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Editorial

Lurker
O misticismo é algo que sempre desafiar os conceitos existentes com a
esteve muito associado ao Satanismo. proposta de um novo calendário para as
Demasiado até, atrevo-me a dizer. É im- estações do ano e correspondentes mo-
portante existir uma carga mística em mentos marcantes associados? É com o
redor do Satanismo, de onde podemos desafio das normas estabelecidas que
retirar forças latentes na nossa mente e alargamos também as fronteiras da nos-
aproveitá-las em nosso próprio favor. sa própria percepção.
Mas não à custa de um folclore desen- Esta é também a primeira edição
freado que torna qualquer sentimento deste novo ano, que esperamos ser re-
mais nobre numa amálgama de referên- cheado de muitas e proveitosas con-
cias que percorrem a história, múltiplas quistas, nos terrenos em que nos move-
religiões e crenças. Satanismo é realida- mos. E se por vezes o que se consegue
de, não é fantasia. Assim como o misti- é menos visível ou publicável, não quer
cismo. dizer que seja menos saboroso.
Mas nada impede que realidade e Hail Satan!
fantasia não coexistam. Aliás, qualquer
realidade é fantasia até ser concretizada,
e o Satanista sabe utilizar esse artifício
com mestria. Mesmo a base ritualista do
Satanismo é baseada na visualização, Ficha Técnica
na projecção de uma realidade que não Infernus XII
existe ainda, mas que pretendemos que
venha realmente a concretizar-se. Uma Editor: Lurker
realidade que existe ainda apenas na
nossa mente, e que a partir desse mo- Produção: Fósforo, Colectivo Criativo
mento estaremos mais aptos a torná-la
física, palpável, real. Numa palavra, Equipa Editorial: Black Lotus, Outubro,
uma fantasia que queremos tornar rea- Mosath, BM Resende ÍNDICE
lidade.
Serve isto para enquadrar o tema Colaboradores: Devis, Lupum, Assas- Equinócios, Solstícios e Estações ----4
central desta nova edição da Infernus sIIn, KingChaos Lurker
– a Mitologia. Porque, em muitos caos,
o mito percorre o percurso inverso do Revisão: Metzli Bem-vindos ao Mundo “Djinn”----- 7
referido anteriormente: começa por King Chaos
uma realidade que é complementada Créditos das Imagens:
com uma boa dose de fantasia para que, - CAPA: AssassIIn (http://assassiin.deviantart.com) Snuff - Mito ou Realidade ----------- 10
mais tarde, se torne difusa a fronteira - Pág. 4: Marcel Rotzinger (http://dawn42.deviantart.com/) Lupum
entre o que realmente aconteceu e o que - Pág. 7: Erin Lamoreux
gostaríamos que tivesse acontecido. Tal- (http://bongoshock.deviantart.com/) Arlequim Diabólico ------------------- 16
vez seja esse o propósito do mito – levar - Pág. 8: Christine McNamara Devis DeV deviLs g
mais além a fronteira da realidade, do (http://littlegoblet.deviantart.com/)
plausível, do aceitável, para que possa- - Pág. 10 e 11: Peter Hrynkiw O Satanismo Através dos Tempos - 18
mos transcender-nos em busca da apro- (http://jackswastedart.deviantart.com/) Draconis Blackthorne
ximação da nossa própria realidade ao - Pág. 12: Xharay Navarro
mito passado de geração em geração. (http://xnphotography.deviantart.com/) O Convite -------------------------------- 25
Visualização, projecção, e temos o círcu- - Pág. 13: Kristìn Andreas Outubro
lo a completar-se. (http://mangaaisonfire.deviantart.com/)
Considerações aparte, há muito - Pág. 14: Xharay Navarro Entrevista Pedro Silva ---------------- 27
mais no Satanismo do que apenas o que (http://xnphotography.deviantart.com/) Lurker & Black Lotus
decorre desde 1966 até hoje. Podemos - Pág. 16: “Il Diavolo e Arlecchino” (ilustração medieval)
perceber um pouco melhor isso na tra- - Pág. 18: Julien Olry (http://julien57000.deviantart.com/) In Otin Ihuan In Tonáltin
dução de um ensaio de Draconis Bla- - Pág. 25: Matjaz Tancic (http://2raven.deviantart.com/) Nicam Tzonquíca --------------------- 32
ckthorne que percorre vários séculos de - Pág. 26: Carmacao (http://carmacao.deviantart.com/) BM Resende
História em torno de um eixo comum, - Pág. 32 e 33: Jaime Jasso (http://jjasso.deviantart.com/)
assim como em vários outros artigos - Pág. 34: Carlos Ortega (http://stroggtank.deviantart.com/) Ficheiro Mitológico sobre Set ------ 36
dos nossos Membros e colaboradores. - Pág. 35: Gonzalo Arias (http://genzoman.deviantart.com/) Mosath
O nosso país tem também um historial - Pág. 36: Sara Strand (http://www.silvestris.net/)
mitológico muito rico, e isso fica latente - Pág. 37: Thomas Dorman
na conversa com Pedro Silva, autor de (http://dr-benway.deviantart.com/)
diversos livros que focam o nosso mito - Pág. 38: arquivo da National Geographic
e mística. Para finalizar, porque não - Pág. 41: arquivo da National Geographic

3 ~ Infernus XII
Equinócios, Solstícios
e Estações do Ano Lurker

Quando não estamos satisfeitos com alguma coisa procu- Desde muito cedo que o alinha-
mento da publicação da Infernus
ramos uma alternativa que corrija esse desvio. Parece-me uma com os Equinócios e Solstícios to-
mou forma. Diria talvez que desde o
boa prática para o pensamento e acção satânicos, mesmo que primeiro momento em que a semen-
te da ideia de uma revista em Por-
a tarefa em causa seja mudar um calendário milenar. De qual- tuguês totalmente dedicada ao Sata-
nismo foi plantada no terreno fértil
quer forma, mesmo o mais longo dos percursos começa com um das nossas mentes. E, ao longo dos
anos em que essa ideia se transfor-
simples passo, por isso porque não tomá-lo desde já e ver onde mou na realidade que alberga agora
estas linhas, um sentimento de des-
este caminho nos leva? conforto foi crescendo até se tornar
4 ~ Infernus XII
Lurker

insuportável e ter que ser purgado mais quente do ano com o dia teori- sentem o seu apogeu. Desta forma a
através de uma tentativa de corrigir camente mais quente do calendário, coerência do que se pretende repre-
o que está na sua génese – porque indo a partir dessa altura decaindo sentar com as estações do ano é pre-
só eliminando o problema pela raiz o número de horas de exposição so- servada, assim como os momentos
poderá ele alguma vez ser resolvido. lar até ao Equinócio de Outono? A marcantes do calendário solar.
Associada à celebração de um mim também não, devo confessar. Como é possível ver na figura
evento solar muito especial, a partir
do qual a maioria dos calendários
foi criada, foram também criadas o
que hoje chamamos das estações do
ano. Nomenclaturas simples, com
o propósito inerentemente humano
de catalogar tudo o que nos rodeia,
que definem um conjunto de traços
característicos pelos quais é possível
padronizar o ciclo natural da vida:
gestação e nascimento, crescimen-
to e floração, apogeu e frutificação,
declínio e morte. Ou, por outras pa-
lavras, Inverno, Primavera, Verão e Parecer-me-ia muito mais lógico 1, teríamos um Inverno que se es-
Outono. que o dia teoricamente mais quente tenderia desde 6 de Novembro até
Não é aqui que reside o incómo- do ano representasse o apogeu da 5 de Fevereiro, uma Primavera de 6
do, seria porventura relevante revi- estação mais quente do ano, assim de Fevereiro até 5 de Maio, um Ve-
sitar estas próprias definições, mas como o dia teoricamente mais frio rão de 6 de Maio até 5 de Agosto e
não é isso que está aqui em causa. representaria o apogeu da estação um Outono de 6 de Agosto até 5 de
O enfoque deste pensamento não mais fria do ano, sendo o mesmo Novembro, cada estação centrada no
o quê, mas quando. Porém, iremos raciocínio aplicados aos Equinócios seu respectivo Equinócio ou Solstí-
abordar o quando de duas perspec- respectivos. cio. Um harmónico perfeitamente
tivas diferentes. Retomemos como exemplo o definido, com o seu apogeu no even-
Começando pela questão de Solstício de Verão e a estação de to celeste relevante, procurando
princípio da definição de Solstício e onde obtém o seu nome: inicia-se no uma melhor distribuição dos concei-
Equinócio. O primeiro pode ser re- final de Junho e prolonga-se até final tos associados a cada estação do ano
duzido ao momento no ano em que de Setembro. Para nós, povo latino nos meses respectivos. Uma melhor
o número de horas de exposição so- e mediterrâneo, o calor que instin- distribuição do tempo para reflectir
lar no dia se maximiza ou minimiza, tivamente associamos à estação do a realidade do que nos rodeia. No
enquanto o segundo representa o ano em causa tem na realidade o seu entanto, não é suficiente...
momento de equilíbrio no ano, em apogeu no mês de Julho, iniciando- O que nos leva à segunda pers-
que o número de horas de exposição se bem antes e tendo em Agosto um pectiva de abordar o assunto do
solar é o mesmo das horas noctur- mês tipicamente de declínio desse quando, referida anteriormente. As
nas. Representam portanto momen- período estival. Não será uma paró- alterações que introduzimos no am-
tos marcantes durante o calendário dia de tempos idos chamar Verão a biente levaram ao extremar das con-
anual: o dia mais longo (e, portanto, Agostos repetidamente chuvosos e dições atmosféricas e climatéricas
teoricamente também um dos mais Setembros frios e sombrios? Não te- em que vivemos, prolongando os
quentes), o dia mais curto (que em remos já mudado de tal forma o am- pontos mais distantes do equilíbrio
exercício análogo, seria teoricamen- biente que nos rodeia que tenhamos em detrimento deste balanço transi-
te um dos mais frios) e os dias de que alterar também o calendário tório. Desta forma, o calor do Verão
equilíbrio, marcando a transição de pelo que nos regemos? alargou-se, assim como a chuva do
um extremo para o outro. Mas, o que Portanto, a minha primeira su- Inverno, encurtando-se as transições
encontramos quando olhamos para o gestão de alteração é desfasar as es- do Outono e da Primavera. O que fa-
calendário actual? Uma incoerência. tações do ano para que não se ini- zer então? Como introduziu Darwin:
Usemos como exemplo o Verão: ciem nem terminem em Equinócios adaptar-se para sobreviver!
parece-vos lógico iniciar a estação e Solstícios, mas que estes repre-

A minha primeira sugestão de alteração é desfasar as estações do ano


para que não se iniciem nem terminem em Equinócios e Solstícios, mas
que estes representem o seu apogeu. A minha segunda sugestão prende-
se com o alargar das estações do ano correspondentes aos extremos e
encurtar as estações do ano correspondentes aos períodos de transição.

5 ~ Infernus XII
Equinócios, Solstícios e Estações do Ano

vemos dar ao resto das nossas vidas.


Forçados a ser adultos quando ain-
da não estamos de facto preparados
para o ser, muitas vezes por vontade
própria. O mundo não foi feito para
a experimentação livre, e loucos são
os que optam por essa via para a sua
vivência pessoal. Mais um rótulo
confortável...
Chegados à idade adulta, ela
prolonga-se cada vez mais, quase
indefinidamente. Trabalhamos até
Como é possível ver na figura 2, ano são também associadas a ciclos não podermos mais, sem gozar os
a minha segunda sugestão prende- naturais. Inverno – nascimento; Pri- frutos dessa labuta incessante, ama-
se com o alargar das estações do ano mavera – crescimento; Verão – ama- durecendo enquanto indivíduos e
correspondentes aos extremos e en- durecimento; Outono – declínio. depurando as escolhas que fizemos
curtar as estações do ano correspon- Acrescento agora outros, associados no período de transição que lhe an-
dentes aos períodos de transição, o mas porventura mais ajustados à tecedeu. Tornámo-nos muitas vezes
que se traduz em Verão e Inverno de analogia social: educação, descober- escravos da vontade dos outros,
4 meses, Primavera e Outono de ape- ta e experimentação, maturação e sem prestar a devida atenção à nos-
nas 2 meses. depuração, extinção. Olhemos agora sa própria vontade, e isso termina
Assim, teríamos a Primavera a para a sociedade em que nos inseri- muitas vidas demasiado cedo, pelo
começar a 21 de Fevereiro e a alar- mos. Não é óbvio o paralelo entre as contrário, devemos ter a indulgência
gar-se até 20 de Abril, dando lugar diferentes etapas da vida do comum de aproveitar o nosso apogeu para
a um extenso Verão de 21 de Abril dos mortais e estas propostas de al- concretizarmos os nossos objecti-
a 20 de Agosto, sendo que o Outono terações às estações do ano? vos, lutarmos as nossas batalhas,
iria de 21 de Agosto a 20 de Outu- Quando iniciamos a nossa vida, conquistar as nossas vitórias. Sen-
bro, dando lugar ao Inverno de 21 o período de crescimento e educação do que o termo chave é “nossas”, e
de Outubro a 20 de Fevereiro. Man- tende cada vez mais a alongar-se, é não “dos outros”. Algo que muitos
temos a imagem do harmónico, com necessário passarmos mais de uma nunca compreenderão na deambu-
os apogeus centrados nos Solstícios década no sistema de ensino obriga- lação pelo seu percurso. Disse seu?
e Equinócios respectivos, mas com tório, que se alarga a mais de duas Enganei-me, com certeza.
um ajuste de duração de cada esta- décadas se pretendermos completar Chegados à recta final da nossa
ção à realidade climatérica em que a via académica disponível, apenas existência, iniciamos um período
vivemos actualmente. Fruto das nos- para podermos compreender uma de declínio que conduzirá inexora-
sas acções, para o bem e para o mal. pequena fracção do mundo que nos velmente à nossa extinção. A ma-
Não serão alterações fáceis de rodeia. A vertente prática da vivência quinaria orgânica do qual o nosso
implementar ou até mesmo de acei- e experiência tem vindo a ser substi- corpo é composto começa a falhar,
tar, mas no mundo em que vivemos tuída pela vertente teórica da análise tornando-se mais difícil e penosa a
poucas coisas saídas da lógica ra- e do estudo, e se bem que é valioso existência até que termina. É uma
cional o serão. Mesmo assim, numa o conhecimento armazenado nos li- altura de retrospectiva, transmissão
sociedade tão desprovida de valores vros, ele é apenas um meio e nunca do conhecimento acumulado a quem
preciosos para o Satanista, para o um fim. Algures no nosso percurso inicia o seu período de educação e
Homem, há paralelo nesta sugestão como espécie perdemos esta noção até experimentação, regozijar com
e na realidade que vivemos para e tornamos tudo o que nos rodeia os pequenos prazeres da existência
além da pura questão climatérica. tão complexo que precisamos de es- e aproveitar o tempo que nos resta
Recuperando uma ideia ante- gotar a nossa juventude recebendo da melhor forma possível. No final,
riormente veiculada, as estações do uma educação que, em muitos casos, nada restará a não ser uma fugaz
pouco ou nada nos é útil no nosso memória do que outrora fomos, por
futuro. Desta forma, a criança em isso não vale a pena guardar nada
cada um de nós estende-se no tempo para depois.
bem para além do que era feito no Não me parece relevante alargar
Não é óbvio o para- passado, demorando mais tempo a muito mais esta reflexão. Os pontos
nossa evolução enquanto indivídu- principais foram enunciados, assim
lelo entre as diferen- os, sendo até castrada em muitos (e como os alicerces da fundamenta-
maus) exemplos que podemos en- ção. Resta-me esperar que esta faísca
tes etapas da vida do contrar à nossa volta. possa encontrar combustível fresco
Temos também passagem por do outro lado destas linhas, para que
comum dos mortais um período de descoberta e experi- o fogo que daí resulta possa crepitar
mentação, tipicamente adolescente, com forçar e brilho, para queimar os
e estas propostas de em que percorremos vários cami- alicerces deste calendário desviado.
nhos à nossa disposição sem saber Se não nos serve o seu propósito,
alterações às estações ainda muito bem qual escolher. No qual é a razão da sua existência? •
entanto, somos empurrados violen-
do ano? tamente (e repentinamente) para a
necessidade da escolha definitiva,
do percurso que supostamente de-
6 ~ Infernus XII
Bem-vindos ao Mundo “Djinn”
King Chaos

