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Análise Linguística

Recursos coesivos

Professora Carol Lima


RECURSOS COESIVOS

Ivan Ilitch, 1958


Gente, trânsito,
"Trrrim, bocejo, Sol, bom-dia,
Roupão, chinelos, Escritório, 
Gilete, escova, Relatório,
Água, sabão, Telefones,
Café com pão, Almoço, arroto,
Chapéu, gravata, Contas, desgosto,
Beijo, automóvel, Adeus, adeus.
Adeus, adeus.
RECURSOS COESIVOS

Clube, vento, Lar, esposa,


Grama, tênis, Filhos, pijama,
Ducha, alento, Janta, living,
Bar, escândalos, Jornal, cismares,
Pedro, Paulo, Tricô, vagares,
Mulher de Pedro, Hiato, ausências,
Mulher de Paulo, Bocejo, escada,
Adeus, adeus. Adeus, adeus.
RECURSOS COESIVOS

Horas, dias,
Quarto, cama,
Meses, anos,
Glândulas. êxtase,
Cãs, enganos,
Dois em um,
Desenganos,
Dois em nada,
Vácuo, náusea,
Dever cumprido, 
Indiferença,
Luz apagada,
Cipreste, olvido
Adeus, adeus.
Há Deus? adeus".
RECURSOS COESIVOS

COESÃO X COERÊNCIA
RECURSOS COESIVOS
• O texto literário é permeado pela estética e essa
estrutura é construída por meio de informações
sonoras e de efeitos visuais.

• Sua coerência é dada a partir da construção da


competência linguística e textual – o conhecimento
de mundo.

• O poeta faz o exercício da verossimilhança, de


observar o mundo ao redor e retratá-lo sob nova
roupagem, capaz de dialogar com uma estrutura
própria.
RECURSOS COESIVOS

Texto e produção de sentido


“Texto é uma ocorrência linguística, falada ou escrita, de
qualquer extensão, dotado de unidades sociocomunicativa
semântica e formal” (COSTA VAL, 1999, p. 3).
RECURSOS COESIVOS
Nóis mudemo – Conto de Fidêncio Bogo

O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo ao Porto


Nacional.
Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra namorado
nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante era um presépio, todo
poesia e misticismo.
As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes
heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.
– Por que você faltou esses dias todos?
– É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.
Risadinhas da turma.
– Não se diz “nóis mudemo” menino! A gente deve dizer: nós mudamos, tá?
– Tá fessora!
No recreio as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis mudemo!
No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
– Pai, não vô mais pra escola!
– Oxente! Módi quê?
Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
– Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da
mininada! Logo eles esquece.
Não esqueceram.
Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na
segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no
diário de classe e soube que se chamava Lúcio – Lúcio Rodrigues Barbosa. Achei o
endereço.
Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapaz tinha partido no dia
anterior para casa de um tio, no sul do Pará.
-É, professora, meu fio não aguentou as gozações da mininada. Eu tentei fazê ele
continuá, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di tê
ficado na fazenda coa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado.
Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer. Engoli em seco e me despedi.
O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de
minha parte.
Uma tarde, um povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém
me chamou.
Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência
doentia.
-O que é, moço?
-A senhora não se lembra de mim, fessora?
Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstitui num momento meus longos anos de
sacerdócio, digo de magistério. Tudo escuro.
-Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama?
Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:
– Eu sou “Nóis mudemo”, lembra?
Comecei a tremer.
– Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo o seu nome?
– Lúcio – Lúcio Rodrigues Barbosa.
– O que aconteceu?
– Ah! Fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi o pão que o diabo
amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro. Fui boia-fria, um “gato” me
arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como
escravo, passei fome, fui baleado quando conseguir fugi. Peguei tudo quando é
doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante as veis fais coisa sem querê fazê. A
escola fais uma farta danada. Eu não devia tê saído daquele jeito, fessora, mais não
aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui falá direito. Ainda
hoje não sei.
-Meu Deus!
Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada,
comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei
o rapaz, o que restava do rapaz que me olhava atarantado.
O ônibus buzinou com insistência. O rapaz afastou-me de si suavemente.
– Chora não, fessora! A senhora não tem curpa.
Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!
Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas para
mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da
guilhotina. Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós
mudamos… Super usada, mal usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A
gramática faz gato e sapato da língua materna, a língua que a criança aprendeu com seus
pais e irmãos e colegas – e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer
crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas
para aquela idade.
E os lúcios da vida, os milhares lúcios da periferia e do interior, barrados nas salas de
aula:
“Não é assim que se diz, menino!” Como se o professor quisesse dizer: “Você está
errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A
certa sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas
raízes! Diminua-se! Desfigure-se! Fique no seu lugar!
Seja uma sombra!”
E siga desarmado para o matadouro da vida…
RECURSOS COESIVOS
• A coesão é uma estratégia de progressão
textual.

• Desenvolve-se a partir de uma tessitura textual,


em que os chamados “elos coesivos” irão
amarrar e organizar o texto.

• Isso pode ser feito de diferentes maneiras, tais


como: uso de pronomes, de conectivos, relações
entre hiperônimos e hipônimos, sinonímia, entre
outros.
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COESÃO
• E a construção da conexão textual.
• Ligação de todos os elementos de um texto.
• Transmissão de uma ideia adequada/lógica.

Formação de uma rede, teia,


entrelaçamento de fios.
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• A coerência textual está ligada ao sentido


(totalidade do significado do texto).

• Construção de ideias lógicas.

• Pressupõe o conhecimento de mundo do leitor,


bem como do uso de outros fatores: linguagem,
intertextualidade e o gênero textual.
Passeio noturno – Rubem Fonseca

Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas,


contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa-de-
cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da
casa: minha filha no quarto dela treinando empostação de voz, a música quadrifônica do
quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala? Perguntou minha mulher, tira essa
roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar.
        Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre
não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e números, eu
esperava apenas. Você não para de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham
nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na
mão, já posso mandar servir o jantar?
       A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescidos, eu e a minha mulher
estávamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu
filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na
hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos conta bancária conjunta.
       
