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Os Maias:

Episódios da vida romântica


Capitulo XII: Jantar na casa dos Gouvarinho
Ega regressa a Lisboa, instala-se no Ramalhete e diz a
Carlos que encontrou a Condessa de Gouvarinho no
comboio e que o casal os convidou para jantar na
segunda-feira.

“- Nós. Eu e tu, tu e eu. A condessa convidou-me no comboio.


E o Gouvarinho, como compete ao indivíduo daquela espécie,
acrescentou logo que havíamos de ter também «o nosso Maia».
O Maia dele, e o Maia dela... Santo acordo! Suavíssimo arranjo!”
Na segunda-feira seguinte Carlos e Ega, dirigem-se a casa dos
Gouvarinho, Ega aproveita para lhe perguntar sobre o seu romance
com a brasileira, e diz a Carlos que soube do romance através de
Dâmaso.

- Dize-me uma coisa, se não é um segredo sacrosanto... Quem é essa brasileira com
quem tu agora passas todas as tuas manhãs?
Carlos ficou um instante aturdido, com os olhos no Ega.
- Quem te falou nisso?
- Foi o Dâmaso que mo disse. Isto é, o Dâmaso que mo rugiu... Porque
foi de dentes rilhados, a dar murros surdos num sofá do Grémio, e com uma cor de
apoplexia, que ele me contou tudo...
Carlos conta-lhe a verdade sobre o romance, embora não se abrindo em
relação aos seus sentimentos pela rapariga.

“- É que há uma senhora a quem o Dâmaso supunha ter inspirado uma paixão, como supõe
sempre, e que, tendo-lhe adoecido a governante inglesa com uma bronquite, me mandou
chamar para eu a tratar. Ainda não está melhor, eu vou vê-la todos os dias. E Madame Gomes,
que é o nome da senhora, que nem brasileira é, não podendo tolerar o Dâmaso, como ninguém
o tolera, tem-lhe fechado a sua porta. Esta é a verdade; mas talvez eu arranque as orelhas ao
Dâmaso! “
Entretanto, durante o jantar a própria Gouvarinho toca no assunto do romance de
Carlos com a brasileira e acabam por trocar algumas indiretas. A Condessa fica
“amuada” com Carlos e dá toda a atenção a Ega;

“A condessa tomou o braço de Carlos, - e,


ao atravessar o salão, entre o frouxo murmúrio de vozes e o rumor lento das caudas de seda, pôde
dizer-lhe asperamente:
- Esperei meia hora; mas compreendi logo que estaria entretido com a brasileira...”

“- Veja a senhora condessa! Eu nem tive mesmo ideia de ir à Rússia. Há assim uma infinidade de
coisas que se dizem e que não são exactas... E se se faz uma alusão irónica a elas, ninguém
compreende a alusão nem a ironia...
A condessa não respondeu logo, dando com o olhar uma ordem muda ao escudeiro. Depois, com um
sorriso pálido:
- No fundo de tudo que se diz há sempre um facto, ou um bocado de facto que é verdadeiro. E isso
basta... Pelo menos a mim basta-me...
- A senhora condessa tem então uma credulidade infantil. Estou vendo que acredita que era uma vez
uma filha dum rei que tinha uma estrela na testa...”
Outros tipos de assuntos foram abordados no jantar:

“Ega declarou muito decididamente ao Sr. Sousa Neto que era pela escravatura. Os desconfortos da vida,
segundo ele, tinham começado com a libertação dos negros. Só podia ser seriamente obedecido, quem
era seriamente temido... Por isso ninguém agora lograva ter os seus sapatos bem envernizados, o seu
arroz bem cozido, a sua escada bem lavada, desde que não tinha criados pretos em quem fosse licito dar
vergastadas... Só houvera duas civilizações em que o homem conseguira viver com razoável
comodidade: a civilização romana, e a civilização especial dos plantadores da Nova Orleans. Porque?
porque numa e noutra existira a escravatura absoluta, a sério, com o direito de morte!...“

“Isso, segundo o Ega, prejudicava-a: porque o dever da mulher era primeiro ser bela, e depois ser
estúpida... O conde afirmou logo com exuberância que não gostava também de literatas: sim, decerto o
lugar da mulher era junto do berço, não na biblioteca...”

“A mulher só devia


Homens poderosos têmterconversas
duas prendas: cozinhar bem e amar bem.”
fúteis...
Já reconciliada com Carlos, a Condessa simula um exame médico
rápido ao filho e marca um encontro amoroso com ele.

“- Eu estou com vergonha... Mas se o Sr. Carlos da Maia quisesse ter o incomodo
de o vir ver um instante... É odioso, realmente, pedir-lhe logo depois de jantar
para examinar um doente...
- Oh senhora condessa! exclamou ele, já de pé.
Seguiu-a. Numa saleta, ao lado, o conde e o Sr. Sousa Neto, enterrados num sofá,
conversavam fumando.
- Levo o Sr. Carlos da Mala para ver o pequeno...”

“E ai, bruscamente, ela parou, atirou os braços ao pescoço de Carlos, os seus lábios
prenderam-se aos dele num beijo sôfrego, penetrante, completo, findando num
soluço de desmaio... Ele sentia aquele lindo corpo estremecer, escorregar-lhe
entre os braços, sobre os joelhos sem força.
- Amanhã, em casa da titi, ás onze, murmurou ela quando pôde falar.
- Pois sim.”
O Ambiente do jantar é marcado pela futilidade da alta
burguesia e aristocracia lisboeta; apresenta uma visão crítica
relativamente à mediocridade, ignorância e superficialidade
da elite social lisboeta.

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