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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacao.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
PERGUNTE E RESPONDEREMOS
N.° 243 - Margo de 1980
Sumario
Mí.

UM GRANDE VAZIO E SUA RESPOSTA 89


Por que...
TEÓLOGOS SUBMETIDOS A EXAME ? 91
Slm, 8lm! Nao, nSol (MI 5,37)
A DECLARAOAO DE ROMA SOBRE AS OBRAS DO PROF
HANS KONG ' 97
Um enfoque especial:
O CASO SCHILLEBEECKX 105

Um cariólo público:
AÍNDA O DOCUMENTO DE PUEBLA 119

Dols pesos e duas medidas ?


A IGREJA DISPENSA DO CELIBATO, MAS NAO DISSOLVE O
VINCULO CONJUGAL 125

LIVROS EM ESTANTE • 132

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

"Deus está de volta" (ecos do Big Bang). — O poder


da sugestáo e a sofrologia. — A moda do "topless" : signi
ficado. — O Ano Internacional da Crianca: balango e pros
pectiva.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Numero avulso de qualquer rnés 32,00

Assinatura anual 320,00

DireeSo e Bedagáo do Estéváo Beftencourt O.S.B.

ADMINISTRAC&O KEDAgAO DE PB
Livraria Missionária Editora „ , _ . . -
Roa México, 111-B (Cútelo) Cabca Postal 2"666
20.031 Rio de Janeiro (RJ) 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
Tel.: 224-0059
UM GRANDE VAZIO E SUA RESPOSTA
A imprensa vem noticiando crescente onda de permissivi-
dade: «topless», pornografía, pornochanchada... vém tomando
vulto sempre mais aparatoso!
É, pois, interessante averiguarmos os porqués desse Jiber-
tinismo sexual, a fim de pódennos ponderar o seu sentido e a
resposta a Ihe ser dada.
1) Numa primeira abordagem, ainda muito superficial,
verificamos que muitas pessoas aderem á onda por modismo,
ou seja, pelo desejo de «nao ficar para tras». Assumem assim
um comportamento gregario ou um tanto irracional.
2) Indo mais ao ámago do problema, verificamos, no
fundo da nova moda, forte desejo de autoafirmagáo. As mo
cas querem usufruir de todas as «liberdades» que geralmente
sao reconhecidas aos rapazes. Movc-as um emancipacionismo
feminista, que, na verdade, mais servís as torna, porque mais
dependentes da conduta dos rapazes, que elas querem repro-
duzir. Mediante essa pretensa autoafirmagáo, arriscam-se a
perder a própria identidade.
3) Recorrendo aos dados da .psicología, podemos ainda
dizer que a causa mais remota do libertinismo é o vazio inte
rior de que sofrem tantas pessoas cm nossos dias. Por «vazio»
entendemos «falta de ideal, de porqué e de para qué viver»;
falta-lhes algum grande referencial, capaz de mobilizar as suas
mais nobres energías em demanda de determinado objetivo.
Assim carentes, homens, mulheres e jovens procuram a sua
valorizacáo na publicidade, no «chamar a atencáo para si»;
fazem-se célebres porque parecem mais corajosos do que as
demais pessoas «presas a tabus»... Em suma, váo procurar
fora de si a «felicidade» que nao tém dentro de si.
Tocamos assim um ponto que merece especial atencáo na
vida contemporánea: o vazio interior de que sofrem muitos.
Este vazio significa que as pessoas vivem cada vez menos
como seres humanos. Sim; observemos que, quanto mais um
ser é perfeito, mais ele vive em profundidade, mais as suas
reagóes procedem do seu intimo:
— o mineral, por exemplo, nao tem vida; por isto apenas
responde aos golpes que o afetam, na proporcáo da forca eme
o acomete;
— os vegetáis, que sao os primeiros viventes, já desem-
penham acóes que procedem de um principio interior: alimen-
tam-se, crescem, reproduzem-se, restauram a sua integridade
quando lesada (dentro de certos limites);

— 89 —
— os animáis irracionais, que sao viveñtes mais perfei-
tos aínda, podem mesmo discernir, dentre diversas possibili-
dades, a resposta mais adequada a dar aos estímulos exterio
res. Eles tém conhecimento sensitivo, que os leva a aceitar ou
recusar certas interpelagóes do respectivo ambiente;
— o ser humano, que é o vívente por excelencia entre os
que yernos neste mundo, é o que mais interioridade possui.
Por isto é capaz nao só de responder diversificadamente aos
seus estímulos, mas é apto a criar e inventar interpelagóes
segundo seus criterios próprios. Esta interioridade o torna
independente,de padrees irracionais, gregarios e massifican-
tes; nao permite que se reduza á condigáo de «joguete».
Ora frente ao-espetáculo do vazio interior que torna o
ser humano menos humano, o cristáo encontra na espirituali-
dade da Quaresma a resposta adequada: o homem nao foi
feito para bens efémeros e ilusorios, mas para o Bem Eterno
e Definitivo. Tudo o que é passageiro, ó exiguo demais para
a capacidade de Infinito que o caracteriza.
Alias, o próprio Deus, para o qual o homem foi feito, se
encarrega de evidenciar esta verdade. Com efeíto; nao há
quem nao experimente cedo ou tarde a frustragáo que todos
os prazeres meramente sensuais acarretam aos seus usuarios;
de tal semeaduca nao procede colheita para o futuro! Este
sentimento de decepgáo, por mais amargo que seja, vem a ser
altamente salutar, pois purifica e liberta o coracáo do homem.
Nunca é tarde demais para que este faga ou refaga sua opgáo
de vida, pois o Bem Infinito ao qual ele aspira (muitas vezes,
sem o saber), está sempre a aguardá-lo. Esta é a grande men-
sagem da Quaresma: Ele nos amou antes que nos O amásse-
mos... e nos amou (e ama) irreversivelmente, sem mudanga,
sem poder desdizer-se... Esta proposigáo é o amago da men-
sagem crista; nao poderia haver Cristianismo sem proclama-
cáo desta verdade.
Ora o mes de margo póe em presenga urna da outra estas
duas realidades: o vazio de numerosos cidadáos contemporá
neos e o surpreendente anuncio da Resposta cabal.
Se ao cristáo nao é possível executar as tarefas (em espe
cial, a tarefa da autoconversáo) que somente os outros podem
realizar, compete-lhe ao menos dedicar-se neste tempo quares-
mal a interioridade e á purificado; procura viver em profun-
didade ou em oragáo, certo de que a vida está associada á
profundidade. Liberte-se do que o sufoca ou atrofia em suas
dimensóes interiores (vicios e paixóes...) a fim de se tornar
mais «gente», mais filho de Deus.
E, assim fazendo, há de contagiar seus irmáos desorien
tados!. ..
E.B.
— 90 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXI — N* 243 — Marco de 1980

Por qué..

teólogos submetidos a exame?


Em símese: a S. Igreja recebeu de Cristo o encargo de vigiar sobre
a integra conservacfio e transmissáo da mensagem revelada pelo Senhor
rfSPMt'a «eiíf 10 P,edr2,V Se.us sucess°™ compete exercer tal missao I
cf. Mt 16. 16-19; Le 22.31 s; Jo 21,15-17. O decorrer da historia da Igreja
mostra como a autor.dade da Igreja. seja por voz dos blspos esparsos
peto mundo inteiro. seja por declaracoes e deffnicóes de Concilios Ecumé
nicos, seja por Intervengóes dos Sumos Pontífices, realizou ciosamente
esta sua funcáo.

Em 1971, loram baixadas novas normas para que a S. Congregacfio


para a Doutrtna da Fé (a quem toca especialmente o encargo mencionado)
possa proceder com justlca e objetividade no julgamento de doutrlnas tldas
como suspeitas. Tais normas prescrevem que se ouca o autor de tais
doutrlnas ou se Ihe dé um delensor. Somonte após apuiados exames e
estudos das obras ou doutrlnas discutidas é que a S. Congregaceo Dará
a Doutrlna da Fé se pronuncia sobre as mesmas A S. Igreja nao poderla
renunciar a desempenhar tal ministerio sem tralr o Senhor Jesús que Ihe
conílou a Palavra da vida, e o povo de Deus, que tem o direito de recebar
incólume essa Palavra de salvacáo, Palavra de Oeus, e nfio de homens
por mais eruditos que sejam.

Comentario: Em dezembro de 1979 e comego de 1980 me-


recoram a atengáo do grande público certas noticias referen
tes a teólogos cujas obras tinham sido ou estavam sendo exa
minadas em Roma; tratava-se de quatro nomes principalmente:
Jacques Pohier, dominicano francés, Hans Küng, sacerdote
suigo, Edward Schillebeeckx O.P., belga, e Leonardo Boff
O.F.M., brasileiro.

Os noticiarios deixaram por vezes o público um tanto


perplexo, pois as razóos do procedimento eram técnicas ou da

— 91 —
4 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS? 243/1980

competencia de especialistas. Em conseqüéncia, impóe-se um


esdarecimento aos leitores brasileiros. É o que vamos propor
nos tres artigos seguintos, abordando no primeiro urna ques-
táo de principios e considerando, nos demais. em especial os
casos de Hans Küng e E. Schillebeeckx.

1. A Igreja e o depósito cía fé

Sabemos que Jesús Cristo, tendo vindo consumar a reve-


lacáo feita aos Patriarcas e Profetas, quis confiar a Boa-Nova
á Igreja por Ele fundada. Esta deve guardar incólume a dou-
trina recebida,aprofundá-la homogéneamente e transmiti-la a
todos os homens até o fim dos tempos (em linguagem ade-
quada aos diversos ouvintes). É o que se depreende do conhe-
cido texto de Mt 28,18-20:

"Toda autoridade sobre o céu e a térra me fol entregue. Ida, por-


tanto, e fazei que todas as nac6es se tornem discípulos, batizando-as em
nome do Pal, do Fllho e do Espirito Santo e ensinando-as a observar
tudo quanto vos ordenel. E eis que estou convosco todos os días até a
consumac&b dos séculos".

De modo especial, dentre os Apostólos, Pedro e seus suces-


sores sao encarrcgados de zelar pela integridade e a fiel trans-
missáo do depósito da fé, em consonancia com as palavras de
Jesús:

Le 22,31a: Diz Jesús: "SimSo, SlmSo, eis que Satanás pediu insis
tentemente para vos penetrar como trigo. Eu, porém, orel por ti, a ílm de
que tua fé nSo desfaleca. Quando, porém, te converteres, confirma teus
IrniSos".

Mt 16, 17-19: Diz Jesús: "Bem-aventurado és tu, Simfio, fllho de


Joñas, porque nfio foram a carne e o sangue que te revelaram Isto, e sim
o meu Pai que está nos céus. Também te digo que tu és Pedro, e sobre
esta pedra ediflcarel a mlnha Igreja, e as portas do Inferno nunca pre-
valeceráo contra ela . Eu te darel as chaves do Reino dos céus e o que
ligares na térra será ligado nos céus, e o que desligares na térra será
desligado nos céus".

Jo, 21,15-17: "Depols de comerem, dlsse Jesús a Simfio Pedro:


'SlmSo, filho de JoSo. tu me amas mals do que estes ?' — 'Sim, Senhor',
disse-lhe, 'tu sabes que eu te amo*. Jesús Ihe disse: 'Apascenta os meus
cordeiros'. Urna segunda vez Ihe disse: 'Simfio, filho de Jofio, tu me
amas?' — 'Sim, Senhor', disse ele, 'tu sabes que eu te amo'. Dlsse-lhe
Jesús: 'Apascenta os meus cordeiros'. Pela tercelra vez Ihe disse ele:
'Stmfio, filho de Jofio, tu me amas ?' Entristeceu-se Pedro porque pela

— 92 —
TEÓLOGOS EM EXAME

terceira vez Ihe perguntara: 'Tu me amas ?' e Ihe dlsse: 'Senhor, tu sabes
ludo: tu sabes que te amo'. Jesús Ihe disse: "Apascenta as minhas
ovelhas'"

É por isto que, desde as origens da Igreja, o sucessor de


Pedro ou o bispo de Roma tem mostrado particular solicitud?
pela preservacáo da doutrina da fé, exercendo a autoridadc
que lhe era reeonhecida. Para nao alongar a exposicáo, cita
remos apenas dois testemunhos:

— o Concilio de Calcedonia (451) aclamou nos termos


seguintes a carta do Papa Leáo I que definía a verdadeira
concepcáo cristológica: «Esta ó a fé dos Padres, esta é a fó
dos Apostólos! Pedro falou através de Leáo»;

— o Papa Inocencio I (401-417) teve que intervir na


controversia pelagiana (referente á graga). Escreveu entáo,
aos 21/01/417, aos bispos do norte da África:

"Vos, no exame dos interesses de Deus, seguistes os exemplos da


antiga frad¡g9o bem como a torca da vossa fé, visto que éreis da oplnláo
de que vossa questSo deverla ser submetlda ao nosso julgamento, na con-
viccfio do que é devido á Sé Apostólica".

O ministerio pontificio prolongou-se através dos séculos...

Por ocasiáo do Concilio do Vaticano II. o Papa Joáo


XXIII pediu aos teólogos que procurassem reformular as ver
dades da fé em linguagem moderna, acessivel ao homem con
temporáneo, guardando, porém, intato o seu conteúdo. Varios
autores de nomeada dedicaram-se a essa tarefa, mas, sendo
algo de delicado e dificil, compreende-se que tenha havido des
uses involuntarios. Tal foi q caso de teólogos holandeses que
quiseram substituir a tradicional palavra «transubstanciagáo»
por «transignificacáo» e «transfinalizacjio»; o Papa Paulo VI
interveio, rejeitando, por-ser ambigua, a nova nomenclatura,
mediante a encíclica Mysterium Fidel (1965). Tal foi também
o caso de teólogos que tentaram re-exprimir as verdades ati
nentes a Cristo (urna só pessoa e duas naturezas, conforme o
Concilio de Calcedonia, 451); visto que nao punham em duvido
relevo a Divindade e a preexistencia de Cristo, a S. Oongre-
gacáo para a Doutrina da Fé emitiu a propósito a Declaracáo
Mysterinm Filii Del (O misterio do Filho de Deus) datada
de 21/02/1972.

— 9?. —
fi -PKRGUNTE E RESPONDEREMOS 243 1980

Após expor estas grandes verdades, vejamos como a auto-


rídade da Igreja hoje em día procede quando um teólogo
publica algum Hvro que suscite dúvidas quanto no teor da "fé
revelada.

2. O novo procedimento de Roma

Com relacáo a livros teológicos suspeitos de erro, a S. Con--


gregacáo para a Doutrina da Fé exerce a sua vigilancia segundo
novo Regulamento estabelecido após o Concilio do Vaticano II,
ou seja, aos 15/01/71. Eis as etapas de um processo ordi
nario suscitado por alguma doutrina suspeita:

1) Desde que um livro publicado seja suspeito de erro


ou heresia, a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé nomeia
dois peritos, que devem examinar a materia independente-
mente um do outro e redigir finalmente o respectivo parecer.

Se a materia em foco for tida como grave, seráo infor


mados os bispos interessados, a fim de que possam prestar
eventuais informacóes.

2) Ao nomear os dois peritos examinadores, a mesma


Congregagáo nomeia também um relator pro auctore ou um
defensor da opiniáo do autor em foco. A tarefa desse defen
sor é apresentar os aspectos positivos das opinióes sujeitas a
exame e responder as observacóes dos peritos examinadores e
dos demais consultores. Deve desempenhar-se dessa tarefa
com a pura intencáo de servir á verdade e ao Senhor Deus.

