ela havia ameaçado… — Ele fez uma careta dolorosa.
— Rocco, não se culpe por tudo que me acontece, quem ia imaginar
que Camille faria isso? Portanto, volto a dizer, se ela tivesse ido até a nossa
casa, eu a teria deixado entrar.
— Dio santo, pare, não consigo imaginar vocês duas na nossa casa.
— Tudo bem, eu paro, mas, você precisa entender que não foi sua
culpa.
O que aconteceu foi simplesmente horrível, mas não vou ficar
pensando no que poderia ter sido pior. Isso com certeza não ia me fazer bem,
nem ao meu filho. O que eu precisava era canalizar todas as minhas energias
na etapa final da minha gravidez.
Só isso.
— Ela era obcecada por mim, Victoria. — Rocco me olhou, havia
pesar em seu semblante, medo também. — Você se tornou um alvo. Só de
pensar no que poderia ter acontecido, parece que meu coração vai parar.
— Ambos fomos vítimas. — Toquei seu rosto, preferindo ser direta.
— Eu fiquei apavorado. — Sua voz quebrou, o cansaço e o medo tão
nítidos que ele não conseguiria esconder de mim. — Você passou mal, teve
um pequeno colapso por causa do estresse, sua pressão subiu um pouco, sua
médica não considerou um sinal de problema sério, mas você me conhece. —
Ele coçou a nuca. — Estamos no hospital.
— Claro que estamos. — Ri, tentando amenizar a situação.
Rocco às vezes me preocupava, ele parecia sentir tudo intenso
demais. Ainda no começo do nosso relacionamento, lembrava-me de ter
escutado o médico da família dizer que, se Rocco não desacelerasse, ele
poderia ter um enfarto. Igual ao seu pai. Então por isso precisávamos ir com
calma, e não pirar com coisas que não aconteceram.
Eu estava aqui, viva e respirando, era isso que importava, não era?
— Vamos somente relaxar e conversar, ok? — Bati na cama ao meu
lado. — Vem aqui, quero meu marido perto de mim.
Ele sorriu, todas as vezes em que eu o chamava assim, notava como
ficava orgulhoso. Rocco não cansava de dizer o quanto amava estar casado,
Dimitri e William o irritavam com isso, mas eu sabia que estavam felizes
pelo amigo.
Eles eram como irmãos. Um sempre estaria ali, para ajudar o outro.
— Grandalhão, agora está tudo bem, não é? — perguntei assim que
ele se acomodou ao meu lado, passando os braços a minha volta.
— Sim, amore mio, você e nosso filho estão bem. — Apertou-me um
pouco. — Você tem dois curativos onde foi cortada, não precisou suturar, foi
superficial. Você precisa relaxar, ficar sossegada e pronto.
— Estou feliz porque passou, nunca mais quero viver nada parecido.
— Você não vai! — A ferocidade com que Rocco proferiu as palavras
mexeu comigo.
Eu sabia que ele era capaz de qualquer coisa para me manter segura,
esse homem me amava com tanta loucura que às vezes eu pensava que era
impossível, mas como havia prometido nos votos de casamento, ele me
provava todos os dias que, sim, poderia me amar mais.
— Rocco, o que houve com ela? — Eu não deveria querer saber, mas,
antes que pudesse evitar, já tinha feito a pergunta.
— Está sob jurisdição das autoridades. Eles provavelmente irão
enviá-la para um manicômio. — Houve um breve silêncio. — Não importa
para onde ela vai, eu irei cuidar para que apodreça por lá.
Um tempo atrás, eu cheguei a pensar que jamais gostaria de ser alvo
da raiva de Rocco. Todo mundo já sabia que ele era intenso, mas, desde que
voltamos, ele piorou. E isso me preocupava porque ele já havia me tornado o
centro de sua vida, então, o que faria se considerasse que eu corria risco?
Ele surtaria com toda certeza.
— O que você vai fazer com Betty?
Eu não podia deixar de me preocupar, afinal, ela era inocente em tudo
aquilo. Qual culpa tinha dos desejos de sua filha? Betty era uma fofa,
dedicada ao trabalho e tinha um bom coração, eu vi como ela ficou com o
ocorrido, estava arrasada, destruída.
Entretanto, isso não ia amenizar as consequências para Betty. Rocco
não ia aceitar continuar trabalhando com ela, disso eu tinha certeza.
— Já mandei Dimitri preparar a papelada, irei oferecer aposentadoria,
com todos os benefícios. — Senti-me feliz por ele ter uma alternativa
aceitável. — Eu sei que ela é inocente, mas não vou suportar olhar para ela
sabendo de quem é mãe.
— E ela não poderia ir para uma filial? — sondei. — Os rapazes não
gostariam de ter uma secretária supereficiente?
— Amore mio, entenda, a tríade é uma unidade. Meus amigos não
iriam aceitá-la. E, se te faz sentir melhor, faltava pouco menos de cinco anos
para ela se aposentar, eu vou somente adiantar o processo.
— Eu só quero que você não seja rude com ela, Betty não tem culpa
de nada.
— Eu sei, mas isso não muda como me sinto. Deixá-la na empresa
não é algo negociável.
Tudo bem, eu não ia me meter nesse assunto porque ele sabia melhor
do que eu como lidar com essas questões. Por outro lado, fiz questão de
deixar claro que Betty não merecia ser tratada como se fosse culpada de algo,
porque ela não era.
— Concordo e aceito — eu disse e Rocco beijou meu cabelo.
— Eu já falei com a sua família, os sites de fofoca estão em
polvorosa. Talvez eles revivam outros assuntos…
— Tudo bem, podem fazer o que quiserem, não me importo.
Passei tempo demais refém do lugar em que a mídia me colocou após
o acidente. Hoje, não permitiria que o sentimento de inferioridade se
infiltrasse outra vez. Eu era linda, forte, maravilhosa. Ninguém ia me fazer
pensar o contrário.
— Amore mio, eu não quero que você se sinta mal, se por acaso
alguma coisa do passado surgir.
— Eu estou bem, Rocco, acredite em mim. — Acariciei seu peito. —
Eu queria estar em casa.
Rocco acenou, mas disse:
— Um dia em observação é mais que justo. Falei com Josef.
— O que o médico da família tem a ver com eu receber alta? Ele não
é obstetra que eu saiba.
— Mas é diretor do hospital e entendeu que um dia de observação não
vai fazer mal a ninguém.
— Mas eu estou bem.
E não era mentira, pois não estava sentindo nenhum mal-estar
presente. Talvez, um pouco de sono, mas, fora isso, não sentia dores, ou
formigamento, nada preocupante para uma mulher grávida.
— Quero ir para casa, Rocco.
— Amo você, sabia? — ele disse, sorrindo.
— Você está desviando o assunto.
— É tão óbvio assim? — Arqueou a sobrancelha. — Não crie
problemas, okay? Eu sei que odeia hospitais, mas é excesso de cuidado, da
minha parte.
— Rocco…
— Você vai me obrigar a aceitar seu parto em casa.
Pude sentir seu estremecimento, só de falar em parto, ele tinha pavor.
Realmente, ele acreditou que conseguiria me fazer mudar de ideia.
— Você precisa de repouso, foi o que o médico disse. Até saber que
estava tudo bem, eu morri de medo de que nosso filho pudesse nascer antes
da hora. — Ele segurou minha mão e começou a beijar as pontas dos meus
dedos. Parecia mais preocupado que eu, que era quem ia ter um bebê.
— Rocco, você sabe que uma gestação pode ir até quarenta e duas
semanas, e eu vou sentir quando a hora chegar, toda mulher sabe.
— Não se estiver inconsciente. — Ele me olhou feio. — Você me deu
um susto enorme.
— Estou bem, eu juro, estou sentindo. — Sorri. — Quando acordei,
eu admito que estava meio desorientada, mas a agora, não, estou ótima.
Posso, inclusive, ir para casa e voltar aos meus afazeres, que no momento se
resumem a ver se as coisas do nosso bebê estão prontas.
Ele me olhou por um tempo, então acenou.
— Antes de eu falar com Josef, e dizer que estamos prontos para ir,
façamos um pequeno teste. — Concordei. — Se você se sair bem, então, eu
falo com ele, senão, ficaremos hoje aqui.
— Tudo bem, você precisa ter certeza de que estou ótima, eu sei que
estou, então, estou pronta. O que faremos?
— Quanto é 35x97? — Ele sorriu, encarando-me.
— O quê? — A pergunta me pegou de surpresa, era sem pé nem
cabeça.
Aonde ele queria chegar? Isso por acaso era uma piada?
— Se você responder, eu saberei que está bem, e poderemos ir.
Senão, vamos passar a noite aqui em observação.
— Eu odeio hospital. — Cruzei os braços, ele só podia estar
brincando.
— Eu também, mas um grito ali da porta e eu vou ter uma equipe de
médicos aqui. Isso tranquiliza meu coração. Estou esperando a resposta. —
Ele sorriu.
— Não tenho dedos suficientes para contar, já me perdi ali, no trinta e
cinco. — Eu o olhei e não escondi a cara feia. — Você sabe quanto é?
— Claro que sim. — Sua risadinha me deu esperança de que ele
estava relaxando. — Três mil trezentos e noventa e cinco.
Eu soube disfarçar bem o choque, não era possível que ele soubesse
fazer uma conta desse tamanho sem ajuda de calculadora.
— Muito fácil, você deve ter dito uma conta que já sabe, responda
essa… — Pensei em uma bem difícil. — 59x186? Lembrando que se você
errar, vamos para casa.
Sacudi os ombros, pronta para ir embora. Ele não ia responder.
— Dez mil novecentos e setenta e quatro. — Ele riu. —
Possivelmente eu sou especialista em cálculo financeiro e tenha estudado o
método matemático japonês durante alguns anos.
Meu queixo deve ter batido no chão, eu não sabia que Rocco era um
nerd. Ele não tinha cara de nerd e nem agia como um.
— Você está brincando comigo? — Ele deu uma risadinha. — Você
disse qualquer número, tenho certeza.
A diversão em seu rosto era clara, ele me entregou o celular, e eu
calculei a primeira conta, estava certo. Calculei a segunda e estava certo.
Ainda assim não acreditei.
— É, nós vamos passar a noite aqui. — Ele ficou sério. — A vontade
que tenho é de te trancar em casa.
Eu ri, porque a ideia dele era absurda.
— Não vou cair nessa de “grandalhão, vou dar apenas um passeio”.
— Ele bufou, parecendo contrariado.
— Então, você quer me trancar em casa? — perguntei, e ele acenou.
Até parece.
— Tudo bem, se isso te fizer feliz, eu ficarei trancada em casa. —
Esperei para ver sua reação, mas ele teve a cara de pau de rir. — Eu iria fugir,
você sabe.
— Eu sei.
— Então? — Arqueei a sobrancelha. — Eu não vou ficar com medo
de sair, por causa do aconteceu, não vou parar a minha vida, eu não vou
deixar que o ocorrido afete a minha vida assim.
— Tudo bem, amore mio, mas eu acho que talvez uns dias no campo
sejam bons para todos nós. — Rocco balançou a cabeça. — O que aconteceu
foi assustador demais.
— Eu adoraria ir para o campo, ar fresco vai fazer bem para nós.
Com certeza o ocorrido deve ter deixado toda a família de cabelos em
pé. Sair da cidade, só por um curto período, seria ótimo.
— Sabia que ia gostar da ideia, por isso resolvi aceitar o convite de
William e ir para uns dias no campo, claro, se o médico te autorizar, nosso
filho não tiver perigo de nascer e você se sentir bem.
— Rocco, falta no mínimo duas semanas para o Gianne nascer. Isso é
bastante tempo.
Empolguei-me, porque eu não conhecia muita coisa no interior. Nem
lembrava como tinha sido a visita quando minha mãe me levara à casa da tia
Laura.
— Eu quero ir, uns dias no campo seriam ótimos, e pode ficar
tranquilo, nosso filho não vai nascer.
— Sei. — Ele não estava muito convencido.
— Então, quando nós vamos?
— Você é tão apressada, eu não deveria ter dito nada. Amanhã a
gente conversa mais.
— Rocco, quem mais William convidou? — perguntei, ele fez careta.
— Todo mundo! — Dimitri invadiu o quarto sem qualquer aviso. —
Eu já estou com minhas malas no carro, e uma parte já foi na frente. Garota,
você não cansa de me dar susto? — reclamou, beijando o topo da minha
cabeça — Pelo menos a vida desse idiota deixou de ser enfadonha, você sabia
que ele reclamava até dos diálogos que tinha nos eventos? Tudo chato,
Dimitri, chato pra caralho.
— Você é tão mau-caráter, ouvindo atrás da porta! — Rocco
resmungou.
Eu amava vê-los juntos.
— Óbvio, foi somente para ter certeza de que não estavam fazendo
nenhuma coisa obscena.
— Dimitri! — Já deveria estar acostumada, mas ele sempre tinha o
hábito de me chocar com seu vocabulário sem filtro.
— Não me culpe, você é casada com um libertino. — Apontou com o
polegar para Rocco.
— Eu não sou um libertino! — Rocco protestou.
— Não é mais.
— Dio mio, eu vou matá-lo.
— Vai nada, agora, cadê os papéis da alta? Estamos indo para
Westlhern hoje. A propósito, vocês falam alto, Rocco principalmente, o que
me lembra: já fizeram o quarto íntimo? Como vão gemer com um bebê por
perto?
— Meu Deus, Dimitri, isso não é da sua conta! — Cobri o rosto,
mortificada, com certeza eu devia estar vermelha como um tomate maduro, a
julgar pelo calor que sentia no rosto.
— Cala a sua fodida boca! — Rocco levantou, mas Dimitri
continuava rindo.
Ele tinha um humor estranho, às vezes era bem distorcido, e então,
sarcástico. Dimitri era uma incógnita.
— Vamos lá, chame o médico para ver se podemos ir! Estou ansioso
para ter um momento com meus amigos. Ele não liga mais para mim depois
que se casou. — Fez um bico, apontando para Rocco, que só revirou os
olhos, como se estivesse acostumado.
Por prevenção, e insistência de Rocco, acabei ficando no hospital,
entretanto, após receber os policiais responsáveis pelo caso, e prestar o meu
depoimento, recebi alta. Tudo estava ótimo, eu não tinha nenhum sinal de que
iria parir em breve, pelo menos foi o que ouvimos do médico.
— Eu acho que deveríamos ficar em casa — Rocco disse enquanto
fechava a mala que levaria nossas coisas. — A temporada de chuva começou,
acho melhor ficarmos.
Enquanto eu seguia entusiasmada para conhecer Westlhern, Rocco
amanheceu paranoico. Ele estava falando em desistir desde que acordei.
— Rocco, está todo mundo lá. Eu quero ir, talvez, essa seja a última
viagem que faremos antes do Gianne nascer. Vamos ficar somente uns dias, e
o ar do campo vai ser ótimo.
— Você jura que não está sentindo nada?
— Eu não estou. — Beijei os dedos, jurando. — Eu tenho os mesmos
incômodos de sempre, nada de diferente.
— Tudo bem, vamos combinar o seguinte. — Ele segurou meu rosto.
— Se você sentir qualquer coisa, por menor que seja, vai me dizer, certo?
— Combinado.
— O solar de William fica a cerca de uma hora, não é tão longe e, se
você precisar de algo, voltaremos correndo.
— Perfeito.
Eu estava muito ansiosa, louca para conhecer a cidade em que
William viveu sua história de amor. Talvez, o fato de ele nos convidar para ir
lá significasse que pudesse estar se curando. Eu desejava muito vê-lo feliz,
amando alguém e sendo retribuído. William merecia toda a facilidade do
mundo, ele só precisava se permitir.
Conforme a paisagem ia mudando da cidade para o campo, o
encantamento foi tomando conta. Em alguns momentos, me lembrei dos
Moors e do quão maravilhoso foi ficar lá, agora, aqui, eu esperava que fosse
também, porque era maravilhoso colecionar boas recordações.
A vista era de tirar o fôlego, os campos de colheita e lavanda eram tão
incríveis que me senti em uma cena de filme, por um instante, fechei os olhos
e respirei fundo.
O cheiro de terra, lavanda e natureza me abraçou.
Nós passamos por uma cidadezinha pitoresca, na qual as casas
pareciam antigas e pastores de ovelhas seguiam pela estrada de terra com
pequenos grupos de animais. Ali, era como voltar no tempo, mesmo que
claramente pudéssemos ver o toque de modernidade nas lojas e restaurantes.
— Chegamos, amore mio — Rocco avisou, e eu o olhei.
Quando eu soube do convite para conhecer o solar de William, eu
esperava um casarão antigo, no estilo mais elisabetano de casa de campo,
com no máximo dois andares, iguais ao que tínhamos visto ao longo do
caminho.
Mas, não, de solar ali não tinha nada.
— Rocco, isso é um castelo. — Ele estava rindo de mim e isso foi
revoltante. — Rocco, é um castelo com torre!
— Sim, amore mio, William tem um castelo. — A risada do meu
marido só fez com que eu me sentisse mais idiota.
— Quantos anos esse lugar tem? Uns cem? — Olhei para a grande e
imponente fachada.
Era realmente surreal, fantástico.
— Quatrocentos, agora vem comigo. — Ele abriu a porta do carro,
saiu e estendeu a mão. Eu estava tão chocada, porque, olhando ao redor, eu
percebi que percorremos uns cinco minutos de carro desde a entrada dos
portões.
Tudo isso era a propriedade.
— William é um conde, amore mio, ele vem de uma família muito
antiga e tradicional.
— Estamos falando da realeza britânica? William é da realeza? — Eu
não queria, mas eu estava, sim, parecendo uma idiota. — Eu pensei que era
uma piada entre vocês, chamá-lo de conde, e não porque ele fosse um conde
de verdade.
— Não fique tão impressionada, William está pouco se lixando, o que
sei é que em algum ponto da história houve um casamento real na família
dele, o que quer dizer que ele tem literalmente sangue azul.
— Ótimo, devo fazer uma reverência?
A risada de Rocco me deixou com borboletas na barriga, ele estava
feliz, e isso era tudo para mim.
— Venha, William é meu irmão engomadinho, não precisa se
preocupar, eu ainda posso esmurrar a cara dele. Para mim, ele não tem
nenhum título de nobreza, é somente o pé no saco de cabelo comprido. Por
falar nele… — Rocco apontou para algo atrás de mim.
Meu Deus! Arregalei os olhos quando William surgiu cavalgando em
um garanhão negro gigantesco. Ele trajava uma calça de montaria, botas e
uma blusa de manga folgada. Os cabelos, maiores do que eu me lembrava,
estavam puxados para trás.
— Bonequinha. — Sorriu, desmontando e vindo me abraçar. — Até
que enfim vocês chegaram.
— Victoria não sabe se deve fazer uma reverência ou não! — Rocco
disse, rindo. Eu bati nele.
— Rocco! Não seja um fofoqueiro.
— Não resisti, amore mio, sua carinha é tão fofa.
— Pare com isso — ralhei, voltando minha atenção para William. —
Pensei que te chamavam de conde por conta de alguma coisa particular entre
vocês. Droga, eu deveria ter pesquisado antes. — Não consegui segurar o
nervosismo, eu estava mesmo com cara de idiota. — Acreditei que era apenas
alguma brincadeira ultrapassada, entende? Digo, eu sei que temos títulos de
nobreza aqui na Inglaterra, mas é que você é tão você, William, eu nunca
esperei que fosse de fato uma pessoa…
— Bonequinha, calma, eu apenas herdei um título e um monte de
coisa velha. Não se preocupe porque eu ainda sou o mesmo William! — Ele
segurou as minhas mãos. — Agora me diga, como está se sentindo? Lamento
muito que tenha passado por algo tão ruim.
William esquadrinhava meu rosto, buscando algo que comprovasse
que eu estava bem. Bom, eu compreendia a preocupação, mas já havia
deixado claro que meu lema era seguir em frente.
Agora não faria diferente.
— Eu estou bem, não vou deixar que o ocorrido me deixe paranoica e
medrosa. Eu quero mesmo esquecer, fingir que não aconteceu.
— Tudo bem, mas, se sentir que deve conversar, estou aqui caso
precise.
— Eu sei.
— Então… — Ele abriu os braços. — Bem-vinda a Raven.
Eu não tinha palavras para começar a descrever a beleza do lugar. Na
sala tinham quadros maravilhosos, o estilo da construção em pedra era de
tirar o fôlego, além do que, tudo brilhava impecavelmente.
— É incrível — murmurei, encantada, olhando ao redor.
— Espere para ver o seu quarto, é o mesmo em que a rainha Vitória
dormiu em sua visita a Westlhern no ano de 1852.
Tudo ali era grandioso, com o quarto não foi diferente. Inclusive, a
decoração estava preservada, entretanto, havia o toque de modernidade que a
tecnologia trouxe.
— Uma cama de dossel. — Ri, boba, acariciando o colchão macio. —
Queria pular nela.
— Nem pensar! — Rocco negou, enquanto colocava nossa mala no
canto.
— Fiquem à vontade, por favor, vocês são minha família. — William
saiu fechando a porta atrás de si.
— Estou em um castelo! — Balancei a cabeça, encostando-me à
cama. — Se alguém perguntar onde William mora, a resposta seria chocante.
Que tal um castelo com milhares de quartos e metros quadrados?
— Quanta simplicidade — Rocco resmungou, vindo para perto de
mim. — Hora da massagem da minha esposa.
Uma das melhores coisas sobre o meu marido era o cuidado que ele
tinha comigo. Desde que o sexo se tornou doloroso para mim, ele descobriu
novas formas de me tocar. Primeiro, começava pelos pés e ia subindo. Era tão
excitante. Suas mãos espalhavam o óleo perfumado, massageando-me com
cuidado e paciência.
— Está bem assim? — murmurou, passando as mãos por minhas
pernas, raspando em minha virilha, provocando.
Rocco era o tipo de pessoa que, quando se propunha a fazer algo, era
sempre bem-feito.
— Está perfeito. — Suspirei e ele continuou sua massagem até me
deixar ofegando de prazer.
Ele cuidou de todo o meu corpo, fazendo-me gozar até ver estrelas.
— Oh, Deus! Rocco, como eu te amo.

***

— Costumávamos estudar feito loucos. Rocco porque era nerd


mesmo, William porque, bom, ele era William, o certinho, e eu? — Dimitri
mexeu no cabelo, todo galanteador — Eu queria estar enfiado entre as pernas
de alguma garota disposta. Eu sempre chegava pedindo ajuda com uma
matéria, depois, anatomia feminina sempre foi umas das minhas favoritas!
— Mas não tem a disciplina de anatomia em exatas — minha avó
falou, ela estava sentada ao lado de David, seu autodeclarado namorado. —
Se vocês estudavam Administração e Direito, não precisariam fazer
anatomia, eu estou errada?
Todo mundo riu. Minha avó ainda não estava acostumada com o jeito
meio louco de Dimitri.
— Relaxa, vovó, Dimitri é sintonizado em uma frequência diferente
do resto da humanidade.
— Assim você me mágoa. — Ele levou uma mão ao peito,
dramatizando. — Eu somente gosto de explanar o quão adorador das
mulheres eu sou.
— Adorador até demais. — William balançou a cabeça. — No meu
primeiro dia na faculdade, encontrei esse aí fazendo o que não devia. —
Apontou para Dimitri, que estava sorrindo, como se lembrasse de algo muito
legal.
— Bons tempos. — Dimitri sorriu, esticando as pernas no sofá.
Meu olhar passou pelas pessoas e meu peito se encheu de felicidade
por estar com a maior parte da minha família reunida. Era uma pena que meu
pai e tia Laura não estivessem aqui. O bebê da minha tia poderia nascer a
qualquer momento, e ela escolheu tê-lo no Brasil. O meu pai estava numa
vida de quase casado com Regina, agora finalmente estavam dando uma
chance ao seu amor.
Falamo-nos quase todos os dias, e apesar do susto recente e do quão
amedrontados ficamos, estava tudo bem. Minha única missão era aproveitar a
tranquilidade de Westlhern e o ar puro do campo.
Eu com certeza estava fazendo isso muito bem.
Durante o dia, passeava pelos arredores, conhecendo pessoas, lugares,
experimentando a culinária típica da região. As pessoas eram incríveis e
deixavam claro o quanto William era adorado. Entendi que ele era como um
governador regional, as pessoas iam pedir seu conselho e, nos primeiros dias,
vi um ou dois recém-nascidos serem levados para ele conhecer.
Era bem surreal.
Meu dia era todo ocupado, Rocco havia feito um roteiro caprichado e
leve. Durante toda a semana, pude viver como se não tivesse nenhum
problema. Andamos de carruagem e barco, adorei tomar um pouco de sol
enquanto meu marido remava lentamente pelo lago.
Nos nossos momentos a sós, ele me fazia sentir como se vivesse um
sonho.
— Você me deu a melhor vida, Rocco. — Acariciei seu peito,
cansada do dia longo, mas muito satisfeita. — Eu te amo tanto.
— Amore mio, você sabe que estar com você e poder fazer tudo o que
faço é o meu sentido de liberdade, não é? Eu sou tão feliz ao seu lado, sinto-
me inspirado e invencível. Obrigado por me mostrar como é boa a vida de
casado, ao seu lado.
— Você me mima demais. — Suspirei, aconchegada em seus braços.
Estávamos na sala, curtindo a lareira. O dia foi muito divertido para a
família toda, nós íamos para casa no final de semana, e William cuidou de
fazer competições entre os homens, enquanto nós assistíamos.
Agora, eles estavam bebendo um vinho, conversando baixinho.
— Que semana incrível — minha avó falou, erguendo a taça. — Um
brinde a William e sua hospitalidade.
Todos ergueram as taças e a noite continuou cálida, suave, perfeita
como um sonho.
— Você quer ir para cama? — Rocco perguntou baixinho. — Você
está cochilando.
— Não, vamos ficar só mais um pouco.
— Tudo o que você quiser. — Beijou meu cabelo.
A conversa dos homens girou em torno de carros esportivos, eu soube
que Dimitri tinha um carro pelo qual era apaixonado e não deixava ninguém
tocar. Isso era motivo de piada entre eles.
— Eu compartilho uma mulher, mas não o meu GTO roxo. Sabe o
quão raro ele é? — Dimitri cruzou os braços. — Inclusive, porque não
aproveitamos que as mulheres estão quase dormindo e esticamos? Vamos ter
uma noite de rapazes, estou com saudade.
— Eu não posso. — Rocco foi logo dizendo. — Sou casado.
A cara de ultraje de Dimitri foi hilária, ele encarava meu marido como
se ele fosse um alienígena.
— Eu por acaso te chamei para um bordel? — Dinka olhou ao redor.
— Eu chamei?
— Estou esperando um bebê, não posso sair durante a noite, Dimitri.
— Rocco sorriu, acariciando minha barriga.
Minha avó deu uma risada, ela balançou a cabeça, concordando com
as palavras de Rocco.
— Eu vou indo, os gêmeos já estão dormindo faz tempo. — Antonella
ergueu-se, sua mãe também. — Boa noite, amanhã vamos conhecer a
plantação de maçãs da Bia, ela prometeu uma torta especial.
— Boa noite, meninas. — Acenei.
— Vamos também, amore mio?
— Acho que agora eu vou, estou caindo de sono.
— E a noite de rapazes? — Dimitri perguntou. — Não vai ser o
mesmo sem você, Rocco.
— Eu não posso ir.
— A gente não vai demorar, eu só quero beber um pouco, deve ter um
bar por aqui. Vamos jogar conversa fora, como nos velhos tempos. Quero sair
um pouco, mas não quero ir sozinho. — Dimitri franziu o cenho, hoje ele
parecia um tanto diferente. — Beber sem companhia é deprimente, a gente
fica pensando na vida e a vontade de se jogar de uma ponte surge.
Não gostei de como ele colocou a frase. Prestando atenção, talvez,
Dimitri estivesse meio carente.
— Eu não acho que tem problema você ir, Rocco, o máximo que farei
na próxima hora é dormir.
— Ouça sua esposa, ela é inteligente. — Dimitri sorriu. — Eu não
vou sair sozinho, como se fosse um bastardo solitário, e também, aqui é a
caixa de pandora do conde, vamos fazê-lo feliz.
— Eu estou ótimo — William disse, bebendo todo o vinho de sua
taça. — Não vou surtar se está pensando nisso.
— Cala a boca, eu estou negociando com a patroa.
— Dramático. — Ri baixinho, Rocco suspirou, antes de esfregar o
nariz em meus cabelos.
A verdade era que para mim não tinha problemas eles saírem. Eu
achava saudável Rocco ter um momento com os rapazes sem se preocupar
com cada respiração que eu dava. Certamente Dimitri o faria espairecer um
pouco.
— O que custa um passeio? — Dimitri insistiu e eu resolvi ajudar,
afinal, achava que eles mereciam uma noite de rapazes.
— Vão logo. — Abanei a mão. — Podem se divertir, eu estou indo
para a cama, então só amanhã para mim.
— Não estou a fim, amore mio, você precisa de mim e eu não quero
te deixar sozinha, prestes a dar à luz. — Rocco bufou, afagando minha
barriga.
— Amor, temos vários dias pela frente. — Acariciei seu rosto. — Vão
se divertir um pouco. — Estiquei o braço para Dimitri e ele me levantou. —
Não estou sentindo nada, portanto, fique tranquilo que eu vou estar ótima até
você chegar, qualquer coisa, é só rolar a grávida para o lado e ocupar o
espaço.
— Eu vou ficar de olho nas garotas — David falou, erguendo-se com
minha avó. — Pode ir tranquilo, Rocco, eu cuido das coisas até você voltar.
— Jason vai conosco, ele esteve muito tempo ausente, precisa se
enturmar de novo. — Dimitri sorriu. — Então está combinado, nos
encontramos na entrada do castelo em dez minutos. — Recebi um beijo na
cabeça. — Obrigado.
Dimitri falou bem baixinho. Eu entendi que quem estava precisando
dos amigos era ele.
— Divirtam-se.
Rocco e eu fomos para o quarto. Ele me ajudou a deitar, antes de sair
beijou-me, prometendo não demorar. Eu estava exausta, mas antes de apagar,
ouvi o barulho de chuva.

***

Um trovão barulhento me despertou.


Olhando ao redor, percebi que ainda estava sozinha, e que havia um
desconforto nas minhas costas. Não conseguia encontrar uma posição
confortável, não havia nenhuma. Depois, a vontade de fazer xixi começou a
incomodar. A dor era parecida com a que eu tinha nos períodos de cólica, só
que diferente, ela atingia picos e diminuía.
— Porcaria. — Procurei a minha sandália, mas não a encontrei, então
fui descalça, não queria correr o risco de urinar na roupa. Isso seria
humilhante demais.
A iluminação do banheiro era diferente da do quarto, ali, apesar de
conter elementos da primeira construção, era onde a modernidade havia sido
mais usada. Água quente e luz de LED. Agora, agradecia por isso.
— Nossa. — Estiquei-me, segurando na pia. Nunca havia sentido esse
desconforto nas costas, digo, talvez, quando eu trabalhava no arremate de
botões. O tempo curvada me deixava com uma dor na região da lombar, mas
essa estava diferente.
Será que foi por que eu extrapolei no passeio? Mas eu me sentia tão
disposta, nem parecia que estava grávida. Agora, estava vendo que deveria
ter ido mais devagar.
Depois de me aliviar, sequei a região íntima e uma gosma rosada veio
no papel. Por alguns instantes, encarei aquilo sem saber o que poderia ser,
mas, então, minha barriga ficou dura e, pela primeira vez, eu senti uma dor
bem forte.
— Nossa! — Respirei fundo, concentrando-me até passar, para que
pudesse agir.
Às pressas, comecei a ajeitar as minhas roupas. Eu estava de camisola
e procurei por um vestido longo e fácil de vestir. Quando a dor voltou,
precisei parar outra vez.
— Deus… — Trinquei os dentes, respirando fundo. — Isso é uma
contração. — Ofeguei, vestindo-me.
Eu tinha um plano em mente para quando o momento chegasse, mas
agora, eu estava em pânico, porque estava bem longe de tudo sair como eu
queria. Não esperava que a dor viesse tão rápido, eu deveria ter um tempo,
não é?
Obrigando-me a ter calma, saí do meu quarto e fui para o da minha
avó. Ansiosa, comecei a bater em sua porta.
— Vovó? Por favor, abra sou eu… Ohhh. — Respirei fundo,
segurando-me em pé quando mais uma contração voltou.
Lembro-me de ter ouvido meu médico dizer que, a partir do segundo
trimestre da gravidez, poderia ter contrações de treinamento. Eu nunca as
senti, mas fiquei atenta. A diferença era que as contrações falsas melhoravam
ao movimentar o corpo, essas que eu estava sentindo não melhoravam,
estavam apenas piorando.
— Vovó. — Bati, insistentemente, até David abrir a porta.
Ele estava coçando os olhos e trajava somente uma calça de moletom.
— O que foi, querida? — ele perguntou, mas não tive tempo de
responder.
Senti outra contração, arquejei, encolhendo enquanto trabalhava a
respiração, como fui ensinada a fazer.
— Por favor, eu preciso falar com a minha avó.
Já estava começando a sentir meu coração acelerando, eu estava com
medo. Porque eu não sabia o que fazer, estava desorientada.
— O que foi, minha filha? Você está sentindo alguma coisa? —
Minha avó surgiu, fechando o robe, em seu rosto, uma expressão preocupada.
— Vovó, eu estou sentindo dores, é como cólica só que nunca senti
isso antes e, olhe, minha barriga está dura.
— Meu Deus, está na hora! — ela exclamou, fazendo David congelar.
Ele empalideceu, encarando-me em choque.
— A senhora tem certeza de que… ai, meu Deus! — Segurei na porta,
curvando-me um pouco.
Senti meu corpo quente, apesar de fazer frio no castelo.
— Minha filha, você está em trabalho de parto, nós precisamos correr,
agora!
Olhei para minha avó e a realidade bateu. Meu bebê estava nascendo!
— Vamos, David, precisamos chegar a Londres para que ela tenha
assistência. Se começou agora, ainda pode levar várias horas, creio que dá
tempo. — Minha avó tomou as rédeas da situação.
Eu estava me sentindo incapaz, nada estava saindo conforme o
planejamento. Nem cronometrar o intervalo entre cada contração eu estava
fazendo.
— O bebê está nascendo? Agora? — David perguntou, olhando de
uma para outra, ele parecia confuso.
— Vamos, homem! Para quê esse tanto de músculo se não ajuda na
hora necessária? — Minha avó estapeou o namorado, e isso o fez acordar
para a realidade de que tínhamos um bebê a caminho e precisávamos de no
mínimo uma hora para chegar até Londres. — Se mova, David Conelly!
A casa inteira despertou por causa dos gritos da minha avó. Admito
que, apesar de ter feito todas as aulas de pré-parto, eu me sentia bastante
assustada e ansiosa, afinal, era meu primeiro filho, eu tinha zero experiência.
Estava contando com o instinto de liderança da minha avó e da mãe
de Rocco.
— Os telefones estão mudos! — minha sogra gritou, quando um
trovão pareceu estremecer a fundação do castelo. — Deve ser a chuva, meu
Deus, o que faremos?
— Eu queria Rocco aqui — minha avó reclamou, tirando os cabelos
da minha testa. — Ele não queria sair, deveríamos ter escutado.
— Aí vem outra. — Apertei os lábios, concentrando-me, eu só tinha
que respirar e esperar passar.
Quando elas se tornassem ininterruptas, eu saberia a hora de
empurrar. Era isso, não era?
— Oh, minha filha! — Minha sogra e minha avó ficaram ao meu
lado, segurando-me como se eu estivesse caindo.
— Eu estou tranquila.
Testei um sorriso, eu não estava tranquila coisa nenhuma, a dor me
fez rever um monte de coisa, porém, eu não queria deixá-las em pânico. Até o
presente momento, tudo “parecia” seguir o fluxo correto.
— As contrações estão demorando de uma para a outra, e se a dor for
só essa, não teremos problemas. — Eu achei que minha avó percebeu que eu
estava mentindo porque ela ficou uns dois minutos me encarando, não
consegui disfarçar a dor que sentia, em consequência, ela ficou pálida e
começou a cambalear.
— Vovó, calma! — Amparei-a do jeito que eu podia. — A senhora
estava indo tão bem!
Ela sorriu, desculpando-se.
— Eu vou com Victoria para Londres. — David chegou vestido, digo,
ele estava preparado para guerra. — Antonietta, você fica aqui, para tentar
avisar ao Rocco que Victoria está em trabalho de parto.
— Eu vou!
— Passando mal, você não vai colaborar, e eu não posso me
preocupar com as duas. — Ele cruzou os braços musculosos. — Eu vou, você
fica. Avisa ao Rocco e segue para Londres com ele.
Um trovão estrondoso assustou a todos nós, David balançou a cabeça.
— Uma parte da estrada é de terra, a chuva vai nos atrasar, então
precisamos sair agora, vou buscar meu carro. — David correu e eu fiquei
com minha avó, sogra e cunhada na sala. Cada uma me disse uma coisa para
ajudar.
— Os gêmeos, vocês precisam checá-los, essa chuva de relâmpagos e
trovões deve estar assustando-os. — Mal terminei de falar quando ouvimos
os gritos dos bebês. Antonella e a mãe correram, e eu pude falar com minha
avó a sós. — Vovó, a senhora precisa ficar tranquila para entrar em contato
com a equipe em Londres, está tudo na minha cartilha de emergência, eu não
tenho a menor condição de ficar tentando ligar.
— Eu quero ir com você — exclamou, com os olhos enchendo de
lágrimas.
— Eu sei, mas se aqui não pega celular, imagine lá fora. — Fiz careta.
— Aí vem outra. — As minhas contrações não eram longas, a dor limitava-se
a picos rápidos e logo retrocedia. — A qualquer momento, o sinal vai voltar,
ou Rocco pode chegar, quero que a senhora explique as coisas porque foi a
primeira que eu procurei, e mande-o ir correndo ao meu encontro. Outra
coisa, tome seu remédio, por favor, porque eu sei que essa tontura da senhora
pode ser a pressão.
— Me deixa ir? — implorou, fazendo meu coração apertar. — Eu não
vou atrapalhar, eu juro!
— Eu sei, meu amor, mas a senhora ainda está em recuperação, e não
sei como vai ser essa viagem até Londres. — Acariciei seu rosto. — Vai dar
tudo certo, faça sua parte, tudo bem?
— Eu quero ir!
— Faz assim, espera por Rocco e, quando ele chegar, a senhora vai
com ele. — Sugeri e ela aceitou, os olhos brilhando. Em um instante, eu
simplesmente derreti. Meus olhos se encheram de lágrimas também, eu
estava vendo meu milagre se realizando. — Vovó, essa é a maior prova de
que Deus é tremendo na minha vida, ele me salvou e ao meu filho. — Sorri,
inundada pelo sentimento de gratidão. — Ele me deu uma segunda chance,
vovó, ele me permitiu viver, e por isso eu sei que tudo vai dar certo.
— Ele nos deu uma chance, minha filha.
Apertamo-nos em um abraço cheio de afeto, amor, recomeço. Eu
amava, e o sentimento de pura felicidade que eu sentia era fruto de todo amor
que eu recebia em troca.
— Vamos. — David abraçou a namorada, beijando-a. — Fique bem,
avise ao Rocco. Vai dar tudo certo.
Fomos para a frente do castelo, David correu, abrindo a porta do carro
para mim. Ele foi muito cuidadoso e me ajudou a subir no banco da frente.
— Por favor, David, dirija com cuidado. Você está levando meu
coração. — Minha avó tinha as duas mãos pressionadas ao peito. — Ficarei
tentando entrar em contato com a equipe, mas assim que Rocco chegar,
seguiremos atrás de vocês.
— Eu vou ter cuidado. — David sorriu.
— Você está carregado minhas preciosidades, eu te mato se algo der
errado.
— Confie em mim, mulher. — Ele piscou um olho. — Vamos, minha
quase neta — David brincou, sentando no banco do motorista — Vamos
correr para esse bebê nascer com tudo o que tem direito.
Quando o carro se afastou, rezei para que Deus abençoasse o meu
parto, para que meu filho viesse ao mundo com saúde. Não importava a dor,
ou qualquer outra coisa, eu só queria meu filho bem, do resto eu daria conta.
David estava dirigindo muito bem, mas o clima não estava nos
favorecendo. A chuva intensificou, e os trovões e relâmpagos também, eu
mal conseguia ver o que tinha à frente, não fosse a destreza do motorista, eu
não sabia se conseguiríamos.
— O carro está derrapando — David reclamou. — Está tudo
enlameado, nem a tração está com a aderência que deveria ter.
— Devo me assustar? — Ofeguei, quando uma contração mais forte
que as anteriores me pegou de surpresa. — Deus, isso dói demais. — Apertei
as mãos no banco, lutando para manter o controle e não gritar.
Essa estava demorando mais que as outras.
— Ainda nem saímos de Westlhern! — praguejou alto e outra
contração começou.
— Está mais rápido, David, quero dizer, as contrações.
Apertei os dentes, porque, até onde eu sabia, um parto era para ser
demorado, não é? Mas, então, lembrei que meu médico disse que havia várias
fases em um parto, a primeira, e mais demorada, era a fase latente, essa
geralmente demorava algumas horas. Talvez, eu tenha estado dormindo nessa
etapa.
— Meu médico disse que a mulher que consegue passar pela fase
latente do parto dormindo é sortuda — comentei, respirando entrecortado. —
Eu devo discordar. Acho que estou na fase ativa, a julgar pelas contrações.
— Olha, eu não entendo nada do que está me dizendo, mas se
conversar te ajuda, continue.
— Ah, meu Deus. — Apertei o braço dele. — Estão rápidas, não era
para estar assim ainda. — Olhei para David, ele estava com os olhos fixos na
estrada. — Não vai dar tempo de chegar a Londres.
— Puta que pariu! — ele xingou, e na hora eu senti que muita água
escorreu entre as minhas pernas, parecia que eu tinha feito xixi.
— Minha bolsa estourou. — Encarei meu vestido molhado. — Pare o
carro.
A primeira contração que senti, após a bolsa romper, me fez soltar o
primeiro grito, porque ela não era nem de longe parecida com as anteriores.
Por uma fração de segundo, minha mente ficou em branco, a dor eclipsou
completamente meu raciocínio.
— Não posso parar o carro, estamos no meio do nada, pelo amor de
Deus.
— Você não entende! — Apertei os olhos, gemendo de dor, até
respirar doía, parecia como se minha coluna lombar estivesse em brasa. —
Estou tendo meu filho e vai ser aqui no meio do nada, PARE O CARRO!
Praguejando, ele encostou. A chuva torrencial parecia piorar as dores
insuportáveis, e o espaço reduzido não ajudava no meu estado psicológico.
Infelizmente, era o que eu tinha e que poderia usar.
Eu estava preparada para um parto normal, mas não naquelas
circunstâncias. Eu só precisava manter a calma, e lembrar de tudo o que
aprendi.
— Eu preciso de espaço. — Não pude evitar as lágrimas, a dor era
massacrante, intensa, insuportável. — Preciso de espaço, eu tenho que
trabalhar para trazer meu filho ao mundo, me ajuda, eu imploro.
— Caralho, me dê cabeças para arrancar, que farei brincando —
lamentou, olhando-me em pânico. — Mas um parto? Um parto? Eu não tenho
condições para isso!
Eu queria rir da sua cara desolada, o pobre homem estava branco
como um fantasma.
— Fique ao meu lado, só fique. — Ele acenou, ligando a todas as
luzes da parte interior do veículo.
Não dava para ver muita coisa do lado de fora, por isso, talvez, ele
tenha deixado os faróis ligados.
— Não temos tempo de sair daqui… — Outra contração terrível e
dolorosa chegou, eu não deveria gritar porque isso ia me desconcentrar do
que eu precisava fazer, mas era impossível.
A sensação que eu tinha era a de estar sendo partida ao meio.
— Merda, merda, merda! — meu acompanhante gritou.
David acabou saindo do carro, depois, percebi que ele estava
mexendo na parte traseira do veículo.
— Deitei o banco traseiro, tenho um kit de primeiros socorros, vamos
fazer isso. — Ele soou confiante. E eu acenei.
— Nós vamos. — Minha voz saiu apertada. — Obrigada.
As contrações seguiam em um fluxo de altos e baixos. Sentia-me
dolorida, como se tivesse levado um chute na parte baixa das costas.
— Vamos ter calma. — David estava tentando o seu melhor para me
tranquilizar. — Controle a dor, quando a chuva diminuir, seguiremos
caminho.
Jesus, ele não tinha entendido, meu filho não ia esperar.
A dor era tanta que não tive energia para me mover para a parte de
trás do carro, ali mesmo, onde eu estava, trabalharia para trazer meu filho ao
mundo.
— Rocco, preciso tanto de você.
Chorando de dor e medo, por causa da situação, comecei a fazer
força.
Rocco

Meus dedos batucavam ansiosamente na mesa. Eu não podia evitar a


sensação de urgência que me dominava, não consegui dar nem um gole na
minha cerveja. Meu corpo estava ali, mas os pensamentos, não. Victoria não
saía da minha cabeça, eu a havia deixado dormindo, sabia disso, mas, desde
que os primeiros trovões começaram, uma ansiedade louca me fez suar de
nervosismo.
— Vamos embora! — Levantei-me. — Onde eu estava com a cabeça
quando deixei a minha mulher grávida sozinha? Estou saindo.
— Calma aí, idiota. — Dinka apontou sua vodca em minha direção —
A garrafa está na metade e você não bebeu nada, vamos lá, só um gole.
Um barulho estrondoso sacudiu o lugar, meu sangue gelou. Victoria
amava a chuva, eu sabia, mas ela não gostava de trovões. Eu precisava ir para
ela, abraçá-la.
— Fique se quiser, eu estou indo para casa e para minha mulher.
— Deixa Victoria respirar um pouco, seu idiota! — falou rindo, o
bastardo estava bêbado pelo simples fato de estar tomando vodca pura há três
horas.
— Eu também quero ir. — Jason ergueu-se, ele também não havia
tocado em sua bebida, apenas Dimitri bebia descontroladamente.
— Ainda temos tempo, faltam vários dias, a Bonequinha falou. —
Dimitri fechou a cara. — Vocês parem com essa putaria, o Gianne vai nascer
quando nascer!
— Fica na sua! — William deu-lhe um tapa que fez sua cabeça
chicotear para frente.
— Bando de idiotas — Dimitri reclamou, esfregando a nuca. — Não
sabem nem entender quando o amigo está carente.
— Vamos, bastardo, no caminho você conta o que está acontecendo.
— Paguei a conta e saí sem olhar para ver quem me seguia.
Queria correr e encontrar Victoria, checar se estava tudo bem com ela
e nosso filho, hábito que eu adquiri quando ela passou a ter dificuldades para
dormir, devido a gravidez avançada. Ela precisava de mim para cuidar dela,
em toda a minha vida, eu nunca me senti tão necessário quanto agora, e isso
me orgulhava.
— Eu não deveria ter vindo, droga! — O arrependimento me corroía.
— Da próxima vez, finja que eu não estou na cidade — avisei ao Dimitri, sua
resposta foi mostrar-me o dedo.
Não me importava com a aparente rebeldia do meu amigo, se ele
quisesse falar o que estava acontecendo, não precisaria de um bar para isso.
Foi tolice da minha parte deixar a minha mulher sozinha, quando ela poderia
precisar de mim.
Cuidar dela era meu prazer, admirar seu corpo mudado por causa da
gravidez era um privilégio. Eu amava cada aspecto da minha garota.
— Linda demais! — suspirei, apaixonado.
— Deu para falar sozinho agora? — William perguntou,
acomodando-se no banco da frente.
— Na verdade, eu estava apenas afirmando em voz alta como
Victoria está linda. — Balancei a cabeça. — Às vezes ela reclama de parecer
uma bola, mas, cara, é a minha bola! — Todos rimos, concordando. — Eu
estava um pouco preocupado, mas lógico que não iria deixar transparecer, ela
ganhou vinte e um quilos. Tive medo de diabetes gestacional.
Jason preferiu sentar ao volante, dirigir o deixava calmo. Eu sabia.
— Pois é, no início, ela perdeu peso, mas depois ela começou a se
recuperar.
Fiquei quieto, porque durante um tempo eu estive no escuro em
relação ao que acontecia com ela, por causa disso, acabei perdendo uma parte
de sua gravidez e isso ainda me deixava magoado.
— Tem uma árvore no caminho — Jason alertou, parando o carro. —
Vamos pegar outro acesso, temos que voltar. Eu estudei a área e tem uma
trilha que dá para seguir.
— Não dá para contornar a árvore? — perguntei, me esticando para o
banco da frente. — É mão dupla, não é?
Do outro lado da árvore, dava para ver um carro com os faróis
ligados.
— Aquilo é gente querendo passar e não consegue, vamos contornar!
— Dimitri reclamou. — Quero chegar em casa logo.
Jason começou a dar ré, devagar, porque a chuva estava tão forte que
era cegante. Meu olhar prendeu-se nos faróis do outro carro e isso
estranhamente fez meu coração acelerar e a ansiedade voltar com força total.
— Porra. — Esfreguei o peito, os olhos fixos naquelas luzes que iam
ficando cada vez mais distantes.
— Vai levar mais tempo para chegar. — Jason também não parecia
muito tranquilo. — Vou acelerar.
Quando já não dava para ver as luzes do carro, senti como se me
faltasse o ar. Jurei ter ouvido a voz de Victoria me chamando.
— Volte! — pedi, sentindo meu coração acelerar. — Quero checar
aquele carro.
Jason concordou e voltou, quando nos aproximamos da árvore caída,
e eu pude avistar os faróis do outro carro, fiquei mais calmo.
— Tem capas de chuva na mala, esse carro sempre está preparado, o
clima daqui é imprestável! Rocco, pegue as capas de chuva para você e para
mim, vamos olhar as pessoas do outro carro e ver se está tudo bem — Willian
falou, já soltando seu cinto.
Fiz como ele disse, uma certa urgência tornando meus movimentos
frenéticos. Encontrei as capas em uma embalagem de emergência, dentro
havia lanternas, uma manta e corda. Saímos do carro e a chuva já nos cegou,
o barulho era intenso, o terreno escorregadio de lama.
— Vamos lá. — Apontei para o carro do outro lado. — O que caiu foi
a parte da copa da arvore, o tronco não está aqui. — Mostrei a William. —
Eu acho que conseguimos arrastar para um lado e fazer mão única, isso é
melhor que pegar outro caminho. Podemos usar as cordas.
— Sim — gritou, próximo. — Vamos ver se tem alguém para ajudar.
— Certo, vamos pela esquerda, quanto mais próximo do tronco
estivermos, mais fácil ficará.
Com cuidado, começamos a contornar a árvore caída, mas
infelizmente, por causa das condições do terreno, era o mesmo que andar
sobre o gelo, escorregando o tempo todo.
— Por que diabos aqui ainda é assim? — rosnei, puto. — Por acaso é
falta de dinheiro?
— Eu irei mandar fazer uma estrada decente aqui — William disse,
antes de escorregar. Eu o segurei antes que caísse.
— Cuidado, está perigoso — avisei e continuamos.
Quando chegamos do outro lado e eu me aproximei do carro, acabei
ouvindo um grito que me fez congelar.
— Mas o quê?… — William estava de olhos arregalados.
Outro grito, desta vez mais agudo e doloroso, enlouqueceu-me. A
adrenalina deu um tiro no meu sistema, e eu nem me importava mais com as
condições do terreno, apenas em chegar o mais rápido possível ao grande
utilitário preto. Só não acabei caindo porque meu corpo bateu na lateral do
carro.
— Eu sabia que não era para sair de casa, vou matar Dimitri.
Os vidros estavam embaçados, mas por causa da luz acesa, eu
conseguia enxergar alguma coisa. Victoria rasgava a noite com seus gritos de
dor. Eu poderia jurar que eram açoites em minha pele.
Sem saber direito o que fazer, comecei a bater no vidro. Ela parecia
não me notar, estava gritando, desesperada, presa naquela dor insuportável.
Dio santo, será que ela estava ferida?
O mero pensamento me deixou pirando, praticamente espanquei o
vidro enquanto tentava abrir a porta de um jeito desesperado.
— Afaste-se ou estouro seus miolos! — Ergui as duas mãos e, aos
poucos, fui virando.
Dark estava com duas armas, uma apontada para mim e outra para
William.
— Sou eu! — Coloquei em meu próprio rosto a lanterna que
carregava e Dark suspirou, aliviado, tanto que seus ombros caíram.
— Desculpa, mas não dá para enxergar direito e o capuz… —
Balançou a cabeça. — Estou morto de preocupação, nós mal paramos aqui e
a árvore caiu, se tivéssemos continuado, ela teria nos atingido.
— Merda! — Voltei minha atenção para Victoria, continuei batendo
no vidro até ouvir o clique das travas.
— Espere, ela pode se molhar, entre pelo outro lado. — Dark
apontou. — Eu que mandei ela se trancar, quando vi os faróis aproximando-
se.
— Tudo bem, agora vá e traga Jason aqui, por favor. — Corri para o
outro lado do carro, seguido por William. Abri a porta do motorista e entrei
com metade do meu corpo, a visão que me saudou quase me fez enfartar. —
Meu amor… — Estiquei o braço, tocando o rosto suado e contorcido de dor
da minha mulher.
Eu não sabia o que dizer, eu me vi, em dois segundos, beirando o
desespero. Estava tudo errado, ela não poderia estar naquelas condições.
— Rocco. — Ela gemeu, fechando os olhos, fazendo força em sua
posição sentada. — Nosso filho quer nascer.
Não, nós tínhamos planejado um parto em casa com uma equipe
gigantesca e especializada. Se assim eu já me sentia apavorado, imagine
agora. Era impensável.
— Por favor, me ajuda.
— Dio mio, eu não estou preparado! Pequena, não posso fazer isso,
eu… só não posso! — Arquejei, sentindo tanto pânico que, por um momento,
minhas pernas ficaram travadas, eu não conseguia me mexer.
— Bonequinha! — Jason se esticou para tocar Victoria, estávamos
espremidos na porta do motorista.
— Por favor, me ajudem! — ela implorou, berrando quando outra
contração assolou seu corpo. — Me ajudem! — Soluçou baixinho, eu pude
sentir em minha pele seu medo, a dor devia estar massacrando-a. — Sozinha
eu não consigo. Rocco, por favor, por favor.
— Amor, olha só, você vai ter nosso bambino em casa, esqueceu? —
Tentei me convencer do impossível. — Você terá uma equipe enorme, pronta
para qualquer coisa.
— Oh, Deus, eu vou morrer. — Ela fechou os olhos, arquejando em
desespero, o rosto uma máscara de dor intensa.
— Dio mio, eu não estou preparado para isso! — Esfreguei meu rosto,
tentando encontrar uma solução.
Sentia o coração batendo descompassado no peito, quase causando
um infarto.
— Rocco, olha para mim! — Ouvi a voz baixa, cansada e cheia de
dor da minha esposa.
Eu queria tirar o que ela sentia, eu poderia lidar com qualquer coisa,
mas não com seu sofrimento.
— Rocco…
Aproximei-me mais um pouco e beijei a sua bochecha, provando o sal
de suas lágrimas.
— Você vai ter nosso bebê em casa, com uma equipe — insisti. —
Em um lugar confortável, apropriado, seguro. Eu sei, eu sei que dói, mas
quando sua bolsa estourar, você vai ser muito bem cuidada, eu vou remover
essa árvore da frente, eu prometo, só aguenta um pouquinho mais, eu juro
que vou conseguir te levar para casa.
— Olha para mim, por favor — ela implorou, tocando meu rosto. —
Minha bolsa estourou há meia hora. — Fechei os olhos, negando, isso não era
para estar acontecendo. — Amor, não dá tempo, você precisa ajudar nosso
filho. — Sua voz decaiu e ela falava respirando difícil, gemendo de dor. —
Não deixa nosso pequenino sofrendo. Eu confio a nossa vida a você, agora
você precisa acreditar também, você sabe o que tem que fazer, então, vamos
fazer isso juntos.
Olhei sua expressão cansada e a certeza de que eu seria aquele que
traria nosso filho ao mundo me engoliu. Apesar de estar todo trêmulo, morto
de medo.
— Eu te amo! — Beijei seus lábios rapidamente e comecei a dar
ordens. — Jason, pegue o celular e tente chamar uma ambulância e os
bombeiros, para cuidarem da árvore. — Entrei no carro já me livrando da
capa de chuva. — William, vá para a parte de trás, você vai apoiar as costas
de Victoria. — O conde atendeu, em instantes ele estava lá nos fundos do
carro.
— E eu? — Dimitri perguntou.
— Você saia da frente! — respondi grosseiro, o bastardo estava
cambaleando. — Você está bêbado, infeliz, não quero esse cheiro de vodca
na cara do meu filho e nem na da minha esposa!
— E ainda diz que é meu amigo, estou magoado — lamentou, para
logo berrar quando Victoria gritou.
— Meu filho quer nascer!
Com cuidado, eu trouxe Victoria para a parte de trás do carro, era
tudo precário, mas era o que tínhamos à disposição.
— Cuidado, William, apoia ela direitinho.
O conde foi gentil e muito cuidadoso ao apoiá-la. As costas de
Victoria ficaram no peito dele, nós a ajustamos para a posição que eu me
lembrava de ter visto nas aulas de pré-parto. Depois, dobrei as pernas dela.
— Merda! — Travei o maxilar, levantando o vestido para expor sua
barriga, depois, retirei a calcinha encharcada de sangue e fluidos. — Não
olhe, William! Dio mio, não olhe para as partes íntimas da minha mulher!
Notei que ela estava inchada, a vulva abrindo-se como uma flor.
— Calma, Rocco, fique calmo — disse a mim mesmo.
— Não olhe, William…
— Quem se importa, Rocco? — Victoria grunhiu. — Só quero trazer
meu filho ao mundo, agora deixa de ciúme e trabalhe!
— Foda-se! — rosnei, expondo seu ventre enorme e duro. — Não
olhe, Conde! Dimitri, me dê a sua vodca!
Eu não estava acreditando que faria isso. Dio santo, eu não estava
acreditando.
Quando peguei a garrafa, molhei as mãos. Aquela porra era álcool
puro, depois, amenizei o cheiro com a água da chuva. Eu me sentia um por
cento mais preparado para fazer aquilo.
— Vamos lá, Pequena, agora é empurrar quando a dor vier, lembra
das aulas?
— Sim, com você aqui me sinto segura, você não vai deixar nada
acontecer com o nosso filho, não é?
— Não vou, prometo.
— Deus, Rocco, dói tanto, eu gostaria daquela anestesia agora —
murmurou, contorcendo-se. — William, me dá sua mão, por favor! — O
conde colocou as duas mãos para frente e Victoria as usou como apoio,
quando a dor vinha, ela fazia força.
Eu acreditei que estávamos indo bem, pelo menos eu achava que sim,
porque verdade fosse dita, eu estava a ponto de morrer do coração.
Madonna mia. Eu nunca imaginei que traria meu filho ao mundo.
— Ahhh, Deus! — Victoria fechou os olhos, o rosto vermelho de
tanta força que ela fazia. — Estão vindo uma atrás da outra, não consigo
saber quando uma termina e outra começa! — Ofegou, fazendo mais força,
eu estava concentrado em sua vagina, notei que estava abrindo cada vez mais,
meu coração quase falhou, comecei a tremer, e ao mesmo tempo lutar para
me manter firme.
— Eu acho que estou vendo a cabeça. — Toquei-a suavemente, e tive
certeza. — Vem, meu filho! — Minha voz embargou, pisquei as lágrimas,
meu bebê tinha cabelos escuros.
Eu acreditava que estava quase perto de acabar.
— Puta que pariu! Isso é uma cabeça saindo daí? — A voz de Dimitri
soou ao meu lado. — Não vou me recuperar dessa visão! Caralho, eu adoro
boceta, mas depois dessa? Que horror! — Escutei o ofego chocado quando a
cabeça do meu filho saiu um pouco mais.
Victoria não parava de fazer força, ela não gritava, agora, estava
muito concentrada em trazer nosso filho ao mundo. Seu rosto estava tenso,
os lábios selados em uma linha fina.
— Quanto sangue! Govno[11], eu não deveria ter visto isso.
Instantes depois, ouvi o barulho abafado de queda. William riu.
— Dimitri desmaiou. — Eu ri também, apesar do estresse dentro do
carro, não deu para evitar.
O sorriso de Victoria foi engolido por ofegos entrecortados. Parecia
que ela estava respirando com dificuldade.
Por Deus, ela estava cansada. Quanto mais aguentaria? Era aqui que
as coisas poderiam dar errado? Não permiti que o pânico me dominasse.
— Só mais um pouco, amore mio — incentivei, porém ela estava
respirando fundo, a cabeça pendendo para o lado, os olhos abertos em
pequenas frestas.
— Não aguento, não tenho mais força.
Meu estômago encolheu de medo, ela não poderia desistir agora. Não
quando estávamos tão perto de realizar nosso sonho de segurar nosso filho.
— Amor, falta tão pouco, você é forte! — Beijei suas mãos. — Falta
muito pouco, acredite em mim.
— Rocco, não tenho força. — Ofegou, chorando.
— Sim, Bonequinha, você consegue, por favor, traga nosso garoto
para nós — William incentivou, beijando a cabeça molhada de suor. — Traga
nosso garoto ao mundo, dê-me essa alegria em minha vida.
— Eu vou tentar. — Respirou fundo, uma, duas vezes, então, eu não
soube de onde ela tirou forças, mas voltou a fazer seu trabalho.
— Isso, amor! — Eu não estava acreditando em meus olhos, meu
filho estava perto de nascer, eu já podia tocá-lo livremente agora. — Força,
Pequena.
Ela gritou alto enquanto empurrava, parecia o grito de uma guerreira,
e naquele instante, a cabeça do meu filho saiu completamente do canal
vaginal. Eu o amparei, tonto de emoção. Mal conseguia aguentar.
— Mais uma, amor. Quando a dor vier, faça força e segure. Gianne
vai nascer agora. — Apoiei meu pequenino enquanto esperávamos.
Minhas mãos tremiam ao tocar-lhe, era surreal, inacreditável uma
coisa dessas. Um nó de emoção se formou em minha garganta, eu o engoli
enquanto limpava as lágrimas no ombro.
— Agora, Rocco! — Victoria alertou e eu dei um minúsculo puxão,
ajudando meu garoto a nascer e a deixar o aconchego do útero de sua mãe
para vir para os braços de seu pai.
O berro foi alto e cheio de vigor. Gianne veio ao mundo com os
pulmões fortes de um campeão, ele parecia revoltado por ter deixado o
aconchego e proteção de sua mãe. Eu o segurava em meus braços e a emoção
era tanta que eu tive que engolir o choro.
Nesse instante, eu conheci outro patamar de felicidade, o orgulho
explodia em meu peito como fogos de artifício.
— Me deixe segurá-lo. — Victoria estendeu os braços e eu passei
nosso filho para ela. — Vem com a mamãe, meu amor. — Ela beijou a
cabeça suja do bebê, ele parou de chorar assim que foi para os braços dela.
Ela esfregava o nariz suavemente no bebê, enquanto ele fazia
pequenos sons de choramingo.
O tempo estava frio, e não tinha nada para aquecer o meu filho, olhei
ao redor, então para mim mesmo. A capa de chuva havia protegido minhas
roupas. Sem pensar se era certo ou errado, arranquei a minha blusa, ela estava
quente.
— Feche os olhos, William — pedi, e não o olhei para saber se ele
tinha obedecido antes de baixar a parte de cima do vestido de Victoria. —
Gianne tem que ficar em contato com sua pele, eu li que é importante esse
contato.
Quando o bebê foi encaixado entre os seios de Victoria, eu os cobri
com a minha blusa, ambos estavam rodeados por meu cheiro, era como se eu
também estivesse os abraçando.
— Eu vou te limpar, não sei exatamente o que tenho que fazer, mas
farei.
Fiz uso de todas as gazes do kit de primeiros socorros, depois não
pude fazer mais nada, tudo era precário demais. Finalizando essa parte, ajeitei
as pernas de Victoria, cobrindo-a com o vestido da melhor forma que eu
consegui.
Então, meus olhos repousaram no que eu tinha de mais precioso.
Minha mulher e meu filho. Vê-lo juntos foi quase demais para mim.
Inclinei-me para ela, beijando-a suavemente.
— Obrigado, amore mio. — Chorei, emocionado como nunca estive.
— Obrigado por esse presente tão maravilhoso.
Ela sorriu, sua expressão cansada era a mais linda. Eu ainda não
acreditava que tinha acabado de viver um momento tão ímpar, pude
presenciar outra vez o quão forte minha Victoria era. Isso me emocionava
além de qualquer medida.
Lutando contra o espaço pequeno, arrumei uma posição para que eu
pudesse ficar ao seu lado. William ainda estava ali, compartilhando o
momento conosco.
— Meus amores. — Beijei os lábios de Victoria, ajudando-a a se
acomodar em meu braço.
— Eu amo vocês — William declarou, beijando a mim e a minha
esposa na cabeça. — Obrigado por me mostrarem que viver vale a pena. —
Ele sorriu, limpando uma lágrima. — Agora contemplem meu herdeiro.
O conde William acariciou meu filho com amor, sua declaração me
fez entender que ele havia tomado sua decisão e que ela era definitiva.
— Infelizmente não posso deixar meu título em testamento, mas
posso deixar tudo que não for espólio do condado. Ele será meu único
herdeiro.
Dito isso, ele começou a se mover para sair, com ajuda e muito
cuidado, o porta- malas foi aberto e William esgueirou-se para fora. Sozinho
com Victoria, admiramos nosso pequeno anjo.
— Veja como é lindo! — sussurrou, acariciando a cabeça do bebê. —
Ele é tão cabeludo. — Victoria riu, olhando-me. — Eu nasci careca, minha
mãe sempre falava isso.
— Eu nasci um pequeno urso, amore mio. — Respirei fundo, tocando
meu filho. — Não acredito que eu fiz o seu parto. — Fechei os olhos,
estremecendo. — Tem noção de para onde o patamar da minha
possessividade vai? Adicione a isso o que me tornou um homem louco de
amor.
— Bobo. — Victoria soltou um longo bocejo e vi que tremia bastante.
— Você está com frio, amor? — Tentei ficar mais próximo deles. —
Quer que eu ligue o aquecedor? — Não pude esconder minha preocupação, o
parto foi bem-sucedido, mas e agora?
Eu assisti a milhares de vídeos, li muitos livros, alguns me deram até
pesadelos.
— Não consigo controlar o tremor, acho que é por causa do esforço
— disse baixinho. — Acho que meu corpo está se readaptando à mudança.
Estou cansada demais, quero dormir um pouco.
— Pode dormir. — Beijei sua testa. — Nada vai acontecer, eu estou
aqui para te proteger, seu irmão está lá fora também. Dark está feroz com
você, além de William. Eu só não contaria com Dimitri, aquele ali não serve
para nada agora.
Rimos de novo, pois sabíamos que ninguém esqueceria que Dinka
havia desmaiado. Por fim, enquanto Victoria ia fechando os olhos, eu
encarava seu rosto exausto.
— Você é a minha vida, meu coração, tudo para mim — disse para
ela.
Nunca cansaria de declarar o quanto a amava, essa mulher era a
minha vida.
Victoria suspirou, adormecendo. Com cuidado, eu peguei nosso filho
nos braços. Sorri ao pensar que o herdeiro de uma das maiores fortunas do
mundo nasceu no meio do nada, dentro de um carro sob uma chuva
torrencial, sendo trazido ao mundo pelo esforço de sua mãe e pela confiança
que ela havia depositado em seu pai.
Gianne Fontaine Gianello Masari, nascido às três horas da
madrugada, do dia seis de setembro de dois mil e quinze.
— Uma parte de mim. — Emocionei-me de novo, encarando seu
rostinho miúdo. — Sangue do meu sangue, carne da minha carne.
Vida criada a partir do meu amor por uma mulher.
Olhei para minha esposa dormindo.
— E eu achando que não poderia amá-la ainda mais! — Balancei a
cabeça, sorrindo. — Grande engano.
Rocco

Ainda não dava para acreditar no que eu tinha feito. Acho que, após a
adrenalina baixar, a realidade bateu tão pesada que eu me peguei emudecido
de choque e fascínio. Ainda estava dentro daquele carro, em precárias
condições, mas Victoria estava bem, e meu filho era a coisa mais linda do
mundo.
— Eu te trouxe ao mundo. — As palavras saíram roucas, carregadas
de uma emoção tão potente que não tinha explicação.
Eu tinha certeza, sem sombra de dúvida, de que essa fora a minha
maior conquista. De tudo o que já havia realizado na vida, trazer meu filho ao
mundo foi o ápice do que eu pensei ser capaz de fazer.
— Dio santo, você é perfeito.
Gianne abriu a boca, como se bocejasse, eu ri baixinho. Ele era lindo
demais, uma incomparável obra de arte. Talvez, apenas Victoria se
equiparasse, porque nenhuma outra pessoa, além dela e deste minúsculo bebê
em meus braços, puderam me deixar em um nível estratosférico de
encantamento.
Qualquer som que saísse de sua pequenina boca, ou dos movimentos
aleatórios que fazia, era tão maravilhoso que eu tinha certeza de que jamais
cansaria de olhar.
— Rocco, as luzes da ambulância estão se aproximando. — Jason
colocou o rosto dentro do carro. — Não sei como será para remover os dois.
Ele olhou para Victoria, o sorriso em seus lábios era algo que eu
nunca tinha visto. Jason estava arrebatado, como eu.
Talvez, todos nós estivéssemos.
— Não sou a favor de usar motosserra para cortar a árvore, eu acho
melhor ir na força bruta mesmo, não quero assustá-los.
— Concordo plenamente. — Voltei a olhar para o Gianne, o peito
sacudindo de tanto sentimento. — Você e sua mãe são o meu amor.
— Me deixe vê-lo — Jason pediu, esticando-se.
— Você está todo molhado, tenha cuidado — avisei, mostrando o
bebê. — Fique aí mesmo, veja ele de longe. Quando estiver seco e em um
ambiente seguro, eu te deixo até segurar.
Jason nem parecia me ouvir. Ele só tinha olhos para Gianne. Confuso,
percebi lágrimas se acumulando até escorrerem por seu rosto. Ele tentou
limpá-lo com brusquidão, mas até sua respiração soava trêmula, enquanto
parecia lutar para se controlar.
Era como se ele não quisesse que ninguém percebesse seu estado
emocional.
— Eu perdi tudo na minha vida — Jason confidenciou, limpando os
olhos com o antebraço.
Não adiantou, porque o choro estava lá, como um reflexo de
memórias muito dolorosas.
— Durante anos, eu lutei para ficar o mais distante possível das
pessoas, porque não suportava perder mais ninguém. Mas Victoria enxergou
algo em mim, quando eu mesmo não podia ver nada. — Ele me olhou. — Ela
me deu tudo, Rocco. Graças a Victoria, eu posso aceitar os sentimentos que
tenho por meus irmãos e por esta família também. Eu a amo, e a este bebê
também, apesar de não termos o mesmo sangue, nos escolhemos.
Eu compreendia cada uma das palavras que ouvira. Eu sabia o que era
não ter perspectiva de certas coisas, e de repente, ver um mundo de
possibilidades se abrir diante dos seus olhos.
Victoria acolheu Jason quando ele menos esperava, ela o tratava como
um irmão, porque era isso o que ele era.
— Eu sei como se sente, brother — falei baixinho, e ele riu. —
Somos uma família grande e barulhenta.
Jason respirou fundo, controlando-se.
— Okay, chega disso. — Um sorrisinho cínico ergueu o canto da
minha boca, se ele queria assim, por mim tudo bem. — Fique com eles que
eu vou trabalhar em uma forma de remover aquela árvore, quero ver se
Dimitri serve nem que seja para segurar a lanterna na direção certa.
— Como ele está?
— Tem lama até dentro das orelhas. — Jason balançou a cabeça. — O
bastardo teria se afogado, mas eu e Dark o pegamos. Agora, preciso ir, há
muito trabalho pela frente.
Quando ele fechou a porta, meu mundo resumiu-se ao que eu tinha
dentro daquele carro. Victoria estava exausta e Gianne começava a se agitar.
Precisei mudar a sua posição, ajustando-o na curva do braço para que eu
pudesse o balançar suavemente.
— Eu te amo tanto, bambino — disse, como se ele pudesse me
compreender. — Você foi muito desejado, eu tentei muito engravidar a sua
mãe, até conseguir. Te segurar em meus braços é a coisa mais incrível que já
fiz.
— Rocco?
— Sim. amore mio. — Surpreendi-me por encontrá-la de olho
abertos. — Pensei que estivesse dormindo.
— Eu só estava cochilando. — Sorriu, depois um longo suspiro a
deixou. — Você se lembra daquela aula sobre amamentação? — Acenei. —
Ele deveria estar no peito.
— Vamos tentar? — perguntei, e ela acenou, tentando erguer-se um
pouco.
— Minhas pernas estão tremendo. Não tenho força para nada.
Com toda certeza, depois de tanto esforço, ela estar tão disposta era
incrível.
— Segure nosso filho. — Entreguei o pacote bravo a ela e trabalhei
com cuidado para mudar de lugar no espaço apertado. Quando consegui,
encostei-me no porta-malas, trazendo Victoria para os meus braços. Ela
ficou numa posição parcialmente sentada, usando-me como apoio.
— Vamos lá. — Ela expôs os seios, mudando o jeito que segurava o
bebê.
— Lembre-se de que ele deve pegar o mamilo todo, não apenas o
bico, porque senão você vai se machucar.
— Não lembro direito como é a pega da amamentação, mas vamos
tentar. — Victoria apertou o mamilo e encolheu, parecia doloroso. — Assim,
vamos, amor.
Na terceira tentativa, Gianne o segurou e começou a sugar. Ele
reclamava, fazendo pequenos sons que eram fofos demais.
— Obrigado por tanto, Victoria. — Abracei os dois, enquanto gravava
o momento para sempre em minha memória.
Ela me olhou, e mesmo naquela luz precária, eu pude enxergar tanto
amor que me deixou abalado. Era como se ela pudesse ver o que ninguém
poderia, e isso me deixava ainda mais dependente do amor e da vida que ela
me dava.
— Eu te amo, Rocco — sussurrou.
Eu a beijei. Suave, gentil, cheio de todos os bons sentimentos que
cresciam a cada dia em meu coração.
— Você e nosso filho são a minha vida — disse, acariciando seu
rosto.
Por mais que não houvesse demorado para a ambulância chegar,
levando em consideração o tempo ruim, eu comecei a me sentir um tanto
ansioso, pelo fato de Victoria estar sangrando.
Apesar de a médica dizer que era normal, não consegui ficar calmo.
— Senhor Masari, ouça. — A médica parou um momento. — Esse é
o primeiro sangramento depois da gravidez, confie em mim quando digo que
é normal. O parto foi um sucesso e está de parabéns, pelo que pude avaliar, a
vagina da sua esposa está em perfeito estado.
— Então, ela sangrar não quer dizer que eu fiz algo de errado?
Talvez eu pudesse respirar direito.
— Tem mulheres que molham um lençol em seu primeiro
sangramento após o parto normal. Está tudo bem, sua mulher está ótima.
Agora, precisamos chegar à maternidade para dar continuidade aos
procedimentos.
Absorvi as informações, avaliando-as. Preferi acreditar no que a
médica dizia, depois, se eu descobrisse que ela tinha mentido, teríamos sérios
problemas.
— Vamos aproveitar que a chuva passou para transferir sua esposa
para a ambulância — a médica avisou.
Fiquei em cima da médica enquanto ela mexia em Victoria. Eu estava
gostando, a mulher estava sendo bem cuidadosa em cada manuseio, e minha
mulher não reclamou de nada.
— Senhora Masari, vamos para a ambulância.
— Tudo bem. — Victoria tentou apoiar-se, mas tombou de lado. —
Me sinto tonta.
— Vem, amor, eu te carrego. — Meu filho já estava protegido dentro
da ambulância. Com todo cuidado, eu a peguei nos braços, estranhando a
falta da barriga volumosa e do peso que eu estava acostumado.
— Posso me acostumar com isso — ela brincou.
— Fique à vontade. — Beijei sua testa.
Pouco tempo depois, estávamos prontos para seguir, quando entramos
em movimento, eu me senti aliviado. Agora sim, Victoria teria assistência,
porque lá, na luz branca e forte, eu havia me assustado muito com a
quantidade de sangue em seu vestido.
— Tudo bem? — Victoria perguntou, fechando os olhos — Estou
tonta, é estranho.
— Amor, tem certeza de que é só tontura? Você sente algo mais? Não
me esconda nada, per favore. — Peguei sua mão. — Você não deveria ter
tido nosso filho nessas condições.
A médica bufou, revirando os olhos, ela parecia irritada com alguma
coisa.
— Estou com vontade de tomar um banho, mas também quero
dormir, segurar meu filho, abraçar você. — Os olhos dela brilharam, um
sorriso enorme iluminou seu rosto. — Você foi perfeito, fez meu parto
direitinho. Sabia que você seria incrível. — Entrelacei nossos dedos, a
confiança dela em mim deixava-me arrebatado.
— Apesar do medo, essa foi a experiência mais extraordinária que eu
já tive.
— Você segurou nosso filho com tanta confiança, estou muito
orgulhosa de você, Rocco.
— Eu… — Pigarreei, não queria demonstrar tamanha emoção na
frente daqueles estranhos. — Eu acho que vocês dois foram feitos para estar
em meus braços, por isso. — Sorri, emocionado. — Aqui parece o lugar
ideal, na verdade, eu tenho certeza de que é.
— Eu também, acho.
Ao lado da minha esposa e filho, a viagem até Londres não pareceu
tão longa.

***

— Amor, eu realmente estou bem! — Victoria insistiu em dizer,


porque eu não saía do seu lado, e a qualquer careta que fizesse, eu a enchia de
perguntas.
Ela passou mal no banheiro, teria caído se eu não estivesse lá. Porra,
eu não podia sair de perto dela. Só isso.
— Você ia desmaiando no banho — acusei, acariciando seus cabelos.
Ela havia me dito que estava bem, e eu acreditei.
Tolo.
— Amor, vamos considerar que eu deveria ter ficado algumas horas a
mais de repouso.
— Você deveria mesmo.
— Rocco, um banho foi tão necessário quanto respirar. Eu estava
horrível.
— Não estava horrível coisa nenhuma.
— Eu estava — ela insistiu em seu ponto.
Concordei, apenas porque não ia discordar e correr o risco de chateá-
la. Agora que ela estava limpa, e devidamente instalada, eu queria saber por
que ainda não haviam trazido meu filho.
— Uma hora se passou desde que chegamos, Gianne deveria estar
aqui. — Cruzei os braços. — Se eu tiver que sair para procurá-lo, farei um
escândalo!
— Por que você não volta a sentar aqui? — Victoria me chamou,
dando batidinhas ao seu lado. — Ele está sendo examinado justamente
porque nasceu fora de um ambiente normal.
Sentei ao seu lado e a abracei. Por um momento, fechei os olhos,
desfrutando do cheiro do cabelo dela.
— Você tirou muitos anos da minha vida — reclamei baixinho. —
Não tem mais essa de parto em casa, ou dentro de um carro. A experiência foi
única, mas ela será isso mesmo, única. Outra dessa e meu pobre coração não
aguenta.
— Já te disse que você foi perfeito, meu amor. — Ela me bajulou. —
Acho que você já pode se tornar o parteiro oficial da família, você e William,
só não leve o Dimitri.
Começamos a rir na hora, Dimitri passava mal quando se deparava
com muito sangue. Pior, isso era somente relacionado à família e entes
queridos, e eu não sabia se era por algum trauma de sua infância.
O mais estranho era que ele lidava bem quando se tratava de
desconhecidos. O que aconteceu nas docas com o Gordon foi um exemplo.
— Sem comentários, Dimitri estava revoltado, morto de vergonha e
não quer conversar. William deve chegar a qualquer momento e Dark voltou
para buscar sua avó. Jason foi para casa buscar as malas da maternidade, logo
mais ele deve estar aí.
Uma batida na porta nos interrompeu, em seguida, uma enfermeira
entrou carregando meu filho.
— Senhora Masari, ele está impaciente, quase não me deixa limpá-lo
— a mulher falou, toda sorridente. — Ele nasceu com três quilos e trezentos
gramas, e cinquenta e dois centímetros.
— Eu sabia que ele seria grande! — Sorri, mas logo franzi o cenho,
meu filho estava agitado demais. — O que ele tem? — perguntei, pairando
sobre o ombro da enfermeira.
— Ele quer a mãe e o mamar. O tempo longe o deixou irritado. —
Riu, explicando. — Coloque o seio para fora, senhora Masari.
Agora, podendo enxergar numa boa posição, observei fascinado
Victoria ser preparada para amamentar nosso filho.
Gianne estava chutando e querendo chorar. Ele era mais impaciente
do que eu.
— Dói um pouco. — Encolheu-se quando a enfermeira espremeu seu
mamilo.
— No começo é assim, mas se fizer a pega direitinho, vai dar tudo
certo. — A enfermeira era bem paciente para explicar as coisas. — Os seios
estão sensíveis, os mamilos, mais ainda.
— Calma, mio bambino. — Meu pequenino estava abrindo a boca
todo ansioso, tentando encontrar alimento.
Fascinava-me vê-lo.
— Como meu filho é lindo! — Victoria estava caída de amores. —
Nossa, ele é tão bravo. — Ela encolheu um pouco quando finalmente nosso
filho conseguiu pegar o jeito correto de mamar.
Eu ri porque foi inevitável, ele fazia uns barulhinhos como se
estivesse reclamando por ter demorado demais.
— Pronto, perfeito! Lembre-se de encaixar bem o seio na boca dele,
não permita que ele sugue apenas o mamilo porque isso pode te causar sérios
problemas. Lembre-se de alternar entre um peito e outro, entendido?
— Sim! — Victoria sussurrou, sem tirar os olhos do bebê.
— Qualquer coisa, é só apertar o botão vermelho ao lado direito, eu
ou outra enfermeira virá imediatamente.
— Como eu sei que é a hora de ele mamar?
— Não se preocupe, amore mio, ele vai nos dizer! — respondi, indo
sentar ao seu lado, queria de alguma forma fazer parte daquele momento.
A amamentação era uma das cenas mais emocionantes que eu já havia
visto em minha vida, talvez eu tivesse outras que estivessem na categoria de
pré e pós, mas esse exato momento estava classificado como: e viveram
felizes para sempre.
Não existia mais interrogação, incertezas ou qualquer coisa parecida.
Tinha acabado, daqui para frente seria só felicidade e amor para minha
família e para mim.
— Ele suga tão forte. — Victoria acariciou os cabelos fartos do bebê.
Eram negros como os meus.
Respirei fundo, quase podendo sentir o gosto da felicidade, a emoção
que enrolava dentro do meu peito deixava-me perigosamente à mercê de
sentimentos muito fortes e turbulentos.
Só quem sabia o que eu havia passado conseguiria entender a
dimensão desse momento para mim. Eu tinha feito coisas das quais me
arrependeria até o último dia da minha vida, eu vira outras tantas que não
deveria ter visto, e isso havia me mudado para sempre. Eu fui quebrado em
muitas partes, porém, apesar de todos os sofrimentos, eu precisava continuar
lutando, mesmo que caísse muitas vezes.
Eu vivi uma odisseia no meu próprio inferno. E agora, eu me
regozijava no paraíso.
Esperei muito por esse simples momento de ver a mulher da minha
vida alimentando nosso filho lindo e saudável.
Só havia orgulho aqui, nada mais!
— Pode chorar, grandalhão! — Victoria acariciou meu queixo, seus
próprios olhos enchendo de lágrimas também. — Eu sei exatamente o que
está sentindo dentro do seu peito. — Sua mão tocou meu peito, eu a cobri
com a minha. — Você pode chorar, meu amor. Você tem esse direito, esse é
o seu descanso! Seu merecido descanso.
Eu sorri, concordando, sem precisar segurar aquele choro de alívio.
Parecia que agora eu já não me privava de nada, e isso, com toda certeza, não
me fazia menos homem, isso só me fazia real.
— Nunca vi cena mais linda que essa, amore mio! — murmurei,
tocando os cabelos do meu filho. — Você não cansa de me fazer feliz, não é?
— Bobo, te fazer feliz é uma honra e um privilégio meu. — Os lábios
estavam trêmulos, ambos olhamos para nosso pequeno agarrado ao seu seio.
Houve silêncio. Um pequeno e simbólico silêncio de fim de história, e
começo de vida.
— Preciso registrar esse momento — proferi baixinho, relutante em
levantar. — Farei um quadro gigantesco e vou pendurar em minha sala, na
nossa casa, em todos os lugares. Todas as vezes que eu o olhar, saberei que
agora, amore mio, a partir daqui, nossa vida vai ser perfeita.
Pegando meu celular, tirei a foto. Gianne estava de olhos fechados,
agarrado ao peito, sugando com força e de bochecha cheia. Mas o que eu
estava encantado em ver era sua pequena mãozinha tocando em Victoria.
Ela o olhava com indisfarçável amor.
A imagem perfeita.
Durante muito tempo, fiquei apenas ali, observando-os juntos.
Orgulhoso de que aquela fosse a minha família.
— Você deveria ir para casa, tomar um banho e fazer uma mala para
você, sei que vai ser meu acompanhante, não é mesmo? — Victoria me deu
um sorriso, ela sabia como seu marido funcionava.
Claro que eu ficaria com ela.
— Eu fiz minha mala quando você fez a sua, se não notou, a menor
do conjunto é a minha.
Victoria riu e Gianne reclamou. Ele fez um bico fofo, choramingando
por causa do barulho.
— Ele é marrento. — Apontei. — Esse puxou ao pai.
Victoria concordou, mas não fez barulho, afinal, nosso príncipe era
muito exigente quando estava enchendo a barriguinha.
Naquele dia, ou melhor, naquele restante de madrugada, Victoria
dormiu com nosso filho. Eu não permiti que ele fosse levado para o berçário,
como a enfermeira queria.
Apesar da cara feia que tive que aturar, ninguém tentou forçar a barra.
Lá pelas cinco da manhã, Jason chegou e ficou por ali, estava todo ansioso
para poder dar uma boa olhada no Gianne e, quando o fez, se emocionou
novamente.
Foi especial o momento que coloquei meu filho em seus braços.
Victoria dormia, vencida pela noite interminável, e eu estava ali para segurar
a barra com o pequeno corujinha.
— Oi, meu pequenino — Jason falou baixinho, a voz suave como eu
nunca tinha ouvido. — Você é lindo, a cara da sua mãe.
— Ele parece comigo, e eu sabia das suas olhadas para mim —
brinquei.
— Estou mentalmente estirando o dedo para você, Rocco — revidou,
sem tirar os olhos do pequeno esperto, que estava de olhos bem abertos.
Enquanto Jason estava com Gianne nos braços, meu cunhado estava
sendo enfeitiçado e eu não estava nem aí. Aproveitei esse momento para
checar um detalhe em Victoria, que havia me assustado mais cedo.
Espiando suas roupas, não notei nenhum sangue à vista, e isso me
deixou muito tranquilo. O fluxo estava grande ainda, como a médica disse
que seria, porém, o absorvente estava contendo. De qualquer modo, eu estaria
de olho, e se começasse a me incomodar, então, tomaria providências.
Quando ela acordasse, eu a ajudaria a trocá-lo e aproveitaria para
observar se estava tudo okay.
Agora, Victoria só precisava descansar, porque daqui a pouco Gianne
iria querê-la.
— Você deveria olhar a sua cara — Jason falou, chamando a minha
atenção. — Nunca pensei que estaria aqui para ver o dia em que Rocco
Masari ficaria perdido de amor.
Balancei a cabeça, rindo. Ele não entendia, na verdade, talvez
ninguém o fizesse. O que eu sentia em relação à Victoria era uma coisa que
me consumia, ao mesmo tempo em que preenchia cada maldito espaço vazio.
Ela era meu tudo, e a família que estávamos construindo, a minha
razão de viver.
— Quando você encontrar o mesmo que eu, vai entender. — Olhei
para Victoria. — Antes, eu estava perdido, Jason, agora não mais. Eu sei para
onde vou, e isso faz com que eu me sinta o homem mais sortudo do mundo.
Jason fez silêncio, mas, no breve instante em que nossos olhares se
cruzaram, percebi que ele não buscava o mesmo que eu. Eu não sabia como
era a vida dele antes de eu conhecê-lo, mas tinha certeza de que não fora
fácil.
O modo com que ele tratava Victoria, a gratidão estampada em suas
feições, a cada vez que amore mio o incluía, era de partir o coração.
Hoje eu percebia isso, porque não era o mesmo homem de antes. Eu
estava sensível para o meu entorno, e isso era culpa dos sentimentos que me
dominavam, impedindo-me de ser frio.
— Eu não tenho material para pertencer a alguém — revelou,
baixando a cabeça e dando atenção ao bebê em seus braços. — Eu já fiz
coisas, Rocco, que você nem imagina. Depois que… — Pausou, como se
fosse difícil demais falar.
— Jason, nossa relação mudou, você é o meu cunhado agora, um
amigo. — Aproximei-me e coloquei a mão em seu ombro. — Você faz parte
da minha vida e sabe que não importa o seu passado, você é um dos meus, e
eu vou te defender, cuidar e apoiar, não importa o que seja preciso para isso.
Não preciso saber do seu passado, isso não vai mudar nada.
Ele não me olhou, talvez pretendesse esconder seu estado emocional.
Eu pensei que ele não fosse dizer nada, então voltei para Victoria. Estava
arrumando o lençol dela, quando ouvi:
— Eu sou turco.
Parei o que estava fazendo, porque se não me enganava, não era
Turquia que estava em seu documento quando o contratei.
— Eu vi coisas que uma criança não deveria ter visto — ele disse. —
Perdi as pessoas mais importantes da minha vida, e então, por puro egoísmo e
medo, eu me afastei dos meus irmãos porque, no estilo de vida que
levávamos, eu corria o risco de perder mais. Eu só estava cansado de ter que
lidar com a morte tão próxima de mim.
— Por que não traz o seus irmãos para que possamos conhecê-los,
Jason?
— O estilo de vida que eles levam é… — Fez uma carreta. — Eu não
suportava mais, então, deixá-los tornou-me uma pessoa ruim? — Ele parecia
sentir-se culpado. — Eu vivi boa parte da minha vida do mesmo modo que
eles. Até o dia em que eu perdi meu pai e quase perdi meu irmão mais novo.
Depois de um tempo, eu só queria paz.
— Você encontrou isso com Victoria?
— Na verdade, Rocco, eu encontrei isso desde o momento que
comecei a trabalhar com você. — Ele deu um sorriso. — A vida de segurança
particular era infinitas vezes mais calma.
— Você por acaso está dizendo que a minha vida era enfadonha? —
Fingi estar bravo, e ele deu uma risada baixa.
— Insuportavelmente enfadonha.
— Obrigado por dizer isso. — Balancei a cabeça.
Eu tinha que concordar com Jason, antes de conhecer Victoria, eu não
passava do pobre menino rico, entediado com a mesmice da vida. Apesar de
toda simplicidade em que amore mio estava inserida, foi ela quem sacudiu o
meu mundo e me fez enxergar que precisava de mais.
Olhei para a minha mulher, e o amor me golpeou.
— Eu te amo — disse, inclinando para beijá-la.
Quando me afastei, seus olhos piscaram lentamente, abrindo-se. Meu
tolo coração estremeceu, aquele olhar dela tinha o poder de um tiro no peito.
— E eu te amo, Rocco.
— Pensei que estivesse dormindo. — Acariciei seu rosto.
— Meus seios estão começando a doer. — Ela sorriu. — E eu acho
que meu sono está leve, mesmo sentindo que poderia dormir somente
fechando os olhos. Você descansou? — Ela tocou minha barba, eu não a
tinha feito e precisava, pelo menos dia sim, dia não.
— Sim, Pequena, eu descansei — respondi, esfregando o rosto em sua
palma.
Foi um hábito que criei quando ela sofreu o acidente. Era minha
forma de comunicação não verbal, porque eu desejava que ela de algum
modo reconhecesse a minha presença.
— Rocco?
— Sim. — Dei um sorriso, era comum eu divagar pensando nela.
— Você comeu alguma coisa?
Acenei positivamente, achando fofo que ela se preocupasse comigo
quando os cuidados deveriam ser somente para ela e nosso filho.
— Bonequinha. — Jason levantou, vindo ficar do nosso lado. —
Parabéns, você trouxe muita felicidade para nossas vidas.
— Obrigada, brother.
Como se fosse ativado por algum dispositivo, Gianne começou a
choramingar, e em menos de dois segundos, ele soltou um berro digno de um
campeão.
— Ele é bravo — Jason murmurou, surpreso de que o bebê calmo de
instantes atrás estivesse tão irritado. — O que aconteceu?
— Fome — eu disse, rindo. — Dê-me aqui.
Peguei meu filho, feliz por estar bem versado no modo de como
segurá-lo.
— Calma, bambino, não seja assim. — Ri baixinho, entregando o
pequeno e agitado pacote à Victoria. — Jason, vire-se.
Amore mio revirou os olhos, já expondo o seio para amamentar. Ela
fez direitinho, como foi ensinada. Gianne abocanhou o peito e começou a
sugar com força, ele parecia cada vez mais afoito, suas pequenas bochechas
chegavam a ficar ocas com a força com que ele sugava. De vez em quando,
ele reclamava.
— Ele é tão você, Rocco. — Victoria riu. — Calma, não vou a lugar
algum.
Não fui o único a ficar emocionado com a cena quando a vi pela
primeira vez, Jason também ficou. Isso era incrível.
Após meu filho ser alimentado, eu fiquei encarregado de colocá-lo
para arrotar. Eu não sabia há quanto tempo eu já estava esperando-o arrotar.
Jason foi embora, o conde chegou, e nada.
Foi-nos recomendado deixá-lo na vertical, até arrotar, eu já estava
ficando preocupado.
— Gianne dormiu? — perguntei a William, porque ele estava com um
sorriso debochado, encarando-me. — Ele não arrotou ainda, e não pode
dormir sem arrotar.
— Ele está com os olhos maiores que os seus — brincou. — E ele já
arrotou faz tempo.
Olhei para o conde, ele só podia estar brincando.
— Não arrotou! — Tirei meu filho do ombro, mudando-o de posição
para que pudesse encará-lo. — Você arrotou mesmo? — perguntei ao bebê.
— Se ele responder, eu vou sair correndo. — Victoria balançou a
cabeça, estava linda sentada na cama, observando-nos.
— Claro que sim, foi logo quando cheguei. — William riu. — Você
esperava o quê? Um estrondo? Deixe-me segurá-lo.
Entreguei o bebê e William o segurou com uma destreza
surpreendente.
— Não há criança mais amada que esta — ele disse, enquanto
cheirava a cabeça do mio bambino.
Observando os dois juntos, eu desejei que meu amigo pudesse ter o
mesmo que eu. Esse sentimento de plenitude, de amor incondicional. William
não acreditava, mas era sim capaz de amar, e ele com toda certeza seria um
pai incrível.
Por enquanto, eu e Victoria decidimos algo que, talvez, o ajudasse um
pouco a enxergar que a vida poderia ser boa.
— William, eu queria te pedir uma coisa. — Victoria mordeu o lábio,
olhando para mim.
Eu apenas acenei, era o momento.
— O que quiser, peça e será seu. — Gianne segurava o dedo do meu
amigo, que estava todo derretido e sorrindo.
A sua máscara de frieza e indiferença naquele momento foi deixada
de lado. Pela primeira vez em todos os meus anos de amizade, eu vi William
Savage sorrindo porque estava feliz de verdade.
Desta vez não havia nem sequer um resquício daquela tristeza que
sombreava todos os sorrisos e momentos de felicidade. William sorria com os
olhos, de um jeito que nunca vi desde o dia em que o conheci na
universidade.
— Eu quero que você seja o padrinho do Gianne. — Victoria
suspirou. — Mas não me refiro a um padrinho simbólico, eu me refiro a um
segundo pai. Eu quero que você seja como o tutor do meu filho.
Sorri para a cara de choque do meu amigo.
— Eu? — William engoliu em seco, olhando para Victoria e depois
para mim. Por um instante, ele encarou meu filho, parecia estar decidindo.
— Então, você aceita? — perguntei, inseguro com sua demora.
William respirou fundo e sorriu.
— Será uma honra para mim.
Meu amigo estava emocionado. Percebi por causa da voz baixa e
controlada, que estava no limite do controle. William não suportava
demonstrar suas emoções, nos últimos tempos, ele estava um pouco mais
solto em relação a isso.
— Eu aceito com todo meu coração e responsabilidade ser o tutor do
filho do meu irmão. — Ele me olhou, não escondendo a gratidão nas íris
azuis.
Eu acenei, porque entendia o que ele queria dizer. Ali formamos um
acordo mudo e inquebrável.
Um pouco mais tarde, a paz do quarto foi quebrada pela chegada da
nossa família.
Foi uma festa sem fim, minha mãe e minha nonna não puderam
controlar a emoção, quando seguraram meu filho. Até poucos meses atrás, eu
havia deixado bem claro que não teria filhos, tampouco casaria. E que, se
quisessem netos, se contentassem com os de Antonella.
Tolo fui eu, de acreditar nisso.
Antonietta e minha irmã ficaram apenas babando, as duas não
paravam de sorrir, encantadas com o bebezinho fofo e cabeludo que era meu
filho. Talvez, de toda a família, Jason fosse o mais derretido. Dimitri, por
outro lado, ainda não havia aparecido, com certeza devia estar envergonhado,
porque, até onde eu sabia, ele gostava de provocar os outros, não o contrário.
— Eu vou me casar com sua avó, porque eu quero ser o bisavô desse
bebê e seu avô, Victoria — Dark falou e eu não escondi o choque, porque
aquele grande bastardo não fazia o estilo família.
Por outro lado, agora estava todo sentimental perto de Victoria. Dark
sempre foi um cara duro demais e vê-lo derretendo por causa de uma mulher
era simplesmente assustador, porque eu sabia como ele levava sua vida, e não
era nem de perto suave.
O quarto estava cheio, a energia de boas-vindas e carinho para com
meu filho era muitíssimo aconchegante. Faltava apenas meu sogro e Laura,
ambos ansiosos para chegarem. Por enquanto, eu ainda não sabia se Laura
poderia viajar, mas Victor já estava a caminho.
— O momento familiar está ótimo, mas a minha esposa precisa
descansar. Para casa, todos vocês.
— Rocco! — Victoria ficou horrorizada, mas minha mãe e nonna
apenas deram risada.
Quando foram embora, eu pude finalmente cuidar do banho de
Victoria e do Gianne.
— Não vejo a hora de ir para casa. — Suspirou, observando-me
cuidar do nosso filho.
— Eu também, amore mio.
Quando terminei o banho, ela pegou o bebê para arrumá-lo. Observei,
admirando a cena. Gianne era tão pequeno, eu morri de medo de banhá-lo,
mas não demonstrei, já Victoria mexia nele com uma tranquilidade que
surpreendia, afinal, nós dois éramos pais pela primeira vez, só que ela parecia
saber de tudo.
— Dê-me ele. — Estendi os braços. — Deite-se, você precisa
repousar.
— Eu estou bem, não sinto nada.
— A médica falou que o resguardo é importante, então nada de
esforço. — Peguei o bebê, sentando-me na poltrona que ficava ao lado da
cama. — Estou ansioso para começar a maratona de noites acordado. —
Sorri, quando Gianne segurou meu dedo. — Parece que ele não gosta de
dormir durante a noite.
— Você não deveria ficar com ele nos braços o tempo todo, vai
deixá-lo mal-acostumado. Quando ele virar uma bola fofa, não vou conseguir
carregá-lo por muito tempo.
— Não consigo evitar. — Era impossível parar de admirar a minha
criança. — Não acredito que nós o fizemos, amore mio, veja como é lindo e
perfeito.
— Houve muito amor e empenho em cada tentativa. — Ela piscou um
olho, as bochechas coradas.
Por um tempo, ficamos apenas curtindo os barulhinhos de bebê. Era
tão bom ver e segurar Gianne. A cada minuto que se passava, eu sentia mais
a sensação de que havia nascido para ser pai, e que me encaixava muito bem
no papel.
Não conseguia disfarçar o quão apaixonado estava.
Uma batida na porta interrompeu o momento particular. Desde que
chegamos na madrugada, foi difícil termos um momento só nosso.
— Com licença, mas um rapaz entregou na recepção da maternidade,
para a senhora Masari. — Uma enfermeira entrou segurando um buquê
lindíssimo de rosas. — As flores devem ser deixadas no corredor, ao lado da
porta. Evitamos por causa do pólen.
O buquê de rosas era enorme, tinha uma profusão de cores, do jeito
que Victoria gostava.
— Deve ser o pedido de desculpas de Dimitri — falei, enquanto ia
para o outro lado do quarto, temendo que o pólen pudesse causar alergia ao
meu filho.
— Não esqueça de colocá-lo ao lado da porta. — A enfermeira
relembrou, entregando o buquê à Victoria e saindo em seguida.
Observei amore mio sorrir, admirando as rosas. Eu sabia o quanto ela
gostava daquele tipo específico de flores. O sorriso que ela ostentava, aos
poucos, foi sumindo. Victoria puxou uma flor, ainda em botão. Notei que
havia seis iguais a ela.
Estranhei que, no meio de tantos tons claros, houvesse aquelas
escuras. Curioso, me aproximei, embora não muito, por causa do Gianne.
— O que foi? — perguntei, ela me olhou, confusa.
— A pétala… — Victoria murmurou, erguendo a rosa para eu ver. —
A pétala é negra, Rocco.
— O que diz no cartão? — Franzi o cenho, não gostando nada disso,
nem da sensação que me causava.
Não tirei os olhos dela, quando pegou o cartão, ela olhou os dois
lados.
— Então? O que tem escrito?
Ela virou o bilhete, para que pudesse ler. Escrito com uma letra
cursiva e firme, estava apenas uma palavra:
Seis…
Mais tarde chegaram mais cinco buquês, desta vez, sem rosas escuras.
Considerei que o número seis fosse alguma anotação da floricultura e que o
bilhete tivesse vindo por descuido.
Isso não me tranquilizou.
Victoria

