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SUMÁRIO

© 2010, Raúl Antelo


© 2010, Editora UFMG

Uma versão reduzida deste livro foi publicada originalmente por Siglo XXI
Editores Argentina em 2006.

Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem
autorização escrita cio Editor.
Antelo, Raúl. 1 '-ITl<ODUÇÃO - O VIDRO E OS INSETOS 9
A627m Maria com Marcel : Duchamp nos trópicos / Raúl Antelo. - 10
Pesadelo e retorno
Belo Horizonte : Editora UFMG, 2010.
Movimento e comunidade negativa 12
385 p. : il. - (Humanitas)
Dados 15
O encontro cio objet-dard 20
Inclui bibliografia
Mise à nu ou desnudamento 24
ISBN: 978--85-7041-776-.3

1. Duchamp, Marcel, 1887-1968 - Crítica e interpretação. 2.


Martins, Maria, 1900-1973. 3. Anarquismo 1. Título. II. Série. CAPÍTULO l - ANARQUISMO, ANARTISMO 29

Urinóis ready-mades 29.


CDD: 701.18 35
Dreier & Duchamp
CDU: 7.072.3 43
O anarquismo, o criollismo e as luzes
Elaborada pela Dl1TI - Setor de Tratamento da Informação ela Eterno retorno 46
Biblioteca Universitária da UFMG O encontro diferido 50
Cubificar a nação 52
A festa tecnológica 53
Esta obra é resultado de pesquisa desenvolvida em 2004 com apoio da Fundação
Lehmann-Nitsche 60
Guggenheim e constitui o primeiro ensaio a fim de pensar, conjuntamente, a obra
Origem e imagem 61
de dois pilares do modernismo internacional.
Calemburs no Senado 65
Estereoscopias 71

DIRETORA DA COLEÇÃO Heloisa Maria Murgel Starling


ASSITÊNCIA EDITORIAL Eliane Sousa e Euclídia Macedo
EDITORAÇÃO DE 'ffiXTOS Maria do Carmo Leite Ribeiro CAPÍTULO II - A IMAGEM LÍQUIDA E OS ESPELHOS 81
REVISÃO E NORMALIZAÇÃO Michel Gannam 81
Mar, máquina e imagem
REVISÃO DE PROVAS Cláudia Campos e Patrícia Falcão
PROJETO GRÁFICO Glória Campos - Manga Modo de ser, mais de ser 89
Mar, mãe, monumento 94
FORMATAÇÃO E CAPA Thiago Campos, sobre esterografia duchampiana
de 1918-1919 Espelhos 98
PRODUÇÃO GRÁFICA Warren Marilac Anamorfoses 103
Antropofagia 1939 105
Vodu e novo mundo 111
EDITORA UFMG
Av. Antônio Carlos, 6.627 1 Ala direita da Biblioteca Central I Térreo
Campus Pampulha 1 31270-901 Belo Horizonte/MG I Brasil
Te!. +55 31 3409-4650 1 Fax +55 31 3409-4768
www.editora.ufmg.br I eclitom@ufmg.br
CAPÍTULO VI