Cada cultura/religião possui a sua Djinn do Árabe “Jin”, possuí em criaturas com virtudes e defeitos, nas
Mitologia, fruto dos seus medos, de- português o equivalente a grosso modo “hierarquias sobrenaturais” são con-
sejos, catástrofes, milagres, objectivos de “Génio”! O Djinn provém de uma siderados inferiores tanto em ralação
alcançados ou fracassados e de outras raça de seres sobrenaturais, os Djinni, aos Anjos (pois estes possuíam apenas
coisas que tais. Como tal e natural- remetente a Djanna (do Árabe), que a face da obediência) como aos Demó-
mente, existem mitos e mitologias mais significa coisa dissimulada ou invisí- nios (pois não eram tão maus nem po-
exaltadas publicamente do que outras, vel. Têm origem na Mitologia Árabe e derosos quanto os mesmos). No entan-
o que não significa que se sobreponham mais tarde são “assimilados” pelo Isla- to e relativamente aos segundos, eram
entre elas, uma vez que a sua importân- mismo. A sua presença é notada por di- igualmente detentores de uma enorme
cia depende sim de quem as estuda, vive versas vezes no Alcorão, inclusive, para força e astúcia que usariam sem hesitar,
e ou venera, como é óbvio. além de constantes referências suas nos independentemente do meio, para atin-
textos sagrados, existe uma Sura (capí- girem os seus objectivos. Após domínio
Há uns tempos atrás aluguei um fil- tulo do Alcorão) inteiramente dedicada Islâmico e por influência do mesmo, a
me em VHS, de nome “Djinn - O Senhor aos Djinni, a “Al-Jinn” (Sura nº 72). alguns dos Djinni foram-lhes progres-
dos Desejos” (“Wishmaster”). O filme A história desta “espécie”, segundo sivamente retiradas as suas “qualida-
não era uma super-produção mas a rezam diversas escrituras, é já milenar, des” ficando assim criaturas negras e
sua história despertou-me o interesse e os Djinni são criaturas antiquíssimas enraivecidas, aos restantes foram-lhes
como tal resolvi pesquisar sobre a cria- postas a vaguear no paraíso há cerca de conservada a capacidade de ajuda e
tura. Espanto o meu quando descubro quatro mil anos atrás, dois mil anos an- interacção com os homens, embora na
que Djinn é muito mais do que um sim- tes da criação de Adão. Alá fê-los de ar maior parte das vezes estes o façam
ples fato de látex avermelhado, proprie- e fogo razão pela qual se diz que estes para proveito e gozo próprio e não pela
dade de um estúdio de cinema qualquer podem assumir todo o tipo de formas afinidade com a inferior espécie!
de Hollywood. De facto, Djinn é uma animadas e inanimadas, inclusive a Aquando da criação de Adão, Alá
criatura ancestral da Mitologia Árabe humana, podendo assim permanecer e ordenou que os Djinni se curvassem pe-
Pré-islâmica, uma personagem supra- caminhar “camuflados” entre nós sem rante o recém-criado ser, no entanto es-
humana e mais do que isso,neste caso é que possam ser detectados, ou então tes refutaram a ordem, dada a sua “an-
um “semi-demónio”, não porque é feio simplesmente permanecerem ocultos tiguidade” no Paraíso e sob o comando
mas porque fluentemente é persuasivo, no ar que nos rodeia a observarem a seu e liderança de Iblis (o actual equivalen-
e maléfico até, nos seus actos e propósi- belo prazer a nossa sociedade. A prin- te cristão de Satan), um dos mais “ne-
tos, pode causar dor e desespero onde cípio, ainda antes da chegada do Isla- gros” Djinni caracterizado como sendo
se encontra mas... já lá vamos! mismo ao mundo Árabe os Djinni eram orgulhoso e ciumento do poder de Alá,
7 ~ Infernus XII
Bem-vindos ao Mundo “Djinn”

bios e poderosos dos Djinni e como tal


acharam por direito que os membros
da mesma tribo pudessem ter o livre
arbítrio sobre “de que lado ficariam”.
Os Marid alojam-se normalmente perto
da costa e são conhecidos por contro-
larem o estado do tempo, estes podem
aparecer aos humanos sob a forma de
cavalo ou de um velho homem. Na se-
gunda categoria inserem-se os “génios
negros”, os Ifrit que são os mais comuns
de entre os maus e são conhecidos pela
tenacidade com que se opõem aos mor-
tais; os seus aliados Shaitan, que vivem
nas montanhas e no subsolo, são a se-
gunda tribo mais antiga dos Djinni, são
conhecidos por serem persuasivos e por
se divertirem a manipular tanto huma-
nos como outros Djinni para atingirem
os seus propósitos. Os Shaitan podem
adquirir a forma de chacal, nuvens de
fumo, camelos negros ou a forma de
uma bela mulher com uma parte de
animal no seu corpo. Por fim os Ghul
são os mais depravados deste subgru-
po, deles diz-se que estão possessos de
uma enorme gula, podem ser encon-
trados nos becos das grandes cidades
a alimentarem-se de restos, muitos
são avistados em cemitérios a devora-
rem os cadáveres dos recém-falecidos.
Diz-se que os Ghul estão presos entre o
mundo dos mortos e o mundo dos vi-
vos. É comum aparecerem sob a forma
de peregrinos que apanham boleia das
caravanas que atravessam o deserto e
iniciaram uma revolta contra o seu cria- Ghul e os Ifrit. Iblis pertence a os Ifrit. que atacam à primeira oportunidade e
dor. Como consequência de tal irreve- Podemos ainda “catalogar rudemente” abertamente qualquer um que se afaste
rência os Djinni, juntamente com Iblis, estas seis tribos em duas categorias; os para sítios mais calmos e recônditos as-
foram atirados para a terra e ficaram que conseguem interagir com os hu- sim como pequenos grupos de pessoas.
sujeitos à mortalidade e a todas as res- manos de forma harmoniosa e os que Normalmente os Ghul adquirem a for-
tantes necessidades fisiológicas dos ho- aterrorizam e existem para castigar e ma de vultos ou de mulher.
mens, com a excepção da forma física. troçar dos mortais. Na primeira catego- Qual o propósito dos Djinni, na ter-
Assim como os humanos também estas ria incluem-se os Jinn juntamente com ra?!
criaturas ficaram, segundo o Islamismo, os Jann, os primeiros são os mais co- É relatado nos escritos e contos mais
sujeitos à salvação ou à condenação di- muns na referida espécie sobrenatural e antigos e “floridos” sobre os Djinni, que
vina. Já na Terra, segundo as escrituras, os que mais frequentemente interagem estes se encontram perdidos e aprisio-
os Djinni alojaram-se nas Montanhas de com os humanos, os segundos, os Jann, nados eternamente na Terra e que o seu
Káf, que se acreditava, na mitologia da são conhecidos por se encontrarem e propósito é o de guardar em si próprios
antiga Pérsia, circundarem o mundo. viverem em Oásis nos desertos. Já os o maior número de almas possível, pelo
São seis os grandes clãs ou tribos Marid, a tribo mais antiga, encontram- conceder ou indução de três desejos a
de Djinns que constituem os Djinni. Os se em menor número nesta superior quem os libertou da sua lamparina, rubi
Jinn, os Jann, os Marid, os Shaitan, os sociedade, não obstante são os mais sá- (etc.), como forma de agradecimento.

É relatado nos escritos e contos mais antigos e “floridos” sobre os Djinni,


que estes se encontram perdidos e aprisionados eternamente na Terra e que
o seu propósito é o de guardar em si próprios o maior número de almas
possível, pelo conceder ou indução de três desejos a quem os libertou da sua
lamparina, rubi (etc.),como forma de pagamento.

8 ~ Infernus XII
King Chaos

No entanto e segundo esses contos, nin-


guém se fica pelo primeiro ou segundo
desejo, todos os responsáveis pela liber-
tação de um Djinn são induzidos nos
três desejos e consequentemente ficam
sem a sua alma. Poderá ter sido muito
bem destes textos que surgiu a figura
espampanante e bem típica do Génio
contemporâneo da Lâmpada Mágica
que concede três desejos a quem o li-
bertar da sua prisão, variante essa que
corta convenientemente com a parte do
abdicar da alma do libertador para o li-
bertado! Ora conseguido o número su-
ficiente de almas, reunirão uma força/
exército tal que lhes permita regressar
e invadir o Paraíso, sob o comando de
Iblis, com o objectivo de vingar perante
o seu criador a sua raiva e revolta pela
condenação eterna à Terra e a convivên-
cia com os homens…
No entanto o que consta em escritos
e histórias mais “sérios”, é que estes,
são seres mágicos livres e solitários, que
como tal caminham entre nós, ou então
isolam-se num habitat que mais lhes
seja propício e procuram permanecer
esquecidos e importunados durante o
resto da sua vida. São seres capazes de
viver um milénio, mas também e como
tal capazes de serem mortos. São pou-
cos os Djinnis existentes hoje em dia e
na sua esmagadora maioria são mem-
bros das tribos menos amistáveis para
os humanos, por isso não é de todo re-
comendável que tenhamos o infortúnio
de nos encontrar com o Djinn. Segundo
textos mágicos um Djinni é capaz de
moldar a realidade para seu benefício
próprio, pelo que será muito bom que
consigamos escapar de um encontro
com uma destas criaturas apenas com
uma praga dirigida a nós!
De ressalvar ainda o facto de que
consta, em diversas escrituras e rela-
tos, que os Jinn são os mais comuns/ dos Ifrit dão-se sob a forma de um cão, te, para eliminar as cenas de sexo da
numerosos de entre as tribos Djinn e os um grande tornado de areia, um ca- versão original. Mais tarde e já na era
que mais interagem com os humanos melo mágico de areia, um escorpião do pequeno ecrã, a Disney “divulgou”
(como acima mencionado), fruto desse gigante ou uma serpente cuspidora de para a pequenada o conto animado de
constante interagir são as suas fracas fogo. Iblis foi um grande líder dos Ifrit Alladin que teve muita venda e comér-
apetências mágicas (face a outras tri- que a determinada altura se deixou cio associado.
bos). São frequentemente avistados en- corromper por um demónio, daí a sua Após divulgado este pequeno ar-
tre pessoas sob a forma humana pois é figura na História ser associada a um tigo sobre esta fantástica criatura que
dito que eles gostam de expor e discutir demónio, no caso cristão a Satan. Pelo me captou o interesse, é perfeitamente
ideias e assuntos sociais com humanos, carácter do seu líder, das seis a tribo dos normal que este mito se assemelhe às
que viajam em tapetes voadores e que Ifrit é a que mais se encontra ligada aos histórias de existência de outras criatu-
vivem em palácios luxuriantes onde poderes infernais. ras sobrenaturais, pois como o mundo
nunca falta o vento! Eu pessoalmente, Terá sido portanto destes contos islamismo absorveu uma grande quan-
se fosse um Jinn, acharia uma chatice (relativos a aparição dos Jinn), que sur- tidade de países na zona árabe, persa e
morar num sítio onde de repente pu- giu o romance Persa, “As Mil e Uma não só, é natural que por “contamina-
desse ficar sem combustível para o meu Noites”, escrito entre os séculos XIII e ção cultural/religiosa” países em zonas
tapete voador mas… XVI, trazido para a Europa por Antoine geográficas diferentes contenham len-
Quanto aos Ifrit, contrariamente Galland em 1704 e convenientemente das e mitos com algumas semelhanças.
aos Jinn, são os mais poderosos e vio- castrado por tradução para as edições Exposta a criatura…
lentos, alojam-se geralmente em locais agora conhecidas e comercializadas por Deixo-vos no mundo de um
abandonados ou isolados e atacam sem Sir Richard Francis Burton e Andrew Djinn…! •
hesitar quem os perturbar. As aparições Lang em 1850 e 1898 respectivamen-
9 ~ Infernus XII
Snuff
Mito ou R
Realidade? Lupum

Quem nunca ouviu falar neste género de filmes? Tu aí, na penumbra,


tens algo a verbalizar? Sabes o que é? Hummm, desconheces? O psiquia-
tra suíço, Carl Gustav Jung ficava impressionado com a semelhança dos
sonhos dos seus pacientes e os mitos de diversas culturas. Jung formou a
teoria do inconsciente colectivo, partindo dessa análise.
Snuff - Mito ou Realidade?

Do mesmo modo que todos os se-


res humanos têm uma estrutura ana-
tómica idêntica, independentemente
de sua etnia e cultura, segundo a te-
oria de Carl Gustav Jung os seres hu-
manos, também teriam uma estrutu-
ra psíquica inconsciente idêntica, ou
seja, um inconsciente colectivo.
Muitas lendas Urbanas parecem
atestar a sua teoria.
Assim sendo o Snuff pode ser defi-
nido como um género de filmes onde
são perpetrados actos de extrema vio-
lência, muito gore, “pesado” visual-
mente, onde se praticam mutilações,
violações, actos sexuais bizarros, cul-
minando na morte de um indivíduo
para a objectiva de uma câmara, com
o intuito de produzir lucro e para sa-
tisfazer alvos específicos.
Pode-se exprimir que é a porno-
grafia da morte!
Segundo a pesquisadora america-
na, Barbara Mikkelson, o termo snuff
apareceu em 1970, numa entrevista
com um membro anónimo da família
Manson, os sociopatas que assassina-
ram a actriz Sharon Tate. Na entrevis-
ta, o rapaz relacionava o termo snuff
com um vídeo que exibia uma mulher
a ser degolada.
Muito se fala e muito se falou e se
diz ainda por aí, que eles são verídi-
cos e que andam a circular pelo mun-
do underground.
Tu que vais ler isto, admites a pos-
sibilidade de haver alguém a morrer
para uma objectiva? Acreditas que
violam e matam, só para obterem lu-
cro? Para satisfazer mentes deturpa-
das? Acreditas que alguém encomen-
de filmes assim? Até que ponto não Volto a montar a questão, alguém - CDL). Encetou-se então uma verda-
será mais uma lenda urbana, a par do já viu algum filme snuff? deira caça. O FBI investigaria a exis-
Bigfoot, vampiros e de outros mais? Segundo agentes do FBI, as averi- tência dos snuffs em várias ocasiões,
guações policiais jamais conseguiram sempre com resultados negativos,
provar a existência de filmes onde se enquanto os rumores se espalhavam.
ostentam homicídios reais de seres Os agentes diziam que era quase im-
“Tu que vais ler isto, humanos. Será mesmo assim? possível comprovar a existência de
Thomas DeQuincey publicou, no tais películas, porque a indústria dos
admites a possibili- início do século XIX, um romance in- snuffs seria controlada pela máfia.
titulado O assassinato considerado Fora do ambiente oficial, os indí-
dade de haver alguém como uma das belas-artes e este en- cios da existência dos snuffs são insó-
saio filosófico dava à morte de um ser litos.
a morrer para uma humano uma certa importância, um Muitos afirmam, “Ah e tal, vi vá-
status à arte. Isto provocou cachina- rios filmes e achei que estava a assistir
objectiva? Acreditas das na sociedade inglesa. Tão pouco a crimes autênticos”, mas todos desa-
saberiam que para muitos serial Kil- baram perante uma análise de espe-
que violam e matam, lers isso era importante! cialistas. Era tudo falso, simplesmente
Formalmente, o ano de 1975 é o snuff contrafeito.
só para obterem lu- ano da primeira investigação na de- Contudo, existe uma afirmação
manda de filmes snuff. feita pelo director de filmes under-
cro? Para satisfazer Nesse ano o FBI e a Polícia de ground Joe Christ que pode também
Nova Iorque investigaram as denún- simplificar a existência do snuff, “No
mentes deturpadas? cias do presidente de uma associação, início era um mito, mas a controvérsia
a Cidadãos pela Decência Através da e o interesse foram tão grandes que
Lei (Citizen for Decency Through Law criaram um mercado consumidor. No
12 ~ Infernus XII
Lupum

mundo em que vivemos, sempre que Já a exibição dos filmes é um pro- vestigações, os boatos começaram a
há procura, há oferta”. Isto é próximo cesso mais complicado. Para ver um surgir.
da Lei da Oferta e da Procura! Não es- snuff, só em grandes cidades, como A palavra snuff, na gíria, significa
tará Joe certo? Nova Iorque, Amesterdão e Tóquio, morte e foi largamente utilizada no
Joe garante que viu um snuff ver- dizem outros. livro A Laranja Mecânica de Anthony
dadeiro, em 1982, em Dallas (EUA). Na Tailândia, há informações so- Burguess.
Segundo ele, uma boa parte dos filmes bre bares underground onde seriam O célebre Holocausto Canibal
snuff seriam produzidos na América exibidos e fala-se que em São Paulo é (1980) de Ruggero Deoadato foi con-
do Sul, especialmente na Colômbia, possível ver um snuff por 100 Reais. siderado, durante muito tempo, um
onde a máfia da cocaína manteria es- Mas nada foi provado até hoje! genuíno filme snuf”. Soube-se mais
quadrões para exterminar viciados e Foram agentes do FBI os primeiros tarde que a extrema violência gráfica
usurpadores, que atrapalhariam o co- a partilhar informações para jornais do filme (mortes, desmembramentos,
mércio de cocaína. Filmar os crimes como Los Angeles Times, USA To- actos canibais…) nada teve de real,
seria apenas uma maneira de ganhar day, Chicago Tribune e San Francisco excepto a morte de alguns animais!
dinheiro extra. Chronicle. Depois das primeiras in- No entanto, durante as últimas

“No início era um mito, mas a controvérsia e o interesse foram tão


grandes que criaram um mercado consumidor. No mundo em que vi-
vemos, sempre que há procura, há oferta”

13 ~ Infernus XII
Snuff - Mito ou Realidade?