Receber o buquê com as flores negras não foi agradável, porque eu


ainda não conseguia descrever a sensação que ele havia deixado em mim. Eu
amava rosas, todas elas, mas o problema era que, no meio de tanta flor
desabrochada e linda, aqueles botões negros não se encaixaram.
Era como se estivessem ali para simbolizar algo que eu não fazia ideia
do que era. Rocco ficou bastante nervoso, e de cara, isso afetou nosso filho,
porque ele ficou agitado demais, fora do normal.
Por causa disso, resolvi apaziguar os ânimos, não demonstrando que
aquilo tinha me assustado e tampouco que deveria ser levado em
consideração. Eu e Rocco estávamos vivendo um momento importante
demais, e eu não ia deixar que uma brincadeira de mau gosto levasse a
melhor. Tinha mais coisas para me preocupar, pois agora a minha vida era
outra.
Eu tinha um bebê para cuidar e ansiava cada parte disso.
— Amore mio, tudo pronto? — Rocco perguntou, trazendo-me de
volta à realidade.
Finalmente, iríamos para casa.
— Sim, tudo pronto. — Fechei o zíper da bolsa do Gianne, parando
um momento para observar os homens da minha vida juntos.
Rocco estava com nosso filho, só me esperando para irmos. A cena
me deixou com um calor gostoso no peito, talvez, sempre que os visse juntos,
eu sentisse isso.
— A família está reunida em nossa casa.
O sorriso dele era um tanto infeliz. Eu sabia que ele desejava um
momento de tranquilidade, que nós ainda não tivemos.
— Grandalhão, quero te pedir para não ficar cheio de frescuras, deixe
que peguem nosso filho, tudo bem?
Fez careta, ele não gostava de ter que entregar nosso bebê a alguém.
Apenas a mim, sendo que, na primeira oportunidade, já pegava de volta.
— Não posso deixar que alguém segure meu filho sem ao menos
lavar as mãos.
William soltou uma risada, Rocco o olhou com cara feia.
— Não gosto de compartilhar, todo mundo sabe disso.
— Você é insuportável, se eu quiser pegar meu afilhado, eu irei. —
William estreitou os olhos. — Se você me negar, eu o sequestro.
— Ouse, e não haverá um lugar no mundo em que poderá se esconder
de mim.
— Okay, tudo bem, vamos baixar a testosterona. — Ergui as mãos. —
Rocco, deixe que peguem o Gianne e não fique fiscalizando, não seja chato.
— Um pouco de limpeza não vai matar ninguém, lavar as mãos é um
hábito saudável. — Ele parecia irredutível. — Também não quero beijos, já
avisei que está proibido.
— Rocco!
— Nada, as pessoas esquecem que os bebês estão construindo
imunidade. Não sou obrigado a ver meu filho doente, apenas porque não quis
magoar alguém. — Ele abanou a mão. — Eu estou pronto para dizer o que
pode ou não.
— Amor, você ainda vai vê-lo comendo terra. — Gianne fez um
barulhinho, como se concordasse.
Rocco pareceu ultrajado.
— Não enquanto eu viver. Contratarei várias babás, não vou permitir
que isso aconteça.
— Se brincar, esse menino vai fazer até você comer terra, amor.
Jason e William tossiram risadas, meu marido não gostou muito de
saber da possibilidade. Com tudo pronto, nos preparamos para sair.
— Dimitri não veio mesmo — Rocco comentou, e apesar de parecer
indiferente, eu percebi que ele estava decepcionado.
Eu sabia que alguma coisa tinha acontecido, Dimitri não perderia
estar aqui por nada. Ele tinha motivos, e não cabia a mim ou a Rocco
questionar.
— Não vamos julgar. — Acariciei seu braço. — Dimitri tem suas
razões.
— E elas devem ser boas. — Ele soltou a respiração, e nós seguimos
em direção à saída.
William me ajudou a subir no carro, eu não conseguia erguer muito a
perna, sentia dores na região de períneo, segundo fui informada, levaria um
tempo para recuperar essa área, mas eu não precisava me preocupar, tudo
estava como deveria ser.
Do meu canto, observei Rocco colocando Gianne no bebê-conforto.
Eu achava que morreria de amores a qualquer momento, porque meu filhote
tinha ficado muito fofo.
— Príncipe da mamãe. — Toquei seu rostinho e pareceu que ele
prestava atenção em minha voz.
Naquele instante, uma sensação de plenitude deixou-me emocionada.
Graças a Deus, meu filho nasceu saudável. Todos os testes feitos nele deram
ótimos resultados e isso foi um alívio, porque, mesmo fazendo um bom
acompanhamento, por causa de tudo o que aconteceu no início da gravidez,
eu tinha medo de que algo pudesse dar errado.
Mas não deu.
— Vamos partir agora. — Rocco acomodou-se perto de mim, na
frente, Jason ia dirigindo com William do seu lado.
Paz era só o que eu queria agora, e o homem ao meu lado me
proporcionava isso. Quando passou o braço a minha volta, tive uma imediata
sensação de segurança. Eu sabia do que Rocco era capaz de fazer se alguém
tentasse algo.
Teria que ser muito corajoso, e poucas pessoas eram.
A recepção em casa foi maravilhosa, todos fizeram como Rocco quis,
e deu tudo certo. Foi muito prazeroso ter minha a família por perto,
compartilhando um momento tão mágico comigo.
Até que todos foram expulsos por Rocco.
Eu ainda estava com as bochechas quentes de vergonha, com a
coragem dele de fazer isso.
— Amore mio, fique aí, eu vou pegar o nosso cantor. — Rocco
levantou da cama e foi até o berço do bebê.
Gianne havia acordado da soneca e já estava aos berros. Eu não sabia
se ele estava irritado, sentindo alguma coisa ou se era fome. Por um
momento, cogitei a possibilidade de meu leite ser pouco, mas me convenci do
contrário quando percebi que, em todas as mamadas, eu vazava leite a ponto
de me deixar molhada.
Antes de me entregar o bebê, Rocco tentou acalmá-lo, mas não obteve
sucesso.
— Ele está com fome — falei, esticando os braços.
— Ele é impaciente e bravo. — Meu marido sorriu, entregando-me o
bebê.
Gianne esticou-se, tentando encontrar o peito. Rocco adorava, ele
achava o máximo.
— Calma, bambino.
Ajustei o seio para que meu filho o pegasse direitinho, sentia um
pouco de dor, não nego, mas observar meu bebê mamando avidamente
eclipsava todo o resto.
— Não há visão mais linda que essa! — Rocco sentou do meu lado,
ele sempre ficava meio paralisado me observando alimentar Gianne.
— Eu adoro isso.
O mundo perdia o foco, éramos só eu e Gianne em um pequeno
casulo no qual seu pai insistia em entrar e conseguia.
— Eu estava ansioso para que nossa família fosse embora. — Rocco
fez uma careta, porque ninguém queria ir embora. — Não quero dividir vocês
com ninguém.
— Você precisa parar de expulsar nossa família — repreendi-o —
Eles querem ver nosso bebê, não tem por que ficar de cara feia, isso é tão
mal-educado!
— Não estou nem aí. — Deu de ombros. — Não quero ninguém
fazendo hora aqui, não bastasse sua avó querer morar aqui perto, eu tenho
que ver seu pai guerreando para me devolver meu próprio filho. Isso é
simplesmente ultrajante. Vou desconvidar todo mundo do almoço de
amanhã!
— Rocco, você deveria ver a sua cara. — Ri baixinho, porque eu
acreditava que ele teria coragem de fazer um absurdo desses. — Você está
ficando primitivo, a ideia aqui é avançar no tempo, amor, e não voltar.
— Nasci na época errada. — Cruzou os braços.
— Bobo.
Quando terminei de amamentar, Rocco pegou Gianne e foi passear
pelo quarto. Observei, feliz da vida, ele dando batidinhas suaves para fazer o
bebê arrotar.
— Parece que a noite vai ser longa.
— Parece não, vai ser! — concordei. — Você por acaso já o viu
dormindo à noite?
— Infelizmente, não, amore mio. — Rocco fez uma careta. —
Presente para a mamãe.
Peguei o bebê e logo senti o cheiro. Ele havia recheado a fralda, era
somente nesses momentos que Rocco me entregava o bebê todo apressado.
Divertia-me sua fuga, mesmo que soubesse não ser para sempre. Tão logo eu
pudesse, o colocaria para viver a experiência porque, se me lembrava bem,
ele dissera que estava ansioso para isso.
Gianne passou a noite entre cochiladas, trocas de fraldas e mamadas.
Rocco lutou bravamente, mas foi o primeiro a adormecer, com o dia estava
amanhecendo. Aproveitando o sol da manhã, retirei as roupas do bebê e fui
para a varanda do quarto.
Ambos tomamos um gostoso banho de sol. Depois, fui para o quarto
do meu filho, preparar o seu banho.
— Você deveria dormir à noite, meu amor. Saiba que de dia
poderemos passear por horas sem-fim, mas, durante a noite, você deve
dormir.
Conversei por muito tempo com meu pequeno, enquanto enchia a
banheira. Eu sabia que ele não entendia, mas parecia normal papear com o
bebê.
Após tomar um banho delicioso e ser alimentado, o sono veio. Gianne
começou a cochilar, mas, quando eu ia colocá-lo no berço, ele acordava. Eu
estava decidindo se o levava para a minha cama, quando William chegou.
— Eu posso ficar com ele um pouco?
— Claro que sim. — Entreguei o Gianne para seu tutor e admirei a
forma como William o segurava.
Ele encostou o nariz na cabeça do bebê e respirou fundo, um sorriso
brincando em seus lábios. Eu sabia a paz que aquele cheirinho dava.
Era viciante.
— Nunca pensei que iria viver sem o costumeiro peso em meus
ombros — murmurou, tocando o rostinho miúdo do meu filho. — Houve
épocas em que eu não me importava com nada.
— Não posso imaginar como se sentiu, mas quero te dizer que
estamos aqui para você, sempre que precisar.
Acenou, havia gratidão em seu semblante.
— Na pior fase, eu tive que aprender a administrar o que sentia, e isso
foi muito difícil, porque eu estava afundado demais. — Ele deu um suspiro
pesaroso. — Eu desenvolvi algumas necessidades que levaram um longo
tempo para eu controlar. — Ele pausou, buscando encontrar as palavras
corretas. — Aprendi a entrelaçar o que eu realmente precisava com meus
desejos, de forma que ambos se tornaram linhas paralelas que nunca irão se
encontrar, mas que sempre estarão lado a lado.
— Desculpe-me, eu não entendi o que quer dizer.
Ele me olhou e sorriu, seu rosto transformando-se em algo surreal.
William parecia um anjo vingador, de uma beleza ímpar.
— Apenas saiba que eu não sou o que sou por capricho, eu me tornei
isso por necessidade. — Deu de ombros, indiferente. — Porém, eu gostaria
de que ao menos houvesse prazer.
Continuei sem entender, pareciam existir coisas escondidas por trás
de cada palavras dita.
— Bom, eu só gostaria de dizer que você poderia sorrir mais.
— Agora há motivos. — Voltou a olhar meu filho. — Sinto como se
ele fosse meu também, isso me deixa, de certa forma, mais perto do homem
que um dia fui. Ele ainda deve existir em algum lugar dentro de mim, e isso
me torna mais humano.
— William, de onde tirou isso? — perguntei, chocada. — Você é um
poço de tranquilidade e bondade, você é incrível.
Mais uma vez ele me olhou, o sorriso que ele deu me fez enxergar
algo oculto. Era como se ele estivesse mascarando outra pessoa, escondendo
de tudo e de todos a sua verdadeira natureza.
— Digamos que, se fosse Rocco, eu teria varrido todos os problemas
do meu caminho com um único sopro. — Engoli em seco, não gostava muito
dessas frases que deixavam claras atitudes radicais. — Entenda, não há
piedade em pessoas como eu, Bonequinha. — Piscou um olho e foi caminhar
com Gianne pela casa.
Olhei suas costas largas desaparecendo pelo corredor, a sensação que
ele deixou para trás foi a de que ninguém de fato sabia o tamanho da dor que
ele carregava.

***

Estava cochilando na sala, quando escutei vozes alteradas.


— Dio mio, você não é um bom amigo!
Levantei apressada, para ver o que estava acontecendo. Ao chegar ao
hall, deparei-me com Rocco barrando a entrada de Dimitri.
— Vá embora da minha casa, seu grande bastardo.
— Eu estava doente, agora, saia da minha frente, seu idiota! —
Dimitri explicou. — Se não vim antes, foi porque não deu, acha que eu não
estava louco para vê-lo?
Dimitri apareceu duas semanas depois do nascimento do Gianne,
Rocco estava revoltado demais com ele por causa disso. Todos os dias,
deixava escapar uma frase ou outra que deixava claro o quão magoado
estava.
— Você sumiu, bastardo, agora quer que eu te aceite? Não!
— Rocco, depois conversamos. Eu não estava numa vibe legal para
estar perto de um bebê, eu precisei tirar tudo de ruim que eu estava sentindo,
para vir aqui.
— Não acredito em você!
— Deixa de ser rancoroso, isso faz mal para o coração.
Gianne escolheu esse momento para chorar, ele estava em um
carrinho de bebê, atrás de Rocco.
— Me deixe vê-lo. — Dimitri empurrou o amigo e entrou, quando ele
estava perto de se aproximar do bebê, Rocco o impediu.
— Eu disse para cair fora.
Meu grandalhão não estava nem um pouco a fim de colaborar. Mas,
em se tratando de Dimitri, não adiantava discutir, quando ele queria algo, ele
insistia até conseguir.
Escondida, observei os dois homens se encarando, até que Rocco
sorriu e abraçou Dimitri. Meu amigo sorriu, fechando os olhos, estava
emocionado.
— Se você me magoar de novo, acabou a amizade — Rocco falou,
deixando claro que ele não tinha engolido, mas pelo menos havia deixado
essa passar.
Era só Dimitri não pisar na bola.
No final das contas, ter Dimitri ali completou nossa felicidade. Ele era
importante, fazia parte da família e nos fez falta, mesmo Rocco sendo
teimoso demais para admitir. Gianne, os gêmeos de Antonella e o filho de tia
Laura roubaram todo protagonismo. Quando estávamos todos juntos, só
tínhamos olhos para eles.
Era tanto amor envolvido que eu ficava até fraca.
Acho que, pela primeira vez, não tinha nenhum problema na minha
vida, pelo contrário, era só felicidade, desde que eu acordava, até o momento
de ir dormir.
— Eu adoro vê-los juntos — Rocco disse baixinho, observando
Dimitri e William sentados no sofá com Gianne.
— Eu também, grandalhão.
Olhei para Rocco e ele sorriu de um jeito que me deixou com
borboletas no estômago.
— Vem comigo, tenho algo para você.
Deixamos nosso filho seguro em casa e fomos para o jardim, próximo
ao lago. Rocco me levou até um banco que não estava ali até recentemente.
— Eu disse que estaria com você, do amanhecer ao pôr do sol. — Ele
sorriu, sentando-se e me puxando para seu colo. — Olhe.
O sol começava a baixar, mas, de onde nós estávamos,
vislumbrávamos uma coisa surreal, o alinhamento com o lago espelhando a
nossa imagem. De onde estava, eu podia nos ver como reflexo. O pôr do sol
reproduzido pelas águas.
— Rocco, isso é lindo.
— Apenas aqui, conseguiremos nos ver na imagem reflexo. —
Parecia um pouco tímido ao dizer. — Bom, é uma coisa simples, mas…
Eu o beijei, impedindo-o de continuar falando. Rocco havia me
prometido que eu me apaixonaria mais a cada dia, e não estava mentindo. Ele
renovava seus votos matrimoniais com gestos, palavras e pequenas coisas.
Comigo, ele era perfeito, e com nosso filho, também. Rocco havia se
tornado a personificação do pai coruja. Agora, era ele quem ficava com
Gianne à noite toda, conversando ou brincando. Nosso filho mal chorava, o
que era muito legal, porque estávamos falando de um recém-nascido.
— Eu te amo muito. — Segurei seu rosto, admirando seus olhos
amados. — Obrigada por este pôr do sol especial.
— Estarei aqui, todos os dias com você — prometeu.
E fizemos isso, às vezes sozinhos, às vezes com nosso filho. Mas,
todos os dias, assistíamos ao pôr do sol juntos, mesmo quando ele voltou para
o trabalho, continuava cumprindo a promessa.
Deus, como eu o amava.
Minha vida estava tão incrível, os dias maravilhosos, que eu julgava
impossível alguma coisa me abalar. Porém, no dia em que meu filho
completou um mês de vida, alguns sentimentos inoportunos começaram a
infiltrar-se.
Era fim de tarde e Rocco havia dito que tinha uma surpresa para mim.
Eu sabia que ele estava preparando algo para começar o primeiro mês do
Gianne. Então, eu aproveitei para me cuidar um pouco e ficar bonita.
Sentia borboletas de felicidade na barriga. Quando a porta se abriu, eu
havia acabado de terminar de me vestir, pensei que fosse Rocco, mas era
Mariana, a pessoa em quem eu confiava para me ajudar a cuidar da minha
casa.
— Senhora, chegou isso.
Era um buquê enorme e lindo. Fiquei excitada, mas, quando Mariana
o entregou para mim, eu notei que, em meio às rosas coloridas e
desabrochadas, estavam cinco botões de rosa negra em processo de abertura.
Havia um cartão com um número escrito em letra cursiva.
— Cinco — murmurei, sentindo lágrimas se amontoarem em meus
olhos.
Tentei entender o que poderia estar acontecendo, mas nada fez sentido
para mim. Então, resolvi não permitir que isso estragasse meu momento de
mãe e esposa. Quem estava fazendo isso perdia tempo se achava que ia me
afetar.
— Você está segura — disse a mim mesma, acariciando o colar que
eu não tirava para nada.
Rocco havia redobrado os meus seguranças, e Jason liderava a equipe.
Nenhum perseguidor ou pessoa mal-intencionada chegaria perto.
— É isso. — Respirei fundo, pronta para cuidar do meu filho, afinal,
em breve seu pai chegaria com uma bela surpresa para nós.
Quando Rocco falou em surpresa, eu pensei que seria algo simbólico,
mas não. O que ele fez foi algo que roubou meu fôlego.
— Você me fez e faz o homem mais feliz do mundo. — Abraçou-me
por trás. — Esse é meu presente por ter me dado um filho e ter tido tanta
paciência comigo.
Eu estava diante do lugar que era o meu antigo local de trabalho. O
atelier da Madame Blanchet não existia mais. O prédio diante de mim era
novo e muito elegante.
— Emporium La Fontaine — Rocco sussurrou em meu ouvido,
deixando-me emocionada até a medula.
— Como eu sonhei com esse momento. — Mesmo estando diante do
atelier que levava meu nome, eu ainda não acreditava. — Rocco…
— Não se preocupe, eu demoli o antigo, este é totalmente novo.
— Obrigada, obrigada! — Virei-me em seus braços e beijei todo o
seu rosto. — Ele é lindo, perfeito.
— Você precisa ver por dentro.
Rocco me mostrou tudo, desde os lustres no grande salão, até o
moderno sistema de segurança. Nada ali lembrava o antigo atelier, e isso me
deixou tão feliz, que eu não podia nem dizer o quanto.
Eu tinha tudo o que uma mulher poderia querer, um marido incrível,
um filho saudável e a melhor família de todas, eu sentia que não podia
desperdiçar nenhum minuto.
O porquê desse sentimento? Eu não sabia, mas ansiava por viver e foi
justamente o que eu fiz, passei a aproveitar cada momento como se ele fosse
o último, e em todas as oportunidades que tive, disse a Rocco o quanto o
amava.
Ele merecia ouvir.
Victoria

Nunca pensei que diria isso, mas Rocco estava sendo responsável por
me manter na linha. Quero dizer, ele se afastava sempre que as coisas
esquentavam.
Quarenta dias após o meu parto, eu sentia que ia enlouquecer a
qualquer momento. Observar Rocco passeando pelo quarto, só de cueca,
enquanto ladrava ordens ao telefone não era saudável.
Eu mal conseguia racionar, porque o queria, com todas as minhas
forças.
A ginecologista que estava me acompanhando disse que o puerpério é
variável, entre quarenta e cinco e sessenta dias.
Eu ficarei com os quarenta e cinco! Respirei fundo, quando Rocco
parou e esfregou os cabelos. Pelo que me contou, ele estava fechando algum
contrato enorme com um novo sheik, mas não estava sendo nada fácil.
— Estou negociando a construção inteira, não parte dela. — Ele
estreitou os olhos. — Não, eu não vou pegar nada pela metade, posso
comprar o terreno, sem problema… — Ele sorriu. — Isso seria o ideal, quero
expandir a franquia de resorts.
Parei de entender o que ele estava falando, porque meus olhos se
perderam em seu corpo. Não era porque ele era meu marido, mas Rocco fora
abençoado em cada parte. Ele não tinha um dedo do pé feio, era magnífico
desde os cabelos.
Não me culpava por meu corpo ansiar o dele, mesmo estando com
medo de ter uma relação sexual, eu sentia falta.
Será que isso é normal? questionei-me, lutando para não comê-lo
com os olhos.
— Meu Deus. — Suspirei baixinho, deitando de bruços.
Pela primeira vez durante a noite, Gianne estava dormindo no berço.
Se ele estivesse acordado, eu ficaria ocupada, e não pensando em coisa que
ainda não podia fazer.
Meu corpo ansiava pelo de Rocco de um jeito insano, que ficava cada
vez mais difícil de controlar. As memórias de nós dois juntos insistiam em
ficar dando voltas em minha cabeça.
— Ohh. — Fechei os olhos, apertando o rosto contra o travesseiro.
O clitóris pulsava devagar e isso só aumentava a vontade de sentir
Rocco dentro de mim.
Pense em outra coisa. Tentei levar os meus pensamentos para uma
zona segura, como, por exemplo, meu atelier. Eu tinha uma coleção em
andamento, fila de espera e muitos currículos para avaliar.
Rocco havia colocado sua equipe nisso e minha avó estava
trabalhando também. Quando Gianne estivesse maior, eu ia começar a
trabalhar pesado. Eu achava que com uns seis meses, eu sentiria confiança
para levá-lo comigo ao atelier. Então, seguiria com meu sonho.
Isso, continue com essa linha de pensamento que tudo vai dar certo.
Mas, então, Rocco subiu na cama, deitando em minhas costas.
— Você pensou que eu não via o jeito que me olhava? — disse em
meu ouvido, e isso foi como jogar gasolina numa fogueira.
Senti sua ereção pressionando a minha bunda, não pude evitar gemer
de prazer. Acreditava que somente eu estava tendo dias de superexcitação,
mas, não, Rocco estava tão pirado quanto eu.
— Dormir ao seu lado se tornou uma tortura. — Mordeu minha
orelha, esfregando-se em mim. — Você acha que é fácil? Eu quero te comer
todinha.
— Então come. — Gemi baixinho.
Rocco me virou e devorou num beijo frenético, cheio de necessidade.
Ele estava tão quente, duro, pressionando meu corpo contra o colchão.
Sentia-me embriagada por seu cheiro.
— Entregue-se para mim — ele pediu, a voz engrossada de desejo. —
Per favore, confie que não te machucaria.
— Eu confio em você. — Arqueei, seus dentes raspavam meu
pescoço, enlouquecendo-me. — Faça o que quiser.
Senti o ar frio beijar minha pele quando ele levantou para pegar algo,
então, estava de volta, inflamando meu corpo com o calor que desprendia do
seu. Minha boceta pulsava de dor, a pele arrepiada, supersensível.
— Eu sempre quis te tomar assim — declarou, rasgando minha
camisola.
Deus, o jeito com que me olhava, era… era… Engoli em seco,
excitação molhando a minha calcinha.
— Hoje vou cumprir uma promessa que te fiz tanto tempo atrás.
Suas mãos e boca estavam em todas as partes, Rocco me provocou,
deixando-me insana.
— Você vai atingir outro nível de prazer, esse será um de descoberta
— prometeu.
Suas palavras me deixaram um tanto confusa, mas a essas alturas eu
não me importava de fazer amor, afinal, eram apenas cinco dias antes do
puerpério que fora recomendado, o que poderia dar errado?
— Rocco! — soltei um gritinho, quando ele me virou bruscamente.
— Você não achou que eu iria descumprir ordens médicas, não é? —
Riu, mordiscando minha orelha. Arrepiei ainda mais, tanto que meus
mamilos doeram. — Eu vou te tomar em outro lugar, amore mio.
Tremi inteira de apreensão quando suas mãos acariciaram minha
bunda.
— Não sei. — Minha voz saiu trêmula. — Eu não acho que seja uma
boa ideia.
Escutei sua risada e logo sua língua estava lá, naquele canto secreto.
Primeiro eu perdi a força nos braços, depois meu cérebro derreteu, e eu nem
pude ter tempo para vergonha.
O prazer era constrangedor, eu não acreditava que Rocco estava com
o rosto enfiado ali, me lambendo.
— Eu tenho desejo de comer o seu cuzinho. — Ele bateu na minha
bunda. — Que delícia.
— Rocco! — Meu rosto esquentou, o jeito cru de falar me deixou
escandalizada e excitada, tudo ao mesmo tempo.
Era tão intenso e chocante que, depois de ter feito tanta coisa com ele,
Rocco ainda pudesse me deixar assim.
Eu não pararia para pensar e nem me recriminaria por isso, eu havia
me casado com um pervertido, não era como se ele tivesse limites.
— Relaxa, você vai gostar.
Ele massageou meu clitóris, enquanto continuava me lambendo onde
nunca pensei que deixaria. Em algum momento, o bom senso deu adeus, e eu
gemi com a sensação arrebatadora.
— Deus… Rocco! — Agarrei os lençóis, há muito além do limite. —
Não pare, por favor, não pare.
Eu sentia uma dolorosa pulsação no clitóris, se ele continuasse eu ia
gozar assim mesmo, sem penetração, e não me importava.
— Isso, Pequena, apenas se jogue.
Ele molhou ali, eu senti escorrer. Rocco aproveitou e espalhou um
líquido pela boceta. Meu clitóris ficou tão escorregadio que, quando ele o
esfregou, eu quase saltei fora da minha pele, a sensação beirava a crueldade.
— Vou gozar assim. — Sorri, esperando que ele me desse isso.
— Não assim. — Riu, e eu o senti pressionar o dedo. — Que cuzinho
apertado, delizia mia, vou te foder tanto.
Meu corpo ficou um pouco tenso, mas não doeu como eu havia
pensado. Aos poucos, relaxei, e quando fiz isso, o prazer aumentou. Eu ia
gozar, sim, desse jeito.
— Calma, me deixe relaxar um pouco aqui, ou você não vai aguentar.
— Quero gozar.
— Claro que você quer. — Ele riu de um jeito que causou frisson, até
a voz dele estava diferente.
Rocco conhecia os limites do meu corpo, sabia exatamente em que
momento eu gozaria, e por isso, torturava, eu não sabia quantas vezes tinha
ficado perto de gozar sem que ele me deixasse alcançar o prazer. A qualquer
momento, eu ia explodir, estava além de qualquer sanidade.
— Por favor, por favor… — Chorei, arquejando, a excitação
pingando.
Suas mãos não paravam, ele era paciente demais, quando eu queria
tudo menos isso.
— Isso, engole os meus dedos, deliciosa.
O seu jeito de falar era combustível, porque só me fazia querê-lo
ainda mais, naquele estado de devassidão. Só que ele parou de me dar prazer,
e quando lamentei, foi que o senti pressionar de verdade.
— Me sinta, devagar… — Ofeguei. — Isso, me deixe entrar.
Fiquei tensa, por mais excitada que estivesse, era inevitável não ficar.
Rocco estava penetrando-me com o pau, naquele lugar… Minha nossa, seus
dedos não se comparavam.
Eu estava com medo.
— Relaxe, eu vou cuidar de você.
Outra vez, senti o líquido frio tocar minha intimidade, e isso o ajudou
a escorregar um pouco dentro.
— Perfeita, a visão que tenho. — Sua voz soou apertada, como se
para ele também fosse uma tortura.
— Rocco… — Abri um pouco mais as pernas, ele encaixou melhor.
Sua atenção voltou para meu clitóris.
O prazer voltou mais forte, e isso me ajudou a relaxar mais. A pressão
que eu sentia na bunda, a leve ardência, o pulsar e o formigamento no clitóris
se misturaram, criando uma sensação nova, arrebatadora, e que me fez perder
a cabeça.
— Calma, amor, me deixe entrar, relaxe para mim.
Fechei os olhos, tentando me concentrar em tudo o que eu sentia. O
prazer cresceu, permitindo que ele entrasse mais um pouco.
— Vou morrer. — Mordi o lábio, com o arrepio gostoso que subiu
por minha coluna.
Aquela penetração doía, e ao mesmo tempo era boa. Sentia-me
maravilhosa e assustada, tudo ao mesmo tempo.
— Me aceite. — A voz de Rocco soou desesperada. — Oh, porra, que
visão.
A sensação era, ela era… Eu não conseguia descrever, todas as
minhas terminações nervosas pareciam estar concentradas no mesmo lugar.
— Caralho — resmungou, afundando mais um pouco. — Você acaba
comigo, amore mio.
Pareceu uma vida o tempo que Rocco levou para acalmar, acariciar e
excitar meu corpo. Ele não tinha pressa, ia entrando devagar, cada polegada
por vez, mas sem nunca deixar meu prazer esmorecer. Ele sabia como fazer,
porque empurrava, então recuava um pouco e voltava a empurrar.
Ele ia medindo minha aceitação, e quando percebeu que dava, entrou
completamente.
— Oh, Deus, Rocco! — Olhei para ele, e o safado piscou um olho.
— Entrou todinho. — Sua expressão de puro deleite foi a minha
ruína. — Muitas primeiras vezes, amore mio. — Ele se curvou sobre mim e
lambeu a minha coluna.
— Isso é tão bom. — Empinei a bunda e ele gemeu baixo.
Rocco enrolou meu cabelo no punho e disse:
— Se masturbe. — Obedeci, ansiosa, gritando de prazer quando a
sensação foi demais. — Agora vamos viajar.
A viagem mais louca e prazerosa. Nunca pensei que gostaria de sexo
anal, mas agora admitia em choque que tê-lo penetrando minha bunda
enquanto eu me masturbava deu-me o orgasmo mais forte que já senti.
Nunca pensei que dor e prazer estavam tão firmemente entrelaçados,
que, quando se uniam, tornavam tudo mais intenso. Eu não me oporia a
repetições futuras.
Mesmo que eu não conseguisse sentir as minhas pernas depois.
— Como pode estar tão disposto depois de tudo o que fizemos? —
resmunguei acabada, enquanto ele estava rindo e passeando com nosso bebê
pelo quarto. — Rocco, eu não sinto meu corpo.
Ele somente piscou o olho, todo despenteado, após um banho rápido.
Gianne acordou assim que nós voltamos do banheiro.
— Você precisa de descanso, eu estava faminto por você.
Eu não negava que, nos dias seguintes, fiquei com essa noite na
cabeça, eu queria repetir, mas Rocco estava preparando algo.
Somente depois eu soube, ele estava esperando meu resguardo acabar.
Então fizemos a festa, e eu tive tudo. Rocco me virou do avesso, não teve
medo ou repreensões. Rolamos na cama até quase amanhecer o dia,
aproveitando os momentos de sono do nosso filho.
— Você foi devidamente comida, amore mio.
Caímos na cama, após um banho gostoso.
— Amo o seu corpo. — Rocco beijou meu cabelo.
Ainda estava com alguns quilos da gestação e isso parecia deixar meu
grandalhão ainda mais desejoso.
— Obrigada por ser o melhor marido do mundo.
— É meu prazer.
Acariciou a minha bunda, enquanto eu suspirava, aconchegada em
seus braços, com lençóis frios beijando a minha pele nua.
Eu não tinha mais nada para pedir, porque Deus, em sua infinita
bondade e misericórdia, cumpriu toda promessa de uma vida digna.
Agora, eu só agradecia, e fazia isso assim que meus olhos se abriam,
porque hoje eu tinha muito mais do que havia pedido, e por mais que alguns
problemas surgissem, eu sabia que, juntos, Rocco e eu poderíamos resolver.
Ele era meu sonho, e nosso filho, a realização do que planejamos juntos.
Eu amava cada amanhecer, porque ele trazia uma nova oportunidade
de ser feliz, e eu era muito, tanto que tentava de alguma forma contagiar a
minha família.
Até aqueles que pareciam estar entrando em épocas difíceis, como
William. Há dias, venho percebendo que ele não estava legal, e isso tem me
deixado bastante preocupada.
Eu não tive coragem de perguntar, então, esperei passar alguns dias, e
fiquei de olho, esperando que ele melhorasse, mas isso não aconteceu.
— O que está acontecendo com o Conde? Ele anda tão cabisbaixo. —
Olhei para Rocco, estávamos assistindo ao pôr do sol, em nosso lugar
especial.
— O aniversário dele está chegando. Em outros tempos, ele já teria
ido embora, mas, por causa do Gianne, ele está reticente. Não quer se afastar.
Não acreditei que o padrinho do meu filho estava perto de viver uma
data difícil e ninguém tinha me contado isso. No ano anterior, eu estava
ocupada com meus problemas, mas agora queria cuidar disso.
— Por que não me contou, senhor Masari? — Rocco deu de ombros.
— Eu e Dimitri estamos acostumados, a época crítica nunca é o
aniversário dele e sim o de Isabela.
Eu lembrava muito bem como William reagiu da última vez. Foi uma
vertente de autodestruição horrível. Não queria vê-lo sofrendo daquele jeito
outra vez.
— Quando é? — Talvez, pudéssemos fazer algo, e ele não se sentiria
tão mal.
— Amanhã.
— O quê? — Franzi o cenho. — Mas amanhã Gianne completa dois
meses.
— E só por isso William não sumiu ainda.
— Rocco, não podemos deixá-lo sozinho. — Precisávamos planejar
algo.
Amanhã seria um dia cheio, porque eu tinha muito trabalho. Ainda
não estava saindo de casa, mas estava desenhando para as equipes dos ateliês
do Brasil e daqui. Eu precisaria fazer ligações, estávamos querendo fechar
com um fornecedor, e minha avó disse que eu seria a responsável pela
negociação.
— Okay, eu tenho algumas coisas para fazer, mas consigo organizar
algo especial para ele.
— William vem dormir aqui hoje, eu convidei, com a desculpa de que
precisamos de ajuda com Gianne. — Rocco deu um sorriso cínico. — Eu me
lembro de ter dito: quero ficar com Victoria um pouco, ajude-me com o
pequeno morcego.
— Você não chamou meu filho de morcego! — Bati em seu ombro,
ele deu risada.
— Gianne não dorme durante a noite — declarou um fato, porque era
muito raro meu bebê dormir a noite toda, nesses quase dois meses, conto nos
dedos de uma das mãos as vezes em que o fez. — É o morceguinho do papai.
— Não acredito que você disse isso.
— Amore mio, não se chateie, pense que podemos aproveitar. — Ele
enterrou o rosto em meu pescoço. — Lembra a primeira vez que nosso filho
dormiu um pouco mais? Eu comi o seu cuzinho.
— Rocco!
— Então, eu quero fazer outra surpresa.
— Você é um pervertido boca suja. — Passei as mãos por seu
pescoço, ele me puxou para seu colo. — Mas eu vejo vantagem nessa fala.
Não fazia muito tempo que nossa vida sexual tinha voltado, a gente às
vezes fazia umas coisas loucas, mas Rocco agora tinha umas ideias que, só de
pensar, borboletas dançavam na minha barriga.
— O que você quer fazer?
— Espere e verá. — Piscou um olho, e eu derreti.
A curiosidade já me matando.
No dia seguinte, ao terminar de cuidar de Gianne, pedi para Jason ir
passear com ele pelo jardim. Aproveitaria para fazer as ligações para os
fornecedores. Graças a Deus, o lançamento do projeto da nova coleção foi
um sucesso, a crítica especializada amou os croquis, e eu fui escolhida para
desenhar o vestido que encerraria a semana de moda de Paris.
Minha avó participava de todos os processos, e para mim era uma
honra ter Antonietta Andrade como a minha madrinha. Ela e sua experiência
faziam a diferença, tanto que, quando Dimitri me mostrou o prospecto do
meu atelier, e das coleções, eu quase caí para trás.
O valor era muito alto.
Antes, quando trabalhava para Blanchet, eu não fazia ideia de como
as coisas funcionavam, estava reclusa à minha área. Muito diferente de agora.
Todavia, eu aprendi com Blanchet como não tratar meus funcionários, e era
gostoso ver que minha equipe cuidadosamente selecionada trabalhava feliz.
Quando terminei as ligações relacionadas ao atelier, fiz as
confirmações do almoço de William. A cozinheira daqui de casa garantiu que
dava para fazer, e eu confiei cegamente nela porque a mulher era
simplesmente a melhor.
Estava tão louca, correndo de um lado para o outro, nos preparativos
da recepção de William, que quando chegou o buquê de rosas, eu me
desorientei completamente.
Como das outras vezes, havia belíssimas rosas coloridas e, em meio à
profusão de cores delicadas, quatro rosas negras, um pouco mais abertas que
as do buquê anterior.
Eu sabia que no cartão estaria escrito o número quatro, mas eu o
procurei e não vi. Isso me deixou, de certa forma, mais aliviada. Talvez,
aquele fosse um mero erro da floricultura, que deve ter anotado o número de
buquês e deixado lá sem querer.
— É isso. — Sorri, prestando mais atenção e notando que as flores
eram lindas demais, cheirosas.
Entretanto, ao avaliar melhor, percebi que as rosas coloridas estavam
menos desabrochadas que as do mês passado, era como se elas estivessem se
fechando. Enquanto as negras abriam.
— Mas, por quê?
Eu ainda não tinha uma resposta, também não ia parar para procurar.
— Mariana, jogue essas flores no lixo. — Entreguei o buquê à
governanta da casa. — E se chegar mais alguma, não deixe que seja entregue
na frente de Rocco.
Meu marido era paranoico demais para coisas como essa.
— Sim, senhora, eu mesma irei jogá-las.
— Por favor, diga-me, os seguranças não acharam nada suspeito? —
Ela negou. — Tem certeza?
— Senhora, eles reportam para o seu irmão, eu não tenho acesso.
— Ah, me desculpe. — Testei um sorriso.
— Tudo bem. — Mariana acenou, caminhando em direção à porta do
escritório, quando a abriu, parou, olhando-me. — Senhora, são apenas flores,
não se preocupe.
— Tem razão.
Quando fiquei sozinha, tirei um tempo para pensar sobre isso e
cheguei à conclusão de que não ia dar muita atenção, mesmo que eu tivesse
que me forçar a isso.
Era o melhor.
Não deixei que ninguém notasse que eu estava tensa, Rocco, por outro
lado, não parava de me encarar.
— A festa de William está animada — comentei, ele não disse nada.
— O que foi, grandalhão?
— Eu quem deveria perguntar, aconteceu algo enquanto estive fora?
Engoli em seco, colocando o sorriso no lugar.
— O mesmo de sempre.
— Victoria… — Pelo tom de voz, percebi o ar intimidante.
— Grandalhão, o que você está pensando? — Apoiei as mãos em seu
peito. — Está tudo bem.
— Você não esconderia de mim se alguma coisa a preocupasse, não
é?
Não queria mentir, por isso, o abracei. Rocco era o tipo de pessoa que
surtava quando as coisas saíam do trilho. Tudo estava indo tão bem, que eu
não queria estragar isso.
Fechei os olhos quando ele passou os braços a minha volta. O calor de
seu corpo grande era tão bom, fazia com que eu me sentisse protegida. Eu
sabia que Rocco se colocaria na frente e agiria como um escudo para me
defender.
Ele já fazia isso, na verdade. A minha equipe de seguranças era
incrível, os carros eram blindados, na nossa casa a segurança era de ponta, no
atelier também.
Não há com o que se preocupar, disse a mim mesma.
— Por que você está tremendo? — Ele abaixou a cabeça, e eu o
beijei.
Não tinha uma resposta para sua pergunta. Foi Rocco quem se
afastou, ele me encarou de um jeito que fez um caroço se formar em minha
garganta.
Forcei um sorriso.
— Eu preciso ir ao banheiro, volto logo. — Antes de sair, fiquei na
ponta dos pés e o beijei de novo. — Eu te amo, não demoro.
— Estarei aqui esperando.
Mal tive tempo de virar antes de as lágrimas escorrerem, a sorte era
que todo mundo estava no jardim, e William, o aniversariante, parecia bem
feliz. Ele não soltava Gianne, os dois haviam se tornado uma dupla e tanto.
Refugiei-me no escritório e me permiti chorar. Por mais que eu
dissesse a mim mesma para não ficar dando muita atenção a essas malditas
rosas, a angústia que apertava meu peito dizia que isso seria impossível.
Eu estava com medo, essa era a verdade.
— Meu Deus, o Senhor nunca me deu benção pela metade. — Juntei
as mãos, abalada demais para voltar para a minha família agora. — Eu sei
que eu devo acreditar que, no final, tudo vai dar certo, mas eu estou com
medo.
E não queria perder a paz da minha casa, tampouco a felicidade.
Rocco estava tão feliz, ele saía para trabalhar com um sorriso, e voltava
fazendo festa. Todos os dias, o amor crescia na minha família.
— Seja forte, Victoria — ordenei a mim mesma, não permitindo que
nada me abalasse.
Não soube quanto tempo levou, mas consegui controlar-me, depois
coloquei um sorriso nos lábios. Rocco não desgrudava de mim, Jason
também não. Quando eu precisava sair, tinha muitos seguranças armados.
— Chega! — Dei tapinhas em meu rosto para tentar expulsar a
repentina palidez. — Vá para sua família e seja feliz com eles.
Foi o que fiz, mas, quando cheguei às portas francesas que davam
acesso ao jardim, eu parei um momento para observá-los. A emoção me
engoliu. Estávamos no outono, e havia um pouco de frio, mas hoje,
especialmente, o dia estava lindo.
Todos estavam reunidos. Minha grande, barulhenta e amada família.
Sorri ao ver Rocco jogar a cabeça para trás e gargalhar de algo que
David dissera, William somente balançava a cabeça. Minha avó e a nonna
estavam juntas, a mãe de Rocco segurava Gianne com tanto carinho.
Antonella e Connor embalavam seus bebês. Tia Laura e Ricardo estavam ali
também, com o bebê deles.
— Eu mereço essa felicidade. — Funguei baixinho. — Lutei tanto, eu
mereço isso, não é?
O silêncio foi minha resposta. Escondida deles, observei uma nuvem
encobrir o sol e escurecer a tarde ensolarada.
Durante alguns instantes, só pude ouvir minha própria respiração,
buscando equilíbrio. Paz de espírito.
Eu não queria sentir essa coisa ruim dentro do peito.
— Bonequinha? — Limpei os olhos apressada, mas quando o olhei,
Dimitri franziu o cenho, o sorriso que tinha nos lábios morrendo. — O que
aconteceu? — Veio para mim e segurou meu rosto. — Você esteve
chorando? — Havia mais que preocupação em sua voz.
Ele estar ali pareceu providencial. Engoli o caroço na garganta,
respirei fundo. Eu só precisava me controlar para conversar com ele sobre um
assunto que já vinha circulando a minha cabeça há uns dias.
— Dimitri, se eu pedir sigilo de advogado, você me dará? —
perguntei, ele deu um passo atrás, confusão foi uma expressão fácil de
perceber. — Você me dará?
Primeiro, ele respirou fundo, então acenou. Mas, pela sua cara, vi que
não gostou do rumo da conversa.
— O que você quer?
— Venha comigo.
Juntos fomos para o escritório de Rocco, lá, eu tranquei a porta, não
queria ser interrompida.
— O que precisa, Bonequinha? — Dimitri se inclinou para frente,
seus olhos azuis pregados em mim. Eu me senti analisada, e não foi uma
coisa agradável.
— Já estamos em sigilo? Tudo o que eu disser aqui será mantido em
segredo?
— Sim, eu estou aqui como seu advogado, pode falar.
— Eu quero fazer meu testamento — disse firme, fazendo-o arregalar
os olhos. — E eu quero sigilo absoluto, entre cliente e advogado. Rocco não
pode saber.
Ele deu um aceno duro, mas pude notar que não estava confortável.
— Por que quer fazer um testamento? — Dimitri questionou com voz
baixa, estava inclinado para frente enquanto me encarava, tentando captar a
verdade por trás das minhas palavras.
Não consegui olhar para ele, mas tentei responder o mais
tranquilamente possível.
— Todo mundo que tem algo a deixar faz testamento, eu preciso do
meu.
Dimitri não falou nada, apenas estreitou os olhos, juntando as mãos.
Aquela era a pior forma de avaliar uma pessoa, ele parecia até cruel.
— Quem está te ameaçando? — disparou à queima-roupa, meu
coração falhou uma batida, porque eu não sabia de ameaça nenhuma.
Não existia nada concreto, era só medo. Se eu contasse que tinha
recebido buquês estranhos, com números, isso me faria parecer louca.
— Ninguém, Dimitri. — Suspirei. — Não tem ninguém.
— Mentira! — acusou, esfregando o cabelo. — Acha que eu sou o
terror dos tribunais por quê? Sei quando alguém está mentindo, consigo
detectar mesmo nos mais profissionais onde a mentira se esconde, e você,
minha linda boneca, mente.
Suas palavras me fizeram encolher, porque eu acreditava que não
havia ameaça, mas isso não queria dizer que eu não me sentia ameaçada, a
cada vez que recebia as rosas.
— Você não entende, não há ameaça, não há uma direção a olhar, há
apenas o fato de que eu recebo buquês de rosas.
— O quê? Rosas?
Eu me senti envergonhada enquanto confirmava com um menear de
cabeça.
— Está vendo? Não há ameaça. — Respirei fundo. — É somente que
eu me sinto estranha por recebê-las. — Abracei-me. — Você, por acaso, já
viu o tamanho da minha segurança? — Balancei a cabeça. — Jason não me
deixa sair sem ele, e Rocco, na grande maioria das vezes, está comigo. O que
eu vou fazer? Surtar e levar todo mundo para o buraco? Me recuso a acabar
com a paz que todos nós temos.
— E sua paz? — Apontou o dedo. — Você parece que não tem mais.
Olhe para mim, Victoria, me encare quando eu estiver falando algo tão
importante com você.
Quando eu o olhei, meu corpo começou a tremer. Ainda tentei
disfarçar um soluço tossindo, mas o choro veio tão forte que engasguei.
— Govno! Você está em pânico. Me conte tudo agora mesmo.
Contei tudo, explicando como o primeiro buquê havia chegado, e
sobre as rosas negras. Falei dos números e tudo mais. Dimitri surtou, gritando
comigo.
— Você precisa conversar com Rocco, porra, ele precisa saber.
— Não vou bagunçar a minha casa, tampouco a felicidade que estou
vivendo.
— Victoria, Rocco é o seu marido, ele tem que saber!
— Lembre-se de que você está aqui como advogado, não meu amigo.
— Sequei as lágrimas, mantendo a postura firme. — Você vai fazer a sua
parte, Dimitri, e eu não vou me preocupar com você contando isso a ninguém
porque sei que jamais quebraria a confiança que há entre nós.
Ele deu-me as costas e socou a parede, depois xingou em sua língua
materna. Estava furioso, mas controlou-se e sentou na cadeira atrás da mesa.
— Diga-me, vamos esboçar a merda deste testamento que, eu tenho
certeza, não será usado pelos próximos cinquenta anos.
Engoli em seco, acenando.
— Vou me basear naqueles valores que você me mostrou, tudo bem?
— Ele acenou, mas não disse nada. — Quero deixar quatro milhões para
Jason, eu quero estabilidade para ele. Caso não queira mais ser segurança. —
Dimitri me olhou, os olhos azuis revoltados por estar fazendo aquilo. — O
Emporium La Fontaine será dividido meio a meio para meu filho e tia Laura,
meus croquis também quero que sejam divididos meio a meio entre minha
avó e Tia Laura. Porém, terá um croqui especial, esse é para você entregar a
Rocco.
Dimitri anotava tudo em uma pequena folha, ele estava com cara de
ódio, escrevia com tanta força que, em um determinado momento, chegou a
rasgar o papel.
— Irei fazer esse caralho sob sigilo profissional, mas saiba que não
vou ficar de braços cruzados, sua segurança vai aumentar, prepara-se. Rocco,
quando souber, vai te fazer pagar por ser idiota e carregar esse peso todo
sozinha.
— Não é ser idiota, meu amigo. — Abracei-o. — Isso é dar paz a
minha família, eu não acho que seja nada demais essas rosas. Camille está
presa, então quem poderia ter algo contra mim?
Dimitri não respondeu, ele apenas me abraçou bem apertado.
— Você pegou Rocco de jeito, Victoria, ele precisa de você. Todos
nós precisamos. Não seja tola, apenas compartilhe o que te preocupa. Você
não está sozinha.
— Nunca fui tão feliz, Dimitri, não vou permitir que nada atrapalhe
isso. Obrigada pelo seu silêncio, eu peço isso como sua cliente, por favor, não
quebre minha confiança. — Repeti, sabendo que ele jamais a quebraria.
Ele guardou o papel e saiu apressado. Fiquei por ali um momento, me
refazendo. Voltei para a festa e em vários momentos me perdi admirando a
família incrível que eu tinha.
Quando o mês de dezembro chegou, o buquê não veio na data
esperada. Passei o dia inteiro em expectativa mas nada chegou. Isso me
deixou tão feliz, que Rocco não entendeu o porquê de eu estar assim.
— Nosso filho está completando três meses, e ele é totalmente
saudável. — Abracei Rocco e ele me girou. — Eu te amo, sabia?
— É mesmo?
— Claro que sim. — Mordisquei seu queixo barbeado. — Eu amo
você inteiro.
— Continue provocando, já já eu vou estar enterrado até as bolas na
sua boceta.
Ri de sua ousadia, Rocco era o meu pervertido. Eu adorava que ele de
repente transformava um diálogo inocente em uma cantada safada.
— Eu não vou reclamar. — Bati em sua bunda e corri, porta afora.
Ele me perseguiu, e eu amei.
O meu coração estava leve e cheio de felicidade.
Mas, para a minha total tristeza, cinco dias depois, Mariana trouxe o
maldito buquê. As rosas negras estavam lá, só que agora tinham apenas três.
— Meu Deus…
Finalmente compreendi, isso se tratava de uma contagem regressiva.
Mas de quê?
Victoria

Desde que nosso filho nasceu, Rocco passou a sorrir com os olhos.
Era uma coisa tão bonita de se ver que eu me pegava suspirando feito uma
idiota. Notava-se o quão feliz ele estava, pois, até nos momentos em que era
um pervertido, havia uma leveza em sua expressão que não estava lá antes.
— Sabe, amore mio, você ficou com uns peitos… — deixou a frase
no ar.
Balancei a cabeça, sentindo meu rosto esquentar. Será que isso nunca
ia mudar?
— Dio mio, você ainda fica vermelha. — Ele enterrou o rosto entre
meus seios. — Eu amo isso.
— Claro, seu grandessíssimo pervertido.
— Isso, eu sou grande mesmo. — Ronronou, satisfeito.
— Vou ensinar meu filho a não ser um pervertido.
— Não seja louca. — Rocco pareceu ultrajado. — Ele deve ser
educado, diferente de mim que sou um bruto, mas, no quarto, ele tem que ser
um pervertido. Nesse quesito, Gianne será uma cópia minha.
— Gianne já é uma cópia sua.
— Não, ele tem os seus olhos.
— Não sabemos — provoquei, mesmo sabendo que as chances eram
boas de ele ter. — A cor ainda está indefinida. Entre azul e verde. Quem
sabe?
— Eu enxergo seus olhos nele, ponto e basta! — Rocco me beijou. —
Os olhos mais lindos do mundo, da mulher que eu amo.
Ele levantou, e eu pensei que fosse sair, mas, em vez disso, ele tirou a
cueca e sentou no sofá, me olhando com um sorriso enorme, enquanto fazia
carícias em si mesmo.
— Amore mio, por que você não vem aqui? — chamou-me com um
dedo. — Senta aqui no meu colo, tenho uma brincadeira que vai te fazer feliz.
— E o que seria?
— Vem que eu te mostro.
Levantei da cama e fui para ele. No caminho, removi a camisola,
lentamente, provocando. Meu corpo estava voltando ao que era, mas, em
nenhum momento do processo, Rocco fez eu me sentir insegura, pelo
contrário, graças ao meu marido, a minha autoestima vivia nas alturas.
Ele era o meu maior incentivador, e eu passei a trabalhar isso por mim
mesma.
— Senta aqui, sua gostosa do caralho. — Apontou para seu pau
grande, brilhando com o pré-sêmen na ponta. — Quero esses peitos na minha
cara — resmungou, lambendo os lábios.
Só de olhar para ele, eu senti o clitóris pulsar. Rocco era gostoso
demais, olhar para ele vestido era uma delícia, imagine nu. Só isso bastava
para eu querer viajar com ele pelo mundo do prazer.
— Você está pronta para mim, amore mio? — Parei em sua frente,
para responder sua pergunta, levei minha mão até o meio das minhas pernas.
— Mulher, não provoque.
— Veja se eu estou pronta. — Trouxe meus dedos molhados para os
lábios dele. Rocco lambeu tudo, sem tirar os olhos de mim. — Sem
preliminar.
Só queria senti-lo dentro de mim e pronto.
— Então vem, sou todo seu.
Gemi alto, quando fui sentando no pau dele. Rocco me preenchia de
um jeito incrível.
— Pequena, você me toma por inteiro. — Ele ofegou, fazendo-me
suspirar. — Por que sinto que há mais aqui, amore mio? — disse, quando
rebolei devagar, sentindo-o dentro de mim.
Puxei o ar, meu corpo formigava enquanto eu seguia um ritmo lento,
quase preguiçoso. Queria morrer de prazer, gravá-lo em mim de todas as
formas, como nunca o fiz, ou talvez já houvesse feito.
Eu só queria provar cada sensação, passeando por cada uma delas
devagar, não havia pressa, pelo menos não hoje.
— Sempre há mais, Rocco, com nós dois sempre houve. — Encostei
nossas testas. — Juntos criamos fogo, meu amor, juntos criamos furacões.
— Maledizione — rosnou, enfiando as mãos no meu cabelo, seu
agarre quase doloroso. — Criamos o que caralho quisermos, agora vamos
criar um terremoto. — Rocco ergueu-se como se eu não pesasse nada,
instantes depois eu sentia seu peso gostoso em cima de mim, e a maciez da
cama. — Agora sinta como um homem de verdade fode sua mulher, mas
principalmente, sinta como ele a ama.
Entreguei-me ao meu marido de todas as formas que ele desejou e eu
também. Meu coração, às vezes pesado, ficava leve e dividido em partes
quase iguais. Por isso eu tentava demonstrar com meu corpo o quanto eu o
amava.
Com palavras, já não havia mais o que eu pudesse dizer.
— Seja meu, Rocco — implorei, quando o prazer me engoliu.
— Eu já sou seu.
Ele disse, beijando meus olhos, enquanto me fodia com selvageria. Eu
tinha certeza de que, lá no fundo, ele sentia algo fora do lugar. Estávamos
ligados de várias maneiras, não dava para explicar nossa conexão.
— Tudo bem, amore mio — murmurou, me apertando, seu próprio
corpo tremendo. — Tudo bem. — Agarrei-me a ele, conseguindo com muito
esforço não chorar por causa daquele peso no coração.
Em vez disso, sorri porque me agarrei ao amor que transbordava.
Apaixonada por ele, ainda mais do que era possível, acariciei o seu rosto com
as pontas dos dedos. Rocco tinha uma beleza tão surreal, que causava uma
coisa boa olhá-lo. Mas ele era cheio de defeitos que o tornavam real.
Eu, que convivia com ele, sabia de todos os seus pontos fracos e
fortes, eram justamente as falhas que o tornavam perfeito.
Para mim.
— Eu te amo, Rocco — disse, puxando sua nuca, entregando-me a
um beijo doce, cheio de sentimento, e mais um tanto de segredos que ainda
não tinham sido revelados.
— O que está acontecendo? — ele questionou, afastando-se. —
Victoria?
Eu poderia falar, mas, então, em vez de ser apenas eu preocupada,
seríamos nós dois. Dimitri havia dado um jeito, e sem revelar o que eu havia
lhe contado, aumentou a minha segurança.
Isso me tranquilizou, e o fato de eu estar com o testamento pronto.
Inclusive, pude incluir uma carta.
— Nada. — Sorri, beijando-o outra vez. — Não está acontecendo
nada.
Fizemos silêncio por um longo tempo, até que ele começou a puxar
assunto, e a palavra filho surgiu.
— Amore mio, eu quero ter a oportunidade de acompanhar toda a sua
gravidez. — Ele fez uma carinha de que esse era um ótimo argumento.
Em partes era, mas…
— Desta vez, você estará em um hospital para ter nostro bambino![12]
— Rocco, nem nasceram os primeiros dentes do Gianne e você já
quer outro filho? Pelo amor de Deus, eu ainda nem perdi todos os quilos que
ganhei, e o nosso combinado? Não tente refazer as regras, você vai perder.
Ele riu da minha cara, dizendo que bastava eu dizer sim e pronto.
— Depois do primeiro, os outros vêm em fila pequena.
Ele até parecia visualizar a cena e gostar muito.
— Apenas pare de tomar esse anticoncepcional que sua médica
receitou e já te mostro como falo a verdade, eu acho que você deveria parar
de tomar, ele por acaso não está fazendo mal?
— Não me fez mal porque é diferente dos tradicionais. — Ri baixinho
de sua cara desapontada. Mas, então, aquele sentimento nostálgico de amor
puro me engoliu.
Não importava como, eu só queria que ele fosse feliz.
— Rocco, você é um marido sem igual, poderia fazer qualquer mulher
feliz, sabia?
— Não quero fazer qualquer mulher feliz, eu só quero fazer você
feliz.
— Isso você já faz. — Deitei em cima dele, suas mãos vieram para a
minha bunda automaticamente, enquanto eu o admirava. — Mesmo assim,
grandalhão, sendo um homem jovem, deve saber que se alguma coisa…
— Não comece! — ele me interrompeu, virando-se para me tirar de
cima.
Rocco levantou, e eu percebi que estava bravo. Ele nunca perdia o
controle comigo, não depois daquela vez no bar.
— Rocco, é só uma conversa, não precisa ficar chateado. Eu só estou
dizendo que você é um marido dos sonhos, e que…
— Cale-se, Victoria! — gritou, caminhando até a varanda, onde se
apoiou de braços cruzados, me ignorando.
Levantei também, indo atrás dele. Precisava que me escutasse.
— Grandalhão. — Toquei suas costas. — Tudo bem? — Ele não
respondeu. — Rocco, olha para mim — chamei com carinho, mas ainda
assim ele não respondeu.
Ficamos em silêncio, beijei suas costas, acariciando-o até que
começou a falar.
— Você não entende, Victoria, simplesmente não entende. — Sua voz
aflita me rasgou ao meio, quando iniciei o assunto, não era isso que
pretendia. — Eu sei o que é temer a perda, eu sei o que é viver com a porra
do medo me impedindo de respirar direito. Eu vivi isso, esqueceu?
— Rocco, desculpa, eu não…
— Eu sei o que é pensar que acabou, não posso imaginar essa
possibilidade.
— Tudo bem, esquece o que falei.
— Não, se você quer saber como me sinto, então eu te direi. —
Virou-se e eu nunca o vi tão assombrado em toda a minha vida. Era como se
estivesse vendo algo terrível. — Eu sou homem de uma mulher só, fodi com
quem quis enquanto não tinha meu coração preso, agora não conseguiria. Eu
sou seu, apenas lide com isso.
Suas palavras me fizeram tremer, eu não queria magoá-lo de jeito
nenhum.
— Vamos dormir, em breve nosso filho acorda e então teremos que
cuidar dele.
Aquela foi a primeira vez que Rocco me deu as costas várias vezes
seguidas.
— Não fica assim, eu não queria que você se chateasse.
— Não é chatear, é relembrar todo o pesadelo que estava sendo
esquecido. — Ele deve ter notado minha tristeza, pois me puxou para seus
braços. — Você é minha, e eu não quero mais ninguém. Não tem mais o que
pensar, morre aqui qualquer possibilidade, você não vai me deixar.
— Não vou.
— Bom, pois eu não te deixaria ir! Juro para você que seria um ex-
marido da pior espécie.
Pouco tempo depois, Gianne acordou chorando e Rocco foi buscá-lo.
Eu ainda não havia conseguido digerir todos os sentimentos que a conversa
com ele me despertou. Pelo menos ele parecia menos irritado quando voltou
com o bebê nos braços.
— Olha, amore mio, ele está procurando comida aqui. — Rocco deu
risada, quando percebeu Gianne de boca aberta, procurando peito na curva de
seu braço.
— Ele está com fome. — Recebi o meu bebê esfomeado.
— Quero ver quando a farra acabar. — Rocco cruzou os braços,
balançando a cabeça. — Esses peitos voltarão a ser só meus.
— Você vive arrumando motivos para meter a boca nos meus peitos!
— Lembrei, divertida, enquanto acariciava os cabelos negros e macios do
meu bebê. — Você quer outro filho, então esses peitos aqui ainda não serão
seus.
— Eu sempre posso ter meu turno, amore mio, já ouvi falar que leite
fortalece os ossos.
— Nem vem, seu tarado, nem vem!
Ficamos os três na cama, juntos, eu e Rocco brincamos com nosso
bebê gorducho que quase nos matou de amor quando começou a dar
risadinhas por causa da barba de seu papai.
— Você é o melhor pai do mundo, Rocco. — Sorri, admirando-o. —
Você é tão amoroso e dedicado, eu não poderia deixar meu filho em melhores
mãos.
— Deixar? — Parou, olhando-me. Nem eu sabia de onde isso tinha
saído, por isso logo tratei de corrigir.
— Quando eu estiver com muito trabalho, você vai ficar com ele, ou o
William, Dimitri, Jason. — Ri baixinho, mas não fui acompanhada, Rocco
ainda me encarava.
— Sem babás?
— Talvez, apenas uma ajuda de vez em quando. Não uma babá para
fazer o papel de mãe.
— Sim, senhora — anuiu, deitando-se. — Vamos deixar ele aqui
hoje, certo? Quero vocês dois aqui, onde minhas mãos possam tocá-los.
— Tudo bem.
Nós dormirmos com o Gianne, e eu confesso que me senti muito bem.
Nesse momento, entendi porque muitos pais não conseguem desapegar de ter
seus filhos na cama enquanto eles são bebês.
A sensação de dormir tocando um pedaço do paraíso não tinha preço.

***

O barulho de clique me despertou.


Olhando ao redor, percebi que só estávamos eu e Gianne na sala da
lareira, o pequeno dormia ao meu lado no carrinho de bebê.
— Você é tão fofo. — Toquei o capuz de orelhinha.
O clima em Londres havia mudado muito desde o aniversário de
William, agora, nós estávamos vivendo uma época mais fria, não dava para
ficar com o Gianne lá fora.
Hoje, especialmente, eu havia tirado a tarde para terminar de montar a
árvore de Natal. Mas acabei cochilando, por causa do calor gostoso que
desprendia da lareira.
— Senhora?
— Sim, Mariana. — Olhei para a minha governanta, ela sorria
gentilmente ao se aproximar.
— Está um pouco frio, não prefere subir e colocar uma roupa mais
quente? O senhor Masari pode se preocupar que pegue um resfriado.
Olhando para as minhas vestes, percebi que o short mais curto
deixava minha cicatriz da perna toda à mostra. Talvez isso incomodasse,
porque a visão não era bonita.
— Aqui está quentinho. — Sorri, cobrindo a perna com as mãos. —
Mas eu vou trocar de roupa.
— Senhora, eu não quis dizer…
— Tudo bem, eu sei que não é agradável de olhar. Não se preocupe.
— Se me permite a pergunta, por que a senhora não tira?
Eu nunca tinha parado para pensar realmente sobre isso, porque eu
encarava a cicatriz como uma parte de mim, não como algo que precisasse ser
removido.
— Eu gosto dela.
— Dói?
— Não, agora estou bem.
Estiquei os braços, espreguiçando-me. Mariana não tirava os olhos de
mim.
— Quer ajuda com a árvore? — ofereceu-se, solícita.
— Eu agradeço
Juntas nós terminamos de decorar a árvore de Natal que estava cheia
de presentes ao redor, Rocco todos os dias trazia algo. Eu, por outro lado, não
estava saindo muito de casa, porque precisava levar Gianne e, nesse clima
mais frio, eu não me sentia segura para arriscar.
— Ficou linda. — Mariana sorriu, olhando para a enorme árvore
decorada.
— Espere, falta colocar somente esse laço aqui. — Estiquei-me, mas
não consegui colocar onde eu queria, por isso, puxei a pequena escadinha e
subi nela. — Prontinho.
Antes que eu pudesse descer, braços fortes me agarraram por trás.
— Delizia mia, sentiu saudade? — A voz de Rocco estava quente,
contrastando com as mãos geladas.
— Você está frio. — Encolhi, tentando fugir quando enfiou as mãos
dentro da minha blusa.
— Me esquenta.
A minha blusa deve ter subido, porque Mariana perguntou em que
idioma estava a minha tatuagem. Eu nem lembrava mais que ela estava ali.
— Rocco, se comporte. — Ri, envergonhada de ter esquecido que não
estávamos sozinhos. — Português, eu fiz no centro cultural de Londres.
— Doeu senhora?
— Muito, eu deveria ter feito em duas sessões, mas eu fiz uma aposta.
— Que aposta? — Rocco perguntou, eu não lembrava se havia falado
para ele.
— Slade, o tatuador, apostou que eu não a faria inteira em uma única
sessão. — Mariana me olhava como se eu fosse doida. — Eu não precisaria
pagar se aguentasse. No final, eu até quis pagar, porque o trabalho valeu a
pena, mas ele não aceitou, em vez disso, pediu uma foto, e eu deixei ele tirar.
— O quê? — Rocco franziu o cenho. — Uma foto? Eu não sabia!
— Amor, é uma foto da tatuagem, não de mim.
— Mas a tatuagem está em você. — Cruzou os braços, de cara feia.
— Onde é esse estúdio? Eu vou lá buscar essa foto.
— Centro cultural de Londres. — Pisquei o olho. — Só procurar
Slade, o melhor tatuador de Londres — provoquei Rocco. — Ele fez um
quadro, eu acho.
— Foda!
— Ah, e tem que marcar com antecedência, ele é bastante ocupado.
— Victoria Masari, não me provoque — Rocco avisou, e Mariana
saiu de fininho, ela tinha medo dele.
Na verdade todos tinham, mesmo que Rocco não fizesse nada para
isso. Talvez fosse o tamanho dele, sei lá.
— Grandalhão, você chegou mais tarde hoje. — Mudei de assunto,
puxando-o para sentar no sofá. — O que aconteceu?
— O sheik está colocando um monte de merda no meu prato. —
Bufou, erguendo-me para que eu sentasse em seu colo. — Estamos nessa
dança há meses, ele não quer ceder algumas coisas, eu tampouco.
— Nossa, eu sinto muito.
— Não sinta, o bastardo vai aceitar os meus termos, ou eu irei
procurar outro sheik para negociar.
Esse lado executivo me deixava excitada, Rocco ficava tão quente
quando estava no modo homem de negócios, perigoso.
— Como anda sua criatividade? — ele perguntou, beijando meu
pescoço.
— Muito bem, amo a sala que você fez aqui. Trabalho com o Gianne
do lado, ele é um bebê tão bonzinho.
— Pena que não dorme a noite toda. — Rocco suspirou.
— Mas pelo menos ele já está dormindo mais um pouco. Duas horas
seguidas, é um recorde.
Como se soubesse que estávamos falando dele, Gianne acordou.
— Vem aqui com o papa, amore mio. — Rocco me tirou do colo e
pegou nosso filho. Ele aninhou o bebê no peito e ficou cheirando os cabelos
dele. — Amo tanto você.
Enquanto desfrutava do nosso filho, Rocco apontou para uma sacola
de uma marca famosa.
— Para colocar na sua árvore.
Rocco ficou com Gianne até que o bebê começou a se irritar com
fome. Eu senti meus seios doerem. Quando acomodei meu filho para
alimentá-lo, Rocco disse:
— Dimitri me contou uma coisa hoje.
Na hora, gelei, ele não faria isso. E Rocco não estaria agindo com
tanta tranquilidade se acreditasse que eu estava preocupada com algo.
— É, o que ele disse? — Não tirei os olhos do Gianne, ele era minha
segurança agora.
— Que você logo vai começar a ir para o seu atelier, ele disse que
você agora é famosa, e que seria bom ter seguranças que são ex-militares.
Dimitri, isso é tão a sua cara. Interferir, sem interferir. Obrigada,
meu amigo. Respirei fundo, mais tranquila.
— Grandalhão, eu tenho uma equipe gigante de seguranças, eles
passam a maior parte do dia fazendo nada pela propriedade. Eu mal estou
saindo de casa.
— Sabe? Eu achei pertinente, falei com Jason e ele concorda. Irei
adicionar uma equipe de ex-militares em sua segurança e vou trocar os seus
carros. Já fiz a encomenda, deve chegar em um mês.
— Você está falando sério?
— Sim, quero blindagem especial, pneus que podem rodar alguns
quilômetros se forem perfurados.
Eu pensei que Dimitri estava satisfeito, mas não, ele deixou Rocco
com uma pulga atrás da orelha. Agora eu tinha certeza de que teria uma
equipe bem perigosa me protegendo.
— Então, não vai dizer nada?
— Vai mudar sua decisão? — Negou. — Então, estou bem com isso.
Poucos dias depois, eu fui apresentada à nova equipe integrante.
Foram indicados por Murdoch e Jason os aprovou.
O receio de que algo pudesse acontecer sumiu por completo, porque
agora eu não estava sendo protegida somente por seguranças, e sim por gente
altamente treinada para qualquer tipo de eventualidade.
Pela primeira vez, desde que recebi o primeiro buquê, o medo foi
embora.
Victoria

Minha inspiração estava na melhor fase.


Depois daquela época de bloqueio, eu tinha medo de acontecer outra
vez, mas, graças a Deus, não aconteceu e eu estava trabalhando tão feliz, que
comecei a fazer o desenho que daria para Rocco.
Igual quando eu comecei a projetar o vestido de Antonella, a mesma
sensação de que esse seria magnífico e especial dominou-me. Ele não seria
para venda, mas somente para admiração.
Parecia bobagem dar um croqui para Rocco, mas eu queria presenteá-
lo com o melhor da minha arte, e esse seria. O plano que eu tinha era fazer
em tamanho de quadro, para que fosse pendurado. Talvez, na sala do
apartamento que há em seu escritório.
Como arte conceitual, talvez? Eu não sabia, Rocco iria decidir.
O esboço no caderno de croqui já estava pronto há alguns dias, agora,
eu o estava passando para a tela de quadro, e eu nunca havia feito isso. Eu
acreditava que ficaria interessante como decoração.
— Acho que você ficará lindo. — Contornei suavemente a saia,
fazendo alguns movimentos nas linhas para que ficasse fantástico.
Eu o idealizei na paleta de cores do pôr do sol, na verdade, esse
vestido era representação disso, mas trabalhado com delicadeza na
intensidade das cores. Ele seria longo, com cauda espessa e vaporosa, uma
fenda traria toda a sensualidade necessária. O decote drapeado trazia um ar de
recato junto ao corpete montado com aplicações de minúsculos cristais para
efeito de luz.
Por último, o que o tornaria tão maravilhoso era a parte da saia, que
seria composta por gaze da mais pura seda. O vestido perfeito para um
grande encerramento de desfile de moda. Mas que na verdade nunca sairia do
papel.
— Minha neta!
Pulei de susto, estava tão concentrada que não percebi que tinha
companhia.
— Meu Deus, ele é perfeito. — Ela ofegou, aproximando-se da tela.
— Esses detalhes, Victoria, é a sua melhor obra. — Minha avó sorriu,
orgulhosa. — Eu mesma irei executar esse vestido. Claro que se você me
permitir.
Ela tocou na construção da saia, eu já havia feito a transparência da
gaze, e estava bem satisfeita com o resultado.
— Vou colocar ele como o modelo de encerramento da Nova Iorque
Fashion. — Bateu palmas, me abraçando. — Vai ser incrível, será sua estreia
com grande estilo, vai causar choque. Ele tem todos os elementos necessários
para ditar moda, olha só essas cores, lembram o pôr do sol.
— É isso mesmo. — Senti borboletas na barriga, porque eu não
precisei dizer que era uma representação, então significava que eu estava
acertando. — Mas ainda falta muita coisa.
— Victoria, o desenho está pronto. — Ela pegou o espelho, o croqui
em tamanho normal. — Você quer fazer o quadro para deixar no seu atelier?
Olhe, se me permite, acho que uma modelo brasileira vai ficar fantástica.
— Vovó, esse vestido não vai para produção. — Sorri, quando ela me
olhou com cara de espanto. — É um presente para Rocco.
— Minha filha. — Ela riu, me abraçando. — Acho justo dar o seu
melhor trabalho para ele, ainda mais quando essa preciosidade não será
reproduzida.
— Rocco tem tudo, vovó, então eu quis fazer algo especial para ele.
Olhamos para o desenho em produção. De fato, aquele era o meu
melhor trabalho, se fosse virar vestido, teria a minha marca registrada em
cada detalhe. Era romântico, e ao mesmo tempo sexy.
— Faz bem, Rocco vai adorar, eu tenho certeza.
— Tomara, é um pouco estranho dar o croqui, mas farei isso.
— Vai ser para o Natal?
— Ah, não, eu não consigo terminar até o Natal, mas, não se
preocupe, o presente de Rocco já está a caminho.
— Você está grávida?
— Não, vovó, meu Deus! Gianne ainda vai fazer quatro meses.
Ela saiu do meu estúdio dando risada, estava muito feliz, e isso era tão
nítido. Desde que começara o relacionamento com David, ela até cantarolava
pelos cantos.
— Ah, o amor… — Balancei a cabeça, voltando ao trabalho.
Eu sempre fui perfeccionista, talvez por isso Blanchet não ficava
fiscalizando o meu trabalho o tempo todo. Agora, eu estava presa no arremate
das bordas da saia, não podia desenhar apressada, cada detalhe devia ser feito
minuciosamente.
Diferente dos outros croquis que eu já havia feito, esse aqui estava
tomando muito mais tempo, bem mais que o vestido de Antonella, levando
em consideração que eu não podia ficar nele o tempo todo.
Entre as mamadas do Gianne, cuidados com ele e a produção do
atelier, as horas que sobravam eu corria para trabalhar nessa beleza.
— Amore mio, o que está fazendo aí até essa hora?! — Ergui a cabeça
sorrindo, baixando os óculos.
Rocco estava na porta do meu estúdio, segurando Gianne. Meu filho
estava lindo com um macacão de ursinho, tinha até orelhas. Já Rocco estava
apetitoso com terno e gravata, certeza que havia acabado de chegar.
— Estou trabalhando em um croqui — respondi, soprando um beijo
para os homens da minha vida.
— Deixe-me ver como está ficando — pediu já caminhando em
minha direção
— Não, senhor. — Joguei o tecido para cobrir a tela. — É secreto.
— Mas sua avó já viu, ela disse que você está fazendo o melhor
projeto da sua vida, fiquei curioso — reclamou, esticando-se para tentar ver
algo.
Gianne estava ocupado babando a mãozinha, ele estava assim
ultimamente, mordendo as coisas.
— Me deixa ver, mulher!
— Não, senhor, só quando eu terminar. — Ri de sua expressão.
— Então sua avó tem mais privilégio que eu?
— Rocco, não seja chantagista. — Apontei o dedo, ele deixou os
ombros caírem.
— Você sabe que eu sou curioso, vou ficar com isso na cabeça.
— Mas você vai ver, quando a hora chegar.
— Eu sei, mas eu quero agora.
Esperei para ver se ele ia desistir, mas, óbvio que não. Inclusive, já
estava até com um sorrisinho de vitória, porque sabia que eu ia ceder.
Safado!
— Tudo bem. — Revirei os olhos, puxando o tecido. Mas, antes de
permitir que ele pudesse ver, disse: — Ainda não está pronto, faltam vários
detalhes.
Saindo da frente, permiti que ele se posicionasse no meu lugar. Eu
havia colocado a tela de frente para a janela. Rocco não disse nada, e isso
começou a me deixar nervosa. Cruzei os braços, trocando o peso de uma
perna para outra, depois comecei a morder a unha.
Droga…
— Eu disse que está incompleto, falta muita coisa ainda no
acabamento, talvez depois você goste quando eu finalizar e…
Ainda não tinha pensado na possibilidade de ele não gostar, por isso,
ele ver antes talvez não tivesse sido de todo ruim.
— Rocco, não está finalizado…
Mas também não vai mudar tanto. Completei para mim mesma.
— Amore mio, está incrível. — Rocco me olhou, sorrindo de orelha a
orelha. — Você tem mãos de fada.
Ri de nervoso, a aprovação dele era importante para mim.
— Nossa que alívio, você ficou calado, pensei que não iria gostar.
— Se o desenho está assim, só posso imaginar quando estiver pronto.
— Ele balançou a cabeça. — E quem não gostar de uma obra de arte dessa é
idiota. Está belíssimo.
O jeito que Rocco me incentivava era muito bom. Em qualquer
aspecto, ele sempre me elogiava, até quando eu não estava esperando. Isso
fazia eu me sentir mais inspirada e apaixonada.
Às vezes, até me chocava, mas a cada dia eu me sentia mais feliz, pois
tinha muitas coisas para amar.
Minha família linda, amigos, os meus cachorros e o trabalho.
— Eu simplesmente amo a minha vida.

***

Acordei sentindo o corpo todo arrepiado e os seios doendo. Tudo


parecia contrair e pulsar, de um jeito doloroso e intenso.
Eu estava trêmula, como se choques de prazer percorressem meu
corpo como línguas elétricas. Era tão intenso que doía, deixando-me louca, e
com vontade de gritar.
— Rocco… — Arqueei, ansiosa, buscando mais daquela sensação
arrebatadora.
Sentia que ia derreter, era puro fogo. Agarrei os cabelos dele,
puxando-o para mim. Ofegante, molhada, eu não estava acreditando que tinha
sido acordada assim.
Todo pensamento coerente se perdeu em meio a um gemido
desesperado. Hoje Rocco estava particularmente voraz.
— Chupada de aniversário. — Piscou um olho, me presenteando com
outra lambida, lenta demais para a sanidade de qualquer mulher. — Parabéns,
amore mio. — Ri em meio a um gemido.
— Eu amo meu marido! — gritei quando o orgasmo me tomou. E este
nem foi o primeiro.
Rocco, como fizera no ano passado, me deu o melhor aniversário de
todos, porque a surpresa desta vez foi para mim.
A minha família toda veio me ver, e a bolha de felicidade estava tão
grande que eu sentia estar em outro mundo.
— Vamos, gente — chamei minha família para a sala onde ficava a
enorme lareira. — Por favor, fiquem à vontade.
Estava um frio daqueles em Londres, e eu já não me aguentava de
ansiedade para ver a neve.
— Isso parece bom, amore mio. — Rocco me abraçou por trás. — Me
dê um pouco desse chocolate. — Sorri, enfiando o dedo na cobertura de um
dos cupcakes que eu havia feito, em seguida levei até sua boca.
— Uhmm, delizia! — disse baixinho, serpenteando a língua por meu
pescoço.
Mordi o lábio, tentando não deixar transparecer o quanto Rocco me
afetava. Mas eu já estava arrepiada dos pés à cabeça.
— Chocolate e Victoria — murmurou no meu ouvido. Senti a boceta
contrair somente com a entonação de voz. — Vamos usar mais tarde, irei
adorar essa combinação.
Ofeguei, fechando os olhos, porque senti as pernas fraquejando.
Lembrava muito bem como tinha sido acordada naquele dia.
— Guarde o pensamento e pare de ruborizar. — Ouvi sua risadinha
perversa. — Mulher safada!
Fiquei toda trêmula, molhada e sem saber como disfarçar. Parecia que
estava escrito em minha testa o que Rocco iria fazer comigo, por isso tentei
desviar o pensamento imaginando coelhinhos fofos.
Eu não podia olhar para o meu marido, porque se o fizesse, ia ficar
pior. Imaginei um monte de coisa que não tinha nada a ver com suas
palavras, e o calor foi baixando. Mas me refugiei na mesa de comida, com a
desculpa de que estava conferindo os detalhes.
Ano passado, eu e Rocco estávamos nos Moors e comemoramos
sozinhos, fazendo amor em frente à lareira.
Inesquecível.
Este ano, ele disse que aceitava me dividir com a família. Admito que
era gostoso ver as pessoas que eu amava reunidas, o coração ficava quentinho
de tanta alegria.
— Filha, estou tão feliz, esse é o primeiro aniversário que
comemoramos juntos. — Meu pai abraçou-me.
Seus olhos brilhavam, a emoção estampada em suas feições bonitas.
— O primeiro de muitos. — Minha avó juntou-se a nós. — Ano que
vem, estaremos aqui de novo.
— Com certeza, vovó, com toda certeza! — respondi beijando os
dois. — Amo tanto vocês, tanto.
Sorri, mesmo que meus olhos ardessem de lágrimas. Eu tinha a
melhor família, desde antes, quando éramos somente eu, minha mãe e o meu
pai Michael, eu vivi com muito amor.
Agora, eles não estavam aqui, mas eu sentia o amor que tínhamos
vivido, aumentando com cada instante de saudade, mas tudo que Deus me
permitiu ter eu valorizava.
Meu peito estava quase explodindo de felicidade, todos estavam ali
para me prestigiar, inclusive William, que sofria a perda de sua amada.
Confesso que chorei quando ele me abraçou apertado. Eu descobri que eu e
Isabela completávamos ano quase no mesmo dia.
Em outros tempos, William estaria se autoflagelando, para que de
algum modo a dor física superasse a emocional.
— Obrigada por estar aqui, Will.
— Eu não deixaria de estar, não há mais tristeza em meu coração —
sussurrou em meu ouvido. — Agora é só alegria, eu estou deixando o
passado ir, vou viver o que há pela frente.
Uma alegria ímpar me invadiu, porque o homem quebrado de outrora
estava finalmente juntando seus pedaços para seguir adiante.
Minha noite estava perfeita, dava para sentir a alegria e leveza. Nós
éramos tão barulhentos, como toda família grande deveria ser.
— Você está feliz? — Rocco perguntou, acariciando minha perna, eu
estava sentada em seu colo desde que havia me juntado a eles.
— Mais do que poderia explicar.
— Então, canta para mim? — pediu, apontando o violão recostado
próximo da árvore.
Desde que o vi ali, eu sabia que Rocco ia querer isso, volta e meia, eu
tocava para ele e para nosso filho. Inclusive, descobri que ajudava meu bebê
a dormir.
— Você sabia que era assim que comemorávamos os aniversários
quando eu era mais nova? — Rocco deu um sorriso singelo.
— Laura me disse, eu quis trazer isso para você.
Suspirei, inundada de tanto amor por esse homem. Rocco era tão
maravilhoso, que eu não sabia como descrever o que ele me fazia sentir. Era
demais.
— Vou cantar para você. — Pisquei um olho, indo sentar no
banquinho ao lado do violão.
Eu nunca havia cantado para minha família, apenas Jason, Rocco e tia
Laura haviam presenciado. O vídeo no YouTube não contava, tinha produção
ali, aqui, não.
Todos prestaram atenção enquanto eu testava algumas notas no violão
do meu pai Michael. Eu sabia qual música cantar, apesar de não saber tocar
uma variedade muito grande, a que escolhi parecia perfeita para o momento.
Comecei a dedilhar os acordes da música, entrando em sintonia
correta.
— Quero agradecer a todos por estarem aqui comigo, nesta casa é
onde reside todo meu amor. — Olhei para Rocco, segurando nosso filho, e
depois passei o olhar por toda a família. — Obrigada por fazerem a minha
vida ser tão incrível, eu amo todos vocês. Agora, chega de enrolar, senão irei
chorar e não vou conseguir cantar nada.
Eu escolhi a música que falava sobre um amor profundo, intenso,
dedicado a um casal que se buscaria para sempre. Comecei a cantar, e
timidamente, algumas das mulheres me acompanharam.
Quando chegou à parte que eu queria, olhei para Rocco e, como ele
pedira, cantei para ele.
— Estou olhando bem para a minha outra metade. — Ele sorriu, os
olhos azuis brilhando de emoção. — O vazio que havia em meu coração é um
espaço que agora você guarda.
— Amore mio…
Rocco me olhava com o coração nos olhos, naquele breve instante,
havia só nós dois ali.
— Com a sua mão na minha, não há um lugar onde não possamos ir.
— Pisquei o olho para ele, quando a música terminou. — Eu te amo, Rocco,
mais do que as palavras podem descrever.
Tudo estava perfeito.
Aquele entrou para lista dos melhores dias da minha vida.
No dia seguinte, quando acordei, eu vi neve. Pulei da cama
assustando meu marido, ele tentou me agarrar no susto, coitado.
— Rocco, a neve. — Ele fechou os olhos, respirando fundo, e se
deixando cair na cama de novo. — Vamos lá fora.
Não esperei que ele levantasse. Eu me arrumei toda, e quando estava
pronta para correr porta afora, fui interceptada.
— Baixa esse fogo, amore mio. — Beijou meus lábios. — Ou melhor,
me permita baixá-lo.
— A neve pode fazer isso, vamos lá fora! — Mordisquei seu queixo.
— Vamos aproveitar que Gianne ainda não acordou.
— Claro, são cinco horas da manhã e ele foi dormir faz pouco tempo.
— Rocco bocejou, ele tinha ficado com o morceguinho. — Vamos para a
cama, estou com sono e quero dormir abraçando você.
Ele enfiou as mãos frias dentro da minha blusa, arrepiando-me inteira.
— Você é tão tentador. — Encolhi, quando massageou meus seios. —
Eu vou lá fora correndo e volto, não demoro.
Rocco balançou a cabeça, então suspirou.
— Me dê cinco minutos, vou me vestir — resmungou, me dando um
abraço apertado e de estalar os ossos. — Bom dia, gostosa.
Ri, toda mole, esperando ele se arrumar. Juntos fomos ver Gianne,
que estava a coisa mais linda, dormindo com seu agasalho de leão. Beijei
suas bochechas lindas, aproveitando seu sono para curtir a neve.
Até achava que Rocco pensara em uma caminhada tranquila, mas eu
tinha outros planos para nós.
— Pensa rápido. — Joguei uma bola de neve nele, pensando que ia
acertá-lo, mas, Rocco a pegou, devolvendo-a tão rápido que me acertou na
cabeça. — Não acredito! — gritei, juntando neve para fazer outra, atirei mais
forte.
Ele a pegou de novo, e já tinha um contragolpe pronto. Desta vez,
acertando minha bunda quando tentei correr.
— Não vale, sua pontaria é melhor. — Ele riu, mostrando a outra
bola, pronta para ser arremessada em mim.
— Bonequinha, vamos formar duplas. — Jason surgiu, soprando as
mãos enluvadas, atrás dele, William apareceu com os cabelos soltos,
parecendo uma juba de leão.
Começamos a guerra, foi bola de neve para todo lado, eu fui acertada
por todas que William ou Rocco jogavam em mim. A sorte do meu time foi a
pontaria de Jason. Ele acertou o Conde já cabeça e Rocco bem no meio da
cara.
Ambos ficaram irados e a guerra ficou pior, as bolas dobraram de
tamanho. Eu ia me ferrar se continuasse ali, então eu saí e fui brincar com os
cachorros.
Eles estavam loucos tentando morder a neve que caía.
— Você vai fugir? — Rocco cruzou os braços, ele era muito
competitivo. — Volta aqui.
— Bandeira branca. — Soprei o ar, emitindo uma pequena nuvem de
vapor. — Estou morta, seus brutamontes.
Os rapazes riram, mas eu era uma garota sedentária, não aguentava
muito o pique deles na brincadeira.
De onde estava, avistei Mariana segurando Gianne, acenei para ela,
que retribuiu o gesto. Dimitri apareceu ao lado dela e pegou meu filho, depois
de conferi-lo, trouxe-o para a bagunça.
Os rapazes continuaram a guerra, agora que tinha Dimitri, as duplas
ficaram equilibradas. Eu fiquei com Gianne, ele brincando com os flocos de
neve.
— Coisa fofa da mamãe, agora vamos entrar porque não podemos
abusar.
Pretendia ficar dentro de casa, mas Mariana adiantou-se e pegou
Gianne.
— Continue aproveitando, me deixe levar esse príncipe para dentro,
vou trocar as roupas dele.
Permiti que ela o levasse, observando enquanto ambos se afastavam.
No meio do meu jardim, todo branco de neve, ergui a cabeça, fechando os
olhos. Por um instante, pareceu que tudo fez silêncio, e eu pude ouvir o eco
de meus pensamentos perdendo-se.
Havia paz.
E eu pude reafirmar a minha conexão com Deus, com a certeza de que
enquanto eu esperasse com paciência, direcionando a minha fé na certeza de
seu amor e proteção, tudo daria certo.
Se as coisas ficassem difíceis, em algum momento, eu deveria
acreditar que Deus nunca me abandonaria. Porque até hoje, ele nunca havia
me deixado.
Quando abri os olhos, enxerguei o céu branco e a neve caindo.
— Quem fica de joelhos diante de Deus permanece de pé, sobre
qualquer circunstância. — Respirei fundo.
A paz me invadiu.