WASH\NGTON & BOLÍYAR


ALEGORIAS DE GÊNERO E ORIGEM

AMÉRICA, ÁSIA
Em Brahma, Gandhi, Nebru, Maria Martins relembra que,
l'IU seu primeiro sermão, em Bernaris, o Gautama proclamou a
superioridade da dor: "O nascimento é dor, a velhice é dor, a
moléstia é dor, a morte é dor. Dor é a união com o ente amado,
como dor é a separação de quem se ama. A satisfação do desejo
é dor, não conseguir a realização do desejo é dor." Maria entendia
que todo o pessimismo de Schopenhauer derivava também dessa
doutrina sem esperança, porque tudo que não é Brahma é dor
e sofrimento, como ensina um dos Upanishads. O homem sofre
porque julga que da vida poderia tirar prazeres e é em nome dessa
vontade de viver, desse "desejo de vir-a-ser" que a criatura passa
de reencarnação em reencarnação. Nesse sentido, o Bagadavada
Gita afirma que o universo não passaria de um brinquedo que
Deus se ofereceu a si mesmo. "Com seu poder de magia [observa
Maria) fazia os homens rodopiar como bonecos autômatos em
1
um imenso e belo cenário."
Por sua vez, ao entrar num penetrável de Soto, Mutilo Mendes
dizia descobrir a metamorfose do labirinto em passagem livre.
Não era a simples evasão. A evasão é uma necessidade muitas
vezes constrangedora. Era a libertação como vitória sobre a falsa
luz, sobre a Medusa. "Libertar-se equivale a ressuscitar, a mudar2
os valores da vida, compreender e aceitar os limites da matéria."
Para elaborar esse conceito, Murilo também dizia basear-se no
Upanishad:
O movimento do mundo desdobra-se sob . d. - Para Borges não se tratava de meros exercicios retóricos,
contínua estabilidade A _ ª rreçao de u111.1 porém de questões éticas cujas fontes ele retira do livro sobre
reciprocidade de tod. mutlaça_o aparente traduz a infinit,1
imóvel ( ) e ., as as. re açoes possiveis
., ·. na consciêru i,1 budismo niilista de um filósofo argentino, Vicente Fatone. Não
· · · orno cada objeto no · , C· fortuito que o budismo atraia tão poderosamente o modernismo
o universo inteiro sob um d universo e verdadeíramcnn-
e seus aspectos · , • . periférico -Maria Martins, Murilo Mendes, Borges - porque
também d. . 1 . . . mumerave1s, ass1111
, ca a a ma individual é Brahma olhand . 1 ' ele nega, de fato, a permanência do eu, negando, outrossim, a
e todas as coisas de o-se e e rnesn 11 ,
portanto não siro'p!es ::sc:;~~i! ~~~s~iência cósmica. Isto i· anulação. Borges julgava ver nessa convicção uma "diferença"
parte, no tempo e no espaço, idênríco ai ~nt~o sempre e em tod.i (anacrônica, absurda), um diferimento ocidental a um espaço
O
Numericamente , . , . em tempo e do espa~·< ), asiático. Contrariamente ao romance ocidental, que descansa no
, O uruco e o múltiplo são termos i 1
adequados a sua essencial identidade.! gua menti- evento irrepetível, o budismo acredita que não existe tal evento
ou que ele não passa de uma vaidade do simulacro cósmico."
Jorse Luís Borges era mais um que acreditava ,
doutrina budista, que afirmar a identidad
.. .
. ' a partu dn
--
...
ni~ta fornece indispensáveis -------.
elementos -----
Para a vertente nominal do modernismo periférico, o budismo
para fugir da coerção
Retomando os argumentos do fund d e era a pior das heresias.
Veículo, Borges dizia ue oh
série de opções. q
a or da escola do Grande
ornem se defrontava perante uma
--
identitária nacionalista. Até certo ponto, a recíproca se verifica
também notsurrealismo etnográfico) que lançará mão de imagens
, latinQ-:americanas para alargar as bases do universalismo de
--- --
pós-guerra.
Ser, não ser, ser e não ser, nem ser nem nã . As origens dessa posição do ~lisij:ioetnográfico têm de
refutou a possibilidade dessas alternativas N odser'. Naga:Ju~a ser pesquisadas, por sua vez, nos antecedentes de Guillaume

