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A CONTRIBUIGAO ay veM te NORMALIZAGAO ORTOGRAFICA DA TOPONIMIA ANGOLANA ZAVONI NTONDO- Resumo O estudo elou a andlise da toponimia em qualquer pais, mormente em Africa, obedece, de uma maneira geral, ds regras da esfera etnolinguistica. Esta define-se néio como uma disciplina tratando das linguas das etnias, mas sim como um estudo das linguas, enquanto expressio de uma etnia, de um povo, de uma cultura, Os nossos topénimos carregam mar- cas de contacto de dois povos, de linguas e culturas diferentes, facto que concorrew para 0 surgimento das interferéncias (Martinet, 1980). Nesta situagéo, a relagéo lingualcultura foi rompida pelo facto de verificar-se a adulteragio constante na escrita e que se alastrou, perpetuando-se. O contexto actual exige a reposigao linguistica dos topénimos com base no sistema fonoldgi- co das linguas em que eles sto designados, de forma a inseri-los na sua cultura efou histéria respectiva 0 - Generalidades “Todas as comunidades linguisticas tém direito a fixar, preservar ¢ rever a toponimia autécrone. Esta nao pode ser suprimida, alterada ou adaptada arbitrariamente, nem pode ser substituida em caso de mudanga de conjuntura politica ou outras ”. (1) Seria injusto nao reconhecer os esforcos desenvolvidos pelos Orgios da Administragéo Central do Estado na designacéo e/ou reconstrugio da toponimia angolana, embora feita em termos ortogréficos distantes da fonologia das linguas em que estio expres- sas, originando, assim, o relativo afastamento do seu contexto cultural histérico. A politica colonial portuguesa que consagrou a glotofagia (Calver, 1974) das linguas dos povos colonizados tentou impor o unilinguismo com a utilizacao prestigiada da lingua portuguesa. Com 0 apoio da mesma politica, esta, engolindo todas outras linguas com 7 as quais coabitava, acaparou-se do espaco deixado vazio ¢ tornou-se plurifuncional pelo seu uso em todas as situacées formais. Esse esforgo de imposigao do unilinguismo conquistou o terreno permitindo 4 lingua portuguesa sobrepor-se as linguas autéc- tones em todo 0 territério nacional. Contudo, “nao obstante esta agresséo cultural, as linguas afticanas resistiram ao impeto colonial que visava 0 seu esmagamento roral”. Q) ‘Assim, passadas que sio trés décadas apés a independéncia, 0 “continuum” da politica Linguistica colonial originou uma situagao digléssica (Fishman, 1987) em que se esta~ beleceu uma hierarquia entre os dois grupos de lingua em presenga ¢ onde se destaca uma lingua dominante (portugués), pelo set uso oficial ¢ institucionalizado, e as lin- guas nacionais (3) dominadas. Esta situagao favoreceu 0 nascimento de um senti- mento de “auto-Sdio linguistico” (Ninyoles, 1969) em que os locutores das linguas dominadas adquirem a lingua dominante e os modelos de comportamento social ¢ cultural que ela veicula, abandonando os seus préprios valores ¢ a sua identidade. Este comportamento, corporizando-se, culminou com o fenémeno de aportuguesa- mento que se generalizou em muitos dominios. A este propésito, 0 sociolinguista Gaston Miron tem razéo quando afirma: “quando um povo pode escolher ser outro, nega-se enquanto povo ¢ é um outro povo que est no lugar, no seu lugar”. estudo e/ou a anilise da toponimia em qualquer pafs, mormente em Africa, obe- dece, de uma maneira geral, as regras da esfera ctnolinguistica, Esta define-se nao como uma disciplina tratando das linguas das etnias, mas sim como um estudo das linguas, enquanto expressio de uma etnia, de um povo, de uma cultura (4). Os nossos topdnimos carregam marcas de contacto de dois povos, de linguas ¢ culturas diferen- tes, facto que concorteu para o surgimento das interferéncias (Martinet, 1980). Nesta situagio, a relagéo lingua/cultura foi rompida pelo facto de verificar-se a adulterac4o constante na escrita e que se alastrou, perpetuando-se. contexto actual exige a reposi¢ao linguistica dos topdnimos com base no sistema fonolégico das linguas em que eles so designados, de forma a inseri-los na sua culeura e/ou histéria respectiva. 