3) Os examinadores e o defensor do livro controvertido


exporáo e confrontaráo os seus pareceres em sessáo da S. Con
gregagáo. Findos os debates, cada um dos consultores da
assembléia redige a sua respectiva sentenga sob forma de um
voto.

4) Concluida esta etapa, a documentacáo toda (votos


dos consultores, defesa do autor ou do seu representante e
resumo dos debates) c enviada aos Cardeais membros da cha
mada «Congregagáo ordinaria», que se reúne todas as quar-
tas-feiras e de que tém o direito de participar também os sete
bispos da Congregagáo residentes fora de Roma. O assunto é
entáo mais urna vez debatido c as conclusóes fináis sao sub-

qa
TEÓLOGOS EM EXAME

metidas á aprovagáo do Santo Padre. — Se no decurso desse


último exame se tiver averiguado a existencia de opinióes erró
neas e perigosas em curso, será informado a respeito o bispo
do autor e, eventualmente, outros bispos interessados.

5) Suposta a verificagáo de erros na materia em ques-


táo, a Congregagáo para a Doutrina da Fé entrará em diá
logo com o autor, oferecendo-lhe a possibilidade de explicar
melhor o seu pensamento, reconsiderar as suas opinióes erró
neas e esludar a maneira de prevenir ou reparar o daño rela
tivo á difusáo dos ditos livros no povo de Deus. O diálogo
poderá fazer-se por correspondencia postal ou por compáreci-
mento do autor em Roma, onde o coloquio é empreendido com
mais eficacia. Caso se faca uso da correspondencia postal, o
autor tem um mes de prazo para responder, a partir da data
em que recebeu íi comunicacáo.

6) Depois de examinar a resposta do autor, a Congre-


gasSo Ordinaria toma as decisóes fináis, as quais seráo apre-
sentadas ao S. Padre. Desde que este as aprove, as decisóes
sao comunicadas ao bispo do autor e ao respectivo autor.

7) A Congregacáo Ordinaria decide também sobre a


maneira como deva ser publicado o resultado do exame.

8) Se o autor se recusa a responder aos convites da


S. Congregagáo rara o diálogo, compete a esta tomar as reso-
lucóes oportunas.

Sao estas as normas que constituem o «Novo Regula-


mento para o exame das doutrinas» na S. Igreja.

Como se vé, estas normas, se, de um lado, visam a pre


servar intata a doutrina da fé, de outro lado, atendem as
exigencias da justica, evitando julgamentos precipitados e
incorretos.

A S. Igreja nao pode deixar de exercer vigilancia sobre as


obras teológicas que se váo publicando, pois a preservagáo da
reta fó é tarefa que Cristo lhe confiou. como também é ser-
vico prestado ao povo de Deus; este tem o direito de receber
a mensagem do Evangelho em sua pureza, em vez de ser ali
mentado por teorías, opinióes ou hipóteses deste ou daquele
autor ou grupo de autores.

— 95 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 243/19S0

Ao cumprir esta missáo de vigilancia, as autoridades ecle


siásticas nao procedem segundo criterios particulares de deter
minada escola ou determinado Pontífice, mas atendem táo
somente á Palavra de Deus transmitida por seus dois cañáis
auténticos: a Tradigáo oral e a Tradicáo escrita (a S. Escri
tura); o magisterio da Igreja nao está ácima da Palavra de
Deus nem tem o direito de retocá-la, mas deve auscultá-la e
servir-lhe, como declara o próprio Concilio do Vaticano II:

"A tarefa de interpretar auténticamente a Palavra de Deus escrita


ou transmitida oralmente fol confiada táo somente ao magisterio vivo da
Igreja, cuja autoridade se exerce em nomo efe Jesús Cristo. Tal magistéiio
evidentemente nao está ácima da Palavra de Deus, mas a seu servlco, nao
ensinando senSo o que fol transmitido, no sentido de que, por mandato
divino e sob a assisténcia do Espirito Santo, píamente ausculta aquela
Palavra, santamente a guarda e fielmente a expde. Deste único depósito
da fé tira o magisterio o que propSe para ser acreditado como divina
mente revelado" (Const. Dei Vetbum n? 10).

Estas noticias sao suficientes para evidenciar que o inte-


resse da Igreja pela integra conservacáo das verdades da fé
nada tem que ver com processos inquisitoriais ou com a Inqui-
sigáo de tempos passados. Nem se prende ao fato de que o
S. Padre Joáo Paulo II é de origem polonesa (o que, segundo
alguns, significaría «nao atualizado em teología») J, pois os
processos contra os teólogos de que tem falado a imprensa,
comecaram todos sob o pontificado de Paulo VI (as suces-
sivas etapas descritas atrás evidenciam quáo demorado se
torna o exame de um livro na Curia Romana após 1971).

Expostas estas premissas, passamos a considerar mais


detidamente o caso do teólogo alemáo Hans Küng no artigo
seguinte.

A propósito das novas normas para o exame de livros na Curia


Romana, veja PR 138/1971, pp. 278-285.

1A Igreja na Poldnla tem-se mostrado especialmente ciosa de guardar


o patrimonio da fe em sua solidez, visto que este ó contradltado pela
filosofía oficial do governo marxlsta do país. Esta atitude do clero e dos
fiéis poloneses nSo redunda em desdouro ou motivo de depreclacSo.
Tenha-se em vista a vitalldade da Igreja na Polonia e o surpreendente
número de vocacSes sacerdotal e religiosas que ola suscita.

— 96 —
Sím, sim ! Nao, nao! (Mt 5, 37)

a declaracao de roma sobre as obras


do prof. hans küng

pa «^ smtese= *os 15/12/1979. a S. Congregado para a Doutrina da


Fé emitiu urna Declaracáo segundo a qual o Prof. Pe. Hans Küng, da
Universidade de Tubingen (Alemanha), já nao pode ser tido como mestre
de teología católica. O texto de tSo Importante documento acha-se trans
crito no corpo deste artigo, juntamente com o histórico dos antecedentes
de tal Declaracao: durante dez anos, a S. Congregacáo esteve em con
tato com Hans Küng, dando-lhe a ver erros doutrinários cada vez mate
«agrames contidos em seus sucessivos escritos. Convidado repetidamente
á comparecer em Roma para um diálogo com representantes da Santa
Sé, Kung nunca aceitou o convite. O processo contra Küng foi interrompido
em 1975, pois este dera a esperanca de reconsiderar suas opinioes Toda
vía, diante da persistencia cada vez mais explícita e convicta de tais erros
em obras publicadas em 1979, a S. Congregagáo Julgou-se no dever de
declarar ao público que Hans Küng já nao pode lecionar teología em nome
da Igreja. A medida foi tomada em vista do bem comum, pois as opinfñes
de Küng deixavam inseguro o povo de Deus no tocante a artígos de fé.
• * •

Comcntújrio: Causou grande impressáo om diversas par


tes do mundo a sentenca da S. Congregacáo para a Doutrina
da Fé referente ao teólogo suigo Pe. Hans Küng, professor da
Universidade de Tübingen (Alemanha) desde 1960. Nao pou-
cas pessoas, mal informadas, julgaram tratar-se de ato arbi
trario ou «inquisitorial» da autoridade da Igreja; estranharam
que tais coisas pudessem acontecer após o Concilio do Vati
cano II, supondo que o Concilio tenha preconizado um certo
irenismo ou indiferentismo no tocante á doutrina da fé!

Para dissipar equívocos, proporemos, a seguir, a versáo


autentica dos acontecimentos, tais como foram publicados pela
Santa Se e pelo episcopado alemáo; cf. L'Osservatore Romano
ed. portuguesa de 30/12/79, pp. 8-10.

Em primeiro lugar, transcreveremos o texto da Declara-


gáo da Congregagáo para a Doutrina da Fé concernente a
Hans Küng e datada de 15/12/1979. Após o qué, apresentare-
mos algo dos antecedentes deste documento, aptos a esclarecer
a atitude tomada pela Santa Sé.

— 97 —
^0 «PERGÜNTE E RESPONDEREMOS* 243/1980

I. DECLARACAO ACERCA DE ALGUNS PONTOS


DA DOUTRINA TEOLÓGICA DO PROF. HANS KÜNG
<■'', Igreja de Cristo recebeu de Deus o mandato de guardar e
defender o depósito de fé, para que os fiéis todos, sob a guia do
sagrado magisterio, mediante o qoai opera na lgre¡o a pessoa de
Cristo Mesrre, déem sua adesao indofectível á fé transmitida aos
crer.tes tíe urna ver para sempre, com reto ¡uízo penetren nela mais
c fundo e a apliqusm veis plenamente na vida.

O magisterio da ícjteja, portanto, es fim de cumprir atiuele grave


dever so a eie confiado, serve-se do contfibuto dos teólogos, sobre-
tudo dos que na Igreja receberam da autoridacle o encargo de ensinar
e sao, poníanlo, também eles, conitiioictos de algum modo mestres
da verdade. Na sua investigacáo, os loolcpos, nao diversamente dos
cultores de outras ciencias, gozam de legitima liberdcsdc científica,
dentro todavía dos ¡imites do método do' sagrada teología, esfor-
cando-se por conseguir, da maneira qua ihe é própria, o mesmo fim
específico do magisfnne : 'conservar, penetrar cada vez mais pro
fundamente, expor, ensinur e defender o sagrado depósito da Reve-
lacáo; ísto é, iluminar a vida da Igreja e da humanidade com a
verdade divina' (Paulo VI, Discurso ao Congresso Internacional de
Teología do Concilio Vaticano II, 1/10/1966).

£ necessárío, portento, que, no aprofundamento e no ensino do


doutrina crtó'ica, resplandeca sempre a fídelidade ao magisterio da
Igrejo, porque ningucm pode construir teologio senao ern estrella
uní&o com cquele encargo de ensinar a verdade, do qual só a Igreja
é responscvel.

F^Í'crirJo esta fídelídad«, sao prejudicados todos o; ríóis, que,


obr¡sc'¿os a profestar a fé que receberam de Deus mediente a
Igrejc, té-n o sagrado direito de recebsr incontaminada a pnlovra de
Deus e, portanto, esperam que sejam mentidos longe dr;les, com
cuidado, os erres que os ameocem.

Porianto, quondo acontecer que um m&sfre de disciplinos sagra


das escelha e difunda, como norma da veidade, o próprio perecer
e nao o pensamento da fgreja e, apescr de íerem sido usadas con
sigo todos os meios superidoi pela caridade, continué no seu propó
sito, a honesliciade mr>sma re<|uer que a Igrejo ponha em evidencia
tal compor^omento e estabeleca que tal pt;?so-i ¡á nao pede snsinar
em virlude da missao déla recebida.
Tct missao canónica, de fato, é ¡«r. rv.imho de confionca reci
proca ¡ eonfianca da competente auíc:i.^''de eclesiástica relativa
mente ao teólogo, odo no seu encargo de pesquisa e ensino se
co.Tipt;.-!a como teóiogo católico; e con Hunco d& mesmo teólogo reía-

— 98 —
O CASO HANS KÜNG

tivamente á Igreja, por cu¡o mandato cumpre a sua missdo, e relati


vamente a doutrina íntegra da mesma.
• * •

Como alguns escritos do sacerdote professor Hans Küng, difun


didos em tantos países, e a sua doutrina produzem perturbacao ñas
almas dos fiéis, os bispos da Alemanha e a própria Congregacao
pora a Doutrina da Fé, de comum acordó, repetidamente o aconse-
Iharam e admoestaram, pretendendo levá-lo a exercer a sua ativi-
dade de teólogo em plena comunhóo com o magisterio auténtico
da Igreja.

Com tal espirito, a Sagrada Congregacao para a Doutrina da


Fé, cumprindo a sua missao de promover e tutelar a doutrina da fé
e dos costumes na lgre¡a universal, com público documento de 15
de fevereiro de 1975, declarou que algumas opinióes do professor
Hans 'Küng se opóem em diversos graus á doutrina <fa Igreja que
todos os fiéis devem seguir. Entre elas indicóu, como de maior impor
tancia, o dogma de fé na infalibilidade da Igreja e a missáo de
interpretar auténticamente o único depósito sagrado da palavra de
Deus, confiado só ao magisterio vivo da Igreja, e também a consa
grando válida da Eucaristía.

Ao mesmo tempo, esta Sagrada Congregacco avisou o men


cionado professor que nao continuasse a ensinar tais doutrinas, man-
tendo-se entretanto á espera de que ele harmonizasse as próprias
opinioes com a doutrina do magisterio auténtico.
Todavia nenhuma mudanca houve até agora ñas citadas opinióes.
Consta isto em especial no que diz respeito á opiniáo que poe
pela menos em dúvida o dogma da iníaiibidade na Igreja ou o
reduz a certa indefeefibilidade fundamental da Igreja, na verdade,
com a possibilidade de erro ñas doutrinas que o magisterio da
Igreja ensina deverem ser acreditadas de maneira defintiva. Neste
ponto Hans Küng nada se conformou com a doutrina do magisterio;
pelo contrario, recentemente apresentou de novo, ainda moís expres-
samertte, a sua opiniño (em particular nos escritos Kirche — gehalten
in der Wahrheif? Editora Benzinger 1979, e Zum Geleit, introducá©
á obra de A. B. Hasler com o título Wie der Papst unifehlbar wurde,
Ed. Piper 1979), embora esta Sagrada Congregacáo tivesse entao
afirmado que ela contradiz a doutrina definida pelo Concilio Vati
cano I e depois confirmada pelo Concilio Vaticano II.
Além disso, as conseqüéncias de tal opiniáo, sobr-etudo o des-
prezo pelo magisterio da Igreja, encontram-se ainda em outras obras
por ele publicadas, sem dúvida com detrimento de varios pontos
essenciais da fé católica (por exemplo, os relativos a Cristo con-

— 99 —
W PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 213/1980

substancial com o Pa¡ e a Bem-aventurada Virgem María), pois é


atribuido a esses pontos um significado diverso daquele qué enten-
deu e cntende a Igreja.

A Sagrada Congregacáo para a Doutrina da Fé, no documento


de 1975, absteve-se, na altura, de nova acao quanto as mencionadas
opínioes do prof. Küng, presumindo que ele as viria a abandonar.
Urna vez, porém, que tal presuncao ¡á nao se pode manter, esta
Sagrada Congregacáo, em virtude do seu encargo, sente-se obrigada
g declarar afuatmente que o prof. Küng se afastou, nos seus escritos,
da integridade da verdade da fé católica, e portanto já nao pode
ser considerado teólogo católico nem pode, como tol, exercer o
cargo de ensinar.

No decurso da audiencia concedida oo abaixo-assinado Cardeal


Prefeito, o Sumo Pontífice Joáo Paulo II aprovou a presente Decla-
racáo, decidida na reunido ordinaria desta Congregacáo, e ordenou
que fosse publicada.
Roma, na :edc da Sagrada Congregacáo para a Doutrina da
Fé, 15 de dezetnbro de 1979.

FRANJO Card. SEPER


Presidente

Fr. Jéróme Hamer O.P.