25 de dezembro de 2015
Natal
Eu adorava o Natal, porque o sentimento de confraternização e de
ajudar o próximo dominava todos os lugares. Também era época de ver a
família reunida, de pedir perdão e perdoar. De selar a paz consigo e buscar
nunca mais cometer os mesmos erros.
O que muitas pessoas faziam no período de Natal deveria ser feito o
ano todo. Praticar a caridade e ser benevolente não deveria acontecer somente
no Natal, pois honrar o sacrifício que Deus fez por todos nós era algo que
precisava ser feito diariamente.
Boas ações eram para o ano todo, dizer eu te amo era para o ano todo,
sorrir era para o ano todo.
Eu sabia que Rocco tinha muitas organizações na lista de doações que
fazia, mas eu queria fazer a minha parte, então, montei uma equipe para
distribuir agasalhos, comida quente para quem precisava e brinquedos para as
crianças. Esse era o primeiro Natal que eu podia fazer isso, e a satisfação que
me trouxe aqueceu meu coração.
Com essa parte em andamento, minha atenção voltou-se para a minha
casa. Rocco e eu iríamos receber a família, parecia que aqui havia se tornado
o lugar de todos se reunirem.
A árvore de Natal estava cheia de presentes, a lareira com as meias, e
tudo mais. Cada lugar foi decorado com muito amor.
Por volta das dezoito horas, eu estava pronta para receber a minha
família e cada pessoa que ia chegando trazia consigo bons sentimentos.
Dimitri veio acompanhado de três mulheres, sua mãe, irmã e uma
jovem belíssima. William, quando apareceu, chocou a todos por estar com o
cabelo mais curto, na altura do pescoço, antes estava quase no meio das
costas.
— Eu pensei que você nunca ia cortar o cabelo, Rapunzel — Dimitri
provocou.
— Teu cu. — O Conde mostrou-lhe o dedo médio. Mas tinha um
sorriso nos lábios.
— Ai, doeu.
Caímos na risada, Dimitri era uma criatura impossível.
— Vamos, entrem, Rocco está esperando na outra sala.
Eles entraram, enquanto eu ia receber meu pai. Ele tinha vindo com
Regina e ambos formavam um casal de tirar o fôlego. Ela com seus cabelos
pintados de vermelho e sorriso fácil, ele, com a expressão sempre serena.
Combinavam.
— Bem-vindos. — Abracei meu pai e depois sua noiva. — Saudade
de você, doutora.
— Minha querida, eu também. Você está linda.
Meu pai estava muito elegante, ele ia se casar em breve e Regina
ostentava seu anel feliz da vida. Pouco tempo depois, minha avó chegou com
o marido, ela e David estavam mais que assumidos, inclusive usavam
alianças.
— Que maravilha ter vocês aqui. — Abracei-a e depois a David. Ele,
com o jeitão truculento, havia conquistado a minha avó. E ela foi bem difícil.
Pelo menos eu acreditava que sim.
Quando todos chegaram, eu voltei para a sala de recepção. Da porta
de entrada, avistei Rocco e parei um momento para admirá-lo.
Esse homem rouba o meu fôlego. Suspirei, observando-o conversar
com os amigos. Ele usava com um suéter vermelho, eu nunca o tinha visto
com essa cor e adorei. Rocco ficava incrível com qualquer coisa que vestisse,
era elegante por natureza.
Tudo ali parecia um sonho, ver todos conversando, felizes e
sorridentes, era o melhor presente do mundo. Eu amava aquelas pessoas, elas
significavam tudo para mim, principalmente o meu marido e filho.
Depois do jantar, nos fomos para perto da árvore, foi uma bagunça
boa e divertida porque Dimitri, Rocco e Antonella eram bagunceiros. Eles
queriam adivinhar o que tinha nas caixas e sempre diziam que o presente era
para eles.
— Agora eu. — William levantou. — Primeiro, meu afilhado.
— Ainda não aceitei isso — Dimitri falou, cruzando os braços. — Eu
sou o mais velho, era para eu ser padrinho desse menino, eu juro, não engoli
essa história.
— Claro, você engoliu lama quando desmaiou — Rocco alfinetou, e
Lara, a garota que viera junto com a família de Dimitri, tossiu uma risada. —
E depois sumiu, William ficou e ainda me ajudou no parto.
— Você não sabe brincar.
Minha avó, a mãe de Dimitri e a de Rocco deram risadas, mas nem
isso fez o russo parar as piadas.
— Rocco, isso aqui é para Gianne. — William entregou um envelope.
— Óbvio, para quando ele crescer.
Rocco abriu e nos mostrou. Era uma propriedade aos arredores de
Westlhern.
— Obrigado, meu irmão. — Ambos se abraçaram enquanto o
felizardo do meu filho estava ocupado babando o mordedor.
— Para você, Rocco, eu trouxe isso. — Ele entregou uma caixa. — É
daquela safra especial, encontrei um para você e para você, Dimitri.
— Pensei que eu ia ser deixado de lado pelo casalzinho — falou, mas
estava rindo, quando abraçou William.
— Victoria, esse aqui é o seu. — Ele me entregou um envelope
pequeno, quando abri, encontrei uma foto de um cavalo.
— William, é sério? — Olhei para foto do belíssimo animal, ainda
filhote. — Eu não sei andar de cavalo.
— É uma égua. — Ele sorriu. — Muito valiosa para mim, pois é a
primeira filha da égua com a qual presenteei minha Isabela. — Eu o abracei,
emocionada com o gesto dele.
— Muito obrigada.
O Conde era uma pessoa muito especial para mim e vê-lo permitindo-
se viver livre das correntes do passado deixa-me feliz porque ele merecia
muito. Apesar de ele considerar o contrário, eu sabia que seria capaz de fazer
qualquer mulher feliz, bastava que ele permitisse.
Com o clima carregado de boas sensações, entreguei os meus
presentes. Para meu filho, um ursinho e um CD de músicas que eu havia
gravado para ele. Para William, Dimitri e Rocco, eu havia mandado fazer um
quadro com uma imagem da tríade, em desenho.
Para Jason, eu encomendara um medalhão com uma foto nossa, e as
palavras “irmãos para sempre” circulando-a.
Todos receberam presentes.
Inclusive meu marido, mas, para ele, ainda havia mais, e eu só ia
entregar mais tarde.
Queria só ver sua reação, por isso, quando percebi que Gianne estava
sonolento, me despedi das pessoas e fui colocar o bebê para dormir. Depois
fui para o meu quarto. Tomei um banho relâmpago, vestindo um conjunto de
sutiã e calcinha fio dental, me perfumei toda, soltando os cabelos.
Olhei-me no espelho e gostei do que vi. Por último, peguei o presente
de Rocco e o coloquei entre os seios. Eu havia descoberto que ele estava
desejando um novo relógio, mas, quando pesquisei, descobri que tinha fila de
espera porque se tratava de uma série especial, de poucos exemplares. Não só
isso, eles eram confeccionados manualmente e levava cerca de um mês para
cada relógio ficar pronto.
Rocco havia me dito que levaria um ano para conseguir adquirir,
porque ele havia perdido o prazo para ficar entre os primeiros da lista.
Com a ajuda necessária, descobri que a esposa do responsável pela
produção dos relógios estava na minha lista de espera. Entrei em contato com
ela, pedi um favor em troca de outro.
Consegui o relógio de Rocco e ela o vestido para o casamento da
filha.
— Espero que goste, grandalhão. — Recostei na cama, quando ouvi a
porta abrindo.
— Puta que pariu — meu marido rosnou quando me viu. — Que
gostosa! Vou te comer tanto!
Ele arrancou o suéter, num piscar de olhos estava nu, acariciado o pau
duro.
— Não sei nem por onde começar. — Ele me olhou de cima a baixo,
para provocar, eu dei um giro. — Caralho. — Ouvi como puxou a respiração
com força.
— Vem aqui, está faltando eu te dar um presente.
— Você? — Ele sorriu, devasso.
— Não, eu já sou sua.
— Puta merda, Victoria, vou foder todos os seus buracos hoje.
— Então vem — chamei com o dedo.
Quando ele chegou perto, balancei os peitos, e ele viu o relógio que
tanto queria.
— Meu Rölex Submariner! — Ele me encarou, o sorriso enorme.
— Pega ele.
Convidei e nem precisei chamar de novo, os dedos caminhantes do
meu marido exploraram bem o recheio do meu decote. Rocco me arrastou
para uma maré de prazer tão grande que nem deitamos na cama. Nem vi
onde ele colocou o relógio, só sabia que, quando dei por mim, estava em seus
braços, ele me empurrou contra a parede.
— Vou te foder assim. — Rasgou a minha calcinha. — Agora, me
abrace com as pernas.
Obedeci e sequer tive tempo de pensar, ele me penetrou. O grito de
prazer foi engolido por sua boca. Rocco me beijou com força enquanto me
fodia, o senti bater fundo. E não parou, ele bombeou com força, acertando
todos os lugares certos, que me deixavam louca, desejosa, queimando de
prazer.
— Rocco, não para, não para! — Gemi, puxando seu cabelo com
força, machucando-o.
— Gosta assim, não é? — Deu uma rebolada que quase me fez ver
estrelas, acabei gritando, foi demais. — Meu pau, sua boceta, dupla perfeita!
Hoje, amore mio, vou te mostrar uns truques novos, você já está pervertida o
suficiente.
Eu acho que fui revirada ao avesso, delirei e, quando não aguentava
mais, ele sussurrou no meu ouvido:
— Eu ainda nem gozei, Pequena.
Eu me vi quase desmaiando de prazer, não sabia o que Rocco tinha
tomado, mas quando descobrisse, esconderia e só lhe entregaria pequenas
doses em dias pré-determinados.
— Não consigo sentir minhas pernas. — Minha voz saiu abafada pelo
colchão. — Não sinto meu corpo.
Ainda ouvi sua risada antes de adormecer, não me lembrava de ter
tomado banho e nem de ter amamentado, só sabia que havia acordado com o
Gianne muito bem agarrado aos meus seios. Enquanto Rocco me olhava com
cara de cachorro bem alimentado.
Grande safado!

***

Rompemos o ano com uma grande festa, comemoramos como


sempre, reunidos e felizes. Todo mundo amanheceu o dia, e quase ninguém
estava com disposição para levantar.
Os dias passaram tranquilos, Gianne fez quatro meses, estava lindo,
saudável e gordinho. Meu corpo havia voltado para o que era antes e minha
médica atribuía isso à amamentação. Ela disse que ajudava e que algumas
mulheres inclusive perdiam até mais peso do que deveriam.
Mesmo sem querer, uma nova rotina estava se instalando, Gianne
estava dormindo mais durante a noite, e isso mudou alguns hábitos durante o
dia. Eu comecei a fazer pequenas visitas ao meu atelier. Confesso que
esperei o buquê chegar, mas ele não veio. O alívio que senti foi tanto que até
me convenci de estar sendo paranoica.
— Senhora. — Fechei os olhos.
Pelo tom de Mariana, eu já sabia o que era. Ela trouxe o buquê, sua
expressão não era das melhores.
— As flores coloridas estão mais fechadas este mês — comentou. —
As negras estão desabrochadas.
— Quase. — Avaliei as rosas, tentando entender esse quebra-cabeça.
— Elas vão abrir mais.
Podia apostar que, no próximo buquê, as rosas coloridas seriam
apenas botões.
— Isso é tão estranho.
— Sim, senhora, só tem duas rosas negras. — Mariana suspirou. —
Mês passado tinha três.
— E antes quatro. Eu sei.
— Esses números significam o quê, senhora?
Talvez eu nunca soubesse.
06 de fevereiro de 2016

Rocco estava construindo um boneco de neve, e eu o observava da


varanda do nosso quarto, enquanto alimentava Gianne, meu pimpolho não
queria saber de mamadeira, nem mesmo se fosse meu leite.
Uma parte de mim ficou feliz, porque ele ainda tinha cinco meses, e
por mais que eu saísse de vez em quando, ainda não estava pronta para a
separação.
— Eu adoro essa conexão, amor. — Acariciei seus cabelos,
admirando os olhos verdes iguais aos meus. — Seu pai acertou, você tem os
meus olhos.
Suspirei, feliz, admirando o meu bebê adormecer no peito. Sua
cabecinha pendeu, e um pouco de leite escorreu do canto de sua boca.
Inclinei-me para cheirar seu cabelo, e um amor tão feroz me inundou, que eu
tive certeza, seria capaz de qualquer coisa por ele.
— Senhora…
— Agora não, Mariana — falei para ela, sem tirar os olhos do meu
filho.
Por favor, agora não. Minha visão embaçou, e eu fechei os olhos,
encostando os lábios na cabeça da minha criança amada. O tom de voz dela,
que era sempre alegre, mudava quando trazia aquele presente de todos os
meses.
Durante todo esse tempo, ela manteve o acordo e sempre cuidou para
que Rocco não visse, hoje ele estava em casa.
— Deixe-me levá-lo para o berço, senhora.
Permiti que ela o pegasse, e quando fiquei sozinha, olhei para a minha
cama.
Desta vez, não havia buquê, apenas uma rosa negra.
Peguei a caixa de vidro, olhando para a belíssima rosa negra,
completamente desabrochada. Ela fora envernizada, para que ficasse para
sempre daquele jeito.
Como se fosse uma lembrança permanente.
Fechei os olhos, nem vontade de ter medo eu tinha. Já estava pronta
para me desfazer dela.
— Victoria? — Escutei Rocco no corredor, no quarto ao lado, ele
provavelmente estava checando Gianne.
— Meu Deus.
Senti meu coração acelerar. Se eu não fosse rápida, ele poderia
descobrir, então, sem saber o que fazer, corri para o closet e guardei a caixa
entre as minhas roupas.
Minhas mãos tremiam, enquanto eu fingia mexer nas peças de frio.
Pude sentir sua presença perto de mim, lutei para não perder a compostura.
— Amore mio?
— Oi, grandalhão. — Não o olhei, ele perceberia.
— O que você está fazendo? Estávamos te esperando, o boneco está
pronto.
— Eu vim colocar uma coisa aqui, já estou saindo.
— Tudo bem? — Ele tocou meu ombro, e eu o abracei, escondendo o
rosto em seu peito e desabando num choro compulsivo. — O que foi?
Victoria, o que está acontecendo?
— Só me abraça.
Ele fez como pedi, mas continuou insistindo para saber o que estava
acontecendo, eu não menti, mas também não contei tudo.
— Estou com medo.
— Medo? — Riu, segurando meu rosto. — A nossa casa é segura.
— Mas…
— Não tem “mas”, nossa casa é segura, e você tem uma equipe de
seguranças muito boa. Os seus carros são de última geração, confie, amore
mio, não precisa ter medo. — Ele me encarou sério. — Eu não deixaria nada
te acontecer.
Eu acreditei nele, mesmo assim, dei um jeito de ficar o mais próximo
da minha família. Dediquei todos os meus dias a eles, e as noites, a Rocco.
Para ele, eu entreguei tudo, cada pedaço de mim. Eu o amava com carinho,
com ardor, às vezes, com selvageria, outras com desespero.
O medo foi deixado de lado, porque eu não me permitia senti-lo. Eu
tinha amor, um marido perfeito e um filho lindo. Eu tinha a vida dos sonhos,
e não ia deixar que nada manchasse isso.
Mas, então, em uma noite fria do mês de março, depois de comemorar
o sexto mês de vida do meu filho adorado, quando eu e Rocco ficamos
sozinhos, eu lhe disse:
— Nunca esqueça que eu te amo. — Segurei seu rosto, para que
pudesse encarar seus olhos amados. — Quando eu estava muito longe, eu te
ouvi.
— O que, amore mio? — Ele tocou meu rosto, confuso, preocupado.
— Eu te ouvi chamando por mim, eu sei que era você, e não um
sonho.
Ele sorriu, emocionado, abraçando-me tão apertado que aquele frio
dentro de mim diminuiu.
— Eu sempre vou buscar por você, Pequena, sempre.
Queria que fosse verdade…
Victoria
20 de março de 2016

— Senhora, deixe o pequeno em casa — Mariana pediu, ela parecia


de alguma forma triste, preocupada.
Não me olhava nos olhos desde que falei dos planos que tinha para
hoje. Talvez, ela estivesse tensa, mas como não havia chegado nada, então,
eu deixei a preocupação ir. Os buquês nunca atrasavam tanto, e isso, era
somente mais um sinal de que tudo estava bem.
Na semana passada, por exemplo, eu saí quase todos os dias, hoje eu
ia demorar um pouco mais porque ia visitar o atelier e depois Rocco.
Ele andava tenso, e hoje era o dia decisivo para ele fechar aquele
acordo com o sheik.
— Eu quero levá-lo ao escritório de Rocco, eu acho que não tem
problema. — Sorri quando meu bebê começou a balbuciar. — Fala mamãe,
amor, mamãe.
Gianne deu uma risada quando eu o balancei. Eu acreditava piamente
que ele estava dizendo, mamma, Rocco dizia que era papa. Bom, às vezes eu
entendia que era os dois, misturados.
Eu estava amando a nova fase.
— Não leve hoje, senhora, parece que o vai chover.
Olhei para o lado de fora da casa e vi um céu cinzento. Isso me
deixou na dúvida. Gianne era uma criança saudável, e isso me dava certa
confiança, mas não o suficiente para arriscar sair com ele havendo
possibilidade de chuva.
Além do mais, ele poderia conhecer os lugares depois.
— Eu acho que você tem razão. — Beijei meu pequeno. — Eu não
vou demorar, só vou dar uma olhada em uns tecidos especiais que
encomendei, depois vou dar um beijo em Rocco. Hoje é um dia importante
para ele. Eu volto logo.
Antes de sair, peguei Gianne outra vez, e o abracei apertado,
aspirando seu cheiro delicioso.
— Meu amor, a mamãe não vai demorar. Eu te amo muito, muito,
muito. — Olhei em seus olhos verdes, já sentindo saudade. — Tudo bem,
apenas cuide dele para mim, Mariana, por favor, eu volto logo.
— Cuidarei, eu juro. — Sua voz soou trêmula, pegando-o dos meus
braços. — Senhora, o que faria por seu filho? — perguntou baixinho,
pegando-me de surpresa.
— Qualquer coisa, Mariana, qualquer coisa. — Nem precisei pensar.
— Por esse bebê, eu daria minha vida.
Fui surpreendida por um abraço apertado dela.
— Cuide dele para mim até eu voltar.
— Eu juro que cuidarei.
Saí de casa com Jason e as equipes de seguranças. Eu estava
acompanhada de dois carros, o meu ia no meio. Havia dez homens, fora
Jason que, na minha opinião, era o melhor de todos.
— Eu não vi a equipe nova, aconteceu alguma coisa? — Jason me
olhou, eu estava no banco do passageiro, ao lado dele.
— Desculpe por isso, mas parece que comeram algo estragado, estão
doentes.
— Me lembre de visitá-los quando eu chegar.
— Tudo bem.
A primeira parada foi no atelier. Minha tia estava cuidando dele,
Antonella estava envolvida também. Minha cunhada era uma excelente
administradora, além de cuidar com perfeição da relações públicas.
— Os tecidos são sensacionais — Ella falou assim que cheguei. — Eu
não esperava tanto.
— As rendeiras do Brasil são maravilhosas, essas da Lagoa da
Conceição, em Santa Catarina, têm tradição com a renda de bilro e outras.
Veja, isso aqui vai ficar sensacional na coleção vintage de final de ano.
— Vai, e eu vou desfilar com um modelo.
— Você será a modelo, Antonella.
— Eu trabalho pelas roupas. — Ela jogou os cabelos para trás. —
Ótimo pagamento.
— Esperta.
Antes de sair, falei com minha tia sobre o andamento da próxima
coleção, estava tudo indo bem, em breve, eu começaria a vir com mais
frequência, porque Gianne já estava aceitando alimentos.
— Está tudo perfeito, eu vou indo. — Abracei tia Laura e Antonella.
— Vou visitar Rocco, ele está estressado.
Antonella fingiu um estremecimento.
— Ainda essa semana, eu vou finalizar dois croquis. Estou
apaixonada nos ternos femininos.
— Eu quero. — Antonella deu um sorriso enorme. — Eu quero tudo
que você faz, vou falir meu marido, não ligo.
— Boba, acrescente um modelo a mais na confecção.
— Ahh, você é a melhor cunhada do mundo.
Despedi-me da equipe, agradecendo a todos pela dedicação para com
o atelier. Eu era informada todos os dias do andamento das coisas, e até agora
foram somente elogios.
— Eu vou indo, tia.
— Victoria, sobre aquele espaço para as crianças…
— Sim, tia, nós vamos fazer, será no mesmo modelo do que Rocco
tem na empresa dele. — Ela sorriu. — Temos que ver a equipe que irá ficar
responsável pelas crianças. — Mais baixo, perguntei: — Tem alguém com
problemas por causa disso?
— Uma das meninas da limpeza não tem com quem deixar a criança,
e parece que foi deixada pelo marido.
— Como você sabe disso?
— Eu escutei uma conversa que não deveria. — Fez careta. — A
garota precisa de ajuda.
— Okay, faça o seguinte, peça para que ela procure uma creche perto
daqui. Adicione o valor no pagamento. Verifique se mais alguém precisa,
faremos assim até que a nossa fique pronta.
— Minha filha, eu sabia que não ia me decepcionar. — Abraçou-me
apertado, e do nada, começou a chorar — Eu te amo, Victoria, você é uma
filha incrível, vivi os melhores anos da minha vida ao seu lado. Você me
permitiu ser sua mãe, você me ensinou como ser mãe. Simplesmente
obrigado.
— Eu que agradeço, tia, sem a senhora eu não teria conseguido. —
Afastei-me um pouco para olhá-la. — Eu te amo, você é uma mãe para mim.
Sorrimos, voltando a nos apertar em um abraço. Fui embora do atelier
deixando para trás a sensação de dever cumprido. As coisas estavam
encaminhadas, e enquanto eu não podia vir trabalhar integralmente, todos
faziam a sua parte, dando o melhor de si.
Eu era muito grata por ter todas aquelas pessoas ao meu lado.
— Vamos para o escritório, brother.
No caminho para o trabalho de Rocco, um pequeno filme passou pela
minha cabeça. Lembrei-me da primeira vez que o vi naquela revista, e pensei:
preciso dele.
Pensamento louco, porque a frase correta seria: preciso da revista.
Afinal, nunca chegaria perto de Rocco. Então, qual era o sentido de desejar
um homem inalcançável?
Tola eu.
Balancei a cabeça me lembrando do efeito que apenas sua voz me
causou quando ele me pediu uma dança, quando me tomou em seus braços
cantando em meu ouvido.
Depois, teve aquele esbarrão nada proposital, no saguão do seu hotel.
— Homem insistente. — Sorri, nostálgica.
Depois houve o jantar, nosso primeiro beijo. O primeiro toque, a
primeira noite de amor.
Não mudaria uma vírgula da nossa história. Essa sim foi recheada de
todo tipo de sentimento, passamos por tudo, reafirmamos nosso amor
diversas vezes.
— Chegamos, Bonequinha. — Fui trazida à realidade pela voz de
Jason. Sacudi a cabeça, espantando minhas boas lembranças. — Vamos
subir.
Juntos, eu e Jason adentramos ao edifício matriz da corporação
Masari. Enquanto me encaminhava para o elevador da presidência,
cumprimentei as pessoas pelo caminho, todas sorriram para mim, sorri de
volta.
Assim que chegamos ao andar da presidência, a primeira coisa que
notei foi a bela loira no antigo lugar da Betty.
Samanta Henderson — Secretária executiva.
— Boa tarde — cumprimentei.
Ela me olhou de cima a baixo, séria, quase de cara feia.
Mas o que estava acontecendo aqui?
— Tem horário marcado? — perguntou educada, folheando uma
agenda.
Inclinei a cabeça de lado, estendendo uma das mãos para barrar Jason.
— Não. — Balancei a cabeça. Ele encarava a secretária, sua
expressão nada amistosa. — Não, eu não tenho horário marcado.
— Sinto muito, apenas pessoas com horário…
— Senhorita Henderson, por qual razão está impedindo minha esposa
de entrar no meu escritório? — Rocco falou alto, assustando a mulher. —
Nunca mais faça isso, ou será demitida.
— Desculpe, senhor, eu não a reconheci.
— Não tolero gente incompetente, se você trabalha para mim deve
saber quem é minha esposa. Ela também é sua chefe.
— Eu trabalho para o senhor — murmurou, envergonhada.
— Não importa, se trabalha para mim, trabalha para minha esposa, é a
mesma coisa! Agora volte a seus afazeres — declarou arrogante e me olhou,
sua expressão mudando radicalmente de chefe assustador para marido
perfeito. — Amore mio, venha aqui.
Fui para ele sorrindo. Apesar de não gostar do jeito grosseiro com que
lidou com a moça, ela mereceu por ter sido arrogante e prepotente.
— Que visita deliciosa.
Disse assim que fechou a porta e me agarrou, beijando-me com tanta
força que parecia querer machucar.
— Amor, calma… — Segurei seu rosto, tentando diminuir sua
intensidade, eu nem estava conseguindo respirar direito.
— Saudade, eu estava morto de saudade — resmungou, arrancando a
gravata. — Eu senti seu cheiro quando chegou. — Comecei a rir de seu
exagero — Eu juro.
— Como se fosse um selvagem? — Cruzei minhas mãos em sua nuca.
— Um verdadeiro homem das cavernas?
— Seu homem das cavernas e que você gosta.
— Que eu amo.
Encaramo-nos, foi inevitável.
— Eu te amo — falamos juntos, nos atracando no meio da sala, como
se não houvesse nada mais importante.
Minha intenção ao vir aqui não era fazer amor em cima de sua mesa,
mas eu não iria reclamar, amava senti-lo dentro de mim.
— Você deveria vir me visitar mais vezes. — Lambeu meu pescoço.
— Você deveria vir todo dia, eu adoraria sexo quente no escritório com
minha esposa.
— Você tem que trabalhar, seu tarado, você tem mulher e filho para
alimentar. — Bati em seu ombro. — Agora preciso ir, era só uma visita para
te ver mesmo e desejar boa sorte com o sheik.
— Você estava com saudade, apenas admita. — Rocco piscou um
olho, enquanto arrumava as calças.
— Vou morrer de vergonha, estou descabelada, as pessoas irão saber
o que fizemos.
— Quem se importa? Eu mando aqui, esqueceu? — Bateu no peito,
daquele jeito todo arrogante. Depois, foi sentar em sua poltrona de espaldar
alto.
— Vem aqui — chamou, e eu fui, sentando-me em meu colo.
— Diga-me, você teria coragem de mentir para mim?
— Não — respondi rápido demais, ele sorriu.
— E de omitir?
Aí, eu já não pude dizer nada, porque eu omiti sim, coisas que me
assustaram até eu perceber que estava exagerando.
— Talvez.
— Amore mio…
— Tudo bem, lembra-se daquele buquê que recebi na maternidade?
Agora que o medo tinha passado, e que eu não havia recebido mais
nenhuma flor assustadora, não tinha problema falar. Rocco ia entender que eu
estava apenas preservando a nossa família, guardando silêncio.
— O que tem?
— Eu recebi outros buquês e…
O telefone em sua mesa tocou, e a secretária eletrônica atendeu.
— Senhor Masari, o sheik Ab-Dallahan estará entrando na
conferência em cinco minutos. — A voz de Samantha soou alta na sala. — A
sala de reuniões está pronta.
— Em casa, você vai me explicar essa história. — Ele segurou meu
cabelo. — Pensa que não percebi que estava preocupada? Eu reconheço no
seu olhar, mas estava esperando que me contasse, que confiasse em mim.
— Não é questão de confiar, porque eu confio minha vida a você, e
sim uma questão de que eu não ia permitir que qualquer paranoia minha
prejudicasse a felicidade de nossa família.
— Você sabe que eu vou te proteger de tudo, não é? — disse sério.
— Te amo, Rocco. — Acariciei seu rosto.
— Me beija — sussurrou, e eu o beijei, com todo o amor que tinha no
meu coração. — Quero namorar um pouco mais. — Escondeu o rosto nos
meus seios.
— Tarado, você tem uma reunião importante. — Distribuí beijos por
seu rosto. — Eu preciso ir, os meus seios estão começando a doer.
— Eu bebo esse leite todo. — Piscou um olho, e eu não pude resistir.
Antes de sair do seu colo, dei-lhe outro beijo longo e molhado,
daqueles que pareciam uma preliminar gostosa. Rocco aprofundou o beijo até
que minha cabeça ficou rodando por falta de oxigênio.
— Adoro os seus beijos. — Ele riu, quando levantei.
Caso contrário, não sairia daqui. Às pressas, terminamos de nos
arrumar, ele tinha pouco tempo agora.
— Um último beijo, vem aqui. — Ele me puxou, roubando meu
fôlego num beijo rápido e ardente. — Adoro a cor dos seus olhos, eu te
adoro, amore mio.
— Eu também, você e nosso filho são tudo para mim.
Fui para a porta, mas antes de abri-la, olhei para ele.
— Adeu…
— Não se despeça de mim — cortou-me, apoiado na mesa, as mãos
nos bolsos da calça preta. — Diga a Jason para dirigir com calma, começou a
chover.
— Eu te espero em casa. — Pisquei um olho, erguendo uma das
mãos em despedida. — Amo você, não esqueça.
Saí do escritório de Rocco, encontrando Dimitri esperando.
— Bonequinha. — Abraçamo-nos.
— Cuida de Rocco, fechar esse negócio é importante para ele.
— Deixa comigo, prometo que seu marido vai sair daqui mais rico.
— Bobo, se cuida também.
Tranquila e com o coração cheio de um bom sentimento, os deixei,
estava meio ansiosa para encontrar meu filho.
Os carros já esperavam na frente do prédio, mas antes de eu entrar em
um deles, avistei uma mulher encarando-me. Ela era uma cigana. Na mesma
hora, sorri, acenando ao lembrar do quanto foi boa a viagem para Roma.
— Venha, Bonequinha.
Entrei no carro e seguimos para casa. Eu morava em um lugar distante
do centro financeiro, onde ficava o escritório de Rocco, portanto, para chegar
em qualquer lugar, era obrigatório seguir pela rota florestal, a não ser claro,
se quiséssemos dar uma volta na cidade e pegar outro acesso.
— Jason, o que acha de convidar os seus irmãos para virem aqui?
Antes que ele pudesse responder, o carro de trás explodiu e o impacto
nos projetou para frente.
— JASON! — gritei, olhando para trás, o carro com os seguranças
estava em chamas.
Meu Deus. Ofeguei, em pânico. Não acreditando nos meus olhos. O
pavor cresceu como uma bola, deixando-me tonta e sufocada.
— Se segura! — Meu irmão girou o volante, e o carro derrapou.
O veículo que ia na frente seguiu em alta velocidade. A sensação de
pânico foi tão terrível que me paralisei, o corpo todo gelado, duro de medo.
— Merda! Segura!
Agarrei o banco com força, Jason dirigia enfurecido, o carro
derrapava por causa da chuva. Então havia os sons de pneus rasgando, metal
rangendo e tiros. Gritos ecoando.
Juro que podia sentir meu coração encolhendo dentro do meu peito.
— Porra! Porra! — Jason berrou enlouquecido, sobre o barulho da
chuva. — Eles têm lançadores, filhos da puta!
— Lan…lança…dores? — gaguejei, a mente em branco. Não
conseguia nem ligar o nome à imagem, de tão aterrorizada que estava.
— Vou nos tirar da estrada — avisou antes de pegar uma trilha do
parque florestal e correr em alta velocidade.
O carro pulava, derrapando enquanto batia em tudo que tinha pela
frente. Aquele não era um lugar para um carro, e sim para pessoas que faziam
trilha.
— Liga para Rocco, agora. — Eu estava travada, dura no banco. —
Liga para ele!
Eu tentei, mesmo tremendo, liguei para Rocco e todas as chamadas
caíram na caixa postal.
— Ele não atende — murmurei, sentindo o celular escorregar das
minhas mãos quando nosso carro sacudiu violentamente.
Outra explosão soou, o impacto nos sacudindo a ponto de eu sentir
uma dor aguda no pescoço.
— Brother, eles… o carro… o outro carro, eles… — Engasguei, não
conseguindo terminar a frase.
De repente, muitos tiros cortavam os barulhos da chuva, não havia
intervalo entre os disparos e isso era uma coisa aterrorizante. No vidro da
frente começou a surgir um monte de marca, estavam atirando em nós.
— Jason! Por favor, por favor. — Cobri os ouvidos, encolhendo, de
olhos fechados, queria sair daquele pesadelo.
O carro derrapou, e eu bati nas laterais dele com força. Dor explodiu
por todo lugar.
— Filhos da puta, estouraram os pneus — Jason berrou, freando —
Fora agora!
— Jason, brother… — solucei, em pânico demais para fazer qualquer
outra coisa. — Jason… Rocco disse, os pneus, os pneus, eles aguentam e…
— Fora agora! — gritou, puxando o celular e uma arma. — Merda,
por que não atende, Rocco? Estamos sendo atacados, eles têm lançadores,
porra!
Uma explosão soou próxima e eu gritei.
— Saia do carro, porra!
— Não consigo, não consigo. — Eu não sentia o meu corpo e só
conseguia chorar como uma completa louca.
— Rocco, porra, estamos no parque florestal, vou esconder Victoria e
contê-los, chame a equipe toda. Porra, chame todos eles.
Meu corpo todo tremia, eu não conseguia pensar, reagir, somente
chorar. Jason estava fazendo todo trabalho, ele ligava para Rocco enquanto
tentava me fazer reagir.
— Vem, amor, confia em mim. — Meu irmão abriu a porta e me
soltou.
Saí do carro tropeçando, as pernas bambas, parecendo gelatina. Jason
foi o responsável por me obrigar a correr, eu não conseguia sair do estado de
choque.
— Precisamos correr, foque nisso, somente nisso.
Corremos floresta adentro, até eu sentir o gosto de sangue na boca,
tontura, falta de ar e as costelas queimarem.
— Cadê o seu telefone? Você pegou? — Neguei, eu nem lembrava
meu nome. — O meu descarregou, porra! — Jason olhou ao redor. —
Vamos, não podemos ficar parados.
— Brother. — Ofeguei, meus pulmões queimavam por causa da
corrida. — Não consigo correr.
— Consegue, agora me ouça. — Segurou meu rosto, sério. — Quando
eu mandar você correr, apenas corra entendeu?
Neguei, limpando os olhos.
— O que está acontecendo? O que querem?
— Victoria, você vai me obedecer. Quando eu mandar você correr,
você vai correr. Pensa no Gianne, em Rocco, na nossa família. — Ele pegou
na minha mão e me puxou para uma parte mais densa da floresta.
A umidade, a chuva, toda a confusão mental só pioraram meu estado.
Sentia que a qualquer momento ia colapsar de medo.
— Vamos, apresse-se. — Ele me olhou. — Corre, agora, não pare e
não olhe para trás.
Solucei, ouvindo tiros próximos.
— Victoria. — Jason me encarou, e eu quase não o reconheci.
Havia uma fúria mortal em sua face, os traços antes suaves e risonhos
estavam duros, afiados como uma lâmina.
— Eles não estão brincando. Entendeu? — Acenei, mesmo que não
conseguisse pensar direito. Estava tremendo tanto que batia os dentes. — Não
olhe para trás, não espere por mim, somente corra.
Jason apertou os lábios, com certeza a minha covardia não estava
ajudando em nada.
— Dez seguranças foram mortos sem poder reagir, você entendeu? —
Solucei, balançando a cabeça como uma pateta. — Esses caras não estão
brincando, eles vêm para matar — rosnou feroz, se possível eu tremi ainda
mais.
Era como se uma mão invisível apertasse minha garganta.
— Rocco virá por você, ele virá! Agora corra e se esconda, o seu
colar vai mostrar sua localização, apenas se esconda. Agora vai!
Minhas pernas doíam muito, ali estava escuro o suficiente para a
visibilidade ser péssima.
— E você? — Agarrei sua roupa de um jeito desesperado. — Vem
comigo, brother, por favor, não me deixa sozinha. Vamos nos esconder e
esperar por Rocco.
— Preciso matá-los! Todos eles. — Tirou minhas mãos de sua jaqueta
e puxou uma faca. — Você se esconde, eu mato. A tarefa é simples, apenas
se esconda. E não faça barulho.
— Jason, não posso ir sem você! — Agarrei sua camisa de novo, mais
forte desta vez. — Não me deixe, não posso ir sem você.
— Mas você vai! — grunhiu, me empurrando bruscamente. — Serei
maldito se não tentar nada. Corra!
Eu olhei para meu irmão, respirei fundo e corri. Meu coração batia em
meus ouvidos, os dentes apertados para não gritar. Cada vez que caí, levantei,
tremendo, chorando. Sentia tanto medo que não conseguia sequer organizar
os pensamentos.
Um barulho de tiro me assustou, eu desequilibrei, caindo no chão com
força. O fôlego foi expulso do meu corpo com o impacto, senti que tudo
rodava.
— Deus, por favor… — Arrastei-me, lutando para ficar em pé. — Por
favor…
Cega pelas lágrimas, enquanto sufocava pelo horror de tudo aquilo,
pude encontrar certa alegria por não ter trazido meu filho.
— Obrigada, meu Deus. — Chorei, erguendo-me, decidida a lutar até
o fim.
Juntei forças de onde não sabia que tinha e voltei a correr, mais
rápido, ignorando a dor no corpo e a falta de ar. Eu precisava correr, pelo
meu filho, por Rocco.
Não podia encolher e ficar quieta, eu tinha que seguir adiante o
máximo que conseguisse.
— Eu vou conseguir, eu vou conseguir.
Uma dor terrível me atingiu na lateral do corpo. Tropecei outra vez,
mas não caí. Olhei para baixo, aterrorizada com o sangue molhando minha
camisa branca, ao tocar a região, senti doer.
— Senhor, me proteja! — implorei, erguendo minha blusa.
Sangue escorria em um fluxo constante. Travei dos dentes, tocando a
área que doía na frente e a outra, atrás.
Havia dois furos, nos lugares onde a bala entrou e saiu. Estavam
próximos, isso talvez significasse algo bom. Voltei a correr, mas comecei a
me sentir cada vez mais fraca. Quando desabei no chão, não consegui
levantar.
Minha lateral doía muito, sentia o corpo mole, estava tonta.
— Você precisa ir… — disse a mim mesma, obrigando-me a levantar.
Apesar da dor, de todo o mal-estar, continuei avançando, usando as
árvores como apoio, mas sem parar.
Na minha vida, eu aprendi a sempre levantar, e hoje, nesse momento,
isso significava minha vida. Eu tinha um filho que precisava de mim, não
podia desistir. Fiz o que pude, até ser puxada contra um corpo sólido e uma
mão apertar minha boca.
— Calma, sou eu, não grite — Jason falou em meu ouvido. Não dava
para vê-lo direito, mas o cheiro de sangue estava insuportável.
— Você se machucou? — Toquei nele, preocupada.
— Não é meu — ele disse. — Vem, eu te ajudo.
— Jason. — Gemi, encolhendo quando me puxou. — Eu levei um
tiro.
Sem dizer uma palavra, ele tocou a ferida e a cuidou, amarrando um
pedaço da minha blusa que ele havia arrancado.
— Vai dar tudo certo — prometeu e me tomou em seus braços.
Ele começou a correr, eu não sabia como ele conseguia enxergar, mas
suas passadas eram firmes e contínuas.
De repente, nós caímos, Jason grunhiu, arqueando as costas como se
sentisse dor.
— Brother — Travei os dentes para não gritar, agora eu sentia muita
dor. — Você está bem?
— Sim! — Mordeu a palavra, me obrigando a levantar mais uma vez,
colocando-me nos braços de novo, tropeçamos cada passo do caminho, mas
pelo menos avançamos.
Ouvíamos tiros por perto, e cada um deles me fazia tremer de medo,
porque aquelas pessoas estavam ali para tirar nossas vidas. Eu tinha certeza.
Avançamos devagar, sofrendo.
Os joelhos de Jason cederam e ele gemeu, mas não me soltou.
— Jason. — Chorei baixinho porque ele estava ferido.
Minha cabeça rodava, o frio impregnando dentro dos meus ossos.
— Foi só um arranhão na coxa, vou amarrar — rosnou, arrancando o
cinto, quando terminou sua tarefa, pôs-se de pé. — Vamos.
Lado a lado, dando apoio um ao outro, seguimos adiante. A todo
momento, eu apertava minha ferida para diminuir o sangramento, como uma
tentativa de conter os danos. A essas alturas, eu nem notava que chorava, eu
nem notava que sangrava, eu nem notava que finalmente as coisas estavam
encaixando.
— Seis meses — murmurei no exato momento em que vários tiros
choveram.
Não tive tempo de pensar em me proteger, Jason me puxou e caímos.
Batendo em coisas, rolando pelo barro, água e detritos que escorriam ladeira
abaixo.
Quando finalmente paramos, meu corpo havia caído sobre algo
macio.
Fiquei um momento trabalhando a respiração, revisando mentalmente
se nada havia sido quebrado. Aparentemente nada estava quebrado.
— Brother? — Ouvi sua respiração em meu ouvido. — Jason?
Saí de cima dele, quase morrendo pelo gemido de dor que escapou de
seus lábios.
— Victoria — sussurrou ofegando.
— Jason! — O pânico me invadiu, ao vê-lo naquelas condições, os
sentimentos ruins só ampliaram. — Calma, calma.
Eu dizia isso para acalmá-lo, mas ele estava calmo, eu que não estava.
— Estou aqui, estou aqui, meu irmão. — Acariciei seu rosto, havia
sangue por toda parte. — Tudo vai ficar bem.
Que tudo fique bem, meu Deus, permita que nós dois fiquemos bem.
Eu imploro.
Por favor, por favor.
— Obrigado por tudo, Bonequinha. — Ele tossiu baixo, um som
ruidoso e feio. — Você foi um presente. Eu tive uma família antes e eu a
perdi, ela foi tirada de mim. — Ele fechou os olhos. — Eu fui adotado, tive
irmãos, mas nunca pensei que pudesse sentir a mesma coisa de antes, quando
eu tive elas. Minha mãe e minha irmã.
— Tudo bem, fique quieto. — Chorei com tanto desespero, porque
aquilo parecia uma despedida.
— Eu senti, você me deu esse amor e me permitiu sentir o que sempre
esteve lá. — Ele tossiu de novo, ofegante. — Diga a Rafael, ele é meu irmão,
diga a ele e a Heylel. Diga a eles que eu fui feliz de verdade, que amar vale a
pena. Diga a ele, amar vale a pena.
Jason arquejou, estremecendo.
— Não, não, não. — Chorei tanto, mas tanto que meu rosto doía. —
Jason, o que está falando? Apenas fique quieto, Rocco vai chegar e vai tirar a
gente daqui. Lembra que eu prometi ser seu cupido? Então, eu vou ser, mas
preciso encontrar a mulher perfeita para você, e ela terá que ser muito incrível
porque você é maravilhoso. Só fica comigo.
A última frase partiu meu coração. Eu não acreditava que meu amado
irmão estava morrendo na minha frente e que eu não podia fazer nada.
Meu Deus, por favor, eu imploro, não o deixe morrer, por favor,
Jason merece ser feliz, ele merece. Implorei, sabendo que estava sendo
ouvida.
Deus sempre me ouvia e respondia mesmo que eu estivesse com os
ouvidos surdos para ouvir.
— Perdoe-me, Bonequinha. — Sangue escorreu pelo canto de sua
boca, o rosto retorcido de dor. — Eu sinto muito, não consegui te proteger
como deveria, eu matei quase todos, mas ainda sobraram alguns, fiquei com
medo de te deixar sozinha, eu tive medo, Bonequinha, perdoe-me.
— Jason.
— Agora vá. — Sua respiração estava pior. — Me deixe aqui, não…
não vou… durar muito.
Neguei, as palavras dele estavam saindo arrastadas, confusas.
— Se eu te deixar, você vai morrer. — Neguei de novo. — Eu não
posso fazer isso.
— Não importa… só você importa. — Ele segurou minha mão. —
Me deixe.
— Não posso.
— Por favor, não me faça te perder também. — Ele começou a
chorar, e isso partiu meu coração de várias maneiras. — Eu não posso morrer
sabendo que você não está segura.
— Você não vai morrer — prometi. — Vai ficar tudo bem, confia em
mim.
— Por favor, me deixe aqui.
Neguei, encostando nossas testas. Minhas lágrimas pingando em seu
rosto ensanguentado.
— Eu te amo, você é o irmão que eu sempre quis.
Jason soluçou, aquilo me quebrou de formas que eu não conseguia
explicar. Ele sempre foi um pilar de força.
Sempre.
— Vá embora. Saia. Daqui. — Ofegou baixinho, tentávamos não
fazer muito barulho. — Rocco virá, ele irá te encontrar, apenas se esconda,
me deixe aqui e vá.
Oh, Deus! Rocco.
Ele virá… Respirei fundo, tomando minha decisão.
— Quando a gente ama muito uma pessoa, fazemos de tudo por ela.
— Retirei o colar do pescoço. — Meu irmão… — Segurei suas mãos,
apertando o colar dentro delas.
— Não faz isso! — ordenou baixo, sua voz um mero sussurro. — Não
faça, por favor.
— Eu não vou conseguir ir muito longe, estou cansada e ferida. —
Entrelacei nossos dedos. — Me deixe te dar uma chance, porque eu te amo,
esse amor é uma chama forte, real. Eu peço a Deus que interceda por você e
te permita viver. — Fechei os olhos, pedindo com todo meu coração. — Peço
a ti, Pai, que cuide do meu irmão por mim.
Olhei para Jason, ele me olhava e chorava.
— Vai ficar tudo bem. — Acariciei seu rosto. — Vai ficar tudo bem.
— Não, faça isso. — Senti que ele tentava apertar minha mão. —
Minha vida não vale a sua.
— Vale, vale qualquer coisa.
Jason arquejou, sua respiração cada vez mais difícil.
— Cuida dos meus amores por mim? — Ele não respondeu. — Diga a
Rocco das rosas negras. Elas contaram seis meses.
Ouvi o barulho de gritos a distância, isso me fez saber que o tempo
esgotava-se.
— Para sempre, meu irmão?
— Para sempre, minha irmã — ele respondeu fechando os olhos, não
os abrindo mais.
Acariciei seu rosto, acreditando que ele estava apenas cansando. Seu
peito subia e descia devagar, mas ele estava respirando. Eu sabia que estava
agindo com desespero, mas não podia deixá-lo para morrer no meio do nada.
Sozinho e abandonado.
Quem faria isso? Quando não se tinha muitas chances de escapar? O
que eu pudesse fazer, eu ainda faria.
E Jason precisava saber que tinha alguém lutando por ele o tempo
todo.
— Cuide deles para mim, brother. — Ergui-me, empurrando várias
folhas para cobri-lo, quando achei bom o suficiente, eu comecei a correr para
o lado oposto ao dele.
Sabia que estavam aqui por mim, mesmo que eu fugisse, dariam um
jeito de me pegar. As rosas, a contagem, eu deveria ter percebido.
Deus…
Usei as forças que tinha, lutando para avançar para o mais longe
possível. Jason teria uma chance, Rocco o encontraria, então ele iria dizer
sobre as rosas, ele saberia…
Deixá-lo com o localizador foi um ato de puro amor, por uma pessoa
que acreditava não ser digno.
Eu sabia que estava perdendo muito coisa, mas, ainda assim, não
poderia fazer diferente.
— Perdoe-me, Rocco, eu…
Dor explodiu na minha cabeça.
Tudo foi esquecido.
Rocco

— Creio que o acordo está bom para…


Parei, esquecendo o que ia dizer porque uma sensação de mal-estar
dominou-me. Olhei para Dimitri, ele me encarava com uma expressão
confusa, como se dissesse:
O que diabos está acontecendo? Continue…
— Rocco?
— Er, eu… — gaguejei, baixando a cabeça para tentar clarear os
pensamentos.
Respirei fundo algumas vezes, porque a dor que eu sentia no meu
peito aumentou a tal ponto que me deixou sem fôlego e atordoado.
— Foda-se, que porra é essa? — resmunguei, esfregando o peito, o
desconforto parecia persistente, intenso, era como se meu coração estivesse
sofrendo um colapso. — Que se dane.
Levantei, deixando Dimitri, os executivos da minha empresa, o sheik
e seus executivos chocados. Eu ia para casa, e depois resolveria o problema
que eu estava criando agora.
— Senhor Masari, algum problema? — A voz de Ab-Dallahan Aziz
soou firme e ao mesmo tempo preocupada.
Conhecíamo-nos há anos, mas acima de tudo ambos éramos
predadores corporativos. Ele sabia que minha atitude não era comum.
— Só um minuto, por favor. — Ouvi a voz de Dimitri. — Rocco, o
que está acontecendo? — Meu amigo segurou meu braço enquanto eu juntava
as minhas coisas. — Rocco, fale comigo.
— Não sei. — Minha voz saiu baixa, falha. — Eu preciso falar com
Victoria.
— Mas ela saiu daqui não tem meia hora. — Ele colocou a mão em
cima do meu computador, quando eu o puxei para guardar na minha bolsa. —
Rocco, pense, ligue para ela.
— Eu faço isso. — Samantha, minha nova e muitíssimo eficiente
secretária ergueu-se. — Eu farei as ligações, continuem a reunião.
Pegando meu celular para fazer isso eu mesmo, notei que estava
descarregado.
— Ligar é mais rápido do que você chegar em casa. — Dimitri
pareceu a voz da razão. — Você está há meses trabalhando nisso, estamos
quase fechando o acordo. Só mais alguns minutos. Inclusive, prometi à
Victoria que você só sairia daqui com esse contrato.
— Prometeu? — Eu não sabia de onde vinha essa insegurança e peso
nos ombros.
— Sim, eu prometi. Agora, vamos fazer o que sabemos de melhor. O
sheik está no papo.
Franzi o cenho, porque sentia que algo importante estava
acontecendo.
— Rocco, só você pode fechar esse contrato, ninguém mais vai
conseguir. Somente você pode resolver esse assunto, e é importante demais.
— Dimitri, não queira comparar…
— Não estou comparando nada, apenas dizendo que ninguém aqui é
capaz de negociar com Tariq, ele não vai aceitar que nenhum outro o
substitua, nem mesmo eu.
— Dê-me o celular, senhor Masari, eu irei carregá-lo enquanto isso,
farei as ligações. — Samantha estendeu a mão, e eu a olhei por alguns
instantes.
O sheik preenchia o telão de videoconferência. Sua expressão era fria,
impassível. Notei que Dimitri havia desligado o microfone, para nos dar um
pouco de privacidade. Na sala, os meus novos executivos me encaravam em
expectativa.
— Tudo bem. — Entreguei o celular para Samantha. — Ligue para
minha esposa, se ela não atender, ligue para Jason ou para minha casa. Quero
saber se ela já chegou.
— Ainda não daria tempo. — Dimitri apontou.
Dei uma breve olhada no relógio. Fazia quase quarenta minutos que
ela havia saído.
— Sim, daria. — Voltei a atenção para a secretária. — Faça as
ligações. Diga para Victoria me ligar assim que chegar em casa, ou para me
avisarem assim que ela chegar.
— Sim, senhor.
Ela saiu, e eu voltei a me sentar. Precisei de alguns minutos para
controlar o tremor nas mãos e a sensação de sufocamento. Eu nunca havia
sentido isso nessa proporção.
— Rocco, você precisa ver um médico.
— Estou bem. — Dei um pequeno puxão na gravata, ela parecia
como uma corda no meu pescoço. — Vamos seguir adiante.
Respirei fundo, umas duas vezes, ligando o microfone outra vez.
— Perdoe-me, pelo inconveniente. — Minha voz estava firme,
controlada, apesar de ainda sentir que minhas pernas estavam tremendo.
Sentia-me impaciente, agitado para agir com a cautela necessária ao
negociar com alguém tão parecido como eu no mundo corporativo.
— Compreendo, não se preocupe, senhor Masari, estou ciente de que
é um homem recém-casado e com um filho pequeno. — Tariq Ab-Dallahan
Aziz era basicamente o príncipe herdeiro de Abu-Dhabi, conhecido por ser
implacável, tanto na vida pessoal quanto na profissional.
No passado, ele já foi mais amistoso, de sorriso fácil, parecido com
Dimitri na vida agitada, entretanto, depois de quase morrer em uma
emboscada e ter uma parte do rosto desfigurado, ele havia ficado
irreconhecível em muitas questões.
— Sim, eu sou recém-casado e tenho um filho pequeno, inclusive,
preciso terminar aqui, para poder voltar para eles.
Notei que um pouco do cinismo diminuiu, ele deu um aceno duro,
aceitando que eu tinha coisas muito importantes me esperando em casa.
— Então, vamos terminar isso. — Tariq arqueou a sobrancelha, e eu
poderia dizer que sorria, se achasse que aquele breve arquear no canto da
boca fosse um sorriso. — Eu também tenho coisas pra fazer.
— Com toda certeza. — Sorri.
— Então, onde paramos? — perguntou, para minha total alegria.
— Eu disse que o acordo será bom para ambas as partes. — Voltei a
me sentir um pouco mais confortável, tão logo eu organizasse os
pensamentos e fizesse o que era preciso, poderia sair daqui. — A minha
navegação ficará mais que feliz em transportar e fornecer todos os materiais e
equipamentos necessários para a construção do seu Resort Oásis Ocean Ab-
Dallahan. A construção da praia artificial será feita com tecnologia de
categoria A, no modelo internacional de segurança.
— E quanto a energia? O que você propõe?
Começamos a discutir sobre a possibilidade de energia solar e eólica.
A longo prazo, era a melhor opção, principalmente para ele, que pretendia
construir um resort no meio do deserto, para que parecesse um oásis.
E seria, só que de alto luxo.
Traçamos algumas estratégias, mas quando chegamos em alguns
pontos em que discordávamos, o assunto se estendeu. De fato, ninguém
poderia conduzir aquela reunião, apenas eu.
Muito tempo depois, e bem mais do que eu gostaria, senti que
estávamos nos encaminhando para o final, mal pude disfarçar o quão feliz
isso me deixou.
— A minha equipe está pronta para fazer o carregamento para dar
início à primeira parte do projeto, você só precisa assinar o contrato e
começamos.
— Gosto de como você trabalha, Rocco. — Tariq deixou um pouco a
formalidade de lado.
— Temos um acordo? — perguntei, mantendo a pose relaxada.
Ele não poderia perceber que eu continuava tenso, ou usaria isso em
seu favor. Tariq fez um suspense, eu esperei sem deixar transparecer nada.
Ele era famoso por não conseguir ser encarado por muito tempo. As
pessoas geralmente não gostavam de sua face cicatrizada.
— Sim, nós temos. — Ele assinou o contrato que estava em sua mesa.
— O primeiro, espero.
— Eu também — disse, observando-o entregar o contrato ao
representante da minha empresa lá.
— Comecemos os trabalhos.
Tariq e os seus executivos fizeram saudações, e nós encerramos.
— Grazie a Dio. — Suspirei baixo, aliviado demais.
Olhei para Dimitri, ele sorria, porque aquele foi um acordo
multimilionário, muito benéfico para todos nós. Na verdade, desde que
comecei a fechar acordos com o Oriente Médio, as coisas apenas decolaram.
Negociar com eles era outro patamar, tanto de dinheiro como de
empenho. Os caras eram difíceis, mas estavam sempre dispostos a gastar,
muito. Esse acordo foi muito bom para mim e o futuro das empresas.
— Rocco, somente relaxe.
Quando ia o mandar fechar a boca, Samantha entrou empurrando um
carrinho com taças e champanhe.
— Um brinde, senhores? — ela disse, aproximando-se.
— Só se for apenas eu e você — Dimitri respondeu, piscando um
olho para ela.
Notei que ela ia começar a servir o champanhe, então eu a chamei,
pedindo que Dimitri fizesse isso.
— Conseguiu falar com a minha esposa?
— Não, senhor, ela não atendeu. Eu liguei para o Jason, como
solicitou, e o telefone dele está desligado.
— E o meu celular?
— Não encontrei carregador compatível. — Ela me estendeu o
aparelho, eu o peguei, guardando-o no bolso da calça.
— Rocco, ligue para casa. — Dimitri entregou o celular dele. —
Vamos, não aguento mais essa tensão, veja que Victoria está bem e
comemore meses de trabalho bem-sucedidos.
— Obrigado. — Engoli em seco, ligando para casa.
No quarto toque, Mariana atendeu.
— Victoria já chegou em casa?
— Não, senhor.
— Ela disse o que faria hoje? Ela não está atendendo ao telefone. —
Passei a mão nos cabelos, andando de um lado para o outro.
— Sim, ela falou que ia visitar o senhor e o atelier. Parece que ia
conferir alguns tecidos novos que chegaram.
De algum modo, sua resposta não aplacou a ansiedade que eu sentia,
na verdade, enquanto não escutasse a voz de Victoria, eu só ficaria pior.
— Assim que ela chegar, eu pedirei para que entre em contato com o
senhor.
— Ela está com qual equipe de segurança?
— Eu não saberia dizer, não entendo dessas coisas, senhor. — Soltei
o fôlego, cansado. — Tudo bem, e meu filho?
— Ele comeu uma papinha de frutas, mas não ficou muito feliz, ele
prefere a senhora Victoria alimentando-o.
— Quando minha esposa chegar, diga para ela me ligar
imediatamente, Mariana. — Desliguei sem me despedir, o humor péssimo,
piorando significativamente.
— Então? — Dimitri estendeu uma taça para mim.
— Não, obrigado. — Bati o celular na mão, pensando.
Não queria parecer tão obsessivo, mas estava acostumado a falar com
Victoria sempre que ligava. Ela não tinha o hábito de não atender, porque
sabia que eu havia me tornado um pobre infeliz ansioso desde o seu acidente.
Eu necessitava ouvir a voz dela, isso me acalmava, dava paz e
equilíbrio. Poderia parecer loucura, mas Victoria era a essência da minha
vida, eu dependia dela de um jeito que não conseguia explicar.
— Ligue de novo. — Dimitri ficou sério, largando sua taça na mesa.
— O que você está sentindo, Rocco?
— Não sei, mas estou angustiado — falei, digitando o número que
sabia de cor. Tocou até cair na caixa postal. — Amore mio, assim que você
ouvir essa mensagem, por favor, me ligue.
Assim que desliguei, entrei em contato com o atelier, porque nos
números de Laura e Antonella elas não atendiam.
Caralho, o que diabos estão fazendo que não atendem a porra do
telefone?!
— Emporium La Fontaine, boa noite. — Uma recepcionista atendeu.
Senti-me um pouco aliviado, finalmente alguém atendeu a droga do
telefone.
— Diga-me, Laura e Victoria estão aí?
— Quem deseja?
— Rocco Masari. — Tentei não soar rude, pois a garota não era
obrigada a reconhecer a minha voz. Era só que cada minuto sem notícia de
Victoria fazia eu me sentir pior.
— A senhora Andrade acabou de sair, e a senhora Masari esteve aqui
sim.
— Faz tempo que ela saiu?
— Eu não sei, eu não estava aqui. Mas posso perguntar.
— Por favor, faça isso, eu agradeço. — Esperei na linha, alguns
minutos que pareceram uma eternidade.
Pensei que fosse a recepcionista a me atender, mas ouvi a voz da
minha irmã.
— Rocco, o que aconteceu?
— Você falou com Victoria? Faz tempo que ela saiu?
— Sim, meu irmão, ela saiu daqui dizendo que ia vê-lo. Tudo bem?
— Depois eu ligo.
Pela minha cara, Dimitri entendeu que alguma coisa não estava bem.
Apressado, juntei minhas coisas e corri para o meu escritório.
— Rocco, o que aconteceu? — Dinka perguntou, ele parecia começar
a ficar agitado.
— Ainda não sei, mas irei descobrir — falei, ligando para Murdoch.
— Senhor?
— Prepare o carro, estou descendo em dois minutos, estamos indo
para casa.
Conferi o relógio, assustado com o horário.
— Rocco, fale comigo. — Dimitri segurou meu braço. — Você está
pálido e suando. O que você está sentindo? Devo chamar um médico?
— Faz quase quatro horas que Victoria saiu daqui, ela não chegou em
casa ainda. — Meu amigo me soltou, encarando-me. — Dimitri, daqui para
minha casa é no máximo meia hora sem trânsito, mas, no horário em que ela
saiu, não tinha com ter trânsito. Ela já deveria ter chegado, estava chovendo.
Jason não atende.
— E os outros seguranças?
— Meu celular está descarregado, não conseguirei ligar. Você tem os
números?
— Não, desculpe. — Ele pegou sua bolsa. — Vamos, eu irei com
você para sua casa, quero ver Gianne.
Apressados, seguimos para o elevador privativo. Diferente de como
vinha sendo, não cumprimentei nenhum dos funcionários restantes. O pessoal
encarregado da limpeza estava assumindo, estávamos além do horário normal
de trabalho, porque hoje foi um dia excepcional.
Aliás, não foi com sorrisos e cordialidade que construí meu império,
apesar de Victoria sempre dizer que eu deveria sorrir mais no trabalho.
— Amore mio… — Respirei fundo, porque em alguns aspectos ela
havia me mudado.
Digamos que eu tenha ficado mais cordial, não sempre, mas quando
ela me visitava, ou falava comigo ao telefone, meu dia melhorava
significativamente, não importava o quão péssimo eu tenha estado.
Murdoch já me aguardava na frente da empresa, mas, quando eu ia
entrar, avistei uma mulher me encarando do outro lado da rua.
Uma maldita cigana.
Estreitei os olhos, quando ela ergueu a mão, acenando.
— Vamos. — Entrei no carro, batendo a porta.
Não ia dar cabimento a esse tipo de gente. Eles apenas falavam coisas
sem sentido para fazer parecer que sabiam algo. Charlatães, eram isso.
— Vamos, Murdoch.
— Tem um carro na frente, senhor.
Dimitri estava no banco do passageiro, ao lado de Murdoch, e eu
atrás. De repente, ouvi batidas insistentes no vidro da minha janela. Os
seguranças já estavam prestes a puxar a mulher, quando alguma coisa, mais
forte que eu, me fez baixar o vidro.
— Duas vezes parado, e para sempre vingado.
— Você é doida. — Estava prestes a subir o vidro, quando ela disse:
— Pensam que o gelo é você, mas não, é ela. — A mulher sorriu,
olhando-me de cima. — Você é o fogo.
— Murdoch, vamos! — ladrei a ordem, ele tentou arrancar, mas a
mulher estava segurando o vidro, se saíssemos, ela iria se machucar.
— Este é o princípio do fim, as chances são poucas, não cometa erros.
— Ela parecia implacável, não soltou o vidro nem quando começou a ser
puxada pelo segurança do carro de apoio. — Seja paciente e muito, muito
persistente.
— Você não me diz o que fazer! Agora solta a porra do carro!
— O primeiro golpe doeu, mas este será infinitamente pior. — Ela
finalmente soltou o vidro, abraçando o corpo molhado de chuva, tremia de
frio.
Agora, o semblante era triste, pesaroso, e antes que eu pudesse partir,
a ouvi dizer:
— Dê água a quem tem sede. Reserve o poço para a seca. Prepare o
lugar, se a água acabar, tudo morre. — Suas palavras me atingiram como
uma pedra. — A loucura será o primeiro sinal de que está verdadeiramente
são. Somente acredite, porque as cartas mudaram.
Ela jogou algo pela janela, quando me curvei para pegar, Murdoch
saiu, eu não a vi mais. A carta havia caído no carpete do carro, quando eu a
desvirei, havia um desenho de um esqueleto segurando uma foice para baixo.
— Me dá o seu celular vou colocar para carregar no carro — Dimitri
falou e eu entreguei o aparelho, parecia que Murdoch tinha um cabo
disponível. — Rocco, quem era essa mulher? — perguntou, e eu dei de
ombros.
— Não faço ideia, mais alguma golpista tentando ganhar dinheiro
fácil.
— Ela pareceu uma cigana.
— Tanto faz. — Abanei a mão. — Não acredito nessas coisas.
— Os ciganos montaram acampamento no parque hoje, vai ser
comum vê-los por aqui durante alguns dias — Murdoch avisou.
— Não importa, apenas siga para casa. — Abri um pouco o vidro,
para que pudesse soltar a carta. Quando a deixei ir e perder-se pelas ruas de
Londres, senti como se um mau presságio me engolisse.
Merda… Sacudi os ombros, desejando que fosse mais rápido, porque
a única coisa que eu queria era chegar em casa, pegar minha mulher, filho e
enfiar-me na cama com ambos em meus braços. O resto do mundo poderia se
foder que eu não estava nem aí.
Esse era o meu desejo diário.
Hoje, eu poderia dizer que aos trinta e três anos eu era um homem
realizado em todas as questões. Tinha tudo aquilo que a grande maioria das
pessoas queria, estava casado com a mulher da minha vida, tinha um filho
maravilhoso e amava o dia desde o momento que eu acordava.
Agora, os mesmos tabloides que faziam comparações entre Victoria e
as putas que passaram por minha cama a enalteciam, porque amore mio era
sim, maravilhosa em todos os aspectos e finalmente perceberam isso.
Inclusive, fomos capas de algumas revistas com a chamada: casal exemplo.
Eu não escondia de ninguém o quão apaixonado por Victoria eu era.
Todas as fotos em que eu estava olhando para ela dava para ver isso, estava
lá, estampado na minha cara.
Era louco por ela, total e completamente louco pela minha mulher.
Ela me completava, fascinava e preenchia todos os buracos da minha vida.
As coisas só faziam sentido para mim por causa dela.
Victoria era a única pessoa capaz de dominar todos os Roccos, desde
o filho da puta endiabrado até o empresário arrogante e poderoso.
No meio disso tudo, ainda tinha o tolo apaixonado capaz de matar e
morrer por ela.
— Senhor, a estrada de acesso está interditada. — A voz de Murdoch
me trouxe de volta à realidade. — Deve ser algum acidente, porque choveu e
dá para sentir o cheiro de pneu queimado.
— Merda. — Olhei para trás, já tinha outros carros fazendo fila,
aquele era o único acesso mais rápido para minha casa, se eu precisasse
voltar, teria que ir pelo outro lado da cidade, levaria uma eternidade para
chegar. — Será que não conseguimos passar?
— Está interditado com o cordão de isolamento, tem fumaça. Acho
que houve explosão.
— Vamos descer, e talvez possamos falar com algum responsável e
ver se é possível atravessar — chamei Murdoch, porque, com meu nível de
impaciência, não ia conseguir ficar sentado, apenas olhando.
Saímos do carro, quando eu estava passando ao lado de Dimitri, ele
avisou.
— Rocco, eu acho que o teu celular já liga.
— Me dê aqui, vou ligar para casa, avisar que chegarei tarde.
Eu e Murdoch avançamos a pé, eu liguei o celular, ele só tinha
carregado cinco por cento. Quando na tela apareceu a foto de Victoria e
Gianne, as notificações começaram a entrar.
Dez chamadas de Jason, seis de Victoria.
— Mas que…
Meu olhar prendeu-se à carcaça de metal retorcido que estava sendo
puxado por um reboque.
— Murdoch!
Não precisei dizer mais nada, porque ele sabia que aquele era um dos
carros de Victoria. O aro das rodas era em formato de estrela com linhas
aerodinâmicas, foi a padronização que fiz nos carros de segurança, porque o
fabricante disse que eram à prova de fogo.
As malditas estavam intactas, mas apenas elas. O resto do carro estava
queimado e retorcido.
— Dio mio…
O terror cobriu-me como uma grande mortalha quando o significado
dessa cena entrou em meu cérebro. Encontrar o carro naquele estado e ter
aquela quantidade de ligações perdidas não era bom.
Não pensei em mais nada, corri, empurrando as pessoas do meu
caminho. Sentia-me tenso, morto de medo de encontrar algo que eu
certamente não suportaria.
— Não, não! — Estaquei, quando um segundo carro foi puxado para
fora da floresta.
Só restava a carcaça e os aros que resistiram ao que parecia ter sido
uma explosão.
— Rocco… — Dimitri chegou ao meu lado.
— São os meus… os meus carros. — Engoli em seco, mal
conseguindo falar.
— Desculpe, mas não podem passar. — Fomos barrados por um
policial. — Vocês precisarão dar a volta, a área está fechada.
— Onde está o outro carro? — gritei, apavorado. — Deveriam ser
três, onde está o outro?
Mais adiante, seis carros utilizados para recolher cadáveres estavam
estacionados. Nesse ponto, eu senti que enlouquecia de vez.
— Victoria!
A bílis queimou minha garganta, ao mesmo tempo um frio terrível
penetrou meus ossos. Eu ainda tinha esperanças de encontrar Victoria segura
no carro dela, mas, quando o terceiro SUV apareceu, sendo puxado da trilha,
e eu vi a placa, soube que meu mundo estava ruindo.
O bom senso abandonou-me completamente. Eu não podia entrar, o
local estava um verdadeiro caos, havia bombeiros, cães farejadores, policiais
e paramédicos.
Mais adiante, contei quinze corpos enfileirados, todos eles já
ensacados.
— Dio santo.
Tentei fazer as contas rapidamente, mas não consegui.
— Victoria anda com duas equipes de seguranças, mais Jason. — A
conta não fechava, e eu bati a mão na cabeça para tentar clarear as ideias.
— Doze, Rocco, a equipe juntamente com Victoria — Murdoch falou,
eu acenei.
— Ali tem quinze. — Comecei a ofegar, apontando para o local onde
os corpos repousavam. — Eu vou entrar.
Invadi o cordão de isolamento com Murdoch e meus seguranças, os
policiais vieram para cima de mim, e isso causou uma confusão tremenda.
Tentaram me deter e eu acabei por acertar alguém no rosto, me sentia
beirando à loucura e isso só piorou quando me aproximei do último carro.
Esse não estava queimado como os outros, mas estava todo amassado,
destruído. Os pneus estavam murchos, como se estivessem cortados.
— Esse é o carro da minha esposa!
— Como você sabe, senhor? — Um policial apontou, ele não parecia
convencido. — São todos iguais.
— A placa. — Berrei a informação. — Eu personalizei a placa do
carro da minha mulher. — Mostrei as letras. — Essa é uma placa X1, eu
comprei em um leilão. Olhe as letras.

RVG 69FM

— Rocco, Victoria, Gianne, seis do nove, o nascimento do meu filho,


Fontaine e Masari, sobrenomes da minha esposa e o meu.
Ele se convenceu, pois me deixou entrar. Corri para o carro, quase
morrendo ao encontrar sangue no banco passageiro.
A bolsa de Victoria estava no chão, junto com o celular dela.
— Não toque nas evidências, senhor. — Fui impedido, quando me
inclinei para pegar as coisas dela.
Olhei para Murdoch, não conseguia pensar direito, achava que estava
vivendo um pesadelo e ia acordar a qualquer momento.
— Dio santo, Dio santo! — Respirei fundo, precisava ficar calmo ou
não conseguiria fazer o que fosse preciso.
Antes que meu celular descarregasse outra vez, liguei para Cyper. O
gênio da computação, recluso e mercenário, membro da equipe de Dark. Ele
iria me ajudar.
— O que foi?
— Rastreie! — gritei — Rastreie Victoria agora!
— Fica na linha.
Meu coração estava na boca, eu sentia meu corpo tremendo por
dentro, era uma inquietação que me comia vivo e me impedia de fazer coisas
simples, como pensar.
Sentia um frio enorme, e o mesmo tempo calor.
— O rastreador mostra que ela está no Parque Florestal Kingston. —
Ouvi barulho de teclas. — Rastreei seu celular, Rocco, para criar um raio de
localização, o sinal do rastreador de Victoria está a novecentos metros do seu
ponto. Siga para o leste, ficarei dando as coordenadas.
— Murdoch — chamei, correndo em direção a trilha. — Vamos.
Passei para dentro do perímetro, em que havia o segundo isolamento,
meus seguranças juntos formando uma grande equipe. O detetive entendeu o
conteúdo da conversa e não travou minha tentativa de entrar no parque, ele
apenas berrou para três policiais o seguirem, junto com dois paramédicos.
— O último sinal de movimento foi há três horas e quinze minutos.
— Calma, amore mio, estou indo! — Esfreguei o cabelo, correndo
floresta adentro.
Os galhos batiam em meu rosto, mas eu não sentia. Em minha cabeça,
Victoria gritava por socorro, enquanto a floresta só mostrava escuridão, frio e
desolação. Parecia existir medo impregnado no ambiente, deixando o ar
pesado.
— Siga para a esquerda, agora, você vai percorrer cem metros em
linha reta.
Virei nesta direção, meus anos de treinamento mantendo-me erguido
e me fazendo correr no escuro com constante velocidade, apesar do terreno
acidentado. Mais adiante, os cachorros latiram, ficando frenéticos, ambos
foram soltos e correram em direção à escuridão, seguindo a mesma rota que
eu.
Neste ponto, eu quase poderia sentir o cheiro de sangue permeando o
ar.
— Encontramos dois corpos aqui!— um dos policiais gritou, corri
para ver, nem respirava direito, meu fôlego entupido na garganta.
Era como se meu sangue estivesse congelando-se.
— Não é um dos nossos — Murdoch alertou, quando vimos os
homens estirados no chão, e a luz da lanterna focou em suas expressões
congeladas.
Foram mortos com um tiro na testa.
— Central, encontramos mais dois corpos, agora são dez
carbonizados e sete assassinados com tiro na cabeça.
Isso só me fez ter certeza de que Jason era o responsável. Eu sabia
que ele era implacável, as recomendações que recebi foram incríveis, por isso
ele era o chefe dos seguranças. Ele era o mais bem treinado de todos.
Essa certeza fez a minha esperança crescer, porque Jason jamais
deixaria alguma coisa acontecer com Victoria. Ele devia tê-la escondido, para
que eu a encontrasse.
— Cyper? — chamei.
— Volte e mantenha a rota, você está perto.
Segui as instruções até me deparar com uma elevação. Água e barro
escorriam livremente, em meio àquela escuridão.
— Você está em cima. Olhe ao redor, ela está aí. — Luzes foram
apontadas em várias direções, mas, quando apontadas para baixo, elas não
mostravam nada.
Somente folhas e lama.
— Ela não está! — rosnei, aflito, os cães estavam apenas farejando ao
redor, nada de corpos, nada de Victoria.
— Olhe direito, caralho! — Cyper berrou tão alto que meu ouvido
doeu, odiava que eu dissesse que ele estava errado.
Mas tudo ali só piorava.
Mais uma vez, olhei para baixo, e os cachorros começaram a descer,
latindo desenfreados.
— É isso! — Senti meu corpo tenso, preparando-me para descer. —
Eu achei! — falei para Cyper. — Estou em uma elevação, vou descer. Ela
está lá embaixo, escondida.
— A equipe está a caminho, Dark não está feliz. — A voz do outro
lado da linha soava baixa, com fúria controlada. — Vou ligar as máquinas e
descobrir o que está acontecendo.
Aquilo significava uma coisa. Caos. Cyper era um monstro
cibernético, ele poderia navegar livre pelo mundo dentro do poder virtual. Ele
estaria colocando sua mente privilegiada para trabalhar, por onde ele iria
começar? Ninguém sabia.
— Encontre a princesa do chefe, que eu vou encontrar respostas.
Desliguei o telefone. Um segundo depois, eu descia a elevação sem
cuidado algum. Só precisava encontrar Victoria, para poder soltar o fôlego
que estava entupido na minha garganta desde que o maldito mal-estar alertou-
me de problemas.
Graças a Deus, Jason estava aqui para proteger minha mulher. Eu
nunca iria poder pagar o que ele fazia por ela.
Quando finalmente cheguei ao chão, os pensamentos paralisaram.
Corri na direção dos cães farejadores, eles estavam latindo ao redor de um
amontoado de folhas.
— Encontrei você. — Não pensei em nada, só queria encontrar minha
mulher viva e bem, o resto eu resolveria depois. — Amore mio…
Chamei por ela, retirando com cuidado as folhas de seu corpo.
Mas…
— Dio santo!
O fôlego finalmente foi expulso dos meus pulmões em uma única
lufada de terror. Diante de mim estava o corpo paralisado de Jason. Coberto
de sangue, barro, folhas. Em seu rosto congelado, estava a marca do
sofrimento e um rastro de lágrimas.
Na mão que repousava em seu peito, o colar de Victoria.
— Jason…
Engoli a dor e o desespero. Como aconteceu no passado, sentia outra
vez a conhecida mão de ferro segurar meu coração, apertando-o a ponto de
me fazer encolher, porque eu sentia fisicamente o impacto daquela cena.
Ao contrário da outra vez, em que eu estive ao lado de Victoria, agora
não, desta vez ela viveu esse terror sozinha.
Fui empurrado de lado, o tempo pareceu perder o sentido. Não
consegui sentir o meu corpo, apenas observei os paramédicos atendendo
Jason.
Victoria não estar ali me fez morrer por dentro porque encontrar Jason
naquele estado significava que alguém a havia levado.
E que esse alguém não era despreparado.
Em choque, observei enquanto mexiam em Jason, por último, um
homem balançou a cabeça e eu fechei os olhos, explodindo como uma bomba
nuclear.
Uma agonia tão grande me dominou que eu precisei jogar a cabeça
para trás, eu gritei com tanta fúria que o som atravessou a noite como um
prenúncio de tempestade.
Victoria estava longe de mim, e… Engoli a tristeza.
Jason estava morto.
Rocco

Eu estava em minha casa.


Na minha fodida casa, que agora se enchia de pessoas indo e vindo.
Alguns conhecidos, outros não. Mesmo assim, estavam aqui e não paravam
de fazer barulho, de incomodar. Deveriam procurar a minha mulher, mas não,
em vez disso, tomavam café e esperavam como completos inúteis.
Mas o que diabos estavam esperando? Esses idiotas da polícia
criaram um acampamento na minha sala, mas não era nas ruas que deveriam
estar?
— Rocco, meu filho, você precisa comer alguma coisa — a minha
mãe falou, baixinho, com aquela voz de choro que começou a me irritar.
Minha resposta foi tirá-la da frente. Eu estava lambendo as feridas,
irado e louco demais para tratar de usar vocabulário, e não pretendia mudar.
Principalmente depois de ouvir as mensagens que Jason havia deixado no
meu celular.
O terror dele, o pânico. Deus, eu me culpava por não ter atendido,
poderia ter ido socorrê-los, mas não, estava ocupado demais fechando a
merda de um contrato.
De cara feia, com ódio de mim mesmo, permaneci no meu lugar, em
frente ao telefone esperando.
Esperando.
Esperando.
— Meu filho, coma, por favor, está difícil, mas você precisa comer.
— Antonietta se aproximou.
Ela ficou ao meu lado, tocando na minha calça imunda. Desde ontem
eu não tomava banho, desde ontem não comia, não dormia, tampouco
respirava direito.
Minha vida resumia-se a esperar, em suspenso, que o maldito telefone
tocasse.
Mas ainda tinha que lidar com a insistência para que eu comesse algo,
ou ao menos levantasse. Isso havia se tornado uma coisa insuportável. Eu não
queria falar nada, porque se eu colocasse para fora uma única palavra,
expulsaria todos dali sem pensar duas vezes.
Ninguém precisava se preocupar comigo, não era eu que estava por aí,
nas mãos de bandidos. Era a minha mulher, minha doce e delicada mulher.
Era somente com ela que deveriam preocupar-se.
— Rocco, levante-se.
Eu estava esperando o sinal para poder agir. O detetive que havia
assumido o caso disse que tudo apontava para um sequestro, ele inclusive
teve coragem de dizer que isso “era bom”.
Mostrei-lhe o quão bom era, ao quebrar-lhe a porra do nariz. Esse foi
meu último rompante.
Agora, desde que eu havia sentado aqui, estava esperando. Fazia cerca
de vinte e cinco horas que eu esperava uma maldita ligação que não vinha.
Depois, ao pensar em tudo, comecei a acreditar no detetive.
Pediriam dinheiro, então eu deixei o meu banco na Itália de
sobreaviso, e os gerentes de grandes transações, de plantão, esperando.
Bastava que ligassem e me dissessem o valor. Isso seria feito. Eu não
parava de pensar em como Victoria poderia estar, ou o que poderiam ter feito
com ela.
Isso era por si só uma tortura.
Amore mio, só preciso que esteja viva, não importa como, eu vou
cuidar de salvar tudo que estiver lá para ser salvo. Fechei os olhos, sentindo
as lágrimas de medo, desolação e horror pingando em minhas mãos.
Não conseguia nem olhar para os lados, minha atenção era toda do
celular repousando na mesa de centro à minha frente.
Toque, toque, toque…
Implorei, mas, quando isso aconteceu, eu quase não consegui me
mexer, foi o medo que me fez congelar e depois reagir desajeitadamente.
— Alô, alô — gritei, desesperado.
— Estamos com sua mulher — uma voz grossa carregada de sotaque
riu, debochando.
— Me digam o que querem e eu darei. Qualquer coisa.
Precisei de muito esforço para que minha voz saísse firme. Senti-a
arranhada, cansada. A garganta estava seca e dolorida.
— Alguns milhões de euros. — Outra risada, ao fundo, ouvi várias
vozes. — Dez milhões por dia, durante sete dias.
— Não preciso de tanto tempo! Dê-me uma conta e terá seus malditos
milhões agora mesmo!
Olhei para o detetive, que me encarava, enquanto fazia gestos,
pedindo para eu estender a ligação. Havia todo um aparato de investigação
aqui, homens com escutas e computadores abertos.
— Você não dita as regras, aqui quem manda sou eu.
— Tudo bem, tudo bem. — Tentei não gritar, modulando a voz para
que soasse mansa. — Diga o destino e eu farei a transferência, meu banco
está de sobreaviso.
— Ah, então o marido da puta é banqueiro?
Inflei as narinas, parecia que eu respirava fogo. O ar queimava sua
passagem até meus pulmões. Se eu colocasse as mãos nesse maldito…
Escutei risadas ao fundo e um grito que me gelou até os ossos.
— Por favor, não a machuquem…
— Mais? — riu, divertido.
— Me deixe falar com a minha esposa! — gritei. O detetive ergueu as
mãos, pedindo calma.
Minhas mãos tremiam, eu jurava, por tudo que era mais sagrado, que
eu seria capaz de matar cada um desses sequestradores com minhas próprias
mãos, sorrindo, enquanto os assistia agonizar.
— Queremos o primeiro depósito amanhã, enviarei a conta. Não
pense que sou bobo, se a polícia for envolvida, vou entregá-la de um jeito que
nem a reconhecerá.
— Eu pago agora!
Outro grito feminino me deixou tonto de pavor. Eu sentia o gosto de
sangue na boca. Nunca imaginei que sentiria tanto medo e fúria ao mesmo
tempo.
— Não me toquem, não me toquem… — Escutei Victoria clamar, e
isso quase me matou.
— Eu imploro que não a machuque, eu imploro. — Desabei,
agarrando os cabelos e puxando, eu estava desesperado como nunca pensei
que ficaria um dia. — Por Deus, eu imploro.
— Gosto assim, mas infelizmente alguém precisa pagar pelos homens
que perdemos. — Ele riu. — Eu farei contato, não me irrite, ou já sabe.
Para meu total estado de loucura piorar, o sequestrador desligou.
— Não! — gritei, olhando meu celular.
O investigador blasfemou a falta de tempo. Não conseguiram rastrear.
Mas então chegou uma mensagem, havia um vídeo anexo. Abri a imagem e
quase morri ali mesmo.
— Amore mio. — Um suspiro afogado escapou da minha boca, era
quase como uma frase roubada, perdida.
Meus olhos se recusavam a acreditar na imagem. Victoria estava num
colchão de aparência imunda, ela estava toda machucada, sangrando. Senti
quase dor física por ver seu rosto banhado de lágrimas.
Minha pequena. Toquei a tela, numa tentativa inútil de confortá-la.
Victoria olhava para a câmera com grandes e lacrimosos olhos verdes, lívidos
em choque e tristeza. Os olhos que eu tanto amava, que me cativaram, me
fizeram apaixonado. Então, três homens se aproximaram dela, todos de
máscara, ocultando as malditas faces.
Um deles tocou no cabelo dela, e ela o estapeou.
— Não, me toque.
— Você vai pagar!
O vídeo encerrou.
Por um momento, eu não consegui sair do lugar, mas um calor
visceral esquentou tudo por dentro e eu joguei a cabeça para trás, gritando o
mais alto que pude.
Não, não foi um grito o som que emiti, foi um brado violento de dor e
medo, ódio misturado a uma fúria impotente. Quando não restaram forças em
meus pulmões, abri os olhos, encarando o teto da minha casa, antes feliz.
Não havia nenhum som. Todos faziam silêncio.
Pouco controlado, à beira do abismo, e a única coisa que me deixava
firme era o fato de Victoria precisar de mim e estar viva. Eu ia encontrá-la, e
não sossegaria enquanto não fizesse cada um daqueles malditos pagar.
— Respostas! — Apontei o dedo para o chefe da investigação.
— A ligação foi interrompida antes que pudéssemos…
— Não quero desculpas, quero respostas! — falei baixo, trêmulo.
Meus músculos crescidos de tanta tensão.
— Desculpe-me, mas não deu tempo.
— Tenho a localização! — Cyper chegou à sala, carregando um
computador.
— Impossível, não deu tempo!
— Não para você e sua tecnologia. Se eu disse que achei, eu achei. —
Cyper encarou o investigador. — Rocco, a triangulação do perímetro foi
fechada, a ligação origina-se do porto de Londres. Invadi o satélite de
mapeamento do Google Earth, tenho um mapa da área, estão no depósito
quarenta e dois.
— Quem é você?
O detetive encarou Cyper e seu jeito esquisito.
— Ele faz parte da minha equipe! — respondi, saindo do lugar em
que havia ficado pelo último dia.
Corri para a garagem sem me importar de que todos vissem que eu
tinha ligação a um grupo de pessoas desumanas. Eu me sentia, inclusive, pior
que eles. Antes a relação com Dark era somente profissional, mas, no
momento em que ele se apaixonou por Antonietta, a equipe que ele liderava,
e de quem cuidava como filhos, também passou a fazer parte da família.
Isso eu pude controlar. Não tinha como explicar o porquê de eles não
poderem fazer parte de nossas vidas, sem revelar o que todos faziam para
viver.
Agora, eu agradecia por isso, pois eu tinha um pequeno grupo
organizado, antes apenas as coordenadas nos impediam de ir, agora, tínhamos
uma direção, iríamos por ela.
— Vamos logo, cinco minutos! — Dark berrou, encaixando suas
pistolas de cano longo no coldre.
— David, o que significa isso? — Antonietta se aproximou.
William e Dimitri estavam tentando conter o restante da família,
impedindo os curiosos de se aproximarem.
— Eu sinto muito que saiba dessa maneira. — Ele segurou o rosto
dela. — Eu sou um assassino, esses rapazes são a minha equipe.
Dom e Drake, os gêmeos, escondiam entre as roupas suas facas,
pistolas e munição. Red também. Quem estivesse com minha mulher iria
sofrer e muito antes de dizer adeus ao mundo.
— Esperem, onde está a jurisdição de vocês? Não podem fazer justiça
com as próprias mãos, a polícia de Londres está à frente. Temos homens
treinados para negociação e invasão.
Continuamos nos organizando sem dar a mínima para o detetive, cada
um dos membros da equipe se preparando para sair o mais rápido possível.
— Sua equipe não vale merda! — Chequei uma pistola, essa era a
hora de sumir com a polícia acampada na minha casa.
Os malditos sequestradores avisaram o que aconteceria, eu estava
com o coração na mão de medo.
— Senhor Masari, a polícia está à frente, os sequestradores fizeram
contato, as chances para sua esposa são muito altas.
— Apenas saia da frente. — Dark empurrou-o. — Estamos partindo.
— Quem é você? Posso prendê-lo por desacato.
— Me chamo David Conelly. Fui comandante das tropas de fuzileiros
do exército americano, servi na guerra contra o Iraque em dois mil e três,
liderei uma missão na Somália com sucesso na intercepção de cargas
preciosas, atuei nas guerrilhas colombianas como negociador, além de ser um
Navy Seal aposentado. — Dark apontou o dedo na cara do investigador. —
Não ouse tentar barrar minha equipe, estou indo buscar minha neta e ninguém
vai me impedir.
Saímos cantando pneus. Dentro do carro, havia uma densa nuvem de
ódio e medo. Esta foi a viagem mais tensa da minha vida, cada minuto dentro
do SUV foi terrível, milhares de pensamentos bombardeavam dentro do meu
crânio fazendo-me tremer, blasfemar ou ter medo do meu coração parar de
bater.
Não sabia como iria encontrar Victoria, eu estava com medo de seu
estado. Não gostava de pensar nela machucada, sozinha, chorando ou se
sentindo abandonada.
Foda-se, quando eu a encontrasse, não tiraria meus olhos dela. Não
queria nem saber se acharia ruim.
Eu montaria um estúdio para ela no meu edifício, e todos os dias teria
minha esposa indo trabalhar comigo, organizaria tudo e nunca mais ela ia sair
de perto de mim.
— Preparem-se… — Dark gritou. — Vamos pegar Victoria de volta.
Descemos perto do depósito trinta e oito. E nos organizamos, eu sabia
o que tinha que fazer, porém, ficar parado estava me matando.
— Tenho que ir! — Esfreguei os olhos. As mãos coçando para
segurar Victoria. — Me deixe ir, Dark, minha mulher precisa de mim.
Levantei-me para correr, mas duas toneladas de peso caíram em cima
de mim. Mal consegui respirar.
— Você tem o que na porra da cabeça? — Dom grunhiu em meu
ouvido. — Vai estragar tudo!
— Se você não seguir minhas ordens, vamos te incapacitar, agora
escolha! — Dark me encarou. — Vejo a morte em seus olhos, sei muito bem
que está sedento de sangue e vingança, mas precisa de paciência. Agora não é
a hora. — Suguei uma respiração afiada, acenando positivamente. Ódio
queimava dentro das minhas veias, meu sangue era como lava derretida. Eu
estava quente de fúria. — Esfrie a cabeça e vamos.
Cada instante de espera era odioso, eu estalava os dedos, brincava
com a pistola. Grazie a Dio a polícia estava afastada, apesar de terem vindo,
eles estavam um pouco mais distantes, também preparados. No exato
momento em que tivemos o sinal verde, uma nuvem vermelha cobriu meus
pensamentos, eu corri, sem raciocínio, com apenas uma meta.
Encontrar Victoria, tirá-la dali.
Tudo o que apareceu no meu caminho, eu derrubei. Houve gritos,
tiros e mais um sem-fim de sons perturbadores. Fui golpeado, meu corpo
desabou no chão, e eu somente ataquei. Acertando a garganta do bastardo que
ousava me atrasar.
Minha meta, eu precisava concluir minha meta.
Havia muitas portas, o galpão parecia um labirinto com caixas e
espuma empilhada em cada quarto. Tudo fedia com cheiro rançoso de podre.
Quando encontrei o que poderia ser a última porta, entrei ofegante.
De imediato, reconheci o canto em que Victoria estava no vídeo,
havia sangue fresco na parede e no colchão imundo.
Quase podia sentir a presença dela, o calor que deixara para trás.
— Onde ela está? — perguntei, ao infeliz que fora capturado pela
equipe, enquanto eu corria feito um louco em busca de Victoria.
— Eu não sei. — Atirei em seu joelho, queria que ele sofresse, e
sentisse medo como minha mulher sentiu. — Eu juro que não sei. — Seu
grito ecoou em meus ouvidos e eu gostei.
— Só vou perguntar mais uma vez! Onde está a minha mulher? —
Voltei a repetir, a cada instante perdia mais daquele ínfimo controle que
restava.
— Eles vieram e a levaram ontem, o vídeo foi de ontem, ela não ficou
aqui. O chefe ficou bravo porque bateram nela, ele estava muito bravo.
— Mentira! — Berrei, atirando no outro joelho do bastardo. — Onde
está a minha mulher? — Ergui a arma e a encostei em seu ombro. — Eu vou
descarregar essa arma em você. Tenho ainda dez balas, garanto, vai doer
muito, agora diga, para onde levaram a minha mulher? Pense bem antes de
responder!
— Eles vieram ontem, ficaram um pouco e foram embora! Eu só sei
disso.
— Mentira! — Bati a arma em sua cara, apertando o cano quente em
seu ouvido.
— Eu estou falando a verdade — gritou, sacudindo-se. — Era só para
ficar um pouco e ir embora.
Ele poderia estar falando a verdade, mas eu precisava pressionar para
ter certeza. Qualquer informação era preciosa demais para desistir de
consegui-la.
— Dom, me dê uma faca! — rosnei, pedindo a um dos gêmeos. —
Vou retalhar sua cara se eu ouvir mais uma mentira! — O homem diante de
mim gritou ainda mais alto quando sentiu a ponta da faca em sua testa.
Quando o sangue escorreu do rosto maldito, dei um sorriso diabólico.
— Vou cortar e só irei parar quando eu achar que está falando a
verdade. — Pressionei a faca, abrindo um corte profundo, devagar, fui
descendo para o olho.
O homem estava gritando a plenos pulmões, agarrei seu cabelo
gorduroso para estabilizar sua cabeça e continuar meu trabalho.
— Você acha que eu sou um banqueiro? — rosnei. — Você acha que
eu sou acomodado? Você errou, eu sou isso aqui e gosto muito. — Cortei seu
olho, ele gritou mais, sacudindo-se.
— Pare, por favor…
— Onde está minha esposa? — perguntei, mas além de seus gritos,
ele não dizia nada. — Onde está minha esposa?
Minha cara deveria estar assustadora, a julgar pelo horror na
expressão do homem.
— Você vai sofrer até abrir a boca e me dizer algo convincente,
agora, onde está a minha esposa? — Ergui a faca até seu olho, permitindo
que ele desse uma boa olhada nela.
— Fui contratado por um homem para fazer parte de uma equipe e
sequestrar uma riquinha. — Ofegou, começando a falar. — Foi um desastre
porque o segurança da garota matou quase todos os nossos homens.
Estávamos prestes a desistir quando conseguimos atirar no segurança,
estávamos no encalço deles, pois perdemos a garota de vista, mas depois ela
apareceu e pudemos pegá-la. Eu fui o que deu o golpe para desacordá-la.
Retribuí, acertando um chute em seu estômago. Maldito do caralho.
Não ia sair daqui vivo.
— Continue! — Respirei fundo, segurando a vontade de matá-lo de
uma vez.
— Nós viemos para este depósito. A garota ficou aqui por algumas
horas e depois eles foram embora. O chefe sabia que você envolveria a
polícia e este foi um teste para ter certeza. O destino dela iria depender de
você e da sua inclinação a receber ordens.
— Para onde a levaram? — Dark perguntou ameaçador.
— Não sei, eu juro que não sei! Fui instruído a ficar aqui uma hora
depois da ligação, só aí poderia ir embora.
— Ele foi descartado — Dark rosnou desgostoso. — Foi tudo um
plano, inclusive descobrirmos a localização deste lugar. Eles sabiam, os
malditos sabiam.
— Eu não sabia que eles iriam bater nela, eu não sabia que seria
assim, se eu soubesse.
Eu já havia suportado ouvir aquilo. Saber o que fizeram com Victoria
só piorava tudo que eu já sentia.
— Eu posso ser tão cruel quanto vocês foram com minha mulher.
— Eu só deveria esperar para poder ir embora — Engasgou, o sangue
borbulhando de sua boca. — Você deveria ter esperado as instruções, não
deveria ter vindo, não deveria. O chefe sabia, ele simplesmente sabia que isso
aconteceria.
Aquela informação foi a gota d'água, mais uma vez eu me vi
descontrolado. Larguei a faca, mas antes de escutá-la batendo no chão, já
estava atacando o sequestrador com meus punhos, caímos. Golpeei-o com
fúria, dor, desespero, ânsia e não soube mais o quê. Quem tentava me parar
levava socos, meus olhos queimando, meu coração doendo mais que antes.
Acabei de diminuir as chances de Victoria, os malditos sempre
souberam, eles sempre souberam que eu viria.
Fui puxado e derrubado, pela primeira vez em mais de vinte e quatro
horas, eu fui contido. Meus berros de fúria aos poucos foram se perdendo, o
meu último pensamento foi para Victoria.
Perdonami, amore mio.
Minha última visão foi as lágrimas em seus olhos.
Rocco

— Eu te amo, Rocco. — Ouvi seu sussurro em meu ouvido, as


lágrimas escorriam de seus olhos, molhando-me onde tocavam. — Eu te amo
para sempre, nesta vida, ou… — Victoria ergueu uma das mãos. — Na
próxima.
Acordei sobressaltado, estava na cama, molhado de suor. Meu corpo
tremia em desespero. Às pressas, me levantei e vesti, passei uma água no
rosto. Percebi que estava limpo, mas não sabia quem havia me banhado,
também não importava.
Corri para a sala, quase tropeçando nos degraus da escada tamanha
minha pressa.
— Alguma novidade? — Quase gritei, olhando para Victor, ele foi o
primeiro que enxerguei.
— Não, meu filho, ainda não — murmurou baixo, visivelmente
abatido. Meu sogro estava cabisbaixo, quase sem reação.
— A intervenção que houve complicou um pouco. — Olhei para o
detetive a frente do caso, ele retribuiu o olhar, só que o notei um pouco
cauteloso. — Estamos esperando as novas instruções.
Aquilo foi como uma faca em meu peito, engoli em seco e esperei,
ansioso, uma nova ligação que não veio. Nas horas seguintes, eu parecia uma
pilha de nervos, não conseguia ficar sentado, havia muita energia circulando
em meu corpo.
Mesmo não querendo, precisei conversar com Dark, sobre o ocorrido
no galpão, porque o detetive me viu com o sequestrador.
— Fique tranquilo quanto a isso, Cyper descobriu uns podres do
detetive, ele está conosco.
Acenei, quando ergui a cabeça, meu olhar foi capturado pelo Conde.
Ele se mantinha distante de todos, sentado perto das escadas, com um tique
nervoso na perna direita, as mãos abrindo e fechando. O que sua expressão
dizia aterrorizou-me.
Era fácil ler a dor gravada, ele revivia seu antigo pesadelo.
Eu só não sabia o quão perto eu estava de viver algo idêntico ao dele.
Mas eu soube, dois dias depois.
Por volta das três da madrugada, o telefone do detetive tocou. Antes
de atender, ele me olhou e respirou fundo.
— Monroe na linha. — Ele baixou a cabeça, ouvindo. — Sim, eu
entendi, estou a caminho.
Ele desligou o telefone e me olhou.
O jeito com que recebi o impacto de seu olhar me disse que ele era
muito acostumado àquilo, havia uma tristeza desoladora, mas, também, certo
distanciamento.
— O corpo de uma jovem foi encontrado, ela tem as características de
Victoria.
A família desabou, os gritos de negação explodiram ao redor, mas
estranhamente eu não esbocei nenhuma reação.
— Você precisa fazer o reconhecimento.
— Não é ela. — Levantei, não aceitando que aquela dúvida se
infiltrasse em meu coração.
Eu saberia se fosse ela, eu sentiria.
Mesmo assim, eu me mantive firme, pronto para ir reconhecer aquele
corpo que eu tinha certeza não ser o dela.

