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Manual do Atendimento Pré-Hospitalar – SIATE /CBPR

CAPÍTULO 1
A ÉTICA E HUMANIZAÇÃO NO ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR

1. Ética

Toda pessoa é dotada de uma consciência moral que a faz distinguir entre o certo e
o errado, entre o bem e o mal, capacitando-a a avaliar suas ações no contexto a que é so-
licitado, ou seja, é capaz de nortear suas atitudes pela ética, a qual pode-se dizer é um
conjunto de valores, que se tornam deveres em determinadas culturas ou grupos, sendo
expressos em ações.

A ética é, normalmente, uma norma de cunho moral que obriga a conduta de uma
determinada pessoa, sob pena de sanção específica, mas pode também regulamentar o
comportamento de um grupo particular de pessoas, como, por exemplo, bombeiros, polici-
ais, médicos, enfermeiros, etc. A partir deste momento, estamos nos referindo à ética pro-
fissional, mais conhecida como deontologia, que caracteriza-se como conjunto de normas
ou princípios que têm por fim orientar as relações profissionais entre pares, destes com os
cidadãos, com sua guarnição de serviço, com as instituições a que servem, entre outros.
Como a sua margem de aplicação é limitada ao círculo profissional, faz com que estas
normas sejam mais específicas e objetivas, gerando o advento dos Códigos de Ética ela-
borados por associações de classe, como, por exemplo, o Código de Ética Médica Brasi-
leiro.

No caso do Corpo de Bombeiros do Paraná, o Decreto Estadual nº 5.075/98 (Regu-


lamento de Ética Profissional dos Militares Estaduais do Paraná), prescreve em seu artigo
5º, que a “... deontologia militar é constituída pelo elenco de valores e deveres éticos, tra-
duzidos em normas de conduta, que se impõem para que o exercício da profissão militar
atinja plenamente os ideais de realização do bem comum, através da preservação da or-
dem pública.” Assim como a atividade do médico e do enfermeiro possuem codificações
próprias, o bombeiro militar também tem sua conduta pesada em Código próprio, que o
obriga a prestar seu serviço de atendimento pré-hospitalar calcado em valores e deveres
militares, não menos importantes, que o dos códigos dos profissionais de saúde.

Ao longo do Curso de Socorristas, são ensinadas normas técnicas que indicam


fórmulas do fazer, que são apenas meios de capacitação, levando o homem a atingir re-
sultados. Todavia a técnica não deve perder sua correlação natural com as normas éticas,
que atenuam o sofrimento da vítima e humanizam o atendimento.

O socorrista deve saber equilibrar os dois pratos da balança que formam seu cará-
ter profissional: o lado técnico e o lado emocional. Caso haja uma prevalência de qual-
quer um dos lados, o atendimento pode ser comprometido tanto pelo lado humano, quan-

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Ética e Humanização

to pelo lado científico. O bombeiro militar que tenha completo domínio do atendimento
pré-hospitalar, mas que não tenha o discernimento necessário para atuar com atenção es-
pecial nos casos que assim requeiram, não possui o caráter ético-profissional para ser so-
corrista. O mesmo se aplica àquele que possua um equilíbrio emocional e não saiba as
técnicas pré-hospitalares.

Para um atendimento pré-hospitalar satisfatório o socorrista deve possuir, além do


equilíbrio emocional e da competência técnico-científica, uma competência ética, funda-
mental para a humanização do serviço.

A competência ética no atendimento pré-hospitalar é formada por quatro vertentes


de relacionamento, sendo elas:
● Socorrista e outros militares;
● Socorrista e profissionais de saúde;
● Socorrista e vítima;
● Socorrista e parentes/conhecidos/outros envolvidos.
As relações dos socorristas com outros militares e profissionais de saúde não tra-
zem muitos problemas, pois a formação militar facilita o relacionamento. Resta-nos anali-
sar e fundamentar os princípios para um relacionamento ético entre bombeiros e vítimas,
e bombeiros e parentes/conhecidos/outros envolvidos no trauma. Estes dois tipos de rela-
cionamentos estão baseados em três princípios fundamentais:
● Respeito à pessoa;
● Solidariedade;
● Sentimento do dever cumprido.
Tendo por base estas três premissas, o socorrista saberá pautar suas atitudes e
considerar as alterações emocionais decorrentes do trauma. Não se deixará influenciar
pela conduta social da vítima incorrendo num julgamento errôneo (fará um atendimento
imparcial), atentará para os cuidados com a exposição da vítima, terá atenção especial
com crianças, e terá a seriedade como base para uma postura profissional que se espera.