Vamos dar uma volta de carro?, convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da
novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também
aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos
aos bens materiais, minha mulher respondeu.
Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o
meu carro. Tirei o carro dos dois, botei na rua, tirei o meu e botei na rua, coloquei os dois
carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram
levemente irritado, mas ao ver os para-choques salientes do meu carro, o reforço especial
duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na
ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô
aerodinâmico, Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta,
nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na Avenida Brasil, ali não podia ser,
muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar
ideal. Homem ou mulher?, realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia
ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o
alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos
emocionante, por ser mail fácil.
Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de
padaria ou quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada,
de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia.
Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando
ouviu o som das borrachas dos pneus batendo no meio-fio. Peguei a mulher acima dos
joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda, um golpe
perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para
a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus
cantando, de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em
onze segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido
parar, colorido de vermelho, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio.

Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos para-lamas, os


para-choques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha
habilidade no uso daquelas máquinas.
       A família estava vendo televisão. Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?,
perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando fixamente o vídeo. Vou dormir, boa
noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia. 
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1. Coesão sequencial: união das partes de um
texto, em que não ocorre substituição de
termos.

• Uso de conjunções e preposições (a, de, para


com, mas, assim, já que, então, entre outras).

• Exemplo: “Toda a equipe jogou entrosada.


Portanto, a atacante teve como mostrar seu
bom futebol”.
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2. Coesão lexical: as partes do texto são


interligadas por processos de substituição.

• Aproximação semântica.

• Recursos lexicais: sinonímia, nominalização,


hiperonímia, hiponímia e elipse.
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• Sinonímia: é o processo de retomada de uma


palavra a partir de um sinônimo (mesma
significação global).

• Exemplo: “Os quadros de Gaugin pertencem


ao chamado pós-impressionismo. Em suas
telas, o pintor apresenta um mundo primitivo,
marcado por cores vibrantes”.
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• Nominalização: é o recurso de substituição por meio
da mudança de classe gramatical.
• Uso de um substantivo para referenciar um verbo já
dito; substituição de um substantivo por um
adjetivo.
• Exemplos: “A literatura renascentista libertou-se da
visão religiosa medieval. Tal libertação é retratada
por uma linguagem que busca o belo”.
• “Camões entende o amor como um meio para o
aprimoramento do caráter. Amar era uma delicada
virtude do Renascimento”.
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• Hiperonímia e hiponímia: palavras genéricas
(amplas) que são relacionadas com outras de
sentidos mais específicos. O contrário também
ocorre.

• Hiperônimo (abrangente); Hipônimo (específico).

• Exemplos: Casa (janela, porta, sala, banheiro).

• Texto (frase, oração, parágrafo).


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• Elipse: é a omissão de um termo que é


identificado pelo contexto (orações, formas
verbais e nominais).

• Exemplos: “João escreveu quatro folhas para


resumir a obra; já Pedro, poucas linhas
somente”.
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3. Coesão referencial: ocorre quando o


encadeamento textual faz uso da substituição
de termos.

• Processo de retomada por uma relação de


referência (anáfora e catáfora).

• O pronome irá substituir um nome já


explicitado no texto.
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TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
A fronteira tênue entre heróis e vilões
 
O conceito de herói está profundamente ligado à cultura que o criou e a quando foi criado, o que
significa que ele varia muito de lugar para lugar e de época para época. Mesmo assim, a figura do herói
aparece nas mais diversas sociedades e eras, sempre atendendo a critérios morais e desejos em comum de
determinado povo.
Apesar do protagonismo do herói, o que seria dele se não houvesse um vilão? Nas narrativas, o vilão
costuma ser o antagonista. Os vilões representam aquilo que é errado, injusto, que foge à moral defendida
pelo herói. Por não carregar o protagonismo das histórias, o vilão costuma ser um personagem sem
profundidade, sem dilemas, sem uma história que nos explique o porquê de suas ações. E isso reforça sua
vilania.
Conhecer a história de alguém é um processo humanizador, capaz até de revogar a alcunha de vilão e
conferir ao personagem o título de herói, ou só de uma pessoa comum que tem seus defeitos e qualidades.
Assim, uma maneira de fabricar vilões é não deixar suas histórias serem contadas, é criar uma imagem
sobre esses personagens e mantê-los em silêncio.
 
(MIRANDA, Lucas Mascarenhas de. A fronteira tênue entre heróis e vilões. Ciência hoje, Rio de
Janeiro, 21 nov. 2021. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/artigo/a-fronteira-tenue-entre-herois-e-viloes/.
Adaptado.)
1. Assinale a alternativa que contém os elementos a que apontam, respectivamente, os termos “ele”,
“seus” e “suas”, destacados no texto.

a) conceito de herói, pessoa comum, qualidades.

b) herói, personagem, maneira.

c) conceito de herói, pessoa comum, vilões.

d) herói, personagem, vilões.

e) conceito de herói, personagem, maneira.


2. Morte lenta ao luso infame que inventou a calçada portuguesa. Maldito D. Manuel I e sua corja de
tenentes Eusébios. Quadrados de pedregulho irregular socados à mão. À mão! É claro que ia soltar,
ninguém reparou que ia soltar? Branco, preto, branco, preto, as ondas do mar de Copacabana. De que me
servem as ondas do mar de Copacabana? Me deem chão liso, sem protuberâncias calcárias. Mosaico
estúpido. Mania de mosaico. Joga concreto em cima e aplaina. Buraco, cratera, pedra solta, bueiro-
bomba. Depois dos setenta, a vida se transforma numa interminável corrida de obstáculos. A queda é a
maior ameaça para o idoso. “Idoso”, palavra odienta. Pior, só “terceira idade”. A queda separa a velhice da
senilidade extrema. O tombo destrói a cadeia que liga a cabeça aos pés. Adeus, corpo. Em casa, vou de
corrimão em corri - mão, tateio móveis e paredes, e tomo banho sentado. Da poltrona para a janela, da
janela para a cama, da cama para a poltrona, da poltrona para a janela. Olha aí, outra vez, a pedrinha
traiçoeira atrás de me pegar. Um dia eu caio, hoje não.
 
TORRES, F. Fim. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.
 
 
O recurso que caracteriza a organização estrutural desse texto é o(a)
a) justaposição de sequências verbais e nominais.
b) mudança de eventos resultante do jogo temporal.
c) uso de adjetivos qualificativos na descrição do cenário.
d) encadeamento semântico pelo uso de substantivos sinônimos.
e) inter-relação entre orações por elementos linguísticos lógicos.
3. Considere estas orações:
 
I. O mundo é complexo.
II. Essa complexidade se deve ao encadeamento dos eventos.
III. Não temos consciência do complexo encadeamento dos eventos.
 