***

— Senhor Masari, creio que não seja apropriado o senhor fazer a


identificação, permita que um de seus amigos faça isso pelo senhor — o
médico legista, responsável pelo corpo encontrado, disse baixinho.
Depois de uma hora esperando que a necropsia fosse realizada,
finalmente poderíamos entrar. O chefe do departamento de medicina legal me
recebeu.
Infelizmente, a notícia sobre o sequestro de Victoria vazou na mídia,
agora estava um pandemônio total. Uma verdadeira bagunça de informações,
reportagens e afins. Lá fora, carros da imprensa estavam estacionados,
esperando boletins do estado do corpo para saber a causa da morte.
Eram abutres, todos eles.
— Senhor Masari, se existe a possibilidade de um dos amigos
reconhecer o corpo, é melhor.
— Você pergunta isso para todo mundo que vem aqui? — Minha voz
soou grosseira.
— Não, senhor.
— Então vamos adiante. — Respirei fundo. — Estou aqui apenas por
protocolo, não é minha esposa.
Imprimi toda confiança que eu possuía, porque tinha a certeza de que
eu sentiria se fosse ela, de algum modo eu sentiria. Amava-a demais, meu
coração estava ligado ao dela.
Eu saberia.
Ao meu lado, estavam William e Dimitri, eu sentia falta de Jason, mas
ele não podia estar comigo.
Fechei os olhos um momento, precisava de fé na minha certeza, caso
contrário, eu ficaria realmente louco. Meus ataques de fúria estavam cada vez
mais difíceis de controlar, e mais constantes, logo eu perderia a cabeça. E o
que restaria de mim?
Absolutamente nada.
Mas a verdade absoluta era que eu precisava de Victoria, ela era o
meu equilíbrio.
— Sigam-me.
Seguimos por um corredor, o cheiro ali era enjoativo, rançoso e de
embrulhar o estômago. Mantive-me firme, apesar dos últimos dias insones,
de inferno total, não titubeei quando nos aproximamos de grandes portas de
metal.
Entrar no necrotério foi a pior sensação do mundo. O frio, a sensação
de morte e de finitude estavam impregnados em todos os lugares.
— Estamos aqui, fique firme! — William murmurou e o Dinka
apertou meu ombro.
Um outro médico estava lá dentro, ele fazia anotações em um
computador.
— Me entregue o relatório do corpo que foi encontrado em parque
Lake.
Ouvi o médico legista falando, sem querer me encolhi. A frieza era
tanta que me deixou todo arrepiado.
— A autópsia foi toda concluída? Sem incidentes?
— Sim, senhor.
— Ok.
Esperei, quase sem respirar direito. Mal conseguia ordenar os
sentimentos, um medo absurdo enrolando minhas tripas.
— Gaveta dezoito. — Escutei papéis sendo folheados. — Sem
documentos, fator RH O positivo, estatura mediana, por volta dos vinte e
cinco anos.
O legista murmurou, e ouvir isso foi tão terrível e ao mesmo tempo
doloroso.
Andamos até outro ambiente, se possível ainda pior que o anterior.
Havia uma parede inteira de gavetas. Eu senti que ia vomitar, mas me
segurei.
Não era a minha esposa. Não era ela.
— Tem certeza de que quer reconhecer o corpo? Nenhum dos seus
amigos poderia fazer isso?
— Não! — Engoli em seco, minha voz mal saindo. — Eu farei.
Ele olhou os relatórios, e eu não pude ver o que ele estava avaliando.
— Tudo bem, mas apesar de não ser praxe, quero ressaltar uma coisa.
— Eu o encarei. — O rosto foi bastante machucado, por isso esperamos que
o reconhecimento seja feito a partir de marcas de nascença, tatuagens,
cicatrizes.
O barulho da gaveta sendo puxada pareceu estrondoso, meu coração
acelerou, as mãos tremendo tanto que eu não conseguia controlar.
— Senhor Masari, olhe o corpo apenas, se por acaso não conseguir
identificar nada, iremos realizar um teste de DNA.
Recebi o conselho e atendi.
Devagar, com minha convicção vacilando e a fé diminuindo, eu
comecei pelo pé. As unhas pequeninas e bem-feitas estavam roxas.
Trêmulo, toquei de leve os dedos congelados. Talvez, fosse melhor
puxar o lençol que a cobria e ver de uma vez, mas eu não conseguia fazer
isso. Eu precisava ir devagar, para que de algum modo fomentasse a certeza
de que não era ela.
— Dio santo. — Respirei fundo, sentindo tanto frio que mal
conseguia sentir a minha mão.
— Rocco… — Ouvi a voz de Dimitri, ele apertou meu ombro. — Eu
posso fazer isso.
Neguei, segurando o lençol e descobrindo sua perna.
A cicatriz estava lá.
A minha visão turvou, e um pranto silencioso dera início com um
estrondoso pesar. Nenhum som escapava da minha boca, mas eu não
conseguia impedir meu corpo de sacudir com cada soluço terrível que me
rasgava por dentro.
Havia muitos machucados em sua perna, mas aquela cicatriz era
impossível não reconhecer. Eu a beijei e fiz muito carinho. Era um símbolo
do que amore mio havia conseguido suportar e sobreviver. Fechei os olhos
por um momento, tentando ouvir e sentir qualquer coisa, parecia que eu
estava congelado, indolor.
Eu nunca pensei que fosse sentir tamanho golpe, tamanha dor.
Deus, eu preciso tanto dela…
Sentia como se meu coração fosse do tamanho de um grão de areia,
mas com o peso de uma tonelada. Não sabia se ele conseguia bater direito,
porque eu estava diante da convicção mais cruel de toda a minha vida.
A sensação de perda, de vazio permanente somente crescia a cada
segundo.
— Irmão… — Pude ouvir o choro na voz de William, ele estava ao
meu lado também. — Não continue, não faça isso consigo mesmo. Deixe-me
terminar, espere lá fora.
— Não posso deixá-la — murmurei, sem saber como tive forças para
fazer isso. — Está tão frio aqui.
Olhei para William, os olhos azuis estavam vermelhos, turvos de
tristeza.
— Então, faremos juntos. — Dimitri ergueu a mão, trêmula também e
puxou o lençol, descobrindo o torso dela.
Lá estava…

Deus,
Dai-me a serenidade para aceitar as coisas que eu não posso mudar.
Coragem para mudar as coisas que eu possa…

— Dio mio… — Engasguei, William deu as costas, afastando-se e


chorando alto. Dimitri ficou em silêncio.
Mais uma vez, fechei os olhos, não queria acreditar. Simplesmente
não poderia.
— Amore mio… — Solucei, o peito queimando com uma dor tão
grande e aterradora que eu sentia minha vida desvanecendo.
Era como se tudo estivesse entrando em colapso, sem condições de
funcionar direito. Já nem notava as lágrimas pingando incessantemente, só
era consciente daquele buraco enorme, ele eclipsava todo resto.
— Você está fria, Pequena — disse baixinho. — Não posso esquentá-
la, amor, não posso.
Deus, como isso dói. Ergui a cabeça, na tentativa de me controlar
mesmo sem saber como.
Eu sabia que deveria ir, mas não conseguia parar de tocá-la, de buscar
contato como um morto de fome que anseia por alimento. Não havia outra
coisa para agarrar, eu só tinha isso, e não podia ir embora simplesmente.
Não poderia deixá-la.
Aos poucos, senti que o entorpecimento foi tomando conta, os
pensamentos foram silenciando, deixando em seu lugar a esperança de que
tudo isso ia passar e que ela ia acordar.
— Amore mio, estou aqui. Vim buscar você — chamei, tocando sua
pele fria. — Vamos para casa, nosso filho está com saudade, eu também.
Inclinei em direção de seu rosto, puxando o lençol. Os cabelos
castanhos e longos estavam sem brilho, mas, eu sabia que o rosto, por mais
machucado, jamais estaria feio. Ela linda demais, perfeita.
— Não posso viver sem você. Por favor, vamos para casa.
Devagar, pois precisava me preparar para ver seu rosto, comecei a
puxar o lençol cheio de carinho, porque alguma parte de mim não queria
assustá-la.
Uma mão repousou gentilmente sobre a minha.
— Senhor Masari, não olhe o rosto, fique com a imagem de sua
esposa viva.
— Ela tem o rosto mais lindo de todos. — Sorri, porque era mais pura
verdade. — Ela é perfeita e nada mudará isso.
— Que Deus o ajude então… — O médico retirou a mão.
— Victoria… — Minha voz falhou ao pronunciar seu nome. — É
minha esposa, a companheira que eu lutei para ter na minha vida. Ela é meu
porto seguro, entende?
Eu o encarei, porque ele precisava saber que ela sempre seria linda.
— Não posso fugir.
— Eu entendo, senhor.
Victoria sempre foi tão carinhosa e delicada, que eu não poderia ser
diferente, mesmo que ela já não sentisse o meu toque, nem o calor que eu
morreria por lhe dar, eu precisava desse último momento para senti-la mais
uma vez, olhar em seu rosto, dizer-lhe que eu a amaria para sempre.
— Estou aqui — disse para ela, baixinho, intimamente.
Outra vez, acariciei os cabelos que eu tanto amava. E só então, retirei
o lençol de seu rosto.
Horror me golpeou tão duramente que corri para a primeira pia que vi.
Agarrei-me nela, vomitando em puro desespero. Cego de raiva, dor e revolta,
desabei no chão e bati a cabeça na parede fria o mais forte que pude.
Queria arrancar a imagem horrível da minha cabeça. Eu queria…
— Não… Não… Não… — gritei, golpeando-me com toda força,
tentando apagar a visão.
Só queria esquecer aquela agonia imensurável que imaginar o
sofrimento dela causava.
— Dio mio, não…
Machucava como um ferro em brasa queimando a pele, pensar no
quanto deve ter chorado, o desespero dela, a dor.
Mas, não consegui. Então, eu gritei, tão alto e tão quebrado que eu
tinha certeza, todos fora do prédio puderam me ouvir.
— Irmão, vem aqui, me permita te abraçar.
William chorava tanto quanto eu, ambos quebrados em níveis
diferentes, sacudidos em desgraça pelo caos dentro das nossas almas.
Mas o que eu sentia, isso eu sabia que ninguém jamais sentiria.
Caído no chão, abraçando a mim mesmo, tentando segurar meus
pedaços, enquanto tudo rachava e quebrava. Não havia nada para salvar, eu
não queria que houvesse.
— Amore mio.
Balancei a cabeça de um lado ao outro, num processo de negação tão
profundo que sufocava. William me abraçou, mesmo que eu mesmo me
apertasse.
— Calma, meu irmão — Dimitri murmurou baixinho, a voz
embargada de choro. — Por favor, calma.
— Os olhos dela. — Engasguei, sufocando, morrendo. — Os olhos
dela. Eles arrancaram os olhos dela.
De fato, este golpe foi infinitamente pior.

***
— O Senhor é o meu pastor; nada me faltará… Em verdes pastos, me
faz descansar, e para águas tranquilas me guia em paz. Restaura-me o vigor
e conduz-me nos caminhos da justiça por amor do seu Nome…
Victoria acreditava, ela amava a Deus e agradecia todos os dias a vida
que ele lhe dera. Ela dizia que era feliz, que não tinha mais nada para pedir.
E ele a levou.
— Prepararás um banquete para mim na presença dos meus
inimigos; me honrarás. A felicidade e a misericórdia certamente me
acompanharão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor
por dias sem-fim.
Ao longe, eu podia ouvir o eco das palavras que acabavam de ser
proferidas, em mim, habitava somente silêncio e uma profunda apatia que vez
ou outra era quebrada por ataques de fúria contra Deus.
Eu estava diante de muitas pessoas. Meu corpo seguia rígido, os olhos
constantemente molhados pelas lágrimas que anos atrás era difícil derramar.
Dentro do meu peito, tentei compreender como meu coração ainda poderia
bater.
Sabia que ainda respirava porque era automático. Se eu pudesse, não
faria isso, e simplesmente pararia.
— E Deus disse…
Ouvia fragmentos do que era dito, meu cérebro se recusava a
funcionar direito, a realidade? Eu não queria que funcionasse, assim talvez eu
não lembrasse.
—… Estará ao lado de meu pai, ainda hoje.
Tentei puxar um pouco de ar, não consegui. Programado para suprir
meu corpo apenas com o essencial. Não enxergava as pessoas por perto,
somente aquele caixão branco, cheio de flores.
Era como se uma grande parede de concreto tivesse se erguido diante
de mim. Eu não faria nada para derrubá-la.
— Victoria Fontaine…
A dor veio de novo.
Fechei os olhos, apertando os punhos para aquilo que sempre estaria
ao meu lado. Dissociei, não queria ouvir mais nada, também, não queria ir
embora.
Porque não poderia deixá-la. Talvez, ela ainda pudesse voltar e…
dizer que tudo fora um pesadelo, que ficaríamos juntos de novo.
Deus, por favor, que seja um pesadelo, eu preciso acordar.
—… Agora ela descansa em paz, na glória do Senhor.
Um pequeno gemido escapou antes que eu pudesse detê-lo. Às vezes,
meu corpo insistia em querer curvar, e eu o mantinha erguido. Não para
mostrar que eu era forte, não era isso, era somente para não a decepcionar
mais uma vez.
Eu havia prometido que lhe daria uma vida feliz. Eu não fiz isso.
—… Que o amado Pai a receba em seu precioso abraço, que ele a
guie até sua nova morada pois a benção das boas ações santificam o homem.
Oremos por sua alma.
Todos fecharam os olhos, menos eu.
Não queria ter que abençoar a alma da minha esposa, eu queria tê-la
aqui para não ter que fazer isso. E não o fiz.
Em algum momento, eu ia acordar e a encontraria sorrindo, em seus
olhos…
Solucei, ao imaginar que veria amor em seus olhos, e que eles
brilhariam como duas estrelas.
Eu os amo e sinto tanta saudade. Por que eu não posso acordar?
Isso aqui não é real, Victoria está me esperando, ela tem que estar. Não é?
Esse pensamento e certeza não me deixavam, porque essa realidade aqui não
poderia ser a minha.
Era impensável que fosse.
Por trás dos meus óculos escuros, eu encarava o caixão fechado.
Esperando uma intervenção divina, que não vinha.
Somente a frieza de mais um dia horrível, que ia esvaziando minha
própria alma. Todas aquelas pessoas estavam pedindo pela alma de Victoria.
Eu não podia pedir pela alma da minha esposa, eu sequer poderia
pedir pela minha. Agora, não queria que Deus abençoasse nada, eu não queria
porra nenhuma.
O que me era mais caro foi arrancando de mim, ter fé não fez
diferença nenhuma, Deus nem olhou para meu desespero, agora eu não queria
nem pronunciar seu Nome.
Não, não era isso. Eu queria acordar, queria sair daqui e voltar para
minha família, para minha vida.
Por favor, por favor, me deixe acordar.
—… Por fim, que o Senhor traga conforto a seus entes queridos, mas
saibam que é privilégio de poucos estar ao lado de Deus, Amém.
O caixão começou a ser baixado e o céu chorou minha dor, a chuva
fina tornou-se forte. O choro de negação, até então contido, foi despejado.
Eu me lembrava de que, quando cheguei em casa, destroçado pela
minha perda, todos já sabiam o que acontecera, no momento do anúncio, os
gritos de negação ecoaram pelas paredes. Depois, no velório, o choro
silencioso foi constante, porque ninguém pôde se despedir tocando-lhe a face,
como eu fiz. Uma profunda apatia comeu a todos, que se mantinham presos a
lamúrias e soluços baixos.
Porém, agora, nada se comparava. Porque era aqui, a última
despedida.
Meu corpo inteiro tremeu, mas não me movi. Pessoas choravam alto,
alguns apenas soluçavam. As rosas brancas, uma a uma, iam sendo
despejadas, e o caixão já nem era visto.
Quando a primeira pá de terra foi jogada em cima da minha esposa
amada, eu senti como se houvesse sido golpeado. Meus joelhos curvaram, e
eu desabei ali, na frente de todos. Aos pés da sepultura, observei minha
esposa sendo enterrada ao lado de seus pais.
Eu senti tudo, e já não podia me conter.
— Rocco, não faça isso — Ouvi alguém pedindo, em seguida
delicadas mãos tocaram as minhas — Meu filho, não faça isso.
Proferi um lamento ferido, descobri que já não conseguia esconder.
Na fraqueza de meu corpo, não consegui mostrar força, na forma como
escavava a terra, não consegui esconder minha condição.
Alguém ajoelhou do meu lado, fui abraçado, mas não conseguia parar
de negar e puxar a terra.
— Irmão. — Era William compartilhando minha dor.
— Ela não pode ficar aqui sozinha, Will. Está frio, chovendo, ela não
pode ficar sozinha.
O Conde me mostrou que seus olhos vermelhos e inchados eram a
prova de seu desapego à máscara que sempre manteve no lugar.
Ele chorava esta perda. Toda Londres chorava.
— Ela não ficará, não a deixaremos sozinha. — Dimitri ajoelhou ao
meu lado, prometendo.
Eu assisti, impotente, quando a última pá de terra foi despejada. A
chuva intensificou, tornando-se uma tempestade. As pessoas correram para se
proteger, mas eu fiquei.
— Me deixem com ela, sozinho, eu e ela.
— Irmão… — Dimitri começou, mas eu ergui a mão.
— Somente eu e ela.
Eles me deixaram sofrer, afastaram-se de mim. A família também fez
isso.
Olhar para eles se tornou insuportável, ver a pena que sentiam era
ainda pior. No prazo de um dia, comecei a odiar a todos.
— E agora, Victoria? Diga-me, o que farei? — Cravei os dedos na
terra. — Você disse que nunca me deixaria, você prometeu que
envelheceríamos juntos, e agora? — Tentei não gritar, mas era a vontade que
eu tinha. — Você me fez seu, então me deu a maior felicidade do mundo, eu
estava feliz, sabia? E agora? — Escavei a terra fofa, escura, úmida de chuva.
— Como você pôde me deixar? Maldição, como você pôde me deixar, sem
ao menos esperar que eu fosse junto com você? Eu não acredito nisso, porra,
eu não acredito! Eu odeio tudo isso, odeio! — Ofeguei, lutando para não
gritar como um louco, estava enfurecido demais. — Eu odeio você por me
fazer te amar e me deixar. Eu te odeio, entendeu? Odeio!
Coloquei as mãos na cabeça, numa tentativa de entender ou parar
aquele turbilhão que me engolia. Puxei os cabelos com força, revoltado
demais com tudo aquilo.
— Eu te odeio por não estar aqui para me acordar desse pesadelo, eu
te odeio! Odeio, odeio, odeio…
A mentira era tão flagrante que ela rompeu o que restava de qualquer
controle que eu pudesse achar que tinha. Chorei feito um condenado,
sacudindo o corpo tamanho era o desespero.
— Perdonami, amore mio, eu não te odeio. — Solucei, negando o que
havia dito antes. — Eu te amo tanto, mas tanto que agora não sei o que fazer,
eu falei besteira, e não tenho mais você para dizer que estou errado. Eu não
quero voltar à vida de antes, não quero viver sem você, o que eu vou fazer?
Joguei a cabeça para trás, a chuva lavando minhas lágrimas, mas não
a minha alma daquela visão de toda violência gravada no corpo da minha
mulher.
— Eu te avisei que você iria perdê-la.
Olhei para Jean Pierre, de pé, me encarando. Eu nem consegui
levantar, pouco me importava que ele me visse ali, no chão, completamente
arruinado.
— Eu disse que você não poderia cuidar dela da forma correta, você
não me ouviu.
Acenei, concordando, ele tinha toda razão. Eu concordava com ele, de
joelhos, na sepultura da minha esposa, eu concordava com ele.
— Victoria está em um lugar melhor, longe de você e de sua loucura!
— Ele suspirou, tinha uma expressão cansada, triste.
— Jean Pierre — pronunciei seu nome correto, ele deu de ombros.
— Victoria deveria ter conquistado o mundo, havia coisas grandes
esperando por ela… — Ele esfregou o rosto. — Você vai conviver com suas
falhas e aprender que às vezes dinheiro e poder não significam nada. — Jean
Pierre me deu as costas. — Victoria está em um bom lugar agora.
Desviei o rosto, não conseguia encarar as verdades que ele jogara na
minha cara. Talvez ele tivesse razão, e Victoria estivesse em um lugar bom,
mas por que tinha que ser tão longe de mim?
Será que, por ser uma pessoa tão cínica e desacreditada, eu nunca
poderia encontrá-la de novo?
Onde está a misericórdia de Deus nisso? perguntei-me, desolado.
Seria esse o castigo por ter dito que o amor não era importante?
Não houve respostas para a pergunta, e eu fiquei ali, submisso diante
daquela lápide e do sorriso gentil na foto, apenas existindo com o que restava
de mim.

Victoria Fontaine Masari


*14/12/1991
+ 23/03/2016
Recorda a primeira vez? Sorria para mim e te prometo o mundo mais belo.
Amada esposa e mãe.
Rocco
Uma manta foi colocada em meus ombros, alguém tentou me
levantar, mas meu corpo estava morto, não reagia.
Depois, senti que vários braços me ergueram, colocando-me de pé.
Mas eu não tinha força e teria caído se não fosse amparado.
— Já é madrugada, irmão. — Ouvi uma voz distante. — Você não
pode ficar aqui para sempre.
— Eu posso. — Forcei as palavras a saírem, lembrava-me de ter
conversado tanto com Victoria, de ter pedido que desta vez ela me acordasse,
que em algum momento não consegui dizer mais nada.
Até a minha voz eu tinha perdido.
— Rocco, olha para mim.
Alguém segurou meu queixo, encarei um par de olhos azuis,
vermelhos e tristes. Os meus encheram de lágrimas de novo.
Não pela última vez, eu acreditava.
— Você tem que seguir em frente. — Dimitri foi firme em suas
palavras, mesmo que sua voz soasse embargada. — Não pode deixar seu
filho desamparado.
Nosso filho, amore mio, agora ele está sem você. Estamos sem você.
— Vamos para casa, eu vou cuidar de tudo, confie em mim.
— E se… — Olhei para Dimitri, sua imagem borrada. — E se ela vier
me chamar? Eu disse que ia ficar esperando aqui.
— Meu querido amigo. — Dimitri soluçou baixinho, então, tentou um
sorriso. — Se ela vier, eu corro para te chamar, tudo bem?
— Tudo bem.
Com a ajuda de Dimitri, William e Murdoch, eu fui caminhando
como se estivesse bêbado. Dentro do carro, encarei minhas mãos. Eram
grandes e estavam sujas. Eu gostava das minhas mãos, Victoria também, ela
dizia: você tem mãos macias, Rocco.
Eu não tenho mãos macias.
Ou tenho? Eu queria que fossem macias para tocar minha mulher,
mas eu não poderia fazer isso. O pensamento me fez encolher. Eu não fazia
ideia de que horas eram, não conseguia enxergar as ruas passando.
O carro parou, e a minha porta foi aberta.
Não consegui me mexer.
— Vem, querido. — Dimitri estendeu a mão. — Me deixa te ajudar.
Ele me puxou, e William amparou meu corpo. Em silêncio,
caminhamos até a porta, mas quando ela se abriu, eu travei.
Não pude me obrigar a andar.
— Não posso. — Neguei, tremendo tanto que meus dentes batiam. —
Não posso entrar aí.
— Irmão, você vem comigo. — William tentou sorrir. — Vamos
pegar o Gianne e seguir para minha casa, iremos para Westlhern, vamos ficar
lá por um longo tempo.
Neguei furiosamente. Foi lá que Victoria teve nosso bambino, eu
nunca mais colocaria os pés naquele lugar.
Não suportava nem lembrar…
— Vamos com calma. — Dimitri ficou na minha frente. — Presta
atenção, a casa está vazia, sua família foi para a casa da sua mãe, a de
Victoria está na casa da avó dela, você estará apenas comigo e William.
Vamos somente entrar, te limpar e sair. Certo?
Acenei, mas antes de entrar, precisaria respirar fundo e acalmar o
repentino pânico que me invadiu.
— Calma, Rocco, respire fundo, comigo. — Dimitri colocou a mão
no meu peito. — Isso, inspire devagar, agora, solte o ar devagar também. —
Eu segui o ritmo dele. — De novo.
Prestei atenção em seus comandos, concentrado naquela tarefa
simples. Demorou, mas eu consegui voltar a respirar melhor, e o tremor
também diminuiu.
— Isso, agora vamos entrar.
Ao entrar na minha casa, a primeira coisa que senti foi uma rajada de
ar frio. Estava escuro, parecendo úmido, estéril.
— Banho.
Eles me ajudaram a subir as escadas, minhas pernas estavam fracas,
às vezes eu sentia minha visão escurecendo. Com muito esforço, consegui
subir as escadas, mesmo sendo ajudado, depois, não olhei para qual quarto
me levavam, eu somente entrei no banho e fiquei debaixo da água, parado,
com a roupa.
— Deixe-me ajudá-lo.
Não ofereci resistência quando fui despido por William e Dimitri.
Tampouco quando eles lavaram meu corpo. Não sentia absolutamente nada,
estava dormente.
— Vem, irmão. — Ouvi a voz de Dimitri, mas não entendi direito o
que ele queria que eu fizesse. — Me dê sua mão.
Ele me puxou suavemente e me enrolou numa toalha.
— Vamos te secar e vestir — William falou. — Logo isso vai acabar,
e a gente vai sair.
Senti-me como uma marionete, mas não tinha força de vontade para
reagir. Depois de todo o processo, esperei o que viria a seguir. Não tinha
noção do tempo, mais uma vez, eu permaneci na mesma posição, esperando.
Dimitri e William conversavam, eu não me dei ao trabalho de me
importar para saber o que era.
— Vamos sair agora? — perguntei baixinho, William negou.
— Deite-se só um minuto, logo nós iremos.
Desabei em minha cama, esperando. Não me mexi, porque tinha
medo de virar para o lado, sentir o cheiro dela, e o que isso causaria. Mas,
então, quando vieram me levantar, eu não quis. Somente fechei os olhos por
um breve momento.
Talvez, no sonho, eu pudesse tê-la outra vez, mas parecia que nem
isso eu merecia.
Acordei sozinho, o cheiro dela flutuando em meu nariz porque eu
estava abraçado ao seu travesseiro.
— Amore mio. — Respirei fundo, o corpo estremecendo de saudade
daquele perfume floral, delicado.
Eu amava o seu perfume.
— Rocco?
Levantei somente o dedo, para que William soubesse que eu estava
acordado. Mas não quis desenterrar o rosto do travesseiro, porque o cheiro
dela estava cada vez mais fraco, e isso me desesperava.
— Você precisa levantar.
— Não.
A cama afundou, senti um toque suave em meu cabelo, uma carícia
gentil.
— Gianne sente a sua falta, não o deixe perder o pai, agora que
acabou de perder a mãe. Não faça isso com ele.
Eu não percebi que o travesseiro estava ficando molhado. Ergui a
cabeça e William estava deitado ao meu lado, encarando-me.
— Eu sei que dói, e muito. — Ele secou minhas lágrimas. — Mas
você tem seu filho, seja forte por ele. Viva para ele.
— Não sei se eu consigo — revelei. — Parece que eu perdi a
capacidade de amar, sinto-me seco, completamente vazio.
— Você vai encontrar o caminho, eu tenho certeza.
Ficamos em silêncio por um longo tempo, convivendo cada um com
suas próprias dores e perdas.
— Como você conseguiu viver todo esse tempo? — solucei baixo. —
Eu sinto que estou morrendo.
— Chega um tempo, meu amigo, que a dor te fortalece e você se
torna alimento para ela. — William deu um sorriso triste. — Faz parte de
mim, de quem sou. Eu aprendi a viver com uma parte faltando, sinceramente,
não sei se eu poderia ser completo de novo. Não sei ser diferente disso aqui.
— William, por que Victoria teve que ir? — Fechei os olhos. — Ela
prometeu que ficaríamos juntos para sempre.
— Ela te amava, meu irmão. — Sua voz embargada continha tanto
pesar que doeu em mim. — Você pôde viver um amor bonito, forte. Você se
entregou como poucos são capazes.
— Não sei o que fazer.
— Você vai reaprender, um dia de cada vez, sem pressa. Somente um
passo de cada vez.
— Não queria que fosse preciso — disse para ele, o desejo do meu
coração. — Eu só queria encontrá-la, sinto falta do sorriso, da voz dela.
Sinto tanta saudade de segurá-la em meus braços. Era meu sentido de paz,
você entende?
— Apenas posso imaginar.
Encarei meu amigo, ele se compadecia do meu sofrimento e dava-me
força. Eu via o quão arrasado ele estava, porque, mesmo sem querer, Victoria
havia lhe proporcionado uma nova visão sobre a vida.
Eu o puxei e nos abraçamos como podíamos, outra vez, desabei num
choro incontido, triste.
— Eu preciso tanto dela.
— Shhh. Tudo vai ficar bem. — Ele acariciou minhas costas, mas isso
não amenizava nada do que eu sentia.
— Eu sou tão apaixonado por ela, Deus. William, como eu vou
sobreviver a isso?
— Olha para mim. — Ele afastou-se um pouco e começou a secar as
minhas lágrimas. — Hoje fez um dia, amanhã serão dois, depois três. Você
vai viver e o seu filho vai ser tudo o que você precisará para continuar
seguindo em frente. Apenas seja forte para suportar esse começo, ele é
simplesmente horrível.
William não disse mais nada, porém, esperou que eu me acalmasse
sozinho. Depois, sentei na cama, ele suspirou.
— Você precisa descer, só falta você para a leitura do testamento.
— Testamento? — A palavra foi um dissabor, não gostei da sensação
que tive.
— Uma parte da família está pronta para ir para o Brasil, então, o
testamento precisa ser lido hoje. — William levantou, indo até a porta. —
Você precisa estar lá, por favor, desça, esperamos por você.
Mas não estava olhando para ele, não queria ouvir o que dizia, por
isso me concentrei na visão que tinha acima.
Liso e sem defeitos, branco impecável. O teto do meu quarto nunca
foi tão bem avaliado. Devagar, mexi a cabeça, encontrei o lençol molhado.
Testamento…
Quando Victoria o fez? Por que eu não soube disso?
A dúvida começou, mas eu estava com os pensamentos tão
bagunçados, faltando pedaços, que preferi levantar e entender melhor a
situação. Antes de encarar a família, fui para o banheiro e tentei resgatar um
pouco de sobriedade.
— Eu nunca vou me acostumar. — Olhei-me no espelho por um
breve segundo, mas o homem que me encarou de volta eu não consegui
reconhecer.
Sem Victoria, as coisas eram somente isso, coisas.
Levou mais tempo do que era esperado para eu conseguir fazer coisas
simples. Sentia-me tão desorientado, que parecia em um lugar estranho. Ao
sair do quarto, avistei o longo corredor, estava escuro, e próximo, um bebê
chorava.
Sabia que era meu filho, mas não mudei o percurso. Segui para o
escritório, de cabeça baixa, chorando em silêncio, apático porque não
conseguia desligar as minhas emoções e simplesmente parar de sentir.
Eu podia ver a família reunida, e isso me endureceu. Não queria
abraços, pêsames, ou qualquer tipo de consolo.
Não os queria perto de mim.
Creio que minha expressão tenha os alertado, pois quando entrei no
amplo escritório, nenhum deles se aproximou.
Melhor assim.
Sentei na primeira cadeira, a atenção toda em Dimitri.
— Agora que estão todos aqui, irei começar. — Pigarreou, clareando
a garganta. — Victoria me procurou para fazer seu testamento no mês de
dezembro.
Estreitei os olhos, porque isso soou estranho para mim.
— É comum pessoas com grandes posses deixarem seu espólio
catalogado e devidamente distribuído de acordo com as suas vontades.
— Eu não quero nada de herança, só quero minha filha de volta! —
Laura lamentou, escondendo o rosto entre as mãos.
Fez-se silêncio, a situação tão pesada quanto um bloco de concreto.
Victor estava em pé, ao lado da janela, ele olhava para o jardim, de
costas para nós. Parecia escutar. Antonietta era apenas uma sombra do que
fora, era como se houvesse envelhecido muitos anos ao longo desses últimos
dias.
Minha mãe, Antonella, eu não sabia onde estavam.
Nem me importava de fato.
— Sinto muito, eu sei o quão difícil é — Dimitri declarou firme, em
tom de advogado. — Irei ler a vontade acordada por Victoria enquanto estava
plena de suas funções.
Fizemos silêncio, apenas a voz de Dimitri quebrava o gelo quando
começou a ler a declaração de testamento, e toda a baboseira advocatícia
obrigatória.
Estava tudo como deveria ser, até sua suas palavras captarem a minha
atenção.
— Deixo metade do Emporium La Fontaine, meu ateliê de alta-
costura, juntamente com metade dos meus croquis, para minha tia Laura
Fontaine Andrade, a outra metade do ateliê será do meu filho, Gianne
Fontaine Gianello Masari, metade dos croquis para minha avó, Antonieta
Mantovani Andrade.
Mordi a bochecha, e o gosto de sangue explodiu, era isso ou sair dali
antes de ouvir tudo.
— Deixo quatro milhões para meu irmão, Jason Stra…
Balancei a cabeça. Eu queria parar de ouvir, achava que não poderia
piorar, mas eu estava enganado.
—… Para meu marido, Rocco Gianello Masari, deixo meu croqui
especial, peço que seja emoldurado e guardado com carinho.
Houve um grito de susto das mulheres, porque quando ouvi meu
nome naquela droga de testamento, eu só quis sair, mas, cego de raiva, outra
vez esmurrei a porta. A fúria era tanta que a dor parecia insignificante.
Algo pior começou a queimar em meu interior.
— Concluindo — Dimitri exalou, tenso. — Victoria deixou uma
carta para que fosse lida após o testamento.
Meu corpo tremeu de tensão, raiva e revolta circulavam por meu
sistema. Não me virei para olhar, apoiei-me na porta, esperando a chance de
escapar daquela tortura.
Dimitri clareou a garganta.

18 de dezembro de 2015
Eu sei que devem estar confusos e tristes, mas peço que não briguem
com Deus por Ele ter me levado. Podem chorar se quiserem, eu sei que dói
perder alguém, mas também, se quiserem se lembrar de todos os momentos
incríveis que vivemos juntos e quiserem sorrir com as boas memórias, fiquem
à vontade, eu sei que iria adorar.
Não se sintam mal caso não queiram falar sobre mim, mas, se
quiserem, pensem em todas as alegrias que compartilhamos. Eu sei que
vocês irão sentir a minha falta, mas não se percam, fiquem juntos e eu sei
que um dará força ao outro. Somos uma grande e barulhenta família.
Se a saudade for grande, e vocês chorarem, eu sei que não poderei
enxugar suas lágrimas, mas um amigo o fará por mim porque a gente sempre
deve levantar quem precisa.
Cuidem do meu filho, não o deixem esquecer que foi profundamente
amado por sua mãe. Eu espero que vocês me guardem na memória, mas, que
não sofram. Amo todos vocês e espero que cultivem todas as sementes de
amor, companheirismo, amizade e bondade que eu deixei.
E, Rocco, meu amado grandalhão, não tenha raiva do mundo, as
coisas acontecem porque precisam acontecer. Eu quero que você siga em
frente, sabendo que eu te amei com todas as partes do meu coração.
Por favor, crie uma nova jornada.
Agora sorriam para mim e me guardem em seus corações, em vossas
memórias como uma lembrança que os fará feliz.
Com todo amor, saudade e gratidão,
Victoria F. Masari

“Eu te amei com todas as partes do meu coração”. A frase ecoou em


minha cabeça e, pela primeira vez, eu não senti o ardor lágrimas. Por um
momento, encarei a madeira escura que eu havia esmurrado, depois a marca
de sangue em minha mão.
Pude sentir cada maldita palavra, e a constatação de despedida que
havia ali. Mas, por que alguém saudável, feliz, e aparentemente segura, teria
um sentimento tão profundo de despedida?
Nesse meio-tempo, aconteceu alguma coisa que eu não sabia?
Devagar, comecei a me virar e não me importei com os rostos
banhados de lágrimas, ou com a palidez e choque de William, enquanto ele
usava a parede para manter-se de pé.
Não me importei com nenhum deles, porque durante um breve
segundo senti as ideias clareando.
— Dimitri Romanov — chamei seu nome em tom baixo, ameaçador
—, por que eu não soube deste testamento no momento em que minha esposa
o solicitou?
— Rocco. — Ergueu as mãos, em sinal de paz. — Eu trabalho com
sigilo profissional.
— Isso foi uma carta de despedida! — berrei, sentindo-me tremer
inteiro, não de dor, ou tristeza, mas de um sentimento que causava tanto ódio
que eu sentia o gosto na boca.
— Não posso falar sobre isso, meu amigo, eu sinto muito.
Não soube como, mas parti para cima dele com uma fúria assassina,
nem me incomodei com a mesa em minha frente, eu apenas ataquei,
acertando-o com violência o suficiente para ouvir ossos quebrando.
— Traidor, maldito traidor.
Cego de ódio e por malditas lágrimas, eu bati, bati e não tinha quem
me tirasse de cima dele.
— Se eu soubesse, a teria protegido melhor.
— Você não poderia, eu fiz tudo o que pude. Não poderia trair
Victoria — revidou, mas eu não senti, estava consumido por uma ira
inominável.
— Você me traiu! — Bati no peito, berrando tão alto que as paredes
tremeram. — Você me traiu, porra! E agora a minha mulher está morta, você
entendeu?
— Rocco, ouça. — Eu bati em seu rosto com força, queria que ficasse
calado. — Eu fiz tudo o que pude.
— Você não me contou! Escondeu de mim, algo estava acontecendo e
eu não sabia, porra, eu não sabia!
— Eu trabalhei em formas… — Dimitri ofegou cuspindo sangue. —
Rocco, me escuta…
— Nunca mais quero olhar na tua cara, filho da puta, nunca mais! —
Ergui-me, chutando-lhe o estômago — Suma da minha vida. Acaba aqui
qualquer vínculo que tivemos, não existe porra de tríade, não existe essa
merda de irmão. Você. Me. Traiu!
Berrei, chorando, meio louco.
— Eu te odeio. — Passei uma das mãos pela boca, veio cheia de
sangue. — Odeio todos vocês!
Saí do meu escritório em direção às escadas, mas estaquei quando vi
William com as mãos na cabeça, encolhido no sofá, ele falava desesperado ao
telefone.
— Agora — implorou, angustiado. — Vá para o meu apartamento
agora, não demore nem um minuto, não suportarei esperar, preciso, preciso,
sangrar.
Não me importei com seu estado, queria mesmo que todos sofressem
pelo menos um pouco comigo.
Foda-se se eu estava sendo egoísta, nunca neguei a merda desse fato!
— Senhor Masari?
Mariana me chamou, mas quando a olhei, ela deu um passo atrás.
Gianne estava em seus braços.
Não olhei para ele.
— Ele está com saudade.
Estendi os braços para pegá-lo, mas quando meu filho virou-se para
me olhar, senti-me golpeado. Dei um passo para trás, encarando meu filho
sorrindo.
Ele estendeu os braços, inclinando-se em minha direção.
Mas eu só conseguia enxergar seus olhos, iguais aos de Victoria. Os
olhos que foram arrancados brutalmente.
Quando percebeu que eu não o pegaria, ele fez uma carinha de choro,
e isso partiu meu coração de novo, mas eu não conseguia olhar para ele.
Não suportava olhar para o meu próprio filho, sem me lembrar de
Victoria e do horror que lhe fizeram. O rosto que eu tanto amei estava
desfigurado, porque os malditos arrancaram-lhe os olhos!
— Não o quero perto de mim. — Engasguei, tropeçando na escada.
Não suportava mais aquela casa.
Não suportava!
Corri para a porta, ouvindo o choro da criança, do filho que eu tanto
desejei. Meu peito doeu por ele, mas eu não conseguia chegar perto.
Odiava seus olhos.
— O que eu me tornei?
Cego pelo maldito choro, peguei a primeira moto que vi na garagem,
voando o mais rápido que eu podia para longe daquele inferno. Acima do
limite de velocidade, sem cuidado algum, eu corri o máximo que pude.
Buzinas explodiram ao redor, isso só aumentava meu impulso,
ziguezagueando pelo trânsito, ultrapassando cada obstáculo diante de mim.
O ódio me queimando como um fogo destruidor. A recusa em aceitar,
a negação, tudo criando um redemoinho cada vez mais crescente, até que, de
um só golpe, o homem romântico morreu, deixando em seu lugar nada mais.
Morto por dentro, acelerei a moto a ponto do suicídio, sem temer por
minha vida, ou consequências, a dor era demais, destruía-me.
Incapaz de administrar o que sentia, explodi minhas cordas vocais
num grito que foi ouvido lá nas profundezas do inferno.
Rocco

Dois meses depois…

Às vezes, o fogo que ardia minha revolta se apagava. Nesses


momentos, eu erguia a cabeça e fixava-me na grande tela diante de mim.
Encarava aquele amado sorriso, os brilhantes olhos verdes, a face de
um anjo que sempre seria o mais belo e perfeito.
— Você me cativou com gentileza, amore mio — murmurei,
admirando o sorriso congelado, estava a tempo demais encarando a TV, que
nem poderia contar. — Você me tomou com brandura.
Eu ainda te amo. Não pude conter o choro, ou a destruição que me
inundava cada vez que aquele maldito amor queimava em meu peito.
Isolei-me aqui para viver a minha dor, sozinho no mundo. Estava
preso em dias intermináveis, lúgubres e frios.
Largado no sofá, não lembrava a última vez que havia tomado banho,
ou feito uma refeição. Apenas quando meu estômago doía de fome,
lembrava-me de alimentar-me, porque precisava de combustível para sofrer.
Ao fim, nem ousava dizer que encontrava paz no sono, eu não conseguia
dormir, apenas quando apagava com a ajuda do álcool.
Nem sabia se poderia chamar o que tinha de descanso, porque sempre
acordava pior, dolorido, mais saudoso e revoltado.
— Por que você me deixou? — perguntei, já nem sabia quantas vezes,
à imagem na tela da TV.
Mas aquela mulher não ia responder, ela não se importava comigo.
Estava longe de mim, deixou-me para trás, sozinho, sentindo-me um lixo.
Ao redor do apartamento outrora luxurioso, garrafas vazias espalhavam-se
junto aos restos de comidas apodrecidas.
Eu havia me tornado a sombra destruída de mim mesmo, como um
recipiente sem conteúdo, esvaziado até o fim.
Esqueci-me de tudo, do meu filho amado, do trabalho que adorava.
Vivia com ódio de todo mundo, perto da loucura, da saudade que jamais ia
ser sanada e que me tornava um animal feroz, preso em minha própria pele.
Em meu próprio prazer sádico de me fazer sofrer, porque isso era
melhor que me lembrar de uma felicidade que eu jamais teria de novo.
— Meu coração ainda está vulnerável fora de meu peito — murmurei
baixinho, estendendo a mão para a TV, esperando que aquela sorridente
garota a pegasse.
Eu estava cansado de chamar por ela, de esperar. Entreguei-me
completamente, dando meu coração em suas mãos. Agora, não conseguia
colocá-lo de volta dentro do peito, porque ele não cabia mais.
Mesmo depois desse tempo todo, não conseguiria mensurar a
profundeza do meu luto, ou a extensão de toda agonia que convivia comigo.
Sabia apenas que era como uma coisa viva, que se alimentava de tudo o que
havia sobrado.
— O que farei agora? — Respirei fundo, olhando ao redor daquela
imundice.
Eu não sabia nem por onde começar.
Victo… Não ousei pronunciar seu nome, porque sentia que não era
mais digno disso, por tudo o que me tornei após sua morte, eu não merecia.
— Converse comigo — pedi baixinho, dando play no vídeo que já
havia visto e decorado palavra por palavra. — Quem é o homem da sua vida?
Sorri, a imagem dela turvando diante dos meus olhos. Aquele era meu
vício, a única forma de continuar ouvindo sua voz, de conversar com ela, de
ser respondido.
— Quem é? — perguntei de novo. — Fale com todas as letras, quem
é o homem da sua vida?
Sorri, quando ela o fez.
— Você!
Ela me respondeu assim, então soprou um beijo, o pequeno gesto
fazendo as lágrimas escorrerem.
Por tudo o que era sagrado, eu já estava tão cansado, mas não
conseguia me libertar, e sendo sincero, eu achava que nem iria querer, se
pudesse.
— Vamos, amore mio, quero provas de que disse tudo isso, estou
filmando… — resmunguei baixinho, ela estava dificultando as coisas para
mim.
Deixava-me ansioso para ouvir o que ia dizer, por mais que tenha
feito isso tantas vezes ao longo das últimas semanas, o efeito ainda era o
mesmo da primeira vez.
Minhas mãos até tremiam.
— Não seja cruel comigo. — Balancei a cabeça, tomando um gole
generoso da vodca que o meu amigo traidor gostava.
Como ele pôde me trair? O sabor disso ainda amargava em minha
boca.
— Bobo, você sabe que eu te amo — a moça linda no vídeo disse.
E eu não pude deixar de responder. Eu nunca a deixaria sem resposta,
nós combinávamos assim, porque havíamos chegado à conclusão de que era
doloroso demais esperar por algo que não vinha.
Era melhor conversar com um fantasma que eu sempre amaria, do que
aceitar que ela não estava mais aqui.
— Eu te amo, Rocco — ela disse.
— Eu também te amo — sussurrei no presente, esfregando o peito,
que por vezes doía mais que em outras.
Era aqui, enquanto ela encarava a câmera, que eu pausava o vídeo,
congelando a tela para poder admirá-la assim. Não aquela última visão, não
aquela…
Mas essa, a que me permitia, mesmo que por um mísero instante,
sentir algo que não fosse ruim.
Aqui eu me perdia, por horas sem-fim, admirando a mulher que eu
amava mais que a mim mesmo. Nesses momentos, em que o amor parecia
maior, o fogo voltava a queimar intensamente, e eu negava, enfurecido, o que
havia acontecido.
O apartamento estava parcialmente destruído, os ataques de ira cada
vez mais violentos. Era difícil colocar o animal dentro da jaula, pior ainda era
fazê-lo aceitar que deveria ficar ali.
Depois, quando estava cansado de quebrar coisas e me machucar,
considerava que havia feito um pequeno progresso, mas não. A minha vida
tornou-se uma constante, que se dividia em partes iguais de desolação e
ataques de fúria.
Aonde isso me ia levar?
— Para lugar nenhum — respondi a minha própria pergunta, pegando
a garrafa de vodca e encontrando-a vazia. — Porra.
Olhei ao redor, constatando que havia esvaziado todas as garrafas que
havia comprado. Levantei e tive problemas para me manter de pé, a sala
estava girando, porém, segundos atrás ela parecia bem estável.
Tonto, lutei para enfiar os pés no sapato. Depois peguei uma camisa
largada ao no sofá, vestindo-a. Quando saí do apartamento, não fechei a
porta, se alguém tivesse interesse em entrar, encontraria somente sujeira.
— Merda. — Não estava conseguindo acionar o elevador, os números
saltavam diante da minha cara.
Quando consegui, virei-me para esperar, e através do espelho, acabei
me deparando com um completo estranho dentro do elevador. A barba do
sujeito estava imunda, desgrenhada, o mesmo eu dizia dos cabelos, oleosos
por falta de lavagem. As roupas estavam fedendo, sujas também. Mas o pior
eram os olhos.
Antes aquecidos de amor, agora, mostravam-se vazios, perdidos. Eles
estavam vermelhos, havia olheiras profundas, arroxeadas marcando os traços
mais magros daquele desconhecido que, percebi, era eu.
Ergui a mão, trêmulo, e afastei os cabelos da testa. Não pude encarar-
me por muito tempo, a vista era deprimente, e mesmo assim, não conseguia
fazer muita coisa para mudar aquilo.
Quando as portas do elevador se abriram, dois homens se
aproximaram de mim.
— Senhor Masari…
Não respondi, não tinha interesse nenhum em falar com eles. Segui
meu caminho, cambaleando pelas ruas de Londres.
— Um bêbado. — Senti algo bater nas minhas costas, mas não parei
para ver. — Eu acho que é como nós, vamos brincar com ele.
— Eu pensaria melhor. — A voz de Murdoch soou fria e dura.
Parei um momento, olhando para trás. Havia seis pessoas, duas com
ternos, e outras quatro maltrapilhas. Dei de ombros, descendo mais algumas
ruas até chegar onde eu queria.
Ao entrar na loja, um apito soou. Segui direto para as bebidas, estava
tremendo, precisava de algo para aliviar. Peguei a primeira garrafa e a abri,
bebendo o máximo que consegui.
Queimou a garganta, fez meu estômago doer. Mas os tremores
diminuíram.
— Largue a garrafa e vire devagar. — O som de uma arma sendo
engatilhada me deu vontade de rir.
Faça isso, você não sabe o favor que seria.
— Vire-se devagar.
Ouvi a ordem, mas não a obedeci, continuei bebendo. Se eu tivesse
sorte, toda aquela merda acabaria ali mesmo.
— Senhor, está tudo bem, eu estou com ele. Eu pagarei pela bebida.
Murdoch estava ao meu lado, mas não ousava me tocar. Na última
vez que ele tentou, nós brigamos feio.
— Vamos. — Ele indicou a porta, mas antes de sair, peguei outra
garrafa.
A intenção era voltar para casa, mas Murdoch se colocou na minha
frente. Não próximo demais, também não tão longe quanto eu gostaria.
— Senhor Masari, venha comigo. — Ele apontou para um carro
estacionando ao meu lado, com a porta já aberta. — Entre no carro, eu o
levarei para casa.
Atrás dele, eu vi que estava perto do pôr do sol. Alguma coisa torceu
dentro do meu peito, e eu me vi entrando no carro, ficando no canto,
encolhido.
— Minha antiga casa — disse, a voz arranhada demais. — Agora.
Em silêncio, seguimos caminho. Não sabia o que eu esperava
encontrar, mas, quando chegamos, avistei a mansão bonita, fechada. Ela
parecia morta, inclusive, a grama crescida e os jardins descuidados eram a
prova do abandono.
Eu me lembrava de ter mandado fechá-la.
— O senhor precisa de algo? Eu…
Não me dei ao trabalho de responder, fui em direção ao lago. Estava
quase na hora.
Ao chegar, deparei-me com uma grama mais alta. Por um momento,
fiquei parado, não entendia muito bem o que estava fazendo ali, mas, quando
a luz do sol tocou no lago, criando aquele caminho até o banco, eu me sentei.
Houve um breve silêncio, era como se tudo desse uma pausa.
— Estou aqui — murmurei, assistindo, pela primeira vez, o pôr do
sol, no lugar especial. — Eu te prometi isso, disse que estaria com você em
cada pôr do sol.
Deixei que as garrafas caíssem da minha mão. Depois recolhi as
pernas, abraçando-me, o máximo que eu podia.
— Me disseram que a dor ia diminuir — murmurei para o nada. —
Que com o tempo a gente acostuma, mas eu não consigo passar do primeiro
dia. Eu sinto tanto a sua falta, mas eu tenho medo e te seguir e acabar não te
encontrando. O que eu faço?
Depois de tanto tempo, o calor do sol tocou-me como uma carícia
suave. As lágrimas, que eu nem sentia mais, continuaram a escorrer.
— Antes eu sabia o que queria fazer da minha vida e estava bom.
Mas, aí, eu te conheci, e agora eu não sei o que fazer sem você, estou
perdido. Não tenho nenhum rumo para tomar. — Apoiei a testa no joelho,
fechando-me no casulo. — Você disse para eu criar uma nova jornada, mas
isso significa te deixar ir, eu não quero te deixar ir. Eu te amo demais.
Meus ombros sacudiram, ela precisava saber que eu não poderia
deixá-la.
— O que temos está bom para mim, eu ouço você, a gente conversa
— murmurei, mesmo sabendo que era mentira. — Mas não posso começar
algo novo, entendeu? Desta vez não posso fazer nada do que me pediu. Eu
mudei e… eu não posso, eu não…
Senti um mal-estar enorme ao entrar no assunto que também me
machucava diariamente, só tive tempo de me inclinar para frente e vomitar
tudo que pude.
— Eu abandonei o nosso filho. — Chorei, desolado por ser um pai tão
ruim e tão mesquinho. — Eu sei que estou te decepcionando, mas não
consigo olhar para ele, não consigo ver os olhos dele sem lembrar do que te
fizeram. Eu amo nosso bambino, eu sei que amo, em algum lugar eu o amo.
O sol estava se pondo mais rápido, e eu tentei me agarrar aos últimos
fragmentos de luz. Atirei-me à frente, engatinhando em busca de um pouco
mais dela.
— Não me odeie como eu me odeio, por favor, não me odeie.
Tudo ficou escuro, não havia mais nenhuma gota de sol. O frio
voltou, pior que antes. Eu fiquei ali, encarando o nada, ainda mais perdido do
que quando chegara aqui.
— Senhor, levante-se… — Murdoch me ajudou a levantar e me
colocou de volta no banco. — Você quer voltar para o apartamento?
— Deixe-me aqui.
Encolhido o máximo que pude, fiquei ali. O frio da noite veio denso,
mas eu nem sentia, também não me importava. Depois, em algum momento,
eu fechei os olhos só para descansar um segundo, quando os abri de novo,
estava encarando um céu azul.
— Pensei que não fosse acordar tão cedo.
Levei um tempo para entender o que estava acontecendo, eu não
deveria estar ali, não deveria ter dormido e certamente não deveria ter parado
de beber.
— O que você está fazendo aqui? — Procurei a garrafa, eu sempre
tinha uma por perto.
— Eu vim te ver.
Olhei para Rafael Demonidhes, e mesmo sobre a névoa de confusão
que me acompanhava há meses, eu sabia que não havia nenhum motivo no
inferno para ele estar ali, na minha assombrada e fodida casa.
— Você veio me dizer: sinto muito pela sua perda, Rocco? —
desdenhei. — Não quero condolências.
— Não, eu não vim aqui para isso, mas para esclarecer algumas
questões.
Ele olhou para algo atrás de mim, e eu segui seu olhar só para me
deparar com um gigante. Digo, o cara era maior que eu, bem maior. E não
parecia do tipo que fazia amigos. Avaliei-o com a certeza de que, se fôssemos
brigar, eu estaria fodido, em outros tempos, talvez, eu pudesse dar-lhe
trabalho, mas agora?
Eu mal conseguia ficar em pé.
— Não encare — Rafael disse, a voz um tanto mais rude. — Não
gosto quando fazem isso.
— Por quê? — Dei de ombros, não desviando o olhar.
O cara era impactante, primeiro, porque tinha uma cicatriz que
retalhava um lado de seu rosto, segundo, ele tinha olhos de duas cores. Um
castanho, outro azul. Alargadores nas orelhas e tatuagens, muitas tatuagens.
— É o segurança? — Voltei a minha atenção para Rafael, ele me
encarava sério demais. — Se for, não precisa, eu não vou brigar.
— Ele é meu irmão mais novo, por favor, deixe-me apresentá-los. —
Rafael acenou. — Rocco Masari, Heylel Demonidhes.
O homem deu um breve sorrisinho, depois sua expressão apagou
como se ele não sentisse absolutamente nada. Parecia um quadro em branco,
não dava para decifrá-lo.
— Não sei se é um prazer.
— Certamente, não é. — Sua voz, nas únicas três palavras proferidas,
parecia carregar a dor mundo, a frieza também.
Não gostei disso, porque eu estava longe de ser como era
antigamente, e tê-los ali, como sombras ao meu lado, era desconfortável.
— Eu tenho esperado por dois meses por esta oportunidade, ainda
bem que sou muito paciente. — Rafael deu um sorriso, o gelo em seus olhos
aquecendo um pouco. — Agora, preciso de algumas respostas.
Dois meses… Então esse foi o tempo que fiquei afastado, saindo em
momentos esporádicos atrás de mais bebida?
Não parecia que tinha sido tanto, porque eu sentia como se toda
tragédia tivesse acontecido ontem.
— Eu não posso ajudar, nem sei por que você está aqui. — Levantei e
teria caído, se o gigante não se adiantasse. — Obrigado.
— Sente-se, tem um assunto que você deve saber.
— Com pode ver, não estou exatamente num clima para diálogos. —
O aperto em meu braço intensificou. — Solte.
Heylel me encarou, os traços afiados demais para fazê-lo parecer
minimamente inofensivo. Tudo nele gritava agressividade, como se fosse um
predador que sempre vivia pronto para atacar.
— Eu tenho cinco irmãos, senhor Masari. — Rafael cruzou as pernas
e acendeu um cigarro.
Parecia tranquilo, calmo até. Mas eu sabia que ele estava longe disso,
a fúria era como uma capa que o cobria, eu conseguia enxergar porque eu
tinha vivido assim por muitos anos.
— Qual é o lance? Você acha que eu me importo com isso? — Puxei
o braço, mas o bastardo assustador me empurrou para sentar.
Foi revoltante o fato de eu não ter força e equilíbrio para imprimir o
mínimo de resistência.
— Deveria se importar quando um deles esteve com você por alguns
anos.
— Do que você está falando?
— Jason.
— Jason? — Balancei a cabeça. — O que tem ele?
— Draikov Demonidhes é o meu irmão mais velho, você o conhece
como Jason.
Por um momento, eu achei que não tinha ouvido direito. Foi quase
involuntário, mas eu ri, balançando a cabeça.
— O que você está dizendo não tem o menor sentido.
A família Demonidhes era muito influente. Rafael, inclusive, talvez
fosse até mais rico que eu. Então, por que um de seus irmãos, o mais velho,
seria motorista e segurança de alguém?
— Você deve estar errado…
— Não estou, digamos que Jason esteve buscando um pouco mais de
tranquilidade para a vida dele. — Rafael deu um longo trago no cigarro. —
Mas discutir isso não é importante agora.
— O que é?
A bizarrice da situação só ficava pior. Eu estava na minha casa,
parecendo maltrapilho e imundo, enquanto Rafael era a personificação do
poder.
— Jason não era Jason, minha esposa morreu enganada. Que demais!
— Não o culpe por querer outra vida, ele a viveu como escolheu fazer
— Rafael rosnou baixo. — Contar a verdade implicaria certas coisas,
Draikov fez apenas o que achou melhor fazer.
— E viveu mentindo para uma pessoa que daria a vida por ele,
possivelmente ela fez isso.
— Chegamos a um ponto comum. — Ele cruzou os braços, encarando
o lago. — Diga-me, por que no dia em que sua esposa foi sequestrada a
equipe de elite não estava com ela?
— O quê? — Sacudi a cabeça, golpeado pela pergunta. — Dez
seguranças foram carbonizados, meu departamento jurídico se
responsabilizou por todos os trâmites, eu estava conferindo quem estava com
ela. Se não percebeu, minha atenção estava voltada para outro lugar.
Na minha mulher, sequestrada e longe de mim.
— Nas minhas investigações, descobri que a elite da sua esposa
estava doente. Todos apresentaram vômito, diarreia, mal-estar, desidratação.
Sintomas de intoxicação alimentar. — Ele me olhou. — Rocco, onde eles
comiam? Quem era o responsável pela alimentação do pessoal da sua casa?
Quem cuidava dessas questões?
— Não faço ideia de onde eles comiam, mas tenho certeza de que não
era aqui. — Encarei o lago, tentando lembrar algumas coisas, mas a minha
cabeça estava um caos, eu não conseguia raciocinar direito.
Era como se tudo relacionado ao que vivi aqui estivesse confuso e
difícil de acessar.
— Pense.
Eu tentei me lembrar de como as coisas funcionavam, no dia anterior
ao sequestro tudo parecia normal, não havia percebido nada. A elite não
ficava aqui todos os dias, primeiro, Victoria programava o que faria…
Mas ela nem sempre me contava, a visita em meu escritório foi uma
surpresa. A não ser que ela tivesse combinado com outra pessoa, mas então,
quem?
Droga! Ficar tentando solucionar um problema que não tinha solução
era idiotice. Eu ia acabar conseguindo transformar a minha vida péssima em
algo ainda pior.
— Não faz diferença saber onde comiam, por que estavam doentes,
não faz diferença. — Inclinei-me para frente, deixando a cabeça pender. —
Nada os trará de volta. Minha mulher e o seu irmão não voltarão mais. Você
sabe o que os médicos disseram? Caso irrecuperável, Jason está perdido para
nós.
— Eu sei. — Rafael levantou. — Mas você acha que eu deixaria o
que fizeram com meu irmão barato? Você realmente acredita que não irei me
vingar? — Ele deu um sorriso cruel, uma ameaça explícita de que o jogo
ainda não havia acabado. — Não, e sabe por quê? Guerra é comigo, e quando
eu descobrir quem fez isso, eu vou levar sangue e destruição até a porta do
responsável.
Rafael deu-me um olhar significativo.
— Caçar é minha especialidade, pode não ser hoje, nem amanhã, mas
eu vou encontrar quem fez isso. — Havia uma promessa de certeza em seu
olhar duro. — Eu juro que, quando esse dia chegar, cada um que for
responsável vai saber que eu estou chegando.
Ele começou a afastar-se, junto a seu cão de guarda, mas parou e
disse:
— Você pode vingar a sua mulher, ou continuar com pena de si
mesmo.
— Você não faz ideia do que está falando. — Levantei, tremendo de
raiva. — Você sequer pode imaginar.
— Talvez, nunca saberemos. — Deu de ombros. — Você pode vir
comigo, mas não desse jeito. Quando eu descobrir quem fez isso, e
eventualmente eu vou, irei buscar minha vingança, mas conserte tudo isso se
quiser ir comigo. — Ele apontou para mim. — Você fede.
Observei-os partindo, odiando que Rafael estivesse certo sobre mim.
Quanto a vingança, eu entendia a revolta, por um tempo eu a quis também,
mas agora? Só queria conseguir sobreviver por mais um dia.
Voltar para o apartamento foi um bálsamo, porque ali eu não tinha
surpresas. Já estava acostumado com a rotina autodestrutiva e solitária. O
sofá me esperava, mas o sorriso lindo de amore mio não estava ali. Desta vez,
trazê-lo de volta bastou um clique, e então, lá estava ela de novo.
— Eu disse que voltava, perdoe-me por ter demorado.
Eu tinha os meus vídeos preferidos, mas, hoje, eu deixei a sequência
de imagens rolar. Tinha horas gravadas no Eclipse, na ilha, na nossa casa.
— As coisas que você faz para mim, Rocco — ela disse, e eu sorri.
— Eu seria capaz de qualquer coisa para te ter ao meu lado agora.
Pela primeira vez, não tive ânimo para beber. Sentia-me esgotado, de
algum modo, até para chorar. Joguei a cabeça para trás e fechei os olhos,
apoiando-me no encosto do sofá.
O tempo voltou a perder o sentido, e eu me vi preso de novo, dentro
do apartamento, num looping[13], roubando momentos do meu passado, mas
que hoje não eram meus.
Não conseguia pensar em nada. Tudo havia se tornado um grande e
nublado canal impreciso. A minha realidade era somente aquela que se
passava na tela.
— Como alguém pode achar que um dia essa dor diminui?
Isso era o que mais me assombrava, pois eu não acreditava, em
hipótese alguma, que diminuiria. Porque eu não estava disposto a aceitar, por
mais que a parte racional, às vezes, tentasse me convencer de que amanhã
seria melhor, a verdade era que eu nunca fui bom em me convencer de nada.
Eu gostava de números e provas. Era pragmático e cético demais para
acreditar em algo baseado em nada, até porque nunca fui bom em mentir para
mim mesmo. Por mais errado que eu estivesse, nunca deixei de sustentar os
meus problemas. Era mais fácil dobrar as circunstâncias, fazer as coisas
acontecerem do meu jeito.
A única vez que esperei demais, eu perdi.
No fundo, eu sabia que Victoria estava escondendo algo, e em vez de
questioná-la, eu simplesmente deixei que ela viesse para mim, porque
confiava que estava segura.
— Idiota!
Por causa desse erro, eu pagaria o resto dos meus dias, e por isso
passei a odiar ainda mais a mim mesmo, e me deixei ir.
A inércia me deixou fraco; a falta de alimento, a cada instante, fazia
com que eu me sentisse mais doente, por tudo isso, eu não compreendia o
porquê de ainda estar consciente.
Nada me prendia aqui, por que eu não podia somente fechar os olhos
e pronto? Não queria admitir, mas meu filho estava órfão, no dia em que ele
perdeu a mãe, ele acabou me perdendo também.
— Não o mereço — murmurei, esforçando-me para sentir algo mais
que não fosse apatia. — Você vai ficar melhor sem mim. Com certeza vai,
porque não resta nada aqui dentro para te dar.
Eu achava que também estava perdido para ele.
— Rocco Masari, para de ignorar o que estou dizendo e olhe para
mim! — A voz era suave, porém durona.
Eu lutei para levantar do chão e arrastar-me para o sofá.
Quando eu iria me importar com essa situação? Talvez nunca, pois
não ia perder tempo, nem empregar energia em causa perdida. Eu era uma
causa perdida.
Se isso me fazia egoísta, tudo bem, eu era mesmo, egoísta em minha
dor, queria vivê-la sozinho, e continuaria o fazendo.
Diariamente.
Minha vida e o que eu era não valiam nada. Tinha essa certeza. Nem
o orgulho havia restado, continuaria assim até não me lembrar de mais nada,
até sobrar nada. Admito que passei a desejar ardentemente o esquecimento
definitivo, o único problema era que eu não era homem o suficiente para
fazer isso.
Era mesmo um covarde, no mais básico sentido da palavra.
— Rocco, presta atenção em mim! — Sua ordem soou dura, ela me
fez encará-la.
— Diga, amore mio, o que você quer? — respondi.
Ainda não tinha visto aquele vídeo, ele estava muito depois dos meus
preferidos. Talvez fosse porque eu tinha me prendido durante muitos dias
naqueles que ela dizia me amar.
— Merda. — Eu devo ter dormido, antes de pausar ou não me
importei o suficiente para fazer isso.
Busquei no sofá a minha garrafa, mas só havia o tilintar seco das que
já tinham sido esvaziadas e largadas de qualquer jeito.
— Pare de manter sua atenção só em mim, amor. — Olhei para a
tela, e amore mio estava lá, encarava-me de volta, com aqueles olhos tão
lindos e cheios de amor.
— Não posso, Pequena — respondi, porque sempre faria isso. — Não
posso.
— Claro que pode!
Amore mio sorriu para a câmera, naquela tela enorme, eu achei que
ela estivesse próxima.
— Você passa o dia fazendo vídeos de mim, e onde está nosso filho?
Ela arqueou uma sobrancelha perfeita, parecia divertida e ao mesmo
tempo séria. Eu dei de ombros, e não me importava, ou sim? Não sabia,
apenas tinha a certeza de que no passado, quando aquele vídeo fora feito, eu
era feliz, agora, sobrevivia das migalhas que conseguia recuperar.
— Rocco, pegue nosso filho, ele também merece atenção, me deixe
aqui e vá buscar nosso pequeno. Não podemos abandoná-lo, ele é a nossa
melhor parte.
De repente, uma dor muito intensa atravessou-me, não pude conter-
me, e despejei todo o desgosto que vivia. A realidade do que fiz golpeou-me
com tanta força que eu senti como se uma lança perfurasse meu peito.
Parecia que, mesmo após sua partida, amore mio conseguia fazer mais
por mim do que eu fora capaz de fazer por ela.
— Eu o abandonei — murmurei, segurando a cabeça entre as mãos.
— Eu abandonei meu filho.
Na TV, Rocco lhe dizia: eu estou indo. Deus, a culpa era quase
demais para carregar.
— Vá logo, eu vou estar esperando aqui, não vou a lugar algum.
Olhei para ela se espreguiçando na cama, tão linda.
— Como eu posso consertar isso? — Balancei a cabeça, desesperado,
o Rocco do presente vivia algo muito diferente do que aquele do passado
vivia. Este podia beijar sua mulher, amá-la. Eu, não. — Eu sou um desastre,
me tire daqui, amore mio.
— Vai logo, Rocco — ela disse entre beijos. — Você quer esperar no
meu lugar então? Eu irei buscar nosso filho.
Suas palavras me assustaram. Eu sabia que estava misturando passado
e presente, mas não pude evitar o pavor que rastejou por meu corpo.
Levantei, cambaleando.
Não pensei exatamente para onde ir, mas eu corri, como pude.
— Onde está meu filho? — Murdoch estava pronto, ele sempre
estava.
— Venha comigo.
Nós saímos em seu carro, e eu sentia o meu coração trovejar, o
desgosto queimando de um jeito ainda pior do que o fogo desolador ao qual
eu já estava apegado. Sentado no canto, eu sentia a perna tremer de
ansiedade, as mãos seguindo o mesmo ritmo alucinante.
Não sabia direito por que estava correndo daquela forma, mas uma
parte de mim estava obedecendo a minha esposa, a outra, eu ainda não queria
saber o que era.
— Quero meu filho!
Eu estava sujo, magro, talvez a criança nem me reconhecesse,
entretanto, eu precisava saber. Precisava vê-lo.
Olhava para o caminho, sem enxergá-lo. Não sabia como seria, mas
tinha convicção de que algo estava acontecendo dentro mim, enquanto
avançava pelas ruas escuras da cidade, um sentimento forte ia escavando,
entre camadas de sujeira, a liberdade.
Eu o sentia emergindo e abalando todas as minhas estruturas.
Quase uma eternidade depois, eu estava diante de uma mansão. Era a
casa de Antonietta, ela havia ficado com meu filho?
— Somente continue — disse a mim mesmo, esfregando as mãos nas
calças imundas.
Aproximei-me da porta e bati umas duas vezes. Ninguém respondeu.
O pouco de controle que eu tinha evaporou, e eu me tornei o selvagem que
havia encontrado liberdade na dor.
— Abra a porta! — gritei, minha voz estava diferente, seca, rude
demais. — Abra a maldita porta!
Pouco tempo depois, ela foi aberta. Olhei para Dark e o empurrei do
meu caminho, indo em direção às escadas.
— Rocco, são duas horas da manhã, o que pretende?
Não respondi, não precisava me dar o trabalho.
— Meu filho, espere… — Alguém tocou meu peito, parando o
intenso desejo de avançar.
Dei um passo atrás, encarando Antonietta. Por um momento, precisei
me controlar, ela e minha esposa tinham os mesmos olhos.
— Me deixe cuidar de você também, venha tomar um banho, venha
comigo.
Ela segurou meu braço, eu o puxei. Afastando-me ainda mais.
— Eu quero o meu filho. — Não pude mais encará-la, era muito
difícil ver aqueles olhos.
— Estávamos tão preocupados, venha comer algo, você perdeu peso.
Antonietta estava falando com muita suavidade, talvez, porque
soubesse que eu não tinha qualquer controle ou limite.
Sentia-me louco.
— Já se passaram mais de dois meses, meu querido, você tem que
seguir…
— Quero o meu filho! — Sentia a fúria prestes a explodir.
Ouvir o que ela disse foi como levar um chute. Antonietta, mais que
ninguém, deveria saber que não dava para seguir em frente, ela nem deveria
ter coragem de dizer um absurdo desses.
— Venha comigo.
Em silêncio, ansioso para sair dali, caminhei até uma porta com um
ursinho pendurado. Pensei que, ao chegar à porta do quarto, eu iria parar, mas
não foi isso o que aconteceu, quando percebi, avancei, até congelar próximo
ao berço do bebezinho.
Ele choramingava, irrequieto.
— Ele não dorme muito bem. — Ouvi, ainda paralisado no lugar. —
Ele chora muito, peço que seja gentil com ele.
Não consegui evitar o tremor nas mãos ao erguê-la para tocá-lo. Meu
filho suspirou quando acariciei seus cabelos escuros.
— Sinto muito, bambino. — Não pude me conter.
Uma avalanche de sentimentos me dominou, era um amor gigantesco
que lavava cada lugar escuro, reavivando o que eu sentia.
Ele queimava ainda mais forte que todo o resto.
Foi como se uma venda fosse retirada dos meus olhos.
— Dio santo. — Respirei fundo, buscando forças.
Encarei o bebê, meu filho. Agora eu só tinha um objetivo em mente:
fazê-lo feliz. A raiva que eu sentia instantes atrás evaporou quando vi o
rostinho gorducho, contorcendo em uma careta de choro.
Vi sua barriguinha tremer, e ele chorar. Estava dormindo, mas, ainda
assim, chorava.
— Mio bambino, perdonami — murmurei, envergonhado. — Estou
aqui agora, nunca vou te deixar de novo. Perdonami.
Como se me ouvisse, ele abriu os olhos, encarou-me por uns instantes
e sorriu, estendendo os braços.
Eu vi Victoria ali, nele. O amor dela, a felicidade, os frutos de toda
bondade que ela havia plantado, e eu o amei, o amei tanto que pela primeira
vez em muito tempo pude sorrir de felicidade que eu sentia.
Emocionado, eu o segurei nos braços, abraçando-o como deveria ter
feito meses atrás.
— Eu estou aqui — murmurei enquanto chorava. — Eu nunca mais
vou te deixar, vamos ficar juntos. — Balancei seu corpo com todo carinho
que ainda me restava. — Você será a minha força, e eu vou sempre estar ao
seu lado, prometo-lhe isso.
Já não estava sozinho, isso fez com que eu me sentisse mais humano
de novo.
Rocco

Tudo o que aconteceu havia me despedaçado de um jeito que eu


nunca imaginei ser possível, mas, agora, segurando meu filho, eu sentia que
não estava tão quebrado. Eu perdi muito, mas quem perdeu mais foi a criança
inocente em meus braços.
Eu pude conviver com o amor da minha vida, ele teve pouco tempo
para conhecer a mulher incrível que era sua mãe.
— Mio bambino, sinto tanto…
Não era mentira, afinal, não precisava provar nada a ninguém, e
apesar de ter sido muito egoísta, eu realmente sentia muito por Gianne.
Compadecia de tristeza pelo meu filho, ele não se lembraria do quão amado
por sua mãe ele foi.
Dio santo, como pode doer mais? Não tem piedade de mim? Pensei,
desesperado com a nova tormenta que desatava. Grande parte de mim havia
morrido junto com amore mio, mas, o que restava, eu segurava nos braços
agora.
— Você é tudo o que tenho, tudo o que restou do meu amor —
sussurrei, embargado e engolindo os soluços que insistiam em tentar escapar.
Eu precisava acalentá-lo, tirar de seus olhos amados aquelas lágrimas
de saudade. Tinha que encontrar um meio de fazê-lo feliz.
— Vai ficar tudo bem — prometi de novo.
Faltavam tantos pedaços ali, aquele abraço estava incompleto. Por
mais que Gianne estivesse me agarrando com força, não era somente de mim
que ele sentia falta, e por mais que eu lhe desse tudo no mundo, o mais
importante eu jamais poderia lhe dar.
Sentia como se de algum modo eu e ele estivéssemos em carne viva,
só que ele daqui a algum tempo ia esquecer, eu não.
— Rocco? — A voz baixa tentou chamar minha atenção.
Ainda que estivesse ali, não suportava as lembranças que aquela
mulher carregava, mesmo que estivesse com a maior de todas elas nos
braços. Não me preocupei em parecer gentil, comecei a sair do quarto,
primeiro andando, depois quase correndo, lutando para não cair enquanto
segurava meu maior tesouro nos braços.
— Espere, Rocco, não o leve! — Antonietta gritou.
Isso fez com que eu corresse mais rápido. Dark estava na porta da
frente, ele não me deixaria sair, e eu não podia brigar, com certeza ele me
venceria.
Qualquer um poderia fazê-lo agora.
— Não me toque — falei baixo, quando ele tentou me agarrar.
Eu sabia que devia estar com uma aparência caótica, que meus olhos
refletiam a loucura em que eu me encontrava.
— Rocco — Antonietta chamou, mostrando as mãos. — Meu filho,
Gianne precisa de cuidados, ele não dorme, ele não se alimenta direito,
precisa de muito amor.
— Ele é meu — sibilei possessivo. — Meu filho e de Victoria.
Pronunciar o nome dela rasgou meu coração, mas eu precisava desta
criança para sobreviver. Eu sabia que estavam com medo, por causa do jeito
louco com o qual eu estava agindo, mas eu não sabia ser diferente.
Pelo menos não agora.
— Eu vou sair e você não vai me deter, ninguém vai.
Eu fui em direção à porta, Dark não deu sinais de que sairia da frente
dela.
A vontade que senti foi de gritar, parecia que eu ia sufocar, meu corpo
estava tremendo muito, sentindo abstinência de Victoria, de ouvir a voz dela.
Ela era minha droga, o pouco que eu tinha bastava. A tela congelada
no meu apartamento era tudo o que restava de sua voz, das risadas. Eu
precisava disso para respirar melhor.
— Espere, Rocco. — Ouvir meu próprio nome na boca de Antonietta
incomodou, na verdade, tudo me irritava, por isso era melhor me isolar. —
Leve com você a bolsa dele.
Apertei o meu filho, esperando. Eu só queria ir embora. Felizmente,
ela não demorou muito, parecia que estava com tudo pronto.
— Aqui. — Entregou-me a bolsa grande e pesada. — Ouça-me, por
favor. Eu e sua mãe estamos nos revezando para ficar com Gianne, essa
quinzena era a minha. — Ela suspirou. — Você sabe como cuidar dele, eu sei
disso, mas, por favor, cuide-se também. Se algo te acontecer, você estando
com ele… — Eu entendi o que ela quis dizer. — Victoria, não ia querer te
ver assim.
Ouvir isso foi como empurrar um pouco mais a faca cravada em meu
coração.
— Eu sei, meu filho, entendo você. — A voz dela embargou, Dark a
abraçou, encarando-me furioso pela situação.
Eu não me importava.
— Quando ele não conseguir dormir, coloque o CD, isso irá acalmá-
lo.
Senti a respiração acelerada, não ia ficar nem mais um segundo ali.
Corria o risco de ficar ainda mais descontrolado.
— Se precisar, estaremos aqui.
Apressei-me para fora da casa, sem me dar ao trabalho de me
despedir. Já não carregava traços de cordialidade, apenas uma expressão
distorcida em um rosto feio.
— Papapa…
Dentro do carro, pude perceber que Gianne aparentava mais
tranquilidade, eu não sabia se era porque ele estava comigo, mas pelo menos
não estava chorando.
Ele me deu um sorriso, havia quatro dentes agora. Eu não pude
retribuir aquele sorriso, mas ao menos pude sentir o meu coração aquecendo.
A criança em meus braços, fruto de um amor imensurável, era como uma
extensão de mim mesmo, era tudo o que eu tinha.
— Eu e você, bambino — falei como se ele me compreendesse. —
Apenas nós dois.
O caminho de volta para casa foi feito em silêncio, digo, Murdoch
não falava nada, eu tampouco, porém Gianne tagarelava coisas
incompreensíveis.
Era como se ele me contasse tudo o que acontecera nos últimos
meses.
Quando chegamos, eu não agradeci Murdoch por estar sempre ali,
somente desci do carro seguindo meu caminho, mas, ao entrar em meu
apartamento, o mau cheiro me saudou.
Aquele lugar estava sujo, marcado por muitas crises e ataques de fúria
contra Deus e o mundo. Ali, eu descobri que o fundo do poço poderia, sim,
ser mais profundo do que parecia.
Agora, a única coisa que eu sentia era vergonha. Onde eu ia colocar
meu filho? Em meio às garrafas vazias? Cacos de vidro e restos de comida
cheia de bichos?
— Eu sou uma piada. — Balancei a cabeça, culpando-me pela forma
como o recebia ali.
Lá no fundo, e apesar de tudo, adicionar mais uma decepção a tantas
outras não parecia um crime, eu estava afundado na merda, portanto, na fila
das minhas desgraças e culpas, aquela ali não era absolutamente nada. Quem
dera a sujeira no apartamento fosse o maior dos meus problemas.
— Fique aqui. — Coloquei Gianne no sofá, o único lugar com
aparência um pouco melhor.
Olhei ao redor, não me importava com tudo aquilo, eu poderia limpar.
Comecei por recolher as garrafas, depois, os restos de comida e sacolas
vazias. Fui juntando tudo em um grande saco de lixo, de vez em quando
espiava o meu pequeno, ele me encarava, em silêncio.
— O que você está esperando? — perguntei, eu não fazia ideia do que
fazer.
Parecia que eu havia desaprendido como ser pai. Olhando para as
minhas mãos, notei que tremiam, eu queria arrebentar algo, talvez isso me
acalmasse um pouco.
— Grandalhão, você é tão bonito. — A voz de Victoria nos auto-
falantes do apartamento me fez tropeçar de susto.
Virei-me para olhar, talvez Gianne tivesse batido no controle da TV
sem querer. Eu estava ciente do que esperar, Victoria olhando-me, sorrindo,
dizendo que me amava.
Mas jamais eu poderia imaginar que veria meu filho sorrir com a mais
pura e inocente felicidade. Cheio de dor, tive que o assistir escorregar do sofá
e ir engatinhando em meio à sujeira até a enorme tela. Ele ergueu-se, depois
encostou o rosto no de sua mãe e fechou os olhos.
Aquela ali era a perfeita imagem da saudade.
— Mama, mama, mama… — gritou, tão feliz e animado que eu me
senti quebrar outra vez.
Tudo voltou de novo, o fogo pareceu mais forte. Senti-me arder, ao
ser empurrado para um novo tipo de inferno.
Como eu supriria meu filho de tamanha perda? Desesperava-me por
não saber.
Eu teria que ser suficiente, de algum modo, eu teria que ser.
Reprimindo tudo o que eu sentia, larguei o que estava fazendo e fui para meu
filho.
— Venha com o papa, amore mio. — Segurei-o nos braços.
Ele continuava chamando por sua mãe, ainda sorria, ainda tinha
esperança.
— Estou aqui para você. — Beijei sua testa suavemente.
Nada pareceu mais fácil, na verdade, quando tentei colocá-lo para
dormir, a saudade pareceu ferroar Gianne, tanto quanto a mim. Ele não havia
se esquecido de Victoria, e agora chorava, querendo-a ali.
Talvez, aquele fosse o verdadeiro sentimento.
A dor.
Para mim e para ele. Sentíamos igual.
— Durma, mio bambino, você precisa dormir! — Passeei pelo quarto,
balançando-o com carinho, paciência.
Estava amanhecendo, e eu não pude fazer muita coisa, porque ele não
me deixou um instante, então ficamos juntos, assistindo os vídeos até eu
perceber que não poderia colocá-lo na rotina descontrolada que eu tinha.
— Descanse um pouco, quando acordar, ficaremos juntos de novo.
Eu sabia que não era a mim que ele queria. Mesmo sendo eu a colocá-
lo para dormir quase todos os dias, a saudade o impelia a querer sua mãe. A
conexão de ambos foi cortada brutalmente, eu achava que era por isso que ele
chorava tão desconsolado, e não havia nada que eu pudesse fazer.
— Meu abraço não pode suprir a falta que ela faz — murmurei,
acolhendo-o contra o peito. — Eu sei, amor, eu sei que você quer a mamãe,
mas ela não pode vir aqui.
— Mamama!
Quanto tempo ele levaria para esquecer-se dela? Será que a saudade
dele diminuiria a cada dia?
Tudo ali a lembrava, mas eu ainda me recusava a mudar. Aquele
quarto, o nosso quarto, ainda tinha as nossas fotos de Roma tomando a
parede da cabeceira da cama. Eu não entrava lá, mas, agora, ele parecia o
único lugar capaz de abrigar meu filho.
— Mamama!
Será que ele a estava reconhecendo naquelas fotos? O que seria
preciso para acalmá-lo? Mais fotos? A voz dela?
— Dio mio, você quer ouvir a sua mamma!
Desesperado com os gritos, coloquei-o na cama e corri para a sala.
Vasculhando a bolsa, encontrei o CD que haviam colocado ali. Quando
voltei, o encontrei no meio da cama, chorando de soluçar, o rosto vermelho,
os olhos já inchados.
— Calma aí! — resmunguei, tremendo, nervoso.
Levei algum tempo para mexer no aparelho de home teather do
quarto. Não escolhi uma faixa, eu só apertei o play e torci para que
funcionasse.
A melodia suave de um violão fez Gianne diminuir a intensidade de
seu choro, ele estava prestando atenção. Então, a voz doce e carregada de
amor da minha Victoria soou:
Na outra noite, amor, enquanto eu estava dormindo;

Eu sonhei que te segurava em meus braços…


Você é meu raio de sol, meu único raio de sol.
Você me faz feliz quando o céu está cinza;
Você nunca saberá, querido, o quanto eu te amo.
Mas, eu sempre vou te amar; e te fazer feliz.

Meu filho ouvia a música gravada para ele, mas eu sentia como se
fosse para mim também, e a letra era o que eu diria para ela. Ouvi-la
cantando me fez reviver memórias, foi como uma descoberta e um novo meio
de me torturar.
— Dio mio… bambino.
Balancei a cabeça, arrastando-me para a cama, ao deitar, puxei meu
filho para meus braços e encolhi ao seu redor, como num casulo. De olhos
fechados, escutei a voz do meu amor cantar para nós.
— Quem poderia seguir em frente depois de ter o tipo de amor que eu
tive? — Limpei uma lágrima. — Ninguém, amore mio, não depois de perdê-
lo como eu te perdi.
Essa era a verdade do meu coração, porque de algum modo, para
mim, faltava o alimento que sustentava a minha vida.

