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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
CURSO DE DOUTORADO

CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO INFANTICÍDIO INDÍGENA:


RELIGIOSOS E ANTROPÓLOGOS EM AÇÃO

DOUTORANDA: ADRIANA GUILHERME DIAS DA SILVA FIGUEIRÊDO


SOBRE A AUTORA:

Doutora em antropologia pela Universidade de São Paulo,


docente do departamento de ciências sociais da Universidade
Federal de São Paulo, pesquisadora associada do Centro
Brasileiro de Análise e Pesquisa - Cebrap. É coordenadora do
projeto de pesquisa Diferença em contextos plurais,
financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo - Fapesp (2018 - 2021).
Fonte: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4721788U1
SOBRE O QUE TRATA O ARTIGO?

• A autora parte da controvérsia em torno do tema “infanticídio indígena” no


Brasil, que passa a ganhar maior corpo com a apresentação do Projeto de
Lei 1057, em maio de 2007.

• De autoria do deputado federal pelo Acre, Afonso Henrique, na época


membro do Partido dos trabalhadores (PT), e pastor da Igreja Presbiteriana
do Brasil, além de membro da Frente Parlamentar Evangélica.

• O projeto de Lei , visa combater práticas tradicionais indígenas que


contrariariam direitos fundamentais das crianças indígenas.
Importante salientar que:

• A noção de controvérsia utilizada pela autora, é a noção proposta por


Latour (2005), como matéria social em construção, capturada antes
da estabilização. Nesse sentido, as controvérsias supõem uma
multiplicidade de posições e de pontos de vista, o que nos ajuda a
superar a ideologia da antropologia como tradutora da alteridade, já
que nesse caso não se tem mais o antropólogo como tradutor.
Logo:

• O foco de sua análise recai sobre os diversos atores


envolvidos com a causa indígena que foram mobilizados a
partir da apresentação do Projeto de Lei na Câmara, na busca
por compreender os argumentos utilizados por eles
(indigenistas, antropólogos, missionários e representantes de
populações indígenas) , a partir do material produzido em
torno das discussões sobre a temática.
O contexto no qual
Argumentação dos Estratégias de
se insere a
atores envolvidos argumentação
controvérsia

O percurso utilizado permite pensar sobre a configuração do modelo


democrático brasileiro hodierno, onde o secularismo se coloca sob a forma
de confrontação com as ideias oriundas de diversas perspectivas
religiosas.
MÓBILES DA CONTROVÉRSIA
CRONOLOGIA DAS CONTROVÉRSIAS

14/12/2005 03/05/2006 11/05/2007 2009 2013


05/09/2007 26/08/2015
CAMPANHA PL 1057 / LEI SEGUNDA PROPOSTA DE APÓS APROVAÇÃO
AUDIÊNCIA
NACIONAL A MUWAJI É AUDIÊNCIA MODIFICAÇÕ MODIFICAÇÕES DO PROJETO
PÚBLICA
FAVOR DA APRESENTAD PÚBLICA/ ESPARA APROVAÇÃO DO DE LEI
COMISSÃO DA
VIDA E A A CÂMARA. COMISSÃO DE ADEQUAÇÃO PROJETO DE MUWAJI NA
AMAZÔNIA,INTEGR
CONTRA O LANÇAMENT DIREITOS DO TEXTO À LEI 1057 NA CÂMARA
AÇÃO NACIONAL E
INFANTICÍDIO O DA FRENTE HUMANOS E CONSTITUIÇÃ COMISSÃO DE DOS
DESENVOLVMENTO
FRENTE PARLAMENTA MINORIAS – O FERDERAL – CONSTITUIÇÃO DEPUTADOS
REGIONAL DA
PARLAMENTAR R DA FAMÍLIA DEPUTADO DEPUTADA E JUSTIÇA- –
CÂMARA FEDERAL.
EVANGÉLICA. E APOIO À HENRIQUE JANETE PIETÁ PRESIDENTE
VIDA. AFONSO. (PT/SP). DA CASA
DEPUTADO
EDUARDO
CUNHA
OS ATORES E OS ARGUMENTOS
1ª AUDIÊNCIA: convidados