Essas orações integram-se com clareza, correção e coerência na redação deste período único:
a) É complexo o mundo, em função do encadeamento dos eventos de cuja consciência não dispomos.
b) Sendo complexo, o mundo enseja um encadeamento de eventos cuja consciência ninguém dispõe.
c) Não se tem consciência da complexidade do mundo, em que pese seu encadeamento de eventos.
d) Tendo em vista o encadeamento de eventos, a complexidade do mundo se dá sem a nossa consciência.
e) Por complexo que seja o mundo, o encadeamento dos eventos se faz sem sua consciência.
4. É um troço que parece violar as leis mais fundamentais da física, lembra um moto-perpétuo mágico ou
coisa que o valha, e tem um nome que mais parece saído da ficção científica. Mas existe, é uma peça-chave
para o desenvolvimento dos computadores quânticos – e pode abrir caminho para a criação de relógios de
altíssima precisão, capazes de funcionar sem energia. Estamos falando de um novo estado da matéria: os
cristais de tempo.
 
NOGUEIRA, Salvador; GARATTONI, Bruno. Disponível em:<l1nq.com/FNfep>. Acesso em: 19 ago. 2022.
(Adaptado).
 
 
No trecho acima, as expressões destacadas
a) indeterminam o referente textual, a saber, “os cristais de tempo”, em função do uso de artigos indefinidos.
b) fazem remissão ao referente textual, a saber, “os cristais de tempo”, em função da utilização de
determinantes indefinidos.
c) antecipam o referente textual, a saber, “os cristais de tempo”, manifestando imparcialidade discursiva do
enunciador.
d) fazem alusão ao referente textual, a saber, “os cristais de tempo”, provocando efeito de suspense no leitor.
5. As experiências concretistas não ficaram restritas à poesia, mas atingiram diversas áreas da sociedade,
entre elas a propaganda. Assim, muitas das características do Movimento Concretista, recorrentes na poesia,
também aparecem nas propagandas, principalmente em anúncios publicitários atuais. Tais influências são
facilmente percebidas, por exemplo, no seguinte anúncio, de uma rede de academia brasileira.

Texto adaptado de informações coletadas em: CABRAL, Gladir da Silva e DAMAZIO, Lucas Pereira. As influências do movimento concretista na
linguagem publicitária. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/21170/11513. Acesso em: 03 jun. 2021.
Analisando algumas relações lógico-semânticas presentes no texto, assinale a alternativa CORRETA.

a) No trecho: "As experiências concretistas não ficaram restritas à poesia, mas atingiram diversas áreas da
sociedade", o termo destacado tem valor concessivo.

b) O trecho "Assim, muitas das características do Movimento Concretista, recorrentes na poesia, também
aparecem nas propagandas" é introduzido por um conectivo de valor temporal.

c) No trecho: "Tais influências são facilmente percebidas", o segmento destacado se refere a ideias
subsequentes, que ainda vão ser colocadas no texto.

d) No anúncio, os enunciados que se iniciam por "Se você for..." indicam causalidade, e a consequência
aparece de maneira explícita: "suas amigas perdoam".

e) No último enunciado do anúncio ("Agora, experimente ser magra."), o conectivo "agora" não tem valor
temporal, mas indica uma mudança na linha argumentativa do texto.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Chegada do Perseverance abre caminho para retorno de amostras de Marte
 
Agora que o rover Perseverance está seguro e saudável na superfície de Marte, vários grupos de
trabalho espalhados pelo mundo podem respirar aliviados e pensar nos passos futuros do programa de
exploração marciana -que vai agora focar seus esforços no cobiçado retorno de amostras de volta à Terra. A
missão atual é um primeiro passo crucial. Afinal, cabe ao Percy, como foi apelidado o jipe, fazer o escrutínio e
a escolha das rochas (comandado por cientistas na Terra, claro) que serão acondicionadas por ele em
pequenos tubos lacrados e ultrarresistentes e depois deixadas, juntas, em algum canto da superfície de Marte.
Ele terá vários anos para fazer isso durante a exploração da cratera Jezero, um dos locais mais promissores
para a busca de evidências de vida pregressa marciana.
Mas e aí, o que vem depois? Nasa e ESA, respectivamente agências espaciais americana e europeia, já
trabalham conjuntamente nos próximos passos, que envolvem pelo menos mais dois, e possivelmente três,
lançamentos diferentes afim de trazer de volta o cobiçado material. Ainda faltam definições, mas trabalhos 20
preliminares sugerem a seguinte sequência.
Em 2026, parte um módulo de pouso com um pequeno foguete, de menos de três metros, instalado a
bordo. Projetada e construída pela Nasa, a nave pousaria próximo ao local onde desceu o Perseverance. E aí,
talvez partindo do próprio módulo, talvez enviado num lançamento à parte, 1um pequeno rover produzido pela
ESA encontraria as amostras e as instalaria no interior do foguete. 2Em paralelo, em 2026 ou 2027, um
orbitador com propulsão elétrica, outra contribuição da ESA, partiria da Terra e se instalaria em órbita ao redor
de Marte. Em meados de 2029, 3o foguete seria disparado (o primeiro lançamento feito de outro planeta!),
colocando a cápsula com as amostras em órbita marciana. Lá ela se acoplaria ao orbitador europeu, que por
sua vez traria o conteúdo de volta à Terra, em 2031.
4
A empreitada toda custaria cerca de US$ 5 bilhões, sem contar os US$ 2,7 bilhões empenhados na missão do
Perseverance. 5A recompensa, contudo, teria valor incomensurável. 6Cientistas já tiveram a chance de analisar
algumas amostras de Marte - meteoritos provenientes do planeta vermelho -, mas nunca com a chance de
escolher quais rochas, conhecendo o contexto geológico de onde elas partiram. E 7amostras trazidas de volta
continuam a render novos resultados por décadas, conforme equipamentos mais sofisticados surgem para
estudá-las. Não à toa, as amostras trazidas pelo programa Apollo, que levou humanos à Lua entre 1969 e
1972, continuam sendo estudadas até hoje. Ademais, é fundamental demonstrar a capacidade de trazer uma
pequena carga de Marte antes que se ambicione trazer uma grande carga - como humanos - em uma futura
missão tripulada.
 Nogueira, S. "Chegada do Perseverance abre caminho para retorno de amostras de Marte". Folha de São Paulo. 21.2.2021, Disponível em:
https://bit.Iv/3bZL69q/.Adaptado
6. A oração "A recompensa, contudo, teria valor incomensurável" (ref. 5) representa uma oposição ao
seguinte fragmento do texto:

a) "...um pequeno rover produzido pela ESA encontraria as amostras e as instalaria no interior do foguete..."
(ref. 1).