***

Perder alguém que era mais valioso para você que sua própria vida
pode desencadear conflitos tão profundos que, por um momento, eles te
fazem esquecer-se de si próprio.
Eu nem me reconhecia mais. Apesar de estar com meu filho, era
consciente de que vivia com um pé dentro do abismo da loucura, e com o
outro bem na borda. Durante todas essas semanas, não me importei com as
consequências, aliás, ainda não me importava, pelo menos não comigo.
— Ainda nem acredito que você se foi, Pequena! — Encostei a testa
na parede do banheiro, a água fria escorria por minhas costas, eu nem sentia o
quão congelante deveria estar.
Há muito tempo, eu seguia dormente para dores físicas ou
desconfortos, só tinha necessidade de violência, desespero e sofrimento.
Quão bom pode ser um homem desejoso por solidão e dor?
— Não resta muito mais do seu homem, amore mio. — Dei de
ombros.
Não resta mesmo. O que havia sobrado não dava para contar em uma
das mãos, sobraria muito espaço. E mesmo assim, sob qualquer pretexto,
talvez, Victoria fosse a única a aceitar o homem que me tornei.
Havia pouquíssimo amor dentro de mim, tudo se concentrava na
pequena criança que dormia no quarto. Eu não me importava de parecer
fraco, já tinha passado disso fazia tanto tempo que já nem lembrava mais.
— Amore mio, quando encontrarei paz?
Segundo após segundo tentei criar alguma barreira protetora, mas tão
logo cada pequeno e frágil tijolo ia sendo colocado, tudo desabava como se
nada fosse. Eu era uma bomba-relógio, cheio de gatilhos.
Às vezes eu nem sabia por que eu estava chorando, se era por causa
do ódio de não ter podido fazer nada, ou pelo fato de ter perdido tudo. Eu era
uma grande bagunça misturada com ressentimento, mas que a cada dia
tentava.
Eu estava com meu filho, éramos só nós dois, e isso parecia bom. O
apartamento estava limpo, eu cuidava de Gianne em cada momento do dia.
Enquanto ele permanecia acordado, eu não pensava em nada, mas quando ele
dormia…
Quando ele dormia… tudo voltava.
Todo esforço que eu empenhava era por ele, porque quando fiz sua
mãe se apaixonar por mim, e aceitar-me em sua vida, eu prometi-lhe um
amor diferente e especial. Mas, acima de tudo, quando ela me deu Gianne, o
filho que eu tanto esperei e amei, eu prometi cuidar dos dois.
Eu não pude cuidar de Victoria como deveria, mas seria condenado se
não reparasse os erros que cometi com meu filho, e o cuidasse com o melhor
que havia em mim.
— Estamos juntos, só nós dois, Victoria — disse para ela. — Eu
venho tentando, não é fácil, eu tropeço muito, mas ele segue sendo a minha
força.
Será que ela poderia me ouvir? Porque eu não sabia se algum dia
perderia o hábito de conversar assim. Por vezes, até esperava uma resposta,
isso era tão idiota.
— Gianne ainda chora durante a noite, mas ele tem diminuído isso a
cada dia. Em breve, talvez, ele não precise mais ouvi-la cantando. —
Suspirei. — Acho que apenas eu precisarei. — Balancei a cabeça. — Isso me
conforta, porque se eu fechar os olhos, eu imagino que você está ao meu lado,
cantando para mim.
Desanimado, saí do banho sem ao menos me secar. Preferi parar um
momento na frente do espelho e encarar-me. Eu havia mudado, outra vez.
Não estava sujo, somente, apagado. Era como se minha cor fosse cinza.
Podia ver as bochechas mais encovadas, as linhas de cansaço ao redor
da boca. Por um instante, tentei suavizar a expressão, mas não consegui. Eu
tinha envelhecido muito, o homem do ano passado, que viveu em seu
aniversário o melhor dia de sua vida, hoje não tinha o que comemorar.
— Nosso aniversário de casamento, amore mio.
Girei a aliança no dedo, sentindo-a pesada. Hoje, diferente dos dias
anteriores, parecia pior. O telefone tocou o dia inteiro, eu não me dei ao
trabalho de atender.
O que eles me diriam? Feliz aniversário e sinto muito?
O som de algo caindo no quarto me fez correr, Gianne havia
empurrado o livro que estava na cabeceira e sorria para mim.
— Você não gosta mesmo da minha comida, então eu tenho que
estudar. — Eu o coloquei de volta na cama, procurando me vestir às pressas.
— Hoje, eu farei algo simples e vamos assistir o casamento do papa, você
ainda estava na barriga da sua mãe. — Gianne fez uns barulhos fofos com a
boca, como se me respondesse. — Sim, ela estava linda, sabia? E me
assustou pra caralho, porque eu pensei que ela não iria.
Cruzei os braços, um sentimento nostálgico me invadindo.
— Fizeram um casamento surpresa e eu quase fugi, porque não sabia.
— Gianne deu uma risada fofa. — Como eu não fui avisado do meu próprio
casamento?
Gianne quebrou o clima quando fez suas necessidades e eu precisei
limpá-lo, depois lhe dei um banho caprichado, e o vesti com um macacão de
ursinho.
Hoje, parecia que ia chover.
— Agora vamos, eu preciso preparar o seu jantar.
Seguindo a receita do livro, eu jurei que conseguiria fazer uma sopa.
Cortei tudo bem pequeno, sob o olhar atento do meu filho, que estava pleno
em sua cadeirinha, esperando a refeição.
— Talvez não tenha ficado tão ruim. — Provei o caldo, e não tinha
gosto de nada. — E se eu bater tudo isso? Será que fica melhor? O que você
acha?
Gianne bateu as mãos na cadeirinha, ele estava com fome e pouco se
importava com o processo. Ele queria sua comida e ponto final.
— Okay, adiante.
Misturei tudo no liquidificador, quando provei, o sabor tinha
melhorado significativamente.
— Vamos jantar.
Arrumei a mesa para dois, e enquanto eu comia, eu o alimentava.
Gianne estava numa fase de comer uma parte e cuspir a outra, precisava-se de
muita paciência para fazer a introdução alimentar de maneira correta.
Cuidar dele me fez perceber que havia um universo inteiro de
aprendizado e era isso que eu consumia no último mês, informação. Eu lia
tudo o que podia, assistia vídeos ou aulas online.
Tudo o que fosse necessário, eu pedia e entregavam aqui. Continuava
isolado, e me ocupava com a vida do meu filho.
— Você está satisfeito? — Mordi um pão, obrigando-me a engoli-lo
junto com a sopa. — Você quer mais? — Ele me cuspiu, e eu soube que não.
— Eu também acabei.
Juntos fomos para a sala, agora estava tudo limpo, cheiroso. Eu
mesmo fiz isso, por mim e por meu filho. Eu já havia deixado o vídeo do
casamento pronto, e quando o coloquei, Gianne começou a rir, bater em mim
e babar meu rosto.
Ele gostava de puxar a minha barba, ou meus cabelos.
— Eu não estava chorando, isso foi a minha alergia a flores —
balbuciei, porque no vídeo as lágrimas não paravam de escorrer. — Mas,
vamos admitir, sua mãe estava linda. Talvez, eu tenha derramado umas duas
lágrimas, em todo caso a culpa não é minha.
— Mamama. — Ele bateu palma, quando Victoria caminhou para o
altar, conduzida por Victor.
— Sim, e você estava na barriga dela, olhe. — Apontei. — Aquela
melancia era você.
Assistimos ao meu casamento quatro vezes, depois, quando ia
começar a passar os vídeos da ilha, Gianne ficou impaciente, querendo descer
do sofá. Eu permiti que ele fosse explorar, ainda não estava andando, mas era
fera em engatinhar. Quando chegava onde queria, ficava em pé e tentava
pegar o que não alcançava.
— Aí é perigoso. — Ele havia subido no aparador que ficava próximo
à janela. — Não pode.
Eu o peguei nos braços e me aproximei da janela fechada por causa da
chuva. Gianne bateu no vidro, divertindo-se com as gotas que escorriam.
— Sua mãe adorava a chuva — murmurei, lutando para a voz não
embargar. Estava cansado de chorar, queria ser mais forte. — Ela amava, na
verdade.
Meu filho ria, feliz, enquanto eu observava as gotas escorrerem pelo
vidro e implorava em silêncio que aquela dor no peito fosse embora, mas a
maldita nunca ia.
— Eu não posso trazer sua mãe de volta, bambino. — Como se
entendesse o que eu sentia, Gianne espalmou a mão pequenina no meu rosto,
encarando-me com os olhos de sua mãe. — Mas eu posso te encher com todo
amor que me resta.
Algum tempo atrás, eu pensei que comemoraria o meu aniversário de
trinta e quatro anos e o primeiro ano de casado ao lado da minha esposa e
meu filho. Mas, não, e enquanto observava o mundo lá fora, tinha a certeza
de que o mundo ia sempre continuar seguindo adiante.
Victoria disse naquela carta que eu deveria criar uma nova jornada.
— Você acha que eu consigo? — Olhei para Gianne e ele encostou a
cabeça em meu peito.
Ficamos abraçados por muito, muito tempo.
Eu ainda não sabia se poderia voltar a ter uma vida fora daqui, porque
voltar para o mundo significava deixar Victoria para trás, e eu achava que
jamais estaria disposto a isso.
— Eu nem saberia por onde começar.
Estava reaprendendo a viver, porque havia colado de modo precário
os cacos do meu coração, e seguia dia após dia fazendo todo possível para
que Gianne sentisse o quão amado e desejado ele sempre foi.
— Você não vai poder ficar aqui para sempre. Você precisa sair, ver o
mundo, as coisas.
Ele não fez qualquer som, foi então que eu percebi que, pela primeira
vez, meu filho havia dormido sem precisar ouvir sua mãe cantar.
— Eu poderia ficar aqui para sempre, mas você, não. — Fechei os
olhos. — Você tem tanta coisa para viver, conhecer. Sei que não se importa
com o quão ruim eu pareço, você me ama assim, mas eu preciso fazer mais
por você, eu preciso fazer.
— Adoro suas mãos, Rocco, elas são grandes, macias.
Olhei para a tela, Victoria sorria. Ao fundo, a praia de Aiakos
Makaria.
— Olhe para as minhas mãos agora, amore mio — murmurei,
avistando as cicatrizes e calos de todas as vezes que eu me machuquei.
Quando eu queria sentir mais, feria meu corpo. Por um tempo, foi
bom arrebentar tudo o que tinha pela frente. Desde que peguei Gianne, nunca
mais fiz algo parecido, temia assustá-lo.
Eu o havia tirado da proteção da família, não iria colocá-lo em risco
por causa da minha total falta de controle.
— Tudo bem, vamos para cama.
Depois que o deitei, fui para o closet. Tudo o que havia de Victoria
estava em uma parte fechada, que eu me recusava a olhar. Na limpeza que fiz
no apartamento, recolhi suas coisas e escondi, estava ocultando os gatilhos
que poderiam causar-me.
Agora, encarava o que restava das minhas coisas, tudo o que tinha
cor, joguei no lixo. Victoria amava as cores, eu as odiava. Principalmente
azul, a cor preferida dela.
Aborrecido, por estar pensando em sair, quando antes a ideia parecia
ridícula, voltei para a sala, parando em frente à TV e admirando quem ainda
tinha meu coração. Ela sorria para mim, como sempre o fazia.
— Quem pode me culpar por não aceitar sua morte? Quem pode me
culpar por sentir que a qualquer momento eu vou acordar e te encontrar ao
meu lado na cama? — perguntei a ela.
— Rocco, você é tão bonito. — Ela suspirou.
— Homens não são bonitos, amore mio — o Rocco do passado
respondeu.
Pela sua voz, dava para perceber o quão feliz era.
— Bobo, eu te amo. — Seu rosto suavizou, expressava o sentimento.
— Eu também te amo, Pequena, como o sol ama as manhãs…
—… Como as flores amam a brisa, como a brisa ama acariciar sua
pele. — Respirei fundo, declarando-me junto com o Rocco de meses atrás. —
Como meus lábios amam os teus.
Isso, Rocco, tome sua dose de sofrimento, engula a sua dor.
Engasgue-se com elas.
Rocco

Gianne estava completando onze meses, e eu estava tendo muitos


problemas com sua alimentação, na verdade, alguns dentes estavam
nascendo, e isso o deixou irritado.
— Mio bambino, não está tão ruim! — Tentei fazê-lo comer a nova
receita de sopa de legumes que eu havia aprendido.
Ainda estava longe de ser um bom cozinheiro, mas já não queimava
água. Estávamos bem, ou pelo menos era o que eu achava.
Nesses meses pós-morte, eu acabei me tornando mãe e pai do meu
pequeno. Ainda não havia saído para o mundo exterior, mas a ideia a cada dia
ficava mais forte, porque meu filho precisava.
Então, de algum modo, eu tinha que me adaptar e encarar isso. Eu
confessava que houve momentos em que não imaginei a possibilidade de isso
acontecer, agora, eu achava que talvez, se eu tentasse, seria capaz de
conseguir.
— Ei, ei, não cuspa em…
Tarde demais, com uma gargalhada, eu recebi boa parte da última
colherada que havia colocado na boca do Gianne. Ele estava todo sujo de
legumes, babado e me encarando com ar de desafio.
— Tudo bem. — Ergui as mãos em sinal de paz. — Não vou te dar se
não quiser, mas você só tem onze meses, não pode escolher o que vai comer.
— Papapa. — Ele me mostrou todos os dentinhos da frente, num
sorriso enorme, depois bateu na mesa, derrubando o copinho de água.
Por incrível que parecesse, ele riu até mais.
Gianne era um companheiro incrível, apesar do imenso trabalho que
me dava.
— Você é um bagunceiro!— reclamei, retirando o prato de perto dele,
não queria tomar um banho de sopa. — Agora me deixe ver esses dentes.
Cuidadosamente, analisei a gengiva dele para comprovar o inchaço.
Os dentes dele estavam vindo um atrás do outro. Agora, na parte superior,
dois davam sinais.
— Não me morda. — Fiz careta quando ele apertou os dentes no meu
dedo. — Isso dói. Sua mamma não ia gostar disso.
— Mamama — gritou, socando os punhos na mesa. — Mamama.
— Sim, sua mãe, a esposa do papa!
Depois de muitos dias, hoje eu conseguia falar de Victoria com nosso
filho. Com a família, eu ainda não tinha contato, havia desligado meus
telefones, o interfone eu tinha quebrado em um momento de raiva.
Havia excluído todos eles da minha vida. Não precisava de ninguém.
— Odeio que eles possam seguir adiante — falei com Gianne. —
Você concorda comigo, que a vida não será como antes?
Eu sabia que eles estavam seguindo com suas vidas, mas considerava
isso desprezível. E causava-me ódio.
— Talvez, eu esteja odiando todo mundo. — Tirei-o da cadeira. —
Você precisa de um banho, está todo sujo.
Era fácil fazer as coisas domésticas, cuidar do meu filho enquanto
divagava sobre a raiva que eu sentia com a possibilidade de que a família
estava esquecendo Victoria.
— Não, bambino, eu odeio que eles tenham um ao outro, quando eu
não tenho mais a sua mãe. Não suporto ver a felicidade deles.
Nunca fui do tipo altruísta e bom moço. Apenas tive minha fase de
amor desenfreado, e isso me deixou mole. Agora? Não me importava, que se
fodessem todos.
Gianne jogou água no meu rosto, e eu meio que despertei a tempo de
conter a avalanche de raiva. Mas o desassossego estava lá, subindo tão rápido
que eu não poderia fazer nada.
Precisei tirá-lo do banho porque segurar meu filho havia se tornado a
melhor coisa para me controlar e evitar qualquer surto que eu pudesse ter.
— Porra, Victoria. — Balancei a cabeça, andando de um lado para o
outro com o bebê enrolado em uma toalha felpuda. — Que vida de merda eu
tenho, você deixou a droga de um buraco, era melhor que não tivesse me
deixado.
Tremia um pouco, estava nervoso, queria beber, mas não podia.
Então, eu fiz a única coisa que não parecia nociva para Gianne.
— Mamma.
— Sim, vamos assistir a mamma. — Sentei com ele no sofá e apertei
o play.
Os vídeos que começaram a passar eram referentes ao período que
meu bambino havia nascido.
— Olhe, você era bem pequenino — falei, e Gianne riu, pulando em
meu colo. — Calma, fique aqui, vou buscar uma fralda antes que você mije
em mim de novo.
Quando voltei, o encontrei em pé no sofá, fazendo xixi e achando isso
muito divertido.
— Droga.
Coloquei a fralda e roupa no bebê, depois o coloquei no chão. Sentia-
me ansioso, claustrofóbico naquele apartamento enorme.
— O que diabos está acontecendo? — perguntei-me, esfregando os
cabelos.
Andei de um lado para o outro, as mãos abrindo e fechando.
Ansiedade, raiva, tudo fervendo na mesma porcaria de panela. Ao longo dos
meses após a morte de Victoria, eu descobri que poderia ir de zero a oitenta,
ainda mais rápido que antes.
Somente o bebê, ocupado em colocar o pé na boca, acalmava-me com
eficiência.
— Você deveria voltar ao trabalho.
Parei, olhando para a tela de TV.
— Eu não quero sair daqui, amo estar em casa com vocês.
— Grandalhão, você não pode cuidar de tudo sozinho, eu estou
ótima, meu resguardo está quase no fim, então por que não volta ao
trabalho?
— Você sabe! — rosnei, apontando o dedo para a tela de TV,
surpreendido pela risada do meu filho.
Ele encarava o rosto gigante de sua mãe.
— Mamama. — Bateu palma, sorrindo feliz.
Eu me lembrava desse dia, estava gravando mais um vídeo de
Victoria amamentando nosso filho, eu sabia que era uma sombra pairando
sempre próximo e com uma câmera.
Naquele tempo, eu estava apenas criando memórias para assistirmos
juntos e mostrarmos ao nosso filho. Eu não fazia ideia do quão necessários
aqueles vídeos seriam para mim.
Poderia estar pior? Ah, sim, agora eu via que poderia. Porque a
vontade de reassumir o controle da minha vida estava se tornando cada vez
maior, eu havia entendido que uma nova jornada poderia ser traduzida com a
minha jornada de ser o pai que meu filho merecia.
Não precisava de uma mulher na minha vida. Assim, aceitar que
poderia voltar ao trabalho se tornou mais fácil. Pelo menos eu ia fazer algo
que era muito bom, e enquanto eu me sentisse menos que um lixo, faria com
que temessem meu nome.
Respirei fundo, porque a ideia soava muito interessante.
Eu só precisava amadurecê-la primeiro.
Quando Gianne dormiu, eu o deixei no quarto e fui para a varanda.
Fiquei por muito tempo olhando para a vida que seguia o ritmo, muitos
metros abaixo.
— Acho, amore mio, que eu jamais irei conseguir chegar à fase de
aceitação. — Ergui a cabeça, fechando os olhos. — É impossível, para mim,
aceitar que você não vai voltar, mas nosso filho merece mais do que estou
oferecendo. Isso aqui não é vida.
A brisa acariciou os meus cabelos, e eu senti que havia tomado a
decisão certa.
— Eu vou tentar.

***

Meu relógio marcava seis horas da manhã.


Diante do espelho, eu encarava o homem de olhos frios e
tempestuosos. Sabia que no meu mundo a aparência contava muito e, se antes
eu intimidava porque tinha uma fama de impiedoso, agora, tudo em mim
gritava isso.
Ajustei o terno preto, alisando a camisa e a gravata da mesma cor. Em
meu pulso, o Rölex Submariner. O último presente da minha mulher. Não me
importei em fazer a barba, ou cortar os cabelos, nada disso importava.
Nunca me incomodei com a opinião que tinham de mim, agora,
menos ainda. Percebi, olhando para mim mesmo, que não faltava nada, mas,
na minha antiga vida, Victoria entraria aqui, pedindo para ajustar a gravata
que eu deixava torta propositalmente, um pretexto para segurá-la por alguns
instantes.
Pensar nela, na vida que tínhamos, fez-me encolher um pouco, mas eu
não me permiti desistir.
— Eu controlo a minha vontade.
Havia decidido e iria até o fim.
Apesar de tudo o que sentia, uma parte queria avançar, enquanto outra
estava programada, ou melhor, havia sido educada para viver presa aqui,
nesse lugar.
E eu sabia que isso era no intuito de me proteger, mesmo que fizesse
sofrer.
Saí do closet pronto para começar meu dia. Hoje seria o início do
inferno pessoal de muitas pessoas. Tomaria a minha vida de volta, pelo
menos a profissional.
Minhas obrigações voltariam a estar em minhas mãos, sob controle e
influência. Não foi por nada que batalhei minha vida inteira, foi para ter
segurança de que ali, no meu ambiente, o peso dos acontecimentos da minha
vida não teria tanto poder.
Eu poderia trabalhar, continuar fechando contratos e ficando rico. Isso
parecia bom.
— Eu vou pegar tudo de volta!
Fora daqui, eu controlaria tudo, quando voltasse, o que aconteceria
ninguém precisava saber.
O plano era bem simples, e fácil de ser executado. Ao voltar para o
quarto, deparei-me com as fotos gigantes. Recostado na porta, cruzei os
braços, admirando-as.
— Você sabe não é, amore mio? Que quando amamos de verdade
permitimos que o coração se arrisque, nem notamos quando ficamos à beira
do abismo, complemente sozinhos. — Balancei a cabeça suavemente. —
Veja nosso filho — Apontei para o bebê aninhado entre os lençóis —,
quando você me deixou, me esqueci da minha vida, dos meus planos.
Infelizmente todo o meu amor por você não pôde evitar o mal que aconteceu,
as consequências disso destruíram o homem que você uma vez amou.
Sentia como se fosse um desabafo, mas também uma despedida. Eu
poderia sofrer sim por ela, todos os dias, mas seguiria com pelo menos uma
parte.
Cinco meses após a sua morte, eu estava tentando controlar um
pedacinho da minha vida, para dar ao nosso filho um futuro feliz. Por um
momento, o meu coração encolheu, os olhos ardendo levemente.
— Falar de você é sempre tão difícil para mim, mas me recuso a te
excluir dos meus pensamentos, estamos saindo para o mundo de novo, eu e
nosso filho. Porém, você irá comigo, sempre aqui. — Coloquei uma das mãos
em meu peito. — E em meus pensamentos, porque tão certo como o Sol irá
nascer amanhã, eu me lembro de todos os momentos que eu te amei, eu me
lembro de cada suspiro e gemido em meu ouvido. — Fechei meus olhos. —
Eu sinto o toque macio dos seus lábios nos meus. E eu queria que isso nunca
mudasse, porque se isso for a única coisa que eu terei de você, eu aceito.
Ainda sentia o coração dolorido quando comecei a arrumar meu filho.
— Viverei com as boas memórias, enquanto construo uma base sólida
para que nosso filho cresça, amore mio. — Olhei para a foto uma última vez,
aquela em que ela sorria enquanto eu a olhava pasmo de encantamento. — Eu
prometi a você, eu juro que vou cumprir.
Minha mão tremeu quando a ergui para abrir a porta, mas eu estava
forte em meu propósito de seguir adiante. Antes de sair de casa, disse a ela:
— Não se preocupe, à noite estaremos de volta.
No elevador, senti o corpo tenso, duro de expectativa. De certa forma,
aquele era meu recomeço no mundo, com um novo estilo de vida.
O pai solteiro, ou melhor, de pai viúvo.
A aliança pesava em meu dedo. Mas ela jamais sairia dali.
— Senhor Masari? — Foi fácil notar o choque na expressão de
Murdoch.
— Você tem… — Olhei meu relógio, eram quase sete horas. —
Exatamente vinte minutos para chegar à minha empresa.
Antes de concordar, eu achei ter visto um sorrisinho nos lábios do
meu motorista e chefe de segurança.
A primeira coisa que notei, quando saímos da garagem do
apartamento, foi o clima. O dia estava escuro, frio, pesado. Sentia-me quase
feliz, ao entender que a cidade inteira combinava comigo.
— Seja bem-vindo de volta, senhor. — Murdoch me olhou pelo
retrovisor. — Estamos…
— Dirija! — cortei sua fala rudemente. Recebi um aceno duro.
O silêncio foi um bálsamo, eu estava desacostumado a estar com
outras pessoas. Gianne começou a se mexer, choramingando. Percebi que ele
estava despertando. Devagar, ele foi abrindo os olhos.
Victoria… Suspirei, porque o meu filho era lindo.
Com cuidado, mexi em sua bolsa, tirando sua mamadeira, oferecendo-
a gentilmente. Ele aceitou, ainda sonolento, tomando todo o conteúdo
rapidinho.
— Papapa. — Estendeu as mãos, e eu me inclinei, apenas para tê-lo
puxando a minha barba com a força que possuía.
— Isso dói, você sabia? — questionei, olhando em seus olhos. — Não
puxe tão forte.
A risada do meu bambino ecoou dentro do carro. Eu esfregava minha
barba em seu rosto enquanto ele ria como se aquilo fosse a melhor coisa do
mundo. Eu queria me divertir também, mas eu não sentia a fagulha acender,
contudo, eu aprendi o que alegrava meu filho.
Por ele, eu tentaria o que fosse preciso.
— Chegamos — Murdoch avisou, saindo do carro e abrindo a porta
para mim.
— Vamos, mio bambino. — Saí do carro, ajustando Gianne em meus
braços. — Traga a bolsa dele, Murdoch. — Dei a ordem, olhando ao redor.
Seis seguranças uniformizados estavam por perto.
— Nunca vacilamos, senhor — Murdoch falou rápido. — Sempre
estivemos esperando o seu retorno.
Dei um aceno curto e olhei para meu filho. Ele já sorria, os olhos
brilhando, os dentinhos à mostra. Neguei. A simpatia foi herdada da mãe,
porque de mim não foi. Impaciente, comecei a caminhar a passos largos.
Assim que entrei na matriz da Corporação Masari, as pessoas começaram a
arregalar os olhos. A começar pela recepção.
Não parei para cumprimentar ninguém, mas vi quando foram
necessárias três tentativas para a secretária da recepção acertar o telefone no
lugar. Eu andava com a calma de quem sabia que havia nascido para
comandar, meus passos silenciosos escondiam o predador violento e
perverso. As pessoas desejavam bom-dia, eu não me dava ao trabalho sequer
de acenar.
Estava pouco me importando com eles, já meu filho era todo sorrisos.
Não me surpreendi de encontrar todo mundo parado me encarando.
Assim que entrei no elevador e me virei, todos pareciam estátuas congeladas,
alguns pálidos, outros corados, porém a grande maioria parecia com medo.
Se possível, minha expressão tornou-se ainda mais carregada, sorte de todos
que as portas fecharam.
A sensação quando cheguei à presidência foi quase a mesma que eu
senti quando assumi este cargo após a morte do mio padre, tive que
reaprender muitas coisas, uma delas foi que o medo pode ser a maior
fraqueza de um homem, eu tive medo de assumir essa responsabilidade.
Agora estava em um momento de lutar todos os dias para suportar
malditas vinte e quatro horas, reaprendendo a viver sem Victoria, tendo que
lidar com a dor e a falta que ela fazia. Duas maneiras distintas de lidar com
responsabilidades, em momentos de grande perda. Primeiro meu pai, o
exemplo a ser seguido. Depois a minha esposa, a mulher que mais amei e que
ainda amo.
Olhei ao redor, tudo estava intacto. Torci a boca com desgosto quando
vi minha secretária ao telefone. Estreitei meus olhos, esperando-a notar que
eu estava aqui.
— Ah, não sei, querida, sumiu. — Ela enrolava o fio do telefone no
dedo, distraída. — Espero ansiosamente que volte… — Riu, parecendo
gostar do que ouvia.
Gianne fez um barulho irritado, a conversa cessou e, aos poucos, ela
começou a virar em sua cadeira. Quando me viu parado em sua frente, o
sangue fugiu de seu rosto.
— Senhor Masari? — Ela engoliu em seco, já pronta para iniciar o
discurso.
Ergui um dedo, interrompendo-a.
— Faça outra merda dessas e estará na rua em um piscar de olhos,
quero minha agenda pronta para ser repassada em quinze minutos, se atrase
um e pode ir para o RH buscar sua demissão.
Não esperei para ver sua reação, entrei em minha sala batendo a porta
com força.
Mas, de todas as pessoas do mundo, não esperava encontrar justo
aquela sentada na minha cadeira.
— Rocco!
Travei na hora. O sangue subindo para a cabeça no exato momento
em que ouvi a voz do meu ex-melhor amigo traidor.
— Dimitri!
Encarei o bastardo. Estava revoltado por ter que vê-lo, justo no novo
primeiro dia da minha vida.
— Mio Bambino! — Ouvi um murmúrio saudoso, e vi minha nonna
saindo do apartamento acoplado à minha sala. Fui abraçado e não retribuí. Na
verdade, eu contive o impulso de afastá-la. — Não me importo se quer ou
não meu abraço, agora que voltou, não estarei saindo de sua vida. Outra
coisa, se resolva com seu amigo. — Apontou para Dimitri. — Agora me
entregue este bebê lindo que eu estava morrendo de saudade.
Os segundos se arrastaram enquanto eu não desgrudava os olhos de
Dimitri sentado em minha cadeira. Atrás da minha mesa, cuidando da minha
fodida empresa.
— Solte o Gianne, meu filho! — nonna reclamou, me fazendo
perceber que eu segurava meu filho com um aperto de morte.
— Ele é meu — falei, grosseiramente.
— Sim, ele ainda continuará sendo. Hoje, amanhã e depois. Agora
solte, eu estou me autoproclamando babá dele.
Não foi fácil soltar meu pequeno. Senti como fosse chutado no
estômago quando ele sumiu das minhas vistas. Dei um passo em direção ao
apartamento, para onde ele fora levado, mas estrelas piscaram diante dos
meus olhos e o gosto de sangue me fez despertar.
Devagar, ergui a cabeça para encarar o rosto cínico de Dimitri, ele
sacudia o punho.
— Eu te devia um murro por você ter sido tão idiota e dito que nossa
amizade acabou! — acusou-me, não escondendo o quão magoado estava. —
Eu sou o caralho do seu irmão. Por mais que às vezes a vontade que
tenhamos seja de mandar esse específico parente para o quinto dos infernos,
não é o que conseguimos de fato fazer. Então pode tentar me afastar, me
insulte o quanto quiser e sua consciência mandar, mas vou logo avisando para
melhorar a tática, você vai me empurrar, vai me tratar como se eu fosse seu
inimigo, pode até me odiar, mas eu sempre vou continuar voltando, porque eu
te amo.
O tempo passou, não ousei dizer nada. A gente se encarava.
Eu não sabia o que mostrava a Dimitri, mas algo em minha expressão
deve ter dito muito, pois ele simplesmente abriu os braços, me oferecendo
conforto, e eu me refugiei, abraçando-o apertado.
— Não consigo respirar direito — revelei baixinho. — É tanta dor,
tanta raiva, ódio. Vontade de destruir o mundo inteiro, derrubar cada maldito
tijolo! — Senti-me tremendo, e ele me apertou ainda mais. — Não estou
funcionando direito, não estou.
— Eu sei que não, meu amigo! — anuiu, suave. — Também nunca
poderia dizer que sei o que sente. Só quero que você compreenda que eu te
amo e amava Victoria também. De algum modo, meu irmão, sua dor também
é minha.
Este era o primeiro abraço que eu permitia alguém me dar. Era a
primeira vez que eu desabafava com alguém, a ironia de tudo era que fosse
justamente com Dimitri. A pessoa que considerei um traidor.
— Agora me solta, isso é totalmente insultante, não gosto de abraçar
macho. — Soltou-me, esmurrando meu ombro, não ri como ele queria, porém
não quis matá-lo como talvez ontem eu quisesse. — A propósito, eu te dei
um soco bem potente e você nem pareceu notar.
— Você precisa aprender a bater melhor. — Dei de ombros, porque
agora, apesar da perda de peso, já não estava tão fraco quanto antes.
Ou quem sabe eu vivia tão embolado com a dor que já nem sabia
diferenciar o que era emocional ou físico.
— Talvez se fossem dois de você me socando simultaneamente eu
sentiria algo, ainda assim, acho pouco provável.
Dimitri me olhou sério. Vi preocupação e receio em seu semblante.
— Rocco, você precisa supe…
— Não abra sua fodida boca para dizer que eu tenho que superar! —
falei rude, empurrando-o. — Se quiser continuar fazendo parte da merda da
minha vida, cuide da sua língua. Agora saia.
— Duvido que consiga me colocar para fora, afinal… — Olhou-me
desdenhosamente. — Você está magro, apesar de ser grande, ainda não é
dois.
— Não me empurre além do limite, senhor Romanov, o Rocco que
você conheceu não existe mais.
Sentei em minha cadeira, esperando-o sair. O bastardo não se moveu
do lugar.
— Primeiro, eu não vou sair porque eu sou seu advogado e agora que
voltou você deve saber que a última edição da Forbes saiu faz dois dias.
Parabéns, você subiu um posto. É mais pobre que Bill Gates, de resto tá
rasgando dinheiro.
— Não faz diferença, minha fortuna não compra o que eu mais quero.
— Mexi nos papéis. — Entendo William perfeitamente agora. — Respirei
fundo, parando o que estava fazendo. — Trocaria cada centavo por mais um
dia com Victoria, eu trocaria tudo o que tenho para poder segurá-la mais uma
vez em meus braços. Queria só mais uma vez poder sentir o calor de sua pele
contra a minha.
— Irmão… — Dimitri suspirou e me deixou ver que ele estava
abalado também. — Sinto que o elo responsável por manter tudo unido
rompeu.
— Não tenha dúvidas.
Dimitri parecia querer dizer algo, e não sabia como. Isso só mostrava
como as coisas tinham mudado, antes, ele não teria problema algum.
— Apenas fale de uma maldita vez. — Cruzei os braços, estranhando
a companhia, quando nos últimos meses eu estive sozinho, e depois apenas
com meu filho.
— Rocco, eu gostaria de pedir, em nome de Victoria, que não
deixemos a memória de tudo o que ela nos ensinou se perder.
— Você não entende, nem William entende. — Caminhei até a parede
em que havia fotos nossas. — Ninguém faz ideia, Dimitri, apenas eu.
— Irmão…
— Você sabe quanto tempo eu levei para conseguir me aproximar do
meu filho? — Não o olhei. — Você consegue imaginar o quão difícil para
mim é estar aqui?
— Victoria nos ofertou o melhor que ela tinha, e ela nos deu isso
livremente. — Concordei, ele tinha razão. — William está enterrado em
Westlhern, largou as empresas como você o fez. Eu venho tentando segurar a
onda, mas eu estou cansado. Eu não quero decepcionar vocês dois, mas eu
não estou aguentando mais, por favor, estenda o braço e ajude-me.
— Você não vai precisar cuidar das minhas coisas, eu estou aqui.
— Não é isso, Rocco.
— O que é, então?
— Eu não quero perder você de novo, nem William. — A voz dele
embargou. — Perder Victoria já foi doloroso demais, não… não, nos faça
perdê-lo também.
O silêncio nos dominou por um instante, tempo suficiente para que eu
prestasse atenção nas linhas de cansaço marcando os traços do meu amigo.
Ele precisava de mim.
Fui até Dimitri e estendi o braço que ele havia pedido. Tinha muito
significado no gesto, porque dizia que eu não ia embora. Pelo menos não
agora.
— Não voltei para semear a paz, meu irmão! — Encarei seus olhos.
— Isso aqui. — Apontei para mim mesmo. — Não é o homem que você
conheceu.
— Não importa, juntos podemos ir a qualquer lugar.
— Talvez. — Suspirei, dando um passo atrás. — Agora, mostre o que
você fez nos últimos meses.
— Com prazer, majestade.
Sorrindo, Dimitri fez uma reverência. Eu fui sentar na minha cadeira,
enquanto ele ia colocando alguns papéis na mesa.
— Tivemos um conselho deliberativo, eu estava por dentro dos
últimos contratos, nós conseguimos fechar alguns, mas outros requerem sua
atenção. Até agora, não houve intercorrência.
Um toque suave na minha porta chamou minha atenção. Olhei para o
relógio e vi que a minha secretária estava com um minuto sobrando, daquele
tempo que eu havia lhe dado.
— Senhor Masari, sua agenda. — Ela entrou, agora, estava totalmente
no papel.
— Sente-se. — Indiquei a cadeira. — Comece.
Fiquei ouvindo e tomando nota do que era de fato importante, o resto
me parecia descartável. Quando ela terminou, eu sabia por onde começar.
— Avise que quero todos os diretores na sala de reuniões em meia
hora. Não importa se ainda não estão na empresa. Eu quero todos sentados e
me esperando em meia hora. Nem um minuto a mais.
Samantha estava pálida, isso não me incomodou ou causou remorso.
— O que está esperando? — Arqueei a sobrancelha. — Saia.
Quando ficamos sozinhos, Dimitri falou:
— Govno[14], você não está brincando.
— Nunca estive.
A meia hora seguinte passei analisando os papéis que Dimitri me
entregou, aparentemente estava tudo em ordem. Dimitri me conhecia muito
bem, estava comigo desde o início de tudo isso, ele conseguiu manter as
coisas nos trilhos, quase como se fosse eu.
O telefone do escritório tocou, pelo horário, era sobre a reunião.
— Senhor Masari, os diretores estão prontos.
Comecei a juntar todos os papéis em minha pasta. Ao sair da sala,
Samantha estava de pé, aguardando com a agenda na mão. Juntos, ela,
Dimitri e eu seguimos para a sala de reuniões. Ainda no corredor, pude
escutar o burburinho, mas assim que a porta se abriu, e eu entrei, todos
ficaram em silêncio.
Acomodei-me em minha cadeira e Dimitri à minha direita.
Encarei todos os rostos ansiosos diante de mim e gostei de ser o
causador do desconforto e aflição que notava em suas expressões.
Os minutos estenderam-se, eu continuei em silêncio, esperando.
— Senhor Masari, em nome de todos nós, eu gostaria de prestar meus
mais sinceros pêsam…
Ergui o dedo, silenciando-o.
— Não estou minimamente interessado nisso. — Abanei a mão. —
Hoje, ninguém fala nessa reunião, apenas eu. Portanto, acompanhem o ritmo
e anotem. — Não deixei que recomeçassem qualquer diálogo. — Primeiro,
dentro de vinte e quatro horas, quero os relatórios dos últimos cinco meses de
cada bloco e departamento dos quais vocês são responsáveis.
Murmúrios de choque explodiram ao redor, alguns ficaram tão
pálidos que eu pensei que fosse necessário apoio da área médica da empresa.
— Adianto que nenhum minuto a mais será permitido. — Olhei meu
relógio. — Vocês têm até as oito e dez de amanhã. Quero tudo normalizado,
sem garranchos ou esboços.
Confortável, era assim que eu me sentia, porque essa pequena parte da
minha vida eu podia controlar como eu quisesse.
Na verdade, estava até gostando de ver o desespero estampado em
cada rosto, e eu ainda nem tinha terminado.
— É impossível, senhor. Com esse prazo, é impossível realizar um
trabalho bem-feito! — Meu diretor financeiro foi o primeiro a falar, talvez
dali ele fosse o mais corajoso. — Não tem como fazer, a não ser que
fiquemos aqui durante a madrugada. Ainda nem posso garantir se
conseguiríamos.
Todos concordaram. Pareciam frenéticos, olhando-me com um pedido
de súplica silencioso.
— Há muito tempo atrás, eu falei sobre organização, e que era
necessário fazer um relatório de cada mês, para ver o andamento das coisas.
Quem fez isso, basta juntar tudo e me entregar, quem não fez…
Deixei em aberto. Eles sabiam o que isso significava.
— Não me importo com o que vai ser preciso fazer, eu quero os
relatórios entregues pessoalmente.
— Mas isso é um absurdo, não há possibilidade de…
— De qualquer um de vocês que não entregar na hora certa —
continuei como se ninguém houvesse falado —, demitirei o departamento
inteiro. Sem desculpas, sem reclamação, sem segundas chances. Oito e dez
ou rua, muito simples. — Olhei para cada um. — O RH funcionará nessas
vinte e quatro horas, caso queiram adiantar o processo. Outra coisa, Mark,
soube que você se tornou responsável pela parte filantrópica da empresa,
você cuida das doações, certo? — Ele acenou.
— Sim, senhor, eu atualizei a lista e incluí algumas ONG’s de apoio
a…
— Cancele tudo, a partir de agora não haverá doações. — Levantei,
deixando-os mudos e horrorizados. — Reunião encerrada.
Nem um pouco abalado, caminhei tranquilamente em direção à porta.
— Por que está fazendo isso, senhor? — Mark perguntou baixinho.
— Por nenhum motivo especial.
O dia pareceu-me uma merda, a melhor parte foi quando eu pude ir
embora com meu filho. Estava ansioso para chegar em casa, mas, quando fiz
isso, o silêncio me saldou.
Victoria não estava ali para me receber.
E eu entendi que o mais difícil seria voltar para casa todos os dias e
não encontrá-la, soube então que precisaria aprender a perdê-la outra vez.
Rocco

Voltar ao trabalho foi uma atitude certeira, porque afetou diretamente


o meu filho. Gianne mal esperou o banho antes de dormir, ele sequer acordou
para tomar a mamadeira da madrugada, eu o fiz tomá-la dormindo.
Quanto a mim, já conseguia pensar com mais clareza e mantinha a
concentração por muito tempo antes de começar a divagar. Aqueles relatórios
que eu pedi foram todos entregues, todos muito bem-executados. Desde que
comecei a analisá-los, percebi que tudo estava em seus devidos lugares.
— Acho que eu queria um pouquinho de problema — murmurei,
porque foi fácil criar uma rotina.
Trabalhar naquilo ali era simples para mim, porque durante mais de
dez anos da minha vida fiz isso sem descanso, era mesmo um viciado em
trabalho, agora, voltar era quase natural.
Durante a manhã, eu trabalhava sem parar, mas, à tarde, eu comecei a
fazer pausas para ficar com Gianne e brincar com ele. Como as outras
crianças, ele também ficava na creche, mas, diferente delas, ele tinha o pai
lhe tirando de lá algumas vezes.
Às vezes eu passeava com ele pela empresa, conversando, lhe
mostrando as coisas, um dia tudo aquilo seria dele. Diferente de mim, ele era
simpático demais, vivia sorrindo para quem olhasse em sua direção. Gianne
era adorado, tinha a todos em suas pequenas mãos, era quase como se ele
amenizasse o desconforto que eu causava nas pessoas.
— Não sei, bambino, o que faremos no seu aniversário de um ano. —
Suspirei, olhando para o mundo lá fora. — Não posso deixar que você fique
sozinho como eu fiquei no meu, você tem uma família enorme que te ama.
Mas o quão difícil seria comemorar seu aniversário sem Victoria?
questionei, lembrando do quão cativante era a minha criança, que mesmo
comigo seguindo um ritmo desagradável, as pessoas sorriam quando a
olhavam em meus braços.
— Droga. — Esfreguei o rosto e a barba espessa. Precisava decidir, e
tinha que ser logo.
Na próxima semana, ele faria um ano, enquanto que, no final do mês,
completaria seis meses que Victoria nos deixou. Eu ainda não tinha parado
para analisar os sentimentos que isso me causava.
Uma batida suave na porta me trouxe de volta à realidade, para todos
ali eu era o implacável e tirano chefe que os deixava ansiosos o dia inteiro.
Não podia deixar que qualquer pessoa me visse vulnerável.
Era justamente para ficar forte contra isso que eu estava aqui todos os
dias.
— Pode entrar.
— O compromisso das duas horas. O senhor pediu para avisar.
Samantha a cada dia se mostrava mais profissional, ela
constantemente adiantava o serviço, às vezes, parecia adivinhar o que eu
precisava.
Era bom trabalhar com alguém tão inteligente e que não enchia a
porra do meu saco.
— Eu desmarquei o restante dos compromissos, e não se preocupe, a
senhora Andrade irá pegar Gianne na creche, às quinze.
Olhei para ela por um momento, satisfeito por não ter visto qualquer
atitude errônea, depois daquele deslize quando voltei.
— O sheik Ab-Dallahan Aziz solicitou uma videoconferência para
discutir um novo projeto amanhã.
Ela se aproximou, mostrando-me a agenda. Quando inclinei para
olhar, a concentração me deixou, porque o aroma de Victoria flutuou até o
meu nariz.
Estiquei-me um pouco mais, buscando, ávido, por aquele perfume que
ansiei por meses.
— Por causa do fuso horário, deixei marcado para as onze da manhã.
Ela se afastou, e eu fiquei alguns instantes atordoado.
— Mais alguma coisa senhor? — Pisquei os olhos, vendo Samantha
na minha frente, esperando instruções.
— Não, não. — Respirei fundo. — Está tudo certo, até amanhã.
Saí do escritório deixando minha secretária confusa. Hoje o dia estava
estranho, pois desde que acordei, algo rondava a minha cabeça, como uma
memória importante que eu não conseguia lembrar. Cada vez que tentava
puxar o fio, e não conseguia, ia ficando mais e mais nervoso.
Agora, enquanto caminhava em direção aos meus compromissos,
sentia-me sem rumo. Não gostava da sensação de aperto no peito, ou do frio
na boca do estômago. Pensei que isso ficaria reservado para quando eu
chegasse em casa com meu filho.
— Porra, o que diabos aconteceu? Eu inclinei mesmo para cheirar
Samantha? — Balancei a cabeça. — Eu estou ficando louco, porra!
Meu corpo esbarrou em alguém e isso me fez parar um momento,
olhando ao redor. Eu estava perto do centro do cultural. Apressei-me,
avistando mais adiante, muitos jovens se divertindo com patins, skates ou
rodas de dança.
Respirei fundo, dirigindo-me para o estúdio do melhor tatuador da
cidade. Quando cheguei, fui recebido pelo aroma de incenso, o lugar era bem
organizado, limpo.
— Boa tarde, em que posso ajudar? — Uma mulher alta e com várias
tatuagens nos braços sorriu.
— Tenho horário marcado com Slade — respondi.
Ela folheou uma agenda, e depois me olhou de novo.
— Rocco Masari, horário das duas.
— Isso.
— Aguarde um instante, vou chamar Slade.
Quando ela me deixou, observei os quadros nas paredes, e um se
destacou dos demais.
— Dio santo. — Soltei o fôlego, atraído para mais perto.
Um quadro havia chamado minha atenção assim que meus olhos
pousaram nele. Eu conhecia aquela silhueta, aquela tatuagem, o que tinha
escrito.
Eu a vi no corpo quente da minha mulher, eu a reconheci quando ela
morreu.
— Amore mio.
— Rocco Masari? Está me ouvindo?
— Si-sim. — Sacudi a cabeça, havia um homem ao meu lado.
— Vejo que reconheceu. — Ele sorriu quando concordei. — Você e
Victoria eram um casal famoso.
Tentei não encolher com suas palavras, ele tinha algo que eu queria,
portanto, era impossível, socar a sua boca por falar algo difícil para eu ouvir.
A conotação de passado que me relacionava à Victoria era ainda um
calcanhar de Aquiles.
— Eu pago qualquer preço por esse quadro. — Adiantei, tentando não
parecer tão desesperado. — Não importa o valor, venda-o para mim.
— Você está aqui por ele? — questionou, cruzando os braços,
parecendo chateado. — Por que fechou a tarde?
— Não, eu vim fazer uma tatuagem, você é o melhor da cidade.
— É o que dizem.
— Consegui um horário apenas para hoje, mas eu o vi…
Antes que eu pudesse controlar, a lembrança de Victoria voltou, e eu
me vi em casa, perto da árvore de Natal enquanto ela me provocava sob o
olhar chocado de Mariana.
— Minha esposa disse-me que tinha um quadro aqui, mas… eu não
pude vir antes.
Eu havia esquecido, ao tentar guardar em um baú as memórias das
nossas lembranças. Salvo aqueles vídeos, era somente deles que eu me
alimentava, todo resto eu lutava para não reviver.
Doía demais.
— Então, vamos fazer a tatuagem, enquanto isso, eu penso sobre o
quadro.
Ele me indicou uma sala, e eu entrei. Ali também estava tudo bastante
organizado e limpo.
— O que você vai fazer? Devo supor que seja significativo. —
Apontou a cadeira. — Por favor, sente-se.
— Sim, é importante para mim.
— Onde vai fazer? Já tem o desenho pronto? Eu devo preparar o
decalque.
Eu não fazia ideia do que era isso, mas eu retirei o terno e desabotoei
a manga da camisa.
— Quero algumas datas, aqui, na parte interna do antebraço.
— Números?
— Algarismo romano — respondi, entregando-lhe a folha que eu
havia preparado. — Nessa ordem que está aí. Quero as letras bem marcadas,
com sombreamento e espaço entre as datas. Quero que cubra toda essa
região. — Mostrei-lhe o tamanho que eu queria.
— Entendi. — Ele olhou o papel. — Devo colocar também essa linha,
ou foi somente um rabisco seu?
— Sim, essa faixa ficará ao final das datas, do jeito que está aí.
Esperei sentir o mínimo de dor, mas, não. Nas horas em que o
tatuador trabalhou, eu deixei a mente flutuar. Não me privei de pensar em
Victoria, no que vivemos. Eu estava fora de casa, da proteção que criei lá.
Hoje em dia, Gianne não precisa mais ouvi-la cantando para dormir,
eu sim. Eu preciso porque é somente nesse momento que eu fecho os olhos e
digo a mim mesmo que ela está perto.
— Pronto. — Slade terminou, e eu finalmente pude ver o trabalho
concluído.
Gostei do que vi, de como as letras ficaram. Cada uma daquelas datas
tinha um significado muito importante para mim, elas resumiam a minha vida
depois de Victoria, inclusive, o traço no final.
Que simbolizava o nada que eu me tornei sem ela.

XIV.XII.MCMXCI
V.IX.MMXIV
XIII.VII.MMXV
VI.IX.MMXV
XXIV.III.MMXVI

— Deixe-me limpar a área e envelopar.


Esperei, já impaciente para saber como ia resolver o assunto do
quadro. A certeza que eu tinha era de que iria consegui-lo por qualquer meio,
isso só dependia de Slade e sua boa vontade.
— Aqui tem instruções para cuidado. — Entregou-me um papel. —
Vamos para a recepção.
Quando chegamos, meus olhos foram direto para o quadro. Minhas
mãos já coçavam para retirá-lo dali.
— Ela me surpreendeu — Slade começou. — Não acreditei, nem por
um segundo, que conseguisse fazer. Até apostei, mas acabei perdendo. Ela
não reclamou, acredita?
— Eu sei, ela me disse — respondi.
— Foi engraçado perceber que enquanto a garota da tatuagem original
não reclamou, outras pessoas fizeram escândalo.
— Muitas pessoas fizeram essa tatuagem?
— Sim, a maioria homens, algumas mulheres também, inclusive ela.
— Apontou para sua ajudante, que prontamente mostrou sua lateral, a
inscrição estava em inglês. — Eu replico perfeitamente o padrão das letras, a
inscrição de Victoria estava em português, como também a de…
— Quanto pelo quadro? — Cortei impaciente, não estava ali para
ficar conversando. Queria pegar o quadro e ir.
Só isso.
— Um instante.
Observei, lutando para me controlar, enquanto Slade retirava o quadro
da parede. Não queria que ele o fizesse, porque era a minha Victoria que
estava ali, era ela quem ele tocava.
— É seu, pode levar.
Quando me entregou, eu quase nem respirava, porque seria um novo
tesouro para guardar. Se eu houvesse lembrado dele antes, teria vindo aqui
em um piscar de olhos.
— Quanto eu te devo? — Olhei-o, e ele mostrou o valor da tatuagem,
sem incluir o quadro.
Acertei o pagamento e saí dali apressado. Não pude ir muito longe, eu
procurei um banco mais afastado, perto da área de piqueniques, e sentei. Já
estava quase escurecendo.
— Amore mio, que saudade de você. — Escondido de olhos curiosos,
abracei o quadro. — Eu daria qualquer coisa para te ter comigo.
Fechei os olhos, deixando-me levar pelos sentimentos. Queria poder
estar segurando-a em meus braços, Dio santo, eu faria qualquer coisa para
sentir o calor dela outra vez.
Eu queria ficar sozinho, mas um casal sentou-se no banco próximo de
onde eu estava.
— Eu fiz brownie, você quer? — uma voz feminina perguntou.
Apressei-me em limpar os olhos, antes que percebessem meu estado
ou, pior, que me reconhecessem, levantei para sair, mas ainda pude ouvir o
homem respondendo:
— Eu passei mal da última vez que comi isso.
Por um momento, eu não pude me mexer, porque de algum modo
ouvir aquele diálogo ativou uma memória. Eu estava no pôr do sol, digo, no
local onde eu o assistia com Victoria. Em nossa casa.
Rafael estava lá.
— Mas o que diabos ele disse? — Olhei para o quadro, como se ele
pudesse me responder.
Era algo importante, ou pelo menos deveria ser. Infelizmente eu não
conseguia lembrar, e eu achava que nem estava tão bêbado no dia, eu havia
dormido, não é?
— Porra. — Peguei o celular, procurando o número do bastardo.
A essas horas ele estaria no trabalho, não me importava, só ia
sossegar quando ele me atendesse. A primeira chamada caiu na caixa postal,
a segunda e a terceira também.
— Bastardo!
Quando estava pronto para sair, o meu telefone tocou.
— Soube que voltou ao trabalho, congratulações, Rocco. — Sua voz
soou dura. — A que devo a honra da sua ligação?
— Nós conversamos, eu quero saber o que você me disse.
— Ah, isso. — Poderia vê-lo balançando a cabeça negativamente. —
Você estava bêbado e eu ainda insisti, foi tolice e perda de tempo. Você
continua inútil para os meus propósitos.
— Adiante, Rafael, eu não tenho o tempo todo, o que nós
conversamos?
Deixei sua alfinetada para lá, pouco me importava com o que ele
pensava sobre mim.
— Eu perguntei se a elite de Victoria comia na sua casa.
— Por que diabos você me perguntaria isso? — Passei os dedos pelos
cabelos, puxando-os. A sensação de que estava deixando algo passar ferroou
ainda pior.
— Eu não acredito que terei que repetir…
— Foda-se, eu não estava em condições de fazer porra nenhuma —
rosnei, o sangue esquentando de raiva.
— E agora, você está?
Psicologicamente, talvez eu nunca ficasse 100% de novo. Ainda vivia
em ciclos intermitentes de surtos. Apesar de agora eu estar mais controlado,
não negava que tinha explodido umas duas vezes no começo a semana.
Mas ele não precisava saber disso.
— Eu estou.
— Okay. — Ele fez silêncio, como se pensasse.
Merda, sua breve pausa me deixou tão estressado que minhas pernas
começaram a tremer incontrolavelmente.
— No dia em que Victoria foi levada, a equipe de elite dela estava
doente. A equipe inteira. Os sintomas levaram-me a considerar intoxicação
alimentar.
— Foda-se!
— Exato, mas eu perguntei se você sabia onde eles faziam as
refeições, você disse que não. Assunto encerrado.
— Victoria programava as saídas, eles vinham apenas quando eram
chamados. A equipe fixa que permanecia.
— Quem mais sabia que Victoria planejava sair?
— Jason… — respondi, ele precisava saber sendo surpresa ou não. —
Porra, o que diabos eu estou deixando passar? — Respirei fundo, sentindo o
desespero crescendo. — O que mais você descobriu?
— Eu não sei se devo compartilhar com você.
— Vá se foder, caralho! — vociferei. — Estamos falando do
assassinato da minha mulher, é óbvio que eu devo saber de tudo.
— Não, eu o busquei para vingar o meu irmão. — Sua voz, apesar de
eu notar a raiva latente, não se alterou. — Fazer o mesmo por Victoria será
uma consequência disso.
— O que mais você sabe?
Eu não queria gritar ou parecer um louco, mas eu havia perdido a
habilidade de me controlar, se ao menos tivesse meu filho aqui comigo.
— A perícia feita no local encontrou projéteis de vários tipos de
armas. As cápsulas encontradas são de munição não rastreável.
A notícia me deixou com um gosto ruim na boca, isso significava
coisa bem pesada, eu tinha certeza.
— As balas encontradas nos corpos dos sequestradores vieram da
arma de Draikov, digo, Jason. — Ele respirou fundo. — Mas as retiradas do
corpo dele não puderam ser rastreadas. Em resumo, o sequestro da sua esposa
foi orquestrado por uma organização criminosa muito poderosa, eu só não sei
ainda o quão poderosa ela é.
— Que merda é essa que você está falando? — A bílis subiu,
queimando tudo pela frente.
Durante todos esses meses, eu não me dei ao trabalho de pensar em
mais nada além da agonia e a sensação de perda, agora, eu percebia que podia
ter cometido um erro monumental.
— Rocco, você não parou para se perguntar por que a sua mulher foi
morta?
— Todos os malditos dias!
— Rocco, presta atenção e esqueça a raiva por um instante, pense…
— Ele respirou fundo, parecia ter pouca paciência, igual a mim. — Você é
um dos homens mais ricos da atualidade, a sua história com a sua esposa era
famosa, todo mundo sabia que você faria qualquer coisa para tê-la de volta.
— Eles a mataram porque eu não cumpri as exigências. — Falar disso
só me fazia ter certeza do quão imbecil eu tinha sido.
Não fosse por mim, talvez, Victoria pudesse estar aqui.
— Eles sabiam que você não ia cumprir, homens como nós não
esperam sentados.
Voltar para o dia em que eu invadi o depósito quarenta e dois das
docas foi horrível. Tudo relacionado àquela época eu tentava a duras penas
não lembrar, mas agora era necessário.
— Um dos sequestradores disse que… — Apertei as têmporas, a
cabeça começando a latejar insistentemente. — Ele disse que sabiam que eu
iria e que Victoria não estava lá, mas agora, prestando atenção, na verdade,
Victoria sequer dormiu lá. Ele disse que ela ficou cerca de uma hora e que
eles vieram e a levaram embora.
— Por que eles iriam simplesmente acabar as negociações? Se
Victoria não estava lá, e ela já havia sido levada, tanto fazia se você ia invadir
o local ou não.
— Rafael, aonde você quer chegar?
— Simples, não tem sentido empenhar tanto esforço para
simplesmente não fazer nada. Eles deveriam ter dobrado o valor para
devolvê-la, triplicado talvez. Mas não encerrado tudo matando-a com a
desculpa de que você descumpriu regras que eles sabiam que iria descumprir.
— Ouvi quando Rafael respirou fundo. — Estamos falando de milhões, algo
não bate.
— Você acha que ela poderia estar vi…
Não ousei abrir a boca para dizer tal coisa. Não me permitiria
enlouquecer outra vez, ao acreditar na mera possibilidade de que Victoria
poderia estar… Dio santo…
Eu tremi só de pensar.
— Tive acesso ao relatório da autópsia, eu vi as fotos… — ele disse,
e eu precisei me curvar para vomitar, só de lembrar. — Você pode ouvir?
— Fale.
— Ela morreu porque teve uma hemorragia interna, o baço e o fígado
romperam, e parte do intestino também. Ela foi torturada.
Vomitei um pouco mais, eu pensei que estaria pronto para ouvir, mas
cada palavra que ele dizia me matava um pouco.
— Quando lhe arrancaram os olhos, ela ainda estava viva.
— Pare!
— O rosto estava irreconhecível, o corpo todo inchado. Rocco, você
tem certeza de que era ela?
Fechei os olhos, lutando para não voltar para aquele dia horrível. Mas
eu me lembrava de estar muito abalado, já havia ficado sem dormir e comer
por dias, havia sido sedado por Dark e sentia a culpa corroer-me por dentro,
por ter descumprido as ordens dos sequestradores.
Mas era ela, eu vi… era ela.
— Era ela.
— Consegui a ficha médica de Victoria e fiz comparações, de fato,
tudo bate, mas eu ainda não estou convencido. Do jeito que tudo foi feito, não
parece que deveria acabar em morte. Infelizmente, quem poderia esclarecer
toda essa história não pode fazer isso.
A frustração de Rafael era tanta que eu a percebia. Diferente de mim,
que explodia, nunca o vi fazer algo remotamente parecido, tampouco
demonstrar qualquer emoção. Ele era controlado, distante e frio demais para
tanto.
— Como você está conseguindo tantas informações?
— Eu tenho os métodos, pouca coisa consegue ficar fora do meu
radar. Eu vou chegar até o fundo disso, e quando eu descobrir, então, eu irei
agir. Não deixarei de vingar meu irmão, sob nenhuma hipótese.
Suas palavras fizeram o monstro que havia dentro de mim erguer a
cabeça e rugir. Com toda certeza do mundo, eu viveria com o meu luto para
sempre. A dor de perder o amor da minha vida nocauteou-me de tal maneira
que, por muitos meses, eu nem conseguia pensar além do que eu estava
vivendo.
Eu demorei a ir atrás do meu filho, demorei a tentar agarrar uma parte
da minha vida de volta. Eu demorei demais para fazer qualquer coisa que não
fosse sofrer. Eu esqueci que, enquanto eu estava sofrendo, deixava que os
responsáveis por tirar Victoria de mim continuassem com suas vidas.
Eu havia me esquecido de algo muito importante.
A minha vingança.
Sempre fui um bastardo vingativo, estupidamente, vingativo.
— Rafael?
— Sim.
— Eu quero fazer parte disso, não importa o preço que eu precise
pagar. — Pela primeira vez em tantos meses, eu senti o fogo queimando por
um motivo diferente.
Havia propósito, necessidade.
— Volte a ser como antes, fique forte, pois se vamos descer ao
inferno, você deve estar preparado para tudo o que vai encontrar. Quando eu
tiver novidades, aviso.
— Eu aguardo.
— Esteja pronto para quando o momento chegar, e Rocco — Ele fez
uma pausa —, depois de saltar do abismo, não há como voltar.
— Eu saltei faz tempo, apenas indique uma direção, eu estarei pronto
para ir.
— Então, quando o momento chegar, iremos caçar juntos. — Fez uma
pausa. — Rocco, jogue uma isca, vamos tirar os ratos da toca.
Ele desligou, e a minha atenção se prendeu no quadro.
Foi como se a loucura que havia dentro de mim criasse um corpo e
despertasse completamente, o desejo de vingança tornou-se uma necessidade
profunda. O objetivo queimou como ferro em brasa, eu queria ver cada um
dos que fizeram mal a Victoria sofrendo. Eu queria fazê-los sangrar, implorar
por suas vidas de merda.
Eles deveriam saber por que eu estaria lá, o que terá me levado até as
suas malditas portas. Meu rosto seria a última coisa que iriam ver quando eu
enviasse um por um direto para o inferno.
— Sinto muito, amore mio. — Ergui a cabeça, respirando fundo. —
Mas eu não sou mais o homem que você amou.
A dor foi entorpecida pelo ódio, e desta vez eu libertei a besta que eu
vislumbrei no dia em que precisei enterrar a minha mulher.
E só ia parar quando todos estivessem mortos.
— Eu juro, Victoria, eu vou encontrar e acabar com todos eles.

***

Eu deveria ter ido buscar meu filho, mas a energia que circulava em
meu corpo agora era densa e obscura demais. Não o queria perto de algo tão
ruim.
Não havia somente o sentimento de perda em relação à Victoria,
havia também a negligência. Eu não havia procurado os culpados por tê-la
arrancado de mim, porque vivi por tempo demais afundado em comiseração.
Poderia continuar no ciclo louco, mas, agora, pretendia descobrir tudo o que
acontecera.
Quando cheguei ao apartamento, senti aquela onda de agonia, o
silêncio agora estava pior, sem meu filho.
— Merda.
Deixei o quadro no sofá, e ali mesmo comecei a andar de um lado
para o outro, pensando na conversa com Rafael.
Ele estava tentando puxar o fio que desenrolaria todo o problema. Até
agora, as suas considerações foram pontuais, porque de fato, tudo o que ele
falou tinha lógica, não havia o menor sentido no que os sequestradores
fizeram, eles tinham uma mina de ouro nas mãos, e sequer tentaram
renegociar após a merda que eu fiz.
Era como se quisessem um pretexto para eu ter certeza de que a morte
dela fora em parte culpa minha.
— Eles sabiam que eu iria atrás dela, eles sabiam.
Respirei fundo, tentando controlar a fúria crescente. Mas era
impossível, porque cada vez que eu pensava mais sobre o assunto, sentia que
ficava pior.
O que aconteceu para que a elite de Victoria ficasse doente? Justo
quando ela ia precisar. Todas as vezes que ela havia saído, eles estavam
presentes. Por tudo o que eu vi, no dia em que toda essa tragédia aconteceu,
os sequestradores estavam bem preparados, era como se soubessem o
momento certo de atacar.
Então, por que parar as negociações? Depois de todo esforço
empenhado em capturar Victoria, por que não ir até o fim e receber dinheiro?
— Pensa, Rocco, pensa! — Parei um momento, concentrando-me.
Tentei me distanciar emocionalmente, para ser lógico e entender.
Primeiro: o objetivo final de um sequestro é o dinheiro do resgate;
Segundo: eles sabiam que eu estava disposto a pagar;
Terceiro: eles também sabiam que a polícia estaria envolvida porque
do jeito que tudo aconteceu seria impossível que não estivessem;
Quarto: não fazia o menor sentido eles desistirem do dinheiro.
Pensar nisso me fez voltar ao primeiro tópico. O objetivo final era
sempre o dinheiro.
— A não ser que esse não fosse o objetivo final, mas então, qual
seria?
Jogue a isca…
Por um momento, não consegui pensar com clareza e a confusão
voltou. Há muito tempo, eu parei de tentar criar alternativas que pudessem
evitar o que aconteceu, em meu delírio, eu imaginava que Victoria chegaria a
qualquer momento e tudo voltaria a ser como antes.
Fantasiei sobre isso e prometi a Deus que faria qualquer coisa se
acontecesse. O passar dos dias me mostrou que Victoria jamais voltaria, e
que eu teria que conviver com a perda. Era por isso que agora eu não iria
recriar as esperanças, porque sabia que me perderia de novo.
E eu não poderia, por causa do meu filho.
Meu corpo começou a tremer, e eu peguei um cigarro. Tive
dificuldade para acender, porque minhas mãos pareciam incontroláveis.
— Caralho. — Dei um longo trago, mas não consegui me acalmar. —
Tem algo errado.
Andei de um lado para o outro, suando, o coração prestes a saltar fora
do peito.
— Eu preciso descobrir o que é.
Eu sentia como se estivesse com febre, havia certa irrealidade no
apartamento, era como se eu não estivesse ali, e ao mesmo tempo sim. Já
havia sentido isso antes, em menor intensidade, agora, meu corpo parecia
formigar por causa dos tremores e palpitações.
Quando o cigarro acabou, acendi outro. Voltando a andar de um lado
para outro, tentando juntar as peças desse quebra-cabeça.
— Por que pararam de negociar? — Cruzei os braços, enquanto a
perna batucava sem parar. — Por que não quiseram o dinheiro?
Achei que a qualquer momento fosse enlouquecer. O apartamento
estava se fechando ao meu redor, senti-me sufocado, tonto.
— Preciso de ajuda, não consigo ter foco para pensar com clareza.
Arranquei a gravata, arquejando, com falta de ar.
— Porra, o que diabos está acontecendo comigo? — Apoiei-me no
encosto do sofá, respirando fundo, porque não conseguia puxar oxigênio
suficiente.
Fechei os olhos, lutando contra os pontos pretos que piscavam diante
dos meus olhos, sentia meu corpo estranho, como se fosse leve demais.

Demorou uma eternidade até eu me sentir melhor. Eu estava molhado


de suor, a camisa colada nas costas. Eu precisava focar a raiva em alguma
coisa, cansar o corpo de modo que encontrasse um ponto de equilíbrio.
O meu telefone tocou, eu não pretendia atender, mas quando vi quem
era mudei de ideia.
— Aconteceu alguma coisa com o meu filho? — quase gritei, não
pude controlar-me.
— Não, ele está ótimo, jantou e está dormindo — Antonietta disse. —
Ele não precisou ouvir Victoria cantar, Rocco, isso é um progresso.
Havia felicidade na voz dela.
— Eu sei, eu sei. — Fechei os olhos, a necessidade era toda minha
agora, era eu quem precisava ouvi-la para conseguir dormir. — Ele está indo
bem.
— E você? — ela perguntou, notei preocupação em sua voz.
— O que tenho eu?
— Está bem, precisa de algo?
— Nada que você possa me dar. — Tossi, sentindo o peito apertado.
— Você pode ficar com Gianne hoje?
— Com certeza, eu posso ficar com ele por quanto tempo você
precisar.
— Só hoje.
— Rocco, você quer que eu peça para David ir até você?
— Não, obrigado. — Desliguei o telefone, sabendo o que eu
precisava fazer.
Era eu quem ia até ele.
Se eu precisava jogar uma isca, Dark seria a pessoa perfeita para me
ajudar, também era o único capaz de ajudar-me a administrar a raiva
crescente. Não pensei muito no que isso implicaria na minha nova vida, mas
eu corri para o centro de treinamento. Murdoch estava desconfiado, o lugar
era de fachada, na frente parecia um centro de treinamento, era isso que as
pessoas podiam ver, mas na parte de trás era onde as coisas de fato
aconteciam.
— Tem certeza, senhor? — ele perguntou quando paramos em frente
aos portões de ferro.
— Sim.
Não precisei bater, Dark deve ter me visto chegar desde que entrei no
seu perímetro de segurança. O rangido do portão soou alto, e então, a única
pessoa que conseguiu me manter sob controle quando descobri a traição de
Susan apareceu.
— Você demorou — comentou de braços cruzados. — Estava
pensando em quanto tempo levaria para você vir. — Sorriu. — Te
conhecendo tão bem, sei o que precisa.
Eu concordei, as mãos abrindo e fechando, o corpo todo formigando
com energia acumulada.
— Venha comigo. — Ele me deixou passar. — Vá trocar de roupa,
pegue um kit para novatos. — Deu-me uma olhada. — Você está fora de
forma, vou te colocar no programa intensivo. Todos os dias, esteja aqui. Se
pretende caçar os assassinos de Victoria, terá que ter colhões para acabar com
eles.
— Como você sabe que eu farei isso?
— Está nítido demais. Basta olhar para você com atenção, tem a
palavra vingança escrita na sua testa com letras garrafais. — Balançou a
cabeça. — Além de que eu sei o bastardo cruel que você é. Vista-se, primeiro
você precisa se controlar, depois, vamos trabalhar.
— Preciso que chame Cyper.
— Ele estará aqui quando você estiver pronto.
Vesti-me às pressas, ansioso para começar os trabalhos.
A equipe de Dark estava espalhada ao redor do galpão de
treinamento, cada um fazendo suas séries. Eles odiavam cometer erros, no
que dizia respeito ao que acontecera com Victoria, todos nós cometemos
vários. Eles me deviam, desde o mau serviço feito com a perseguidora.
E eu daria um jeito de cobrar.
— Vá, Red está pronto para brincar, alivie um pouco, Cyper logo
estará aqui.
Não precisei de outro aviso, corri para o ringue.
— Até não conseguir levantar! — ladrei e Red torceu a boca.
— Como desejar.
Não pensei, somente ataquei Red com força, meu punho se chocou
com seu rosto, o golpe reverberando em meu braço.
Isso… Senti a adrenalina bombear, respirar se tornou mais fácil.
Ele revidou, acertando minha boca. Explodimos em ferocidade, entre
socos, chutes e sangue, encontrei tranquilidade. Minha mente pareceu clarear,
até o ponto da iluminação.
Somente quando eu não aguentava mais erguer o braço, e me vi todo
ensanguentado, soube por onde começar a buscar a minha vingança.
— Dark? — rosnei, ofegante, um lado do rosto queimando.
— O quê? — perguntou, encarando-me com uma expressão divertida.
— Cyper.
Quando Dark saiu para chamá-lo, fechei os olhos um momento e me
concentrei na dor.
Não distingui onde estava pior, meu corpo era uma massa angustiante,
cada respiração queimava. Pelo menos agora, eu sentia algo maior do que o
desespero que me manteve refém durante tanto tempo.
Cyper chegou, e não parecia muito contente.
— O que quer?
Parecia pior do que quando o conheci. Havia um tique nervoso em
seus olhos, ele procurava por algo, os olhos girando para lá e para cá, além, é
claro, de parecerem um pouco vidrados.
— Ele está conectado vinte e quatro horas — Dark falou, referindo-se
ao hacker —, não suporta que tenha cometido um erro.
— Nenhum de nós o faz — os gêmeos disseram.
— Rocco, se você vai embarcar nessa, vai precisar de ajuda. — Dark
sorriu. — Eu estarei mais que disposto a ir com você.
— Todos nós vamos. E deixaremos tudo limpo dessa vez. — Red
cruzou os braços.
Acho que saber que eles estavam nessa, independente do que viria
pela frente, ajudou-me a pensar melhor. Além, é claro, de Rafael, que por si
só já era uma força a ser levada em consideração.
— Preciso de uma isca — falei, ganhando a atenção deles. — Alguém
me disse para tirar os ratos da toca.
— Como faremos? — Red perguntou, aproximando-se.
— Um alerta, você conhece os contatos, Dark, use-os.
Cyper franziu o cenho. Talvez eu não tenha explicado direito. Algo
que remediaria agora.
— Vamos fazer com que os próprios bastardos nos levem até eles!
Vamos fazer com que eles mesmos abram a porta para nós, vamos fazer com
que eles traiam uns aos outros.
Estalei os dedos, satisfeito por estar conseguindo pensar sem ter
qualquer tipo de surto pelo meio do caminho.
— Primeiro: Dark, liste seus contatos. Segundo: Cyper, solte um
alerta, dez milhões em qualquer moeda pela localização dos envolvidos no
sequestro de Victoria Masari. Deixe subtendido que o valor dobra se as
informações forem realmente boas.
Mal tinha terminado de dar as instruções quando Cyper correu,
parecia energizado e pronto para colocar as máquinas a pleno vapor.
— Vamos nos preparar, porque quando o dia chegar, a matança será
demasiadamente cruel.
A dívida dos responsáveis pelo assassinato de Victoria era alta
demais, e eles pagariam com sangue.
Rocco
Eu sentia cada músculo do meu corpo doer, era como se eu estivesse
sendo atropelado por um trem de carga todos os malditos dias.
— Erga a fodida barra! — Dark berrou furioso, porque eu estava com
problemas para fazer algo que antes era fácil. — Erga, caralho!
Uma semana, eu havia voltado ao treinamento há uma semana. Todos
os dias, saía do trabalho e vinha direto para cá. Nos primeiros dias, Gianne
esteve comigo, mas Antonietta passou a vir buscá-lo.
No começo, pareceu-me uma árdua tarefa deixá-lo ir, mas, aos
poucos, eu entendi que ele não sentiria a minha falta, porque estaria
dormindo. A única coisa que eu precisava fazer era estar lá, antes de ele
acordar.
— Se você vai ficar fazendo corpo mole, eu vou sair daqui.
— Corpo mole, caralho? — rosnei.
Certamente ele percebia a força que eu empregava. Aquela maldita
barra estava pesando toneladas. Antes eu levantaria até mais, agora, era
impossível. O tempo parado enfraqueceu meu corpo, e eu não suportava
muita coisa.
Mas eu precisava estar em plena forma, porque eu havia colocado um
alvo nas costas dos assassinos da minha mulher. Logo as notícias
começariam a chegar, e eu teria muito trabalho pela frente para descobrir o
que era real e falso.
— Preste atenção, desse jeito vai causar uma distensão muscular.
Levanta essa porra com as pernas, e não com a coluna! — Dark berrou outra
vez, no meu ouvido.
Todos os dias, tenho sido levado ao limite da exaustão. Já não
precisava mais ouvir Victoria cantar para conseguir roubar uns minutos de
descanso, eu fazia isso porque simplesmente apagava em qualquer lugar que
eu encostasse.
Esse talvez fosse o lado positivo, dormir sem sonhar. Eu não me
permitia mais que um par de horas, então, quando estava perto do horário do
meu filho, eu precisava estar lá para ele.
— Para de divagar, ajeita a porra do joelho.
Obedeci, mudando totalmente a posição meio encurvada para a
correta.
Você governa seu corpo, sua mente, eu disse a mim mesmo, quando
meu corpo tremeu pelo esforço.
— Isso, assim. Agora impulsione para cima, vai!
Eu estava sendo maltratado que só o caralho, em todos os últimos
treinos que fizemos em campo aberto, eu vomitei até as tripas no final. De
alguma forma, meu organismo estava tentando se adaptar às torturas às quais
era submetido.
Mas eu já notava a diferença. Eu sempre fui um cara grande e parecia
que as coisas estavam voltando para os seus devidos lugares.
— Vai, sobe, só mais um pouco.
Gritei quando subi a barra acima da cabeça. Dark contou os segundos
para que eu pudesse largá-la, o alívio foi imenso.
— Foda-se. — Ofeguei, curvado para frente.
— Ótimo, vamos para o circuito na caixa de areia. — Dark parecia
feliz em acabar comigo. — Está chovendo, vai ser perfeito.
Pela primeira vez, consegui finalizar o circuito sem vomitar. Mas
agora as câimbras pareciam me comer inteiro.
— Afunde de uma vez, dói menos. — Red fechou os olhos, ele
mesmo concentrando-se na própria dor física.
Travei o maxilar quando entrei na banheira com gelo. Minhas mãos
tremiam muito, minhas pernas sofrendo espasmos violentos.
— Você controla o seu corpo — murmurei baixo. — Você controla
sua mente.
Os primeiros minutos no gelo eram agonizantes, o fôlego clamava por
sair, os músculos berrando descanso, a mente implorando calma.
Quando saí, eu nem me dei ao trabalho de vestir uma roupa. Estava
tão cansado que desabei no colchão encostado na sala de treino.
— Acorda. Você já dormiu demais. — Dark cutucou a minha perna.
— Vamos correr, lá fora em cinco minutos.
Eu só pude concordar.
Corremos por dez quilômetros, parte dentro da pista de corrida, e
outra na floresta. A meta era não cair, e se isso acontecesse, deveríamos
levantar e seguir o ritmo.
— Você está voltando. — Ganhei batidinhas em minhas costas,
enquanto tentava não cuspir os pulmões para fora. — Use a raiva como
combustível, nos momentos corretos, use-a.
— Já não deveríamos ter tido notícias? — questionei. — Uma semana
é tempo suficiente, não acha?
Dark balançou a cabeça. Às vezes ele tinha uma calma que me
deixava puto. Eu queria um pouco de caos, talvez assim sentisse menos culpa
por deixar Victoria e a rotina que eu havia criado abandonados no
apartamento.
— Isso é a calmaria antes da tempestade. Quem ouviu falar de alguma
coisa acontecendo vai ter medo, mas, por causa do dinheiro, alguns serão
corajosos.
— Você acha que iremos descobrir?
— Rocco, não tem como movimentar algo tão grande como o
sequestro de Victoria sem ter sido visto. No submundo, uma coisa puxa a
outra, alguém sempre vê o que não deveria, agora, precisamos que essas
pessoas venham até nós.
— Não suporto mais esperar.
— Sabemos que eram estrangeiros, salvo aquela isca. Ao que parece,
tudo foi muito bem planejado, sumiram sem deixar rastro, mas até nas
missões mais bem-sucedidas sempre fica algo para trás. Estamos buscando
esse fio solto.
Concordei, mas não conseguia deixar de sentir uma ansiedade louca.
Todos os dias, eu tinha a esperança de que as coisas começariam a mudar.
Eu só queria uma pista, somente uma que fizesse as coisas
começarem a dar certo.
— Nunca pensei que estaria envolvido outra vez em algo assim —
murmurei, cruzando os braços. — Quando mandei que sumissem com a
minha perseguidora, acreditava que jamais faria algo parecido outra vez.
— Rocco, não vá por esse caminho… — Dark ainda tentou, mas eu
estava além de ser considerado cauteloso.
— Antes de conhecer Victoria, eu sempre fiz tudo certo, por meios
legais. Nunca recorri à violência para tomar algo. — Olhei para a floresta
diante de nós, estava começando a amanhecer. — Eu só queria viver em paz
com a minha mulher, por que tinham que mexer com ela? Hoje, não importa
o meio, ou o que eu precisarei fazer, eu estou pronto. Eu vou até o fim de
tudo isso.
— Eu consigo ver uma sombra em seus olhos que nunca vi antes. —
Dark balançou a cabeça. — Quando você chegou aqui pela primeira vez, eu
sabia que você não era somente mais um garoto rico, nos primeiros dias,
percebi que você precisava de mais. Os anos seguintes só comprovaram. O
que sua ex-noiva fez foi somente o estopim para que você se tornasse um
homem indiferente, cínico, desapaixonado.
— Até eu conhecer Victoria — proferi baixinho.
Ainda assim, eu era tão preso ao passado que não acreditei que
poderia ser tão feliz. Cometi erros e lutei muito para repará-los. Quando
pensei que poderia ser feliz…
A realidade se mostrou bem diferente.
— Rocco, Victoria era o tipo de pessoa que mudava outras. — Dark
sorriu, triste. — Ela sempre me tratou com carinho desde o primeiro dia em
que nos conhecemos. Acolheu-me, sem se importar em saber o que eu fazia
ou já tinha feito.
— A relação dela com Jason foi tão orgânica, no começo eu senti um
pouco de ciúmes. — Um sorriso sincero tomou os meus lábios ao pensar nos
dois. — Depois, eu percebi que o que havia entre eles era puramente
fraternal, de ambas as partes.
— Victoria gostava de consertar coisas quebradas. — Concordei,
Dark a descreveu perfeitamente. — Sua história com ela levou-me até a
mulher da minha vida. Antonietta sabe o que faço, ela também me aceitou, e
eu tive uma família “normal” pela primeira vez na minha vida. Não foi fácil
ver o mundo que eu passei a amar ser sacudido tão violentamente. Isso, meu
amigo, muda qualquer pessoa, portanto, não se culpe por tudo o que está
fazendo, Victoria merece ser vingada.
— Eu não me culpo por querer acabar com todos eles, e sim por ter
demorado demais para começar a fazer isso. — Balancei a cabeça. — Hoje o
meu filho faz um ano e eu nem posso dizer que conseguirei estar presente na
festa que estão organizando. Eu sei que Gianne merece tudo, e que qualquer
esforço da minha parte é o mínimo, mas ainda é difícil aceitar que a vida
continua seguindo, mesmo Victoria não estando aqui.
— Não é fácil para nenhum de nós, mas não posso imaginar o quão
distantes estamos de sentir a mesma coisa. Eu te entendo, e outra vez, repito:
não se culpe se achar que não vai dar conta, somente não vá.
— Eu vou passar o dia com ele, vamos para o escritório, a gente vai
brincar lá.
— E a sua casa?
— Não pisarei lá nunca mais.
Eu tinha essa certeza no meu coração, se hoje até ficar no apartamento
parecia insuportável, na casa, então, seria mil vezes pior.
— Cogita vender?
— Não. Imaginar outra família vivendo lá uma felicidade que jamais
terei enoja-me. Talvez, eu a derrube e deixe o espaço vazio.
— Pense bem, talvez, no futuro você possa encontrar…
— Eu preciso ir, o rumo da conversa não me agrada.
Afastei-me, mas ele segurou meu braço.
— Você não vai ficar de luto para sempre, um dia vai precisar de um
corpo quente ao lado do seu, confie em mim quando digo: uma hora a gente
acaba cedendo, sem nem ao menos perceber.
— Mas a hora não é agora.
Talvez, nunca seja. Pensar assim me deixava satisfeito, porque não
havia necessidade sexual, afetiva ou pessoal, que fosse maior que a vontade
de descobrir quem tirou Victoria de mim.
Saí do centro de treinamento direto para a casa de Antonietta. Ela
sabia que eu não gostava de demorar, por isso, não ficou puxando conversa
quando eu entrei e peguei meu filho.
— Mais tarde eu o trago, talvez, eu não fique mas…
— Tudo bem, tudo bem. — Antonietta sorriu, carinhosa. — Sua mãe
vai estar aqui comigo, vamos arrumar algo bem simples, como eu prometi,
somente para não passar em branco uma data tão importante.
— Tudo bem.
Quando eu cheguei à porta da frente, ela me segurou, dizendo:
— Eu sei que é difícil para você voltar para sua vida. Eu te agradeço
por nos deixar fazer parte.
Dei um aceno duro, ela não conseguiria imaginar o quão difícil era.
Eu seguia motivado pela criança em meus braços, e por outros sentimentos
nada altruístas.
— Conta comigo, eu quero dizer isso, de verdade. — Ela testou um
sorriso. — Enquanto eu puder, farei tudo para que você possa ser feliz
também, se precisar de algo, somente me avise.
Não respondi, porque não havia o que dizer.
Ao chegar à empresa, passei direto pela recepção, sem responder
nenhum dos cumprimentos que recebi ao longo do caminho. A subida até o
andar da presidência foi longa, pareceu uma eternidade até que as portas
abriram.
— Senhor Masari, bom dia. — Samantha me recebeu, pegando a
bolsa do Gianne e abrindo a porta do escritório para mim.
A cada dia, mais ela me surpreendia. Chegava mais cedo que eu,
deixava tudo organizado e ainda ia lidando com problemas menores. Ela, ao
poucos, estava se tornando o meu braço direito.
— Hoje é o aniversário desse bebê lindo, então tomei a liberdade de
desafogar a sua agenda. Alguns compromissos realoquei para amanhã, apenas
o que requerem sua autorização não mexi. Mas, caso queira, e só falar.
— A reunião com Glasman é a que horas? — Ela olhou a agenda,
enquanto eu acomodei Gianne no pequeno berço ao lado da minha mesa.
Às vezes, eu não o deixava na creche, preferia ficar com ele o
máximo possível.
— A reunião será às dez.
— Obrigado, pode ir agora.
Quando ela virou-se para sair, o seu cabelo longo e bonito fez um
movimento que trouxe um aroma delicioso até mim. O cheiro era uma
mistura familiar, que fazia meu coração sentir um pouco em paz.
— Diabos… — Sacudi a cabeça, dando início ao meu dia.
Estava numa ligação com o responsável pela construção do Resort de
Tariq, quando notei que Gianne começava a despertar.
— Eu vou resolver o problema dos painéis solares, tenho uma reunião
com Glasman em duas horas — avisei.
— Fico aguardando o retorno.
Desliguei o telefone, voltando minha atenção para o meu bebê.
Curvei-me em sua direção, esperando que abrisse os olhos para mim.
Quando ele o fez, senti o coração acelerar de amor por ele.
— Bom dia, amore mio. — Ele sorriu, mostrando os dentinhos
pequenos. — Você está com fome?
Eu o peguei nos braços, indo para o sofá. A mamadeira estava pronta
com seu café da manhã, e eu me encarreguei de fazê-lo tomá-la.
— Você é o meu pequeno raio de sol. — Ele estava com as
mãozinhas apoiadas na minha, encarando-me enquanto se alimentava.
Quando terminou, sorriu.
O meu filho era uma criança feliz, por mais que isso me chocasse, ele
era receptivo, sorridente. Pensar que ele poderia estar esquecendo Victoria
partia meu coração, mas metade da vida dele foi sem ela.
— Vem aqui. — Ajustei-o para que pudesse abraçá-lo. — Parabéns,
amor, é o seu primeiro ano de vida, e eu agradeço por ser o seu pai. Eu te
amo, com todo o amor que resta no meu coração.
No apartamento contíguo, eu lhe dei um banho, e o vesti, depois,
voltei para a minha sala e fiquei brincando com ele. Gianne gostava de
brinquedos com música, era irritante para caralho, mas ele parecia contente.
— A última vez que eu fui feliz com sua mãe foi aqui — disse a ele,
como se pudesse me entender. — Ela sorriu, antes de sair e disse: te vejo em
casa. Ela mentiu, bambino, e eu espero até hoje que ela volte, mesmo eu
sabendo que ela não fará isso.
Gianne sorriu, batendo palmas. Observei quando ele ficou em pé,
apoiando-se em mim. Há dias ele vinha arriscando, mas nunca deu mais que
um passo, agora ele parecia disposto a mudar isso.
— Vamos lá. — Abri os braços, afastando-me. Eu o incentivei a vir
para mim, mas o espertinho ficou em pé, me enganando, depois sentou,
divertindo-se muito.
— Senhor Masari? — Olhei para a porta, Samanta estava
parcialmente dentro do escritório. — Eu bati, desculpe-me. Mas são quase
dez horas. A reunião com o senhor Glasman.
— Estou indo, vou somente deixar Gianne na creche. — Levantei-me,
e ela sorriu, olhando para meu filho.
— Eu posso ficar com ele.
— Não vai ser um problema pra você?
— Nenhum, eu fico, pode ir tranquilo.
— Tem certeza?
— Absoluta, eu e esse príncipe vamos nos divertir. — Ela não estava
muito perto de mim, talvez, porque da última vez eu invadi um pouco do seu
espaço, na intenção de sentir melhor o seu cheiro.
Dio, eu era um idiota!
— Tudo bem, creio que não levarei mais que meia hora, qualquer
coisa, me chame. Estarei no celular.
Fui para a sala de reuniões. Glasman já estava conectado, em
videoconferência. Ele me explicou alguns dos problemas que estavam
acontecendo pelo Oriente, e o que isso poderia causar para nós.
— E os painéis? Por que ainda não estão em Abu-Dhabi?
— Eles ficaram retidos no posto fiscal do Canal de Suez, houve um
erro de digitação no código que indicava o peso total da carga. Foi preciso
refazer a contagem, vamos atrasar uma semana na entrega.
— Merda, quero que descubra o responsável e demita.
— Isso já foi feito, senhor.
— Algo mais que eu deva saber?
— Não, os problemas principais foram contornados, estou de olho nas
próximas cargas.
— Se houver qualquer coisa fora do padrão, quero ser informado.
— Sim, senhor.
Ele desconectou a chamada, e eu fiquei um tempo encarando o vazio.
Finalmente, havia aparecido um problema. Tudo estava seguindo tão
bem na empresa, que nem parecia haver um chefe como eu. Quando voltei,
pensava que ia ver gente pedindo demissão porque não conseguia lidar com o
volume de trabalho e as minhas exigências, mas, contrariando minhas
expectativas, estava tudo impecável.
Ao voltar para a minha sala, percebi que a porta estava aberta. A cena
que me saudou foi intrigante.
— Meu bebê lindo… — Samantha falou para meu filho. — Quem é o
menininho mais fofo do mundo? — Gianne gargalhava, feliz. — É você.
Os dois estavam interagindo, ambos muito confortáveis.
— Parabéns, pequenino. — Ela sorriu, Gianne parecia adorá-la.
Coloquei as mãos no bolso, recostado ali, observei atentamente a cena
que minha secretária e filho protagonizaram.
— Você é um pequeno homenzinho, sabia? — Ela fez cócegas na
barriga dele, isso o fazia rir sem parar. — Já tem o coração de todas as
garotas desse prédio, inclusive o meu.
Samantha ainda não havia me visto, estava com toda sua atenção
voltada para Gianne, mas, quando meu filho notou-me, ele começou a se
agitar.
— Papa — gritou, empurrando Samantha e ficando de pé.
Prendi a respiração quando observei meu bambino vir todo sorridente
em minha direção, cada passo dele era instável, mas eu não tinha medo, a sala
era forrada com um carpete fofo.
Ajoelhei-me, abrindo os braços, incentivando-o a continuar
caminhando.
— Isso, pequeno, venha para o papa.
Um sentimento que eu julguei esquecido floresceu no meu peito. O
amor que eu sentia por Gianne preencheu um pouco mais do espaço vazio
que havia dentro de mim.
Quando chegou perto, eu o abracei, erguendo-o. Samantha olhava a
cena batendo palmas, um enorme sorriso no rosto.
— Você está andando, bambino. — falei com ele, beijando a ponta de
seu nariz. A risada infantil aqueceu-me por dentro. — Estou muito orgulhoso
de você, amore mio.
Naquele instante, uma parte do ódio que ainda sentia do mundo foi
embora.
— Papa. — Sorriu, colocando suas mãos em meu rosto. — Papa.
— Você ainda é um bebê e já quer falar? — Afaguei suas costas. —
Muito precoce, pequeno?
Gianne gostava de gargalhar, não era nada simplório, ele praticamente
gritava sua felicidade. Meus lábios curvaram, acompanhando a sua alegria.
Para mim foi estranho, porque quando percebi, eu também estava sorrindo.
Um sorriso verdadeiro. Oh, Dio mio. Abracei meu pequeno bem
apertado, enterrando o rosto em seu pescoço para poder respirar seu cheiro
delicioso e limpo.
— Obrigado, meu filho. Obrigado. — A emoção me dominou, porque
aquele era o primeiro sorriso de felicidade que eu conseguia dar.
Foi como um presente.
— Isso é tão bonito, senhor Masari.
Meu momento foi quebrado pela voz de Samantha, eu havia me
esquecido dela e não gostei de tê-la presenciando aquilo. Virei-me para olhá-
la, seus olhos brilhavam como duas estrelas azuis.
— Eu acho que… — O que eu ia dizer foi interrompido pela chegada
da minha mãe.
— Que bom te encontrar, meu filho. — Antes que eu pudesse
impedir, ela me abraçou. — Não aguentei esperar o dia todo, vim ver meu
neto.
Eu me inclinei e dei-lhe um beijo na bochecha.
— Grazie, mamma — disse baixinho.
Ela me encarou e não tentou disfarçar o choque. Seus olhos, iguais
aos meus, estavam rasos d’água.
— Eu, eu vou… me deixe pegar ele um pouco, vamos dar uma volta.
— Ela segurou Gianne. — Será rápido, aqui mesmo, vou para o jardim.
— Tudo bem. — Deixei que levasse meu filho.
Sorridente, mamma saiu, fechando a porta atrás de si.
Um toque suave em minhas costas deixou-me tenso. Mas eu não fiz
nada. O cheiro dela estava ao meu redor, forte agora, golpeando-me. Fechei
os olhos, inundando-me com o aroma doce e delicado que pertencia a minha
mulher.
Victoria…
O nome dela ecoou em meus pensamentos, e eu senti que apertava a
sua cintura, embriagado, inclinei-me em sua direção. Ela estava ali, tocando-
me, o corpo quente perto do meu.
— Beije-me.
Assustado, abri os olhos, não foi Victoria quem me encarou de volta,
não era ela quem eu apertava junto ao peito.
Afastei-me apressado, em pânico com o quão perto eu estive de…
de… beijar outra mulher.
Só de pensar, eu sentia vontade de vomitar.
— Saia — ordenei, minha voz soava ofegante, eu já sentia os
primeiros tremores nas mãos, e as palpitações no coração. — Saia daqui,
Samantha.
Ela negou, caminhando em minha direção. Parecia reunir coragem,
quando parou na minha frente e ergueu a mão trêmula para tocar meu peito.
Em seu rosto, eu vi desejo, vontade.
Apesar de tudo, eu ainda era capaz de reconhecer os sinais em uma
mulher.
— Rocco… — murmurou, pronta para tocar-me.
— Não ouse encostar sua mão em mim! — Minha voz carregava toda
a frieza do mundo, não havia mais amor. — Para você, eu sou o senhor
Masari.
Ela respirou fundo e balançou os cabelos. Aquele aroma familiar
estava nocauteando-me.
— Eu pensei que… Talvez que nós pudéssemos… — Suas palavras
saíram engasgadas. — Não sei, tentar algo?
Não precisei pensar nem por um segundo antes de responder.
— Eu sou casado. — Balancei a cabeça, o maldito perfume dela
estava me deixando tonto.
As lembranças amontoavam-se, todas vindo com força total,
assolando-me. Mas então, a raiva estava lá, e ela era um sentimento muito
fácil de definir porque eu vinha convivendo com ela há muito tempo.
— Saia daqui!
— Você não é casado, é viúvo! — disparou alto. — Você é jovem,
tem um filho para criar, não pode ficar vivendo só com as memórias de uma
mulher morta!
Senti o exato momento em que minha fúria estalou, era como uma
chama crescente trazendo de volta o homem famoso por não se importar de
machucar as pessoas.
— Prefiro ficar com as memórias da minha adorada esposa, a me
sujar com sua inferioridade. Não seja ridícula, essa sua carinha de boa moça
não me engana, se faz de santa, boazinha, mas só quer dinheiro, interesseira
do caralho.
— Você não sabe de nada, eu me apaixonei por você! — gritou,
tentando se aproximar, quando eu me afastei em direção à porta.
— Todas acabam por se apaixonar, todas acabam por fingir ter o
coração partido e fazem como você agora, despejam lágrimas falsas para ver
se comovem. Agora dê o fora. — Escancarei a porta, esperando que saísse.
Mas ela permaneceu no lugar, parecia perfeita em toda a encenação de
mulher magoada.
Até os soluços pareceram reais, as lágrimas também.
— Eu te vi tão triste, pensei que poderia…
— Você não é paga para pensar na porra da minha vida! — vociferei,
perdendo o controle. — Isso eu faço de graça. Agora volte para sua mesa!
Ela andou até o meio da sala e disse:
— Um dia você vai precisar de uma mulher, porque não poderia ser
eu? Sou discreta, poderíamos ficar aqui no apartamento. Inventaríamos hora
extra, o que fosse. Eu fico.
Novamente caminhou até estar diante de mim. Eu já não suportava
mais, seu perfume outra vez me circulou, senti-me enredado, e isso causou-
me mal-estar.
— Um homem como você tem necessidades, não vai ficar de luto
para sempre. Me aceite. Juro que não irei exigir nada, só quero tê-lo para
mim, nem que seja apenas seu corpo.
Suas mãos se ergueram para me tocar, mas antes que fizessem isso,
segurei seus pulsos.
— Qual é a parte do não estou interessado que você não entendeu? —
Encarei-a. — Não posso entregar à outra o que não me pertence. Agora saia
daqui, eu amo a minha esposa.
— Ela está morta, Victoria está morta e um dia você vai precisar
aceitar!
Gritou na minha cara e saiu correndo.
Fiquei um tempo ali, digerindo suas últimas palavras. Era
insuportável dizer em voz alta que amore mio estava morta, mesmo que isso
fosse um fato consumado. Parecia que alegar isso apenas tornava a vida que
criei, e na qual consegui incluí-la, irreal.
Sua voz no CD que gravou para o nosso filho, os vídeos. Ela ainda
vivia comigo.
Por que as pessoas não podiam aceitar isso?
Esfreguei o peito, quando dei vazão à saudade e ela começou a
machucar.
Depois, ainda sentindo os tremores de ansiedade e agonia que a
situação me causou, peguei o telefone, ligando para a chefe de recursos
humanos.
— Senhor Masari, em que posso…
— Prepare a demissão da minha secretária. Ela não serve para o
trabalho.
— Vai preparar uma carta de recomendação, senhor?
— Sem recomendação! Quero-a na rua antes do almoço. — Respirei
fundo. — Abra a vaga para o sexo masculino, quero um secretário executivo.
Não esperava que Samantha fosse fazer tal coisa. Eu pensei que era
somente dedicada ao trabalho e não que tinha segundas intenções.
— Dio santo, eu tive culpa? — questionei-me, nervoso por não ter
percebido que talvez eu pudesse ter feito algo errado. — Será que eu dei a
entender que estava procurando alguém?
Não… não… O mero pensamento apavorou-me.
— Perdonami, amore mio, eu não tinha essa intenção.
De novo, eu senti o desespero me consumir, e eu pensei que meu
coração fosse explodir ainda dentro do meu peito.

