Texto muito esclarecedor sobre os motivos que levaram as causas da gagueira a serem equivocadamente atribuídas a razões socioculturais. Para mais informações sobre gagueira, visite: http://www.gagueira.org.br
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Índios ndios não gaguejam? gaguejam Verdade ou mito? Nathan Lavid, M.D.*
gagueira sempre foi uma desordem
A sobre a qual recaíram muitos mitos.
Essa força para atrair mitos prova- velmente se deve à importância que a hu- manidade atribui ao ato de se comunicar. Um dos mitos bastante difundidos sobre a gagueira é o de que ela seria uma desordem confinada apenas ao mundo ocidental, em razão da elevada importância da fala em nossa cultura, sendo quase inexistente em outras sociedades. Hoje se sabe que a verda- de é outra. Um por cento da população mundial ga- gueja e a condição afeta todas as etnias e culturas igualmente. Podemos verificar isso através do variado conjunto de palavras que as diferentes culturas usam para descrever a gagueira. Na Etiópia, a palavra do idioma amárico (língua oficial da Etiópia) que signi- fica gagueira é mentebateb. No Japão, usa-se a palavra domori. Os turcos dizem kekele- mek. Todas as culturas orientais e ocidentais reconhecem a desordem e têm palavras para A aparente ausência de gagueira persistente entre os índios Bannock-Shoshoni Shoshoni permaneceu incontestada na litera- liter descrever a gagueira. tura médica por mais de 30 anos. Contudo, em 1983, um estudo publicado na revista Journal of Speech and Hearing Research desfez o equívoco. A ORIGEM DO MITO como uma prova de rejeição. A criança então porque a gagueira era estigmatizada na cul- cu É didaticamente interessante mostrar o tentaria reconquistar a aprovação de seus tura da tribo e por isso os índios jamais ha- h quanto é recente o entendimento da gaguei- pais tentando falar fluentemente. Isso causa- viam apresentado ao doutor qualquer pes- pe ra como uma desordem que afeta indiscri- ria tensão na criança e a tensão levaria ao soa que gaguejava. Zimmerman e sua equipe minadamente todas as culturas. De 1937 a desenvolvimento da gagueira patológica. relataram que os Bannock-Shoshoni Bannock “se sen- 1939, John C. Snidecor, chefe do departa- Há dois elementos na pesquisa de Snide- tiam constrangidos por ter em suas famílias mento de fonoaudiologia da Universidade da cor sobre os Bannock-Shoshoni que dão su- pessoas que gaguejavam” (Zimmerman, Califórnia, em Santa Barbara, entrevistou porte à teoria diagnosogênica: 1983, p. 316). Parte desse constrangimento mais de 800 membros da tribo indígena 1) Como os Bannock-Shoshoni não tinham e estigma resultava resul de uma lenda folclórica Bannock-Shoshoni, situada na reserva de uma palavra para gagueira, eles não poderi- dos Bannock-Shoshoni Bannock “que atribuía a causa Fort Hall, em Pocatello, Idaho (EUA). Snide- am diagnosticar e repreender as crianças da gagueira a uma gestação mal concebida, concebida cor também obteve dados de mais de 1.000 que exibiam a condição. Não ter uma palavra fruto de um desempenho sexual fraco de outros índios Bannock-Shoshoni e sua pes- para gagueira evitaria, portanto, o diagnósti- casais inexperientes” (Ibidem, p. 317). Por- Po quisa "não conseguiu encontrar um só índio co e impediria que os pais rotulassem seus tanto, como uma derivação de sua contrapa- contrap 'puro-sangue' que gaguejasse" (Snidecor, filhos com a condição. rente ocidental (a teoria diagnosogênica), a 1947, p.493). Além disso, ele relatou que a 2) Os Bannock-Shoshoni “exerciam muito teoria dos Bannock-Shoshoni Bannock também atri- língua da tribo não possuía nenhuma pala- pouca pressão sobre as crianças para falar” buía a culpa pela gagueira aos pais, só que vra para gagueira. Sua conclusão foi que os (Ibidem, p.494). Esta ausência de pressão com uma instigante pitada folclórica fol de sexo Bannock-Shoshoni não gaguejavam. era vista como uma menor tensão sobre a e paixão. A conclusão de Snidecor foi publicada no criança para falar fluentemente. Dessa for- Com o passar do tempo, à medida que foi jornal Quarterly Journal of Speech, em 1947. ma, os pais não tentariam apressar prema- se tornando evidente que a gagueira gague do de- Esta data é quase tão importante quanto sua turamente o desenvolvimento normal da senvolvimento não decorria de recrimina- recrimin conclusão, porque na década de 1940 havia fala e assim a gagueira do desenvolvimento ções paternas pressionando pres a criança para uma teoria popular sobre as causas da ga- não ocorreria. falar fluentemente, fluentemente a teoria diagnosogênica gueira do desenvolvimento, e os dados de foi finalmente invalidada. Agora, com os ín- Snidecor — dando conta de que os Bannock- DESFAZENDO O EQUÍVOCO dios Bannock-Shoshoni Bannock oficialmente incluí- Shoshoni não gaguejavam — ofereciam su- dos na lista, sabe-se sabe que cerca de 1% de toda porte a essa teoria. A ausência de gagueira entre os Bannock- a população mundial gagueja — o que re- A causa proposta para a gagueira do de- Shoshoni permaneceu incontestada na lite- presenta 60 milhões de pessoas atingidas senvolvimento que estava em voga em 1940 ratura médica por um bom tempo. Contudo, pela gagueira em todo o mundo. era a “teoria diagnosogênica” da gagueira. em 1983, um estudo publicado na revista Os defensores dessa teoria acreditavam que Journal of Speech and Hearing Research des- REFERÊNCIAS a gagueira começava quando os pais erra- fez o equívoco de Snidecor. Gerald Zimmer- damente “diagnosticavam” seus filhos como man, professor de fonoaudiologia da Univer- Snidecor JC. Why the Indian does not stutter. crianças gagas. Por esta teoria, os pais erra- sidade de Iowa, e seus parceiros de pesquisa Quarterly Journal of Speech (1947); 33:493-95. vam não apenas uma, mas duas vezes. Pri- relataram que os Bannock-Shoshoni tinham Zimmerman G et al. The Indians have many meiro, ao diagnosticar erradamente como no mínimo 17 termos para referir-se à ga- terms for it: stuttering among the Bannock- Bannock gagueira disfluências normais que as crian- gueira. Entre eles estavam: kyctanni, que Shoshoni. Journal of Speech and Hearing Re- R ças tinham enquanto estavam aprendendo a significa “gaguejar”; pybyady, que significa search (1983); 26:315-18. 26:315 falar. E depois, ao reforçar o erro inicial com "ele gagueja"; nicannugi/na, que significa outro, advertindo seus filhos para controlar "ele gagueja cada vez mais" e assim por di- *Nathan Nathan Lavid é médico, estudioso da gagueira e autor a gagueira. Essas advertências — não impor- ante. Snidecor nunca chegou a entrevistar do livro Understandig Stuttering (Compreendendo a ta quais fossem — seriam vistas pela criança nenhum Bannock-Shoshoni que gaguejava, Gagueira).