duas décadas, têm surgido, de quan- bramentos...). ser considerado snuff, pois não são
do em vez, notícias de supostos filmes O actor achou tão real que entre- mortes para um propósito descrito
snuff reais, ou seja, com cenas de tor- gou Flower of Flesh and Blood (título anteriormente. Soube-se, há relativa-
tura, mutilações, muito sangue, cani- do filme) ao FBI para averiguar a au- mente pouco tempo, que em Faces of
balismo e mortes horrendas de pesso- tenticidade e origem do filme. Afinal, Death algumas mortes foram encena-
as captadas em vídeo, para venda em o que Charlie Sheen vira fazia parte das com efeitos especiais associados,
circuitos underground e satisfação de de uma série de filmes de terror ja- mas independentemente da veraci-
clientes mentalmente desequilibrados ponês cuja particularidade era o abu- dade das imagens exibidas, estas não
(e sádicos em último grau). so do gore e dos efeitos especiais de deixam de ser bastante perturbado-
Rumores indicam que o mercado grande impacto e realismo. Mas a dú- ras, sendo banida a sua comercializa-
dos snuff movies é controlado por di- vida mantém-se e com o advento da ção em diversos países.
versas máfias, nomeadamente a japo- internet, ainda mais: os snuff movies Faces of Death não é um filme fácil
nesa, muito dada ao culto das excen- existem mesmo ou são meras especu- e muito menos para qualquer um.
tricidades e depravações. lações que enriquecem o imaginário Para quem não conhece Mark L.
Daí que há alguns anos tenha da cultura popular? Rosen foi o grande responsável pelo
sido badalado o caso do actor de Um dos filmes que parecia retra- The Texas Chainsaw Massacre, de
Hollywood Charlie Sheen. Sheen viu tar um pouco o snuff seria o Faces of 1974 da Bryanston Pictures. Esse filme
um filme asiático numa velha cassete Death. serviu de base, segundo algumas re-
VHS com cenas de grande violência e São filmadas mortes reais que vistas da época para se falar de filmes
brutalidade (decapitações, desmem- ocorrerem no dia-a-dia, mas não pode snuff.
Mark fala de diversos episódios
pós filme e conta que foi contactado
por umas pessoas das Filipinas, que
diziam que já tinham feito filmes do
género, no sentido de realizar um
verdadeiro snuff. Proposta recusada
imediatamente pelo próprio, mas aqui
questiono-me eu, se as pessoas o con-
tactaram e ele recusou, porque não se
dirigiu à polícia?
Mark fala também de um caso,
dado a conhecer por Jason Burke. Um
caso em que se pode falar de snuff.
Com Dmitri V. Kuznetsov, um
russo a quem se encomendavam fil-
mes snuff, as crianças foram abusadas
e mortas para a objectiva. Muitos dos
seus clientes eram italianos, mas ha-
viam clientes de muitos outros sítios.
Cada filme era vendido entre £300
e £4,000, dependendo do tipo de filme.
Il Mattino, um jornal italiano, chegou
a publicar um excerto de uma conver-
sa mantida por Kuznetsov e um po-
tencial comprador italiano, acerca de
umas filmagens:
“_Prometa-me que desta vez não
serei enganado, diz o italiano.
_Calma, eu dou-lhe a certeza que
este morre mesmo, responde o russo.
_Da última vez que paguei, não re-
cebi o prometido.
_Mas quer o quê?
_Quero vâ-los a morrer.”
Em 2000, as autoridades captu-
raram Kuznetsov, Ivanov, Minaev e
ainda 2 americanos, cujas identidades
são desconhecidas. Uns cumprem ain-
da a pena e outros saíram ao abrigo de
uma Lei russa que amnistiava imen-
sos reclusos, devido ao descomedi-
mento de pessoas nas cárceres russas.
Será real? Será tudo fabricado pela
máquina publicitária destes tempos?
Blair Witch foi um extraordinário
exemplo de publicidade bem conse-
guida.
14 ~ Infernus XII
Lupum

FBI, polícia, jornalistas, todos co- e Nova Iorque (EUA), Londres (In- se imagens que me parecem reais, de
mentam o caso de Kuznetsov. Até glaterra), Amesterdão (Holanda), Pa- decapitações cometidas por soldados.
onde se estende a linha da realidade? ris (França), Belgrado (Jugoslávia) e Serão reais? Chocantes são. Mas não
Quando começa a ficção, se é que a Bangkok (Tailândia). O seu objectivo posso considerar essas filmagens snu-
há? era encontrar um filme snuff e provar ff. Simplesmente recuso-me a acredi-
Serial Killers matam e guardam a existência de uma rede mundial de tar. Será que me recuso? Será que o
quase sempre troféus. distribuição desses filmes. ser humano não será capaz de come-
Houve um caso em que Charles e Svoray consegue revelações cho- ter atrocidades assim? Talvez não me
Lake (2 serial killers) filmaram os seus cantes. Em Nova Iorque, ele diz que recuse a acreditar. Talvez seja o con-
actos sádicos para uma câmara, sem viu, em vídeo, uma mulher ser morta trário. Não acredito em recusar…
terem intuito de vender. É perturba- com diversas facadas após fazer sexo Mas também me questiono, tam-
dor ver os excertos que saíram “para com dois homens. Paga uma enorme bém ponho a televisão interna a fun-
fora”. Num caso particular, obriga- quantia pelo “privilégio”, numa ses- cionar e no meu canal da informação,
ram o marido, atado, a ver tudo o que são junto a vários homens bem ves- questiono-me, “Se isto for falso, ve-
iam fazendo à sua esposa. São cenas tidos, mas sai sem qualquer cópia do nham daí os Óscares para este tipo de
perturbantes e que nos obrigam a ver vídeo. Em Paris, numa outra reunião filmes!”. Existem muitas histórias, ou
e rever o vocabulário, para conseguir- semelhante com mais tarados, um co- melhor, existem apenas (?!) histórias.
mos classificar tais cenas. merciante oferece-lhe um snuff por É por isso uma lenda com muitas his-
Será este caso um snuff? Não deve uma avultada quantia de dinheiro. tórias e muitas personagens. Saliento
ser considerado como tal, pois o seu Na Jugoslávia, Svoray descobre novamente, o ser humano é isso mes-
propósito não é a venda, lucro, nem que há produtores que filmam as atro- mo, humano! Não é preciso ir muito
tão pouco a sua distribuição. São “pe- cidades cometidas pelos soldados, longe para ver do que somos capazes
ças” muito pessoais. com o intuito de as vender. Consegue e todos temos os nossos requintes. Se-
Mas porque não falarmos da guer- um vídeo que mostra dois soldados jam eles extravagantes ou não.
ra? Aquela onde todos podemos ver o matando uma mulher a facadas, mas Pergunto novamente, conhecem
sniper JUBA a atingir diversos milita- acaba por ver o vídeo confiscado. Svo- algum snuff? Já viram algum filme,
res no Iraque? ray termina as buscas sem ter em mãos seja ele “home made” por alguém que
Decapitações? Tchetchenia, Ira- qualquer cópia de um filme snuff, ou possam eventualmente conhecer? Ad-
que, Vietname… Quantas mutilações seja, apesar das histórias, ele nunca quirido por vós ou por alguém, em
não foram registadas para a fita? Pon- termina com uma prova real daquilo que sejam filmadas tais cenas? Até que
derem, será isso uma porção de snuff? que está a contar. No que podemos ponto o snuff é uma lenda? Depois de
Fico sem resposta quando me in- acreditar? Será que Svoray assistiu tantas investigações, abrimos a mão e
terpelam… Há pessoas para tudo. As mesmo a isto? Será que é um embuste o que encontramos? A minha opinião
demências do ser humano são conhe- para lhe tentar dar alguma fama? encontra-se de mão fechada para um
cidas. Poderia dizer que existe um tercei- contacto fortuito com estes filmes.
Existem películas que transmitem ro livro, relacionado com esta temáti- O marco que separa o mentalmen-
ideias acerca do snuff. O filme 8MM, ca em que o seu autor, Marcos Fábio te sadio dos distintos é ténue…
com Nicolas cage, é um dos imensos Katudjian, diz que o livro tem como Basta procurarem… Olhem para o
exemplos. É uma película que aborda pano de fundo os snuffs e que está outro lado da rua… A loucura é já ali
conteúdos tabu, assuntos que nos fa- ali apenas para mostrar a miséria que ao lado…
zem questionar a nossa identidade en- pode ser a condição humana.
quanto seres humanos, um filme que “A minha doença é ter 46 cromos- “E cada um acredita, facilmente,
nos faz ponderar! somas”. É assim que Fernanda, a pro- no que teme e no que deseja.”
Existe também a literatura snuff, tagonista do livro Snuff Movie – De- Jean de La Fontaine •
mas não é tão violento, pois não tem pois do Fim do Mundo, explica a sua
as imagens que nos provocam asco. condição no mundo. E na verdade
São conhecidos apenas dois livros que esse é um mal que aflige todos os se-
possam merecer esse rótulo. Foram res humanos. O homem cada vez mais
ambos lançados nos Estados Unidos surpreende-se com as possibilidades
da América e abordam o tema com al- da sua mente e algo que ainda nos es-
guma rectidão. panta, e muito, é a capacidade de uma “Decapitações? Tch-
O primeiro, Killing For Culture, de pessoa matar outra por puro prazer.
David Kerekes e David Slater, é mais Com certeza que isso não é ne- etchenia, Iraque,
sério. Tenta analisar a histeria das len- nhuma novidade na nossa civilização,
das sobre os snuffs sob um ponto de mas, as formas de lidar com esse pra- Vietname… Quantas
vista sociológico. Traça um longo pai- zer mórbido estão de alguma maneira
nel dos filmes que mostram violência a acompanhar as evoluções tecnológi- mutilações não foram
real, entre eles a colecção de Faces of cas. E foi justamente isso que, de certa
Death, um conjunto de seis filmes que forma, perturbou o cineasta e roman- registadas para a
mostram cenas dantescas de execu- cista Marcos Fábio Katudjian. “Ouvi
ções, acidentes e autópsias. falar pela primeira vez em snuff mo- fita? Ponderem, será
O segundo livro é mais recente: vies em 1997 pela boca do Arnaldo
surgiu em 1997, a partir de uma in- Jabor. Logo essa ideia de existir esse isso uma porção de
vestigação feita pelo ex-militar israeli- tipo de coisas entrou-me pelos ouvi-
ta Jaron Svoray. Neste livro é narrada, dos. Concluí ser esse o fundo do poço snuff?”
detalhadamente, a peregrinação de em termos de humanidade”
Svoray por cidades como Los Angeles Eu próprio tenho em minha pos-
15 ~ Infernus XII
Arlequim Diabólico
Devis DeV deviLs g.

Hoje em dia a celebração de Car- sionais de teatro que viajavam de como serventes. Como tal, os seus
naval mais famosa no mundo é con- terra em terra formaram os “Com- interesses nem sempre coincidem
certeza a brasileira, no Rio de Janei- media dell’arte” em Itália no século com aqueles dos senhores, porque
ro, mas até alguns séculos atrás, o XV apresentando máscaras de carna- os seus objectivos primários são o
Carnaval de Veneza era o mais fa- val, fazendo diálogos improvisados seu próprio conforto e satisfação dos
moso. e teatro de rua. Estas personagens mais variados desejos. Esta atitude
de carnaval multiplicaram-se com o misciva podia dar uma pista acerca
O Carnaval é um festival tradi- tempo e com eles a personagem do das suas origens. Até a sua máscara
cional italiano e envolve o uso de Arlequim tornou-se a mais conheci- negra devia evocar uma sensação de-
máscaras, representando o mesmo da pelo mundo fora. moníaca e assustadora.
que o Halloween para o povo anglo- Em francês é conhecido como Os estudiosos acreditam que o
saxónico. Existem muitos estudioso Arlequin, enquanto que em inglês é Arlequim é o que resta de uma fi-
que referem que as tradições carna- Harlequin e no original italiano Ar- gura demoníaca pré-cristã que par-
valescas remontam aos tempos pré- lecchino. Ele é acrobata e maroto, tilhava o mesmo nome e aspecto em
cristãos, tal como acontece com o veste tipicamente uma máscara preta vários locais diferentes da Europa.
festival de Halloween/Samhain. com um inchaço e um fato colorido No século XII o historiador da
Os antigos festivais romanos de em forma de losangulos. igreja Orderico Vitale escreveu no
Saturnalia e o grego de Dionísio, Segundo as tradicionais conspi- seu livro Historia Ecclesiastica, algo
são provavelmente as origens do rações dos “Commedia”, o Arlequim acerca de um clã de demónios cha-
carnaval italiano, mas muitas tra- é nativo de Bergamo, uma cidade mados Herlechini. Depois disso sur-
dições são baseadas noutros rituais do norte de Itália, e o seu compor- giram contos medievais franceses
pré-cristãos, tal como ocorre com o tamento é um reflexo exagerado do que fazem relatos de um emissário
Krampus e Perchten, que são figuras comportamento tosco das pessoas do Diabo que apresentava face negra
do folclore alpino. rurais de Bergamo, que foram obri- e que se chamava Harlek e por vezes
Eventualmente, artistas profis- gadas a ir para Veneza para viver Hellequin e que se diz que vaguea-
16 ~ Infernus XII
Devis DeV deviLs g.

va pelas zonas rurais chefiando um É fácil perceber que combinando


grupo de demónios que perseguiam todos estes nomes e características
as almas condenadas de pessoas ma- obtemos o nosso conhecido Arle- “De toda a ferocidade
léficas e as enviavam para o Inferno. quim.
Na língua germânica ancestral Podemos divagar sobre o facto do de antigamente e ol-
também há muitas similaridades en- Arlequim actual ser tido em pouca
tre o Hölle König, que mais tarde foi conta em comparação com anterio- har selvagem, apenas
traduzido como “Helleking”, O Rei res encarnações. Bem, isso só acon-
do Inferno. É realmente um nome tece porque eventualmente ocorre- restou a sua máscara,
bastante evocativo para acrescentar ram adulterações feitas pela cultura
à lista! cristã, que alterou um demónio da como uma relíquia
Alichino é outro nome de demó- natureza e o transformou em algo
nio muito próximo do nome de Ar- urbano, de carácter tolo. daquilo que outrora
lequim e pode ser encontrada em La De toda a ferocidade de anti-
Divina Commedia de Dante Alighie- gamente e olhar selvagem, apenas seriam os seus cor-
ri, um dos mais importantes poetas restou a sua máscara, como uma re-
medievais italianos. Alichino é um líquia daquilo que outrora seriam os nos demoníacos. E as
tipo de sktech humorístico sobre um seus cornos demoníacos. E as suas
demónio que argumenta acerca dos roupas coloridas é apenas um refle- suas roupas coloridas
seu companheiros do inferno que xo do seu antigo homo selvaticus,
causam muita confusão e tumulto e feito de folhas amarelas, vermelhas, é apenas um reflexo
ele é uma das personagens princi- castanhas e verdes. No entanto a sua
pais do episódio mais hilariante do agilidade física e as suas característi- do seu antigo homo
Inferno de Dante, narrado nos cantos cas peculiares mantiveram-se, carac-
XXI, XXII e XXIII. terizando-o como esguio, pregador selvaticus, feito de
folhas amarelas, ver-
melhas, castanhas e
verdes.”

de partidas, traiçoeiro como uma ra-


posa, ágil como um gato e selvagem
como um urso.
As religiões monoteístas de vis-
tas curtas não conseguem processar
a complexidade da mitologia que
emana das tradições politeístas. De
forma arrogante e ignorante a mente
distorcida dos cristãos tenta encur-
ralar mitos anciãos numa cabine es-
tritamente dualista.
Desta forma alguns deuses an-
tigos tornaram-se demónios, como
por exemplo o grande deus Pã, com
pêlo, cascos e cornos (também com
cornos!) que se tornou no protótipo
do Diabo no imaginário estereotipa-
do dos cristãos.
Também ocorreu o caso de deu-
ses antigos se terem tornado san-
tos, como aconteceu com o Castor
e Pollux, o Dioskouroi, os filhos
gémeos de Leda e Zeus, que foram
transformados em santos Cosmas e
Damian.
Por outro lado ancestrais demó-
nios ateus que foram praticamente
esquecidos e deixados de parte, apa-
receram mais tarde como mortais
nas formas mais variadas.
Bem, onde é que coloquei a mi-
nha máscara negra? E o meu fato de
losangulos coloridos? •
17 ~ Infernus XII
O Satanismo
Através dos Tempos
De Draconis Blackthorne
Tradução de Outubro
Este ensaio analisará algumas das influências culturais mais im-
portantes que Satanistas de facto/pensadores carnais, conhecidos
e desconhecidos, tiveram na história, em termos colectivos ou in-
dividuais, tentando responder à questão sobre o que andavam os
Satanistas a fazer antes da formação da Church of Satan.