***

Quando acreditei que as coisas estavam começando a se organizar,


tudo desandou. Eu cumpri a minha palavra e trouxe Gianne para a casa de
Antonietta, mas não suportei ficar nem um minuto participando daquela
atmosfera de felicidade.
A meu ver, tudo parecia errado.
Victoria não estar ali, quando ela era a pessoa que mais merecia
comemorar o aniversário de um ano do nosso filho, era impensável.
— Não deveria ser tão difícil estar lá dentro — Dimitri falou, ao se
aproximar. — Você está assistindo à felicidade do seu próprio filho como se
fosse um desconhecido. Não fique aqui do lado de fora, apenas entre, tire
algumas fotos, você pode fazer isso.
— Não posso. — Cruzei os braços para esconder o tremor nas mãos.
Hoje especialmente estava pior.
— Irmão, você pode.
Neguei, começando o meu perambular nervoso. Todas as vezes que
começava a sentir-me sufocado, caminhar parecia amenizar, e claro, tentar
não pensar em nada, o que era impossível, pois diante de mim a família
estava reunida e sorridente.
— Porra. — Segurei o peito, cogitando a possibilidade de eu estar
com problemas no coração. — Eu preciso sair daqui.
— Rocco, Rocco. — Dimitri estalou o dedo diante dos meus olhos. —
Respira, cara, você está ofegante.
Cambaleei um pouco, tonto, sem ao menos ter bebido.
— Do Pisdy, você está tendo um ataque de pânico, talvez de
ansiedade! — Ele segurou meus ombros, levando-me para sentar em um dos
bancos que havia no jardim da casa. — Respira, respira comigo.
Arquejei, tossindo. Meu peito doía, enquanto a cabeça parecia leve.
— Não estou tendo… ataque de pânico. — Puxei ar, mas tudo estava
rodando. — Eu não tenho isso. Porra.
Uma mão se fechava em minha garganta, eu não conseguia puxar ar
suficiente, sentia que ia cair.
— Rocco, concentra em mim. — Dimitri segurou meu rosto. —
Concentra em mim. — Pisquei, tentando focar no rosto dele. — Respira
comigo, segue o meu ritmo.
Precisei lutar para conseguir o acompanhar, aos poucos senti que meu
peito ia diminuindo a dor, que a respiração ia voltando e eu me sentia menos
afogado. Dimitri não saiu do meu lado, ele acariciou minhas costas, enquanto
dizia que ia ficar tudo bem.
Eu não soube quanto tempo levou, mas, quando eu finalmente pude
respirar melhor, eu sentia o corpo quente e molhado de suor.
— Merda. — Esfreguei o rosto, cansado de tudo aquilo.
— Desde quando, Rocco?
— O acidente de Victoria — respondi, sem olhar para ele. — Desde
que eu vi o coração dela parando pela primeira vez, eu…
— Você precisa ver um médico, Rocco, me escuta, você precisa de
ajuda.
Mas eu não estava prestando atenção a ele, e sim a outra coisa.
— O coração de Victoria parou a primeira vez e voltou — murmurei,
olhando para Dimitri. — O coração dela parou uma vez e voltou. E na
segunda, ele não voltou. Entendeu?
Ele me encarava como se eu fosse louco, talvez eu estivesse mesmo.
— O coração dela ia parar duas vezes, uma vez para sempre, mas ela
ia deixar um pedaço dela comigo para eu cuidar. — Levantei, começando a
andar de um lado para outro, lembrando-me do que aquela cigana havia dito
ainda em Roma. — Ele a busca, será que era eu? A cigana disse isso pra
mim, Dimitri.
Parei um momento, olhando para o meu amigo, que tinha os olhos
cheios de lágrimas enquanto me encarava.
— Amigo, venha comigo, você não está nada bem.
— Não, ela me disse. Em Roma, a cigana me disse tudo que ia
acontecer. Ela falou. Você não entende?
— Rocco, essas coisas não existem, você sabe. Previsões e coisas
desse tipo são pura superstição, não caia nessa.
Ouvi passos se aproximando e, quando notei, estava sendo observado
por grande parte da família. Inclusive, Victor estava ali, Laura também. Eles
vieram para ver o meu filho.
— Ouçam, uma cigana me disse: o coração de Victoria vai parar duas
vezes, uma das vezes para sempre, e que ela ia deixar um pedaço seu para eu
cuidar.
Eu vi olhares de pena e de tristeza. Minha mãe se aproximou:
— Filho, venha comigo.
— Depois ela disse: não desista. Eu quis, mas alguma coisa não me
permitiu. O que isso significa? Eu estou aqui, o que falta?
— Rocco, você tentou… Meu filho, você tentou fazer mal a si
mesmo?
— Claro que tentei, por que não tentaria? — Balancei a cabeça. —
Mas eu fui covarde.
Mesmo assim, falar sobre isso era vergonhoso, porque eu fui
consciente de quando me tornei negligente. Eu acreditava que uma hora ou
outra meu corpo ia desistir. Mas ele não o fez.
— Chame um médico, Rocco precisa de ajuda. — Ouvi alguém dizer.
— Não preciso de ajuda porra nenhuma — explodi. — Vocês não
entendem? Como podem comemorar se Victoria não está aqui? Eu não
suporto sequer pensar nisso, mesmo sabendo que é uma atitude egoísta.
Caralho, eu só quero a minha mulher de volta, isso é pedir demais?
— Querido. — Antonietta ergueu a mãos, aproximando-se. — Vamos
entrar, você precisa descansar um pouco.
— Não me tratem como se eu fosse louco, eu não sou — acusei,
porque estava claro que era assim que eles me viam. — Eu ia pagar o resgate,
entendeu? Eles sabiam, e mesmo assim, preferiram tirar a vida dela, não tem
sentido.
— Rocco, pare! — Victor berrou. — Victoria está morta, eu aceitei
isso, todos nós tivemos que aceitar, porque senão, ninguém ia conseguir
seguir em frente. Você precisa fazer o mesmo.
— Você está errado! — gritei, não escondendo o quão magoado eu
estava por justo ele dizer aquilo. — Ela disse que todos vocês diriam que eu
estava louco, mas eu sei que não estou.
— Sim, está. — Victor se aproximou. — Eu também reconheci o
corpo, era ela, entendeu? Aceite isso, Victoria não vai voltar e nada do que
você faça vai mudar isso!
— Você está errado! — Ergui o queixo, sob os olhares de pena da
minha família, eu me permiti chorar. — Vocês agem como se ela não
estivesse aqui, mas ela está. Em toda essa merda! Vocês só estão reunidos por
causa do filho dela, e mesmo assim, tentam agir como se ela fosse menos
importante. Victoria é o mais importante, ela e meu filho.
— Rocco… — Laura balançou a cabeça, estava chorando. — Filho,
deixa Victoria ir.
— Não posso. — Caí de joelho diante de todos eles, enquanto sentia
todas as partes que eu julguei coladas quebrando. — Acreditem em mim,
alguma coisa está errada, eu não estou louco.
— Você precisa de ajuda profissional, de pessoas que possam lhe
guiar. O luto é diferente para cada um.
Não prestei atenção em quem disse isso, eu levantei e peguei meu
filho, precisava senti-lo.
— Amo você, pequeno — murmurei, escondendo o rosto em seu
pescoço. — Mas, agora, não sou bom para estar perto de você. Eu preciso
montar esse quebra-cabeça, enquanto isso não acontecer, não sei o que vai
ser.
— Rocco, você estava indo bem. — Senti o aperto de Dimitri em meu
ombro. — Continue, e a cada dia você vai ficar melhor.
— Tenho coisas para resolver. Eu preciso pensar, deixei detalhes
importantes escaparem. — Respirei fundo, de olhos fechados, trazendo mais
do aroma do meu filho para mim.
— Por que só agora? — Victor perguntou, o tom de voz subindo. —
Por que você esperou que todos nós pudéssemos conviver apenas com as
melhores lembranças de Victoria para despejar tudo isso? Você tem dúvida se
era ela? Não basta tudo o que nós vimos? Não pense que é o único que sofre,
eu perdi a minha única filha, quando mal havia a encontrado. Não ache que
você sofre mais, que sua dor é maior. Você foi somente covarde para
enfrentar toda merda que veio a seguir. Ao invés de ficar, você fugiu, então
agora não vomite sua loucura, nós não precisamos disso.
Suas palavras eram como açoites, porque era o que todos queriam
dizer mas não tinham coragem.
— Não fale de egoísmo quando foi você quem abandonou o próprio
filho ainda bebê. Porra, não fale sobre como eu me sinto, você não sabe de
caralho nenhum! Você agiu como um grandessíssimo filho da puta egoísta, e
eu tenho certeza de que Victoria teria vergonha de você!
Se ele tivesse me chutado nas bolas com certeza não doeria tanto.
Pior, era que eu concordava com ele. Eu tinha vergonha de mim mesmo, mas
não conseguia ser diferente.
— Você quer criar uma ilusão e viver a partir dela? — A boca de
Victor torceu. — Tudo bem o problema é seu, mas não arraste todos nós para
o mesmo buraco em que você já está.
— Querer Victoria não é ilusão.
— É, porque você sabe que ela não vai voltar! — Victor respirou
fundo. — Está claro para todos nós que você precisa de ajuda profissional,
não vou confiar de deixar o meu neto com alguém tão instável.
— Ouse tentar tirá-lo de mim — rosnei, apertando Gianne, que
protestou.
— Calma, Victor, não vamos por esse caminho — Antonietta
interveio. — Não nos reunimos hoje para isso. E, Rocco, ninguém vai tirar
Gianne de você. Eu prometo. Todos vocês, por favor, entrem, eu preciso
falar com Rocco sozinha.
Não demorou muito para que seu pedido fosse atendido. Quando
ficamos só nós três, eu, ela e Gianne, Antonietta se aproximou.
— Desde o começo, eu fui contra o seu relacionamento com Victoria,
porque, na primeira olhada, eu percebi que você era como uma força da
natureza, imparável, enquanto Victoria era calma, como uma brisa — ela
disse. — Minha neta te amou por completo, e não ia querer que você ficasse
assim.
— Antonietta…
— Mas se você acredita que há algo aí fora para procurar, então, faça
isso. — Franzi o cenho. — Se para deixar Victoria ir, você precisa vingá-la,
eu te apoio em tudo. David e eu ansiamos por isso. Dê-me Gianne. —
Entreguei o meu filho a ela, era com toda certeza uma das pessoas em quem
eu mais confiava.
— Estou confuso, eu preciso me lembrar de coisas, mas não consigo
pensar direito, parece que faltam pedaços — confessei. — Minha cabeça não
está como deveria.
— Então busque o que te deixa mais tranquilo e depois foque no que
for necessário.
— A cigana, em Roma, falou que o coração de Victoria ia silenciar
por duas vezes, e por uma vez, ia ser para sempre. — Toquei nos cabelos do
meu filho, havia certo desespero em mim, que eu não sabia de onde vinha. —
Antonietta, eu achei que eram as palavras de uma mentirosa, apenas para
ganhar dinheiro, mas ela acertou.
— E o que mais ela disse?
— Que eu ia ter um pedaço de Victoria comigo. — Minha voz
embargou. — Ela acertou de novo.
— Você se esqueceu disso?
— Eu não sei por que, mas aconteceram tantas coisas, eu não dei
importância e agora as palavras se misturam.
— Rocco, fique tranquilo e pense, você vai se lembrar de tudo.
Quando fizer, me procure, vamos tentar desvendar isso.
Quando eu ia perguntar se ela não me considerava louco também, o
meu celular tocou.
— Masari — atendi, sem ao menos ver quem estava chamando.
— Rocco, é Josef.
Estranhei, por que o médico da família estaria ligando? Será que era
para falar da doação que eu mandei cancelar?
— Eu estou ocupado, Josef — disse, grosseiro, observando Antonietta
levar Gianne para dentro de casa.
— Rocco, o que tenho para dizer é importante. Por isso estou te
ligando.
— Fala.
Houve uma pausa significativa, então o ouvi dizer:
— Ele acordou.
Rocco

Nunca tive tanto ódio do caótico trânsito de Londres.


— Estamos chegando, senhor, só mais dois quarteirões.
Quando recebi a ligação, eu saí correndo feito um louco da casa de
Antonietta, não me despedi de ninguém, ou disse para onde ia. Somente corri,
desesperado para chegar aqui.
Finalmente, depois de tanto tempo, podia enxergar uma luz no final
do túnel, porque teria a oportunidade de saber coisas importantes. Se tudo
que Josef me disse ao telefone for mesmo verdade, então…
Porra!
— Mais rápido, Murdoch — ladrei, mal conseguindo manter-me
quieto no banco.
A ansiedade enrolava dentro de mim, porque não era qualquer pessoa
que eu estava indo ver.
Era Jason, o irmão de Victoria, declarado morto ainda no chão
daquela merda de floresta e, depois, diagnosticado com um quadro
irreversível. Lembro-me de ouvir Murdoch dizer isso em uma das minhas
saídas em busca de mais bebida.
— Como ele saiu do coma? — Esfreguei as mãos. — Disseram que
era impossível.
— A medicina está muito avançada, senhor — Murdoch respondeu.
— E Jason é duro demais na queda. Chegamos.
Corri em direção à porta de entrada quando o carro nem havia parado
direito. Eu sabia onde procurar, área vermelha, pacientes em estado crítico,
eu lembrava bem o caminho. Empurrei as portas duplas e avancei como um
furacão, sem me importar em manter o silêncio por causa do ambiente.
— Pare! — Ouvi a voz de Josef e estaquei, quase o derrubando.
A pressa para ver Jason estava quase me matando.
— Preciso vê-lo! — disparei, tentando passar pelo médico. — Preciso
falar com ele.
Josef balançou a cabeça, sua expressão fechou-se por causa do meu
estado.
— Você sempre está atropelando as coisas. — Suspirou, cansado. —
Você precisa ir com calma, Jason passou meses em coma, esteve a ponto de
morrer várias vezes, você não pode exigir nada dele agora.
— O que quer que eu faça? — Esfreguei os cabelos, depois cruzei os
braços, porque não conseguia controlar as mãos. — Preciso saber como tudo
aconteceu. Ele deve ter visto um rosto, pode indicar algo. Qualquer maldita
coisa!
— Você não entende? — Josef pegou meu braço, puxando-me para
um corredor.
Estava alterado e eu nunca o vira assim. Na verdade, em todos os anos
em que o conhecia, poucas vezes o vi perder a compostura dessa forma.
— Jason deu entrada neste hospital em processo de reanimação. Sabe
o quão difícil foi conseguir que ele sobrevivesse? — rosnou, os olhos claros
brilhando de raiva. — Tivemos que manter alguém ao lado dele o tempo
todo, por mais de três dias. Teve mais duas paradas, dentro e fora da cirurgia.
Ele estava desenganado, entendeu? Ou quer que eu continue?
— Merda! — Esmurrei a parede, o corpo todo trêmulo. — Josef, essa
é a única chance que eu tenho de encontrar respostas, preciso falar com ele.
Você disse que ele estava falando.
—Eu nem sei como pode estar vivo, é um milagre. — Eu acenei,
porque durante esses meses eu o considerei morto.
Baseado no que me disseram.
— Acho que a vontade que ele tem de viver é maior que a morte tem
de levá-lo. — Josef balançou a cabeça, parecia bem cansado. — Vem
comigo.
Apesar de estar com a mente fervilhando, me obriguei a ficar quieto e
segui-lo. Quando chegamos a uma porta, ele disse:
— Ouça, eu fiz todos os exames de imagem, tomografias, ecografias e
o que mais poderia ser feito. Fisicamente, ele está bem, mas no que diz
respeito à parte psicológica, eu não garanto. Ele não quis receber um
psicólogo, e eu cuidei para que ninguém falasse demais perto dele.
— O que você quer dizer? — Outra vez, senti como se uma mão
apertasse a minha garganta.
— Semanalmente, um homem vem visitá-lo. Chama-se Heylel
Demonidhes, ele disse que era irmão de Jason, mas eu não sei, o cara parece
muito perigoso.
— Ele está aqui?
— Não, geralmente vem aos sábados. Fica uma hora e depois vai
embora.
Josef me encarou, como se esperasse algo. Eu não sabia o que deveria
dizer, se ele disse que o irmão da minha esposa estava bem, então…
Eu agarraria somente essa parte da informação.
— Ele vai ter sequelas? — Cruzei os braços outra vez, apenas assim
obrigava-me a não invadir o quarto.
— Vai precisar de muita fisioterapia, e também não acho que ele se
importe de adicionar algumas cicatrizes novas à coleção. — Josef baixou o
tom de voz. — Mas, Rocco, sequelas psicológicas, eu tenho certeza. O que
aconteceu foi… traumático demais.
— Tudo bem, entendi. — Acenei, lutando para não ofegar como um
maratonista. — Então, de acordo aos exames que você fez, quando poderei
levá-lo para casa?
— Devagar! — Josef me olhou como se eu fosse louco. — O que eu
acabei de dizer? Temos que cuidar da saúde mental dele, porque eu temo que
em breve a situação piore.
— Por que, ele fez alguma coisa? Ele está falando?
— Desde que acordou, ele chama por Victoria. Seu estado de ânimo
não é dos melhores, creio que estamos com uma bomba nas mãos.
Dei alguns passos atrás, porque com certeza ainda não estava pronto
para lidar com uma situação dessas. Eu mesmo nem tinha saído da lama,
todos os dias lutava para controlar as emoções e viver um pouco melhor.
— Você é a ligação dele com Victoria. Não creio que haja alguém na
sua família ou na de Victoria forte o suficiente para lidar com isso.
— Você acha que eu sou forte? Josef, olha para mim! — Uma risada
de desespero escapou.
— Então comece a ser e pense bem antes de falar qualquer coisa. —
Ele saiu da minha frente. — Para ele, não se passaram seis meses.
Engoli em seco, quando olhei para a porta do quarto onde Jason
estava. Por um breve instante, a vontade que eu tive de fugir se tornou
sedutora, mas eu não ia fazer isso, porque mais que eu quisesse.
— Eu tenho uma equipe de psicólogos preparada, vá, conte o que
aconteceu, essa notícia é sua para dar.
A meu ver, os poucos passos até o quarto de Jason foram torturantes.
Passada a euforia de saber que agora eu teria respostas, o medo do que ele
poderia me dizer ferroou, pois o cenário daquele dia foi aterrorizante.
Restos de carros explodidos, o cheiro de gasolina, o odor rançoso de
sangue que impregnava o ar, os corpos sem vida…
Uma cena tirada de um pesadelo que terminou com a imagem
destroçada de Victoria.
— Dio santo. — Fechei os olhos por um breve momento, quando
segurei a maçaneta.
Precisei respirar fundo muitas vezes, para criar coragem e abrir a
porta.
A primeira coisa que vi foi que Jason estava sentado em uma poltrona
colocada de frente para a janela. Caminhei até o meio do quarto, esperando
que ele me olhasse. Quando me viu, deu um sorriso enorme, mas quando
prestou atenção em mim, o sorriso morreu.
Não fui capaz de dizer nada.
Observei, paralisado de tristeza, quando tentou levantar, e não
conseguiu. Seu corpo magro não aguentava o mínimo esforço.
— Onde está Victoria? — perguntou baixinho, voltando a me olhar.
— Rocco, onde está a minha Bonequinha?
O jeito com que ele perguntou me deixou mudo. Eu não consegui
encontrar palavras para dizer, no momento, eu não conseguia dizer nada.
— Ela está muito ocupada, não é? Não tem problema. — Notei que
seus olhos iam enchendo de lágrimas. — Eu espero por ela, eu posso esperar
por ela sem problema. Josef disse que eu posso ir para casa em breve. Eu sei
que ela vai estar lá me esperando.
— Jason. — Interrompi suavemente, pela primeira vez, encontrando a
minha própria voz.
— Não faz mal ela não ter vindo, sei que minha Bonequinha é
ocupada, ela vai estar me esperando em casa.
— Jason — chamei de novo, e ele me encarou.
Em todos os anos que eu o conhecia, nunca vi tal expressão em seu
rosto. Parecia uma mistura de realidade desolada e descrença.
— Eu sinto muito, brother. — Minha voz embargou, mas cada
palavra saiu rasgando.
Seus ombros curvaram, vi quando ele inclinou para frente, como se
estivesse caindo. Eu corri e o segurei, colocando meu corpo como proteção.
— Não — murmurou, enterrando o rosto em meu pescoço. — Ela não
pode fazer isso.
— Ela se foi, brother, nossa garota nos deixou. — Meu rosto torceu,
cerrei o maxilar duramente, precisava ficar firme para ele. — Ela nos deixou
para sempre, há seis meses.
Jason chorou em meus braços.
Seu corpo tremeu com grandes e torturados soluços. Senti-o me
abraçar apertado, desabando num pranto terrível.
Para mim, ele pareceu um garoto desamparado.
Eu o segurei firme, abraçando-o o mais forte que pude. Eu estive
exatamente no mesmo lugar, eu chorei do mesmo jeito que ele chorava agora,
lembrava exatamente da sensação de estar morrendo quando eu tive a certeza
de que Victoria se fora.
A dor de Jason vibrava como ondas, eu sabia que a recusa em
acreditar naquela realidade começava a crescer dentro dele, também sabia
que um grande vazio começava a se formar.
Seu choro iria durar muito tempo, ainda.
— Eu a amava tanto. — Soluçou — Eu não pude protegê-la. Meu
Deus, foi minha culpa, eu deveria ter matado a todos, mas ela estava ferida.
Jason afastou-se para me encarar.
— Preciso vê-la! — Esfregou os olhos — Preciso saber onde está!
Assenti, concordando.
— Quero vê-la agora!
Mas ele não pôde sair tão rápido quanto gostaria. Levou mais duas
semanas para que Jason pudesse sair do hospital.
Apesar de estar plenamente consciente, ele ainda precisava de uma
série de cuidados.
O principal tratava-se de seu estado psicológico. Nesses dias, eu o
acompanhei, não saí do seu lado, porque temia que cometesse uma loucura.
Jason não falava diretamente comigo, mas ficava o dia inteiro murmurando,
em um idioma que eu não reconheci de imediato.
Depois, ao prestar atenção, notei que era turco.
— Jason, converse comigo — chamei, pela milionésima vez. —
Enquanto seguíamos pelas ruas de Londres.
Suas atitudes não diferiam muito das minhas, no começo, eu só quis
ficar sozinho, e ele não podia. Isso o irritava a ponto de fazê-lo surtar e
atacar-me. Nenhuma das minhas perguntas foi respondida, ele guardou
silêncio sobre o que aconteceu, e eu entendi que depois que visse onde
Victoria estava talvez ele reagisse.
— Eu falei com Rafael, ele está com problemas em Nova Iorque, por
isso não pôde vir.
Tentei chamar sua atenção, queria que conversasse, dissesse qualquer
coisa. Descobri que havia muitos segredos na vida dele, e esse parentesco
com os Demonidhes era um deles.
— Jason?
Murdoch me olhou pelo retrovisor, não escondendo o quão
preocupado estava. Nenhuma das minhas tentativas para falar com Jason
obteve sucesso, nem antes, nem agora. Ele parecia congelado no banco do
carro, observando a rua passando diante de seus olhos.
Apenas quando chegamos ao cemitério, ele esboçou a primeira
reação.
— Quero ficar sozinho com ela — disse, sem olhar para mim.
Eu nunca tinha voltado aqui depois que a havia deixado. Apesar do
tempo que se passara, não era nenhum pouco fácil porque era ali que acabava
toda e qualquer esperança que eu tivesse.
Tudo se tornava mais real e duro, porque, em minha cabeça, criei a
ilusão de que ela se foi e pronto, pois era insuportável pensar que estava
enterrada.
Isso parecia torcer minhas vísceras bem devagar.
— Vou ficar do seu lado, ficarei em silêncio porque sei exatamente o
que sente, eu convivo com o sentimento diariamente.
Descemos do carro, em uma das mãos ele carregava flores, na outra
segurava uma bengala. Caminhamos muito devagar até a lápide dela. Ficava
à frente da lápide de seus pais. As três estavam cheias de flores, mas a de
Victoria tinha vários desenhos de roupas e cartas.
Abalado, fechei os olhos. Estava mais uma vez reavivando minha
maldita chama.
— Bonequinha. — Não o segurei quando seus joelhos cederam, de
alguma forma, ele precisava sentir isso até o final. — E agora, pequenina?
Quem vai me amar?
Ergui a cabeça, permitindo-me desabar só por um momento. Mas
Jason, não, ele demonstrava de forma violenta seu desgosto, enquanto ainda
suplicava pela família que perdera.
— Recorda a primeira vez? Sorria para mim e te prometo o mundo
mais belo. — Jason leu chorando a inscrição na lápide — Amada…
Baixei a cabeça quando a frase foi interrompida, Jason estava com o
queixo encostado no peito, sua cabeça balançava em negação.
— Quem irá me aceitar torto desse jeito? Quem vai me tratar como
igual mesmo que meu sangue seja podre? Onde irei encontrar alguém que me
olhe como você me olhava? Eu sentia seu amor por mim, eu sabia que não
era pena, era amor mesmo. Eu nunca te agradeci o suficiente.
Esfreguei o rosto, buscando controle, eu não esperava que ele ficasse
tão destruído.
— Jason, você tem a mim, não está sozinho, eu estou aqui.
Com muita dificuldade, ele levantou, ficamos frente a frente.
— Foi o tiro, não foi? — perguntou desolado, falando pela primeira
vez sobre que aconteceu.
Franzi o cenho, sentindo o sangue gelar. Talvez ele estivesse com
mais problemas psicológicos do que eu esperava.
— Que tiro, Jason?
Talvez não tenha sido uma boa ideia trazê-lo aqui. Apesar dos
pesares, ele esteve fora do ar por um longo tempo e ainda teve que lidar com
tudo o que aconteceu.
— O tiro que Victoria levou.
As suas palavras tiveram um sabor amargo na minha boca.
— Victoria não levou nenhum tiro — esclareci. — Você está
confundindo.
A cabeça dele chicoteou em minha direção. Sua expressão era
indecifrável, os olhos escurecendo de repente.
— É você quem está enganado. — Sua voz trouxe o retumbar de um
relâmpago que me atingiu em cheio. — Eu mesmo cuidei da ferida.
Naquele momento, meu coração afundou, senti minha vista
escurecendo, um longo arrepio subiu pela minha coluna. Não soube o que
pensar, dizer. O fato era que a esperança floresceu, e desta vez ela não
parecia frágil e sim tão forte quanto um terremoto de grande escala.
— Victoria levou um tiro, parecido com o seu, atravessou. Ela estava
fraca, com medo, eu a ajudei.
Minha memória voltou ao dia em que reconheci o corpo. Obrigue-me
a pensar em cada detalhe, não havia marca de tiro nas laterais dela.
— Tenho certeza absoluta de que não havia tiro nenhum, eu mesmo a
verifiquei.
Encaramo-nos pelo que pareceu ser uma eternidade. O que eu vi no
rosto de Jason me deu a certeza de que o homem que ele foi no passado
estava assumindo o controle.
— Eu não sei o que está acontecendo aqui, mas eu juro que vou
descobrir — falou baixo, o rosto sulcado de lágrimas.
Os olhos negros de fúria.
— Por onde começar? — Esfreguei o peito, um desespero
completamente novo crescendo, cogitar a possibilidade de que ela pudesse…
Dio santo, só de pensar, sentia-me enlouquecer.
— Você não está confundindo? Jason, eu sei que você…
Ele voltou a encarar o túmulo de Victoria.
— Eu disse que minha vida não valia a pena, e mesmo assim ela lutou
por mim. Não importa o que vai acontecer a seguir, mas eu vou retaliar.
O olhar dele se fixou no homem que estava a alguns metros de nós.
Jason não disse nada enquanto o vimos aproximar-se.
— Saudações, irmão.
— Heylel — Jason saudou, então me encarou. — Não queriam saber
o meu passado? Pois bem, eu vou lhes mostrar.

***

Nós estávamos indo para casa, e o silêncio parecia gritar em meus


ouvidos, porque a cada instante a esperança somente crescia. E ela era o pior
dos sentimentos, passei a detestá-la a ponto de considerar uma desgraça.
Não havia coisa pior do que acreditar, se convencer, estufar o peito de
alívio só para no fim ver que tudo não passou de ilusão. A esperança
alimentava-se da própria esperança, instigando a fé, cultivando os ideais de
seres humanos fortes e fracos, mas que no fim padeciam do mesmo mal.
Acreditar no impossível, e isso nos fazia tolos. Mas agora, não era só um
sentimento, eram fatos comprovados por uma pessoa que tinha propriedade
sobre o que dizia.
— Jason, me conte como tudo aconteceu, o máximo que lembrar —
pedi, desconfortável de estar no mesmo lugar que seu irmão.
Heylel, esse era o nome do gigante mal-encarado. Eu conhecia Rafael,
mas não ele, digo, não o conhecia além daquele episódio na minha casa.
O jeito com que permanecia imóvel era desconcertante.
— Se você puder descrever algum rosto, vai ajudar muito.
Dentro do carro não havia espaço suficiente para conter a fúria de
Jason. Ele parecia tremer, uma energia densa e pesada crepitava ao seu redor.
— Fomos seguidos, eles sabiam muito bem como proceder, eram
treinados, estavam fortemente amados. — Jason respirou fundo, notei que
suas mãos começaram tremer. — Naquele dia, a elite de Victoria não pôde ir,
estavam todos doentes.
— Rafael e Heylel me procuraram, esta foi uma das informações que
Rafael me passou. — Franzi o cenho. — Esta foi uma das questões que o
deixou intrigado, pois os sintomas eram de intoxicação alimentar. Mas não
tem sentido, eles não comiam lá.
— Apenas quando eram convidados, e dois dias antes eles foram —
Jason disse. — Eu também, mas não sou fã de nozes. Alguém estava
comemorando aniversário, e convidou a todos nós.
— Quem? — Eu queria sacudir Jason, cada informação que ele
possuía era preciosa e mudava tudo.
— Acho que Philipi, o responsável pelo jardim. — Ele olhou para o
irmão. — Não houve tempo para nada, fomos atacados muito rápido, sabiam
qual era carro de Victoria. Eu tentei…
Jason interrompeu-se, sua boca crispada em uma linha fina. Seus
tremores aumentaram.
— Respire — Heylel disse, a voz baixa, em tom de comando. Ele
inclinou-se e murmurou algo em turco para Jason. — Agora, volte lá e nos
conte tudo que precisamos saber.
Jason fechou os olhos, as mãos apertadas em punhos, depois respirou
fundo algumas vezes, antes de começar a contar o que de fato acontecera.
Eu mal podia acreditar que o momento havia chegado e que eu ia
saber de tudo.
— Seguíamos para casa, quando pegamos o acesso pela rodovia
florestal, um dos carros de apoio explodiu. Eu soube na hora que era uma
emboscada. Nós fugimos, eles tentaram nos parar atirando nos pneus. Entrei
na rota de trilha, e o outro carro de apoio explodiu. Eu nos levei até a parte da
divisa, em que a floresta se tornava densa.
A minha respiração travou, sentia como se tudo dentro de mim
estivesse revolvendo.
— Mandei Victoria correr, eu iria rastreá-la depois. Eu fui atrás de
quem nos atacava, contei doze homens, sendo onze estrangeiros. Eles agiam
como mercenários, percebi pelo modo como estavam nos rastreando, eles
eram militares. Consegui matar cinco, bem rápido, mas ouvi som de tiros,
isso me deixou apavorado. Eu desisti de caçá-los e fui para Victoria.
Jason me olhou, a tristeza e a decepção estavam tão evidentes em seu
rosto, que por um momento pensei que ele fosse a minha imagem no espelho.
— Eu temi deixá-la sozinha, Victoria chorava muito, estava
apavorada, preocupada comigo. Infernos, eu voltei para encontrá-la perto de
ser capturada, eu matei os dois que iam pegá-la, mas quando eu me
aproximei, notei que não fui rápido o suficiente. Ela estava ferida. Victoria
levou um maldito tiro. — Jason enfatizou suas palavras. — Eu a carreguei em
meus braços porque sangrava muito, nós tentamos ir o mais longe possível,
mas uma dor absurda se alastrou pelas minhas costas, nós caímos, então,
Victoria… ela…
— Ela o quê? — Eu quase o puxei pela gola da camisa. — Ela o quê?
Jason estreitou os olhos.
— Em algum momento, Victoria soube o que estava acontecendo, ela
me entregou o colar porque tinha certeza de que estavam ali por ela, não
porque ela fosse o alvo de interesse, mas porque ela sabia, com certeza. Eu
disse que não deveria fazer aquilo, porra, eu disse. Ela deveria ter fugido.
Mas ela sabia que eu não ia conseguir. Merda! — Ele baixou a cabeça. —
Tem noção de como eu me senti? Eu deveria estar ali a protegendo, não o
contrário, eu era o bastardo com treinamento, não ela.
— E o que mais, Jason? — perguntei, tentando manter o controle,
saber daquilo estava acabando comigo.
— Victoria disse: diga a Rocco sobre as rosas negras, elas contaram
seis meses.
Na hora, eu senti meu corpo ser inundado por um sentimento de raiva
e pavor. Primeiro porque, quando Victoria recebeu o buquê na maternidade,
ele tinha seis rosas. Fiz as contas rápido, e Victoria foi sequestrada em março.
Quando nosso filho completou seis meses.
— Mas onde ela recebeu as outras rosas? — Franzi o cenho. — Não
tem sentido, eu não a vi receber nada, a não ser que ela não tenha recebido.
— Não sei. — Jason cruzou os braços. — Mas eu vou descobrir, até
porque, nos primeiros meses, Victoria não saiu de casa, se ela recebeu
alguma coisa, foi lá.
— Empregados — Heylel murmurou.
— Exato, é impossível que não tenham visto nada! — Jason soltou o
fôlego. — Vamos para casa.
Merda!
— Eu mandei fechar a casa.
— Então, você precisa reabri-la e chamar todos de volta.
Concordei, fazendo rapidamente a ligação que resolveria esse
problema. Com essa parte concluída, senti que a cada minuto ficava mais
difícil de respirar, porque com toda certeza as preciosas informações que
Jason me dera mudavam tudo.
— Jason, você tem certeza de que havia um tiro em Victoria?
— Absoluta.
Concordei, porque a atitude que eu ia tomar não era fácil, ia sacudir a
família inteira e, com certeza, seria o meu atestado de loucura.
— Okay, eu confio em você.
Liguei para quem poderia me ajudar.
— Irmão? O que houve? Quando poderemos ver Jason? Ele está bem?
— Dimitri, precisamos conversar, o que eu vou te falar é importante.
— Olhei para Jason. — Você estava comigo quando fomos reconhecer o
corpo de Victoria, você viu algum tiro nas laterais dela?
— Não.
— O legista, quando falou sobre os ferimentos, mencionou tiro?
— Não.
— Jason acabou de afirmar que ela levou um tiro e que ele mesmo
cuidou da ferida.
Esperei que ele dissesse algo, mas meu amigo fez silêncio. Eu
também, por um momento, não soube o que dizer.
— Eu sei o que você quer fazer — Dimitri falou baixinho. — Eu vou
fazer isso, o mais rápido possível, tenho contatos que podem resolver em uma
semana. No máximo, mas não vai ser por meios legais.
— Faça, não importa o método. — Esfreguei o peito. — Eu estou me
agarrando a essa possibilidade, irmão…
— Rocco, o que o teu coração te diz?
Não precisei pensar muito.
— Que eu devo continuar por esse caminho.
— Então, eu vou contigo, aguarde contato, irei começar a trabalhar
agora.
Desliguei o telefone, e o encarei por mais tempo do que poderia ser
necessário.
— O que você vai fazer? — Jason perguntou, encarando-me.
— Farei um teste de DNA, e então saberei se o corpo que está
enterrado é o de Victoria ou não.
Jason recostou no banco, suspirando.
— Eu tenho certeza de que não é.
Rocco

— Pare de ficar andando de um lado para o outro — Dark rosnou. —


Você deveria ir treinar.
— Não consigo parar de pensar. — Esfreguei o cabelo.
Desde o dia em que Jason acordou, ele trouxe esperança. Agarrei-me
loucamente às suas palavras, enquanto precisava esperar que todas as coisas
que coloquei em movimento dessem resultado.
Ainda esperamos que alguém seja um bom delator e nos conte sobre
os sequestradores, mas parecia que o medo estava levando a melhor. Nem o
dobro do que ofereci inicialmente foi incentivo para que começassem a falar,
e isso só nos deu certeza de que estávamos lidando com algo grande.
A cada dia, Jason e seu irmão, o enigmático Heylel Demonidhes,
fazem treinamentos, e independente de qual fosse a técnica que eles estavam
empenhando, o fato era que Jason estava melhorando muito rápido.
— Rocco, você precisa ter foco, não é o momento de surtar. — Mais
uma vez Dark tentou me acalmar.
Parei, encarando-o. Será que ele tinha a mínima noção do que todas as
novidades significavam? Se o que Jason nos dissera se confirmasse, eu não
sabia o que faria, porque, a cada minuto, estava se tornando mais insuportável
lidar com os questionamentos.
Eu não conseguia acreditar que todos nós tivéssemos sido enganados,
que eu pudesse ter sido.
O que me mantinha firme era esse ramo de esperança. Eu não tinha
mais nada para perder, estava no fundo do poço há tempo demais, e a
possibilidade de que talvez houvesse uma chance de que Victoria…
Dio santo, era difícil até pensar nisso.
— Somente aceite de uma maldita vez — Dark gritou na minha cara.
— Victoria pode estar viva.
Senti-me golpeado por suas palavras, mas era por isso que estávamos
burlando regras e agindo fora da lei. Para ter certeza, porque o maldito ramo
de esperança aguilhoava meu coração incessantemente, desde que Jason
havia voltado para nós.
— Eu aceito a possibilidade, inclusive anseio por ela. — Aproximei-
me, raiva fazendo-me tremer. — Mas, então, eu me vejo aqui, como um
perfeito inútil, enquanto a minha mulher pode estar em qualquer parte do
mundo, sofrendo, chamando por mim, precisando que eu a proteja.
— Rocco…
— Não, caralho, não tente amenizar essa porra! — explodi. — Você
acha que somente isso não é motivo para eu enlouquecer? Passei seis meses
pensando somente em mim, e não parei para juntar as peças, eu não fiz nada,
entendeu? Nada!
— Rocco, você não tinha como saber de certas coisas, não tinha como
chegar a esse ponto…
— Eu poderia ao menos ter tentado! — Bati na mesa. — Eu poderia
ter tentado.
— Você não poderia. — Aquela voz carregada de indiferença
aumentou a minha raiva.
Heylel Demonidhes estava recostado na parede, de braços cruzados,
nos observando. Desde que chegou ao complexo, ele atraiu atenção. Era
grande demais, quieto demais, e uma verdadeira máquina no campo de
treinamento.
Nenhum de nós, sozinhos ou juntos, conseguia bater seus números. O
cara era o melhor, em tudo.
— Você não sabe…
— O que diz? — Arqueou a sobrancelha, o olho azul cintilando. —
Frase clichê. Diga-me, você é sempre assim? Tão previsível?
— Que porra está falando? — Aproximei-me dele, queria só mais um
motivo para socar a maldita cara do imbecil.
— Surta. — Ergueu um dedo. — Perde tempo. — Ergueu outro. — E
finalmente começa a pensar. — Ergueu o terceiro dedo. — Previsível.
Eu não tive uma resposta adequada porque eu era exatamente assim.
Quantas vezes Victoria me disse para ter paciência e analisar as coisas? Eu só
vim aprender depois de quebrar a cara feio.
— O seu problema é falta de paciência. — Apontou. — Isso vai
acabar comprometendo tudo.
— Ninguém entende o que…
— Entendem, sim, ninguém é idiota. Agora, você realmente acredita
que as pessoas que sequestraram a sua mulher não estão de olho em você?
Pare de dar o que eles querem e comece fazer as coisas direito. Use isso. —
Apontou para a própria cabeça. — Para controlar todo o resto.
Suas palavras me colocaram em xeque, ainda assim, ninguém ali
poderia imaginar como me sentia.
Quando ele deu as costas para sair, eu disse:
— Pensar que eu falhei com a minha esposa não me permite ter paz.
Eu levei tempo demais para começar a entender os sinais, a juntar peças, e
agora ela pode estar por aí, sozinha, sofrendo, precisando de mim…
— E daí? — Heylel disse. — Você pelo menos tem algo pelo que
lutar, outros não tiveram a mesma sorte. Pense nisso antes de estragar tudo.
Ele me deixou, e por mais estranho que isso parecesse, eu me senti
mais concentrado. De fato, agora, não dava para fazer nada, a não ser esperar.
Tudo o que eu poderia fazer, já havia feito.
— Vamos treinar — Dark chamou, e eu o segui, ainda em silêncio.
Seguia alheio, fazendo as séries que eram exigidas, enquanto os
pensamentos iam longe. Esperar era uma tortura, e se eu deixasse a
imaginação voar, tudo piorava exponencialmente.
— Rocco, o seu telefone — Jason avisou, ele estava sentado,
descansando de uma sessão com o irmão.
Ainda não havia parado para me contar sobre seu passado, eu
esperava que um dia ele fizesse isso.
Peguei o aparelho, quando vi, era Antonietta.
— Aconteceu alguma coisa com o meu filho? — Um nó apertou
minhas vísceras.
Medo real atingindo-me.
— Não, estou ligando para avisar que a sua casa está pronta, todos os
empregados estão lá.
— Todos, você tem certeza? — Olhei para Jason, ele estava em pé,
prestando atenção à conversa.
— Sim, eu mesma verifiquei.
— Obrigado.
A vontade que eu tive de correr para casa e conversar com todos eles
foi enorme. Sentia que estava cada vez mais perto de colocar outra peça nesse
quebra-cabeça.
— Rocco, eu vou precisar fazer uma viagem, por isso não vou poder
ficar com Gianne pela próxima semana. A não ser que você me deixe levá-lo.
— Você vai para o Brasil?
Pensei por um momento. Não queria ficar longe do meu bambino,
mas os rumos que as coisas poderiam tomar ainda eram imprevisíveis. Eu iria
até o fim de tudo isso, e com toda certeza não o queria perto da linha de fogo.
— Não. — Ela fez silêncio por um momento, então disse: — Estou
indo para um evento de moda em Paris, que homenageará Victoria, eu sou
convidada de honra.
Precisei sentar um instante.
Desde que Jason acordou, eu me dividi entre cuidar dele e do Gianne.
Até o ponto que ele abriu o jogo e as dúvidas se assomaram. Eu não fazia
ideia de que planejavam fazer um evento em homenagem à Victoria.
— Você está falando sério?
— Sim, o comitê de organização queria que fosse no dia do
aniversário dela, mas eu recusei, então, eles alteraram a data. Sinto muito não
ter contado, eu achei que isso poderia magoar você.
— Tudo bem, não importa. — Passei a mão no cabelo.
— Eles queriam convidá-lo, mas, Rocco, eu pensei que…
— Fez bem, não tenho interesse algum. Quando você vai viajar?
— Amanhã, você vem pegar o Gianne ou eu o deixo com sua mãe?
— Eu irei pegá-lo.
Não ia ser negligente com meu filho. Victor estava de olho, ele queria
um erro meu para começarmos a brigar na justiça. Sua intenção era tirar o
meu filho de mim, ele já havia deixado claro.
— Rocco, eu soube que mandou exumar o corpo — Antonietta falou
baixinho. — Eu não contei para Victor, ele não ia saber lidar com isso, eu
percebi que meu filho anda procurando briga com você.
— Sinto muito, mas foi preciso.
— Rocco… — Ouvi o embargo em sua voz. — David me disse que
há uma possibilidade de que… — Como eu, ela não conseguia falar
abertamente. — Surgiu uma dúvida, por favor, diga-me que é real.
— Sim, é muito real. — Fechei os olhos, encostando a cabeça na
parede. — Eu apostaria tudo que tenho. Jason contou-me coisas que me
levam a crer nisso.
— Por que ele não quer falar comigo? — Antonietta perguntou,
parecia magoada. — Eu sinto falta do meu neto insolente.
— Lembra-se de como eu fiquei?
— Sim, filho, mas é só que… — Ela pausou, e eu coloquei o telefone
no viva-voz, Jason estava perto, poderia ouvir. — Eu o amo. Sinto falta dele,
Jason é o neto do meu coração, eu aprendi a amá-lo.
Eu observei quando ele levantou e saiu. Sabia que no momento não
conseguiria lidar com ninguém.
— Ele sabe disso, Antonietta. É só que Jason se sente culpado.
— Mas ele não é. — Ela foi firme. — Ele não é. Por favor, Rocco,
não o deixe acreditar que está sozinho, eu estou aqui, eu só quero uma chance
para trazê-lo para junto de mim. Ele tem uma família por ele.
— Sim, ele tem.
E eu não me referia a nós.
— Eu preciso ir, acabei de sair da sua casa, está linda. — Ela
suspirou. — Vou levar Gianne para ver os patos, ele adora.
— Você está com os seguranças, não é?
— Sim, três equipes, como você ordenou.
— Tudo bem, não saia sem eles. Mesmo que esteja sem o meu
bambino. Mais tarde eu ligo.
Desliguei o telefone, e saí do ginásio em busca dos outros. Estavam
espalhados pela academia.
— A casa está pronta, e os empregados estão todos lá. — Dark parou
a esteira, eu tinha a atenção de todos. — Vamos.
Saímos do complexo de treinamento em dois carros. A cada minuto
eu sentia o meu coração mais e mais acelerado, porque não sabia o que
encontraria. Poderia descobrir as respostas para tudo o que me afligia, ou
voltar de mãos vazias.
Todos estavam tensos, pois sabíamos a importância do que vinha a
seguir.
— Cabeça fria, Rocco — Dark avisou. — Precisamos de respostas,
então mantenha-se frio.
Dei um aceno curto, mas não esperava que um enorme calafrio
percorresse o meu corpo quando cheguei à minha casa. Ainda do carro, eu a
vi bonita, não havia mato ou sujeira, notava-se que fora cuidada.
— Dio santo. — A visão dela pressagiava dor, era como uma
gigantesca caixa de pandora.
Aquela era a casa da minha esposa, que ela escolhera. Foi nela que
vivi os melhores e piores momentos da minha vida.
— Porra — Jason rosnou.
Como eu, ele admirava a mansão branca e azul, o sonho de Victoria.
Ela havia escolhido as cores e cada maldito detalhe. Ver as luzes acesas fazia
parecer que nada havia mudado, mas estar aqui sem Victoria era como
esperar o ano inteiro pelo melhor presente, apenas para abrir a caixa e
encontrá-la vazia.
Uma maldita sensação opressora pulsava em meu corpo.
Eu ia buscar respostas, e que Deus me ajudasse, se eu não as
encontrasse.
— Você está pronto? — Dark inclinou-se para mim. — Se você não
quiser entrar, eu irei.
— Vamos.
Desci do carro, depois, parei um momento.
Havia um belíssimo pôr do sol. Estávamos no final de setembro, era
outono.
— Você adoraria isso, amore mio — murmurei, não me deixando
abalar pelo profundo sentimento de perda.
— Rocco — Jason disse, próximo. — Vamos.
Respirei fundo antes de entrar na minha casa. Apesar de estar tudo do
mesmo jeito que antes, não havia brilho, ele tinha se apagado desde que
Victoria se fora.
Mariana, a mulher em quem Victoria confiava e quem escolhera para
ser a nossa governanta, foi a primeira a se aproximar. Ela estava sorrindo,
parecia aliviada por estarmos ali.
— Senhor, estou tão feliz por voltarmos. — Acenei. — Precisa de
algo?
Não a respondi, em vez disso, disse:
— Murdoch, cuide para que ninguém consiga fugir. — Olhei para
Mariana. — Caso queiram.
— Sim, senhor — ele respondeu, saindo.
— O que está acontecendo, senhor? — O sorriso de Mariana morreu,
ela deu alguns passos atrás.
— Eu quero todos os empregados da casa aqui, principalmente,
Philipi — ladrei a ordem e os gêmeos correram.
— Eu posso ir? — Mariana perguntou.
— Você fica — eu disse.
Comecei a andar de um lado para o outro, esperando. Jason estava
recostado em uma parede. Heylel seguia ao seu lado, como uma gigantesca
sombra vigilante e protetora.
Um a um, os empregados foram chegando e juntando-se na sala.
Contei trinta pessoas.
— Só encontrei esses, Rocco — Drake, um dos gêmeos, avisou.
— Estão todos aqui, Mariana? — perguntei à governanta que Victoria
adorava.
— Sim, senhor — respondeu baixo.
— Okay. — Balancei a cabeça, olhando para cada um deles. — Vou
perguntar somente uma vez, por isso, eu espero que pensem bem antes de
responder.
Fiz uma pequena pausa, eu esperava que isso os deixasse um pouco
mais desconfortáveis. Eu tinha certeza de que pelo menos um deles tinha
respostas para mim.
— Algum de vocês percebeu algo estranho com a minha esposa? —
Andei devagar, prestando atenção neles. — Victoria recebeu ameaças e,
depois de algumas informações privilegiadas, chegamos à conclusão de que
alguém de dentro desta casa passava informações, temos um traidor aqui, e
eu quero saber quem é.
Era um blefe, esse lance das rosas e os seis meses que Victoria dissera
poderiam não ser nada, mas também poderiam ser tudo. Eu só precisava
conseguir puxar o fio solto e, maldição, eu tinha certeza de que já o tinha
quase nas mãos.
— Não, senhor, eu não percebi nada. — Mariana foi a primeira a
responder, e ela vivia ao lado de Victoria.
Isso me deixou bastante preocupado.
— Philipi, o que você comemorou aqui? — perguntei ao jardineiro.
Ele era um homem robusto, mais velho, e muito experiente na sua
área. Foi minha mãe quem o indicou.
— Minha neta foi aceita em Oxford, vai cursar medicina — ele
respondeu. — Eu disse que estava feliz e Mariana deu a ideia de
comemorarmos, ela fez um bolo.
Meu olhar chicoteou na mulher, e ela me encarava um pouco pálida.
— Senhor, eu posso falar? — Uma jovem ergueu a mão.
Havia muita serenidade em seus olhos escuros.
— Por favor, fique à vontade — eu disse, e ela acenou.
— Eu me chamo Dandara, sou prima de Mariah, a noiva para quem
Victoria fez o casamento, lembra-se? — Acenei, prestando atenção. —
Minha prima me indicou à Victoria e ela me aceitou aqui, eu sou a
responsável pela limpeza e organização dos quartos principais.
— Dandara, você não deve se dirigir ao senhor diretamente —
Mariana a interrompeu.
— Continue. — Eu me aproximei dela. — E você, Mariana, silêncio.
— Toda nossa família adora Victoria, e trabalhar aqui para ela foi
uma honra. Um dia, senhor, eu notei que as coisas pareciam estranhas,
porque havia dias em que a senhora sempre ficava muito triste, mas ela
escondia do senhor, e isso me deixou confusa, porque vocês eram tão unidos.
Então, eu passei a ficar mais atenta e observar melhor. Um dia, eu vi que ela
— Apontou para Mariana — entregou um buquê à Victoria, nele havia quatro
flores negras.
— Victoria disse que não era para eu contar. — Mariana defendeu-se.
— Ela me mandou guardar segredo, disse que não queria preocupá-lo.
— Você recebia as flores diretamente — um dos seguranças da
guarita falou. — E nos dizia que era o senhor Masari que havia mandado, por
isso nós não protocolávamos.
— Mariana. — Jason foi em sua direção, Heylel o segurou.
— Eu segui ordens, eu somente fiz o que Victoria mandou. — A
mulher arregalou os olhos. — Eu adorava Victoria.
— Você tirou foto da cicatriz dela e enviou para alguém, eu vi —
Dandara acusou.
— Mentira!
— Não é, e você sabe! — As duas mulheres estavam prestes a brigar.
— Senhor, quando eu estava arrumando o closet, eu encontrei uma coisa.
— O quê? — Até me inclinei.
— Eu escondi para ela não destruir. Posso ir pegar?
Acenei para Drake e ele seguiu a mulher. Agora, eu estava com o
olhar fixo em Mariana, e o que eu via em seu rosto era uma declaração de
culpa.
Pouco tempo depois, Dandara voltou, em suas mãos, trazia uma rosa
negra dentro de um vidro.
— Quando ela entregou isso à Victoria, não veio entregador no dia,
eu mesma verifiquei. — Dandara suspirou. — O sequestro foi no mês
seguinte.
Minha mão tremeu quando eu peguei o objeto, havia somente uma
rosa negra.
Olhei para Jason.
— Seis meses — eu disse, só agora entendendo perfeitamente. — Foi
uma contagem regressiva.
Processei a informação devagar, não queria nem pensar no por que de
Victoria não ter me dito que isso estava acontecendo. Mas então lembrei do
nosso último encontro, ela ia me contar, só não teve tempo.
Porra!
Ouvi um gemido de Jason, ele parecia sentir dor. Na verdade, nós
sentíamos. Mas, logo, uma frieza absurda me engoliu, eu estava no caminho
certo e seria condenado se me atrapalhasse por falta de controle.
— Não vou esquecer o que fez hoje, Dandara, em breve saldarei esta
dívida de honra com você.
— Eu só quis ajudar, perdoe-me por não ter feito nada antes, mas ela
— Apontou para Mariana — nos ameaçava de demissão, caso nos
aproximássemos muito de Victoria. Trabalhar aqui é muito bom, então, só
queremos tudo de volta.
— Espero poder fazer exatamente isso.
— Murdoch — chamei. — Leve-os para o meu hotel.
Quando estava saindo, Philipi, parou, dizendo:
— Mariana foi quem deu bolo aos seguranças da elite.
— Foi, não é? — Encarei-a. — Vamos conversar, Mariana.
Fui até a mesa, depositando a rosa envernizada lá. A aparente calma
que eu tinha era uma mentira, o meu real estado de espírito beirava a loucura,
queria matar a infeliz, e não poder fazer isso tornava tudo pior.
— Senhor, eu não sei de nada. — Ela ergueu as mãos, afastando-se.
— Silêncio.
Jason foi até mesa e pegou a rosa, ele começou a avaliá-la.
— Mariana, você era responsável pelo funcionamento dessa casa. —
Aproximei-me dela. — O que fez com os seguranças de Victoria?
Ela cambaleou, balançando a cabeça de um lado para o outro.
— Eu estarei culpando você até pela crise financeira então não se
surpreenda, agora responda, aproveita meu estado de choque para responder.
— Respirei fundo. — Sinto que em breve as coisas vão piorar.
— E-eu não sei de nada, senhor, não fiz nada, juro! Sou inocente,
adorava Victoria, ela era incrível…
— Olha isso, Rocco! — Cyper chamou virando a tela do computador.
— Descriptografia nível filha da puta. — Ele piscou um olho para Mariana.
— Peguei suas mensagens de e-mail.
Olhei atentamente para as fotos que ela havia mandado.
Havia vários ângulos da cicatriz, e então, mais embaixo, o estúdio de
tatuagem, a menção do quadro, inclusive o nome do tatuador.
Olhei para ela.
— Você estava aqui quando Victoria me contou sobre o quadro. Você
sabia de tudo.
— Eu… eu sou inocente. — Engasgou de olhos arregalados.
— Só preciso de um nome e pronto. — Cyper respirou fundo, ele
estava nos olhando, inclinado diante do computador, esperando. — Os e-
mails não retornam, eles também têm alguém bom em segurança. Não
consigo acessar sem alertá-los. Talvez, mas levaria muito tempo.
— Apenas fale logo, não adianta mais negar. — Dark desencostou da
parede.
— Fale — pedi baixinho, caminhando para ela. — Vou contar até três
— avisei. — Um. — Ergui o dedo. — Três…
Jason atacou. Eu não vi. Mariana também não.
— Você nem imagina o tanto de dor que o seu corpo pode produzir
— Mariana gritou. — Mas não se preocupe, antes de eu começar com você,
eu vou trabalhar em todos que você ama. — Sua voz parecia saída de um
pesadelo. — Você irá ver todas as pessoas que ama caindo diante dos seus
olhos, você irá sentir os seus pés molhados com o sangue deles, eu prometo,
irei matar todos que você ama. Mas os deixarei saber que a culpa disso
acontecer é sua.
Mariana ofegou em pânico, os olhos arregalados, horrorizada com a
face de Jason. Eu mesmo não o reconhecia.
— Sou uma mulher… — Vi sua garganta trabalhando em engolir. —
Uma mulher indefesa.
— Você tem uma informação preciosa em suas mãos, dê-me ela, ou
você será a número cem.
— Meu Deus! — ela gritou alto e chutou Jason.
Ele caiu, e a mulher correu. Antes que eu pudesse pegá-la, Heylel se
adiantou. Ele a segurou pelo pescoço e a encarou.
Seu olhar era diabólico, assustador como todo ele era.
— Deus não está aqui. — Sua voz deslizou como seda. — Mas eu
estou.
Rocco

O pavor era tão transparente nos olhos de Mariana que eu senti prazer.
Pensar que ela foi capaz de planejar contra Victoria mexia comigo de
um jeito completamente novo, eu nunca senti tanto ódio por uma pessoa.
— Eu vou perguntar só uma vez — Heylel disse, a voz trazendo o
som de algo terrível.
Não porque ele falasse alto, mas porque era carente de qualquer
emoção.
— De onde eu venho, traidores nunca têm bom destino, agora, diga o
maldito nome da pessoa com quem você se comunicava!
Olhei para Jason, e sua expressão era algo que nunca vi. Destilava
ódio, os olhos saltados de raiva.
— Você entrou na minha casa — falei para Mariana. — Victoria
gostava de você, ela te confiou nosso filho. — Travei o maxilar, queria eu
mesmo estar segurando-a. — Você conspirou contra minha esposa enquanto
vivia debaixo do meu teto.
Jason se aproximou dela, Heylel a segurava de modo que ela não
conseguia se mover.
— Você alimentou uma fera que não pode conter — Jason sussurrou
tão baixo que suas palavras flutuavam como uma carícia, Mariana chorava,
totalmente apavorada. — Eu só queria viver em paz, mas você… — Ele
balançou a cabeça — Você não deixou.
O jeito com que Jason falou com ela foi assustador. Aos poucos ele
foi ficando calmo, e isso de algum modo deixou Mariana ainda mais
assustada.
— Eu vou gritar.
— Grite o quanto puder, não fará a menor diferença, ninguém virá
para ajudá-la.
Segurei o queixo dela um pouco mais forte, obrigando-a me encarar.
— Sabe o quão difícil é para mim olhar para sua cara? — As palavras
saíram rasgando. — Tenho vontade de te fazer sentir o que minha Victoria
sentiu, Mariana, você está prestes a descobrir do que sou capaz.
Ela era a primeira pessoa envolvida no sequestro que teve a má sorte
de cair em minhas mãos e eu estava sedento demais para pegar qualquer um
deles.
— Senhor, eu não tive culpa! Minha filha, ela… — Um novo fluxo de
lágrimas escorreu por sua bochecha. — Ela foi levada, para tê-la de volta, eu
precisava ajudar.
— Conte tudo o que sabe! — Ela concordou.
— Minhas ordens eram para monitorar os passos de Victoria e contar
tudo. Quando ela me falou que pretendia visitar o senhor, eu cuidei para que
os seguranças adoecessem. Era só isso, entregar as encomendas também fazia
parte, inclusive… — Mariana ficou pálida, calando-se.
— Fale! — Jason gritou, assustando-a.
— Queriam o bebê também. — Ela gaguejou. — As ordens eram para
que eu garantisse que Gianne estivesse junto com Victoria, mas eu não podia
permitir, eu não deixei que fosse junto.
— Você sabia que ela seria levada! Você fodidamente sabia!
Mal consegui conter todo o ódio que senti.
Dio santo, como eu pude errar tanto?
— Senhor, tudo estava programado para o momento em que a
Victoria saísse de casa, o dia não foi escolhido, eles já estavam preparados há
muito tempo. Bastava que a elite não estivesse com ela.
Foda-se. Tudo acontecendo debaixo do meu nariz e eu não notei.
— Para quê as fotos?! — Dark perguntou, aproximando-se, uma
pistola estava em sua mão. — Não minta para mim. — Ela acenou, em sua
situação não havia muito o que fazer.
— Eu recebi um telefonema com as instruções, então só precisei tirar
as fotos e enviar para o e-mail.
— O telefone era descartável, sem retorno de ID — Cyper falou,
ainda concentrado na tela. — Por isso não consigo rastrear.
— Um nome? — Dark me empurrou, apontando a arma para ela. —
Quero um nome agora!
— Não sei, por favor, já falei tudo.
Dark destravou a pistola, em seguida atirou para cima, depois mirou
entre os olhos dela.
— Um nome!
— Zeki Tabor — ela gritou.
— Turco? — Drake franziu o cenho, logo me olhou. — O que você
tem com os turcos?
— Eu não tenho nada.
— Para eles, o nome é importante pelo significado — Jason falou,
indo em direção à mesa. — Este nome significa que quem o possui tem sua
casa fortificada porque é esperto. Isso parece um código.
Ele balançou a cabeça, depois pegou o vidro com a rosa e o quebrou.
Sua mão tremia quando recolheu a rosa por entre os cacos.
Quando ele a cheirou, empalideceu.
— Deus…
— Aldeia de Halfeti! — Cyper gritou, virando o computador, uma
pequena clareira de rosas negras abrangia toda a tela. — Fica na Turquia e o
dono é Zeki Tabor.
Ao ouvir esta nova informação, Jason enlouqueceu e começou a
gritar, socando a parede de um jeito descontrolado, parecia louco, totalmente
fora de si. Cada palavra que ele dizia era desconhecida, eu não entendia nada,
mas compreendi que ele estava aterrorizado.
Heylel correu para ele e o puxou para seus braços. Jason lutou,
golpeando o irmão na face, surtado em seu redemoinho de violência.
Ouvi os sussurros que Heylel dizia, não compreendi, mas ele estava
acalmando-o.
— Ela não pode ter ido para lá, ela não pode!
— Jason, o que está acontecendo? — Ajoelhei-me na frente dele,
segurando seu rosto. — Converse comigo.
O medo de Jason era tão cru que incrementava o meu, deixando-me
apavorado, se seu olhar assombrado fosse indício, eu não sabia se estava
preparado para ouvir o que ele tinha a dizer.
— Eu venho de lá… — Seu olhar estava perdido e a respiração,
acelerada. — Minha família, todos na aldeia foram massacrados. Minha mãe
e irmã foram mortas na minha frente porque elas lutaram. — Ele balançou a
cabeça, as lágrimas pingando. — As outras mulheres foram levadas para
serem vendidas. Algumas foram estupradas até não suportarem mais. Eu vi,
eu não pude lutar por elas.
— Do quê você está falando? — Dark perguntou.
— De tráfico humano. Anos depois, eu voltei para a minha aldeia
com meus irmãos e nós acabamos com tudo, eu não deixei nenhum maldito
respirando. Mas as mulheres, Deus, elas foram tão profundamente quebradas
que não falavam, eram apenas sombras. Silenciosas, com olhares perdidos,
desejando a morte. Elas encaravam as minhas facas como se elas fossem um
adorado amante.
Cambaleei, sem acreditar nos meus ouvidos. Eu não podia acreditar
que a minha Victoria, que a minha pequenina esposa, pudesse estar num
lugar desses.
— Eles eram especialistas, não se importavam com a dificuldade para
levar as mulheres, quando eram escolhidas, nada mais importava.
Mariana chorava num canto, eu queria matá-la.
— Tirem essa mulher da minha frente, levem-na para as docas. —
Olhei para ela. — Sua vida depende do desenrolar dessa história, você ajudou
esses malditos, agora comece a rezar. Você vai precisar.
— Jason, preciso que você fique firme, nós vamos encontrar nossa
princesa! — Dark não conseguiu esconder o medo em sua voz.
— O problema é: onde ela estará? E o pior: quanto tempo iremos
levar para encontrá-la? — Jason abaixou a cabeça. — A essas alturas,
Victoria já deve estar perdida para sempre.
O medo era uma coisa viva dentro de mim, mas eu me obriguei a ficar
firme. Não me importava como eu ia encontrar Victoria, desde que ela
estivesse viva, eu lutaria pelo que sobrasse dela.
— Preciso falar com Hunter — Jason disse e seu irmão o soltou.
Atento, observei quando Heylel estendeu o telefone.
Meu coração estava na mão, porque todos os cenários possíveis eram
aterrorizantes.
— Hunter, sou eu… — Jason fechou os olhos, quando a chamada foi
atendida — Seu irmão.
Ele ouviu por um momento o que lhe era dito, de vez em quando
acenava.
— Quero que todas as dívidas do livro sejam saldadas. — Heylel deu
o primeiro quase sorriso. — Solicito o Ricto…
Quando desligou, ele estendeu o braço para seu irmão. Na troca de
olhares, eu soube que aquilo significava muita coisa.
— Em breve, lavarei a terra com sangue.
Jason se afastou, seu irmão indo com ele.
Observei, paralisado, eles sumirem porta afora. Eu não fazia ideia do
que aquilo tudo significava, mas eu ia descobrir.
— Vamos sair, preciso ver meu filho.
Dentro do carro, todos seguíamos em silêncio, por isso o som do meu
telefone tocando foi estrondoso.
— Dimitri? — Olhei para Jason, ele estava atento. — Um instante.
Coloquei o telefone no viva-voz, para que todos pudessem ouvir.
— Pode falar, estamos ouvindo.
— O corpo que enterramos não é de Victoria. — Fechei os olhos. —
Todos nós fomos enganados.
Naquele instante, tudo virou caos.

***

Antes, eu acreditava que não estava louco, mas agora eu tinha certeza
de que sim. Cada minuto do meu dia era horrível, infinitas vezes pior que
antes, porque eu não conseguia parar de pensar no quão burro eu fui.
Demorei demais para sair do mar de autopiedade, eu parei de me
ouvir, de sentir. Eu sempre tive tanta certeza de que meu coração diria a
verdade, e mesmo assim eu não acreditei, porque a razão havia se chocado
contra mim.
Eu vi o corpo, o classifiquei como fato, porque estava dentro de todo
o plano que havia sido traçado.
Ele foi o gran finale da manipulação. E eu, que me considerava tão
inteligente, caí.
Por opção, não contei o que descobri à família, com certeza eles
enlouqueceriam como eu, sentindo-se de mãos e pés atados. Agora, não podia
fazer coisa alguma, apenas esperar, e cada minuto era torturante.
Cyper estava buscando informações sobre Halfeti, e o que ele
descobriu até agora foi que estamos lidando com uma poderosa organização
criminosa, com tentáculos espalhados pelo mundo todo. Eles atuavam em
tráfico humano, de órgãos, armas e drogas. Prostituição, mercado negro de
artes e assassinato em grande escala.
O que Jason contou sobre seu passado ainda se incluía como um dos
modos em que eles atuavam. Dizimavam aldeias inteiras, vilarejos, cidadelas.
E, por terem contatos com pessoas de alto escalão, eram protegidos pela
polícia.
— Amore mio. — Balancei a cabeça, sentindo o desespero engolir-
me. — Onde você está?
— Nós vamos encontrá-la — Jason jurou, aproximando-se. — A
Turquia está sendo vasculhada, Hunter está pessoalmente liderando.
— Eu demorei demais, Jason. — Balancei a cabeça. — Eu demorei
demais.
— Nós vamos encontrá-la, a Ordem está envolvida.
— Não entendo o que isso pode significar — eu disse, sentindo um
frio na barriga de mal-estar. Eu precisava saber onde Victoria estava, e cada
minuto, longe desse objetivo, acabava comigo.
— Rocco. — Jason suspirou, olhando para a floresta escura do outro
lado do complexo de treinamento. — Eu era chamado de Phanton, minha
habilidade principal era rastreamento e execução. A minha marca, o tiro
limpo na testa. — Ele encolheu os ombros — Eu sou um dos irmãos da
Ordem, afastado, mas, ainda assim, um membro.
— Eu nunca ouvi falar.
— Porque ela não é para pessoas como você, Rocco. — Ele cruzou os
braços. — A Ordem é a sombra dentro das sombras, o equilíbrio do caos.
— Suponho que Rafael seja um membro.
— Não apenas um membro, mas o líder, ele é o Senhor da Ordem, o
caçador principal.
— Deus, Jason! Rafael é um empresário, como pode ser o líder dessa
Ordem?
— Todos nós temos vidas fora da Ordem, mas ela é a parte que
escondemos. Por causa do tipo de atuação, seria muito perigoso que
revelássemos a nossa identidade.
— Mas e quando vocês precisam caçar? As pessoas não vão saber
quem são?
— Nunca restam sobreviventes para contar, apenas quando
encontramos vítimas, mas elas geralmente estão do nosso lado. — Ele
desviou o olhar. — A Ordem só atua em coisa barra-pesada, estou falando de
coisas bem pesadas mesmo, o que aconteceu na minha aldeia foi uma destas
coisas. No geral, o submundo sabe que existimos, mas não quem somos, os
nossos atos são o que importa.
— Isso soa interessante.
— Sim, quando Hunter ou Rafael, nosso líder, concede sua atenção
para qualquer coisa, um julgamento é feito, e sob suas ordens, a sentença é
executada. A Ordem mantém a constância das coisas para que continuem
fluindo em harmonia.
— Agora entendi por que Rafael teve acesso a tantas informações e
por que ele disse que iria vingá-lo. Ele jamais deixaria que algo do tipo
acontecesse a um de seus irmãos.
— Eu sou o mais velho, nosso pai me escolheu para liderar, mas
aconteceram coisas e Hunter assumiu. — Jason parecia bem satisfeito. — Foi
a melhor coisa que nosso pai fez, deixá-lo como líder. Rafael tem uma
vontade de aço, quando ele se dispõe a fazer algo, ele faz.
— E Heylel?
— Bom, ele é um tanto pior.
De algum modo, saber essas coisas me deixou um pouco mais
confiante. Mesmo assim, apavorava-me que Victoria pudesse estar nas mãos
de criminosos tão cruéis.
— Estou com medo — revelei, virando-me para ver meu filho brincar
com Heylel. Digo, o gigante não estava brincando, somente deixava Gianne
riscá-lo com canetas. — Por que ele é assim?
— A história dele não é minha para contar, mas as chances de
encontrarmos quem procuramos, com ele estando ao nosso lado, são muito
maiores. Heylel não deixa nenhum assunto inacabado, e ele está aqui. Confie,
vamos encontrar Victoria. — Ele me olhou antes de sair. — De um jeito ou
de outro.
Ao passo que Gianne parecia divertir-se, Heylel não esboçava
qualquer reação, estava de olhos fechados, parecia meditar.
Eu o invejava, queria essa calma toda. A meu ver, o mundo poderia
explodir e ele não esboçaria qualquer reação.
— Antonietta perguntou se temos novidades, eu não contei para ela
sobre o corpo. — Dark suspirou. — Eu não sei como ela vai reagir.
De onde estávamos, observei Heylel atender ao telefone. Pela
primeira vez, eu vi a expressão sempre tão neutra demonstrar raiva.
Ele disse algo e guardou o celular. Depois pegou meu filho e veio em
minha direção.
— Preciso voltar para casa, aconteceu algo. — Peguei Gianne. —
Quando precisarem de mim, eu voltarei.
Ele foi embora, e o que nos restou foi esperar.
Os dias passaram com uma lentidão horrível. Minha vida resumiu-se
outra vez a encarar o telefone e esperar por notícias. O submundo estava em
silêncio, porque havia um alerta de que a Ordem estava procurando algo. Um
dos contatos de Dark disse para ficar quieto, ele não sabia que estávamos do
mesmo lado.
Era difícil passar por cada dia, eu havia entrado em um estado tão
caótico que precisei deixar meu filho com a minha mãe. Ele não podia ficar
em um lugar carregado de estresse.
Era somente um bebê, precisava de paz, tranquilidade e dias com
rotina. Aqui, nós não tínhamos nada disso.
Dimitri voltou a cuidar das minhas coisas, ele estava tendo que lidar
com uma carga de trabalho imensa, porque William continuava desaparecido,
eu deveria tentar ajuda-lo, mas não tinha condições, meu foco era só um.
Victoria.
— Onde você está? — Bati na parede, buscando um pouco de dor
para não cair no ciclo.
Já senti as mãos tremendo, o peito queimando com a falta de ar. Os
sintomas, a cada dia, só pioravam.
— Uma semana! — Jason respirou fundo, lutando para se manter são.
— Uma maldita semana que não temos notícias. Soube que Rafael está com
problemas. Droga, estamos fodidos!
— Não suporto mais esperar. — Comecei a andar de um lado para
outro, a mão latejando de dor. — Cada dia é pior.
Desde ontem, não conseguia enxergar muito bem pelo olho esquerdo.
Eu sabia que isso era o prenúncio de uma crise pesada de enxaqueca, e isso
só me deixava mais irritado.
Eu passei a ansiar com tanto fervor colocar as mãos nas pessoas que
estavam com Victoria que, às vezes, eu agarrava o vazio. Eu me perdia no
desejo insano de saber para onde ir.
— Falta uma maldita peça. — Jason ergueu a cabeça, fechando os
olhos. — Quando eu a encontrar…
— O que eu desejo fazer com eles. — Bati o indicador na cabeça. —
Eu vejo tão real, os farei pagar por cada dia longe da minha mulher.
Eu nunca deixei aquele lado ruim completamente solto, mas agora
nada me impediria de fazer isso, quando o momento chegasse…
— Preciso de uma distração, Dark.
— Lá fora.
***

O termômetro do complexo marcava doze graus, mas eu sentia um


calor insuportável, e a cabeça prestes a explodir.
Por mais que houvesse tentado, não havia nada que me tirasse do
caminho em que eu havia me enfiado. Eu conseguia me enxergar voltando
para aquele lugar de solidão, isolamento e loucura.
— Rocco?
Jason estalou os dedos na minha cara, eu levei um tempo para
conseguir encará-lo.
— Fique aqui, não se perca.
— Estou aqui, pronto para ir. — Olhei para o grande portão de ferro.
— Mas não sei para onde. Esperar se tornou pior do que não saber a verdade.
Mentira, era só que depender dos outros para algo tão importante
acabava comigo.
A Ordem avançou como um exército silencioso, mas, no final, o
resultado não foi o esperado, porque a Turquia estava limpa.
Dio santo, queria tanto poder te ter de volta, amore mio. Baixei a
cabeça, escondendo-me. A minha força estava acabando de novo, sentia-me
cada dia mais fraco, desesperançado.
Onde você está? Como posso te encontrar?
No fundo da mente, eu evocava sua voz. Me toque, amor, me faça
sua… Quase poderia sentir seus dedos suaves tocando meu rosto. Olha para
mim… Em minhas memórias, eu a olhei e seus lindos olhos verdes me
encararam de volta, cheios de amor.
Eu te amo. Se ela estivesse aqui, diria isso para mim, ela sempre dizia
em qualquer oportunidade.
Rocco… Ergui a cabeça, olhando para o céu sem estrelas. Eu podia
ouvir o seu sussurro em meu ouvido, ela me chamava e eu podia ouvir, como
ela me ouviu antes. Ela disse que minha voz a trouxe de volta.
Meu peito doeu, porque senti o coração sangrar de novo. Não havia
tempo, ela precisava de mim, eu tinha certeza.
— Victoria, perdonami. — Chorei seu nome.
Durante dias, me segurei, durante dias estive firme e ainda assim iria
até o fim. Mas o medo por ela acabou levando a melhor. Minha confiança
estava seriamente abalada.
Um som agudo explodiu na frente do portão, parecia que alguém
havia acabado de atirar uma pedra.
— Abram o portão! — alguém gritou, batendo com algo que produzia
o som de um trovão.
— Merda, Antonietta está lá fora. — Dark passou correndo, e eu o
acompanhei.
Era madrugada, o que diabos ela estaria fazendo ali?
Quando o portão abriu, ela entrou, não parou para falar com seu
marido, veio em minha direção. Quando chegou perto, ela jogou os braços
ao meu redor, abraçando-me.
— O que aconteceu? — Dark tentou puxá-la, mas ela estava agarrada
em mim e chorava tão compulsivamente que nos assustou.
— Rocco! — Ela afastou-se e segurou meu rosto. — Me ouça com
atenção! —Em meio ao choro, um enorme sorriso cresceu em seu rosto. —
Olhe. — Ela me mostrou um vídeo.
Era o desfile, e estava lotado. Uma modelo estava saindo da passarela.
Mas nenhuma outra entrou.
As luzes apagaram e o cenário no grande telão mudou para um pôr do
sol. Então, ele surgiu, ou melhor, a modelo surgiu trajando o vestido mais
sensacional que eu já havia visto na vida. Cada detalhe dele mexeu comigo,
porque eu conhecia a assinatura de quem o fez.
— Dio santo. — Eu mal podia acreditar nos meus olhos.
Era o vestido que Victoria desenhou e deu o croqui para mim.
— O que foi? O que tem nesse vídeo? — Jason o assistia comigo,
Dark também, mas eles não entendiam.
Olhei para a mulher que acabava de mudar o rumo das coisas.
— Victoria nos disse onde está e quem a levou de nós — Antonietta
disse, sua boca uma linha fina de raiva, apesar do choro.
— Quem? — Eu precisava ouvir.
— Jean Pierre Dubois, ele organizou o evento e ele assinou este
vestido.
Minha boca torceu ao ouvir o nome. Lembrei-me dele no dia do
enterro, de suas palavras.
Que filho da puta!
Antonietta me abraçou outra vez, ela tremia como eu.
— Não quero paz, Rocco — ela murmurou no meu ouvido. — Vá
buscar Victoria e leve a guerra com você, eu estou te entregando a espada.
Ela beijou meu rosto e selou o destino do homem por trás da maior
tragédia que houve em minha família.
— Faço-o pagar, Rocco, quero que ele sofra. — Os olhos, idênticos
aos de amore mio, brilhavam com fúria. — Dê-lhe os meus cumprimentos e
diga que não sentiremos falta dele.
A antiga Antonietta estava de volta em toda a sua elegância e poder.
— Você me indicou a direção. — Encarei-a. — Chegou a hora do
acerto de contas.
Pude respirar melhor, pois pela primeira vez, em quase sete meses, eu
senti que estava verdadeiramente calmo. Victoria estava viva, e eu estava
indo buscá-la.
— Não se controle — Antonietta disse. — Seja quem nasceu para ser
e o destrua.
Ela exigiu, e eu assenti, deixando livre o que eu tinha de pior.
Era a hora de começar a caçada.
Rocco

Nunca esperei que seria Antonieta a colocar meu coração de voltar


dentro do meu peito, mas foi. Ela trouxe para mim tudo o que eu precisava
quando sanou as dúvidas que começavam a surgir.
Victoria estava viva, e eu ia encontrá-la de qualquer jeito.
— Rafael retornou? — eu perguntei, equipando-me.
Desde que Antonietta chegara, estávamos nos organizando e
planejando como resgatar Victoria. Eu mal conseguia conter a vontade de
correr o mais rápido possível, não queria nem fazer planos, estava mesmo era
pronto para chegar chutando a porta e o resto resolveria depois. Mas então,
Victoria poderia pagar por minha atitude, por isso eu iria agir com calma,
frieza.
Ainda não sabíamos onde Jean Pierre se escondia, eu precisava de
Rafael para nos dizer isso, o problema era que ele havia pedido vinte e quatro
horas para investigar o maldito francês.
O tempo estava quase acabando.
— Ainda não, mas ele vai — Jason respondeu, organizando seus
itens.
— Brother… — chamei baixinho, ele balançou a cabeça.
Quando demos início aos preparativos, Jason tomou a frente. Ele
queria ir e estava se preparando para isso, mas todos concordávamos que ele
não deveria ir.
— Não comece. — Sua voz continha uma nota afiada.
— Você não está recuperado 100%.
— Querido, fique comigo. — Antonietta não saiu do lado dele.
Na verdade, ela o abraçou apertado, tocando-o para ter certeza de que
era real.
— Jason, entenda, você não tem condições — Dark falou, se
aproximando.
Ele parou o que estava fazendo e cruzou os braços. Notava-se a
postura tensa, a veia saltada no pescoço. Nada o impediria de ir.
— Dê-me uma pistola e eu direi se tenho condições ou não. De resto,
saiam da minha frente, se não for com vocês, arranjarei outro meio de ir.
Nós sabíamos ao que ele se referia. Certamente buscaria seus irmãos.
— Tudo bem, mas ficaremos juntos. Eu vou na frente — disse a ele.
Quando anoiteceu, a ansiedade me abraçou, não queria mais esperar o
retorno de Rafael, mas concordamos que bastava qualquer passo em falso, e
então colocaríamos tudo a perder.
— Por que ele está demorando? — perguntei a Jason. — Meu avião
está pronto para decolar, vamos.
— Rafael não faz as coisas pela metade, ele está mapeando Jean
Pierre, para que ele não consiga escapar, esse tempo que estamos esperando é
por uma boa causa.
— Eu investiguei Jean Pierre, não deu em nada. — Terminei de
enfaixar as mãos, depois coloquei as luvas pretas.
— Não se preocupe, Rafael vai descobrir até o nome do primeiro
cachorro que ele teve. Estamos perto, quando ele retornar, vamos direto para
atacar. Mas o planejamento é fundamental para o sucesso da missão.
— Quantas missões deram errado?
Eu queria saber, não ia pecar pelo excesso de confiança.
— Nenhuma.
O telefone de Jason tocou, ele atendeu, e o que ouviu o fez sorrir.
— Entendo, estamos a caminho. — Quando desligou, ele olhou para
mim. — Rafael mandou algumas informações para Cyper. Você vai se
surpreender.
Corri para dentro do complexo, Dark já estava ao lado de Cyper
enquanto o observava digitar furiosamente no teclado.
— Isso é incrível, recebi um link de acesso, estou no sistema dos
caras. — Ele falava com a mesma velocidade que seus dedos moviam-se. —
Porra, como não percebemos antes? Zeki Tabor é um nome falso, quem
atende por ele é Jean Pierre! Não é aos arredores de Paris que devemos ir,
nosso foco é Ardenas, o lado francês da maldita montanha. Vejam. — Virou
a tela e uma imagem de câmera apareceu. — Acessei o sistema das câmeras,
são minhas e…
Para meu total assombro, vimos Jean Pierre chegando, na imagem ele
parecia furioso, pois esmurrou um homem e logo atirou em outro.
— Isso é gravado? — perguntei.
— Não, é em tempo real, estou online.
— Mas que filho da puta você é, Cyper! — Dom bateu em suas costas
parabenizando-o.
— Espere, eu quero mostrar outra coisa. — Ele voltou a mexer no
computador, atento a cada coisa que ia surgindo, para mim, nada daquilo
fazia sentido. — Rafael mapeou a área, e eu expandi o raio. Olhem. — Ele
nos mostrou a tela de novo. — É uma fábrica de papel que foi desativada
quarenta anos atrás. Mas, pelo que foi descoberto por Rafael, ela está tendo
bastante atividade clandestina.
— Filho da puta, a polícia francesa fez uma investigação. —
Esfreguei as têmporas, furioso por Jean Pierre ser um maldito peixe
escorregadio. — Dimitri me falou que as provas sumiram, e que o maldito
ainda foi indenizado pelo governo por causa das acusações injustas.
— No relatório, Rafael descobriu que Jean Pierre está envolvido em
muita coisa, é um dos cabeças da organização, a parte dele é tráfico humano e
de artes.
— Filho da puta! — Fechei as mãos, louco para ficar frente a frente
com o responsável por tanto sofrimento.
Desejava ardentemente fazê-lo pagar.
— Sabem por que ele colocou a fábrica em Ardenas? — Cyper fez a
pergunta enquanto teclava sem parar. — Além de ser um lugar fácil de
proteger, é impossível para execução de manobras militares. Ou seja, lá ele
manda e desmanda, a porra toda é uma fortaleza.
— Quero um mapa da área. — Dark olhou para Red, ele era o melhor
rastreador que conhecíamos, ele ia saber como organizar o melhor ataque.
— Não precisa. — Cyper sorriu. — Eu vou ser o guia.
Todos ficamos chocados, Cyper não viajava, ele não saía da cidade.
Nunca.
— Não perco essa por nada. — Encolheu os ombros. — Eu quero
estar lá. Aliás, Rafael mandou que embarcássemos em outro lugar, não
vamos no seu avião, Rocco, nós vamos sob o radar da Ordem, o avião está
nos esperando para decolar.
— Saímos em dez minutos, terminem de juntar as coisas — Dark
avisou, pegando Antonietta pela mão e saindo com ela.
Antes de pegar o telefone, pensei por um momento. Eu não queria me
despedir, mas, talvez, as coisas não saíssem como planejado. Por isso decidi
que a atitude mais correta seria ligar para casa.
A minha mamma atendeu imediatamente, como se estivesse me
esperando.
— Meu filho.
Ouvi sua voz e um sentimento de carinho me dominou. Ela me
conhecia tão bem, que durante o tempo que precisei ficar sozinho ela me
deixou. Às vezes, era necessário muito amor e abnegação para dar aquilo que
a pessoa precisava.
— Mamma, obrigado por cuidar do meu filho, peço que lhe ensine
tudo o que me ensinou, ele será um homem digno sob sua orientação.
— Por que está dizendo isso, Rocco? — perguntou, fungando, sua
voz já embargada.
— Gianne está acordado? — Mudei de assunto, era só disso que eu
precisava que ela soubesse.
— Sim, mas…
— Permita-me um momento com ele, mamma — pedi baixinho,
ouvindo quando ela desabou.
A verdade era que, se eu não encontrasse Victoria, não sabia se
voltaria.
— Papa, papa — meu filho gritou, eu ri, emocionado.
— Mio bambino. — Engoli o nó em minha garganta. — Eu te amo,
perdoe-me por ter falhado tanto com você. Eu sinto muito. — Fechei os
olhos. — Estou indo buscar seu presente de aniversário. Espero, meu
pequeno, do fundo do meu coração, que possa te trazer essa alegria. Não vou
mais te ver chorar de saudade, mio bambino, o papai está indo trazer sua
mamma de volta para casa.
— Papa, papa… mamma.
Meu filho gritava, falando coisas que não dava para entender. Ele
estava feliz, mas eu tinha certeza de que quando Victoria o segurasse nos
braços, ele ficaria ainda mais.
— O papa está indo, meu amor, mas voltarei com uma surpresa para
você. Por enquanto, sonhe, quando acordar, nossa família estará reunida.
Afastei o telefone, antes de desligar, ouvi a minha mãe gritando meu
nome.
Com os novos planos em curso, corremos para a pista de embarque da
Ordem, ela ficava a cerca de uma hora de Londres, situada a leste na zona
florestal.
— Sem segundas chances, Rocco — Jason falou para mim, quando
afivelamos o cinto. — Sem misericórdia.
Quando o avião decolou, eram quase onze da noite. Foi ruim manter-
me quieto, pois eu sentia uma carga muito extensa de energia circulando meu
corpo, estava todo tenso, os músculos doendo.
Mas não falei nada, só esperei.
— Desceremos na região belga de Ardenas, Rafael já autorizou nossa
entrada.
Pouco tempo depois, desembarcamos na Bélgica.
Tudo estava preparado, agora era só esperar o momento perfeito para
atacar.