1 - Processo de aportuguesamento? F.do nosso conhecimento que todas as linguas em presenca formam dois grupos gene- ticamente diferentes (Iinguas africanas {bantu € nao bantu} e lingua portuguesa) com sistemas lexical, fonolégico e sintactico nitidamente diferenciados. No caso presente, dada a imposigio unilingue do portugués, conferindo-lhe institucionalmente a pluri funcionalidade, a ortografia da toponimia angolana, refém desta situag4o, conheceu 98 modificagées profundas, de que o periodo pés- independéncia perpetua, adaptadas as caracteristicas fonolégicas da lingua dominante. Por este facto, a toponimia, despida } da sua esséncia cultural, histérica e psicolégica incomensuravel, tornou-se desconhe- cida e desprovida de todo o significado que a liga & sua cultura e histéria incrfnsecas O processo de deformagio da ortografia toponimica, através de aportuguesamento, foi institucionalmente sistematizado ¢ organizado. Assim, cada topénimo aportugue- sado, excomungado do seu meio cultural cfou histérico, funciona no vazio, pois jé ndo é reconhecido nem na cultura e/ou histéria portuguesa, apesar da sua adaptacao ao seu sistema fonoldgico ¢ ainda menos na sua cultura intrinsecamente africana. O projecto de aportuguesamento da toponimia culminou com o resultado que passamos a enumerar: a) A desnasalizagio do grupo consonantico (prenasalizado): CNCo-> Geo Dembos Ndembu Dombe Ndombe Ganda Nganda Bailundo Mbalundu Buco Zau Mbuku Nzawu Gambos Neambwe Sosso Nsoso Jamba ‘Ndjamba b) A segmentagao do grupo consonantico (NCo) com um apéstrofo, criando duas silabas diferentes: CNCo>CN’Co N’gola Ngola Lumbala N’guimbo Lumbala Ngimbu Kiwaba N’zogi Kiwaba Nzoji N’dalarando Ndalatandu Esta separacao levou o topénimo Ngaji > N’gaje & criagao de Negage A utilizagao de em da palavra/o/ em final palavra em vez de /u/ em conformidade com a fonologia portuguesa: Dembo Nedembu Buco Zau Mbuku Nzawu Bailundo Mbalundu Quipungo Cipungu Dirico Geiriku Moxico Muxiku A introdugao dos grafemas /ch/ e /qui/ incompativeis com o som [tf]; proprio a algu- mas linguas da zona R (Umbundu, Olunyaneka) e que deveria ser grafado /C/ con- forma a nova ortografia adoptada. Chavikuas Cavikewa Chicala Chiloango Cikala Coloango Chinhama Cinyama Quipungo Cipungu Quilengues Cilenge ©) A presenga de ditongo decrescentes Kassai Kasayi Bailundo Mbalundul Soio Soyo Cuvelai Kuvelayi Luvuei Luvweyi 4) A pluralizacéo sufixal incompativel com a morfossintaxe bantu: Dembos Ndembu Gambos Negambie Quilengues Cilenge Galangues Ngalangi 100 ©) A duplicagao de /s/, uma vez. em posigio intervocélica, para manter o som [s]: Sosso Neoso Camissombo Kamisombo Mussende Musende Cassinga Kasinga 2- Proposta para uma normalizacio ¢ uniformizagio ortografica A reconstrugio toponimica de um pais plurilingue como 0 nosso, dado o grau avan do de aportuguesamento toponimico, deve necessariamente passar por dois processos: a normalizacao e a uniformizagao. Assim, para o exame desses processos, servit-nos- emos de dados de classificacao linguistica de Guthrie (1970), que distribuiu as linguas bantu angolanas, de que fazem parte as seis referenciadas, em tés zonas: H,K,R. € cujos alfabetos foram aprovados a titulo provisdrio pelo Conselho de Ministros (5). As 6 linguas reparcem-se, pelas trés zonas, desta mancirat a) zona H: Kikongo, Kimbundu b) zona K: Cokwe, Negangela (mbunda) ©) zona R: Oshiwambo (oshikwanyama), Umbundu 2.1, Processo de normalizacio “A normalizagio pressupée a existéncia de uma situagéo inadequada de que convém readaptar & corrente histérica para tornd-la normal” (Ninyoles,1987). Com