Braúlia Inês Edson Suzuki Roberto Aurélio José Maria de


Barbosa Ribeiro (missionário da Lustosa Costa França
JOCUM).
(presidente nacional da (vice –presidente da (diretor do
JOCUM) O segundo a falar, faz Fundação Nacional do departamento de saúde
um relato sobre a Índio/FUNAI). indígena da FUNASA)
retirada de uma das
A primeira a falar, crianças junto com seus
justifica a saída das

? ?
familiares da aldeia,
crianças da aldeia por aponta CIMI como
risco a integridade física denunciante e depois o
destas. Ministério Público
Federal.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DA 1ª AUDIÊNCIA

• Contradições no relato dos missionários Edson e Márcia Suzuki sobre a autoria da


denúncia, se o CIMI( Conselho Indigenista missionário/CNBB) ou o Ministério
Público Federal).

• Foi organizada pela Frente Parlamentar evangélica, embora no interior da Comissão


da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara Federal

• Maioria de parlamentares com titulação de pastor e tecendo elogios as ações dos


missionários embora a retirada de indígenas de suas aldeias sem a autorização da
FUNAI, configure como atuação ilegal.
CAMPANHA NACIONAL A FAVOR DA VIDA E CONTRA O INFANTICÍDIO

• Lançada em 2006, seis meses após a audiência pública, foi veiculada pelo site de notícias da Câmara, Agência Brasil e

Paraná online, Rádio TV e TV Câmara.

• Ganhou visibilidade a partir do discurso do deputado Lincoln Portela, que apresenta elementos que passam a marcar o

debate em torno do chamado infanticídio indígena no Brasil, tais como a caracterização do infanticídio e a presença de um

agente considerado especialista em temas relativos aos indígenas e à diversidade cultural: o antropólogo.
Trecho do discurso de lançamento da campanha, proferido pelo deputado Lincoln
Portela:

“A maioria dos especialistas considera-o como o assassínio de


criança de qualquer idade; outros, apenas de recém-nascidos
ou de crianças prestes a nascer, provocado de forma
deliberada por qualquer agente ou, inconscientemente, pela
própria mãe, sob o efeito do que os psicólogos chamam de
transtorno puerperal; por fim, há os que incluem o aborto
nessa categoria”
Caracterização do infanticídio na legislação brasileira, conforme o ART. 123 do Código
Penal Brasileiro:

“matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo
após” (BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848, 1940).

Ao ampliar a questão em seu discurso, o deputado revela pautas em curso para além das
questões alegadas de forma imediata, consistindo no que a autora considera como sendo a
inserção da campanha no interior de uma controvérsia, conforme pontuado por Christophe
Procasson (2007), ou seja , um espaço dotado de uma história no qual a controvérsia
distribui e redistribui papéis e define problemáticas.
Quanto a presença do antropólogo como figura legítima para conferir autoridade as
questões relacionadas aos índios e a diversidade cultural:

• O deputado menciona uma “suposta” antropóloga que faria palestra sobre o tema da
campanha, mas que, conforme levantamento da autora, teria formação em outra área
acadêmica , além de informações divergentes quanto as instituições onde se formou
(Keila Pienezi).

• Considerando as divergências de informações, a autora compreende que existe uma


necessidade de associar um profissional da antropologia como uma “voz divergente”
sobre o tema do infanticídio como meio de validação de seus argumentos (ONG
ATINI, Frente Parlamentar evangélica, dentre outros).
2ª AUDIÊNCIA: Os atores e a organização

1ª MESA * Márcia Suzuki -


2ª MESA
* Aisanain Paltu
coordenadora da ATINI- Kamaiwrá – Pai indígena
Voz pela vida. (filho morto).
*Máira de Paula Barreto - * Edward Luz / Rita
(doutoranda em Direitos Segato-Antropólogos
Humanos pela Universidade
de Salamanca) – Membro
da ATINI.
* Wanderley Guenka –
* Márcio Augusto Freitas Departamento de Saúde
Meira – Representante da Indígena – FUNASA
FUNAI. * Jacimar de Almeida
* Valéria Payê- Gouveia (Kambeba) –
Representante do Fórum Representante das mulheres
de Defesa dos Direitos indígenas (Conselho Nacional
dos Direitos das mulheres)
Indígenas (IDDI)
CARACTERÍSTICAS GERAIS DA 2ª AUDIÊNCIA

