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Satisfação de Caboclo

Constantino Cartaxo

Tivemos muita alegria,


lhe asseguro, seu Doutô.
Nós plantemo, nós plantemo
nós vimo a planta nascendo
na terra que se abria.
Cumé bonito o roçado!
Despois que o inverno pegou
Foi a lavoura ingrossando,
no mei o mato brotando
e nós na inxada agarrado.

Meus dez fio, meus dez moleque...


─ eram dez moleque, dez ─
impariado ao meu lado
puxando cobra p’rus pés.
Chega acho bom rescordá!
Eita anozim de fartura!
E arrescordando agradeço
a nosso Deus das artura.
Melancia carreguêmo,
deformando os caçuá.

Nosso feijão parecia


quiném gáia de juá,
caruçudo em toda bage.
Pé de mi, na roça, quage
caía cum seu carrêgo.
E o arroz? Vixe, meu nego!
Acredite se quizé:
Quage um pé num fica impé!

Pois, quando o vento abanava


os cacho do arroizal,
os cacho se debruçava
p’ru riba dos outos cacho,
formando os cacho um só cacho,
cuma num vi cacho igual.
No deita-sobe-e-balança
dos caroço, parecia,
na zuada qui fazia,
taliquá um maracá.
Era vê mesmo uma orquesta
qui tocava ao som do vento,
batendo bem direitinho
mode animá uma festa.
Era vê uma sanfona,
infeitada de alegria,
bem animada a tocá.
Tinha cuma bateria
os cacho saculejando.
E os musgo ─ os passarinho
qui se danava a cantá.

Meio dia, quando a gente


pra casa vortava, então,
uvia do passadiço,
bem junto do tabolêro,
o tum-tum-tum do pilão...
acompanhando o batuque
─ parecido cum baião ─
da muié qui lá pisava,
quebrando o mio da lava
mode fazê o pirão.

E, de tarde, satisfeito,
ao regressá do roçado,
a gente incontra o terrêro
intupidinho de gado.
Uns deitado e lá vivendo
cuma rei num apogeu
qui chega a sê um coloço.
Fico inspiando, seu moço.
Fique inspiando mais eu,
e vamo vê no pescoço
do animá um nó andando:
é a comidinha vortando
comida qui ele comeu.

E se dana a mastigá.
Mastigando e remoendo,
remoendo e mastigando
qui as vezes fico pensando
qué preparando o jantá.

E, mais tarde, quando a lua


se acorda, chêia de sol,
despregando no hoizonte
seu coipo com muito brio,
em tuaia, quase nua,
formando um céu lá no céu,
nos braço do firmamento...
eu digo para os meus fio:
vão lá p’rus seu aposento
discançá qui estão cansado.
A véia fica a meu lado.
Eu ispio os óio dela,
ela ispia os óio meu...
a lua nós damo adeus,
fazendo inveja pra ela.

Eu fecho a porta de baixo,


despois a porta de cima...
me incosto mais junto dela,
mode isquentá nosso fogo,
prá miorá nosso crima.

Logo apago o candiêro,


armentando a escuridão,
fazemo o Nome-do-Pade,
rezamo a nossa oração,
despois... nós pega a se ri...

E nós se dana a se ri...

NÓS NUM TEM TELEVISÃO!!!

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