efeito, 0 Tecurso a este process neste estudo tem por objectivo o desaportuguesamento da ortografia toponimica, 0 que implica, do ponto de vista linguistico, a utilizagio de grafia adaptada, correspondente & fonologia das linguas em aprego. Esta normalizacio ortogrifica dos topénimos visa restituir ¢ inserir 0s mesmos no seu contexto cultural clou histérico. Quando consideramos os seguintes topdnimos “Saurimo, Menongue, Pango-Aluquem” constatamos que se referem a figuras ¢ ou factos politico-histéri- cos cujos nomes foram aportuguesados. Saurimo, por exemplo, vem de Sa ulimbo, Menongue, de Viinonge, ¢ Pango-Aluquem, de Mpangu a Lukeni (6). A reconstrugio 101 ortogrifica destes topénimos exige 0 conhecimento prévio dos sistemas fonolégicos das linguas em que sio expressos. Razéo pela qual vamos passar ao exame da fonologia das seis inguas referenciadas. a) Vogais Todas essas Iinguas tém um sistema vocélico comportando cinco vogais. Em cokwe, kikongo, ngangela ¢ oshikwanyama as vogais desdobram-se cm breves ¢ longas; um- bundu caracteriza-se pela presenga de vogais nasais ao lado das orais (ILN, 1985) d) Kimbundu Panto de articulagio Graus de abertura ANTERIORES: CENTRAIS POSTERIORES qe. i uw 2 © ° ¥ a «) cokawe, kikongo, ngangela ¢ oshiwambo Ponso de ANTERIORES CENTRAIS POSTERIORES articulagio Breves_| Longas | Breves_| Longas | Breves | Longas qe i ii u uu 20 5 ec ° oo 102 - Umbundu Pontode | ANTERIORES | _CENTRAIS | POSTERIORES aticulagdio | Graus de abertura \| Orais | Nasais | Orais | Nasais | Orais | Nasais | P i i u a 2 € é ° 6 » a a b) Consoantes ‘As consoantes desdobram-se em simples e complexas. Todas as linguas exemplificadas nfo possuem o fonema /g/, mas sim /ng/; as linguas oshiwambo e umbundu nao pos- suem fonemas oclusives sonoros simples /b, d, j/, cokwe e ngangela (mbunda) /b, d/ kikongo /, x/ Zona H: - Kikongo Oclusivas Ip, b, td, ks (0)/ Fricativas 1,y,5,25(b)/ Lateral M Nasais /mn,ny/ Prenasalizadas /mp,mb.mf,mynt,nd,ns,nz,nk,ng/ Semivogais Iwy! £) Kimbundu (Odlusivas Jp,b,bh,t,th, ' Fricativas /£y,8,2X,j hf Lateral AL Nasais Jin,n.ny! Prenasalizadas Imb,my,nd,ngsnj/ Semivogais Ivuyl Zona K: ~ Cokwe Oclusivas Fricativas Lateral Nasais Prenasalizadas Semivogais g) ngangela Odlusivas Fricativas Lateral Nasais Prenasalizadas Semivogais Zona R: - Oshiwambo Oclusivas Fricativas Lateral Nasais Prenasalizadas Scmivogais h) umbundu Oclusivas Fricativas Lateral Nasais Prenasalizadas Semivogais Ip. ph, ty th, k, kh, o/ JE, Vs 8 2 hy jy x7 M Im, n, ny! Irab, nd/ hs yl Ip. ck! I(f).v, 5, 2, (), (j), hi mu Im, nny! /mb, nd, nts, ndj, ng, mph,nch,nkh/ I yl Ips bs dk, / If, v, sh (Wf a /m, ny ny! Jmb, nd, adj, ng/ hwy Ips ck! If ws, hl a Im, nny, Ag! Imb, nd, ndj, ng/ Iw yl Convém realcar que os sistemas fonolégicos destas linguas no entram em contradigio com os alfabetos respeetives que constituem os seus resumos. O alfabeto integra o gru- po NC quando um dos componentes (a consoante oral) néo ¢ atestado com o estaruto fonol6gico na lingua. A reconstituicao ortogrifica dos topénimos deve, em fungio dos fonemas de cada lingua, obedecer as seguintes regras que conduziréo 4 normalizacio: 1. O respeito ea realizacao da semivocalizacao de i, u, (y, w) numa sequéncia de vogais V1 V2 onde V1 representa as vogais i, u, ¢ V2 representando outras vogais, evitando assim a ditongacéo: Soio Soyo Luena Lwena Cuanza Kwanza Capaia Kapaya Dange-ia-Menha Ndanji ya Menya Caindo Kayundu Bocoio Mbokoyo Chibia Cibiya Cuando Kwandu Luiana Luyana 2. Com excepgio de Oshikwanyama, uma sequéncia vocilica V1 V2, formando di- tongo dectescente, da qual i, u representando V2 se transformam em semivogais y, W respectivamente, seguida da vogal homorganica (i, u): Buco Zau Mbuku Nzawu Cuvelai Kuvelayi Otchinjau Kassai Ocindjawu Luvuei Calai 3, Considerando a diversidade de escrita