18 ~ Infernus XII
Draconis Blackthorne

INTRODUÇÃO DIABOLISMOS rável, dentro dos muros das pirâmi-


des, utilizando-as como verdadeiros
Antes de mais, é conveniente de- “As verdadeiras eras do tempo pergaminhos com hieróglifos que
finir que Satanistas ou tipo Satânico reflectem-se na semelhança de Nove, descreviam os prognósticos do Por-
são uma etnia e existiram em todas com todos os ciclos que obedecem vir.
as culturas, ao longo da história, de à sua Lei. Todos os assuntos de in-
uma forma ou de outra(1) – se não teresse mundano podem ser avalia-
dando por esse nome, certamente dos pela infalível determinação dos A Grécia Antiga
pelas suas acções e predisposição. Nove e da sua prole” – The Unkno- • Arquétipos: Pan, Dionísio,
Serão aqui referenciados alguns dos wn Known: The Satanic Rituals. Ma- Baco / “Os Deuses”
indivíduos e grupos mais proemi- gus Anton Szandor LaVey • Personalidade: Aristóteles
nentes e relevantes, embora, repito, • Grupos: Pitagóricos, Peripa-
o tipo satânico esteja presente em 1. O Antigo Egipto téticos
todas as culturas e estes não fossem 2. A Grécia Antiga
provavelmente reconhecidos como 3. O Império Romano Aristóteles era um proeminente
tal, antes dessa nomenclatura ser 4. Os Yezidis pensador carnal da Grécia Antiga,
atribuída, segundo a terminologia 5. A Renascença sem duvida um Satanista, que se
Judaico-Cristã, sem levar necessaria- 6. Os Cavaleiros Templários opunha as teorias Platónicas espiri-
mente em linha de conta as alegadas 7. Os Khlysty tualistas da altura e que, em conjun-
características que lhes são atribuí- 8. O Hellfire Club to com os Peripatéticos, sustentava
das pela propaganda do sacerdócio 9. A Church of Satan uma filosofia baseada na razão e na
do caminho absoluto(2), a fim de dialéctica. (ver Aristóteles em: The
afugentar o rebanho para os bancos Satanic Philosopher; The Black Fla-
de igreja. O Antigo Egipto me # 16).
Observação • Arquétipo: Amon, Set (Ne- Associando-se aos Peropatéticos
Relativamente à ilusão de Deus/ ters) (os filósofos; lado esquerdo do cé-
Deusa: Embora o homem criasse di- • Personalidades: Os Sacerdo- rebro) e aos Pitagóricos (cientistas e
versas divindades como reflexões de tes de Amon arquitectos; lado direito do cérebro),
características humanas, para antro- procurou explicar, apoiar e aplicar
pomorfizar princípios metafóricos No tempo em que religião e o os métodos da Natureza, estabele-
e instilar superstições e medo, para governo eram apenas um, existia no cendo o Número de Ouro ou Propor-
controlo da populaçao, um Satanis- Egipto o Sacerdócio de Amon que ção Áurea (cinco), que é a base do
ta encararia tais descrições como venerava a imagem do “Carneiro Pentagrama, dentro do qual o mun-
características utilizáveis do Ego e do Sol” / o Bode Amon, o “Oculto” do natural se aglutina.
utilizaria fosse que simbolismo fosse (aludindo à Força Negra da Nature- Enquanto sociedade, em conjunto
para se potenciar e se satisfazer em za) e praticavam a Feitiçaria da Ma- com as seitas que adoravam simboli-
termos carnais. Nestas referências, a gia Superior e Inferior para manter a camente O Falo e exaltavam o erotis-
diferença entre o tipo carnal e o tipo populaça na ordem, promovendo em mo completo em templos, a Grécia
espiritual revela-se, na medida em simultâneo a civilização, as Artes, a reconheceu a importância da indul-
que uns se identificam com as ca- arquitectura, as matemáticas e a tec- gência, personificando igualmente
racterísticas de um dado arquétipo e nologia esotérica. esses impulsos em Pan, o Senhor da
outros se submetem a ele, acabando Set, o Deus Serpente era consi-
os primeiros por explorar e manipu- derado o Deus da Noite e das Tem-
lar estes últimos. Enquanto o tipo pestades, um Neter de rebelião, re-
espiritual procura sistematicamen- presentando a independência e a
te explicações amorfas para ilusões ambição (equivalente a Lúcifer neste
fabricadas no exterior, mantendo-se sentido). É provável que os religio-
servil e estagnado, o tipo carnal pro- sos do caminho absoluto, bem como
gride para além dessas limitações, as culturas/religiões estrangeiras
determinando assim a evolução do subsequentes tenham conotado, pos-
pensamento e do próprio ser. teriormente, as características sim-
Os tipos espirituais simplistas bólicas desta criatura com o Diabo.
continuam a conceber divindades É perfeitamente aceitável que os
literais, enquanto os mais evoluídos Feiticeiros Egípcios criassem toda
as reconhecem como construções fi- uma realidade que lhes fosse favo-
gurativas, que depois de ponderadas
podem ser convenientemente distri-
buídas, podendo então os diversos
tipos de personalidade ver-se reflec-
tidos nalguma característica em par-
ticular.

(1) Ver Nomes Infernais: Bíblia


Satânica.
(2) Como definido em A Bíblia
Satânica, edição HellOutro Enterpri-
ses Hell002, Dezembro 2007
19 ~ Infernus XII
O Satanismo Através dos Tempos

Luxúria, uma representação visual se na indulgência e, no caso dos Ro-


do animal humano em toda a sua manos, também na Lei e na Ordem.
glória primitiva, e em Baco, o deus César sabia bem como manter o povo
do vinho e da alegria. Combine-se o feliz asseverando em simultâneo a
pentagrama dos Pitagóricos com os justiça (Lex Romana), que influen-
atributos e a estética de Pan, as filo- ciou significativamente a estrutura
sofias racionais de Aristóteles e dos das leis modernas, mas que foi desde
Peripatéticos, com a indulgência de então diluída, reduzindo-se assim a
Baco e obteremos mais uma confir- sua plena eficácia.
mação da evolução do Satanismo e Organizavam-se espectáculos
do desenvolvimento do Baphomet magníficos em enormes anfiteatros
no mundo antigo. e Coliseus, com nomes como Cir-
Para além dos animais mito- cus Maximus (onde os mais infames
lógicos que habitavam a terra, tal criminosos e/ou cristãos eram lan-
como se referiu na introdução, os çados aos leões em conjunto com o
“Deuses” celestiais reflectem traços que mais importava, as corridas de
grandiosos (e também mesquinhos e quadrigas e combates de gladiado-
totalmente podres, em alguns aspec- res), Circus Flaminius (onde eram
tos) da personalidade humana, com conduzidos os Ludi Taurii em honra
designações elementares e planetá- aos Deuses do Submundo) e o Circo
rias, talvez numa tentativa de fundir de Nero.
o carnal ao “divino” só, o que sem- Adicionalmente, se não fossem
pre teve e continuará a ter origem na condenados à crucificação fora dos torizados a apostar no possível ven-
mesma fonte – o cérebro carnal. muros da cidade, era por vezes dada cedor dos jogos. Como não seria de
[Leituras relacionadas: History of aos criminosos a opção de tomar espantar, a criminalidade era baixa
The Digil of Baphomet de Magus Pe- parte nestes perigosos jogos como no Império Romano. O crime era vis-
ter H.Gilmore.] Gladiadores, podendo depois disso, to não só como um delito perpetrado
caso sobrevivessem, ser-lhes conce- contra um cidadão, mas contra César
dido o perdão, mediante o consenso e o próprio Império e portanto o seu
O Império Romano dos espectadores, que estavam au- destino era selado para divertimento
• Arquétipos: César / “Os dos espectadores, o que além de ser
Deuses” um elemento dissuasor, proporcio-
• Personalidades: César, a So- nava igualmente diversão.
ciedade Romana Por todas estas razões, pode o
• Eventos: O Circus Maximus, Império Romano ser equiparado, na
o Circus Flaminius prática, a um protótipo de socieda-
de, em que tanto os desejos carnais
Sendo grande parte do panteão como a justiça são servidos, desde
Romano inspirado na mitologia Gre- que preenchidos os requisitos para
ga, ambos são virtualmente permu- tal.
táveis, apenas diferindo nas nomen-
claturas. Em termos iconográficos,
o Mitraísmo tinha grande aceitação Os Yezidis
entre os soldados e a nobreza, que • Grupo: Os Yezidis (Iraque)
se reuniam em cavernas subterrâne- • Arquétipos: Shaitan / Melek
as, denominadas Mithraeums, para Taus
veneração do deus simbólico do sol, • Personalidade: Sheik Adi
da justiça, dos acordos e da Guerra. • Texto: Al-Jilwah
O Mitraísmo revelava uma ordem
hierárquica e relacionava-se com No Médio Oriente, perto do
o Poder, visualmente retratado na Monte Lalesh, onde as “Torres de
Tauroctonia, uma representação de Satan”, as Zariahs se projectam em
Mitras a matar um touro, como afir- direcção aos céus (e se diz propa-
mação de força, reunindo também garem a vontade do Mago sobre os
uma miríade de outras conotações descendentes de Adão), sinalizando
simbólicas, incluindo a posição de o Rio Zam-Zam, que conduz a Sham-
constelações e as suas designações ballah, existe um curioso e singular
politeístas. grupo que dá pelo nome de Yezi-
Antes da Reforma, poder-se-ia dis, exilado pelo Mundo Islâmico
avançar com a hipótese de que César por venerar um “Deus Demoníaco”
fosse, ele próprio, uma figura muito chamado Sheitan, personificado em
Satânica pelo facto de se auto-pro- Melek-Taus, o Rei Pavão. Sendo um
clamar um Deus entre os deuses. Um dos mais místicos desta lista e classi-
deus encarnado na terra. ficados como “adoradores do diabo”
Tal como a sociedade Grega, a so- por observadores assustados, este
ciedade Romana, era decididamente misterioso clã, fundado pelo Sheik
satânica na sua essência, centrando- Adi que difundiu a Al-Jilwah (O Li-
20 ~ Infernus XII
Draconis Blackthorne

vro Negro), As Declarações de Shei-


tan. Reconhece os desejos humanos
como prática e formas de expressão
naturais, conciliando-os com uma
religiosidade profunda e práticas
Mágicas. Isto pode também deduzir-
se pelo selo de Melek-Taus que, para
além de ser também um ícone, retra-
ta vários elementos de orgulho, in-
cluindo um espelho e um pente.
É claro que os Yezidis não se con-
sideram “adoradores do diabo” e
reconhecem uma parte restrita cos-
mologia Judaico-Cristã-Islâmica(3).
Melek-Taus é considerado um per-
sonagem angélico Luciferiano, que
ao passar por um teste, se recusou a
curvar perante Adão, sendo-lhe con-
cedido o domínio da terra como re-
compensa pelo seu orgulho. Este ar-
quétipo contém em si mesmo traços
de rebelião, orgulho, generosidade
e beleza. Acreditam ser unicamente
descendentes de Adão e não de Eva,
que alude a Lilith, ou “primeira es-
posa de Adão”. Ao contrário dos
Gnósticos, não se consideram anti-
cristãos, nem se opõem a qualquer
religião, preferindo em vez disso
fechar-se.
O seu dia de ano novo coincide
com o equinócio da Primavera, o
Walpurgisnacht.
Serão Satanistas? Essa é uma
questão algo polémica; pelo menos
considerando a sua forma actual.
Embora a maioria dos seus rituais
sejam conduzidos em privado e pa-
reçam apontar mais para um credo
judaico-islâmico, ainda que pouco
convencional e contendo em si algu-
mas semelhanças. Vemos aqui toda
uma cultura dedicada a Sheitan, cuja
história sustenta, ter acabado por
contribuir para a evolução de algu-
mas das características de Satan, es-
pecialmente no que toca às suas co-
notações Luciferianas. Não seria de
todo descabido pensar que estejam a
usar a arte do engano como disfarce
perante os fundamentalistas Islâmi-
cos preservando, enquanto isso, as
suas verdadeiras tradições, em cená-
rios mais privados. E isso seria con-
siderado bastante Satânico!
Tal como o Dr. LaVey observou,
parte do material será certamente de
valor.
[Leituras relacionadas: Pilgrims
of The Age of Fire: The Satanic Ri-
tuals]
Como nota de rodapé: Há um
grupo semelhante oriundo do Tibe-
te, exilado do mundo Budista, que
aclama Dorje Shugden, uma per-
sonagem de aparência demoníaca,
como seu “protector”.
21 ~ Infernus XII
O Satanismo Através dos Tempos

(3) Que poderá ter algumas das


suas origens nos Ofitas (os primeiros
“adoradores do diabo” heréticos).
Estes grupos Gnósticos eram tidos
como heréticos pois consideravam
a serpente o mensageiro da sabedo-
ria (o que inspirou a representação
de Ouroborous), aclamando Caim e
Seth como “iluminados” pela gnose
e Moisés e “O Demiurgo (Yahweh/
Jeová) como um falso deus e um
sabotador inferior. Os Ofitas reco-
nheciam um Hebdomad demoníaco
e divino (consistindo em sete espíri-
tos) enquanto os Yezidis reconhecem
um Heptad (Os Sete), bem como os
Quatro Mistérios. Além de conter
alguma iconografia interessante, os
Ofitas mantêm-se no limiar de um
sistema dualístico Judaico-Cristão e
não são, por definição, Satanistas.

Os Cavaleiros Templários

• Arquétipo: Baphomet
• Personalidade: Jacques De-
Molay
• Período: Idade das Trevas

Embora tratando-se de Cruzados


oficialmente nomeados para manter
controlo das finanças e influência
políticas, os Cavaleiros Templários,
chefiados por Jacques DeMolay,
serviram o Rei e Papa militarmente,
mas apenas de nome, reconhecendo,
enquanto isso, em privado Bapho-
met como o verdadeiro “Senhor da
Terra” (deixando de vez em quando celli e outros a filosofia Satânica e serem enco-
escapar uma ou outra alusão à cha- mendadas pela igreja para instilar o
mada cabeça de “São João Baptista” Durante este período da história, medo, acabaram também por inspi-
para que em proveito próprio, se criaram-se muitos tomos e obras de rar temas para a subsequente jorna-
mantivessem de boas graças com a arte visualmente impressionantes, da mítica do épico.
outra opção, a grande abstinência). na sua maioria para propaganda Ca- Artistas desse período, tais como
Invejosos e temendo a sua cres- tólica, que resultaram em divertidas Dore’, Bosh, Bodacelli e outros, aca-
cente influência, o Papa Clement IV ficções negras, distinguindo-se espe- bariam por ilustrar estas magníficas
e o Rei Filipe V, incriminaram esta cialmente, de entre elas, as seguintes histórias, cujas características som-
nobre ordem, acusando-a de blasfé- obras. brias são apreciadas até hoje por
mia e bruxaria, imolando-os numa O Paraíso Perdido de John Hamil- muitos Satanistas.
sexta-feira 13, de onde deriva a in- ton, que personifica heroicamente A Ode a Satan, do romancista
fâmia dessa data. Vendo-se assim em Lúcifer, o maior e mais orgulho- Giosuè Carducci, constitui um tribu-
desmembrados, os Satanistas volta- so rebelde de sempre, contrariando to extensivo e admiravelmente favo-
riam a submergir, evoluindo para a todas as formas de tirania, em nome rável ao Anfitrião dos Infernos.
seguinte e inevitável manifestação da liberdade, evoluindo como Satan Mas até mesmo no decurso da
histórica… e fundando o seu próprio reino na Renascença, os cientistas, astróno-
[Leituras Relacionadas: L’Air terra. Desse volume deriva a citação mos, filósofos e inventores da época
Epais: The Satanic Rituals] “mais vale reinar no Inferno que ser- viam-se frequentemente forçados
vir no Céu”, sendo esse sentimento a ser cautelosos, devido à teocracia
prometeico partilhado de forma om- prevalente. Se uma invenção não fos-
Renascença nipresente por Satanistas. se sancionada pela igreja ou se esta
• Textos: Paraíso Perdido Embora a um nível inferior, O In- não beneficiasse de alguma forma
(John Milton), Ode a Satan (Carduc- ferno de Dante inspirou muitos das com ela, far-se-ia constar que tinha
ci). O Inferno de Dante (Dante Ali- representações altamente imagina- ligações com Lúcifer. Infelizmen-
ghieri) tivas, horrendas e melancólicas das te muitos foram os génios enviados
• Personalidades: Galileu, Regiões Infernais, que apesar de não para a forca e para fogueira, acusa-
Dore’, Hieronymous Bosch, Boda- se relacionarem directamente com dos de se aconselharem com Satan e
22 ~ Infernus XII
Draconis Blackthorne