• Ao contrário da primeira audiência os deputados participantes do debate não se


apresentaram com titulação de pastor.
• Os participantes do debate, membros da ATINI ou “simpáticos” a causa (Edward Luz,
Aisanain Paltu Kamaiwrá) rerpetiram o mesmo discurso da Márcia Suzuki (Keila Pinezi)
sobre a importância da defesa da vida como direito em detrimento dos elementos culturais
nocivos”.
• Os demais participantes, modificam os argumentos, distanciando-se completamente da
argumentação exposta na primeira audiência (Rita Segato/ MárcioMeira/ Valéria Payê e
Jacimar de Almeida Gouveia):
• Respeito a diversidade cultural.
• Defesa da soberania de cada povo nas suas decisões.
• Aposta forte na transformação dos costumes
• Valorização da escuta feminina indígena (impedir a existência do cacicato)
ARGUMENTAÇÃO:
Campanha Nacional a
favor da vida e contra o
infanticídio / Caso
HAKANI

ARGUMENTAÇÃO:
• Respeito a diversidade
cultural
• Decisões tomadas no
interior de cada etnia.
• Oposição a Lei não
significa apoio ao
infanticídio.
• Aposta na transformação
dos costumes
A produção científica em torno da controvérsia

Artigos publicados no site da


ATINI e em alguns congressos
sobre a prática do infanticídio
entre os indígenas no Brasil,
apontam para necessidade de
defesa do direito fundamental à
vida.

Artigos e dissertações contrapondo-


se ao Projeto de Lei Muwaji no
campo da Antropologia: apontam
para a necessidade de
entendimento acerca das
concepções de pessoa existentes nas
sociedades indígenas e os interditos
de vida” a falsidade dos dados ,
interesses escusos e etc...
“Diante de tantos aparatos sócio-cosmológicos, “ Alguns antropólogos e missionários brasileiros estão
simbólicos e êmicos, as negações de pessoalidade não defendendo o indefensável. Por meio de trabalhos
podem ser compreendidas como uma prática homogênea. acadêmicos revestidos em roupagem de tolerância
Expressadas pelo interdito de vida, em geral após o cultural, eles estão tentando disseminar uma teoria no
nascimento, temos desde sanções sociais e mínimo racista. A teoria de que para certas sociedades
impossibilidades cosmológicas a decisões pragmáticas humanas certas crianças não precisariam ser
enxergadas como seres humanos. Nestas sociedades,
para a vida social de um povo. O que a priori é
matar essas crianças não envolveria morte, apenas
especulado como infanticídio se compõem por situações
“interdição” de um processo de construção deum ser
diversas [...]” (Holanda, 2008:16). humano. Mesmo que essa criança já tenha 2, 5 ou10
ano de idade (Márcia Suzuki, 2010:1) missionária da
ATINI.

“ A grande função do projeto de Lei é criar, dentro do


Congresso Nacional, um clima anti-indígena porque "O Estado tem um papel muito importante e não pode
existem diversos projetos de leis a favor dos povos se omitir sobre ele, que é o de garantir o direito à vida e
indígenas tramitando no Congresso. Há uma campanha às condições para as crianças crescerem e terem acesso
internacional para demonstrar que povos indígenas são à cidadania. Isso pode ser feito por meio de diálogo com
selvagens [...] (Saulo Feitosa, 2011) missionário da CIMI as diferentes etnias que nós temos no País". (Keila
Conselho indigenista Missionário Pienezi,2006).
https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/87615.html
Diante dos elementos expostos na controvérsia , a autora compreende que:

• Eles revelam basicamente questões ligadas a universalidade da vida e relativismo


cultural.
• A complexidade reside sobretudo nas inúmeras interpretações e justificações
divergentes baseadas nos mesmos princípios (ATINI / CIMI).
• O “acréscimo” da questão de gênero no debate, por parte de uma antropóloga,
surpreende por dar voz a mulher (mãe) indígena.
• Em resumo, a controvérsia mostra esforços de construção de uma vítima: ora as
crianças mortas pela prática do chamado infanticídio, ora as populações indígenas de
maneira geral.
• Diante de tudo isso, e da fragilidade e confiabilidade dos “dados”, ela levanta
questionamentos acerca da validade do projeto Muwaji...
Em tempo...
OBRIGADA !

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