b) "...o foguete seria disparado (o primeiro lançamento feito de outro planeta!)..." (ref. 3).

c) "A empreitada toda custaria cerca de US$ 5 bilhões..." (ref. 4).

d) "Cientistas já tiveram a chance de analisar algumas amostras de Marte..." (ref. 6).

e) "...amostras trazidas de volta continuam a render novos resultados por décadas..." (ref. 7).
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
O que nos torna pouco competitivos?
 
Renato Rozental
 
Lamentar a morte de mais de meio milhão de brasileiros por covid-19 é pouco. Esta é uma discussão de
resposta muito clara, quase óbvia. 1Se tivéssemos capacidade interna, poderíamos ter suprido parte das
necessidades do mercado e reduzido o impacto da pandemia no sistema de saúde em tempo hábil. O
quadro de calamidade é resultado de décadas de políticas de incentivo 2___ mera reprodução em vez de
estímulo 3___ capacitação profissional e ao domínio do processo produtivo.
Começar reproduzindo (‘copiando’) não é um problema. 4Basta lembrar 5da história do nylon, fibra
têxtil sintética patenteada pela empresa norte-americana DuPont em 1935 e 6usada para provocar a
indústria japonesa e fazê-la exportar menos seda. A resposta japonesa foi 7contundente e imediata: ‘copiar’
o processo de manufatura e produzir nylon 6 meses após a desfeita. Atualmente, a China domina o
mercado mundial de nylon, seguida por 8Estados Unidos, Japão e Tigres Asiáticos. 9Os chineses
perceberam que, na era tecnológica, “o caminho mais curto para crescer é apostar em três frentes:
inovação, inovação e inovação”.
10
Nesse contexto, 11pergunto: qual é o perfil da nossa indústria farmacêutica? 12Produzimos
genéricos… até hoje. 13Mas a política 14de ‘genéricos’ tem como fragilidade o fato de incluir apenas
medicamentos cujas patentes já tenham expirado. 15O problema do conhecimento tecnológico insuficiente e
a dificuldade do nosso país em evoluir de ‘copiar’ para ‘inovar’ precisa ser tratado com prioridade e sem
demagogia para romper o ciclo vicioso da dependência tecnológica e trazer um diferencial competitivo.
O projeto de cranioplastia, reparo craniano extenso, pode ilustrar tanto a inovação estimulada pela
demanda como os entraves burocráticos ao desenvolvimento do produto. Pelo lado clínico, 16___ cirurgias de
reconstrução do crânio após remoção da calota craniana envolvem um alto custo, incluindo a malha de titânio e
porcelanato usada atualmente, totalizando um gasto entre R$ 120 mil e R$ 200 mil por paciente, o que torna
sua realização no Sistema Único de Saúde (SUS) economicamente inviável. 17A cranioplastia faz-se necessária
não somente por razões estéticas – o que, por si só, já justificaria o procedimento –, mas também para
assegurar que o cérebro do paciente fique mais protegido e com melhor irrigação sanguínea, resultando em
melhoras cognitivas e comportamentais e facilitando 18___ reintrodução do indivíduo na sociedade. 19No
momento, infelizmente, a implantação de próteses cranianas é realizada pelo SUS somente mediante doação
ou após sentença judicial, considerando que o paciente corre risco de vida.
Nossa equipe desenvolveu uma solução utilizando uma prótese de polimetilmetacrilato (PMMA)
confeccionada durante o período da cirurgia, com resultados semelhantes 20e até superiores aos das próteses
de titânio e porcelanato disponíveis, mas com custo cerca de 20 vezes menor que o praticado no mercado,
tornando o tratamento, em teoria, viável e acessível à rede SUS. Estamos confiantes nos resultados das
próteses feitas de PMMA, na análise dos custos e na adequabilidade do produto para o mercado.
Nossa equipe desenvolveu uma solução utilizando uma prótese de polimetilmetacrilato (PMMA)
confeccionada durante o período da cirurgia, com resultados semelhantes 20e até superiores aos das próteses
de titânio e porcelanato disponíveis, mas com custo cerca de 20 vezes menor que o praticado no mercado,
tornando o tratamento, em teoria, viável e acessível à rede SUS. Estamos confiantes nos resultados das
próteses feitas de PMMA, na análise dos custos e na adequabilidade do produto para o mercado.
A ciência translacional não é algo que possa se embutir no sistema por decreto. 21Grandes
organizações, públicas e privadas, estão amarradas nas suas próprias burocracias, o que dificulta o
processo criativo e de inovação. No contexto da inovação em saúde, precisamos inserir formas de gestão
flexíveis, ágeis, que envolvam tomadas de decisão descentralizadas, permitindo a responsabilização de
todos os atores envolvidos, de modo a ampliar os espaços de criatividade e de ousadia na busca e na
implementação de soluções. 22O que não dá para aceitar é continuar 23___ andar com o ‘freio de mão
puxado’ e na contramão do desenvolvimento sustentável.
24
Por fim, a dicotomia entre público e privado já deveria ter sido ultrapassada. A saúde é direito de
todos e dever do Estado. 25Quem trabalha com inovação quer ver o produto funcionando no mercado
global. 26Certa vez, em 1995, tive a oportunidade de ouvir de Eric Kandel (Universidade Columbia), Rodolfo
Llinás (Universidade de Nova York) e Torsten Wiesel (Universidade Rockfeller) uma previsão sobre o
cenário de concessões nos Institutos Nacionais da Saúde (NIH) em 2015-2020: “quem não desenvolvesse
uma ‘pílula’ para a sociedade como resultado do seu projeto de pesquisa estaria fora do pool”. Tal visão
está se tornando uma realidade global. 27Pessoalmente, acredito que um dos compromissos mais preciosos
que temos com a nossa população é o de proporcionar hoje, e não amanhã, uma solução para que todos
possam ser atendidos a tempo e desfrutem de boa qualidade de vida.