que o Nirvana é N-

e os atributos teve ta bé

ç A
O
· ega as a substancia
Samsara, também não e:~u:o:gar sua extinJão; se não há
Samsara e e errôneo dizer
AP9li~ e seu círculo. Apollinaire, cujo livro Há foi prefaciado
por Ramon Gomez de la Serna, tinha um autêntico interesse
- , . ao menos erroneo, observou, é afirmar ~ pela cultura latino-americana. Conservava, em sua biblioteca,
e:en~:o e, porque negado o ser, fica também negado o não ;~: uma edição d;-&rnãn êortez, de 1730, As plêiades de
q- pende (ao menos verbalmente) daquele "N- h,. b' ,
nao há conhe · - , . · ao a o jetos, Gobineau (1874), as ExcursõespelasduasAméricas(l876-1877),
de Edmond Cotteau, e as Cenas da vida selvagem no México, de
!n~:rn~;~n~~~e~; ~;~ :: ~;i~~::~ªdC:~~ã:áh!e::~~~~ç:
Gabriel Ferry, editadas por Charpentier em 1882. Interessava-se,
obtenç~o não h-'' a~n 10
b que_ leve à aniquilação da dor, não há
, a nao o tençao do Nirvana" adverte vivamente, pela arte asteca, atração que se revela, entre outros
sutras do Grande Veículo O t f d , -nos um dos casos, numa resenha de Matisse ou num poema dedicado ao
, , . · u ro un e em um só pi 1 .
natono. o universo e a liberação, N.1rvana e Sarnsara ano
"Nin a uci-
, Douannier Rousseau (1908), pintor de paisagens "mexicanas". Em
se extingue no Nirvana .. . . guem artigo para o Paris-journal (18 jul. 1914), Apollinaire destaca as
inumeráveis seres no' N p~rque a ~xtrnção de incomensuráveis,
rrvana e como a extí - d coleções mexicanas e peruanas de Paul Guillaume; nesse mesmo
fantasmagoria criada num lance de mágica "A rn~:'º - e uma ano, ele resenha a exposição do paisagista mexicano Gerardo
e se chega a negociações de _ . · negaçao nao basta
e també , . . negaçoes; o mundo é vacuidade Murillo, o dr. Atl, cujos títulos de nomes indígenas chamam-lhe
d a vacuidade . os primeiros
tinham dm Ie vazia . . livros do cânon poderosamente a atenção.6 Destaca, assim, o valor hieroglífico,
. ec ara o que o Buda, durante sua noite sa da . .
o infinito encadeamento de tod f . gra ' mtuiu associando-o aos "ideogramas" da dupla Duchamp-Villion. Daí
deriva a Lettre-Océan [Carta-Oceano}, escrita a seu irmão Albert,
~:~~~i~o;;::~l~s depois, argu::n~:~ :~~st;dc;~~~~~:i!!i:C:~
no México, em involuntário ready-made, no verso de um cartão-
no Ganges e ou:::::it~:~~Ganges como ~á grãos de areia -postal onde se lê: "República Mexicana. Tarjeta postal. Mayas",
novos Ganges , d :'nges como graos de areia nos legenda que se mistura com o próprio poema, um dos marcos
, , o numero e graos de areia. sena
. menos ue 0
numero de coisas ignoradas pelo Buda." q da poesia vanguardista. Em seu romance A mulher sentada há,

227
226
próprio vazio. Não raro, esta segunda vertente aproxima-se da
ainda. ' a esse res peito,
· varias
, • descrições d . • . .
menmos vestidos de Indi . e c~mas mdígcn:1•, alegoria e do simbolismo para, através deles, devolver materia-
d tos e menmas vestíd , d ' l idade à sensibilidade moderna. Essa materialidade foi, em certa
ançam em roda da Europa d A , . I as a ama antiga q111
e a menca' cantando em coro: medida, plasmada pelo primitivi~mo awericano, de presença
~ mar ~epara os dois esposos
Sao as ingentes núpcias de dois continentes
De um deles Jorra
· ·
--
marcante entre os surrealistas.
Didier Ottinger argumenta que mais do que a arte africana,
colecionada por cubistas e fauvistas, aquilo que atraía profunda-
um navio através d
A Europa fecunda a Améenca . o oceano, mente os fil!f.íealis~s er3- a arte indígena das A~i.cas. Breton e
A Europa ' palavra viri
· ·1 na linguagem
• ' c1· 1 , . Eluard teriám comprado, já em 1927 e em Paris, umas bonecas
Ou seja, internacional, que vem a ser ~~ oma.u_ca
Ouve-se distintamente o artigo masculiniances.
----
katchinas, reproduzidas por La Révolution Surréaliste no número de
outubro desse mesmo ano. Também em 1927; a Galerie Surréaliste
Enq~anto o artigo feminino marca bem ' organiza uma exposição que confronta telas de Yv~__9guy e
Na lmgua das Naçoes,- ou língua francesa
"objetos da América", e é nesse mesmo ano, ainda, que Maria
O sexo da América '
Marti~s inicia sua primeira coleção d~~ré-colombia~ no
A Europa estende f'renencarnente
E a América expõe-s tod b
, e,