Arcebispo titular de Lorium
Secretario»

II. Á MARGEM DA DECLARADO


A fim de facilitar a compreensáo do texto da Santa Sé,
publicamos, a seguir, com certas minucias alguns antecedentes
desse documento, mencionados sumariamente pela S. Congre-
gaeáo para a Doutrina da Fé no texto atrás transcrito.
O caso Hans Küng comejou com a publicagáo da obra
(leste autor intitulada Dic Kirche (A Igreja) em 1967. Com
ofeito, aos 30/04/1968, a S. Congregado comunicou ao pro-
fessor Küng que estava examinando tal livro. A S. Congre-
gaeáo convidou outrossim o mestre para um coloquio teoló
gico em Roma; esse convite foi reiterado mais de urna vez.
Embora Küng se mostrasse disposto a atender-lhe, nunca se
npresentou ao diálogo. Ao contrario, em 1970 publicou outro
Hvro ainda mais significativo, com o título Unfehlbar? Eine
Anfrage (Infalível? Urna pergunta); nesta obra, o autor admi
tía que a Igreja permaneca fiel á verdade através dos tempos
apesar das suas definicóes doutrinárias, que,. segundo Küng,
sao falíveis; os fiéis nao poderiam confiar nos pronunciamen-

— 100 —
O CASO HANS KÜNG 13

tos ex cathedra da Igreja em materia de fé e de Moral por


que cada qual destes poderia ser erróneo. Ora esta sentenca
feria os ensinamentos dos Concilios do Vaticano I (1870) e II
(1962-1965). que afirmaram solenemente a autoridade do ma
gisterio da Igreja através dos seus órgáos abalizados (os bis-
pos em unanimidade, os Concilios ecuménicos e o Sumo Pon
tífice quando fala ex cathedra) em materia de fé e de Moral.
Em conseqüéncia, a S. Congregaeáo abriu um processo
referente á obra Unfehlbar? e pediu a Küng que respondesse
a diversas perguntas. A volumosa correspondencia que daí se
seguiu entre o professor o a S. Congregado, nao foi satisfa-
lória para esta. Em vista disto, a S. Congregaeáo, ciento do
seu encargo de tutelar e promover a fé em toda a Igreja,
publicou aos 6/07/1973 a Declaracáo Mysterium Ecclesiae, que
reafirmava a doutrina dos Concilios referente á Igreja. Ao
niesmo tempo, a S. Congregacáo comunicou por escrito ao
prof. Küng que se mantinha aberta a possibilidade de colo
quio a respeito dos dois liwros em pauta (Die Kirche v
Unfehlbar?); apesar da mediacáo do Cardeal Julius Doepfner,
de Munique, nao se realizou o diálogo proposto. Aos 4/09/74,
o prof. Küng escreveu á S. Congregacáo, garantindo-lhe que
desejava utilizar o tempo de reflexáo que lhe fora concedido;
nao excluía a possibilidade de vir a conformar a sua dou
trina com a do magisterio da Igreja. Diante disto, a S. Con-
gregacáo» aos 15/02/75, transmitía a Hans Küng, por ordem
de Paulo VI, a advertencia de nao continuar' a defender e
ensinar as teses impugnadas, e acrescentava estar provisoria
mente suspenso .o processo de Küng em Roma, pois se aguar-
dava alguma manifestacáo do professor.
Entrementes, porém, ou seja, em 1974, Küng publicava
novo livro, intitulado Christ sein (Ser Cristáo), que se apre-
sentava como súmula da doutrina católica; nessa obra o autor
nao somente reafirmava suas posicóes anteriores, mas esten-
dia a sua contestacáo a novos pontos: nao professava a preexis
tencia e a Divindade de Cristo (Jesús Cristo é tido táo somente
como «lugar-tenente» ou «encarregado de Deus junto aos ho-
mens»); destruía, por conseguinte, a doutrina da SS. Trindade;
reduzia a lenda a doutrina da maternidade virginal de Ma-
ria SS.; atribuía aos leigos a faculdade de celebrar validamente
a S. Missa.
Diante dos fatos, a Conferencia dos Bispos da Alemanha.
aos 17/02/75, enviou urna Declaracáo ao prof. Hans Küng
recordando-lhe alguns principios fundamentáis da teologia cató-

— 101 —
14 tPKRGUNTE C RESPONDEREMOS» 243/1980

lica. Intimado ao diáiogo, o teólogo aceitou um coloquio com


representantes do episcopado alemáo durante varias horas na
cidade alema de Stuttgart aos 22/01/1977 — o que, porém,
nao teve resultado positivo. Por isto aos 17/11/77, os bispos
da Alemanha emitiram urna Declaragáo sobre o livro Christ
sein, documento este que foi apoiado pelos episcopados da Suica
e da Austria: entre outras graves faltas, apontava o reducio-
nismo de Küng ou a tendencia a reduzir Jesús Cristo a con-
digáo de mero homem; mostrava outrossim que o diáiogo
ecuménico (entre católicos, protestantes e ortodoxos) só po-
derá ocorrer ou continuar se todos guardarem fidclidade aos
sete primeiros Concilios ecuménicos (o sétimo foi o de Ni-
céia II em 787). Küng prometeu entáo repensar suas posigoes
e responder á hierarquia da Igraja. Todavía as esperancas se
extinguirán! quando em 1978 o teólogo publicou seu novo livro
Existiert Gott? (Deus existe?): esta obra nao nega a existen
cia de Deus, mas nega que ela possa ser provada pela razáo; e
aborda as questoes referentes a Deus, á SS. Trindade e a
Jesús Cristo.numa perspectiva reducionista.
No inicio de 1979, Küng voltou a editar novos escritos,
ainda mais convicto do suas posicóes anteriores. Tratava-se
de Kirche — gehalten in der Wahrheit? (Igreja — mantida
na verdade?) e Der neue Stand der Unfehlbarkeitsdebattc (Oo
estado atual dos debates sobre a infalibidade). prefacio do livro
de A. B. Masler: Wiu der Papst uníchlbiir wurtlc. Macht und
Oluunacht eines Dogmas (Como o Papa se tornou infalivei.
Forga e fraqueza de um dogma). Com estas publicacóes esta-
vam infringidas as condicóes postas em fevereiro de 1975 para
que fosse suspenso o processo contra Küng.
É o que explica tenha finalmente a S. Congregacáo para
a Doutrina da Fé emitido a Declaragáo de 15/12/79, devida-
mente aprovada por S. Santidade o Papa Joáo Paulo II e
atrás transcrita. Após dez anos de pacientes tentativas de diá
logo e entendimento, nao restava senáo encerrar o processo
com a proclamagáo de que Hans Küng perdeu as credenciais
para ensinar teología em nome da Igreja Católica. Era dever
da S. Congregagáo dar tal passo, pois o povo de Deus nao
podia ser mais longamente deixado na inseguranca frente as
doütrinas ensinadas por Küng; impunha-se urna atitude clara
e coerente da parte do magisterio da Igreja.
A Conferencia dos Bispos da Alemanha, aos 18/12 79,
houve por bem transmitir aos fiéis o seu pensamento o a sua
palavra ponderada a respeito do caso Küng, publicando urna
Declaragáo, da qual extraímos aqui a parte final:

_ 102 —
O CASO HANS KÜNG 15

. «O profesor Küng, com inflexibilidade fem ex-emplo e com


rara incorrigibilidade -¿ isto vale apesar das declaracóes contrarias,
por sua parle, de estar disposto ao diálogo —, nao se deixou mover
nem pela vasta discussao feológica nem por iniciativas do magisterio
para completo.', modificar ou corrigir as suas doutrinas. Nesfe mesmo
contexto hao do se colocar também os seus ataques, em parte desme
didos, contra a disciplina e a ordem da Igreja.
Por estes motivos tornou-se inevitável a decisao tomada pela
Congregacao para a Doutrina da Fé. A Conferencia Episcopal Alema
lamenta que tantas tentativas de outra solocao tenham falhado.
A Congregacao para a Doutrina da Fé, a Conferencia Episcopal
Alema, como também o bispo de Rolfemburgo nao deixaram dúvida
de nao vir a perder de vista a sua missáo de guardar a fé da Igreja.
O< membros da Igreja, por seu lado, fém direito a urna pregacao
fiel e a urna certeza na fé {que nao pode ser trocada por falsa
seguranca), pregacao e certeza tornadas possíveis também por meio
de autoridade docente da lgre¡a, espaldada na infalibilidade garan
tida pelo Espirito de Deus. Insistir nesta conviccao significa manter
a identidade da l.greja Católica. Esta identidaae é, por outro lado,
o pressuposto para um verdadeiro diálogo ecuménico e para o cum-
primento das obrtgacóes da Igreja perante a sociedade.
A Conferencia Episcopal Alema pede aos fiéis da Igreja Cató
lica, aos ou.tros cristáos e a todos os homens interessados na vida
da Igreja que ve¡am e ¡ulguem o que foi decidido pela Congregacao
para a Doutrina da Fé, tendo eles presente o fundo de idéias des
crito. Os acontecimentos sao publicamente conhecidos de há anos
e como tais podem ser verificados.. A autoridade da Igreja nao per
mitirá que este acontecimento perturbador a faca desistir de pro
curar no futuro urna solucáo baseada no diálogo sincero, isto sempre
que se trate de chegar a um esclarecimento sobre opinioes teoló
gicas controversas.
O professor. 'Küng, em vírfude da decisño tomada, nao fieo
excluido da lgre¡a e continua como sacerdote. Mas, urna vez que
Ihe é retirado o Nshil obstat, perde o mandato de ensinar a teología
católica em nome da Igreja e como professar reconhecido pela
Igreía.

Colonia-Bonn, 18 de dezembro de 1979.

JOSÉ, Card. HOFFNER


Presidente da Conferencia Episcopal Alema»

Estas palavras evidenciam o trato humano e digno que


os bispos alemáes e a Santa Sé ofereceram ao Prof. Pe. Hans
Küng. Dez anos decorreram em conversagóes e tentativas de

— 103 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 243/1980

conciliacáo, antes que a Santa Se se visse obrigada, em vista


do bem comum dos fiéis, a declarar que Hans Küng já nao
pode ser tido como arauto da fé católica. Continuará a ensi-
nar o que ensinava, se o quiser, mas ao menos todos saberáo
que as suas proposigóes nao sao senáo opinióes pessoais, e nao
sentengas da Igreja. Pode-se dizer que a sangáo infligida a
Hans Küng foi lavrada pelo próprio mestre; nao é senáo a
proclamacáo pública de urna siluagáo que o próprio Prof. Küng
escolheu para si: tendo-se distanciado consciente e pertinaz
mente da doutrina da Igreja, era preciso, a bem da verdade,
que isto fosse declarado publicamente. A Igreja, como Máe e
Mestra, mostrou-se assaz benigna para com osse seu filho,
reconhecendo-lhe ainda as facuidades sacerdotais, entre as
quais a de celebrar a S. Missa.
É de notar ainda urna ocorréncia posterior á Declaracáo
da Santa Sé datada de 15/12/79. Cíente de que fora desti
tuido do titulo de teólogo católico, o Prof. KUng esteve com o
bispo de Rottenburg, D. Moser, em cuja diocese se encontra
a Universidade de Tübingen, e afirmou ao prelado estar pronto
a esclarecer suas opinióes. Redigiu entáo urna «tomada de
posigáo» (Stellungnahmc) diante da sentenga de Roma. Em
conseqüéncia, o S. Padre Joáo Paulo II convidou os Cardeais
da Alemanha, o bispo de Rottenburg e o arcebispo de Fri-
burgo (Breisgau) para um coloquio no Vaticano, ao qual
comparecerían! também o Cardeal Secretario de Estado, o Pre-
feito e o Secretario da Gongregagáo para a Doutrina da Fé.
Esta reuniáo efetuou-se aos 28/12/79: após atento e prolongado
exame da «tomada de posigáo» de Küng, os participantes reco-
nheceram unánimemente que era insuficiente para justificar
qualquer alteragio da sentenga da S. Congrogacáo para a
Doutrina da Fé. Ficou, pois, confirmada a atitude da Santa Sé
datada de 15/12/79. Todavía as autoridades eclesiásticas ern
Roma e na Alemanha continuam a nutrir a esperanca de que
o prof. Küng reveja as suas opinióes, dado que repetidamente
exprimiu o desejo de continuar a ser um teólogo católico.
Tanto a S. Congregacjio para a Doutrina da Fé como os bis-
pos da Alemanha estáo dispostos a aceitar nova «tomada de
posicáo» de Küng, desde que satisfaca devidamente as exi
gencia da reta fé e da fidelidade ao Senhor Jesús.
Possa, pois, o prof. Küng reconsiderar a atitude tomada e
seguir humildemente as inspira cóes do Espirito de Deus nesta
hora importante da historia da Igreja!
A propósito veja-se L'Osservatore Romano, ed. hedomadária de
30/12/79 e B/01/80.

— 104 —
Um enfoque especial:

o caso schillebeeckx

^m sinlese: o presente artigo aptesenta o caso do teólogo beJga-


-holandés Pe. Edward Schillebeeckx O.P.. cujas obras esláo sendo exa
minadas em Roma. O autor loi convidado em novembro pp. pela televisSo
holandesa para urna entrevista, cujo texto é traduzido e transcrito a seguir:
aborda os nove pontos que a S. Congregacáo para a Ooutrina da Fé Ihe
pediu explicasse melhor, a fim de evitar os equívocos e as reticencias
que ele contém.

Acrescenta-se ao texto da entrevista um comentario dos nove pontos,


de modo a oferecer ao leitor as informacoes necessárias á compréensao
do caso em foco. Em suma, pode-se dizer que Schillebeeckx se torna sus-
pelto pelo lato de nao dizer certas verdades que pertencem ao patrimonio
da fé; a conseqüéncia de tais omissóes é a reducáo de Jesús Cristo á
condicáo de mero homem. Schillebeeckx, pessoalmente, nao tenciona negar
a Divindade de Cristo, mas nao a afirma suficientemente, podendo asslm
induzir em erro o público ledor.

Comentario: Kdwarcl Schillebeeckx nasceu na Bélgica em


1914. Tomou-se Religioso e presbítero na Ordem dos Prega-
dores (Dominicanos). HA vinte e dois anos leciona Teología
na Universidade de Nimega (Holanda). É autor dé numerosas
obras teológicas, das quais as primeiras foram recebidas com
tranqüilidade e agrado polos ambientes estudiosos. Acontece,
porém, que desde 1977 os seus escritos mais recentes estáo
sendo examinados pola S. Congregaqáo para a Doulrina da Fé.
Sao principalmente dois os livros focalizados: Jesús, het ver-
haJU van een levende (Jesús, a historia de um vivente) ' e
G«rechtigh<'¡t en liefde. Grande en bevrijdíns (Justina o Amor.
Graca em Libcrtarao).

A obra Jesús... utiliza as lesos do chamado «Método da


Historia das Formas», procurando distinguir no Evangelho
diversas carnadas de TradiQüo — o que leva a conclusóes, por
vezes, ambiguas ou pode minimizar e relativizar as afirmacóes
da doulrina da fé. Schillebeeckx, seguindo tendencia vigente
entre autores católicos e protestantes, enfatiza a humanidade

1 Em inglés, Jesús : An experiment in Christotogy, Seabury, 767 pp.

— 105 —
18 «¡PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 243/1980

de Jesús mais do que a sua Divindade, a fím de tornar mais


acessivel ao grande público a mensagem crista. Um ¿Sfde
teólogo jesuíta, Pe. Jean Galot S. J., professor da UniveS
dade Gregoriana (Roma), chegou a perguntar .1 Schillebeeckx
atreves de um programa de radio, se nao estaría recaindo na
antiga heresia do arianismo\ pois parece negar a preexistén-
SS íe- ^S °U a eternidade d<> Filho de Deus no seio da
00. Trmdade.