 
(ROZENTAL, Renato. O que nos torna pouco competitivos? [Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde. Fundação Oswaldo Cruz e Instituto de
Ciências Biomédicas. Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Matéria publicada em Ciência Hoje de 20 de agosto de 2021. Disponível em:
https://cienciahoje.org.br/artigo/o-que-nos-torna-pouco-competitivos/. Acesso em 18 de setembro de 2021). Texto adaptado para esta prova.
7. Assinale a alternativa correta, considerando as relações de sentido construídas por meio dos
articuladores sintático-semânticos, no contexto em que foram empregados.
a) No período “Basta lembrar da história do nylon, fibra têxtil sintética patenteada pela empresa norte-
americana DuPont em 1935 e usada para provocar a indústria japonesa e fazê-la exportar menos seda.”
(ref. 4), temos uma ideia de finalidade na sua última oração.
b) No período “A cranioplastia faz-se necessária não somente por razões estéticas – o que, por si só, já
justificaria o procedimento –, mas também para assegurar que o cérebro do paciente fique mais
protegido...” (ref. 17), o nexo “mas também” constrói uma relação de oposição, já que se tem a presença
da conjunção adversativa “mas”, reforçada pelo advérbio “também”.
c) No período “No momento, infelizmente, a implantação de próteses cranianas é realizada pelo SUS
somente mediante doação ou após sentença judicial, considerando que o paciente corre risco de vida.”
(ref. 19), o nexo “ou” traz uma ideia de inclusão, evidenciando as duas condições que devem ser
satisfeitas para a implantação de próteses cranianas.
d) No período “Por fim, a dicotomia entre público e privado já deveria ter sido ultrapassada.” (ref. 24), o nexo
“por fim” constrói uma ideia de consequência final decorrente do fato de o problema da saúde ser dever do
estado.
e) No período “Se tivéssemos capacidade interna, poderíamos ter suprido parte das necessidades do
mercado e reduzido o impacto da pandemia no sistema de saúde em tempo hábil.” (ref. 1), o nexo “se”
constrói uma relação de hipótese em relação ao que teria acontecido com a vida das pessoas.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Padre Júlio Lancellotti: “Não se humaniza a vida numa sociedade como a nossa sem conflito”
 
Líder religioso, conhecido por seu trabalho com a população em situação de rua em São Paulo, fala ao EL
PAÍS sobre seus 35 anos de sacerdócio. Alvo de críticas da extrema direita, ele voltou a sofrer ameaças
durante a pandemia.
 
São oito horas da manhã de quinta-feira, 17 de setembro, e o padre Júlio Lancellotti (São Paulo, 1948) veste
jaleco branco, avental laranja, sandálias pretas, luvas de látex e uma máscara respiratória rosa com filtro
embutido. Há uma fila de centenas de pessoas para tomar café da manhã no Núcleo de Convivência São
Martinho de Lima, da prefeitura da capital paulista, e é o religioso quem aponta um termômetro para a testa
de cada uma delas. Aos 71 anos, pertence ao grupo mais propenso a desenvolver complicações da covid-19,
mas nem uma pandemia tão longa e mortífera freou sua convivência diária com a população que vive nas
ruas de São Paulo.
 
Quando Cassiano, de 40 anos, se juntou à fila com o corpo sujo, as roupas rasgadas, machucado na testa e
olhar triste, Lancellotti não hesitou em se aproximar e tocar a cabeça do homem com as duas mãos. “Nós
vamos cuidar de você”, disse, com a voz suave. Quando ele já estava sentado e comendo, o padre se
aproximou de novo para saber o que havia acontecido. Um abraço demorado cobriu, então, a cabeça do
rapaz. Um carinho incomum que fez com que ele chorasse. “Não são anjos ou demônios. Eu procuro ver os
olhos deles... Tem os que estão com raiva, tristes, solitários, alegres... Desses 40 anos, há quanto tempo
Cassiano não recebia um afeto?”, pergunta Lancellotti.
Sua quinta-feira começou como todos os dias, com uma missa na Igreja São Miguel Arcanjo, da qual é
pároco. Ali, no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo, mantém há 35 anos um compromisso constante
com a população em situação de vulnerabilidade. Costumava servir um café da manhã na própria igreja para
cerca de 200 pessoas. Veio a pandemia e o número praticamente triplicou. As atividades tiveram de ser
transferidas, com o aval da Prefeitura, para o centro comunitário a algumas quadras dali. “Eu não trabalho
com morador de rua. Eu convivo com eles. Porque dizer “trabalhar” parece que eles são objetos. É preciso
olhar para a vida de forma humana. Isso não é tarefa só para os religiosos. Mas eu não conseguiria viver a
dimensão religiosa sem humanizar a vida", explica. [...] Até hoje Lancellotti segue vivendo na pequena casa,
no bairro do Belém, que era de sua mãe, Wilma, que morreu em 2010, aos 88 anos.
 
Felipe Betim. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-20/padre-julio-lancellotti-nao-se-
humaniza-a-vida-numa-sociedade-como-a-nossa-sem-conflito.html Acesso em: 02 ago. 2021. Excerto
adaptado.  
8. Releia o trecho:
 
“‘Eu não trabalho com morador de rua. Eu convivo com eles. Porque dizer 'trabalhar' parece que eles são
objetos. É preciso olhar para a vida de forma humana. Isso não é tarefa só para os religiosos. Mas eu não
conseguiria viver a dimensão religiosa sem humanizar a vida’, explica.” (3º parágrafo)
 
Considerando o trecho apresentado, assinale a alternativa CORRETA quanto ao emprego de certos recursos
da coesão e da pontuação.
a) Em: “Eu não trabalho com morador de rua. Eu convivo com eles.”, o emprego do pronome “eles”
(destacado) gera incoerência, visto que pretende substituir “morador de rua”.
b) Também no trecho anterior: “Eu não trabalho com morador de rua. Eu convivo com eles.”, o emprego do
ponto final para separar as orações é obrigatório, mas a vírgula é a outra opção autorizada pelo uso mais
formal da língua.
c) O trecho: “Eu não trabalho com morador de rua. Eu convivo com eles.” mantém o mesmo sentido em: “Eu
não trabalho com morador de rua, porque eu convivo com eles.”.
d) Em: “Isso não é tarefa só para os religiosos.”, o termo destacado retoma o segmento “olhar para a vida de
forma humana”.
e) Uma proposta de articulação que também atenderia os sentidos pretendidos entre os períodos a seguir é:
“Isso não é tarefa só para os religiosos, portanto eu não conseguiria viver a dimensão religiosa sem
humanizar a vida".
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Maria Homem, viúva de Contardo Calligaris, lembra a relação com ele
 