com os seus servos, acabando triste- O Hellfire Club os opositores, frequentemente ado-
mente como mártires da “causa” e/ • Arquétipo: Satan / Lúcifer / radores do mesmo conceito geral de
ou eram incriminados pela Igreja Baphomet deus e originando, por conseguinte,
caso recusassem submeter-se às suas • Grupo: O Hellfire Club (US uma série de “denominações”.
leis. Escusado será dizer que um Sa- & UK) Relativamente à ideia da actual
tanista projectaria fosse que imagem • Personalidades: Sir Fran- Maçonaria ser de certa forma “Satâ-
fosse, para proteger os seus interes- cis Dashwood, Benjamin Franklin, nica”: Existindo actualmente como
ses e assegurar a sua preservação, William Blake, George Washington, referência histórica e apesar das
mantendo em simultâneo a sua pers- The Earl of Sandwich, Thomas Je- alegações inexactas e paranóicas de
pectiva intacta. Essa seria simples- fferson, John Adams, James Nadi- alguns teoristas da conspiração, a
mente a atitude mais sensata. son, John Hancock e outros. Maçonaria é actualmente irrelevante
para o Satanismo, tal como foi uma
Exclusivo à Aristocracia no pas- das várias pedras basilares para a
Os Khlysty sado, o grupo contava com icono- evolução final da Church of Satan.
• Grupo: Os Khlysty clastas que fundaram nações inteiras Por outras palavras: Já não o que era,
• Arquétipos: Tchort, Kaschei, de acordo com a sua ingenuidade e sendo agora essencialmente frequen-
Morena e outros visão carnal e que embora apresen- tada por deslumbrados, necessitados
• Personalidade: Grigori Efi- tando-se como personagens agra- de uma muleta para os seus egos
movich Rasputin dáveis aos supersticiosos comuns, empobrecidos, fornecendo enquan-
satisfaziam alegremente os seus to isso um pouco de misticismo a
Os Khlysty eram um grupo que pseudo-ocultistas, através de rituais
proclamava a “paz e a redenção atra- estéreis que, à semelhança de outras
vés do pecado” (geralmente sexual e religiões do caminho absoluto, mais
de natureza ritualista), o que se har- parecem rotinas de um serviço reli-
moniza claramente com a ideia de gioso de Domingo, ou de um clube
que “o estágio mais alto do desenvol- social, do que sinónimo de verdadei-
vimento humano é o reconhecimento ro diabolismo.
da carne”, embora acatando muitas
das instrumentalizações da Ortodo- (4) Criaram até um símbolo
xia Russa, à semelhança de muitas para Baphomet, por vezes referido
outras culturas, que se tinham de como a conhecida “Cruz de Lorrai-
aclimatar à teocracia vigente, pelo ne”: ‡; de notar ambas as “cruzes”
menos à superfície, a fim de sobre- herméticas, uma invertida outra di-
viverem, limitando-se a combinar a reita, simbolizando ambos os poten-
iconografia tradicional com a con- ciais num só “o que está em cima é
temporânea, embora continuando a como o que está em baixo”; “Tudo é
praticar a sua religião em privado. Um” infere.
Tal como os Yezidis, o seu arqué- (5) É de referir que o “Rei Sa-
tipo era um deus negro, que no seu lomão” bíblico (ver “Canção de Sa-
caso dava pelo nome de Tchort (aci- lomão) era um crente do caminho
dentalmente utilizado como inspira- absoluto que se considerava ele mes-
ção do Diabo na Fantasia de Disney, mo sob a égide de “Yahew/Jeová,
pelo Satanista de facto, Walt Disney, desejos carnais, enquanto mexiam cujos “manuais”, “O Lemegeton” e
nem mais nem menos!), que andava os cordelinhos políticos e governa- “Goetia” são utilizados, até aos dias
escondido pela terra, tal como Belial. mentais e prestavam homenagem a de hoje, por magos em cerimónias,
Para além Tchort havia um panteão Baphomet(4), como o Senhor da Car- incluindo Aleister Crowley, que tal
diabólico de deuses demoníacos com ne. Considerando a suas verdadeiras como eles próprios reconhecem,
diversos papéis. inclinações e práticas privadas, cer- NÃO são Satanistas!
Embora Rasputin não fosse o fun- tamente que seriam totalmente a fa-
dador dos Khlysty, a filosofia destes vor de uma América Satânica Unida!
harmonizava-se bastante com a sua (ver Lúcifer Day). A Church of Satan
visão do mundo. Justapondo a in- Como nota de rodapé: promo- • Personalidades: Anton
dulgência ao misticismo, foi empre- vendo de início avanços na arquitec- Szandor LaVey, Peter H.Gilmore,
gando princípios de Magia Inferior tura e nas matemáticas, muitos dos Peggy Nadramia, Blanche Barton e
para conquistar os favores do Czar ritos(5) subsequentes de influência Hierarquia.
e Czarina, assegurando dessa for- Salomónica eram provavelmente uti- • Textos Fundamentaos: A
ma uma posição entre a nobreza. lizados com fins dramáticos, permi- Bíblia Satânica, The Satanic Rituals,
Conhecido como o “Monge Louco”, tindo a utilização de terminologia bí- The Satanic Witch; The Devil’s No-
tornou-se um conselheiro, dirigindo blica em doses liberais, por cortesia tebook, Satan Speaks (Magus Anton
basicamente o governo através do de um tal Albert Pike, complementa- LaVey); The Satanic Scriptures (Ma-
seu aconselhamento auto-engran- da com sentimentos Anti-Católicos. gus Peter H.Gilmore).
decedor e modificando situações de É sabido que parte da conduta dos • Textos Adicionais /Suple-
acordo com a sua visão. religiosos do caminho absoluto in- mentares (incluindo mas não limita-
[Leituras Relacionadas: Homage clui forjar propaganda utilizada para do a): The Church of Satan: History
To Tchort: The Satanic Rituals] difamar o carácter daqueles que não of The World Most Notorious Reli-
concordem com o seu fundamenta- gion, The Secret Life of A Satanist:
lismo, “demonizando” dessa forma The Authorized Biografy of Anton
23 ~ Infernus XII
O Satanismo Através dos Tempos

Videos Relacionados
• Satanis: The Devil’s Mass
(Something Eeird Video)
• Speak of the Devil: The Ca-
non of Anton LaVey (Feral House)
• Church of Satan Interview
Archives (Purging Talon Publishing)
• Inside The Church of Satan
(Shadowbox Entertainment)

CONCLUSÃO
Sendo criaturas práticas e car-
nais, os Satanistas utilizaram através
dos tempos, todos os meios neces-
sários para assegurar a sua sobrevi-
vência e facilitar a indulgência, em-
pregando a Arte do Engano quando
necessário, criando símbolos, códi-
gos, terminologias, locais clandesti-
nos, arquitectura, etc., associados a
uma mística estimulante, embora va-
lorizando sempre a razão e o instin-
to, em detrimento dos sonhos irreais
e supersticiosos de que o rebanho se
embebe, e abraçando as maravilhas e
os mistérios da natureza.
O Satanismo deriva de uma rica e
vasta colecção de tradições culturais
– permitindo-nos assim modificar e
personalizar seja o que for, para ser-
vir os nossos propósitos e potenciar
o nosso Eu, seja reunindo-nos em
grupo e/ou perseguindo os nossos
interesses individuais.
Em última análise, as religiões
do caminho absoluto sempre foram
irrelevantes para o Satanismo na sua
essência, que apenas explora certas
imagens mitológicas e lendárias para
manipulação, divertimento, ou por
vezes, para estabelecer um ponto de
vista metafórico mais amplo.
LaVey (Magistra Blanch Barton); 1969, através d’A Bíblia Satânica o Em termos gerais, tal ofuscação é
Para Além do Bem e do Mal, Gene- que nós, indivíduos carnais, ineren- absolutamente desnecessária; agora
alogia da Moral, O Anticristo (Fre- temente sentíamos e praticávamos que entrámos em pleno na Idade do
derick Nietzsche); Might is Right desde sempre, a nível intelectual e Fogo, poderemos, se assim o dese-
(Ragnar Redbeard); Atlas Shrugged instintivo, permitindo, pela primeira jarmos, proclamar ousadamente que
(Ayn Rand), The Evolution of Spe- vez na história, que Satanistas se afi- somos Satanistas! •
cies (Charles Darwin), O Homem e liassem abertamente ou em privado,
os Seus Símbolos; Mark Twain, Ben a uma organização oficial, que serve
Hecht, Jack London e muitos outros, os nossos interesses, ostentado orgu-
de vários géneros, que exprimem o lhosamente o nome do Diabo.
ponto de vista satânico. Desde o Ano Um, que o mundo
• Website: www.churchofsa- continua a ser indelevelmente in-
tan.com fluenciado pela filosofia e estética
do Satanismo, dos filmes à música, à
Impulsionado pelas experiências arte e à literatura, com membros de
do Magic Circle fundado como tal todas os estratos sociais, velada ou
em 1966 e.c., reconhecendo as opor- abertamente presentes.
tunas mudanças do clima cultural Leituras Relacionadas
e opondo-se igualmente a muita da • A Bíblia Satânica de Magus
irresponsabilidade, abuso de dro- Anton Szandor LaVey.
gas e mediocridade, Magus Anton • History of The Church of
Szandor La Vey proclamou o Ano Satan de Magus Peter H.Gilmore.
Um da Idade do Fogo, formando a • The Church of Satan de Ma-
Cabala conhecida como Church of gistra Blanche Barton
Satan, formulando por escrito em
24 ~ Infernus XII
O Convite Outubro

Sentado aqui, eis que modelo ho- portador da luz. A gafe é tal que dá vontade de rir,
mens Na verdade, os sucessivos “ata- mas demonstra, pela via do absurdo, o
À minha imagem ques” ao mito de Prometeu resumem motivo pelo qual o conhecimento racio-
Uma raça que me seja comparável, na perfeição o conflito iniciado pelo nal se afigura a única salvação plausí-
Para sofrer e chorar, Cristianismo, que tão oportunamente vel, de uma vida pautada por quedas
Para gozar e jubilar, logrou conotar a herança de Prometeu vertiginosas nos abismos gelados da ig-
E para não te venerar, com a salvação espiritual e a filantropia norância, que pelo facto de abreviarem
Como eu! altruísta de Cristo, (embora sem respos- a estadia do acidentado, e só por isso,
ta para a questão da desobediência ao é bem provável que o conduzam mais
Goethe – Prometeu Zeus/Deus), por oposição à vida mate- rapidamente à “salvação eterna”.
rial e à perdição, habituando-nos desde Eis o início da guerra. Nascida da
Se fosse possível condensar num então a essas dicotomias plenas de lacu- necessidade humana de explicar fenó-
mito, o advento do conhecimento ra- nas mais fundas que um fiorde norue- menos naturais, as suas próprias moti-
cional e as tempestades inerentes, eu guês, em detrimento da evidência mais vações e conflitos perante estes, projec-
escolheria sem dúvida o mito que mais claramente expressa na história de que tando-os em divindades “guia”, cujos
trambolhões e reformulações sofreu: a munição essencial à sobrevivência IN- atributos, em conjunto com os temas
Prometeu. O único capaz de reunir em TEIRA do homem na terra, aquilo que o narrados, sistematizam por inerência
si os atributos paradoxais de Cristo e distingue e o potência é a chama do co- os padrões éticos, pelos quais se procu-
Anticristo. Por um lado, o semi-deus nhecimento e isso traduz não uma dico- ra reger, a Mitologia anuncia-se desde
sofredor, o filantropo que dá a vida tomia mas uma alternativa a esta. (Tão logo como a antecâmara paradoxal da
pelos homens, por outro a metáfora de pouco empresta ao portador da luz o razão, que levaria os primeiros filósofos
qualquer rebelde, cujo sofrimento se perfil de sofredor submisso. Lembrem- da Grécia Antiga a estabelecer a ponte
afigura apenas como um mal necessá- se que enganou Zeus com o boi e Cristo entre o pensar mítico e o pensamento
rio, cem vezes preferível à paz podre jamais o faria). Pois é: O “espírito” não racional, que, por sua vez, marca a or-
sob a hegemonia de um deus ou senhor. se opõe à matéria. O conhecimento inte- ganização da polis, em consequência da
Cristo, o salvador espiritual, Lúcifer o gra a matéria e a razão. racionalização social, em que o homem
25 ~ Infernus XII
O Convite

se afirma como senhor das suas pró- Primeiro: A compreensão de que


prias criações e os mitos se modificam todas as concepções da realidade são
de conformidade. (Era dos heróis). míticas e consequentemente efémeras, “O entendimento dos
Curioso é o facto de que em vez de facilita a reformulação de velhas formas
romper bruscamente com os conheci- de pensar em vez de nos pressionar a mitos culturais, facili-
mentos do passado, os primeiros filóso- persistir nelas passivamente. À seme-
fos Gregos, socorrem-se do simbolismo lhança das mitologias culturais, tam- ta o entendimento dos
mítico, para desenvolver o conhecimen- bém as mitologias pessoais estão em
to racional, USANDO-O com uma certa constante mutação, revelando-se atra- mitos pessoais, que por
liberdade, para fundamentar as suas vés de mitos pessoais emergentes que
teorias, inferindo uma evidência válida entram em conflito ou complementam sua vez nos permitem
até hoje, a evidência de que a Mitologia os anteriores.
contém em si um convite subliminar à A compreensão dos sonhos, en- construir a nossa iden-
interpretação/utilização pessoal, essen- quanto marcos identificativos de mitos
cial à compreensão da realidade através pessoais, é essencial para o entendi- tidade e valores”
do seu estudo e que este não se pode mento destes. O sonho está para o indi-
resumir a leituras de análises e críticas víduo como a narrativa do mito cultural
alheias, ou assimilação de uma “histó- para a resolução de conflitos dialécticos
ria verdadeira”. em sociedade, funcionando como refe- to não há conflito subconsciente, mas
Em suma, a ideia de que o impor- rência simbólica de um mito emergente apenas a reformulação do mito antigo.
tante não é que a história seja verda- contra um mito antigo. Ao entender o A compreensão desses sinais per-
deira ou falsa mas sim que potencie mito pessoal como uma visão da reali- mite ao indivíduo perceber em que mo-
identificação e resoluções em função do dade volátil e modificável, o indivíduo mento um velho mito se torna desade-
contexto pessoal e/ou social. está pronto a reformular-se, encarando quado para lidar satisfatoriamente com
De facto a ausência de juízos de va- a mutação dos mitos pessoais como a vida quotidiana e consequentemente,
lor característica da Mitologia Grega uma processo natural e não como uma reformulá-lo, mediante a interpretação
(mesmo que vinculada a valores éticos), presumível inconsistência em termos dos mitos emergentes.
cujos dogmas religiosos diziam res- de personalidade. Conclusão… A substituição de um
peito aos cultos e não propriamente a Haverá mais que um critério de ava- mito por outro é algo que se tem repeti-
quem fazia as narrativas, permitia não liação mas, não se tratando este texto do ao longo da história e que se revela
só aos filósofos mas também aos poetas de um ensaio específico sobre sonhos, igualmente produtivo na evolução de
interpretarem/recrearem livremente os optei por seleccionar o critério com que uma identidade pessoal.
episódios que envolviam deuses, cujo mais me identifiquei. Mais que uma história verdadeira
sucesso não dependia da exactidão da Os sentimentos presentes num so- ou falsa o mito pode e deve ser enten-
história, mas única e exclusivamente da nho evidenciam frequentemente a fun- dido pessoalmente e utilizado pro-
forma como esta fosse aceite ou rejeita- ção deste: O velho mito, ou mito obsole- activamente em benefício pessoal ou
da pelo povo, ao contrário do Cristia- to traduz-se frequentemente em sonhos colectivo.
nismo em que o crente não está “autori- caracterizados por frustração e desespe- Mais do que o fundamento de um
zado” a uma interpretação pessoal dos ro, em que nos sentimos despojados de dogma religioso a que se obedece pas-
textos bíblicos. energia, o mito emergente, em sonhos sivamente o mito contêm em si um con-
Esta utilização pro-activa do simbo- marcadamente optimistas e excitantes vite a todas as criaturas inquiridoras e
lismo mítico, em oposição à submissão e o mito integrador, ou complementar curiosas.
passiva ao dogma nele encerrado (o que em sonhos calmos e realistas, por quan- “Desvendem-me e usem-me.” •
se traduz no plano pessoal na submis-
são a mitos pessoais obsoletos, mesmo
que estes já não permitam lidar satisfa-
toriamente com o quotidiano) evidencia
a importância da mitologia cultural e/
ou pessoal na evolução saudável da so-
ciedade e/ou do individuo como agente
activo de mudança, pois infere um ciclo
de progresso social e individual.
O entendimento dos mitos cultu-
rais, facilita o entendimento dos mitos
pessoais, que por sua vez nos permitem
construir a nossa identidade e valores,
munidos de uma visão muito mais ri-
gorosa da realidade, o que potencia em
nós a capacidade de tomar parte activa
na modificação da própria sociedade e
na modificação dos próprios mitos cul-
turais a longo prazo.
Eis chegado o momento de os justa-
por enquanto processos cognitivos pro-
activos e em constante modificação,
como ferramentas de evolução pessoal
e cultural.
26 ~ Infernus XI
XII
Um olhar sobre a nossa História
Portugal tem uma das Histórias mais ricas do mundo, mas existe uma tendên-
cia nacional para desprezar os feitos de outrora e insistir na espiral depressiva
que nos engole enquanto povo. Devemos ter orgulho no nosso legado e trabalhar
para o honrar, em procura de novos dias de glória, e nada melhor do que falar
com quem percorre os anais da nossa História, degustando os vários mitos de que
dela fazem parte, para percebermos como o podemos fazer. Pedro Silva apresenta-
se em primeira pessoa, um jovem autor com uma obra impressionante que vale a
pena descobrir.
Lurker & Black Lotus
Entrevista Pedro Silva

Como se apresenta a quem não o


conhece: escritor ou historiador?
Acima de tudo, considero-me um
escritor com interesse pela História. Daí
que, normalmente, prefira designar-me
por ensaísta.

Nasceu em Tomar. Considera que


foi determinante para o seu percurso
profissional e o seu interesse na Histó-
ria e suas vertentes Místicas o ter nas-
cido na cidade dos Templários?
Sem dúvida que o facto de ter nas-
cido na cidade templária de Tomar em
muito influenciou o meu percurso pro-
fissional, sobretudo no que diz respeito
ao campo do ensaio histórico. Por isso
mesmo, a Ordem do Templo tem sido
uma temática tão presente na minha ac-
tividade literária.