a a erta
a r' . d . ,
rgi a penmsula de Amor .~ -
Equador. O poeta surrealista espanhol Juan Larrea, - a quem já
citamos como tradutor das notas duchampianas sobre o infraleve,
La, onde
Amor o istmo urru
subi' , 'do nos trópicos , estremece.
une, nascem naçõ d iniciou também, em 1J3,0, uma coleção de pe~geruanas que,
Cujos esponsais os elemen::sf esse desmedido casal mais tarde, Paul -~ivêt~xpôs no ~useu do Trocadero e que,
on • avorecem
avio prossegue na sua viagem fecundad finalmente, seria doada por Larrea "ao povo republicano da
Os ventos
·t enfunam as· velas, e gemem ora, Espanha". Como, por último, a coleção veio a ser incorporada ao
E gn ama voI'upia· dos gigantes que se' arnam.? Museu Arqueológico Nacional de Madri, sob a ditadura de Franco,
Iarrea, considerando que assim se tergiversara sua intenção, escreveu,
Pouco antes de morrer A 11. . em 1960, CorOJl~~i_ça, para ser fiel aos dois derrotados, os
respeito de totens em Le M' po (in6aire chegou a escrever a
tópicos qu~r;duze ercure 1 nov. 1917 e 1 fev. 1918) peruanos e os republicanos, legítimos proprietários dessas obras,
m em seu poema "Le ' e, portanto, decidiu abrir seu livro com uma particular alegoria
e Dakar"
d • - [Os suspiros d s soupirs du servant
o escravo de Daca J d primitivista, a da heterogênea combinação de valores europeus
totêmicos." Em todos r' on e alude a rituais
- esses casos O rec , e ameríndios, no saber do desenhista e etnógrafo indo-_p~ruano
sempre, para um artista como A , . - . urso a a~itiva é
aguçar o antimimetismo van pdo_llma1re, um modo pertinaz de Felipe Huamán Poma de Ayala. Trata-se, então,. d~ma sorte
guar tsta, de retogíÕdearei~~estereoscopia portátil, à maneira de
---·--- Duchamp, que configura a aliança (política, sexual) por infraleve,
entre o Norte e o Sul, como no caso de A mulher sentada. É uma
PRIMITMSMO AMERICANO alegoria composta
Há, portanto, depois dessa ex . • . . . de dois andares superpostos: andar térreo e altos. No andar
P_?deroso do modernismo f' periencia pioneira, um veio inferior se desenha "Castilla en lo abajo de las Indias" ["Castilha
~ ~)
que trabalha por ' a irmar . -se
. ao 1 ongo dos anos de abaixo das índias"]. E no cimeiro, ungidos por um Sol que penteia
/ uma arte indícial -
seus esplendores no horizonte de píncaros, repousam as Índias
com uma ontologia legitimad 1 ' que nao mais opera
volta ao triunfo do mod . a pe a tautologia mimética, nem se do Peru, no alto da Espanha. As noções de acima e abaixo, tão
ermsmo pedagó • , relativas para o moderno saber, descobriram na mente do
1 ado, enfrentada ' contrapesaa mesmo' gico. · E• ha também, ao contristado artista antípoda um ponto ele referência novo; um
que ainda não se resigna .ª pnmeira, uma vertente
d ª que o sentido
o acaso associativo não rem t d
t
~e orne uma variável
ponto de referência que certamente não é físico ainda que se
' e en o a mais nada do que a seu
229
228
valha de representações f .
seu e t , 1 isicas para verter a , • 1·sn1ltura Totem do amor (1950), provavelmente a mesma que,
on euc o transcendental Castilh matena transmíssn l'I 1111111a carta de 6 de maio de 1949, Duchamp denomina Amour
encasteladas, ocupa em seu ~s a, a das almas misticanw1111
cordilheira anclina f: , quema a terra ou andar té .. ,
/1u11r combien d'autant mieux(Tanto amor quanto melhor]. Uma
ele roie ;- 'u ana de seus planaltos é rrco. A 1 igura masculina, com chapéu em bico, também dessa coleção,
~ J çao cios povos castelh , algo como o t·1 ·1,
entao a. cruzar, em um . 1 anos que tã · 1 · 1· muito semelhante àquela que Tzara e Apollinaire reproduzem
N- d sa ve-se quem d o me mados se v··1,1111 1·111 L'art Océanien (A arte da Oceaniafê195l)_e as máscaras
a~ . e outro modo para Dant "" er, o Mar Tenebros, >.
-relígíosa "Paraíso" descansava es, ob conteúdo da espécie mític:o transformistas dos kwakiutl, no~; e nã'êolumbia Btitânica,
uma pa o re uma m t 1 . sao as que mais surpreenderam Breton, pois nelas captava-se a
. ragern determinada do b f' . on an 1a ingente <.:111
ficado peJos seus grandes ras or e isico ' q ue pode ser idem i ressonância de um intercâmbio paradoxal, como o do potlach.
a que a consciência pública Jeos como América cio Sul. Devklo Além do mais, essas mesmas máscaras multiformes êrãm, para
:~ment:o, elita identificação as n:ssa cul~r-a legitimou, no seu Breton, uma prova da espiritualidade, igualmente polimorfa,
OJe com o nome de "Cruz do Sul'~og'.'1fias ~elestes designam dos escultores primitivos.11 Sensibilizados por esse debate,~ /
d~ Tahuantinsuyo formado a certo simulacro espectral
dantesca Cruz do Sul" na qual~~~quatr~ lagos austrais - "ti
cios Rosa-crnzes, prendeu sem n Dano, o mais desorbitaclo
soberana Rosa elas ross
sas. 9 ' reparar nas espinhas , su,1.
--Ernst e Barnett Newman, em 1_2i6, organizaram uma exposição,
na galeria Betty Pars.5m de Nova Iorque, North~11dian
Pa~:!:!_i?!:E, muito marcante do ponto de vista conceitual, mais do
que propriamente temático.
Por outra parte, em seu Trésor de lapoésie universelle (Tesouro
cartNesse ritmo dos ritm 1
ograftas posteriores deosT en açam-se , . 1 taneamente as
simu da poesia universal], publicado em 1.22§ pela Gallimard, R_gger
Maria Arguedas, para nos mostnorres Garcia, 1ezama lima ou José ' Caill2g, divulga não poucas peças..,!!!"'#anas, colhidas por Alfred
por uma dimensão primordí i ou- a paradoxal busca surrealista Métraux, ou retiradas de volumes como o já citado Lerídã;:crêrzças
sensibilidade. Ela se man ºf. t~ que configuraria o grau zero d· e tá&mãs dos índios da Amazônia de P.-L. Duchartre, ilustrado
-p Exposition surréaliste d'o1b~sta, entre tantos outros exemplos a ------·
por Re[o _Monteiro, ou Folclo~_c_hileno de Jacques Soustelle.
ond -- - zets 0936) d 1 -,.___;_:
( , na