Na conversação que 1era nossa vida, o grego, a 2filosofia, o teatro, enfim, as ideias e práticas antigas
sempre estiveram presentes. Transmitimos um pouco disso nos dois livros que fizemos. Até escolhemos uma
expressão em grego para eu fazer uma tatuagem, que a pandemia adiou. Como tantas coisas que ela adiou.
Enfim, com grego, latim, italiano, inglês, francês, português... A embocadura e as palavras podiam ser
salvadoras. O que 3seria de mim sem você?
Até que um dia, esses dias, eu repeti a minha pergunta, e num outro tom: “O que 4vai ser de mim sem
você?”. Já tínhamos tido, claro, longas conversas sobre o futuro e essa espera angustiante da morte. Com
humor, com tranquilidade, com lágrimas absurdas. Às vezes com revolta, às vezes com aceitação radical
(c’est la vie).
Cada um vive a morte à sua maneira. A 5inexoravelmente solitária forma de cada um ter seu corpo e seu
ser sendo 6atravessados pela morte. A morte de quem morre e a morte de quem fica. Na véspera, a pergunta
era séria e talvez sem resposta: o que vai ser de mim sem você? Você estava 7consciente, olhou no meu olho
e disse: “Vai ser o que você quiser”. Parei de chorar naquele instante. Olhei atônita: você conseguia ser
analista até 8debaixo d’água. Você ofertava ao outro uma palavra para ele seguir. E conseguia ser fiel ao seu
mais caro princípio até o final: 9crie sua vida. Esse é o sentido que ela tem e que você criará para ela.
No dia seguinte, naqueles instantes que ficarão para sempre 10inesquecíveis, falei na sua orelha tudo o
que eu quis. Até que ficou tudo calmo. Sozinha no quarto, continuei deitada ao seu lado, e continuei falando.
Ainda não sei o que vou querer ou o que vou conseguir inventar de mim mesma. Sei que a 11tatuagem e as
12
cicatrizes serão inevitáveis, e o que te falei seguirá valendo. 
Adaptado de: https://bit.ly/3uAD39q. Acesso em 08 abr. 2021.
9. Para responder à questão, considere as opções para inserção no texto do parágrafo a seguir.

Você respondia: “Onde você estava que não te achei antes? Diz, diz”.

O trecho em que o parágrafo pode ser inserido corretamente, mantendo a coesão e a coerência com
os demais, é

a) entre o título e antes do primeiro parágrafo.

b) depois do primeiro parágrafo, antes do segundo.

c) depois do segundo parágrafo, antes do terceiro.


d) depois do terceiro parágrafo, antes do quarto.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Ser leve e líquido
(Zygmunt Bauman)
  A elite global contemporânea é formada no padrão do velho estilo dos “senhores ausentes”. Ela pode dominar
1

sem se ocupar com a administração, gerenciamento, bem-estar, ou, ainda, com a missão de “levar a luz”,
“reformar os modos”, elevar moralmente, “civilizar” e com cruzadas culturais. 2O engajamento ativo na vida das
populações subordinadas não é mais necessário (ao contrário, é fortemente evitado como desnecessariamente
custoso e ineficaz) — e, portanto, o “maior” não só não é mais o “melhor”, mas carece de significado racional.
Agora é o menor, mais leve e mais portátil que significa melhoria e “progresso”. 3Mover-se leve, e não mais
aferrar-se a coisas vistas como atraentes por sua confiabilidade e solidez — isto é, por seu peso,
substancialidade e capacidade de resistência — é hoje recurso de poder.
4
Fixar-se ao solo não é tão importante se o solo pode ser alcançado e abandonado à vontade,
imediatamente ou em pouquíssimo tempo. Por outro lado, fixar-se muito fortemente, sobrecarregando os laços
com compromissos mutuamente vinculantes, pode ser positivamente prejudicial, dadas as novas oportunidades
que surgem em outros lugares. Rockefeller pode ter desejado construir suas fábricas, estradas de ferro e torres
de petróleo altas e volumosas e ser dono delas por um longo tempo (pela eternidade, se medirmos o tempo pela
duração da própria vida ou pela da família). Bill Gates, no entanto, não sente remorsos quando abandona
posses de que se orgulhava ontem; é a velocidade atordoante da circulação, da reciclagem, do envelhecimento,
do entulho e da substituição que traz lucro hoje — não a durabilidade e confiabilidade do produto. Numa notável
reversão da tradição milenar, são os grandes e poderosos que evitam o durável e desejam o transitório,
enquanto os da base da pirâmide — contra todas as chances — lutam desesperadamente para fazer suas
frágeis, mesquinhas e transitórias posses durarem mais tempo. Os dois se encontram hoje em dia
principalmente nos lados opostos dos balcões das mega-liquidações ou de vendas de carros usados.
5
A desintegração da rede social, a derrocada das agências efetivas de ação coletiva, é recebida muitas
vezes com grande ansiedade e lamentada como “efeito colateral” não previsto da nova leveza e fluidez do
poder cada vez mais móvel, escorregadio, evasivo e fugitivo. 6Mas a desintegração social é tanto uma
condição quanto um resultado da nova técnica do poder, que tem como ferramentas principais o
desengajamento e a arte da fuga. Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de
cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. Qualquer rede densa de laços sociais, e em particular
uma que esteja territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser eliminado. Os poderes globais se inclinam a
desmantelar tais redes em proveito de sua contínua e crescente fluidez, principal fonte de sua força e garantia
de sua invencibilidade. E são esse derrocar, a fragilidade, o quebradiço, o imediato dos laços e redes
humanos que permitem que esses poderes operem.
Se essas tendências entrelaçadas se desenvolvessem sem freios, homens e mulheres seriam
reformulados no padrão da toupeira eletrônica, essa orgulhosa invenção dos tempos pioneiros da cibernética
imediatamente aclamada como arauto do porvir: um plugue em castores atarantados na desesperada busca
de tomadas a que se ligar. Mas no futuro anunciado pelos telefones celulares, as tomadas serão
provavelmente declaradas obsoletas e de mau gosto, e passarão a ser fornecidas em quantidades cada vez
menores e com qualidade cada vez mais duvidosa. No momento, muitos fornecedores de eletricidade exaltam
as vantagens da conexão a suas respectivas redes e disputam os favores dos que procuram por tomadas.
Mas a longo prazo (o que quer que “longo prazo” signifique na era da instantaneidade) as tomadas serão
provavelmente banidas e suplantadas por baterias descartáveis compradas individualmente nas lojas e em
oferta em cada quiosque de aeroporto e posto de gasolina ao longo das estradas.
Essa parece ser a distopia feita sob medida para a modernidade líquida.
 
