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A GOTA COM SEDE

Antnio Torrado
escreveu e Cristina Malaquias ilustrou

Era uma vez uma gota cheia de sede. No faz sentido,


mas acreditem que assim era. Esta gota de gua queria matar a sede a algum que tivesse muita sede. Desejo grande, desejo nico que a arredondava mais e mais, e a enchia de f como um corao palpitante. Mas no havia meio. Cavalgando uma nuvem, correu o deserto, cata de um viajante sequioso. No encontrou nenhum. Depois, percorreu, por cima dos mares, as ondas revoltas dos oceanos. Talvez um nufrago de boca salgada precisasse dela e da sua ajuda doce. Assim que o visse, ela caa l do alto e poisava nos lbios do nufrago como uma ltima bno. Mas no encontrou nenhum. Queria ser til. No conseguia. 1
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At que a nuvem em que vinha, de carregada que estava, no podendo mais, se desfez em chuva. Ela precipitou-se para a terra, no meio das outras. Vou lavar as pedras da calada dizia uma. Vou mergulhar at raiz de uma planta e dar-lhe vida dizia outra. Vou acrescentar gua a um rio quase seco. Vou ajudar uma azenha a trabalhar. Vou alimentar uma barragem. Vou empurrar um barco encalhado. Isto diziam vrias gotas, todas generosas, enquanto caam. Se cada uma cumpriu ou no o seu destino, no sabemos, porque nesta histria s nos ocupamos da gota com sede de matar a sede. Caiu na copa de uma rvore e foi escorrendo de ramo em ramo, pling, pling, pling, como uma lgrima feliz. At que chegou a uma folha, mesmo por cima de um ninho. Caio? No caio? Deixou-se ficar, a ver no que dava. A casca de um ovo estalou e um passarinho rompeu, aflito, l de dentro, de bico aberto, num grito mudo. Caio decidiu a gota. Soltou-se da folha para a garganta aberta do passarinho, que a engoliu e, logo em seguida, piou, agradecido. Foi o passarinho, tempos depois, que me contou esta histria. FIM

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