do som [tf], transcrito de maneira ty, tx tsh, tj, adoptamos da economia o grafema /c/ para representar 0 mesmo: Tchikala-Tcholoango Cikala-Coloango Katchiungo Kacyungu Tchinjenje Cindjendje 4.0 mesmo grafema /cl € utilizado nos caso dos topénimos, realizados foneticamente [t/], tendo os grafemas /ch/ e /quil: [__Chipindo Chicomba_ (O)cipindu’ Cikomba Quilengues (Odcilenge Quipungo (O)cipungu 5, Uma vez que 0 som [f] apresenta duas variantes na escrita dos topénimos /x,ch/, adoptamos o grafema x para a sua transcri¢ao em todos os topdnimos que apresentam este som: Xd Muteba Luxiku Kamaxito 6. Em todas as linguas nacionais, /g/ néo aparece de forma isolada, pois é sempre pre- cedido da nasal e constitui deste facto um fonema tinico /ng/. Nunca € seguido pela vogal u, diante de vogal: Galangues Ngalangi Carengue Katenge Cassinga Kasinga Cuango Kwangu 7. Para manter o som [3], utilizar-se-4 0 grafema /j/ ou digrafo /nj/: ‘Malange Malanji lingi inj substituido por fef ou [c/: 8. O fonema /s/ nunca é duplicado em posicao intervocilica para o som [s], nem Camissombo Kamisombo Cassinga Kasinga Ussoque Usoke Cassai Kasayi Mucusso Mbukusu Mussende Musende Sosso Neoso Quissama Kisama Lucira Lusira Calucinga Kalusinga 9. Evitar-se-& a utilizacto do grafema/fonema /s/ em posicio intervocilica para repre- sentar 0 som (z]. Em todas as linguas nacionais, este som é representado por /z/ 0 que permite climinar a confuséo persistente entre /s/ ¢ /z/: Cacuso. Kakuau | Quisenga Kizenga J 10. /Qu/ nao consta dos alfabetos, utilizar-se-4 0 grafema /k/ para os diversos usos onde aparecem os sons [ ki, ke, ko, ka, ku] como se verifica em: Cabinda Kabinda Calandula Kalandula Cunene Kunene Cuamato Kwamatu Maguela Makela Quibocolo. Kibokolo Quitima Kirima Quela Kela 11. O digrafo Inb/ sera substitufdo por /ny/, pois o primeiro é considerado como uma nasal aspirada em linguas bantu: Dange-ia-Menha Ndjanji ya Menya Chinhama Cinyama Hanha Hanya 12. O fonema /h/ quando utilizado no funciona com a sua caracteristica de aspiragio: devers ser, portanto, simplesmente eliminado: Huambo ‘Wambo Huila Wila Humpata Umphata 13. Quando a aspiragao se fizer sentir, manter-se-d o fonema /h/, tal € 0 caso de: Hanha Hanya Viemba Vihemba 2.2, Uniformizagso: ® A uniformizacio, Sse postesior’S normalizacio,.efectuar-se-d com base na proposta de um guia orrogréfice qu somes em consideracao os sistemas fonoldgicos das linguas na- cionais em que os topémiimes so expressos. No ponto anterior 0 objectivo inscreveu-se particularmente ma preccupacso de evitar gindsticas ortogrificas que diversifiquem os grafemas na transcricge de um som muma mesma lingua ¢ de uma lingua para outra no mesmo territério. Assim, acabamos de apresentar os principios de uma ortografia estandardizada comum 20s topénimos ¢ que respeita os sistemas fonoldgicos das scis linguas nacionais cajos alfsbetos sio oriundos. Pensamos ter apresentade propostas simplificadas, inspiradas por uma concep¢io fun- ional das linguas em que os topSnimos sao inseridos e que se opdem a toda a idealiza- so sentimental. As propestas ora feitas nao se afastam dos alfabetos claborados pelo ILN, mas tentam eliminar, em certa medida, as ambiguidades na transcri¢io, nio s6 da toponimia angolana, como também de qualquer outro texto em linguas nacionais bantu. Notas (1) PEN Internacional, Declarago Universal dos Direitos Linguisticos (2) CASTRO, Armando, O sistema colonial poreugués em Afica, p56 3) Denominacéo dada & linguas outrora ditas autéctones, indigenas, de fo (3) MIRON, Gaston, ‘Le billinguisme de naisiance’. B.173 (4) DUBOIT, J., GIACOMO, M. Dictionnaire de Linguistique, p. 197 10 ARCIL, Lluiz, V- ion linguistique dans | Europe nowvelle, Perpig nan, LRS.CE. Conan CALVET, Louis, DUBOIS, J., GIACOMO, M.

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