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Um dia o senhor Distraído teve de ir ao médico. Mas quando lá chegou já não se lembrava nada
do que lhe doía. O médico perguntou-lhe:
-Então o que é que sente?... O que lhe dói?
O senhor Distraído respondeu de olhar vago:
-O senhor doutor como vai… Sente-se bem?...
E acabou por sair dali sem se queixar de nada e com o estetoscópio do médico pendurado ao
pescoço.
Ao volante, o senhor Distraído era um perigo. Ia sempre tão distraído, tão distraído, a sonhar,
ou a olhar para tudo quanto era sítio, que a mulher estava constantemente a apanhar sustos.
Fazia tangentes aos passeios, andava aos ziguezagues e, um dia, até conseguiu a proeza de
atropelar o dedo mindinho do pé a um transeunte que ia a atravessar a rua.
A pessoa ficou furiosa e pôs-se a gesticular. Mas o senhor Distraído achou que o estavam a
cumprimentar, sorriu e começou a dizer adeus.
Quando ia ao restaurante, o senhor Distraído, em vez de ficar na sala, ia sempre
direito à cozinha; e punha-se com uma colher de pau a mexer nas panelas,
calçava as luvas para lavar a loiça, julgando estar em casa, e esquecia-se de que
ia almoçar.
Depois vinha-se embora, a dizer que se sentia zonzo e com tonturas. E marcava
nova consulta para ir ao médico.
Os amigos, que já sabiam que ele era muito distraído, davam-lhe logo um belo
bife com batatas fritas. E o senhor Distraído arrebitava.
Entretanto a mulher do senhor Distraído, depois de dez anos de namoro, e de mais dez de
casamento, viu que eram anos a mais, que já estava farta de tanta distracção e de gastar tantos
blocos de notas, e mandou-o passear de vez.
O senhor Distraído foi então jogar na lotaria (dizem que azar aos amores é sorte ao jogo!), mas
esqueceu-se do bilhete em cima do balcão. Ou melhor, esqueceu-se de que tinha jogado! No dia
em que andava a sorte, o senhor Distraído resolveu ir viajar.
Entretanto conheceu uma senhora que também era muito distraída e que andava sempre à procura
dos óculos, que estavam postos na testa.
E lá partiram os dois para muito longe, e nunca mais se soube nada deles. Nem eles próprios.
A esta hora, devem andar perdidos pelo
mundo, esquecidos, mas muito felizes.
Mais feliz ficou o empregado do balcão, que
nunca mais pôs a vista em cima do senhor
Distraído; e que ao ver o bilhete da lotaria
percebeu que estava milionário.
Começou então aos pinotes, a gesticular de
braços no ar, e a berrar muito alto:
- Estou rico! Estou rico!... Muito, muito
rico!... E não sou nada distraído!
Este excerto da obra de Vera Roquette foi
trabalhado com os alunos do 3º e 4º anos de
escolaridade, na BE/CRE O Sabichão, na
EB1 do Prior Velho, para a Feira do Livro
2010, pelo professor bibliotecário Paulo
Gomes.