BAUMAN, Zygmunt. Ser leve e líquido. In: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. São Paulo: Zahar, 2008. p. 17-
18.
10. “O engajamento ativo na vida das populações subordinadas não é mais necessário (ao contrário, é
fortemente evitado como desnecessariamente custoso e ineficaz) – e, portanto, o ‘maior’ não só não é
mais o ‘melhor’, mas carece de significado racional. Agora é o menor, mais leve e mais portátil que
significa melhoria e ‘progresso’.” (ref. 2)
 
Atente para o que se afirma a seguir sobre o trecho acima:
 
I. Há uma elipse, porque ocorre a supressão de “engajamento ativo” antes da expressão “é fortemente
evitado”.
II. A conjunção adversativa “mas” é fundamental para estabelecer a ideia de contrários para a lógica do
enunciado.
III. O termo “agora” remete a um tempo marcado no momento em que o fato já ocorreu.
 
Estão corretas as proposições contidas em
a) I e III apenas.
b) II e III apenas.
c) I e II apenas.
d) I, II e III.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
“Ressaltou-se, na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a
Cultura, em sua 33ª reunião, celebrada em Paris no ano de 2005, que a diversidade cultural, ao florescer em
um ambiente de democracia, tolerância, justiça social e mútuo respeito entre povos e culturas, é
indispensável para a paz e a segurança no plano local, nacional e internacional, o que celebra a importância
da mesma para a plena realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais proclamados na
Declaração Universal dos Direitos do Homem e em outros instrumentos universalmente reconhecidos.”
 
(Fonte: GOMES, Eduardo Biacchi; BOTH, Laura Jane Ribeiro Garbini. O direito das minorias em perspectiva
antropológica. 2010. In: Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI, Fortaleza-CE, 2010, [p. 2]. Com
adaptações. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/
3082.pdf. Acesso em: 17 out.2021)
 
 
11. Assinale a alternativa que traz informação correta sobre relações de coesão (referencial e sequencial) e
de sentido estabelecidas no texto.
a) A palavra “mesma” retoma “[a] paz e [a] segurança”.
b) A terceira oração introduz, no período, sentido de causa.
c) O pronome relativo “que”, em “o que celebra”, retoma “plano”.
d) A última oração do período tem valor explicativo e seu sentido é de generalização.
e) A expressão “a importância da mesma” pode ser substituída por “sua importância”.
12. Os trechos do texto reproduzido a seguir, originalmente publicado em:
 https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Arqueologia/noticia/2020/02, estão propositalmente fora da ordem
original. Considerando as relações de sentido e coesão, assinale a alternativa cuja sequência numérica
reorganiza adequadamente as informações.
 
( ) “Eu vi, continuei a nadar por alguns metros, depois percebi o que tinha visto e mergulhei para tocar”,
contou o israelense ao Haaretz.
( ) O veterinário Rafi Bahalul, de 55 anos, nadava na costa da cidade em que mora, ao norte de Israel,
quando viu algo que chamou sua atenção: no fundo do mar estava uma placa com o que pareciam ser
hieróglifos egípcios.
( ) "Esse era um local já conhecido de onde surgiram outros achados, mas não estávamos escavando a
região no momento", contou Jacob Sharvit, chefe da unidade de arqueologia marítima da IAA, em
entrevista ao Haaretz.
( ) "Às vezes o mar faz o nosso trabalho por nós e, felizmente, um membro do público viu e nos alertou."
( ) Ao investigar a descoberta acidental, as Autoridades de Antiguidades de Israel (IAA) constataram que
aquele achado era nada mais nada menos que uma âncora de 3400 anos utilizada no Antigo Egito.
( ) "Foi como entrar em um templo egípcio no fundo do Mediterrâneo."
 
a) 2 – 1 – 5 – 6 – 4 – 3.
b) 3 – 2 – 4 – 3 – 5 – 6.
c) 4 – 1 – 3 – 2 – 6 – 5.
d) 3 – 4 – 2 – 1 – 5 – 6.
e) 6 – 4 – 1 – 2 – 3 – 5.
13. Os velhos papéis, quando não são consumidos pelo fogo, às vezes acordam de seu sono para contar
notícias do passado.
É assim que se descobre algo novo de um nome antigo, sobre o qual já se julgava saber tudo, como Machado
de Assis.
Por exemplo, você provavelmente não sabe que o autor carioca, morto em 1908, escreveu uma letra do hino
nacional em 1867 – e não poderia saber mesmo, porque os versos seguiam inéditos. Até hoje.
Essa letra acaba de ser descoberta, em um jornal antigo de Florianópolis, pelo pesquisador independente
Felipe Rissato.
“Das florestas em que habito/ Solto um canto varonil:/ Em honra e glória de Pedro/ O gigante do Brasil”, diz o
começo do hino, composto de sete estrofes em redondilhas maiores, ou seja, versos de sete sílabas poéticas.
O trecho também é o refrão da música.
O Pedro mencionado é o imperador Dom Pedro II. O bruxo do Cosme Velho compôs a letra para o aniversário
de 42 anos do monarca, em 2 de dezembro daquele ano – o hino seria apresentado naquele dia no teatro da
cidade de Desterro, antigo nome de Florianópolis. 
Disponível em: www.revistaprosaversoearte.com. Acesso em: 4 dez. 2018 (adaptado).
  