--
e uma vitrine dedicada ao~ '. a ga eria Charl~~ Mas lembremos que, muito antes, em 1942, Breton já solicitara
por Dt~amp e Man Ray obiet ~s exibe objetos reunidos
!
em chamar objetos-deus ~-, os que André Breton não hesita
chegada, André Breton. i~~:eem_ ~ova Iorque, logo após a sua
-
a Benjamin Péret que fizesse um estudosobremitos, lendas e
contos populares da América por ver, no mito, um estágio primi-
tivo da poesia e um modo de enfraquecimento do racionalismo
nas sociedades modernas.12 Dessas pesquisas de Péret deriva,
Warburg e, em partic~la; p neta o pelas pesquisas de Aby
em que Atenas e Oraibi 'se or seu estudo sobre a serpente ritual
etambém a recolher obl)etos-puebl
ar_~bac_!?,
I na Terceíra
.
Averuda
enlaçamAfraternalmente
7 o. 1 .
OJa do
,
antiquário
ro dedí
1ca-se,
Julius
em última análise, a convicção manifesta por Geraldo Ferraz de

áreas mais propícias ao entendimento dãcÕncep~ e à prática,


r
que o surrealismo podia "considerar o Brasil e os Brasis uma das t
13
obngatória entre o~rrealist~sorna-se, tºr esses anos, referênci~ na vida, na nossa vida, dos seus métodos mais eficientes" . Em '-
peças ameríndias Dele
entr

autoria, Há també b
Gu .
.
. ' que a 1 acudiam em busc d
' precisamente M .
e outras, uma máscara es . ,

m onecas katchinas
, ana Martins com rará
muit~ em sintonia co~ A ~;;_1;.o representando o deus Is;nuk:
ete, um bronze de 1950 d
.
a e

