Inês e Pedro:

quarenta anos
depois
Ana Luísa Amaral
 Inês e Pedro: quarenta anos depois
(esquema interpretativo)

Inês e pedro: quarenta anos depois

É tarde. Inês é velha. Inês é velha, hélas,
Os joanetes de Pedro não o deixam caçar e Pedro tem caibras no tornozelo esquerdo.
e passa o dia todo em solene toada: E aquela fantasia peregrina
«Mulher que eu tanto amei, o javali é duro! que o assaltava, em novo
Já não há javalis decentes na coutada (quando a chama era alta e o calor
e tu perdeste aquela forma ardente de temperar ondeava no seu peito),
os grelhados!» de ver Inês em esquife,
de ver as suas mãos beijadas por patifes
Mas isto Inês nem ouve: que a haviam tão vilmente apunhalado:
não só o aparelho está mal sintonizado, fantasia somente,
mas também vasto é o sono fulgor que ele bem sabe ser doença
e o tricot de palavras do marido de imaginação.
escorrega-lhe, dolente, dos joelhos
que outrora eram delícias,
mas que agora
uma artrose tornou tão reticentes.
 Inês e Pedro - quarenta anos depois
(esquema interpretativo)

Inês e pedro - quarenta anos depois

O seu desejo agora

era um bom bife
de javali macio
(e ausente desse horror de derreter
neurónios).
Mais sábia e precavida (sem três dentes
da frente),
Inês come, em sossego,
uma papa de aveia.

Ana Luísa Amaral

 Inês e Pedro - quarenta anos depois
(esquema interpretativo)

Inês e Pedro: quarenta anos depois

Plano real Plano imaginário

Velhice
• Amores de Pedro e Inês Inês Pedro
• Morte de Inês
• Coroação de Inês como rainha
• Ouve mal • Tem joanetes
• Tem artroses nos joelhos • Tem cãibras nos
• Relação intensa e apaixonada • Não tem dentes tornozelos
• Estatuto: realeza • Está mais sábia e precavida

Tradição literária: • Constatação da passagem do tempo

• Os Lusíadas, episódio lírico de “Inês de Castro” • Relação desgastada
• Estatuto: plebe
• Frei Luís de Sousa, cena 1, ato I
(D. Madalena lê o episódio de “Inês de Castro”, Subversão da tradição literária:
de Os Lusíadas). Tom lúdico e irónico no tratamento
de um episódio histórico