Você está na página 1de 11

Discurso e construção de

sentido em documentários
críticos da agricultura industrial

Priscila Muniz de Medeiros


Docente do curso de
Jornalismo - Ufal
• Estudos da retórica versus estudos do discurso – menos foco na
manipulação consciente que o indivíduo faz da língua e mais foco nos
aspectos históricos e culturais que permeiam as escolhas linguísticas

• Diferentes abordagens (AD, ACD…)

• As formações discursivas (FOUCAULT, 1969)

Preocupação com a
materialidade linguística:
análise do discurso não é
(apenas) interpretação do
discurso
A metáfora da guerra

Depois da Segunda Guerra Mundial, a batalha com a


natureza se tornou uma guerra irrestrita. Químicos
produzidos para explosivos e agentes neurotóxicos
foram reformulados como fertilizantes e pesticidas e
depois pulverizados sobre terras agrícolas em todo o
mundo (narrador em GMO OMG).

A indústria do agronegócio não produz alimento e não


colabora com a natureza. De fato trabalha baseada na
guerra contra a natureza. E todos os produtos
químicos inventados para a guerra contra os homens
foram transferidos para a agricultura: pesticidas,
herbicidas, agente laranja, produtos químicos
significam a morte das pessoas. Não admira que
pessoas continuem morrendo (Vandana Shiva em O
veneno está na mesa 2).
A Primeira Guerra Mundial é, de fato, a erradicação do campesinato franco-germânico, que foi
massacrado na linha de frente, milhões de camponeses foram mortos. Então, essa eliminação do
campesinato foi concluída pela Segunda Guerra Mundial. Depois se acrescenta a tudo isso a síntese
de amônia, que permite a fabricação de bombas e que depois permite a fabricação de fertilizantes de
síntese. E depois a invenção do gás mostarda, que vai dar em que? Que vai dar em todos os
inseticidas, que são gases de combate. E com o Plano Marshall, em 1947, os Estados Unidos chegam
com os tratores, que são as sequências lógicas dos tanques. De fato, a agricultura ocidental é uma
agricultura de guerra. (Dominique Guillet em Solutions locales pour un désordre global).

O 2,4-D é um dos componentes do agente laranja. Um herbicida militar. Para ver os inimigos que se
escondiam nas florestas durante a Guerra do Vietnã, o exército americano desfolhava as florestas.
Isso funcionava muito bem, menos para as pessoas que se encontravam embaixo. Milhares de
crianças deformadas nasceram nos anos seguintes. Hoje, as autoridades sanitárias americanas
afirmam que o 2,4-D era o composto menos perigoso do agente laranja. Dow Chemical o vende por
toda parte na Argentina (Narrador em Bientôt dans vos assiettes).

Me dei conta, depois de dedicar mais de três décadas a tentar entender a não violência na atividade
agrícola e entender o conhecimento indígena sobre agricultura, que o que se denomina agricultura
científica na realidade é a agricultura da ignorância. É a agricultura da ignorância porque basicamente
se baseia em armas de guerra. Esses instrumentos de guerra foram adotados pela agricultura com
ignorância a respeito das suas consequências. Nos insetos benéficos como os polinizadores, as
abelhas e as mariposas, nem seu impacto na nossa saúde quando se ingerem esses
produtos (Vandana Shiva em Desierto Verde).
O discurso dos documentários é maniqueísta, pois:
• recorre a arquétipos de bem e de mal (Eros versus
Tânatos);
• Utiliza esquemas binários como bem versus mal,
O discurso mítico/maniqueísta criação versus destruição, guerra versus paz,
liberdade versus escravidão, entre outros;
• Desumaniza o lado oposto; o inimigo raramente tem
face

O discurso mítico
Ao dizermos que os documentários frequentemente
trabalham com um discurso mítico, estamos
afirmando que existe uma correlação entre a forma
de funcionamento dos mitos e a forma como é feita
a construção de sentido de certos enunciados. Tais
enunciados carregam um sentido primeiro e ao
mesmo tempo um outro sentido (o mítico), ligado a
uma memória discursiva mais universal.

(Eros e Tânatos, o herói e o vilão; o mito de


prometeu)
Os diferentes usos do « nós »
• Uso de um “nós” exclusivo e um “nós” inclusivo (Fairclough,1989)

• Nós exclusivo: grupo de militantes que lutam pela agroecologia


• Nós inclusivo: seres humanos em geral, que destroem o meio
ambiente

• Aqui, podemos fazer uma analogia ao discurso religioso, que nos


afirma que, se por um lado somos todos pecadores, marcados pelo
pecado original, por outro, através da religião (com suas instituições e
ministros) podemos buscar a salvação.
As estratégias visuais de distinção
Do lado da Monsanto…
• A humanização da empresa “ Eu amo ser mãe porque eu amo assistir ao Ryan crescer
e mudar todo dia, e as coisas que ele aprende, e as coisas
que ele tem a oportunidade de experimentar, é como se eu
tivesse a oportunidade de vê-las novas pelos olhos dele.
Ser mãe tem um impacto enorme no que eu faço como
cientista na Monsanto, porque no trabalho que eu faço
hoje eu viajo ao redor do mundo para lugares onde
agricultores com os quais nós trabalhamos e a quem nós
damos suporte direto estão cultivando o que eles vão
tentar dar de comer a suas famílias. O trabalho que nossas
equipes fazem e as pesquisas com as quais colaboramos
tem como objetivo principal ajudar a melhorar as
sementes que os agricultores estão plantando. É realmente
importante para mim que à medida que Ryan vá
crescendo, eu o ensine sobre devolver, que ele deveria
procurar maneiras de usar os dons que lhe foram dados
para fazer do mundo um lugar melhor. É realmente
importante para mim trabalhar como mãe e como cientista
para tentar ajudar onde posso
• O discurso da Monsanto é responsivo/reativo – muitas marcas de
interdiscursividade
• O discurso da Monsanto é conciliatório – busca anular a
conflitualidade
• A comunicaçáo da Monsanto assume uma discursividade ambiental

O conflito é anulado no discurso da Monsanto através de uma


estratégia que vai da aproximação entre os dois modelos (industrial e
orgânico) até a afirmação de que se tratam de modelos
complementares na promoção de um futuro sustentável.

Você também pode gostar