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Os ventos falam uma antiga língua, a muito esquecida pelos ancestrais humanos,

mas, existem certas noites que deixar de ouvi-lo é impossível. É instintivo você prestar
atenção em cada sussurro que ele insiste em mandar para dentro de seus ouvidos,
empurrando todo elemento pútrido que nossa atmosfera pode carregar diretamente para
nosso inconsciente. Ninguém entende, mas quem sente isso, sabe o quão marcado isso
ficara em suas entranhas.
Em uma noite particular, o zéfiro vinha com gana, cortava a pele de qualquer
pessoa na ilha. Ilha a qual pertence apenas a seu único habitante. Lugar peculiar,
peculiar ao ponto de nem mesmo os raios de sol se atreverem a tocar uma folha sequer
desse recinto odioso. Ao redor, apenas sombras do que deveriam formar uma floresta
tropical, é possível ver a silhueta das palmeiras ao leste, abanando fortemente junto ao
vento, correndo a pequenos morros no horizonte. Uma vida tranquila, eu poderia
afirmar. Se não estivesse algemado a um grande bloco de argila. Sua superfície marcada
com opíparos hieróglifos, um mais rico em detalhe que o outro. Sempre adorei buscar
mais e mais sobre antigas civilizações, mas isso, isso não pertence ao meu mundo.
Eu não sei como vim parar nessa situação. Eu não sei aonde estou e tudo indica
que nunca saberei. Eu sequer sei a quanto tempo estou aqui. A única certeza que tenho é
que eu já deveria estar morto pela fome, meu corpo desgasta lentamente à medida que
minha mente piora, alucinando. Minha sanidade está fadigada.
As algemas que me predem não são pesadas, parecem serem incrivelmente
quebradiças. Mas ao me soltar, correria para as escuras águas turbulentas pra ser
engolido pela maré? Subiria no mais alto moro implorando por socorro
desesperadamente em busca de um navio cargueiro? Gritar... Minhas cordas vocais
sequer podem funcionar nesse lugar. Nessa vida. Nessa simplória realidade.
A lua surge. Clareia tanto quanto o sol. Sombras, são sempre essas sombras
malditas que se mexem quando não estou olhando, eu sei, eu sei que elas se mexem. Eu
sei que esse lugar todo esta contra mim, movimentando-se lentamente como peças de
um jogo de xadrez, eu sou um rei sem exército, eu sou um rei torturado pelos meus
inimigos, talvez possíveis amigos. A floresta está cada vez mais perto, eu apenas tenho a
minha visão e irei perde-la também? De que adianta se até mesmo meus próprios olhos
podem me trair nesse lugar. Eu não posso confiar nem mesmo nos meus mais profundos
pensamentos sobre mim mesmo, afinal, não sei quem sou.
Eu sempre olhei para frente, odeio a sensação de olhar para trás e me arrepender,
pode mudar tudo repentinamente, as vezes as respostas não estão na nossa frente, mas,
nas entrelinhas de nosso próprio espaço-tempo, sendo ele totalmente pessoal de cada
pessoa, de cada indivíduo.
Me deito naquele grande bloco de peso incalculável. Meus olhos estão fechados,
eu não sei se quero abrir para ter uma visão mais ampla do meu redor. Às vezes, estar
preso em algo pode ser melhor doque se abrir e tentar explorar o porque de sua prisão.
Os ventos cortam meus ouvidos com seus sussurros, implorando para eu despertar
minhas pupilas de seus sonhos íntimos com a casualidade e enxergar a dor. Eu sei que é
dor. É um sentimento que floriu meu peito a meses, me ofuscou perante tudo e todos.
Que todos? Eu não sei. E enquanto me deixo levar por inquietantes pensamentos, eu sou
observado por grandes olhos viçosos me apunhalando, como se soubessem exatamente
oque ver diretamente de minhas costas. Era mais confortável não ter essa cena. Era mais
confortável não ter a ciência de que existe algo que saiba de minha vil existência
naquele lugar asqueroso. Eu estou de olhos abertos.
O sol surge. Estou acordado. Não existe nada além das sombras ao meu redor.
Não existe olhos imaginários no céu. Um delírio? Eu devo estar com insolação...
Malditas sombras, eu sei que é a maldita magia que vocês têm que poluem esse chão.
Eu sei que isso tudo é culpa de vocês. Como eu vou estar são se minha mente esta
infestada do ar fétido que tudo nesse lugar exala.
Minhas pernas não aguentam o peso do meu corpo, corpo o qual eu me lembrei
agora da existência. Não posso olhar para baixo, sinto que não tenho mais pele para
sentir, músculos para correr ou órgãos para viver. Sinto como se os meses que passei
nesse lugar eu estava sendo devorado por vermes, vermes cadavéricos que passaram
cada segundo roendo tudo que podiam de meu material orgânico. Ainda sinto eles em
meu estômago, me digerindo mordida a mordida. Caio de joelhos. A lua se sobrepõe ao
sol. Não existe mais sol. Eu sabia... As sombras agora andam, não eram uma linda
paisagem como eu gostaria que fossem. Eram os mais abomináveis seres que uma
mente doentia poderia descrever. A minha está no ponto ideal apenas para apreciar o
inalcançável. O irreal. O surto de uma mente a beira do colapso de si mesma.

Eu vejo um último lampejo. Doce seja o mel de minha última visão.

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