Em agosto de 1979, o Pe. Schillebeeckx rGcebeu um cha


mado para encontrar-se em Roma com teólogos da S. Congre-
gagáo para a Doutrina da Fé no mes do dczombro. A noticia
desta convocacáo provocou certa agitaeüo: aos 19/10/79 for-
mou-se em Amsterdam um Comité pro Schililebeeckx, consti
tuido por cerca de cem teólogos e homens de cultura, os quais
enviaram um protesto a Roma e á Nunciatura Apostólica.
Aos 23/10/79, o decano, os professores da Faculdade de Teo
logía e outros docentes da Universidade de Nimega mostra-
ram-se favoráveis ao teólogo, asseverando que Schillebeeckx
procura táo somente traduzir, para o homem de hoje, a pes-
soa e a mensagem de Jesús Cristo, observando fidelidade ao
Evangelho, á Tradigáo e aos ensinamentos da Igreja. Aos
26/10/79 foi a vez dos professores da Universidade do Estado
Groningen... Asseguraram á S. Congregado para a Dou
trina da Fé que Schillebeeck é um homem de fé profunda,
fascinado pela pessoa de Jesús Cristo, mensageiro do Evange
lho para o homem de hoje.

Em suma, o radio, a televisáo e a imprensa escrita na


Holanda promoveram debates sobre o assunto, chamando
para tanto os mais notáveis expoentes da teología católica e
da protestante.

Neste contexto, o próprio Pe. Schillebeeckx, instado por


amigos, resolveu aceitar convite para urna entrevista á tele
visáo holandesa no comego do mes de novembro pp. O texto
dessa entrevista é elucidativo do problema; eis por que vamos
abaixo reproduzi-Io em traducáo portuguesa, valendo-nos, para
tanto, da publicagáo italiana II Regno n* 407, 15/11/1979
pp. 439-441.

'O arianismo, derivado de Arlo (t 336), no século IV enslnava que


Jesús é Deus criado ou o segundo Deus.

— 106 —
O CASO SCHILLEBEECKX 19

1. Urna entrevista de Schillebeeckx

«Nove pontos em foco

R(epórter) — Professor, como se senté na expectativa de des-


cer a Roma para o interrogatorio ?

Schillebeeckx — Recebi um dossié da Congregado para o


Doutrina da Fé, no qual me sao formuladas perguntas a respeito
dá Crístologia,J da preexistencia de Cristo, da unido hipostática,
da relacáo entre a humanidade e a Divindade de Cristo.. . Respondí
a essc questionário, mas a resposta nao satisfez a Roma e, por
¡sto, pediram-me que fosse a Roma para ter um coloquio com tres
teólogos, que seráo designados pela Congregacao para a Dou
trina da Fé.

R. — V. Rmo. sabe quem sao ?

S. — Nao !

R. — é lamentável.

S. — Certamente. Mas talvez ainda sejam publicados os seus


nomes. Nao sei. Em Roma terei que responder a respeito de nove
pontos concernentes á Cristologia e também á relacdo entre Revé-
lacáo Divina e experiencia humana.

R. — Tenho em máos os nove pontos de discussáo. Podemos


passá-los em revista.

Primeiro ponto: as dimensoes da verdade revelada. O con


texto da fé. O sentido da salvaedo crista.

5. — Nos meus dois livros de Cristologia coloque i a tónica


na experiencia humana. A Revelacao Divina apreende o homem
inserido na sua experiencia humana. Por conseguinte, nao podemos
opor Revelacao, de um lado, e experiencia humana, do outro. A
Revelacao nao se faz sem a experiencia humana e na experiencia
humana ela se exprime mediante conceítos e imagens.

R. — Segundo ponto : a funcao normativa do magisterio no


tocante á fé, a teología dos Concilios Ecuménicos e o alcance da
infalibilidade do Papa.

1 Cristologia é o estudo aprofundado da pessoa de Cristo.

— 107 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 243/1980

S. — Nao falo disso nos meus livros... Este silencio nao é


aceito, porque me limito á exegese do Novo Testamento e, em
conseqüéncio, nao falo de toda a Tradicáo crista. Faco urna síhtese
na base dos textos do Novo Testamento, e isto dá a ¡mpressáo de
que negó a importancia do magisterio do Papa.

R. — Terceiro ponto: Jesús Cristo, Filho de Deus, pessoa


preexistente, que se fez homem.

S. — Sim, também esta é urna questáo do dossié, bastante


abstrata. No meu livro, nao falo da preexistencia de Cristo, mas
aceito o grande simbolismo teológico subjacente á afirmacáo de
que Cristo é chamado o Filho de Deus como Jesús, como homem.
Por conseguíate, é preciso dizer que o Filho de Deus, antes de
ser Jesús, está em Deus. Mas de que modo? Estas sao interrogacoes
muito abstraías; de fato, délas nao falo no meu livro. Em última
onálise, a pergunta de Roma versa sobre o meu silencio.

R. — Quarfo panto : o valor de sacrificio da morte de Jesús.

S. — Aquí trata-se da grande questao da satisfacáo. Dízem :


o pecado foi táo grave que exigiu a morte do Filho de Deus. Ora
nao se pode aceitar esta afirmacáo. Nao negó, porém, o valor de
sacrificio e satisfacáo da morte de Jesús Cristo. Nao no sentido da
pregacáo corrente. . . Pois esta assim leva a negar o amor gra
tuito de Deus. NSo'foi Deus que entregou á morte o seu Filho, mas
foram os homens que mataram Jesús Cristo.

R. — Quinto ponto: a consciéncia que Jesús tinha de ser


Messias e Filho de Deus.

S. — É questao meramente histórica. Nada tem que ver com


a fé. Se Cristo talvez nao soubesse que era o Filho de Deus, nao
se segué que nao o fosse e que nos nao o devamos professar tal.
Por conseguinte, trata-se de questao meramente histórica. Nada tem
a ver com a fé. Sao os historiadores — e eu quis proceder como his
toriador — que dizem que Jesús nao tinha a consciéncia de ser o
Messias no sentido regio. Tinha, porém, urna consciéncic messiánica,
profética, escatológica.

R. — Problema exegético...

S. — Oh, sim !

R. — Sexto ponto : Jesús « a fundacáo da Igreja.

— 108 —
O CASO SCHILLEBEECKX 21

S. — Nao negó, ero meu livro, a fundacóo da lgre¡a por


Jesús. Apenas disse que Cristo Hnha a consciéncia do fim do mundo.
Nao concebeu um plano de fundacáo de unía Igreja; apenas r«uniu
doze apostólos. Isto se tornou, de fato, a fundacao da Igreja, que
recebeu a sua confirmacáo através da ressurreicáo.

R. — Sétimo ponto: a instituido da Eucaristía.

S. — A instituicáo da Eucaristía, eu a expus tongamente no


meu livro, porque ñas palavras da instituicao, como se encontram
nos sinóticos e em Sao Paulo, vejo diversas carnadas. Schürmann e
muítos exegetas o reconhecem. Também eu digo que tais palavras
sao fórmulas litúrgicas. Esta posicáo é unánimemente aceita. Por
isto nao se pode sustentar que se¡am palavras ditas pesoaIntente
por Jesús Cristo. Ora Roma nao aceita isto. Exige que digamos que
as fórmulas litúrgicas 'Isto é o meu corpo... Isto é o meu sangue'
sao palavras históricas de Jesús Cristo pessoalmente.

R. — Oítavo ponto : a conceicao virginal de Jesús.

S. — No meu livro digo apenas o que dizem Mateus e os


outros- evangelistas que disso falam. E qual é o sentido dessa pro-
posicáo? — O que pensó, nao o digo no meu livro. Digo que esta
é urna questao muito periférica para a Cristologia. Digo somonte
que há urna tendencia na Tradicáo, mas nao em toda a antiga
Tradicáo crista, que afirma que o Filho de Deus se fez homem sem
conceicao virginal. O que quero dizer, é que o menino é o Filho
de Deus. Nada mais.

R- — Nono ponto : a realidode objetiva da ressurreicáo de


Jesús.

S. — É esto a grande questao. A realidade objetiva é evi


dente. É tao evidente no meu livro... Mas nao ponho o acento
sobre o sepulcro vazio nem sobre as aparicáes. Digo apenas que a
origem da fé na ressurreicáo é urna especie de metqnoia, de con-
versáo, após a morte do Senhor. Conversao dos Apostólos, que,
depois da morte de Cristo, experimentaram a sua presenc/a pneumá
tica. E descreveram isto sob forma de aparicóes. Mas, para mim,
nao sao as aparicóes como tais o fundamento da nossa fé. Nao
negó a objetividade. As aparicóes... Que sao? Alucinacóes ?
Ilusóes ?

Outrora Rahner

R- — Na Holanda e olhures ■ diz-se que Roma poderia, em.


relácelo a V. Rma., tomar as mesmas providencias adotadas no caso

_ 109 _
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 243/1980

do teólogo dominicano francés Pohier, a quem proibiu presidir a


assembléias litúrgicas, ensinar e realizar conferencias públicas. Que
julga V. Rma. a propósito ?

S. — Os dois casos sao substancialmente diversos.

R. — Tem receio ?

S. — Nao.

R. — Em 1968, V. Rma. foi defendido por KarI Rahner.

S. — Em 1968 nao fui a Roma, Rahner defendeu-me. E todos


os consultores unánimemente admitiram que as minhas obras nao
tinham ferido a ortodoxia.

R. — Por que, desta vez, deve ir a Roma ?

S. — Porque isto é previsto pelo estatuto. * Roma nao se deu


por satisfeita com as minhas respostas.

R. — Assim poderá explicar melhor a sua posicao teológica


e dissipar as ambigüedades.

S. — Já o fiz. Num dossie de trinta páginas e em um livrinho


publicado fambém em atemáo. EnvVei-os a Roma. Mas, apesar disto,
serei interrogado sobre nove pontos. Todos estes, eu ¡á os expliquei,
tanto no dossiS como no livro. Nao compreendo por que os deva
explicar pela terceira vez. Isto significa que os teólogos romanos
e eu pensamos diversamente.

R. — Segundo V. Rma., nisso tudo há a influencia da nova


oríentacáo, doutrinalmente tradicionalista, de Joáo Paulo II ?

S. — Nao o sei. Para dizer a verdade, o meu processo come*


cou durante o pontificado de Paulo VI. A minha convocacáo foi
assinada por Paulo VI. Foi renovada por Joño Paulo H.

R. — V. Rma. está tranquilo ?

S. — Estou muito tranquilo. Mesmo que nao compreendo, visto


que mandei o dossie e o livrinho, a obstinac&o romana, a qual, de
certo modo, despertó receio.

1 Cf. p. 94s deste fascículo, onde ó explicado o procedlmento para


ó exame de livros em Roma.

— 110 —
O CASO SCHILLEBEECKX 23

R. — ... De urna condenacao ?

S. — Nao creio. Talvei.. . de urna admoestacao. Como no


caso de Hans Küng\

R. — Conhece o recente livro do Cardeal Párente, que o jor


nal L'Osservatore Romano elogiou ?

S. — Nao o conheco. Também eu li L'Osservatore Romano. Sei


que ataca Küng, Schoonenberg, Rahner e a mim. £ homem de mais
de oitenta anos. Todavía creio que influenciará os Cardeais que
hao de ¡ulgar o meu caso : Felice, Baggio, Rossi, Seper e os outros
que nao moram em Roma : WiUebrands, Volk, Krol.

R. — V. Rma. já falou com Willebrands ?

S. — Ah, sim !.. . Para ele, nada há de herético. É um livro


ortodoxo. Ele «stá tranquilo. Eu, porém, Ihe disse : 'V. Emcia. ocha
que é ortodoxo, mas os outros Cardeais nao pensam assim'.

R. — O Cardeal Alfrink feria dito numa reunido de jovens :


'Leiam a Biblia £ deprois o livro de Schillebeeckx...'.

S. — Sim, ele o disse. Há alguns dias, falando na Universidade


de Nimega em solene sessáo académica, ele me defendeu sem citar
o meu nome».

Importa agora tecer algumas consideracóes que elucidem


os pontos debatidos entre o teólogo Pe. Schillebeeckx e a
S. Congregacáo para a Doutrina da Fé.

A explanagáo abaixo servirá também para esclarecer


parte da problemática da Teología contemporánea, que se
prende aos nomes de autores famosos como Küng, Póhier,...

2. Comentando...

Procuraremos abaixo repassar os nove pontos sobre os


quais Schillebeeckx foi chamado a responder em Roma.

1° ponto : As dmensoes da veráade revelada

A filosofía moderna fenomenológica e existencialista póe


grande énfase sobre o sujeito e a subjetividade. Desta ma-
neira procura dar sentido concreto e vivencial á verdade fría
e objetiva, cujo valor e significado para o sujeito (= «para

1 Estas palavras foram proferidas em novembro 79, antes da sontenca


sobre Hans Küng.

— 111 —
24 ¿PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 343/1980

mim») ela sempre póe em foco. Nao há dúvida, este propó


sito é válido. ^ vezes, ¡Jbrém, pode tornar-se exagerado, des
cuidando da objetividade e da universalidade da verdade. Ru-
dolf Bultmann (t 1974) é testemunha dessa tendencia a redu-
zir a fé a mera atitude psssoal, subjetiva, que nada professa
de objetivo ou de umversalmente válido aos olhos da inteli
gencia. Ora, segundo a doutrina católica, as verdades da fé
tém significado objetivo intelectual. Por isto os teólogos que
realcam a experiencia subjetiva da Revelagáo divina sem acen
tuar suficientemente o caráter objetivo e intelectual da mesma,
correm o risco de nao interpretar devidamente o pensamento
católico.

2? ponto: O magisterio da Igreja e a teología

O trabalho do teólogo há de levar sempre em conta os


ensinamentos do Magisterio da Igreja através dos séculos,
quer este se tenha manifestado ordinariamente pela voz uná
nime e constante dos bispos esparsos pela térra, quer pela
palavra dos Concilios Ecuménicos. O teólogo nisto se dife
rencia do filósofo: ele procura aprofundar a Palavra de Deus,
que Ihe chega através de dois cañáis inseparáveis um do outro:
a Tradicáo oral (da qual o Magisterio é o porta-voz qualifi-
cado) e a Tradicáo escrita (a Biblia) colocada no contexto
da Tradigáo oral. A propósito dizia o S. Padre Joáo Paulo II
aos representantes dos Institutos Teológicos de Roma aos
16/10/1979:

"A humildade sugere ao teólogo a devlda atitude dlante da Igreja.


Ele sabe que á Igreja fol confiada a Palavra para que Ela a anuncie ao
mundo, aplicando-a a cada época e tornando-a asslm realmente atual.
Ele o sabe e por Isto se regozlja.

Em conseqüencia, ele nSo hesita dlzer com Orígenes: 'A minha


aspiracSo ó a de ser realmente da Igreja' (In Le h. 16), estar em plena
comunhao de pensamento, de sentlmentos, de vida com a Igreja, na qual
o Cristo se torna contemporáneo de cada geracSo humana. Por ser verda
deramente um homem de Igreja, ele estima o passado da Igreja, medita
a historia desta, venera e explana a sua TradlcSo. Mas nfio se delxa
encerrar num culto nostálgico das expressSes históricas particulares e
contingentes, dente de que a Igreja ó um misterio vivo que camlnha sob
a direefio do Espirito Santo. Da mesma forma, ele recusa as propostas
de ruptura radical cóm o passado, que cedem ao mito fascinante de um
novo comeco: ele ere que o Cristo está sempre presente na sua Igreja,
frioje como ontem, para continuar a sua vida e nfio para recomecá-la"
(transcrito e traduzldo de La Documantatlon Cathollque, 18/11/79, p. 956).