***

Havia uma constante e permanente névoa. Estávamos a postos, no


meio da floresta de Ardenas, só esperando o sinal.
— Não estamos sozinhos! — Jason exclamou, erguendo-se.
Todos nós olhávamos ao redor, mas não havia nada, a não ser
escuridão e névoa. Observei atento Jason caminhar alguns passos, então ele
baixou levemente a cabeça, um meio-sorriso marcando seus lábios.
— Rafael. — Saudou a escuridão.
— Draikov.
Em tom saudoso, uma voz respondeu. Então, surgindo da névoa, eu vi
Rafael. Sua roupa era tão escura que nem as nossas lanternas ajudavam a
enxergá-lo melhor. Seu caminhar era suave, ele transmitia poder e uma densa
camada de fúria contida.
Observei Jason endireitar-se, encarando-o.
— Porra. — Um dos gêmeos pegou a arma.
Na hora, escutei uma arma sendo engatilhada na minha nuca.
Todos nós estávamos sob a mira. E nem mesmo eu os percebi se
aproximando.
— Não se mova. — Escutei um sussurro em meu ouvido. — Não
quero pintar as árvores de vermelho. — A voz era carregada de doçura.
— Não ouço me chamarem assim há muito tempo, esse nome não é
meu — Jason falou, indiferente a tudo o que acontecia. — Não mais…
— Você não pode fugir de quem é, Draikov, você sabe disso —
Rafael falou. — Destroyer, baixe a arma, esse é Rocco Masari.
A arma na minha nuca foi baixada, todas as outras também.
— Eu não sou mais quem um dia eu fui — Jason insistiu, aquele era o
primeiro encontro dos dois. — Eu não sou.
— Você não pode evitar, Draikov, e eu terei prazer em recebê-lo de
volta. — Rafael o encarava, a expressão sem deixar transparecer nada. —
Você deve voltar para casa.
— Não posso — Jason respondeu, encolhendo-se. Rafael saiu
completamente das sombras, e eu pude vê-lo com mais clareza.
— Quando isso acabar, nós vamos conversar.
Era surreal que Rafael fosse o líder da Ordem. O homem era um
empresário de sucesso, tão rico que nem dava para contar, filantropo, e ouso
até dizer, sociável. Ele não parecia uma assassino frio.
Agora me perguntava como eu nunca havia notado? Frequentávamos
os mesmos lugares.
— Afastem-se — Hunter ordenou a seus homens. Um a um, eles
foram voltando para as sombras, silenciosos que nem ouvíamos.
Então, quatro homens, dentre eles Heylel, alinharam-se atrás de
Rafael, deixando claro quem os liderava.
Porra!
— Irmão… — um deles falou, olhando para Jason, notei ser o mesmo
que havia colocado a arma na minha cabeça.
— Raziel — Jason cumprimentou.
Rafael pareceu gostar do clima obscuro e tenso que tínhamos ali.
— Rafael… — Ele me olhou, negando.
— Hunter. — Apontou para si mesmo. — Blood, Fire, Destroyer e
Torment. — Apontou para cada um, o último sendo o mais assustador.
Era Heylel… Torment.
Dio santo, cada nome parecia combinar perfeitamente com cada um
deles.
— E Jason, o Fantasma, esses são os meus irmãos. Os generais da
Ordem, os Demonidhes. — A expressão de Hunter se tornou aterradora,
porque trazia uma promessa de retaliação. — Jean Pierre pegou algo que é
meu, estou indo pegar de volta. — Seu olhar prendeu o de Jason — O Ricto
foi estendido.
Hunter abriu os braços, vários homens saíram das sombras.
— Contemplem a Ordem.
***

Hunter liderou seus homens, e como uma sombra crescente, eles


avançaram. Todos letais, perfeitos em cada movimento, como se o
assassinato fosse uma dança. Um a um, os homens de Jean Pierre foram
caindo, um a um, eles foram sendo massacrados. Sem chance de defesa ou
salvação.
Não buscávamos prisioneiros, só entregamos a morte. Como
prometido, a terra foi sendo encharcada de sangue, tiros ecoavam por todo
lado, gritos cortaram a noite.
Os corpos iam amontoando na pilha criada na entrada da fábrica, ali
no meio, a grande maioria encontrava-se desmembrada.
Como se fosse um pesadelo, a Ordem destruiu a fortaleza de Jean
Pierre, desta vez o maldito francês não seria o carrasco.
Foi só depois de ver o que eram capazes de fazer que eu entendi tudo
o que Jason me disse.
— Deixamos a captura dele para você fazer — Hunter avisou, seu
rosto banhado em sangue. — Faremos agora.
Por isso eram tão temidos, por isso eles aterrorizavam até os mais
perversos. De fato, eles controlavam as coisas, trazendo ordem para tudo o
que desajustava o equilíbrio no submundo.
Talvez por isso o dinheiro não teve poder, e eu não consegui descobrir
nada, porque temiam que a Ordem interferisse. Afinal, a notícia do que
aconteceu com Victoria explodiu.
— Aqui — Hunter apontou. — Ele está aqui.
Jason estava igualmente lavado em sangue, que escorria pelas
paredes. A violência era tão profunda que atiçava a minha própria maldade,
eu havia feito parte disso.
E não me arrependia.
Parei em frente à porta, lutando para não atacar aquele infeliz até
deixá-lo morto.
— Libere toda a sua fúria agora — o líder da Ordem murmurou em
meu ouvido. — Cobre sua dívida, seja o pesadelo que ele temerá, até depois
da morte.
Jason foi quem empurrou a porta, escancarando-a.
— Rocco Masari. — Jean Pierre cantou sorridente, assim que entrei
no quarto. Ele olhava pela janela. — Belo trabalho, não? Sim, um belo
trabalho, eu ouvi os gritos, quase pude sentir o gosto do prazer.
— Onde ela está? — Puxei minha arma. — Onde está minha mulher?
— Aqui? Ali? — Deu de ombros. — Quem sabe?
Havia um ar de riso em suas palavras, e eu não pude segurar a raiva.
Eu choquei sua cabeça contra a parede, ele gemeu, e não pareceu ser de dor.
— Sinta o prazer em me conhecer — Hunter falou ao seu lado. —
Você não deveria chamar minha atenção, e sabe por quê?
— Por que você gosta de caras mais velhos? — Piscou um olho,
cuspindo sangue.
Hunter o encarou por um momento, então sorriu, pela primeira vez.
— Geralmente, eu apenas faço o que preciso e sigo o meu caminho —
Hunter disse baixinho. — Mas você pegou algo que é meu, e isso é uma coisa
que eu insisto em dizer: não foi nada inteligente.
— O quê? — Jean Pierre riu. — Uma das minhas putas é sua? Que
pena. Ah, você…
Rafael deu um soco tão potente em Jean Pierre que ele desabou no
chão como um monte de merda.
— Você já ouviu falar de mim, claro que sim. — Hunter abaixou na
sua frente. — Você sabe que eu sou o pesadelo da sua raça imunda, e que eu
adoro fazer pessoas como você chorarem. Quando isso acabar, Jean Pierre,
você vai estar implorando para morrer.
Ele se afastou e foi a minha vez. Ataquei o bastardo com tanta fúria
que minha mão doeu, mas foi prazeroso ouvir seus ossos quebrando. Eu
estava preso no meu próprio redemoinho de fúria assassina.
— Isso, isso, continue. — Gargalhou enlouquecido. — Me mate, por
favor, e ela morrerá antes que a encontre, eu prometo.
Meu punho congelou a centímetros de seu rosto. Meu corpo todo
tremia, mas eu me afastei.
Sentia-me preso em uma armadilha. O amor por Victoria tornou-me
refém de Jean Pierre, eu não podia tocá-lo. Não se a vida dela dependia
disso.
— Tudo bem, você não vai morrer — avisei, estendendo o braço para
a porta. — Mas ele vai.
Torment entrou com o filho de Jean Pierre, Jason estava ao seu lado, a
expressão neutra, enquanto brincava com a faca suja de sangue.
— François?! — Jean Pierre engasgou, olhando o estado semimorto
do próprio filho.
— Ele não pode falar agora. — Jason sorriu. — Nem pode gesticular
também, ele perdeu a mão em algum lugar.
Jean Pierre gritou e seu filho gemeu de dor.
— Vamos levá-los… — Hunter ordenou, eu mesmo me encarreguei
de Jean Pierre.
— Você vai adorar o passeio.
Segurei uma de suas pernas e o puxei como se fosse um saco por todo
o caminho de pedra. Deixei para trás um tapete de sangue e pele.
Durante todo o percurso, ele riu.
— Pendurem os dois. — Hunter sentou em uma cadeira e esperou.
Eu ajudei a pendurá-los, satisfeito de ver que nenhum dos dois
conseguiria fugir.
— Chegou a hora. — Jason aproximou-se de François. — Vamos
acordar, querida?
O primeiro grito rasgou a noite.

***

— Onde Victoria está? — perguntei, pela milionésima vez.


Lá fora, o dia já estava claro, Jean Pierre continuava rindo.
Só escutei uma risada dura vinda do bastardo francês.
— Onde você não vai encontrar! — Gargalhou, depois cantou em seu
idioma. — Sabe como foi prazeroso te ver de joelhos, chorando por uma
impostora? Foi delicioso, e eu não pude deixar de ir conferir com meus
próprios olhos. — Ele me encarou. — Victoria estava do outro lado da rua,
no meu carro. Que coisa, não?
Fiquei cego de raiva e o ataquei, mas Hunter me segurou antes que eu
pudesse encostar um dedo no miserável.
— Vou matá-lo, porra! — berrei, enlouquecido.
— Eu fiz tudo para tê-la e eu tive, coloquei uma garota no lugar,
torturei-a cada instante com a cicatriz, a tatuagem, seus gritos me deixaram
tão feliz. — Riu alto, parecia estar fora da realidade. — Tudo planejado,
muito bem-executado, mas o melhor foi mostrar para a esperançosa Victoria
que seu adorado marido estava com outra mulher em seu lugar. Ela não
sofreu tanto quando mostrei que estava morta para o mundo, porém, ela
desabou quando o viu com outra, tão fácil fazer tudo.
— Mentira! Mentira caralho!
— Claro, eu manipulei e fui paciente. — Ele gargalhou. — Eu te
disse que seu problema é que você é arrogante, eu te ensinei. Foi um tesão, eu
roubei Victoria bem debaixo do seu nariz. Você gostou das rosas?
Ele suspirou, parecia delirante.
— Eu mesmo escolhi. Eu sei que minha belle fleur é inteligente, ela
entendeu. Minha amada Victoria entendeu que eu estava indo buscá-la.
— Maldito! — gritei, tentando avançar. — Filho da puta.
— Manipulações, e voilà, eu tinha tudo o que precisava.
Impulsionei-me para frente, sentia tanto ódio e raiva que Hunter teve
um momento difícil, foi preciso ajuda para me segurar.
— É isso que ele quer — Hunter avisou. — Se ele morrer, tudo irá
acabar. Acalme-se, ele quer isso.
Meu corpo todo tremia, eu sentia que ia ficar louco a qualquer minuto
se não encontrasse Victoria e ele não ia me dizer.
— Descarregue a raiva no filho dele, olho por olho, dente por dente.
Como uma fera, avancei em cima de François, se o pai estava
intocável, seu filho não estava.
O corpo dele já convulsionava em meio à dor, Jean Pierre me
encarava com fogo não olhos, porém não dizia nada.
François gritou, eu sabia que a dor o atravessava. Jean Pierre sorriu
ainda mais.
— Sublime — cantarolou, vendo o filho.
— Pai… Pai… — François engasgou. — Tanta dor, tanto prazer.
Ambos riram, malditos loucos.
Dark entrou bruscamente na sala, alguns caçadores da Ordem estavam
com ele.
— Vasculhamos a fortaleza e encontramos uma passagem secreta. —
Ele me olhou. — Vocês precisam vir conosco.
Corremos sem olhar para trás, meu coração parecia que iria sair do
peito, senti-me gelado de ansiedade. Havia chegado o momento. Não vejo a
hora de tê-la em meus braços, amore mio!
Mas então, olhei para mim e vi a quantidade de sangue.
— Merda.
Arranquei a blusa, me limpei da melhor forma que pude, Hunter fazia
o mesmo.
— Aqui, apenas um por vez — Dark avisou.
A passagem era estreita, caminhamos por um longo corredor de
pedra. Era escuro, úmido, mas do outro lado havia uma porta com código de
acesso.
— Busque Cyper!
Precisávamos chegar ao outro lado.
Esperar, essa foi uma das coisas que mais fiz recentemente. Eu sentia
que estava perto e isso me dava uma ansiedade tão filha da puta que parecia
ter uma pedra alojada no meu estômago.
Nem dava para andar de um lado para o outro, aquela porra era
estreita, então eu tive que ficar parado, como um completo inútil, esperando
que a droga da porta fosse aberta.
— Vai demorar quanto tempo? — perguntei, por cima do ombro de
Cyper.
— Cara, me deixa trabalhar.
— Você está demorando demais!
Rafael se mantinha numa postura firme, ele nem se mexia, parecia
uma fodida estátua.
— Estou quase lá, só mais alguns instantes.
— Você disse isso uma hora atrás — Hunter pontuou. — Fica quieto
e faça o seu trabalho, não converse.
Levou mais que alguns instantes, porém, quando ouvimos o clique do
sistema, e a porta abriu, eu quase não acreditei.
Eu empurrei a porta, e nós nos deparamos com uma imensa galeria.
Várias pessoas começaram a levantar, elas nos olhavam com lágrimas nos
olhos, todos maltrapilhos, magros, cansados.
— Mas que porra é isso? — Jason murmurou quando as pessoas
encolheram-se umas contra as outras.
Dio santo, as crianças…
— Escravos… — Destroyer mordeu a palavra. — Todos eles.
— Não nos machuque — um homem velho falou, o medo escorria em
seu tom de voz.
Eu senti um nó em minha garganta ao constatar que Jean Pierre era
pior do que imaginávamos.
Só de pensar em Victoria nesse meio, sentia-me tonto e prestes a
vomitar.
— Senhor… — um dos homens de Hunter chamou. — Encontramos
outra galeria, esta com várias peças de roupas prontas para embarque.
Hunter olhou ao redor, todos os escravos estavam em pé, nos
encarando temerosos.
— Não vamos lhes fazer mal — falou alto, vi quando as lágrimas
escorreram dos rostos sofridos. — Estamos libertando a todos vocês.
Para meu total estado de horror, todos se ajoelharam no chão,
inclusive as crianças. Pareciam não ter forças para lidar com a liberdade, ou
até mesmo a esperança.
Os soluços ecoavam dentro da câmara.
— Foda. — Dark pareceu dolorido.
Sacudi a cabeça, abalado com essa terrível realidade.
— Venham — Hunter chamou, mas ninguém teve coragem de sair do
lugar.
Estavam pálidos, aterrorizados. Observei Torment adiantar-se. Ele
baixou e estendeu a mão, não disse nada, somente esperou.
Talvez sua aparência não ajudasse muito, ele estava ensanguentado, a
cicatriz na face parecia ainda pior, além dos olhos de duas cores serem duros
como se não possuíssem alma.
Para minha total surpresa, uma das crianças se aproximou. Ela devia
ter uns quatro anos e parecia asiática. Ela sorriu para ele, aceitando a mão
estendida.
Ele a puxou para si, erguendo-a nos braços.
— Vamos tirá-los daqui agora! — disse, e apesar de tudo, as pessoas
começaram encará-lo como se ele fosse um salvador, o que de fato era.
Aos poucos, os escravos foram saindo de seus lugares. Depois, o
mesmo que pediu para não machucá-los, apontou para uma porta que ficava
atrás da pequena multidão.
— As celas — murmurou.
Não pensei um segundo, era lá que minha Victoria estava.
Desta vez, não fomos parados por códigos ou sistemas de segurança,
eu me choquei contra a maldita porta e ela cedeu.
Um corredor escuro e fétido nos recebeu. Havia umidade e teias de
aranha por toda parte.
— Victoria! — gritei por ela, mas não houve resposta.
Esperamos e um gemido de dor se destacou. Hunter correu, e eu o
segui. Na penúltima cela, encontramos uma garota encolhida no canto.
Hunter berrou de fúria, chocando-me porque ele sempre foi muito
controlado, até nos piores momentos. Sozinho, ele derrubou a porta e foi
direto para a garota.
Ele a pegou nos braços, cheio de cuidado porque ela estava com sinais
de espancamento. Perto dela, havia um cavalete e um quadro inacabado de
Monalisa…
A réplica era exatamente igual.
— Lubymaia. — Ouvi o sussurro baixo, preocupado. — Estou aqui,
tudo vai ficar bem, confia em mim.
A garota gritou, quando vimos o motivo de seus gritos, Hunter jogou
a cabeça para trás e rugiu. Os dedos de ambas as mãos da garota estavam
quebrados, torcidos da pior forma.
— Blood. — Hunter parecia além da fúria, quando seu irmão chegou
do seu lado, ele apenas o olhou. A conversa foi silenciosa, eles se
entenderam, logo Blood correu dali. — Shh, lubymaia, estou aqui. Tudo vai
ficar bem.
Deixei Hunter em companhia de seus homens, eles encontraram o que
queriam. Eu ainda não.
— Victoria! — Fui olhando de cela em cela, eram no total de dez. —
Victoria?
Faltavam quatro do lado direito, quando encontrei algo que me
paralisou.
— Blanchet? — Parecia ela, mas estava tão diferente.
Seus cabelos não eram brancos e curtos como antes, e sim loiros e
longos.
— Blanchet? — chamei outra vez, mas ela não respondeu, continuava
olhando para frente.
Os olhos apagados, a expressão morta. Surpreendi-me por encontrar
sua cela aberta, parei na sua frente.
— Onde está Victoria?
Ela não respondeu, continuava como se nada houvesse mudado. O
olhar inexpressivo.
— Foda-se! — Puxei meus cabelos.
Sentia que estava perto e ao mesmo tempo longe.
Maldição!
— Ajuda aqui? — Um dos caçadores perguntou e eu acenei.
— Cuide dela, leve-a para fora.
Voltei para o corredor e continuei procurando, a maioria das celas
estava vazia, menos a última, que continha uma mulher, também silenciosa
como Blanchet.
— Merda, merda…
Eu já estava entrando em pânico, louco de preocupação, pois tudo o
que encontrei cimentava meu terror por tudo que Victoria devia ter passado.
— Onde você está, amore mio? — Esfreguei o rosto, puro desespero
golpeando-me.
Vi Hunter saindo da cela com a garota nos braços.
— Pare… — ela murmurou baixinho, Hunter obedeceu. — Ele levou
as duas ontem. Estava louco, machucou a todas, mas…
A garota parecia a ponto de desmaiar, Hunter a segurava tão
protetoramente que ambos pareceram querer fundir-se um no outro.
— Ele sempre faz isso, castiga, então a leva por dois dias, depois ele a
traz de volta.
A garota começou a chorar, afundando o rosto no peito de Hunter, ela
parecia querer sumir. Corri para a sala de interrogatório, Jean Pierre sorria,
me olhando.
— Não a encontrou, não é? — Sua gargalhada me fazia tremer de
ódio. — Se você me matar, Victoria morre. Creio que você pegou as piores
cartas nesse jogo! E digo mais, a estas horas, amanhã, ela já não vai estar
viva. Eu vou morrer, mas levo Victoria comigo. Não é demais?
Eu queria matá-lo, mas me controlei porque o bastardo tinha a vida de
Victoria nas mãos.
Durante boa parte do dia e, mesmo sob as piores torturas, ele não
falou.
A cada instante, o tempo de Victoria diminuía, e o meu desespero
aumentava. Jason despejou sua raiva no filho de Jean Pierre. François
morreu sufocando com o próprio sangue.
Pela primeira vez, eu vi choque em Jean Pierre.
— François? — gritou. — François, acorde, meu filho, acorde!
— Ele não pode te ouvir — falei, enquanto assistia Jason empurrar o
corpo para um canto da enorme sala de pedra.
— Queime no inferno — rosnou, ateando fogo ao corpo.
Naquele momento, o primeiro grito de Jean Pierre soou. Dessa vez
não era de prazer, apenas de dor.
Eu fiquei feliz, não me importando se isso também me tornava um
monstro.
— Onde está minha mulher? — perguntei, diante dele, encarando-o
nos olhos. — Onde ela está? — Cerrou os lábios, não disse nada.
Eu estava a ponto de enlouquecer quando Hunter chegou. Sua face
sombria e corpo tenso prenunciavam o terror que estava prestes a desatar.
— Desçam esse verme — ordenou. — Segurem-no na mesa e
estiquem os braços.
— Ele não pode morrer. — Entrei na frente, apesar do ódio que
sentia, eu não permitiria que ele fosse morto. Lutaria para defendê-lo se fosse
preciso. — Ele não falou ainda onde está minha mulher.
— Silêncio — Hunter exigiu baixinho, sua voz um cântico mortal. —
Alicate. — Estendeu a mão para que alguém lhe desse o que pediu.
Jean Pierre ria de todos nós, porém, quando percebeu a intenção de
Hunter, o medo derrubou sua máscara de alegria.
— Eu passei a maldita manhã inteira colocando os dedos da minha
mulher no lugar. — A voz de Hunter exalava tanta frieza que Jean Pierre
estremeceu. — A cada grito que ela deu, eu prometi que iria fazer você gritar
igual.
Hunter colocou o alicate no dedo mindinho de Jean Pierre. Ele me
olhou, como se me desafiasse a ficar quieto.
— Se eu morrer…
— Você não vai — eu disse, confiando que Hunter não faria isso.
— Jean Pierre, você não deve provocar homens grandes e maus… —
Hunter falou com suavidade. — Mas principalmente, você não deveria mexer
com as mulheres deles.
Clack.
O grito foi real, e o dedo caiu na mesa. Jason aproximou-se,
segurando um ferro em brasa.
— Eu disse que iria trazer gritos e sangue para quem orquestrou tudo
isso. — Encostou o ferro no que restava do dedo.
O cheiro de carne queimada embrulhou meu estômago, os gritos de
Jean Pierre duraram a tarde toda. Ao fim, ele desmaiou, mas foi acordado por
uma injeção de adrenalina.
Descobri que Blood era médico.
— Malditos! — Jean Pierre gritou, olhando suas mãos sem dedos. —
Nunca direi onde ela está. Nunca direi.
Seus gritos eram tão altos que deviam ter sido ouvidos por todo lugar.
Agora havia desespero em sua voz, e a única alternativa que lhe restava era
tentar levar quem ele pudesse para o mesmo buraco.
Isso significava levar Victoria, porque onde quer que ele a tivesse
deixado, o tempo dela se esgotava.
Vários caçadores estavam vasculhando a propriedade, os gêmeos,
Red… Só os melhores, mas desde que partiram, ainda não retornaram com
notícias. Ninguém sabia onde ela estava, e ele não ia dizer.
Angustiado e morto de medo, encostei a testa na pedra fria,
implorando por um milagre. Se existia um Deus, ele não me deixaria chegar
até aqui em vão.
— Per favore. — Fechei os olhos. — Ter vindo aqui somente para
não conseguir salvá-la. Por favor, ajude-me, suplico por isso.
A porta se abriu, eu nem me importei em olhar, preso em meu próprio
martírio. O homem a quem jurei matar tinha a vida de Victoria nas mãos, eu
não poderia tocá-lo.
— Rocco, venha comigo! — Destroyer chamou e eu o segui.
Caminhei até a área onde um acampamento foi montado. Lá havia
uma grande tenda fechada, vários caçadores estavam protegendo-a, todos
fortemente armados. Quando entrei, avistei a mulher que encontrei nas celas.
Não era Blanchet.
— Fale! — Hunter ordenou e a mulher me olhou. Sangue seco
manchava meu uniforme.
— Na floresta, siga para o Norte — falou baixinho, aterrorizada. —
Quando ficar difícil de passar de carro, você vai encontrar um cemitério de
árvores, cruze a linha até o outro lado, é onde fica a clareira da morte.
— Por que devo confiar e você? — Inclinei-me para ela,
desconfiado.
E se fosse uma armadilha para desviar o foco? A cela dela estava
aberta. Isso significava algo, ou não?
— Porque é pra lá que ele… — Os olhos dela encheram de lágrimas.
— Que Jean Pierre leva as pessoas que deseja punir, ou dobrar à sua vontade.
— Ela baixou a cabeça. — Eu já fui para lá.
— Quem é você?
— Eu sou a mulher que teve a infelicidade de chamar a atenção dele.
Olhei para Hunter e ele acenou. Saímos da tenda correndo, com uma
equipe pronta para ir até esse lugar.
Estou chegando, Pequena.
Rocco

Minhas pernas cobriam a distância com velocidade, eu sentia os


pulmões queimando de cansaço, enquanto meu corpo lutava para correr mais
rápido.
Jason estava ao meu lado, esforçando-se apesar de suas limitações. Os
gêmeos nos flanqueavam, Red, Torment e Dark também. Depois que os
carros não conseguiram avançar, nós adentramos a floresta, seguindo para o
nosso destino.
Raízes projetavam-se do chão, os galhos secos apontavam para o céu.
A terra parecia uma rede de armadilhas pronta para nos devorar. Ali, tudo
parecia morto, e a névoa baixa tornava o lugar aterrorizante.
Mas não para mim. Eu estava indo encontrar Victoria, ali era o
paraíso para mim. Logo eu a teria nos braços, quase podia sentir o calor de
seu corpo contra o meu, por isso, mesmo que estivesse rodeado de morte e
escuridão, a vida florescia em meu peito.
— Ali. — Apontei, quando avistei a divisão do cemitério de árvores.
Forcei meu corpo a acelerar, cada metro percorrido me colocava mais
próximo dela.
Eu precisava ir mais rápido.
— Cuidado, Rocco, isso aqui é uma armadilha natural! — Dark
gritou.
Nós começamos a atravessar uma extensa área de raízes
escorregadias, algumas se sobressaíam do chão como pequenas adagas.
Todos nós tínhamos treinamento para lidar com lugares de difícil acesso,
mesmo assim não era fácil.
— Porra. — Escorreguei, caindo em cima das malditas raízes.
Na hora senti uma dor fodida no braço, quando olhei, percebi que
havia me cortado profundamente.
— Merda. — Jason pegou meu braço, Torment o amarrou com um
pedaço de tecido para estancar o sangramento. — Precisamos ir mais
devagar.
— Não podemos. — Passei a mão por cima do corte, o maldito
latejava. — Necessito encontrá-la agora.
Não deixei que a dificuldade me atrasasse, mesmo que eu chegasse do
outro lado todo cortado, jamais iria a passo de tartaruga. A névoa complicava
tudo, mas, quando conseguimos chegar do outro lado do imenso cemitério de
árvores, a névoa sumiu como se fosse mágica.
— A clareira. — Jason ofegou, curvando-se para tentar respirar
melhor.
Ali o chão era batido, como se houvesse sido limpo, e só não estava
totalmente escuro porque a lua iluminava um pouco. As árvores secas
apontavam para o céu como lanças.
— Não há nada aqui! — Dark olhou ao redor. — A mulher disse que
encontraríamos Victoria, mas não há nada aqui!
— Ali, no meio. — Torment apontou, e eu me aproximei.
— Um poço? — Red perguntou, cauteloso.
Não, não era um poço, mas a sepultura que Jean Pierre havia
escolhido para enterrar Victoria viva.
— Dio santo. — Toquei a construção, observando-a.
Talvez, a única coisa que levasse oxigênio para dentro fosse a falta de
alguns blocos na estrutura do poço. Apavorado, tremendo de horror, jurei a
mim mesmo que independente do que encontraria, Victoria seria levada para
casa comigo.
— Deus tenha misericórdia — Dark grunhiu, fazendo o sinal da cruz.
— Não acredito que ela está aí! — Jason parecia engasgado.
O medo dominava, fazendo parecer que meu coração ia explodir no
peito, eu sentia o sangue gelar nas veias.
— Vamos abrir. — Respirei fundo, preparando-me para empurrar a
pesada tampa de pedra. — Vamos, porra!
Juntos, começamos a afastá-la.
O som de concreto arrastando no próprio concreto foi terrível, rangi
os dentes pela agonia, o esforço, a minha própria luta interna. Mas pior que
tudo isso junto era o medo de como Victoria estaria ali dentro.
Eu tinha pouquíssimo tempo para estar preparado.
— Só mais um pouco. — Ofeguei, empregando o máximo de força
que possuía.
Assim que conseguimos abrir o poço, um rançoso cheiro de podre
subiu, fazendo-nos engasgar.
Cambaleei para trás, lutando contra o vômito. O cheiro era
insuportável.
— Merda. — Um dos gêmeos vomitou, Dark precisou se afastar um
pouco.
Respirei fundo e me inclinei sobre a abertura. Não dava para enxergar
absolutamente nada.
— Preciso de luz aqui — gritei, Torment e Jason apontaram suas
lanternas para dentro do poço.
— Ele é profundo — Jason falou.
Não vi reflexo de água, mas pude distinguir dois corpos amontoados.
— Victoria! — berrei, prestando atenção, mas não houve movimento.
— Victoria!
Sem respostas.
Um pouco mais abaixo, em ambos os lados da parede, havia grilhões
de ferro. Apontei a lanterna, seguindo as duas correntes que desciam até o
fundo.
— Estão acorrentadas — foi Torment quem disse.
Eu percebi horror em seu tom. O que Jean Pierre fez foi um ato de
crueldade tão vil que chocava até quem vivia em meio a isso.
— Vamos puxar. — Peguei uma das correntes, Jason me ajudou.
Olhamo-nos um momento.
— Que Deus me ajude, Jason. — Minha voz embargou. — Que Deus
me ajude! — Ele concordou comigo.
Saber que Victoria estava ali era insuportável de um jeito que eu não
conseguia descrever.
— No três. — Respirei fundo.
Um…Três…
Começamos a puxar. A corrente era grossa e deslizava. Estávamos
com as mãos nuas, o que tornava tudo mais difícil.
— Não deixe cair, porra. Não solta — gritei para Jason.
— Dê-me isso — Torment falou, trocando de lugar com o irmão.
Sabíamos que Jason já havia ultrapassado todos os limites, não
podíamos exigir mais dele.
Travei o corpo, para não permitir que a corrente escorregasse, sentia
as mãos e punhos queimando de dor, mas não desisti.
— Puxe devagar, vamos evitar o máximo possíveis lesões — Torment
alertou baixinho. — Fiquem atentos para pegá-la, quando conseguirem
alcançar.
Enrolei a corrente enferrujada no braço, não podia deixar, sob
hipótese alguma, que o corpo suspenso caísse. Meus ombros gritavam, os
braços também, mas conseguimos.
— Já basta — Dark gritou. — Consigo pegá-la.
Pareceu-me uma eternidade, observei, enquanto ainda segurava a
maldita corrente, ele inclinar-se para dentro e puxar o corpo para fora.
— Não deixe que caia — avisei, com medo de um acidente.
Red trocou de lugar comigo.
Eu precisava receber Victoria, queria segurá-la, dizer que estava tudo
bem. Tremendo como nunca, eu a segurei nos braços, quase sem respirar.
— Amore mio. — Ela estava com lodo em todos os lugares, mas,
quando tirei os cabelos de seu rosto, eu vi que aquela mulher maltratada não
era a minha.
Eu a entreguei a Jason, ele a embalou nos braços. Trêmulo, tocou o
rosto dela.
— Dio santo!
Ela parecia sem vida, mas, quando Jason encostou os lábios nos dela,
ele ofegou.
— Está viva!
Então, se aquela moça não era Victoria… Dio mio, o outro corpo!
Voltei correndo para o poço, e sem ajuda, peguei a outra corrente.
Desesperado, comecei a puxar sozinho. Eu não fazia ideia de onde vinha a
minha força. Outra vez, enrolei a corrente no braço e puxei.
Algo me dizia que era ela.
— Vem, amore mio.
A corrente cortou meu braço, mas isso não me impediu de continuar.
Eu estava trazendo a minha mulher para mim. Sangue escorreu por meu
braço machucado, eu estava louco, não me importava comigo mesmo, a não
ser com ela.
— Rocco, pare! — Dom gritou, me fazendo estacar, ofegante, com o
coração quase parando, eu o encarei. — Me dê a corrente. — Passei para ele,
e o observei travar o maxilar quando sustentou o peso.
Jason e Torment estavam cuidando da outra garota, ela não parecia
nada bem.
— Não solte!
Corri para a borda do poço, a cerca de vinte centímetros de distância,
ao alcance das minhas cobiçosas mãos, um corpo estava suspenso. Seus
braços estavam para cima, as algemas da corrente prendendo-a pelo pulso.
Com todo cuidado, peguei suas mãos frias com as minhas. Meus
olhos fecharam-se quando um soluço ameaçou escapar.
— Amore mio… — Enxergava tudo embaçado, o coração alegre em
vê-la mas ao mesmo tempo triste pela situação.
Segurei seus braços, puxando-a para mim.
Era ela, eu senti o peso de seu corpo, eu reconheci sem precisar ver
seu rosto.
— Dio santo. — Meus joelhos cederam, e eu desabei.
Chorei abraçando-a apertado, o rosto enterrado em seu pescoço.
— Te encontrei, meu amor, eu te encontrei.
Eu a embalei, ainda sem acreditar que havia recebido tamanho
presente. Tudo o que eu mais queria, e desejava fervorosamente, se tornou
real.
— Você está aqui, está aqui comigo. — Não cansava de falar com ela,
era como um sonho. — Eu pedi tanto para senti-la junto a mim outra vez, não
pensei que fosse acontecer. Dio santo, eu te amo tanto.
Distribuí beijos pelo rosto sujo de lodo, pouco me importando com o
cheiro fétido. Sentia-me tão feliz, mas acima de tudo, humilde por tamanha
benção. Eu não fiz por merecer, odiei a Deus, condenei minha fúria todos os
dias.
Mesmo assim, Ele ainda…
— Obrigado, Dio santo, obrigado.
Senti meu coração esmurrando o meu peito, esforçando-se para
suportar a avalanche de sentimentos incríveis e redentores.
A saudade agora poderia ser sanada, eu não estava mais vazio porque
Victoria preenchia todos os buracos, permitindo-me alcançar lugares que eu
só podia com ela. Eu não era mais o homem quebrado, agora estava inteiro
de novo, para ela e meu filho.
— Você está fria, amore mio. — Ajeitei seu corpo melhor, para que
eu pudesse retirar a minha camisa. — Sinta-me, abrace o meu calor, me deixe
aquecê-la, agora eu posso.
Meu corpo todo tremeu quando nossas peles se tocaram.
— Dio mio, esperei tanto por esse momento — Encostei nossos
lábios, eu senti que respirava, suavemente, como se estivesse muito cansada.
— Tome meu fôlego, e o que mais precisar. Estou aqui agora.
Eu a balancei devagar, apertando-a com doçura e gentileza. Não
conseguia sair do lugar, temia que ela fosse quebrar porque eu a sentia frágil
demais. Eu sabia que deveria correr, levá-la até Blood para que ele a
examinasse, mas me sentia congelado no lugar.
Dio mio… Victoria estava nos meus braços, ela… Estava nos meus
braços! Não consegui parar de repetir o pensamento, mesmo sentindo o peso
dela comigo.
— O que você faz quando encontra a mulher da sua vida? —
murmurei, fechando os olhos, apoiando-me nela enquanto me permitia
chorar.
Tudo o que quase me matou durante tantos meses estava indo embora.
— Você a ama.
O sussurro doce e quebrado acalmou meu coração.
Não pude evitar o sorriso enorme quando encarei o par de olhos
verdes mais lindos que eu já havia visto. Havia tanto amor nadando em suas
íris alagadas de lágrimas, que eu achei que me apaixonava ainda mais por ela.
— Você está aqui mesmo? — Victoria suspirou, piscando os olhos,
tentando erguer a mão. — Chamei por você.
— E eu ouvi. — Trouxe suas mãos para mim, e a esfreguei por meu
rosto, como sempre fiz. — Eu estou aqui, meu amor. Perdoe-me por ter
demorado tanto.
— Veio me buscar? — Suas lágrimas escorreram, ela estava muito
cansada.
Sorri emocionado, acenando.
— Eu sempre irei buscar por você, Pequena. — Puxei o fôlego, eu
tinha que ficar forte para ser o apoio dela, não importava o quão abalado eu
ainda estivesse. — Eu sempre irei buscar por você, onde quer que esteja.
Ela deu um sorriso tímido, depois um soluço sacudiu seu corpo.
— Senti tanta saudade dos seus olhos, grandalhão. — Ela percorreu
minha barba com os dedos. — Por que você está me olhando assim?
Suspirei em plenitude, estremecendo de prazer.
— Porque eu te encontrei de novo, e porque eu posso sentir amor em
meu coração outra vez.
— Obrigada por vir. — Sorriu, fechando os olhos. — Me leva para
casa.
Eu a apertei em meus braços novamente. Acreditava que nunca mais
conseguiria soltá-la.
— Como não iria vir, Pequena? — perguntei, mas ela não respondeu.
— Bonequinha? — Jason murmurou do meu lado, a garota dele
também adormecida.
Elas estavam exaustas. Pelo menos era o que eu me dizia.
— Conseguimos, Rocco. — Jason sorriu me olhando, duas linhas
marcavam sua face.
— Conseguimos, brother! — Ergui a mão e ele bateu.
— Precisamos sair daqui, está esfriando muito rápido e elas precisam
de cuidados urgentes. — Torment me ajudou a levantar.
Como se carregasse um cristal, eu comecei a sair da clareira. Meu
braço escorria sangue, eu sentia-o pulsar, doendo como um inferno, mas a
felicidade era tanta que eu não conseguia parar de sorrir como um completo
idiota.
— Vamos para casa, amore mio. — Esfreguei nossos narizes. —
Vamos para casa.
"Você veio por mim! Relembrei sua frase, tocado pela simplicidade e
ao mesmo tempo pelo significado.
— Como não, meu amor? Minha vida dependia da sua.

***

Voltamos para o acampamento com as nossas preciosas cargas, o frio


estava intenso, por isso vesti Victoria com minha camisa e a de Drake, Jason
fez o mesmo com a outra garota. Ambas estavam enlameadas dos pés à
cabeça.
Ao chegarmos ao acampamento, Hunter nos recebeu, um sorriso de
alívio marcava seus traços duros, ao mesmo tempo em que a vingança
cintilava em seus olhos.
— Agora não há impedimento — ele disse, a voz carregando
promessa de morte. — Jean Pierre perdeu o poder de barganha.
— E eu irei lhe dizer isso pessoalmente.
Em breve, seria o fim daquele maldito, mas antes, eu cuidaria da
minha esposa.
— Blood está esperando, ele aguarda na sua tenda. — Hunter apontou
para uma das barracas do acampamento improvisado. — Vá.
— Eu te devo uma, Rafael — disse baixinho, ele havia dito que não
era para chamá-lo pelo seu nome.
Enquanto estivéssemos ali, era para chamá-los apenas pelas
designações da Ordem.
— Não, sou eu quem deve, mas vamos conversar sobre isso depois.
— Ele indicou a tenda. — Adiante.
Foi difícil soltar Victoria, até mesmo para acomodá-la na cama que
fora feita especialmente para ela.
— Você precisa deixá-la respirar — Blood disse enquanto mexia em
seus equipamentos.
— Difícil me afastar. — Cruzei os braços, atento a cada movimento
que ele fazia.
— Tudo bem, fique ao lado dela, mas não atrapalhe.
Concordei, ficando bem quieto. Blood estava organizando algumas
coisas, enquanto isso eu parei para admirá-la. Victoria estava mesmo ali,
desta vez não era meu cérebro pregando peças. Não havia uma imagem
gravada com frases de amor.
Ela podia dizer que me amava. Ela estava ali para dizer isso.
— Porra! — Senti-me cambalear, quando a enormidade de tudo
aquilo caiu em cima de mim.
— Você está ferido e sangrando como um porco. — Blood pegou
meu braço e avaliou um instante, depois foi até a frente da tenda. — Torment,
preciso de você.
— O quê? — Observei o gigante cruzar os braços, esperando.
— Limpa e sutura o braço dele, eu vou levar um tempo com a garota,
mas do jeito que o bastardo está sangrando, nós vamos ter que carregá-lo.
— Eu não… — Mal tive tempo de falar, antes de Torment puxar um
banco e o colocar ao lado de Victoria.
— Senta ao lado dela e me dá o braço.
Fiz como ele havia pedido e me concentrei somente no que era feito
em Victoria.
— Vou ministrar um sedativo suave — Blood murmurou, testando a
seringa.
Seu nome era Lysander Demonidhes, um renomado médico-cirurgião,
famoso pelo sucesso de suas operações.
Ele pegou o braço de Victoria e aplicou o sedativo na veia. Então
começou a examiná-la, primeiro pela cabeça, estava procurando possíveis
sinais de trauma.
— Os sinais de desnutrição são bem óbvios — ele disse, depois de
checar a cabeça. — Há também desidratação, e a possibilidade de hipotermia.
Não gosto disso.
— Mas ela vai ficar bem, não é? — perguntei, tenso.
— Os pulsos estão lacerados, e ela tem um ombro deslocado. Eu vou
colocar no lugar agora.
Engoli em seco, observando ele reposicionar o ombro dela. Victoria
não esboçou qualquer reação.
— Você precisa fazer bastante compressa com gelo, vai ajudar a
desinchar, além de não esquecer os remédios nos horários corretos.
— Certo.
Atento, observei quando ele começou a apalpar as costelas, franzindo
cenho de vez em quando.
— O que foi? — perguntei, sentindo que minha respiração começava
a acelerar. — Ela está bem, não é?
— Sim, mas a desnutrição é severa. As costelas estão salientes, não
gosto de saber que passou fome.
Sua expressão se tornou ainda mais sombria. Conforme ia descendo
pelas pernas, e notando o quão machucada Victoria estava, Blood deixou
transparecer que talvez aquele fosse o seu calcanhar de Aquiles, porque não
importava o quão durão alguém fosse, sempre existia algo capaz de atingi-lo.
— De onde eu venho, homens que fazem isso com mulheres merecem
um tratamento semelhante. — Ele me olhou. — Se você precisa machucar
alguém mais fraco, isso só mostra o quão inferior você é. Mas, aqui, no caso,
eu posso mostrar para esses malditos como é estar do outro lado.
— Concordo.
— Bom, o que importa é que chegamos a tempo. Não sei se nessas
condições ela aguentaria mais tempo naquele buraco. — Blood respirou
fundo. — Ela é sua esposa, então, talvez esteja consciente de que pode ter
acontecido outros tipos de abusos…
— Eu vou cuidar dela, não importa o que tenha acontecido.
— Certo, eu gostaria de examinar visualmente a região abdominal,
vou ter que cortar esse vestido. Você está bem com isso?
— Sim, faça o que precisa ser feito.
— Estou saindo. — Torment levantou, apressando-se para fora.
Blood inclinou para ver meu braço, ele deu um breve sorriso e voltou
a atenção para Victoria. Ele cortou o vestido imundo, e assim que tivemos um
vislumbre de seu corpo, percebemos que ele tinha razão ao dizer que as
costelas estavam salientes.
Era como se a pele dela estivesse esticada sobre os ossos.
— Dio santo. — Engoli em seco, raiva queimando como ácido.
Blood teve o cuidado de manter o pudor de Victoria, ele cobriu os
seios com as laterais do vestido, depois começou a avaliar o abdômen e
região pélvica dela.
— Parece que está tudo bem, eu não vejo rigidez na região da barriga
— disse, prestando atenção às marcas em processo de cicatrização. — Isso
aqui é uma cicatriz de tiro, quem fez a sutura estava com a mão no rabo, com
certeza foi um açougueiro. — Ele a deitou de lado e avaliou as costas. —
Tudo dentro do possível.
— O que quer dizer?
— Por mais que eu queira terminar aqui e ir embora, não podemos
remover as mulheres pelo menos até amanhã, sua esposa está frágil demais.
— Por um momento, vi uma raiva intensa queimar em seus olhos escuros. —
A mulher de Rafael está com febre, uma viagem agora não seria
recomendável para nenhuma delas.
Concordei.
— Por hoje vamos apenas alimentá-las, hidratá-las e cuidar de cada
uma de suas necessidades. Não há ossos quebrados nem infecções aparentes,
o caso delas foi maus-tratos, temos que ver como está o psicológico de todas,
mas isso com certeza será depois.
Ele cobriu Victoria com uma manta, depois, se aproximou de mim,
para examinar melhor o meu braço.
— Você vai ter problemas para movimentá-lo por um tempo. Você
por acaso enrolou uma corrente aqui? — Acenei. — Muito bem.
Ele sorriu, juntando suas coisas.
— Obrigado, eu nunca poderei agradecer o suficiente por tudo isso
que está fazendo.
Blood parou um momento e me encarou.
— Você acolheu o meu irmão, Draikov ama vocês, e isso faz com que
sejam da família também. Não precisa agradecer, é um prazer ajudar. Ainda
mais quando eu posso colocar as mãos em caras como Jean Pierre. — Piscou
um olho.
Todos os membros da Ordem eram letais, mas os irmãos
Demonidhes, a meu ver, eram infinitas vezes piores.
— Vou mandar trazerem água e um sabonete, ela vai querer tirar essa
sujeita do corpo.
Sentia-me tão aliviado que não havia nada quebrado. Tinha certeza de
que, com muito amor e dedicação, Victoria ia superar tudo.
— Me chame se precisar, eu vou fazer uma visita à garota com
Draikov, então, irei conversar com nosso prisioneiro. Estou planejando algo
realmente legal para ele.
Blood saiu, deixando-me sozinho com Victoria. Parei um momento
para olhá-la, e o meu coração deu uma guinada brusca, apesar de ela estar
bastante suja e com o rosto encovado, para mim, era a mulher mais linda.
Toquei sua bochecha, percorrendo os dedos por sua mandíbula e pescoço.
— Como é bom tocar você — murmurei, feliz como nunca pensei que
ficaria depois que tudo aconteceu. — Você está comigo de novo, e eu não
vou deixar ninguém te tirar de mim.
Eu me ocupei de limpá-la o máximo que pude, com o pano úmido,
mas a imundice estava impregnada. Demorou um tempo, mas consegui livrar
seu rosto de toda sujeira.
Assim, eu pude ver a palidez acentuada. Victoria suspirou, o pequeno
som deixando-me bobo.
— Como ela está? — Jason estava parado na entrada. — Posso vê-la?
Se eu fosse sincero, diria que não. A verdade era que queria Victoria
só para mim, mas eu balancei a cabeça, e ele entrou.
— Meu Deus — Jason disse, quando deu uma olhada melhor, então,
ele ergueu a mão e tocou a face adormecida de Victoria. — Eu tive tanto
medo.
Observei quieto ele pegar a mão dela e colocá-la no próprio rosto. Eu
não ia sair, mas virei de costas, permitindo a ambos um momento.
— Lembra quando eu te chamei de senhora, e você brigou comigo?
— Escutei um soluço baixo. — Você me mandou parar de bobagem. Depois
você se preocupou comigo e com os outros seguranças na noite de bebedeira
de Rocco, eu te adorei naquele momento. Obrigado por me obrigar a ouvir
aquela música ridícula às seis da manhã.
Jason fez silêncio, eu já ia me virar quando o ouvi dizer:
— Você me fez feliz numa época em que eu acreditava não merecer
isso. Quero que saiba que eu amo você com todo meu coração, para sempre.
Obrigado por me aceitar sem questionamentos, e por me mostrar como a
família é importante.
Eu me virei e vi que Jason estava beijando a testa de Victoria. Ele
sorria, parecendo aliviado.
— Não sei se tenho coração para aguentar outra dessas — ele disse,
me encarando.
— Como a garota está? — perguntei, voltando para o lado da minha
mulher.
— Igual Victoria. — Esfregou o rosto. — Vou cuidar dela. Não sei,
só… Preciso fazer isso.
— O que houve, Jason? — inquiri, prestando atenção nele.
Jason pareceu-me atormentado.
— Ela acordou por um momento e chamou por mim. — Encarou-me
chocado. — Ela abriu os olhos lindos, quero salientar, e disse que estava em
paz, o anjo de seus sonhos fora buscá-la. Isso é estranho, porque de alguma
forma ela me reconheceu só que eu nunca a vi em toda a minha maldita vida.
— Sua voz soava agoniada. — Eu preciso entender o que está acontecendo
aqui.
Notei o quão frustrado ele estava.
— Paciência — aconselhei. — Vamos apenas cuidar delas, terminar o
que começamos… — Jason entendeu que o assunto inacabado era Jean
Pierre. — Depois ir embora.
— Isso soa perfeito para mim.
Ele saiu, e eu voltei minha atenção para Victoria. Já havia feito o
melhor para deixá-la confortável, mas pretendia continuar. Eu queria que,
quando ela acordasse, se sentisse limpa.
— Não… Não… — Ela choramingou, tentando afastar meu toque.
— Ei, tudo bem, tudo bem. — Larguei o pano dentro do pequeno
balde e me deitei, puxando-a para mim. — Tudo bem, meu amor. —
Acariciei seus cabelos. — Tudo vai ficar bem.
Aos poucos, seu corpo parou de tremer. Passei muito tempo deitado
com ela, meu corpo ao redor do dela, protegendo-a.
— Eu recebi o maior presente que desejei — falei, pertinho de seu
ouvido. — Uma nova chance, com você, amore mio. Quem poderia imaginar
que eu teria o meu grande amor de volta? Deus, eu posso respirar aliviado e
simplesmente viver, porque antes eu não estava conseguindo.
Senti o cansaço de tantos meses pesando, e eu me permiti descansar.
Com Victoria segura em meus braços, eu poderia fechar os olhos e me deixar
ir porque eu sabia que não haveria pesadelos, a não ser sonhos.
Doces sonhos.

***

Um toque suave e gentil foi responsável por meu despertar.


— Per favore, continue me tocando, amore mio. — Seus dedos
hesitaram, mas logo voltaram ao meu rosto. — Não ouse parar de me tocar
agora.
— Abra os olhos.
Obedeci e acabei me perdendo, nesse momento não seria capaz de
pronunciar meu nome.
Victoria me olhava bem próxima, seus olhos claros, apesar de
cansados, pareciam um lugar bom para me refugiar. Estávamos dentro do
nosso casulo de amor, perdidos em nosso mundo, nessa nova realidade. Em
que tudo era possível.
Era bom sentir essa sensação de pertencimento, de completude.
— Sinto muito, Rocco, por tudo.
— Não diga isso, Pequena. — Tirei seu cabelo do rosto. — Nunca se
culpe, por absolutamente nada.
Victoria me encarou silenciosa, logo suas lágrimas começaram a
escorrer. Eu me sentei, puxando-a para mim.
— Senti tanto medo. — Soluçou. — Senti tanta saudade, queria tanto
estar em seus braços de novo. Eu te amo tanto, Rocco.
— Eu também, amore mio, eu também te amo muito. Mais que a mim
mesmo.
Victoria chorou por um longo tempo, eu não disse nada, somente a
segurei até que se sentisse melhor.
— Preciso tirar esse cheiro de mim — ela disse, olhando-me.
— Tudo bem, tem água ali. — Levantei, e a ajudei a ficar em pé.
Suas pernas estavam instáveis, mas ela conseguiu manter-se ereta.
— Foi preciso cortar o seu vestido para poder examiná-la, mas não se
preocupe, ninguém viu nada.
Tentei não transparecer o quanto me deixava louco ver seus ossos
sobressaindo.
— Não olhe para mim. — Tentou afastar-se, mas eu não permiti,
segurei-a com carinho.
— Você é perfeita, meu amor, linda como sempre foi.
Ela não respondeu, por isso apenas dei início ao seu banho. Primeiro,
comecei por seu cabelo, ele estava cheio de nós. Não sabia se ir rápido
ajudaria ou se era melhor devagar, eu prestei atenção para que ela me desse a
resposta.
Eu até pensei que estava indo bem, mas, de repente, Victoria abraçou
o próprio corpo, parecendo envergonhada.
— Não olhe para mim. — Chorou baixinho. — Não olhe.
Engoli a tristeza e a abracei. Era somente o que eu poderia fazer por
enquanto.
— Amo você, Rocco.
— Shh, tudo bem. — Beijei seu ombro. — Tudo vai se resolver, o
pior já passou, confie em mim. Vamos recuperar o que foi perdido, amore
mio, eu prometo isso, juro se quiser.
— Não é isso. — Soluçou — É só que…
— Conte-me, irei resolver, prometo. — Não escondi a ameaça em
meu tom.
Sabia que nunca mais seria o mesmo homem, o que vivi foi suficiente
para me mudar. Com certeza seria um marido insuportável, do tipo que não
aguentaria ficar mais que algumas poucas horas sem contato.
Dio mio, Victoria teria que lidar comigo paranoico.
— E se eu estiver sonhando? — Ela agarrou-se a mim, as unhas
arranhando a minha pele. — Rocco, e se eu estiver sonhando? Se nada disso
for real?
— Amore mio…
Ela fechou os olhos.
— Eu sonhei todos os dias, e você sempre me chamava assim.
— Estou aqui…
— Ele brincava com meu sofrimento, ele gostava. Disse que Jason
morreu, mostrou-me fotos suas no meu enterro. Ele me fez acreditar que não
podia ter esperança, que eu deveria me entregar, porque eu pertencia a ele…
— Não, você sempre foi minha e sempre será. — Segurei seu rosto.
— Olha para mim e acredita no que vou dizer: você é minha esposa, mãe do
meu filho, pertence somente a mim.
— Ele me mostrou que você seguiu em frente, que você tinha uma
nova família, ele jogou para mim todas as revistas, Rocco, eu… mesmo
naquele poço, eu queria tanto que você viesse por mim.
— Presta atenção, Victoria, aquele bastardo mentiu, ele forjou a
merda toda! — Tentei não soar irado, minha voz sempre ficava agressiva, e
eu não queria que ela se assustasse. — Eu sempre fui seu, amore mio, desde o
primeiro olhar. Nunca pertenceria à outra, sei que foi isso que aquele
miserável quis te fazer acreditar, mas não caia nessa. Eu não tive ninguém,
porque eu só queria você.
— Mas eu estava morta!
— Mas continuava dona do meu coração, de mim. — Limpei suas
lágrimas. — Jean Pierre tentou derrubar a barreira que você criou, ele tentou
te enfraquecer, mas você não deixou. Não é?
Negou.
— E Jason está vivo. Muito vivo, na verdade, ele está com sua amiga,
cuidando-a tão ferozmente que não permite ninguém chegar perto.
Ela lambeu os lábios, eu vi suas pupilas dilatando ao me encarar.
— Acredite, eu estou aqui, não é sonho, me toque, sinta, veja que sou
real.
Suas mãos tocaram meu peito, deslizando por minha pele. Puro prazer
me fez tremer.
— É tudo real. — Busquei seu olhar. Victoria pousou uma das mãos
em meu rosto, me inclinei para aceitar seu carinho.
— Senti tanto a sua falta, do nosso filho, morria todos os dias por
isso. — Suspirando, Victoria implorou que eu a abraçasse.
Eu a apertei tão forte que poderia fundir nossos corpos.
— Amando você… — Cantei de maneira ridícula, eu precisava que
ela seguisse comigo, pois juntos conseguiríamos deixar o que aconteceu para
trás.
— Como nunca amei ninguém antes. — Minha voz embargou, e
Victoria me deu um sorriso emocionado. — E precisando, amore mio, que
você abra esta porta, te implorando como se de algum modo pudesse mudar a
situação. Me peça também para ficar contigo.
Esfreguei nossos narizes, uma lenta saudade construindo-se para
depois quebrar e deixar-nos em paz. Mas então, olhando em seu rosto, a
felicidade que começava a transparecer nos olhos verdes aliviou meu
coração.
— Eu nunca pensei que estaria dizendo essas palavras, e nunca pensei
que precisaria dizer que outro dia sozinho é mais do que posso suportar.
Victoria chorou, enquanto sorria, e eu não pude resistir. Que Deus me
ajudasse, eu tomei seus lábios.
Precisava tanto disso.
Meu corpo esquentou e esfriou. Era como se eu fosse acariciado por
dentro. Um turbilhão de emoções me engoliu por inteiro, aquele não era um
simples beijo, era o gesto de aceitação que Victoria me dava.
Ela não recusou, somente retribuiu.
Com o beijo, ela me disse que sim.
Dio santo, ela havia acabado de me salvar de novo.
Rocco

Há quase sete meses, eu vi minha vida sendo destruída. Durante


muito tempo, não consegui viver para mais nada além de sofrimento, de
alguma forma, era a dor que não deixava eu me perder de uma vez, e sim aos
poucos.
Eu fui me esquecendo das minhas melhores partes, e isso me tornou
seco. Pensei que jamais poderia sentir a sensação de pertencer, de entregar-
me a alguém sem qualquer receio, mas eu estava errado.
— Amore mio. — Segurei Victoria em meus braços, somente porque
eu podia fazê-lo.
Durante a noite toda, desfrutei de ter a minha mulher comigo, de
poder protegê-la enquanto dormia. Ela estava tão encolhida dentro do casulo
que fiz com meu corpo.
Eu jamais esqueceria o que havia acontecido, e talvez nunca
conseguisse ser como era antes. Em algum lugar, ainda existia o mesmo
homem louco de sofrimento, ele agora só estava escondido.
Eu realmente havia aprendido a lição, e não permitiria que
acontecesse de novo. Só de pensar, senti o peito apertar, e a raiva esquentar o
sangue.
— Rocco. — O lamento baixo me fez congelar. — Você está me
apertando, não consigo respirar direito.
— Perdonami, amore mio. — Olhei para baixo, observando Victoria
desenterrar o rosto do meu peito.
Ela me olhou, e eu percebi que havia um brilho que não estava ali
ontem.
— Sempre, amor. — Seus lábios curvaram. Ficamos assim, nos
olhando durante uma eternidade.
Nossos corpos tão colados que seu calor era o meu. Meu cheiro era o
dela.
— Eu amo seus olhos, Pequena. — Atravessei o bolo que se formara
em minha garganta. — Eu amo tanto seus olhos. Você toda.
Sua expressão mudou, com cuidado Victoria levantou o suficiente
para seu rosto pairar acima do meu.
— Meu amor. — Beijou meus olhos. — Não chore por mim.
Franzi a testa, ergui minha própria mão e encontrei lágrimas. Eu não
deveria parecer tão emocionalmente fodido, ela estava comigo, tudo havia
sido resolvido.
Não é?
— Seus olhos são tão lindos, grandalhão. — Tocou meus lábios com
os seus. — Tão azuis quanto o céu em uma manhã ensolarada, me lembrar
deles era meu refúgio, quando eu só tinha escuridão e paredes frias.
As malditas celas eram lúgubres, fétidas e não havia nelas incidência
de sol. Ela foi privada de tudo, o maldito tirou-lhe tudo que ela amava.
Sentia-me ferido apenas por imaginar tudo o que ela viveu.
— Shhh. — Acariciou meu rosto. — Não fica assim, amor, a
lembrança que eu tinha de você e do nosso filho me deu força durante todo
esse tempo.
Ela sorriu, mas eu vi que estava segurando-se, nós dois estávamos um
caos.
— Sinto tanta falta de segurar meu bebê. Eu anseio sentir o cheiro
dele. Conte-me, ele deve estar enorme, não é?
— Sim, começou a andar recentemente. — Ela suspirou com minhas
palavras. — Ele sentiu muito a sua falta, aquele CD foi o que nos manteve.
— Sinto muito por tudo, Rocco.
— Você deveria ter me contado, amore mio.
— No começo, eu achei que fosse bobagem, somente depois eu
compreendi mais ou menos do que se tratava. — Ela desviou o olhar, parecia
envergonhada. — Estávamos tão felizes que eu não quis estragar isso com
suposições, afinal, eu estava segura demais.
— Prometa que nunca mais irá esconder as coisas de mim.
— Eu juro, Rocco, eu nunca mais farei algo do tipo. — Victoria
beijou meus lábios, delicadamente. — Mas eu sinto que tudo precisava
acontecer.
— Não! — Segurei seu rosto, lutando contra a raiva. — Não diga
isso.
Ainda era difícil aceitar tudo o que ela havia passado, inclusive, eu
ainda nem sabia de tudo, mas tinha certeza de que estava preparado para
saber.
— Rocco, você viu aquelas pessoas?
Eu precisei sentar, porque até acreditei que estava administrando bem
a situação. Mas não, pelo simples fato de ser um filho da puta instável.
Sentia o ódio por Jean Pierre somente aumentando, não me importava com
mais nada, apenas Victoria.
Era surreal que ela pudesse enxergar algo mais em todo pesadelo que
viveu.
— Mal consigo suportar o que você deve ter passado, o que…
— Rocco, somente pare um momento. Você viu aquelas pessoas? —
Acenei.
— Eu os libertei, junto com os outros. — Ela sorriu voltando a
acariciar o meu rosto.
— Não são as únicas, existe outro lugar. Muito pior que esse. — Ela
empalideceu, o tom de pele assumindo um aspecto enojado e doente. — Você
entende? Eles precisavam de ajuda, se eu não estivesse aqui, talvez…
— Não às suas custas. Isso nunca!
— Eu senti muito medo, confesso, mas quando eu vi aquelas pessoas,
Rocco, eu soube que se havia uma chance de você me encontrar, não era
somente eu que voltaria para casa. — Neguei, que Deus me perdoasse, mas
eu não me importava com ninguém a não ser ela. — Sim, meu amor, agora,
muitas outras famílias irão sentir o mesmo alívio que você está sentindo
aqui. — Ela tocou meu coração.
— Amore mio, não acho justo… — Ela me beijou, calando-me.
— Alivia o seu coração, meu maior sofrimento foi saudade, eu não
pude mudar isso, tampouco controlar.
Ficamos em silêncio, eu queria perguntar algo, mas não sabia se
queria saber da resposta. Só de pensar…
— Sei que você deve estar pensando várias coisas. — Ela penteou
meus cabelos com os dedos. — Pergunte o que precisar, eu vou falar a
verdade.
Não sabia nem por onde começar. Foram tantos meses nas mãos
daquele filho da puta, eu temia fazê-la lembrar de coisas que poderiam
causar-lhe mal.
— Alguma vez você foi… Dio mio, é tão difícil. — Respirei fundo,
buscando força. — Ele teve coragem de tocar em você, contra a sua vontade?
Victoria me olhou atenta, seu rosto cansado demonstrava
tranquilidade, apesar de ainda estar frágil, ali, ela era a mais forte de nós dois.
— Rocco, eu nunca menti para você, e não o farei agora.
Dio santo…
— Antes que você diga qualquer coisa, eu quero deixar claro que
estou aqui, e que nada vai mudar. — Coloquei uma mecha de seu cabelo atrás
da orelha. — Eu vou estar do seu lado e te ajudar a superar qualquer coisa, só
não me deixe de fora, eu não poderia ficar.
— Sempre, Rocco, eu nunca terei segredos com você, não importa o
quão difícil pareça.
— Então, me conta tudo, amore mio.
— Ele vinha todos os dias.
Fechei os olhos, lutando contra a sensação de que havia uma mão
apertando minha garganta.
— Amore mio, nada mudou, não importa o tenha acontecido, entenda,
você é uma vítima e …
— Rocco, eu não fui estuprada.
Se eu não estivesse deitado, teria caído. O alívio que senti foi
inominável, pois imaginar que Victoria tivera o seu direito arrancado dessa
forma era doloroso demais. Nenhuma mulher deveria ter que passar por algo
tão horrível e desumano.
— Ele era doce e tentava me mostrar o que poderíamos ter juntos. No
começo, eu não fiquei aqui. Quando acordei, eu estava cuidada, o meu
ferimento enfaixado. Estávamos na Riviera Francesa, em uma casa à beira-
mar, linda. — Ela franziu o cenho. — Por um momento, eu me senti feliz por
vê-lo, porque acreditei que de algum modo ele me levaria para casa. Mas não
demorou muito para eu entender que ele foi o culpado por tudo.
— Amore mio…
— Eu vou te contar, eu preciso contar. — Suas mãos acariciaram meu
rosto. — Nem toda gentileza, doçura e demonstração de afeto iria me fazer
aceitá-lo. Meu coração não era meu para dá-lo a alguém, eu pertencia a você,
mesmo que você pensasse que eu estava morta e seguisse em frente.
Victoria sorriu, triste, então deitou a cabeça em meu peito e ficou ali
acariciando-me.
— Ele não aceitou que eu o rejeitasse e começou a perder o controle.
Começou a me bater, em um de seus ataques, ele me levou para o “buraco
das feras”.
Victoria começou a tremer, mesmo que eu estivesse a abraçando, ela
não parava.
— Se chama Inquisidor, é um lugar de prostituição e crueldade.
— Ele levou você lá? — Balançou a cabeça.
— Ele queria mostrar o que faria comigo se eu não o aceitasse. — A
voz dela embargou. — Eu disse que ele poderia me jogar lá, mas que eu
jamais o aceitaria!
— Victoria!
Dio santo, ela o havia provocado.
— Eu vi coisas, Rocco, que jamais esquecerei. — Notei que calafrios
a percorriam, a pele estava arrepiada e sua voz ofegante. — Pude sentir na
pele a desolação daquelas pessoas, tinha meninas, meninos, criança, Rocco.
Servindo de brinquedo para todo tipo de crueldade. Naquele lugar, eu vi o
que tinha de mais profano e obscuro nas pessoas. Jean…
— Não pronuncie o nome dele, não lhe dê esse poder. — Eu a
interrompi, não queria ver os lábios dela citando algo tão imundo.
— Ele tinha orgulho de seu poder, e para mostrar isso, ele me deu
uma prova do quão cruel era. Eu não devia desafiá-lo porque mais dia menos
dia eu iria aceitá-lo. Era o que vivia me dizendo, e ainda afirmava que ele era
tudo que eu tinha.
— O que esse filho da puta fez?
Eu vou matar o desgraçado. Jurei, não demonstrando o quão afetado
estava.
— Blanchet… — O murmúrio foi quase inaudível. — Ele a quebrou
tão profundamente, que eu senti como se eu houvesse quebrado também.
— Você deveria odiá-la!
— Eu nunca a odiei, Rocco, na verdade eu nunca odiei ninguém.
Digo, apenas o monstro escondido dentro dessa fortaleza.
— O que aconteceu?
A voz de Victoria baixou tanto que me esforcei para ouvir. Eu
realmente tive que me concentrar para entendê-la.
— Blanchet caminhava como uma sombra, ela passava pelas mesas,
pelos ambientes, como se não enxergasse nada, ou ouvisse. Parecia um
fantasma. De onde eu estava, conseguia vislumbrar todo o horror que
acontecia lá embaixo. Ele deve ter falado com alguém, por que vários homens
notaram Blanchet. Eles… todos eles a tomaram, assim, na frente das pessoas.
Victoria engasgou, um tom esverdeado cobrindo suas feições, só tive
tempo de curvá-la para que vomitasse. As lembranças do dia voltando e a
enojando de novo.
— Deus, nunca irei me recuperar daquele dia. — Ofegou arquejando.
Segurei seus cabelos enquanto ela vomitava. Preocupei-me porque ela
estava fraca demais para perder o pouco que estava conseguindo manter no
estômago.
— Espere, não diga mais nada. — Levantei, pegando água para que
pudesse lavar a boca. — Não precisa falar mais, Pequena.
— Eles a largaram lá, Rocco. Machucada, nua, sozinha.
Meu coração partiu ao ouvir seu choro baixo. Victoria estava agarrada
a mim, e eu a abracei o mais apertado que eu podia.
— Não fale mais nada…
— Blanchet não gritou, não reclamou, não fez absolutamente nada,
Rocco. Eu fiquei tão chocada que perdi a voz. Não fui capaz de fazer nada,
tão horrorizada que fiquei.
— Sinto tanto, amore mio, se eu pudesse te fazer esquecer isso, eu
faria.
— Você não pode imaginar o quão terrível foi ver tudo. Pior, eles
iriam recomeçar. Iam estuprar ela de novo, outro grupo, Rocco, eu não pude
deixar, eu só não pude.
Comprimi meus lábios. Apesar de querer socar uma parede, eu
continuava abraçando Victoria, confortando-a como eu podia, porque queria
demonstrar que eu estava ali e que suas dores seriam minhas também.
— Ele viu meu desespero e ofereceu parar com aquilo. Ele iria trazer
Blanchet para viver comigo, me deu a chance de parar seu sofrimento.
— O que ele quis, Victoria? — perguntei baixinho.
“Não importa, não importa. Vamos superar. Vamos malditamente
superar.”
— Somente um beijo, para começar o nosso acordo.
Respirei fundo, as mãos fechando-se em punhos. Não pude evitar.
— Você o beijou? — perguntei, mesmo sabendo a resposta.
— Nunca senti tanto nojo em toda minha vida. Fora os cinco
segundos mais longos da minha existência. Vomitei horas sem-fim. Sentia-
me suja, traidora. — Ela me olhou. — Mas, eu não me arrependi, Rocco.
— Sei que não, amore mio. — Continuei brincando com seus cabelos.
E, por mais estranho que pudesse parecer, eu não imaginava Victoria
agindo de um jeito diferente. Ela tinha uma coisa que a atraía para criaturas
quebradas, que precisavam de alguém que olhasse por elas.
— Ninguém, por pior que seja, merece aquela vida, Rocco. Blanchet
precisava que alguém a ajudasse. Me perdoa, eu traí você, por favor, Rocco,
só me perdoa.
Ouvir isso apertou meu coração, ela jamais deveria se sentir menos
que incrível. Victoria, mesmo depois de ter partido, mostrava contínuas vezes
a mulher maravilhosa que ela era.
— Victoria, nunca mais diga que me traiu, você não fez isso. —
Encarei-a. — O seu coração e a bondade que há nele foram o que me deixou
tonto desde o primeiro dia que te conheci, Blanchet teve sorte, se fosse eu no
seu lugar, ela não teria obtido ajuda.
— Então, você não me odeia? — perguntou, eu vi claramente a
expectativa e o receio em seus olhos lindos.
— Não, Pequena, eu te amo.
Ela me presenteou com o sorriso mais incrível do mundo.
— Eu, irremediavelmente, te amo.

***

Olhar para Victoria me dava uma vontade quase insuportável de


abraçá-la. Ainda era difícil me afastar dela por mais que dois metros.
— Grandalhão — ela chamou, caminhando em minha direção. —
Estou com medo de cair.
Ela estava cambaleante, mas deveria continuar. Por causa de onde
estávamos e das circunstâncias, Blood disse que precisávamos agir com mais
empenho para que se recuperasse mais rápido.
Caminhar era uma boa coisa, isso fazia com que ela fortalecesse a
musculatura. Óbvio que eu deveria ficar atento e não deixar que ela fosse
muito longe, somente alguns passos de cada vez.
— Venha, amore mio, não vou deixar você cair. — Sorri para
incentivá-la.
Faltava bem pouco para ela me alcançar quando Jason apareceu, eu
sabia que ele não iria resistir ao vê-la acordada. Os dois ficaram olhando um
para o outro, eu não saberia dizer quem deu o primeiro passo, quando vi
estavam compartilhando um abraço apertado.
— Você está aqui! Eu te amo, brother, eu te amo.
Jason estava calado, mas ele segurava Victoria tão apertado que eu
me preocupei.
— Olha para mim, querido — Victoria pediu e ele negou, ainda com
o rosto escondido. — Me deixe te ver!
Mais uma vez, ele negou. Victoria entendeu e desistiu, ela só o
abraçou, acariciando suas costas, consolando o grande homem.
— Tudo bem, querido, deu tudo certo, nossa família está bem.
— Nunca mais. — Jason fungou, a voz abafada. — Faça outra merda
daquelas. Nunca mais me faça sentir o que eu senti. Eu não suportaria,
Bonequinha, simplesmente não.
Ela não respondeu, só os dois sabiam do que falavam. Jason estava
chorando, não por ser fraco, ele chorava de alívio, do tipo tão improvável que
só saberia quem teve a sorte de receber um milagre como o nosso.
Ambos haviam compartilhado algo terrível e estavam ali, vivos e
bem.
Sim, era um milagre.
— Solta minha esposa! — Empurrei Jason com o ombro, tentando
aliviar o clima emocional. Isso era tão Dimitri.
— Ela é minha irmã, tenho direitos.
— Idiota! — rosnei, apoiando Victoria com um braço.
— Brutamontes — Jason revidou, mas notei o sorriso de
agradecimento em seus lábios. Jason mais uma vez prestou atenção em
Victoria. — Obrigado por ser tão resistente, Bonequinha.
— Deus sabe de tudo, e eu precisei aceitar que as coisas deveriam
acontecer assim.
Ficamos os três em silêncio, até que Jason acenou, pronto para sair.
— Ah, brother — Victoria chamou. — Maddie está com você?
Comprimindo os lábios, ele acenou.
— Ela estava próxima de desistir de tudo — Victoria falou,
encarando-o. — Você lhe trouxe sonhos. Sua imagem lhe trouxe amor,
minhas palavras a fizeram lutar. Ela esperava te encontrar. Só fique com ela,
brother, você foi um sonho, agora é a realidade.
Jason parecia assustado, inclusive cambaleou um pouco.
— Não tenho condições de ser companheiro de ninguém, todo mundo
sabe disso e não há o que discutir aqui, eu não vou ficar com…
— Brother — Victoria o interrompeu. — Apenas não a deixe. Maddie
é como um pássaro que teve as asas cortadas, ela precisa de asas novas. Dê-
lhe isso. Confia em mim, meu irmão?
Jason suspirou, como se aceitasse a derrota.
— Eu só preciso ficar ao lado dela então? — ele perguntou.
— Sim, não a deixe, eu falei de você dia e noite, foi por pensar em
você que ela não desistiu. Queria te conhecer.
— Você não deveria ter feito isso. — Ele cruzou os braços. —
Estamos na merda aqui.
— Não se importe, você vai cuidar de tudo, agora vá, Maddie tem
pavor de ficar sozinha. — Jason praticamente correu.
— Vejo o que está tentando fazer, mocinha. — Eu a abracei. — Você
é espertinha.
— Mas não fiz nada! — Piscou os olhos, toda inocente.
Eu acho que eu devo ter paralisado encarando seus olhos. Senti
sufocar, uma tontura fazendo pontos pretos piscarem, ofuscando a imagem
dela.
— Rocco, o que foi? Você está bem? — Sua voz me fez sacudir a
cabeça.
Puxei o fôlego, parecia que eu havia me esquecido de respirar, por um
momento.
— Estou ótimo, como há muito tempo não estava — respondi, dando-
lhe um beijinho suave, apenas porque eu podia. — Agora vamos sair.
Eu ajudei Victoria a sair da tenda, por um momento, paramos na
entrada. Ela me olhou temerosa.
— Confia em mim? — Ela concordou. — Então vamos.
Quando saímos do nosso lugar privado, encontramos com Hunter
carregando sua mulher nos braços. A garota parecia dormir.
— Vou levá-la para tomar sol — murmurou suavemente, enquanto a
olhava. — Ela passou muito tempo longe disso. — Mais uma vez, ele me
olhou. — Esta noite terminaremos tudo, nenhum minuto a mais.
Concordei, observando Hunter carregar sua mulher em direção às
árvores, do outro lado, ficava uma das paisagens mais bonitas da região.
— Vamos indo — incentivei. — Agora é nossa vez de abraçar o sol.
Encontramos o dia claro. Estava frio, mas o sol também havia
marcado presença. No céu não tinha nuvens, inclusive as árvores pareciam
mais verdes.
— Oh, Deus. — Victoria fechou os olhos, erguendo o rosto. — Senti
tanta saudade.
Próximo a mim, Jason surgiu com a sua protegida, notei que era
ruiva, antes o lodo cobria toda a cor. Como o cabelo de Victoria, o dela não
brilhava, estava apagado. Mas se eu conhecia bem Jason, logo ele o faria
brilhar como uma chama ardente.
Maddie escondia o rosto no pescoço dele, agarrando sua camisa com
bastante força.
— Não diga nada! — Jason murmurou em russo, passando por mim.
Ele caminhou em direção às árvores também.
Esperei que Victoria me olhasse, que ela ainda apreciasse o beijo que
o sol dava em sua pele.
— Isso é bom. O sol, o calor… Você.
Havia tanta emoção em sua voz. Ela sempre parecia feliz com coisas
simples, mas eu sabia que não tinha nada de simples ali. Victoria foi privada
de liberdade e deixada em um lugar de morte para definhar.
Poder sentir o toque do sol era, sim, um presente.
— Sorria para mim e te prometo o mundo mais belo — eu disse, e ela
passou os braços pelo meu pescoço, apertando-me.
— Você e nosso filho são quem tornam tudo mais bonito. Eu te amo,
Rocco.
Um sorriso enorme tomou meus lábios. Porra, eu tinha tudo de volta,
a minha vida ia ser como antes.
— Caralho, eu ainda nem acredito que estou te segurando.
— Eu senti saudade desse seu jeito. — Ela riu, os olhos presos nos
meus.
— Fofo? Gentil? — Arqueei a sobrancelha, e ela riu. —
Galanteador? E incrivelmente másculo?
Victoria jogou a cabeça para trás e riu. Eu não me importei com o que
poderiam ver, aliás, era melhor que vissem porque aquilo era sinônimo de
felicidade.
— Para mim, só existe você, Pequena — falei sério, e ela suspirou,
rendida. — Só você.
Em meio ao nosso amor, eu renasci. Ela me fez um homem melhor, e
eu jamais poderia agradecê-la o suficiente. Também não me importava de ser
dependente dela, Victoria e a família que ela me deu eram tudo o que mais
desejei.
— Eu quero te mostrar algo.
As tendas haviam sido armadas de costas para a entrada da fábrica. O
que as garotas enxergariam quando saíssem era o céu azul e a floresta.
Victoria não disse nada quando me viu adentrar as árvores, a cerca de
cinquenta metros, havia algo que ela precisava ver.
— Fecha os olhos. — Obedeceu.
Eu fui até uma pedra e sentei. De onde estava, avistei Rafael com sua
mulher, ele estava falando algo para ela, e eu vi a garota sorrir, emocionada.
Jason, também, ele estava mais distante, com Maddie.
— Tudo bem, pode olhar.
Satisfeito, vi seus olhos se arregalarem.
— Que lindo, Rocco! — Victoria ofegou, admirando a belíssima
visão diante de nós.
— Tudo por você amore mio. — Respirei em seu pescoço. — Eu te
prometo não somente o calor do sol para abraçar seu corpo, mas tudo mais
que seu coração desejar.
Victoria me beijou, eu fui pego totalmente de surpresa. Gemi em sua
boca, o corpo despertando mesmo que eu não quisesse. Não pude controlar.
Sua língua tocou a minha sutilmente, e eu me perdi.
— Dio santo. — Apertei meus braços ao seu redor e deixei que ela
ditasse o ritmo. — Que saudade do seu beijo.
Não conseguia segurar os gemidos de pura necessidade, conforme eu
percebia que ela queria mais, que me aceitaria.
— Que saudade de poder te abraçar, sentir você quente contra meu
corpo. — Eu percorria o seu pescoço, meus lábios deixando rastros de beijos,
minha barba arrepiando-a inteira.
— Apenas me beija, mata a saudade. — Segurou meu rosto, eu a
encarei, nos olhamos por um momento.
— Dio Mio! — A frase soou como uma súplica.
Eu me entreguei de novo, sentindo que poderíamos recuperar o tempo
perdido e todos os beijos que não pudemos dar. Podia desfrutar da minha
mulher outra vez, abraçá-la, como chorei por não poder fazer.
Agora, eu sentia o gosto da batalha vencida. A minha família ia voltar
a ficar junta, meu filho ia poder crescer sentindo o quanto era amado por sua
mãe.
Estávamos todos completos de novo.
Dio santo, grazie por me permitir conquistar o maior de todos os
prêmios.
Rocco

Quando a noite chegou, eu deixei Victoria dormindo e comecei a me


preparar.
Não deixei de olhá-la enquanto eu vestia roupas e checava o meu
braço dolorido. Precisávamos terminar as coisas aqui, e por mais estranho
que isso parecesse, eu me sentia calmo. Primeiro porque havia passado o dia
com Victoria e ela me fizera confidências de seu tempo aqui, segundo, todas
as vezes que buscou refúgio em mim, eu pude segurá-la.
— Dio mio, isso foi muito bom. — Respirei fundo, admirando-a
dormir em paz.
Ela levaria um tempo para se recuperar, mas havia o mínimo de cor
em seu rosto, a palidez menos acentuada. Conversar com ela, reafirmar
nossos planos para o futuro e promessas de amor, limpou minha mente. Senti
que estava de posse das minhas emoções, e que poderia cuidar dela como
merecia.
Não importava quais traumas permanecessem, eu tinha certeza de que
juntos poderíamos superar tudo. Mesmo que Victoria fosse consistente e
continuasse a mesma mulher doce, eu tinha medo. Cada vez que me contava
o que Jean Pierre fazia, sempre chorava muito.
Ela disse que ouviu os gritos da mulher de Rafael quando ela teve os
dedos quebrados. Foi uma das coisas mais horríveis que escutou em seu
tempo ali.
— Ele não conseguiu quebrar você, amore mio — murmurei, tocando
seu cabelo castanho, ainda cheio de nós. — De todos aqui, você é a mais
forte.
E isso me alegrava de uma forma que eu não poderia explicar. Então
nós falamos do nosso filho, eu contei o meu erro, ao ficar longe dele, e ela
não me julgou, apenas abraçou, perdoando-me. Desde a hora em que eu a
retirei daquele poço, não desgrudamos nenhum instante, mas agora eu
precisava ir.
— Prometo não demorar. — Beijei sua testa, ela nem se mexeu. —
Sonhe com nossa família reunida, Pequena, com o tanto de amor que você irá
receber.
Afastei-me dela, consciente de que sua tenda estaria bem vigiada
pelos dois lados.
— Estaremos indo em breve. — Encontrei Hunter fumando
despreocupadamente perto de uma fogueira.
— Ótimo. — Cruzei os braços, esperando.
Enquanto isso, pude reavaliar o que Victoria me contou sobre Jean
Pierre e suas atitudes. Antes não pude fazer isso porque estava cego de raiva,
preocupado com Victoria e louco de medo de não encontrá-la a tempo.
Já não padecia desse mal. Por isso, não demorou muito para eu
entender que homens como Jean Pierre não podiam sofrer com torturas
físicas, eles precisavam das psicológicas, essas sim poderiam afetá-los.
— Eu descobri um jeito de fazer Jean Pierre enlouquecer.
— E isso faz diferença? — Hunter apagou o cigarro a meio caminho
da boca, ele estava de volta ao mesmo estilo desapaixonado de ser, parecia
que nada o afetava.
— Eu gostaria disso — falei, pois apesar de não ter muito tempo, eu
queria que o bastardo soubesse que havia perdido e experimentasse isso até o
fim. — Há um lugar sobre o qual você precisa saber, chama-se Inquisidor.
Ele acenou, ouvindo atentamente tudo o que eu lhe contava. Depois,
observei quando ele designou alguns caçadores para irem checar o local.
— Adiante, esse lugar me deixa irritado — ele chamou, caminhando a
passos largos.
Quando adentramos a fábrica, eu senti como se o mesmo Rocco louco
de raiva voltasse, mas desta vez, não havia desespero, por isso, senti-me
esfriar, a expressão tão neutra quanto à de Rafael.
— Mantive Jean Pierre intocável desde ontem, quando você saiu para
pegar a sua mulher. — Quase podia ouvir as engrenagens funcionando na
cabeça perversa de Hunter. — Antes de terminar com ele, deixarei que
brinque um pouco.
Sorri, muito mais satisfeito do que imaginava.
Quando me aproximei do lugar em que Jean Pierre fora mantido, senti
uma calma absurda me invadir. Jason abriu a porta, Hunter entrou primeiro,
depois Torment e então eu.
— Finalmente parou de chorar a morte da ma belle fleur? — Foi a
primeira coisa que ele disse. — Se não poderia ser minha, não seria sua!
— Soa divertido — Torment disse, recostando-se em uma parede, ele
brincava distraidamente com uma faca curva, estranha e entalhada.
— Você sentiu a minha falta? — perguntei, a voz suave como seda.
— Eu não posso dizer que senti a sua, uma pena, não é?
— Não vou dizer onde ela está! — Ele riu, sacudindo-se nas
correntes. — Eu provei que a amo, fiz um ótimo trabalho com aquela
Camille, o corpo ficou perfeito, não foi?— Gargalhou, o rosto escuro de
hematomas. — Você acreditou direitinho, mas eu tive que arrancar os olhos,
ela gritou tanto, foi incrível.
Victoria havia me contado, e eu me senti mal. Betty era uma mulher
incrível, e não merecia ter que viver uma dor dessas, Camille, bom, ela era
louca, mas até eu que a detestava não queria que houvesse morrido de um
jeito tão horrendo.
— É, você fez. — Caminhei em sua direção, quando estava perto,
deixei que ele desse uma boa olhada no meu sorriso. — Então, o que você
acha?
Não levou mais que alguns segundos para que ele entendesse. Sua
expressão decaiu, ódio substituindo o deboche.
— Saiba que você errou quando me escolheu para adversário — eu
disse, segurando seu queixo. — Eu não sou o tipo de pessoa que desiste de
algo, sou obsessivo, viciado, e tão louco que não meço consequências até
conseguir o que quero. E agora, Jean Pietro, eu quero que você morra bem
devagar, sabendo tudo o que eu tenho e você não.
— Meu nome é Jean Pierre! — rosnou, os olhos irados. — Você está
blefando!
— Será? — Arqueei a sobrancelha. — Você quer apostar?
— Você não é nada, eu vou morrer, mas Victoria vai comigo.
— Não, ela não vai. — Balancei a cabeça. — No entanto, eu até
concordo quando diz que sou nada, realmente a única coisa que importa neste
momento são as várias maneiras que eu sei de te meter a porrada, de resto,
não faz diferença. E só para que saiba, você está no meu campo, Jean Pietro,
veja como eu te derroto.
— É Pierre! Jean Pierre, caralho! — Arquejou, berrando
furiosamente.
— Pietro, Paulo, Patrício? — debochei. — Quem se importa?
Hunter e Jason começaram a rir, o homem preso sacudia suas
correntes com força, berrando cada vez mais alto, enlouquecido.
— Sabia que isso é música? Por favor, grite mais alto.
E eu ainda nem o havia tocado. Afastei-me um pouco e comecei a
andar a sua volta.
— Ainda me surpreende que você realmente acreditou que faria
Victoria querê-lo, eu já conheci pessoas iludidas nessa vida, mas você, Jean
Pietro, superou todas elas.
— Maldito, ela foi minha. Minha. — Cuspiu e eu ri.
Eu estava em meu elemento, tranquilo, indiferente ao fato de que ele
sairia emocionalmente destruído dessa. Antes, nunca me importei de fazer
isso com as pessoas desde que eu conseguisse o que queria, mas Victoria me
mudou.
Entretanto, Jean Pietro conseguiu trazer o Rocco velho de guerra de
volta.
— Você teve um beijo, e ela ainda vomitou. — Ri quando ele
congelou. — Pois é, eu a encontrei.
Parei ao seu lado, para que pudesse falar baixinho, próximo ao seu
ouvido.
— Ainda posso sentir o calor dos lábios dela nos meus.
— Não, não, não! — Começou a gritar, todos notamos que havia dor
nele. — Você está mentindo, mentindo!
Sangue escorria de vários pontos de seu corpo, ele não se importava.
Eu não me importava, na verdade quem se importava?
Não as pessoas que estavam ali.
— Sim, eu a encontrei no poço. — Fiz um trejeito cínico com a boca.
— Eu a tirei de lá com meus próprios braços, eu a limpei e cuidei de cada
necessidade que teve.
Ele gritou tão alto ao ouvir as minhas palavras, que poderia acordar os
mortos.
— Você poderia ter continuado com sua vidinha patética, mas se
achou bom o suficiente para cobiçar algo que não era seu. — Balancei a
cabeça. — Que erro.
— Eu a amo, ela é perfeita para mim, eu poderia dar o mundo a ela.
— Não, você não poderia! — Precisei parar um momento, não tinha a
intenção de perder o controle. Tudo aqui seria feito com cautela. — Você deu
medo a ela, asco, pavor. Você queria quebrá-la. Como pôde imaginar a
possibilidade de corromper um coração como o de Victoria? Você é tão
podre que sua imundice sequer poderia suportar estar perto dela, tanto que
quis torná-la como você, mas isso, Jean Pietro, como você é algo que ela
jamais seria. Não importa o quão empenhado você tenha estado. Victoria
continua sendo Victoria. Só de pensar no asqueroso momento que teve com
você, ela vomitou ainda mais. Isso só mostra o quão horrível foi.
— Alguns homens causam o mais alto nível de repulsa — Jason
provocou. — Como você, Jean Paulo.
Os homens riram alto. Jean Pierre enlouqueceu a ponto de chorar.
Por essa eu não esperava. Nunca passou pela minha cabeça que ele
fosse pirar desse jeito.
— Eu a amo… amo! — lamentou-se — Eu só mostrei o que faria por
ela.
— Ohh, ele está chorando. — Balancei a cabeça, com falsa pena. —
Não se preocupe, Victoria nem vai lembrar que você existe. Talvez, como
uma lembrança ruim, que ficará enterrada sob muitas camadas de felicidade.
Eu, a minha esposa e filho teremos uma vida longa e feliz, enquanto você vai
morrer sabendo que é comigo, Rocco Masari, que a mulher que você ama
dormirá.
Seu grito foi longo e doloroso.
— O seu corpo adora dor, não é? — Inclinei a cabeça. — Uma pena
que sua mente, não.
Ele tentou dar uma cabeçada em mim, mas eu me afastei a tempo. O
bastardo estava sedento, furioso, enlouquecido.
— Eu devo te agradecer por permitir que Victoria dissesse para mim
onde estava. — Outra vez, pareceu chocado. — Até agora não parou para se
perguntar como eu soube?
Ele negou, os olhos presos nos meus, o corpo mal contendo a raiva
que o dominava.
— O vestido que você assinou no evento de moda em homenagem a
ela. Esse vestido foi um desenho que ela fez para mim. Assim, você nunca
teve chance, Jean Pietro. Não quando mexeu com a minha mulher, e pior
ainda quando mexeu com a dele.
Apontei para Rafael, tranquilamente fumando num canto.
— Você fala de mim, mas você a machucou. Não se isente da maldita
culpa! — gritou na minha cara. — Se você fosse um homem melhor, eu não
teria interferido, mas não, ela tinha que ter alguém cuidadoso como eu, ela
me pertence.
— Primeiro: ela não é sua e sim minha! — Esmurrei sua boca, a
paciência havia ligado o foda-se. — Segundo: Victoria perdoou meus erros
porque me ama. Entenda, você não me afeta, suas palavras não são nada.
Lixo, Jean Pietro, é isso que você é.
— PIERRE! — gritou.
— Tanto faz. — Abanei a mão displicentemente, logo dei um sinal
para os rapazes. — Ah, antes que me esqueça. — Dei-lhe outro murro,
lançando sua cabeça para trás devido ao poderoso impacto. — Isso foi por
bater no rosto da minha mulher, agora, tome uma dose do seu próprio veneno
e engasgue-se com ela.
Eu agarrei suas correntes e o puxei. Jean Pietro caiu, e não conseguiu
se levantar, portanto, foi arrastado durante todo o caminho até a câmara dos
escravos. No centro, havia sido aberta uma cova rasa.
— Maldito filho da puta! — Engasgou, cuspindo sangue. — Você vai
me pagar por tudo isso. Você vai pagar!
— No inferno, talvez, é para onde todos nós vamos — Hunter disse,
chamando os irmãos com um movimento dos dedos. — Vamos começar.
Todos sabíamos que Jean Pierre não ia sair vivo, ele também, óbvio.
A questão era que ele não sabia como morreria.
— Destroyer — Jason chamou, estendendo a mão. — Me entregue a
broca.
— Não seja um estraga-prazer, eu pensei que ia fazer isso —
reclamou, entregando a broca grande. — Eu gosto de parafusar coisas. — O
bastardo sorriu.
Jean Pierre foi colocado no buraco, enquanto eu ia assisti-lo ser
parafusado no chão. Seus gritos explodiram quando também percebeu o que
ia acontecer.
— Não fica feio se você implorar. — Hunter sorriu, apoiando-se em
uma perna. — Pode até chorar se quiser.
E, ao notar que havia se deparado com homens tão cruéis quanto ele,
Jean Pierre implorou por sua vida.
— Bom garoto. — Aplaudi seu rosto com tapas. — Isso é para você
não fugir.
— Filho da puta! — Cuspiu sangue, o corpo convulsionando de dor
quando o primeiro parafuso foi colocado em seu ombro.
— Belo trabalho, agora vamos deixar esse garoto bem acordado. —
Blood aplicou uma injeção que eu não fazia ideia do que se tratava. — No
ponto exato, Draikov, entre as articulações. Não queremos que ele sangre até
morrer.
Jason acenou, ajustando os parafusos. Antes eu pensei que ele seria
morto com um tiro, mas os planos dos Demonidhes eram sombrios. Não me
incomodava, o bastardo merecia.
— Você está bonito, Jeannie. — Blood bateu uma foto. — Olhe, essa
é uma bela imagem. Isso sim é um buraco de fera, mas para apenas uma.
Ele estava devidamente preso, não sairia dali sem arrancar os braços e
as pernas. Era impossível.
— Vejam, o torturador de tantas pessoas está pregado no chão como
um pedaço de tábua. — Destroyer deu uma risada. — Isso é tão legal.
— Vamos terminar logo — Jason chamou. — Minha… digo, a
Maddie não pode ficar sozinha por muito tempo.
— Isso não vai ficar assim, eu vou me vingar, juro que vou — Jean
Pietro gritou.
— Sempre e quando quiser, na próxima vida, talvez — Jason falou,
deixando Torment colocar uma porta de vidro que fora encontrada.
O vidro fez um som irritante quando raspou no concreto do chão. Jean
Pierre não parou de gritar em nenhum momento.
— Isso é por você ter enterrado minha mulher viva — eu disse,
ajudando-os.
Eu mesmo coloquei o primeiro tijolo. Jason e Hunter foram colocando
os outros, deixamos apenas o rosto visível, no vidro havia um recorte
irregular, para ele respirar.
— Eu vou sair daqui e todos vocês irão pagar, eu ju… — Suas
palavras morreram quando viu Destroyer erguer uma pá.
— Cimento. — Sorriu, jogando por cima dos tijolos.
O bastardo era engenheiro, ele deu a ideia de emparedar Jean Pierre
assim.
Quando terminamos, o causador de tanta dor estava enterrado vivo.
Quando me abaixei, perto de seu rosto, seus olhos queimavam como brasas.
— Eu deveria dizer que foi um prazer, mas não foi. Desejo que você
demore a morrer. — Levantei-me, ainda encarando-o. — Esse é o seu lugar.
Aos meus pés! Desfrute do prazer de ser enterrado vivo. Bem-vindo ao
inferno, Jean Pietro! — Encarando-o, bati em meu peito. — Victoria é
minha!
Saímos da câmara todos juntos. Na entrada da fábrica, ainda dava
para ouvir os gritos de Jean Pierre, até fecharmos a porta, selando-a para
sempre.
— Preciso me lavar, não vou fazer isso na tenda — avisei, indo em
direção ao lago que havia ali.
O clima congelante deixaria a água terrível, mas eu seria maldito se
chegasse perto de Victoria sujo de sangue, ainda mais sendo daquele verme.
Enquanto caminhava, eu notava os olhares ao meu redor, os antigos escravos
se aqueciam próximos de várias fogueiras. Eles nos olhavam com respeito,
admiração e temor.
Eu os compreendia, afinal para eles, o carrasco que os prendeu era
invencível, com nossa chegada eles viram que existiam criaturas bem piores.
Ao chegar ao lago, percebi que não fui o único a ter aquela ideia.
Jason e os Demonidhes estavam todos lá, tentando limpar do corpo qualquer
vestígio do que fizemos.
— Existe possibilidade de ele escapar? — perguntei a Hunter.
— Ainda não acabamos, eles — Apontou para Destroyer e Fire —
estão preparando o gran finale.
— Okay, posso lidar com isso.
Tirei as roupas e entrei na água. Meu braço machucado ardeu quando
a água congelante o tocou. Ofeguei batendo os dentes de frio, depois tomei o
banho mais rápido da minha vida.
— Caralho. — Jason sacudiu os ombros.
Somente Torment parecia estar em uma piscina aquecida, ele era
metódico enquanto limpava as mãos e os ombros. Não havia nada de pele
natural do pescoço para baixo, somente tatuagens.
— Estou saindo — avisei, correndo só de cueca de volta para minha
tenda.
Assim que entrei, o pânico me invadiu.
Victoria não estava. Olhei ao redor, sentindo-me sufocar, o coração
prestes a sofrer um colapso.
— Victoria? — gritei por ela, olhando ao redor enquanto me enfiava
dentro das roupas.
Corri para fora da tenda gritando, chamando por ela, já sentindo o
pânico ameaçando me sufocar.
— Para com isso, se acalme. — Jason me empurrou. — Venha
comigo.
Acompanhei-o, até a sua própria tenda. Quando entrei e vi que a
minha mulher estava ali, senti as pernas bambearem.
— Porra. — Esfreguei o rosto.
Victoria estava deitada de frente para a ruiva de Jason, as mãos
entrelaçadas e os corpos colados.
— Será que elas ficavam assim, Rocco? — A voz de Jason não
passava de um sussurro. — Será que elas faziam isso para não sentirem tanta
desolação por tudo que viviam?
Eu não tinha uma resposta. Mas a forma como elas estavam de algum
jeito quebrava meu coração, pois a fragilidade explícita na posição dos
corpos demonstrava profundo cansaço, quase derrota.
Ainda assim, Victoria parecia querer proteger a outra.
— Acabou. — Passei as mãos nos cabelos, notei que tremia, e não era
de frio. — Não vou dedicar nenhum pensamento àquele francês filho da puta.
— O que eu faço, Rocco? — Jason parecia assombrado. — Eu vi
minha ruína nos olhos dessa mulher. Quero correr tão rápido quanto eu possa
para bem longe dela.
— Ficou frouxo? — Olhei para ele com uma sobrancelha arqueada.
— Por acaso me viu correndo de Victoria?
— Você correu, e não diga que não! Pensa que eu não ouvia você
dizendo que era passageiro, círculo vicioso e outros sem-fins de desculpas?
— Vá se foder! — Comecei a rir. — Eu não fugi.
— Não, você foi chutado nas bolas e não conseguiu ficar em pé! Cara,
para conselhos, você não é o melhor exemplo.
— Mergulhe, e não tenha medo se houver pedras no fundo do lago,
bater a cabeça às vezes é muito bom.
— Foda-se, você não sabe dar conselho! — reclamou, mas não dei a
mínima, passei por ele apenas com o dedo do meio erguido, em sinal de você
já está fodido.
Ajoelhei ao lado de Victoria e, com delicadeza, comecei a
desvencilhar seus dedos dos de Maddie. Ambas gemeram, angustiadas.
— Sou eu, amor. — Continuei soltando as mãos delas. Victoria estava
profundamente adormecida, a ruiva também, porém ambas tinham uma
expressão de medo. — Venha, Pequena — chamei, erguendo-a devagar.
— Non, s'il vous plaît [15]— a ruiva choramingou, não querendo se
soltar. — Non. Non.
— Calma, Maddie. — Jason tomou a iniciativa quando embalou a
garota com cuidado, murmurando em seu ouvido coisas que eu não pude
ouvir.
— Mon Amour[16]? — Ela suspirou baixinho.
Jason me olhou e eu ergui um polegar, foi meio desajeitado por estar
segurando Victoria. Ele suspirou, derrotado.
— Oui, je suis[17].
Eu voltei para minha tenda com Victoria nos braços, depois, nos
ajeitei na cama, puxando a grossa manta sobre nossos corpos.
— Você está gelado. — Ela encolheu.
— Me esquente ou vou perder nossa fábrica de bebês — brinquei,
mas ela ficou tensa.
Eu respirei em seu cabelo, esfregando o nariz onde podia.
— Não estou pedindo isso, meu amor, meu corpo e cérebro sabem
que você precisa de tempo. Não estou excitado nem nada parecido.
— Está sim — proferiu baixinho.
— Não, eu não estou! — Quase gemi, eu estava com meu pau
parecendo um bastão congelado. — Você está imaginando coisas, agora volte
a dormir que eu vou me esquentar em você.
Victoria não disse mais nada, só se aconchegou ainda mais em meus
braços.
Calma, amor, tudo vai se resolver. Seu homem tem muita paciência,
terei prazer em te ensinar meu toque outra vez.
Rocco

— As garotas estão nos carros. — Hunter acendeu um cigarro. — Os


escravos daqui e do Inquisidor já foram escoltados para o reconhecimento no
complexo da Ordem. Vamos buscar suas famílias e devolvê-los.
— Conseguiu tirar todos de lá?
— Sim, e descobri coisas inacreditáveis. Jean Pierre tinha a proteção
de muita gente poderosa porque fornecia para eles a realização de qualquer
desejo sádico. O relatório parcial conta com sete meninas de oito anos, todas
recentemente sequestradas.
— Filho da puta.
— Eu estou com todo o banco de dados, vamos atrás de cada um.
— Você irá levá-los à justiça? — Hunter parou um momento e me
encarou.
— A minha sim, eu já os sentenciei, Torment irá executá-los.
Pensei por um momento, mais uma vez, as informações que Jason me
passou sobre seus irmãos batiam perfeitamente. Rafael/Hunter era o senhor
da Ordem, ele era o juiz e o júri, os outros eram os carrascos que cumpriam
suas sentenças.
— Se precisar de algo, deixe-me saber. — Estendi a mão, ele aceitou.
— Você não sabe, mas graças à informação que me deu, quando
mandou investigar Jean Pierre, eu pude encontrar a minha protegida.
— Ela não é a sua mulher?
— Não. — Ele recostou no carro, encarando a fábrica mais adiante.
— Você age como se ela fosse — comentei. — E ela, como se lhe
pertencesse.
Ele me deu uma breve olhada, havia um pequeno sorriso arqueando o
canto de sua boca.
— É porque ela pertence. — Pela primeira vez, eu vi Rafael
Demonidhes suspirar. — Mas é complicado.
— Meu conselho: descomplique. Não queira se arrepender por que
perdeu tempo.
Achei melhor mudar de assunto, pois Rafael Demonidhes não era do
tipo que saía contando as suas coisas por aí, talvez, no seu círculo íntimo,
mas não para mim. Em silêncio, observei Destroyer e Fire vasculhando ao
redor da fábrica.
Ambos pareciam se divertir.
— O que estamos esperando? — perguntei, sem entender o que eles
pretendiam.
Não me aguentava de vontade de ver Victoria e Gianne juntos.
— Destroyer e Fire gostam de explodir coisas — falou, dando uma
tragada no cigarro. — Observe.
Cruzei os braços, esperando.
— Seus irmãos são loucos.
— Todos nós somos, assim como qualquer pessoa com motivação.
Inclusive você. — Concordei, era verdade. — Eu tenho uma dívida com
você, Rocco — resmungou, pelo seu tom notei que estava contrariado.
Ele não gostava de dever a ninguém.
— Não há dívida, fique tranquilo. — Estendi uma das mãos, Hunter
agarrou meu antebraço.
— Você tem meu respeito, a Ordem estará disponível sempre que
precisar. Não importa o que seja, pouco ou muito, você tem um Ricto. Use-o
quando quiser.
Aceitei a oferta, porque não era idiota de recusar aquele tipo de ajuda.
A Ordem fez toda diferença, eu não sabia se teria tido sucesso sem eles.
— Vai começar o show. — Indicou a fábrica.
Destroyer caminhava em nossa direção com um sorriso nos lábios.
Fire logo atrás.
Instantes depois, pequenas explosões começaram a acontecer nas
dependências da antiga fábrica.
— Vocês sempre têm que demolir as coisas, não é?! — Hunter
balançou a cabeça.
— Culpados — responderam juntos.
Sob o calor causado pelas chamas, nós observamos a enorme
construção ruir pedra por pedra.
— Trabalho concluído. — Fire sorriu. — Necessito de uma garrafa de
vodca, algumas mulheres e muita foda.
— Maníaco. — Destroyer empurrou seu ombro, mas sorria com
cumplicidade.
— Fazer o quê? Elas me adoram. — Piscou um olho, afastando-se.
— Acabou. — Destroyer olhou para o imenso pedregulho que antes
era a fábrica. Sua boca torceu, em seguida ele nos olhou. — Vocês foram
suaves, eu com certeza teria feito pior.
É sério isso?
Saímos daquele inferno sem olhar para trás, todos nós ansiosos para
voltar às nossas vidas. Os carros com as mulheres estavam mais distantes,
quando chegamos perto, Rafael disse:
— Aqui nos dividimos. — Ele balançou a cabeça, e mais uma vez
encarei os cinco irmãos Demonidhes juntos, a elite da Ordem.
Eram uma visão e tanto.
— Draikov? — Hunter chamou, e no breve momento em que se
olharam, eu percebi que eles tiveram uma conversa silenciosa.
— Não, obrigado — Jason respondeu. — Eu quero viver em paz.
Olhou para Maddie e para Victoria, as duas estavam no banco de trás
do SUV que Dark dirigiria.
— Saiba que estaremos esperando. — Hunter estendeu a oferta em
russo. — Uma vez Demonidhes, sempre Demonidhes, a Ordem corre em seu
sangue. Lembre-se dos seus irmãos, nós amamos você também.
— Como eu os amo, mas eu prefiro ficar aqui. Ter uma vida normal.
— Você nunca terá uma vida normal, irmão, mas aceito sua decisão.
Jason acenou, observando Rafael partir com os outros.