Um atendimento perfeito ocorre quando, mesmo com o sucesso do emprego de to-


das as técnicas dominadas pelo socorrista, atende-se a dignidade da pessoa humana em
todo seu alcance, angariando o respeito e a admiração da vítima e outras pessoas envol-
vidas, pelo elevado grau de profissionalismo existente na corporação.

2. Humanização: Um Abrandamento do Caráter Técnico da Medicina

A Portaria GM/MS n.º 1.863, de 29 de setembro de 2003, trata da “Política Nacional


de Atenção às Urgências” trazendo novos elementos conceituais, como o princípio da hu-
manização.

Parece estranho falar de humanização num campo em que deveria ser implícito o
“amor ao próximo”, como é o caso da medicina. Todavia, com o advento da vida moderna,

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Manual do Atendimento Pré-Hospitalar – SIATE /CBPR

a explosão demográfica e os parcos e poucos recursos e investimentos na área da saúde,


fazem com que o profissional, muitas vezes, tenha uma sensação de impotência frente ao
sofrimento de milhares de pessoas, e, com isso faz crescer no seu íntimo, mesmo que de
modo imperceptível, mecanismos de defesa em que cria uma verdadeira “casca”, não
vendo na vítima uma pessoa, mas um objeto que necessita de seus cuidados profissio-
nais, visto que não tem a solução para todas as mazelas criadas por falta de políticas pú-
blicas de saúde.

Necessário foi ao Ministério da Saúde humanizar o serviço, através de um progra-


ma próprio, visando atenuar os efeitos desumanizantes, que retira da pessoa humana seu
mais importante valor: a dignidade.

No caso do atendimento pré-hospitalar, o conhecimento cientifico deveria ser, por si


só, motivo de sucesso para um resultado positivo quando no socorro à vítima. O que se
tem observado recentemente é que este fator, somado à estressante rotina dos numero-
sos atendimentos diários nos grandes centros, bem como a fragilidade do ser humano,
tanto do paciente como do socorrista (ambos envolvidos com sentimentos de respeito,
simpatia, empatia, angústia, raiva, medo, compaixão), o que tem gerado problemas no
atendimento à vítima. Deixamos de ver nele muitas vezes o ser humano que está necessi-
tado, hora pelo enfoque direto no trauma, hora pela banalização do acidente.

Necessário, então, é falar em humanização no atendimento pré-hospitalar. Então: o


que é humanização ? Podemos entende-la como valor, na medida em que resgata o res-
peito à vida humana, levando-se em conta as circunstâncias sociais, éticas, educacionais
e psíquicas presentes em todo relacionamento humano.

Humanizar o atendimento não é apenas chamar a vítima pelo nome, nem ter um
sorriso nos lábios constantemente, mas também compreender seus medos, angústias e
incertezas, dando-lhe apoio e atenção permanente.

O profissional humanizado deve apresentar algumas características que tornam o


atendimento a um traumatizado mais digno:
● Focalizar não somente o objeto traumático, mas também os aspectos
globais que envolvem o paciente, não se limitando apenas às questões
físicas, mas também aos aspectos emocionais;
● Manter sempre contato com a vitima, buscando uma empatia por parte da
mesma;
● Prestar atenção nas queixas do paciente, tentando sempre que possível
aliviar a dor do paciente;
● Manter a vitima, sempre que possível, informada quanto aos procedimentos
a serem adotados;
● Respeitar o modo e a qualidade de vida do traumatizado;
● Respeitar a privacidade e dignidade do paciente, evitando expor o mesmo
sem necessidade.

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Ética e Humanização

Os profissionais da área da saúde e não oriundos da área da saúde, como os bom-


beiros militares, por sua formação, dedicam-se ao atendimento humanitário. E, assim
sendo devem ter sempre uma conduta humanista, no entender de Pablo González Blas-
co1:
"humanista é o homem que define atitudes concretas
diante da vida, fruto da sua reflexão e como conseqüência
de uma filosofia que norteia sua existência. Se este
homem humanista é médico, essas atitudes que envolvem
a sua própria vida atingirão as outras vidas, aquelas que
ele tem que cuidar, e portanto implicarão uma postura
concreta diante da vida humana, da vida doente, do
sofrimento e da dor, da vida que se acaba".
Humanizar também é, além do atendimento fraterno e humano, procurar aperfeiço-
ar os conhecimentos continuadamente; é valorizar, no sentido antropológico e emocional,
todos os elementos implicados no evento assistencial. Na realidade, a humanização do
atendimento, seja em saúde ou não, deve valorizar o amor ao próximo, prestigiando a me-
lhoria nos relacionamentos entre pessoas em geral.

1
Diretor Científico da SOBRAMFA- Sociedade Brasileira de Medicina de Família. Coordenador do
Programa Eletivo em Medicina de Família do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde- EPM,
UNIFESP. Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM).

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