, e sua
--
1942, ainda, Jack~on ~ck pinta The Moon Woman (A mulher
cÍál{ia], seu primeiro quadro inspirado por mitologias indígenas,
às quais visa emprestar a universalidade fundamental de toda
arte verdadeira. Precisamente, uma das peças da coleção Maria
C ggenhe:m dedica ao surrealismo na expos1ç~o que Peggy Martins, comprada de Julius Carlebach, é uma placa de madeira
entury. Sao os anos em que . , em sua galena Art of this policromada dos esquimós, que evoca o homem que, a partir
começa a reunir esculturas e, m, onentada
.. por B• ~º!l..Maria Martins da lua, vigia os animais. Barnett Newman, decidido a repetir
a experiência de 1946, organiza, mais adiante, em 1952, uma
mas sobretudo amerí;dia'
--
a_sc~s africanas (aduma fan
cultura haida, conservad~....,e(emsgu1mo). Um totem policro~ado :g)
sua coleção , pode ter mspiraclo.
da'
a --
nova exposição de ~rte pré-colombiana, dessa vez n;Wakefield
--
231
230
Gallery de Nova lorqu e, com os mesm
dúvida porque ela constitui, para o espírito e o coração, a atmos-
ou Maria. Não há nas peç , . os argumentos de Polfod,
'f . - as ai reunidas nad d fera sem a qual o indivíduo não poderia viver. Se o ser físico não
e tnogra icas, formas de ex .;- b . ~ e curíosídadr-,
pode subsistir sem ar, o ser sensível não pode senão estiolar-se
subdesenvolvidos sa~o c _pr~ssao rutaís e pri~ pov(1•
) das- -·-- · naçoes s bl" ., e degenerar sem liberdade. Vista sob esse ângulo, ela torna-se
de artistas animados d u imes e altamente sofística portanto um elemento quase físico, de um valor inapreciável,
.,...___ as mesmas dúvida · • '
mesma busca de alternar· d s, inquietações e th assim que se rarefaz. É essa uma concepção rudimentar, quase
ivas, a mesma c , . ,