***

— Amore mio, você está perfeita! — exclamei pela milionésima vez.


Desde que entramos no jatinho, Victoria não parava de alisar as
dobras do vestido simples. Para mim, ela estava linda, mas algo a angustiava,
pois mexia os cabelos, depois colocava as mãos nas bochechas como se
testasse algo.
— Queria estar com uma aparência melhor — falou apreensiva. — Eu
vou encontrá-lo. — Sua voz embargou. — Quero estar perfeita para ele.
— Meu amor, nosso filho vai fazer uma festa quando te vir. —
Acalmei seu medo, mas ainda assim Victoria não parava de tremer. — Vem,
senta aqui no meu colo. Gianne está com saudade, quando ele te vir, vai te
babar toda. — Empurrei meu nariz em sua bochecha, tentando animá-la.
— Estou tão magra, meu rosto está diferente, eu não quero assustá-lo.
— Meu amor, nosso filho te ama e sente saudade. Você não imagina o
quanto, ele só quer a mamma dele de volta. Só isso.
Victoria aceitou minhas palavras, mas desabou em um choro
silencioso. Eu só pude abraçá-la apertado, demonstrando todo meu amor.
— Rocco, não sei o que fazer. Esses meses fiquei tanto tempo
sozinha, quando pude ficar com Maddie, foi no pior momento. Jean Pierre me
privou de tudo, aparecendo somente para trazer as piores notícias. Camille
foi morta em meu lugar, sabe o quanto isso me machucou? Eu nunca quis que
tudo isso acontecesse, nunca.
— Amore mio… — Procurei seus olhos. — Você não teve culpa de
nada, foi uma vítima das loucuras daquele homem. Agradeço a Deus todos os
dias por ele não ter te violado, ele tentou quebrar sua mente, mas não
conseguiu, o resto vamos recuperando aos poucos.
— Ele quase conseguiu, e eu não quero que meu filho note a angústia
que ainda sinto. Ele não merece.
— Gianne verá o amor que você sente por ele, só isso.
Victoria ergueu uma das mãos e limpou o canto dos meus olhos.
Depois de tudo o que vivi nessa longa história de amor, me tornei um
homem que não engole seus sentimentos, mas, sim, os demonstra mesmo que
por meio de lágrimas.
— Se, por ventura — Inclinei-me, encostando nossas testas —, o meu
sorriso morrer, sorria para mim que te responderei.
— Sempre — murmurou, seduzindo-me com seus lábios.
Por um momento, me permiti ser tragado por sua doçura, apesar dos
meus desejos mais profundos e intensos, eu sabia que ela precisava dar o
primeiro passo. Eu sempre estaria aqui, esperando por ela.
— Isso, volte para mim, meu amor — eu disse baixinho, afogando-me
em seu toque suave.
Nossas línguas tocavam-se quase com timidez. A saudade ainda
latejava, apesar de todos os beijos que trocamos desde que a encontrei.
Entretanto, eu sentia que havia algo diferente, Victoria estava caminhando
para mim, e seus passos não eram mais vacilantes.
Ela não ficava tensa quando eu a abraçava e ela podia sentir o meu
desejo. Infelizmente, eu não conseguia desligar essa parte do corpo como
gostaria.
— Obrigada, eu nunca poderei te agradecer o suficiente por me salvar
e nunca…
— Shhh, não havia possibilidade de desistir, amor. Nunca houve, eu
só precisei saber para onde olhar, então eu fui te buscar. — Sorri,
emocionado. — E eu ainda nem acredito que está aqui.
— Seus olhos brilham, Rocco. — Acariciou meu rosto barbudo.
— Eles te olham.
Ela deitou a cabeça em meu peito, encolhida em meu colo. Não me
importava de ter plateia. De parecer tão apaixonado porque de fato eu era.
Nunca mais negaria qualquer coisa, se eu quisesse chorar, faria, se quisesse
gritar para o mundo que estava nas mãos de Victoria, faria com certeza.
— Onde estão Maddie e Jason? — amore mio perguntou, olhando ao
redor.
— Estão na suíte do avião, Pequena. Enquanto você dormia, ela não
se sentiu bem e Jason a levou. — Ela acenou, voltando a deitar.
— Adoro estar aqui com você.
— Eu adoro que esteja.
— Quando estiver com nosso filho em meus braços, eu vou estar
completa de novo.
Meu coração saltou de ansiedade. Tudo já estava combinado. Eu
havia preparado uma pequena surpresa para a minha esposa. O percurso da
Bélgica — onde pegamos o voo — para Londres era curto. Mas Victoria
cochilou. Blood disse que isso aconteceria com frequência, enquanto ia se
recuperando.
— Deseja um cobertor, senhor Masari? — a comissária de bordo
perguntou baixinho. — As luzes serão desligadas em breve.
— Sim, per favore.
Pouco tempo depois, eu nos cobri com uma manta felpuda, fazia frio
dentro do avião. Eu queria somente uma viagem tranquila, porém, quando o
alerta de colocar o cinto soou, Victoria arregalou os olhos.
— Vamos pousar em breve. — Segurei seu rosto. — Está na hora,
amor, nosso filho anseia por você.
— Como eu por ele — murmurou baixinho, seus olhos começando a
lacrimejar.
— Ei, sem choro. Estamos em uma jornada de alegria.
— Tudo bem.
— Então aperte o cinto, amore mio. Estamos prestes a pousar em solo
inglês.
Victoria
Eu ainda não acreditava que estava vivendo aquilo. Era um sonho
estar com Rocco e perto de poder abraçar o meu filho de novo.
Durante o tempo em que fiquei distante, eu vivi das lembranças do
amor pleno, da entrega incondicional e sem reservas. A minha fé, que às
vezes fraquejou, sempre buscava novos caminhos para se renovar, e ela
sempre esteve lá. Eu me tornei forte, pude resistir porque eu sabia que Rocco
lutaria por mim se tivesse a chance.
Um vestido nos uniu pela primeira vez, e outro, nos permitiu estar
juntos de novo. Olhar para ele era tão bom que eu não conseguia evitar a
emoção.
— Você é o homem da minha vida — proferi baixinho, encarando
seus olhos azuis. — Você me salvou mais vezes do que posso contar.
Senti sua mão apertando a minha. Rocco estava diferente, mudado
não só fisicamente, mas de um jeito profundo. Havia tanta entrega em cada
gesto dele, que isso ia aquecendo meu coração.
Eu sabia que poderia superar a cela escura, o medo de tudo o que vivi
naquele poço. Com Rocco, meu filho e família, eu poderia ficar mais forte,
porque todas as aflições que sofri não superavam o amor que eu tinha por
eles.
— Amore mio, tudo bem?
As portas do avião estavam sendo abertas. A minha vida estava
voltando para minhas mãos, e desta vez eu sentia que tudo ia ser diferente.
Nós teríamos paz, era o final da jornada.
— Tudo bem. — Engoli em seco, tremendo demais, ansiosa e ao
mesmo tempo preocupada.
Ainda na minha poltrona, eu vi as portas sendo abertas.
— Vem comigo. — Rocco estendeu a mão.
Quando senti o frio de Londres me saudar, uma felicidade enorme me
invadiu. Eu estava em casa. Eu estava tremendo toda, as pernas instáveis,
mas comecei a descer. Quando cheguei ao último degrau, fechei os olhos por
um breve instante e agradeci a Deus por me permitir voltar.
— Obrigada, meu Deus, por esse presente. — Apertei a mão de
Rocco. — Amo-te.
— Amore mio, olhe… — Rocco me chamou, eu percebi que ele
estava com a voz embargada. Bastou olhar mais adiante e eu soube o motivo.
— Vá.
E eu fui.
Chorando como nunca o fiz, caminhei ao encontro do meu filho.
Dentro do meu coração, sentia uma saudade quase esmagadora junto à
sensação de que estava muito perto de curar toda essa dor.
— Gianne. — Solucei, sorrindo ao notar que minha avó o colocou no
chão.
Meu filho estava lindo, ele sorriu para mim, e eu parei, ajoelhando de
braços abertos. Ele caminhou em minha direção, os bracinhos estendidos.
Não consegui controlar, as emoções explodiram dentro do meu peito,
transformando meu choro em algo turbulento, mas ao mesmo tempo aliviado
e tão sincero que libertava.
— Venha para mim, meu amor… — chamei-o, tentando não
gaguejar, ele havia parado a um passo de distância.
Parecia paralisado, me encarando, indeciso.
— Vem, amor, sou eu, sua mamma.
Ele sorriu de novo, mostrando-me os dentinhos lindos. Gianne acabou
com a distância que nos separava, com seus passinhos curtos, ele veio para
mim, e me abraçou.
— Mamma, mamma — gritou, as mãos pequenininhas puxando meu
cabelo. Ele me beijou, depois mordeu a minha bochecha.
Eu ri de felicidade.
— Sou eu, meu amor… — Atravessei o bolo em minha garganta, a
felicidade era tanta que eu senti que ia desmaiar. — Meu filho, que saudade
de te sentir em meus braços. — Escondi o rosto em seu pescoço, aspirando
seu cheiro de bebê maravilhoso. — Eu te amo, eu te amo muito.
Ele ria feliz enquanto eu chorava.
Rocco nos abraçou, e eu agradecia a Deus mais uma vez, por estar de
volta ao meu casulo de amor.
— Eu trouxe seu presente para casa, bambino — Rocco murmurou
com voz grave e rouca. — Eu trouxe seu presente para casa.
Deus é maravilhoso, o tempo todo.

***
— Eu chamei todos aqui porque é importante. — Ouvi a voz de
Rocco subir um tom.
— Não importa o que diga, eu continuarei, não vou desistir de lutar
por meu neto.
— Victor, cala a boca. — Minha avó usou um tom que eu nunca tinha
ouvido. Ela parecia brava, e ao mesmo tempo cansada.
— O que você quer que eu faça? Ele enlouqueceu.
Fechei os olhos, sentindo a dor do meu pai.
Eu estava do lado de fora do escritório, ouvindo tudo o que se passava
lá dentro. Rocco convocou todos para virem até nossa casa. Minha avó estava
com Gianne, ambos sorriam enquanto os outros pareciam viver em uma
corda tensa.
Em breve, eu poderia abraçá-los como o fiz com meu filho e minha
avó no aeroporto. Em breve, eu poderia tirar a tristeza que tão facilmente era
notável em suas vozes.
— Meu filho, apenas a deixe descansar, Victoria se foi, a deixe ir.
Engoli um soluço quando ouvi a voz da minha amada tia, a mãe de
que precisei por anos.
— Impossível — Rocco respondeu, meu pai gritou e eu vi que era a
hora.
Respirei fundo e andei até a entrada do escritório.
Fiquei parada na porta, as mãos trêmulas. Minha família parecia
quebrada. Rocco sorriu, olhando para mim. Aos poucos, meus entes queridos
começaram a virar.
— Não é verdade… — Meu pai engasgou, caminhando em minha
direção, ele parou em minha frente. Ergueu uma das mãos para me tocar, mas
pareceu desistir, pois a deixou cair.
— Me toque, pai, estou aqui. — Peguei sua mão fria, colocando-a em
meu rosto. — Pode me sentir? Eu sou real.
Deixei minha própria mão cair e esperei. Primeiro ele fechou os
olhos, depois suas lágrimas começaram a cair em um fluxo constante. Sem
dizer nada, ele me abraçou.
— Minha filha.
Recebi tantos abraços emocionados que não poderia contar. Tia Laura
quase me partiu ao meio, tamanha a força com que me apertava. Dimitri
estava com uma expressão dura, mas quando me abraçou, ele chorou
também. Eu não sabia o que havia acontecido, mas ele deu um suspiro de
alívio tão profundo que me deixou preocupada.
— Tudo bem? — Acariciei seu rosto, ele acenou.
— Agora está — disse, afastando-se para eu poder abraçar as outras
pessoas.
Minha sogra e Antonella me acolheram em um abraço duplo. Só
faltava William me dar o abraço que eu queria, mas ele se manteve calado e
distante.
— Querido? — Eu me aproximei dele, o Conde foi o único que não
chegou perto de mim. — William, não vai me abraçar também?
Ele fez um som baixinho, de alguém ferido. Seu rosto uma máscara
de sofrimento e angústia. Aproximei-me ainda mais, ele se afastou, me
rejeitando.
— William? — Abri os braços para ele, esperando.
— Não posso! — Negou, deixando transparecer uma dor tão intensa
que eu não soube como ele se mantinha em pé.
Não houve o que eu pudesse fazer, ele simplesmente virou as costas e
saiu apressado, parecendo ainda pior do que quando o vi em seu apartamento,
tempos atrás.
— William está vivendo no passado, amore mio. — Rocco me
abraçou. — Deixe que ele respire, que assimile sua volta. Então ele lhe dará o
abraço que negou agora.
Eu esperava do fundo do meu coração que Deus olhasse por ele logo,
o Conde precisava ter seu próprio milagre, porque eu acreditava de verdade
que o pior ainda poderia acontecer. Eu nunca vi tamanha desolação nos olhos
dele, nunca o notei tão abatido.
Nós ficamos juntos, e por minha vontade, ninguém tocou no assunto
da minha “morte”. Talvez, por um logo tempo, aquele fosse um tabu, eu
ainda não me sentia preparada para compartilhar com todos eles o que vivi
durante os meses longe.
— Já chega, agora todos vão caminhando para suas próprias casas.
— Meu Deus, Rocco! — Engasguei, observando-o ir expulsando as
pessoas carinhosamente.
— Amanhã estaremos aqui, venham almoçar ou tomar um café. Não
importa. — Ele abanou a mão. — Mas agora eu preciso da minha mulher e
filho, na minha cama.
Meu pai protestou e me espremeu em um abração apertado, depois ele
e Rocco tiveram um momento que culminou em um abração apertado e
batidas firmes nas costas.
— Quando o sol nascer, estarei batendo na porta — ele avisou antes
de ir.
Todos prometeram voltar. Inclusive Dimitri que, ao me abraçar,
beliscou meu braço.
— Aaai. — Alisei o lugar, sem acreditar que ele havia feito isso.
— Só testando para ver se não era um fantasma — brincou, deixando
Rocco ultrajado. Não me segurei e caí na risada, vendo meu amigo sair
fugindo do meu marido e de seus punhos.
— Vou matá-lo qualquer dia desses. — Rocco me abraçou. — Agora,
vamos para a cama.
Gritei quando ele me pegou nos braços, morri de medo porque estava
com Gianne.
— Pequeno aventureiro. — Ri, encantada com tanta fofura.
— Mamma!
Foi divertido colocar Gianne na cama. Ele protestou, não quis vestir o
pijama, tampouco dormir. Rocco nos observou divertindo-se, enquanto eu
lutava contra a vontade de ferro do meu pequeno Masari.
— Ele puxou a você, cheio de vontade. — Sorri, olhando para Rocco.
Finalmente Gianne adormeceu, ele já estava ficando bravo porque o
dia fora longo e ele com certeza tinha ficado cansado. Se eu me lembrava
bem, logo mais ele começaria a chorar, pois já havia passado da hora de ele
dormir fazia tempo.
— DNA forte, amore mio. Ele vai dar trabalho, é muito simpático,
coitadas das garotas que caírem na lábia.
— Rocco Masari, não comece. — Deitei ao lado dele e o puxei, mas,
ao tocar em seu braço, notei que se retraiu. — O que foi?
— Nada.
Pareceu-me que ele sentia dor.
— Rocco!
— Okay, tudo bem, eu sou apenas um ser humano, amore mio — ele
disse, encabulado. — Sangro, choro e me machuco como qualquer pessoa.
— Me mostra.
Rocco nunca foi adepto de roupas na cama, agora estava de calça e
com uma blusa de mangas compridas. Ele se sentou e, com bastante cuidado,
removeu a parte de cima do pijama. Quando eu me aproximei do lugar em
que ele havia sentido dor, vi uma linha de pontos.
A ferida era bem longa.
— Você está machucado. — Toquei-a com cuidado, ela aparentava
ser bem dolorosa.
— Isso é besteira, estou cuidando, não se preocupe. — Ele riu.
Em seus braços, havia vários arranhões e cortes. A pele estava cheia
de hematomas. Nada comparado ao corte, esse sim me deixou bastante
nervosa.
— O que significam esses números? — Passei os dedos pela tatuagem
em seu antebraço. Eram cinco fileiras de algarismos romanos perfeitamente
trabalhados.
— Datas.
Olhei para ele, admirada com o sorriso lindo e feliz que ele ostentava.
— Então? — Arqueei a sobrancelha, esperando.
— O quê?
— Não vai me dizer? Eu não sei ler todos esses algarismos romanos.
Ele apontou para a primeira linha.
— Quatorze de dezembro de 1991, quando você nasceu. — Ele
sorriu. — Este é cinco de setembro de 2014, quando eu te conheci.
Era a data do casamento de Antonella. Deus, eu não estava
acreditando.
— Rocco…
— Aqui, treze de julho de 2015, quando você me disse sim.
Esse foi o dia do nosso casamento, o aniversário dele. Apesar de eu
estar sorrindo como uma idiota, senti uma emoção tão grande que não pude
evitar a queimadura das lágrimas.
— Seis de setembro de 2015, quando você realizou o meu sonho.
— O nascimento do nosso filho — eu disse, a voz embargada com
aquele sentimento maravilhoso que ele me proporcionava.
Eu só queria não ser essa bagunça emocional. Mas Rocco não
deixava, tudo que ele fazia me deixava derretendo de tanto amor.
— Vinte e quatro de março de 2016, quando eu te perdi. — Ele traçou
a linha escura abaixo da última linha. — Como eu fiquei sem você.
— Sinto muito. — Joguei meus braços a sua volta, apertando-o, e
Rocco retribuiu como se me consolasse, quando na verdade quem precisava
de consolo era ele.
Eu não conseguia nem imaginar como ele devia ter ficado. Rocco não
me contou com detalhes. Ele não queria que eu soubesse.
Então eu só poderia supor, pela sua cara, e pela forma como Dimitri
pareceu aliviado ao me ver.
— Você está em casa agora, e é isso que importa — Rocco disse,
puxando-me ainda mais para seus braços.
— Eu te amo, Rocco.
— Eu te amo, Victoria, mais do que palavras poderiam dizer.
Victoria

Algumas semanas depois…

— Victoria, eu não acho que você deve estar aqui, deveríamos estar
em casa, ou cuidando de coisas mais importantes.
— Me ouça, meu amor. — Rocco imediatamente calou-se.
Era incrível, mas, quando eu abria a boca para falar, ele parava,
concentrando-se em mim. Não interessava o que ele estivesse fazendo, Rocco
dedicava toda sua atenção ao que eu lhe dizia, sendo importante ou não.
— Blanchet precisa de alguém, e ela só tem a mim.
Acariciei seu rosto bonito, agora com a barba aparada, ele parecia
saído de uma capa de revista. Nos dias que se seguiram ao meu retorno, a
gente se dedicou a cuidar da saúde e recuperar o tempo perdido.
Descobri, ou melhor, Dimitri me confidenciou que Rocco sofria com
ataques de pânico e ansiedade. Com jeitinho, consegui com que ele
procurasse ajuda, e já contamos com mais de duas semanas sem crises.
— Ela precisa de alguém que lhe oferte carinho, atenção. Me deixa
fazer isso? — Sorri, e ele suspirou.
— O que você quiser, amore mio. — Rocco me encarou por alguns
instantes. — Dio santo, o que você fez comigo? — Parecia desesperado.
— Eu te amo, grandalhão, é isso que eu faço.
Beijei-lhe os lábios com gentileza, feliz por estar conseguindo aos
poucos recuperar mais e mais do que eu era. A cada dia, eu conseguia deixar
o que aconteceu para trás, mesmo sabendo que seria um processo que levaria
tempo, a cada novo amanhecer, com minha família, eu me sentia mais forte.
O único problema, agora, era eu não conseguir ter relações com
Rocco. Era difícil esquecer o que vi no Inquisidor, a forma como um corpo
poderia ser brutalizado deixou-me um tanto assustada para as questões
íntimas.
Eu percebia os olhares cheios de paixão que Rocco me dava, mas, em
nenhum momento, ele forçou a barra, pelo contrário, ele cuidava com muito
carinho da minha saúde mental.
Poderia parecer besteira, mas todos os dias ele dormia vestido e com
Gianne no nosso meio. Ele mesmo o colocava. Quando entrava no banheiro e
eu estava no banho, ele saía de fininho, fechando a porta. Foram essas
demonstrações de cuidado e amor que me mostraram o abismo que separava
o que eu vivi com aquele homem, do que eu vivia agora.
Rocco era perfeito em cada aspecto, por isso, aos poucos, ele me
mostrou que eu não deveria ter medo de nada. Suas atitudes deram-me a
confiança necessária para eu me sentir confortável.
Eu estava preparando a nossa segunda primeira vez, e eu tinha certeza
de que seria muito especial.
— Não quero que você vá, ficar com ela pode te trazer lembranças
ruins, eu me preocupo. — Ele ajustou Gianne no colo, nosso filho estava
impossível.
— Grandalhão, eu estou bem.
E a cada dia mais forte, primeiramente por ele, e depois pela
gigantesca corrente de apoio que ele criou para mim.
— Eu preciso ir, vou ficar um pouco com ela, depois…
— Vamos ver os detalhes da festa do nosso filho.
Depois de muita conversa, decidimos fazer um aniversário de um ano
do nosso bebê. Seria atrasado, mas a gente ia desconsiderar esse detalhe.
— Tudo bem, podemos fazer isso. — Dei um beijo nele e outro no
meu filho. — Amor, não fique tão preocupado.
— Impossível, você está me contrariando. — Ele fez uma careta. —
Bambino, sua mãe ainda vai me enlouquecer. — Gianne deu uma risada,
mordendo o pai.
— Rocco, você é tão fofo! — Juntei-me ao meu filho no ataque, e
mordi Rocco no queixo.
— Eu tenho trinta e quatro anos, não sou fofo — resmungou,
apontando para Gianne. — Ele é fofo, eu não. — Ele bateu na minha bunda, e
desta vez não fiquei tensa. Na verdade, derreti em cima dele.
— Você é tão cheiroso, amo seu perfume. — Esfreguei o nariz em seu
pescoço, ele pigarreou, sabia que o clima estava esquentando.
— Uma hora, tudo bem? — ele disse, carrancudo. — Vou ficar aqui,
esperando, não passe de uma hora, ou eu juro que vou atrás de você.
Sorri, concordando, porém o que eu queria mesmo era apertar aquele
homem incrível que não mediu limites para ir até onde eu estava.
Eu não sabia os detalhes exatos de como tudo aconteceu, como disse
antes, isso era um tabu para a família. Eu também não sabia o que aconteceu
com o monstro.
Rocco não me contava nada sobre isso. Para ser sincera, eu não queria
nem saber, a única coisa da qual fiz questão de participar foi do processo de
reconhecimento do corpo de Camille, para dar a ela um enterro digno.
— Uma hora, amore mio.
— Certo. — Dei-lhe um beijo rápido, saindo do carro.
Eu segui com Murdoch para a clínica. Jason não veio comigo porque
estava com Maddie. Os pais dela chegariam hoje para buscá-la, e mesmo
tendo feito a ponte, Jason não me parecia muito bem com a ideia de deixá-la
ir.
Eles não se desgrudavam.
— Murdoch, obrigada por vir. — Ele abriu a porta da recepção, havia
um sorriso em seus lábios.
— É um prazer, senhora.
Uma mulher uniformizada me recebeu, ela parecia bem simpática e
atenta.
— Seja bem-vinda, senhora Masari, eu me chamo Nora, serei sua
guia. — Estendeu a mão e nos cumprimentamos.
— Obrigada. — Sorri, feliz em perceber que até as pessoas do local
transmitiam certa paz.
A minha vida estava uma loucura. Depois que foi anunciado que eu
estava viva, não tinha um dia que não recebêssemos convites para entrevistas.
As minhas idas ao hospital para fazer os check-ups foram turbulentas, pois
precisávamos atravessar um mar de fotógrafos e repórteres acampados em
nossa porta.
A mídia explodiu as especulações do meu caso como uma bomba
atômica, eu pude ver fragmentos de como Rocco tinha ficado, da família, até
ele entrar com o jurídico e ameaçar processar todos, alegando que a alta
exposição poderia comprometer a minha recuperação.
Eu estava bem, mas percebi que ele não queria que eu visse como ele
havia ficado, então, eu não procurava saber, mesmo querendo muito. Eu ia
respeitar a decisão dele, porque acreditava que se um dia ele se sentisse
pronto, me contaria.
A verdade era que Rocco estava louco com minha saúde, quer dizer,
a família toda estava, mesmo que eu demonstrasse estar muito bem.
— Por favor, senhora Masari, venha comigo, a doutora Ella está
esperando para recebê-la.
Caminhamos pelos ambientes e me surpreendi com a delicadeza do
lugar. Não parecia uma clínica de repouso, e sim um lar de verdade. Em
algumas salas, as gargalhadas eram tão bonitas que contagiavam.
— Hoje é o dia da mímica, eles não se aguentam. — A minha guia
deu uma risadinha, enquanto ia me contando um pouco sobre a rotina.
A voz dela parecia com a de um contador de história, suave e
hipnotizante.
— Aqui parece bom — Murdoch falou baixinho. Eu concordei.
— Venha, temos uma atividade em grupo sendo desenvolvida agora.
Nora nos guiou para um ambiente que tinha janelas francesas. As
pessoas estavam sentadas em tapetes, em posição de lótus.
— Aqui nós trabalhamos com meditação, descobrimos que a longo
prazo eles se tornam menos ansiosos.
— Isso é incrível — murmurei, admirada.
Nora me contou mais sobre as atividades terapêuticas que eles
desenvolviam na Casa. Umas das coisas que me encantou foi que eles faziam
terapias de acordo com a necessidade de cada paciente.
O sistema não era bagunçado, e sim especializado, com parâmetros
altíssimos. E isso nem era o melhor, e sim o fato de o carinho e amor serem
tão visíveis.
Dava para ver na carinha dos pacientes, o sorriso de felicidade.
— Olhe aqui. — Paramos em uma porta e, quando ela se abriu, meus
olhos enterneceram ante a visão. — Estes aqui sofrem com Alzheimer, por
isso fazemos uma reabilitação que se concentre na conservação das memórias
por meio de atividades naturais. Esse grupo teve quase 80% de perda de
memória, nos testes que fizemos, a grande maioria está na casa dos oito a dez
anos, por isso as bonecas e os carrinhos. Naquele outro grupo, acreditam que
estão nos anos sessenta. Veja. — Ela apontou para um canto, e eu senti meu
coração derreter.
— Estão paquerando? — Murdoch perguntou, o riso em sua voz.
— Sim, eles são jovens, estão na idade para isso. — Nora piscou um
olho, sorrindo.
Eu me senti tão feliz por ver que havia escolhido o lugar certo para
Madame, que não pude evitar o suspiro aliviado. Ver a forma como cada uma
daquelas pessoas era tratada aquecia meu coração.
— Vamos, a doutora esta à sua espera.
Caminhamos mais um pouco, passando de um ambiente a outro. Tudo
era colorido, vivo, cheio de detalhes. Uma plaquinha com letras coloridas
identificava a área dos consultórios, cerca de cinco portas depois, chegamos
ao nosso destino.
Nora deu uma batidinha, abrindo a porta em seguida.
— A senhora Masari está aqui.
— Mande-a entrar, por favor.
Nós nos despedimos, e eu entrei na sala.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Victoria. — A Doutora Ella
Daves levantou de sua cadeira, estendendo a mão para mim. — Muito feliz
que esteja bem.
— Obrigada, perdoe-me por não ter vindo antes, minha vida ainda
está entrando nos eixos.
— Imagino. — Sorriu, indicando a cadeira. — Por favor, sente-se.
Entreguei a bolsa enorme que eu carregava para Murdoch, ele fez
uma careta, mas aceitou, sentando-se no sofá do outro lado da sala.
— Como ela está? — Engoli em seco, apreensiva pela primeira vez
desde que cheguei. — Como a Madame tem se comportado?
— Bom, por onde começar. — Doutora Ella folheou alguns papéis.
— Primeiro, gostaria de dizer que estou pessoalmente cuidando da
readaptação de Madame Blanchet. Cada dia tem sido um avanço, creio que
ainda falta muito para conseguir recuperar algo sólido, porém estamos no
caminho certo.
— Obrigada, mas como sabe que ela está melhorando?
— Uma das nossas enfermeiras descobriu que Madame gosta de
abraços apertados, e não suporta que homens cheguem perto. Apesar de não
falar, e não se mover muito, sua respiração ficava alterada, desta forma
descobrimos o que gosta ou não. Se ela gosta, suspira, senão, ofega ansiosa.
É a forma que ela encontrou para dizer sim e não. Estou trabalhando nisso.
— Por favor, me conte tudo. — Inclinei para frente, prestando
atenção em tudo.
— Quando chegou aqui, o seu estado de saúde geral estava bem
debilitado, mas, quanto a isso, devo salientar que ela está recuperada
completamente, todas as suas amostras de sangue estão satisfatórias, o maior
problema de fato continua sendo sua mente.
— O que poderíamos fazer? Não importam os custos, apenas me diga
se existe a chance de ela voltar a ser como era antes.
— Infelizmente, eu temo que a resposta seja não. Ela está perdida
dentro de sua própria mente, a atividade cerebral está reduzida, as sinapses
seguem em atividade, mas não como deveria ser. É como se houvesse um
bloqueio.
— O que isso quer dizer?
— Colocando em termos simples, ela não projeta os pensamentos.
Sua mente é uma grande e constante tela em branco. Compreendemos que o
medo é uma reação instintiva e inconsciente do trauma. De alguma forma, o
cérebro avisa para se proteger, porém, o corpo não colabora. Madame está
presa dentro de si própria, e isso, dependendo da causa, talvez seja o melhor.
— Como está sendo a reabilitação dela? Vi que vocês especificam as
terapias de acordo com as necessidades de cada paciente.
A todo custo, engoli o nó imenso que estava entalado em minha
garganta. Eu sabia o que havia quebrado Blanchet, e sinceramente eu achava
que era melhor ela não lembrar mesmo.
— Nós lhe contamos histórias.
— Como? — Franzi o cenho, não entendendo direito.
— Contamos histórias infantis, de aventura, sem muita problemática.
Nós a ajudamos a criar algo só dela, com o que poderia ser aceitável para seu
estado.
— Então, está dizendo que vocês a ajudam a criar sonhos? — Sorri,
emocionada demais.
— Sim, nós a ajudamos a sonhar, criando fantasias.
— Isso é incrível.
— Sim, é. Semana passada ela curvou a boca em um quase sorriso.
Suas noites melhoraram, até diminuímos os remédios para dormir. — A
doutora ergueu-se e me chamou. — Vamos, ela está tomando banho de sol
em nosso jardim primavera. Por ora, tudo o que eu disse é o que precisa
saber, lhe manterei informada caso algo mude.
— Faça isso, eu agradeço.
Caminhamos até o outro lado da grande casa de repouso Dreams to
Dream: A Life to live.
Considerada a melhor do país, por ter um método incrível de
tratamento. De fato, eu vi com meus próprios olhos que eles não apenas
cuidavam dos pacientes, mas também davam motivos para sonhar.
Era um trabalho belíssimo e humanizado.
— Olhe, ali está ela. — Indicou, apontando para algo mais adiante.
Estreitei os olhos por causa do sol, mas consegui ver onde ela estava.
— Madame adora ficar aqui, quando não está fazendo algum
tratamento, é aqui que ela fica.
O jardim era lindíssimo. Havia flores diversas, árvores, borboletas e
pássaros. Alguns cachorros pequenos e gatos dividiam a atenção com a
beleza do lugar.
— Fale pausadamente, com suavidade. Qualquer agitação fora do
comum e ela não estará bem por vários dias — Fui instruída.
— Obrigada, eu vou ter cuidado.
— Vá, qualquer coisa, peça para que me chamem.
Acenei, caminhando em direção à mulher na cadeira de rodas.
Murdoch trouxe a minha bolsa. Nela, havia um presente que eu torcia para
que a Madame gostasse.
Quando eu fiquei pertinho, parei porque não sabia como agir. Estava
sem saber como iniciar esse novo relacionamento.
Que Deus me ajude. Pensei, sentando-me no banco ao lado de sua
cadeira. Por um tempo, fiquei olhando para frente como ela, não disse nada.
Então, decidi começar pelo início.
— Olá, eu me chamo Victoria.
Sabia que ela não me responderia, então, eu repousei a minha mão
sobre a dela. Notei que ela começou a tremer levemente, então suspirou,
algumas lágrimas escapando dos seus olhos.
— Você não está sozinha — falei bem devagar.
Ela continuava olhando para frente, como se estivesse visualizando
algo particular, mas as lágrimas não paravam de escorrer.
— Você nunca estará sozinha, Madame, eu prometo que você tem a
mim, eu vou cuidar de você. Serei sua família. — Pensei ter ouvido um
soluço, mas acreditei que tivesse sido meu. — Não se preocupe, eu sempre
vou estar aqui para você.
Decidi arriscar e me aproximei devagar, até conseguir abraçá-la.
Sua resposta foi me presentear com um suspiro suave. Isso significava
que ela havia gostado.
— Não importa o que tenha acontecido, o passado deve ficar no
passado. Vivemos um recomeço, escrevemos uma nova história.
Fiquei bastante tempo com meus braços a sua volta, e sua reação me
tranquilizou, pois eu queria que ela confiasse em mim para acreditar que eu
jamais a abandonaria.
— Eu trouxe um presente para você. — Testei um sorriso, mesmo que
ela não houvesse olhado para mim.
Peguei dentro da minha bolsa a boneca de pano que eu havia feito.
Essa foi a ideia que uma das auxiliadoras deu, após uma ligação
minha para saber o estado de Blanchet.
A boneca era bem simples, a intenção, não.
Com cuidado, coloquei-a em seu colo. Esperei pelo que pareceu uma
eternidade até que, aos poucos, o olhar de Blanchet desceu.
Ela olhou por um longo tempo para a boneca, quando pensei em pegá-
la de volta e tentar outra coisa, ela a segurou, erguendo-a até o peito.
Blanchet fechou os olhos, abraçando a boneca com força. A cena me
deixou emocionada, e para que ela não me visse chorar, levantei, para fazer a
outra coisa que parecia boa para ela.
— Que tal se eu pentear seus cabelos? — perguntei, já pegando a
escova macia que eu trouxe. — Você tem cabelos lindos, sabia?
Soltei os grampos que prendiam as longas mechas e com cuidado
comecei a penteá-las. Blanchet suspirava contente. Aos poucos, fui ficando
feliz também.
O que fiz para tê-la de volta valeu a pena.
— Soube que gosta que lhe contem histórias… — Sorri. — Permita-
me contar-lhe a minha favorita. É a história de um grande amor.
Blanchet suspirou de novo e eu quis chorar.
— Era uma vez…

***

Saí da casa de repouso com os olhos rasos d'água. Assim que Rocco
me viu, ele me abraçou apertado.
Eu desabei em seus braços.
— O que foi, meu amor? — Sua voz soava aflita, quase desesperada.
— Rocco, por que é tão difícil para as pessoas amarem umas às
outras? — Sua testa enrugou de confusão. — Por que as pessoas amam tão
pouco? Por que elas precisam muitas vezes sofrer para entender que na
verdade o segredo para a felicidade está nas coisas simples?
— Amore mio…
— Eu nunca poderia deixá-la, entende? Blanchet faz parte da minha
história.
— Tudo bem, Pequena, não iremos deixá-la.
— Prometa para mim — implorei porque sabia que meu marido era
duro para muitas coisas que aconteceram comigo no passado.
— Eu prometo.
— Obrigada. — Eu o abracei ainda mais apertado.
— Agora pare o choro. — Rocco me animou, empurrando seu nariz
no meu. — Sorria para seu marido. — Sorri, fazendo bico, e ele me beijou
apaixonado. — Essa boca pede um beijo, mas eu pedirei tudo em troca.
— Eu te darei.
Ele me beijou, e eu senti que estava pronta. Meu corpo estremeceu em
seus braços, completamente tomado por ele.
Só por ele.
Rocco Masari, o meu melhor amigo, marido e amante.
O primeiro e único amor da minha vida.
Rocco
Desde que conheci Victoria, eu soube que ela era diferente.
Infelizmente, eu cometi muitos erros, até entender que não havia qualquer
engano.
Era ela a mulher que tinha quase 100% de amor em sua fórmula.
Saber que era minha esposa, e que me amava, deixava-me estúpido de tanta
felicidade, porque eu sabia que havia conquistado algo raro, que nem todo
dinheiro do mundo poderia comprar.
Não era somente eu que sentia isso, as pessoas que estavam em nossas
vidas também foram afetadas por ela.
Blanchet, apesar de não entender, era a prova viva de que Victoria
preferia o perdão, não só isso, ela também se preocupava, cuidava e se
importava.
Como eu disse antes, Victoria adorava coisas quebradas porque ela
tinha algo especial e ajudava a consertar.
— Eu te amo, Pequena. — Apertei meus braços a sua volta.
— Eu também te amo, grandalhão — respondeu, aconchegada em
mim.
— Mamma… — Gianne fez uns barulhos e a baba escorreu livre,
percebi que ele não gostava de dividir Victoria.
Era ciumento, e sempre chorava, berrando de raiva. Agora, ele
começou a morder, ontem quase arrancou um pedaço do meu nariz.
— Mamma! — gritou, vermelho.
Aí estava, ele querendo atenção e irritado porque eu a estava
abraçando. Ele já havia jogado o copo de água em mim, agora estava batendo
no suporte da cadeirinha, os braços e pernas sacudindo sem parar.
— Oi, meu amor. — Victoria me soltou e se esticou para limpar a
baba do nosso pequeno. — Você tem que dividir, bebezinho da mamãe —
brincou, muito próxima para o que era saudável, instantes depois Gianne
agarrou seus cabelos e puxou, colando sua boca no rosto dela, babando tudo
para depois morder.
— Ei, não morda a mamma — reclamei e Victoria ria, tentando se
soltar, mas o aperto do nosso filho era forte demais. — Não faça isso,
Gianne!
Murdoch começou a rir no banco da frente.
— Ele está afiando os dentes — Victoria brincou.
— Solta a mamma, Gianne. — Tentei desenrolar seus dedos do
cabelo, mas ele puxava e mordia Victoria com tanta força, que tremia.
— Cuidado para não machucar os dedos dele — Victoria avisou,
rindo, sem me ajudar em nada.
— Gianne Masari — esbravejei e ele parou, encarando-me com os
olhos imensos e verdes, como os de sua mãe. — Solta o cabelo da mamma
agora!
Fazendo um bico de choro, ele soltou. Seus olhinhos foram enchendo
de lágrimas, e eu me senti um péssimo pai.
— Oh, meu amor, não chore — Victoria o mimou, esfregando seu
nariz no dele. — A mamãe te ama, pode morder, mas dói, sabia?
Instantes depois meu filho gargalhou. Até me assustei. Esse garoto era
um manipulador. Igual ao pai! Meu peito estufou de orgulho.
Minha cópia fiel.
Por incrível que parecesse, após o episódio de birra, Gianne dormiu.
Eu e Victoria aproveitamos para contratar os serviços necessários para a festa
dele.
Nós optamos por algo mais familiar, porque a intenção era ter
Victoria no aniversário de um ano do nosso filho, para que no futuro ele visse
as fotos e se lembrasse desse momento.
Eu queria fazer parecer que ela nunca se fora.
— Gianne vai adorar o tema da festa. — Victoria acomodou-se ao
meu lado, nós estávamos voltando para casa.
Quando passávamos próximo ao centro cultural de Londres, o carro
parou em um sinal vermelho. Eu não soube por que fui atraído para algo do
outro lado da rua, mas quando dei por mim, estava encarando o grupo de
ciganos acampados.
Uma cigana estava me olhando, digo, ela olhava como se pudesse me
ver através do vidro fechado.
Na hora, eu senti meu coração acelerar, mas ao contrário das outras
vezes, em que me disseram coisas horríveis, agora ela apenas sorriu,
acenando.
Eu senti que aquilo era uma coisa boa.
Dio santo. Respirei aliviado, quase sem acreditar no quão afetado eu
ainda estava.
— O que foi, grandalhão? — Victoria me olhou, e eu beijei seus
lábios sem dizer por que eu sentia como se não pudesse sustentar meu peso,
mesmo estando sentado.
— Não foi nada, está tudo bem.
Ela me avaliou, depois balançou a cabeça.
— Se uma festa te deixa nervoso, podemos desistir.
— A ideia foi minha, esqueceu?
Victoria sorriu, aquiescendo. Ela não precisava se preocupar com
isso, eu me encarreguei de deixar claro que queria uma lista com todas as
pessoas que iriam trabalhar na festa, meu pessoal também estaria envolvido.
Isso significava que a minha família estaria segura.
Cerca de dez dias depois, eu pude comprovar que nunca mais seria o
mesmo. Apesar de estarmos apenas em família, a aglomeração me deixou
nervoso, e eu cuidei de sempre manter Victoria no meu campo de visão,
enquanto Jason cuidava do meu filho.
Ele precisava se ocupar, pois estava insuportável desde que Maddie
voltou para casa.
— Rocco, isso está incrível. — Victoria me abraçou, admirando nosso
filho correndo de um lado para outro com sua roupa de Minion.
— Eu não quero que se estenda por muito tempo. — Sorri para ela,
tentando amenizar o meu estresse.
— Tudo bem, só falta William chegar, você acha que ele vem?
Eu não poderia dizer com certeza. William não nos atendia, ele estava
isolado em sua casa, fingindo que não existíamos. Eu sabia o quanto Victoria
estava triste por isso, mas eu não podia fazer nada, a não ser, é claro, partir a
cabeça do meu amigo bastardo.
— Deixa o Conde se adaptar à ideia de ter você aqui de volta — eu
disse, beijando a ponta de seu nariz. — Tudo bem?
— Tudo bem. — Ela ficou nas pontas dos pés e me deu um beijo
rápido.
Depois se afastou. Eu fiquei parado, observando como era fácil para
ela interagir. Victoria parecia estar superando bem o que aconteceu, mas
ainda existiam algumas barreiras, que eu não sabia como ultrapassar.
Queria fazer amor com a minha mulher, mas não tinha coragem de
avançar, depois de perceber que ela não se sentia confortável. Ademais, eu
poderia esperar quanto tempo fosse preciso, desde que eu pudesse acordar
com ela todos os dias, qualquer coisa parecia insignificante.
— Deus me livre de ter essa cara de idiota por causa de uma mulher.
— Dimitri bateu no meu ombro. — Você precisa limpar a baba, está
escorrendo no peito já.
— Fica na sua. — Ergui o dedo médio, mas isso para Dimitri era
coisa pequena.
O bastardo se divertia irritando os outros e eu parecia ser o alvo
favorito.
— Notícia de William? — perguntei, bebericando um coquetel de
vinho.
Fraquíssimo, devo acrescentar.
— Está trabalhando com se fosse um tirano, saímos na porrada ontem.
Eu disse umas verdades que ele precisava ouvir.
— O que você disse?
— Que ele era um pau no cu por ter se afastado, e que eu deveria ser
o padrinho do Gianne já que sou eu quem está com ele.
— Você não vai esquecer isso, não é?
— Claro que não, somente quando você me der um de seus filhos. —
Ele sorriu, fazendo careta para a bebida. — Que negócio horrível, não tem
álcool.
— Dimitri, você tem problema.
— Não tanto quanto você, amigo, o mais louco aqui é você, monstro
descompensando. — Saiu, indo em busca de alguém para importunar.
A meu ver, as coisas estavam indo bem. Victoria estava sorrindo e
meu filho parecia feliz brincando com Jason. Não faltava nada, digo, William
não havia chegado e com certeza não viria, mas, apesar disso, eu sentia que
as coisas estavam como deveriam ser.
— Vamos tirar as fotos? — Victoria chamou, Gianne estava em seus
braços.
— Sim.
Circulamos ao redor das mesas, tirando várias fotos com cada
membro da família ou amigo importante. Gianne se mostrou muito simpático
no começo, mas depois ele começou a ficar puto, e nós precisamos correr, ou
não conseguiríamos cantar os parabéns com ele.
Estava quase no horário que ele dormia, na rotina que nós impusemos
com muito sacrifício.
— Me deixe ir lavar as mãos dele. — Jason o pegou dos meus braços.
— Volto logo.
Quando ele saiu, Victoria me abraçou. Ela não disse nada, mas nós já
havíamos esperado tempo demais. William não viria.
Só faltava ele para que minha família estivesse de fato toda reunida.
Victoria
Felicidade.
Era um sentimento tão bom, e eu o encontrava em abundância dentro
de mim. Ver minha família e amigos desfrutando de um momento tão
importante comigo era meu bálsamo. No dia em que Gianne fez um ano, eu
chorei tanto que o monstro me deu a oportunidade que eu precisava.
Agora eu estava aqui, podendo viver com meu filho e as pessoas que
eu amava esse momento. Toda emoção que me dominou, desde que comecei
a ver as coisas da festa serem organizadas mais cedo, foi sepultando o que
restava de qualquer receio.
A última barreira que eu ainda tinha ruiu, quando vi meu marido
arrumado para me receber. Ainda hoje, entregaria meu corpo a ele, porque
todo o resto eu já havia dado em suas mãos. Eu queria voltar a ser sua
mulher, no mais básico e primitivo sentido da palavra.
— Amore mio. — Rocco me abraçou por trás. — Alguém chegou e
está à sua procura.
— Quem?
Rocco me virou bem devagar, quando eu fiquei de frente para a
entrada da minha casa, avistei a única pessoa que não me deu uma única
palavra desde que voltei.
— William… — Eu me emocionei, pois ele veio, mesmo quando
tínhamos certeza de que não viria.
Notei que ele parecia um pouco tenso, como se não estivesse
confortável. Eu não fui ao encontro dele, deixei que viesse em minha direção
e na de Rocco.
Ele parou diante de nós.
— Será que eu… — falou baixinho, então parou e respirou fundo. —
Será que eu poderia te dar aquele abraço agora?
Praticamente me joguei em seus braços e ele me apertou.
— Perdoe-me, eu senti raiva… — William tremeu, confessando. —
Eu senti inveja porque eu queria ter meu próprio milagre e nunca o tive.
— Eu sinto muito, mas, não desanime — falei para ele. — Te digo
por experiência própria.
— Obrigado, mas ainda não estou sabendo lidar com tudo, entretanto,
não queria te magoar nem perder o aniversário do meu afilhado. Ser um tutor
é um dever de honra. Sinto-me privilegiado por terem me escolhido, mesmo
que eu tenha cometido muitos erros desde que você… quando tudo
aconteceu.
— Bobo! — Acariciei seu cabelo comprido de novo. — Você faz
parte dessa família louca.
— Nossa, Rapunzel, como você está linda. — Dimitri chegou,
cortando o clima.
Rocco deu uma risada, o Conde balançou a cabeça.
Agora sim a festa estava completa.
Foi tudo perfeito e digno de um sonho. Nos parabéns, Gianne bateu
palmas, ele sorria tanto que os seus olhos eram duas frestinhas no rosto
gordo.
Respirei fundo, sentindo que o ciclo anterior fora devidamente
fechado e que outro se iniciava.
Por volta das oito da noite, Gianne já estava caindo de sono, apesar de
toda energia que ele demonstrou meia hora trás. Os convidados estavam
começando a ir embora, Rocco, sutilmente, havia deixado claro que todos
deveriam ir para suas casas.
Ele não convidou ninguém para ficar.
— Amor, não faz isso. — Eu morria de vergonha, mas ele somente
dava de ombros, e não se importava. — Eu vou subir, Gianne ainda precisa
de um banho.
— Você quer que eu cuide disso? — Ele ofereceu, mas eu neguei,
precisava subir primeiro, eu tinha planos para nós dois.
— Eu vou. Somente peça desculpas por mim. — Ele inclinou para
beijar a mim e ao nosso filho
— Boa noite, bambino.
— Papa — Gianne resmungou, segurando o cabelo de Rocco e o
mordendo. Quando soltou, a baba escorreu pela bochecha dele.
— Ele pensa que sou um mordedor! — Rocco limpou o rosto, mas
havia diversão em seus olhos. — Vá, eu não vou demorar.
— Grandalhão, não expulse ninguém, por favor.
— Está bem.
Mas eu não acreditei. Ele fazia isso quando estava impaciente para
esvaziar a casa.
Subi para o quarto do Gianne e precisei correr para dar banho e o
arrumar. Quando terminei de vestir o pijama, ele já estava profundamente
adormecido.
— Bons sonhos, meu amor. — Acariciei os seus cabelos negros.
Antes de sair, ajustei a temperatura do quarto e o deixei, com a porta
entreaberta.
Quando passei pelo quarto de Jason, vi que ele estava sentado em sua
cama, com a cabeça entre as mãos. O jeito com que estava curvado para
frente deixou transparecer o quão desolado parecia.
— Brother, o que houve? — Quando Jason ergueu a cabeça, eu soube
exatamente do que se tratava. — O que está esperando para ir atrás dela, meu
irmão? — questionei, tomando suas mãos para beijá-las. — Não perca mais
tempo.
— Eu…
— Maddie precisa de você, e agora vejo, você também precisa dela.
Vamos lá, já demorou demais para você ir atrás dela.
Ele ficou em pé e me abraçou.
— Estou com um medo do caralho, mas não paro de pensar nela.
Sinto falta de tê-la comigo.
— Então, vai logo. — Ele me deu um beijo na bochecha.
— Obrigado, você tem razão, vou buscar minha mulher. Não vou
negar o que sinto, eu… — Suspirou. — Acho que mereço essa chance.
— Isso, corra. Se sair agora, ainda dá tempo de chegar antes do
amanhecer.
— Eu te amo, Bonequinha.
— Eu também te amo, brother.
Saí do quarto do meu irmão enquanto ele corria para o closet, para
arrumar uma bolsa.
Ao chegar ao meu quarto, senti um frio na barriga, porque eu queria
surpreender Rocco e estava nervosa.
— Vamos lá. — Respirei fundo, correndo para o banheiro porque eu
tinha pouco tempo.
Com certeza, Rocco ia expulsar a família.
Tomei um banho rápido e me perfumei toda. Escolhi a camisola
perfeita e me senti confiante de que estaria atraente para ele. Meu corpo ainda
estava magro, mas ele não ia se importar.
— Okay, tudo bem.
A porta do quarto abriu e eu me enfiei nas cobertas. De olhos
fechados, eu esperei, a ansiedade causando estragos.
— Dio mio, como eu amo minha mulher.
Escutei sua voz e o som que ele fazia ao tirar as roupas, depois ouvi o
barulho do chuveiro e me preparei. Já estava desfrutando de cada etapa da
minha excitação, havia certa saudade de me sentir mulher, de explorar meus
desejos.
Eu queria Rocco, queria que ele me fodesse gostoso e me fizesse
gozar até ver estrelas.
— Deus. — Suspirei, acendendo a luz de cabeceira e me ajoelhando
na cama para esperá-lo.
Rocco
Permiti que a água escorresse pelo meu corpo, enquanto implorava
que minha ereção acalmasse.
Não foi fácil ver Victoria naquele vestido colado, que acentuava a
curva da sua bunda perfeita. Eu me sentia aturdido pela dor de desejar minha
esposa, sabendo que não poderia tê-la ainda.
— Dio santo. — Segurei o pau, massageando-me suavemente. Eu
estava tão duro que doía.
Vinha me negando até o menor prazer, porque queria esperar por ela.
Mas era tão difícil porque eu estava morrendo de fome, queria devorá-la.
— Merda. — Respirei fundo, desistindo mais uma vez da ideia de me
aliviar.
Fiz isso porque notei que ela estava acordada por causa da parca luz
que acendeu no quarto, e não queria que pensasse besteira se me visse.
Durante todo esse tempo, eu a tranquilizei, sabia que ainda levaria tempo para
me aceitar.
Bom, eu esperaria o tempo que fosse, pois já tinha esperado mais de
sete meses.
— É isso. — Sequei-me, depois vesti uma calça de pijama. A porcaria
irritava, eu não suportava dormir com roupas, mas não queria que Victoria
pensasse que eu estava me insinuando.
Antes de sair do closet, apaguei a luz, quando voltei para o quarto, eu
mal pude acreditar nos meus olhos.
— Porra! — Engasguei, se antes eu estava sofrendo de desejo, agora
eu estava quase me curvando a ele. — Amore mio?
Meio hipnotizado, caminhei até a beirada da cama, Victoria estava
linda de cabelos soltos, vestindo apenas uma camisola branca transparente, a
calcinha, pelo que notei, era pequenina.
Acho que perdi a capacidade de raciocinar porque eu me livrei da
calça e me acariciei na frente dela.
— Isso, caralho. — Gemi, encarando-a. Sem um pingo de vergonha,
me masturbei mais forte. Eu estava tão duro, que não ia demorar muito a
gozar, se ela me desse uma chupada, eu não aguentaria.
— Rocco… — ela chamou meu nome, a voz pesada, rouca.
Victoria começou a engatinhar em minha direção, eu pensei que fosse
morrer de tanto tesão.
— Dê-me isso, por favor. — Não me envergonhei por implorar, eu
estava necessitado demais daquela mulher, ansiava cada toque dela.
Não esperava me emocionar tanto, mas sentir sua boca em minha
pele, além de ser o ápice do prazer, atingia uma parte ainda mais profunda,
meus olhos arderam por um momento.
Tê-la outra vez também fazia parte dos meus sonhos mais ousados.
Eu a puxei para mim, tomando seu corpo com minha boca, fazendo-a gritar
de prazer.
— Primeiro você — disse, esfregando o nariz em sua boceta quente.
Eu puxei a calcinha de lado e chupei com força o clitóris, sentindo-a
apertar meus dedos enterrados na vulva melada.
Victoria gemeu, abrindo-se ainda mais para mim.
— Dentro, Rocco, por favor, eu preciso!
Puxei a calcinha e a penetrei com uma investida só.
Senti-a tremer à minha volta, apertando-me tão forte que eu delirei.
— Caralho, que saudade da porra! — Ofeguei, puxando até a ponta e
socando tudo de novo.
— Não para. — Ela arranhou meu peito.
E eu dei o que precisávamos. Victoria me abraçou com as pernas e eu
a fodi com força, ainda que minha posse fosse dura, cada parte do que eu lhe
dava continha amor. Ela sentiu, porque mesmo me arranhando, ela me fazia
carinho.
Agora seria assim, depois, a gente poderia ir com calma. A saudade
aqui não permitia mais do que a loucura aceitava.
— Assim, Rocco, assim mesmo. — Victoria fechou os olhos, quando
eu molhei o polegar e massageei seu clitóris.
Senti-a me apertar, a boceta tremendo. Ela ia gozar. Eu também.
— Isso, que boceta gostosa!
Beijei sua boca quando ela começou a gritar, gozando. Victoria
gostava de palavras sujas.
Meu corpo arrepiou e senti as bolas doerem, quando gozei também,
enterrado todinho dentro dela. Ela tomava tudo de mim, e eu faria o mesmo,
porque só ela conseguia suprir as minhas demandas.
— Juro, amore mio. — Ofeguei, respirando em sua boca. — Te fazer
feliz, todos os dias.
Eu ainda pulsava dentro dela. Nos braços da única mulher que amei,
eu me senti completo de novo.
— Felizes para sempre, amore mio? — perguntei, puxando-a para
mim.
— Sim, meu amor, para sempre.
E eu senti que desta vez era a mais pura verdade. Nós havíamos
encontrado o nosso final feliz.
E eu viveria até o último dia da minha vida acreditando que nenhum
outro homem amou tanto uma mulher.
Victoria

14 de Dezembro de 2016

Senti o deslizar suave dos lábios de Rocco por minhas costas. Não
pude evitar o sorriso preguiçoso que se desenhou em meus lábios, a sensação
que eu tinha era gostosa demais, a paciência com que meu marido
despertava-me deixava claro que aquele era o meu bom-dia de aniversário.
Não que ele fosse muito diferente em dias normais, não era isso. A
verdade era que, desde que ele havia me encontrado, dois meses atrás, e
devolvido a minha vida, Rocco sempre acordava primeiro e fazia questão de
estar ao meu lado quando eu despertava. Era como se esse fosse seu modo de
dizer que estava tudo bem, que eu estava segura e que nada iria acontecer.
— Feliz aniversário, amore mio — ele murmurou, dando uma
mordidinha na minha bunda. — Você tem muita carne aqui, Deus me
abençoou muito.
Ri de sua bobagem, aos poucos eu estava recuperando tudo o que
havia perdido, em meu corpo não havia mais as marcas tão presentes da
desnutrição, nem manchas de hematomas. Apenas no meu pulso, por causa
das correntes usadas no poço. Algumas cicatrizes seriam permanentes, mas,
igual àquela que havia em minha perna, essas aqui significaram vitória.
— Você foi abençoado? — brinquei, lutando contra o gemido quando
sua língua começou a brincar comigo.
— Claro, você é minha, isso significa que esse seu corpo maravilhoso
também é meu. — O calor dele esquentou as minhas costas. — Consegue
perceber como só olhar o arco dessa bunda linda me deixa?
Ele esfregou o pau entre as bochechas, suas mãos apertavam a minha
bunda, massageando, depois ele subiu a massagem por minhas costas,
fazendo-me arrepiar com a lascívia.
— Quem quer um sexo gostoso de aniversário? — Rocco murmurou
em meu ouvido, mordiscando o lóbulo da minha orelha.
— Com certeza, eu quero… — Respirei fundo, sentindo-me pulsar e
ficar molhada. —… Começar meu quarto de século em grande estilo.
— Abre as pernas só um pouquinho mais, eu vou começar bem
devagar.
— Rocco, sem torturas hoje — lamentei, obedecendo.
Desde que consegui ultrapassar o último obstáculo, e pude entregar-
me a ele completamente de novo, fazíamos amor quase todos os dias. Depois
daquela primeira vez louca, ele passou a me tomar sem pressa, sempre ele
percorria cada parte do meu corpo, beijando, lambendo, fazendo-me chorar
de tanto prazer, enquanto implorava para gozar.
Era como se assim me dissesse que não havia pressa para nada, e que
ele adorava todas as nuances da nossa intimidade.
— Quem disse que eu te torturo? — Ele riu. — Só porque eu adoro o
seu corpo devagar, como se eu tivesse todo o tempo do mundo?
Mordiscou minha bunda de novo, depois me virou como se eu fosse
uma boneca.
— Assim, agora me dá essa bocetinha que eu vou me fartar.
— Rocco… — Respirei fundo, observando-o apoiar minhas coxas em
seus ombros e me expor para seu prazer.
Ele não me avisou, e eu só tive tempo de cobrir a boca antes de gritar
quando ele abocanhou meu clitóris e o sugou com força. Meu corpo inteiro
sacudiu, em choque pelo prazer surreal que espiralou por cada terminação
nervosa. Mal conseguia controlar a respiração, ou aquela sensação de estar
sendo consumida.
Minhas pernas tremiam, os pensamentos abandonaram-se, era como
estar no céu e ao mesmo no inferno, o prazer beirava o insuportável.
— Por favor, mais devagar, Rocco! — Ofeguei, puxando seu cabelo,
ele havia deixado a barba crescer de propósito, para me matar no dia do meu
aniversário.
— Você aguenta. — Riu, arreganhando meu clitóris e o golpeando
com a língua endurecida. — Diga-me, você gosta disso? Quer que eu pare?
Arqueei, quando ele me penetrou com um dedo, começando um vai e
vem lento, que sincronizava com a mamada gostosa que ele dava em minha
boceta. Outro dedo se juntou ao primeiro, e depois um terceiro, eu quase
desfaleci quando tocou meu ponto especial, senti que queimava, minha
respiração falhando, ele estava me virando do avesso.
Formigava, tremia, doendo com aquela construção que seria capaz de
me nocautear. Abri a boca para gritar, mas Rocco colocou dois dedos nela e
eu os chupei, quando explodi como fogos de artifício.
— Que gozada, me molhou todo. — A voz dele me fez tremer,
quando o olhei, Rocco crescia sobre mim, o pau duro, orgulhoso.
Ele estava realmente molhado, e não parecia se importar com isso.
— Agora, vamos para o segundo round.
Havia um sorriso de pura satisfação masculina, ele esfregou o pau nas
minhas dobras molhadas, satisfeito por me fazer vibrar com cada golpezinho
em meu clitóris inchado e sensível.
— Sente como é gostoso quando nos conectamos assim. — Ele
gemeu, a voz rouca, embrutecida pelo prazer. — Dio santo, nunca vou me
acostumar.
Ele me penetrava devagar, fazendo-me sentir cada centímetro de seu
comprimento. Rocco sabia exatamente como eu gostava, e eu sabia que
quando faltasse pouco, ele empurraria com força, fazendo-me experimentar o
encaixe apertado e dolorido.
Era tão bom.
— Gosta assim, não é? — Ele enterrou-se até o fim, dando-me aquele
sorriso pecaminoso, devasso.
— Eu amo. — Estendi as mãos, passando as unhas por seu peito forte,
levemente peludo. — Vem, grandalhão, me fode gostoso.
— Amore mio, não provoca, eu quero pelo menos uma hora aqui…
A babá eletrônica nos avisou que tínhamos no máximo quinze
minutos porque nosso filho começou a fazer barulho. Rocco fez uma careta,
mas então ele ajustou o agarre em mim, segurando nos meus quadris.
— Vamos na velocidade máxima, se masturbe enquanto eu te fodo.
Tremi inteira, ele piscou um olho e começou a me foder rápido, duro,
com força. Só tive tempo de engolir o lamento e fazer como ele havia
mandado. Parecia que eu ia fragmentar, cada vez que ele puxava e batia de
volta, rápido demais para que eu pudesse pensar. Sentia-me massageada por
dentro, ele sabia todos os meus lugares secretos e mexia os quadris para
atingir cada um deles.
— Não pare! — ordenou, quando percebeu que eu ia tirar os dedos do
meu clitóris.
Sentia-me queimando, os líquidos escorrendo e me deixando tão
escorregadia que o barulho que fazíamos era obsceno.
— Delícia de boceta, me deixando todo molhado. — Ele rosnou. —
Meu pau está brilhando.
— Rocco, por favor, mais forte, eu vou gozar — implorei, brincando
com meu mamilo, apertando-o um pouco.
— Que visão do caralho, gostosa.
Rocco apertou minha cintura e perdeu o controle, eu sabia que ele
estava perto de gozar, e por isso me entreguei ao prazer que já me afogava.
Não precisei dizer nada, ele sentiu quando minhas paredes internas vibraram
ao redor do pau teso.
Ele fez uma careta de sofrimento, arqueando-se todo, o corpo duro, os
músculos saltados enquanto gozava dentro de mim. Senti-o pulsar, alagando-
me com seu prazer.
Deus, ele era tão perfeito. Como que podia? Rocco conseguia me
arrebatar até nos momentos de mais pura vulnerabilidade, como agora. Ele
me deixava saber o quão entregue ele estava ali comigo.
— Amore mio. — Ele ofegou, desabando em cima de mim. — Feliz
aniversário.
Eu o abracei, e nos breves instantes que usamos para acalmar nossos
corações, o choro do nosso filho soou alto e forte.
— Ele é um pequeno empata-fodinha — Rocco murmurou, o rosto
enterrado na curva do meu pescoço. — Eu vou buscá-lo, antes que ele tente
saltar do berço.
Rocco levantou e correu para o banheiro, depois de se limpar, ele se
apressou para o quarto do nosso bebê. Aproveitei para levantar e tomar um
banho rápido. Quando voltei para o quarto, meu marido e filho me esperavam
na cama.
Gianne estava com os cabelos escuros bagunçados e a carinha de
sono. Ele sorriu ao me ver e estendeu os braços para mim.
— Mamma.
Eu o peguei, ajeitando-me na cama com meus amores.
— Bom dia, bambino. — Cheirei o pescoço dele e quase derreti com
o perfume gostoso de bebê.
— Vou buscar a mamadeira dele, eu já deixei pronta.
Sorri para o homem mais incrível do mundo, quando ele saiu do
quarto, voltei a atenção para meu filho. Olhar para ele era o mesmo que
encarar Rocco, apesar de os olhos de Gianne serem exatamente como os
meus, ele lembrava Rocco, os traços, os cabelos. Nas fotos que minha sogra
havia me mostrado, era como estar diante de uma pequena cópia.
Já sabia que, quando ele estivesse adulto, ambos seriam muitos
parecidos.
— Você vai arrebatar uns corações por aí, não é? — Comecei a tirar
sua roupa, para trocar sua fralda. — Eu tenho certeza, mas eu vou te ensinar
que o amor é uma boa coisa e que não precisa ter medo. Você vai crescer,
observando como seus pais se amam e vai perceber como isso é bom.
— Mamma, papa. — Gianne segurou meus cabelos, sorrindo e me
deixando louca de amor. — Amooo, mooo.
Ele tinha dentinhos pequenos, quando sorria, as covinhas apareciam.
Era lindo, perfeito.
— Você é o amor da minha vida todinha. — Beijei sua barriguinha.
— E eu? — Rocco entrou no quarto, com a mamadeira na mão.
— Você também, grandalhão, vocês dois são os amores da minha
vida toda.
Rocco sorriu, pegando nosso filho e o aninhando ao peito, para dar a
mamadeira. Observei os dois juntos, tal qual ele fazia quando eu estava
amamentando, agora era minha vez de observar a interação pai e filho.
A conexão entre Rocco e Gianne era surreal, ambos se encaravam,
admirando-se. Para mim, era nítida a adoração que o meu marido tinha pelo
nosso filho, tanto que aquecia meu coração com um sentimento bom, mas tão
bom que transbordava.
Rocco me olhou, e talvez tenha percebido o quão emocionada eu
estava.
— Vem aqui, Pequena — ele me chamou, e eu me aninhei ao seu
lado, enquanto o observava alimentar nosso filho. — Tudo o que eu mais
queria era ter vocês na proteção dos meus braços. — Rocco suspirou. — Para
mim, tê-los aqui significa tudo para mim.
Apesar do sorriso carinhoso, os olhos do meu amado estavam úmidos.
Eu sabia que ele havia atravessado um enorme caminho cheio de pedras e
espinhos. E apesar de ele não me contar exatamente o quão difícil foi, eu
sabia que ele havia sido machucado demais, estava em seus olhos, no medo
que eu enxergava quando ele chamava por mim e eu demorava a responder.
— Eu te amo tanto, Rocco. — Acariciei sua barba, inclinando-me
para beijá-lo. — Você é o homem mais incrível e forte que eu conheço, te
amo muito, muito mesmo.
— Eu sou forte porque tenho vocês aqui, seguros comigo. — Sorriu.
— Sem vocês, não passo de um alguém perdido, que não sabe nem classificar
as emoções. Sou inútil sem você, amore mio.
— Grandalhão…
— Tudo bem, chega, não é dia para lamentar nada. — Ele ergueu a
cabeça como se buscasse controlar-se. — Vamos comemorar seu aniversário,
a família toda estará aqui, não consegui expulsá-los dessa vez.
— Você fez disso um hábito, eles não se importam mais. — Ri
baixinho, Gianne estava mordendo o bico da mamadeira.
— Vou roubar vocês e morar em um lugar que não vou contar a
ninguém. — Rocco bufou, eu dei uma risada alta e fui acompanhada pelo
meu filho. — Estou falando sério, tenho uma vila na Itália e poderemos viver
na costa da Sicília. Não terei que ver minha casa sendo invadida todos os dias
pela multidão da nossa família.
— E você ainda quer mais filhos — provoquei.
— Então, eu quero, com certeza. — Ele piscou o olho. — Mas eu
quero também poder ficar somente com vocês.
— Amor, você sabe que eles iriam nos encontrar em qualquer lugar.
Ele concordou, e o assunto morreu. Às vezes eu não tinha certeza se
Rocco falava sério ou se estava apenas brincando.
Mais tarde, conforme a família foi chegando para passar o dia, Rocco
se mostrou muito feliz, ele estava divertindo-se com os amigos e com meu
pai. Depois do almoço, eu precisei subir com Gianne para ele tirar a soneca,
acabei dormindo também, e quando desci, já de noite, um jantar belíssimo
estava me esperando.
A família toda estava por ali, e diferente do ano passado, eu não sentia
nenhuma rusga que tirasse o brilho de emoção daquele dia.
Era o meu aniversário, e eu estava rodeada pelas pessoas que eu mais
amava. Até Jason, que estava tentando se entender com Maddie, apareceu
para me prestigiar.
— Brother. — Eu o abracei e ele riu.
— Bonequinha, você pensou que eu não viria?
Havia um brilho de diversão em seus olhos, ele parecia inclusive mais
jovem.
— Já sei, vai dizer que está estampado na minha cara que eu estou
apaixonado? — Acenei. — Rocco já disse isso assim que cheguei. O bastardo
do seu marido gosta de dizer que eu estou prestes a ser enlaçado, o que ele
não sabe é que eu já fui.
— Como está Maddie?
— Bem, recuperando-se. — Ele franziu o cenho, como se lembrasse
de algo. — Ainda resta um longo caminho, mas ela confia em mim
cegamente, e não teme se entregar ao que estamos construindo, ela me ama.
Dá para acreditar?
— Claro, você é incrível. — Ele balançou a cabeça.
— Não sei, não, mas admito que seria capaz de fazer qualquer coisa
para vê-la feliz.
— Isso é muito bom, Maddie precisa de alguém como você, forte,
companheiro e apaixonado. Eu sei que vocês serão muito felizes juntos.
Sua resposta foi um sorriso, depois, ele foi atacado pelos cachorros e
correu com eles para fora de casa.
Voltei minha atenção para a minha avó, ela estava sorrindo para
David, ele dizia algo em seu ouvido. Observei como eles parecia entrosados,
a cada dia, eu notava que eles se faziam muito bem, e que eram perfeitos um
para o outro.
— Filha? — Um toque suave em meu ombro chamou minha atenção,
era tia Laura sorrindo, segurando um bilhete. — Rocco pediu para te
entregar.
De fato, olhando ao redor, não o avistei. Tampouco meu filho, que foi
entregue a William assim que eu desci.
— Obrigada, tia.
Desdobrei o papel, e com a letra bonita de Rocco, li:
Te espero no nosso lugar especial. Venha para nós, amore mio.
Lá fora, o pôr do sol se iniciava, e eu corri, sem dizer a ninguém para
onde iria. Quando cheguei, avistei Rocco sentado no banco com nosso filho
no colo, sentei-me ao seu lado.
— Amore mio. — Ele sorriu, colocando Gianne sentado no banco.
Depois, Rocco se inclinou, pegando uma caixa belíssima, de madeira
entalhada e com uma pedra preciosa incrustada no topo. — Seu presente de
aniversário.
Ele estendeu-me a caixa, ela não era muito pequena, parecia-me maior
que uma caixa de sapato tradicional.
— É linda, Rocco.
— Abra — incentivou, e eu obedeci.
A primeira coisa que avistei foi a miniatura do Coliseu de Roma,
depois a foto restaurada de Rocco, a que eu havia arrancado da porta do meu
guarda-roupa.
— Eu te disse que guardaria as nossas lembranças — ele murmurou, e
eu não segurei o choro emocionado. — Mas também tomei a liberdade de
adicionar outras tantas.
A pulseira de identificação que Gianne recebeu na maternidade, a
primeira roupa que ele usou para vir para casa e uma foto dele sorrindo em
seu aniversário de um ano, o que eu não estava. Esses itens faziam parte das
lembranças que ele havia adicionado.
Havia um CD também, e fotos nossas.
— Você se lembra disso? — Ergui a tirinha com as fotos que tiramos
na cabine de Roma.
— Sim, amore mio, eu lembro de tudo, inclusive do que senti.
Olhei para Rocco, ele estava sorrindo, encarando-me.
— Eu juntei nessa caixa as suas e as minhas memórias, dos momentos
que mais nos fizeram felizes, e que foram marcantes. — Ele apontou para o
CD. — Você deixou para nosso filho, mas você não sabe o quão necessário
ele foi na minha vida quando tudo… — Seus olhos se encheram de lágrimas.
— Quando tudo esteve tão difícil.
— Grandalhão…
— Nessa caixa, eu guardei o nosso amor, e o protegi, agora estou
compartilhando com você, para que juntos possamos enchê-la com novas
lembranças, de uma vida longa e feliz.
Eu não tinha palavras para descrever o que eu senti, o homem diante
de mim era o mais lindo, incrível e perfeito do mundo. Rocco não escondia
sua vulnerabilidade, tampouco o quão importante era nosso amor para ele.
— Eu te amo tanto. — Solucei baixinho, ele sorriu, erguendo a mão
para limpar as minhas lágrimas, e só então, eu pude reparar que ele havia
adicionado uma nova tatuagem às que já tinha.
Segurei seu pulso, e abaixo daquela faixa escura que marcava o final
das datas em algarismos romanos, havia uma nova data.
— Que data é essa? — Acariciei a pele avermelhada, ele deve ter feito
durante a tarde.

VII.X.MMXVI
— Sete de outubro de 2016 — traduziu e na hora eu soube. — O dia
em que eu te encontrei de novo.
Tendo apenas o cuidado de não machucar meu filho, pulei em cima de
Rocco e o beijei. Ele me segurou em meio a uma risada emocionada. Nos
braços um do outro, desfrutamos de um pôr do sol mágico.
Na intimidade de nossas bocas, pude provar o sal de suas lágrimas de
felicidade.
Eu tinha absolutamente tudo o que precisava ao alcance dos meus
braços.
Rocco
Abril, 2021.

Quando recebi a ligação da minha irmã, dizendo que Victoria havia


passado mal, não pensei em outra coisa senão correr para casa. Eu estava
tremendo, morto de preocupação porque não fazia ideia do que poderia estar
acontecendo.
— Onde está a minha esposa? — Cheguei aos berros, e Dandara, a
governanta, apontou para a escada.
Notei que estava tensa, todo mundo sabia que qualquer coisa
envolvendo minha mulher ou filhos era suficiente para me enlouquecer.
— No quarto, senhor, sua irmã está com ela.
Corri para as escadas, subindo de três em três degraus. Quando
cheguei, Antonella estava andando de um lado para outro.
— O que diabos aconteceu? — perguntei, agitado, o coração prestes a
explodir no peito.
Na cama, observei Victor, o meu filho bebê, adormecido, enquanto
Gianne brincava com um carrinho no chão.
— Estamos esperando para saber — minha irmã respondeu, depois foi
bater na porta. — Victoria, Rocco chegou.
— Não quero vê-lo! — A voz de amore mio soou alta e clara, ela
parecia bastante chateada.
Olhei para minha irmã sem entender nada. Ela deu de ombros,
balançando a cabeça.
— O que está acontecendo? — Fui para o banheiro, quando testei a
maçaneta, a porta abriu. Aliviado, constatei que ela não havia se trancado. —
Amore mio?
Fui recebido por uma toalha na cara, digo, uma bola de toalha.
Confuso, segurei o tecido, enquanto encarava a minha esposa.
— Não quero falar com você! — Victoria estava pálida, soluçando de
tanto chorar.
— O que eu fiz? — Protegi-me de outra bola de toalha. — Amore
mio, você está estressada?
Ela deu-me as costas e apoiou os braços na pia, o corpo bonito,
redondo e gostoso me deixou duro. Ela estava só de calcinha e sutiã, eu mal
podia esperar para abraçá-la.
— Estou entrando — avisei, antes de invadir o banheiro e fechar a
porta atrás de mim.
— Fica aí, não quero falar com você!
Seus ombros delicados sacudiam, ela estava balançando a cabeça,
chorando e murmurando coisas num português apressado.
— Pequena, o que está acontecendo? — Ergui as mãos, ela estava
brava.
Victoria ergueu a cabeça e encarou-me. Ela ficou vermelha, e eu, de
alguma forma, me senti culpado pelo que estava acontecendo, mesmo sem
saber o que era.
— O que eu fiz? — Aproximei-me devagar, nunca tinha visto amore
mio tão brava, e ao mesmo tempo desconsolada.
Talvez ela estivesse realmente estressada, o atelier estava numa fase
incrível, porque Victoria seria responsável pela passarela principal da semana
de moda de Nova Iorque. Gianne estava com ciúmes do irmãozinho e nós não
estávamos conseguindo dormir quase nada.
— Me deixe, Rocco — ela murmurou, virando-se para a pia de novo,
os ombros encurvados.
Mesmo sob seus protestos, eu me aproximei.
— Sabe que não posso te deixar, vamos lá, converse comigo. —
Toquei seu ombro, e isso foi o suficiente para ela se jogar nos meus braços e
chorar. — Shh, calma, me deixa te abraçar, não importa o que tenha
acontecido, eu prometo que vou resolver.
— Não vai. — Soluçou, negando contra meu peito.
— Eu vou, eu sempre resolvo — prometi, acariciando seus cabelos
longos e macios.
Eu a abracei apertado. Nunca tinha visto Victoria tão apavorada. Ela
agarrava-se a minha camisa como se não pudesse fazer outra coisa.
— Você está se sentindo mal? Eu estou preocupado, por favor, amore
mio, me diga alguma coisa, eu corro o risco de enfartar a qualquer momento.
— Eu não estou bem — lamentou, encarando-me.
Por um instante, eu precisei me concentrar, o impacto que o olhar dela
ainda tinha sobre mim era devastador, eu sempre me perdia, afogando-me
naquela perfeição esverdeada.
— Estou enjoada, com sono, e a culpa é sua — acusou-me.
— O que eu fiz? — Cocei a cabeça, um tanto confuso. — Você quer
dormir mais? Eu fico com as crianças, posso tirar um tempo de férias, para
que você possa descansar. Me perdoa se você está sobrecarregada. Juro, eu
fico com eles. Gianne e Victor nem dão tanto trabalho.
Os olhos dela brilharam, as lágrimas escorrendo. Porra, como era
linda, eu a amava tanto que às vezes pensava que ia morrer.
— Eu fico com nossos filhos para você descansar, eu prometo.
— Mas você já faz isso.
Victoria suspirou, o queixo tremendo enquanto ela lutava para se
controlar, sem conseguir. Eu ainda não sabia o motivo concreto, e isso estava
me deixando cada vez mais preocupado.
— Então eu posso fazer mais — prometi, notando que os seus seios
estavam vazando leite. — Acho que nosso bebê está com fome. Vem,
Pequena, você alimenta nosso bambino, e eu vou ficar com eles para que
possa descansar. Depois, eu venho cuidar de você, farei uma massagem,
como você gosta.
— Rocco, não seja um fofo, enquanto eu quero te matar!
— Amore mio, estou tentando entender, o que eu fiz?
Eu pensei que estivéssemos chegando a um acordo, mas parecia que
não.
— Então, o que eu fiz?
— Você me engravidou de novo. — Soluçou, encarando-me. — Eu
quero te matar!
Por um momento, pensei que não tinha escutado direito.
— Você pode estar enganada — murmurei, engolindo em seco,
porque ela ficou vermelha e isso me deixou preocupado.
Victoria soltou-me e foi até a pia. Observei quando recolheu cinco
testes e os estendeu para mim.
— Todos deram positivo.
Olhei para os testes na minha mão e os conferi. Todos confirmavam o
que ela havia acabado de me dizer.
— Amore mio… — Não pude esconder a felicidade que me dominou.
Victoria estreitou os olhos, e eu a puxei para meus braços, beijando-a como
um louco. — Vamos ter outro bebê!
— Rocco, nós já temos um bebê! — Sua voz de choro me deixou
querendo guardá-la dentro do peito. — Victor tem três meses! Meu Deus,
como eu fui cair naquela sua história de que eu estava protegida por estar
amamentando? Você me enganou!
— Quando a gente namorou depois do período de resguardo?
— Sim!
— Pequena, não fique brava, eu estava com tanto tesão acumulado, os
soldadinhos do papai estavam superprontos.
— Eu vou te matar! — Ela deu um tapa no meu ombro, mas eu ri.
— Só se for de amor, eu aceito.
— Meu corpo ainda nem voltou ao normal, Gianne está dando o
maior trabalhão e você está feliz porque estou grávida de novo. Você é louco!
— Por você com toda certeza, e por nossa família mais ainda.
— Você não está pensando, Rocco.
— Como eu não ia ficar feliz? — tentei argumentar. — Você é a
mulher da minha vida, eu te amo, ter filhos com você é um presente. Diga-
me, você não quer esse bebê?
— Claro que eu quero, eu amo o meu bebê, mas eu estou
desacreditada que caí no seu papo de leitor.
Não pude evitar rir, eu a convenci de que poderia transar sem
camisinha porque tinha lido “em algum lugar” que as mulheres no período de
amamentação estavam seguras e não poderiam engravidar.
Bom, eu estava errado.
— Vamos ter outro menino, então, eu terei minha própria tríade.
— Eu quero uma menina. — A voz da minha mulher me trouxe à
realidade.
Fiz careta, Deus sabia que eu não podia ser pai de menina, ele não me
castigaria tanto assim.

Vinte de outubro de 2021 - Seis meses depois

— Vamos ver aqui, acho que já podemos saber os sexos. — A


doutora sorriu, enquanto eu segurava a mão de Victoria.
Nós estávamos esperando gêmeos. Imagine a minha surpresa? Eu
quase tive um enfarte, Victoria ficou louca de felicidade. Quando dei a
notícia à família, Dimitri gargalhou, me chamando de bastardo sortudo,
William manteve-se naquela sua pose aristocrática, mas eu pude perceber que
estava muitíssimo feliz por mim.
— Estou ansiosa, doutora. — Victoria sorriu para mim, ela estava
curtindo essa gravidez, apesar da barriga estar enorme, e ela ter mais
desconfortos, eu a notava conversando com os bebês, fazendo planos, toda
sonhadora
Aquele pequeno interlúdio, quando descobrimos, passou tão rápido
quanto começou. Nós queríamos esses bebês, estávamos ansiosos pela
chegada deles.
— Então, doutora? Diga-me que temos um garotão. — Usei todos os
pensamentos positivos que eu tinha, desde que Victoria começou a me
provocar alegremente dizendo que pelo menos um dos bebês seria uma
menina.
— Só um instante… — Meus olhos estavam pregados à tela. — Aqui.
— A médica sorriu, nos olhando. — Victoria, você está certa, temos uma
menina.
Meu fôlego travou, comecei a rezar. Com os olhos colados à tela,
implorei para que o outro bebê fosse…
— Outra menina. — A doutora deu um sorriso enorme. — Parabéns,
vocês terão gêmeas.
— Dio santo.
Senti as minhas pernas amolecendo, na verdade, meu corpo todo
estava fraquejando. Pela primeira vez, eu senti que poderia desmaiar.
— Rocco, amor?
— Calma, amore mio, eu preciso sentar um minutinho.
Eu pensei que não tinha condições de ser pai de menina, porque Deus
era minha testemunha de tudo o que eu já havia feito na minha vida. Eu fui
muito devasso, já corrompi patrimônio público, transei como um louco, antes
de conhecer Victoria, eu não valia nada. Só me tornei um homem de família
depois que ela entrou na minha vida, mas em matéria de safadeza, Dio santo,
eu achava até que tinha ficado ainda pior.
Minha esposa aflorava meus instintos mais primitivos, e apesar da
carinha de inocente, ela me acompanhava em cada ato libertino entre quatro
paredes.
Agora, só de pensar em algum marmanjo chegando perto das minhas
princesas com essas intenções…
— Eu mato. — Esfreguei a boca, preso naquele ciúme louco.
E elas ainda nem tinham nascido.
— Grandalhão, tudo bem? — A voz de Victoria me chamou atenção,
estávamos sozinhos na sala, a médica, grazia a Dio, havia nos deixado.
— Eu acho que vou enfartar, sério, está tudo rodando. — Apoiei a
testa na cama, ao lado de Victoria, ela acariciou meus cabelos, compadecida
do meu desespero.
— Amor…
— Não posso ser pai de menina, amore mio, eu vou ficar louco.
— Vamos tirar de letra. — Ela me passou muita confiança, mesmo
que eu percebesse o ar de riso.
— Não ria de mim — reclamei, ainda abalado.
— Grandalhão, eu estou tão feliz. Não tem por que se desesperar, a
gente vai conseguir, e você vai ser um pai de menina incrível, você já é um
tio incrível, Victoria te ama.
— Tudo bem… — Respirei fundo, levantando. — Faremos isso, eu
sempre quis ser pai de menina.
Então, curvei-me sobre a barriga dela, beijando-a.
— Amo muito vocês duas — murmurei, sentindo-as chutando como
se dissessem que também me amavam.
Depois, quando saímos do consultório, eu só quis chegar em casa e
segurar Gianne e Victor nos meus braços.
Em nosso quarto, ligamos a TV e acolhemos nossos filhos. Gianne
assistia concentrado e Victor estava aninhado nos meus braços. Olhei para
Victoria e ela sorriu, acariciando a barriga redonda.
— Obrigado, amore mio, por me dar uma família grande e barulhenta.
— Não escondi dela que era refém daquela felicidade ímpar.
Eu tinha a vida dos meus sonhos.
— Eu te amo, Rocco. Nossa família é muito mais do que eu sonhei.
— Estendi a mão para acariciá-la e ela entrelaçou nossas mãos. — Sua
tatuagem vai crescer.
— Sim, ela vai. — Sorri.
Ainda haveria muitas datas para que eu eternizasse, porque todos os
dias ao lado daquela mulher eram especiais.
— Juro, Victoria, nenhum homem será capaz de amar uma mulher
como eu te amo.
Em seus olhos, eu percebi que ela podia sentir cada uma das minhas
palavras.

"Há em cada um de nós, até os de paixões mais moderadas, desejos verdadeiramente


temíveis, selvagens e contra toda a lei. E isso se evidencia claramente nos sonhos."
Sócrates (469-399a.C)

E viveram Felizes
para Sempre...
Fim!
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Final
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Epílogo
Victoria
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Outros livros da Autora
Redes Sociais

[1] Não, pelo amor de Deus, não faça isso, estou prestes a…
[2] Latim - Que sua alma apodreça no inferno.
[3] Teste criado pela anestesista inglesa, Dra. Virgínia Apgar. Método utilizado para avaliar o ajuste
imediato de um recém-nascido à vida extrauterina, avaliando suas condições de vitalidade conforme
tabela.
[4] Graças a Deus.
[5] Amor do papai.
[6] Pavimento de bordo de um navio, especialmente os descobertos.
[7] Serviço utilizado quando o usuário de uma linha telefônica precisa fazer uma chamada de outro
país.
[8] Traje de cerimônia masculino, sendo também conhecido como Black tie.
[9] Parque localizado no centro de Londres.
[10] Minha linda flor.
[11] Merda, em russo.
[12] Nosso filho.
[13] Manter-se em um ciclo de constante repetição.
[14] Porra.
[15] Não, por favor.
[16] Meu amor?
[17] Sim, sou eu.

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