— 112 —
O CASO SCHILLEBEECKX

3* ponte: A preexistencia de Cristo

A doutrina da preexistencia de Cristo professa que, antes


de se encarnar ño seio de María Virgem, o Filho de Deus exis
tia no seio da SS. Trindade. Encarnando-se, o Filho toma o
nome humano, civil, de Jesús, o Cristo, isto é, o Ungido, o
Messias.

Como se ye, a preexistencia de Cristo é correlativa á Di-


vindade de Jesús. Quam nao a professa, pode sugerir que Je
sús Cristo era mero homem, que comecou a existir quando
concebido no seio da Virgem.

Schillebeeckx nao tenciona negar a Divindade de Jesús;


mas nao é lícito a um teólogo guardar o silencio sobre ponto
táo importante da Cristologia; induzkia a mal-entendidos e,
possivelmente, a erros. Nenhum autor cristáo deve procurar
atrair os nao cristáos, silenciando temas cssenciais da mensa-
gem evangélica. Leve-se conta o testemunho de Sao Joáo, que
professa a preexistencia do Logos de Deus:

"No principio era o Legos, e o Logos estava com Deus, e o Logos


era Deus. No principio ele estava com Deus... E o Logos se fez carne
e habitou entre nos e vimos a sua gloria..." (Jo 1,1s.14).

4? ponto: O valor de sacrificio da mort» de Jesús

Já as profecías do Antigo Testamento apresentam o Ser


vidor de Javé como vitima que, por sua morte, expia os peca
dos alheios. Vejam-se os dizeres de Isaías 53,4-6.10:

"Ele lomou sobre si as nossas enfermedades e carregou-se com as


nossas dores. Nos o julgávamos acollado e ferido por Deus e humilhado,
mas fol transpassado por causa dos nossos delitos e espezinhado por
causa das nossas culpas. A punicáo, salutar para nos, fol Infligida a ele.
e as suas chagas nos curaram. Todos nos, como ovelhas, nos desgarra
mos, cada um seguía o seu camlnho. Mas o Senhor fez recair sobre ele
as culpas de todos nos... Aprouve ao Senhor que o espezinhado e trans
passado, oferecondo a sua vida em explacSo, gozasse de urna descen
dencia longeva e por seu meló se reallzasse o inte-'*) do Senhor".

Em linguagem de Novo Testamento, dir-se-ia:

Como segundo Adáo, Jesús assumiu a natureza e as fal


tas do primeiro Adáo e, a partir dessa natureza humana peca
dora, prestou ao Pai um tributo de amor ou de obediencia até
a morte; assim a mesma natureza que pecara, ofereceu satis-
facáo ao Pai. — Alguns autores de épocas passadas podem
ter exagerado o caráter expiatorio da morte de Jesús, dizendo

— 113 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 243/1980

que o Pai exigirá tal sacrificio á semelhanga de um soberano


da térra que exige desagravo e reparaeáo. Tal apresentacjio
da doutrina seja deixada de lado na medida em que é antro-
pomórfica; nao se perca, porém, a consciéncia do sacrificio
expiatorio de Jesús, professado, alias, pelo próprio Cristo em
Me 10,45: «O Filho do Homem nao veio para ser servido, mas
para servir e dar a vida em resgate por muitos>.

5* ponte: A conscíénda psicológica de Jesús: sabia Ele ser


o Ribo de Deus e o Messias ?

É este talvez o ponto niais ncvrálgico da Cristologia, am-


píamente estudado nos últimos tempos. Todavía, para pene
trar no assunto, os teólogos dispóem, como fonte histórica,
apenas dos escritos evangélicos, redigidos no século I. Se é
difícil, ou mesmo impossivel, penetrarmos no íntimo das cons-
ciéncias das pessoas com quem convivemos, deve-se dizer que
é muito mais difícil, se nao de todo impossivel, penetrarmos
no intimo de Jesús Cristo, que viveu 'mais de dezenove sáculos
atrás.

Eis, porém, o que a respeito se pode dizer se se levam em


conta nao somente as fontes históricas, mas também os dados
da Revelagáo:

Ensina o Concilio de Calcedonia (451) que em Jesús havia


urna só pessoa (a segunda pessoa da SS. Trindade) ou um só
cu ontológico e duas naturezas: a divina e a humana. Quando
o Filho de Deus se fez homem, nada perdeu do que possuia
como Deus, preexistente á Encarnagáo, isto é, conservou a
oniciéncia, a onipoténcia e os demais atributos de Deus; além
disto, passou a ter também os predicados de um verdadeiro
homem (entre outros, a inteligencia discursiva e a capacidade
de aprender). Jesús entáo aprendía como homem (cf. Le
2,40.52). Pergunta-se entáo: como se comunicavam entre si
as duas naturezas de Jesús, unidas entre si pelo mesmo eu
ontológico? A fé ensina que nao se misturavam, mas que tam
bém nao se separavam urna da outra. Os teólogos, como Rah-
ner, Lonergan, Galtier, Párente..., tém estudado minuciosa
mente esta questáo e, em conseqüéncia, apresentam um leque
de posicóes matizadas, que nao vem ao caso expor aquí. Em
suma, nao é possivel definir alguma sentenga que esclareca o
assunto, se o queremos elucidar a partir da temática da uniáo
hipostática ou da fórmula de Calcedonia. — E>s, porém, que,
levando-se em consideragáo outro aspecto da Encarnacáo, che-
ga-se a urna conclusáo mais segura. Com efeito, toda a Tra-

_. 114 —
O CASO SCMLLEBEECKX 27

digáo ensina que, na própria consciéncia humana de Jesús,


havia, além das nocóes adquiridas por suas faculdades huma
nas de conhecimento, um tanto de ciencia infusa: esta Lhe
dava a saber quem Ele era como homem, e qual a sua mis-
sáo ou qual o plano do Pai que Lhe tocava cumprir. Seria
absurdo que Jesús ignorasse isto como homem, pois seria entáo
um profeta destituido de elementos necessários á reta exe-
cucáo da sua missáo. Por conseguinte, nao se pode dizer que
Jesús ignorasse ser o Filho de Deus e o Messias; seria dizer
que Ele ignorava a sua identidade ou o que há de mais fun
damental num individuo.
Schillebeeckx, em sua entrevista, alega ter-se colocado na
posicáo de historiador; como tal, ele nao professou a conscién
cia messiánica de Jesús. Ora pergunta-se: por que é que um
teólogo deixaria de ser teólogo ao tratar deste ponto? O pú
blico espera dos teólogos a palavra da teología, e nao apenas
a da historia.
O que dizemos a propósito de Schillebeeckx, aplica-se
outrossim aos escritos de Frei Leonardo Boff (a cuja pessoa
devotamos todo o respeito. Este teólogo propóe, em seu livro
«Jesús Cristo Libertador», a imagem de um Cristo que ignora
o desfecho de sua vida; terá ceado na quinta-feira santa sem
ter a consciéncia de estar instituindo a S. Eucaristía como
perpetuagáo litúrgica do seu sacrificio. Ora tal tese, entre
outras, foi motivo de interrogatorio da parte de Roma ao teó
logo brasileiro.

6' ponto: Jesús e a fundajáo da lgre¡o

Este ponto se liga ao anterior. Se Jesús ignorava o des


fecho de sua missáo, nao terá tido a intencáo de fundar a
Igreja como sacramento que prolonga a obra redentora do
Senhor Jesús.
Os modernistas, no inicio do secuto XX, atribuiam a Je
sús um engaño a respeito da historia; Jesús terá. imaginado
que o fim do mundo estava próximo, mas se iludiu. Loisy for
mula a tese modernista nestes termos: «Jesús anunciava o
Reino, isto é, a consumacáo da historia e o julgamento final
dos povos, mas o que veio, foi a Igreja». Alguns teólogos
contemporáneos tém repetido esta proposigáo, que atribui a
Jesús grave erro de perspectiva e, portanto, nao se concilia
com a oniciéncia divina de Jesús.
Verdade é que Jesús parece referir-se ao Reino de Deus
como algo de iminente, que pora fim 'á historia; cf. Mt 10,23;

— 115 —
28 --PERGUNTE E RESPONDEREMOS; 243/ iftSO

16,28; Me 9,1. — Todavía, levando raí conta a iinguagem dos


Profetas bíblicos, os exegetas explicam que a vinda do Filho
do Homem em seu Reino, predita por Jesús para breve, é a
que ocorreu na queda de Jerusalcm em 70 d.C; esta catás
trofe equivaleu ao juízo de Deus sobre Israel. Nao há, pois,
texto bíblico que obrigue a dizer que Jesús se tenha engañado
quanto ao futuro da sua missáo. Ao contrario, as parábolas
de Mt 13, principalmente a do joio e do trigo, a do grao de
mostarda e a da rede lancada ao mar, mostram que Jesús tinha
consciéncia muito nítida'da longa duragáo do seu Reino, iden
tificado com a realidade da Isreja. Cf. J. Jeremías, Les para-
boles de Jesús. Ed. Xavier Mappus, Le Puy, pp. 118-121 (a
Iradugáo brasileira deste Hvro é compendiada em relacáo ao
texto alemáo e ao francés).

7* ponto: A inst¡tuic.6o da S. Eucaristía

Também este ponto se prende ao da preciéncia ou ao da


consciéncia messianica.de Jesús. Há quem diga que, ao cear
pela última vez na quinta-feira santa, Jesús ignorava o sen-
lido de tal ceia; esta, na verdade, seria renovada futuramente
pelos Apostólos para perpetuar o seu sacrificio. Ora, se Jesús
ignorava o sentido dessa ceia, dir-se-á que, se hoje ela é tida
como ceia sacrifical, isto se deve á interpretagáo que os dis
cípulos lhe deram após Pentecostés. Tal é o problema a
respeito do qual a S. Congregacáo da Fé quis interrogar
Schillebeeckx.

Pois bem. Schillebeeckx alude as fórmulas de instituigáo


da S. Eucaristía; cf Mt 26,26-28; Me 14,22-25; Le 22,19s;
1 Cor 11,23-25 (queira o leitor confrontar estes textos entre
si na Biblia). O teólogo assevera que tais fórmulas nao saí-
ram dos labios de Cristo, mas sao fórmulas da liturgia pos
terior. Tal afirmativa é ambigua. Poderia ser entendida no
sentido de que Jesús nao intencionava, de modo algum, insti
tuir a S. Eucaristía como perpetuagáo sacramental do sacri
ficio da Cruz; tal concepgáo dé Eucaristía nao se derivaría de
Jesús, mas táo somente dos primeiros cristáos. Ora este enten-
dimento seria erróneo e contrario á doutrina da fé.

Como entáo entender as fórmulas da instituigáo da Euca


ristía nos Evangclhos e em ICor?

Considerando as quatro fórmulas eucarísticas transmiti


das pelo Novo Testamento, verificamos que se agrupam em
duas. familias litúrgicas (a de Mt c Me v a de Le e ICor); nao

— 116 —
O CASO SCHILLEBEECKX 29

sao literalmente idénticas entre si (embora o sejam quanto


ao sentido), porque nenhum Apostólo presente á última ceie
tratou de gravar na memoria ou taquigrafar as palavras com
que Cristo instituiu a S. Eucaristía. Por isto, quando depois
de Pentecostés repetiram os gestos de Cristo na última ceia,
os discípulos reproduziram com palavras semelhantes ou equi
valentes o que Jesús quisera dizer entáo. Essas palavras equi
valentes foram-se estratificando em familias litúrgicas (a
antioquena, a romana, a alexandrina...) de modo que, quando
os evangelistas redigiram a narracáo da última ceia, transmi-
tiram as palavras de Jesús tais como eram reproduzidas em
duas das familias litúrgicas do século I. Pode-se, pois, dizer
que as palavras do Evangelho nao sao literalmente as que
Jesús proferiu na última ceia. Disto, porém, nao se segué que
nao correspondem fiel e exatamente as intencóes de Cristo e
as fórmulas que o próprio Jesús usou na última ceia. Ao con
trario, elas refletem com unanimidade aquilo que os Apostó
los entend.eram entáo e, em conseqüéncia, aquilo que Jesús
quis dizer. Estas consideracóes evidenciam que c gratuito afir
mar que Jesús ignorava o significado da sua última ceia e,
por isto, nao lhe atribuiu, ele mesmo, o sentido de ritual litúr
gico que perpetuaría o sacrificio da Cruz.
Por conseguinte, se Schillebeeckx afirma, sem mais, que
as palavras evangélicas relativas á instituigáo da Eucaristía
nao sao de Jesús, mas sao fórmulas litúrgicas, pode ser mal
entendido. É, pois, com razáo que os teólogos pedem ao autor
holandés que explique melhor a sua posicáo. Por que resolveu
Schillebeeckx ser táo reticente neste (c em outros pontos) da
sua explanacáo cristológica?

8' ponto: A conce¡$óJo virginal de Jesús


A propósito diz Schillebeeckx que reproduziu as afirma-
góes dos evangelistas. Ora estas sao assaz claras no sentido
da conceicáo virginal de Jesús; cf. Mt 1,18-25; Le 1,26-38; 2,7.
Este fato bíblico tem o seu significado teológico profundo: Je
sús nao teve pai na térra porque é Filho do Pai celeste; María
recebe diretamente de Deus a sua prole, e nao de um homem.
porque tal prole nao é simples criatura e, sim, Deus feito
homem.

9* ponto: A realidade objetiva da ressurreisáo de Jesús


Schillebeeckx nao nega a realidade objetiva da ressurrei-
cáo de Cristo, pois esta é essencíal ao patrimonio da fé; cf.
ICor 15,13-17. Todavía o teólogo holandés nao valoriza as

— 117 —
30 cPERGUNTE E RESPONDEREMOSs. 243/19SO

aparigóes do Ressuscitado aos Apostólos e discípulos, aven


tando a hipótese de que tenham sido alucinacóes subjetivas e
ilusorias dos Apostólos; a fé na ressurreieao ter-se-ia origi
nado, nos Apostólos, em conseqüéncia de uma especie de con-
versáo dos mesmos após a morte do Senhor. Ora tal posicáo
é estranha e ambigua, pois mais uma voz eníatiza domáis o
aspecto subjetivo das proposicóes *l.-i fé, com detrimento do
que elas tém de objetivo. Além disto, note-se o texto de ICor
15,3-8: é citacáo de uma profissáo de fé da Igreja antiga, que,
como se julga, foi redigida entre 33 e 39, isto é, poucos anos
depois da Ascensño do Senhor; é o eco vivo e imediato da fé
dos cristáos que professavam a ressurreicüo do Senhor, apon-
tando os casos de aparicóes que acompanhavam tal profissáo
de fé.
Eis o que, em termos sucintos, se pode dizer sobre os pon
tos «delicados» dos escritos cristológicos de Schillebeeckx.
Como se vé, em grande parte, as posicóes deste teólogo im
pugnadas se devem a reticencias e omissóes ambiguas ou se
baseiam em hipóteses sujeitas a discussáo.
Por que terá Schillebeeckx escolhido tal modo de conce-
ber a sua Cristologia?

Certamente, ele o fe'z para falar uma linguagem nova,


mais condizente com teorías exegéticas recentes, algumas
oriundas de escolas protestantes (embora passiveis de ser adap
tadas á concepeáo católica). Ü tetilogo talvez quisesse facilitar
o diálogo entre a Igreja e o mundo moderno. O fato, porém,
é que tal apresentacáo, de certo modo, trai as verdades da fé,
deixando inexpressos pontos importantes das mesmas e pos-
sibilitando aos leitores entendimento diverso daquele que a fé
católica professa. É, pois, com pleno direito que a S. Igreja,
Máe e Mestra, pede a Schillebeeckx que resolva ás suas ambi-
güidades e diga com clareza o que pensa e o que pretende
ensinar. É em vista do bem comum do povo de Deus que a
Igreja o pede.