l h omens atuais. Aí se e
d ncontram verdade.
o presente - dizia Barnetr Newman 14
oragem indomável dos
rramenrs, as questões
animal da liberdade. De modo que, enquanto os homens não
conseguiam elevar-se acima desse nível, é fácil privá-los dessa
liberdade elementar; mas, assim que ela lhes falta,' o indivíduo
Comovemos , esse interesse
· Qela aro · . . . , . torna-se totalmente incapaz de ver um palmo adiante da cerca
com o movimento paradoxal do potí~tiva amermdia associa,
em que foi encerrado. Primeira conclusão: deve-se tomar cons-
resgate e transgressão , , d- . --. h, os valores extremos d<.'
' passa o e porvir sac lídad ciência da liberdade assim que ela foi conquistada e preservá-la
re1 ígíão e política mort "d ' ra e e intercâmbio
' e e vi a Baste c ' ciosamente de todos os ataques.
questões, tão contemp A • orno expressão dessas
oraneas como contrad"t' .
apenso por Benjamin Péret , . i onas, o preâmbulo A adjuração de Danton: "Audácia, audácia, audácia sempre!" está
quilombo dos P~lmares f: a sua pesquisa sobre a rebelião do longe de ter perdido a atualidade. Com efeito, a única culpa do
i.d- . -
eia ---
libertária daCom ' be
ato em que se lê, antecipadamente
-- --=- una, m como certa soe· 1· -
.
'
a homem tem sido a pusilanimidade. Nunca será excessiva a sua
que evoca a filosõffa de Fo . ia izaçao comunitária sede de liberdade. Se ele não tem bastante sede, deve-se suscitá-
--"--uner' tão enconua . da por Breton.
-la, excitá-la cada dia mais a fím de que a concessão arrancada
De todos os sentimentos que fe ·1 ontem sirva apenas para prepará-lo a reclamar ainda mais amanhã,
o anseio de liberdade , rvr ham no coração do homem até a satisfação completa. Mas o homem conhecerá um dia a
e certamente um d . . '
a sua satisfação é uma da . - os mais imperiosos e sociedade? Isso significaria que os desejos humanos são limitados
Por isso quando o ho s condições essenciais da existênc1·a ou que, segundo Marx, é possível admitir um fim da história.
' mem se vê · d ·
enquanto não a reconquista d prrva o dela, não tem sossego Tudo contraria tal asserção. O homem é antes de tudo um ser
limitar-se ao estudo d ' e modo que a história poderia que deseja, mas cujas aspirações são refreadas há tanto tempo
os atentados c t .
esforços cios oprimid . . on ra a 1 íberdads e dos que ele conserva delas apenas uma consciência intermitente. Ora,
os por sacudir O 1·u
Se a ânsia de liberdade , ;- . go que 1 hes foi imposto. nada se poderia basear de vivo e duradouro, nada que pudesse
e tão viva no cora ;- d
paradoxal que ele a te h d . çao o homem não é alargar o campo magnético do espírito e do coração, fora do
n a eixado arra • '
vez? Na realidade a su - ncar, ainda que uma só prolongamento crescente desses lampejos de consciência e de
' a supressao brutal f 'd
agudas, parece súbita na medíd ' avorect a por crises sua intensificação. Enquanto o "mais luz" de Goethe moribundo
a ela permaneceu desperceb1'd1aaDem _qdue a evolução que conduz não se tiver tomado a regra cotidiana de cada um, a liberdade
t • ev1 o a um · 'd
ornou-se iminente e se , inci ente, o perigo iluminará apenas os ratos concentrados em solapar o edifício em
- ns1ve 1 para todos ., -
em açao adquiriram em 1 ' mas Ja entao as forças cujo cimo ela tremeluz.
. ' gera , uma autono · f' .
que o movrmenm prossig . mia su rerente para
A • a automaticamente t,
quencías extremas Poi1 . a e as suas conse- Os negros do quilombo dos Palmares não aspiravam senão a essa
. s quem teria podíd • .
eras, que a divisão do trabalho no . I o imagmar, nas priscas liberdade elementar sem a qual a existência humana já não tem
um dia, estendendo-se f; d sero da família engendraria sentido. Eles não compreenderam nem podiam compreender que
d ora o seu círculo · · · 1
e epois a impiedosa sociedade ca . . micra ' a escravatura, somente conseguiriam atingi-la ultrapassando-a, era preciso que eles
mais atroz que o sistema . pitalísta, sob muitos aspectos a exigissem, não só para a sociedade que haviam edificado, mas
antenor de exploração.
também para todos os que, no Brasil, sofriam a sorte a que eles
De_ fato, tudo se passa como se o ho . . haviam querido escapar criando o quilombo. Era impossível a esses
à liberdade como a partir d mem Jamais aspirasse tanto negros, havia pouco arrancados à sua floresta natal, elevar-se a
o momento em que. a perdeu , sem
essa concepção do sacrifício necessário para o triunfo da causa
que defendiam. E, entretanto, o sacrifício se consumou apesar