Considerando-se as operações de retomada de informações na estruturação do texto, há interdependência
entre as expressões
a) “Os velhos papéis” e “É assim”.
b) “algo novo” e “sobre o qual”.
c) “um nome antigo” e “Por exemplo”.
d) “O gigante do Brasil” e “O Pedro mencionado”.
e) “o imperador Dom Pedro II” e “O bruxo do Cosme Velho”.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
CRÍTICA “O DILEMA DAS REDES”, DE JEFF ORLOWSKI
 
A influência das redes sociais em nosso cotidiano é uma evidência incontornável. Sua capacidade de interferir
em nossas escolhas é muito maior do que podemos supor. Há um investimento incalculável de dinheiro e
tecnologia nessa nossa mercadoria, que pode ser determinante tanto para a venda de um produto quanto
para a eleição de um político. E a falta de regulação faz com que tenhamos dificuldades em avaliar o seu real
alcance em nossas escolhas coletivas e quais as possibilidades que temos para atenuar este poder. Essa é
uma questão que começa a ser pensada hoje em escala global.
“O Dilema das Redes”, documentário americano distribuído pela Netflix, com direção de Jeff Orlowski, busca
pensar essa questão. O que chama atenção no documentário é que os depoentes, que apresentam o
problema, são, em parte, os “criadores” desses mecanismos. Executivos, programadores, designs,
marqueteiros, toda uma fauna muito particular de doutores Frankenstein, que observam horrorizados os
crimes do monstro que criaram.
A riqueza do filme está em seus depoimentos: impressiona a forma como o diretor conseguiu se aproximar de
pessoas que tiveram influência na construção de ferramentas essenciais para o sucesso das redes e captar
reflexões desconcertantes, apresentando uma dimensão clara do tamanho do imbróglio. É curioso ouvir, por
exemplo, os cuidados que eles têm para manter os filhos longe das redes, apresentadas por eles mesmos
como alienantes e destrutivas.
 
Texto adaptado. Disponível em: https://epoca.globo.com/thiago-b-mendonca/critica-o-dilema-das-redes-de-
jeff-orlowski-24697272
14. No primeiro parágrafo, lê-se: “Há um investimento incalculável de dinheiro e tecnologia nessa nossa
mercadoria, que pode ser determinante tanto para a venda de um produto quanto para a eleição de um
político”. A mercadoria a que o texto se refere esta expressa em:
a) nossas escolhas – segundo período do primeiro parágrafo.
b) nosso cotidiano – primeiro período do primeiro parágrafo.
c) investimento incalculável – terceiro período do primeiro parágrafo.
d) influência das redes sociais – primeiro período do primeiro parágrafo.
e) dificuldades de avaliar o seu real – quarto período do primeiro parágrafo.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Otimismo em tempos de Covid-19 e o papel da medicina*
Breno Macêdo**
 
Não há dúvidas de que estamos vivendo tempos difíceis. É provável que só tenhamos a real dimensão quando
olharmos para estes dias em retrospecto. O vírus 1nefasto já ceifou mais de 600.000 vidas em todo o mundo. Alguns já
denominam este período, marcado pelas medidas de isolamento, de “O Grande Lockdown”.
Diariamente, recebemos incontáveis notícias negativas. O risco de novas ondas de contaminação e a
possibilidade de recessão econômica global pairam no ar, 2contribuindo para o clima de pessimismo. Acontece em todo
o mundo. Os pacientes chegam mais “cabisbaixos” ao consultório. Os que sofrem com dores na coluna, 3por exemplo,
têm sua dor 4exacerbada. 5Isso ocorre porque o estado emocional contribui para a percepção da dor, já que os
momentos de tristeza tendem a agravar a situação.
Parece um clichê, mas é preciso pensar positivo. É fundamental, 6sobretudo atualmente. Coisas boas estão
acontecendo. 7Vivemos a era do progresso científico. O compartilhamento de informações entre cientistas de diferentes
países ocorre em tempo real. O método científico segue em progresso, amadurecido na busca das melhores
alternativas de tratamento. Pesquisas por uma vacina estão em um ritmo acelerado como nunca visto.
O avanço médico ocorre também em outras frentes de batalha além da Covid-19. Na neurocirurgia, 8por
exemplo, é difícil não se impressionar ao operar o mais nobre dos órgãos, o cérebro humano. 9Mesmo diante de
intervenções delicadas, o paciente permanece intacto ao acordar da cirurgia. 10Vitórias como 11essa são conquistadas
por várias especialidades médicas 12nos diversos rincões da Terra.
Diante do exposto, convido o leitor a mudar os óculos que 13tem usado, 14a fim de enxergar o momento com
15
outras lentes, 16mais compreensivas e solidárias. 
*Texto publicado no Diário de Pernambuco, em 14 de agosto de 2020. Disponível em:
<https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/opiniao/2020/08/otimismo-em-tempos-de-covid-19-e-o-papel-da-medicina.html>. Acesso em: 24 out. 2020.
Adaptação.
**Neurocirurgião especialista em coluna vertebral.
15. Considerando a coesão referencial e sequencial no texto, assinale a única alternativa correta.

a) A oração “contribuindo para o clima de pessimismo” (ref. 2) expressa uma ideia de adição, pois o clima de
pessimismo soma-se ao risco de novas ondas de contaminação pelo coronavírus e à recessão econômica
global.

b) O pronome demonstrativo “Isso” (ref. 5) retoma, no texto, o fato de os pacientes irem às consultas médicas
completamente desanimados.

c) Ao empregar a palavra “Mesmo” (ref. 9), o autor manifesta a ideia de que a realização de intervenções
cirúrgicas complicadas tem maior força argumentativa do que o restabelecimento imediato dos pacientes
submetidos a tais procedimentos.

d) O pronome demonstrativo “essa” (ref. 11) tem como referente textual a realização de cirurgias complexas
no cérebro humano.

e) O conectivo “A fim de” (ref. 14), que expressa uma relação de finalidade, articula um meio (mudar a
perspectiva do olhar) e um fim (enxergar o contexto atual de forma mais compreensiva e solidária).
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia – Marina Colasanti
 
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as
janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque
não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as
cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o
sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café
correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da
viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A
cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os
mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas
negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra,
dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para
as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com
que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que
pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e
assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado
na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de
ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da
água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a
temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai
afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na
primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto
do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não
há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas,
sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a
vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

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