Bibliografía:
Concilio Vaticano I. Constituido dogmática "Del Rlius", cap. IV;
Oenzinger-Schonmetzer n° 3018.
Concilio Vaticano II, ConstltuicSo "Lumen Gentlum", n? 11, 12, 25.
Constituicio "Del Verbum" n"? 10.
JoSo Paulo II. Constituicio Apostólica "Sapientla Chrlstlana",
art. 27 e 70.
Encíclica "Redemptor Hominls" n<? 19.
Paulo VI, Exortacio Apostólica "Quinquo lam annl".
Motu propilo "Integrae Servondao" n? 1, 3 e 4.

— 118 —
Um carteio público:

ainda o documento de puebla

Em sintese: O presente artigo refere-se a um carteio público ocor-


rido entre o Sr. Arcebispo de Aracaju e a Presidencia da Conferencia Na
cional dos Bispos do Brasil (CNBB). O Sr. Arcebispo O. Luciano Duarte,
em novembro de 1979, aponlou ¡nterpretapóes tendenciosas do Documento
de Puebla expressas ñas Introdugóes a esto Documento publicadas, junta
mente cpm o texto de Puebla, por duas editoras católicas; em conseqüén-
cia, pedia providencias ao Sr. Bispo presidente da CNBB.

A esta carta respondeu o Secretario Geiat da CNBB, D. Luciano Men-


des do Almeida, observando que a CNBB nao é responsável por tais Intro-
ducdes, as quais foram solicitadas a dois teólogos pelas referidas editoras;
a CNBB apenas responde pelo texto oficial do Documento de Puebla, nao,
porém, pelas ediedes do mesmo. Nestes termos a CNBB eximiu-se de
responder as objegoes feitas por D. Luciano Duarte ao trabalho dos teó
logos em pauta...
« « ■»

Comentario: Em novembro pp., a atengáo do público íoi


mais urna vez solicitada para o famoso Documento de Puebla,
já comentado em PR 234/1979, pp. 232-262. A imprensa de
Sao Paulo publicou urna carta aberta de D. Luciano José Ca-
bral Duarlc, arcebispo de Aracaju e 1" Vice-Presidente da
Conferencia Episcopal Latino-Americana (CELAM) a D. Ivo
Lorscheiter, bispo de Santa Maria e presidente da Conferencia
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)..., carta aberta que
chamava a aten^áo para certas interpretares da mensagem
de Puebla devidas ao Pe. Joáo Batista Libánio S.J., autor de
urna Introducáo ao Documento de Puebla.

Visto que as noticias de jomáis nem sempre sao comple


tas, vamos, a seguir, narrar e comentar os acontecimentos em
pauta.

1. O paño de fundo
Nao há quem ignore a ocorréncia da III Assembléia Ge-
ral do CELAM em Puebla (México) de 27/01 a 13/02 de 1979.
Esta assembléia suscitou grande interesse por parte dos obser
vadores em geral, porque devia ditar rumos para a agáo pas
toral da Igreja na América Latina: confirmaría as diretrizes
de Medellín (Colombia, 1968), que haviam enfatizado a parti-

— 119 —
32 ^PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 243/1980

cipagáo da Igreja na renovagáo da sociedade latino-americana,


ou significaría um recuo em relagáo as linhas de Medellin?

O trabalho dos bispos reunidos em Puebla foi intenso e


proficuo; teve as características do equilibrio e do bom senso,
de acordó com a orientacáo dada pelo S. Padre Joáo Paulo II
no discurso de abertura do Encontró. O texto diretamente
elaborado pelos pastores em Puebla nao pode receber ¡media
tamente a aprovacáo e a confirmagáo da Santa Sé, como bem
se compreende. Ñáo obstante, semanas após o encerramento
da Assembléia, as editoras católicas cíavam-no a lume com a
ressalva de «Texto provisorio»; havia a certeza moral de que
tal documento, táo meticulosamente preparado pelos bispos,
nao seria substancialmente alterado pela Santa Sé.

A publicagáo do texto provisorio, ainda nao aprovado por


Roma, suscitou algumas criticas. Todavía é de crer que teria
sido muito difícil, por parte da CNBB, evitá-la; era muito
grande o interesse do público pelo Documento, em torno do
qual circulavam noticias contraditórias e mal fundamentadas.
A edigáo provisoria no Brasil saiu aos cuidados das Edigóes
Paulinas em pequeña brochura de capa verde.

Finalmente, em meados de 1979 veio de Roma a versáo


aprovada e definitiva do Documento; trazia varias alleracoes
em relacáo á anterior, acentuando ou atenuando tonalidades,
sem, porém, modificar a substancia do documento provisorio.
A Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil oficializou a tra-
dugáo portuguesa do novo texto e entregou-o as Editoras cató
licas: Vozes de Petrópolis, Edicñes Paulinas, Editóos Loyola.
Cada qual destas houve por bem acrescentar ao texto oficial
de Puebla urna Introdugáo ou urna apresentagáo didática ela
borada por um teólogo de renome, tendo em vista facilitar ao
público a compreensáo e a utilizaQáo do Documento. A Editora
Loyola recorreu, para tanto, ao Pe. Joáo Batista Libánio S. J.,
professor de Teologia da PUC (RJ); as Edigóes Paulinas, ao
Pe. Beni dos Santos, e a Editora Vozes a Freí Clodovis Boff.

Ora, em novembro de 1979, o Sr. Arcebispo de Aracaju,


í>. Luciano José Cabral Duarte, houve por bem apontar, de
público, falhas contidas na Apresentacátf do Documento redi-
gida pelo Pe. Libánio.

Vejamos de perto algumas das observagóes de D. Luciano


Duarte.

— 120 —
AÍNDA PUEBLA 33

2, A carta aberta de D. Luciano Duarte


O arcebispo de Aracaju aponta afirmacóes tendenciosas
na Introducáo do Pe. Libánio: este depreciou a linha. doutri-
nária adotada pelos bispos em Puebla, a fim de apresentar o
Documento como expressáo da linha teológica ¿vaneada que o
próprio Pe. Libánio e outros teólogos seguem no Brasil. D?s-
creveu os bispos divididos em duas alas, das quais urna teria
sido conservadora, reservada diante do engajamento social da
Igreja, e a outra progressista, interessada na promogáo das
classes pobres. Observa D. Luciano:
"Espanto-me com o simplismo desla antinomia maniquefsta: de um
lado, os renitentes, os omissos, os insensiveis, os bloqueadores da ac8o
social da Igreja, em 'atitude de reserva'; do outro, os engajados, os com
prometidos, os sensívois 'aos sinais dos lempos', os Bispos da Igreja mo
derna ! Que ótica falsa e que disjuntiva desnorteante e distorcida! A
realidade que se viu em Puebla fol outra: todos os Bispos ¿e mostraram
sensíveis ás graves palavras do discurso de Jo&o Paulo II, quando, na
abertura de Puebla, nos falou da 'verdade sobre o homem'. Todos os
Bispos (menos um, que votou em branco) aprovaram o Documento de
Puebla, que é urna palavra engajada na agfio social, incisiva, profética,
corajosa, leal, sensata, equilibrada. A linha de demarcacáo do desinteresse
social nao passou entre os Bispos, em Puebla, para dividl-Ios" (p. 3).

Conforme D. Luciano Duarte, o Pe. Libánio chega a «dis


cordar dos Bispos que assinaram o Documento de Puebla, e
dizor que está correto o que o mesmo Documento afirma estar
errado»; propóe assim «urna iniciagáo distorcida á leitura do
Documento de Puebla, numa visáo que nao é a dos Bispos
que redigiram Puebla» (p. 4). Tal acontece na medida em
que o teólogo tenta afirmar a existencia de urna Igreja popu
lar, distinta da Igreja oficial, e dotada, até certo ponto, de
um magisterio próprio, paralelo ao da Igreja oficial.
Por último, o arcebispo mostra que o autor da Introdu
gáo procura «desacreditar, diminuir, ridicularizar a teología
do Documento de Puebla». Eis afirmacóes do Pe. Libánio:
"A parte teológica n3o servirá de inspiraefio para nenhuma pastoral
ulterior, já que carece totalmente de vigor, de perspectiva latino-americana,
refletindo ensinamentos estrilamente doutrinais, ortodoxos, abstratos, vagos"
(p. 61, llnnas 33 a 36).
"Talvez tenha sido das maiores deficiencias do Documento a elabo-
raefio da parte teológica, precisamente por nao corresponder á própria
chave hermenéutica estabeleclda pela Assembléia" (p. 68).
Ora a estas afirmacóes do Pé. Libánio, o arcebispo con
trapee a palavra do S. Padre Joáo Paulo II expressa na carta
de aprovacáo do Documento de Puebla:

— 121 —
34 *PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 243/1980

"Este Documento, fruto de assldua oracSo, de reflexáo profunda e


de intenso zelo apostólico, oferece — assim vo-lo propusestes — um
denso conjunto de orientacSes pastorais e doutrinais sobre questSes de
suma importancia. Há de servir, com seus válidos criterios, de luz e esti
mulo permanente para a evangelizado no presente e no futuro da América
Latina" (obra citada, p. 3).

No final de sua exposicáo, D. Luciano Duarte observa


ainda o seguinte:

"O que escrevi sobre a IntroducSo do Pe. Libánlo, vale, em boa


parte, sobre a Introdugáo do Pe. Beni dos Santos, na edigao do Texto
Oficial da CNBB do Documento de Puebla, publicada pelas Edigoes Pau
linas. Só para citar um exemplo. a exegese que o Pe. Benl faz do termo
'pobre' no Documento de Puebla é clamorosamente distorcida, para ser
politizada e ideologizada'' (p. 5).

Para concluir, o arcebispo D. Luciano se dirige ao presi-


dente da CNBB nos seguintes termos:
"1) V. Excia., como presidente da CNBB, e como um dos que redi-
giram e aprovaram o Documento de Puebla, nSo tinha o direito de per
mitir que, numa edicao (do texto oficial da CNBB,' o Documento de Puebla
fosse precedido, no corpo do livro, por urna Intrcducao que nSo é outra
coisa senáo um feixe nutrido de consideracóes desoricnladoras e de urna
serte de ataques malévolos, destruidores e amargos contra o Documento
que fizemos em dois anos de preparagáo e duas semanas de trabalho.
2) Quem é responsável por um equivoco de tamanhas conseqüén-
cias, tem obrigagao de repará-lo. Como? Deixo o problema e a solucáo
á sua reconhecida inteligencia e á consciñncia de quem é, no somanto,
o presidente da CNBB.

3) Felizmente, o Documento de Puebla é um granito, que resistirá


a tedas essas deturpagóes. Gragas a Deus, que a coragem dos Bispos
em Puebla, sua fidelidarfR á Igreja de Jesús Cristo, o seu sereno discer-
nimento de separar o trigo de tanto joio. chegam a tempo de evitar para
a América Latina os lempos de ralamidade religiosa que se estavam
•ncubando em cortos setores da Igreja. Agora esses mesmos setores radi
cáis, como (ática de desespero, avecam a si ó monopolio da exegese de
Pubblq. e langam ao grande vento sua própria 'releitura' do Puebla do
que a ¡ntrodugáo do Pe. Libánio 6 um cruel exemplo. A CN3B, na pesara
de V. Excia., continuará apoiando este jogo? Até quando" A Igreja no
Brasil merece outra coisa. E muitos de seus irmáos no Episcopado outra
coisa também esperam de quem c seu atual presidente" (p. 5).

Examinemos agora a resposta da CNBB á significa i iva


carta de D. Luciano Duarte.

3. A resposta da CNBB

A o: ■'? if i:r:\ o Swptário Geral da CNBB, D. Lu-


oi,!", v-v..- t.. .. .•■;j ■,>■.;;. , c.spondeu, em ñola a impivnsn, as
or:'.■ ■•;«., , '.• . <:x: •< •..l.spo di: Araeaju (cf. «O Estado de ¿>
P.V.U,;., .¡ ':,:.■.•.)) >n sir.tesp, a resposta é a seguinte:

— 122 —
AÍNDA PUEBLA 35

A CNBB é responsavel apenas pelo texto oficia} portugués


do Documento de Puebla,, e nao pelas introdugóes e os comen
tarios que cada Editora (Vozes, Ed. Paulinas, Loyola) quis
acrescentar ao texto. A capa externa dos respectivos volumes
traz a indicagáo «Texto oficial da CNBB», e nao «Edigáo oficial
da CNBB». Por conseguinte, a CNBB se exime de responder
ás objecóes levantadas por D. Luciano Duarte contra os dize-
res das Introdugóes dos PP. Libánio e Beni. Alias, é de
notar que o Secretario Geral da CNBB nao diz urna palavra
que suavize ou dissipe as criticas formuladas por D. Luciano
ünarlc as Introduces em pauta; apenas excusa-se de entrar
no nu'rilo da questáo, como se isto nao fosse do interesse da
CNBB.

O Secretario Gerai termina a sua resposta apontando «o


empenho com que a CNBB tem zelado pelo cumprimento das
orientagóes de Puebla... Aparece bem definida a fidelidade
integral da CNBB á .palavra do Santo Padre e ás decisóes do
Episcopado em Puebla». — Nao duvidamos da intencáo de
fidelidade, por parte da CNBB, ao Documento de Puebla e ao
Papa, mas verificamos que mais urna vez ficam incólumes as
observacóes de D. Luciano Duarte aos teólogos em questáo;
nao so encontra resposta para elas.

4. Reflexdo fina!

£■ possivel que certos católicos e parte do grande público,


ao !er o noticiario dos jomáis referentes á questáo em foco,
tenlam evf.vvmentado surpresa e perplexidade... Todavía
nao :>eja ' .a a atitude definitiva de tais leitores. Procuremos
comr.roe .(.ier a situac.áo:

O Documento de Puebla ó certamente >V «>ann'r> im


portancia par-i a Igrcja e as populac/jes da América Latina,
poi- i-r que deve inspirar a agáo pastoral da hierarquia e
dos liéis católicos nos próximos anos do nosso continente.
-Sír, pois, que haja sicio táo analisado e estudado.

2) Kritondc-se especialmente que o 1" Vice-Presidente do


CELAAI, sendo um arcebispo brasileiro, tenha tomado a pala
vra ;.c- Brasil para defender o auténtico sentido e a genuína
intO'pi't, 'fio do Documento de Puebla, que, em última ana-
lisp, r .h a ño CELAM. D. Luciano Duarte assiin piocdeis
em p.<: o cía vei'dade, tendo em vista a grande pcnetnicáo
das cri;co s do Documento de Puebla no público brasileiro; a

— 123 —
36 - l'EKGUNTE E RESPONDEREMOS* 243/1980

apresentacáo didática do Pe. Libánio se presta fácilmente a


ser utilizada por grupos de estudo desprevenidos, tendentes a
assumir as interpretacóes do teólogo como sendo a genuina
maneira de entender Puebla.
3) A CNBB diz nao ser responsável pelas Introducóes
que as Editoras justapuseram ao Documento de Puebla. Se a
mesma CNBB até hoje preferiu calar-se a respeito do teor des-
sas Introducóes, julgamos que isto se deve simplesmente ao
desejo de nao agravar ou revolver ulteriormente a situagáo.
Um pronunciamento da CNBB a propósito poderia ter conse-
qüéncias dolorosas; a palavra de D. Luciano Duartc, mem-
bro da CNBB, conserva todo o seu significado e valor.