Tem alguma memória da primeira


vez que ficou realmente impressiona-
do com o legado histórico do nosso
país? Desde cedo que o gosto pela escrita actualmente e entendi, na altura, que
Creio que há dois momentos que foi latente, tendo inclusive ganho um deveria escrever algo sobre uma insti-
considero fulcrais para esta paixão pela prémio literário aos 10 anos. Quem ou tuição que tanta importância tivera na
História de Portugal. Em primeiro lu- qual foi a sua principal influência para minha cidade.
gar, os documentários do Prof. José começar a escrever?
Hermano Saraiva, através dos quais co- Apesar de não ter uma resposta Lembra-se ainda das sensações
nheci a História e os Monumentos na- concreta a essa questão, é provável que motivadas pela publicação do primei-
cionais e, em segundo lugar, a primeira tenha começado a escrever (e recordo ro livro? Obteve o resultado esperado,
visita que fiz ao Convento de Cristo, em que, com cinco anos passei a redigir ou esperava uma reacção diferente por
Tomar. as primeiras palavras e, pouco depois, parte do público?
já sonhava em construir textos narrati- A publicação do meu primeiro livro
E quando percebeu que iria dedi- vos) devido ao facto de sempre ter sido foi, sem sombra de dúvida, motivo de
car a sua vida ao estudo da nossa His- algo introvertido. Como tal, a escrita alegria incomensurável. Era um sonho
tória? era uma forma agradável de passar o concretizado. Porém, devo afirmar que,
Essa noção tive-a já recentemente tempo. apesar dos mais de quarenta títulos pu-
quando percebi que, mais do que escre- blicados, a sensação de publicar uma
ver ficção, era o ensaio histórico, as vi- Lembra-se por exemplo do primei- obra, vê-la impressa nas minhas mãos
sitas de investigação aos monumentos ro livro que realmente o impressio- e posteriormente à venda nas livrarias,
e a pesquisa, que mais me fascinavam nou? E quem é o autor que o acompa- é algo fantástico. Quanto ao resultado
dentro do campo literário. nha desde os primeiros tempos? do meu primeiro livro, devo confessar
Apesar de ter lido muitos livros ao que me surpreendeu pela positiva, ten-
longo dos tempos, há uma obra que do em conta que os leitores manifesta-
muito me impressionou, no caso A me- ram, na sua maioria, o apreço pelo meu
tamorfose de Franz Kafka. Quanto a texto, o qual, recorde-se, procurava,
autores que me acompanham, desde o acima de tudo, ser um pequeno manu-
início das minhas leituras, e para além al introdutório à história dos cavaleiros
“Para um ensaísta, do nome já referido, sempre apreciei templários.
Umberto Eco, Sue Townsend e Lídia
todas as fases da Jorge. Desde essa altura até agora tem
editado várias dezenas de livros e ar-
História são impor- Em 2000 publicou a sua primeira tigos, quer em Portugal quer no Brasil,
obra, dedicada aos Templários. Consi- sobre as vertentes místicas e esotéricas
tantes para a con- dera que não poderia ter sido de outra da nossa História. Considera que o
forma, dado todo o seu contexto pes- tema não tinha ainda sido devidamen-
strução de um país e soal com o tema, ou foi motivado por te tratado?
outra razão? Na minha humilde opinião, ao lon-
em todas há impor- Essencialmente, esse livro sobre os go dos tempos, tivemos ensaístas de
Templários foi redigido com a intenção grande qualidade que trataram os mais
tantes ilações que se de ser publicado. Até então, a minha es- diversos temas com grande rigor. Foi a
crita era dispersa e sem motivação edi- leitura desses pioneiros que igualmente
podem extrair.“ torial. Na época, os livros disponíveis me motivou a conhecer melhor todas
em Portugal sobre a Ordem do Templo as questões místicas e esotéricas que
não eram em tanta quantidade como
28 ~ Infernus XII
Lurker & Black Lotus

ficuldade na sua criação, ainda almejo


tornar realidade: em primeiro lugar,
gostaria de dirigir uma revista de His-
tória; em segundo lugar, a ideia de um
Centro de Estudos Templários parece-
me uma necessidade histórica e turísti-
ca de grande relevo.

De todas as histórias com que se


deparou, qual ou quais considera te-
rem sido as que mais o influenciaram
ou impressionaram?
Após mais de dez anos de inten-
sa dedicação ao estudo da História
torna-se algo difícil seleccionar aquela
ou aquelas histórias que mais me im-
pressionaram. Mas, a ter de escolher
um facto concreto dentro do campo
histórico, teria de me fixar na ligação,
que considero crucial, entre os Cavalei-
ros Templários e D. Afonso Henriques
para a criação de um novo país, no caso
Portugal. Para além da originalidade de
toda esta questão, não deixa de ser algo
fazem parte do nosso passado. Porém, seja um tema finito, sobretudo porque, que considero ter sido cuidadosamente
acreditei, em determinado momento, quanto mais me dedico ao estudo do planeado e com alguma antecedência
que a minha visão particular poderia nosso passado, mais ampla se torna a conforme se poderá verificar pela lei-
ter interesse para os leitores e, como área temática a investigar. tura rigorosa dos vários momentos na
tal, tomei a opção de dedicar-me, igual- História.
mente, a esta área temática. Tomei conhecimento da sua obra
através do livro História Mística de Portugal tem um passado rico
De todas essas obras publicadas, Portugal. Um projecto ambicioso, e glorioso, motivo de orgulho para
qual considera ser o seu principal mo- como revela na sua introdução. Pode todos os Portugueses. Partilha desta
tivo de orgulho e porquê? falar-nos um pouco mais do que esteve opinião?
Para mim, e creio que para uma na génese da criação do livro? Obviamente que partilho dessa
esmagadora maioria dos escritores, os O livro História Mística de Portugal opinião, posto que basta abrir um
livros são considerados como “filhos”. surge com a minha vontade pessoal de qualquer livro que relate a História
Nessa perspectiva, é extremamente redigir uma obra que pudesse focar o de Portugal para percebermos a im-
difícil para um autor escolher um títu- chamado “outro lado da História”, ou portância do nosso passado histórico,
lo que considere “o principal”. Ainda seja, áreas temáticas que normalmente repleto de factos, feitos e figuras que
assim, sem dúvida que há livros que são pouco focadas nos títulos mais aca- marcaram a Humanidade.
marcaram imenso o meu percurso li- démicos. Entendi que o mercado literá-
terário. O primeiro livro, Ordem do rio estava carente de um texto que fo- Porque acha que o nosso povo
Templo: em nome da fé cristã marca o casse uma série de questões relativas a está fadado para o pessimismo, o de-
arranque da minha actividade literária. Portugal que me pareciam importantes sânimo, não utilizando em proveito
E o segundo título História e Mistérios e, simultaneamente, interessantes. próprio um legado nobre deixado pe-
dos Templários foi fundamental para los nossos antepassados?
me abrir as portas do mercado literário Em que outros projectos se encon- Não é fácil dar uma resposta a essa
e editorial brasileiro, dado o sucesso tra actualmente a trabalhar? Novos questão. Tenho procurado ler aquilo
obtido. Mais exemplos poderia referir livros que poderemos ver nos escapa- que os grandes pensadores nacionais
mas, para o caso em concreto, e modo rates em breve? referem sobre este tema e muitos li-
a evitar ser fastidioso, opto por referir Actualmente encontro-me a concre- gam esse “pessimismo” ao período
apenas estes títulos. tizar um ansiado projecto literário, isto que se seguiu à fase áurea dos Des-
é, dar continuidade ao livro História cobrimentos. Seja como for, parece-
O nosso país e a sua História con- Mística de Portugal. Se tudo correr con- me também que o mito do sebastia-
tinuam a ser a sua principal fonte de forme previsto, espero tê-lo nos escapa- nismo também parece ser relevante
inspiração? Acha que esse é um tema rates no ano de 2010. para compreendermos essa tristeza
finito e que em determinado momento
se verá sem mais temas a explorar? Gostaria de trabalhar em algum
A História de Portugal tem sido, ao projecto para além do mundo literá-
longo dos anos, quiçá a minha princi- rio? Qual? “Não acredito que a
pal fonte de inspiração, ainda que, para Desde pequeno que o meu sonho
ter uma perspectiva mais ampla na mi- sempre foi trabalhar no mundo literá- nossa História seja um
nha actividade literária, se torne fun- rio, pelo que a possibilidade de o ter
damental escrever sobre outros temas concretizado reveste-se de forte alegria tema finito”
mais universais. Porém, na minha óp- pessoal. Ainda assim, acredito que há
tica, não acredito que a nossa História dois projectos que, pese embora a di-
29 ~ Infernus XII
Entrevista Pedro Silva

ta de um local, mas sim de locais, ou


seja, creio que os monumentos pré e
proto-históricos são escassamente vi-
sitados, dado que, em termos visuais,
não costumam oferecer o mesmo im-
pacto arquitectónico do que os locais de
épocas posteriores. Ainda assim, visitar
antigas povoações castrejas, ou mesmo
antas, necrópoles ou menires, não deixa
de ser algo igualmente apaixonante.

Acha que as autoridades públicas


nacionais fazem um bom trabalho a
preservar a nossa História e os nossos
monumentos? O que mais o chocou
ver a nível de degradação? E o que
mais o emocionou a nível de preser-
vação?
Sinceramente, acredito que as au-
toridades públicas nacionais têm feito
um bom trabalho em preservar os mo-
numentos e a História de Portugal, tal
como tenho tido oportunidade de vi-
sualizar ao longo das minhas viagens.
Aquilo que mais me emociona ao nível
de preservação é o carinho crescente
que denoto, da parte das populações
locais, pelos monumentos da sua região
e a forte disponibilidade para darem a
conhecer as suas tradições e costumes.

Qual considera ser o local mais


Místico em Portugal?
Acredito que, para cada pessoa,
exista um local onde vão para sentir o
“tal” misticismo especial, pelo que é
uma pergunta que considero de “res-
posta aberta” ao sentimento de cada
um.

Subscreve o lema “vá para fora cá


profunda que parece grassar na alma De todas as viagens que fez, qual dentro”? Qual o local que mais gosta
portuguesa. Muito sinceramente, es- considera ser o local que melhor pre- de visitar?
pero, ainda um dia, vir a dedicar-me serva o espírito da nossa História em Sem dúvida. Tenho a grata felicida-
com maior afinco a este aspecto socio- Portugal? Porquê? de de conhecer vários locais dentro do
lógico. Para poder redigir os meus ensaios nosso país e torna-se assaz complicado
históricos, e por vezes apenas por mero seleccionar o local que mais gosto de vi-
Acha que os Portugueses amam a deleite pessoal, tenho tido a oportuni- sitar. Ainda assim, a ter de escolher um,
sua pátria, ou sentem vergonha dela? dade de visitar imensos locais dentro a minha opção pende para o Castelo
Acredito piamente que, grosso do nosso país. Atendendo à grande
modo, todos amem o seu país ainda quantidade de locais onde, efectiva-
que, por vezes, em períodos de angús- mente, a História de Portugal é preser-
tia social, haja uma tendência natural vada, quer pelos monumentos, quer “acredito que as au-
para a depressão colectiva. pelas tradições e costumes, é-me de
todo impossível seleccionar algum em toridades públicas
As raízes nacionais remontam ao especial. Ainda assim, não posso deixar
Paganismo, mas hoje Portugal é um de referir o Mosteiro da Batalha, o Cas- nacionais têm feito
país fortemente religioso. Acha que telo de Almourol, as ruínas romanas de
a religião teve um maior papel a aju- Conimbriga, a Fortaleza de Sagres, a Ci- um bom trabalho em
dar a construir ou a ajudar a destruir tânia de Briteiros ou a Anta Grande do
a nossa História? Zambujeiro. preservar os monu-
Para um ensaísta, todas as fases
da História são importantes para a E qual considera ser o local injus- mentos e a História
construção de um país e em todas há tamente menos conhecido, onde gosta-
importantes ilações que se podem ex- ria de levar todas as pessoas a conhecer de Portugal”
trair. o seu passado?
Neste caso em concreto, não se tra-
30 ~ Infernus XI
Lurker & Black Lotus

Templário de Tomar, tendo em conta Tendo essa possibilidade, em que nal. Quase nove séculos de História
que ali consigo conjugar a beleza da época da História escolheria viver? são a melhor prova de maturidade do
História com a paixão das minhas ra- E que momento marcante gostaria nosso país.
ízes tomarenses. de presenciar com os seus próprios
olhos? E quais são os seus principais in-
Qual é o momento na História de A época da História que mais apre- teresses na vida, para além da His-
Portugal de que mais se orgulha, e cio é, naturalmente, a Idade Média. tória, e os seus objectivos enquanto
o que mais o envergonha? E qual as Se pudesse seleccionar um momento indivíduo?
figuras históricas que mais aprecia e marcante, por mais curioso que pos- Para além da História, tenho entre
mais o desagradam? sa parecer, creio que gostaria de ter a leitura, as viagens e o desporto os
Sendo, por natureza, uma pessoa assistido à construção de um Castelo, principais interesses da minha vida.
com visão positiva e optimista da His- dado que me fascina a forma como, Em termos de objectivos pessoais, o
tória e da vida, vou cingir-me apenas sem grandes meios técnicos, como ac- principal a destacar é o interesse cons-
ao momento da História de Portugal tualmente dispomos, conseguiram os tante no estudo de tudo o que me ro-
de que mais me orgulho e às figuras nossos antepassados criar estruturas deia.
históricas que mais aprecio. No que de pedra tão impressionantes.
diz respeito à primeira parte da ques- Algumas palavras finais?
tão, creio que a época dos Descobri- Como é que vê o nosso mundo nos Gostaria de agradecer a vossa dis-
mentos seja relevante, tendo em conta dias de hoje? ponibilidade para realizarem esta en-
perceber como um pequeno país, com Naturalmente, com alguma apre- trevista e espero que a mesma possa
escasso número de habitantes, conse- ensão, atendendo à crise económico- suscitar, ainda mais, em vós o interesse
guiu ampliar tanto os seus próprios financeira. Ainda assim, sempre com pela História de Portugal e, se possí-
horizontes. Dentro das figuras históri- optimismo e crença em dias de bonan- vel, na leitura dos meus livros. •
cas portuguesas, D. Afonso Henriques ça.
é um nome incontornável, tal como D.
Nuno Álvares Pereira ou D. João IV, Com a crescente corrente unifica-
cada um dos quais figuras cruciais na dora a nível Europeu, acha que há o
sua época e que, para além do mais, risco de países como Portugal perde-
influenciaram, em larga medida, não rem a sua identidade nacional?
apenas o presente como o futuro do Não acredito que haja algum risco
país. de se perder alguma identidade nacio-
31 ~ Infernus XII
In Otin Ihuan In Tonáltin
Nicam Tzonquíca
BM Resende
“Aqui terminam os caminhos e os tem- manhã, parte integrante da cosmovisão temporal. A contextualização espaço-
pos.” Asteca. Visão onde Huitzlipochtli pode- temporal é de enorme relevância visto
ria ser simbolizado pela águia, atributos as complexas estruturas de contagem
Entre 1325 e 1521 do falso calendá- solares e guerreiros, partes de uma vi- temporais nos contextos, não apenas
rio cristão floresceu na América Central são cósmica de equilíbrio entre os seus complexas mas também incrivelmente
um dos maiores impérios alguma vez 3 mundos onde claramente não existia precisas astronomicamente. A exem-
vistos, iniciado na improbabilidade do possibilidade de hierarquia com domí- plo o tempo sideral, tempo que a Terra
lago Texcoco no cumprimento da pro- nio solar sobre Vénus. Na perspectiva demora a fazer a volta completa em
fecia transmitida pelo deus Huitzlipo- Asteca tais simbologias significariam torno do Sol, calculada em precisão da
chtli, a busca pela águia em cima de um a completa desordem cósmica e não astronomia moderna em 365,2422 dias,
cacto. Facto expresso no Codex Men- um ponto de início de um império por sabendo-se que o calendário gregoria-
doza e mais tarde adulterado cristiana- uma tribo semi-nómada. A evolução e no; o falso calendário cristão; conta
mente para a presença de uma serpente desenvolvimento de Tenochtitlán; ci- 365,2425 dias, e o juliano, utilizado na
na boca da águia, simbologia presente dade esplendorosa detentora da maior Europa até 1582 ditava 365,2500 dias.
na bandeira do México que serviu os importância dentro da Tripla Alian- Foi com uma excepcional mestria que
propósitos das cruzadas evangélicas ça, provavelmente a maior cidade do os Maias atingiram os 365,2420 dias,
na erradicação dos males simboliza- mundo na altura em que existia. Apa- sem relógios ou ampulhetas, provavel-
dos como a serpente, personagem de rentemente impensáveis surgem como mente apenas com os seus escritos e
significações extremamente negativas produto natural da evolução do pen- anotações baseados numa observação
nas mitologias judaíco-cristãs, tudo de- samento dos Maias aliado ao poderio do Cosmos constante. Não será então
monstrando um confuso absurdo pois militar e às profecias apocalípticas ini- complexo saber que estes povos conse-
a significação mais linear com a ser- ciadas em 3113 antes do profeta cristão, guiam entre outros feitos prever eclip-
pente é o deus Quetzalcoatl, associado ponto de início do tempo Maia e a base ses, contar intervalos de tempo curtos
com conhecimento e com a estrela da de partida da sua complexa máquina ou longos.
32 ~ Infernus XI
A chave dos maiores mistérios nas teca, altura onde uma enorme angústia de tempo mágico dos Maias, acrescida
civilizações ameríndias parece residir se abatia na perspectiva do fim dos tem- ao número 5, contextualizado sobre os
na variável Vénus, a julgar pelas medi- pos, do mundo, pior ainda como se ana- pontos cardeais, onde o centro também
ções apresentadas no Codex de Dresde, lisa seguidamente, o fim do último dos o era, e talvez o ponto de maior impor-
um dos poucos escritos sobreviventes mundos, o quinto. Os enigmas Maias tância. O declínio Maia surge umas de-
à destruição cristã, onde é encontrada, obtiveram resposta no seu complexo zenas de anos antes do seu previsto fim
a talvez mais extraordinária medição calendário, cidades abandonadas, mi- do mundo, provavelmente a contagem
astronómica Maia, o ano venusiano. O grações em massa, um estranho noma- imparável para o apocalipse os precipi-
ano venusiano correspondente à me- dismo onde sumptuosas cidades eram tou para a decadência, para a fuga dos
dida de 584 dias, medida muito seme- deixadas ao imperialismo da natureza. seus impérios, para a asfixia temporal
lhante às das modernas observações, Após interpretação da sua complexa e angústia da morte, de cada indiví-
de 583,92 dias, acrescentando-se o facto máquina temporal a nitidez dos seus duo, da sua civilização, e do mundo,
das revoluções irregulares do planeta mais profundos desígnios surge, o iní- no século 10 do falso calendário o seu
completamente observadas e interpre- cio do seu complexo sistema temporal mundo acabara, não completamente,
tadas por estes fascinantes astrónomos, revela-se em 3113 antes do profeta cris- mas a colossal civilização se transfor-
5 revoluções sucessivas de 580, 587, 583, tão, por motivos ainda inexplicáveis. mou rapidamente em tribos dispersas,
583, e 587 dias. Interpretando o tempo Ora os seus sistemas temporais ditavam provavelmente desconhecedoras de tão
interpreta-se aquilo que é suposto ser o a existência de 5 mundos, com 1400 incríveis conhecimentos ou simples-
espaço, assim sendo, ao ano sideral foi anos solares cada um, resultado elabo- mente temerosas da pesada máquina
acrescentado o ano mágico, 260 dias, rado de complexos cálculos baseados temporal.
sistema vigesimal multiplicado pelo no seu sistema vigesimal, a calendari- Os Astecas surgem então como os
mágico número 13, ao que se obteve o zação mágica dos 260 dias, equivalente prováveis detentores do quinto mundo,
ciclo de 52 anos, o ciclo provavelmente a 13 vezes o número 20, número mágico aliando conhecimentos vários dos seus
mais importante para a civilização As- encontrado em todas as organizações antepassados à sua veia guerreira. Em
33 ~ Infernus XI
In Otin Ihuan In Tonált in Nicam Tzonquíca