232
233
ideias-força do modernismo pedagógico: forte liderança pesso:11,
deles, e, tal qual, permanece exem 1 .,
esforço de emancipação dos h p ar. _Parece alias que, de, l'Stadolatria, nacionalisnÍÕcul.turâl: --
holocaustos oferecidos a es libertacã subsistem antes de tudo < ,~
sa I ertação n · -
as aspirações de uma , . . ', os quais estao figuradas Entre as figuras empolgantes do princípio do século passado,
. epoca inteira. E como se o . .1 Simón Bolívar, O Libertador, aparece em primeiro plano. Num
dissessem às gerações ehamadas a sucedê los "N, s opnmic rn, paralelo entre este herói e Napoleão Bonaparte, ambos se igualam
porque nos enganamos p . -, : os perecemos
. rocurai onde está o nosso erro." pela genialidade, pela energia audaciosa, pelo amor à glória.
Mas Napoleão enriqueceu à custa da Revolução. Bolívar, rico de
Os negros dos Palmares ,, d' nascimento, deu sua imensa fortuna à causa da libertação da sua
suas forças condenava nao po iam saber que a exiguidade de
a sua empresa desde a ori I terra natal e moo-eu pobre. Napoleão conquistou países civilizados:
ravam que a sua aspiração fundamental , gem. gno-
se fosse extensiva ao co . d so se podena realizar seus exércitos tinham estradas para caminhar. Bolívar fez esforços
um fim com - njunto os negros do Brasil unidos por sobre-humanos para vencer enormes distãncias através de caminhos
fim não just~:~ :t:ei:;orrendo aos mé_todos do inimigo. O impraticáveis, atravessando, por entre os maiores perigos, a
. · um e outros sao interdep d Cordilheira dos Andes, com o frio intenso ou o calor escaldante
pois constituem os anéis indefi . d en entes,
cadeia perpétua. m amente multiplicados de uma a lhe dizimar o exército formado de um punhado de bravos,
suportando os maiores revezes com tenacidade inquebrantável.
Napoleão colocou com suas próprias mãos uma coroa na cabeça.
O quilombo representou a rea - · • . Bolívar rejeitou a que lhe ofereciam. Ambos conheceram a glória
em diversos pontos do BrasiiªºÉmstm~va e n~rmal dos negros
constituiu uma e·ta , . · preciso, pms, concluir que e depois o infortúnio. Ambos, nos seus últimos dias, se voltaram
pa necessana da ema · , - d para Deus. Mas Bolívar era mais perfeito como tipo de herói: além
o ~uilombo, as insurreições dos negr:~1~:ç~ h~s negros. Sem
tenam podido existir? Nã , d , a ta (1817-1835) da sua inteligência iluminada, da sua coragem, da sua audácia
• A • o e e crer. E efetivam t espantosa era também o homem belo, insinuante, encantador,
expenencia cios quilombos h . en e porque a
carne dos escravos e . avia penetrado profundamente na adorado pelas mulheres. Todos os seus biógrafos lhe exaltam as
descartaram então ess~~~~~~;;~;;;;shz~~s-~ensíveis, qu~ eles qualidades entusiasticamente.
reições prepararam a ab 1· - d uvi a que essas insur-
o içao a escravatura q d • - Ainda há pouco saiu, em tradução portuguesa, o livro de Tomas
fosse atraindo para a condíiçao
_ dos negros no, Bra
uan ·1o mais nao
- Rourke, Bolívar, o cavaleiro da glória. O autor, cheio de impar-
de homens penetrados do espírito do século XVIII.~: a atençao cialidade depois de anos de estudos e pesquisas sobre a vida do
Washington da América do Sul (um Washington mais glorioso
que, pelas circunstâncias, teve que lutar muito mais num país
completamente inculto), apresentou seu livro num caráter leve
BOLÍVAR de leitura agradável, entrelaçando os episódios guerreiros com
anedotas interessantes dosando dessa maneira a aridez do
Mas não se trata ao menos na Amé . assunto exclusivamente militar com as passagens da vida amorosa
somente o passad; primordial T- be_nca Latina, de resgatar tão
do grande Libertador.
constituição das fronteiras con~n::tai:i:~ trocesso i~forme de
passa a ser revisitado e parcialmente '. . ~ngo do seculo XIX, Diz Tomas Rourke que, desde criança - criança rebelde,
autonomia continental'face às metré , r~1vind1ca~~ como ápice da voluntariosa, cheia de personalidade - Bolívar conquistava todos
de 1943 p 1 . opo es coloniais. Em fevereiro com sua encantadora pessoa. E enquanto descreve as cenas da
-· ·' or
perfil de Bolí exemp o, Tarsíla
-- Amaral traça um inquietante
do . meninice e da juventude irrequieta do herói, já não é ele, mas
de Pai , - rvar q~e promove, simultaneamente ao quilombo sim o próprio Bolívar quem, com o seu dom de captar simpatia,
mares, uma insubordina - d - continua ainda conquistando-nos para a glorificação da sua
América com vistas à consolid:ª~ as ~op~a~oes mestiças da
gralmente o texto de Tarsila ç ~ nacional. Transcrevo inte-
por ne e se condensarem várias das

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