4) O fiel católico nao se surpreende diante de aconteci-


mentos deste tipo. Nao é a primeira vez que se registram
divergencias entre teólogos e/ou bispos no Brasil. Trata-se de
diferengas que nao afetam diretamente as verdades da fé,
mas, sim, a orientacáo pastoral da Igreja no Brasil ou na
América Latina (é desarrazoado dizer-se que haja algum
bispo comunista, pois todo comunista é ateu...). Essas diver
gencias de ordem concreta e prática se explicam, em parte,
pela complexidade dos problemas pastorais que a Igreja e as
populagóes latino-americanas tém de enfrentar; a complexi
dade sugere mais de urna vía para se procurar a respectiva
solugác. Algumas destas vias podem ser objetivamente erró
neas e falsas; é possivel, porém, que os seus araulos se achem
de boa fé, subjetivamente persuadidos de que estáo propondo
caminhos conciliáveis com as diretrizes da fé.
Observamos isto nao para suscitar nos leitores urna im-
pressáo de relativismo perante a verdade e a moral católicas.
Existem verdades de fé e normas éticas objetivas, decorren-
tes do Evangelho e do magisterio da Igreja. A estas todos
os fiéis católicos abracam e professam filialmente; a voz do
Sumo Pontífice, que se tem feito ouvir com freqüéncia nos
últimos tempos, assim como as declaragóes do magisterio da
Igreja, sao os criterios decisivos para que o povo de Deus
perceba as auténticas diretrizes da Igreja. Sigam todos essas
normas oficiáis e universais da Igreja, evitando correntes teo
lógicas particulares e «magisterios paralelos», destoantes do
único magisterio da Igreja. E saibam ter paciencia com os
irmáos que divergem! O Cristo Jesús é o Senhor da historia.
Nada acontece sem a sua permissáo. Felizes aqueles que Lhe
aderirem incondicionalmente em sua única Igreja, pois com
Cristo diráo a palavra final da historia!

— 124 —
Dols pesos e duas medidas?

a isreja dispensa do celibato,


mas nao dissolve o vinculo conjugal

Em sinlese: Mullos fiéis perguntam, perplexos, por que a Igreja


dispensa do celibato os clérigos, mas nSo dissolve os casamentéis ¡nfelizes.
A esta questSü se deve responder que o sacramento da Ordem nao é In-
compatível com o do matrimonio; a venerável lei do celibato sacerdotal
deve-se a urna InstituicSo da própria Igreja, e nSo é de direito divino;
por Isto os clérigos no Oriente podem casar-se antes de recebar a orde
nado diaconal. Quanto ao sacramento do matrimonio, é, por institulQSo
divina, Indissolúvel; cf. Me 10,11s; Le 16,18; Mt 5,32; 19,9; 1Cor 7,11.
Alias, a indissolubilidade do matrimonio decorre do próprio direito natural,
que é intocável. Por Isto a Igreja nao pode anular um casamento válido
e consumado, mesmo que esta atltude Ihe seja ardua e penosa; a Igreja
a sustenta por fidelldade a Cristo* e em servigo aos homens, que sentem,
hoje mais do que nunca, os efeltos deletérlos da multiplicacáo de divorcios
e da dissolucSo de lares.

O celibato sacerdotal, por mals estranho que possa parecer á men-


talidade moderna, resulta da conscléncia que os cristáos tém, de que che-
garam os valores definitivos; por isto o cristáo tem todo o Interesse em
nao se dividir, mas, antes, dedica-lhes toda a sua atenefio (cf. 1Cor 7,29-35):
o para que o padre possa mais plenamente realizar esta tareta que ele
permanece celibatário.

Comentario: Ha muito os leitores de PR levantam urna


guestáo de ordem prática, que a nao poucos aflige, mas que,
em verdade, se elucida com faciiidade no plano da teología.
Ei-la: se a Igreja tem concedido a presbíteros 1 a dispensa de
suas obrigagóes sacerdotais e a licenga para se casarem, por
que nao concede a pessoas casadas a faculdade de dissolver
seu casamento e contrair novas nupcias?

É a esta pergunta que atenderemos ñas páginas subse-


qüentes.

1A palavra presbítero (do grego presbyteroa, anclio) é o vocábulo


técnico e adequado para designar a pessoa que comumente é chamada
padre (padre vem do latim pator, pal, pondo em relevo a patemidade espi
ritual do presbítero).

_ 125 —
38 PFROUNTE E RESPONDEREMOS» 243/1980

1. O porqué. . .

Ao aasumir a posigáo ácima, a Igreja nao comete arbitra-


riedade, mas apenas tira conseqüéncias das nocóes de sacer
docio e de matrimonio cristáos.

1. Com efeito, o ministerio hierárquico (que consta dos


graus do diaconato, do presbiterado e do episcopado) nao
repudia, como tal, o sacramento do matrimonio. Em outras
palavras: nao há incompatibilidade teológica em que um e o
mesmo individuo receba os sacramentos da Ordem e do Ma
trimonio. Apenas a disciplina da Igreja, desde os primeiros
sáculos no Ocidentc, íoi estabelecendo o costume (que poste
riormente se tornou lei eclesiástica, como veremos) do celi
bato para os clérigos; em conseqüéncia, se alguém no Oci-
dente deseja receber o sacramento da Ordem, deve abragar a
vida una ou indivisa (que, conforme Sao Paulo na ICor 7,29-35,
proporciona mais amplidáo e facilidade para servir ao Senhor
e aos irmáos).

No Oriente, a disciplina da Igreja tomou outra configu-


ragáo: quem recebe as Ordens sacras em estado celibatário,
nao poderá casar-se depois de ordenado; nao é excluido, porém,
que um homem legítimamente casado, seja ordenado presbí
tero (os bispos, porém, no Oriente sao nomeados dentre os
presbíteros nao casados, de modo que todo bispo oriental é
celibatário).

Entende-se, pois, que a Igreja no Ocidente possa outor-


gar a um presbítero a dispensa das suas obrigagóes sacerdo-
tais, inclusive do celibato, para que se case. Fazendo isto, a
autoridade da Igreja nao está violando um preceito divino nem
violentando a índole do sacramento da Ordem, mas apenas
dispondo de uma lei venerável e salutar — a lei do celibato —
estabelecida pela própria Igreja. Notemos ainda que a Igreja
somente em casos graves dispensa um sacerdote do seu celi
bato (Joáo Paulo II, alias, tem-se mostrado contrario a essa
praxe). Ao dispensar do celibato, a Igreja impóe ao presbítero
uma justa sangáo; com efeito, para casar-se o padre tem de
renunciar ao exercício do ministerio sacerdotal (celebragáo da
S. Missa e do culto divino em geral, fungóes pastarais ligadas
ao sacramento da Ordem), eimbora continué sendo padre por
todo o sempre (diz a teología que o sacramento da Ordem,
como os do Batismo e da Crisma, imprime caráter indelével);

— 126 —
CELIBATO E MATRIMONIO: DISPENSAS 39

o presbítero, urna vez ordenado validamente, fica sendo pres


bítero mesmo que nao exerga as suas fungóes ministeriais.
Este fato explica que muitos sacerdotes dispensados das obri-
gagóes presbiterais estejam atualmente pleiteando a sua recon-
dugáo aos oficios sacerdotais; como alegam, conservam viva a
sua fé, tém amor ao ministerio sagrado e possuem cabedal
filosófico-teológico aproveitável... Todavia as autoridades
eclesiásticas até hoje nao julgaram oportuno atender-lhes, pois
na verdade tal concessáo significaría o reconhecimento de dois
tipos de clero: o clero celibatário e o clero casado; cm conse-
qüéncia, aos poucos a lei do celibato obrigatório para todos
os clérigos seria solapada; poderia chegar a ser reformulada
de tal modo que o celibato se tornaría apenas urna possivel
opcáo para quem aspirasse as Ordens sacras. Por corseguinte,
a Igreja, que, por justas razóes (como se verá idiante),
deseja manter o principio do celibato sacerdotal, considera
inoportuna qualquer abertura de excecáo ou brecha na legis-
lagáo vigente.

2. Passando agora ao sacramento do matrimonio, veri


ficamos que, por seu conceito mesmo, inclui a indissolubilidade.
O Evangelho e Sao Paulo o afirmam assaz claramente:

"Oisse Jesús: 'Quem repudiar a esposa e casar com outra, comete


adulterio contra ela. E, se a mulher repudiar o marido e casar com outro,
comete adulterio'" (Me 10,11s).

"Mando aos casados — nao eu, mas o Senhor — que a mulher n3o
se separe do marido. Se, porém, se separar, nfio tome a casar-se, ou
reconcilie-se com o marido ; e o marido nSo repudie a mulher" (1Cor 7,11).

Cf. Le 16,18; Mt 5,32; 19,9.

Eis por que, nos casos em que se torne indesejável ou im-


possível a coabitagáo de marido e mulher, a Igreja aceita a
separagáo judicial ou o desquite; este nao dissolve o vínculo
matrimonia], que perdura até a morte de um dos cónjuges
(desde que o matrimonio tenha sido válido e consumado) '.
Todavia aos cónjuges separados a Igreja, por fidelidade a
Cristo (e nao por apego a tradigóes e correntes culturáis), nao
concede novas nupcias. É certamente duro para os próprios

1 Matrimonio válido é o casamento contraído de forma canónica, sem


qualquer óbice jurídico.
- Matrimonio consumado é o casamento válido levado até a cópula
carnal. Antes desta, aínda é possivel, em cortos casos, um recurso que
leve á declaracfio de nulldade.

— 127 —
40 -:PEKGUNTE E RESPONDEREMOS» 243/1980

pastores da Igreja assumir tal atitude; mais cómodo sería


aceitar qualquer tipo de enlace «feliz»; contudó, como servi
dora fiel de Deus e dos homens, a Igreja nao pode renunciar
a esse f.i%duo dever de transmitir aos homens, sem derrogagáo
nem mutilacáo, o preceito do Senhor. A fidelidade ao Evan-
gelho custou á Igreja a perda mesmo do reino da Inglaterra;
eom efeito, o rei Henrique VIH, tendo pedido ao Papa Cle
mente VII o seu divorcio sem obter resposta favorável, houve
por bem separar da Igreja universal o reino da Inglaterra em
1534! Até hoje a Igreja continua sendo arauta da indissolubi-
tidade matrimonial para o bem de urna sociedade que se vai
dissolvendo, vítima de suas próprias paixóes. A propósito eis
significativa noticia do jornal «O Globo» de 26/12/79, p. 11;
transmite palavras do arcebispo anglicano Donald, Coggan,
sucessor atual de Tomás Cranmer, o arcebispo de Cantuária
que concedeu o divorcio a Henrique VIII no sceulo XVI:

-DIVORCIOS ALARMAM ARCEBISPO BRITÁNICO

PARÍS — 'Um país onde os divorcios se multiplicaran) por quatro


em trinta anos é um pais em perlgo', alirmou onlem, referindo-se á Ingla
terra o arcebispo de Cante rbury, Donald Coggan. Em sua última mensagem
de Natal antes de deixar o cargo, o arcebispo dlsse que 'há tantos lares
desfeitos, tantas pessoas condenadas á solidSo, tentando fazer o duplo
papel de pai e mSe, que é preciso dar-lhes ajuda crista nestas circuns
tancias*. Tasamos urna seria reflexSo sobre as conseqüéncias de desfazer
um lar, pols costumam ser terrlvois para as crianzas', pedlu o arcebispo".

Aos casáis em crise e aos esposos separados judicialmente


a Igreja nao deixa de prestar sua assisténcia pastoral movida
por solicitude que c cada vez mais atenta e acesa: já em
PR 236/1979, pp. 320-331 abordamos as diretrizes da Igreja
contemporánea em relagio aos cónjuges desquitados.

Passemos agora a breve consideragáo de

2. O significado do celibato

As ráizes do celibato cristáo encontram a sua expressáo


mais fiel e pujante em ICor 7,29-35: o Apostólo diz ai que
«o tempo se fez breve»... Com outras palavras: os valores
eternos e definitivos téndo entrado na historia dos homens em
conseqüéncia da vinda do Messias, o cristáo sabe que todoo
tempo ainda é pouco para se dedicar a tais valores; o cristáo

— 128 —
CELIBATO E MATRIMONIO: DISPENSAS 41

sente-se impelido a voltar toda a sua atengáo c as suas ener


gías para as realidades eternas que lhe estáo presentes. Da! a
conclusáo:

"Aqueles que tem esposa, sejam como se nSo a tlvessem; aqueles


que choram, como se nao chorassem; aqueles, que se regozljam, como
se nSo se regozljassem; aqueles- que-compram, como se nSo possulssem;
aqueles que usam deste mundo, como se nSo usassem plenamente. Pols
passa a figura deste mundo.

Eu qulsera que estivésseis Isentos de preocupares. Quem nfio tem


esposa, cuida das coisas do Senhor e do modo de agradar ao Senhor.
Quem tem esposa, cuida das coisas do mundo e do modo de agradar á
esposa, e fica dividido. Oa mesma forma, a mulher nfio casada e a vlrgem
cuidam das coisas do Senhor, a fím de serem santas de corpo e de
espirito. Mas a mulher casada cuida das coisas do mundo; procura como
agradar ao marido" (1Cor 7, 29-34).

Conscientes destas verdades, já na época de Sao Paulo


(56), muitos cristáos abragavam a vida una em suas próprias
casas, procurando assim servir ao Senhor com largueza e tiber-
dade. Aos poucos, a vida celibatária foi-se tornando um ideal.
Compreende-se entáo que os presbíteros a tenham adotado
espontáneamente logo nos primeiros sáculos; a praxe livre e
voluntaria antecedeu a lei... O primeiro texto de Concilio
que legisla sobre a continencia dos clérigos data do ano de 300
aproximadamente; é o canon 33 do Concilio regional de Elvira
na Espanha, que reza:

"Pareceu oportuno proibir peremptorlamente aos bispos, aps pres


bíteros e aos diáconos, ou seja, a todos os clérigos no exercfcio do seif
ministerio, ter relacfies com suas esposas e gerar fllhos. Quem o llzer,
será destituido da sua dlgnldade de clérigo".

Esta determinacáo foi sendo assumida por outros Conci


lios regionais, de modo a tornar-se mais e mais difundida.
Tenha-se em vista, por exemplo, o Concilio de Cartago datado
de 16/06/390. Nesta assembléia o bispo Epigónio de Bulla
Regia tomou a palavra e disse:

"Como em precedente concillo loram abordadas certas regras refe


rentes á continencia e & castldade, proponho seja Incutlda em termos
mais explícitos a prática da castldade nos tres graus (ou ministerios)
que, por efelto de sua consagracSo, estfio a ela obrigados a titulo espe
cial: refiro-me aos bispos, aos presbíteros e aos diáconos".

Entáo o bispo primaz Genétlio, presidente'da assembléia,


confirmou:

— 129 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 243/1980

"i orno dito anteriormente, convém que os multo santos blspos e os


presbitei s de Deus, assim como os levitas, Isto é, os que estáo a servlco
dos sacramentos divinos, observem a continencia total, de modo que
possam obter de Deus o que Lhe pedem, em toda simplicidad© de alma.
Assim guardaremos, tafnbém nos, o que os Apostólos ensinaram e o que
os nosso's antepassados observaram".

Todos os bispos presentes aprovaram unánimemente tais


dizeres.

Em Roma, na Alta Italia, na Gália, na Grá-Bretanha, na


Irlanda, na Espanha semelhantes prescricóes conciliares foram
sendo promulgadas no decorrer da Idade Media Ascendente,
de modo que a leí do celibato se tornou universal no Ocidente
cristáo.