Tenochtitlán brotaram como uma colos- nidade, o choque frontal da estranha respondência com os 5 pontos carde-
sal civilização, uma sumptuosa cida- cristandade contra os povos e nature- ais, um no cimo toca flauta e dança
de da qual agora apenas se poderão za. Notáveis guerreiros e ainda mais enquanto os outros 4, com uma corda
fazer imaginações, à altura da inva- notáveis seres em harmonia com a amarrada a um tornozelo vão descen-
são evangelizadora, Bernal Díaz del natureza, os Astecas produziram e re- do de cabeça para baixo num total de
Castillo, um dos súbditos de Hernán produziram uma estonteante cultura, 13 rotações, sendo então 4 homens
Cortés, o déspota católico, escreveu uma panóplia de deidades associadas temos o número 52, o ciclo de tempo
o seguinte: “Não sei como descrever a uma diversidade natural, um con- correspondente ao tempo que decor-
isto, estamos a ver coisas que nunca junto de diversos rituais executados re entre a coincidência do calendário
antes tínhamos ouvido falar ou visto, sobre diversas festivalidades alusó- solar e o mágico; 4 elementos, terra,
nem sequer sonhado”. Magnificência rias a diversos momentos marcantes ar, fogo, água; 4 estações, 4 ventos,
de limpezas absolutas, cerca de 1000 na sua cultura, um dos mais obsessi- toda uma enorme significância ritual
pessoas na cidade se dedicavam a vos rituais efectuava-se no ciclo de 52 num evento que normalmente é visto
limpá-la diariamente, não seria de es- anos, a altura em que existia coinci- por olhos desatentos como um mero
tranhar que tais limpezas fossem um dência entre o ano solar e o mágico, entretenimento superficial e insigni-
dos muitos choques para a moral cris- altura esperada por um possível fim ficante. Conseguindo um mínimo co-
tã da comitiva conquistadora. Relatos dos tempos e altura em que uma série nhecimento da cosmovisão em causa,
de vários povos evangelizados fazem de ritualizações eram feitas em súpli- as coisas passam a ser mais que nu-
notar um dos pontos mais negativos cas aos deuses, para que um novo ci- merologias e geometrias harmonio-
da cristianice, o mau cheiro, dado que clo de 52 anos se iniciasse. sas, toda uma complexa estrutura de
felizmente, ou infelizmentemente, Poucos vestígios existem depois interacção humana com a realidade
não se vai conservando nas documen- do extermínio espanhol e da evange- envolvente, e de apenas um exemplo
tações escritas, provavelmente toma- lização violenta, livros queimados, se podem vislumbrar uma panóplia
do como secundário. Não será difícil estátuas e outras obras de arte em de rituais diversos com diversos deu-
de perceber que seria bastante primá- ouro derretidas, templos destruídos, ses em causa e de múltiplas perspec-
rio, antes de qualquer relação social e um sem número de atrocidades tí- tivas, desde a necessidade de manter
adviria primariamente o cheiro, au- picas nas tentativas de destruição o ciclo solar através da dádiva à terra
sência de banhos, transpirações den- absoluta de pessoas e culturas pelas da fonte da vida humana, sangue, até
tro de pesados vestuários, limpezas cristianices. Um dos poucos exem- alucinações e contacto com os deuses
vistas como sinais de pecado de sen- plos que ainda subsistem é a Danza embriagados e com ingestões de co-
sualidade e de feminilidades, antes de los Voladores de Papantla, onde gumelos deificados, a complexidade
de quaisquer impurezas de espírito se podem efectuar algumas constru- e diversidade é enorme e em sintonia
e de mente será importante mencio- ções sobre a cultura que praticamente com os calendários, marcas de tem-
nar as impurezas do corpo, nada que deixou de existir. Nesse ritual existe po de referência, a estrutura cultural
fosse inovador na história da Huma- um poste a que sobem 5 homens, cor- Asteca é um hino ao ser humano e às

34 ~ Infernus XII
BM Resende

cas se viram obrigados a construir a


Cidade do México em cima dos seus
anteriores lares, onde todos os deuses
e diversos templos se converteram em
cruzes e mais cruzes, em igrejas iguais
a outras igrejas, onde a cor desapare-
ceu, onde as flores também. Os seus
tesouros, assim consideraram os cris-
tãos, ouro por exemplo, perderam a
sua riqueza ao serem transformados
de obras de arte em rectângulos, as
poucas sobrevivências nem isso o fo-
ram.
Não apenas lhes levaram cruzes,
fogueiras, barbárie, fedor, morte, des-
truição, subserviência, escravatura,
mas também a arma que se revelou
na fonte de vitória para os forasteiros
selvagens, as epidemias europeias,
em toda essa peste se sucumbiu uma
apoteose Humana e cultural, uma ci-
dade que seria das mais belas alguma
vez feitas no planeta, tudo aquilo que
merece ser desenterrado e mostrado
ao mundo, o que merece ressuscitar
e voltar em esplendor, sejam esses
demónios inspirações para futuros,
para filosofias de vida e artes, para
rituais plenos de significância. As fer-
tilidades e chuvas de Tlaloc vivem, o
poder de Huitzilopochtli sente-se, a
estrela da manhã Quetzalcoatl vê-se,
os xamanismos de Tezcatlipoca ilu-
dem, Tonatiuh brilha de dia, Metztli
ilumina a noite. Enquanto o Homem é
Homem, os Astecas vivem... •

suas capacidades intelectuais e físi- em batalha a necessidade mais prio-


cas, às suas formas extremas de inte- ritária seria conseguir prisioneiros, e
racção com a natureza. muitas batalhas deveriam ser feitas
Elaborações de pensamento so- somente para essa necessidade, guer-
bre sacrifícios humanos em contextos ras floridas e mortes floridas os nomes
judaíco-cristãos levam praticamente que tão sumptuosamente lhes davam. “Foi com uma excep-
ao contrário do pensamento Asteca. Ora em batalha os espanhóis pouco
Ora um dos aclamados motivos para se preocupavam com a dignidade do cional mestria que
o extermínio dos Astecas; (não todos, sangue Humano, a chacina era fei-
teriam de sobrar alguns para a escra- ta brutalmente, aliás, indignidade os Maias atingiram
vatura obviamente), para a destruição de tentarem não lutar corpo a corpo,
total de Tenochtitlán e para a erradi- preferindo canhões e a altivez dos ca- os 365,2420 dias, sem
cação total de artes e escritos, foram valos, provavelmente uma horda de
os sacrifícios humanos praticados ri- bárbaros saída de Mictlan, o mundo relógios ou ampulhe-
tualmente. Estes inexistentes nas ci- sobrenatural subterrâneo, pior ain-
vilizações Maias, em profecias do fim da as fogueiras da Inquisição, onde a tas, provavelmente
do último dos mundos a necessidade morte rápida e de dignidade elevada
de rejuvenescimento e de vida Huma- com o mínimo de dor infligida nos apenas com os seus
na sobre o seu sangue tomou lugar sacrifícios rituais era o contrário, uma
importante, a eminência do fim dos morte extremamente lenta na dose de escritos e anotações
tempos era adiada, ou tentada, por agonia inimaginável e na tentativa de
esses e outros rituais de complexas maior indignidade Humana possível. baseados numa ob-
contextualizações, não só o ritual era Bárbaros que chegaram e se fizeram
pleno de dignidade para o sacrificado, convidados, que exterminaram os As- servação do Cosmos
muitas vezes capturados em batalha, tecas e aos sobreviventes lhes deram
norma importante nos contextos, ver- a escravatura e a futilidade e medo constante”
ter sangue no campo de batalha era cristão. Do deserto feito em Tenochti-
considerado indigno para os deuses, tlán com canhões e incêndios os Aste-
35 ~ Infernus XII
Ficheiro mitológico sobre Set
Mosath

O Antigo Egipto é uma das maiores do do Nilo, evocava uma majestosa de mais aprofundada com um dos pla-
mitologias de todos os tempos. Em moldes vivência do povo que iniciou proces- nos. As escolhas eram feitas mediante
próprios de escalas incomparáveis, a ci- sos de vida num mundo de mistérios uma curiosa harmonia com o seu pró-
vilização do Antigo Egipto deu provas ao frescos. Os antigos egípcios lançaram prio livre arbítrio, o que não impediu
mundo de uma existência grandiosamente sementes criativas e originais aos regos que esquecessem tradições ou culturas
frutífera. As suas terras, os seus climas, as do quotidiano do Homem, esses anti- vitais. Em pormenor, um seguidor de
cidades e arquitecturas fabulosas, os seus gos que como povo foram poderosos e um dos deuses fazia escolhas conscien-
segredos, as virtudes e as necrópoles, per- hierarquizados, como seres individuais tes sobre as suas prioridades e sob os
sistem em fascinar o Homem que nasceu foram precursores de causas imortais e seus interesses.
e que vive tantos anos após, facto deveras como politeístas foram artistas de uma O Antigo Egipto foi um local gran-
alusivo ao âmago que uma mitologia repre- imensa imaginação. Os habitantes do dioso, rico, que se expandiu exponen-
senta… Antigo Egipto veneravam e seguiam cialmente sob cintas imperiosas, e que
diversos deuses, uma grande quanti- posou para a fotografia como um fértil
O Antigo Egipto era atestado de dade deles, todavia alguns habitantes império do Antigo Mundo. O clima, a
crenças aguerridas e imortais, com par- entraram numa consciência de maior riqueza dos recursos naturais e toda
tes destas sobre a areia do deserto e com veneração a um tipo ou nome de deus, uma beleza pura ofereceram as vanta-
partes debaixo da mesma. A tonalidade sem nunca deixar de respeitar todos os gens e os seus recreios à evolução do
brilhante da areia, pertence reverencia- outros, mas procurando uma fidelida- Homem naqueles tempos. O Antigo
36 ~ Infernus XII
Mosath

é atribuída. A sua personalidade, que


viveu na era de Ptolemy I, dissipou
muitas manchas na interpretação da
linhagem dos imperadores do Antigo
Egipto. Porém, mesmo a sua interpre-
tação contém alguns nomes de faraós
em dinastias confusas onde estes se en-
contram envolvidos.
A Mitologia é como que uma histó-
ria de deuses e heróis excepcionais da
Antiguidade, com ocorrência em cultu-
ras greco-romanas ou em outros povos,
onde encaixa o estudo dos mitos na sua
natureza prática em factos irracionais
e factos mais lúcidos. A Mitologia, no
âmbito de decomposição, compreende
datas e frases destinadas a pilares de
espaço-tempo na temática do Antigo
Egipto usualmente aproximadas, ao in-
vés de peles com literais conhecimen-
tos. Em muitos casos, não se conhece
pormenorizadamente quanto tempo
um faraó governou ou respirou e há
fontes, textos e narradores que tendem
a contrariar, negar, ou ainda, diferen-
ciar posições. As deturpações de regis-
tos de tempo e medidas de calendariza-
ção ajudam ao avermelhar das noções e
a que exemplos do Antigo Egipto sejam
analisados num modo relativo, nunca
íntegro, num meridiano mental de pe-
quena especulação.
A construção de monumentos e a
criação de artefactos e as sequências de
eventos foram de maior importância
na fase da Humanidade em questão,
por isso é que insufla nos estudiosos
e curiosos esta aproximação de teo-
rias, visualizando as idades de cada
dimensão. Existe nas secretárias mun-
diais uma extensa lista de património
antigo que acolhe os mais importantes
monumentos e sítios arqueológicos do
Egipto, no seu íntimo de sucesso, tota- divisão, estudo à memorável sociedade Antigo Egipto, lista essa que acarreta
lizou mais de três milénios de existên- do Antigo Egipto em massa, expõe-se diversidade de funções, localizações
cia. Essa existência divide-se, por entre em trinta dinastias e é a Manetho, um e conclusões. Locais como Giza, Abu
laços finos, unidades de prosperidade, sacerdote greco-egípcio, que a mesma Rawash, Memphis e Valley of the Kin-
poder e com acontecimentos marcan-
tes, numa forma relativa em alguns
pares de dinastias, linhagens, monar-
quias, impérios… Entender a antiga civilização egípcia é entender
Os antigos egípcios coroaram-se
com luxo em noções de dinastias, as ainda que a mesma floresceu em quotidianos de
quais tendo sido equilibradamente
prósperas e/ou complexas, procedendo trabalho, responsabilidades, cultos, sabedorias,
em bom compasso os seus nomeados
reis de forma natural, sem especula- experiências e engenhos dissemelhantes. Uma
ção. Uma mão grande de egiptólogos
pretendeu quebrar o Antigo Egipto população que viu os olhos do Mundo fortemente
perante as ditas noções das dinastias,
portando a ideia de um fluxo homo- atraídos à sua língua, às suas leis gramaticais e
géneo na cronologia. Por outro lado,
variadas análises à história total do às suas funcionalidades inteligentes a partir dos
Antigo Egipto propõem uma divisão
realmente discriminada, com aspectos papiros.
de fundamentação sobre as proveni-
ências e qualidades dos faraós. Essa
37 ~ Infernus XII
Ficheiro mitológico sobre Set

gs, figuram na lista dos monumentos


e locais de crucial especialidade do
Antigo Egipto, aos quais se retirada a
importância unilateral que carregam,
mostram-se ao mundo com qualidades
e propósitos muito distintos entre si.
Entender a antiga civilização egíp-
cia é entender ainda que a mesma flo-
resceu em quotidianos de trabalho,
responsabilidades, cultos, sabedorias,
experiências e engenhos dissemelhan-
tes. Uma população que viu os olhos
do Mundo fortemente atraídos à sua
língua, às suas leis gramaticais e às
suas funcionalidades inteligentes a
partir dos papiros. O Antigo Egipto
glorifica-se, mas não só, em mitologias,
visto que o seu povo reuniu passagens
lendárias, tratando-se uma delas da
imortalidade… fenómeno com o qual
as próprias mitologias se honram e de
que equitativamente sofrem.
Numa miscelânea de compostos,
de temperamentos e deuses, o Antigo
Egipto cresceu em mensagem e corpo.
Não houve um dia em que a força e a
curiosidade não comandassem o navio
da população e essa força e curiosidade
eram fluidos dos seus deuses. No meio
de planos diversos, um dos deuses
afirmou-se como uma lâmina afiada e
pronta a incendiar canas de normali-
dade ou rebanhos de mediocridade,
lâmina essa que cortava a partir do seu
canto embrenhado e azedo. Esse deus,
pungente, era Set, personagem vil e
altruísta pelos fortes, que agiu em con-
formidade de si mesmo para dar uma
história digna de ser contada no quen-
tinho das atenções do Homem.
Na mitologia egípcia, Set (igual-
mente escrito nas formas Suetekh,
Setesh, Seteh, Seth) é um antigo deus
receado, originalmente o deus de um Set, irmão de Osiris, ficou associado da que Set ganhava terreno, os adeptos
dos principais pólos que constituem o às ideias de caos, infertilidade, deserto de Horus alvitravam o irmão de Osi-
Egipto, o deserto. Set fora popular ini- e tempestade. Set ficou na auréola da ris como um terrível adversário que
cialmente no Delta Oriental, mais con- oposição da fertilidade de Osiris, por- merecia ser derrotado com exactidão.
cretamente em Pelusium, e nesse local que este último representava um Egip- Horus viu-se a vingar mortes e ódios,
concederam-lhe a fama do deus da ini- to, uma vida, fértil. Set engodou Osiris, quando jurou governar plenamente
ciação. Set teve também Tanis como seu a determinada altura, a uma inusitada o Antigo Egipto para escorraçar para
local de culto, no Delta Norte do Egipto armadilha, na qual o assassinou e o sempre Set das areias. Num conselho
(o Baixo Egipto), em que era conside- deitou a marés mais distantes do Nilo, de deuses, no qual Ra era o governa-
rado deus e senhor. Set foi representa- corpo que apesar do estudado exercício dor, criou-se renitentemente decisão de
do no muro da fama como um animal viria a ser descoberto. expulsar Set, por ser de dia para dia um
extravagante de grandes orelhas e com Set e o deus Horus lutavam pela adversário mais tenazmente inteligen-
o cabelo vermelho, o qual faz lembrar soberania maior do Antigo Egipto, um te. No final do conselho e numa astúcia
um cão, um burro, um cavalo… chefe do Norte e outro do Sul e à medi- de deusa, Isis levou Set a condenar-se

“O Antigo Egipto foi um local grandioso, rico, que se expandiu expo-


nencialmente sob cintas imperiosas, e que posou para a fotografia como
um fértil império do Antigo Mundo.”