Quanto ao Oriente, a legislagáo se cristalizou em fins do


sáculo VII, ou seja, no Concilio de Trulo (ou Quinissexto) em
Constantinopla, realizado em 692. Eis o teor do respectivo
canon 6:

"Está dito, nos cañones dos Apostólos, que, dentre aqueles que,
cellbatários, ¡ngressam no clero, somente os leitores e os cantores estáo
autorizados a se casar. Nos, guardando fielmente esta lei, decidimos que,
a partir deste momento, um subdiácono, um diácono ou um presbítero,
após ter recebldo a ordenacño, nSo (era mais a liberdade de fundar um
lar. Se algum deles Incorresse na audacia de fazé-lo, seja deposto.

Se algum dos quo Ingrossam no cloro, quer untr-so a urna mulher


pelos vínculos do matrimonio, (aga-o antos da ordcnocSo de diácono,
subdiácono ou presbítero".

Os bispos, porém, deveriam (e devem) ser celibatários.


Eis por que o canon 48 do mesmo Concilio considera o caso
de esposa de um presbítero que seja nomeado bispo:

"A esposa de quem seja elevado á sede episcopal, separe-se do seu


marido por consentimento mutuo. Após a ordenacSo do esposo ao epis
copado, deverá entrar num mostelro situado a boa distancia da residencia
do bispo, e o blspo. providenciará o seu sustento. Caso ela se mostré
digna, se|a promovida á- dlgnldade de diaconisa".

Para evitar tais transtornos, os orientáis atualmente esco-


Ihem os seus bispos, como dito, entre os presbíteros celibatá
rios ou entre os monges.

Estes cánones orientáis, de um lado, contribuem para evi


denciar que nao é incompativel o matrimonio com o ministé-

— 130 —
CELIBATO E MATRIMONIO: DISPENSAS 43

rio sacerdotal; de outro lado, mostram que mesmo no Oriente,


onde a disciplina era mais branda, o celibato sacerdotal foi
altamente estimado.

Os historiadores discutem sobre os motivos deste apreco;


veja-se a bibliografía citada ao fim deste artigo. Como quer
que seja, o celibato sacerdotal tem sua plena fundamentagáo e
justificativa nos dizeres do Apostólo em lCor 7,29-35. O seu
significado pode ser avaliado segundo tres dimensóes: a onto-
lógica, a eclesiástica ou comunitaria e a escatológica. Em
outros termos: o celibato relaciona diretamente o presbítero
com o Cristo, com a Igreja e com as realidades últimas e defi
nitivas:

com o Cristo... O sacerdote é um outro Cristo. Por


isto ele procura identificar-se cada vez mais com o Senhor,
consagrando toda a sua personalidade ao Senhor Jesús Cristo*
com a Igreja e a comunidade... O celibato permite
ao presbítero o exercicio de um servico mais livre e ampio á
Igreja e aos irmáos. O celibato sacerdotal yem a ser .penhor
e expressáo de amor a todos os homens indistintamente;

com os valores escatológicos... O celibato só se ex


plica pelo fato de que o sacerdote tem consciéncia de que
entraram na historia dos homens os bens definitivos. Estes
devem polarizar a energía e a atencáo do presbítero, lcvando-o
¡i abracar a vida una.

Eis o que ocorria ponderar a proposito do procedimento


da Igreja referente ao celibato dos clérigos e, á indissolubili-
dade do matrimonio. Tomamos assim mais urna vez cons
ciéncia de que profundas perspectivas teológicas estáo subja-
centes as atitudes da S. Máe Igreja.

Bibliografía:

GRYSON, R., Les origines du célibat ecdéslasilque du premier au


sepíleme slécte. Getnbloux 1970.

IDO-C6, Dtreltos do sexo e do matrimonio. O valor positivo do cor


poral cu sexual. Perópolls 1972.
ó'NEILL, D. P-, Célibat du pretre et maturité humaine. París 1967.

PR 236/1979, pp. 320-331.

STEININGER, V., Peut-on dlssoudre te marfage? París 1970.

THUR1AN, M., Matrbn6nio • celibato. Porto.

— 131 —
livros em estante
O Sacerdocio, por Sao Joáo Crisóstomo. Traducáo e notas de Freí
Odo Rosbach O.F.M.. Apresentacáo do Cardeal D. Paulo Evaristo Ams.
IntroducSo para a leitura de D. Benedito de Ulhoa Vielra. Colecfio "Os
Padres da lgraja'71. — Ed. Vozes, Petrópolls 1979, 137 x 210 mm, 142 pp.
A Editora Vozes, com este livro, dá inicio a urna nova serie de publl-
cagoes de elevado vator, pois aprésenla ao público as principáis obras dos
chamados "Padres da Igreja". Estes vém a ser os grandes escritores «te
taos (bispos, presbíteros ou leigos) que contribuiram para formular de
maneira fiel e definitiva as grandes verdades da fé durante os séculos
em que os cristáos procuravam definí-las em meio a Influencias diversas
(heréticas e pagas). O período patristico estende-se, no Ocidente, até
S. Gregorio Magno (t 604), e no Oriente até S. Joáo Damasceno (t 749).
A Editora Vozes comeca a serie com um grande doutor da igreja
dos séculos IV/V: Sao Joáo Crisóstomo (354-407). O cognome de "Cri
sóstomo" (= boca de ourb) Ihe foi atribuido por causa de seu brilhante
talento oratorio, associado á extraordinaria coragem do santo (que foi
também bispo de Constantinopla) para denunciar os males moráis que
sfetavam a corte imperial. — O livro, de modo especial, versa sobre o
sacerdocio (episcopado e presbiterado), sob forma de diálogo entre
Joáo Crisóstomo e seu amigo Basilio. O autor esmera-se por mostrar a
grandeza e a responsabilidade da funcáo sacerdotal. Por este e outros
títulos, tal escrito se toma especialmente importante para o leitor de
hoje Dom Benedito de Ulhoa Vieira, na sua IntroducSo, p5e em relevo
os principáis traeos da doutrlna de Crisóstomo: "O sacerdocio é mals
que chefiar os exércltos e governar o Imperio. Grande é a santidade
que dele se requer, pois 'seu lugar é no céu'... Sem este ministerio n8o
saberiamos como nos salvar nem como chegar á gloria que Deus nos
prometeu" (p. 16). "Crisóstomo mostra ser o padre e o bispo o homem
em famlllaridade com Deus... Descreve a vida pastoral do bispo, homem
entre os homens, totalmente dedicado a eles, sem contudo deixar de ser
'o homem tío cáu'... Éa figura do pastor solicito no meló do seu povo
que Crisóstomo delineia com traeos de artista" (p. 20).
Bastam estes dizeres para evidenciar a estima a que faz jus o novo
livro da parte do povo crlstáo, a quem interessa ter pastores cada vez
oíais conscientes de que "o padre é o coracSo dos homens junto a Deus
e o coracio de Deus junto aos homens".

A paz no meu camlnho. Vida de Sao Bento narrada para o homem


de hole, por J. Zamlth e M. Castanhelra. Colecfio "CldadSos. do Reino".
— Ed. Paulinas, S3o Paulo 1979, 140 x 210 mm, 122 pp.
No ano de 1980 comemora-se o sesqüimllenário ou o 1500? aniver
sario do nasclmento de Sfio Bento de Núrsia, o Patriarca dos mongos- do
Oddente. Era, pois, natural que um monge e urna monja, fllhos de Sao
Bento, se empenhassem' por apresentar ao público, em termos claros e
profundos, a figura do grande mestre monástico. NSo hé dúvida, SSo
Bento já é conhecido popularmente no Brasil como protetor contra as
mordidas de serpentes (alias, nao poucas cidades do nosso país o tem
como padroelro) O presente livro, porem, val até as llnhas estruturais da
personalldade e da escola de SSo Bento; combina entre si passagens dos
Diálogos de S§o Gregorio Magno (1. II) e da S. Regra a fien de mostrar
que a doutrlna e a vida do Santo Patriarca constituem um eco fiel á
mensagem do Evangelho, rico de significado e conteúdo também para os
nossos contemporáneos.

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O que admiramos nesse pequeno-grande Itero, é a- grasa ou o
encanto com que as verdades mals profundas s8o formuladas; tomam
sempre um caráter pessoal, exlstenclal e Interpolador para o leltor. Sallen-
tamos, em especial, o capitulo "Senhora Dona Paz" (pp. 35-43), no qual
os dols autores salientam que "Bento é uma personalldado marcada pela
harmonía e pelo equilibrio. Ele delxa transparecer essa paclficacfio inte»,
rior em todo o seu exterior, na sua doutrlna e na sua obra. Podemos
dizer, por Isto, que a 'Dama' de Bento fol a PAZ", como a Dama do
cavalelro Francisco de Assls fol a POBREZA" (p. 35).

Um mestre que reallzou uma obra apta a atravessar, vlcejante,


qulnze séculos, é cortamente uma figura genial. Por isto, Bento é com-.
parado a um cometa no céu da historia; com o seu rastro de luz ele
mostra, através da Regra beneditlna e de seus mostelros, o camlnho
do Reino.

Parabéns aos dols queridos autores, Irmfios em Sfio Bento I

Encontros que marcam, por Freí Battlstlnl. — Edlcfio próprla. Caixa


postal 30, 25900 Magé <RJ), 160x230mm, 199 pp.

Este IIvro.de autor já assaz conhecldo por suas obras catequéticas,


visa a ser um breve catecismo de preparacfio para a Prlmeira Comunhfio,
de primeiro ano de perseveranca (prepa>acfio para a Crisma) e de .se
gundo ano de perseveranca, destinando-se a colegios, paróquias e comu
nidades ecleslals de base.

Freí Battlstini redlgiu 26 esquemas de llgSes para a prlmeira fase,


19 pa'a a segunda, e 20 para a tercelra, acrescentando ao todo um
repertorio de cantos e de formularios rltuals. O livro é simples e redigldo
em linguagem acesslvel ás catequistas do nosso Interior. A sua grande
vantagem é Ir ao amago das verdades da fé, pondo no devido relevo as
principáis llnhas da mensagem crista: enslna o amor a Deus Pal, a Jesús
Cristo, a María SS. e á lgre|a; Introduz na vida de oracfio e na pretica
da vida crista. £m suma, trata-se de um Manual de valor já comprovado
pela experiencia do próprlo autor, que é zeloso pastor de almas da Ordem
Carmelitana. Por Isto merece os aplausos dos usuarios e a recomendacfio
dos Srs. Párocos e- vlgárlos ás suas catequistas. Extralmos da quarta
capa do livro o seguinte tópico, assaz significativo; "'Vale mais um ato
de amor puro do que todas as obras do mundo Inteiro' (S. Jo9o da
Cruz). Ora ensinar as enancas a conhecer a Deus é um ato de amor, o
mais puro".

A Igreja do Deus vivo. Curso bíblico popular sobre a verdadelra


Igreia, 3? edlcfio aumentada conforme o documento de Puebla, por Freí
Battistini — Ed. particular, Caixa postal 30, 25900 Magé (RJ), 135x210mm,
125 pp.

Este livro, já em sua terceira ediefio, destlna-se ao diálogo com os


Irmfios crlstfios nfio católicos, cuja presenca é sempre mals notoria em
meto aos fiéis católicos; estes, por vezes, sentem-se desarmados diante
de cftacoes bíblicas feitas pelos irmfios protestantes, justamente por nfio
conhecerem suficientemente o texto sagrado e a mensagem católica em
sua amplldfio. O presente livro vem precisamente atender á necessidade
de uma respósta segura e clara ás IndagacSes dos evangélicos.
Religlio, uma criaefio da fcumanldade. Gflneae, evolucao, conflitos,
perspectivas..., por Rubén Descartes de Qarcia Paula. — Ed. própría,
Rio de Janeiro 1978, 135 x 185 mm, 200 pp.

O autor, Dr. R. D. de García Paula, teve a gentileza de enviar a PR


um exemplar do livro que sintetiza o pensamento positivista a respelto da
Rellglfio. Admiramos a capacidade de trabatho do escritor, que colecionou
numerosos dados e documentos em favor da sua tese. Agradecemos tam-
bém a sua cordial deferencia ao enviar-nos a obra. Está claro, porém,
que nSo é posslvel concordar com a tese exposta. Esta supSe tonha a
ReligiSo comecado pelo fetichismo, motivado pelo medo e a carencia do
homem... Depois terá tomado forma mals elevada no monoteísmo (o
autor elogia o Catolicismo), o qual, Incapaz-de resolver os confiaos da
humanidade, cede atualmente á religiao positivista, voltada para a térra
e nao para o céu e baseada sobre a ciencia. Ora este esquema, formulado
por Augusto Comte em meados do século XIX, foi posto em xeque pelos
estudos de historia das Religides realizados no inicio do século XX pela
escola "Anthropos" de Viena, tendo á fíente os pesquisadores Wilhelm
Schmidt, W. Koppers. P. Schebesta e Martín Gusinde... : estes estudio
sos chegaram á conclusSo de que, quanto mats primitivo ó um povo,
tanto mais tende ao monoteísmo, ou seja, á adoracáo de um Grande Ser
(Watauinewa ou Tupa...). É o progresso da cultura que vai levando os
homens a esfacelar o conceito de Deus, deificando o sol, a térra, as
aguas, o fogo..., elementos dos quais-o homem se senté dependente
para desenvolver a sua agricultura e a sua pequeña industria. Tal terá
sido a origem do politeísmo, o qual nao é, nesta teoría, forma inicial,
mas, sim, lorma decadente da verdadelia Rellgiáo (monoteísta, em suas
origens). A Religiao, representada auténticamente pelo monoteísmo, cor
responde aos mais genuínos anseios do ser humano, a tal ponto que,
quando sufocada por regimes ateus e materialistas, ela se re-aflima sob
formas espontaneas, mas altamente signilicativas, como se percebe na rea-
lidade da Rússia Soviética dos nossos dias. Também nos Estados Unidos
os jovens que se entregaram ao hedonismo e á vida sensual, tém-se afas-
lado do materialismo para assumir expressSes religiosas e místicas um
tanlo irracionais, mas reveladoras do que seja o "homem eterno" ou o
homem feito para Deus e inquieto enquanto nao repousa em Deus (S.
Agostinho). Tanlo a psicología como a experiencia ensinam que nunca
poderá o homem encontrar a sua plena reallzacáo se for confinado aos
limites do material e visível; ele é essencialmente felto para o Transcen
dental. Eis o que, em nova linguagem, os tempos atuais comunicam
ao estudioso atento... Eis o que talvez Augusto Comte tivesse, também
ele, percebido se tivesse vivido em nossos días I NSo é posslvel a um
pesquisador sincero licar preso as teses de Comte, que os tempos já
ultrapassaram.
E.B.

OS JOVENS E CRISTO
"MAI.GRADO AS APARÉNCIAS, A JUVENTUDE É POR
TADORA, QUANDO MAIS NAO FOSSE PELO VAZIO QUE
SENTÉ, DE ALGO MAIS DO QUE UMA DISPONIBILIDADE E
UMA ABERTURA : ELA É PORTADORA DE UM VERDADEIRO
DESEJO DE CONHECER AQUELE 'JESÚS, QUE SE CHAMA
CRISTO1 (MT 1, 16)... SE A CATEQUESE SE APRESENTA
HOJE MAIS ARDUA DO QUE NUNCA, ELA É TAMBÉM MAIS
CONSOLADORA DO QUE NUNCA, EM RAZAO DA PROFUN-
DIDADE DA CORRESPONDENCIA QUE ELA VAI ENCON
TRANDO POR PARTE... DOS JOVENS".

(Joáo Paulo II, "Catechesi Tradendae" n° 40).

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