38 ~ Infernus XII
Mosath

no planeta, Set era uma divindade es-


sencialmente positiva; edificando-se,
visto como uma extensão da existên-
cia, uma metáfora da abstracção das
normas para subir/avançar mais. Por-
tanto, Set fora visto como um deus da
expansão dos limites e fronteiras e das
mudanças radicais do ser, da criatura.
A máxima da imortalidade no Anti-
go Egipto tinha que ver com a adoração
original de Set como uma divindade
estrelar, por isso é que muitos locais fo-
ram identificados como de culto a Set,
servindo estes de prova para a real eta-
pa ascendente que a figura deste teve
nos ambientes do deserto mitológico.
Já referida a verdade de que existiram
momentos de fraca celebração do nome
de Set e, exceptuando a adoração feita
à ideia da imortalidade, um desses mo-
mentos foi aquando do surgimento da
comum adoração solar, que aconteceu
um pouco antes da primeira dúzia de
dinastias. A grande pirâmide de Giza é
de facto um dos últimos monumentos
primitivos ligados ao êxito de adora-
ção da filosofia esotérica da vida após
a morte de e em Set, mas também é li-
gado ao título de monumento solar e o
qual era corpóreo inerente à grandeza
da existência no Antigo Egipto. A gran-
de pirâmide estava relacionada intima-
mente com Set, devido à coluna de ar
especial no interior servir para que o
“Akh” do faraó (basicamente, a noção
da eficácia de vida, a obra, o sumário
das acções numa essência qualitativa)
voasse perfeitamente para a estrela Al-
pha Draconis, que é a estrela de Set na
constelação da Ursa Maior.
No início da XXII dinastia, o Antigo
Egipto encarou um dilatado declínio e
Set tornou-se uma divindade tremen-
em palavras e opiniões em relação a tificação do caos essencial, já que havia damente impopular. O culto a Set ces-
poderes em volta de Horus e ela pró- a necessidade de existir a dualidade sou na quase totalidade dos lugares,
pria. Foi nessa situação de sedução que com o vector da ordem. Set tal-qual foi excepto em alguns oásis a ele associa-
Set se travou na visão de se afastar de conhecido através dos tempos, através dos e na cidade de Tebas, cidade em
domínio, do cargo, da luz do trono do de lutas, palavras, demonstrações, que que o seu culto se deparou de alguma
Antigo Egipto. travou e usou, teve esta honra, que foi forma naufragado no culto de Montu,
Contudo, em tempos, Set também a de ter sido adoptado como a perso- senhor egípcio da guerra de Tebas. Este
foi um lutador da luz, da comunida- nificação do próprio deus dos antigos subterfúgio levou a que os aspectos ne-
de límpida, quando sob divisa do sol Hyksos. Set é igualmente conhecido gativos de isolamento e destruição fos-
de Ra. Continuadamente, auxiliando como uma das mais velhas formas do sem enfatizados em bola em Set.
os seus benfeitores e/ou benfeitor de arquétipo de Prince of Darkness, numa O Antigo Egipto viveu etapas úni-
outros, lutou repetidamente com um simbologia da mitologia da consciência cas, assistiu a diferentes correntes de
monstro semelhante a um réptil desa- temerária e individualista. água e ainda condescendeu decorações
gradável, Apep, durante as viagens por A sua supremacia e a sua graça na Natureza pela mão do Homem. Na
submundos do Antigo Egipto, mundo remontam a épocas anteriores às inti- mitologia egípcia, um passado que
que o acolheria como seu imperador/ tuladas dinásticas do Antigo Egipto. requer segundas análises a pontos co-
nativo. Fala-se de imagens do deus Set datadas muns faz existir versões continuadas,
Set reunia forças imensas do Egipto, antes de 3200, 3800 antes da denomi- diferentes e com novas partes dentro
forças da discórdia, e foi em dinastias nada “Era Comum” (EC) . No Antigo duma mesma história. O deserto era
como a décima nona e vigésima, que Egipto, Set intercalou as suas veias fen- já abismal e os adoradores de Set viam
alguns faraós o incorporaram na sua dentes em períodos de imensa glória e a morte de Osiris como um ingénuo
razão de viver, como, por exemplo, Seti. em períodos de total rejeição. Nos tais afogamento. Apesar de outrora Set ter
O deus Set era filho de Nut e, num períodos antecedentes às catalogadas sido agregado, submisso, a um simples
momento da História, tornou-se a iden- dinastias, nos tempos de todo arcaicos simbolismo da união entre as partes do
39 ~ Infernus XII
Ficheiro mitológico sobre Set

Antigo Egipto, o deus do Baixo Egip- No globo da arte, um plano re-


to guardava-se na função essencial de presentativo do Antigo Egipto, Set
expandir os limites da existência e da foi quase sempre representado como
renovação de energia caótica ao centro uma criação anómala, misteriosa e “O deus Set era filho
do Universo. Para os antigos adorado- desconhecida, de focinho curvado e
res de Set, ele era a escuridão implacá- com orelhas quadradas, que tanto era de Nut e, num momen-
vel que unificava a luz egípcia e apela- mostrado como uma besta, como um
vam a que o assassinato de Osiris não ser humano com a estranha cabeça de to da História, tornou-
era mais do que inerente destruição das animal. Uma informação muito proli-
restrições da sociedade e da aquiescên- ferada quanto às representações de Set se a identificação do
cia da mudança e cultivo próprios em é a de que antes de 3000 antes da EC
confronto com os rasgos que levam à existiram bestas mistas e demais criatu- caos essencial, já que
estagnação. ras arcaicas com que se tentou associar
Os Hyksos, estrangeiros que inva- a imagem de Set, para se fixar origens e havia a necessidade
diram e governaram o Antigo Egipto comparações.
durante o segundo período intermé- Outro acontecimento na mitologia de existir a dualidade
dio (aproximadamente, da dinastia XII do conflito pela coroa do Antigo Egip-
à XVII, 1785 a 1580 antes da Era Co- to explana-se no cerne de Horus ter com o vector da or-
mum), identificaram-se deveras com sido representado como aquele lutador
Set. Este povo firmou-se com grandes acérrimo contra a facção de Set. Num dem..”
cavaleiros, lutadores e adeptos de ma- dos combates, a representação artística
gia e foi sob este povo que as figuras prevê Horus a arrancar os testículos a
do cavalo, do cão agressivo ou do asno Set, mostrando isto que Set admitiu-se
ganharam um peso verosímil na identi- na mitologia egípcia como vítima de albergava ainda características xenó-
ficação de Set. completa infertilidade. Ao passo que fobas, ficou situado entre umas das
Set simbolizou a corrente máxima Horus sentiu parte de um dos seus criações que os egípcios mais temiam,
de um pensamento forte e nas dinastias olhos cortada, relacionando isto a que, os crocodilos e os hipopótamos. Set pa-
XIX e XX viu chegar à linha dos faraós originalmente, continha a hipérbole an- rece ter sido entregue muitas vezes à
uma família de sacerdotes de Tanis, ob- cestral de que os seus olhos eram o sol personificação em outros deuses pode-
viamente anexados ao culto de Set. Ao e a lua, ou seja, Horus ficou na arte do rosos de outros impérios rijos; exemplo
longo de tempos de expansão de fron- Antigo Egipto encarregue de explicar o de Baal, cônjuge de Astaroth ; exemplo
teiras de diverso cariz, Set era extraor- porquê da lua ser menos brilhante do de Teshub, deus do firmamento e o vi-
dinariamente virtuoso, como pôde ser que o sol. ciado em tempestades; exemplo ainda
visto através dos nomes de faraós como Entre demais casos do foro natural dos Antigos Gregos que ligaram Set
Seti (que significa um homem de Set) e e corporal até, Horus viria a provar a com Typhon, porque viam ambos im-
Setnakt (que significa que Set é pode- sua natureza de herdeiro maioritário buídos em forças destruidoras, imen-
roso). do Antigo Egipto à arte que ficaria para sas, no fundo, entidades que nutriam
Intercalando teias e detalhes, na os tempos vindouros. Todavia, mesmo ódio a deuses principais.
mitologia do Antigo Egipto conta-se com o papel de herdeiro de Ra na ter- Ao longo dos tempos, entre pers-
a história da metamorfose de Set num ra, Horus não pôde ignorar o facto de pectivas de disformes temperamentos,
colono que viajava languidamente para que Set assumia o papel de herói prin- Set ficou na arte lembrado, nas paredes
uma estrela, para representar o indiví- cipal de Ra, quando este embarcava de sabedoria, como o líder do submun-
duo que, através de trabalho árduo, nas viagens ao submundo. Horus era o do, o combatente por Ra, o senhor da
através de habilidades mágicas e atra- líder do Antigo Egipto de Ra e Set era parte Norte do Antigo Egipto, o estra-
vés do uso da resistência ao/do mun- o guarda-costas de Ra no mundo que nho mamífero, o deus bravo dos Hyk-
do, torna-se superior, além fronteiras, pertencia a Set. Realmente, o legado da sos, o arquétipo de outros opositores
divino… Set era contado como uma arte do Antigo Egipto mostra-nos Set como os antigos opressores persas, os
particularidade da projecção psíquica, representado na proa do navio da noi- Antigos Gregos ofensivos e as deida-
o qual com os poderes de vontade re- te de Ra, quando enfrentava Apep nas des negras. Finalmente, os Romanos
flectia o dogma que procurava acabar suas múltiplas metamorfoses e quali- foram os que mais celebraram as der-
com as desilusões da vida, assim como dades, mas, surpreendentemente, em rotas de Set, mas mesmo no pico do jú-
reflectia a natureza veneradora da algumas representações do final de um bilo não impediram que Set fosse ainda
consciência religiosa e a fonte interior período categórico, Set assomava-se assim considerado dono e senhor de si
de responsabilidade suprema em todas com cabeça de um falcão (animal repre- e das forças do antigo deserto, nem im-
as coisas. sentativo de Horus), factor que então o pediram que fosse edificado a ele um
Set representou o colossal deserto humilhava numa aparência externa do templo final, o de Mut al-Kharab.
do Antigo Egipto, associado às gazelas, seu inimigo. Esta assimilação também Há alterações nas coordenadas da
burros e a outras criaturas que vivem leva à mão presente de Osiris neste ca- História, desacertos, lançamentos de
na borda do deserto. Ao mesmo tempo pítulo, pois este sempre instituiu por posições físicas de par em par. A Mi-
representou a exactidão da dimensão proximidade o submundo às mãos do tologia não foi censurada, mas sim
de um ser estéril, seco, comummente deus dos mortos, Anubis, e assim con- ingerida. O Antigo Egipto estancou-se
associado ao lado homossexual e uma seguiu deixar na herança artística do em zonas de tempo e espaço muito dis-
das maiores curiosidades em volta de Antigo Egipto Set como submisso ao tantes, mas as suas criações, crenças e
Set é a de que a comida favorita dele heroísmo de Horus, contrariando as- aspectos, chegaram aos tempos de hoje
era a longa e firme alface egípcia, da sim a sua fogosa individualidade. com algum mérito e agora o deserto
qual jorraria uma substância leitosa Sublinhando Set como a coquelu- apresenta tons de uma outra moda.
quando muito esfregada. che da maldade no Antigo Egipto que É evidente que as religiões ou filo-
40 ~ Infernus XII
Mosath

sofias mais centradas na consciência e grande parte na área da magia negra,


no desenvolvimento intelectual foram, assim apelidada por ser o contrato com
ao longo dos tempos, mais exigentes do a inteira responsabilidade pelas acções, “No actual mundo
que as restantes que se acondicionam opções e prestações, que quem a prati-
nas linhas mais fáceis de pensamento ca assina. A religião actual de volta de fútil, Set é o parâmetro
ou em abundantes estímulos em cor- Set utiliza um longo espectro cultural
rentes e/ou acções sem aparente res- e conceptual de ferramentas mágicas, da ausência de metas
ponsabilidade. O tipo de elitismo que não somente as egípcias, e não se co-
está em questão, a exigente inteligência íbe de encontrar novas abordagens e ignorantes, é a ponte
para as razões da consciência, existiu na técnicas. Existem alguns tipos de ma-
antiga sociedade do Egipto, por exem- gia dentro da magia de Set, para cada de um senso de discip-
plo, e não se dispersou com o avanço fim pretendido, mas basicamente todos
das datas, porque hoje em dia ainda se representam determinadas mudanças lina capaz para alcan-
encontra vivo em moldes, mesmo que individuais ideais, no sentido relati-
incompreendidos ou admirados. vo em que aquele que as pratica pode çar invulnerabilidade
Set procura sobretudo honrar e pre- experimentar um nível superior de si
servar a consciência, porque simboliza mesmo, a sua divindade. Set não se fixa na vida. No culto a
a tentativa de compreender o que faz em rotinas ou massas, por isso é que os
com que cada um dos humanos seja in- seus adoradores cooperam apenas uns Set, também se acolhe
dividualmente único, ao mesmo tempo com os outros, ao invés de se juntarem
que se fomenta esse dom para que cada em programas e grupos, os quais mui- a habilidade de recon-
humano se torne mais forte em todas as to desperdiçariam a autenticidade de
suas facetas. Este é um processo para cada um dos seguidores de Set. hecer, iniciar e comple-
a criação de uma essência individual Os cultos e as instituições esotéri-
e poderosa que existe acima e além da cas são mantidas por hierarquias de tar grandes missões.”
vida animal. Este é, nestes parâmetros, qualidade, de resultados, por isso um
o verdadeiro veículo para a imortalida- seguidor de Set dentro de um grupo
de pessoal. legal tem que apresentar trabalho, mé-
A individualidade, a intensidade e rito e consciência criadora, se deseja vros ou pergaminhos, lidos e cantados
as metas pessoais, cabem apenas a cada ascender a patamares superiores de pelos adoradores da sua essência. O co-
indivíduo, independentemente dos estudo. A qualquer seguidor de Set são nhecimento de Set é mutável, tal como
graus ou resultados. O culto a Set nos apresentadas as linhas do sistema, ca- o Universo, logo é normal existir várias
dias de hoje, em determinadas institui- bendo a cada qual mostrar a disciplina, formas de um só escrito. Set é adorado
ções, sobrevém na teoria passada à prá- a aprendizagem, a excelência e a dig- em formas mágicas, filosóficas, ritua-
tica, com sabedoria consciente, ao invés nidade redondas. Visto que Set é tido listas, diversos tipos de estimulação ar-
de emoção ou impulso. No actual mun- como a referência máxima no Universo tística ou consciente, mas muitas vezes
do fútil, Set é o parâmetro da ausência para um seguidor deste, resume-se que as tonalidades que perturbam olhos
de metas ignorantes, é a ponte de um o culto é feito com todo o respeito e en- ignorantes são tomadas como um ve-
senso de disciplina capaz para alcançar caixando na atitude toda uma devota ículo para claramente separar o trigo
invulnerabilidade na vida. No culto a vontade em fazer evoluir o nome do do joio, a nata da prata, como se ne-
Set, também se acolhe a habilidade de antigo deus. Set é celebrado por meio cessárias apenas a preencher um lado
reconhecer, iniciar e completar gran- dos ensinamentos que este deixou, os de gozo metafórico na personalidade
des missões. O legado de Set existe em quais existindo acondicionados em li- de Set face ao mundano e não tidas
como regulamento da existência. Set é
escolhido num lado muito profundo,
na maturidade e na área própria do
poder, de um intelecto, já que é visto
como a matriz que imortaliza a cons-
ciência que age sob a habilidade total.
Os seguidores de Set vêem o mundo
como uma galeria enorme de procura
por bodes expiatórios para que respon-
dam pela infelicidade que este sente
por si próprio, logo são as responsa-
bilidades e prudências por manter in-
tocáveis os assuntos de foro singular e
de maior importância progressista, que
fazem com que o culto a Set respire cal-
mamente em tronos e altares afastados
da sociedade barulhenta, das pessoas
de língua aguçada e mente estática nos
dias de hoje. E o submundo continua,
inteligente, pouco iluminado… •

41 ~ Infernus XII

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